hun ziker 2003

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  • MARIA HELENA LEITE HUNZIKER

    DESAMPARO APRENDIDO

    Tese apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo como parte dos requisitos para obteno do ttulo de Livre Docente.

    So Paulo 2003

  • A cincia antes de tudo um conjunto de

    atitudes. uma disposio de tratar com os

    fatos, de preferncia, e no com o que se

    possa ter dito sobre eles. (Skinner,

    1953/1970, p. 15)

  • SUMRIO

    Pgina

    LISTA DE FIGURAS............................................................................................ i

    LISTA DE QUADROS ........................................................................................ v

    RESUMO............................................................................................................... vi

    ABSTRACT........................................................................................................... vii

    APRESENTAO GERAL.................................................................................. 1

    Parte 1 SOBRE CONTROLE

    Conceito ................................................................................................ 2

    Metodologia de estudo .......................................................................... 4

    Parte 2 SOBRE DESAMPARO APRENDIDO

    Estudos bsicos ..................................................................................... 8

    Desenvolvimento das pesquisas com animais ...................................... 12

    Interpretaes tericas

    ............................................................................

    15

    Modelo animal de depresso .................................................................. 20

    Parte 3 ESTUDOS REALIZADOS NO NOSSO LABORATRIO

    Mtodo geral .......................................................................................... 23

    Bloco 1 Experimentos bsicos Estudo inicial........................................................................ 31

    Refinamento metodolgico................................................... 36

    Replicao do

    desamparo......................................................

    42

    Choque liberado nas patas ou cauda..................................... 45

    Modificao no teste R saltar (FR1).................................. 52

    Desamparo com R de focinhar (FR1)................................... 56

    Desamparo em ratos machos e fmeas................................. 60

    Consideraes sobre esse bloco ........................................... 62

    Bloco 2 Testes de interpretaes tericas

  • ii

    Hipteses associativas R-S................................................... 64

    Hipteses neuroqumicas...................................................... 74

    Consideraes sobre esse bloco ........................................... 78

    Bloco 3 Questes diversas Determinantes genticos e ambientais................................. 81

    Relaes S-S ....................................................................... 91

    Traumas de infncia ......................................................... 93

    Generalizao entre contextos ............................................. 96

    Desnutrio protica ........................................................... 101

    Tratamentos farmacolgicos ................................................ 103

    Consideraes sobre esse bloco ........................................... 109

    Bloco 4 Estgio atual......................................................................

    Lies do passado 112

    Estudos em andamento 116

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .............................................................. 125

  • i

    LISTA DE FIGURAS

    Figura Pgina 1

    Representao esquemtica da shuttlebox desenvolvida em nosso laboratrio para registro da resposta de saltar (desenho de Marson Guedes Ferreira).

    26 2

    Latncias mdias das respostas de fuga correr e pressionar a barra, apresentadas na sesso de teste dos experimentos 1 e 2, respectivamente. A resposta de correr foi reforada em FR1, no primeiro bloco de tentativas, e em FR2 nos demais blocos; a resposta de presso barra foi reforada com razo crescente de FR1 a FR3. Antes dessa sesso, os grupos foram expostos a diferentes tratamentos: grupos no-choque (N), incontrolvel (I), pr-treinado (P) e fuga (F) (adaptada de Hunziker, 1977a).

    33 3

    Latncias mdias da resposta de saltar, apresentadas por sujeitosingnuos expostos contingncia de fuga FR1 (adaptada de Hunziker,1981).

    41 4

    Latncias mdias das respostas de fuga apresentadas por sujeitos ingnuos expostos diferentes contingncias de reforamento negativo. As respostas reforadas foram saltar-FR1, correr-FR1, correr-FR2 (apenas o primeiro bloco de tentativas em FR1) e presso barra-FR3 (adaptada de Hunziker, 1977a; 1981a,b).

    42 5

    Latncias mdias das respostas de fuga correr-FR1, correr-FR2 e saltar-FR1, apresentadas por sujeitos previamente expostos a choques incontrolveis (I) ou a nenhum choque (N). Na contingncia de fuga correr-FR2 as respostas do primeiro bloco de tentativas foram reforadas em FR1 (adaptada de Hunziker, 1981a). 43

    6

    Latncias mdias da resposta de fuga saltar apresentadas por sujeitos previamente expostos diferentes tratamentos: choque controlvel (C), incontrolvel (I) ou nenhum choque (N) ( adaptada de Hunziker, 1981b). 44

    7

    Representao esquemtica da shuttlebox baixa, proposta por Berk, Marlin e Mille (1977). 48

    8

    Latncias mdias da resposta de fuga correr, apresentadas por dois ratos (suj.1 e suj.2) em uma shuttlebox baixa, frente a choques liberados na ordem cauda-pata-cauda-pata (adaptada de Hunziker, 1983b). 50

  • ii

    9 Latncias mdias da resposta de fuga saltar apresentadas por sujeitos

    previamente expostos a choques incontrolveis (I) ou nenhum choque (N). Os grupos do painel esquerdo receberam choques com durao mxima de 30s, enquanto que os da direita receberam choques com durao mxima de 10s. As diferenas entre os grupos N e I tm p

  • iii

    17 Latncias mdias da resposta de fuga saltar, apresentadas pelos

    sujeitos no expostos previamente a choques com a roda livre (grupo N-L) e pelos subgrupos de animais expostos a choques incontrolveis com a roda livre que apresentaram alta ou baixa taxa de resposta durante os choques (grupos L+ ou L-, respectivamente) (adaptada de Hunziker, 1981b). 74

    18

    Latncias mdias da resposta de fuga saltar, apresentadas pelos sujeitos no expostos previamente a choques (grupos N) ou expostos a 60 choques incontrolveis liberados em trs sesses de 20 choques cada (grupos I), injetados via i.p. com salina (0) ou naloxa nas doses de 5, 10 ou 20 mg/Kg, 10 min antes do teste (adaptada de Hunziker, 1992). 77

    19

    Latncias mdias da resposta de fuga saltar apresentadas pelos sujeitos dos diferentes grupos de tratamento, expostos a diferentes quantidades de choques incontrolveis (10, 20 ou 60 choques) distribudos em 1, 3 ou 6 sesses (adaptada de Hunziker, Barg e Favilla, 1984). 88

    20

    Latncias mdias da resposta de fuga saltar apresentadas por ratos adultos (97 dias) que receberam tratamento de choques controlveis (C), incontrolveis (I) ou nenhum choque (N) quando recm desmamados (infantes) ou na fase adulta (adaptada de Mestre e Hunziker, 1996). 95

    21

    Latncias mdias da resposta de fuga saltar apresentadas por ratos que receberam previamente o tratamento com gua controlvel (C), incontrolvel(I) ou nenhum tratamento (N) (adaptada de Capelari, 2002). 97

    22

    Freqncia de respostas de presso barra frente ao Sd e ao S delta, apresentadas pelos sujeitos previamente submetidos a choques controlveis (C), incontrolveis (I) ou nenhum choque (N), nas sesses 1 e 10 do teste sob contingncia de reforamento mltiplo-concorrente (FR/extino). As diferenas entre Sd e S delta, em cada grupo, so sinalizadas com os asteriscos (p(

  • iv

    23 Latncias mdias da resposta de fuga saltar apresentadas pelos sujeitos

    no expostos previamente a choques (grupos N) ou expostos a 60 choques incontrolveis liberados em uma nica sesso (grupos I-1/60) ou distribudos ao longo de 3 sesses (grupos I-3/20). Os dados do painel esquerdo dizem respeito aos animais que receberam 1 ml/Kg de salina, administrada via i.p. 30 min antes da sesso de teste; os do painel direito receberam injeo de igual volume de 1 mg/Kg de imipramina (adaptada de Hunziker, Buonomano e Moura, 1986). 105

    24

    Latncias mdias da resposta de fuga saltar apresentadas pelos sujeitos no expostos previamente a choques (grupos N) ou expostos a 60 choques incontrolveis liberados em uma nica sesso (grupos I). Esses grupos foram tratados com salina (sal) ou 16mg/Kg de imipramina (imi) ao longo de 5 dias, com duas injees dirias. A imipramina foi administrada de forma aguda (8 doses de salina seguida de uma de imipramina) ou crnica (9 doses de imipramina). A ltima injeo foi administrada 30 min antes da sesso de teste (adaptada de Graeff, 1991). 107

  • v

    LISTA DE QUADROS

    Quadro Pgina 1

    Representao esquemtica dos procedimentos para estudo dos efeitos de desamparo (duplas ou trades) e imunizao. O intervalo entre sesses de 24h. As siglas R1 e R2 indicam respostas de fuga diferentes em cada sesso. 30

    2

    Resumo das previses decorrentes das hipteses motora e do desamparo para os resultados a serem obtidos no teste de fuga pelos sujeitos dos grupos G (roda girando), T (roda travada), GT (roda girando/travada) e L (roda livre). 72

  • vi

    RESUMO

    HUNZIKER, Maria Helena Leite. Desamparo aprendido. 2003. 140p. Tese (Livre

    Docncia). Instituto de Psicologia, Universidade de So Paulo.

    O presente trabalho faz uma sntese crtica das pesquisas sobre desamparo

    aprendido realizadas no nosso laboratrio. Inicialmente, so apresentados os

    fundamentos conceituais e metodolgicos dessa linha de investigao, seguidos de uma

    breve reviso dos estudos do desamparo em animais, suas interpretaes tericas e sua

    proposio como modelo animal de depresso. Nossas pesquisas, realizadas com ratos

    como sujeitos, esto agrupadas em quatro blocos temticos. No primeiro bloco so

    analisados os trabalhos iniciais que possibilitaram a reviso e aprimoramento do

    procedimento bsico a ser empregado nos demais estudos. No bloco 2 so apresentadas

    as pesquisas que realizaram teste das hipteses de inatividade aprendida, desamparo

    aprendido e liberao de endorfinas. O bloco 3 agrupa pesquisas diversificadas,

    voltadas para identificar os determinantes da variabilidade intragrupo, as relaes R-S

    ou S-S envolvidas no desamparo, a generalidade desse efeito entre contextos aversivos

    e apetitivos, sua permanncia ao longo da vida do sujeito, o efeito da desnutrio

    protica e de tratamentos farmacolgicos com antidepressivos. No bloco 4

    apresentamos o estgio atual de trabalho em nosso laboratrio, analisando as

    contribuies das pesquisas anteriores e os novos estudos em andamento.

  • vii

    ABSTRACT

    HUNZIKER, Maria Helena Leite. Learned helplessness. 2003. 140p. Thesis. Instituto

    de Psicologia, Universidade de So Paulo.

    The present paper is a critical review and a synthesis of the experiments

    conducted in our laboratory on learned helplessness. At first, we present the foundations

    of this investigation area, its core concept, its methodological design and a brief review

    of some empirical studies. Over four blocks, a compilation of our main experiments

    using rats as subjects are portrayed. In the first block, we analyze our initial studies on

    learned helplessness, which promoted an improvement of the task to produce a

    procedure that is more coherent with this behavioral effect from a conceptual and

    methodological standpoint. The second block presets the studies that aimed at testing

    some of the hypotheses: learned inactivity, learned helplessness, and endorphin release.

    The third block presents varied pieces of research, which aimed at identifying R-S and

    S-S relations involved in helplessness, the possibility of generalization from aversive to

    appetitive contexts, its persistence throughout the life span of the experimental subject,

    and the effects of pharmacological treatments. The fourth block presents conclusions

    drawn from this set of experiments and introduces other studies that are still being

    conducted.

  • APRESENTAO GERAL

    O presente trabalho compila os estudos sobre o desamparo aprendido que

    realizei entre 1977 at os dias de hoje. Seu objetivo fazer uma sntese crtica da minha

    trajetria de pesquisa sobre esse tema, partindo da questo primeira que me levou ao

    laboratrio at chegar s pesquisas que ainda esto em andamento.

    H tempos eu me deparei com essa necessidade de sistematizao como forma

    de dar unidade ao conjunto realizado, possibilitando aos iniciantes na rea um mergulho

    concentrado nos problemas e solues encontrados no nosso laboratrio. Aquilo que era

    passado aos alunos de maneira informal, agora estar aqui registrado de maneira

    ordenada, facilitando esse acesso.

    Os trabalhos que sero analisados foram desenvolvidos por mim e pelo grupo de

    pesquisa a mim associado, tendo-se por perspectiva de anlise o behaviorismo radical

    (Skinner, 1974). So trabalhos experimentais, voltados investigao bsica do

    comportamento, utilizando ratos como sujeitos. Na sua maioria, essas pesquisas j

    foram divulgadas atravs de tese e dissertaes, artigos em peridicos, artigos ou

    resumos em anais de congressos, captulos de livros, apresentaes em congressos e

    palestras. Apenas os trabalhos mais recentes, em andamento ou recm concludos, so

    ainda inditos. A originalidade da atual apresentao consiste, portanto, na tentativa de

    sntese e releitura do conjunto de trabalhos a partir da experincia acumulada ao longo

    dos anos.

    Para comear, apresento, resumidamente, os fundamentos conceituais e

    metodolgicos dessa linha de investigao.

  • 2

    PARTE 1

    SOBRE CONTROLE Conceito

    No raro que o termo controle, voltado ao estudo do comportamento, tenha

    uma conotao antiptica ou aversiva. Para muitas pessoas, o controle do

    comportamento significa necessariamente imposio, coero, restrio de liberdade,

    desconforto, jugo, ou qualquer outro sinnimo de tudo aquilo que as pessoas fogem ou

    querem evitar. J encontrei no meio universitrio professores em cursos de Psicologia

    que s entendiam o termo controle com essas conotaes negativas. Da que era um

    passo que eles equivocadamente ensinassem aos seus alunos que falar em controle do

    comportamento (coisa de behaviorista) era o mesmo que propor um mundo como o de

    Laranja Mecnica (o filme) ou de 1984 (o livro). No de se estranhar a oposio

    que ns, behavioristas, temos que enfrentar nos primeiros dias de sala de aula! Aqui

    trataremos o termo controle de forma menos moralista ou equivocada.

    Tecnicamente, controle caracterizado por relaes probabilsticas de

    ocorrncia de um evento em funo de outros que o antecederam. Considerando-se uma

    seqncia simples de dois eventos (AB), pode-se analisar a probabilidade de ocorrncia

    de B aps A ou na sua ausncia (p(B/A) e p(B/nA), respectivamente). Quando ambas as

    probabilidades so diferentes entre si, temos uma condio de controle pois a ocorrncia

    de A modifica (controla) a probabilidade de ocorrncia de B. Inversamente,

    probabilidades iguais indicam eventos que ocorrem de forma independente um do outro,

    caracterizando uma situao em que um no tem controle sobre o outro. Portanto, o

    termo controle diz respeito a essa modificao que um evento produz em outro.

    No estudo do comportamento essa anlise se aplica a diferentes combinaes

    entre estmulos (S) e respostas (R) 1, desde as mais simples, envolvendo apenas dois

    elementos, at as mais complexas, com n eventos interrelacionados entre si. Por

    exemplo, na relao simples R-S, o estmulo pode ocorrer aps uma determinada

    resposta (R) ou na sua ausncia (nR). Assim, uma condio de controle dessa resposta

    1 Sempre que nos referirmos a S e R, entenda-se que estamos considerando a noo de classe de S e de R, conforme analisado por Catania (1998).

  • 3

    sobre o estmulo pode ser expressa pela notao p(S/R) p(S/nR), enquanto que a condio de incontrolabilidade pode ser expressa como p(S/R) = p(S/nR).

    Na perspectiva behaviorista radical, a anlise do comportamento envolve

    necessariamente o estudo dos vrios nveis de controle que se estabelecem na interao

    organismo/ambiente. Nesses estudos, a palavra controle pode ser utilizada em dois

    sentidos: pode-se falar do controle que o ambiente exerce sobre o comportamento do

    indivduo e tambm do controle que o indivduo exerce sobre o seu ambiente. Na

    verdade, ambos existem conjuntamente e a diferena desses usos se refere apenas ao

    objeto de anlise. Quando diz que o comportamento controlado por suas

    conseqncias Skinner (1981) destaca que o ambiente o agente controlador do

    comportamento. Porm, o termo conseqncia indica que o evento do meio que

    interfere no comportamento produzido pelo prprio comportamento. , Por exemplo,

    um arranjo experimental pode estabelecer que uma gota dgua ser apresentada cada

    vez que o rato pressionar uma barra, mas nunca na ausncia dessa resposta. Nessa

    condio, pode-se dizer que o rato tem total controle sobre a apresentao da gua.

    Por outro lado, sabemos que a taxa de resposta de presso barra apresentada por esse

    sujeito funo dessa relao resposta-gua. Isso nos permite dizer que esse

    comportamento de pressionar a controlado pela apresentao da gua. Portanto, so

    indissociveis ambos os controles, o do sujeito sobre seu meio e o do meio sobre o

    sujeito.

    Essa dinmica contnua ajusta-se perfeitamente assero de que mudana a

    nica constante, feita h cerca de 2.000 anos pelo filsofo romano Lucretius (citado em

    Chance, 1994, p. 1). O sujeito modifica seu meio, que por sua vez modifica o indivduo,

    e assim sucessivamente, de forma que organismo e ambiente so mutantes crnicos e

    interdependentes. Essa interdependncia tambm a essncia da anlise do

    comportamento, que estuda como o aparecimento e a remoo de estmulos produzidos

    pelas respostas do sujeito modificam seu comportamento. Dessa perspectiva, o

    indivduo nunca passivo no processo comportamental. Ao contrrio, ele o agente

    que modifica (opera sobre) o ambiente no qual se encontra, deixando nesse ambiente a

    sua marca pessoal e sendo por ele individualmente modificado. nesse processo

  • 4

    simples, cumulativo e individual que pequenas mudanas geram comportamentos

    complexos (Donahoe & Palmer, 1994).

    O termo contingncia operante, portanto, equivale a uma condio onde o

    sujeito pode controlar (total ou parcialmente) algum aspecto do seu ambiente, da mesma

    forma que no-contingncia equivale uma condio de incontrolabilidade do meio.

    Portanto, a no-contingncia implica em uma condio nica (de igualdade entre ambas

    as probabilidades), enquanto que a contingncia pode corresponder a diversas

    combinaes de probabilidades, gerando diferentes graus de controle. As possibilidades

    de combinao entre ambas as probabilidades so imensas, podendo ser criadas

    seqncias de n elementos, que se sucedem nas mais diferentes combinaes.

    Independente do nmero de elementos envolvidos na contingncia, o crtico sempre a

    relao funcional que existe entre eles, que vai gerar as mudanas no organismo e no

    ambiente.

    A maior parte dos estudos em anlise do comportamento tem explorado as

    combinaes que envolvem a diferena entre essas probabilidades, ou seja, as

    contingncias operantes onde as alteraes ambientais produzidas pelo indivduo

    modificam o seu comportamento. Contudo, se o ambiente pode sofrer alteraes que

    no esto sob controle do sujeito, ser que esses eventos incontrolveis tambm podem

    influenciar o processo comportamental?

    Metodologia de estudo

    Para saber se a incontrolabilidade do ambiente pode afetar o comportamento dos

    organismos, uma estratgia seria observar o comportamento do sujeito ao longo da

    exposio aos estmulos incontrolveis e medir as alteraes que nele se processam.

    Porm, um problema metodolgico se impe: o que observar? Nos trabalhos sobre

    aprendizagem operante, a varivel dependente relaciona-se a uma classe de respostas

    estabelecida previamente pelo experimentador, que pode registr-la antes e depois da

    manipulao experimental, confirmando se houve ou no modificao em funo da

    contingncia em vigor. Contudo, se a ocorrncia do estmulo no se relaciona a

  • 5

    nenhuma resposta do sujeito, qual classe de resposta deveria ser registrada, tornando-se

    a varivel dependente crtica para se auferir os efeitos dessa incontrolabilidade?

    Nos estudos sobre comportamento supersticioso, Skinner (1948) observou

    diretamente o comportamento de pombos expostos liberao de alimento

    independentemente de suas respostas. Ele constatou o aumento da freqncia de

    algumas respostas que no produziam a liberao do alimento mas que

    sistematicamente o antecediam. O efeito era tal qual tivessem sido experimentalmente

    reforadas. Skinner concluiu que a contigidade temporal entre R e S era responsvel

    por esse efeito, sugerindo que ela poderia mimetizar contingncias operantes. Porm,

    como essas contingncias no eram reais (dado que inexistia uma relao de

    dependncia entre as respostas e os estmulos), ele as chamou de acidentais.

    A possibilidade de estabelecimento de contingncias acidentais poderia sugerir

    uma inviabilidade de se estudar os efeitos da incontrolabilidade: se o controle se

    estabelece independente da programao experimental (como nos pombos de Skinner),

    seria a incontrolabilidade uma condio apenas terica, que na prtica no se

    apresentaria ao sujeito? No h nenhuma evidncia de que todos os estmulos

    incontrolveis se tornam parte de contingncias acidentais. Portanto, arranjos

    experimentais que propiciam poucas contigidades sistemticas podem, em princpio,

    evitar essas contingncias.

    A falta de especificao a priori de qual classe de resposta seria conseqenciada

    no foi problema no estudo de Skinner (1948) dado que as mudanas registradas

    puderam ser relacionadas contigidade entre respostas e estmulos. Porm, nem

    sempre isso se d. Como impossvel registrar todas as respostas emitidas antes dos

    estmulos incontrolveis, a no alterao das respostas registradas no exclui a

    possibilidade de que alteraes tenham se dado em outras classes de respostas que

    ficaram fora do registro do experimentador. Contudo, supor sempre essa possibilidade

    fazer do reforamento cidental um coringa que explica tudo. Para evitar essa falcia, a

    suposio de reforamento acidental deve, necessariamente, ser acompanhada da

    demonstrao de mudanas na classe de resposta que sistematicamente antecedeu o

    estmulo manipulado, mesmo sem relao de dependncia entre eles.

  • 6

    Apesar da enorme contribuio do estudo sobre contingncias acidentais para a

    anlise da contigidade na determinao do comportamento, ele no respondeu

    diretamente pergunta sobre os efeitos da incontrolabilidade do meio. Pela lgica, se

    um arranjo propicia ao sujeito identificar uma relao de controle, mesmo que

    acidental, ele no serve para responder pergunta sobre os efeitos da falta de

    controle.

    Outros procedimentos investigaram os efeitos da incontrolabilidade de forma

    indireta, a maioria deles envolvendo uma etapa inicial de controle, seguida pela

    condio de incontrolabilidade. Por exemplo, na extino operante, a apresentao (ou a

    supresso) do estmulo independe da resposta do sujeito, o que caracteriza esse estmulo

    como incontrolvel. Para que esse procedimento entre em vigor necessrio que antes o

    sujeito tenha sido exposto a uma contingncia operante. Portanto, o efeito da extino -

    enfraquecimento da classe de resposta anteriormente reforada - funo da perda de

    controle e no da incontrolabilidade em si. Conseqentemente, os estudos sobre

    extino se prestam mais para investigar os efeitos da contingncia anterior do que para

    esclarecer sobre os efeitos diretos da incontrolabilidade.

    Outros estudos analisam os efeitos da incontrolabilidade sobre aprendizagens

    mantidas por alguma contingncia de reforamento. Por exemplo, Ferrara (1975)

    estudou o efeito de diferentes freqncias de choques incontrolveis sobrepostos a um

    esquema mltiplo de reforamento VI-Extino-Punio, e Figueiredo (1981) analisou

    o efeito da liberao no contingente de gua aps condicionamento e extino. Em

    todos esses estudos, o histrico de reforamento foi analisado como uma varivel

    independente que interferiu nos efeitos dos estmulos incontrolveis. Portanto, a

    sensibilidade dos indivduos incontrolabilidade estava sendo funo dessa histria

    prvia de controle.

    Um procedimento inverso expe os indivduos diretamente condio de

    incontrolabilidade sem que eles tenham tido histria de controle sobre aquela classe de

    estmulo. Posteriormente, o efeito dessa manipulao avaliado sobre a interferncia

    que causa em uma aprendizagem operante. A racional desse procedimento baseia-se no

    fato de que a aprendizagem um processo cumulativo e que aprendizagens passadas

    interferem nas aprendizagens sucessivas. Se os sujeitos aprenderem que no h relao

  • 7

    entre os estmulos e suas respostas, futuramente eles deveriam ter maior dificuldade de

    aprender a relao oposta, de controle. Essa a lgica que norteia os trabalhos sobre

    desamparo aprendido, que sero apresentados a seguir.

  • 8

    PARTE 2

    DESAMPARO APRENDIDO

    O termo desamparo aprendido tem sido utilizado com dois significados

    distintos, sendo um deles de carter descritivo e outro explicativo. Enquanto termo

    descritivo, desamparo aprendido refere-se a dados experimentais que demonstram a

    dificuldade de aprendizagem operante apresentada por indivduos que tiveram

    experincia prvia com eventos aversivos incontrolveis. Na sua conotao explicativa,

    desamparo aprendido refere-se a uma das hipteses tericas sobre os processos

    responsveis por esse efeito comportamental (Maier & Seligman, 1976). Evitando essa

    duplicidade, aqui utilizaremos o termo desamparo aprendido sempre relativo ao efeito

    comportamental, sendo explicitado quando estivermos nos referindo hiptese

    homnima.

    ESTUDOS BSICOS

    Segundo Peterson, Maier e Seligman (1993), a identificao do desamparo

    aprendido se deu de forma acidental. Os primeiros trabalhos foram realizados na dcada

    de 60, quando as pesquisas sobre esquiva eram numerosas e Teoria dos Dois Fatores

    estava no centro das discusses2. Alguns alunos de ps-graduao, orientandos de

    Solomon (um dos defensores dessa Teoria), desenvolviam pesquisas sobre esquiva.

    Dentre eles, Bruce Overmier e Russell Leaf decidiram manipular a ordem de aquisio

    dos condicionamentos respondente e operante para verificar se isso interferiria na

    aquisio de esquiva. Para tanto, liberaram choques e estmulos sonoros em diferentes

    ordens de apresentao, pareados ou no uns com os outros, relacionados ou no com a

    resposta de esquiva. Dentre as vrias manipulaes efetuadas eles expuseram um grupo

    de ces, presos em arreios, associao luz/choque (associao CS/US). Como essa

    2 De acordo com a Teoria dos Dois Fatores, o comportamento de esquiva decorreria de dois processos de aprendizagem, um respondente e outro operante. A aprendizagem respondente se daria pelo pareamento do estmulo aversivo com outro estmulo que o precedesse sistematicamente (associao S-S), adquirindo este a funo de

  • 9

    fase buscava propiciar apenas a aprendizagem respondente, nenhuma resposta desses

    ces produzia qualquer modificao nos choques, que eram, portanto, incontrolveis.

    Posteriormente, esses animais foram colocados em uma shuttlebox onde um tom

    antecedia os choques, que poderiam ser evitados caso o animal saltasse para o

    compartimento oposto. Ao longo desse teste, o CS luz (utilizado na primeira fase) era

    tambm apresentado, independentemente da contingncia de esquiva em vigor, com a

    finalidade de verificar se esse CS tornaria a resposta de saltar seria mais provvel,

    mesmo no tendo reforamento operante associado a ele. Contrariando a teoria em teste,

    obtiveram que a luz no aumentou a probabilidade de saltar. Contudo, outro resultado

    inesperado lhes chamou a ateno: apesar de estar vigorando uma contingncia de

    reforamento negativo, a resposta de esquiva no foi aprendida. Esses resultados, que

    surgiram em paralelo aos objetivos da pesquisa, sugeriram que choques incontrolveis

    podiam afetar novas aprendizagens operantes negativamente reforadas (Overmier &

    Leaf, 1965).

    Aplicando o princpio da serendipity3 (Bachrach, 1969), esses jovens

    pesquisadores passaram a investi gar contrariando aquela teoria esse efeito inesperado.

    Overmier se associou a Seligman, outro ps-graduando, com o fim de testar,

    explicitamente, essa relao da incontrolabilidade com a aprendizagem. Expondo

    grupos de ces a choques incontrolveis ou a nenhum choque, e posteriormente

    testando-os em uma aprendizagem de fuga/esquiva, Overmier e Seligman (1967)

    confirmaram que os animais anteriormente submetidos a choques incontrolveis no

    aprenderam a resposta no teste, ao contrrio dos ces no expostos a esses choques que

    aprenderam rapidamente.

    Esse trabalho no separou os efeitos dos choques daqueles decorrentes da sua

    incontrolabilidade. Isso foi feito em seguida, tendo Seligman e Maier (1967)

    manipulado simultaneamente grupos de trs sujeitos, caracterizando o que se passou a

    chamar delineamento tridico. Na primeira fase, dois ces foram submetidos

    simultaneamente a choques eltricos, enquanto o terceiro animal permanecia na caixa

    estmulo aversivo condicionado (CS). J a aprendizagem operante se daria pelo reforamento decorrente do trmino do CS aversivo (Mowrer, 1947; Rescorla & Solomon, 1967). 3 Descoberta acidental, decorrente da atitude de privilegiar o fato encontrado mesmo que ele no seja o que se procurava inicialmente na pesquisa.

  • 10

    experimental sem choques. O controle sobre os choques era permitido a apenas um dos

    ces que, submetido a uma contingncia de fuga, podia deslig-los emitindo uma

    resposta previamente selecionada (pressionar um painel com o focinho). Quando isso

    ocorria, sua resposta tambm desligava o choque do segundo animal. Respostas do

    segundo co no tinham conseqncias programadas. Assim, apesar de ambos

    receberem iguais choques (nmero, intensidade, intervalo, etc), apenas o primeiro

    sujeito podia exercer controle sobre esses estmulos, enquanto que o segundo se

    encontrava em condio definida como de incontrolabilidade. Vinte e quatro horas

    aps, cada animal foi exposto a uma sesso de reforamento negativo para a resposta de

    correr. Os resultados mostraram que os animais previamente tratados com choques

    controlveis aprenderam a resposta de fuga no teste tanto quanto os no expostos a

    choques. Ambos os grupos emitiram essa resposta com maior probabilidade e menores

    latncias ao longo da sesso, na medida em que foram sendo sucessivamente

    submetidos ao reforamento negativo. Ao contrrio, os animais previamente expostoss

    aos choques incontrolveis no emitiram a resposta de fuga ou, quando o fizeram, isso

    no alterou a probabilidade de ocorrncia dessa resposta: nesse grupo, as latncias

    foram altas durante toda a sesso. Portanto, esses animais no aprenderam a resposta de

    fuga.

    A essa dificuldade de aprender uma relao operante decorrente da exposio

    prvia a eventos aversivos incontrolveis, deu-se o nome de efeito de interferncia

    (Overmier & Seligman, 1967; Seligman & Maier, 1967). Apesar de essa denominao

    ser bastante descritiva do efeito comportamental em estudo, ela foi rapidamente

    substituda por desamparo aprendido (learned helplessness), termo que tambm

    denominou uma das hipteses explicativas do fenmeno, conforme se ver mais frente

    (Maier, Seligman & Solomon, 1969; Maier & Seligman, 1976). Por alguns anos, houve

    a tentativa de manuteno da terminologia original, isenta de conotao terica (Glazer

    & Weiss, 1976 a; Crowell & Anderson, 1981), mas o termo desamparo aprendido foi o

    mais difundido, afirmando-se como denominao do efeito, a despeito da indesejvel

    simbiose que se estabeleceu entre o efeito e a sua interpretao (Seligman, 1975;

    Peterson et al, 1993).

  • 11

    Algumas questes tericas motivaram variaes no procedimento bsico

    possibilitando a expanso da anlise do desamparo aprendido. Dois procedimentos

    podem ser destacados, um voltado preveno e outro ao tratamento do

    desamparo. Para testar a preveno, foi analisada a importncia da ordem de

    aprendizagem estabelecida. Considerando-se que o comportamento um fenmeno

    cumulativo e que o tratamento com a incontrolabilidade deve promover a aprendizagem

    de que o estmulo independe da resposta, ser que uma primeira aprendizagem de

    controle sobre esse estmulo poderia minimizar os efeitos de experincias futuras com a

    sua incontrolabilidade? Para responder a essa questo, um grupo de ces foi submetido

    a uma primeira sesso com choques controlveis (fuga/esquiva), seguida por outra onde

    eram expostos a choques incontrolveis. Verificou-se que, quando testados

    posteriormente em fuga/esquiva, esses animais aprenderam normalmente a resposta no

    teste. Esse efeito foi chamado de imunizao pois sugeria que o controle exercido na

    primeira sesso teria imunizado os sujeitos contra o aprendizado posterior da

    incontrolabilidade, deixando-os aptos a aprenderem normalmente a relao operante

    estabelecida no teste (Seligman & Maier, 1967). Portanto, o estudo do efeito de

    imunizao mostrou que a histria de reforamento pode ser uma varivel crtica na

    preveno contra o desamparo.

    Haveria um procedimento que poderia reverter o desamparo, depois que esse

    padro de comportamento j estivesse estabelecido? Para responder a essa questo,

    Seligman & Maier (1967) selecionaram ces que haviam apresentado desamparo e os

    re-expuseram contingncia de fuga do teste forando-os fisicamente a experimentar o

    reforamento. Isso foi feito prendendo correias ao seu corpo e colocando os animais

    novamente na caixa de teste (shuttlebox), que era dividida em dois compartimentos por

    uma pequena barreira. Ao iniciar o choque, os experimentadores puxavam os ces

    atravs das correias, na direo da barreira, at que eles a saltassem, indo para o

    compartimento oposto. Essa resposta de saltar era imediatamente seguida pelo trmino

    do choque. A cada choque, reiniciava esse procedimento. Depois de expostos

    seguidamente a essa contingncia de fuga forada, os ces passaram a emitir a resposta

    de fuga sem a ajuda dos experimentadores, mostrando a reverso do desamparo.

  • 12

    DESENVOLVIMENTO DE PESQUISAS COM ANIMAIS

    Esses trabalhos foram seguidos por grande numero de pesquisas que replicaram

    e ampliaram seus dados (ver revises em Maier et al, 1976; Peterson et al, 1993). No

    que diz respeito generalidade entre espcies, o desamparo aprendido foi obtido com

    mamferos, aves, peixes, insetos. Apesar dessa generalidade entre espcies, alguns

    trabalhos sugeriram que no haveria generalidade entre gneros: com fmeas de ratos

    ou camundongos, o desamparo no seria obtido (Calderone, George, Zacharioou &

    Picciotto, 2000; Navarro, Gil, Lorenzo, Noval, Galina & Gilbert-Rahola, 1984;

    Steenberger, Heinsbroek, Van Haaren & Van de Poll, 1989; 1990). Contudo, como

    mostraremos mais frente, essa indicao da relevncia do gnero do sujeito no se

    confirmou em nosso laboratrio. Apesar do nosso destaque para os trabalhos com

    animais, deve-se apontar que o desamparo tambm vem sendo estudado com sujeitos

    humanos, com relatos de replicao dos mesmos processos bsicos identificados com

    animais (Hiroto & Seligman, 1975; Matute, 1994).

    Mesmo tendo sido obtida generalidade entre espcies, a maior parte das

    pesquisas utilizou ratos como sujeitos e choque eltrico como o estmulo manipulado.

    Quanto ao procedimento empregado, uma vez que a incontrolabilidade dos choques j

    havia sido estabelecida como a varivel crtica, nem todos os trabalhos utilizaram o

    delineamento tridico. Muitos deles utilizaram apenas dois grupos (choques

    incontrolveis ou nenhum choque) na fase de tratamento, e uma contingncia de fuga no

    teste (Peterson et al, 1993).

    Quanto varivel crtica para produo do desamparo, a incontrolabilidade dos

    estmulos continua sendo apontada como a principal delas. Apesar de predominante,

    essa avaliao no unanimidade: alguns pesquisadores sugeriram que a

    incontrolabilidade pode no ser condio suficiente para que o desamparo ocorra: seria

    igualmente relevante a imprevisibilidade4 do estmulo (Overmier, 1985; Overmier &

    LoLordo, 1998). Essa sugesto no tem ganhado muito espao na literatura, sendo a

    4 Assim como na anlise da controlabilidade, a anlise da previsibilidade de um estmulo feita a partir das probabilidades de um estmulo (S2) ocorrer depois de outro (S1), ou na ausncia dele (nS1). Essa relao pode ser expressa entre valores de 0,0 e 1,0, conforme segue: p(S2/S1) ou p(S2/NS1), respectivamente. A previso

  • 13

    anlise da previsibilidade dos choques pouco considerada na grande maioria dos

    trabalhos publicados sobre o desamparo at o momento.

    Caractersticas do estmulo manipulado tambm se mostraram relevantes no

    momento de replicar o desamparo, da mesma forma que o so em outros processos de

    aprendizagem (Fantino, 1973). A maioria dos estudos se restringe ao uso de estmulos

    aversivos. Com animais, choques eltricos so freqentemente utilizados em todas as

    fases do experimento, sendo que o desamparo obtido depende da intensidade,

    freqncia, durao e densidade desses choques (Altenor, Volpicelli & Seligamn, 1979;

    Arruda, 1981; Crowell & Anderson, 1981; Crowell, Lupo, Cunnigham & Anderson,

    1978; Glazer & Weiss, 1976 a,b; Lawry, Lupo, Overmier, Kochevar, Hollis &

    Anderson, 1978; Rosellini & Seligman, 1978). As poucas variaes do estmulo

    aversivo foram feitas nos estudos com humanos, tendo sido utilizados sons estridentes

    ou soluo de anagramas (Hiroto & Seligman, 1975; Matute, 1994; Nation & Boyajian,

    1981). Poucos trabalhos com animais manipularam eventos apetitivos, tais como

    alimento ou gua, ministrados no tratamento e/ou no teste. Os resultados desses estudos

    so contraditrios: alguns relataram desamparo (Enberg, Welker, Hansen & Thomaz,

    1972; Ferrandiz & Vicent, 1997; Job, 1989; Mauk & Pavur, 1979; Rosellini, 1978;

    Oakes, Rosemblum & Fox, 1982) enquanto outros mostraram facilitao ou

    aprendizagem sem qualquer interferncia do tratamento anterior (Calef et al.,1984; Job,

    1988; 1989). Assim, embora seja considerado que h generalidade do desamparo entre

    contextos aversivos e apetitivos (Peterson et al, 1993), nossa opinio que tal

    afirmao precisa ser mais embasada em dados experimentais.

    Afora as caractersticas do estmulo, diversos estudos vm mostrando que

    tambm pode ser relevante a resposta utilizada na sesso de teste. Ao contrrio dos ces

    utilizados nos primeiros estudos, ratos no apresentaram o desamparo quando testados

    em uma shuttlebox onde se exigia, como resposta de fuga, que eles corressem ao

    compartimento oposto ao que estavam (Maier, Albin & Testa, 1973). O mesmo se

    verificou se deles era exigida a emisso de uma resposta de presso barra (Seligman &

    Beagley, 1975). Contudo, quando se utilizou a contingncia de FR2 para a resposta de

    considerada tanto maior quanto maiores forem as diferenas entre ambas as probabilidades, sendo que a relao de igualdade entre elas define a condio de imprevisibilidade (Seligman, Maier & Solomon, 1971).

  • 14

    correr (Maier et al., 1973) ou a de FR3 para a resposta depresso barra (Seligman &

    Beagley, 1975), os estudos relataram que foi obtido desamparo, demonstrando a sua

    generalidade para ratos. Aps essas demonstraes, passou a ser o procedimento padro

    para estudo do desamparo em ratos o reforamento em FR2 para a resposta de correr na

    shuttlebox.5

    Paralelamente s investigaes sobre os efeitos comportamentais dos choques

    incontrolveis, alguns estudos buscaram identificar as alteraes internas do organismo

    exposto condio ambiental que gera o desamparo aprendido. J nos anos 70, foi

    relatada a depleo dos estoques de noradrenalina no crebro de ratos que haviam sido

    submetidos a choques incontrolveis, mas no naqueles expostos aos mesmos choques,

    porm controlveis (Weiss, Stone & Harwell, 1970). Mais tarde, o mesmo tratamento se

    mostrou produtor de decrscimos nos nveis centrais de outros neurotransmissores, tais

    como do GABA, alm de alteraes de receptores noradrenrgicos e de ligantes

    endgenos de receptores benzodiazepnicos (Drugan et al., 1989).

    Outros estudos mostraram que a incontrolabilidade do meio tambm afeta o

    sistema opiide (Amit & Galina, 1986; Hemingway & Reigle, 1987). Por exemplo, foi

    identificado que o mesmo tratamento que produz o desamparo tambm produz o

    aumento de liberao de endorfinas gerando estados analgsicos to potentes quanto os

    induzidos por doses moderadamente altas de morfina (Jackson, Maier & Coon, 1979).

    Essas alteraes opiides chegam a sensibilizar os animais morfina a ponto desses

    sujeitos mostrarem reaes analgsicas mais potentes (Grau, Hyson, Maier, Madden &

    Barchas, 1981) e de apresentarem maior sndrome de abstinncia em relao a essa

    droga (Williams, Drugan & Maier, 1984).

    Esses dados permitiram que se estudasse a reverso do desamparo atravs de

    tratamento farmacolgico. Por exemplo, verificou-se que diversos frmacos que

    aumentam diferencialmente a atividade noradrenrgica, gabargica ou benzodiazepnica

    podem modificar a ocorrncia do desamparo (Petty & Sherman, 1979 a,b; Whitehouse,

    Walker, Margules & Bersh, 1983). Na direo oposta, identificou-se que algumas

    alteraes neuroqumicas eram passveis de serem evitadas pelo mesmo procedimento

    5 Conforme se ver mais frente, apesar de amplamente aceito na literatura, o teste com a resposta de fuga correr (FR2) produziu resultados bastante insatisfatrios quando testados em nosso laboratrio.

  • 15

    que induz o efeito comportamental de imunizao: a exposio inicial a choques

    controlveis evitou o desenvolvimento da analgesia induzida por choques incontrolveis

    (Moye, Hyson, Grau & Maier, 1983).

    Outros efeitos fisiolgicos da incontrolabilidade, alm de alteraes de

    neurotransmissores, foram tambm identificados. Por exemplo, alguns estudos

    relataram que a exposio incontrolabilidade dos choques pode alterar a temperatura

    corporal (Endo e Shikari, 2000), produzir acelerao no desenvolvimento de tumores e

    rebaixamento geral do sistema imunolgico (Bem-Eliyahu et al., 1991; Laudenslager et

    al. , 1983; Mormede et al., 1988).

    Portanto, no nvel comportamental e no subcomportamental, est amplamente

    demonstrado que a experincia com a incontrolabilidade de estmulos aversivos produz

    mudanas no organismo. Os estudos que analisam conjuntamente variveis ambientais e

    fisiolgicas tm ajudado a identificar os substratos biolgicos do comportamento, bem

    como as contingncias ambientais que modificam o organismo em diferentes nveis. No

    seu conjunto, essa abordagem biocomportamental (Donahoe & Palmer, 1993) do

    desamparo vem dando sustentao emprica para o pressuposto filosfico de que o

    comportamento de um organismo a fisiologia de uma anatomia (Skinner, 1966, p.

    1.205).

    INTERPRETAES TERICAS

    Hipteses associativas

    A anlise terica dos processos envolvidos no desamparo aprendido tomou duas

    direes opostas: uma que defende o aprendizado de controle atravs de contingncias

    acidentais e outra que prope o aprendizado da impossibilidade de controle.

    A hiptese da inatividade aprendida considera que o desamparo no um efeito

    direto da incontrolabilidade dos choques mas sim de contingncias operantes acidentais

    que selecionam baixa atividade motora. Conseqentemente, se o animal aprende a ficar

    pouco ativo ele fica posteriormente menos apto a emitir a resposta de fuga, desde que a

    resposta no teste requeira alta movimentao corporal. Essa proposio considera,

  • 16

    portanto, que a incontrolabilidade no atua diretamente sobre o comportamento, mas

    apenas estabelece a condio propcia para que surjam contingncias acidentais.

    De acordo com essa anlise, seriam duas as contingncias acidentais que se

    estabeleceriam, a despeito da programao experimental ser de incontrolabilidade. Uma

    delas sugere que a alta movimentao corporal eliciada pelos primeiros choques

    coincidiria com a continuidade dos mesmos (pois os choques tm vrios segundos de

    durao), e isso estabeleceria uma contingncia acidental de punio da alta atividade

    motora (Bracewell & Black, 1974). Uma segunda contingncia foi sugerida pela

    observao de que a movimentao corporal tende a se reduzir aps alguns segundos de

    choque, possibilitando que o trmino do choque coincidisse com baixa atividade

    motora. Nesse caso, estaria sendo estabelecida uma contingncia acidental de

    reforamento negativo da inatividade (Glazer & Weiss, 1976a, b). Portanto,

    isoladamente ou em conjunto, esses dois processos acidentais levariam inatividade,

    gerando o desamparo aprendido.

    Outra hiptese que envolve anlise de processos associativos a denominada

    hiptese do desamparo aprendido. Em direo contrria anterior, ela pressupe que os

    sujeitos so sensveis tanto a relaes que envolvam controle como quelas que

    envolvem impossibilidade de controle do ambiente. Assim, o desamparo seria

    decorrente do sujeito aprender de que no existe relao entre suas respostas e os

    estmulos do ambiente, aprendizagem essa que se generalizaria para a nova condio de

    teste (Maier et al, 1969; Maier & Seligman, 1976).

    Deve-se ressaltar que, na sua proposio original, a hiptese do desamparo

    extrapola a anlise das relaes funcionais objetivamente estabelecidas na condio

    experimental e considera como crticos alguns processos cognitivos/mentalistas

    inferidos a partir dos dados obtidos. Segundo seus proponentes (Maier et al., 1969;

    Maier & Seligman, 1976), a varivel independente crtica para o desamparo no a

    incontrolabilidade estabelecida experimentalmente, mas sim a expectativa6

    desenvolvida pelo do indivduo de que ele no pode controlar o ambiente. Essa

    expectativa atuaria em diferentes nveis, promovendo um conjunto de efeitos que

    comporiam o desamparo como uma sndrome, e no como um simples comportamento.

  • 17

    Essa sndrome abarcaria trs tipos de dficits: motivacional, cognitivo e emocional. O

    dficit motivacional seria, do ponto de vista descritivo, caracterizado pela baixa

    probabilidade da resposta no teste. No nvel interpretativo, suposta a baixa motivao

    do sujeito, pois, como a motivao depende da antecipao de algum reforamento

    futuro (chamado de incentivo), aps os choques incontrolveis o sujeito criaria a

    expectativa de que o reforamento no viria e por isso no teria motivo para emitir

    respostas no teste. Por sua vez, o dficit cognitivo, descritivamente seria caracterizado

    pela no aprendizagem no teste, mesmo por parte de animais emitiram algumas

    respostas no teste e, conseqentemente, experimentaram que a resposta produziu o

    trmino do choque. Esse dficit interpretado como decorrente de uma alterao na

    forma como o sujeito processa a informao relativa nova contingncia. Seria esse

    erro de processamento, causado pela expectativa de incontrolabilidade, que o

    levaria a no registrar a relao de dependncia que h entre suas respostas e as

    mudanas no ambiente. Por fim, o dficit emocional descrito como desequilbrio da

    fisiologia do organismo, tais como alteraes no ciclo de sono e na ingesto de

    alimentos, respostas de imunossupresso. Como nos dficits anteriores, sua

    interpretao sugere que a crena de que o reforo no vir que produziria estados

    alterados de emoes (ansiedade e depresso), que levariam a essas alteraes

    fisiolgicas.

    A hiptese do desamparo tem, portanto, dois nveis de apresentao que

    precisam ser analisados separadamente: 1) a descrio de efeitos comportamentais

    mensurveis, e 2) a interpretao mentalista, baseada em processos inferidos a partir dos

    dados experimentais. Se o primeiro nvel cientificamente inquestionvel, o segundo

    depende de pressupostos filosficos/tericos que conflitam com os assumidos pelo

    behaviorismo radical. Por exemplo, o mentalismo contradiz o princpio monista que a

    base do behaviorismo radical. Alm disso, essas interpretaes lanam mo de

    inferncias que extrapolam os dados experimentais. Igualmente inadequado seria o

    carter explicativo dado aos dficits e suposta expectativa de impossibilidade de

    controle. Isso cria uma circularidade de anlise, condenvel cientificamente. Por

    exemplo, ao mesmo tempo em que se diz que a dificuldade de aprendizagem indica a

    6 Aspas minhas.

  • 18

    expectativa, essa expectativa que explica a dificuldade de aprendizagem. Em

    funo disso, a hiptese do desamparo permite apenas explicaes post hoc: s se pode

    deduzir o desenvolvimento da expectativa atravs da dificuldade de aprender, e no

    pela exposio pura e simples incontrolabilidade. Assim, no existe previso de

    resultado antes do trabalho ser realizado. Resultados negativos (aprendizagem mesmo

    aps experincia com incontrolabilidade) podem ser explicados sem refutar a hiptese:

    se o sujeito no apresentou o desamparo porque, apesar da experincia com

    incontrolabilidade, ele no desenvolveu a expectativa de impossibilidade de controle

    (ver anlise dessa circularidade em Levis, 1976).

    Apesar dos aspectos interpretativos criticveis, a hiptese do desamparo tem a

    seu favor o fato de considerar que os indivduos so sensveis condio de

    incontrolabilidade, suposio essa compatvel com a sensibilidade a pequenas variaes

    no contnuo de dependncia entre R e S, bastante estudadas na Anlise do

    Comportamento. Do ponto de vista lgico, se h sensibilidade para variaes no

    contnuo de controlabilidade, deve haver tambm para a condio de incontrolabilidade.

    Considerando apenas as relaes funcionais objetivamente estabelecidas e os resultados

    experimentais descritos, de forma a deixar essa hiptese sem suas inferncias e

    mentalismos, ela fica adequada para ser utilizada como instrumento de anlise dos

    resultados experimentais. A varivel independente a incontrolabilidade dos choques,

    que definida operacionalmente e, portanto, no depende de julgamentos subjetivos do

    experimentador. Como variveis dependentes tem-se a emisso da resposta de fuga e a

    sua modificao em decorrncia do reforamento negativo. Assim, temos em mos as

    variveis necessrias para fazer a anlise funcional dos comportamentos emitidos,

    envolvendo processos operantes e respondentes, sem ser necessrio falar em

    motivao/incentivo/expectativa.

    A minha releitura da hiptese do desamparo leva em conta que sob o arranjo de

    incontrolabilidade no h reforamento diferencial de nenhuma resposta, ou seja, no se

    estabelecem selees de relaes R-S. Com isso, a alta movimentao corporal eliciada

    pelos primeiros choques vai ficando apenas sob o controle do processo de habituao7,

    7 Habituao a reduo da resposta eliciada por um estmulo, em funo das apresentaes repetidas desse estmulo (Catania, 1998).

  • 19

    promovido pela apresentao repetida dos choques. Conseqentemente, a freqncia e

    intensidade da movimentao corporal caem ao longo da sesso, deixando o sujeito com

    aparncia de passivo. Uma vez que o processo de generalizao parte de toda

    aprendizagem, e que o teste tem muitos estmulos comuns fase de tratamento,

    provvel que o sujeito se comporte, no incio do teste, da mesma forma que vinha se

    comportando na fase anterior. Assim, ele vai se movimentar pouco, o que diminui a

    chance da resposta selecionada para reforamento ser emitida. Porm, mesmo que o

    sujeito emita essa resposta e experimente o reforamento, a aprendizagem no ser

    facilmente estabelecida pois envolve uma relao de dependncia entre suas respostas e

    o trmino do choque que incompatvel com a relao de independncia aprendida

    anteriormente. Sendo opostas essas aprendizagens, de se esperar que a primeira

    dificulte a seguinte, produzindo o desamparo.

    Sem utilizar mentalismos ou processos inferidos, essa releitura da hiptese do

    desamparo aprendido permite prever a baixa atividade geral que se observa ao final da

    sesso de choques incontrolveis, bem como o desamparo no teste, sem, contudo,

    vincular um efeito como causa do outro. A varivel crtica que no h seleo

    operante na sesso de incontrolabilidade, condio oposta do teste, que busca

    selecionar uma relao de dependncia entre R e S. Tal anlise ser adotada no presente

    trabalho. Portanto, sempre que mais frente nos referirmos hiptese do desamparo

    aprendido, entenda-se que nos referimos sua verso expurgada dos processos

    inferidos.

    Hipteses neuroqumicas

    Alm das hipteses anteriores, que se baseiam prioritariamente em anlises de

    relaes associativas, h interpretaes tericas que se baseiam em anlises de

    processos neuroqumicos.

    Alguns pesquisadores propuseram que a baixa atividade motora, produzida pelos

    choques incontrolveis, decorreria diretamente da depleo de neurotransmissores do

    sistema nervoso central, tais como a noradrenalina e dopamina. Com a baixa desses

  • 20

    neurotransmissores, os animais ficariam fisiologicamente menos aptos a se

    movimentarem, sendo essa dificuldade de movimentao a causa direta da interferncia

    na aprendizagem de respostas que envolvem grande atividade motora para a sua

    execuo (Glazer & Weiss, 1976 a, b).

    Em paralelo, a maior liberao de endorfinas aps a exposio a choques

    incontrolveis tambm levou alguns pesquisadores a sugerirem que essa maior

    quantidade de endorfinas circulantes deixaria os sujeitos menos sensveis a estmulos

    dolorosos. Com isso, frente aos choques eles experimentariam menor reforamento

    negativo na contingncia de fuga, dificultando sua aprendizagem (Jackson, Maier &

    Coon, 1979; Maier, Drugan & Grau, 1982).

    As hipteses neuroqumicas e as associativas percorrem diferentes caminhos

    mas lidam com processos bastante semelhantes entre si: baixa atividade motora e

    insensibilidade ao reforo. Elas diferem basicamente quanto s variveis dependentes

    em estudo, que num caso so os comportamentos voltados ao meio ambiente,

    observveis a olho nu, enquanto que no outro so comportamentos intra-organismo

    (liberao de neurotransmissores), passveis de serem observados apenas com

    instrumentos especiais. A considerao de um desses conjuntos de variveis no implica

    na negao do outro. No podemos esquecer que as relaes probabilsticas de

    controlabilidade ou incontrolabilidade continuam sendo as variveis independentes

    crticas na determinao dessa liberao de neurotransmissores. Da mesma maneira,

    quando nos referimos aprendizagem de controle ou de falta de controle,

    indispensvel lembrar que a aprendizagem um fenmeno fisiolgico, portanto,

    composto de atividades neuroqumicas. Assim, ambos os conjuntos de interpretaes

    tericas podem ser complementares, no havendo conflito entre eles. A priorizao de

    um ou outro conjunto vai depender do nvel de anlise realizado, intra ou extra

    organismo.

    MODELO ANIMAL DE DEPRESSO

    Os experimentos iniciais sobre o desamparo aprendido sugeriram que a sua

    investigao poderia ter grande potencial informativo, no apenas para a pesquisa

    bsica do comportamento mas tambm para as anlises efetuadas da clnica psicolgica

  • 21

    (Seligman, 1975). Em relao pesquisa bsica, o estudo do desamparo trouxe

    evidncias sobre os efeitos comportamentais de uma histria de vida particular, aquela

    relacionada experincia com impossibilidade de controle sobre o meio. Esses estudos

    confirmaram que, na interao do sujeito com o seu ambiente, no apenas as mudanas

    ambientais controladas por ele, mas tambm outras que so independentes das suas

    aes, podem afetar a construo do seu repertrio comportamental.

    Esses processos de aprendizagem, identificados em pesquisas sobre o desamparo

    em animais, foram sugeridos como passveis de comporem um modelo experimental de

    depresso humana (Seligman, 1975). Essa proposio foi motivada por algumas

    similaridades entre o comportamento de pessoas deprimidas e o comportamento dos

    animais que apresentavam o desamparo aprendido. Tal similaridade diz respeito

    sintomatologia, etiologia, preveno e cura do desamparo/depresso. Por exemplo, a

    passividade dos animais frente aos choques, no teste, poderia se assemelhar

    passividade do indivduo deprimido, que no atua sobre o seu meio. Quanto etiologia,

    sabe-se que eventos traumticos podem ser desencadeantes de alguns tipos de depresso

    humana, bem como o so no desenvolvimento do desamparo aprendido (Willner, 1984;

    1985). Alm disso, alteraes bioqumicas encontradas em pacientes depressivos foram

    tambm encontradas em animais que apresentaram o desamparo aprendido (Willner,

    1991 a,b). Por sua vez, a preveno e o tratamento clnico poderiam ter um paralelo

    comportamental nos estudos sobre imunizao e reverso. Um paralelo de

    farmacoterapia pode tambm ser encontrado em estudos que mostram que,

    administradas aps os choques incontrolveis, drogas que tm comprovado efeito

    antidepressivo em sujeitos humanos tambm impedem o aparecimento do desamparo

    em animais (Petty & Sherman, 1979; Sherman, Sacquitine & Petty, 1982). Esses

    paralelos farmacolgicos tm justificado que o estudo do desamparo em animais seja

    utilizado para identificao de novos frmacos com potencial antidepressivo em

    humanos (Willner, 1985;1991a).

    A anlise funcional do desamparo mostra ainda outras possveis similaridades

    entre o efeito obtido no laboratrio animal e a depresso humana. Por exemplo, alm da

    passividade do sujeito, um aspecto crtico do desamparo a sua insensibilidade s

    contingncias de reforamento que esto em vigor. Conforme citamos, alguns os

  • 22

    animais previamente expostos a choques incontrolveis emitem algumas respostas no

    teste, desligando os choques, mas apesar de experimentarem a contingncia de fuga eles

    no aprendem essa resposta. Tal insensibilidade ao reforamento coincide com a anlise

    da depresso feita por Ferster (1973), segundo a qual a pessoa deprimida sofre da falta

    de reforadores, o que gera a sua baixa taxa de respostas (passividade). Essa falta de

    reforadores pode se dar pela ausncia de estmulos ou, o que mais comum, pela perda

    (ou ausncia) da funo reforadora de estmulos que fazem parte do seu meio

    ambiente. No laboratrio, aparentemente, essa perda da funo reforadora est

    diretamente vinculada ao desamparo.

  • 23

    PARTE 3

    ESTUDOS REALIZADOS NO NOSSO

    LABORATRIO

    Desde 1977, temos investigado o desamparo aprendido abordando questes

    tericas/metodolgicas relacionadas a esse efeito, em particular, e ao comportamento

    em geral. Foram realizados trabalhos experimentais com animais, voltados para a

    anlise de processos de associaes S-S ou R-S, da histria de reforamento, dos

    parmetros do estmulo e da resposta, das caractersticas do sujeito experimental (sexo,

    idade), da interao de contingncias e frmacos, entre outros. Tambm foram

    desenvolvidos trabalhos tericos, relacionados anlise do desamparo como modelo

    animal de depresso, da sua insero nos estudos do behaviorismo radical e da sua

    lgica interna.

    Alguns dos trabalhos experimentais sero apresentados a seguir na forma de um

    resumo que busca traar a linha de anlise que desenvolvemos ao longo desses anos,

    procurando situar o leitor nas questes que estavam em jogo por ocasio da pesquisa.

    Eles esto agrupados em funo dos temas estudados, o que implica que no sero

    apresentados, necessariamente, em ordem cronolgica.

    Com o objetivo de dar unidade a essa sistematizao, apresento o mtodo geral

    utilizado na maior parte dos experimentos. A cada trabalho citado, detalharei apenas os

    parmetros e variveis manipuladas que foram particulares do estudo.

    MTODO GERAL

    Sujeitos

    Todos os estudos utilizaram ratos albinos, descendentes de Wistar,

    experimentalmente ingnuos. Na maioria das pesquisas os sujeitos foram machos, de

    aproximadamente 90-120 dias no incio do experimento. Entre 1978 e 1982, os animais

    foram provenientes do Biotrio Central da UNICAMP, de Campinas. Os sujeitos dos

  • 24

    estudos posteriores foram criados no Biotrio do Instituto Adolfo Lutz, de So Paulo.

    Esses animais chegaram ao biotrio de manuteno (no Departamento onde as pesquisas

    eram realizadas) com aproximadamente 70-90 dias, sendo alojados em gaiolas

    individuais por um mnimo de uma semana antes de iniciar os experimentos, mantidos

    com alimento (rao balanceada) e gua em regime ad lib. A iluminao do biotrio era

    automaticamente controlada, mantendo ciclo de 12h luz/escuro (7:00 s 19:00h). Os

    animais participaram dos experimentos durante o perodo de luz.

    Equipamento

    As caixas experimentais diferiram entre si, nas diversas fases dos experimentos.

    Foram utilizadas caixas de condicionamento quadradas (tipo caixa de Skinner) e

    alongadas (shuttlebox). A caixas quadradas mediam 21,5 x 21,5 x 21,5 cm

    (comprimento, largura e altura), tendo a parede frontal de acrlico transparente e as

    demais em alumnio. Algumas dessas caixas no tinham qualquer manipulandum.

    Outras dispunham de um ou mais manipulanda, situados no centro da parede lateral

    direita, conforme segue:

    1) Caixas com barra Essas caixas dispunham de uma ou duas barras cilndricas,

    de alumnio, medindo 1/2 de dimetro e 3,8 cm de comprimento, localizadas a

    8,5 cm acima do piso, sobre a qual a fora mnima de 40g produzia um

    deslocamento vertical, registrado como uma resposta de presso barra;

    2) Caixas com focinhador Essas caixas tinha como manipulandum um orifcio de

    3 cm de dimetro, localizado a 6 cm acima do piso, chamado de focinhador.

    Esse orifcio era conectado a uma cuba cilndrica de alumnio, de igual dimetro

    e 3 cm de profundidade, presa no lado externo da caixa. A 1,5 cm da borda

    dessa cuba havia um feixe luminoso que incidia sobre uma clula foto-eltrica,

    cuja interrupo era registrada automaticamente. A introduo do focinho do

    animal no focinhador interrompia o feixe luminoso, registrando uma resposta

    de focinhar.

    Foram tambm utilizadas duas caixas alongadas, chamadas de shuttlebox, sendo

    uma manual e outra automtica. A primeira, mais rudimentar, era de fabricao

  • 25

    FUNBEC, medindo 50,0 x 15,0 x 22,0 cm (comprimento, largura e altura), construda

    em metal, pintado de preto fosco na superfcie interna, com parede frontal de acrlico

    transparente. Na sua extenso, a caixa era dividida em dois compartimentos de 25,0 cm

    cada, sendo a divisria composta por duas barras de lato de 1/8, presas a 2,0 cm

    acima do piso. Quando o animal passava de um compartimento ao outro era registrada a

    resposta de correr. Essa caixa foi utilizada apenas nas primeiras pesquisas.

    A segunda shuttlebox foi utilizada na quase totalidade dos estudos. Ela foi

    desenvolvida em nosso laboratrio, diferindo da anterior por dois fatores principais: 1)

    permitia registro automtico da resposta e 2) permitia o registro da resposta de saltar,

    alm da resposta de correr. Essa caixa media 50,0 x 15,5 x 20,0 cm (comprimento,

    largura e altura), sendo confeccionada em acrlico preto fosco, com exceo da parede

    frontal que era transparente. No seu comprimento, a caixa era dividida em dois

    compartimentos de igual tamanho por uma parede tambm de acrlico, contendo um

    orifcio de 7,5 cm de altura e 6,0 cm de largura, atravs do qual o sujeito podia passar

    de um compartimento ao outro. Essa parede era removvel, podendo ser posicionada de

    duas formas. Na primeira posio o orifcio ficava ao nvel do piso (como uma porta).

    Com esse arranjo, a passagem do animal de um compartimento ao outro era registrada

    como uma resposta de correr. Na segunda posio, o orifcio ficava a 8,0 cm acima do

    piso (como uma janela). Nesse caso, a passagem de um compartimento ao outro era

    registrada como uma resposta de saltar. Cada compartimento tinha assoalho

    independente, dotado de um sistema de molas que promovia a inclinao do piso

    quando o sujeito se situava no compartimento. Essa inclinao ativava um reedswitch,

    que registrava automaticamente a presena do sujeito naquele lado da caixa (ver Figura

    1).

    O piso de todas as caixas era composto de barras de lato cilndricas, de 1/8,

    distando 1,3 cm entre si, atravs do qual foram administrados os choques eltricos de

    corrente alternada (AC). Na shuttlebox automatizada, duas barras iguais s do piso se

    situavam na base do orifcio da parede divisria, sendo igualmente eletrificadas. O

    mesmo se dava nas barras que compunham a barreira na shuttlebox manual.

  • 26

    Os choques eram de corrente-contnua, provenientes de geradores ligados a

    alternadores de polaridades (shock scrambler) de fabricao BRS Foringer modelo 901

    ou Lehing Valey 113-33 (Solid State Scrambler/Shock).

    Figura 1. Representao esquemtica da shuttlebox desenvolvida em nosso laboratrio para registro da resposta de saltar (desenho de Marson Guedes Ferreira).

    Em alguns estudos, a caixa experimental no ficou isolada. Contudo, na maioria

    deles, as caixas foram colocadas dentro de compartimentos de isopor e/ou madeira, que

    as isolavam visual e acusticamente. Nesse caso, um exaustor renovava o ar do ambiente

    e produzia rudo constante mascarando os rudos externos. Alguns desses

    compartimentos possuam, na parte frontal, um vidro transparente que permitia a

    visualizao do sujeito. Outros possuam um visor com lente de aumento, do tipo olho

    mgico, que cumpria a mesma finalidade.

    A iluminao ambiente era proveniente do teto da sala de experimentao (nas

    caixas sem isolamento) ou de uma lmpada de 6 W localizada no teto da cmara de

    isolamento.

    A partir de 1995, manteve-se controle da umidade relativa do ar em torno de

    70%, na sala de experimentao. Para isso, foram utilizados um desumidificador (Arsec

    Mod 160 M3-U) e um higrmetro (West Germany - Prazesions/Hygrometer).

    No estudo inicial (1977), os controles e registros das sesses foram feitos de

    forma semi-automtica, ficando o experimentador frente caixa experimental,

    acionando manualmente alguns dos equipamentos eletromecnicos de controle e

  • 27

    registro. A seguir, passou-se a contar com uma completa automao atravs de circuito

    eletromecnico. Por volta de 1998, todos controles e registros passaram a ser feitos por

    computadores PC386, com softwares especialmente construdos para os esses

    experimentos.

    Procedimento

    Foi utilizado delineamento de grupo (n=8), sendo os animais distribudos entre

    os grupos de forma eqitativa, de acordo com seu peso corporal.

    Dois procedimentos bsicos foram utilizados: o de produo do desamparo e o

    de produo da imunizao.

    PROCEDIMENTO PARA PRODUO DE DESAMPARO

    Duas sesses, denominadas tratamento e teste, se sucediam com 24 h de

    intervalo entre si. Alguns trabalhos utilizaram duplas e outros usaram trios de sujeitos,

    que na sesso de tratamento foram manipulados conforme segue:

    a) delineamento de duplas - Os animais eram colocados em caixas iguais, sem

    qualquer manipulandum, isoladas entre si. Um grupo recebia 60 choques incontrolveis,

    com durao fixa de 10,0s (grupo I).O outro grupo era mantido na caixa pelo tempo da

    sesso, porm sem choques (grupo N). Terminada a sesso, os animais eram

    reconduzidos s suas gaiolas-viveiro, no biotrio.

    b) delineamento de trades Trs animais eram simultaneamente manipulados,

    cada um alojado em caixa experimental com manipulandum, iguais entre si e isoladas

    umas das outras. Dois desses animais eram expostos a 60 choques, liberados

    simultaneamente em ambas as caixas. Os choques podiam ser desligados por apenas um

    dos sujeitos caso ele emitisse a resposta de fuga previamente especificada. Portanto,

    para esse sujeito os choques eram controlveis (grupo C). A resposta de fuga desse

    animal desligava os choques tambm para o segundo sujeito, cujo comportamento no

    tinha conseqncias programadas, de forma que para ele os choques eram

    incontrolveis (grupo I). No havendo a emisso da resposta de fuga, o choque era

    automaticamente desligado para ambos os sujeitos aps o um tempo previamente

    estipulado (dependendo da resposta de fuga o choque permanecia por um mximo de

  • 28

    10, 30 ou 60s). Com esse procedimento, os ratos de ambos os grupos recebiam iguais

    choques, com a diferena que o primeiro podia exercer controle sobre a durao dos

    mesmos e o segundo no tinha esse controle. O terceiro animal era mantido na caixa

    experimental pelo tempo da sesso, sem receber choques (grupo N). Terminada a

    sesso, os animais eram reconduzidos s suas gaiolas-viveiro, no biotrio.

    A sesso de teste ocorria 24h aps, sendo os animais conduzidos a uma nova

    caixa experimental, contendo algum tipo de manipulandum (diferente do j

    experimentado na trade). Durante a sesso, eram administrados 60 choques (30

    choques nos trabalhos iniciais) que seriam desligados imediatamente aps a emisso de

    uma resposta previamente determinada (resposta de fuga). No sendo emitida essa

    resposta, o choque era automaticamente desligado aps um tempo previamente

    estipulado (dependendo da resposta de fuga o choque permanecia por um mximo de

    10, 30 ou 60s).

    Os choques foram de 1,0 mA, liberados atravs das grades do piso, a intervalos

    mdios de 60s (amplitude de variao entre 20-100s). Cada choque definia uma

    tentativa, sendo a sua durao registrada como latncia na tentativa. Cada resposta de

    fuga definia um acerto; a tentativa encerrada por decurso de tempo era registrada como

    falha e a latncia registrada como 10s. Respostas nos intervalos entre tentativas no

    tinham conseqncia programada.

    Aps cada sesso, a caixa era limpa com pano umedecido com gua e lcool, e

    retirados os detritos. O objetivo dessa limpeza era evitar interferncia na eletrificao

    do piso e minimizar os odores exalados pelos ratos durante os choques, os quais

    poderiam ter funo de estmulo sinalizador aversivo para o rato que o sucedesse na

    caixa 8.

    As caractersticas dos choques utilizados - tais como intensidade, durao,

    distribuio - foram definidas atravs de testes piloto ou de acordo com os parmetros

    utilizados na literatura. Os choques no eram sinalizados e apenas a sua durao era

    passvel de ser controlada pelos sujeitos nas condies de fuga. Portanto, todos os

    8 Os odores exalados pelos ratos durante choque so caractersticos da espcie quando em situaes de perigo ou sofrimento. Por isso, tm funo sinalizadora, sendo considerados aversivos na medida que geram comportamento de fuga do ambiente que os contm.

  • 29

    choques foram imprevisveis, sendo incontrolveis quanto sua apresentao.

    controlabilidade ou incontrolabilidade dos choques foi manipulada apenas em relao

    ao seu trmino.

    PROCEDIMENTO PARA PRODUO DE IMUNIZAO

    Esse procedimento difere do anterior apenas pela introduo de uma sesso

    anterior de tratamento. Portanto, os estudos sobre imunizao contaram com trs

    sesses, todas com 24h de intervalo entre si, denominadas pr-tratamento, tratamento

    e teste. Entre as sesses os animais eram mantidos no biotrio, nas suas gaiolas-viveiro.

    O delineamento bsico utilizou trs grupos de ratos. Os animais do grupo pr-controle

    (grupo P) recebiam, na sesso de pr-tratamento, 60 choques escapveis (contingncia

    de fuga), com durao mxima dependente da resposta de fuga, sendo desligado

    automaticamente caso no ocorresse essa resposta. Na sesso de tratamento esses

    animais foram alojados em caixas sem manipulandum onde receberam 60 choques

    incontrolveis de durao fixa (10s). Na sesso de teste receberam 60 choques

    controlveis (30 choques, nos trabalhos inicias), sendo utilizada uma contingncia de

    fuga diferente daquela da primeira sesso. Os sujeitos do grupo incontrolvel (grupo I)

    no foram expostos aos choques na sesso pr-tratamento, sendo submetidos ao

    tratamento e teste da mesma forma que os anteriores. O terceiro grupo no recebeu

    choques nas duas primeiras sesses (grupo N), sendo submetido apenas sesso de

    teste. Nas sesses sem choques os animais permaneciam nas caixas experimentais pelo

    tempo da sesso dos demais, ou eram mantidos nas suas gaiolas-viveiro, no biotrio.

    Anlise dos resultados Em todos os experimentos, foram analisados os dados

    sobre latncia e falha tanto para os sujeitos individuais como para os grupos. Os

    resultados mdios dos grupos foram submetidos Anlise de Varincia simples

    (ANOVA) ou para medidas repetidas (ANOVA two-way), dependendo das variveis

    em estudo. No caso de haver trs ou mais grupos, as diferenas entre pares foram

    identificadas atravs dos testes de Tukey, Newman-Keus ou outros equivalentes.

    Tambm foi utilizado o teste t de Student para amostras relacionadas. Em todos os

  • 30

    tratamentos estatsticos, foram consideradas significantes as diferenas com um mnimo

    de p< 0.05.

    O Quadro 1 apresenta, de forma esquemtica, os procedimentos descritos.

    Quadro 1 Representao esquemtica dos procedimentos para estudo dos efeitos de desamparo (em duplas ou trades) e imunizao.

    O intervalo entre sesses de 24h. As siglas R1 e R2 indicam respostas de fuga diferentes em cada sesso.

    Procedimento para estudo do DESAMPARO

    Grupos

    TRATAMENTO

    (sesso 1)

    TESTE

    (sesso 2)

    duplas

    I

    N

    choque INCONTROLVEL

    (durao fixa de 10s)

    NENHUM choque

    CHOQUE CONTROLVEL

    trades

    C I

    N

    choque CONTROLVEL

    (R de fuga = R1)

    choque INCONTROLVEL (durao acoplada ao grupo anterior)

    NENHUM choque

    CHOQUE CONTROLVEL (R de fuga = R2)

    Procedimento para estudo da IMUNIZAO

    Grupos

    PR-TRATAMENTO

    (sesso 1) TRATAMENTO

    (sesso 2)

    TESTE

    (sesso 3)

    P I

    N

    choque

    CONTROLVEL (R de fuga = R1)

    NENHUM choque

    NENHUM choque

    choque

    INCONTROLVEL (durao fixa de 10s)

    choque INCONTROLVEL (durao fixa de 10s)

    NENHUM choque

    CHOQUE CONTROLVEL (R de fuga = R2)

  • 31

    BLOCO 1 Experimentos bsicos

    Estudo inicial (Hunziker, 1977 a,b)

    A minha primeira idia de estudar o desamparo, proposta como projeto de

    Mestrado, dizia respeito generalidade do efeito caso fossem manipulados outros

    estmulos que no o choque eltrico. Eram diversas as perguntas a serem respondidas.

    Por exemplo: 1) Ocorreria o desamparo se fossem utilizados estmulos aversivos

    diferentes do choque eltrico? 2) O desamparo poderia ser obtido utilizando-se

    estmulos apetitivos incontrolveis? 3) O que ocorreria se os estmulos aversivos,

    utilizados no tratamento e teste, fossem diferentes entre si? 4) Ocorreria o desamparo

    frente a uma combinao aversivo/apetitivo, no tratamento e teste, e vice-versa?

    Como esse trabalho seria o primeiro realizado no laboratrio que montei na

    UNICAMP, considerei necessrio fazer a replicao dos experimentos bsicos sobre

    desamparo aprendido antes de investigar as questes propostas, como forma de

    legitimar as condies do meu laboratrio. Considerei que deveria tambm replicar o

    efeito de imunizao j que ele freqentemente apontado como crtico na

    demonstrao da aprendizagem primeira da incontrolabilidade como determinante do

    desamparo. Portanto, a replicao de ambos os efeitos foi considerada, nessa etapa

    inicial, condio bsica para dar andamento ao projeto proposto

    Assim, esse primeiro estudo teve por objetivo responder s seguintes questes:

    1) Ratos previamente expostos a choques incontrolveis teriam maior dificuldade de

    aprender uma resposta de fuga, comparativamente a outros no expostos a esse

    tratamento (caracterizando o efeito de desamparo aprendido)? 2) Ratos previamente

    expostos a uma contingncia de fuga, e depois submetidos a choques incontrolveis, ,

    no apresentariam o desamparo (caracterizando o efeito de imunizao)?

    Para responder a essas perguntas foram realizados dois experimentos

    envolvendo o procedimento de imunizao. No Experimento 1, os animais do grupo

    pr-controle (P) foram submetidos na primeira sesso (pr-tratamento) a 60 choques

    que podiam ser desligados pela resposta de presso barra. A contingncia de fuga

  • 32

    previa aumento gradual da razo na medida que as respostas iam se tornando mais

    rpidas: os primeiros choques foram desligados aps uma resposta (FR1), passando a

    serem exigidas duas e depois trs respostas (FR2 e FR3, respectivamente). A latncia

    mxima permitida era de 60s. Esse procedimento replicou o proposto por Seligman e

    Beagley (1975). Na sesso de tratamento esses animais foram submetidos a 60 choques

    incontrolveis, de 10s fixos em uma caixa sem manipulandum. Por fim, a sesso de

    teste foi conduzida na shuttlebox manual que continha a barreira de 2,0 cm acima do

    piso. Foram liberados 30 choques com reforamento para resposta de fuga correr, com

    exigncia crescente de FR1 para FR2, replicando Maier et al. (1973): nas 5 primeiras

    tentativas bastava o sujeito correr ao compartimento oposto para desligar o choque

    (FR1), mas nas 25 tentativas seguintes era exigido dele ir ao compartimento oposto e

    retornar ao compartimento inicial (FR2) para que o choque fosse desligado. A latncia

    mxima permitida era de 30s. Os sujeitos do grupo choque-incontrolvel (I) passaram

    apenas pela sesso de tratamento e teste, enquanto que os sujeitos do grupo no-

    choque (N) passaram apenas pela sesso de teste.

    No Experimento 2 o delineamento foi equivalente, diferindo as contingncias de

    fuga utilizadas: no pr-tratamento, o choque foi desligado aps uma reposta de focinhar

    (30s mximo de choque) e no teste o reforamento negativo foi contingente reposta de

    presso barra, com razo crescente de FR1 a FR3, conforme descrito acima. Nesse

    experimento a sesso de teste foi mais longo, sendo utilizadas 60 tentativas. Alm dos

    trs grupos convencionais dos estudos de imunizao, foi acrescentado um grupo

    semelhante ao grupo pr-controle, porm sem receber choques na segunda sesso.

    Portanto, esses animais tiveram experincia apenas com controle, passando pelo treino

    de fuga na sesso pr-tratamento, nenhum choque na sesso de tratamento, sendo

    submetidos ao teste como todos os demais (Grupo Fuga - F).

    A Figura 2 mostra que, em ambos os experimentos, os animais previamente

    submetidos aos choques incontrolveis (I) apresentaram latncias estatisticamente

    superiores s dos animais ingnuos (N), confirmando o previsto no estudo do

    desamparo. Contudo, ao contrrio do previsto pelo efeito de imunizao, os animais do

    grupo pr-controle (P) foram os mais lentos dentre todos, em especial no experimento 2.

    Em ambos os estudos, eles foram estatisticamente mais lentos que os do grupo ingnuo

  • 33

    quando o esperado seria que tivessem latncias equivalentes s desses sujeitos. Como o

    grupo exposto apenas s aprendizagem de focinhar na primeira sesso (grupo F)

    aprendeu a resposta no teste, no se pode atribuir essa dificuldade exacerbada do grupo

    P interferncia da aprendizagem de focinhar sobre a aprendizagem de presso barra.

    Fuga (correr)

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    30

    1 2 3 4 5 6

    blocos de 5 tentativas

    lat

    ncia

    md

    ia (s

    )

    Fuga (presso barra)

    0

    10

    20

    30

    40

    50

    60

    1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

    blocos de 5 tentativas

    NIPF

    Figura 2. Latncias mdias das respostas de fuga correr e pressionar a barra, apresentadas na sesso de teste dos experimentos 1 e 2, respectivamente. A resposta de correr foi reforada em FR1, no primeiro bloco de tentativas, e em FR2 nos demais blocos; a resposta de presso barra foi reforada com razo crescente de FR1 a FR3. Antes dessa sesso, os grupos foram expostos a diferentes tratamentos: grupos no-choque (N), incontrolvel (I), pr-treinado (P) e fuga (F) (adaptada de Hunziker, 1977a).

    Exp. 2 Exp. 1

    Alm disso, no experimento 2, onde o nmero de tentativas no teste foi maior,

    pode ser verificado outro efeito inesperado: ao longo da sesso os grupos tiveram

    reduzidas as diferenas obtidas nas tentativas iniciais, chegando alguns a inverterem a

    tendncia inicial (grupos N e P). Apenas o grupo F apresentou, no final da sesso de

    teste, latncias bem menores que as latncias dos demais grupos.

    Considerando apenas o resultado estatstico desse estudo, pode-se concluir que

    ele replicou o desamparo aprendido, mas no a imunizao. Contudo, a anlise

    qualitativa da Figura 2 sugere que essa concluso no correta. O fato que me chamou

    a ateno foi que os animais ingnuos (grupo N), apesar de terem as mais baixas

    latncias iniciais de fuga, apresentaram aumento das mesmas ao longo da sesso de

    teste. Esse aumento das latncias contrrio ao esperado em uma aprendizagem de

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    fuga, onde o reforamento negativo avaliado pelo aumento da probabilidade da

    resposta e/ou pela reduo da latncia com que essa resposta ocorre. Portanto, as

    latncias mostradas pelos grupos ingnuos no permitiam concluir que as respostas

    desses animais estavam sob controle do reforamento negativo.

    Esses resultados tm implicaes para o estudo proposto. Se o desamparo

    aprendido definido como a dificuldade de aprendizagem operante em decorrncia da

    experincia prvia com estmulos aversivos incontrolveis, ento o mnimo que deveria

    ser exigido no seu estudo que os animais ingnuos aprendessem a resposta que estava

    sob reforamento no teste. Conforme vimos aqui, como esses animais no apresentaram

    essa aprendizagem, o procedimento utilizado no teste ficou comprometido quanto sua

    adequao para avaliar o que se propunha. Assim, por coerncia conceitual, no poderia

    ser afirmado que eu havia replicado o efeito de desamparo aprendido mesmo havendo

    diferena estatstica entre os animais ingnuos e os expostos aos choques incontrolveis.

    Fazendo um extenso levantamento na literatura, verifiquei que muitos estudos

    apresentavam esse mesmo problema: latncias dos animais ingnuos ficaram invariveis

    ao longo de toda a sesso (Alloy & Bersh, 1979; Freda & Klein, 1976, experimento 3;

    Jackson, Maier & Rapaport, 1978, experimentos 1A, 1B e 3; Maier & Testa, 1975;

    Seligman, Rosellini & Kozak, 1975, experimento 2), ou latncias se tornando

    progressivamente mais elevadas no decorrer das tentativas (Freda & Klein, 1976,

    experimento 1; Jackson et al., 1978, experimento 1 A). Todos esses experimentos

    utilizaram sesses de teste muito curtas, com cerca de 20 tentativas de fuga. No nosso

    estudo, onde a sesso de fuga contou com 50 tentativas, tivemos os dois tipos de efeito:

    as respostas de presso barra dos animais ingnuos foram emitidas sem alteraes

    sistemticas at a 20a tentativa (bloco 4), passando a aumentar do 5o bloco em diante.

    Portanto, esses resultados replicaram exatamente o que outros pesquisadores obtiveram.

    O curioso que essa falha de aprendizagem dos animais ingnuos, mostrada na

    literatura, no foi sequer apontada pelos autores das pesquisas: o dado existe nas

    figuras, mas no citado nem analisado no texto. A nica referncia no

    aprendizagem pelos sujeitos ingnuos encontrei em um texto de reviso da rea, que

    citava que cerca de 1/3 dos sujeitos ingnuos no aprendiam fuga no teste (Maier &

    Seligman, 1976). Porm, esse dado foi citado apenas numericamente, sem uma anlise

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    das suas causas ou mesmo das suas im