ian fleming - a serviço secreto de sua majestade

Upload: renato-freitas-costa

Post on 04-Apr-2018

236 views

Category:

Documents


3 download

TRANSCRIPT

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    1/291

    1

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    2/291

    2

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    3/291

    3

    Ian Fleming

    A SERVIO SECRETO DE

    SUA MAJESTADE

    traduo de Aydano Arruda

    Clique no ttulo e oua a msica tema do lme

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    4/291

    4

    AoPassavante BASILISCO SABLEe aHILARY BRAY

    que acorreram em auxlio do partido

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    5/291

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    6/291

    6

    tudo algo de efmero e pungente. Trazia-lhe quase vivida-mente demais a lembrana da infncia da sensao ve-ludosa da areia quente e do doloroso raspar da areia midaentre os dedos de seus pequenos ps quando chegara a hora

    de calar sapatos e meias, do precioso montinho de conchase do interessante resto de naufrgio no peitoril da janela deseu quarto. (No, precisamos deixar isso aqui, querido. Vaisujar sua mala!), dos pequenos caranguejos fugindo dos de-dos que tateavam por baixo das algas nos tanques formadosentre as pedras, de nadar, nadar e nadar atravs das on-das danantes que naquele tempo pareciam sempre ilu-minadas pelo sol e depois a irritante e inevitvel hora de

    sair. Estava inteira ali, sua prpria infncia, espalhada sua frente para que pudesse olh-la de novo. Como estavalonge aquele tempo da pazinha e do baldinho! Quantos cami-nhos percorrera desde aquele tempo das sardas, dos ocosde chocolate com leite Cadbury e da limonada espumante!Impacientemente, Bond acendeu um cigarro, endireitou osombros e enou de novo as recordaes sentimentais em seuarquivo h tanto tempo fechado. Hoje era um adulto, umhomem com anos de lembranas sujas e perigosas umespio. No estava sentado naquele abrigo de concreto paraentreter idias sentimentais sobre um amontoado de crian-as raquticas e malcheirosas em uma praia juncada de tam-pas de garrafa e pauzinhos de pirulito, banhada por um margrosso de leo contra queimaduras e de sujeira dos esgotosdo Royale. Estava ali, resolvera ir at ali, para espionar. Es-

    pionar uma mulher.O sol estava-se escondendo. J se podia sentir o frio de

    setembro que cara o dia inteiro oculto por baixo do calor. Aslegies de banhistas batiam rapidamente em retirada, desar-mando seus pequenos acampamentos e subindo as escadaspara atravessar o passeio e abrigar-se na cidade onde co-meavam a acender as luzes nos cafs. O locutor na piscinaapressava seus freqentadores: Allo! Allo! Fermeture dansdix minutes! A dix-huit heures, fermeture de la piscine! For-mando uma silhueta contra o sol poente, as duas lanchas

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    7/291

    7

    de socorro com bandeiras ostentando uma cruz azul sobrefundo amarelo corriam rio acima em direo norte, para seudistante abrigo no Vieux Port. Os ltimos e alegres iates deareia, semelhantes a girafas, fugiam em direo a seu anco-

    radouro entre as dunas de areia. Os trs guardas ciclistasque tomavam conta dos ptios de estacionamento pedalavamentre as leiras de automveis em direo ao posto policialno centro da cidade. Em questo de minutos, a vasta ex-tenso de areia a mar, ainda recuando, j estava a umamilha de distncia caria entregue s gaivotas que logoviriam em bandos apanhar os restos de comida deixados pe-los participantes de piqueniques. Depois a bola alaranjada

    do sol afundaria no mar e a praia, por algum tempo, cariainteiramente deserta at quando, sob o manto das trevas, osamantes furtivos viessem abraar-se rpida e apertadamentenos cantos escuros entre as cabinas de banho e o molhe.

    No trecho de areia pisada abaixo do lugar onde estavasentado James Bond, as duas garotas douradas em excitan-tes biqunis guardavam o jogo de Jokari que haviam pratica-do to provocadoramente e, juntas, subiam correndo a esca-da em direo ao abrigo. Exibiram seus corpos para Bond,pararam e conversaram um pouco, para ver se ele correspon-dia. Quando viram que no correspondia, encaminharam-sede braos dados para a cidade, deixando Bond a imaginarporque as moas francesas tinham umbigos mais salientesdo que as outras. Ser que os mdicos franceses, mesmonesse minsculo aspecto, procuravam aumentar o futuro

    sex-appeal das meninas recm-nascidas?Subindo e descendo pela praia, os guardas salva-vidas

    davam um toque nal em suas buzinas a m de anunciarque iam deixar o servio. A msica da piscina parou no meiode uma melodia e a grande extenso de areia cou repenti-namente deserta.

    Mas no completamente! Umas cem jardas de distn-cia, deitada de bruos sobre uma sada de banho listrada depreto e branco, no pedao de areia rme onde se instalarauma hora antes, ainda l estava a garota, imvel de braos

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    8/291

    8

    abertos, diretamente entre James Bond e o sol poente queagora transformava as poas e os rasos letes de gua emsinuosos rabiscos vermelhos como sangue na distncia in-termediria. Bond continuou a observ-la agora, no siln-

    cio e no vazio, com um pouco mais de tenso. Esperava queela zesse alguma coisa esperava que acontecesse algumacoisa, sem saber o que seria. Seria mais verdadeiro dizer quea estava guardando, pois tinha a sensao intuitiva de queela se encontrava em perigo. Ou seria apenas o cheiro deperigo que havia no ar? James Bond no sabia. S sabia queno devia deixada sozinha, principalmente agora que todosj se haviam retirado.

    James Bond estava enganado. Nem todos se haviamretirado. Atrs dele, no Caf de la Plage, do outro lado dopasseio, dois homens de capa e gorros escuros estavam sen-tados a uma mesa isolada ao lado da calada. Tinham suafrente xcaras de caf meio cheias e no conversavam. Ob-servavam na parede de vidro fosco do abrigo o borro feitopela cabea e ombros de James Bond. Observavam tambm,mas menos atentamente, a distante mancha branca que eraa moa sobre a areia. Sua imobilidade e seus trajes fora deestao teriam causado inquietadora impresso em algumque, por sua vez, pudesse estar observando-os. No havia,porm, ningum a observ-los, exceto o garom que simples-mente os inclura na categoria de maus fregueses, esperandoque fossem embora logo.

    Quando a orla inferior do sol alaranjado tocou o mar, foi

    quase como se a moa tivesse recebido um sinal. Levantou-se vagarosamente e comeou a andar rme e decididamenteem direo ao sol e espuma distante da linha dgua a maisde uma milha. O crepsculo estaria violceo quando ela che-gasse ao mar e poder-se-ia adivinhar que esse era provavel-mente seu ltimo dia de frias, seu ltimo banho de mar.

    James Bond pensava de maneira diferente. Deixou seuabrigo, desceu correndo os degraus at a areia e comeou acaminhar atrs dela em passos rpidos. Atrs dele, do outrolado do passeio, os dois homens de capa tambm pareciam

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    9/291

    9

    pensar de maneira diferente. Um deles jogou bruscamentealgumas moedas sobre a mesa e ambos se levantaram. Ca-minhando rigorosamente em passo certo, atravessaram opasseio at a praia e, como uma espcie de urgente preciso

    militar, avanaram rapidamente lado a lado sobre as pega-das de Bond.Agora o estranho padro de guras sobre a vasta ex-

    tenso de areia vazia e riscada de sangue destacava-se fan-tsticamente. No entanto, era sem dvida algo em que nose devia interferir! O padro tinha um ar perigoso e secreto.A moa branca, o jovem de cabea descoberta e os dois atar-racados perseguidores em torno dessas guras havia algo

    de natureza mortal. No caf, o garom recolheu as moedase olhou as guras distantes, ainda esboadas pelo ltimoquarto do sol alaranjado. Parecia um caso policial ou a ou-tra coisa. Ficaria quieto, mas no se esqueceria. Talvez seunome ainda sasse no jornal.

    James Bond aproximava-se rapidamente da moa. Ago-ra sabia que a alcanaria no momento em que ela chegasse linha dgua. Comeou a pensar no que lhe diria, na maneiracomo a abordaria. No podia dizer: Tive um palpite que vocia suicidar-se, por isso a segui a m de impedi-la. Seria in-fantil dizer: Estava dando um passeio pela praia quando mepareceu reconhec-la. Quer ir tomar alguma coisa quandosair da gua? Finalmente resolveu dizer: Oh, Tracy! e emseguida, quando ela se virasse: Estava preocupado por suacausa. Seria pelo menos inofensivo e, at certo ponto, ver-

    dadeiro.O mar agora estava bronzeado abaixo do horizonte

    amarelado. Uma ligeira brisa do oeste, levando o ar quenteda terra para o alto mar, comeara a soprar e formava pe-quenas ondas de cristas brancas que se estendiam at ondeos olhos alcanavam. Bandos de gaivotas preguiosamentelevantavam vo quando a moa se aproximava, para pousarlogo em seguida. O ar estava cheio de seus gritos e do inces-sante chape-chape das pequenas ondas. A suave penumbraazulada dava um toque adicional de melancolia vazia so-

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    10/291

    10

    lido de areia e mar, agora to distante das confortadorasluzes brilhantes e do agitado movimento de La Reine de LaCote Opale, como Royale-les-Eaux orgulhosamente se ape-lidava. Bond esperava levar a moa de volta para aquelas

    luzes. Observava a esbelta gura dourada no mai brancode uma pea e pensava se iria demorar muito para ouvir suavoz acima do barulho das gaivotas e do mar. Os passos damoa tornaram-se um pouco mais vagarosos quando ela seaproximou da linha dgua. Sua cabea, com os bastos cabe-los louros cados at os ombros, estava ligeiramente curvada,talvez pelos pensamentos ou pelo cansao.

    Bond apressou seu andar at chegar a apenas uns dez

    passos da moa. Eh! Tracy!A moa no se assustou, nem se virou rapidamente.

    Seus passos tornaram-se vacilantes e cessaram. Depois,quando pequena onda se quebrou em seus ps, ela se vol-tou vagarosamente e cou tando-o de frente. Seus olhos,inchados e molhados de lgrimas, olhavam atravs dele. Emseguida, encontraram-se com os olhos de Bond. Ela dissecom voz sem expresso:

    Que ? Que deseja? Estava preocupado por sua causa. Que est fazendo

    aqui? Que que h?A moa olhou de novo atravs dele. Sua mo direita

    cerrada subiu at a boca. Por trs dela, a moa disse algu-ma coisa, alguma coisa que Bond no pde entender. Depois

    uma voz atrs de Bond, muito perto, disse macia e sedosa-mente:

    No se mova se no quiser car machucado.Bond virou-se e agachou-se rapidamente com a mo no

    revlver dentro do palet. Os rmes olhos prateados de duasautomticas tavam-no zombeteiramente.

    Bond endireitou-se devagar. Deixou a mo cair do lado ea respirao presa saiu entre seus dentes em um silvo baixo.As duas sionomias inexpressivas e prossionais disseram-lhe ainda mais que os dois olhos prateados das automti-

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    11/291

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    12/291

    12

    Bond olhou para trs. A moa nada dissera, no ex-pressara surpresa nem alarma. Agora estava de costas parao grupo, olhando para o mar, aparentemente calma e des-preocupada. Que signicaria isso tudo, em nome de Deus?

    Teria ela sido usada como isca? Mas por quem? E agora queia acontecer? Iriam execut-lo e deixar seu corpo ali para serdepois arrastado para a praia pela mar? Parecia a nica so-luo. Se se tratava de alguma espcie de negcio, os quatrono poderiam simplesmente caminhar de volta atravs deuma milha de areia at a cidade e despedir-se cortesmentena escada do passeio. No. Aquilo era o ponto terminal. Ouno seria? Do norte, atravs da profunda penumbra azulada,

    veio o ronco rpido e matraqueante de um motor de popa e,quando Bond olhou para aquele lado, apareceram os contor-nos imprecisos de um barco de socorro Bombard, a lanchade borracha invel de fundo chato com um nico motorThompson na popa achatada. Ento tinham sido avistados!Pela guarda-costa talvez? E agora chegava socorro! Por Deus,liquidaria com esses dois bandidos quando chegassem po-lcia porturia no Vieux Port! Mas que histria contaria arespeito da moa?

    Bond virou-se para olhar os homens. Imediatamentepercebeu o pior. Os homens haviam enrolado as calas at osjoelhos e estavam esperando, calmamente, com os sapatosem uma mo e as armas na outra. No era socorro. Era sim-plesmente parte do assalto. Muito bem! Sem prestar atenoaos homens, Bond curvou-se, enrolou as calas como eles

    haviam feito. Enquanto mexia nas meias e nos sapatos, em-palmou uma das facas que guardava no calcanhar e, viran-do-se a meio para o barco que agora estava parado sobre aareia, transferiu-a para o bolso direito da cala.

    Nenhuma palavra foi trocada. A moa subiu primei-ro para bordo, seguida por Bond e, nalmente, pelos doishomens que ajudaram o motor com um empurro nal napopa. O barqueiro, que se assemelhava a qualquer outro pes-cador francs de alto mar, fez virar a proa chata da Bombard,engatou a marcha para a frente e o barco partiu em direo

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    13/291

    13

    norte, enquanto os cabelos dourados da moa voavam paratrs e roavam suavemente as faces de James Bond.

    Tracy. Voc vai car resfriada. Tome. Aqui est meupalet.

    Bond tirou o palet. A moa estendeu uma mo paraajud-lo a vestir nela o palet. No processo, sua mo en-controu-se com a dele e apertou-a. Que diabo era isso ago-ra? Bond encostou-se mais nela. Seu corpo correspondeu.Bond tou os dois homens. Estavam sentados, curvadospara proteger-se do vento, com as mos nos bolsos, vigilan-tes, mas um tanto indiferentes. Por trs deles o colar de luzesde Royale distanciou-se rapidamente at parecer apenas um

    claro dourado no horizonte. A mo direita de James Bondprocurou a confortadora faca no bolso e seu polegar correupela lmina aada como navalha.

    Enquanto imaginava como e onde poderia ter oportu-nidade de us-la, o resto de seu esprito voltava-se para asvinte e quatro horas anteriores e nelas procurava a poeiradourada da verdade.

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    14/291

    14

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    15/291

    15

    2

    grande turismo

    QUASE EXATAMENTE vinte e quatro horas antes, Ja-mes Bond estava dirigindo com carinho seu carro, o velhoBentley Continental chassi tipo R com o grande motorde 6 cilindros e uma proporo de 13:40 no eixo traseiro

    que guiava havia trs anos ao longo daquele rpido masmontono trecho da N. 1 entre Abeville Montreuil, que oturista ingls percorre para voltar a seu pas pela Silver CityAirways, embarcando em Le Touquet ou por barca, partindode Boulogne ou Calais. Corria a uma velocidade segura, en-tre oitenta e noventa milhas, dirigindo pelo piloto automticoque existe embutido em todo motorista da classe de rally.

    Tinha o esprito totalmente ocupado pela redao de sua car-ta de demisso do Servio Secreto.A carta, sobrescritada Pessoal para M, chegara ao se-

    guinte estgio:

    Senhor:Tomo a liberdade de solicitar-lhe que aceite minha re-

    signao do Servio, a partir desta data.

    Minhas razes para este pedido, que apresento comgrande pesar, so as seguintes:

    (1) Minhas funes no Servio, at cerca de doze mesesatrs, relacionavam-se com a Seo Duplo-O e V. Exa. tevea bondade, de tempos a tempos, de expressar sua satisfaopelo meu desempenho daquelas funes, que eu, de minhaparte, executei com prazer. Para meu dissabor (Bond cara

    contente com essa bela palavra), porm, aps ter sido con-cluda com xito a Operao Thunderball, recebi de V. Exa.instrues pessoais para concentrar todos os meus esforos,

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    16/291

    16

    sem prazo determinado (outra expresso feliz!), na persegui-o de Ernest Stavro Blofeld e em sua captura, juntamentecom a de quaisquer membros do ESPECTRO ou seja, Es-pecial Executivo de Contra-Espionagem, Represlia e Extor-

    so se essa organizao tivesse sido reconstituda depoisde sua destruio no clmax da Operao Thunderball.(2) Aceitei a misso, como V. Exa. deve lembrar-se, com

    relutncia. Pareceu-me, conforme me manifestei na ocasio,que essa era matria puramente investigatria que podia sermelhor encaminhada, com o emprego de mtodos policiaisdiretos, por outras sees do Servio estaes locais, servi-os secretos estrangeiros aliados e Interpol. Minhas objees

    foram rejeitadas e, j h quase doze meses, tenho-me dedica-do em todo o mundo a um trabalho rotineiro de detetive que,no referente a qualquer sombra de rumor, a qualquer indcio,se mostrou abortivo. No encontrei o menor trao desse ho-mem nem de um ESPECTRO reconstitudo, se que existe.

    (3) Meus numerosos apelos para ser dispensado dessacansativa e infrutfera misso, mesmo quando dirigidos a V.Exa. pessoalmente, foram ignorados ou, s vezes, rispida-mente repelidos, e meus freqentes reparos (outra boa pa-lavra!) no sentido de que Blofeld est morto foram tratadoscom uma atitude que s posso descrever como de escassacortesia. (Esta bem precisa! Talvez precisa demais!)

    (4) As desagradveis circunstncias acima mencionadasatingiram recentemente seu clmax com minha misso secre-ta (Ref. Estao RS 437/007) em Palermo, em perseguio a

    uma lebre de falsidade absolutamente escandalosa. Este ani-mal tomou a forma de certo Blauenfelder, cidado alemoperfeitamente respeitvel dedicado vinicultura especi-camente ao enxerto de uvas de Moselle nas variedades sici-lianas a m de aumentar o contedo de acar das ltimas,que, para simples conhecimento de V. Exa. (Cuidado, meuvelho! melhor redigir isto tudo de novo!), tm tendnciaa acidez. Minhas investigaes sobre esse indivduo zeramcom que chamasse a ateno da Maa e minha partida daSiclia foi ignominiosa, para no dizer pior.

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    17/291

    17

    (5) Levando em considerao o mencionado e, especi-camente, o continuado mau aproveitamento das qualidades,embora muito modestas, que anteriormente me recomenda-vam para as funes mais rduas e, para mim, mais com-

    pensadoras, relacionadas com o trabalho da Seo Duplo-O,peo a V. Exa. permisso para apresentar minha resignaodo Servio.

    Sou, Excelncia, seu criado obediente,007.

    Naturalmente, reetiu Bond, enquanto conduzia o com-prido cofre de seu carro por uma curva em S, teria de rees-

    crever grande parte da carta. Alguns trechos estavam umtanto pomposos e havia uma ou duas expresses sarcsti-cas que precisavam ser eliminadas ou atenuadas. Contudoessa era a essncia do que ditaria a sua secretria quandovoltasse ao escritrio dali a dois dias. E se ela rompesse emlgrimas, que fosse para o inferno! Pretendia seriamente fa-zer o que pensava. Estava cheio de perseguir o fantasma deBlofeld. E o mesmo se aplicava ao ESPECTRO. O negcio foradesmantelado. Mesmo um homem de gnio como Blofeld, naeventualidade impossvel de ainda existir, jamais poderia porde novo em funcionamento uma mquina daquela enverga-dura.

    Foi ento, em um trecho reto de dez milhas atravsde uma oresta, que o negcio aconteceu. Gritos agudos debuzinas triplas lanaram a discrdia em seus ouvidos e um

    carro branco e baixo de dois lugares, uma Lancia modeloFlaminia Zagato Spyder com a capota arriada, passou ve-lozmente por ele, tirando uma na do cofre de seu Bentleye distanciando-se, com o ronco do escapamento duplo eco-ando nas rvores que margeavam a estrada. Era uma moaquem estava guiando, uma moa com um escandaloso lenocor-de-rosa amarrado sobre os cabelos, deixando uma curtacauda cor-de-rosa que o vento mantinha em posio horizon-tal atrs da cabea.

    Se havia uma coisa, alm de brincar com armas de fogo,

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    18/291

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    19/291

    19

    sa aderncia estrada da Lancia nas aldeias e tambm,como Bond precisou admitir, para a fria e maravilhosa ha-bilidade de motorista da garota. Apareceu ento um grandeanncio de Michelin dizendo: Montreuil 5, Royalle-les-Eaux

    10, Le Touquet-Paris-Plage 15. Bond cou pensando qualo destino da moa e discutiu consigo mesmo se esquecia oRoyale e a noite que prometera a si prprio no seu famosocassino, para seguir o outro carro at onde quer que ele fossee descobrir quem era aquela diablica garota.

    A deciso foi tirada de suas mos. Montreuil uma ci-dade perigosa com sinuosas ruas caladas de pedras e muitotrfego rural. Bond estava cinqenta jardas atrs nos subr-

    bios, mas, com seu grande carro, no podia acompanhar aveloz Lancia da garota atravs dos riscos. Quando saiu dacidade e entrou na passagem de nvel taples-Paris, o outrocarro havia desaparecido. Surgiu esquerda a entrada paraRoyale. Haveria mesmo um pouco de poeira pairando no arsobre a curva? Bond entrou na curva, sabendo que ia v-lade novo.

    Inclinou-se para a frente e desligou a chave vermelha.O gemido do ventilador cessou e o carro cou silencioso, en-quanto Bond dirigia relaxando seus msculos tensos. Ficoupensando se o supercarregador no teria danicado o motor.Contra as solenes advertncias da Rolls-Royce mandara omecnico de sua conana na ocina do Q.G. adaptar umsupercarregador Arnott controlado por engrenagem magnti-ca. A Rolls-Royce dissera que os mancais do virabrequim no

    suportariam a carga adicional e, quando ele confessou o quehavia feito, a rma pesarosamente, mas com rmeza, retirousuas garantias e isentou-se de responsabilidade por seu lhoadulterado. Essa era a primeira vez em que Bond atingia 125milhas e o marcador de rotaes oscilara perigosamente so-bre a linha vermelha dos 4 500. Mas a temperatura e o leoestavam timos e no houvera rudos suspeitos. Alm disso,fora realmente divertido!

    James Bond avanou devagar pelo belo terreno que dacesso a Royale, passando entre as jovens faias e os cheiro-

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    20/291

    20

    sos pinheiros, prelibando a noite que se aproximava, lem-brando-se de suas outras peregrinaes anuais a este lugare particularmente da grande batalha atravs da cortina quetivera com Le Chiffre muitos anos atrs. Fizera muita coi-

    sa desde ento, desviara-se de muitas balas, evitara muitasvezes a morte e amara muitas mulheres, mas havia naque-la aventura determinada um carter dramtico e pungenteque todo ano o arrastava de volta para Royale, seu cassino ea pequena cruz de granito que, no humilde cemitrio, diziaapenas: Vespert Lynd. R. I. P.

    E agora que lhe reservava o lugar nessa bela noite desetembro? Um grande ganho? Uma grande perda? Uma bela

    garota aquela garota?Primeiro era preciso pensar no jogo. Estava no m de

    semana da clture annuelle. Exatamente nesse sbado oCasino Royale tinha a ltima noite de sua temporada. Erasempre um grande acontecimento e haveria peregrinos atmesmo da Blgica e da Holanda, alm dos ricos freqentado-res habituais vindos de Paris e Lille. Alm disso, o SyndicatdInitiative et des Bains de Mer de Royaleabria tradicional-mente suas portas a todos seus empreiteiros e fornecedoreslocais. Havia champanha de graa e um grande e farto bufetepara recompensar a populao da cidade por seu trabalhodurante a temporada. Era uma festa impressionante que ra-ramente terminava antes da hora do desjejum. As mesas -cavam repletas e o jogo era realmente muito alto.

    Bond tinha como capital particular um milho de fran-

    cos francos velhos, naturalmente, valendo cerca de oito-centas libras. Sempre calculava seus fundos particulares emfrancos velhos. Com isso sentia-se mais rico. Por outro lado,calculava suas despesas ociais em francos novos porqueassim pareciam menores no provavelmente para o con-tador-chefe no Q. G.! Um milho de francos! Naquela noiteera um milionrio! Oxal assim permanecesse at a manhdo dia seguinte!

    Agora entrava na Promenade des Anglais e ali estava ainfeliz fachada Imprio do Hotel Splendide. No espao pedre-

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    21/291

    21

    gulhado ao longo da escada, viu o pequeno Lancia branco.Nesse momento, um carregador, com colete listrado e aventalazul, subia os degraus levando duas malas Vuittonpara aentrada do hotel.

    James Bond levou seu carro para a leira de autom-veis caros no ptio de estacionamento, disse ao mesmo car-regador, que agora estava tirando do Lancia coisas peque-nas e caras, que fosse buscar suas malas e encaminhou-separa a portaria. O gerente assumiu solenemente as funesdo recepcionista e cumprimentou Bond com uma efuso dedentes de ouro, ao mesmo tempo que anotava mentalmente ofato para causar boa impresso ao Chef de Policeanunciando

    a chegada de Bond, a m de que o Chef, por sua vez, pudessecausar boa impresso ao Deuximee SDT enviando a not-cia para Paris pelo teletipo.

    A propsito, MonsieurMaurice disse Bond quem a senhora que acaba de chegar no Lancia branco? Esthospedada aqui?

    Sim, monCommandant conrmou o gerente, mos-trando mais dois dentes em um sorriso entusistico. Asenhora amiga muito querida da casa. O pai um grandeindustrial do Sul. Trata-se de La ComtesseTeresa di Vicenzo.Monsieur j deve ter lido seu nome nos jornais. Madame laComtesse uma senhora... como direi?... o sorriso tornou-se secreto, entre homens uma senhora, digamos, que viveplenamente a vida.

    Ah, sim. Obrigado. E como foi a temporada?

    A conversa continuou enquanto o gerente acompanha-va pessoalmente Bond no elevador e o conduzia a um dosbelos quartos Directoirecinzento e branco, com colcha cor-de-rosa sobre a cama, de que Bond se lembrava to bem.Depois, com uma troca nal de cortesias, James Bond cousozinho.

    Bond sentia-se ligeiramente desapontado. Ela pareciaum pouco importante demais para ele, que no gostava demulheres, como estrelas de cinema, por exemplo, que fossemde alguma maneira propriedade pblica. Gostava de mulhe-

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    22/291

    22

    res particulares, mulheres que ele prprio pudesse descobrire tornar suas. Talvez, admitiu, houvesse um esnobismo savessas nisso. Talvez, ainda menos recomendvel, fosse por-que as famosas eram menos fceis de obter.

    Quando as maltratadas malas chegaram, arrumousuas coisas sossegadamente e em seguida pediu copa umagarrafa de Taittinger Blanc de Blanc, que era sua bebida tra-dicional no Royale. Quando chegou a garrafa, em seu baldede prata gelado, bebeu um quarto dela. Depois entrou nobanheiro, onde tomou um banho frio de chuveiro e lavouseus cabelos com Pinaud Elixir, o prncipe dos shampoos,para tirar a poeira da estrada. Em seguida, vestiu sua cala

    de tropical azul escuro, camisa branca de algodo, meias esapatos esporte (odiava cordes de sapato) e foi sentar-se aolado da janela, olhando do passeio para o mar e pensandoonde iria jantar e o que iria comer.

    James Bond no era um gourmet. Na Inglaterra, viviade bifes grelhados, oeufs cocotte e rosbife frio com saladade batatas. Quando viajava no estrangeiro, porm, geralmen-te sozinho, as refeies eram agradveis pausas no dia, algoque esperava com ansiedade, algo que rompia a tenso deguiar com velocidade, com os riscos assumidos ou evitados,as escapadas por um triz, a constante preocupao com oestado de sua mquina. Com efeito, nesse momento, aps terpercorrido a longa distncia desde Ventimiglia, na fronteiraitaliana, em trs confortveis dias (sabia Deus que no haviarazo para voltar depressa ao Q. G.!), estava cheio das arma-

    dilhas de apanhar turistas gulosos e tolos. As Hotelleries,os Vieilles Auberges, os Relais Fleuris passara por to-dos eles. Experimentara suas Bonnes Tables e suas FineBouteilles. Provara suas Spcialits du Chef geralmenteum rico molho de creme e vinho, com alguns pequenos co-gumelos, ocultando carne ou peixe de m qualidade. Passarapor todo o ritual de estalar os lbios ao provar vinho e a co-mida, e, diga-se de passagem, tomara tambm o sucientedo Bisodol que acompanha isso tudo.

    A religio da barriga dos franceses dera-lhe seu ltimo

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    23/291

    23

    pontap na noite anterior. Desejando evitar Orlans, pararaao sul dessa cidade nada inspiradora e escolhera uma imi-tao de Auberge breto na margem sul do Loire, apesar desua profuso de vitrinas e vigas simuladas, ignorando o gato

    de loua que perseguia o pssaro de loua atravs de seutelhado de duas guas, porque cava bem beira do Loire talvez o rio preferido por Bond em todo o mundo. Aceitaraestoicamente as panelas de cobre batidas a martelo, os uten-slios de cozinha de bronze e outras falsas antigidades queenchiam as paredes do salo de entrada, deixara sua malano quarto e fora dar um agradvel passeio ao longo do rio, so-bre cujas guas preguiosas deslizavam andorinhas. Na sala

    de jantar, onde havia um pequeno grupo de turistas, soou oalarma. Por cima da lareira de achas eltricas e atiadoresexcessivamente polidos, pendia um escudo de gesso com oterrvel emblema: YCY DOULCE FRANCE. Todos os pratos,de pavorosa loua local, traziam o trocadilho, irritantementeincompreensvel: Jamais en Vain, Toujours en Vin. O gros-seiro garom, com o cansao de n de saison, serviu-lhe oPt Maison em que pousavam moscas e uma Poularde lacremeque era a nica antigidade genuna da casa. Melan-clicamente Bond zera descer essa na refeio com umagarrafa de Pouilly Fuiss falsicado e fora nalmente insul-tado na manh seguinte com uma conta de mais de cincolibras pelo jantar.

    Para apagar todas essas lembranas disppticas queBond estava agora sentado ao lado da janela, bebericando

    seu Tittinger e pesando os prs e os contras dos restauran-tes locais, pensando em que pratos seria melhor arriscar.Finalmente escolheu um de seus restaurantes favoritos naFrana, um estabelecimento modesto, instalado de maneirapouco promissora exatamente defronte estao ferroviriade taples. Telefonou para seu velho amigo Monsieur Bcaudreservando uma mesa e, duas horas depois, estava guiandode volta para o Cassino, tendo na barriga Turbot poch, saucemousselinee metade da melhor perdiz assada que j comeraem sua vida.

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    24/291

    24

    Grandemente encorajado e ainda mais estimulado pormeia garrafa de Mouton Rothschild 53, um copo de Calvadosde dez anos de idade e trs xcaras de caf, subiu alegremen-te as apinhadas escadas do Cassino com absoluta certeza de

    que essa ia ser uma noite memorvel.

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    25/291

    25

    3

    o gambito da vergonha

    A BOMBARD contornara a bia de sineta de onde par-tiam lgubres sons e estava agora subindo vagarosamente orio Royale contra a correnteza. As alegres luzes do pequenoancoradouro onde se abrigavam os iates que atravessavam o

    canal da Mancha mostravam-se bem acima na margem di-reita. Passou pela mente de Bond a idia de esperar at che-garem um pouco acima do ancoradouro para ento enar afaca no lado e no fundo do barco de borracha e nadar em di-reo margem. J ouvia, porm, mentalmente o estampidodas pistolas, o zumbido e o chape das balas em volta de suacabea at, provavelmente, surgirem a brilhante exploso de

    luz e o lampejo de conhecimento de que havia chegado om. Alm disso, a moa seria capaz de nadar, principalmen-te naquela correnteza? Bond estava agora com muito frio.Encostou-se mais moa e voltou a relembrar os aconteci-mentos da noite anterior, juntando suas lembranas paraque servissem de indcios.

    Depois da longa caminhada atravs da Salle dEntre,passando diante das vitrinas de Van Cleef, Lanvin, Hermes e

    os demais, houve a breve pausa para identicao na com-prida mesa diante das leiras de chrios, o pagamento daCarie dEntre pour les Salles de Jeux a rpida e compto-mtrica inspeo do sionomista na entrada, a curvatura emesura do porteiro de vistoso uniforme na porta, e JamesBond viu-se no bojo da bela e perfumada mquina.

    Parou por um momento ao lado da caixa, com as na-

    rinas aspirando o odor da movimentada, eltrica e elegantecena, depois caminhou vagarosamente para a principal mesade chemin de fer ao lado da entrada do bar luxuosamente

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    26/291

    26

    mobiliado e foi avistado por MonsieurPol, o Chef de Jeu dojogo alto. MonsieurPol falou com um huissier e Bond foi le-vado ao Nmero Sete, reservado por uma cha sada do bolsodo huissier. Este deu uma rpida escovada na baeta dentro

    da linha aquela famosa linha que fora o pomo da discrdiano caso Tranby-Croft envolvendo o rei Eduardo VII lustrouum cinzeiro e puxou a cadeira para Bond. Bond sentou-se. Acaixa estava do outro lado da mesa, no Nmero Trs. Alegree sossegado, Bond examinou os rostos dos outros jogadoresenquanto o Changeur trocava suas notas de cem mil porchas vermelhas de dez mil cada uma. Bond arrumou-as emuma pilha bem feita sua frente e observou o jogo que, como

    viu por um aviso pendurado entre os abajures de capa verdesobre a mesa, tinha um mnimo de cem francos novos ou dezmil francos velhos. Observou, porm, que cada banqueiro es-tava abrindo o jogo com mais de quinhentos francos novos dinheiro grosso o que correspondia a quarenta librasde sada.

    Os jogadores eram a habitual mistura internacional trs magnatas de tecidos de Lille vestindo dinner-jacketscom muito enchimento, um par de gordas mulheres enfei-tadas de diamantes que poderiam ser belgas, uma inglesapequena em estilo Agatha Christie que jogava quietamente ecom xito, e talvez fosse proprietria de uma vila, dois ame-ricanos de meia-idade com ternos escuros que pareciam ale-gres e ligeiramente embriagados, provavelmente vindos deParis, e James Bond. Espectadores e apostadores ocasionais

    formavam uma dupla leira ao redor da mesa. Nenhumamoa!

    O jogo estava frio. A caixa andava vagarosamente aoredor da mesa, com cada banqueiro perdendo naquela te-mvel terceira mo que, por alguma razo, a barreira desom que no chemin de fer se precisa romper para ter umarodada. Sempre que chegava a vez de Bond, este cava emdvida se devia curvar-se diante do padro e passar a bancadepois da segunda mo. Cada vez, durante quase uma horade jogo disse a si mesmo obstinadamente que o padro seria

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    27/291

    27

    rompido e por que no com ele? As cartas no tm memriae j era tempo de mudarem. E cada vez, como acontecia comos outros jogadores, ele perdia na terceira mo. O baralhochegou ao m. Bond deixou seu dinheiro sobre a mesa e foi

    dar uma volta pelas outras mesas, visitando a roleta, o tren-te et quarente e a mesa de bacar, para ver se encontravaa moa. Quando ela o ultrapassara naquela tarde guiando aLancia, s pudera ter um vislumbre da cabeleira loura e deum perl puro e bastante autoritrio. Mas sabia que a reco-nheceria imediatamente, mesmo que fosse apenas pelo laode magnetismo animal que os unira durante a corrida. Noviu sinal dela, porm.

    Bond voltou mesa. O croupier estava embaralhandoos oito maos para formar o bloco oblongo que logo seria in-troduzido na caixa. Como Bond estava atrs dele, o croupierofereceu-lhe a carta vermelha neutra para cortar o baralho.Bond esfregou a carta entre os dedos e, com divertida deli-berao, enou-a quase at o meio do baralho. O croupiersorriu-lhe ao ver sua deliberao, aplicou a legerdemain queno devido curso traria a carta vermelha para a boca da cai-xa e pararia o jogo exatamente seis cartas antes do m dobaralho, introduziu o longo bloco de cartas na caixa, enoua lngua de metal que as mantinha presas e anunciou, comvoz alta e clara: Messieurs (tradicionalmente as mesdamesno so mencionadas; desde os tempos da rainha Victoriaexiste a presuno de que damas no jogam), les jeux sontfaits. Numero six la main. O Chef de Jeu, em seu trono

    por trs do croupier, repetiu o anncio, os huissiers ar-rebanharam os jogadores distantes, fazendo-os voltar a seuslugares, e o jogo comeou de novo.

    James Bond conantemente abafou a banca do mag-nata de Lille sua esquerda, ganhou, fez a cagnotte comalgumas chas pequenas e dobrou a parada para dois milfrancos novos duzentos mil francos velhos.

    Ganhou essa mo e a seguinte. Agora era vencer o obs-tculo da terceira mo e lanar-se corrida! Ganhou-a comum nove natural! Oitocentos mil na banca (foi o que Bond

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    28/291

    28

    calculou). Ganhou de novo, desta vez com diculdade seuseis contra um cinco. Depois decidiu jogar seguro e juntarum pouco de capital. Do milho e seiscentos, pediu que osseiscentos fossem postos en garage, retirados da parada,

    deixando uma banca de um milho. Ganhou outra vez. Agoraps um milho en garage. A banca era novamente de ummilho e agora Bond tinha garantido um milho e seiscentosacontecesse o que acontecesse! Estava sendo difcil, porm,completar sua parada. A mesa comeava desconar desseingls moreno que jogava to calmamente, a desconar domeio sorriso de certeza em sua boca quase cruel. Quem seriaele? De onde viria? Que fazia? Havia um murmrio de exci-

    tada especulao ao redor da mesa. J zera uma rodada deseis mos. O ingls embolsaria sua pequena fortuna e passa-ria a banca? Ou continuaria a bancar? Sem dvida as cartastm de mudar! Mas a deciso de James Bond estava tomada.As cartas no tm memria na derrota. Tambm no tmmemria na vitria. Bancou mais trs mos acrescentandocada vez um milho sua garage. Em seguida, a pequenae velha dama inglesa, que at ento deixara as apostas paraos outros, entrou e abafou-lhe a banca na dcima mo. Bondsorriu-lhe, sabendo que ela ia ganhar. E ela ganhou, vergo-nhosamente, com um az contra a bche de Bond doisreis, fazendo zero.

    Houve um suspiro de alvio em roda da mesa. O encan-to fora quebrado! E um sussurro de inveja quando as pesa-das placas de madreprola formando uma pilha de quase

    um p de altura, com o valor de quatro milhes e seiscentosmil francos, bem mais de trs mil libras, foram empurradasna direo de Bond pela esptula do croupier. Bond jogouuma placa de mil francos novos para o croupier, recebeu otradicional Merci, Monsieur! Pour le personnel! e o jogocontinuou.

    James Bond acendeu um cigarro e prestou pouca aten-o enquanto a caixa dava a volta mesa longe dele. Ganha-ra uma bolada, que diabo! Uma bela bolada! Agora precisavater cuidado. Sentar em cima. Mas no ter cuidado demais,

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    29/291

    29

    no sentar em cima de tudo! Essa era uma noite gloriosa.Mal passava de meia-noite. No desejava ainda ir embora.Que fosse, portanto! Faria sua banca quando chegasse suavez, mas nada de abafar a banca dos outros absoluta-

    mente no. As cartas estavam esquentando. Sua rodada de-monstrara isso. Agora haveria outras rodadas e ele poderiaqueimar facilmente os dedos se insistisse.

    Bond tinha razo. Quando a caixa chegou ao NmeroCinco, a um dos magnatas de Lille dois lugares esquerda deBond, um jogador de maneiras rudes e voz alta que fumavacharuto em uma piteira de mbar e ouro, agarrava as cartascom dedos excessivamente manicurados e batia-as sobre a

    mesa como um jogador alemo de tarot ele passou rapida-mente pela terceira mo e disparou. Executando seu plano,Bond deixou-o de lado e agora, na sexta mo, a banca estavaem duzentos mil francos novos dois milhes de francosvelhos. A mesa mostrava-se desconada de novo. Cada umestava sentado sobre seu dinheiro.

    O croupier e o Chef de Jeu zeram seus annciosem voz alta:

    Un banco de deux cent mille! Faites vos jeux, mes-sieurs. Il reste complter! Un banco de deux cent mille! Foiento que aconteceu! Ela surgira do nada e estava em p aolado do croupier. Bond no teve tempo para observar maisque os braos dourados, um belo rosto dourado com brilhan-tes olhos azuis e lbios muito cor-de-rosa, uma espcie devestido branco liso e cabelos dourados caindo at os ombros,

    antes de ouvir: Banco!Todos olharam para ela e fez-se silncio por um mo-

    mento. Ouviu-se depois o croupier gritar Le banco est faite o monstro de Lille (como agora parecia aos olhos de Bond)comeou a arrancar as cartas da caixa. As cartas dela foram-lhe levadas pela esptula do croupier.

    Ela se curvou e houve um momento de discreta abertu-ra no branco V de seu decote.

    Une carte.Bond sentiu uma dor no corao. Ela sem dvida no

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    30/291

    30

    tinha mais que cinco. O monstro virou suas cartas. Sete.Depois arrancou outra carta para ela e jogou-a desdenhosa-mente atravs da mesa. Uma sorridente dama!

    O croupier virou delicadamente as duas outras cartas

    dela com a ponta de sua esptula. Quatro! Ela perdera.Bond gemeu por dentro e olhou-a para ver como rece-bera a derrota.

    O que viu no foi tranqilizador. A moa estava segre-dando urgentemente para o Chef de Jeu. Este sacudia acabea, enquanto gotas de suor corriam por seu rosto. No si-lncio que se fez ao redor da mesa, aquele silncio que lambeos lbios ao sentir o cheiro forte de escndalo e que agora ele-

    trizava o ar, Bond ouviu o Chef de Jeu dizer com rmeza: Mais cest impossible. Je regrette, madame. Il faut

    vous arranger la caisse.Entre os espectadores e os jogadores correu ento, como

    um viscoso rptil, o mais horrvel de todos os sussurros quese ouvem em um cassino: Le coup du dshonneur! Cest lecoup du dshonneur! Quelle honte! Quelle honte!

    Oh, meu Deus! pensou Bond. Ela deu o golpe! Ela notinha o dinheiro! E por alguma razo no consegue crditona caixa!

    O monstro de Lille estava tirando o mximo de vanta-gem da situao. Sabia que o cassino pagaria caso a jogadorano pagasse. Estava sentado, de olhos baixos, chupando seucharuto, com ar de vtima.

    Bond, porm, sabia que estigma a moa teria pelo resto

    de sua vida. Os cassinos da Frana formam um forte sindi-cato. Precisam ser assim. No dia seguinte seriam remetidostelegramas dizendo: Madame la ComtesseTeresa di Vicen-zo, passaporte nmero X, deve ser includa na lista negra.Isso seria o m de sua vida em cassinos na Frana, na Itlia,provavelmente tambm na Alemanha, no Egito e na Ingla-terra. Era o mesmo que ser considerado como seguro muitoarriscado pelo Lloydsou pela rma de Dun and Bradstreet,na City. Nos crculos americanos de jogo, ela talvez fosse atmesmo liquidada. Na Europa, seu destino seria quase to

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    31/291

    31

    severo. Nos crculos onde presumivelmente se movimentavaela seria sempre vista com maus olhos. O coup du dshon-neur era coisa que no se fazia. Representava o ostracismosocial.

    Sem preocupar-se com o ostracismo social, pensan-do apenas na maravilhosa garota que o ultrapassava entreAbbeville e Montreuil, James Bond inclinou-se ligeiramentepara a frente. Jogou duas das preciosas placas de madre-prola no centro da mesa. Com entonao ligeiramente en-fadada e ligeiramente perplexa, disse: Desculpe-me. Mada-me esqueceu-se de que combinramos jogar de parceria estanoite.

    Sem olhar para a moa, mas falando com autoridade aoChef de Jeu, acrescentou:

    Peo-lhe desculpas. Estava pensando em outra coi-sa. Que continue o jogo.

    A tenso em volta da mesa diminuiu. Ou melhor voltou-se para outro objetivo, para longe da moa. Seria verdade oque dissera esse ingls? Devia ser! Ningum paga dois mi-lhes de francos por uma mulher. Mas antes no houvera re-lao entre eles pelo que se pudera ver. Estavam sentadosem lados opostos da mesa. Nenhum sinal de cumplicidadehavia sido trocado. E a moa? No demonstrara emoo. Noolhara uma nica vez diretamente para o homem. Depoisafastara-se silenciosamente da mesa, em direo ao bar. Semdvida havia a algo estranho algo que no se compreen-dia. Mas o jogo continuava. O Chef de Jeu disfaradamente

    enxugou o rosto com um leno. O croupier, ergueu a cabe-a, que antes parecia estar curvada sob alguma espcie deguilhotina emocional. Agora restabelecera-se o velho padro.La partie continue. Un banco de quatre cent mille!

    James Bond olhou para a pilha ainda enorme de chasentre seus braos curvados e relaxados. Seria timo conse-guir de volta aqueles dois milhes de francos. Talvez trans-corressem horas antes que uma banca de igual tamanho ofe-recesse a oportunidade. Anal de contas, estava jogando como dinheiro do cassino! Seus lucros representavam dinheiro

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    32/291

    32

    achado e, se perdesse, ainda poderia ir embora com umpequeno lucro mais que suciente para pagar sua noite noRoyale. Alm disso, adquirira averso pelo monstro de Lille.Seria divertido inverter a velha fbula primeiro salvar a

    moa, depois matar o monstro. E j era tempo de acabar asorte do homem. Anal de contas, as cartas no tm mem-ria.

    James Bond no tinha recursos sucientes para cobrirtoda a banca, mas apenas metade dela, o que se chama deavec la table, signicando que os outros jogadores pode-riam cobrir o restante se desejassem. Esquecendo-se da es-tratgia conservadora que jurara seguir apenas meia hora

    antes, Bond inclinou-se um pouco para a frente e disse Avecla table, ao mesmo tempo que empurrava duzentos mil fran-cos novos sobre a linha.

    Outros dinheiros seguiram o seu na mesa. No era esseo ingls de dedos de sorte? Bond cou satisfeito ao notar quea pequena e velha inglesa tipo Agatha Christie o apoiara comdez mil. Era um bom augrio! Olhou para o banqueiro, o ho-mem de Lille. Seu charuto afundara-se na piteira e seus l-bios, prendendo a piteira, estavam brancos. O homem suavaprofusamente. Estava em dvida se passava a mo e recolhiaseus gordos lucros ou se arriscava mais uma vez. Seus vivosolhos de porco corriam ao redor da mesa, calculando se seusquatro milhes estavam cobertos.

    O croupier queria apressar a jogada. Disse com r-meza:

    Cest plus que fait, monsieur.O homem de Lille decidiu-se. Deu rpida batida na cai-

    xa, enxugou a mo na baeta e forou uma carta para fora.Em seguida, puxou mais uma para si prprio, outra paraBond e a quarta para si. Bond no estendeu a mo atravs doNmero Seis para apanhar as cartas. Esperou que lhes fos-sem empurradas pelo croupier. Mal as levantou da mesa,separou-as entre as mos o suciente para ver os pontos,juntou-as de novo e deixou-as cair suavemente sobre a mesa.Tinha cinco! Aquele ponto incerto em que se pode pedir ou

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    33/291

    33

    no! As probabilidades de aproximar-se ou distanciar-se donove so iguais. Disse No serenamente e olhou para asannimas costas rosadas das duas cartas diante do banquei-ro. O homem levantou-as e raivosamente jogou-as abertas

    sobre a mesa. Dois valetes. Uma bche! Zero.Agora s havia quatro cartas que podiam vencer Bond eapenas uma, o cinco, que podia empatar com ele. O coraode Bond batia forte. O homem agarrou a caixa, arrancou acarta e abriu-a na mesa. Um nove, o nove de ouros! A pragada Esccia! A melhor!

    Foi mera formalidade virar a carta e revelar o miservelcinco de Bond. Mas houve um rugido em volta da mesa. Il

    fallait tirer, disse algum. Mas se tivesse pedido, Bond teriarecebido o nove e baixado seus pontos para quatro. Tudo de-pendia da carta seguinte, cuja lngua rosada agora escondiaseu segredo na boca da caixa. Bond no esperou para ver.Dirigiu aos que rodeavam a mesa um no e pesaroso sorrisopara pedir desculpas a seus companheiros de perda, enou oresto das chas no bolso do palet, deu uma gorjeta ao huis-sier que se mostrara to diligente em esvaziar seu cinzeirodurante as horas de jogo e afastou-se da mesa em direoao bar, enquanto o croupier anunciava triunfalmente: Unbanco de huit cent mille francs! Faites vos jeux, messieurs!Un banco de huit cent mille nouveaux francs. Que v parao diabo! pensou Bond. Meia hora antes tinha uma pequenafortuna nos bolsos. Agora, devido a uma mistura de quixo-tismo romntico e pura loucura, perdera tudo. Bem, pensou,

    encolhendo os ombros, no desejava uma noite memorvel?Essa era a primeira metade dela. Como seria a outra meta-de?

    A moa estava sentada sozinha, com meia garrafa dePol Roger sua frente, olhando melancolicamente para o va-zio. Mal levantou os olhos quando Bond se sentou na cadeiraao seu lado e disse:

    Bem, acho que nosso sindicato perdeu de novo. Ten-tei recuperar. Fui avec. Devia ter deixado aquele bruto so-zinho. Plantei com cinco. Ele tinha uma bche e tirou um

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    34/291

    34

    nove. Devia ter pedido com o cinco disse a moa apati-

    camente. Eu sempre peo.Depois de reetir um momento, acrescentou:

    Mas nesse caso voc caria com quatro. Qual era acarta seguinte? No esperei para ver. Vim procur-la.Ela o olhou de soslaio, como que para avali-lo. Por que me socorreu quando dei o coup de dshon-

    neur?Bond encolheu os ombros. A moa bonita em perigo. Alm disso, camos ami-

    gos entre Abbeville e Montreuil esta tarde. Voc guia comoum anjo disse sorrindo. Mas acho que no conseguiriaultrapassar-me se eu estivesse prestando ateno. Eu estavaa uns noventa e no me dei ao trabalho de car de olho noespelho. Estava pensando em outras coisas.

    O gambito deu resultado. A vivacidade voltou ao rostoe voz da moa.

    Oh, sim. Eu o teria vencido de qualquer jeito. Passa-ria sua frente nas aldeias. Alm disso havia uma pontade amargura em sua voz eu sempre seria capaz de derrot-lo. Voc quer continuar vivo.

    Oh, senhor! pensou Bond. uma delas! Uma moacom uma asa, talvez duas asas cadas. Preferiu ignorar aobservao. A meia garrafa de Krugque pedira chegou. Apso huissier ter derramado a bebida at a metade do copo,

    Bond encheu-o at a borda. Ergueu-o em direo a ela semexagero.

    Meu nome Bond, James Bond. Por favor, que viva,pelo menos esta noite.

    Ela o olhou gravemente, examinando-o. Depois tambmbebeu. Disse:

    Meu nome Tracy. um diminutivo de todos os no-mes que lhe disseram na portaria do hotel. Teresa foi umasanta. Eu no sou santa. O gerente talvez seja um romnti-co. Falou-me sobre suas perguntas. Agora podemos ir? No

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    35/291

    35

    estou interessada em conversa. E voc ganhou sua recom-pensa.

    Levantou-se abruptamente. O mesmo fez Bond, confu-so.

    No. Eu irei sozinha. Voc pode ir mais tarde. O n-mero 45. L, se quiser, poder praticar o mais caro ato deamor de sua vida. Custou-lhe quatro milhes de francos. Es-pero que valha a pena.

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    36/291

    36

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    37/291

    37

    4

    todos os gatos so pardos

    ELA ESTAVA esperando na grande cama de casal, comum simples lenol puxado at o queixo. Os cabelos louros es-palhavam-se como asas douradas sob o abajur de leitura queera a nica luz acesa do quarto. Os olhos azuis cintilavam

    com um fervor que, em outras mulheres, em outras camas,James Bond teria sabido interpretar. Mas essa mulher esta-va dominada por tenses que ele nem sequer podia imaginar.Trancou a porta aps entrar e foi sentar-se na beira da cama.Ps uma mo rmemente sobre o montinho que era seu seioesquerdo.

    Agora, escute, Tracy comeou, pretendendo fazer

    pelo menos uma ou duas perguntas, descobrir alguma coi-sa sobre essa jovem maravilhosa que fazia coisas histricascomo jogar sem dinheiro para pagar suas dvidas e guiar au-tomvel como uma suicida potencial, insinuando que j so-frera o suciente na vida.

    A jovem, porm, estendeu rapidamente uma mo quecheirava a Ode de Guerlain e pousou sobre seus lbios.

    Eu disse: Nada de conversa. Tire essas roupas. Ame-

    me. Voc simptico e forte. Deseja lembrar-me de como issopode ser. Faa o que quiser. Diga o que quer e o que gostariaque eu zesse. Seja rude comigo. Trate-me como a mais bai-xa prostituta de toda a criao. Esquea-se de tudo o mais.No faa perguntas. Tome-me.

    Uma hora mais tarde, James Bond escorregou parafora da cama sem acord-la, vestiu-se luz das lmpadas

    da avenida que se ltrava entre as cortinas e voltou para seuquarto.Tomou um banho de chuveiro, enou-se entre os frios e

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    38/291

    38

    speros lenis franceses de sua prpria cama e no pensoumais nela. Antes de dormir, lembrou-se apenas do que elalhe dissera depois de tudo acabado: Foi o paraso, James.Por favor, volte quando acordar. Preciso disso mais uma vez.

    Depois, ela se virara para o outro lado e, sem responder aseus ltimos carinhos, adormecera mas no sem que an-tes ele a ouvisse chorar.

    Que diabo era isso? No escuro todos os gatos so par-dos.

    Verdadeira ou falsa.Bond adormeceu.s oito horas acordou-a e foi de novo a mesma coisa

    gloriosa. Desta vez, porm, teve a impresso de que ela o se-gurava com mais ternura, o beijava no apenas com paixo,mas tambm com afeio. Mas, depois, quando deviam estarfazendo planos para o dia, sobre onde iriam almoar, ondeiriam banhar-se, ela a princpio se mostrou evasiva e em se-guida, quando ele a apertou, foi infantilmente abusiva.

    V para o inferno! Ouviu? Voc j obteve o que que-ria. Agora v-se embora!

    No era isso tambm que voc queria? No. Voc um amante muito ordinrio. V-se em-

    bora.Bond reconheceu o limiar da histeria, pelo menos do

    desespero. Vestiu-se devagar, esperando que viessem as l-grimas, que soluos sacudissem o lenol que agora a cobriacompletamente. Mas as lgrimas no vieram. Isso era ruim!

    Em certo sentido, essa garota chegara ao m de sua corda,de muitas cordas. Bond sentiu uma onda de afeio por ela,um irresistvel impulso de proteg-la, de resolver seus pro-blemas, de faz-la feliz. Com a mo no trinco da porta, dissedelicadamente:

    Tracy. Deixe-me ajud-la. Voc tem algumas dicul-dades. Isso no o m do mundo. Eu tambm tenho. Todomundo tem.

    Os montonos lugares comuns caram no quarto silen-cioso e escuro como restos de carvo em uma lareira.

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    39/291

    39

    V para o inferno!No instante de abrir e fechar a porta, Bond hesitou

    entre fech-la com uma batida, para tirar a jovem de suamelancolia, ou fech-la suavemente. Fechou-a suavemente.

    Brutalidade de nada adiantaria com essa garota. Ela haviasofrido, de alguma maneira, em algum lugar havia sofridodemais. Afastou-se pelo corredor, sentindo-se, pela primeiravez na vida, totalmente inadequado.

    (A Bombard continuava subindo o rio. Passara pelo an-coradouro de iates e, com as margens estreitando-se, a cor-renteza tornava-se mais forte. Os dois bandidos na popa ain-

    da mantinham seus olhos quietos xados em Bond. Na proa,a moa ainda erguia seu orgulhoso perl contra o vento comoa gura de proa de um veleiro. Em Bond, o nico calor estavano contato de seu corpo com as costas da moa e de sua mocom o cabo da faca. Todavia, de maneira curiosa, sentia-semais perto dela, muito mais perto, do que nos arroubos danoite anterior. Por alguma razo indenvel, sabia que elaera to prisioneira quanto ele. Como? Por qu? Bem frentebrilhavam esparsamente as luzes do Vieux Fort outrora pr-ximo do mar, mas que cara para trs devido a algum capri-cho das correntes do Canal que formaram a entrada do rio.Antes de muitos anos, teriam de construir um novo porto,mais perto da emboscada do rio, para os barcos de alto marque abasteciam Royale de solhas e lagostas, caranguejos ecamares. Deste lado das luzes havia ocasionais e solitrios

    embarcadouros construdos no rio por proprietrios de iatesparticulares. Por trs deles havia vilas que tinham nomescomo Rosalie, Toi e Moi, Nid Azur e Nouvelle Vague.James Bond acariciou a faca e aspirou o perfume de Odeque chegava at ele por cima do mau cheiro da lama e dasalgas nas margens do rio. Seus dentes nunca haviam batidoantes. Agora estavam batendo. F-los parar e voltou a suasrecordaes.)

    Normalmente, o desjejum era parte importante do diapara Bond, mas agora mal reparava no que estava comen-

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    40/291

    40

    do. Tomou depressa a refeio e sentou-se ao lado da janelaolhando para alm do passeio, fumando um cigarro atrs dooutro e pensando na moa. Nada sabia de positivo a respeitodela, nem mesmo sua nacionalidade. O Mediterrneo estava

    em seu nome, mas ela certamente no era italiana nem es-panhola. Seu ingls era impecvel, suas roupas e a maneirade us-las eram produtos de ambientes caros talvez umaescola de aperfeioamento sua. Ela no fumava, pareciabeber apenas moderadamente e no havia sinais de entorpe-centes. No havia sequer comprimidos sedativos ao lado desua cama ou em seu banheiro. No podia ter mais de vintee cinco anos, mas fazia o amor com o fervor e experincia de

    uma mulher que, como dizem os americanos, tivesse percor-rido a estrada. No rira uma nica vez e quase no sorrira.Parecia dominada por profunda melancolia, por alguma for-ma de moleza espiritual que, segundo ela prpria admitia, fa-zia com que a vida no valesse mais a pena de ser vivida. Noentanto, no havia um nico daqueles sinais que se associa histeria da mulher neurtica os cabelos desarrumados,a maquiagem descuidada, a atmosfera de desordem e caosque criam ao seu redor. Pelo contrrio, ela parecia possuiruma vontade fria como gelo, autoridade sobre si prpria eidia exata sobre o que queria e para onde estava indo. Maspara onde estava indo? Na idia de Bond ela tinha intenesdesesperadas, muito provavelmente de suicdio, e a noite an-terior fora a ltima gota.

    Bond olhou para o pequeno carro branco que agora no

    estava muito longe do seu no ptio de estacionamento. Pre-cisava de qualquer maneira conservar-se perto dela, vigi-la,pelo menos at convencer-se de que suas terrveis conclusesestavam erradas. Como primeiro passo, chamou a portariae pediu um Simca Aronde pelo sistema guie voc mesmo.Sim, o carro seria entregue imediatamente e deixado no ptiode estacionamento. Ele devia levar sua carta de habilitaointernacional e seu carto de seguro portaria, onde seriamcompletadas as formalidades.

    Bond barbeou-se, vestiu-se, levou os documentos para

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    41/291

    41

    baixo e voltou a seu quarto. L cou, observando a entrada eo pequeno carro branco at 4,30 da tarde. Ento, nalmen-te, ela apareceu, com a sada de banho listrada de preto ebranco, e Bond correu pelo corredor at o elevador. No foi

    difcil segui-la enquanto ela rodava pela avenida e deixavaseu carro em um dos ptios de estacionamento. No houveproblema tambm para o pequeno e annimo Citron 2CVque seguia Bond.

    Estabeleceu-se ento a seqncia de seguidores e se-guido que se encaminhava agora para seu misterioso clmax,enquanto a pequena Bombard navegava pelo rio Royale aci-ma sob as estrelas.

    Que pensar disso tudo? Ela fora uma isca conscien-te ou inconsciente? Seria seqestro? Nesse caso, de um oudos dois? Seria chantagem? Vingana do marido ou de outroamante? Ou seria assassnio?

    Bond ainda estava escarafunchando sua mente paradescobrir indcios quando o timoneiro virou a Bombard emuma larga curva atravs da corrente em direo a um mal-tratado e esqueltico ancoradouro que se projetava da mar-gem barrenta para o rio. Do escuro uma poderosa lanternailuminou-os, uma corda caiu ruidosamente e o barco foi pu-xado para perto de lamacentos degraus de madeira. Um dosbandidos subiu primeiro, seguido pela moa, cujo mai sebalanava lascivamente abaixo do palet de Bond, em se-guida Bond e depois o segundo bandido. A Bombard recuourapidamente e continuou sua viagem rio acima, presumivel-

    mente, pensou, Bond, rumo a seu legtimo ancoradouro noVieux Port.

    No ancoradouro havia dois outros homens, mais ou me-nos da mesma compleio que os primeiros. Nenhuma pala-vra foi dita enquanto, cercados, a moa e Bond foram escol-tados ao longo da pequena estrada poeirenta que se afastavado ancoradouro atravs das dunas de areia. A cem jardasdo rio, escondida em uma garganta entre altas dunas, haviauma luz frouxa. Quando se aproximou, Bond viu que provi-nha de um daqueles gigantescos caminhes de transporte de

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    42/291

    42

    alumnio corrugado que, por trs de uma cabina articuladapercorrem as artrias rodovirias da Frana soltando fumaade diesel e sibilando raivosamente com seus freios hidruli-cos enquanto serpenteiam atravs de cidades e aldeias. Era

    um carro brilhante e polido. Ao se aproximarem, o homemcom a lanterna fez algum sinal e um oblongo de luz amarelasurgiu prontamente quando a porta de trs foi aberta. Bondsegurou sua faca. As probabilidades estariam de alguma ma-neira dentro do razovel? No estavam. Antes de subir a es-cada para o interior do veculo, olhou de relance a chapa. Alicena comercial dizia: Marseille-Rhne. M. Draco. Appa-reils lectriques, 397694. Mais um enigma!

    No interior, graas a Deus, estava quente. Um corredorestendia-se entre leiras de pilhas de caixas marcadas comnomes famosos de fabricantes de televiso. Disfarces? Haviatambm cadeiras dobradas e sinais de um jogo de cartas in-terrompido. Aquele lugar era presumivelmente usado comosala de guarda. Depois, de ambos os lados, as portas de ca-binas. Tracy estava esperando em uma das portas. Estendeuo palet para Bond, disse sem expresso Obrigada e fechoua porta, aps Bond ter visto de relance um interior luxuoso.Bond demorou-se vestindo o palet. O nico homem que oseguia, com a arma na mo, disse impaciente-mente: Allez!Bond pensou em saltar sobre ele. Mas, l atrs, os outrostrs homens estavam vigiando. Bond contentou-se em dizerum brando Merde vous! e encaminhou-se para a portade alumnio que presumivelmente fechava o terceiro e mais

    avanado compartimento desse estranho veculo. Atrs des-sa porta estava a resposta. Era provavelmente um homem o chefe. Essa talvez fosse a nica oportunidade. A modireita de Bond j estava segurando o cabo da faca no bolsoda cala. Estendeu a mo esquerda e, em um rpido movi-mento saltou atravs da porta, fechou-a atrs de si com o pe agachou-se, com a faca pronta para ser arremessada.

    Sentiu o guarda jogar-se contra a porta, mas estava en-costado a ela e resistiu. O homem, a dez ps de distncia,atrs da mesa, facilmente ao alcance da faca, gritou algo,

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    43/291

    43

    uma ordem, uma ordem jovial e alegre em uma lngua queBond jamais ouvira. A presso na porta cessou. O homemmostrou um sorriso largo e encantador que dividiu em doisseu rosto de nogueira enrugada. Levantou-se e ergueu vaga-

    rosamente as mos. Eu me rendo. E agora sou um alvo muito maior. Masno me mate, peo-lhe. Pelo menos at tomarmos uma boadose de usque com soda e conversarmos um pouco. Depoisdeixarei que decida de novo, est bem?

    Bond ergueu-se inteiramente. Retribuiu ao sorriso. Nopde evit-lo. O homem tinha um rosto to encantador, tocheio de humor, malcia e magnetismo que, pelo menos em

    seu atual papel, Bond no poderia mat-lo mais do que po-deria matar Tracy, por exemplo.

    Havia um calendrio pendurado na parede ao lado dohomem. Bond desejava deixar escapar o vapor contra algumacoisa, qualquer coisa. Disse Dezesseis de setembro e esten-deu a mo direita para a frente rapidamente. A faca lampejouatravs do quarto, passou a cerca de uma jarda do homem eenterrou-se, tremulando, no meio da folha do calendrio.

    O homem voltou-se e olhou curiosamente para o calen-drio. Riu alto.

    Efetivamente, no quinze. Mas muito respeitvel. Pre-ciso faz-lo enfrentar meus homens um dia destes. Seriamesmo capaz de apostar em voc. Assim eles aprenderiamuma lio.

    Saiu de trs da mesa. Era um homem pequeno, de meia

    idade, com um rosto enrugado e moreno. Vestia um ternoazul escuro confortvel da mesma espcie que o usado peloprprio Bond. No peito e nos braos os msculos saltavam.Bond notou a largura do corte do palet embaixo das axilas.Feito para armas? O homem estendeu a mo. Era quente,rme e seca.

    Marc-Ange Draco meu nome. J ouviu falar nele? No. Ah! Mas eu j ouvi falar em voc. o comandante

    James Bond. Tem uma condecorao denominada C.M.G.

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    44/291

    44

    membro, importante membro, do Servio Secreto de Sua Ma-jestade. Foi afastado de suas funes habituais e est execu-tando misso temporria no estrangeiro.

    O rosto malicioso enrugou-se de satisfao.

    Est certo?James Bond, para ocultar sua confuso, atravessou asala at o calendrio, vericou que realmente havia acertadono quinze, tirou a faca e enou-a de novo no bolso da cala.Virou-se e disse:

    Por que pensa isso?O homem no respondeu pergunta, mas disse: Vamos. Sente-se. Tenho muita coisa a conversar con-

    sigo. Mas, primeiro o usque com soda, no acha?Indicou uma confortvel poltrona colocada diante da

    sua, do outro lado da mesa, ps diante dela uma grande caixade prata contendo vrias espcies de cigarros, encaminhou-se para um armrio de metal encostado parede e abriu-o.No continha chrios. Era um bar completo e compacto.Com ecientes movimentos de dono de casa tirou uma gar-rafa de Pinchbottle Haig, outra de I. W. Harpers Bourbon,dois copos grandes que pareciam Waterford, um balde decubos de gelo, um sifo de soda e um frasco de gua gelada.Uma a uma colocou todas essas coisas sobre a mesa entresua poltrona e a de Bond. Depois, enquanto Bond se serviade Bourbon e gua com bastante gelo, foi sentar-se do outrolado da mesa, apanhou a garrafa de Haig e disse, tandoBond diretamente nos olhos:

    Sei quem voc por intermdio de um bom amigo noDeuxime em Paris. Ele pago para dar-me essas informa-es quando desejo. Soube desses fatos hoje bem cedo. Es-tou no campo oposto ao seu mas no diretamente oposto.Digamos, em uma tangente do campo.

    Fez uma pausa. Ergueu seu copo. Depois disse commuita seriedade.

    Agora vou depositar conana em voc. Pelo nicomeio possvel. Vou mais uma vez colocar minha vida em suasmos.

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    45/291

    45

    Bebeu. Bond fez o mesmo. Na geladeira do armrio ozumbido do gerador irrompeu no que Bond de repente per-cebeu que ia ser um importante momento de verdade. Nosabia qual ia ser a verdade. Achava que no ia ser m. Mas

    tinha a intuio de que, de alguma maneira, talvez por teradquirido respeito e afeio por esse homem, tal verdade iafazer com que ele prprio se envolvesse profundamente.

    O gerador parou.Os olhos no rosto de nogueira taram-se nos seus. Eu sou o chefe da Union Corse.

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    46/291

    46

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    47/291

    47

    5

    o capu

    A UNION CORSE! Agora pelo menos parte do mistrioestava explicado. Bond olhou sobre a mesa para os olhoscastanhos que agora observavam astutamente suas reaesenquanto seu esprito corria o chrio que tinha o inocente

    ttulo de Union Corse, mais mortal e talvez at mesmo maisantiga que a Unione Siciliano, a Mafa. Sabia que ela con-trolava a maior parte do crime organizado em toda a Fran-a metropolitana e nas colnias chantagem de proteo,contrabando, prostituio e eliminao de quadrilhas rivais.Apenas alguns meses antes, certo Rossi fora morto a tirosem um bar de Nice. Um ano antes disso, certo Jean Giudi-

    celli fora liquidado depois de terem falhado vrias tentativasanteriores. Esses dois homens eram, segundo se sabia, pre-tendentes ao trono do Capu o homem jovial e exuberanteagora sentado pacicamente do outro lado da mesa na frentede Bond. Havia tambm aquele misterioso negcio do tesou-ro de Rommel, que se supunha estar escondido no fundo domar ao largo de Bastia. Em 1948, um mergulhador checochamado Fleigh, que pertencera Abwehr(*) e seguira a pis-

    ta do tesouro, recebera da Unionuma advertncia para queabandonasse a busca e depois desaparecera da face da terra.Ainda recentemente, o corpo de um jovem mergulhador fran-cs, Andr Mattei, fora encontrado crivado de balas beirada estrada perto de Bastia. Vangloriara-se estupidamentenos bares locais de saber o paradeiro do tesouro e contaraque ia mergulhar para procur-lo. Marc-Ange conheceria o

    segredo desse tesouro? Seria ele o responsvel pela morte

    (*) Contra-espionagem

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    48/291

    48

    desses dois mergulhadores? A pequena aldeia de Calenzana,na Balagne, orgulhava-se de ter produzido mais bandidosque qualquer outra vila da Crsega e de ser conseqente-mente uma das mais prsperas. O prefeito local ocupava o

    cargo desde vinte e seis anos antes, sendo um dos mais an-tigos ocupantes de prefeitura da Frana. Marc-Ange era semdvida lho daquela comunidade, conhecia os segredos dofamoso prefeito, tinha informao, por exemplo, sobre aquelegangster americano que acabara de voltar para um retirodiscreto na aldeia depois de uma carreira altamente provei-tosa nos Estados Unidos.

    Seria divertido deixar escapar alguns desses nomes ca-

    sualmente naquela salinha sossegada divertido contar aMarc-Ange que Bond conhecia o velho embarcadouro aban-donado chamado Port de Crovani, perto da aldeia de Galeria,e a antiga mina de prata chamada Argentella nos montessituados por trs dele, cujo labirinto de tneis subterrneosabrigava uma das maiores junes mundiais do trco deherona. Sim, seria divertido assustar seu captor como retri-buio pelo susto que ele lhe dera. Contudo, era melhor con-servar essa munio de reserva at que mais coisas fossemreveladas! No momento, interessava anotar que esse era oQ.G. itinerante de Marc-Ange Draco. Seu contato no Deuxi-me Bureaudevia ser um informante essencial. Bond e a moahaviam sido buscados para algum propsito que ainda nofora anunciado. O emprstimo do barco de socorro Bombardteria sido uma simples questo de dinheiro aplicado no lugar

    certo, talvez acompanhado por um pot de vin para que osguarda-costas olhassem do outro lado. Os guardas eram cor-sos. Pelo menos pareciam ser. Para uma organizao to po-derosa quanto a Union, a operao inteira era simples tosimples na Frana quanto o seria para a Mafana maior par-te da Itlia. E agora outros vus iam ser levantados! Jamesbebeu vagarosamente e observou com respeito a sionomiado outro homem. Esse era um dos grandes prossionais domundo! (Como era tpico da Crsega, pensou Bond, o fato deseu maior bandido ter o nome de anjo! Lembrava-se que dois

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    49/291

    49

    outros famosos bandidos corsos se chamavam Gracieux eToussaint Todos os Santos.) Marc-Ange falou em inglsexcelente, mas s vezes meio desajeitado, como se houvesseaprendido bem, mas tivesse pouca oportunidade de usar o

    idioma. Meu querido comandante disse ele tudo quantovou discutir consigo dever, por favor, car por trs de seuHerkos Odonton. Conhece a expresso? No?

    O sorriso largo iluminou o rosto. Ento, se me permite dizer, sua educao foi incom-

    pleta. grego clssico. Signica literalmente a cerca dosdentes. o equivalente grego de segredo absoluto. Com-

    binado?Bond encolheu os ombros. Se contar-me segredos que afetem minha prosso,

    temo precisar pass-los adiante. Compreendo isso perfeitamente. O que desejo discu-

    tir um assunto pessoal. Trata-se de minha lha, Teresa.Santo Deus! O caso estava realmente se complicando!

    Bond ocultou sua surpresa e disse: Ento concordo. Herkos Odonton acrescentou

    sorrindo. Obrigado. Voc um homem que merece conana.

    Precisa ser, em sua prosso, mas vejo isso tambm em seurosto. Vamos ento ao caso.

    Acendeu um Caporal e sentou-se em sua poltrona.Olhava para um ponto na parede de alumnio acima da cabe-

    a de Bond, s ocasionalmente tando-lhe os olhos quandodesejava acentuar alguma coisa.

    Casei-me apenas uma vez, com uma moa inglesa,uma governanta inglesa. Ela era romntica. Fora Crsegaprocurar bandidos disse sorrindo como algumas mu-lheres inglesas se aventuram no deserto para procurar xe-ques. Explicou-me mais tarde que devia estar possuda pelodesejo subconsciente de ser violentada. Bem desta vez nosorriu encontrou-me nas montanhas e foi violentada... pormim. A polcia estava atrs de mim nessa poca, como tem

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    50/291

    50

    estado durante a maior parte de minha vida, e a moa era umgrande estorvo. Contudo, por uma razo qualquer, recusouabandonar-me. Havia nela algo de selvagem, um amor pelono convencional e, s Deus sabe a razo, gostou dos meses

    em que fomos perseguidos de caverna para caverna, obten-do alimento por meio de roubos noite. Aprendeu mesmo alimpar e cozinhar um moufon, nosso carneiro das monta-nhas, e a comer a carne do animal, que dura como sola desapato e tem gosto quase igual. E naqueles meses malucosquei amando essa moa, levei-a s ocultas para Marselha ecasei-me com ela.

    Fez uma pausa e olhou para Bond, antes de acrescen-

    tar: O resultado, meu caro comandante, foi Teresa, mi-

    nha nica lha.Ento, pensou Bond, isso explicava a curiosa mistura

    que havia em Teresa aquela intrigante espcie de damaselvagem. Que complexo de sangues e temperamentos! Cor-sico-inglsa. No era de admirar que no tivesse conseguidodenir sua nacionalidade.

    Minha esposa morreu h dez anos prosseguiuMarc-Ange, erguendo a mo, como para mostrar que no de-sejava manifestaes de simpatia e z com que a meninaconclusse sua educao na Sua. Eu j era rico e naquelapoca fui eleito Capu, isto , chefe da Union, com o que metornei innitamente mais rico por meios que o meu que-rido comandante pode imaginar, mas no precisa investigar.

    A menina era como que vocs dizem? aquela encan-tadora expresso a pupila de meus olhos e eu dei a elatudo quanto desejava. Mas era selvagem, uma ave selvagem,sem lar adequado ou, como eu sempre estava viajando, semsuperviso adequada. Aps terminar seus estudos na Sua,ingressou na leviana sociedade internacional a cujo respeitose l nos jornais milionrios sul-americanos, principetesindianos, ingleses e americanos de Paris, play-boys de Can-nes e Gstaad. Estava sempre entrando e saindo em encrencase escndalos. Quando eu a repreendia e cortava sua mesada,

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    51/291

    51

    praticava alguma loucura ainda maior para vingar-se demim, acho eu. Fez uma pausa e olhou para Bond. Havia ago-ra em seu rosto feliz uma terrvel expresso de misria.

    Mas durante todo o tempo, por trs de sua fanfarro-

    nice, o sangue de sua me estava fazendo com que ela odias-se a si prpria, com que se desprezasse cada vez mais. Comovejo agora, o verme da autodestruio conseguira introduzir-se nela e, por trs da alegre e juvenil fachada, estava comen-do o que s posso descrever como sua alma.

    Tornou a olhar para Bond, antes de prosseguir. Como sabe, meu amigo, isto pode acontecer a ho-

    mens e a mulheres. Queimam o prprio corao vivendo

    muito sofregamente e de repente examinam sua vida e vemque nada valem. Tiveram de tudo, comeram todos os docesem um grande banquete, e nada restou. Ela fez o que hojevejo ter sido uma desesperada tentativa de voltar aos trilhos,por assim dizer. Sem contar-me nada, casou-se, talvez com aidia de assentar a vida. Mas o homem, um italiano indignochamado Vicenzo, conde Jlio Vicenzo, tomou o mximo quepde de seu dinheiro e abandonou-a, deixando-a com umalhinha. custa de dinheiro, obtive um divrcio e compreipara minha lha um pequeno castelo no Dordogne. Instalei-al e, durante algum tempo, com um beb e um belo jardimpara cuidar, ela pareceu estar quase em paz. Depois, meuamigo, h seis meses, a criana morreu morreu vtima damais terrvel das doenas infantis, meningite espinhal.

    Fez-se silncio na pequena sala de metal. Bond pensou

    na moa que estava a algumas jardas ao longo do corredor.Sim. Ele estivera perto da verdade. Vira um pouco dessa tr-gica histria no calmo desespero da jovem. Ela chegara real-mente ao m da estrada!

    Marc-Ange levantou-se de sua poltrona, deu a volta mesa e serviu mais usque para si e para Bond.

    Desculpe-me disse. Sou um mau antrio. Masfoi um grande alvio para mim contar a outro homem estahistria, que sempre guardei fechada em meu ntimo.

    Descansou uma mo sobre o ombro de Bond.

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    52/291

    52

    Voc compreende isso? Sim. Compreendo. Mas ela uma bela moa. Ainda

    tem quase toda sua vida por viver. J pensou em psicanli-se? Ou na religio dela? Ela catlica?

    No. Sua me no quis que fosse. presbiteriana.Mas espere eu acabar a histria.Voltou para sua poltrona e sentou-se pesadamente. Depois da tragdia, ela desapareceu. Levou suas jias

    e partiu naquele seu carrinho. De vez em quando eu ouvianotcias dela, vendendo suas jias e vivendo furiosamentepor toda a Europa, em sua antiga sociedade. Naturalmente,seguia-a, z com que fosse vigiada sempre que pude, mas

    ela fugiu a todas as tentativas que z para nos encontrar-mos e conversarmos. Depois, soube por intermdio de ummeu agente que ela havia reservado para a noite passada umquarto aqui, no Splendid, e vim pressa de Paris, nisto acentuou, indicando com a mo porque tinha um pressen-timento de tragdia. Era aqui que passvamos os veres emsua infncia e ela sempre amou este lugar. Nada maravilho-samente e quase literalmente apaixonada pelo mar. Quan-do recebi a notcia, tive de repente uma terrvel lembrana,a lembrana de um dia em que fez uma arte e cou fechadaem seu quarto toda a tarde em lugar de ir praia. Naquelanoite, disse sua me, muito calmamente: Voc me fez mui-to infeliz no me deixando ir at o mar. Um dia, se eu carrealmente infeliz, nadarei mar adentro, seguindo o rumo dalua ou do sol, e continuarei nadando at afundar. o que

    farei! Sua me contou-me a histria e rimos juntos daquelaraiva infantil. Agora, porm, tornei de repente a lembrar-medo fato e pareceu-me que sua fantasia infantil poderia tercado em seu ntimo, fechada bem no fundo de seu ser, eque, desejando por termo vida, ela a ressuscitara e ia agirde acordo com ela. Por isso, meu caro amigo, z com quefosse vigiada de perto desde o momento em que chegou. Suaconduta cavalheiresca no caso, pela qual disse, tandoBond agradeo-lhe agora sinceramente, foi-me comunica-da, assim como naturalmente os movimentos posteriores de

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    53/291

    53

    vocs dois.Ergueu a mo quando viu Bond mexer-se embaraado

    em sua poltrona. No h motivo para envergonhar-se ou pedir descul-

    pas pelo que voc fez ontem noite. Um homem um ho-mem, e quem sabe?... Mas voltarei a isso depois. O que vocfez, a maneira como se comportou em geral, talvez tenha sidoo incio de uma espcie de terapia.

    Bond lembrou-se de como, na Bombard, a moa cederaquando se encostara a ela. Fora uma reao minscula, masdemonstrara afeio e calor maiores que todos os xtasesfsicos da noite. Agora, teve de repente uma idia vaga da

    razo pela qual estava ali, de onde se encontrava a raiz domistrio, e sentiu um calafrio, como se algum tivesse cami-nhado sobre seu tmulo.

    Por isso continuou Marc-Ange s seis horas damanh de hoje, z a indagao a meu amigo do Deuxime. soito horas, ele foi a seu escritrio e aos arquivos centrais. snove horas, enviou-me informaes completas a seu respeito pelo rdio. Tenho uma estao de grande potncia nesteveculo.

    Sorriu enquanto prosseguia: Esse outro de meus segredos que ponho em suas

    mos. O relatrio, se assim pode ser chamado, foi inteira-mente a seu favor, como funcionrio de seu Servio e, aindamais importante, como homem um homem, quero dizer,nos termos em que entendo a palavra. Por isso reeti. Reeti

    a manh inteira. E, por m, dei ordens para que vocs doisfossem trazidos minha presena.

    Fez um gesto vago com a mo direita, antes de acres-centar.

    No preciso contar-lhe os pormenores de minhasinstrues. Voc as viu em execuo. Voc foi incomodado.Peo-lhe desculpas. Talvez tenha pensado que estava em pe-rigo. Perdoe-me. S espero que meus homens se tenham por-tado com correo, com nura.

    Tenho muito prazer em conhec-lo respondeu

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    54/291

    54

    Bond, sorrindo. Se a apresentao precisava ser feita comduas automticas apontadas, isso apenas tornou tudo maismemorvel. O negcio todo foi sem dvida executado compreciso e ecincia.

    Agora est sendo sarcstico observou Marc-Angecom expresso pesarosa. Creia-me, porm, meu amigo,eram necessrias medidas drsticas. Sei que eram necess-rias.

    Abriu a gaveta superior de sua mesa, tirou uma folhade papel de carta e estendeu-a a Bond.

    Lendo isto, concordar comigo. Esta carta, que deviaser-me remetida para Marselha, foi entregue na portaria do

    Splendid s 4,30 da tarde de hoje, quando Teresa saiu e voca seguiu. Voc suspeitou de alguma coisa? Tambm temeupor ela? Leia-a, por favor.

    Bond tomou a carta, ao mesmo tempo que dizia: Sim. Fiquei preocupado por causa dela. uma moa

    que merece ser objeto de preocupaes.Ergueu a carta. Continha apenas algumas palavras, es-

    critas com clareza e deciso.

    Querido papai.Sinto muito, mas chega o que j passei. S triste porque

    conheci esta noite um homem que talvez me fzesse mudar de

    idia. um ingls chamado James Bond. Por favor, procure-oe pague-lhe 200.000 francos novos que lhe devo. E agradea-lhe por mim.

    Isto no culpa de ningum, mas s minha.Adeus e perdoe-me.

    TRACY

    Bond no olhou para o homem que havia recebido essacarta. Fez o papel escorregar sobre a mesa em direo a ele.Tomou um grande gole de usque e apanhou a garrafa, aomesmo tempo que dizia:

    Sim, compreendo.

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    55/291

    55

    Ela gosta de chamar-se Tracy. Acha que Teresa pare-ce muito imponente.

    Sim. Comandante Bond disse Marc-Ange, em cuja voz

    havia agora uma terrvel urgncia urgncia, autoridade eapelo. Meu amigo, ouviu toda a histria e agora viu a pro-va. Quer ajudar-me? Quer ajudar-me a salvar essa menina?Minha nica probabilidade est em voc dar-lhe esperana,dar-lhe uma razo para viver. Quer?

    Bond conservou os olhos tos na mesa sua frente.No se atrevia a erguer os olhos e ver a expresso do rostodesse homem. Tivera razo, razo de temer ser envolvido em

    toda essa complicao particular! Praguejou entre os dentes.A idia aterrorizava-o. No era um Bom Samaritano. No eramdico de pssaros feridos. O que ela precisava, disse feroz-mente consigo mesmo, era do div do psiquiatra. Tivera porele uma atrao passageira e ele por ela. Agora, sabia disso,iam pedir-lhe para apanh-la e carreg-la talvez pelo resto davida, perseguido pelo conhecimento, pela silenciosa chanta-gem, de que, se a largasse, seria quase certamente o mesmoque mat-la. Disse taciturnamente:

    No vejo como possa ajudar. Em que est pensan-do?

    Apanhou seu copo e olhou para ele. Bebeu, para tercoragem de olhar a sionomia de Marc-Ange do outro ladoda mesa.

    Os suaves olhos castanhos do homem brilhavam de

    tenso. A pele escura e enrugada ao redor da boca afundara-se em pregas mais profundas. Fitando Bond nos olhos, ex-plicou:

    Quero que faa a corte minha lha e se case comela. No dia do casamento eu lhe darei um dote pessoal de ummilho de libras em ouro.

    James Bond explodiu furiosamente: O que me pede absolutamente impossvel. A moa

    est doente. O que precisa de um psiquiatra. No de mim.No quero casar-me com ningum. No quero tambm um

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    56/291

    56

    milho de libras. Tenho dinheiro suciente para minhas ne-cessidades. Tenho minha prosso. (Ser verdade? E a cartade demisso? Bond ignorou a voz ntima). Precisa compreen-der isso tudo.

    De repente no pde mais suportar o sofrimento que viaestampado no rosto do homem. Disse suavemente: Ela uma garota maravilhosa. Farei tudo quanto pu-

    der por ela. Mas s quando estiver boa de novo. Ento cer-tamente gostarei de v-la de novo gostarei muito. Mas, seela pensa to bem de mim, se voc pensa o mesmo, ento elaprecisa primeiro car boa por sua prpria vontade. o nicomeio. Qualquer mdico lhe dir o mesmo. Precisa internar-

    se em uma clnica, a melhor que existir, na Sua, provavel-mente, e sepultar seu passado. Precisa voltar a ter vontadede viver. Ento e s ento haver alguma vantagem em nosencontrarmos de novo.

    Agora estava procurando convencer Marc-Ange. Voc compreende, no compreende, Marc-Ange? Eu

    sou um homem impiedoso. Admito-o. No tenho pacinciapara servir como enfermeiro de ningum, seja homem oumulher. Sua idia de tratamento s poderia deix-la aindamais desesperada. Voc precisa compreender que no possoaceitar a responsabilidade, por mais que sua lha me atraia concluiu Bond desajeitadamente o que uma verdade.

    O outro homem falou resignadamente: Compreendo-o, meu amigo. E no o importunarei

    com outros argumentos. Procurarei agir da maneira que su-

    gere. Mas poderia fazer-me mais um nico favor? So novehoras. Quer lev-la jantar esta noite? Fale com ela como qui-ser, mas mostre-lhe que estimada, que voc tem afeio porela. O carro dela e suas roupas esto aqui. Mandei traz-los.Se puder convenc-la de que gostaria de v-la de novo, achoque eu serei capaz de fazer o resto. Far isso por mim?

    Que noite, meu Deus! pensou Bond. Contudo, sorriucom todo o calor que pde encontrar.

    Naturalmente disse. Terei o maior prazer nisso.Mas estou com passagem reservada para o primeiro avio

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    57/291

    57

    que sai de Le Touquet amanh cedo. Depois disso, voc as-sumir a responsabilidade por ela?

    Certamente, meu amigo. Claro que o farei prome-teu Marc-Ange, esfregando bruscamente a mo nos olhos

    perdoe-me. Mas a verdade que me deu esperana no m deuma longa noite.Endireitou os ombros e repentinamente se inclinou so-

    bre a mesa, baixando decididamente as mos. No vou agradecer-lhe. No posso, mas digo-lhe isto,

    meu amigo: existe no mundo alguma coisa que eu possa fa-zer por voc, neste momento? Tenho grandes recursos, gran-de conhecimento, grande poder. Est tudo sua disposio.

    No existe coisa alguma que eu possa fazer por voc?Bond teve um lampejo de inspirao. Sorriu largamen-

    te. H uma pequena informao que eu desejo. Existe

    um homem chamado Blofeld, Ernest Stavro Blofeld. J deveter ouvido falar nele. Gostaria de saber se est vivo e ondepode ser encontrado.

    A sionomia de Marc-Ange passou por uma notvel mo-dicao. Agora o bandido frio, cruel, vingador, olhava atra-vs dos olhos, que de repente se tornaram to duros quantoopalas pardas.

    Ah! exclamou pensativamente. Blofeld. Sim,certamente est vivo. Ainda recentemente subornou trs demeus homens, tirou-os da Union custa de dinheiro. J -zera isso comigo antes. Trs dos membros do antigo ESPEC-

    TRO foram tirados da Union. Espere, vamos descobrir o quefor possvel.

    Havia sobre a mesa um nico telefone preto. Marc-Angelevantou o fone e imediatamente Bond ouviu a crepitao dooperador respondendo.

    Dammi u commandu.Marc-Ange descansou novamente o fone e explicou: Pedi ligao com meu quartel-general em Ajaccio.

    Estaro na linha dentro de cinco minutos. Mas preciso falardepressa. A polcia talvez conhea minha freqncia, embora

  • 7/31/2019 ian fleming - a servio secreto de sua majestade

    58/291

    58

    eu a mude uma vez por semana. Mas o dialeto crsico aju-da.

    O telefone tocou. Quando Marc-Ange apanhou o fone,Bond pde ouvir o zumbido e crepitao que conhecia to

    bem. Marc-Ange falou, com uma voz de rascante autorida-de.Ecco u Capu. Avette nuttizie di Blofeld, Ernst Stravo?

    Duve sta? Uma voz crepitou baixo Site Sigura? Ma noezzatu indirizzo? Mais crepitao. Buon. Sara tutto.

    Marc-Ange reps o fone no gancho. Abriu os braoscomo quem pede desculpas.

    S sabemos que se encontra na Sua. No temos

    seu endereo exato. Isso ajuda? Sem dvida seus homenspodero encontr-lo... se a Scurit sua ajudar. Mas souns brutos difceis de lidar, quando se trata de informaessobre um morador da Sua, particularmente se for rico.

    A pulsao de Bond acelerara-se com a sensao devitria. Eu o apanhei, bastardo! pensou. Em voz alta, disseentusiasticamente:

    Isso maravilhoso, Marc-Ange. O resto no ser dif-cil. Temos bons amigos na Sua.

    Marc-Ange sorriu satisfeito com a reao