gramsci, antônio. escritos políticos, volume i

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SEARA NOVA

1976

Antonio Gramsci

escritospoliticos

TrothsOa de

Manuel Slindes

Capa de

Acacia Santos

Maqueta de

Lucilia Louro

Empresa de Publicidade Seara Nova, S. A. FL L.

Ftua Bernardo Lima, 23-1.° Esq. — Lisboa

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volumes publicados c o l e c g c l o universidade livre

1—EstiHence daLingua Portuguesepor Rodrigues Laps

2 —Marx/Engels

por Jean Bruhat

3— 0 Modo de Produgclo Asidtico

C. E. R. M .

4 — Camparseses, Sans-Culottes e JacoMnoe

por Albert Soboul

5 — Condig6es Actuais do Humanismo

por Hector Agosti

6 — Escritos Politicos —1

por Antonio Gramsel

C

C

1

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NOTA PREVIA

Na traduccio que agora se apresenta, tivemos o cui-dada de respeitar, tanto quanto possivel, a prosa nada

fdcil de Gramsci (6 conhecida a ova tese de obrigar0eitor a um esforgo de leitura), os seus periodosdilacerados pekt necessidade de exposigdo do rigor ideo-legico, o seu aestilo), o que equivale a dizer que pro-

curcimos respeitar o homem e o pensador.Se se ccmsiclerar, alem disso, que estes textos car-

respowlem a juventude do autor (o primeiro dos quais,com efeito, escrito aos 19 anos) e se se tiver presenteque correspondem a um momenta de pesquisa nao soideolOgica como linguistica, teremos urn quadro de con-dicionalismos que a prosa de Gramsci nao deixarci dereflectir, tornando-se mais «fluidax, a medida que o seuautor avangct para a maturidade. (N. do T.)

INDICE

INTRODUCAOADVERTENCIACRONOLOGIA BIOGRAFICA .

1910-1914

Oprimidos e opressores

94547

el

Neutralldade activa e operante . 85

1918

0 Sflabo e Hegel 73A comemoracão de Miss Cavell . 77

Gv A l Socialism° e cultura . 814— Vozes de além-ttmulo . 87

Velhariaa 89Luta de classe e guerra 91A histOria 93Os jornals e os operirios 95Harness ou inttquInas? 99

Universidadeopular.. 10 3Preocupagees 10 7

1917

ProfanagOes 11 1Tres principlos, tres orders 11 3

nori-Indlferentes 12 1DiscIpllnalberdade 12 5Margens 12 7Carecter 13 3

bc p l-Notas sobre a revolugtio russa 13 70homem mats line 14 1Os maximallstas russoa 14 3

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1919

O relojoeiro•. ••• • •

Analoglas e metiforasDemagogia• ••Gatafunhos• •A revolugao contra ix0 Capital>

Lelturas

Instransigencia-tolerancia.ntolerancia-transigénciaa y \ f — Para urns associagao de cultura .

A critics criticsA Lin das NagOesDiamantlnoConstituinte e SovieteA organizagao econ6mica e o socialism° ..•Wilson e os maximalistas russosIndividualismo e colectivismo .

N4no de historicA tua heranga .O nosso Marx .Abstraccito entransiganciaA intransigencia de classe e a Wistaria italiana

'vim— Culture. e luta de classesto s dies

Floresce a ilusaoA politica do (se>Uma tverciade> deturpadaUtopiaA obra de Lenine .Depots do Congresso .

-0 Pacto de &fangs .

B a fri-O dever de sermon fortesOs catalicos Italianos .

. r— 0 jornal-mercadoria .

O pais de Polichinelo401.0 Um Soviete local .12.0M Estado e soberania .

Leninismo e marxismo de Rodolfo Mondolfo .ISas1A internacional comunista .

Etnaudi ou a prop6sito da utopia liberal .0 O tAAmedida da histeria

Walt Whitman\Aemocracia operiria1 1 1

#44Estado e o socialism° ..0 trabalho de propaganda .

Conquhrta do Estado

14 715115 315715 916 116 7

17 117 5

18 318 719 119 319 519 920 320 721 121 7

22 322 924 124 524 725 125 726 127127928 328729 129 7

30 130 530 931 5&ZS. )32 332 733 333734 335 135 3

INTRODUCAO

Pretendemos corn esta antologia — que voltamos aapresentar depois de uma afortunada primeira ediflo —oferecer um panorama vastissimo dos Escritos Poli-

ticos, procurando na,o omitir nenhum dos que fornegamelementos essenciais do pensamento teerico e da expe-riencia real de Antonio Gramsci. 0 leitor podera, ver,desde os primeiros artigos do Grido del Popolo de 1914--19 18 ate as Ultima l igag6es politicos havidas entre 192 5e 1926 com os Orgaos dirigentes do P. C. I., de que setornara secreterio-geral, o desenrolar da actividade eda elaboragio deste grande marxista italiano, ao longode urn decenio (urn decênio crucial da histeria dadesde a Primeira Guerra Mundial ate a instauragdo plenado regime fascista).

Procurou-se mostrar, seguindo urna ordem estrita-mente cronolegica, uma das pecullaridades essenciais dapersonalidade de Gramsci politico: a fusão ou, pelomenos, a relagâo estreita entre a produgio teerico--politica e uma actividade jornalistica de organizador,de prapagandista, de suscitador de cultura proletkria.2 isto que ressalta da evolugio, no periodo de 1916--1918, das notas de costumes de :Sotto la Mole), noAvanti! piemontes, e dos escritos comprometidos doGrido del Popolo a propesito de quest5es do momento,da revolugEo russa, das vicissitudes da luta da classeoperiria de Turim, do debate em curso nas fileiras doPartido Socialists. Ainda mais eficazmente, uma Ha°

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do trienio 1924-1926. Deles publicamos os textos maisimportantes e significativos, que nao sao apenas inter-vengOes jornalisticas mas, quase sempre, documentos deorientagao e de direcgao que exprimem o trabalho deGramsci como dirigente do Partido (relatOrios, propos-tas aos outros grupos politicos antifascistas, plata-

forma programfitica).Eles podem dar uma imagem eficaz quer do pensa-

mento politico quer das orientagees da acgao de Gram scinum periodo crucial. 0 leitor que pretends, porem,documentar-se mais amplamente sobre o trabalho quo-tidiano de direcgao, sobre a presenga escrupulosa deGramsci na arena nacional e no intenso debate internodo P. C. I., deve consultar o volume das Obras, La Cos-truzione del Partido Comunista (Twins, 19 71), que apre-senta um panorama completo. Dizemos desde JO., entre-tanto, que a pr6pria publicagao daquele volume deveriacontribuir — ou melhor, deveria ter contribuido, o que

de facto nao sucedeu — para afastar a falsa imagem deum Gramsci puro elaborador, mais teOrico do que diri-gente efectivo de partido. De 1924 a 1926 Gramsci em-penhou-se em primeira pessoa na batalha parlamentar ede massa, na organizagao das celulas comunistas noslocais de trabalho, numa polemics — tambem feroz —contra a «bordiguismo», na qual langa 0 peso de todaa concepgao bolchevista do «centralism° democritico»,acompanhando os esclarecimentos de linha corn umaacgao constante destinada a chamar a si a grande maio-ria dos quadros e dos militantes. Uma luta politica,ideal, uma visao das fungees do partido e a individuali-zagao das forgas motoras da revolugao italiana que

desaguam nas Teses de Lyon, o documento que Gramsci,corn a colaboragio principal de Togliatti mas tambem detodo 0 nficleo dirigente, apresenta ao III Congresso doPartido, em 1926, e cujo texto achamos fitil publicar emApendice. Porque o leitor tem agora I disposigao umaedigao econOmica de Quaderni del carcere, pareceu-nos,pelo contrario, superfluo fornecer — como se tinha feitopara a primeira edigfio da presente antologia de Escri-tos Politicos — algumas notas dos Quaderni, ainda quea referencia ao seu conteAdo seja conservada neste dis-curso introdutivo. Assim sumariamente delineada a com-

1 1

de metodo e urn desenvolvimento do pensamento que sealimenta da experiencia do movimento medem-se nos es-critos aqui amplamente documentados do «bienio verme-lhol. de 1919-1920: artigos comentando a situagio ita-liana e internacional, crOnicas da vida e dos problemasdo Ordine Nuovo e procura de novos instrumentos, de

novas instituigees da classe operaria, comparaveis asdos «sovietesx russos, nos editoriais dedicados ao terrados conselhos de fabrica. Assim, urn dos momentos maisaltos e mais originals da teoria politica de Gramsci re-flecte-se em toda a sua amplitude. Uma criagao, umacritica, uma polemica, que tem o seu panto maxima nabatalha para a fundagao de urn partido comunista emItalia.

0 volume recolhe, depois, os escritos de 1921-1922,redigidos na situagao incandescente da guerra civil, ondeos temas dominantes sao os dos modos, das forgas e dasperspectivas de luta contra o fascismo e o das escolhasfundamentals do movimento operirio (noutros termos,os das relagees corn o Partido Socialista, a sua tradigao,os seus sinais ideolOgicos). 2 aqui que encontra umaverificagao o processo de distingio do reformismo e domaximalismo que se tinha iniciado em 1919. Os escritosde 1921-1922 devem ser considerados e lidos noutraperspectiva, tendo presente tudo o que caracteriza a posi-gem pessoal de Gramsci, ainda nao chefe do Partido, emrelagao a posigao oficial do Executivo, dirigido porAmadeo Bordiga, a propOsito das previsees, da tactica,da prOpria concepgao da natureza do Partido e das suasfungees.

Com a segunda metade de 192 2, abre-se para Gramsci

o periodo da permanencia em Moscov o e depois em Vienaate Maio de 1924. E urn periodo de grande importanciana sua experiencia politica que the permite reflectirsabre o «primeiro tempo2 . atravessado pelo P. C. I., obser-var problemas e perspectivas corn um horizonte maisvasto. E o tempo da correspondencia corn Togliatti,Terracini, Scoccimarro, Leonetti, etc., que Togliatti pu-blicou depois no volume La Formazione del GruppoDirigente del PC! (Editori Riuniti, Roma, 1962). Osfrutos desta maturagao colhem-se em 1924, corn o re-gresso de Gramsci a Italia, e reflectem-se nos escritos

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posigao da antologia, a oportuno entrarmos nos temasque mais alimentam o debate e a orifice sobre Gramsci.

A maior parte das contribuigOes para a discussao dopensamento politico de Gramsci vain do momento dapublicagao dos seus escritos no Ordine Nuovo, 1919-

-1920. Eles foram depois diversamente solicitados einfluenciados pelo prOprio debate politico, sobretudodepois de 1956.

Movemo-nos no confronto entre a teoria politica dosconselhos, ou melhor, do Estado, que Gramsci is elabo-rando e construindo no vivo da luta do (biénio verme-lho), e o corpo da teoria leninista sobre o Estado erevolugao, sobre o partido, sobre a estrategia do poderoperario, expressa nos escritos ena praxis. Nao seviu ainda resolvida uma s6rie de implicagOes filo1O-gicas (seria de controlar minuciosamente quanto e comoGramsci possuia e conhecia da obra de Lenine, de 1917a 1921, e quanto aprofundava e completava tal estudo noseu periodo moscovita, de 1922-1923), cuja importanciaatraiu a atengio, em primeiro lugar, de Palmiro To-gliatti ('). A questao aberta nao impede, porta, que sevejam delinear os mom entos de concordanc ia, de influén-ciaede diferenciagao. No primeiro periodo, o de1919-1920 (que a tamb6m, em sentido lato, o periododos tconselhos» de toda a frente operaria e revolucio-naria da Europa, da Russia a Inglaterra), Gramsci re-tem de leninismo, em primeiro lugar, a indicagao — exal-tando-a enormemente — de que nao se tratara apenasde substituir, corn a tomada do poder, a maquina doEstado burgues por uma máquina nova, mas que as

engrenagens desta nova máquina devem estar ja cons-truidas antes da tomada do poder. Por outras palavras,o momenta construtivo da acgao revolucionaria, que naoe parte secundaria da teoria leninista do poder, a assi-

(9 Palmiro TIDO. tti, zil lentaismo nel pensiero e nellazionedi Gramsci (Appunti)s, relatOrio apresentado ao Cons ant° de Romade 1149 de Janeiro de 1858, in Stud{ gramaciani, Roma, 1958,pp. 19-21.

milado por Gramsci perfeitamente, e s6 por ele, no mo-vimento operitrio italiano e provavelmente europeu (2).

Existe uma relagao estreita entre esta conquistaconceitual e a experimentagao prittica do mov imento dosconselhos de Tarim e a rapida apropriagiio, por parte deGramsci, da inspiragao leninista sobre um outro ponto

essencial. Estamos ja., em 1917-1920, perante a assimi-lagao organics e criativa do problema das aliangas declasse? Apenas em termos muito gerais, esquematica-mente forgado, ainda que, retomando a discussao doterra em 1926, quando escreve o famoso ensaio sobre aquesta() meridional, o prOprio Gramsci reproponha ereivindique as formulagOes essenciais do Ordine Nuevoa propOsito da alianga entre operkrios e camponeses.de facto verdade que em 1919-1920 se comega a colhero trago caracteristico da sucessiva indicagao estrategicae tactica, mas math Como arco de interesses, como cola-cacao de metodo, como atitude mental, como modo deentender os termos da regra do jogo do que coma ex-

pressao e instrumentagao politica. Desde aquele mo-menta, Gramsci tem a tendencia — que se tornara mathevidente a seguir — d e conduzir constantemente as suasdimensOes sociais, de procurar aclarar as dimengessocials os termos de uma batalha de vertices, adirecgaodeste ou daquele partido, os alinhamentos e as contra-posigOes parlamentares (que segue frequentemente cornum certo enfado).

Atender ao essencial, ao fundo das antiteses em jogo,considerar as porporgOes de massa dos fenOmenos edeter-se essencialmente neles: eis o trago distintivo doprimeiro Gramsci politico e que o tornara n5.0 so recep-

tivo mas criativo no esforgo posterior de traduzir emtermos gerais aprOpria essencia da estratêgia (e domarxismo) de Lenine: a alianga entre operfirios e cam-poneses pobres como premissa e como base para a ins-tauragao do novo poder; a frente (mica coma expressaoorganica das tarps motoras da revolugio.

Mas avangando nesta perlustragao, depressa no da-mos conta como nao pode conduzir muito longe uma

et Cf. Lenine, As Fungdes do Proletanado naNonaRevo-lis (1917).

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exegese que se fundamente apenas numa relagao te6ricatenda a discernir apenas quanto existe de Lenine em

Gramsci, quanto de original, quanto tornado por empres-timo de outros pensadores. Gramsci procura, opera,move-se, num periodo de extrema crise, social e politica,

— o que a mais relevante — aprofundare a pr6pria

elaboragao num periodo durante o qual o movimentooperário atravessath uma fase de recuo, constante em-bora corn sobressaltos vigorosos, ate a derrota e a desa-gregagao sob os golpes da ditadura triunfante. Assim,do mesmo modo que, quando se analisa a teoria dos Con-selhos de 1919, nao se deve nunca ignorar quanto o ele-mento inege.vel de mito ideokigico tenha tido de maieu-tic°, de suscitador de energias e de novas formas deorganizagao, quanto tenha servido, para alem de certasabstracgOes paradigmaticas, de treino revoluciondriopara os operarios protagonistas de urn movimento real,tambem quando se examina o Gramsci de 1921-1922 ou

Gramsci secrethrio-geral do P. C. I. de 1924-1926, naose pode deixar de ter constantemente em primeiro pianoesta dramatica contradigao — que é afinal a do partidonascido em Livorno. A contradigao nasce do facto deum pensamento politico se cimentar, se desenvolver eevolucionar no ea de perseguiruma situagao sempremais dificil, perante uma diminuigao progressiva do pesopolitico da classe opethria, do proletariado urbano.

Quando, por exemplo, constatamos — e é constatagaomotivada — que se o acento de Gramsci bate tao insis-tentemente, em 1924-1926, no papel dos camponeses naestrategia e tictica revolucionarias é tambem porque— por sua explicita admissao ( 3 ) — diminuiu de facto

a capacidade de direcgao e de clitadura expansiva) dasociedade, exercida pelo operfirio de fabrica do Norte,nao queremos corn isso invalidar o valor geral de umaindicagao de perspectiva mas, pelo contthrio,

apercebemo-nos do motivo contingente e tortu-rante que delimita melhor as formulagOes do ensaiosobre a cquestao meridional,.

(*) a. c0 cdtezzogiorno> e o fascismos, vol. III da presenteedict°.

Relevar o s pontos principais do leninismo de Gramsc inao conduz por isso aum obscurecer das diferenciagOesideolOgicas nem dos limites de uma inspiragao teerico--politica. Uma distingao que é fundamental, porque naofoi sujeita a uma profunda correcgao nem sequer depoisdo periodo do Online N uovo, é a que se estabelece entre

Lenine e Gramsci a propOsito do ponto das prioridadese da articulagao necessárias na tâctica revoluciondria.Parece-nos possivel afirmar que enquanto em Lenine énitidissima e prevalente a consciencia do catheter deci-sivo que assumem, num certo momento da crise revolu-cionária, o elemento de direcgao, do alto, a fungao doPartido como maxim() organizador e propulsor das mas-sas, em Gramsci, o aspecto de agressão de baixo aoEstado inimigo, do processo molecular pelo qual sechega a criar urn dualism° de poder, a procura de novasinstituicOes e articulagees das massas, partindo do lugardo trabalho, nao sao menos prevalentes e constantes,pelo menos coma ponto de pa rtida, coma processo nao s6conceitual mas de acgao. Quanto muito, como veremos, adiferenciagdo sera aceite historicamente por Gramscinao como urn ponto de afastamento do leninismo mascoma uma sua aplicagdo a sociedades politicas e civis,como as ocidentais, que requerem uma mais complexaarticulagao da estrategia revoluciondria.

verdade que Gramsci formula em 1920, corn pre-,cisao, e concordancia de inspiragao, um conceito de par-tido e da sua importancia, que e o da Internacional comu -nista ; a verdade tambem que o prOprio Gramsci consi-dera como componente essential da praxis revolucioni-ria o moment° destrutivo, e que nao the escapa o valor

da ruptura revolucionAria, das necessidades coercitivasda ditadura do proletariado. Mas é depois na direcgaopolitica que a diferenciagdo resulta evidente. QuandoGramsci, em 1924, reconhece ter errado, ter cometido.erros gravissimosi) em 1919-1920 como lider do grupode Purim do Ordine Nuovo, ter transcurado um trabalhode fracgao, a nivel national, de presenga e intervengaotempestivas no interior do P. S. I., ter olhado quase ex clu-sivamente para a construgao de urn mov imento de massasubestimando o Partido e as suss mudangas, nao nosajuda ele, primeiro que ning-uern, a discernir esta dife-

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renciagio? 0 problema mais interessante reside precisa-mente neste ponto. No Gramsci dirigente do P. C. I., noGramsci passando pela experiencia de trabalho no centroda Internacional Comunista, quer em Moscovo quer emViena, que evolugao sof reu a primeira atitude, a inspi-raga° originaria, tao molhada de motivos libertarios, ozeloso cuidado de valorizar o elemento espontineeComo se enriquece depois a problematica do Online

Nuovo? Eis o que se pode comegar a afrontar, tomandocomo ponto de referencia o prOprio principio constitu-tivo dos conselhos de fibrica.

Ha uma observagao de Togliatti, relator sobre a«questa° sindical» no Congresso de Lyon (Janeiro de1926) particularmente iluminante. Togliatti afirma na-quele relatOrio que o reformismo sindical tinha histo-ricamente procurado conduzir, em Italia, esta funglo:impor ao Partido a prOpria direcgao das massas e in-

troduzir reformas democriticas no aparelho e no modode funcionamento do Estado burgues; «assim o prole-tariado revolucionasio teria sido posto no seguimentoda burguesia radical» ( 4 ). 0 projecto tinha falido no pO s--guerra e Togliatti registava-o essencialmente como me-rito dos conselhos de fabrics que representaram parsele a reacgao mais vigorosa da vanguarda operariaaquela tentativa, o maxim° esforgo exercido por ela para

conquistar a sua hegemonia, para se tornar protagonistsda histOria. Deste modo, Togliatti partia do ponto deruptura representado no socialismo italiano pelo movi-mento dos conselhos. E pode acrescentar-se que anip-tura nunca foi tao explicita, consciente, plena de ali-ment° ideal, como o foi no grupo do Online Nuovo. Esteapresenta-se, de facto, como o imico grupo que parteefectivamente do repUdio total pela tradigao socialistsprecedente, de uma censura completa corn o terreno his-thrico da II Internacional. Tornar as fontes do marxismosignificava para ele cumprir esta operagao preliminar

•) 0 texto do projecto das teses sindthais, escrtto por P.Togliatti, existe no Arquivo Central do Estado, Mastro della Di-volutions fascista, Cartage() Serrati, b. 139, f. 9.

16

de limpeza dos escombros da II Internacional, do traba-lhismo, colmar a separagao entre momento econOmico emomenta politico.

A polemica de Gramsci contra o sindicato traditionale contra o partido socialista nao a apenas, portanto, de

tipo doutrinal, 6 tambem histOrica ; 6 um aspecto da suaconvicgao de que o proletariado urbano nunca pOde ex-primir em Italia lima sua representagao directa, nuncapride pesar, como teria sido necessario e urgente, querno interior do movimento organizado dos trabalhadoresquer na sociedade e no Estado. E uma polemica, por-tanto, politica e histOrica contra instrumentos tradicio-nais que, dado o modo como nasceram, se inseriram e sedesenvolveram na Italia pOs-unitaria, the parecem ins-trumentos tipicos de urns fase subalterna do movimentode classe. E subalterna tambem porquanto a influenciade outras classes, de outras ideologias, a tutela da pr6-pria classe dirigente, permanecem comprimidas e para-

lisantes.Eis urn ponto sobre o qual a continuidade de critics ede andlise alternativa do Gramsci de 1919-1920 e doGramsci de 1924-1926 6 linear, embora em circunstânciasdiversas A polemica incorpora no seu alvo o examedo reformismo oportunista, como resultante politica, ea critica da inadequagao de organismos representativoscomo espelho social dos estratos mais atrasados domundo do trabalho. Noutros termos, Gramsci combatea via reformista (a maximalista, para ele, e apenas umavariante do oportunismo de direita) da CLG e da FIOM,nao so e nao tanto como expressao de debilidade diri-gente, acomodaticia, que ele tambem ataca asperamente(D'Aragona, Baldesi e Guarnieri do lado sindical, Tu-rati, Treves e os centristas* no Partido), mas comofruto da formagao histOrica national daquele sindicatoe daquele partido que detem o mau egoverno» da classeoperaria e das massas agricolas proletárias e semipro-letfirias.

A falencia do cbienio vermelho» — dos movimentosde 1919 contra o aumento do custo de vida, deixadosapagar pela direcgao, numa expectativa parasitfiria, atea ocupagao das fabricas, onde o tema do controle ope-rail° da produgao foi restrito e contraposto em forma de

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controle corporativo e colaboracionista implantado porGiolitti (e ate esse considerado letra morta) — e, paraGramsci, a ocasido de confirmar o seu juizo critico, adesconfianga profunda, institucional. E a construed° denovos instrumentos autenomos das massas é ainda, de1921 a 1926, o motivo principal, o verdadeiro fio ver-melho do pensamento e da acgao politica de Gramsci,que se desdobra em duas direcgOes, directa expressao daelaboragao do Ordine N uovo mas tambem o sinal do seudesenvolvimento: a de construir urn partido novo, novona sua natureza para alêm da sua colocagao estrategicae tactica, e a de uma organizagdo que parta dos lugaresde producao e se expanda no pais, uma organizag5,o di-versa do sindicato traditional, sovietistana sua estru-turagdo.

Quanto ao Partido, Gramsci sublinha no primeiroperiodo, a volta da cisao de Livorno, todos os elementosque deveriam concorrer para fazer do P. C. I. uma coisa

completamente diferente do P. S. I. (e isto verifica-se— corno ja se apontouorn esta programagao, nalinha da batalha de Lenine e da Internacional que sereassume nos famosos 21 pontos do II Congresso doComintern) : uma secgao de vanguarda da classe opera-ria, coesa, disciplinada, centralizada, que tern as suasraizes e extrai os seus quadros das fabricas e dos cam-pos, dos «grupos comunistas) que ele procurou suscitarem 1920, em Turim e nao so. o partido da autonomia daclasse °pet-aria Nenhum destes elementos sera depoisrepudiado na elaboragdo sucessiva. Neste sentido, a ex-

periencia «moscovita) reforga-lhe a convicgao de queum partido revolucionario deve, em primeiro lugar, serunido, possuir uma unidade ideolegica e politica [chegaa teorizar a oportunidade duma unanimidade ( 6 ) ], cons-

(•) Em algumas notas, escritas em Moscovo, datadas deJunbo de 1923, escreve Gramscl: (Urns das manifestaglies a queo Executivo se atêm 6 que nas votagdes exists sempre uma una-ntrnidade. Esta nao 6 uma simples questdo formal. De toda aexperidncla da revalued° russa results que a ausencia de una-nirnidade nas grandes votagOes pUblicas determina comporta-mentos especlals no melo das grandes massas; os advenoiriospoliticos polarlzam-se em direcello A minor's, alargam-lhe e gene-rallzam-lbe a posiglo, publicam conspirativamente panfletos, pro-

1 8

tituir um «conjunto de ago), como dirfi emLyon. nGramsci quern di uma forga particular, e tambem seve-ridade intolerante, a luta contra o fraccionismo e pelabolchevizagdo. 0 seu repensarnento critico sobre 0 «pri-meiro tempo) do P. C. I., sobre o dogmatismo e organi-

zagao da direcgao de Bordiga, sobre a falta de articulagdodo centralismo democratic°, nao revela nenhuma ten-tagio de liberalismo interne.

Quanto muito, veremos desenvolver-se perfeitamente,e decerto na linha do pensamento de Lenine e da expe-riencia bolchevista, uma inspiragao que ja se tinha inse-rido nas batalhas de 1920-1921: a polemica anti-sect&ria, a aversdo de fechar a vanguarda numa paligada depureza revolucionaria (que e o trago obsessivo do Bor-diga dirigente), o impulso para fazer do partido comu-nista o partido da rnaioria dos trabalhadores. Daquiprovêm a insistencia do Gramsci dirigente do P. C. I. so-bre o conceito de partido como parte da classe e nao comoOrgdo investido, a priori, por uma funeao de sintese ede direcgdo. 0 sentido profundo da disputa corn Bordiga,em 1923-1926, é de facto este: construir um tipo de par-tido que nunca perca a contacto com as massas, que sigae controle as fases de desenvolvirnento e tambem deregresso ou de paragem, que nao se feche em si pre--pH°, que nao se limite a desenvolver uma mera fungaopedagegica ou propagandista, partindo de factos acon-tecidos, alem do mais, sem a sua intervened°, que lavapoliticae nao apenas organizaglo, que nao marque en-contros com a classe operaria entricheirando-se numreduto avangado.

Num dirigente como Gramsci, isto traduz-se tambemnum trabalho quotidiano e pessoal de contacto, de dis-missal° e de elevag5.0 dos quadros operarios, num qua-dro articulado de doutrinagao teOrica e de desenvolvi-month cultural dos militantes. E na atengdo extremaprestada ao sector cultural, prestada precisamente pela

gramas, etc., assinados porventura pelos opositores au por umgrupo dos seus amigos, cumprem todo urn trabalho de agitaclioque pode tomar-se extremamente perigoso num memento deter-minado...s. Cf. Paolo Spriano, Starlet del Partido com uniata Ita-lian°, vol. I, Da Bordigo a Gramaci, Purim, 1967, p. 293.

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sua iniciativa pessoal de organizador de culturado par-tido, no facto de Gramsci se pOr a trabalhar, em 1924,numa nova serie do Ordine Nuov o como Orgio formativo,pensar num jornal para os camponeses, Il Seme, orga-nizar uma escola de partido por correspondencia (pre-parando os textos), sublinhar em conjunto corn os seuscamaradas o trabalho urgente, estirnulante, de uma ele-vagdo, de um salto de qualidade, teoretico, de uma pre-

paracdo ideolOgica de m assa ( 6 ), existe je. a prefiguragaopratica dos pontos das cloths carcereriasx . , assumidoscomo normas gerais e como formulagOes de principio:afirrnar o valor, prejudicial para a conquista da hege-monia social, de que se revestem uma supremacia cul-tural proletaria e a formagdo de intelectuais orgdnicosda classe que aspira ao poder politico; exprimir a con-cepg5.o do partido como intelectual colectivo, partindo dopreprio modo como no partido se deve realizar a figurado dirigente, a soldagem entre dirigente e militantes de

base.0 acento recai talvez apenas no partido? E verdade,

no entanto — e aqui tocamos talvez o ponto mais ori-ginal da sua constante teerico-politicaue Gramscipermanece convencido (e muitas vezes se bate deses-peradamente por este fim) que a instrumentagdo do mo-vimento deve ser mUtipla e nova, deve despontar sem-pre, germinar de baixo, do vivo da experiencia das mas-sas, para fazer nascer instituicaes auteinam as da sua von-tade politica e capacidade de mobilizagdo. 0 rtheleo cen-tral da teoria dos conselhos e este e permanece comotal em 1924-1926. Mudadas as circunstancias, mudadas

as relagOes de forga, Gramsci continua todavia a intro-duzir constantemente o tema. Trabalha em 1922 ate queuma coligagio de vertice sindical-politico, a alianga dotrabalho, surgida para organizar a defesa das liberda-des democraticas e o poder de contrato dos trabalha-dores perante o fascismo e a crise econOrnica, se trans-forme de organismo burocratico numa rede de comis-saes locals a fazer surgir de bases eleitas nas febricas enos campos e que, a maneira de piramide, consigam ex-

•) Cf. eNecessidade de urns preparagno IdeolOgica de mas-

sap , vol. III da presente edlcao.

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primir um seu centro directivo verdadeiramente repre-sentativo das massas. Nas cartas que escreve aos cama-radas em 1923-1924, ele perscruta todos os sinais possi-veis para fazer renascer lamas «de conselhos), de de-fesa e organizagdo operkria Em 1924-1926, toda a sua

concepgdo da luta contra o fascismo se rege pela preo-cupagio de criar uma frente de massa pie se contra-ponha, corn uma acgdo molecular, ao poder fascista: erenas «comissOes antifascistas, operkrias e camponesas)Tido como simples cimento organizativo da resistenciaao fascismo mas como base para um desforra autonomadas classes trabalhadoras, como germe de uma recons-trued° sovietista das massas.

Neste caso, o aspecto mais interessante e o trabalhogramsciano de traduzir ern termos adequados a situagdoitaliana a formula geral do «govern° operksio e cam-pones) langada pela Internacional. A garantia da auto-nomia a exaltada por Gramsci mesmo no que respeita

aos camponeses. Ele insiste, no momento em que elucidatoda a elaboragdo do conceito de alianga de classe entre°public's do Norte e camponeses pobres do Sul (comoplataforma da revoluedo italiana), na importancia es-sencial de o movimento campones (no Sul mas nao soall) possuir instituigOes prOprias, associagOes, tuna suaarticulagdo dem ocreitica, pondo o problema da direcgdogeral, por parte da classe operksia e do seu partido, emtermos tipicamente hegemenicos e de direcgao mediata.

Sintometicos sdo ainda, neste quadro, outros tragos:Gramsci acentua, em toda a sua batalha antifascista,depois do delito Matteotti, a exigencia de uma frente

Unica de b ase. Isto rao o leva a excluir a nova politicade acordos com outras forgas de oposigio, nem a advo-gar uma ruptura do sindicato de classe, ainda que esteseja dirigido pela corrente reformists. Mas parece maisclaro, neste periodo, que ele Tido deposita nenhuma con-fianga nem na congaed° antifascista nem na CGL comoinstrumentos capazes de abaterem o regime fascista. Ascomissries operarias e camponesas, o «antiparlamento),a cassembleia republicans.), sdo concebidos como a U nicaalternativa real a urn complexo de forgas reaccionarias,fascistas e «filo-fascistas p aue tem as suas ramificactiesate no P. S. I. e na CGL de D'A ragona e Baldesi.

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Precisamente a prop6sito dos discursos hoje recor-rentes em sede histOrica (e politica) sobre o social-fas-cismo, que em geral se referem ao periodo sucessivo a1928, valeri a pena notar que uma certa propensão paraaceitar as formulagOes do Comintern segundo as quaffsa social-democracia é uma facctio do fascism o — forma-

lagOes que datam já. de 1924 ( 7 ) — chega aos comu-nistas italianos atraves do conceit° de que a fracc5.0comunista, no seu conjunto, amadureceu sobre o socia-lism° italiano no primeiro p6s-guerra. Em Gramsci aformula parte sempre daquela individualizagaio social&gica a que já. nos referimos: o P. S. I. como partido quenão tern uma natureza operaria mas sim prevalente-mente camponesa-pequeno-burguesa, como partido defuncionarios expressos pela parte mais atrasada do mo-vimento operario e corrompidos pela escola de governode Giolitti. Daqui se ilumina tambem a directriz geraldo P. C. I., em 1924-1926, de uma luta em duas frentes,

contra o fascismo e contra os (ventinianos, (•).0 discurso segue nao menos nitidamente em relagãoao problema sindical. Quando as condigOes das organi-zag'Oes sindicais livres se tornam quase insustentáveis,em 1925-1926, Gramsci pensa num tipo de resistencia ede renascimento do sindicato que se estabeleca nasbricas, criando tambem aqui, atraves de instituic5esnovas (as conferencias de fabrica, as comissOes de de-fesa sindical, as comissOes de agitacdo, sustentadas poruma organizacao de partido coma celula de fabrica),não s6 instrumentos eficazes de resistencia, mas o em-

(') A mats nitida deve-se a Zinovjev, no V Congresso doComintern: Cie fascistas sae a mao direita e os socials-demo-crates a mao esquerda da burguesla. Eta o facto novo... 0 factoessential E que a social-democracia se tornou numa faccao dofascismo., Do cRaport sur les travaux du Comite Executif de'Internationale Communistev, pronunciado em 19 de Junho de1924, In La C orrespondance international°, IV , n.° 43, 10 de Julhode 1924 .

(•) De Aventlno, uma das collnas de Roma. aventinianossforam chamados os quo, durante o fascism°, abandonaram oParlamento corn a intengdo de Isolarem o partido fascista.(N. do T. )

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brifto de um novo poder, formas diversas das tradicio-nais de expansio sindical, com a esperanga, nem sequercamuflada, de fazer renascer uma nova confederaflo dotrabaiho que tivesse a sua base nestas comissfies ( 8 ) eassim se pudesse renovar intimamente.

0 prob lems de Gramsci politico nio se resolve, porem,

descobrindo a continuidade dos motivos originfirios doOrdine Nuovo nem o constante (sistema mental,, tradu-zindo a experiéncia bolchevista em ItMia, desde que ele°omega, ja em 1917-1918, a interrogar-se sobre o tipode soviet que se pode fazer crescer entre n6s (e o indi-vidua na comissaio interna) ate que recebe a palavra deordem do (govern° operário e tampons,, com uma fortepredileccao autonomista e pensa numa remiblica fede-rative (1923) e nao exclui uma constituinte coma etapa -intermedia (1924) para a ditadura do proletariado, atea palavra de ordem (1925) da assembleia republicanacorn base nas com issOes operdrias e camponesas. 0 pro-

blema tern outros aspectos, quer essenciais a Gramsciquer comuns ao movimento comunista das origens e dosprimeiros cinco congressos da Internacional.

Que no Gram sci politico o preconceito ideoldgico sejavivissimo, de tal modo que constitui urn impasse, emmais do que urn momenta, ao contact° directo corn arealidade, é inegkvel. Deve porem entender-se igual-mente como é pr6pria —e muitas vezes com uma rigi-dez doutrinal exasperante — uma certa (ideologia*, atendencia constante para sistematizar em termos de so-ciologia marxista cada nova «prega).) da realidade, para

( I ) ramsci, na sua intervenetto no C.C. do P.C.I. de 9-11Novembro de 1925, tract( como perspectiva histerica a taref ade que co movimento sindical ressurja controlado por n6s) eacrescenta, em relagao ao presente: c0 Partido Comunista tern,pots, o dever de esttmular a °Macao de organtsmos que cons-tituam meths de expressao das massas; a proprla situagAo seencarrega de tornar necessiria e possivel a criacao de comiss5esoperirias que, partindo das formes mais embrionarlas, cheguema assumir as formes mais completes, que, partindo da fabrics, seestendam as massas, se tornem Organs representativos das mas-ses,. Cf. A. Gramsci, La coatruzlone del partido comunista, ob .cit., p. 479.

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encontrar uma definigio universalmente vklida parauma situagao em movimento, todo o movimento comu-nista nesta sua fase histerica. Isto acontece, pensandobeen, nao so pela grande carga finalistica e forga teo-retica da personalidade de Lenine (e tambem de Bu-karine, Trotski, Zinovjev, etc.) e por um modo de pen-

sar tipico dos bolchevistas, nos quais o acento sobre ateoria a tat) forte, mas por uma lick° histOrica concreta.0 principio de que nao se produz acgao revolucioneriasem teoria revolucionkria a tanto mais unanimementeaceite no movimento quanto mais a revolugao russa apa-rece vitoriosa, precisamente por esta sua fidelidade ecorrespondencia de rigor ideolOgico e de praxis.

A ideia de um modelo prover°, em suma, do prOpriofacto — uma revelagao para a mente e um enorme mo-tivo de atracgao psicolegica e sentimental — de que,corn aquele modelo, corn os principios de estrategia ede tâctica explicados por Lenine e pelo estado-maior

bolchevistas, se realizou a primeira revolugao socialistavitoriosa da histbria. De resto, nao eram a heteroge-neidade de inspiragao, a falta de tense.° teOrica da IIInternacional, o empirismo e o objectivismo determi-nistico que a dominavam, uma causa fundamental do seucrack?

SO neste quadro se podem cornpreender a severidade,a paixao, o empenho, de cada debate aceso a propesitode uma fOrmula singular, de uma «lei de desenvolvi-mento» do movimento, a recondugao de cada discursoa urn modelo. Ou m elhor, se Lenine nao deixava de pres-tar atengao a cada assungao dogmatica dos principios— regra de acgaoramsci faz a sua admoestagaocorn urn processo dialectic° que nos parece poder serdefinido leniniano: isto e, nao se desarmando ou liber-tando de uma bagagem teerica, mas aumentando e aden-sando a investigagao da realidade social, econamica, cul-tural, dirigindo a atengao para uma multiplicidade ex-traordindria de factores (tradigOes histOricas, psicolo-gia das massas, centros de direcgao das classes dirigen-tes, formagao dos varios estratos que compOem urn par-tido, diferenciagOes regionais, relagOes entre as váriascentrais financeiras, raizes culturais e modos de vida dapequena burguesia, caracteres do pessoal dirigente do

Estado, componentes, manifestagOes e contradigOes dofascismo, etc., etc.).

E ja um grande intelectual o Gramsci politico de1919-1920 e de 1921-1926, um homem que vigia cadscharneira do real, que tern sempre presente a dimenstioda politica como invencolo, possui o gosto da previs5.o,

reflecte o salto do irnpulso moral. Se a grande contra-digao dos primeiros anos de vida do P. C. I. e a de umaformagao que deve operar a sua experiencia, superar asua doenga infantil, consolidar a prepria organizagao,conquistar a confianga das massas num momento derapid° refluxo da crise revolucionkria, no fogo de umaguerra civil cuja sorte assinalark uma grande derrotapara o movimento operkrio e para a democracia italiana,Gramsci 6, ele prOprio, parte desta contradigao. Nao foiele quern escreveu em 1924 que os comunistas, nos pri-meiros anos, foram arrastados pelos acontecimentos,«foram, sem querer, um aspecto da dissolugao geral da

sociedade italiana, tornada numa tempera incandes-cente onde todas as tradigOes, todas as formagOes his-tOricas, todas as ideias prevalecentes se fundiam algu-mas vezes sem residuo*?

Quando se analisa de perto o period° do crepasculosanguinoso da liberdade italiana, em 1925-1926, naodeixa de admirar-nos o contraste entre uma perspectivageral dos comunistas, permanecendo a que se tinha deli-neado em Outubro, e a realidade; entre o esquema ideo-lOgico de uma permanente ou recorrente crise revolucio-traria que repitiria, em substancia, o seu andamentoclassic° e o processo de estabilizacao crescente da dita-dura reaccionaria; a luta em duas frentes tern, nestemomento, o seu que de dramaticamente anacronisticoe perguntamo-nos como pode Gramsci continuar a sus-tentar em 1926 que afungal° principal 6 a de «tentarabreviar o mais possivel o intermezzo democratic°,tendo ate hoje disposto a nosso fav or o maior nfunero decondigOes favoraveis*. A questao que se nos apresentapode tambem formular-se nestes termos: em que medidaum preconceito ideolOgico, a forga da inercia de urnmodelo pre-constituido, concorrem para tornar err6neaa previsao e, portanto, a perspectiva politica? Neste pe-riod°, o esquema segundo o qual o fascismo deixara de-

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pressa o campo a uma coligagao democratica (de talmodo que sera aquele o momento em que o partido serasuficientemente forte — como o partido bolchevista.—para mudar rapidamente as relagOes de forga e superardepois a fase democratica para alcangar o poder) é deve-ras urn obsticulo que se apresenta a luta para fazer cair

entretanto o fascismo.Dir-se-ia que o Gramsci destes momentos vive em sium intern° contraste de motivos, enquanto prisioneirode uma contradigao geral, ele prOprio acurnula os ele-mentos criticos para a superar, em seguida. Parece-nosque o que desta contradigao se reflecte particularmentenele se contem em dois daqueles motivos que se entrela-gam continuamente: a perspectiva persistente duma radi-calizagao da situagao e, portanto, a insistencia sobre fun-goes autOnomas, revolucionaxias, do partido, sobre osovietismo dos Orgdos de massa; o acento sobre o mo-mento da preparagao, sobre o trabalho vigoroso, sobrea ( agressao molecular * . 0 segundo motivo sere, o que,em 19 26 , nas meditagOes do carcere, verb ' , um major de-senvolvimento. Decerto que o cruzamento de urn e deoutro cria urn no inextricavel a uma analise que procure,pelo contrail°, um processo linear de pensamento. Naverdade, a fisionomia de Gramsci dirigente politico époliedrica, escapa muitas vezes, no biênio 1925-1926, auma rigida definigfio que parta e se limite ao ambitode uma critica tendente a distinguir historicamente «po-sigOes justas>> de «erros*, regras de accao justificadasna realidade do mito ideolOgico que vem contrariando.Nao se consegue medir a influencia de Gramsci politicodaquele periodo se nao se tern em conta os dois pianos

sobre os quais ele opera constantemente, quer dizer, se-mentes que langa no movimento nao inferiores a tacticsque preconiza, o metodo que instaura e que sere fertilmesmo depois da sua prisao, a indicagão dada no mo-ment° dos acontecirnenots e que nao se pOde utilizar en-tao mas que se tona perspectiva histOrica na herangade urn repensamento colect5vo, a prOpria complexidadede motivos que anirnarn cada urn dos seus artigos jorna-listicos.

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Tome-se como exemplo o juizo sobre o fascismo ea luta contra ele. Gramsci, ja desde 1919-1920 massobretudo em 1921-1922, desenvolve urn tipo de analisedo fascismo cuja importancia, no movimento italiano eno movimento internacional, ultrapassa largamente omomento em que a expressa. Introduz o conceito de urn

novo tipo de reaccdo com base de massa, coisa bastantediferente de uma reacgao tradicional de tipo militar-po-licial que parte, do vertice do Estado, a que era «fami-liar* ao movimento operkrio. Sublinha a importanciachave da pequena burguesia urbana ao fornecer os qua-dros e a massa de manobra do fascismo, de que examinatambern outros componentes (o agrario em primeiro Lu-gar, coma é sabido).

A articulagao deste juizo, o exame das contradigOesinseridas na natureza compOsita do fenOmeno e nas sussorigens, podem agora conduzir a uma tal importancia dafungal° da pequena burguesia que fags nutrir ilusOesacerca da incidencia que a sua sucessiva desorientagaoCerise Matteotti) poderia ter para a sorte do regimefascists e obscurecer a resultante essencial da ditadura.de Mussolini como instrumento ao servigo do grandecapital (embora sempre afirmado por Gramsci). Mascomo nao observar o grande salto de qualidade e a sa-lutar ligao de metodo que provem de tal tipo de analiseem relagao ao juizo sumario e limitativo — que vem deI/arias lados do movimento comunista e socialista.—,segundo o qual o fascismo nao seria mais do que urnexpediente, uma pega manobravel, a disposigao da v elhaclasse dirigente?

A grande burguesia, segundo Bordiga, acabaria de-

pois por pOr de parte Mussolini e sequazes, esgotada asua fungao dilacerante, e retomaria uma politica «social--democrats.* giolittiana com a participagio directs dosreformistas no poder. E nao a apenas paradoxal coin-cidencia mas prova da nov idade essencial que a persona-lidade politica de Gramsci introduz no movimento, ofacto de, neste panto, Bordiga vir a coincidir com Turati.Este, de facto, nao é menos convencido da infalivel rege-neragao democratica da classe dirigente. Naturalmente,segundo Turati, isto sera urn bem para o movimento, queprosseguiria assim ao longo de uma linha estrategica, a

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linha hist6rica do reformismo, de alianga salutar corna burguesia economics), enquanto para Bordiga aperspectiva social-dernocratica e o inimigo principal aeliminar, depois de to-la pedagogicamente tornado reale explicita perante as massas. E Gramsci quem ultra-passa as visOes esquematicas e cheias de erros, colhendo

a novidade do fenOmeno, o que politicamente significa,em 19 21 -192 2, considerar o perigo de um golpe de EstadoIsubversivo)b da direita e em 1924-1926, ou melhor em1926, precisar aquele desenvolvimento agregativo dofascismo, fazendo da politica da classe dirigente o ele-mento unificador, acentuando o aspecto reaccionario (9).Tambern a prop6sito do fascismo, eis que desponta umacomplexidade de relevos contrastantes: primeiro, a so-brevalorizagao da crise em que caiu o regime depois doassassinio de Matteotti, uma certa frieza de reacgao,quase uma relutancia, logo a seguir ao 3 de Janeiro de1925, para admitir que a crise fosse superada ( 1 0 ), de-pois, gradualrnente, o cruzamento mais fixo das hipOte-

ses assaz diversas, de uma solugao de compromisso ede uma posterior exacerbaclo do monopOlio politico deMussolini. Em 1926, todavia, a analise parece dispor-seem modo de ultrapassar o dilema e de escolher o con-junto das raz5es econOmico-politicas que estimulam aconsolidagao daquele monopOlio, ainda que bastante in-certa seja ainda a previsao politica (n).

(') No relatdrio de Gramsci ao C.C. de 9-11 de Novembro de1925, P. citado, pode ler-se: No campo burguas, os fascistasobtiveram a completa primazia. 0 fascismo atingiu hoje o curveda sua parabola e esti unificando a sua volta a burguesia. 0Grande Conselho fascists tornou-se o Orgdo central da burguesiaque doming tudo.)

(") Gramsci considers, depots do 3 de Janeiro, que o gestode Mussolini deve ser interpretado como a tentativa de «par-se emcondigeles mals favoraveis tendo em vista uma solugdo de corn-promisso). Mussolini queria «chegar ao compromisso pela faro).Cf. &aria an PCI, ob. cit. , p. 426 .

(") A este propOsito, importante a intervengdo de Gramscino Comtta Directive do P.C.I. de 2-3 de Agosto de 1926 (que publi-cantos no vol. III da presente edigdo, sob o titulo «Urn exame daetuagão Itsliana), especialmente pela analise dos vários compo-

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Mas v ale tambem, por este aspecto, a adverténcia queja se propunha a propOsito das formulas do tipo social--fascism°, isto e, nao se afastando das suas aplicageoesconcretas e nacionais. E possivel, por exemplo, que ojuizo sobre o P. S. I. e sobre o P. S. U. seja influenciado(e decerto que e reforgado) pelas acusagOes durissimas

que 0 V Congresso do Comintern dirige a social-de-mocracia, especialmente pela teorizagao da social-demo-Gracia como parte da formagao inimiga de classe. Mascomo esquecer que sap o comportamento politico e alinha ideolOgica assumidos nos factos do socialismo  ita-liano, em 1924-1926, a motivar o ataque vigorosode Gramsci? 0 P. S. I. e o P. S. U. alinham supinamentecorn os lideres «democratas popularesl . do Aventino, re-cusam constantemente qualquer perspectiva de unidade,de frente Unica op eresia contra o fascismo, tendem a iso-lar o partido comunista no interior das oposigOes e no ssindicatos. Gramsci opera numa situagao na qual aaversao ao P. C. I., por parte das outras forgas antifas-

cistas, a geral e prejudicial. RFomospostos a porta),recordath ele prOprio a propOsito das relagOes corn ascoligagOes do Aventino.

A constatagao leva-nos a considerar como o nasci-mento e o desenvolvimento de urn partido como o comu-nista em Italia fossem recebidos corn uma hostilidadeque derivava do prOprio conservadorismo de posigOes,

das autelasz adquiridas, da concepgao paternalista ecorporativa da representagao politica que Gramsci re-conhecia e indicava como o Maximo «vicio» da «demo-cracia) italiana. Neste quadro de hostilidade preconce-bida, o apelo constante do P. C. I. pan uma dimens'd.o

internacional dos problemas e a sua peroragao de umaaced° directs na batalha antifascista eram entendidospelos socialistas e democratas como confirmagio do seucatheter estranho a tradigao italiana! Mas tambem aquiGramsci era destinado a operar em profundidade. Dols

nentes do domlnio politico fascists. Poram, a perspectiva que aquise confirms de uma fragmentagao «do bloco burgues, agrario efascists) e da tenclancia pars se constituir «urn bloco democra-tic° de esquerda) ao qual contrapor uma frente proletaria tnica,repete o esquema mats ilusario do biênio de 1924-1926.

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parecem ser os aspectos nao caducos nem meramentetacticos da sua batalha, desde o momento do delito Mat-

, teotti ate a prisao em Novembro de 1926. 0 primeiroo discurso constante, incitante e fundamentado queGramsci dirige a todo o antifascismo sobre o catheter declasse da opressao fascista, sobre o bloco histOrico que

ela conseguiu aglutinar. Daqui deriva o corolirio, lOgicoe politico, de combater o fascismo contrapondo-lhe umafrente de classes igualmente sOlida e ampla. A elabora-Ca° da alianga entre operirios e camponeses, nos termosdelineados por Gramsci, nasce tambern como base de umantifascismo popular. 0 segundo aspecto e talvez aindamais importante, tipico de uma direcgao gramsciana derenovagao. E refere-se ao trabalho desenvolvido paraprovocar tuna rupturaa esquerda do consenso intelec-tual desenvolvido a volta das classes dirigentes, é o tra-balho conduzido para constituir uma trincheirada qualnao se afastem os intelectuais — ainda que sejam pou-cos — que conseguem compreender atraves da experien-

cia da luta politica em curso, do advento fascista e dassuas causes, como a acgao unitaria dos opethrios ecamponeses se toms a Unica base real, a Imica plata-forma a sustentar pan contrastar e hater o regime, ecomo lhes respeita, pois, uma fungi() dirigente na novaItalia.

Ocorre imeditamente o nome de Gobetti [nao poracaso citado, a este propOsito, por Gramsci no ensaiosobre a questa° meridional ( 1 2 )], as Gramsci estaocupado, em 1925-1926, a recolher e a dirigir para ummovimento real unithrio todas as vozes criticas que selevantam do campo de Aventino, especialmente entre os

(") Cf. cAlguns temas da questdo meridional», onde Gramsciescreve: c... E importante e Ohl que na massa dos intelectuals sedetermine uma fractura de catheter organic°, historicamentecaracterizada; que se forme, como formacdo de massa, umatendencia de esquerda, no significado moderno da palavra, 1st°4, orlentada para o proletariado revolucionario...» As Ultimaspalavras do ensaio sublinham a importh.ncia da funtho daqueleslntelectuais setentrionais a meridionais que acompreenderam seressencialmente nacionais a portadores do futuro, duas Unitas for-las socials: o proletariado e os camponeses...:. Ver o voLda presente et:110o.

jovens, a impulsionar todas as personalidades politicas,ainda que cisoladas), de Guido Miglioli a Emilio Lussu,de Carlo Rosselli a Guido Dorso, que exprimem de vitasmodos a mesma exig'encia de renovagao da fileira poli-tica antifascista, partindo da revisal) critica de um blocogeneric° de oposig5es corn base moral ou legalitaria.

saoforgas, names e grupos juvenis que Gramsci quer

ajudar e corn os quais entende colaborar (e no partido osadeptos de Bordiga reprovar-lho-ao), ate porque elepensa que o velho pessoal politico dirigente socialists,catelico e democrata esti «perdidoo para tuna verda-deira luta antifascista. A sua constatagao nao tern, po-rem, um sinal secthrio, mas sumo oposto. E o mesmoimpulso anti-sectario que ja em 1920 procurava impri-mir ao movimento de fibrica, agrupando °per-arias anat.-quicos, catOlicos e tdesorganizados, que agora o induz aorientar-se para estas sementes de renovagio que naopodem, para germinar, deixar de romper a crosta con-servadora de que sac, prisioneiros, para dar vida a um a

nova formagao antifascista. Este facto pode ser cons-tatado a propasito do juizo de Gramsci sobre o movi-mento catOlico. Se UM certo esquematismo ideolOgico(Don Sturzo como Kerensky...) esti presente, a direcgaoda pesquisa é a de entender a extraordinaria importan-cia que o ingresso das massas catOlicas na vida politicatern para a proposta de uma frente U nica, de uma aliangade classe contra o fascismo.

0 Ultimo momenta a considerar — e caso pars dizer

que se trata de urn last not least — é o nexo que seestabelece em Gramsci entre a visa° politica das coisasitalianas e a dimensao internacional da revolugao. tnitido em Gramsci, ja desde 1917-1920, o sentido de taldimensao. Wrias vezes transparece nos escritos desteperiodo o seu eepticismo sobre a oportunidade revolu-cionaria intern, italiana, quer pela desconfianga ex-pressa nos dirigentes do movimento quer pela imaturi-dade, os obstaculos locais, os desniveis de consciencia ede organizagao das prO prias massas, que ele regista seve-ramente. A dilvida e o pessimism° sao sempre, porem,superados, atendendo ascondigO es internacionais da si-tuagao, a amplitude da crise revolucionaria que sacode

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aEuropa, a forga expansiva da revolugao russa e a suauniversalidade. 0 famoso artigo «Para uma renovagao doP. S. I.) que impressionou favoravelmente Lenine e peloqual este cunsiderou as criticas e as propostas do OrdineNuovo como as (micas que correspondiam em Italia alinha e ao espirito da Internacional ( 1 3 ), nao 6 urn do-

cumento «ordinovista», isto 6, nao reflecte a especificaproblematica «dos conselhos». E um ataque, do ponto devista da revolugdo m undial, ao provincianismo do P. S. I.,a sua surdez perante as dimensees e as tarefas interna-cionais dos problemas, etc., etc.

Foi justamente dito por Ernesto Ragionieri (con-venio de Cagliari de 1967) que Gramsci e o homemda Internacional Comunista ( 1 4 ). Into a verdade emrios sentidos. E verdade, antes de mais, porque a convic-gel° de operar num periodo em que a historicamentepresente uma grande crise revolucionaria nunca o dimi-nui. Isto leva-o a individuar uma estrategia do prole-tariado italiano que se enquadre sempre no processorevolucionario euroneu, que consolide de facto o leni-nismo nos seus pilares essenciais: o conceito de aliancade classe e o conceito de faces intermgdias, quanto, naprâtica, vive ou procura viver na formula do governooperario e campones.

«Homem da Internacional» 6 tambem Gramsci porter formado urn conjunto de convicgOes que remetemdirectamente para a experiéncia dos anos passados entreMoscovo e Viena. 0 mesrno se diga da fungao dirigenteque, no movimento, ele confia explicitarnente ao partidorusso e da sua insistencia sobre o valor da unidade.Para Gramsci, os dirigentes bolchevistas — que ele viu

de perto — sac) por direito o estado-maior da revolugaomundial e nao apenas porque conquistararn tal direitocorn a vitOria socialists no seu pais, enquanto nos outrospaises a revolugao faliu, mas porque the aparecem comoos finicos que possuem uma capacidade de ver as coisasa escala mundial, «porque a concepgao politica dos

(") Cf. Lenine, A Propasito do Movitnento Operdrio Italian.(") Cf. E. Ragionieri, Gramsci e it dibattito teorico nel

movimento operarto Internazionalea, la Gramsci e la cultura con-temporanea, Roma, 1969, vol. I, pp. 116 e ss.

comunistas russos formou-se a partir de um terrenointernacional e nao national) ("). Assim, pleno e o seuconsenso a linha politica da maioria bolchevista nadisputa corn as oposigees sobre o tema da politica agrit-ria, da fungi.° dos camponeses.

Se nao se tem presente tal dado de partida, nao se

compreende sequer a sua famosa e dramitica carta deOutubro de 19 26 ao C. C. do partido russo, a qual se regepor esta inspiragao: reivindicar a importencia decisivada unidade do grupo e avisar tanto a maioria coma asminorias do perigo extremo que representaria a perdado ponto de vista internacionalista, afrontando as ques-toes decisivas do prOprio partido russo ( 1 8 ), o que, emGramsci, nao a trago de uma concepglo que se possaconfigurar como mandato de confianga por parte dasoutras secgOes da Internacional relativamente a russa:ele fala de urn contributo mfiltiplo, de uma disciplinadeal e convicta» tanto mais possivel de alcangar quanto

mais cada secgao national conquistar, no prOprio pais,a maioria dos trabalhadores, exprimindo assim um pesoe uma incidencia reais ( 1 7 ). que 6 tambem o Unico

(") Cf. a carta de Gramsci a Togliatti, Terracint e C., deFevereiro de 1924, in Palmiro Togliatti, La formazione del grupodirigente del Partido comunista Italian o, ob. cit., p. 196.

( I s ) a carta assinada (Direccao politica do P.C.I", escritapor Gramsci ao C.C. do Partido Comunista russo em Outubro de1926, pode ler-se: (Parece-nos que a paixao violenta das ques-tbes russas vos faz perder de vistaos aspectos internactonais dasprbprias questbes russas, vos faz esquecer que os vossos deveresde militantes russos podem e devem ser sattsfeitos apenas noquadro dos interesses do proletariado internacional,. Cf. o vol.

III da presente ediglo.(") 0 conceito 6 expresso varlas vezes por Gramsci, masnuma carts a Terracini, datada de Viena, em 27 de Margo de 1924,que ele 6 formulado em directa relaglio corn os contrastes nascidosno partido boichevista e em värios outros partidos, sobre ques-tbes essentials: cReforco cada vez male esta convIccAo: que 6preciso trabalhar no nosso pais pare construir urn partido forte,politica e organIzativamente preparado e resistente, corn umabagagem de idelas gerats bem clans e bem firmes nas conscten-etas individuals, de modo que sieja possivel a desagregagio a cadachoque de tais questbes que surgirAo cada dia mats numerosase perigosas, corn o desenvolvimento da sltuagilo e o reforgo objec-tivo do movimento revolucionarlo., (La formazione del grupodirigente del Partido comunieta italkno, p. 263).

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modo de pOr a premissa de uma autonomia politica aescala internacional, para alêm da nacional.

particularmente iluminante seguir a linha de dis-criminagdo entre Gramsci e Bordiga a prop6sito do temadas relagOes corn a Internacional. Bordiga, que teorizao centralismo absoluto e um Unica modelo de revalued°,

o homem que — porquanto possa parecer paradoxal —reivindica quer a necessidade de seguir nacionalmenteuma politica diversa da estabelecida nos congressosquer uma organizagdo de «fracgdo interna.cionabo parsmudar a direcgdo decidida da «Oentrah. 2 verdade queBordiga estabelece isto nao como ponto de doutrina,mas simplesmente porque nao the parecem justas aquelaorientagao determinada ou esta especifica indicagao (afrente Unica, a fusao corn o P. S. I., a bolchev izagao, etc.).Mas ele aparece, no contexto da luta politica da Inter-nacional, coma o defensor da autonomia dos //arias par-tidos de Moscovo, como a possivel ponto de referenciade uma oposigao internacional que alce a bandeira dasvarias escolas nacicmais do marxismo e, ao mesmotempo, da tradigao e da forga dos partidos dos paisescapitalisticamente desenvolvidos Em Gramsci, o coin-

portamento e os pontos de principio sao opostos. Elepela bolchevizagao, pela estabilizaccio leninista de todas

as seceees da Internacional, rejeita a ideia de um partidorusso coma expressao de uma «civilizagao capitalistaatrasada e primitiva», contraposta a uma Europa Cen-tral e Ocidental, cujos partidos comunistas sejam auto-maticamente o fruto politico de «largos estratos prole-Carlos * ( 1 8 ) vangados. Mas mostra-se depois leninistae ao mesmo tempo livre de impasses hierarquicos, ao

configurar o problema da revolugao no Ocidente emtermos diversos, em modo de requerer «toda uma estra-tegia e uma tactica mais complexa e de maior vigor doque as que foram necessarias aos bolchevistas no periodoentre Margo e Novem bro de 1917 ):. (18).

No Gramsci politico do decênio legal, nada nos induzapensar que se the ponha o problema da democracia

(") Da carta de Gramsci a Togliatti, Terracini e C., ob. cit.,pp. 196-19 1.

( a ) /b4ciem.

em termos diferentes dos que corriam na DI Internacio-nal, isto é, que preveja um regime de democracia poli-tica, representativa, como terreno histOrico sobre o qualavangar para o socialismo. Estamos em 1916-1926 e naoem 1936-1946. Nem convira dar a Gramsci quanta per-tence a Togliatti. Quando Gramsci fala de fase demo-

cratica, de passagem para a fase socialista, quando falade situactio dem ocrcitica, fala em sentido rigorosamenteleninista, critic°, tendo em mente o desenvolvimento darevalued° tal como Lenine a analisa e universaliza, an-Enos° por abreviar o mais possivel o intermezzo demo-cratic°. 0 fogo da sua pesquisa politica concentra-se,de preferencia, cada vez mais sobre a complexidadeda sociedade ocidental, sobre as suas variantes italianas,sobre a riqueza e variedade de estratos intermedios(aristocracia operdria, pequena burguesia urbana, cam-pesinato, etc.), nos quais convem discernir as forgasaliadas e as que se devem neutralizar. Ele reflecte sabreos tempos das varias fases, sobre os modes de passagem

obrigatOria de uma a outra, sobre as charneiras quesoldam os estratos intermedios a classe dominante.

0 internacionalismo de Gramsci configura-se muitonitidamente neste cruzamento dialectico: reconheci-mento da disciplina substantial, exaltagao da unidade,afirmagdo do valor de guia do partido russo, em sentidomundial, de urn lado; reivindicagao nao so do que élicito, mas da necessidade de traduzir em termos nacio-nais a estrategia da Internacional, por outro.

Gramsci nao a menos intransigente do que Bordigae mais concreto do que ele num panto decisivo: salvarsempre a fungao histOrica de urn partido, de uma sec-

gala nacional. A defesa desta fungal/ dev e ser conduzida,observa ele, tambem contra aquelas tentagOes tacticasda Internacional que poderiam compromete-la, frag-mentando as bases e comprometendo a natureza de par-tido de classe (20 ).

('°) Nas notas de Junho de 1923 (Storia c7,62b. cit.,p. 293) Gramsci delineia assim a questa° de principlo: <A. mala-ria actual do P.C.I. entende defender ate ao extremo a sua posigaoe a sua funcao histOrica em Italia, onde 6 preciso constituir o

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0 discurso sobre Gramsci politico deve ter em conta,chegados a este ponto, uma singularidade deveras ex-cepcional: que a sua acgao de dirigente se paralisanum momento — Novembro de 1926 — em que a reali-dade mais o conduz a submeter a criticas dois pontosda sua proposta: a permanencia da situaglo revolucio-nada na Europa e a consolidagao progressiva dos gru-

pos dirigentes comunistas, do estado-maior da Inter-nacional. Gramsci encontra-se perante, quando as portasdo eircere se the abrem (para o encerrarem numa cela),ao triunfo do fascismo em Italia como sistema de poderunificador da classe dirigente, a recuperagdo reacciona-ria noutros paises europeus e a grave crise no interiordo movimento bolchevista, embora no contexto de umreforgo da U. R . S. S. A sua reflexfio politica do carcerenao pode deixar de partir da constatagio de quantomudada a situagfio, resultando mais arduas e em majornUmero as tarefas para uma desforra geral. E sobre ofascismo, sobre a Italia, sabre o problema da revolugfio

no nosso pais que podemos colher, da leitura dos Qua-derni, os temas criticos mais validos, embora paregalicito ler uma serie de notas sobre o partido, sobre arelagão entre as massas e os dirigentes politicos combase na experiencia dos problemas e nas contradigOesda Internacional Comunista.

Mas quando nos aproximamos dos Quaderni paramedir a profundidade ali observada dos motivos jaexpressos no decenio legal — e que aqui analisaremosapenas de passagementimos logo, em primeiropiano, uma questdo de comportamento do autor, o seuafrontar as coisas nao em modo destacado, mas maishomogeneo e maduro. Nal° ha problema que Gramsci

nao trate partindo da sua complexiclade, dos nexos cornos outros, na concatenagao de um discurso geral. E ver-dade que tal impressao proven/ tambem do catheter, doestilo dos escritos carcerarios, da sua intrinseca natu-reza de notas, de material de pesquisa e ate de adverten-

P.C. unificado corn urn centro ideolOgico que nao seja o traditionaldo P.S. e Lao pouco urn compromisso. Nos defendemos o futuro darevoluglo

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cias «externass pelas quais a referenda politica 6 muitasvezes implicita ou expressa com cautelas e astaciasimpostas pela linguagem; dai o relevo sugestivo ao con-siderar as varias faces, o passado mesmo longinquo, aimprevista multiplicagio de direcgOes, interrogagOes, otrabalho legico e analogico, a variada solicitagao nascida

de leituras de outro «Oiler()) e transferida no contextopor reflexOes organicas sobre um particular objecto deestudo. Mas ha tambem — parece-me — uma ideia cons-tante de partir da 'experiencia de uma grande der-rota

para the explicar as razOes, para descobrir as insuficien-cias de urn esquema de representagao da realidade, reve-lado inadequado, path conjecturar as mudangas neces-sárias de posigao.

Neste quadro, devemos provavelmente ter em contaquer a proposta ( 2 1 ) e uma Constituigão republicanacomo plataforma e perspectiva a assumir na luta contrao fascismo, quer as observagOes sobre a guerra estitica,em lugar da guerra de movimento, para urn inteiro pe-riodo Mate/rico; propostas e observagOes de que nit)faltam as premissas em 1924-1926, mas que no deceniocarcerärio aparecem assumidas com outra nitidez poli-tica e individuagio estrategica. Se nos atemos as famo-sas notas sobre a«guerra estatic,n ( 1 2 ), podemos afir-mar que elasgm a continuagfio da perspectiva fixadacomo dirigente politico em 1 92 4-1 92 6? M ao partem elas,pelo contrario, da consciencia do erro de uma perspec-tiva de «guerra de movimentox., ou, pelo menos, daconstatacfio de que mudou o periodo histerico e que192 4-192 6 assinalou a fase de passagem de um a outro,e nao de dual ondas revolucionarias (como entao, no

fundo, ele considerava) ?

(") Fol a proposta que Gramsci apresentou em 1930, emcontraste corn a orientaglio que prevalecla no partido corn ochamado edesvio, (onde se conslderava a sltuactio the radicali-zada que exciula uma fase intermtdia de luta democrfitica anti-fascista e que requeria uma perspectiva socialists imedlata).A proposta de Gramsci foi expressa em conversagOes corn oscamaradas, no cArcere, segundo o testemunho de Athos Lisa,publicada sob a dIreccao de Franco Ferri, in Rinascita, 12-12-1964.

( t) Cf. Passato a presents, Roma, 1971, pp. 103-104.

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Edaqui que torna relevo a investigagao sobre osintelectuais, sobre a histOria das classes subalternas,sobre a formagao unithria do Estado italiano, sobre acultura italiana, sobre o papel revolucionario que exer-cita uma hegemonia ideal, sobre a relagao entre socie-dade politica e sociedade civil, sobre a riqueza das tare-

fas do Principe moderno. Guerra estatica pressupOe, defacto, uma articulagao mais ampla, complexa, da lutade classes, uma observagao mais minuciosa do terreno,urn trabalho constante para uma mudanga m oleculardas relagOes de forga entre as classes, um espago detempo math amplo entre a fase democratica e a socia-lista. E, no cfircere, Gramsci repensa tambem estesaspectos do pensamento de Lenine que sublinhavam asdiferentes vias de desenvolvimento da revolugao no Oci-dente em relagao a estrada percorrida na Russia, queinsistiam no grande e necessario trabalho preliminar depreparacdo ( 2 3 ). E sintomatico, por exemplo, que, querem 1919 quer ainda em 1924-1926, Gramsci sublinhasse

mais do que uma vez as afinidades sociais entre a Italiae a Riissia (tambem para extrair uma certa analogiade dinamica politica — depois desmentida pela reali-dade), enquanto no carcere era sobre as diferengas quese debrugava.

0 conceito de hegemonia nutre-se e enriquece-se as-sim de nova linfa, do mesmo modo que a diferenga entrerevoluctio passiva e revoluglio activapassa atraves dacapacidade de acumular e tornar operantes os elementosde consciancia num processo histOrico, sem colocar emsegundo piano o estimulo espontaneo que vem das for-gas motoras da revolugao, nem a funcao originiria de

direccao por parte do proletariado urbano. 0 tema darelagao entre direcetio consciente e espontaneidade tor-na-se entao motivo central, Mao condutor da elaboragaoestrategica, eixo a volta do qual gira a prOpria essanciada sua experiencia politica. E aqui, na justa propostadaquela relagao, que se unificara, em Ultima analise,como parece ter sugerido Gramsci, a capacidade beg e-

( s ) Cf. Note au: Machiavelli, sulfa politica e suite Eitatomodern*, Roma, 1971, p. 98 .

mOnica do movimento operario corn o estimulo queprovem das contradigOes do capitalism°, das exiganciasinsatisfeitas das massas. De resto, nao é por acaso quea explicitagao desta relagao como momenta essentialde uma teoria da revolugao a feita no contexto da refle-ado, ja histOrica nele, sobre o periodo do Ordine Nuovo,

sobre o maximo momento da expansão da fungao hege-mOnica concreta da classe operaria (").Consideramos justo observar na primeira

desta Introdugdo (1967) que se prospecta urn salt° naelaboragao carceraria da teoria da revolugao em con-fronto com o period° precedente. A nossa tese levantouuma objecgao de fundo por parte de urn jovem e atentoestudioso de Gramsci, Leonardo Paggi, o qual apresentauma conclusao esimetricamente opostab que prometemotivar amplamente no desenvolvimento do seu traba-lho ( 2 ). E uma discussao aberta que sera util continuare, de resto, Paggi oferece no seu estudo ja publicado mui-tos e validos motivos de reflexao. 0 que aqui queremos

confirmar é a profundidade do repensamento politico deGramsci que nos parece sair de toda a produgao car-ceraria. 2 um repensamento no qual a temitica dademocracia politica, das aliangas da classe operaria, anecessidade de contrapor ao bloco histarico da burguesiaurn novo bloco histOrico, tern um acento diverso e for-nece novas indicagOes. De facto, na contraposigao entreguerra estatica e guerra de movimento nao existemapenas Bois elementos importantes de indicagao e dejuizo politico: 1) o repOdio da concepgao trotskista darevolugao permanente; 2) a consideracao de que para oOcidente um ataque frontal e votado ao fracasso. En-

volve uma teorizagao mais ampla: a guerra estaticatorna-se a forma de luta decisiva, em toda a parte, parsconquistar estavelmente uma nova ordem socialists:«ern politica, a guerra estatica, uma vez vencida, é defi-nitivamente decisiva», é uma etwerra de assedio, com-plexa. d i ficil, que requer qualidades excepcionais de

(") Cf. a note tSnontaneita e direzione consapevoles, in Pas-

sato e presente, pp. 85-88.( m ) L. Paggi, Antonio Grarnaci e 4 t nod e r no p r inc ip s , R om a ,

1970, vol. I, p. XVI e es.

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paciéncia e de espirito inventivox ("). E o seu lugar6 a hegemonia. E tamb6m aqui Gramsci parece dar urnvalor enormemente extensivo a estrategia da conquistapartindo de baixo, da hegemonia no Estado atraves daformagao de uma vontade colectiva national-popularque surja do irromper simultdneo ( 2 7 ) a vida politica

das grandes massas operlrias e camponesas, mas a redetorna-se mais densa, a atengEo sobre a sociedade civilmais urgente e a andlise dos componentes mais arti-culada.

Foi recordado justamente, a este propOsito, quetodo o pensamento politico de Gramsci desagua no prin-cipio da hegemonia: que tende, primeiro, a concepgaodos Conselhos, do qual se mantêm depois o escrito sobrea questa() meridional, onde o «conceito de hegemonia seapresenta como uma articulacao do da ditadura do pro-letariado nos seus momentos de direcgdo e de domi-nio» ( 2 8 ). Mao queremos aqui recordar quanto o pro-blema da hegemonia invade toda a problemhtica dosQuaderni. Bastar-nos-A, para tornar aos elernentos es-senciais da teoria e da experiOncia politica gramscianas,insistir num ponto que emerge das notas iluminantesjá citadas (e de outras em conexao corn alas). «Profun-damente nacional e profundamente europeu>, Gramscidefine assim Lenine. As dimensbes nacional e a europeia(e o nexo entre uma e outra) sao, nao por acaso, aque-las sobre as quais mais parece saltar a tensäo da anklisepolitica de Gramsci, quando no cárcere, e 6 a falta decompreensao das particularidades nacionais o que eleimputa maiormente a Trotski (29).

Gramsci exprime a conviccao de que uma classe

dirigente deve «nacionalizar-se> para poder hegemoni-zar «estratos sociais estritamente nacionais (intelec-

(") Cf. a nota ePassaggio dalla guerra rnanovratas, in Pas-auto e presente, pp. 103-104.

(") Ibidem.(") Luciano Gruppl, «Il concetto di egemoniav, in Prassi rivo-

Iuzfonarfa a storiciamo in Gramsci, caderno n.° 3 de Critics mar-data, 1967, p . 79 .

(") Cf. eInternazionalismo e politica nazionale>, in Note I n aMachiavelli, pp. 153-155.

tuais) e quase sempre menores do que nacionais popu-listas e municipalistas (os camponeses)) ("). Aquiestamos ja muito para alem dos pontos de chegada doperiodo legal, se nao das Teses de Lyon; quanto muito,

licito encontrar aqui uma concordfincia corn a elabo-raga° do P . C. I. sob a direccao de Togliatti, especialmen-

te se a ligamos corn a experiencia do fascism° que, porum lado (e Gramsci mostra adverti-lo agudamente),exprime urn tipo de dominio e de «consenso) diferentesdo do Estado liberal, corn urn cruzamento mais estreitoentre grupos dirigentes e sociedade civil, entre poderpolitico e sistema econemico; e, por outro, p6s as mas-sas trabalhadoras a questa° da democraciapolitica,tambem esta em termos novos, corn particularidadesnacionais bem nitidas

E verdade que tamb6m nesta fase Gramsci continuaa traduzir a experi6ncia leninista para asituagio ita-liana, procurando apoderar-se de conquistas conceituaisdo «mais recente grande teOricos , (Lenine) da filosofiada praxis, para as aplicar ao ponto de partida nacionale, ao mesmo tempo, alargar-lhe os cantinas e as corre-lagOes. Significativo, a propOsito, 6 o seu comenthrioentrevista concedida por Estaline a ‘primeira delegacaooperária americanat, de 9 de Setembro de 1927, comen-Uri° intitulado «Internacionalismo e politica nacio-nab> ( 2 2 ). A entrevista e as respostas de Estaline sobreo leninismo, sobre o conceito de hegemonia, sobre apolitica da U. it. S. S. (respostas cujo significado po liticoGramsci mostra compartilhar, rejeitando as criticas de

(") Ibidem.(") VeJam-se as observagbes de Togliatti a prop6sito do con-

vite dirigido por Lenine aos comunistas dos outros palace, noIV Congresso da LC., para estudar as particularidades nacionais:

dificuldade math Freda consistiu, para os comunIstas itallanos,no facto de o advento da ditadura fascista exlgir que se afron-tasse e pusesse como base da nossa politica o problems da demo-cracla. De todas as particularidades que deviamos ter em coats,esta era a math importante..., Palmiro Togliatti, thenine it nostropartido*, in Rinascita, Maio de 1959, depois publicado com outrosensaioe em Problemi del moviinento operario internazionale, Roma,1962, p . 379 .

(") In Note sal Machiavelli, p. 153.

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nacionalismo movidas por Trotski), servem-lhe de alu-sao para o que lite é mais taro e de que, na verdade, aentrevista nao faz explicita men*); a relagao entreas «exigencias de carketer nacional» e «a perspectiva eas directives internacionais», que ]he parecem irrenun-ciiveis.

Uma politica realista sera, pois, a «de depurar ointernacionalismo de todos os elementos vagos e pura-mente ideolOgicos», de «previsOes mecanicas hegemO-nicas». E neste esforgo mAximo de entender a dialecticarevoluciondria do seu, do nosso tempo, eis que se theapresentam estreitamente conexas a lick) do passado(de que nests nota adverte os limites negativos comolimites pr6prios da concepgao da revolugao permanente)e as indicagOes do presente. Gramsci reivindica, aomesmo tempo, a natureza da classe operdria como classeinternacional e o estudo da com binagdo de foreas nacio-nais em que a imersa como sua tarefa hegemOnica fun-damental.

A obra politica de Gramsci nao se observe apenasatravês da leitura dos escritos do periodo «legal» ou dasconsideragOes escritas no carcere. 0 seu trabalho deeducagao dos quadros, o seu estilo de dirigente comu-nista, inserem-se na histOria do Partido Comunista, deque ele foi o grande construtor. Assim, a anklise sobrea problemktica mais actual nao deve obscurecer a corn-preensao de urn caminho e do desenvolvimento de umpensamento e de uma acgao que sac), eles prOprios, urncapitulo fundamental da histOria deste partido. Poder,porem, seguir, corn a amplitude que esta recolha con-sente, todo o itinerkrio da formagao e da maturidade da

exneriencia gramsciana, aclara de facto o campo dasdeformagOes tentadas recentemente, quer das que que-reriam isolar o momento «ordinovista» e fazer delea base para uma doutrina do Estado e da revolucao,quer das que apresentam Gramsci como urn «refor-mista», urn democrata-burgues. Ignora-se ou finge igno-rar-se nap apenas a constante lice.° de marxismo cria-dor que ele fornece mesmo nos seus escritos mais ligadosa urn momento imediato mas. mais do que isso, tudo 0que ele representou como antitese radical da tradicaoe das inconveniencias do reformismo, o aliment() leni-

nista que ele assimila e langa na dialectica do mov imentooperário italiano, fêrtil e rigoroso visto que a sua auk-Ilse se baseia na realidade da situagao italiana e dascondigóes de classe que a determinant

0 nome de Gramsci tornou-se, na culture marxista,urn sinal constante, a Oriente e a Ocidente, na Europa,

nos Estados Unidos, na America Latina, no Japao. Portoda a parte se sublinham a riqueza de aplicagaes e avastidao dos temas da sua concepgao materialista, e aoriginalidade de uma proposta na qual a relagao entrea acgao, a vontade dos homens e as condigOes objec-tivas, a fixada sem dogmatismos e sem empirismos.Ler historicamente a produce:0 politica de Gramsci nä°significa querer diminui-la da sua actualidade agres-siva, pelo contririo. Significa entender os motivos vAli-dos de um m6todo vivo, reconhecer e percorrer de novouma ternatica de renovagao do movimento, tuna anklisedas forgas motoras da revolugao italiana, que esti° naordem do dia nao so do debate mas da realidade italiana.

Da vida do seu pais, das lutes das massas populares,Gramsci foi urn exceptional testemunho. E este é omotivo de nao menos interesse dos seus escritos. Elesfornecem um material precioso para a histOria da It&lia,fonte e, ao mesmo tempo, trago interpretativo. E isto naoé valid° apenas para os escritos de 1919-1926 mas tam-bent para aqueles, nao muito justamente indicados como«Escritos juvenis», de 1914-1918. Estes sao, em geral,considerados apenas como espelho da formagao ideal deGramsci mas, em nosso parecer, seria de considerar emprimeiro piano o seu caricter de maravilhosa crOnicada «frente interne.» da Primeira Guerra Mundial, talvez

o (mica grande testemunho de um ponto de vista socia-lista e revolucionário sobre os acontecimentos e as difi-culdades daquele quadriênio. Nestas paginas, e tambemnas sucessivas, o vi gor pessoalissimo e o timbre da prosade Gramsci fazem dele um classic° da literatura politicadeste seculo.

Paolo Spriano

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ADVERTENCIA

A presente colectanea a orientada fundamentalmentecorn base nas Obras de Antonio Gramsci, publicadaspelo editor Giulio Einaudi. Desenvolvemos e integrAmoslargamente as notas para melhor compreensio do texto,em relacko aos artigos ja publicados nos volumes ScrittiGiovanili, Sotto la Mole, Ordine Nuovo 1919-1920 e

Socialism° e Fascism°. Dos escritos de 1924 a 1926,publicados numa volume das Obras corn o titulo L aCostruzione del Partido Comunista 1923-1926, forne-cem-se aqui alguns dos textos mais importantes (rela-t6rios, artigos publicados no Unitae na terceira seriede Ordine Nuov o). 0 ensaio A lcuni Tem i della QuistioneM eridionale e publicado corn base na U ltima edigko diri-gida por Franco de Felice e Valentino Parlato (EditoriRiuniti, Roma, 1966). Desejamos agradecer, pela ajudafornecida, aos responsfiveis pelas edigOes Einaudi (emparticular Elsa Fubini) e a direceäo do Institute AntonioGramsci Cabe-nos tambem a obrigacdo de recordar o

precioso trabalho de Giansiro Ferrata para o primeirovolume de 2000 Pagine di Gramsci (casa editora,Saggiatore, mirdo, 1964) que nos foi muito titil con-frontar.

P. S.

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CRONOLOGIA BIOGRAFICA (• )

1891

22 de Janeiro: nasce em Ales (Cagliari) de familiapequeno-burguesa. 0 pad, Francesco (n. em Gaeta em1860), é procurador distrital de Ghilarza. A mae, Giu-seppina Marcias (n. em Ghilarza em 1861), pertence auma familia abastada da ilha. Antonio (Nino) é o quartode sete filhos.

1892

A familia transfere-se para SOrgono (Nuoro).

1894-1895

Remonta, a estes anos uma queda de Antonio, a qualvem atribuida a sua deformagio fisica.

1897-1898

Francesco Gramsci, envolvido num processo judicial ,perde o emprego, a julgado e condenado. A mae, com os

(•) A cronologla blografica fed organizada por Elsa rublnl.

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Obtendo-a, inscreve-se na Faculdade de Letras da Uni-versidade de Turim. Do mesmo concurso participa Pal-miro Togliatti, que se inscreve na Faculdade de Direito.

sete filhos, transfere-se para Ghilarza, habitando emcasa da firma Grazia, onde, corn trabalhos de costura,prove ao sustento da familia. Antonio frequenta a escola

elementar.

1912-19131903

Consegue o diploma elementar. Para ajudar a fami-lia, trabalha per dais anos no Institute Cadastral deGhilarza, made a empregado o innio mais velho, Gennaro.Estuda como autodidacta.

1905-1908

Gragas a ajuda da mae e das très irmas, frequenta asintimos tres anos do Ginisio (") em Santu Lussurgiu,nito longe de Ghilarza. Obtem em Oristano o diploma

respectivo.

1 9 0 8 - 1 9 1 1

Frequenta o liceu Dettori, de Cagliari. Vive cornGennaro, contabilista numa fibrica de gelo e tesoureiroda tars de trabalho local, depois secrethrio da secgdosocialists. Torna-se correspondente em Aidomaggiore(pequeno centro nas proximidades de Ghilarza) do jor-nal independente Unione Sarda, de Cagliari. Em 26 deJulho publica-se a sua primeira correspondencia, assi-

nada. «gb.

1911

Conseguido no Vera° o diploma liceal, concorre aum* balsa de estudo do colegio Carlo Alberto de Turim.

(") Correspondente a escola media superior, antes daextract& no llceu. (N. do T.)

Entre continuos restrigOes econemicas, que agravamas ji percerias condig5es de safide, frequenta curses dasFaculdades de Letras e de Direito. Estabelece os pri-meiros contactos corn o movimento socialista de Turime, em particular, com os jovens do «Fascio Centrale).Provavelmente ao Outono de 1913, remonta a sua ins-crigeo na secge.o socialista de 'Purim.

1914

18 de Outubro: intervem, no Avanti!, no debatesabre a posigio dos socialistas perante a guerra, cam oartigo intitulado Neutralidade Activa e Operant; empolemica corn Tasca, que a favorfivel a neutralidadeabsoluta. 0 artigo a reproduzido em 31 de Outubro noGrido del Popolo, dirigido por Gieuseppe Bianchi. Sofrede um grave esgotamento nervosa que influi no anda-mento dos estudos.

1915

Depois do exame de Literatura Italiana, abandona osestudos universithrios. Retoma no Outono a colaboragdono Grido del Popolo e, per volta do firn do ano, comegaa fazer parte da redacgdo do Avanti!

1916

Desenvolve intensa actividade jornalistica como cro-nista teatral e redactor de notas de costumes (Sotto laMole) no Avanti!

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1917

11 de Fevereiro: organiza a publicagaio do Damenanico da Federagao Juvenil Socialists, La Cita, Futura.Depois da sublevagao operasia de 23-26 de Agosto eda prisao de quase todos os exponentes socialistas deTurim, torna-se secretario da comissao executiva pro-

visaria da secgao de Turim e assume a direcgio doGrido del Popolo. 18-19 de Novembro: participa em Flo-renga numa reuniao clandestina da efracgao intransi-gente revolucionazia, onde, corn Bordiga, sustenta anecessidade de uma intervenglo activa do proletariadona crise determinada pela guerra. Dezembro: prop5e acriagao, em Turim, de uma associagao proletaria decultura e, corn outros jovens (Carlo Boccardo, AttilioCarena, Andrea Viglongo), funda um «clube de vidamoral).

191819 de Outubro: com uma conclusao de Gramsci,

Grido del Popolo cessa a publicagao. 5 de Dezembro: saio primeiro naniero da edigao torinesa do A vanti! ; redac-tor-chefe: Ottavio Pastore; redactores: Gramsci, Leo-netti, Togliatti.

1919

Sai o primeiro namero da revista L'Ordine Nuovo,semanario de cultura socialista, por iniciativa de

Gramsci, Tasca, Terracini e Togliatti. G. é secretariode redaccao, praticamente director. Maio • é eleito paraa comissao executiva da secgao socialista de Turim,dirigida pelo abstencionista Boero. Julho: durante agreve politica de solidariedade corn as repablicas comu-nistas de Rassia e Hungria, é preso e enviado para aprisao de Carceri Nuove, de Turim. Outono: a anima-dor do movimento dos iKconselhos de fibrica3, e tomaparte activa na cescola de cultura), promovida pelarevista.

1920

Abril: no inicio da greve dos metalargicos de Turim,espalha urn documento critico pars a renovagio doPartido Socialista Italian, que, no II Congresso daInternacional Comunista, Lenine considerari como - abase para o desenvolvimento do movimento. Procura

urn contacto com Bordiga para uma plataforma comumde oposigâo no interior do Partido Socialista. Junho--Julho: desenvolve-se o choque aberto entre G. e Tascasobre o problema dos conselhos de fabrica. Atrave:s doOrdine N uovo apoia a iniciativa para a constituigio dos«grupos comunistas de fibrica). Agosto: forma umpequeno grupo de «educagäo comunistax. na secgão dePurim. Setembro: participa no movimento pant a ocupa-gdo das fabricas. 28-29 de Novembro: participa numconvenio, em Imola, onde se constitui oficialmente afracgão comunista chefiada por Bordiga. Dezembro:desloca-se a Ghilarza por ocasi50 da morte da irm5.

Emma. 24 de Dezembro: sai o Ultimo mimero do OrdineNuovo semanfirio.

1921

1.° de Janeiro: sai em Turim o primeiro /lamer° doOrdine Nuovo quotidiano, de que G. é director. 15,21Janeiro: participa em Livorno no VII Congresso doPartido Socialista e na fundagao do Partido Comunistade Italia, secgao da DI Internacional. Faz parte doComita Central do novo partido. E apresentado, pelaprimeira vez, como candidato do P. C. I. as eleigOes

politicas de 15 de Maio, mas nao é eleito.

1922

20 -24 de Margo: participa no II Congresso do P. C. I . ,realizado em Roma, onde apresenta as teses sobre aquesta° sindical, escritas de colaborag5.0 corn Tasca.Intervêm na discussio sobre a alianga do trabalho esobre a tactica da frente Unica. 25 de Margo: por deci-sdo do Comit6 Central 6 enviado a Moscovo como repre-

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sentante do Partido junto da Internacional. 3 de Junho:chega a Moscovo corn Bordiga e Gennari. 7-11 de Junho:participa na segunda conferencia do executivo alar-gado da Internacional. Verdo: a internado na clinicsSerebjanyj Bor, perto de Moscovo, onde conhece JuliaSchucht (Julka). 5 de Novembro-5 de Dezembro: parti-cipa no IV Congresso da I. C. Faz parte da comissio de

fusio (entre o P. C. I. e o P. S. I.), juntamente cornScoccimarro e Tasca (pelos comunistas), e Maffi, Serratie Tonetti (pelos socialistas).

1923

Fevereiro: em Italia, e emitido contra G. um man-dato de captura. 12-23 de Junho- participa em Moscovo,juntamente corn Scoccimarro, Tasca, Terracini e Votana terceira conferéncia do executivo alargado da I. C.,onde intervêm na comissko «para a questa° italianax'.4 de Dezembro: chega a Viena, onde se estabelece. Iniciauma assidua correspond6ncia corn Terracini, Togliatti,Leonetti, Scoccimarro e Tresso, para encontrar umasolugko a crise intern que mina o grupo dirigente doP. C. I.

1924

12 de Fevereiro: sai em Milko o primeiro mimero deUnita, quotidiano dos operóxios edos camponeses ( de-pois de 12 de Agosto, Oita° do P. C. de ItAlia), titulosugerido por G., em Viena. 1.° de Margo • sai em Romao primeiro manaero do quinzenkrio L'Ordine Nuov o, re-vista de politica e de cultura operkria, III tie, escritoquase inteiramente por G. 6 de Abril: G. 6 eleito depu-tado nas provincias do Veneto-Venezia Giulia. 12 deMaio: volta a Italia. Segunda metade de Julho: parti-cipa na primeira confer6ncia nacional do Partido quese realiza clandestinamente nas montanhas de Comasco.0 relatOrio a desenvolvido por Togliatti. Na sua inter-vengdo, G. critica a linha politica de Bordiga, mas amaioria apoia as posigOes bordiguianas. G. entra parao Comit6 Executivo do Partido. Junho: transfere-se para

Roma. Durante a crise que se segue ao delito Matteotti,participa nas reuniOes das oposigOes parlamentares, ondeprop5e urn apelo as massas e uma greve politica geral.Fins de Outubro: desloca-sea Sardenha, onde em 26dirige urn convenio de algumas secgOes do Partido 0.n2Punta Is Arenas, perto de Cagliari. Ali passa alguns

dias na casa paterna. 2 a sua Ultima viagem a S ardenha.

1925

Fevereiro: conhece em Roma a irma de Julia, Ta-tiana. 21 de Margo-6 de Abril: participa em Moscovonos trabalhos da quinta sessio do executivo alargadoda I. C. Na conferöncia da secgio de agitagio e propa-ganda, apresenta um relatOrio sobre o trabalho de agi-tag ko e propaganda desenvolvido pelo. Partido italiano.16 de Maio: pronuncia na Camara •dos Deputados urndiscurso contra o projecto de lei sobre as associagOes

secretas. 7 de Junho: abre no Units a pol6mica contrao grupo dissidente organizado em comissio de alianga,chefiado por Bordiga. Outono: juntam-se-lhe em Romaa mulher, Julia, corn Delio, e a irmi Eugenia.

1926

20 -26 de Janeiro: participa em Lyon no DI C ongressodo Partido Comunista, onde apresenta o relatOrio sobrea situagio politica. Apresenta igualmente as teses, ela-boradas corn Togliatti, sobre a nova estrategia do Par-tido. Agosto: passa umas breves f6rias corn Delia em

Trafoi (Bolzano)• Julia volta a Moscovo, onde nasce osegundo filho, Giuliano. 8 de Novembro: 6 preso as22.30 horas na sua habitagão da Rua Morgagni e encer-rado na prisio de Regina Coeli. 18 de Novembro: 6 con-denado a cinco anos de resiancia fixa. 25 de Novembro:deixa o cercere roman e, em carro celular, em conjuntocom outros deputados comunistas, a transportado aPalermo, onde permanece oito dias. 7 de Dezembro:chega a Ustica, onde aluga uma can privada, em con-junto corn Bordiga e outros deputados comunistas esocialistas.

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1927

14 de Janeiro: o Tribunal Militar de Mild° exibecontra G. urn mandato de captura. 20 de Janeiro: G.deixa Ustica em carro celular. 7 de Fevereiro: chega aMilao, onde é encerrado no carcere judicial de San

Vittore. Margo: numa carte. a Tatiana, formula um pri-meiro piano de estudos. Pede que the seja concedidoo material indispensavel para escrever na cela, mas opedido é recusado. Maio: Tatiana transfere-se de Romapara Milao. Novembro: tern por companheiro de celaEnrico Tulli, ex-redactor de Unita..

1928

13 de Fevereiro: dirige ao presidente do TribunalEspecial uma carta em que denuncia as intrigas de urn

certo Melani, agente provo cador da policia. 19 de Margo•recebe a noticia que sere, presente a julgamento. 11 deMaio: parte para Roma em i g transporte extraordinario*mas em carro celular. 12 de Maio: chega a Roma eencerrado no carcere de Regina Coeli, numa cela dosexto ramo, em conjunto corn Terracini e Scoccimarro.28 de Maio-4 de Junho: desenrola-se perante o TribunalEspecial o g g processo» contra G. e o grupo dirigente doP. C. I. G. é condenado a 20 anos, 4 meses e 5 dias deprisao. 8 de Julho-19 de Julho: em gtransporte ordi-narior faz a viagem Roma-Turi di Bad, com paragensnas prisOes de Caserta, Benevento, Foggia. Chega a Turigravente doente. Recebe o Mimero de matricula 1047.Agosto: obtem uma cela individual. Dezembro: recebeaprimeira visita de Tatiana.

1929

Fins de Janeiro: obtêm autorizagao para escrever nacela. 8 de Fevereiro: num caderno, o primeiro dos ca-demos do cárcere g ., comega a alinhar notas, aponta-mentos, tradugOes. Novembro: recebe a visita do irmaoCarlo. Dezembro: Tatiana transfere-se para Turi, onde

permanece ate principios de Julho do ano seguinte.Tern diversos colOquios com G. e continua a assiduacorrespondencia corn ele.

1930

Junho-Julho: recebe duas visitas do irmao Gennaro.Julho: beneficia da amnistia de 1 ano, 4 meses e 5 dias.Setembro-Outubro: recebe uma visita do irmao Carlo.Novembro: é informado das reais condigOes de sairdede Jülia, que sofre de uma forma grave de esgotamentopsicofisico. Julho: obtem a autorizagao de escrever aosfamiliares uma vez por semana, em lugar de uma vezde quinze em quinze dias Agosto: sofre a primeira egrave crise nervosa. Setembro: pede a Tatiana que fagachegar ao prof. Cosmo o ensaio sobre o canto X doInferno.

1932

Setembro: agravando-se as suas condigOes de salad°,Tatiana requer ao chefe do Governo que G. seja vi-sitado por urn medico de confianga. Outubro: e visi-tado pelo medico do carcere. Novembro: a condenagaode G. é reduzida a 12 anos e 4 meses. 0 amigo PieroSraffa intercede para que seja concedida a G. a liber-dade conditional. As autoridades fascistas insistem paraque G. apresente o pedido de comutagao de pena Talcomo os outros presos politicos, e submetido a regimede isolamento. 30 de Dezembro: morre GiuseppinaGramsci, mas a noticia nao é transmitida ao filho.

1933

Janeiro: Tatiana transfere-se para Turi, onde per-manece ate ao Verao, excepto durante o periodo de umaviagem a Roma, em Margo-Abril. Fevereiro: o Minis-terio permite que G. seja visitado por urn medico deconfianga. 7 de Margo: G. sofre a segunda e gravissima

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crise. Doente na cela, a assistido por um jovem cama-rada de Belonha, Gustavo Trombetti. 20 de Margo: evisitado no arcere pelo prof. Uberto Arcangeli, que noseu relatOrio declara anecessidade de uma mudangatotal das condigOes ambientais. 18 de Abril: a visitadopelo prof. Filippo Saporito, inspector sanitário, que, em-

bora confirmando o diagnOstico, assegura que o doentegoza de tratamento adequado). Maio-Junho: as decla-ragOes de Arcangeli s5.0 publicadas em Paris no Huma-

e no Soccorso Rosso. Constitui-se em Paris umacomisslo para a libertagdo de G. e de outras vitimasdo fascismo, da qual fazem parte Romain Rolland eHenri Barbusse; artigos de G. sic) publicados nos cader-nos de Giustizia e Liberal, no Avanti! de Paris e emoutros jornais. Julho: pede aTatiana que inicie a pre:tica corn o fim de o transferirem para uma ehfermariade outro earcere. Concedem-lhe a transferencia paraoutra cela menos ruidosa. Agosto: recebe visitas deCarlo e Tatiana. Outubro: a deferido o pedido pars atransfer6ncia de Turi. 0 tribunal especial indefere orecurso relativo a apnea*, do decreto de amnistia deNovembro de 1932. 19 de Novembro: G. deixa a casapenal de Turi, levando consigo, merce de um estrata-gems, os primeiros vinte e um tcadernos do cárcere*.

momentaneamente transferido para a enfermaria docarcere de Civitavecchia. 7 de Dezembro: 6 internado,sob prisão, na clinica do doutor Cusumano, em Formia.Recebe todas as semanas uma visits de Tatiana e visitasde Carlo e do amigo Sraffa. Recomega a estudar e atomar notas.

1934

Abril: apresenta a petigko para ser transferido paraa clinica de doengas nervosas Poggio Sereno, de Fiesole.12 de Julho: a visitado pelo prof. Vittorio Puccinelli,de Roma. 15 de Julho: renova o pedido para ser trans-ferido pars outra clinica, ate porque deve ser operadoa uma hernia. Vert*: apresenta o pedido de liberdadecondicional, baseado no artigo 176.° do COdigo Penal eno artigo 191.° do Regulamento Carcerfirio. 25 de Outu-

bro: a assinado o decreto para a liberdade condicionalde G. 27 de Outubro: sai pela primeira vez da clinicaCusumano, em passeio corn Tatiana.

1935

Sofre um nova crise. 24 de Agosto: deixa a clinicsCusumano, acompanhado pelo prof. Puccinelli, e 6 inter-nado na clinica Quisisana, de Roma. t assistido pelacunhada e pelo irmio Carlo.

1937

Abril . terminado o period() de liberdade condicional,reconquista a plena liberdade. Projecta estabelecer-sena Sardenha. 25 Abril: advern-lhe uma hemorragiacerebral. 27 de Abril: morre de madrugada, assistidopor Tatiana. As suas cinzas esti() inumadas no Cerd-OH° d os Ingleses, ern Rom a. Tatiana e C arlo conseguemsalvar os trinta e dois ecadernos do circeres.

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1910-1914

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OPRIMIDOS E OPRESSORES (•)

de facto maravilhosa a luta travada pela humani-dade ha tempos imemoriveis; luta incessante corn a qualtents rasgar e ferir todos os vinculos que a libidinagemde um so, de uma classe, ou ate de um povo, tentsimpor-Ihe. Esta auma epopeia que teve infuneros herOise foi escrita pelos historiadores de todo o nunado. 0

homem, que ha um certo tempo se sente forte, corn aconsciéncia da prOpria responsabilidade e do prOpriovalor, não quer que ninguem the imponha a sua vontadee pretends controlar as suss acgOes e o seu pensamento.Parece que se trata de UMcruel destino para os huma-nos, este instinto que os domina para quererem devo-rar-se uns aos outros, em vez de confluirem as forgasunidas para lutar contra a natureza e torná-la sempremais iltil para as necessidades dos homens Em lugardisso, quando urn povo se sente forte e aguerrido, logopensa ern agredir os seus vizinhos, para os expulsar eoprimir. Porque 6 claro que cada vencedor quer destruiro vencido. Mas o homem, que por natureza a hipOcritae falso, näo diz claramente: «quer ° conquistar paradestruin, mas aquero conquistar para civilizar). E to-dos os outros, que o invejam mas esperam a sua vezpara fazer o mesmo, fingem acreditar e louvam-no.

Assim se explica que acivilizagfto tenha tardadodemais a expandir-se e a progredir; se explica que as

(•) Ensalo eacolar, manuscrito, provavelmente de Novembrode 1910, quando Grarnsci frequentava o Ultimo ano do IlceuDettori, de Cagliari.

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ragas de homens, nobres e inteligentes, tenham sidodestruidas ou estejam em vias de apagar-se. A aguar-dente e o Opio que os mestres de civilizagao lhesbuiam abundantemente cumpriram a suaobra deleteria.

Depois, urn dia, espalha-se a voz: urn estudanteassassinou o governador ingles da India, ou: os italianosforain batidos em Dogali, ou ainda • os boxers exter-

minaram os missionarios europeus; e entio a velhaEuropa horrorizada pronuncia-se contra os barbaros,contra os incivilizados, e uma nova cruzada é organi-zada contra aqueles povos infelizes.

E olhai: os povos europeus tiveram os seus opres-sores e travaram lutas sanguinosas para se libertarem,e agora levantam estatuas e siml3olos de mármore aosseus libertadores, aos seus herOis, e transformam emreligiao national o culto dos mortos pela pâtria. Masnao venham dizer aos italianos que os austriacos tinhamvindo para lhes trazer a civilizagao: ate as colunas demármore protestariam. Nos, sim, partimos para levara civilizagao e, de facto, agora aqueles povos afeigoa-ram-se-nos e agradecem ao eau a sua sorte. Mas é sa-bido: sic vos non vobis (•). A verdade, pelo contrail°,consiste numa avidez insaciavel que todos tem de explo-rar o seu semelhante, de lhes arrancar aquele poucoque puderam poupar corn privagees. As guerras saofeitas para o comercio, nao para civilizar; os inglesesbombardearam nao sei quantas cidades da China por-que os chineses nao queriam saber do seu ep ic). Que belacivilizagao! E russos e japoneses massacraram-se paraobter o comercio da Coreia e da Manchuria. Dilapi-dam-se as substancias dos individuos, tira-se-lhes todaapersonalidade; nao Basta, port, aos modernos civi-

lizados; os romanos contentavam-se em ligar os van-cidos ao seu carro triunfal, mas depois reduziam a pro-vincia romana a terra conquistada; agora, pelo con-&ado, imp& se que todos os habitantes das coleniasdesaparecam para deixar espago aos novos colonos.

Se depois uma voz de honesto homem se levantapara reprovar estas prepotencias, estes abusos que a

(•) Uns trabalharn e outros recebem a recompense. (N. do T.)

moral social e a civilizagao devidamente compreendidadeveriam impedir, riem-lhe na cara; porque é um lug&nuo e nao conhece todos os maquiavelicos sofismas queregem a vida politica. Nos, italianos, veneramos Gari-baldi; desde pequenos que nos ensinaram aadmiri-lo,Carducci entusiasmou-nos corn a sus lenda garibaldina.Se se perguntasse is criangas italianas o que desejariam

ser, a grande maioria decerto que escolheria o louroher& Recordo-me que numa manifestagao para come-morar a independencia, urn eamarada me disse: masporque é que todos gritam «viva Garibaldi!» e nenhum«viva o rei»? E eu nao fui capaz de dar-Ihe uma expli-cacao Em suma, em Italia, dos vermelhos aos verdesou amarelos, todos idolatram Garibaldi, mas ninguemsabe verdadeiramente apreciar-lhe o alto idealismo; equando os marinheiros italianos foram mandados aCreta para derrubar a bandeira grega algada pelos insur-rectos e repor a bandeira turca, ninguern levantou urngrito de protesto. t verdade: a culpa era dos de Candiaque queriam perturbar o equilibrio europeu. E nenhumdos italianos que naquele mesmo dia provavelmenteaclamava o herei libertador da Sicilia pensou que Gari-baldi, se fosse vivo, teria aparado o embate de todas aspotencias europeias para fazer conquistar a liberdadea urn povo. E depois protestamos quando alguern nosvem dizer que somos urn povo de retericos!

E quern sabe por quanto tempo ainda durara estecontraste. Carducci interrogava-se: «Quando a que otrabalho sera, feliz? E o amor seguro 9 » Mas ainda seespera uma resposta e quem sabe quem sabera da-la.Muitos dizem que tudo o que o homem devia conquistarda liberdade e da civilizagao ja o conquistou, e que so

]he resta gozar o truth das suas lutas. Pelo contrasio,eu creio que existem ainda muitas outras coisas parafazer. Os homens estao apenas envernizados de civi-lizagao; mas mal sao arranhados, logo aparece a peledo lobo. Os instintos sao amansados mas nao destruidose o direito do math forte e o anico reconhecido. A Revo-lugao Francesa abateu muitos privilegios, levantou mui-tos oprimidos; mas nao fez mais do que substituir odominio de uma classe pelo de outra. Porem deixou urngrande ensinamento: os privilegios e as diferengas

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socials, sendo produto da sociedade e nao da natureza,podem ser superados. A humanidade tern necessidadede um outro banho de sangue para cancelar muitasdestas injustigas; que os dominantes n'ao venham aarrepender-se de ter deixado as massas num estado deignorincia e de ferocidade tal como esti.° agora!

NEUTRALIDADE ACTIVA E OPERANTE (•)

Mesmo na extraordirthria confusio que a presentecrise europeia criou nas consciancias e nos partidos,todos estbio de acordo num ponto: o presente moment()histOrico 6 de uma indizivel gravidade, as suas conse-qancias podem ser gravissimas, e ja que tanto sanguese derramou e tantas energias se destruiram, fagamos

de maneira que o maior namero possivel de problemasque o passado deixou insolitveis seja resolvido e a huma-nidade possa retomar a sua estrada sem que uma nuvemde tristezas e injustigas the impece ainda o caminho,sem que o seu futuro possa ser, nos tempos prOximos,atravessado por outra destas catástrofes que venha arequerer de novo um outro, como este, formidável dis-pendio de vida e de actividade.

E nos, socialistas italianos, propomo-nos o problema:«Qual deve ser a fungão do Partido Socialista italiano(repare-se, nao do proletariadoou do socialismoe-ral) no presente momento da vida italiana?)

Porque o Partido Socialista a que consagramos anossa actividade 6 tambem italiano, isto 6 , aquela secgdoda Internacional Socialista que assumiu o dever de can-quistar para a Internacional a nag5.0 italiana, este seudever imediato, sempre actual, confere-lhe caracteris-ticas especiais, nacionais, que o obrigam a assumir navida italiana uma fungdo especifica, uma responsabili-

(•) Assinado A. Gramscl, R Grido del Popoto, 31 de Outu-bro de 1914, secorto <La guerra e le opinloni del soclalistii.

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dade. E urn Estado em potencia, que vai amadurecendo,antagonists. do Estado burgués, que procura, na lutaconstante corn este Ultimo e no desenvolvimento da suadialectica interior, criar os Orgaos para o superar eabsorver. E é autcinomo no desenvolvimento desta sualunch°, nao dependendo da Internacional a nao ser emrelagao ao fim supremo a alcangar e ao catheter que esta

luta deve sempre apresentar como luta de classes.Acerca do modo como esta luta deve afirmar-se nas

va.rias contingencias e do momento em que deve culmi-nar na revolugao, o finico juiz competente e o P. S. I., oUnico que vive e conhece as diversas situageies.

S6 assim podemos legitimar o riso e o desprezo cornque foram acolhidos por nos os improperios de G. Hervee as tentativas de abordagern dos socialistas alemaes,urn e outros falando ern nome da Internacional de quese reputavam interpretes autorizados, quando o P. S. I.baniu a fOrmula da «neutralidade absoluta».

Porque, repare-se, nao a sobre o conceito de neutrali-

dade que se discute (neutralidade, bem entendido, doproletariado), mas sobre o modo desta neutralidade.A fOrmula da meutralidade absoluta» foi utilissima

no primeiro momento da crise, quando os acontecimentosnos apanharam de improviso relativamente imprepara-dos para a sua grandiosidade, porque s0 a afirmagaodogmaticamente intransigente, aguda, podia levar-nosa opor um baluarte compacto e inexpugnavel a primeirainvasào das paixOes, dos interesses particulares. Agoraque da initial situagao caOtica se precipitaram os ele-mentos de confusao e que cada um deve assumir as suasresponsabilidades, aquela so tem valor para os refor-mistas, que dizem nao querer jogar ternos secos (masdeixam que os outros os joguem e os ganhem) e que-riam que o proletariado assistisse como espectador im-partial dos acontecimentos, deixando que estes the criema sua hora, enquanto os adversarios criam a hora delese preparam a sua plataforma para a luta de classes.

Mas os rev olucionarios que concebem a hist6ria comocriacao do prOprio espirito, feita de uma serie Minter-rupta de rupturas operadas sobre as outras forgas acti-vas e passivas da sociedade, e preparando o maxim() decondigeies favoraveis para a ruptura definitiva (a revo-

lugao), nao devem contentar-se corn a fOrmula provis6-ria «neutralidade absoluta*, mas transforms-la na «neu-tralidade activa e operante». 0 que significa devolvervida da nagao o seu genuino e natural catheter de lutade classes, enquanto a classe trabalhadora, obrigandoa classe detentora do poder a assumir as suas responsa-bilidades, obrigando-a a levar ate ao absoluto as premis-

sas de que extrai a sua razao de existir, a aguentarexarne da preparagao corn que procurou chegar ao fimque dizia ser-lhe prOprio, a obriga (no nosso caso, emItalia) a reconhecer que faliu completamente no seuobjectivo, pois conduziu a nagao, de que se proclamava/Mica representante, para um beco sem saida, do qualso podera sair abandonando ao prOprio destino todosaqueles institutos que do seu presente e tristissimo es-tado sao directamente responsaveis.

SO assim sera restabelecido o dualisrno das classes,o Partido Socialista se libertari de todas as exerescen-cias burgueses que o medo da guerra lhe pegou ao corpo

(nunca como nestes Ultimo& dois meses de socialismoteve tantos simpatizantes mais ou menos interessados).E tendo feito tocar corn a mao no pais (que emnem tudo é proletirio nem burgues, dado o pouco inte-resse que a grande rnassa do povo sempre demonstroupela luta politica e, portanto, a muito mais facilmenteconquistavel por quern saiba demonstrar energia e visaoprecisas dos seus destinos), como os que se diziam osseus mandathrios se mostraram incapazes de qualqueracgao, podera preparar o proletariado a substitui-los,prepará-lo para operar a maxima ruptura que assinala aprecipitagao da civilizagao, duma forma imperfeita paraoutra mais perfeita.

Por isso, mais cauto, parece-me, deveria ter sidoA. T. ( 1 ) que, a propOsito do assim chamado caso Musso-

C) Angelo Tasca sustentava no artlgo all mIto della guerra>(24 de Outubro) a linha oficial da dlrecqäo do P.S./., a da neutra-lidade absoluta, finds num apelo aos trabalhadores, langado emJulho, depots de rebentar a Primeira Guerra Mundial. 0 casoMussolini, surgira quando o director do Avanti! tinha avangado(18 de Outubro) a tese da neutralidade relativa. Corn efeito,Tasca reprovava a Mussolini o facto de ter ignorado o processo

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lini, escreveu no passado mimero do Grido. Deveria dis-tinguir entre o que Etas declaragOes do director do Avan-ti! se devia a Mussolini homem «romagnoloa (tambemdisto se falou) e o que era de Mussolini socialists ita-

Nano, em suma, tomar o que de vital podia existir noseu comportamento e sobre isso dirigir a prepria en-tice, reduzindo-o a nada, ou encontrar o piano de con-

ciliagao entre o formalismo doutrinirio da remanescentedirecgao do partido e o cancretismo realista do directordo Avanti!

Mas errado me parece o niicleo central do artigo deA. T. Quando Mussolini diz a - burguesia italiana • «Ideonde os vossos destinos vos chamann, isto 6: «Se vocésconsideram que e vosso dever declarer a guerra a Aus-tria, o proletariado nao sabotara a vossa acgao),renega de facto o seu comportamento perante a guerral ibica que teve com o resultado o que A. T . chama to m itonegativo da guerrax . Enquanto se fala de «vossos des-tinosa deixa-se entender aqueles destinos que pela fun-

gao histOrica da burguesia eulminam na guerra, e estemantem, portanto, mais intenso ainda, conquistada aconsciencia do proletariado, o seu caracter de antiteseirredutivel aos destinos do proletariado.

Nao a um abrago geral o que quer, portanto, Musso-lini, nem uma fusao de todos os partidos numa una-nimidade nacional, porque entao a sua posigao seriaanti-socialista. Ele desejaria que o proletariado, tendoconquistado uma Clara consciencia da sua f orga de classee da sua potencialidade revolucionaria, e reconhecendo,de momento, a prOpria imaturidade para assumir o lemedo Estado (para a fazer a [...] ( 2 ) uma discipline ideal),e permitisse que na histOria deixassem operar as forges

que o proletariado, nao se sentindo em modo de subs-tituir, considera mais fortes. E sabotar uma máquina

tpelo qual o proletariado, a parte melhor do proletariado, vitt naguerra o simboio preciso, mats seguro, mats incontestfivel, doMagma burgues, a expressão mats pura da pr6prla escnvidaode classes. Em poucas semanas, a posiglo de Mussolini sofriaums, verdadeira revlravolta, do neutralismo relativo intervengão.Berta entlo expulso do Partido Sociallsta e fundaria, em 15 deNovembro, Ii Popolo

(•) No texto Yalta uma linha.

(a uma verdadeira sabotagem se reduz a neutralidadeabsolute, sabotagem aceite entusiasticamente, de resto,pela classe dirigente) nao significa que aquela maquinanao seja perfeita e nao seja irtil para qualquer coisa.

Nem a posigao mussoliniana exclui (pelo contrail°,pressuptie-o) que o proletariado renuncie ao seu com-

portamento antagonistico, e possa, depois da falencia ouda demonstrada impotencia da classe dirigente, desem-baragar-se desta e apropriar-se das instituigOescas, pelo menos se eu interpretei bem as sues um poucodesorganizadas declaragOes e as desenvolvi segundo a •

sue prOpria linha.

Eu nao sei imaginer um proletariado que seja comoum mecanismo ao qual, no rues de Julho, foi dada cordscom a chave da neutralidade absolute e que, no mésde Outubro, nao se pode deter sem o perigo de fragmen-tar-se.

Trata-se, pelo contrario, de homens que tem demons-trado, especialmente nestes altimos anus, possuir umaagilidade de pensamento e uma frescura de sensibilidadeque a amorfa e desinteressada massa burguesa estabem longe de cheirar, de uma massa que tem mostradosaber muito bem assimilar e reviver os novos valoresque o renascido Partido Socialista pas em circulagao.0 que acontece a que provalvelmente nos mete medo otrabalho que seria necessario fazer pare the fazer assu-mir este novo papel, que talvez fosse para ele o princi-pio do fim do seu estado de pupilo da burguesia.

Em todo o caso, que a cOmod a posigao da neutrali-dade absolute nao nos faga esquecer a gravidade do mo-

mento e nao faga co m que nos abandonemos, nem sequerpor um instante, a ingenue contemplagao e renfmcia bu-dista dos nossos direitos.

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0 SILABO E HEGEL (*)

TambO m neste pequeno volume ( 1 ), Mario Missirolirecai nas mesmos deficiéncias e nos mesmos erros quetinham sido reprovados a um seu precedente trabalho,La monarchia socialista: concepgao simplista, exposigaomuito sumaria e que teria necessidade de ser particula-rizada e domunentada para ter uma certa eficicia per-

suasiva. Verdadeiramente o autor defende-se antecipa-damente ao escrever na advertancia preliminar: «NI°esquega o leitor que eu prescindo de tudo o que na p sejaa pura lOgica das ideias», mas com isto nao diminui asua suficiéncia. Serve-se desta 'Ogles das ideias para ex-plicar factos histOricos, para justifick-los ou condeni-losimplicitamente, para tragar programas politicos, e tudoisto nao se pode fazer sem sentir a necessidade e, emcerto sentido, o dever moral de documentar as prOpriaselucubragOes. Tratar como problema de cultura, aba-tractamente, uma questa° que tern profundas raizes nahistOria e nas consci6ncias individuais é diletantismo,6 bizantinismo, e nao basta a vivacidade do engenho,

que pode tornar agradivel ate a conversa mais vacua,para justificar esta literatura em que se especializaramprecisamente Missiroli e Goffredo Bellonci.

Missiroli reduz a histOria que se esta desenvolvendoperante os nossos olhos a um so problema, o religioso, esustenta esta tese: no mundo latmo existe uma terrivelcisao nas conscikcias individuais; a criagao do Estado

(*) Assinado Alfa Gams, II Grido dei Popoio, 15 de Janeirode 1916, seccIto eAttualitit librariaz.

( I ) I Papa in guerra, Bolonha, 1915.

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laico surgido como oposigao a autoridade eclesiisticalangou a Europa meridional numa crise da qual s6 apode salvar uma forma social mais perfeita: a teocra-cia, entendida como perfeita unidade do pensamento eda consciancia na vida. Esta unidade existe no mundogermanico. A nagao germanica surgiu de uma crise reli-

giosa, —a reforma protestante consolidou-se e refor-gou-se atraves durna azifama do pensamento filosOficoque a conduziu a criagao do Estado modemo, no quala cidadao 6 tamb6m o crente, visto que o idealismo filo-sOfico, abolindo todos os idealismos e pondo na cons-ciancia individual o factor da consciancia e da actividadecriadora da histOria, o tomou independente de toda aautoridade de qualquer Silabo (•). 0 que aconteceu,pelo contrfirio, em Italia? 0 Ressurgimento italiano foiurn imovimento politico artificial, sem bases, sem raizesno espirito do povo, porque nao foi precedido .por umarevolugao religiosa; o liberalism° de Cavour, separando

o Estado da Igreja, e tornando-o antagonista desta comodeposithria do divino, na realidade cometeu um grandeerro, porque nao fez mais do que despir o Estado do seuvalor absoluto. Urn semelhante erro cometeu a demo-cracia francesa, visto que aceitou em parte os postula-dos do idealismo germanico, abolindo violentamente odireito divino e o legitimismo, mas nao conseguiu des-pir-se completamente do antigo dualismo catOlico, crian-do urn Silabo maga/rico: a justiga absoluta superior ascontingancias histOricas e as forgas humanas preversas,nao criagao, em sums, da vontade, mas imposta por sisobre um trono como o Deus dos catalicos. Eis por pre,segundo Missiroli, nests guerra, o papa 6, na realidade,partiditrio da «Intesas (••), porque nela encontra con-cepg5es semelhantes as suas, tendo a mesma nascente(semita, diriam os nacionalistas) na velha tradigaocrista; o papa pode encontrar-se de acordo com os maga-nicos mas nao corn os alemaes. Nos magOnicos ha a

(•) Sflabo: lista ou indica das doutrinas condenadas pelopapa; eerie de proposighes incluidas pelo papa Pio IX na encfclicaSyttabus, de 8-12-1864. (N. do T.)

(••) Triplice allanca entre a Italia, a Austria e a Alema-nha. (N. do T.)

possibilidade de absorgao porque eles nao substituiramnada em relagao ao catolicismo a nao ser nomes super-fluos; nos alemaes existe, pelo contririo, a solidez grani-tica, inatacfivel, da consciencia da identidade entre odivino e o human, a ideia e o acto, o espirito e a his-t6ria. Hegel matou qualquer possibilidade de Silabo, oque nao fez Rousseau, e do idealismo germanico germi-naram e enxamearam todas as concepgaes anarquicasque criaram o caos na limpida tradigao catalica da la-tinidade.

Seria muito longo e nao adequado ao catheter doGrido discutir e revelar todos os erros em que delira afacil dialectica de Missiroli Importa relevar apenaseste facto: a (mica conclusao a que se pode chegar, par-tindo das premissas do escritor, 6 que o catolicismomatematicamente destinado a desaparecer. Se 6 ver-dade, e como tal o aceita Missiroli, o desenvolvimentohistOrico afirmado por Hegel, pelo qual do catolicismo

se passa ao luteranismo, deste ao livre exame da escolade Tubinga ( 1 ) e, portant°, a filosofia pura que conse-gue finalmente ocupar o lugar que the compete na cons-ciéncia humana, expulsando o b orn velho deus, que entrano reino larvar, porque a que este processo se clever*limitar apenas a Alemanha? A perturbagao que existenas consciancias latinas nao sera um estadio intermedioentre o transcendentalism° cattlico e magOnico e oimanentismo idealista? Se alguma coisa esta guerra eli-minou corn certeza foi a velha concepgao da justigaabsoluta, que se impae por si e nao tem necessidade decanhaes ou de baionetas para se manter. Mesmo que

a Alemanha seja v encida, nao o sera antes de ter impost°aos adversarios asua conce p tho do Estado, da justiga,da forga, ou a que mais se the avizinha para manter oequilibrio.

Quem sairi efectivamente derrotado da guerra seracatolicismo e o Silabo, como entende Missiroli.

Este abstrair-se da hist6ria, este querer conservarprOprio pensamento acima dos factos, das correntes

(') A escola de Tubinga, que floresceu entre os saculos XVMXIX, p6s o problema do cristianismo como problems eminente-

mente histarico.

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sociais que se agitamerenovam continuamente aso-ciedade, para Mtssiroli parece uma prova de forga, deausteridade moral admirivel e de superioridade intelec-tual. E sio, pelo contririo, a intima fraqueza do Pa-pado. Enquanto tudo se renova e renasce, o Papado cortaum a um os lagos que o poderiam ainda tornar uma forgaactiva na histOria. Missiroli ye apenas duas religiOes: o

transcendentalismo catelico e o imanentismo idealistsderivado da Reforma. Na verdade, cada homem tem asua religido, tern a sua fe que the preenche a vida e atorna digna de ser vivida.

Mc/ foi em vac) que Hegel viveu e escreveu. Comonao se nega e não se supera o catolicismo ignorando-o,tambeni nao se supera e am se nega o idealismo igno-rando-o ou tratando-o como uma simples questão decultura.

As questOes de cultura nao ship simples jogos deideias que se resolvam separadamente da realidade. 0officio de comentador das enciclicas papais, neste mo-

mento de inconsciOncia e de politiqueirismo religioso,pode dar soberbas satisfagOes intelectuais no sentidoque deriva do prOprio isolamento, da prOpria compene-tragic) num problema que os outros não sentem e nemsequer entreveem, mas nao faz sair a aranha do buraco.Resolve-se num elegante diletantismo filosOfico que nao

menos triste nem mais serio do que a ignorancia e aincompreensho. Missiroli foi punido no seu prOprio pe-cado : o seu volume tornou-se, para alguns, uma provada actividade catOlica e do Papado que este. outra vezem yoga, enquanto se alguem esth de novo emyoga eapenas Mario Missiroli, verdadeiro papa do seu catoli-cismo, mestre infalivel de um credo que nunca poderh

ter fieis porque já se tornou extra-histOrico, jogo de pa-ciOncia de uma aguda adesho, mas nem por isso menosinconcludente amplificadora de aforismos e afirmagOesque a hist:kia jh superou. Na luta entre o Silabo e Hegel,foi Hegel quern venceu, porque Hegel é a vida do pensa-mento que nao conhece limites e se coloca a si prOpriocomo alguma coisa de transeunte, de superavel, semprerenovivel como e segundo a histOria, e o nab() e abarreira, e a morte da vida interior, é urn problema decultura e nao um facto histerico.

A C 0MEMOR AC AO D E MI SS C AVELL •0

Urn numeroso pablico assistia ontem de manhh, novasto said° do A mbrosio, I comemoragio que da heretics.Miss Cavell ( 1 ) fez Luigi di San Giusto (2).

Comemoragio sada no contend°, ainda que muitoprolixa na forma exterior, literariamente conventionale banal. Parece-nos, porem, que tenha escapado a ora-dora o ponto central do drama espiritual da enfermeira

inglesa, o seu drama intimo, mais interessante do que oexterior drama encenado pela pronta e rigidamente fe-roz justiga militar alema. Esta mulher, depois de terabertamente, francamente, confessado e agravado a sua

culpa, justificando-a orgulhosamente corn o seu patrio-tismo, ao ponto de ser conduzida ao suplicio, declara aoseu confessor: «Agora que me encontro se diante deDeus e da eternidade, dou-rne conta que na v ida o patrio-tismo nao e tudo.) Para San Giusto este particular tor-na-se num puro e simples facto de crOnica, sem impor-tancia e por isso nao merecedor de desenvolvimento.Para nes, em todo este horrendo episOdio da fria legica

militar, é ponto culminante e sugestivo em alto grau.Mas nao vale a pena perguntar aos homens e as mu-

(•) Nan assinado, Avantit, edict) piemontesa, 17 de Janeirode 1916, seceão cll mercato delle parole>.

(') Edith Louisa Cavell (1865-1915), Inla y s, enfermeira numhospital de Bruxelas, fuzilada pelos alemaes por ter ajudadonumerosos prisionelros allados a refuglarem-se em territorioholandes.

(•) Pseud&Arno da escritora Luisa Macina Gervaslo.

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lheres de literatura mais do que podem ver e podem

dar.Percorriamos, escutando a oradora, outras jornadas

tragicas inesqueciveis. Flores vermelhas de sangue de-sabrochavam sobre o pavimento rectilineo da nossa ci-dade, feita de ordem, de tradigao militar, alinhada nosquarteirOes das suas cans monOtonas, coma um regi-ment) do exercito dos velhos duques sabeias. Numa ci-dade afastada da provineia de Le Marche ( 3 ), tees des-conhecidos caiam num dia paradoxalmente consagrado

liberdade estatutazia e serpenteava •par toda a Italiaurn vento de rebelia 0 a demonstrar que o proletariadotinha conquistado uma consciancia nacional, se desciaas estradas e se deixava massacrar em obediencia a umsentimento e a uma disciplina de solidariedade nacional.Assim nos comemoravamos os nossos mortos. Nao cornpalavras vas. Nao corn alu,sOes solugantes a diluidas en-tidades humanithrias, a enquadramentos gerais paravingar uma vida sacrilegamente violentada, mas corn oenquadramento das nossas forgas nas rigidas fileiras da

solidariedade de classe, nas mares ondulantes de homensrudes que desciam aos boulevards citadinos adesfilarperante as portas fechadas dos palidos homens, roidosde raiva contida e de medo. Assim comemoravamos osnossos mortos corn o sangue dos nossos melhores e corna promessa dum amanha melhor.

Por isso nao podemos deixar de sentir ma.goa pelopequeno belga abatido, par Miss Cavell caida sob o chum-bo dum oficial prussiano no cumprimento do seu dever

( 3 ) Em Ancona, em 7 de Junho de 1914, durante uma mani-festagfto antImIlitartsta que culminou corn um comfdo de ErricoMalatesta, as manifestantes foram assinalados, corn tiros de armade fogo, pelos carabineiros. Trés foram os mortos, entre a mul-WM°, e 15 os feridos. Em 8 de Junho o P.S.I. e a COIL procla-maram a grave geral nacional. Em Turim, no decurso de umagrande manifestagao popular, houve recontros entre soldadose operirios, does dos quaffs foram mortos e ono feridos. Numerosostambem os feridos entre os soldados e os carabineiros. (Cf. PaoloSprlano, Torino operaia neila grande guerra, Turim, 1960, pp. 61--67 .)

de caridade. Mas a migoa austera a nossa, que Tao fluiem componentes de rima obrigateria nem se enquadranas delirantes evasivas de um discurso de masa°. Sen.timo-nos presos com p perante o volante de urn autom6-vel que o nosso brago nao pode parar e fechamos dentrode nos a dor que nos enubla as pupilas. Forgas naturaisirresistiveis transbordam par margens de papal de em-

brulho e vemos flutuar cadaveres sobre lividas Aguas,cadiveres de criangas e de mulheres arrancadas de eaue do bergo; e a sua morte parece-nos ainda mais tragicaporque WAD, porque nao torresponde a uma lOgica deacgao, a uma necessidade da prepria conservagao, masunicamente a uma concepgio mecanica do regulamentoda disciplina Mas nao aspergimos os eabelos de cinzas,nem abanamos as ancas coma fazem as carpideiras, pa-gas par um xis conforme o grau da sua comogao. Somasmisculos nas nossas dores com p o somos nas nossasvingangas. E par isso nao podemos tomar-vas a serio,eternos hipecritas, vendedores de .palavras e de fumo

humanitario.Reflectimos ao ler a proclamagao que o duque d'Ar-

tois langou tambem desta nossa Turim, invocando umasolidariedade de classe par parte dos coroados e dos no-bras da Europa para a vinganga do guilhotinamento deLuis XVI, que agoraos belicosos legitimistas francesesquerem beatificar, tendo falido em Vahny a tentativade desforra; permanecemos rigidos perante a vossa novaproclamagao que nao tem ossatura e e urn mercado depalavras. Nao acreditamos na taumaturgia da batutademocratica e da justiga absoluta. Permanecemos rigi-dos na consciencia da nossa amargura e na impotencia

de acgao pela v ossa parte. Mas recordamos.. . Porque nosvingamos os nossos mortos corn o sacrificio, corn o san-gue do math audaz e cam a oferta do mais humilde, enao fazemos brincadeiras de justiga e de direito. E se-remos nos a vingar Miss Cavell, quando privarmos unsda faculdade de violentar, outros da de enganar os bel-gas, os servios e os montenegrinos, vasos de argila entreos macigos vasos de cobra dos exercitos nacionais, eprivarmos tambem os agentes da justiga de classe da fa-

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culdade de massacrar os indefesos camponeses de RoccaGorga (•) e os manifestantes de Ancona.

E num dia que nao vire. muito tarde, nos, proleta-riado internacional, alemão e belga, servio e bülgaro,trances e italiano, inglOs e russo, quando o jogo das for-gas 'histdricas antagonistas retomar o seu ritmo normal,faremos a nossa maneira a comemoracao de Miss Ca-vell e dos seis milheies dos nossos camaradas que ensan-

guinaram os campos da luta infecunda. E o nossosera urn mercado de palavras...

. (•) Em Rocca Gorga (Frosinone), a tropa disparou, em 6 deJaneiro de 1913, contra manifestantes camponesee. Houve Betemortos e uns quarenta feridos, um dos exeldies mais graves antesda guerra.

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SOC I ALISMO E C ULTUR A ( • )

Veio-nos parar is maos, ha algum tempo, um artigono qual Enrico Leone, corn aquela forma complicadae nebulosa que muito frequentemente the é prOpria,repetia alguns lugares-comuns sobre cultura e intelec-tualismo em relagdo ao proletariado, opondo-lhe a prd-tica, o facto histOrico, pelos quais a classe se esti prepa-

rando, corn as suss prOprias maos, para o futuro. Pen-samos ser inittil voltar ao argumento, tratado jé. noGrido e que teve na Avanguardia juvenil um tratamentomais rigidamente doutrinal na polemica entre Bordiga,de NO -poles, e o nosso Tasca (1).

Recordemos dois fragmentos: urn de um romantic°alemao, Novalis (1772-1801), que diz: «0 supremo pro-blema da cultura é o de apropriar-se do prOprio eu trans-cendental, de ser ao mesmo tempo o eu do prOprio eu.Por isso surpreende pouco a completa falta de sentido

(•) Assinado Alfa Gama, I1 Grid& dei ?opal°, 29 de Janeiro

de 1916.( 1 ) No congresso nacional dos jovens sociallstas, reallzadoem Bolonha de 20 a 23 de Setembro de 1912, quanto ao pontorespeitante a reducacile e cultura da juventudes, Tasca polemizoucorn o relator Amadeo Bordiga que sustentava não se deversobrevalorizar a necessidade do estudo ((Lima pessoa não setorna socialista corn a Instructio mas por necessidades mats daclasse a que pertence. ․ ) Tasca, pelo contr . :hie, sublinhava a ur-genets de uma renovaglo cultural, de urn rejuvenescimento Into-lectual, do socialismo Italian°. Bordiga chamou reulturalistassa Tasca e aos que o apolavam. Cf. Avanguardia de 20 de Outubroe 15 de Dezembro de 1912 e Unird, de Salvemlni, de 12 a 26 deOutubro de 1912.

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e inteligéncia dos outros. Sem uma perfeita compreensaode nos, nao se poderio conhecer verdadeiramente os ou-

tros.,0 outro, que resumimos, de G. B. Vico. Vico (no 1.0

Corollario intorno al parlare per caratteri poetici delleprime nazioni, em acienza nuova) da uma interpretagaopolitica do famoso pensamento de Solon que depois SO-crates adoptou quanto a filosofia: *Conhece-te a ti mes-

mo,, sustentando que Solon, corn aquele juizo, quis re-preender os plebeus, que acreditavam ser de origem baixae os nobres de origem divina, levando-os areflectir sobresi prOprios, para se reconhecerem, corn os nobres, deigual natureza humana e, por consequ6ncia, pretende-

rem ser com aqueles igualados em direito civil. E pOe de-pois nesta consciencia de igualdade humans entre ple-beus e nobres a base e a rano histOrica do aparecimentodas repUblicas democraticas na antiguidade.

Nao juntamos por acaso os dois fragmentos. Pare-ce-nos que neles estao diluidos, se nao profusamente ex-pressos e definidos, os limites e os principios sobre os

quais se deve fundar uma justa compreensao do conceitode cultura, mesmo em relagao ao socialismo.

preciso perder o habit() e deixar de conceber acultura como saber enciclopedico, no qual o homemvisto sob a forma de recipiente para encher e amontoarcom dados empiricos, com factos ao acaso e desconexos,que ele depois devera arrumar no cerebro como nas colu-nas de um dicionlrio para poder entao, em qualqueraltura, responder aos varios estimulos do mundo ex-terno. Esta forma de cultura a deveras prejudicial, espe-cialmente para o proletariado. Serve apenas para cnardesajustados, gente que ere ser superior ao resto da

humanidade porque armazenou na memOria uma certaquantidade de dados e de datas, que aproveita todas asocasities pan estabelecer quase uma barreira entre si eos outros. Serve para criar urn certo intelectualismo m-eld() e incolor, tao criticado por Romain Rolland, quepariu uma caterva de presungosos e desatinados, maisdeleterios para a vida social do que os micrObios datuberculose ou da sifilis pars a beleza e sanidade fisicados corpos. A estudantada que sabe um pouco de lathee de hist6ria, o advogado que conseguiu arrancar um

canudo a indol6ncia e ao deixa-correr dos professores,acreditario ser diferentes e superiores mesmo em rela-g ao ao melhor operfirio especializado que preenche navida um papel bem preciso e indispensavel e que, nasua actividade, vale cem vezes mais do sue valem osoutros na sua. Mas esta nao a cultura, e pedanteria,nao a inteligencia mas bagagem intelectual, e contraela se reage com razao.

A cultura a uma coisa bem diversa. E organizagao,disciplina do prOprio eu interior, 6 tomada de posse daprOpria personalidade, a conquista de consciéncia supe-rior pela qual se consegue compreender o prOprio valorhistOrico, a pr6pria fungal° navida, os prOprios direitose os prOprios deveres. Mas tudo isto nao pode acontecerpor evolugao espontanea, por acgOes e reacgOes indepen-dentes da prOpria vontade, como acontece na naturezavegetal e animal, em que cada coisa selecciona e espe-cifica inconscientemente os prOprios Orgaos, por leifatal das coisas. 0 homem a sobretudo espirito, isto e,criagao histOrica e nao natureza. Nao se explicaria de

outro modo a raid° por que, tendo sempre existido ex-plorados e exploradores, criadores de riqueza e seusconsumidores egoistas, nao se tenha ainda realizado asocialismo. E que so grau a grau, estrato a estrato, ahumanidade adquiriu consciéncia do seu pr6prio valor econquistou o direito de viver independentemente afir-madas num tempo precedente. E esta consciéncia for-mou-se nao sob o ferrao brutal das necessidades fisio-lOgicas, mas pela reflexao inteligente, primeiro poralguns e depois por toda a classe, sobre as rathes decertos factos e sobre os meios considerados melhorespara os converter de ocasiao de vassalagem em insignia

de rebeliao e de reconstrugao social. Isto quer dizerque cada revolugao foi precedida por um intenso traba-lho de critica, de penetragao cultural, de permeabiliza-ga o de ideias atrav6s de agregados de homens, primeirorefractarios e somente virados para resolver dia a dia,hora a hora, o seu problema econOmico e politico, semlagos de solidariedade corn os outros que se encontramnas mesmas condiglies. 0 Ultimo exemplo, o mais pro-ximo de nos e por isso menos diferente do nosso, 6 o daRevolugao Francesa. 0 periodo cultural anterior, cha-

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mado Iluminismo, tao difamado pelos criticos faceisda raziio te6rica, nao foi de facto ou, pelo menos, naofoi completamente, aquele esvoagar de superficiais inte-ligencias que discorriam de tudo e de todos corn igualimperturbalidade, que se supunham homens do seu tem-po s6 depois de ter lido a Grande Encielopadia de D'Alem-bert e Diderot, nao foi, em sums., se urn fenOmeno de

intelectualismo pedantesco e arid°, semelhante ao quevemos diante dos nossos olhos e que encontra a suamaior explicagão nas universidades populares de infimaordem. Foi uma magnifica revolugao, pela qual, comonota corn agudeza De Sanctis na HistOria da LiteraturaItalians, se tinha formado em toda a Europa, como umaconsciEncia unitfiria, uma internacional espiritual bur-guesa sensivel em cada sua parte as dores e as desgragascomuns e que era a preparagao melhor para a revoltssanguinosa que depois se verificou em Franca.

Em Italia, em Franca e na Alemanha discutiam-seas mesmas coisas, as mesmas instituigOes, os mesmos

principios. Cada nova pega de Voltaire, cads novo pan-fleto, eram a faisca que passava pelos fios ja esten-didos entre Estado e Estado, entre região e região, eencontrava os mesmos apoios e os mesmos opositorespor toda aparte e contemporaneamente. As baionetasdos exercitos de Napoleao encontravam a estrada jaaplanada por um exercito invisivel de livros, de opfiscu-los, enxameados de Paris desde a primeira metade doskulo XVIII e que tinham preparado homens e institui-gOes para a renovagão necessiria. Mais tarde, quando osfactos de Franca consolidaram as consciéncias, bastavaum motim popular em Paris para desencadear outrosseraelhantes em Milao, Viena e nos mais pequenos cen-tros. Tudo isto parece natural, espontaneo aos precipi-tados mas, pelo conträrio, seria incompreensivel se naose conhecessem os factores de cultura que contribuirampara criar os estados de ammo prontos para as explos8espor uma causa que se julgava comum.

0 mesmo fen6meno se repete hoje corn o socialismo.atravês da critica da civilizagio capitalista que se for-

mou ou se esti formando a consciéncia unitiria• do pro-letariado, e critics quer dizer cultura e nao evolugiioespontinea e naturalists. Critica quer dizer, corn efeito,

a conscidncia do eu que Novalis apresentava como fimpars a culture.. Eu que se opOe aos outros, que se dile-rencia e, tendo-se criado uma meta, julga os factos e osacontecimentos para além de si e pars si, ate como valo-res de propulsao ou de repulsa. Conhecer-se a si pro-prio quer dizer ser ele pr6p rio, isto 6, ser dono de si prO-

prio, distinguir-se, sair do caos, ser urn elemento deordem, mas da prOpria ordem e da prdpria disciplinaque tendem pan um ideal. E nao se pode obter istose nao se conhecem tambem os outros, a sua histOria,o desenrolar dos esforgos que fizeram para seremo que Sao, para criar a civilizagao que agora quere-mos substituir pela nossa, quer dizer, ter nogOes decorno é a natureza e as suas leis pars conhecer asleis que governam o espirito. E aprender tudo sem per-der de vista o objectivo Ultimo que é o de conhecer-semelhor a si pr6prio atraves dos outros e os outros atra-yes de si prOprio.

Se é verdade que a histeria universal 6 uma cadeia

de esforgos que o homem desenvolveu parase libertarde privilégios, de preconceitos e de idolatrias, nao sepercebe porque a que o proletariado, que um outro anelquer ligar aquela cadeia, nao deva saber como e por-qué", por quem, foi precedido e que utilidade pode tirar'deste saber.

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VOZES DAL2M-TOMULO ( •)

Ishis que fomos e somos internacionalistas de facto,se-to-emos amanhi tambem de direito, porque nao epossivel que os socialistas alemaes e muito menos osfranceses, ingleses e russos, que aceitaram a guerraem sua casa, nos queiram condenar.

Assim refere Guido Podrecca, na sua conferencia no

salio Ghersi, toda estriada daquela ligeireza e daquelaimprudencia charlatanesca que foi uma das causas maio-res do seu afastamento da vida politica e da sua morte,infelizmente muito precoce. Porque Guido Podrecca es-quece que jà antes da guerra ele tinha sido sepultadocorn todas as horns, que a tiragem do seu folheto anti-clerical ( 1 ) tinha descido espantosamente, e que ja so otornavam a seri°, em 'Ulla, os sacristEes e os pkrocos deprovincia, que do alto do piilpito clamavam contra oAnticristo em presenga da multidão estarrecida. 0 pro-letariado, ja educado pela experiencia viva e palpitanteda luta de classes, estava farto deste falso profeta que,corn toda a superficialidade fktua de uma cultura devarredor, continuava corn o velho anticlericalismo des-miolado e fantasioso, mostrando no padre o eterno ini-

(•) NAo assinado, Avanti!, ediglo piemontesa, 10 de Abrilde 1916, secgdo <Sotto la Mole,.

( 2 ) semanftrio anticlerical L'Asino, fundado em 1892.G. Podrecca, expulso do Partido Socialists em 1912, juntamentecorn os reformistas de direita Bissolati e Bonomi, foi dos pri-metros a aderir ao fascismo.

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migo, o 6nico inimigo, falseando inconscientemente a

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hiatOria e entorpecendo 0 curso limpido das lutas so-ciais. Quem tinha superado os Bevione ( 2 ), os Castellinie os Piazza do jornalismo 4giolittianos., quando elogia-vam a fertilidade, a fecundidade, da terra prometida daLibia, ja, nao tinha o direito de pertencer a familia doproletariado italiano, e a sua expuls5.o, breve e deci-dida, n5.0 provocou desgostos nem ecos de dor. 0 ramoseco caia da arvore vigorosa por esgotamento da seiva

vital e o fogo fituo delirante, nas suas anedotas demau gosto, era reabsorvido pela terra gorda - dos cemi-terios. Era passado o tempo em que o socialismo, parase apoiar nas massas desorganizadas, se entretinha corntodos os ocos esandalos, e batia e rebatia desesperada-mente a todas as portas e se perdia nos blocos demo--magOnicos, para se poder afirmar ou para fazer escor-regar no tumulto de rim a propaganda de um principioseu, todo seu. 0 processo de individualizagalo tinha-secompletado e comegava o do isolamento, de oposigio atodos os primos de primeiro, segundo e terceiro graus,que se agarravarn a triunfalmente robusta nova persona-

lidade. E Podrecca e secios foram expulsos, e passarama pre-histOria, ao caos, ao reino do indistinto. A suavoz chega ja fraca e desafinada aos nossos ouvidos, comouma voz de al6m-tfunulo. 0 juizo 6 inapelavel, honrosasvitimas da intransigincia e do dominicanismo socialista.Continuem a revistar nas fossas, a pesca de eseandalosde sacristia, a palrar contra a Kultur alemE, contraRant, contra todos os que esta() muito alto, para que asvossas unhas de meninos enfadados possam arranhar.Continuem a agarrar-sea fogueira de Giordano Brunopara fazer saltar uma fagulha de popularidade. De facto,Giordano Bruno ensinou que se deve ser implacivel con-tra os que estio em erro e que, quando se quer obteruma saida e fazer triunfar uma verdade, 6 necessárioisolar-se, ser intransigents e dominicano.

( s ) Giuseppe Bevlone, ex-envtado especial de La Stamps;deputado naclonallsta em 1914, passou a Gazzetta del Papal°.

VELHARIAS (•)

Acusam-nos de sermos velhos. Riem-se ate de nosporque nâo mantemos todas as promessas, .porque pro-metemos mais do que podemos manter. Em certos mo-mentos, imersos como estamos nests vida tumultuosaque nos circunda, sensiveis como somos as censuras,cara iradamente zombeteira dos nossos adversirios, sen-timos tambem n6s como uma diminuigdo de nos pro-prios, parece-nos que de facto somos decrepitos, que naoconseguimos fazer sair dos libios a palavra definitiva,a palavra que de forga aos nossos ergios, que emprestevigor aos membros contraidos e os tone elásticos, aptospara a luta e para a conquista fecunda.

Mas uma breve reflexao expulsa este pessimismo.Sentimo-nos velhos porque o destino perverso nos feznascer numa idade velha. Sao velhos o ar que respira-mos, as instituigOes que nos regem, os homens corn osquais estamos em luta. A cada golpe vigoroso contraeste grupo de vermes, urna baforada de velhice obtura--nos o nariz; cada vez que agitamos esta materia emdecomposigdo 6 tal o nojo que nos investe que ineluta-velmente nos sentirnos tamb6 m nos contaminados. Como

Lao-Tse da lenda chinesa, somos velhos criancas, genteque nasce aos oitenta anos. Urn cOmulo de tradic5espassa sobre n6s, e devemos dobrar os rins para o supor-tar; leis centerthrias vinculam a nossa actividade actual

(•) NAo assinado, Avanti!, edlcAo piemontesa, 13-7-1916,secglo (Sotto la Mole).

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o esforgo para assuperar deve sintetizar todos osesforgos das geragOes passadas, que nao se recusaram

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a combater •or n6s, para nos abrir uma estrada menoscheia de espinhos e de obstAculos que, individualmente,MID silo nada e, no conjunto, silo formidiveis. Faltava--nos a guerra para nos atirar sobre os membros estecolchio amolecido de preconceitos, para fazer dos mui-tos fins subtis de seda uma rede inextrickvel.

Mas nao a palavra de desconforto, a nossa. E pre-

ciso, pelo contririo, ter bem presente diante dos olhoscidos o obsticulo complexo para melhor o trespassercorn o golpe do mago. A visão da vida social, como senos oferece assim integral, renova a confianga e o pro-p6sito que so poucos podiam ter no passado. Os pre-prios camaradas de luta nos chamararn misticos darevolugio; e eramo-lo no passado, porque a nossa eraapenas intuigão da realidade, nao representagao plas-tics, viva, do que se devia abater. Onde todos viam ape-nas tfactos) singulares, «posigties) singulares a con-quistar corn paciöncia para chegar finalmente ao cimo,viamos urn muro compacto sobre o qual despejar, corn

um acto entrgico e voluntizio, a rnassa das nossas for-gas.

Ou tudo ou nada, diziamos nos. E a guerra deu-nosOu tudo ou nada deve ser o nosso programa de

amanha.. 0 golpe de mago, nao o despedagar paciente emet6dico. A avalanche irresistivel, nao a luta de tou-peira das trincheiras fetidas. Somos jovens velhos. Ve-lhos pelo acumular enorme de experiencias que em poucotempo armazenimos, jovens pelo vigor dos mUsculos,pelo desejo irresistivel de vitOria que nos avassala. Anossa geraggo de velhos jovens 6 a que deveri realizar

socialismo. Os nossos adversários esvaziaram-se no

enorme esforgo despendido para defender, cada urn de-les, o seu campo. Pois bem, sobre este tronco verdadeira-mente decrepit° vibramos o golpe final do nosso mago eanossa hors chegara, solta pela nossa vontade irresis-tivel mar decerto reflexiva.

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LUTA DE CLASSES E GUERRA (•)

A doutrina de Karl Marx demonstrou tambem ulti-mamente a sua fecundidade e a sua eterna juventude,oferecendo Ian conteUdo lOgico ao programa dos maisactivos adverthrios do Partido Socialista, aos nacionalis-tas. Corradini saqueia Marx depois de o ter vituperado.Transporta da classe para a nag5.0 os principios, asconstatagOes, as criticas do estudioso de Treveris; falade navies prolethrias em luta contra nagOes capitalistas,de nagOes jovens que devem substituir, pan o desenvol-vimento da histOria mundial, as nageies decrepitas. E

acha que esta luta se explica pela guerra, se afirma naconquista dos mercados, na subordinagalo econOmica emilitar de todas as nagOes a tuna sO, aquela que, atravesdo sacrificio do seu sangue e do seu bem-estar imediato,demonstrou ser a eleita, a digna.

Por isso Corrandi trio combate, corn palavras, aluta de classes. cSuprimir a luta de classes — diz ele —

o mesmo que suprimir a guerra. Não a possivel. Am-bas silo vitais, uma no interior das nagaes, a outra fora.Servem para movimentar e reabastecer de materialhuman fresco, classes, nagOes, o mundo., Mas esteassalto as ideias marxistas para fins nacionalistas tern odefeito de todas as adaptagOes arbitririas: falta-lheuma base teOrica, nao se apoia em nenhuma experiénciatraditional, pelo que, do ponto de vista da legica for-mal, o raciocinio de Corradini a perfeito, mar perde todoo valor quando se quer tornar norma de vida, conscién-cia de um dever. A histOria nao mostra exemplos deurn igual a urn; esta igualdade a fOrmula matem5.tica,

(•) NSo assinado, Avanti!, edig5.0 plemontesa, 19 .8-1916 , sec-gito «Sotto la Mole«.

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nao verificagio de relagao entre dual realidades afirma-das no passado ou actuais. Fulano é apenas igual a si

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prOprio; nao Fulano crianga igual a Fulano homem adultoE assim a classe nao é igual a, nagao e, portanto, naopode ter as mesmas leis. A prova é que, depois de afir-mado o principio, o prOprio Corradini pOe tars limitagOesque acaba, sem dar por isso, por arruinar toda a cons-truck). Afirma que é preciso ensinar ao proletariado amaxim° respeito pela produgao.

E por producho entende o capitalismo national, istoo complexo de actividades económicas, boas e mks, na-

turais e ficticias, que em parte servem para aumentara riqueza investida em mhquinas e instalagOes [uma pa-lavra censurada] , os socialistas querem socializar a ex-ploragao e, em grande parte, vivem dos danos do bem--estar geral e, portanto, especialmente do do proleta-riado. E respeitar isto parece um tanto dificil para osproletfirios, os quais nao travam a luta de classes so-mente para aumentar os salarios, como ere Corradini,naturalmente admirador dos reformistas nationals, masespecialmente para substituir a prOpria classe que tra-

balha a dos capitalistas que a fazem trabalhar. E istopor aqueles principios fundamentais do espirito humano,pelos quais cada homem quer que a sua actividade sejaautOnoma e nao subordinada a vontade e aos interessesde outros. E corno a burguesia francesa, exaltada porCorradini, lutou pela sua autonornia econemica e atin-giu conternporaneamente tambem a realizagao da auto-nomia national, que antes nao existia, assim agora oproletariado internacional luta por uma coisa que aindanao existe, porque se luta sempre para alcangar qual-quer coisa que ainda nao se possui.

E esta nagao prolethria, que e a unificagio de todosos proletkrios do mundo, supera a nagao do mesmo modoque Karl Marx, que nutria a sua logics corn a realidadehistOrica, 6 superior a Enrico Corradini, que se divertea encher a vasilha sem fundo da legica formal corn ostornados periodos da lingua italiana, do mesmo modocomo aluta de classes, moral porque universal, supersa guerra, imoral porque particularista, e feita nao porvontade dos combatentes mas por urn principio que esternao podem partilhar.

A HISTORIA (*)

Dal a vida toda a vossa actividade, toda avossa fa,todo o abandono sincero e desinteressado das vossas me-lhores energias. Mergulhai ainda, criaturas vivas, novivo e palpitante futuro humano, ate vos sentirdes umbloco corn ele, ate o receber todo ern yes mesmos e sen-tir a vossa personalidade atomo de urn corpo, vibranteparticula de um todo, corda sonora que recebe e trans-mite todas as sinfonias da histOria que vos sentis decontribuir e criar. Ndo obstante este abandono completo

a realidade ambiente, nao obstante esta ligagio dovosso individuo ao jogo complicado das causes e feitosuniversais, sentis de improviso o sentido de qualquercoisa que vos falta, necessidades vagas e dificilmente de-terminaveis, aquelas necessidades a que Schopenhauerchamava metafisicas.

Estais no mundo mas nao sabeis porque. Operais,mas nao sabeis porque. Sentis o vazio e desejais justifi-cagOes para o vosso existir, operar, e parece-vos que n5.°vos bastam as razOes humans, porque, andando decausa em causa, chegais a urn ponto em que, para coor-denar e regular o movimento, tendes necessidade de uma

razao suprema, fora do conhecido e do conhecivel paraser explicada. Tal corno alguern que olhando para o ceu esubindo de piano em piano no espago que a eienciamediu sente sempre maiores dificuldades no seu fan-

(•) NAo assinado, Avanti!, edicao piemontesa, 29-8-1916,secgdo (Sotto la Mole>.

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tistico vagabundear pelo infinito, chega ao vazio e naopode conceber este vazio absoluto. Entao povoa-o incons-cientemente de criaturas divinas, de entidades sobrena-

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turais que coordenam o movimento vertiginoso e toda-via lOgico do univ erso. 0 sentimento religioso compOe- sedestas aspiragOes vagas, destes instintivos e interioresraciocinios sem saida. E a todos permanece um certovestigio no sangue, um certo &emit°, mesmo em relagaoaos que mais fortemente conseguiram dominar estas

manifestagOes inferiores, porque instintivas, porque im-pulsivas, do prOprio eu.Mas 6 a prOpria vida quem as vence, 6 a actividade

histOrica quem as cancela. Produtos da tradigao, dep6-sitos instintivos de milenirias 6pocas de terror e de igno-rancia da realidade circunstante, procura-se perseguiras suas origens. Explick-las quer dizer superi-las. Tor-ni-las em objecto de histOria quer dizer reconhecer asua vacuidade. E entao se retorna a vida active, sen-te-se mais plasticamente a realidade da histOria. Re-conduzindo para esta nao so o facto mas tambem o sen-timento, acaba por reconhecer-se que so nela este. aexplicagio da nossa existencia. Tudo o que a susceptivel

de hist6ria nao pode ser sobrenatural, nao pode ser oresfduo de uma revelagio divina. Se alguma coisaainda inexplicável, isto a somente devido ao nosso im-completo conhecimento, a ainda nao alcangada perfeigaointelectual. E este facto pode tornar-nos math humildes,mais modestos, mas nao ao ponto de nos langar nosbragos da religiao. A nossa religido volta a ser a his-Ulna, a nossa fe volta a ser o homem e a sua vontadee actividade. Sentimos este impulso enorme e irresisti-vel que nos vein do passado, sentimo-lo no bem que nostraz, dando-nos a energica seguranga de que o quefoi possivel se-lo-a ainda, e corn maiores probabilidades

porque aproveitOmos da experiéncia dos outros. E senti-mo-lo no mal, nester residuos inorganicos de estados deammo superados. E assim nos encontramos inevitavel-mente em antitese corn o catolicismo, afirmando-nosmodemos. Porque sentimos o passado vivificar a nossaluta, mas domado, servo e nao patrao, iluminante e nipopressor.

OS JORNAIS E OS OPERARIOS (•)

E a epoca da publicidade para as assinaturas. Osdirectores e os administradores dos jornais burguesesarrumam as suas montras, passam uma mao de tintapela tabuleta e chamam aatengao do passante (isto e, doleitor) para a sua mercadoria. A mercadoria a aquelafolha de quatro ou seis p5.ginas que todas as manilas outodas as tardes vai injectar no espirito do leitor osmodos de sentir e de julgar os factos da actualidade po-litica que mais convem aos produtores e vendedores depapel impresso. Estamos dispostos a discorrer, com osoperirios especialmente, sobre a importincia e a gra-vidade daquele acto aparentemente tao inocente queconsiste em escolher o jornal que se pretende assinar?tuma escolha cheia de insidias e de perigos que deve-ria ser feita corn consciéncia, corn criterio e depois deamadurecida reflexao. Antes de mais, o operdrio devenegar decididamente qualquer solidariedade corn o jor-nal burgues. Deveria recordar-se sempre, sempre, sem-pre, que o jornal burgues (qualquer que seja a sua cor)6 um instrumento de luta movido por ideias e interessesque esti.° em contraste corn os seus. Tudo o que se pu-

blica a constantemente influenciado por uma ideia: ser-vir a classe dominante, o que se traduz sem dUvida numfacto: combater a classe trabalhadora. E, de facto, daprimeira a Ultima linha, o jornal burgues sente e revelsesta preocupagao. Mas o pior reside nisto: emvez de

(*) Não assinado, Avant'', edigtio piemontesa, 22-12-1916,seccilo <Macon] di etagion1),

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pedir dinheiro a classe burguesa para o subvencionar naobra de defesa exposta em seu favor, 0 jornal burgues

recido ao jornal burgues que o langara depois, no mo-ment° oportuno, contra a massa operitria.

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consegue fazer-se pagan.. pela prOpria classe trabalha-dora que ele combate sempre. E a classe trabalhadoragaga, pontualmente, generosamente. Centenas de milha-res de operarios contribuem regularmente todos os diascorn o seu dinheiro para o jornal burgues, aumentandoa sua potencia. Porque? Se perguntarem ao primeiroopera.rio que encontrarem no electric° ou na rua, corn afoiha burguesa desdobrada a sum frente, ouvirdo estaresposta: cPorque tenho necessidade de saber o que hade novo.. E nao the passa sequer pela cabeca que asnoticias e os ingredientes com os quais sao cozinhadaspodem ser expostos corn um a arte que dirija o seu pensa-mento e influa no seu espirito em determinado sentido.E, no entanto, ele sabe que tal jornal é conservador, queoutro 6 interesseiro, que o terceiro, o quarto e o quintoestao ligados a grupos politicos que tem interesses dia-metralmente opostos aos seus. Todos os dias, pois, su-cede a este mesmo operkrio a possibilidade de poderconstatar pessoalmente que os jornais burgueses apre-

sentam os factos, mesmo os mais simples, de modo afavorecer a classe burguesa e apolitica burguesa cornprejuizo da politica e da classe operaria. Rebenta umagreve? Para o jornal burgues os operirios nunca temrano. Ha uma manifestagao? Os manifestantes, apenasporque sex) operarios, sac; sempre tumuituosos, faccio-sos, malfeitores...

0 Govern aprova uma lei? E sempre boa, ail ejusta, mesmo se... nao é verdade. Desenvolve-se umacampanha eleitoral, politica ou administrativa? Os can-didatos e os programas rnelhores sao sempre os dospartidos burgueses.

E nao falemos daqueles casos em que o jornal bur-gues ou cala, ou deturpa, ou falsifica pars enganar,iludir e manter na ignorancia o pfiblico trabalhador.

Apesar disto, a aquiescencia culposa do operario emrelacio ao jornal burgues é sem limites. E preciso rea-gir contra ela e despertar o operirio para a exactaavaliagao da realidade.

preciso dizer e repetir que a moeda atirada dis-traidamente pars a mao do ardina 6 urn projectil ofe-

Se os operirios se persuadissem desta elementaris-sirna verdade, aprenderiam a boicotar a imprensa bur-guesa, em bloco e corn a mesma disciplina com que aburguesia boicota os jornais dos operirios, isto 6, aimprensa socialista.

Nao contribuam com dinheiro para a imprensa bur-

guess que vos 6 adversaria: eis qual deve ser o nossogrito de guerra neste momento, caracterizado pela campanha de assinaturas, feita por todos os jornais bur-gueses.

Boicotem-nos, boicotem-nos, boicotem-nos!

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HOMENS OU MAQUINAS? (*)

A breve discussio ocorrida na Ultima reuniiio entreos nossos camaradas e alguns representantes da maio-ria a propOsito dos programas para o ensino profissionalmerece ser comentada, ainda pie breve e resumidamente.A observacao do camarada Zini,(cA corrente humanis-tica e a profissional chocam-se ainda no campo doensino popular; e necessArio conseguir fundi-las masnao se deve esquecer que antes do operirio existe ainda

o homem, ao qual nao se deve impedir a possibilidadede movimento nos mais amplos movimentos do espiritopara o submeter depois a nthquinas) e os protestos doconselheiro Sincero contra a filosofia (a filosofia encon-tra especialmente adversdrios quando proclama verda-des que ferem os interesses particulares) nao Edo simplesepis6dios polemicos ocasionais: ado choques necessariosentre quern representa principios fundamentalmente di-ferentes.

0 nosso Partido Trio apresentou ainda um _pro-

grama escolar concreto que se diferencie dos tradicio-hlis. Contenthmo-nos, ate agora, em afirmar o, principiogeral da necessidade da cultura, seja elementar, profis-

sional ou superior, e desenvolvemos este principio, pro-pagandeamo-10 corn vigor e energia. Podemos afirmarque a diminuicão do analfabetismo em Italia nao sedeve tanto a lei sobre o ensino obrigatOrio quanto

(•) Ntio aselnado, Avant{!, ectigtio plemonteea, 24-12-1916,seccito (La scuola e t socialietb.

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vide espiritual, ao sentimento de certas e determinadasnecessidades da vida interior, que a propaganda socia-

tecnicas e profissionais. As tecnicas instituidas corn-Friterios democraticos pelo ministro Casati, sofreram

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lista soube suscitar nos estratos proleterios do povoitaliano. Mas nao fomos mais longe Em Italia, a escolacontinua a ser urn organismo francamente burgues, nopior sentido da palavra. A escola media e superior, que

é do Estado, isto é, paga corn as receitas gerais e, por-

t tanto, tambem corn os impostos directos pagos pelo

. 4 proletariado, s6 pode ser frequentada por jovens filhosda burguesia, que gozam da independencia econOmicanecessesia pare a tranquilidade dos estudos. Urn pro-letfirio, mesmo inteligente, mesmo se possuidor dos ele-mentos necessärios para se tornar num homem de cul-ture, 6 obrigado a dissipar as suas qualidades emactividade diverse, ou a tornar-se num frustrado, numautodidacta, isto é (corn as devidas excepgaes), nummeio homem, um homem que nao pode dar tudo o queestaria ao seu alcance se se tivesse completed° e for-talecido na discipline da escola. A culture é urn privi-legio. A escola é urn privilegio. E nä° queremos que oseja. Todos os jovens deveriam ser iguais em relagão

culture. 0 Estado nao deve pager corn o dinheiro detodos aescola pare os mediocres e deficientes, filhosdos abastados, enquanto exclui os inteligentes e capazes,Mhos dos proletários. A escola media e superior deveser feita 56 para aqueles que sabem demonstrar serdignos de a frequenter. Se é do interesse geral que elaexista e seja mantida e dirigida pelo Estado, a tamberndo interesse geral que a ela possam ter acesso todos osinteligentes, qualquer que seja a sua potencialidademortice. 0 sacrificio da colectividade justifica-se s6quando é usado em beneficio de quern o merece. Parisso o sacrificio da colectividade deve servir especial-

mente pare dar aos que merecem aquela independenciaeconômica que é necessaria para poder dedicar tranqui-lamte o tempo ao estudo e poder estudar seriamente.

lJ 0 proletariado, que a excluido das escolas deculture media e superior pelas actuais condigees dasociedade que determinam uma certa discriminagao doshomens, nao natural porque nao baseada nas diferentescapacidades e, portanto, destruidora e inquinadora daprodugao, deve ser atirado para as escolas colaterais:

uma transformagao, pelas necessidades antidemocriti-cas do orgamento estatal, que as desnaturou em grandeparte. Acabaram por se tornar em inutilidades dasescolas classicas e num escoadouro inoeente da maniade emprego pequeno-burguesa As taxes de inscrigioem continua ascensao e as possibilidades determinadas

que oferecem para a vida pritica tornaram-nas tarn-bem num privilegio de que, de resto, o proletariadose ye excluido, na sua maior parte, automaticamente,pela vida incerta e aleatOria a que é obrigado o assa-lariado; vida que nao 6, decerto, a mais propicia paraseguir corn proveito urn curso.

3.' Para o proletariado é necessiria uma escoladesinteressada. Uma escola em que seja dada a criangaa possibilidade de formar-se, de se tornar homem, deadquirir os principios gerais que servem para o desen-volvimento do catheter. Uma escola humanists, emsuma, como a entendiam os antigos e os mais recenteshomens do R enascimento. Uma escola que nao hipotequeo futuro da crianga e nao obrigue a sua vontade, a suainteligencia e a sua consciencia em formagao a mover-senum sentido pre-estabelecido. Uma escola de liberdadee de livre iniciativa e nao uma escola de escravidio emecanica. Tambem os filhos dos proletarios devem usu-fruir de todas as possibilidades, todos os campos livrespare poder realizar a sua prbpria personalidade nomelhor sentido e, portanto, no modo mais produtivopara eles e para a colectividade. A escola profissionalnao deve tornar-sepuma incubadora de pequenos mons-tros aridamentenstruidos para uma profissao, semideias gerais, sem culture geral, sem alma, s6 corn urn

golpe de vista infalivel e a mao firme Mesmo stray&da culture profissional se pode fazer transformar acrianga em homem, contanto que seja culture educa-tive e nao apenas informative, nao apenas pritica ma-nual. 0 conselheiro Sincero, que é urn industrial, 6 urnmesquinho burgues quando protesta contra a filosofia.

( 1 ) o texto: avidamente..>

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Decerto que pare os industrials mesquinhamente bur-gueses pode ser math ail ter operirios-maquinas em vez

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de operarios-homens. Mas os sacrificios a que toda acolectividade se sujeita voluntariamente pars se tornarmelhor e para fazer nascer do seu mein os melhorese os mail perfeitos homens que a levantem ainda mathdevem beneficiar toda a colectividade e nao apenas umacategoria ou uma classe.

t um problema de direito e de forca. E o proletariado

deve ester alerta para nao sofrer outra opressio, pareal6m das que ja. sofre. A UNIVERSIDADE POPULAR (•)

Temos perante os nossos olhos o programa da Uni-versidade Popular para o primeiro periodo 1916-1917.Cinco cursos: &és dedicados as Ciencias Naturals, umde Literatura Italiana e um de Filosofia. Seth conferen-cies sobre argumentos varies: apenas dois deles ofere-cem, a partir do titulo, uma certa garantia de seriedade.Perguntamo-nos, as vezes, porque 6 que nao foi pos-sivel solidificar em Turim um organismo para a divul-

gagao da culture, porque 6 que a Universidade Popularaquela misera coisa que e e nao conseguiu impor-se

a atencao, ao respeito, ao amor do pablico, porque 6 quenao conseguiu formar um miblico. A resposta nao

ou a muito facia. Problema de organizacao, semdirvida, e de criterios informativos. A melhor respostadeveria consistir em fazer alguma coisa de melhor, nademonstragao concrete que se pode fazer melhor e que6 passive' reunir urn pablico a volta de um fogo deculture, contanto que este fogo seja vivo e aqueca deverdade. Em Turim, a Universidade Popular a umachama fria. Nao 6 nem universidade nem popular. Os

seus dirigentes sae diletantes ern mat6ria de organizegiode culture. 0 que os faz operar 6 urn brando e palidoespirito de beneficencia, nao urn desejo vivo e fecundode contribuir para a elevaga° espiritual das massasatraves do ensino Como nas instituigdes de vulgarbeneficencia, aqueles distribuem, na escola, uma quan-

(•) Nao aseinado, Avant{!, edigio piemontesa, 29-12-1916.

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tidade de viveres que enchem o estOmago, produzem(quem sabe!) indigestOes de esternago, mas nao deixamurn sinal, nao tern urn seguimento de nova vida, de vida

sigio esquemdtica deste mesmo conhecirnento. Formao estudioso, da ao seu espirito a elasticidade da davida

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diferente. Os dirigentes da Universidade Popular sabemque a instituted.° que g-uiam deve servir para ulna deter-minada categoria de pessoas, a qual nao Ode seguirestudos regulares nas escolas. E bask,. Nio se preo-cupam corn o modo mats eficaz como esta categoria depessoas pode aproximar-se do mundo do conhecimento.

Encontram um modelo nas instituigOes de cultura jiexistentes: decalcam-no, pioram-no. Fazem mais ou me-nos este raciocinio: quem frequenta os cursos da Uni-versidade Popular tern a idade e a formagio geral dequem frequenta as universidades pfiblicas; demos-lhe,portanto, um sucedineo destas. E transcuram tuck omais. Nao pensam que a universidade e a foz naturalde todo um trabalho precedente; :ado pensam que quandoo estudante chega a universidade passou pela experien-cia das escolas medias e disciplinou nelas o seu espiritode pesquisa, colmatou corn metodo os seus impuLsos dediletante, 6 urn produto, em suma, e desenvolveu-se len-

tamente, tranquilamente, caindo em erros e levantando--se, vacilando e voltando a estrada justa. Estes dirigen-tes nao compreendem que as nocties, separadas de todoeste trabalho individual de pesquisa, sao nem math nemmenos do que dogmas, verdades absolutas. Nao corn-preendem que a Universidade Popular, tal como a guiam,se reduz a urn ensino teolOgico, a uma renovagao da es-cola jesuitica, onde o conhecirnento a apresentado comoqualquer coisa de definitivo, de apodicticamente indis-cutivel. Isto nao se pratica nem mesmo nas universidadespfiblicas. Estamos persuadidos que ulna verdade s6 éfecunda quando se fez urn esforgo para a conquistar, que

ela nao existe em si e para si, mas foi ulna conquista doespirito, devendo reproduzir-se, em cada urn, aquele esta-do de drisia que atravessou o estudioso antes de a alcan-gar. Portanto, os professores dignos desse nome, no mo-mento de ed ucar, clao ulna grande importancia a histOriada materia que se propOem ensinar. Este modo de apre-sentar aos ouvintes a serie de esforgos, os erros e vitOriaspelos quais passaram os homens para alcangar o actualconhecimento, 6 muito mais educativo do que a expo-

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met6dica que faz do diletante o homem seri°, que puri-fica a curiosidade, vulgarmente compreendida, e a trans-forma em estimulo ado e fecund() do cada vez maior eperfeito conhecirnento. Quern escreve estas notas falaum pouco tambem por , experiencia pessoal. Da suaaprendizagem universitariaecorda corn mais inten-sidade os cursos nos quais o professor the fez sentiro trabalho de pesquisa atraves dos s6culos pare conduzircorn perfeigao o metodo de andlise. Para as cienciasnaturais, por exemplo, o esforgo desenvolvido para liber-tar o espirito dos homens dos preconceitos e dos aprio-rismos divinos ou filosOficos para chegar a concluslode que as nascentes de figua tem a sua origem napre-cipitagdo atmosferica e nä° no mar. Para a filologia,como se chegou ao metodo histOrico atraves das tents-tins e erros do empirismo tradicional e como, por exem-plo, os crit6rios e convicgOes que guiavam Francesco DeSanctis, ao escrever a sua histOria da literatura italiana,nä° eram mats do que verdades que se vinham afirmando

atraves de fatigantes experiencias e pesquisas que liber-taram os espiritos das escOrias sentimentais e rethricasque haviam inquinado, no passado, os estudos de lite-ratura. E o mesmo para as outras materias. Esta eraa parte mais vital do estudo: este espirito criativo, quefazia assirnilar os dados enc iclopeclicos e os fundia numachama ardente de nova vida individual.

0 ensino, desenvolvido desta maneira, torna-se numacto de libertagao. Tern o fascinio de todas as coisasvitais. Deve afirmar a sua eficacia especialmente nasuniversidades populares, visto que aos ouvintes destasfalta precisamente aquela formagao intelectual que 6

necessária para se poder enquadrar num todo orga-nizado os dados singulares da andlise. Para eles, espe-cialmente, o que 6 mais interessante e eficaz 6 a histhria

Gramsci frequentou os cursos da Faculdade de Letrase Filosofla da Universidade de Turfm, de 1911 a 1915, mas scmse licenciar. Os docentes tom quem teve maior familiaridadeforam Matteo Bartoli, Umberto Cosme, Annibale Pastore e ArturoFarinelit

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da pesquisa, a histOria desta enorme epopeia do espiritohumano, que lentamente, pacientemente, tenazmente,

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toma posse da verdade, conquista a verdade. Como doerro se chega a certeza cientifica. E o caminho que todosdevem percorrer. Mostrar come foi realizado pelos ou-tros 6 o ensino corn resultados mais fecundos. 2, alemdisso, uma ligio de mod6stia, que evita a formagio daaborrecidissima caterva de sabichOes, os que creemconhecer o universo so porque a sua memeria feliz con-seguiu arquivar nas suss rubricas um certo niimero dedatas e nogOes particulares.

Mas as universidades populares, como a de Turim,gostam mais de oferecer cursos infiteis (so para encher)do tipo cA alma italiana na arte literiria das UltimasgeragOesr ou ligOes sobre cA conflagragdo europeia ana-lisada por Vicor, nos quais se atende mais ao fingimentodo que a eficicia e a pessoa pretensiosa do conferencistaadultera o que devia ser o trabalho modesto do profes-sor, sabendo, todavia, que fala a gente inculta.

PREOCUPACOES (*)

0 correio traz-me uma circular da minha par6quia.Nio conhego nem o piroco nem a parOquia, mas into nãoimpede que ambos existam e que eu seja uma ovelhado seu rebanho, e que eles pensem na minha safide espi-ritual e que (quem sabe!) consagrem alguns minutosdo seu precioso tempo a invocar do anjo anunciador omilagre do amolecimento do meu duro coragio.

Por isso a circular me predispOe para a suavidade,

a ternura. Solicita um contributo para a construgäo deurn templo consagrado a Anunciagio de Maria, desejariareunir toda a Itilia aos pês de Maria SS pant implorarvithria e paz, protecgio para os combatentes, eterno re-

pouso para os caidos. E acompanhada de alguns exem-plares de uma publicagio periOdica, Devotento-nos a

Maria!; recorda que a S.° da Anunciada protegeu emmil batalhas os magninimos principes da Casa Savoia,recorda que a imagem da deusa brilha no peito do nossoherOico soberano, no colar abengoado, e recorda, porisso, que ela 6 aespecial protectora dos exercitos e dossoldados de Itilia. Mas estas lembrangas nip tem sequer

a virtude de indispor-me, de arrancar, ao menos, urnpequeno grito a minha consciencia de jacobino. A minhaconsciencia esti imersa num v ago crepasculo m itolOgico,a minha consciencia a atormentada por outran preo-cupageies. A actividade dos outros nio me irrita, mesmo

(•) No assinado, Avantil,lemoatesa, 31-12-1916,seeflo (Sotto la Mole).

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que se situe nos antipodes da minha vontade e dos cama-radas de ideal. Preocupa-me o facto de esta actividadeter por fan deixar em alguns metros quadrados da super-

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ficie do globo urn vestigio arquitectenico que consumepedra e cal, engenho e trabalho, de que results umedificio para o qual nao se preve uma utilidade no futuro,quando a actividade actual se tornare definitivamentemito, quando o edificiO tore perdido para todos o seucatheter hieritico e nä° sera mais do que pedra e

cal organizados em edificio. E uma preocupagdo vivae actual, esta. Seria desejkvel que tudo o que se produz• de send° na transformagio geolegica da superficie do

mundo tivesse earacteres de perpetuidade e, portanto,tivesse possibilidades de adaptagdo a novas fungees.

0 homem passe. Uma gerageo é substituida por ou-tra. A histeria dos homens é uma matriz fecunda deconsciencias sempre novas ainda que nutridas de velho,de tradigio. Mas a materia bruta nao possui em si estaelasticidade de renovage.o. Sio os homens que lha trans-

, mitem quando tern a consciencia desta sua projecgaono futuro, deste reviver do seu esforgo actual numaforge de amanha, quando transformam a estratificagaogeolegica do mundo, quando extraem granito do monteou cal da pedreira para os ordenar em muros e tectos,e procuram fazer tudo con criterios de continuidadepara nth) ferir inutilmente o decrepit° mundo, pare naoatulhar inutilmente o novo mundo que se debate paranascer. A circular do meu pesoco preocupa-me muitoneste vago creptisculo mitolegico no qual é imerso aestado de espfrito. Mas nao consigo veneer os sentimen-tos suaves e ternos.

E a mesma suavidade e ternura que se experimentamem presenga de todas as criaturas imperfeitas. Pensa-sena sua fatal infecundidade, no esquecimento que as sub-

mergire num tempo nä° longinquo. 0 mito pagio deixoumonumentos de beleza que continuam a viver por esteseu catheter de perenidade que fazem reviver algum dossentimentos ancestrais. 0 mito cristrto, pelo menos nanossa cidade, se deixath entulho, materia fficil para afuture picareta. E motivo para preocupagdo. Confesse-mos que se isto faz Pena pela sua impotencia e esteri-lidade, scabs tambêm por ser ranador. 

1917 

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PROFANACOES ( •)

0 pao da guerra — feito corn maos puras — 6 paode comunhao — onde ester a Patna inteira — transubs-tanciada viva — como o corpo do Redentor — na ofertaeucaristica — Ano de VitOria MCMXV II.

2 a insericao ditada por G. d'Annunzio para a meda-lha a conferir aos padeiros que preparam melhor o paoda guerra. P ara os catalicos, a inscricao a uma blasfemia,uma profanagao. Nas igrejas de Turim celebraram-setriduos de reparacao; a opiniao pUblica catOlica protes-tou por todos os modos; a D'Annunzio chamaram ateRapagnetta ( 1 ), maxim° insulto para o esteta que amaas palavras harmoniosas. Profanagao, estupidez. Pro-fanagao para o catOlico, estupidez para o racionalista.0 racionalista nao renega o misticismo. Cornpreende-o,explica-o e, portanto, esvazia-o do seu significado, doseu valor de propaganda. 0 racionalista nao despreza omisticismo. Nega que tenha uma eficicia moral, umaeficacia construtiva, duradoura e sOlida. 0 misticismo

instituicao apaixonada de uma realidade fantfistica,e fenOmeno individual que nos individuos singularespode determinar realizacifies perfeitas de vida moral.Mas 6 individual, flax) pode surgir como axioma, comoprograma de accao. E intuicao, nao raciocinio. E inco-municavel na sua vida profunda e, portanto, tornando-se

(•) NAo assinado, Avant{!, edieao piemontesa, 29-1-1917,seccAo cSotto la Mole).

(') Apelido originArio da familia de Gabriel d'Annunzio.

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programa de vida, s6 pode ser aborrecida obra de simio,beatice vulgar, estapido e imprudente verbalismo. Paraos catOlicos, DAnnunzio profanou, para eles cometeu

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um acto sacrilego. Esquematizou o mistico acto da tran-substanciagao de Cristo no izimo pao eucaristico e apli-cou o esquema a outras realidades: a patria hoje, comoontem e amanha a mulher, como sempre a palavra. E o

sacrilegio nao é apenas dannuziano, é dos catOlicos, dosmonarquicos, dos republicanos e de todos os que fizeram

da mistica urn axioma de acgao e de propaganda [quinzeUnitas censuradusl. E , para alguns, pode muito bem serassim. Os santos existem e existirao; os misticos quequeimam numa chama de paixao sobre-humans todasas histOrias da sua terrena existancia e surgem comopuro espirito existem e existirao. Mas esses vivem estemisticismo e consomem-no; nao podem comunica-lo.Fazer da sua vida urn axioma é sacrilógio. Axioma deseek) pode ser a vontade, a andlise, o estudo, a coeréncia,a disciplina, nao o incognoscivel, a obscuridade, opago revelador, a intuicao que broth da profundidadedo ser sem seguiy alguma lei, sem apresentar caracteres

de uniformidade. Quem tern como dogma de vida o mis-ticismo é urn macaco, nao um homem, é urn retOrico,nao urn professor, quer seja DAnnunzio, o pregador daigreja catOlica, ou o jornalista do trust clerical. E urnmistificador, inconsciente as vezes, quase sempre cons-ciente dos fins que quer alcangar. Profanador, DAnnun-zio? Simples mistificadores, DAnnunzio e os seus fus-tigadores que se recordam de Rapagnetta mas admiramaqueles famosos magadores que tho Paul Bourget ouAntonio Fogazzaro.

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TRES PRINCIPIOS, TRES ORDENS (•)

A ordem e a desordem sao as duas palavras que mainfrequentemente ocorrem nas polamicas de catheter poli-tico. Partidos da ordem, homens da ordem, ordem pa-blica... Tres palavras aproximadas por urn eixo comum:a ordem sobre a qual as palavras se fixam e giram cornmaior ou menor aderancia, consoante a concreta formahistOrica que os . homens, os partidos e o Estado asau-mem na sua midtipla e possivel enearnagao. A palavra

ordem tern um poder taumatfirgico e a conservagaodas instituigOes politicas é confiada ern grande parte aeste poder. A ordem presente apresenta-se como qual-quer coisa de harmonicamente coordenado, de estavel-mente coordenado; e a multidao dos cidadlos hesitae receia, na incerteza do que uma mudanga radical pode-ria trazer. 0 \senso comum, o esti:Tido senso comum,prega usualmente que a melhor um ovo hoje do queuma galinha amanita. E o senso comum 6 urn terrivelnegreiro dos espiritosy Sobretudo quando para ter agalinha a preciso romper a casca do ovo. Forma-se nafantasia a imagem de qualquer coisa de ferido cornviolencia; nao se ye a ordem nova possivel, mais bemorganizada do que avelha, mais vital do que a velha,porque ao dualismo se contrapde a unidade, a imobill-dade estatica da inertia, a dinamica da vida que se move.Va-se apenas o rasgio violento, e o animo assustado faz

(•) NAo sash:Lad°, La Cita future, nOrnero Mateo intelra-mente redtgido por Grarnsel, publicado pela Federaflo JuvenilSoclallsta plenum:Item, Turlm, 11-2-1917, p. 1.

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marcha atras com o medo de perder tudo, de ficar pe-rante o caos, a desordem inelutivel. As profecias uto-pistas eram constituidas, por isso, tendo em vista este

rotados tambern nessa altura porque nenhuma das suesparticulares previsOes se realizou. Mas realizou-se oprincipio e deste floriram as ordenagO es actuais, a ordem

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medo. Corn a utopia queria-se defrontar uma ordem nofuturo que fosse bem coordenada, bem clara e anulassea impressio do salto no escuro. Mas as construgOes so-ciais utopistas desabaram todas, porque sendo assimclaras e ordenadas, bastava demonstrar urn dado infun-dado pars as fazer desabar na sua totalidade. Estas cons-

trugOes nao tinham base, porque eram muito analiticas,fundadas sobre uma infinidade de factos e nao sobre urnlink° principio moral. Ora os factos concretos depen-dem de muitas causas que acabam por ja nao ter causae por serem imprevisiveis. E o homem, para agir, temnecessidade, pelo menos em parte, de poder prever. Niose concebe vontade que nao seja concreta, isto 6, quenao tenha uma finalidade. Nao se concebe vontade colec-tiva que nao tenha uma finalidade universal concreta.Mas isto nao pode ser um facto singular ou uma seriede factos singulares. Pode ser so uma ideia ou umprincipio moral. 0 defeito organic° das utopias esta todo

aqui: acreditar que a previsio possa ser previa° defactos, enquanto so o pode ser de principios ou de ma-ximas juridicas. As maximas juridicas (o direito 6 amoral actuada) sao criagOes dos homens como vontade.Se quiserem dar a esta vontade uma certa direcgao,ponham-lhes como finalidade o que so pode se-lo; deoutro modo, depois do primeiro entusiasmo, v6-las-aoaviltar-se e perder-se.

As ordens actuais foram suscitadas pela vontade deactuar totalmente urn principio juridico. Os revolucio-nfirios de 1789 nao previam a ordem capitalista. Queriamactuar os direitos do homem, queriam que fossem re-

conhecidos aos cornponentes da colectividade determi-nados direitos. Depois do rasgao inicial da velha casca,estes foram-se afirmando, foram-se concretizando e tor-

, nados forgas operativas a partir de factos, plasmararn-' -nos, caracterizaram-nos e dai desabrochou a civilizagao

burguesa, a Unica que podia desabrochar porque a bur-g-uesia era. a Unica energia social criadora de facto erealmente operante na histOria. Os utopistas foram der-

actual.Seria um principio universal o que Ae afirmou na his-

tOria atraves da revolugao burgues ? Certamente quesim. E no entanto costuma dizer-se que se J.-J. Rousseaupudesse ver que destino tiveram as suas-pradicas, rene-

provavelmente. Nesta afirmagao paradoxal

contim-se uma criticao liberalismo. Mas elaparadoxal, isto e, afirma de modo-inju.sto uma coisajusta. SUniversal‘ nao quer dizer k absolut6:1 Na histOrianada eiiiste-de absoluto e de rigid°. As afirmagOes doliberalismo sao ideias-limites que, reconhecidas racional-;mente necessirias, se transformaram em ideias-forga,realizaram-se no Estado burgues, serviram para suscitara este Estado uma antitese do proletariado e desgas-taram-se. Universais para a burguesia, nao o sao sufi-cientemente para o proletariado. Para a burguesia eramideias-limite, para a proletariado sic) ideias minimas.E de facto o programa liberal integral transformou-se

em programa minimo do Partido Socialista, isto

_programa que nos serve para viver dia a dia, a espera_que se julgue chegado o instante mais

Como ideia-limite, o programa liberal cria o Estadoetico, isto 6, um Estado que idealmente esta acima dascompetigOes de classe, do cruzamento e choque dos agru-pamentos que compOem a realidade econOmica e tra-dicional. Este Estado 6 mais uma aspiragao politica doque uma realidade politica; existe apenas como modeloutOpico mas este seu sere precisamente uma miragemque o torna robusto e o transforma numa forga de con-servagao. Na esperanga que ele se realize finalmentena sua completa perfeigao, muitos encontram a forga

para o nao renegarem e, portanto, para nao procuraremsubstitui-lo.

Vejamos dois destes modelos que sao tipicos, que,s5.0 a pedra de comparagao para os disseriadores de„teorias politicas: o Estado inglase o Estado germanicofAmbos tornados grandes potancias, ambos crrnseguindoafirmar-se, com directivas diferentes, como sOlidos or-ganismos politicos e econômicos, ambos com direito a

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urn perfil bem definido, que os coloca frente a frenteagora, e que sempre os tornou inconfundiveis.

A ideia que serviu como motor das forgas internas,paralelas, pode resumir-se na palavra liberalism° pant

de 200 anos se travam, em Inglaterra, lutas politicas narua e que o direito a livre afirmagao de todas as energiasé urn direito conquistado e nao um direito natural, quese presume como tal em si e para si./E basta recordar

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a Inglaterra e nas palavras autoridadecorn a rata.* paraa Alemanha.

Liberalismo é a formula que compreende toda umahistOria de lutas, de movimentos revolucionarios para aconquista das liberdades individuais. E a forma ment isque se foi criando atraves destes movimentos. E a con-vicgao que se foi formando no cada vez maior &imamde cidaddos que, atraves destas lutas, acabaram porparticipar na actividade prIblica e para os quaffs o se-gredo da felicidade residia na livre manifestagao daspr6prias convicgOes, na livre explicagao das forgas pro-dutivas e legislativas do pais. Felicidade, naturahnenteentendida no sentido de que tudo o que sucede de malnao é por culpa dos individuos e de que tudo o que naoconsegue realizar-se se deve apenas ao facto de os ini-ciadores nao possuirem ainda a forga para afirmar vito-riosamente o seu programa.

Para a Inglaterra, o liberalism° encontrou em LloydGeorge, para citar um exemplo de antes da grierra, o seupropugnador teOrico-pritico, o qual, ministro de Estado,sabendo que as suas palavras adquiriam significado deprograma de Governo, disse aos operirios, num comicio

mais ou meno s isto: «NOs nao som os socialistas,isto é, nao propomos imediatamente a socializagao daproducao. Mas nao temos preconceitos teOricos contra osocialismo. A cada urn o seu lugar. Se a sociedade actualé ainda capitalista, isto quer dizer que o capitalismoe ainda uma forga historicamente nao esgotada. Voces,socialistas, dizem que o socialismo esti amadurecido.

Provem-no. Provem ser a maioria, provem ser, nä° s6potencialmente mas tambem em acto, a forga capaz dereger os destinos do pais. E nes vos deixaremos o lugarpacificamente., Palavras que a nes, habituados a verno Govern qualquer coisa de esfingico, desligado corn-pletarnente do pais e de todas as polemicas vivas sobreideias e factos, parecem assombrosas. Mas nao o sip enao sao sequer retOrica vazia, se se pensar que hai mais

que o Governo radical ingles retirou a Camara dosLordes o direito de voto para poder transformar emrealidade a autonomia irlandesa e que Lloyd Georgese propunha, antes da guerra, fazer votar um projectode lei agriria, pela qual (posto como axioma que quem

possui meios de produgao e nao os faz adequadamenteproduzir perde os seus direitos absolutos) muitas daspropriedades privadas dos agririos lhes eram confisca-das e vendidas a quem as pudesse cultivar,_Esta formade socialismo de Estado burgués, isto e, socialismo naosocialista, procedia assim para que o proletariadovisse corn maus - olhos o Estado como governo, e persua-dido, corn razao ou sem ela, de que, sendo tuteliao, pode-ria conduzir a luta de classes -com discrigao e sem aquelaexasperacao moral que caracteriza o movimento ope-rano.

A concepgao do Estado germfm ico esti nos antipodasda inglesa, mas produz os mesmos efeitos. ,0—Estadoalemlo é proteccionista por formamentis. Fichttt for-neceu o cOdigo do Estado fechado, isto é, doregido pela razao Do Estado que nao deve ser deixadoern poder das forgas livres e espontaneas dos homens,mas deve, em cada coisa, em todos os actos, imprirniro selo de uma vontade, de urn programa estabelecido,pre-ordenado pela razao. Por isso o Parlamento naotern, na Alemanha, o poder que possui noutros lados.E simplesmente consultivo, de manter so porque racio-nalmente nao se pode admitir a infalibilidade dos pode-res executivos e tambêm porque do Parlamento, da dis-

cussao, pode sair a verdade Mas a maioria nao temdireito reconhecido a verdade.0Ministerio (o Impe-rador) permanece o arbitro que julea e escolhe, e se

substituido por vontade imperial. Mas as classes terna conviccao, nao retOrica. nao supina, mas formada atra-ves de dezenas de experiencia.s de recta administracao,de observada justica distributiva, que osseus direitosA vida estao tutelados e que a sua actividade deve con-

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ragOes, de cortar-Ihes, por todos os modos, a paciencia1" a pr5dutividade. Nos paises onde nao sucedem - osconflitos de rua, onde nao se veem esmagadas as leisfundamentais do Estado, nem se ye o arbitrio como

sistir em procurar tornar-se maioria, para os socialistas,

e em conservar-se maioria e demonstrar continuamente

a sua necessidade histOrica, para os conservadores. Urnexemplo: a votagdo, aprovada tamb6m pelos socialistas,

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dominador, a luta de classes, perde asua aspereza, oespirito revolucionhrio perde Impeto e desanima. A as-sim chamada lei do minimo esforgo, que 6 a lei dospoltraes, e quase sempre quer dizer nao fazer nada,torna-se popular. Naqueles paises a revolugão a menos

provavel. Onde existe uma ordem, a muito dificil que sedecidam a substitui-la por uma ordem nova [uma linhacensurada].

Os socialistas nao devem substituir ordem por ordem.Devem instaurar a ordem em si. Ariifixima juridicaque eles querem realizar e: possitilidaele de actuactiointegral daprOpria personalidade humana, concedida atodos os cidaddos. Corn o concretizar desta maxima;caem todos os privilegios constituidos. Concede-se amaxima liberdade corn o minima de pressão. Deseja-seque a regra de vida e das atribuigees seja a capacidadee a produtividade, fora de todos os esquemas tradicio-nais; que a riqueza nao seja instrumento de escravidao,

mas, sendo de todos impessoalmente, de a todos os meiospara todo o bem-estar possivel; que aescola eduqueos filhos inteligentes, nascidos nao importa de quern, enao represente o premio [quatro Unitas censuradas].Desta maxima dependem organicamente todos os outrosprincipios do maxima programa socialista. Isto, repeti-mos, nao 6 utopia. n universal e concreto, pode ser ac-tuado pela vontade. E principio de ordem, da ordemsocialista. Daquela &dem que actuara em Italia, assimo cremos, primeiro do que nos outros paises [quatrolinhas censuradas].

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do bine.° para aumentar as despesas militares, ocorridaem1913. A maioria dos socialistas votou a favor porqueo Maio foi tirado nao da generalidade dos contribuintesmas de uma expropriagao (pelo menos aparente) aosgrandes rendimentos. Pareceu uma experiéncia de socia-

1t lismo de Estado, pareceu urn justo principio fazer pagar

U aos capitalistas as despesas militares, e assim se vota-ram creditos que beneficiavam exclusivamente a bur-guesia e o partido militar prussiano.

Estes dois tipos de ordem constituida sic) 0 rnodelobas--T e s-partidos da ordem em Italia. Os liberais e os

-nacionalistas dizem (ou diziam), respectivamente, dese-jar que ern Italia se criasse qualquer coisa de semelhanteao Estado ingles e ao Estado germanico. A polemicacontra o socialismo 6 totalmente tecida sobre a aspiragiodeste Estado elle° potential em Italia. Mas a Ithlia fal-tou completamente aquele periodo de desenvolvimentoque tornou passivel as actuais Alemanha e Inglaterra.

- Portanto, se levarem ate as Ultimas consequencias osraciodnios dos liberais e dos nacionalistas italianos,obterdo como resultado, presentemente, esta formula:

1 - o sacrificio por parte do proletariado\ Sacrificio das prO-1 :prias necessidades, sacrificio da prOpria personalidade,F da prOpria combatividade para dar tempo ao tempo, para, permitir que a riqueza se multiplique, para permitir que

-CI a administragio se purifique [trés linhas censuradas].Os nacionalistas e os liberais Tao chegam a sustentarque existe em Mlle, uma dada ordem. Sustentam queesta ordem deverh existir contanto que os socialistas

nao impegam a sua fatal instauragio.Este estado de facto das coisas italianas 6, para nos,

fonte de major energia e de major combatividade.,Sese pensar quanta 6 difIcil convencer a mover-se um13.omem que nao tenha raz5es imediatas para o fazer,gOmrieende-se quanta 6 mais dificil convencer umamulticlio nos Estados onde nao existe, como ern Italia,por parte do Govern, a posigio ae sufocar-lhes as aspi-_ _

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INDIFERENTES (•)

Odeio os indiferentes. Creio, corn Federico Hebbel,que cviver significa participar). Nao podem existir osapenas /lament os estranhos a cidade. Quern vive ver-dadeiramente nao pode deixar de ser cidadao e parti-cipante. Indiferenga é abulia, e parasitismo, a cobardia,nao é vida. Por isso odeio os indiferentes.

A indiferenga e o peso morto da historia. 2 a bolade chumbo para o inovador, e a matkria inerte em quese afogam quase sempre os entusiasmos mais esplen-dentes, e o fosso que cerca a velha cidade e a isola me-lhor dos muros mais sOlidos, do peito dos seus guerrei-ros, porque devora nas suas iguas limosas os assaltan-tes, os dizima e desencoraja, e os faz desistir, algumasvezes, da empresa herOica.

A indiferenga opera poderosarnente na histeria.Opera passivamente mas opera. E a fatalidade; a aquilosobre o que nao se pode contar; é o que perturba osprogramas, que destrOi os pianos, mesmo os mais bemconstruidos; é a materia bruta que se rebela contra ainteligencia e a destroga. 0 que sucede, o mal que seabate sobre todos, o possivel bem que um acto herOico(de valor universal) pode gerar, nä° a tanto devido ainiciativa dos poucos que operam como da indiferenga,do absentismo de muitos. 0 que acontece, nao acontecetanto porque alguns querem que acontega, mas porquea massy dos homens abdica da sua vontade, deixa fazer,

(•) N2.9 assina do, La Cittd futura, 11-2-1917, p. 1.

1 2 1

deixa agrupar os nos que depois so a espada podericortar, deixa promulgar as leis que depois so a revoltalath anular, deixa exercer o poder a homens que depoisso urn motim podera derrubar. A fatalidade que parece

cundas, mas este contributo a vida colectiva nao a ani-mado por nenhuma luz moral, 6 produto de curiosidadeintelectual, taco de pungente sentido de responsabilidadehistOrica que implica uma vitalidade total na vida, que

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dominar a histOria nap 6 mais do que a aparencia ilu-s6ria desta indiferenga, deste absentismo. Os factosmaturam na sombra; poucas macs nao vigiadas pornenhum controle, tecem a teia da vida colectiva, e amassa ignora porque nao se preocupa. Os destinos de

uma 6poca sao manipulados conforme as visties restritas,as finalidades imediatas, as ambigOes e paixiks pessoaisdos pequenos grupos activos, e a massa dos homensignora-os porque nao se preocupa. Mas os factos ama-ditrecidos acabam por desaguar; mas a teia tecida nasombra acaba por se cumprir: e entao parece que 6 afatalidade a derrotar tudo e todos, parece que a his-tOria nao a mais do que um enorme fenOmeno natural,uma erupgao, urn terramoto de que todos sao vitimas,quern quis ou nao quis, quern sabia ou nao sabia, querntinha estado activo ou indiferente. E este Ultimo irrita--se, desejaria subtrair-se as consequ6ncias, desejariaque se tornasse claro que ele nao contribuiu em nada,que nao a responsfivel. Alguns choramingam piedosa-mente, outros blasfemarn obscenamente, mas nenhumou poucos se interrogam: se tivesse feito o meu dever,se tivesse procurado fazer valer a minha vontade, omeu conselho, teria sucedido o que sucedeu ? Mas ne-nhum ou poucos se autocriticam pela sua indiferenga,pelo seu cepticismo, por nao terem emprestado o seubraeo e a sua actividade aos grupos de cidadaos quecombatiam pare evitar tal mal e se propunham con-quistar tal bem.

A maior parte deles, pelo contrario, perante os aeon-tecimentos consumados, preferem falar de falência ideal,

de programas definitivamente desmoronados e de outrasbrincadeiras semelhantes. Recomegam assim a sua au-s6ncia de qualquer responsabilidade. E nao a porqUe naovejam as coisas claras e aue, algumas vezes, nao sejamcapazes de prospectar belissimas soluc5es pars proble-mas mais urgentes ou pars os aue, embora requerendoampla preparacao e tempo, Om de igual modo urgentes.Mas estas solug5es permanecem belissimamente infe-

nao admite agnosticismos e indiferengas de qualquergenera

Odeio os indiferentes, tambern porque me aborrecea sua lamitria de eternos inocentes. Pego contas a cada11111 deles sobre o modo como desenvolveu a fungi° que

a vida the pOs e the p5e quotidianamente, do que fez eespecialmente do que nao fez. E sinto que posso serinexorivel, que ni p devo desperdigar a minha piedade,que nao devo repartir corn eles as minhas l'agrimas. Souparticipante, vivo, sinto ja pulsar nas consciencias virisda minha gente a actividade da cidade futura que aminha gente estn. construindo. E nela a cadeia socialnao pesa sobre poucos, pare ela cada coisa que sucedenao se deve ao acaso, a fatalidade, mas a inteligenteobra dos cidadaos. Nä° ha nela ninguem que estejajanela, enquanto os poucos se sacrificam, se esgotam nosacrificio; e aquele que esti a janela, de atalaia, querusufruir do pouco bem que a actividade dos poucos con-segue e desafoga a sua desilusio vituperando o sacrifi-cado, o esgotado, porque nao conseguiu o seu intento.

Vivo, sou participante. Por isso odeio o que naoparticipa, odeio os indiferentes.

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DISCIPLINA E LIBERDADE (•)

Associar-se a um movimento significa assumir umaparte das responsabilidades dos acontecimentos que sepreparam, tornar-se destes acontecimentos os artificesdirectos. Urn jovem que se inscreve no movimento juve-nil socialista cumpre urn acto de independencia e delibertagao. Disciplinar-se a tornar-se independente eline. A iglu é egua pura e line quando cone entreas duas margens de um riacho ou de um rio, nä° quandose espalha caoticamente no solo ou, rarefacta, paira na

atmosfera. 'Quern nao segue uma disciplina politica épor isso materia ern estado gasoso ou materia conta-minada por elementos estranhos: portanto inutil e da-nosa. A disciplina politica faz precipitar estas sujidadese da ao espirito o seu melhor metal, a vida uma finali-dade, sem a qual nao valeria a pena ser vivida. Cadajovem proletirio que sinta quanto a pesado o fardo dasua escravidao de classe, deve cumprir o acto inicial dasua liberdade, inscrevendo-se no Centro Juvenil Soda-lista mais prOximo de sua casa.

(•) Nilo aasinado, La atm futura, 11-2-1917, p. 2.

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(•) Ndo aesinado, La Oittd futura, 11-2-1917, p. 3.

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MARGENS (")

1

0 esforgo feito para conquistar uma verdade fazaparecer um pouco como pessoal a prOpria verdade,mesmo se a sua nova enunciagdo nao se juntou nada deverdadeiramente prOprio, n5.0 se deu sequer uma levecoloragao pessoal. Eis por que muitas vezes se plagiam

os outros inconscientemente e ficamos desiludidos corna frieza como sax, acolhidas afirmagOes que julgivamoscapazes de agitar, de entusiasmar. Meu amigo, repeti-mo-nos corn desconsolo, o teu era o ovo de Colombo.Pois bem, nao me importa de ser o descobridor do ovode Colombo. Prefiro repetir uma verdade ja conhecidado que estragar a inteligéncia para fabricar paradoxosbrilhantes, espirituosos jogos de palavras, acrobatismosverbais que fazem sorrir mas nao fazem pensar.

A jardineira plebeia a sempre a sopa mais nutritivae mais apetitosa porque a preparada corn os legumesmais usuais. ,Gosto de ver engoli-la, corn grandes colhe-radas, pelos homens fortes e ricos de suco gastric° quecontèm o futuro na forga da sua vontade e dos seasnnisculos. A verdade mais batida nunca foi repetida osuficiente para que se torne maxima e estimulo parsa acgio de todos os homens.

4

Quando discutes corn um adversario, experimentsa par-te no seu Lugar. Compreende-lo-is melhor e aca-baths talvez por te convencer que tem alguma (ou

Diz-se que na Italia existe o pior socialismo da Eu-ropa. Admitamos que é verdade: a Italia teria o socia-

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muita) razao. Segui durante algum tempo este conselhodas pessoas avisadas. Mas os panes dos meus adversi-ries eram tie sujos que conclui: é melhor ser injustoalgumas vezes do que prover de novo este nojo que tefaz desmaiar.

3

As desergOes do socialismo por parte de muitos cha-mados intelectuais (a propOsito, intelectual quer dizersempre inteligente?) tornaram-se para os idiotas a me-lhor prova da pobreza moral da nossa ideia. 0 factoa que fenOmenos semelhantes aconteceram e acontecemem relagio ao positivismo, ao nacionalismo, ao futurismoe a todos os outros ismos. Existern os provocadores decrises, as pequenas almas sempre a procura de um ponto

fixo, que se atiram a primeira ideia que se lhes apresentecorn a aparencia de poder transformar-se em ideal edela se nutrem ate quando dura o esforgo para dela seapossessarem. Quando chegam ao fim do esforgo e sedi° conta (mas isto é efeito, no fundo, da pouca pro-fundidade espiritual, do fraco engenho) que ela naloexplica tudo, que existem problemas cuja solucao (ad-mitindo que existe) esta fora daquela ideologia (corn aqual pode estar coordenada num piano superior), ati-ram-se aqualquer outra coisa que seja uma verdade, querepresente ainda uma incognita e, portanto, apresenteprobabilidades de novas satisfagOes. Os homens pro-curam sempre fora de si a rear) das prOprias falénciasespirituais; nth) querem convencer-se que a causa é sem-pre e s6 a sua alma, a sua falta de caraxter e de inteli-gencia. Existem os diletantes da f6, assim come os dile-tantes do saber.

Isto na melhor das hipOteses. Para muitos, a crisede consciencia nä° a mais do que uma letra vencidaou o desejo de abrir uma conta-corrente.

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lism° que merece.

5

0 progresso consiste apenas na participag.io de um

cads vez maior niunere de individuos. 0 egoismo e ocolectivismo dos apetites e das necessidades de umapessoa: o colectivismo é o egoismo de todos os prolete.-ries do mundo. Os prolethrios nä° sao decerto altruistasno sentido que a esta palavra die os humanistas entreaspas. Mas o egoismo do proletariado é nobilitado pelaconsciéncia que tern o proletariado de nazi poder total-mente apagi-lo sem que o tenham apagado, ao mesmotempo, todos os outros individuos da sua classe. E porisso o egoismo proletirio cria imediatamente a soli-dariedade de classe.

6

Ja foi dito: o socialismo morre no prOprio momentoem que se demonstra que a sociedade futura (que ossocialistas diziam estar criando) era apenas um mitoborn para as loucos. Ate eu acredito que o mito se dis-solveu em nada. Mas a sua dissolugäo era necessiria.0 mito vinha-se formando quando era ainda viva a su-perstigdo cientifica, quando se tinha uma fe cega emtudo o que era acompanhado do atributo cientifico.A conquista desta sociedade model° era um postuladodo positivismo filosOfico, da filosofia cientifica. Masesta concepgão não era cientifica, era apenas mecinica,

aridamente mecinica. Dela ficou a lembranga descolo-rida no reformismo te6rico (port, ate a Critics socialsmudou de nome: RR.evista do socialismo cientificov) deClaudio Treves, urn jogo de fatalismo positivists cujasdeterminantes sio energias sociais abstraldas do homeme da vontade, incompreensiveis e absurdas: tuna formade misticismo aside e sem impulses de paixdo sentida.Esta era uma visao livresca, hterftria, da vide; ve-se a

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unidade, o efeito, nao se ve o multiplo, o homem de quea unidade e a sintese. A vida e para estes como umaavalanche que se observa ao lunge, na sua irresistivelmarcha. Posso path-la?, interroga-se o homunculus;nao, portanto ela nao segue uma vontade. Porque a

privilegio. 0 Munero, a massa (tantos na Alemanha, emFranca, na America, ern Italia ... que todos os anoscrescem, crescem...), soldou a convicgao que cada pessoatem de participar ern qualquer coisa de grandioso que

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avalanche human obedece a uma lOgica que, caso acaso, pode nao ser a minha, individual, e eu, individuo,nao tenho a forga para a fazer parar ou para a desviar,convenco-me que ela nao tem uma lOgica interior, mas

obedece a leis naturais inquebraveis.Veio a debacle da ciöncia, melhor dizendo, a ciéncialimitou-se a cumprir a Unica fungi° que the era conce-dida; perdeu-se a cega confianga nas suas dedugOes e,portanto, desapareceu o mito que ela tinha conseguidosuscitar potentemente. Mas o proletariado renovou-se;nenhuma desilusao consegue enxugar a sua convicgao,como nenhuma geada destrOi o rebento cheio de seivavital. Reflectiu sabre as prOprias forgas, e sobre quantaforga e necessaria para a conquista dos seus fins. Nobili-tou-se em mais alto grau pela consciéncia das cada vezmaiores dificuldades que agora observa, e pelo prop6-sito dos cada vez maiores sacrificios que sente ter defazer. Experimentou urn processo de interiorizagao:transportou-se do exterior ao interior a acgao da his-t6ria: a urn period° de expansao sucede sempre um deintensificagao. A lei natural, ao fatal movimento dascoisas dos pseudocientistas sucedeu a vontade tenazdo homem .

0 socialismo nao morreu porque nao morreram paraele os homens de boa vontade.

7

Zombou-se e zomba-se ainda do valor nil mero, qu eseria apenas um valor democratic°, lido revolucionkrio:a celula, nao a barricada. Mas o ?tem, a massa, serviupara eriar urn novo mito: o mito da universalidade, omito da mare que cresce irresistivel e fragorosa e del-ta/1 ao chit° a cidade burguesa apoiada nas escoras do

esth amadurecendo e da qual cads nagao, cada partido,cada secgao, cada grupo, cada individuo, e uma moleculaque recebe e restitui fortalecida a seiva vital que, aocircular, enriquece todo o conjunto do corpo socialistamundial. Os milhOes de infuserios que nadam no oceano

Pacifico constroem interminiveis bancos de coral abaixodo nivel da agua: urn terramoto faz aflorar os bancose urn nov o continente se forma. O s millthes de socialistasdispersos pelo mundo trabalham, tambem ales, para aconstrued° de um continente novo; e o terramoto [dunsUnitas censuradas].

8

E mais 5,61 convencer quern nunca participou navida politica do que quern ja, pertenceu a urn partidofeito e rico de tradigOes. E imensa a forga que a tradigaoexerce sobre o espirito. Urn clerical ou urn liberal quese transformem em socialistas sao outras tantas ma -quinas de surpresas que podem explodir de um mo-menta para a outro, corn efeitos letais para a nossaestrutura. Os espiritos virgens dos homens do campo,quando se convencem de uma verdade, sacrificam-sepor ela, fazem todo o possivel para a actuar. Quern seconverteu esta sempre ligado a qualquer coisa de rela-tivo. Ja experimentou em si pr6prio quanta e facil errar

ao escolher a prOpria via e, portanto, permanece nele umfundo de cepticismo. Quem e ceptico nao tern a coragemsuficiente para a anal).

Prefiro que do movimento se aproxime um camponesdo que urn professor universitiirio. Com adiferenga queo campones deveria procurar adquirir tanta experienciae tanta capacidade quanta pode ter urn professor deuniversidade, para nao tornar esteril a sua accao e oseu possfvel sacrificio.

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Acelerar o futuro. Esta é a necessidade mais sentidapela massa socialists. Mas o que e o futuro? Theiste comoqualquer coin de verdadeiramente concreto? 0 futuro

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nä° é mais do que projeetar pars a frente a vontade

de hoje, considerando jfi modificado o ambiente social.Portanto, acelerar o futuro significa duas coisas. Con-seguir estender esta vontadeaum niimero Via grandede homens quanta se presume seja necessexio para tor-nar frutuosa a prOpria vontade. E este seria um pro-

gress° quantitativo. Ou entho: conseguir transformar

esta vontade de tal modo intensa na minoria actual que

tornasse passive' aequagao: 1 = 1 000 000. E into seria

um progresso qualitativo. Afoguear a prOpria alma e

dela fazer brotar miriades de falscas. isto é necessario

[uma Zinha censstrada]. Esperar ate conseguir metademais um, é o programa das almas assustadas que espe-ram o socialismo par um decreto regio avalizado por

dais ministros.

CARACTER (•)

IIao censuramos aos adversfirios do socialismo 0

facto de serem adversfirios do socialismo. Tendo um

conhecimento exacta da nossa personalidade, da fungal)a que nos propusemos, do metodo atraves do qual pro-curamos alcangar os nossos fins, compreendemos per-feitamente que possam, ou melhor, que devam existiros nossos adversfirios.

Espantamo-nos que os nossos adversfirios nao corn-preendam que podemos e devemos existir. Espantamo-

-nos que on nossos adversfirios nao compreendam quenes podemos e devemos ter uma personalidade, fung6es,fins, metodos que nao sao os seus. Espantamo-nos masnao nos iramos. Esta incompreentho dos nossos adver-saries é uma prova da sua deficiencia Eles nao corn-

preendem o nosso catheter porque eles pr6prios nao terncatheter. Nao compreendem que trabalhamos a serio,

que seriamente nos preocupamos em perseguir os nossosfins, em desenvolver anossa forga, em explicar os nossosmetodos, 56 porque eles nao sac) serios, porque nao temfins; nao tem metodos, nao tem forga.

A sua mentalidade fonnou-se atraves do transfor-

mismo. A sua vida é a vida do dia-a-dia. NU sabem— ver para alem do facto actual. Alen/ de velhos singular-

manta, sac) velhos coma colectividade. E as velhos naotern uma finalidade importante na vida. Pensam apenasem superar, caso a caso, os obsticulos, as insidias do

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(•) Asslnado Alfa Gamma, n Gr illo deg Papolo, 3-3-1917.

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seu organismo enfraquecido. Biologicamente o v elho naotern catheter porque esta para la da parabola. Consome

as energies acumuladas na juventude e ja nao consegueimaginar, ji nit) pode compreender que exists quem sepreocupe, pelo contrario, em multiplicar as thlulas e os

pela actualidade. Nao compreendem o homem de carac-ter que pesa e julga os factos e a actualidade, nao tantoem si e por si sOs mas pela coneatenagao que tern corno passado e corn o futuro; que julga, pois, os factos espe-.cialmente pelos seus efeitos, pela sua eternidade. Sao

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tecidos do seu organismo, quem se preocupe que o seuesqueleto seja sbado, nao sofra desvios mas se consolidehomogeneamente, de tal modo que seja o de urn homembiologieamente perfeito e nao um monte de mate'ria

cartilaginosa, que amolece e se deforms consoante oscheques das forgas exteriores.A mentalidade dos nossos adverthrios a transfor-mista. 0 primeiro /thole° dos actuais partidos conserva-dores constituiu-se coin os homens que no periodo entre

118 60 e 188 0 se converteram das ideias extremas de entao(mazziniannismo,, radicalism° antimonarquico, etc.)as ideias de ordem. Converteram-se por sentimentalismoou por espirito de adaptagao. 0 sentimentalismo tor-nou-se assim o principio politico construtivo da vidapfiblica italiana, o sentimentalismo que destrOi o cathe-ter, que impede a formatho do catheter, que substitui avida lOgica pela confusao, o distinto pelo indistinto eca6tico, que nega qualquer programa concrete porqueesta. disposto a modificar-se segundo as consequenciascriadas pelo momento, que esta disposto a forger assues ideias elementares, os seus principios instintivosnos apertos que os acontecimentos preparam e imp6em.Esta capacidade de acomodar-se torna-se um habit°,determina um modo especial de pensar. As polarnicasdesencadeadas contra o socialism° pelo comportamentoassumido pelos socialistas italianos em relagao a guerrasilo disso uma consequancia.

Os nossos adversaries nao se preocupam em julgaro comportment° dos socialistas com o critario dos prin-

ciples e dos matodos que os socialistas sempre proles-saram e seguiram. Proceder assim seria jul gar verda-deiramente e fazer uma coisa concreta. Nao tentamsequer este juizo porque silo incapazes. Perante homensde catheter, perdem a bassola, tacteiam no escuro, per-dem-se nos becos cegos das intrigas, da maledithncia, dadifametio. Nao compreendem urn procedimento rectili-neo, rigidamente coerente. Sao hipnotizados pelos factos,

13 4

misticos do facto e o mistico nao pode julgar, podeapenas louvar ou odiar.

Mas 6 esta a forga dos socialistas italianos, a de terconservado um catheter, conseguir veneer os sentimen-

talismos, conseguir sufocar as palpitagOes do coragao,come estimulo para a aegao, come estimulo para asmanifestagOes da vida colectiva. Os socialistas italianosrealizaram, neste period° da histOria, a humanidademais perfeita para as finalidades da histOria, a humani-dade que nap cai nas ciladas fáceis da ilusao, a humani-dade que renegou, come infiteis e nocivas, as formesinferiores da vida espiritual: o impulse do wrack) borne do sentimentalism°. Renegou-as conscientemente, por-que soube assimilar os ensinamentos dos setts mestresmaiores e os ensinamentos que nasciam espontaneamenteda realidade burguesa toeada pelos reagentes da criticssocialists. Os socialistas italianos permaneceram inaba-laveis entre as files determinadas pela existéneia dasclasses sociais. Nao se perturbaram, come colectividade,com os espectaculos dolorosos que se apresentavam aosseus olhos. Nao desm aiaram, come colectividade, quandolhes langaram aos pas o cadaver ainda palpitante deuma crianga assassinada. A comogao que cada urn expe-rimentou, o aperto de coragao, as simpatias que cadsum pOde experimentar, nao tocaram a granitica densi-dade da classe. Se cada um tern um coracle, a classe,come tal, Tao o tem, no sentido que o humanitarismoflacido costume dar a palavra. A classe tern urns, von-tade, a classe tern um catheter. Desta vontade e deste

catheter se plasmou toda a sua vida, sem qualquer resi-due). Como classe se) pode ter solidariedade de classe,nao pode ter outra forma de luta sena° a de classe, ou-tra nogg .° sena° a classe, isto 6, a Internacional. 0 seucoragao nao a mais do que a consciencia de ser classe,a consciencia das suas finalidades, a consciencia do seufuture. Do futuro que a apenas seu, para o qual nap pedecolaboragao e solidariedade a ningu6m, para o qual

13 5

de violencia e uma destruig5.0 é semelhante a outradestruigao.

E todavia estamos convencidos que a revolugao russapant alem de urn facto, urn acto proletirio que deve

naturalmente desaguar no regime socialists. As poucas

nais do comunismo das comunas, esta tambem prepa-rado para a passagem a uma nova forma de sociedade. /Os revolucionarios socialistas nao podem ser jacobinos;actualmente, na Russia, eles tem apenas a fungao decontrolar que os organismos burgueses (a drama, os

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noticias verdadeiramente concretes, verdadeiramentesubstanciais, nao permitem ulna demonstragao exaus-tiva. Todavia existem alguns elementos que nos permi-tern chegar a esta conclusao.

A revolugio russa ignorou o jacobinismo. e A revolu-clic) teve que abater a autocracia, nao teve que conquis-tar a rnaioria pela violencia. 0 jacobinismo a fenOmenopuramente burgues: caracteriza a revolugao burguesade Franca. A burguesia, quando fez a revolugao, naotinha um 'programa universal: servia interesses parti-culares, interesses da sua classe, e servia-os corn a men-talidade fechada e mesquinha de todos os que tendernpara fins particulares. 0 facto violento das revolugOesburguesas é duplamente violento: destr6i a ordemvelha, imp& a ordem nova. A burguesia impae a suaforga e as suas ideias nao se a casta antes dominantemas tambem ao povo que ela se dispbe a dominar. A urnregime autorithrio que substitui outro regime autori-thrio.

A revolugao russa destruiu o autoritarismo e subs-tituiu-o pelo sufragio universal, estendendo-o tambemas mulheres. Ao autoritarismo sucedeu a liberdade, aConstituigao sucedeu a livre voz da consciencia univer-sal. Porque é que os revolucionfirios nao sao jacobinos,nao substituiram a ditadura de urn s6 pela ditadura deuma minoria audaz e decidida a tudo para fazer triunfaro seu programa? Porque eles perseguem urn ideal quenap pode ser s6 de alguns, porque tem a certeza quequando todo o proletariado russo for interrogado por

eles, a resposta nao pode admitir dUvidas, esta na cons-ciencia de todos e transformar-se-a em decisao irrevo-gavel logo que possa exprimir-se num arnbiente de liber-dade espiritual absoluta, sem que o sufragio seja pre-vertido pela intervenclo da policia e pela ameaga daforea ou do exilio. 0 proletariado industrial esta jhpreparado para a mudanga, mesmo culturalmente; oproletariado agricola, que conhece as forms tradicio-

zemstva) ( 1 ) nao os fagam depender do jacobinismopara tornar equivoca a resposta do sufrigio universal

virar o facto violento para os seus interesses.Os jornais burgueses nao deram nenhuma impor-

tanciaaeste outro facto. Os revolucionirios russosabriram os carceres nao so aos condenados politicosmas tambem aos condenados por delito comum. Numapenitencihria, os condenados por delito comum, perante

animcio de que erarn livres, responderam que naotinham o direito de aceitar a liberdade porque deviamexpiar as suas penas. Em Odessa, agruparam-se no pa-tio da prisão e voluntariamente juraram tornar-se hones-tos, fazendo o propOsito de viverem do seu trabalho.

r Esta noticia tern maior importincia, para os fins darevolugao socialista, do que a da caga ao czar e aosgrandes senhores. 0 czar teria sido derrubado mesmopelos burgueses Mas para os burgueses estes conde-

nados teriam sido sempre os inimigos da sua ordem,os traigoeiros insidiadores da sua riqueza, da sua tran-quilidade. A sua libertagao tern para nos este signifi-cado: na Russia existe urn novo costume criado pelarevolugfio. Esta nao substituiu apenas potencia por po-tencia, substituiu costume por costume, criou uma novaatmosfera moral, instaurou a liberdade do espirito paraalem da liberdade corporal. Os revolucionerios nao tive-ram medo de libertar homens que a justiga burguesacarimbou corn a marca infarne de cadastrados, que aciencia burguesa catalogou nos vários tipos de criminaisdelinquentes. SO numa atmosfera de paixao social pode

acontecer tal facto, quando o costume mudou, quandomudou igualmente a mentalidade predominante. A liber-dade torna os homens livres, alarga o horizonte moral,

n Duma: assembleia representativa instItufda na Russiasob a pF e s s l o - dos acontec imentos revoluc lonir los de 1905 . Zeros-

Orglos administrativos nas provIncIas da RUssia ciarist8a que podlarn ascender s6 os nobres e os burgueses.

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do pior malfeitor no regime autoritasio too um mártirdo dever, urn herOi de honestidade. Diz-se num jornalque, nurna prisão, estes gmalfeitores) recusaram a liber-dade e elegeram os guardas entre si. Porque nunca otinham feito antes? Porque a sua prisdo era circundada

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por muralhas e as janelas eram defendidas corn grades?Os que foram liberty-los deviam ter uma cars muitodiferente da que tinham os juizes dos tribunals e oscarcereiros, palavras bem diferentes das que costuma-vain ouvir estes malfeitores de delito comum,

se umatal transformagelo se verificou nas suas consciéncias,se se tornaram de sail() tao /ivres que puderam prefe-rir a segregagio a liberdade, impondo-se voluntaria-mente uma expiaao. Certamente sentiram que o mundotinha mudado e que, também eles, o refugo da socie-dade, representavam alguma coin, que tambem eles,os segregados, possulam uma vontade de escolha.

Este 6 o fenOmeno mais grandioso jamais produzidopelo trabalho humano. 0 homem malfeitor comum tor-nou-se, na revoluao russa, o homem como EmanuelKant, o teorizador da moral absoluta, tinha anunciado,o homem que diz: a imensidade do c6u fora de mim, oimperative da minha consciência dentro de mini. E alibertacio dos espiritos, a instauracio de uma novaconsciéncia moral, o que estas pequenas noticias nosrevelam. E o advento de uma ordem nova que coincidecorn tudo o que os nossos mestres nos tinham ensinado.E insiste-se ainda: a luz vem do Oriente e irradia ovelho mundo ocidental que se torna boquiaberto e 11E13

sabe opor . lhe mais do que a banal e grosseira anedotados seus escrevinhadores.

0 HOMEM MAIS LIVRE (•)

Leio a tirada de ocasiao dos jornais ( 1 ); polvilhosde pO-de-arroz sobre motivos mais usados da polómicaquotidiana. 0 Memento, depois de urn pesado vaguearentre o sim e o nao, rernete-se a Massimo d'Azeglio: oshomens crdem poder mudar o mundo e depois 6 Deusque o muda. A Gazzetta, de Delfino Orsi ( 2 ), revoga osseus subtilissimos argumentos de comerciante: nao tendeo homem para a felicidade? Pois bem: os neutros estäomal, sofrem mais do que os italianos, o que significaque a guerra trouxe, porem, alguma felicidade. Encon-tro urn professor. E contra a guerra; ni p 6 «giolittiano•,nao a precisamente o que se chama um germanOfilo.A guerra fez fechar o Institute Germilnico de Roma;no Instituto recolhia-se a mais completa colecao dematerial arqueolOgico clessico; o professor ja nao podeconfiar na seara de titulos para a sua brilhante carreirae por isso 6 contra a guerra. Debato-me entre estas tr6sformas de escravidao espiritual; a minha humanidadesofre-as, sente-se, ofendida, sente uma diminuicao desi e da prOpria liberdade. Sofreria menos se ela tivessea certeza de ter experimentado uma afronta herOica,

de ter sido vitima de uma viol6ncia volunthria. Falcon-

C•O.() assinado, Avanti!, edleão piemontesa, 25-5.1917,secetto (Sotto la Mole).

( 1 ) or °el:Ledo do primeiro anlverstrto da entrada da Italiana guerra.

(') La Gazzetta del Popo

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tra-se presa entre a brandura estUpida do egoismo es-treito que se dobra sobre si prOprio, gemendo desconso-ladamente, e a impotencia para criar um pensamentohisterico da obscenidade democratica e da anquilosemental catOlica; entre a fatalidade transcendente que

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determina a histeria e empurra Os homens, inertesembrulhos de Ruse°, para a morte, e a fatalidade ima-nente ao regime autoritario, que desencadeia forgas de-moniacas, incontroláveis, indisciplinaveis, fora ja do

reino da vontade, operando brutalmente sobre todos,neutros e activos, fortes e debeis, inocentes e culpados.Entre estas duas fatalidades, o meu ser mais profundo,que luta corn angdstia para se sublimar numa liberdadeespiritual perfeita, para alcangar a adesao mais completaentre o acto e o facto, entre a vontade e o sucesso, dese-jaria desvincular-se num canto Uric() ao homem maislivre, a criatura mais material de substancia eterna que

nosso pensamento e o nosso operar fatigante nummundo obtuso e inerte vem preparando ao homemque matou todas as fatalidades, todas as forgas demo-niacas incontrolaveis e que, por isso, comegou hoje

por renegar a fatalidade do mundo burgues, e quese esforga hoje, com todas as armas dialecticas, cornsorriso, corn o sarcasmo, com o soligismo coura-

gado, por faze-la renegar a um 'lamer° semprecrescente de homens, que se esforga, corn urn tra-baiho corrosivo de critica implacfivel, por chegar,atraves da purificagdo dramaticamente alcangada corna dor, a impassibilidade esteica da consciencia universal,para julgar os acontecimentos corn os olhos born aber-tos, corn o cerebro dilatado, contendo no ritmo do seupensamento os ecos da nnisica universal, do acordo po-liffmico e das aspiragees dos homens mais livres de todo

mundo. E porque as palavras, moedas carcomidas deum mundo carcomido pela retOrica dos patrees, nee saoreceptivas ao impeto da consciéncia do homem livre,

meu ser mais profundo alirnenta-se da sua prOpriapaixao, momentaneamente circunscrita a muito poucosindividuos, evitando servir-se, num mundo de larvas de-lirantes numa prisao de nevoa, das prOprias palavrasque servem para adensar esta prise° e torna-la maispestilencialmente nauseabunda.

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OS MAXIMALISTAS RUSSO S (*)

Os maximalistasussos sao aprOpria revolugaorussa.

Kerensky, Zeretelli, Cernof, sao o hoje da revolugao,sao os realizadores de um primeiro equilibrio social, aresultante de forgas em que os moderados tern aindamuita importancia. Os rnaximalistas sao a continuidadeda revolugao, sao o ritmo da revolugao: por isso sao aprOpria revolugao.

Eles encarnarn a ideia-limite do socialismo: queremtodo o socialismo. E tem esta fungao: impedir que sechegue a urn compromisso definitivo entre o passadomilendrio e a ideia, ser o vivente simbolo da Ultimameta a que se deve chegar; impedir que o problema ime-diato a resolver hoje se dilate ate ocupar toda a cons-ciéncia e se tone Unica preocupagao, frenesi espasme-dico que provoque problemas insuperaveis as ulteriorespossibilidades de realizagao.

E este o perigo maxim° de todas as revolugees: a for-magao da convicgao de que um determinado moment°da nova vida é definitivo e que é preciso olhar para teas

para consolidar o facto, para gozar finalmente o prOpriosucesso. Para repousar. Uma crise revolucioniria des-

129 Assinado A. G., li Grid() del Popolo, 28-7-1917.i( 1 ). Maximalistas eram os chamados no movimento operario

1 . itatto, segundo uma acepgao corrente que se estenderd a !mega°de extrema-esquerda do P. S. I., bolchevIstas (naloritartos). Maxi-malista quer diner tambëm segtildor do programa maxims, asocializagdo dos melos de produgao e de colocagtio dos produtos.

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gasta rapidamente os homens. Cansa rapidamente. Ecompreende-se um tal estado de Anita°. A Riissia teve,podem, esta fortuna: ignorou o jacobinismo. Por isso foipossivel a propaganda fulminea de todas as ideias, for-maram-se numerosos grupos politicos atraves desta pro-

cidos que a possivel realizar o socialismo a todo o mo-menta Estao nutridos de pensamento marxista. Sao re-volucionarios, nao evolucionistas. E o pensamento revo-lucionario nega o tempo como factor de progresso. Negaque todas as experi6ncias intermedias entre a concep-

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paganda, cada qual o mais audaz e sem querer parar,cada 11111 dos quais cr6 que o momenta definitivo a al-cangar ainda esteja longe. Os maximalistas, os extre-mistas, sac) o Ultimo anel lágico deste evoluir revolucio-

natio. Por isso se continua a lutar, se vai avante; todosseguem em frente porque ha pelo menos urn grupo quequer sempre seguir em frente, e trabalha corn as mas-sas, e suscita sempre novas energias proletarias e orga-niza novas forgas sociais que ameagam os cansados, queos controlam, que se mostram capazes de substitui-los,de elimini-los se nao se renovam, se nao se reanimamantes. Assim a revolugao nao pan, frac, fecha o seu ciclo.Devon os seus homens, substitui urn grupo por outromais audaz, e por esta instabilidade, por esta sua nuncaalcangada perfeigao, a verdadeira e unicamente revo-lugao.

Os maximalistas sao, na Russia, os inirnigos dos pol-&Cies. Sao o estimulo para os preg-uigosos: ate agora,derrubaram todas as tentativas de canalizagao da tor-rente revolucionaria, impediram a formagao de panta-nos estanques, de paludes mortos. Por isso sao odiadospelas burguesias ocidentais, por isso os jornais de Ita-lia, de Franca e de Inglaterra os difamam, procuram de-sacrediti-los, sufacá-los sob um monte de cantinas. Asburguesias ocidentais esperavam que ao enorme esforgode pensamento e de scal p que trouxe a luz a nova vidasucedesse uma crise de preguiga mental, um recuo daactividade dinamica dos revolucionarios que fosse oprincipio de uma adaptagao definitiva do novo estado decoisas.

Mas na RUssia nao existem jacobinos. 0 grupo dossocialistas moderados que teve o poder nas Maxis naodestruiu, nao pretendeu sufocar em sangue, a vanguarda.Na revolugao socialista, Lenine nao teve o destino deBabeuf. POde converter o seu pensamento ern forga ope-rante da hist6ria. Suscitou energias que nao morremmais. Ele e os camaradas bolchevistas estao conven-

gao do socialismo e a sua realizagao devam ter, no tempono espago, uma prova absoluta e integral. Basta que

estas experiéncias actuem no pensamento para seremsuperadas e se poder dar um passo em frente. E neces-

sari°, pelo contra/go, agitar as consciancias, conquistaras consciencias. E Lenine, corn os camaradas, agitaramconsciências, conquistaram-nas. A sua persuasao nao seficou na audicia de pensamento: encarnou-se nos in-dividuos, em muitos individuos; foi frutuosa em obras.Criou aquele grupo que era necessirio para se oporaos compromissos definitivos, a tudo o que pudesse tor-nar-se definitivo. E a revolugao continua. A vida tor-nou-se verdadeiramente revolucionaria; a uma activi-dade sempre actual, 6 uma continua troca, uma conti-nua escavagao no bloco amorfo do povo. Suscitaram-senovas energias, propagaram-se novas ideias-forga. Os

homens sao finalmente os artifices do seu destino, todosos homens. E impossivel que se formem minorias desp6-ticas. 0 controle a sempre vivo e entusiasta. Criou-se jiurn fermento que decompOe e recomptie, sem pausa, osagregados sociais, impede as cristalizagOes e impede quea vida adormega no sucesso momentaneo.

Lenine e os camaradas mais evidentes podem serarrastados pelo desencadear das tempestades que alespr6prios suscitaram. Nä° desaparecem todos os seussequazes. Sao ja muito numerosos. E o incendio revo-lucionario propaga-se, queima coragOes e cerebros no-vos, transforma-os em archotes ardentes de luz nova,

de novas chamas devoradoras de preguigas e de can-sagos. A rev olugao avanga ate a sua com pleta realizagao.Vern ainda longe o tempo em que sera possivel um rela-tivo repouso. E a vida 6 sempre revolugio.

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0 RELOJOEIRO (•)

Fala-se frequentemente de um antes e de urn depois.Espera-se uma data fixa. Cremos que nao existe ne-nhuma data fixa e cremos ser especificamente n6s, 86porque o nosso pensamento collie sempre na vida ummodo de ser perenemente aderente ao nosso pr6priopensamento. Entre a costumada vida social quotidianae a v ida de excepglo das revolugOes nao ex iste diferengaqualitative mas diferenga quantitative. Um pouco ouurn menos de determinados factores. As energies sociais

actives sio a aparencia sensivel e humane de determi-nados programas, de certas ideias; em tempo normal,ha urn equilibrio de forges cuja instabilidade tern osci-lageies minimas; quanto mats e stas oscilagifies se tornamirregulares e caprichosas, tanto mais se diz que os tem-pos shio calamitosos; quando o equilibrio tende irresis-tivelmente a mudar-se, admite-se que se entrou nummomento de vida nova. Mas a novidade é quantitative,nio qualitative.

Verificou-se uma escavagiio mais profunda na gangasocial. Agora a ganga esti-se metalizando e o metalnovo tem urn timbre, o nosso timbre. Mas este fen6-

meno existiu sempre porque n6s näo somos diferentes deontem, porque continuamos os nossos ontens. Encontra-mo-nos neste fen6meno; os outros espantam-se Isso érealidade, aderem amplamente, a.° fragmentariamente.A vida do pensamento estft substituindo a in6rcia men-

(•) Anima& A. 0., 11 Grid° delPopolo, 18-8-1917.

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tal, a indiferenga; 6 a primeira das substituigOes revo-lucionirias. Forma-se um novo hibito: o de nlo temero facto novo; primeiro, porque nao pode ser pior do que6 hoje, depois porque nos convencemos de quemelhor.

uma 'necessidade e uma desilu go; hoje 6 a prOpria rela-gdo cultivada por uma multidao, pela quase totalidade.E 6 a continuagio do nosso ontem, 6 para ars uma con-tinuidade, porque a vida 6 sempre uma revolugio, umasubstituiflo de valores, de pessoas, de categorias, de

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Comegou o processo ideal do regime, comegou a suadeclaragão de fal6ncia; perdeu aconfianga instintiva eccarneirista) dos indiferentes, porque fechou muitasportas. Entreabriu agora uma outra porta: a da vida,

aboca do forno, a porta do celeiro. Fecha-la-6. comple-tamente? A pergunta angustiada propaga-se nas lon-gas filas das mulheres que fazem bicha, as cinco damania, a porta daspadarias. Absorve todos, mesmo osmais humildes estratos da passividade social; agita osprOprios pilares da vida. E a ganga metaliza-se; todosvivern, todos se nutrem: as nascentes da vida secam ea passividade organiza-se em pensamento para se de-fender.

Por trios anos gozaram da confianga de uma pequenaparte activa da sociedade, disciplinaram exteriormentea imensa passividade social, os indiferentes; a outra

parte activa, que nelo se exterioriza, nao concedeu a suaconfianga, a sua colaboragéo. Agora tambem a imensapassividade se organiza em pensamento, se disciplina,não segundo esquemas exteriores mas segundo a neces-sidade da sua prOpria vida, do seu pensamento nascente.Nä° ha necessidade do acordo da harmonia pre-estabe-lecida. Se, como Leibniz, compararmos os nUmeros destahumanidade nascente aos relOgios duma oficina de re-lojoeiro, observamos o mesmo acto: a harmonia pró-es-tabelecida, o facto de indicarem todos a mesma hora, depensarem todos a mesma coisa, de serem todos tortura-dos pela mesma perturbagdo, nãoresulta de um acordo,de uma troca de vontade. 0 mal-estar provêm do relo-joeiro que faz saltar ao mesmo tempo todas as molas,que imprime um movimento sincrono a todos os pontei-ros. 0 mal-estar provêm do relojoeiro que criou umaunidade social nova, corn estimulos novos, nblo exterio-res mas interiores. Urna unidade social mais extensa doque a que existia ontem, determinada pela mesma causa.Ontem o mal-estar provinha da relag gio de insatisfagioentre um dado pens?.mento politico' e eccmOmico, entre

cInsces. Os homens, por6m, dao o nome de revolugdogrande revolugão, a que faz participar o mfiximo //O-mer° de individuos, que desloca urn major niimero derelag8es, que destr6i o equilibrio para o substituir por

um outro, orginico. Distinguimo-nos dos outros homensporque concebemos a vida sempre revolucionfiria e, por-tanto, arnanhi nao declararemos definitivo o nosso mun-do realizado mas deixaremos sempre aberta a via parao melhor, para harmonias superiores. Nao seremos nun-ca conservadores, nem mesmo em regime socialista; que-remos que o relojoeiro das revolugOes nä ° seja um factomecanico como o mal-estar, mas seja a audicia do pen-samento que cria macs sociais sempre mais altos e lu-minosos.

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CARACTERES (*)

Nat) é tempo de sermoes ( 1 ). A censura nao no-lospermitiria e, de resto, aborrecemos os sermOes. Temosplena confianga no proletariado de Turim e na sua ma-turidade. Deixamos aos patriotas a agradavel fun*, deencher os cerebros [dezasseis Unitas censuradas].

0 proletariado de Turim é agora ferozmente mor-dido poles seus adversariosas teve tam-ham testemunhos de admiragio inesqueciveis.

Nao podiam faltar os desabafos dos primeiros. Asmeias consciOncias odeiam os fortes, nio so par aversaode ideias mas tambem polo simples facto de quo saofortes e poem em maior evidencia a incapacidade dos ou-tros.

(•) NA° assinado, Ii Grid° del Papoio, 8-9-1917.( 2 ) e 22 a 26 de Agosto rebentou em Turim uma revolts.

popular quo, originada pela faits de plc*, se transformou rapids-mente numa revolts armada contra a guerra, corn claro conteudosubversive, socialists. A rebeliao apagou-se em sangue (matsde cinquenta mortos, centenas de feridos, milhares de prisonentre os operirios revoitosos, muitos dos quaffs enviados parsaguerra nas companhias disciplinares, e entre os dirigentespoliticos e studies's socialistas). Depots dos sfactos de Agostov,Gramsci fot nomeado provisorlamente eecretfirlo da seeclo deTurim do P. 8.1. e tornou-se director do Grillo del Poyaia (de auese tinha tornado, de resto, co ante° redactors, come ele preprlorecorder/ no nUmero de 19 de Outubro de 1918). Este 6 o primeirocomentfirto, certamente nu, do jornal dos socialistas de Turim,censuradissimo, relativamente A :Ahmed° quo se segutu A revolts_Cf. Alberto Monticone, cIl socialism° torinese e I fait" dell'agosto1917,, in Rassegna storica del Rissorgienento, Janeiro-Marco 1958,

Torino operait s stela grande guerra, pp. 235-253 e 281-265.

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De resto, nä° 6 preciso perturbar-se pelo Odio, comonão 6 preciso exaltar-se pela admiragdo. 0 Odio e aadrniragio näio produzem. SO a vida produz: a vida queacgao disciplina.da, que a firme propOsito, que 6 von-tade segura e indomésel, que a servigo dificil do indi-viduo pela colectividade.

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A vida de cada dia recomegou. Ao heroismo sucedecomum evoluir das pequenas coisas quotidianas. 2

pela forga, pela tenicia corn que entre si prOprios e nasrelag5es corn os outros se vencem os desalentos, que serecria a organizagi.o, que se tecem os infuneros fios queunem os individuos de uma classe. Ousamos dizer queeste heroismo a mais produtivo do que o outro. Temnecessidade, pars ser activado, da continuidade Mean-

Todos os italianos sO.o capazes do heroismo deocasião, teatral, que pode ser produtivo, mas que podetambem parecer desperdicio de energia. 0 proletariadomostrou-se superior. E capaz de assumir todas as res-ponsabilidades. E um organismo social, 6 uma comple-xidade de vida, que näo produz so clanks ofuscantesmas sabe tambem difundir 3 sua volta a luz continua dolabor minucioso, incessante, que tempera a luta, que

forma a implacivel poténcia do catheter, que nunca sedesmente a si prOpria, que depois de um fracasso naorelaxa os seus tendOes, mas, pelo contrario, se levanta,mais numeroso do que dantes, mais bent preparado doque dantes, mais experimented° e mais aguerrido.

ANALOGIAS E METAFOR AS (*)

0 senhor Claudio Treves deleita-se com «subtis ana-logias, ( 1 ) (Critica satiate, 1-17 de Setembro). De talmodo se deleita que a elas, e as suss afins, as metOlo-ras, sacrifica o pensamento, a pesquisa afanosa da ver-dade, a prOpria compreensao do particular mundo emque ele se itude de viver e de operar.

Atraves das analogias e metaforas, a vida, a vidados homens, que a sangue e dor, que a sofrimento e luta,transforma-se em qualquer coisa de abstracto, de sim-plista, de materialmente isensivel como as pegas de urnxadrez, a que se di° preventivamente names e valores

depois se fazern mover e saltar corn urn gesto de mho,preventivamente seguros do sucesso ou do insucesso;

abstracto chega a tal ponto que a forga de vontade,negada como factor activo de hist6ria, posta em jogocoma «expectativa confiante do milagrex,, vem depoisreintegrada em todo o seu valor como facto negativo. Avontade s6 6 activa quando nega, 6 fluid° idealista quan-

(•) NSo assinado, It Grid° dot Popoio, 15-9-19 17.

(') No editorial "Antics Predica", Claudio Treves eustentavaque os socialistas deviant afastar todas as tentativas de *timerqualquer colas por tenet*, pots cada impulso popular, na sttuaglopresente, teria sldo tnecessariamente esterith e destinado e1 falen-eta, pelo menos chiral; porque sacrifica[va] os math generosos

audazes). Treves aconselhava, portanto, tuna <cautelosa es -peas e uma ctransigéncia active), apresentando tambêm oexemplo da Mesta que, nAo obstante a revolt/0th, devia continuera guerra. Treves criticava finalmentecomb antimarxlsta,exaltagio de Mat que conduzem a histeria7.

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do afirma; a vontade a activa quando «defende), 6 pie-dosa ilusao de cretinos quando toma umaPara a «subtil, dialtctica do senhor Treves, conceitual-mente sc5 existe a defensiva: a ofensiva é delirio de men-talidades enfermas.

A verdade a que o senhor Treves, testratega) daluta de classes, reivindicou os clue atafulham os cra-

dos a um cadaver. Vivem no proletariado e a sua forgaesta na forga do proletariado e a sua potencia residenesta aderincia perfeita.

0 senhor Treves declara que urn determinado actode vida 6 urn cerro). Mas erro e verdade sao actor dopensamento: a vida é, simplesmente; o sucesso e o in-

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nks* que nos deliciam nos jornais burgueses. Exagerouseu metodo. Reduziu a esquemas, a pegas de xadrez,que é absolutamente irredutivel. A csubtii analogia

estrategica entre a guerra e a luta de classes) induziu-oa dar corpo aqueles vaos fantasmas metafOricos que sac)cexercito proletasio) corn os seus batalhaes, corn as

suas fortalezas, corn os seus campos entricheirados. Ima-ginou toda uma hierarquia de oficiais, sargentos, cabos

soldados do partido, das organizag5es, das oficinas.Viu-os moverem-se, bem enquadrados nas filar de as-salto ao inimigo, <ma fluid() que a vitOria a uma metaactiva, aqual, para nä° ser vinculada a circunstanciasreais, objectivas, se alcanga corn qualquer meio e bastaagir para que, na acgio, todos os esforgos sejam validos,todas as vontades sejam sagradas pant o triunfo3..

A verdade é que a csubtil analogia) do senhor Tre-ves, sendo tao subtil, acaba por ser absolutamente isentade inteligtncia.

0 proletariado nao é urn exercito, nao tern oficiais,sargentos, cabos e soldados. A sua vida colectiva naopode ser sequer longinquamente cornparada a vida colec-tiva de urn exercito em armas, a nao ser por acaso, pormetafora. 0 proletariado tem uma vida colectiva quenao pode entrar em nenhum esquerna abstracto. E umorganismo em continua transformagao que tern uma von-tade, mas esta nao 6 a vontade livresca contra a qual osenhor Treves atira setas de papel impresso. Os socia-listas nä° sao os oficiais do exercito proletario, silo umaparte do prOprio proletariado, talvez asua conscitincia,mas como a consciencia nao pode ser separada do indivi-duo, assim os socialistas nao podem ser pastas em dua-lismo corn o proletariado. Sao uma coisa se, apenas uma,e nit() dirigem mas vivem cam o proletariado, como asangue circula e se move nas veias de um corpo e naopode viver e mover-se entre tubos de borracha enrola-

sucesso nao sac) predicados necessirios. Demonstrar quese viva, assegurar-se que existe, sentir bater o prOpriocoragao e o pulsar das veias é ja urn sucesso, é o maiorsucesso da vida.

A exist6ncia, a demonstragio da exist6ncia é o pro-blema maxima do proletariado italiano, neste momenta.E este proletariado //an é o mesmo de ha tits anos.mais extenso numericamente, atravessou mais intensasexperiencias espirituais, nao teve tempo para se organi-zar ainda; tar) se pode organizar. As elaboragOes, asabsorgOes de cultura socialists, possiveis em temposnormais, ja nao sao possiveis agora, normalmente.0 Partido Socialista, o socialismo italiano, é agora maisrico de seiva do que hi trts anos Mas nao conhece todasas suas forgas, agita-se ou tende a transformar-se emorganismo mais amplo e transborda aqui e ali, sem corn-

postura segundo o born senso filisteu, frutuosamentesegundo uma concepgao d e vida sem preconceitos.Sentimo-nos solidarios corn este novo e imenso pulu-

lar de forgas jovens, nao negamos o que os filisteuschamam erros e alegramo-nos corn o sentido de vidagenerosa que se respira. Deploramos, portanto, a velhamentalidade abstracta que, cheia de ornamentos, exp.&as avelhas predicasv e se pavoneia sobre as muletas dassubtis analogias e das metaforas obsoletas 0 proleta-riado • nao quer pregadores de futilidades, frios alqui-mistas de palavras, quer compreensao inteligente e sim-patia cheia de amor.

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DEMAGOGIA (•)

DemagO gico e demagogia sãoas duas palavras maisem yoga usadas pelas pessoas bem pensantes, em pan-tufas, para dar o golpe final a actividade dos ccabeci-lhas*, dos tinstigadoresx. socialistas. Demagogia, pars orefinado senso linguistico de Tartufo, tern apenas estepreciso significado: actividade, propaganda socialistadestinada asacudir os adormecidos, a organizar os in-deferentes, a conceder estimulos de analise e de liber-dade a quantos ate agora permaneceram fora da vida e

das lutas sociais.A demagogia não 6, em suma, urn modo de fazer pro-paganda, mas a uma certa propaganda, a propagandasocialista. Demagogia não e o juizo moral que se podedar da ligeireza, da superficialidade, da leviandade cornque se procura formar uma convicgko, mas 6 um factohistOrico, o movimento ideal que 6 a face mais vistosada accão educativa do Partido Sonialista. Assim Tar-tufo modifica o vocabulario, determina uma certa even-tualidade as palavras. Reabilitou a palavra «malfeitors,esta enobrecendo a palavra demagogia. Daqui a algumtempo, quando o movimento socialista tiver tanta forga

que consiga imprimir a lingua o seu justo significado,o que agora 6 malfeitor adquirirk finalmente o signifi-cado de homem honesto (e vice-versa), e demagogia que-rara dizer mótodo s6rio de politica e de propaganda,

(•) NAo assinado, Avanti!, eclicAo ptemonteaa, 10-10-1917,;mega() tSotto la Mole).

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fundamentado na realidade dos factos e nao sobre asaparencias mais vistosas e por isso mais faliveis.

Esperando aquele dia, continuamos a dar a palavrao seu antigo significado e continuamos a aplici-la aosdemagogos, isto é, aos que se servem de saltos lOgicospara parecerem verdadeiros, que falseiam cientifica-mente os factos pars parecerem os triunfadores, os quais,

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para se embriagarem corn a viten-la do instante, sax) in-sinceros e apressados.

Chamaram-nos demagogos porque nos apetece chamar

ctubaraes, aos fornecedores militares. E fizeram-nosobservar que alguns destes tubaraes pagam duas milliras pela publicidade do nosso jornal. Somos «demago-gas) porque nao nos deixamos guiar, nas nossas aprecia-gOes, pelo criteria do ail; viva, pois a demagogia! Somosdemagogos porque !ado somos imbecis, porque nao que-memos confundir o inconfundivel. Porque nao nos en-vergonhamos que o nosso jornal leve duas mil liras parurn contrato de publicidade livrernente aceite, em livreconcorrencia corn os outros fornecedores de publicidade,ao mesmo tempo que pensamos que se devem envergo-nhar dos seus lucros, que podem ser chamados dubs-

roes, os que abusarn da sua posigao de indispensaveis,da falta de concorrencia para esvaziar o erazio pfiblico,para impor os pregos que permitem o enriquecimentosübito e a reforma dos afortunados que aproveitaram omomenta. Porque nao nos movemos a partir das aparen-cias faliveis, porque nao julgamos corn o criteria doUMl imediato, somas demagogos e os outros sal() pessoasserias, mestres de bern viver. Com estas reviravoltasde senso comum se demonstra a nossa desonestidade, anossa demagogia. E contribui-se, pelo menos, para atransformagao dos significados das palavras do voca-bulário italiano.

GATAFUNHOS ( •)

Uma vez, duas vezes, tit vezes... Escreves e apa-gam, escreves e apagam... Molhas a caneta, a mao aban-donada a meia altura, titubeante. 0 cerebra esti parado,nao transmite a mao, aos dedos, o impulso para se mo-verem. A mao desce sobre o papel e a ponta de agopasseia sabre a brancura descrevendo complicadissimosgatafunhos, labirintos sem saida. Procura-se afanosa-mente a saida. 0 pensamento toms-se subtil corn aangastia, bate nas paredes para ver se elas se abrem

numa passagem possivel. Comega-se. Apaga-se. Reco-mega-se. A expressao torn-se fluida, repousa o trabalhode aglutinagao das frases e dos, periodos, afrouxa oesforgo inicial. Fica-se persuadido de ter encontrado 0equilibria indispensivel entre as necessidades da prOpriasinceridade e as agressees irracionais da censura.Aguarda-se corn ansiedade. Assim mesmo, com ansie-dade, porque amamos tudo o que nos solicitou urn esforgopara nascer, pars se manifestar. Sentimos as mesmasimpressilies de outrora, diante dos examinadores, comesta diferenga: que com os examinadores estivamosconvencidos de lidar corn individuos absolutamente

superiores que tinham verdadeiramente a capacidadede julgar os nossos esforgos, os nossos mentos. Agorasentimos, pelo contririo, a incapacidade absoluta, aimpreparagao absoluta em quern, armada de caneta,

(•) Mtn assinado, Avanti!, edietto plemontesa, 14-11-1917,secglio (Sotto la Moles.

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coma entao, julga e ordena. Mas ha uma igualdadeentre uns e outros, sentimos que tuna igualdadeexiste. Encontramo-nos agora, coma entao, diante deitalianos, de velhos italianos (ainda quando jovens deidade), que nao dao nenhuma importancia aos outros,ao trabalho, ao esforgo dos outros, a personalidade mo-ral dos outros. Detentores, por urn momenta, de um po-

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der (embora pequeno), querem deixar um vestigio dele,urn vestigio o maior possivel. 0 velho italiano nao estahabituado a liberdade, nao se fala ja de liberdade corn

L maiusculo, abstracgao ideolOg ica, mas a pequena, con-crete, liberdade que se exprime no respeito pelos ou-tros, pelo trabalho, pelos esforgos, pela personalidade epelas necessidades morais dos outros, que vence as pe-quenas, exasperantes e intiteis irritagoes, que impae, aqueue tem o poder (mesmo que seja um pequeno poder) oacto de evitar ate a aparencia de uma injustiga, de 1 1 M

abuso; que tem confianga nas boas energias dos homensnao passa a foice por um campo de trigo para destruir

quatro papoilas e meia dazia de tenras hastes de joio;que acha natural que assim seja, que ao trigo se misturejoio e papoilas, porque um a vida colectiva so a sa quandoha luta, atrito, choque de sentimentos e paixees e se naluta se revelam os fortes, os indispenthveis, as homensde fe e de aced° que tapam a boca a critica agindo for-temente. Mas o velho italiano nao cornpreende um podersem repressiies: se em Italia existisse a pena de morte

ninguem sofresse esta sangdo, o carrasco, para naoestar sem fazer nada, tornar-se-ia mandatario de assas-sinios e de estupros para fazer trabalhar os seus

0 mesmo sucede em muitas aldeias da Italia me-ridional, onde os gu ardas rurais danificam, ales prOprios,a propriedade privada para fazer sentir que sale indis-pensiveis. Assim o censor, para fazer notar quanta efatigante e irduo o seu trabalho, risca, risca, risca tu-

do tudo tudo, trigo e papoilas, trabalho e tedio, bem emal. E acaneta continua a tragar gatafunhos, esperandoporque sente que esta barbfirie (a confusao nos criterios,

arbitrio e o abuso sac) barbirie) se esgotara na pro-pria rain.

A REVOLugAo CONTRA 0 CAPITAL (•)

A revalued.° dos bolchevistas inseriu-se definitiva-mente na revolugao geral do povo russo. Os maxima-listas, que foram ate ha dois meses o ferment° neces-sari° para que os acontecimentos nao parassem, paraque o movirnento para o futuro nao se detesse dandolugar a urna forma definitiva de adaptagdo — que se-ria uma adaptagao burguesapoderam-se do poder,estabeleceram a sua ditadura e estao elaborando as for-mas socialistas em que a revalued* devera finalmenterepousar para continuar a desenvolver-se harmonica-mente, sem grandes choques e partindo das grandesconquistas je. realizadas.

A revalued° dos bolchevistas determinou-se mais porideologias do que por factos (por isso, no fundo, pouconos importa saber mais do que ja, sabemos). Ela e arevalued° contra o Capital de Karl Marx. 0 Capital deMarx, na Russia, era mais o livro dos burgueses do quedos proletärios. Era a demonstragao critica da fatal ne-cessidade que na Russia se formasse urna burguesia, seiniciasse uma era capitalista, se instaurasse uma civili-zagao de tipo ocidental antes que o proletariado pudesse

sequer pensar na sua desforra, nas suss reivindicagOes

(•) Assinado Antonio Gramm!, Avantt!, &NEM milanesa,24-11-1917; fol, em seguida, publleado por Grido del Papolo de5-1-1918, corn a seguinte advertencia: cA censura de Turim °rot-Mu completamente este artigo ao Grido. Reproduzimo-lo agorado Avanti!, passado ao erivo das censuras de 1411An e Roma.,

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de classe, na sua revolugao. Os factos superaram as ideo-logias. Os factos fizeram rebentar os esquemas criticosentre os quais a histeria da Russia deveria desenvol-ver-se, segundo o s canones do materialismo hist6rico. Osbolchevistas renegam Karl Marx, afirmam corn o tes-temunho da acgao desenvoivida, das conquistas realiza-

tade [...] ( 1 ) por uma incessante continuidade e multi-plicidade de estimulos exteriores. Eis por que, normal-mente, os canones de critics, histOrica do marxismo co-lhem a realidade, a enredam e a tornam evidente e dis-tinta. Nomnalmente, a atraves da luta de classes sempremais intensa que as duas classes do mundo capitalistscriam a histOria. 0 proletanado sente a sua miseria

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das, que os canones do materialismo histOrico nao sac)tao fOrreos como se poderia pensar e se pensou.

E, todavia, ha tambem uma fatalidade nester aeon-

tecimentos e se os bolchevistas renegam algumas afir-magOes do Capital nao the renegam o pensamento ima-nente, vivificador. Eles nao Sao «marxistas,, eis a ques-lac); nä° compilaram a partir da obra do Mestre umadoutrina exterior, afirmagOes dogmiticas e indiscuti-veis. Vivem o pensamento marxista, a que nao morrenunca, que é a continuacao do pensamento idealista ita-liano e alemao e que em Marx se tinha contaminado cornincrustagOes positivistas e naturalistas. E este pensa-mento apresenta sempre como maxima factor de histerianao os factos econOmicos, materiais, mas o homem, masa sociedade dos homens, dos homens que se apoiam

mutuamente, se entendem mutuamente, desenvolvematravês destes contactos (civilizagao) uma vontade so-cial, colectiva, compreendem os factos econOmicos, jul-gam-nos e adequam-nos a sua vontade, ate que esta setome a forga motriz da economia, e plasmadora da rea-lidade objective, que vive e se move e adquire catheterde materia teldrica em ebuligao, que pode ser canalizadaonde e como convenha A vontade.

Marx previu o que era de prever. Nan podia prever aguerra europeia, ou melhor, nao podia prever que estaguerra teria tido a duragao e os efeitos que acabou porter. Ma podia prever que esta guerra, em trés anos desofrimentos indiziveis, de mithrias indiziveis, teria sus-citado na Rilssia a vontade colectiva popular que susci-tou. Uma tal vontade, desencadeada normalmente, parase formar, tem necessidade de urn longo process° deinfiltragOes capilares, de uma large serie de experiênciasde classe. Os homens sao preguigosos, tern necessidadede se organizarem, primeiro exteriormente em corpora-goes, ligas, depois intimamente, no pensamento, na von-

actual, esta continuamente em estado de necessidade epressiona a burguesia para meihorar as pthprias condi-gOes. Luta, obriga a burguesia a melhorar a têcnica daprodutho, a tornar mais fail a produtho para tornar,possivel a satisfagao das suss necessidades mais urgen-tes. E uma corrida afanosa para o que é melhor, queacelera o ritmo da produgao, que di continuo incre-mento a soma dos bens que servitho a colectividade. Enesta corrida muitos caem, tornando mais urgente odesejo dos que ficam; e as massas estao sempre em so-bressalto, e de caos-pov o torna-se sempre mais em ordemno pensamento, torna-se sempre mais consciente do prO-prio poder, da prOpria capacidade de assumir a respon-sabilidade social, tornando-se o irbitro dos seus destinos.

Isto, normalmente. Quando os factos se repetemcom urn certo ritmo. Quando a histdria se desenvolvepor momentos sempre mais complexos e ricos de signi-ficado e de valor, mas semelhantes. Mas, na Russia, aguerra serviu para agitar as vontades. Atravês de so-frimentos acumulados em fres anos, estas encontra-ram-se em unissono muito rapidamente. A carestia eraiminente, a fume, a morte pela fame, podia collier todos,ceifar de repente dezenas de milhc3es de homens. Asvontades eneontraram-se em unissono, primeiro meca-nicamente, activa e espiritualmente depois da primeirarevolugao (2).

A propaganda socialists p8s o povo russo em con-tacto com as experiancias dos outros proletariados. Apropaganda socialista faz viver dramaticamente nurninstante a histOria do proletariado, as suss lutes contrao capitalismo, a longa aerie dos esforgos que deve fazer

( 1 ) a c u na no t e x to .( I ) revoluctio de Fevereiro (Margo) de 1917.

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para. se emancipar idealmente dos vinculos do servilismoque o tornavam abjecto, para se transformar em eons-elência nova, testemunho actual de urn mundo futuro.A propaganda socialista criou a vontade social do povorusso. Porque havia de esperar que a histOria da Ingla-terra se renovasse na RUssia, que na Russia se formassetunaburguesia, que a luta de classes fosse suscitada

quando os proletarios sentirem que este. na sua vontade,na sua capacidade de trabalho, suprimi-lo no menortempo possivel.

Temos a impressdo que os maximalistas foram, nestemomento, a expressio espontinea, biologicamente neces-sária para que a humanidade russa no caia na ruin

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para que nascesse a consciencia de classe e suce-desse finalmente a catastrofe do mundo capitalista?0povo russo passou por estas experiencias. Ser-ve-se delas para afirmar-se agora, como se servirà dasexperiencias capitalistas ocidentais para alcangar bre-vemente as indices de produgdo do mundo ocidental. AAmerica do Norte e capitalisticamente mais progressivado que a Inglaterra, porque na America do Norte os an-glo-saxOnicos partiram do estadio a que a Inglaterratinha chegado depois de longa evolug5o. 0 proletariadorusso, educado socialisticamente, comegari a sua his-Oda do estidio maxima de produgdo a que chegou aInglaterra de hoje, porque, devendo comegar, comegarido ja perfeito noutra parte, e deste perfeito recebera oimpulso para alcangar aquela maturidade econOmica que,segundo Marx, 6 condigdo necessiria para o colecti-vismo. Os revolucionfirios criario, eks pr6prios, as con-digiks necessfirias para a realizagao completa e plena doseu ideal. Cris-las-ao em menos tempo do que teria le-vado o capitalismo. As criticas que os socialistas ternfeito ao sistema burgués, para per em evidencia as im-perfeiglies e as dispersOes de riqueza, servirão aos revo-lucionirios para fazer melhor, para evitar estas dispar-ities, para nä° cair naquelas deficiencias. Sera, em

o colectivismo da miseria, do sofrimento. Mas aspreprias condigOes de miseria e de sofrimento seriamherdadas por urn regime burgues 0 capitalismo nao po-

deria fazer subitamente, na Russia, mais do que poderafazer o colectivismo. Faris hoje muito menos porqueteria subitamente contra si urn proletariado descontente,frenetic°, incapaz de suportar por mais tempo as dores eas amarguras que a necessidade econOmica traria.Mesmo de um ponto de vista absoluto, humano, o socia-lism° imediato tem na Rfissia a sua justificagEo. 0 sofri-mento que vire. com a paz se poderfi ser suportado

mail horrivel, para que a humanidade russa, absorven-do-se no trabalho gigantesco, autOnomo, da prOpria re-generagio, possa sentir menos os estimulos do lobo

esfomeado e a Russia tido se tome numa carnificina deferas que se despedagam mutuamente.

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LEITURAS (*)

Tenho aqui sabre a mesa algumas publicagOes recen-tissimas. Outras sic) anunciadas. Recebi duas ou tréscirculares que anunciam a saida de periedicos que deve-the tratar as problemas que se referem a complexaaccao que o proletariado deve desenvolver para alcangaros seus fins imediatos ou Altimos. Discorro corn cama-radas, corn amigos, corn gente afim. Sinto ern todosqualquer coisa de diverso. Despontam novas necessida-des que estimulam o pensamento. A realidade ambiente

é vista agora corn pontos de vista novos. Todos estäoinquietos, em todos existe um tumulto de intengOesainda incertas e vagas, que se exprimem genericamente,que nao conseguem solidificar-se.

Porque esconde-lo? Tambêm eu participo desta in-quietude, desta incerteza, certo de reprimir as esti-mulos, de nao deixar submergir-me pela onda de im-pressOes novas que batem a porta da consciZncia e que-rem ser acolhidas e querem ser examinadas.

Trés anos de guerra trouxeram muitas modificagOesao mundo. Mas esta é, talvez, a maior de todas as mo-dificagOes: fres anos de guerra tornaram sensivel omundo. Nes sentimos o mundo; antes, se o pensavamos.Sentiamos o nosso pequeno mundo, arenas participantesdas dores, das esperangas, das vontades, dos interesses,do pequeno mundo no qual estivamos mergulhados maisdirectamente. Soldivamo-nos a colectividade math vasta

(•) Assinado A. G., II Glick del Porto, 24-11-1917.

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s6 corn urn esforgo de pensamento, corn umenorme es-forgo de abstracgao. Agora a soldagem tornou-se maisintima. Vemos distintamente o que antes era incertoe vago. Vemos homens, multidOes de homens, onde ontem86 viamos Estados ou homens singulares representati-ves .

A universalidade do pensamento concretizou-se, ten-

que o presente. Todos os desiludidos, mas especialmentetoda a enorme multidao que tras anos de guerra condu-ziu a luz da hist6ria, motivaram urn interesse pela yidscolectiva, esperam de ribs a salvagdo, a ordem nova. Folsuscitada uma crise espiritual enorme. Necessidadesinauditas despontaram em quern, ate ontern, nao tinhasentido outra necessidade que ride fosse a de viver e de

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de, pelo menos, a concretizar-se. Algoma coisa desabanecessariamente, em nos e nos outros. Forrnou-se urnclima moral novo: tudo se move, tudo a instável, fluido.

Mas surgem as necessidades do momenta e, por isso, ofluido tende a estancar-se; o que nao a mais do queaventura espiritual quer transformar-se em definitivo.0 estimulo para o pensamento apresenta-se como pen-samento ordenado e perfeito. 0 que a apenas veleidadepOe-se coma vontade clara e concreta. E nasce o caos,a confusdo das linguas, e cruzarn-se as propostas maisdisparatadas com as mais luminosas verdades.

Expiamos assim a nossa ligeireza de ontem, a nossasuperficialidade de ontern. Desabituados de pensar, con-tentes corn a vida do dia-a-dia, encontramo-nos hojedesarmados contra a tempestade. TinMamas mecanizado

a vida, tinhamo-nos mecanizado a nos pr6prios. Con-tentivamo-nos corn pouco: a conquista de uma pequenaverdade enchia-nos de tanta alegria como se tivessemosconquistado toda a verdade. Fugiamos dos esforgos,parecia-nos infrtil pOr hipOteses longinquas e resolv e-las,mesmo provisoriamente. Eramos misticos sem o saber.Ou dkvamos muita importancia a realidade do m omento,aos factos, ou nao lhes dkvamos nenhuma. Ou 6ramosabstractos porque de urn facto, da realidade, faziamostoda a nossa v ida, hipnotizando-nos, ou eramo-10 porquenos faltava completamente o sentido histOrico, e naovfamos que o futuro precipita as suas raizes no presente

e no passado, e que os homens, os juizos dos homens,podem fazer saltos, devem fazer saltos, mas nao a ma-thria, a realidade econOmica e moral.

Major 6, pais, o dever actual de pOr uma ordem emnée. 0 mundo aproximou-se de nos, mecanicamente, porimpulsos e forgas que nos eram estranhos. Inconscien-temente, muitos veem em n6s a salvagao. Eramos osfinicos que preparivamos urn futuro diferente, melhor do

nutrir-se. E isto precisamente no momenta histOrico —como, de resto, necessariamente devia suceder — emque se verifies a maior destruigao de bens que a hist&ria regista, aqueles bens que, so eles, podem satisfazer amaior parte daquelas necessidades.

As publicageies novas, as novas revistas, nao me dao,nao conseguem dar-me, nenhuma das satisfag6es que euprocuro. Into, de resto, nao a uma razio de desconforto.As satisfagOes, devo procurfi-las se, e mim pr6prio, nointimo da minha consciencia, onde podem compor-setodos os dissidios, todas as perturbagOes suscitadas pe-los estimulos externos. Estes livros, para mim, nao sac)mais do que estimulos, do que oportunidades para pen-sar, para pesquisar em mim prOprio, para encontrar emmim as razOes profundas do meu ser, da minha parti-

cipagao na vida do mundo. Estes leituras convencem-memais uma vez de que um grande trabalho deve ser aindafeito por nOs, socialistas: trabalho de interiorizagao, tra-balho de intensificagdo da vida moral.

Paira a ameaga duma campanha cerrada para a re-visa ( ) das fOrmulas, dos programas ate gora adoptados.Este revisionismo nao a necesskrio. Os erros que secometeram, o mal que nao se Ode evitar, nao sic) devi-dos a formulas ou programas. 0 erro, o mal, estava emnos, estava no nosso diletantismo, na ligeireza da nossavida, estava no costume politico geral, de cujas perver-sties tamb6m nos participávamos inconscientemente. As

f6rmulas e os programas eram exteriores, nao eram ani-mados por muitos; nao os viviamos com intensidade,corn fervor, nao vibravam em cada acto da nossa vida,em cada momento do nosso pensamento. Mudar asfOrmulas nao significa nada. Ocorre que mudemos nospr6prios, que mude o m6tado da nossa accao. Estamosenvenenados por uma educagao reformists que destruiuo pensamento, que mergulhou num pantano o pensamen-

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to, o juizo contingente, ocasional, o pensamento eternoque se renova continuamente mesmo mantendo-se imu-

Somos revolucionazios na negro, reformistas nopensamento: operamos bem e pensamos mal. Progredi-mos mais por intulgio do que pelo pensamento, e istoleva a uma instabilidade continua, a uma continua insa-tisfagio: somos mais temperamento do que catheter.

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Nick sabemos nunca o que os nossos camaradas podethofazer amanha; estamos desabituados de pensar concrete-mente e, por isso, nao sabemos fixer o que se deve fazer

amanha e se o sabemos por nos, nao o sabemos pelosoutros que sio camaradas de luta, que deverao coorde-nar os seus esforgos aos nossos esforgos.

Na complexa vide do movimento proletario falta um&glitz sentimos que falta um &gen Deveria existir,paralelamente ao jornal, as organizagOes econOmicas,ao partido politico, um Orgelo de controle, desinteressado,que fosse o fermento perene de vida nova, de analisenova, que favorecesse, aprofundasse e coordenasse asdiscusseies, fora de todas as contingencies politicas eeconOmicas.

No decurso destas leituras, estas necessidades que

eu sinto, que muitos outros sentem igualmente,concretizando e, coin a ajudados camaradas de boa von-tade, sera perseguida uma solugio e indicada uma viaa seguir.

INTRANSIGENCIA-TOLERANCIA.

INTOLERANCIA-TRAN SIGENCIA (•)

Intransigencia a nao permitir que se adoptem — paraalcangar um fim — meios nao adequados ao fim e denatureza diverse do fim.

A intransigencia o predicado necessario do cathe-ter. E a (mica prove da existencia de uma determinadacolectividade, como organismo social vivo, isto 6, ternurn fim, uma vontade (mica, uma maturidade de pensa-mento. Porque a intransigencia requer que cada partesingular seja coerente corn o todo, que cada memento

da vida social seja harmonicamente pth-estabelecido,que tudo tenha sido pensado. Quer que se tenham prin-cipios gerais, claros e distintos e que tudo o que se fazdependa necessariarnente deles.

Para que um organismo social possa ser disciplinadointransigentemente 6 necessario, pois, que ele tenha umavontade (urn fim) e que o fim esteja de acordo com areap , seja um fim verdadeiro e nao urn fim ilusOrio. Naobasta: 6 preciso que da racionalidade do fim estejamconvencidos todos os componentes singulares do orga-nismo, para que nenhum possa recusar a observencia dadiscipline, para que os que querem fazer observer a

discipline possam pedir este observincia como cumpri-mento de uma obrigagio livremente aceite, em vez deuma obrigagio a fixer pars a qual o pthprio recal-citrante contribuiu.

(•) Aasinado A. G., /I Grido del Popolo, 8-12-1917, seccloeDef lnizIonis .

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Destas primeiras observagaes resulta que a intran-sigancia na acgao tern por seu pressuposto natural enecessario a tolerancia na discuss -6.o que precede a deli-beragao.

As deliberagOes e stabelecidas colectivamente de vemapoiar-se na relax). Pode a razio ser interpretada poruma colectividade? Decerto que o Unica consegue delibe-

Naturalmente que esta tolerancia — metodo da dis-cussao entre homens que fundamentalmente estao deacordo e devem encontrar a coerancia entre os princi-pios comuns e a acgao que deverao desenvolver em co-mum — nao tem que ver corn a tolerancia entendida vul-garmente. Nenhurna tolerancia para o erro, para a im-prudancia. Quando se esta convencido que uma pessoaesta em erro — e foge a discussao, recusa-se a discutir

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rar mais depressa (pare encontrar a raze°, a verdade)do que tuna colectividade. Porque o Unica pode ser esco-lhido entre os mais capazes, entre os mais bem prepara-dos para interpreter a razao, enquanto a colectividade

composta por elementos diversos, preparados em di-verso grau, para compreender a verdade, para desenvol-ver a legica de uma finalidade, para fixer os diversosmomentos atraves dos quaffs a preciso passar para sealcangar o prOprio fim. Tudo isto é verdade, mas 6 tam-barn verdade que o Unica pode tornar-se (ou ser visto)num tirano e a discipline por ele imposta pode desagre-gar-se porque a colectividade se recusa, ou nao conse-gue compreender, a utilidade da acgao, enquanto a disci-pline fixada pela prOpria colectividade aos seus compo-nentes, mesmo que tarde a ser poste em pratica, dificil-

mente falha na sua efectivagao.Os componentes da colectividade devem, portanto,

par-se de acordo, discutir entre eles. Atraves da discus-sao, deve resultar uma fusio dos espiritos e das vonta-des Os elementos singulares de verdade, que cada umpode oferecer, devem sintetizar-se na complexa verdadee ser a expressao integral da razdo. Para que isto se rea-lize, pare que a discussao seja exaustiva e sincere, 6necessiria a maxima tolerancia. Todos devem estarconvencidos que aquela 6 a verdade e que, portanto,preciso necessariamente pe-la em patios.. No moment°da acgao, todos devem ester unidos e solidarios porque

no fluir da discussao foi-se formando um ticito acordoe todos se tornaram responsiveis pelo insucesso. Pode-seser intransigente na acgio sr!' quando se foi tolerante nadiscussao e quando os mais preparados ajudaram osmenos preparados a acolher a verdade, quando as expe-riéncias singulares foram postas em comum, quando to-dos os aspectos do problems foram examinados e naose criou nenbuma ilusao [dez oito linhas censuradas].

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e a experimenter, sustentando que todos tem direito depensar como querem — nao se pode ser tolerante. Liber-

dade de pensamento nao significa liberdade de errar edisparatar. NOs somos apenas contra a intolerancia queseja um produto do autoritarismo ou da idolatria, por-que impede os acordos duraveis, porque impede que sefixem regras de acg5.0 moralmente obrigatbrias, porqueao fixi-las participaram livremente todos. Porque estaforma de intolerancia conduz necessariamente a transi-gancia, a incerteza, a dissolugao dos organismos sociais[seis linhas censuradas].

Por isso estabelecemos estas aproximagOes: intransi-gencia-tolerencia, intolerincia-transigancia.

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PARA UMA ASSOCIACAO DE CULTUftA (•)

Pessoalmente, e tamb6m em none de mui-tos outros, aprovo a proposta do Camarada Pelle-grino pare a bastituicäo de urns associacdo decultura entre os camaradas nascidos em Turime os nao nascidos mas aqui restdentes.

Creto que, No obstante o momenta poucofavonivel, Sato se p o s 5 5 realizar facilmente. Egomuitos os camaradas que, par imaturidade deconvicgOes e por impaciéncia em relagáo as col-sas pequenas que 6 precis° desenvolver, se afas-taram das organizagOes pars se deixarem arras-tar pelos divertimentos. Na associagao encon-trariam uma satisfacao pare as suns necessidadesinstintivas, encontrariam um lugar de recreloe de Instrugão que de novo os afeigoariam aomovlmento politico, ao nosso ideal.

E por ester iniciativa, qual todos os camara-das deverao dar o seu apoto, poderia ter tamb6rnulna solucAo o problems dos camaradas inscritosnas secedes afastadas, nunca resolvido precisa-mente pela dificuldade de encontrar urn campode comum interesse no qual desenvolver umaactividade.

Bartolomeo Botto

(•) NAG asslnado, Avanti!, et/1ga° piemontesa, 18-12 -1917.

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0 Avanti!, de Turim, acolheu corn simpatia a pro-posta de Pellegrino e as adesOes que ela suscitou /).Nesta sua carta, Botto aflora que.stOes de grandes inte-resse que nos parece oportuno desenvolver e apresentara atengao dos carnaradas.

Em Turim não existe qualquer organizagio de cul-tura popular. Da Universidade Popular ( 2 ) e melhor na.ofalar: esta nunca foi viva, nunca teve uma fungdo que

Cooperativa (9. Ern Turim, portanto, compreende-se quetenha nascido, e seja sentida, a necessidade de integrara actividade politica e econOmica num Orgio de activi-dade cultural. A necessidade de integragän nasceri eimpor-se- y tambem nas outras partes de ItAlia. E o mo-vimento proletezio beneficiary do alargamento, comaenergia de conquista.

Uma das mais graves lacunas da nossa actividade

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respondesse a urna necessidade. E de origem burguesae responde a um criteria vago e confuso de humanita-

rismo espiritual: tem a mesma eficacia dos institutosde beneficencia que, corn urn prato de sopa, atm sa-tisfazer as necssidades fisiolOgicas dos desgragados queitho podem sustentar-se e cornovem piamente o coragdodos seus senhores.

A associagko de cultura que os socialistas deveriarnpromover deve ter finalidades de classe e limites declasse. Deve ser urn instituto proletkrio, orientado paraum Ern. 0 proletariado, num certo momento do seu de-senvolvimento e da sua histOria, da-se conta que S . corn-plexidade da sua vida falta um &gala necessario e cria-o,corn as suas forgas, corn a sua boa vontade, para as sues

finalidades.Em Turim, o proletariado alcangou um ponto dedesenvolvimento que e dos mais altos, se rao o mais alto,de Italia. A seccao socialista, na actividade politica, al-cancan urna individualidade de classe bern precisa; asorganizagOes econOm icas sào fortes; na cooperagdo, con-seguiu-se criar uma instituigao potente coma a Alianga

(/) Através da imprensa socialista de Turim desenvolveu-se,no Outono de 1917, uma discussAo a volta da necessidade de ele-vacAo cultural do proletariado. A proposta a que Gramsci serefere aqui tinha sido acolhida corn aprovagifes mas tambemcorn criticas. Urn operezio tinha perguntado (71 Gri d° del Popolo,13-10-1917) porque se insistia tanto corn a Instruct° dos prole-tArioe. Ndo seria urn discurso a dirigir primeiro aos burgueses?Gramsci interveio para afirmar: c... Para os proletArios 6 umdever nAo serem ignorantes. Para realizar-se completamente,sem privileglos de costa ou de categoria, a sociedade socialistaquer que todos os cidadlios saibam controlar o que os seus man-datArlos decider e faun. 0 problema de educagAo dos pro-letAriOs d problema de liberdade.> (Ibidern.)

(') Cf. (A Universidade Popular', pp. 37-29 do presentevolume.

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esta • nos esperamos a actualidade para discutir pro-blemas e para fixar as directivas da nossa acgao. Obri-

gados pela urgencia, damos aos problemas solugOesapressadas, no sentido ern que nem todos os que parti-cipam no movimento se apoderaram dos termos exactasdas questOes e, portanto, se seguem a directiva fixada,fazem-no por espirito de disciplina e pela confianga quedepositam nos dirigentes, e nko por intima convicgio,por uma racional espontaneidade. Assim acontece que,em cada hors histOrica importante, se verificam asdebandadas, os abrandamentos, as rixas interns, asquestees pessoais. Assim se explicam tambem os fen&menos de idolatria que sio urn contra-senso no nossomovimento e abrem a janela ao autoritarismo expulso

pela porta.Nao existe uma convicgao firms difundida. NA°existe aquela preparagdo de longa data que provoca arapidez de deliberagdo em qualquer momento, que deter-mina os acordos irnediatos, acordos efectivos, profundos,que reforgam a aceão.

A associagdo de cultura deveria tratar desta prepa-raga°, deveria criar estas convicgOes. Desinteressada-mente, isto 6, sem esperar o estImulo da actualidade,

( I ) Alianga Cooperativa de Turim surglu em 1899, comonovo institute cooperativo e de previd&cia criado pela AssoclactioGera/ dos OperArios e pela Cooperative dos Ferrovierios. 0 orga-nismo, inteiramente gerido pelos trabalhadores, conquistou 1/211

crescente poder comercial e foi tuna vAlida ajuda nas lutessindicais e politicas da classe operesia de Turim. Ern 1919-1920,a A. C. T. possufa 44 distribuidores alimentares, agrupava numero-sas socledades de socorro müttio, possuf a centros recreativos,consulterios medicos e tuna tipografla. Cf. Gino Castagno, Storksdi win cooperative, Turim, 1954.

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nela se deveria discutir tudo o que interessa ou poderivir a interessar ao movimento prolethrio.

Al6m disso, existem problemas filosOficos, religiosose morais que a accao politica e econOm ica pressupae semque os organismos econOmicos e politicos possam, emlocal prOprio, discuti-los e propagandear as solugfiespr6prias. Sao eles que determinam as chamadas crisesespirituais e nos poem entre Maas, de vez em quando,

civilizacao e de libertagao dos espiritos uma grandeparte do mundo intelectual e universitario ingles.

Em Tarim, dado o ambiente e a maturidade do pro-letariado, poderia e deveria surgir o primeiro Miele°de uma organizacao de cultura puramente socialista ede classe, que viria a ser, com o Partido e a Confedera-cao do Trabalho, o terceiro Orgao do movimento dereivindicacees da classe trabalhadora italiana.

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os chamados cases). 0 socialismo a uma visa() integralda vida: tern uma filosofia, uma mistica, uma moral.

A associacao seria a sede prOpria pare a discussao des-tes problemas, para a sua clarificacao, para a sua propa-gaga°.

Seria tamb6m resolvida, em grande parte, a questa.°dos tintelectuais). Os intelectuais representarn urn pesomorto no nosso movimento porque nele nao thin umafungi() especifica, adequada a sua capacidade. Encon-tra-la-iam, seria posto a prova o seu intelectualismo, asua capacidade de inteligencia.

Realizando este instituto de cultura, os socialistasdariam um duro golpe na mentalidade dognaatica e into-lerante criada no povo italiano pela educacao catOlica

e jesuitica. Falta ao povo italiano o espirito de solida-riedade desinteressada, o amor pela livre discussao,o desejo de procurar a verdade corn meios unicamentehumanos, a verdade e a inteliOncia. Os socialistas da-riam, assim, um exemplo activo e produtivo, contribui-riam poderosamente para suscitar um novo costume,mais livre e desinteressado do que o actual, mais dis-posto a aceitagao dos seus principios e dos seus fins.Em Inglaterra e na Alemanha, existiam e existem poten-tes organizagOes de cultura proletaria e socialista. EmInglaterra é especialmente conhecida a Sociedade dosFabianos ( 4 ) que aderira a Internacional. Tem como fun-cat) a discussao profunda dos problemas econOmicose morais que a vida imp& ou impora a stench ° do pro-letariado, e conseguiu pOr ao servigo deste trabalho de

( 4 ) Fabian Society (fundada em 1899) propOs-se fazertriunfar o aociallarno mediante urn lento e tenaz trabalho de pro-paganda.

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1918

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A CRITICA CRITICA (•)

Claudio Treves ( 1 ) publica urn artigo na Cptiva so-ciale pars divulgar uma earth de Martov e para cons-tatar a 4pavorosa incultura da nova geragdo socialistaitaliana).

A «nova geracao» arrumou a doutrina de Marx demodo que o determinismo asubstituido pelo volunta-rismo, a forget, transfo rmad,ora do instrumento de traba-lho pela violencia herOica ou histerica dos individuosou dos grupos, o subjectivismo lisonjeia e aplaude as

piores enfases dos demagogos.Grande 6 a incultura da «nova geragdo», decerto Masprovavelmente não 6 major do que a da «velha guarda»,e, mais provavelmente ainda, não coincide, de modonenhum, corn o que Treves quer entender. A «novageragao» leu, por exemplo, para alem do Manifesto dosComunistas, tambem o tratado de Marx e Engels sobrea Critica critica ( 2 ) e pareceu-lhe que os Bauer Tido securaram ainda dos seus devaneios pseudofilos6ficos eemaranhados de conceitos e de realidade. Leu e estudoutambem os livros que se escreveram na Europa depois

( 4 ) salnado A. G., /I Grido del Popolo, 12-1-1918.(') No artigo Lenin, Martoff e... noi!, assinado Very W eil

(Critica socials, XXVIII, n., 1, pp. 4-5), Claudio Treves declaravaaceitar as teses expostae por Martov numa carts. ao Journal deParis, em que confirmava as posigdes mencheviques e desmentiaa noticia de urn acordo com Levine.

( 2 ) K. Marx-F. Engels, A Sagrada Familia on Critica daCritics Crittca, Contra Bruno Bauer e 13 6cioa.

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do florescimento do positivismo, e descobriu (raios!,que pequena descoberta) que a esterilizagao operadapelos socialistas positivistas das doutrinas de Marx naofoi o que se pode dizer uma grande conquista de cultura,e nao foi sequer (necessariamente) acompanhada porgrandes conquistas de realidade.

Como aconteceu que a Critica sociale se tenhatransformado na Critica critica? Pelo mesmo fenOmeno

liberalista, a Critica critica publicou dois artigos protec-cionistas escritos por Treves e Turati (3).

Se nao existisse o Unita, de Caetano Salvemini, Tre-ves poderia talvez falar de «incultura de nova geragaosocialista». Mas Salvemini e Mondolfo (citamos homensda mesma tendencia de Treves) ja documentaram muitasvezes de que coisa é materializada a cultura da Criticacritica, para que os jovens possam preocupar-se muito

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pelo qual Marx zombava dos senhores Bruno Bauer,

Faucher e Szeliga, escritores da Allgemeine Literatur-zeitung; porque Treves, «em lugar do homem individualrealmente existentex• pile o «determinismo» ou a «forge.transformadorax,, tal como Bruno Bauer punha ca auto-conscienciaL Porque Treves, na sua alta cultura, reduziua doutrina de Marx a urn esquema exterior, a uma leinatural, que se verifica fatalmente fora da vontade doshomens, da sua actividade associativa, das forgas so-ciais que esta actividade desenvolve, tornando-se elaprOpria determinante do progresso, motivo necessariode novas formas de produgao.

A doutrina de Marx tornou-se assim na doutrina da

inertia do proletariado. Nao porque o voluntarism o(usamos tambem esta palavra, que significa pouco, pornecessidades pthticas da linguagem) fosse, de facto,renegado Ele reduziu-sea pequena polemica reformista •transformou-se numa coisa vulgar, transformou-se navontade do compromisso ministerial, na vontade de pe-quenas conquistas, no antes 0 ovo hoje do que a galinhaamanha, mesmo que, como diz Ruta, o ovo seja urn ovode piolho.

0 trabalho de proselitismo foi abandonado (o quepodem contar os «homens individuals»?). A acgao his-tOrica do proletariado nao pOde, corn toda a sua eficficia,

inserir-se no processo de desenvolvimento da economiacapitalists. Mesmo do ponto de vista reformista, a Cri-tica criticaoperou deleteriamente. Pela habitual concep-gao do (ovo de piolho, foram transcurados os grandesproblemas nacionais que interessavam todo o proleta-riado italiano. 2 preciso nao esquecer que, em 1913,quando o Partido Socialists. se apresentou as eleigeiesde sufrigio universal corn urn programa nitidamente

corn a repreensao de V ery W e ll .A «nova geragaoz recusa-se, portanto, a tomar a

serio, nao avelha, mas a geragao definitivamente orde-nada nas colunas da Critica critica.

A nova geragao parece que quer tornar alnadoutrina de Marx, pela qual o homem e a ma ade, oinstrumento de trabalho e a vontade, nao sao diferen-ciados mas identificados no acto histOrico. Creem, por-tanto, que os canons do materialismo histOrico vaiharnapenas post factum, para estudar e compreender osacontecimentos do passado, nao devendo transformar-seem hipoteca do presente e do futuro. Nao creem quea guerra tenha destruido o materialismo histerico, masapenas que a guerra modificou as condigOes do arnbientehistOrico normal, pela qual a vontade social e colectivados homens conquistou uma importincia que normal-mente nao tinha. Estas novas condigOes sa.o igualmentefactos econOmicos, deram aos sistemas de produgão urncatheter que dantes nao tinham; a educagao do prole-tariado adequou-se necessariamente e conduziu, nasia, a ditadura [desalt° linhas censuradas].

No fundo, a vontade existe tambem para Treves, mase diferente, nao ofensiva, é aguada, nao patente. Naoexiste so a cultura que teria podido recordar a Trevesque Gio. Battista Vico disse, antes de Marx, que atea crenga na divina providencia operou beneficamente

na histOria, transformando-se em estimulo da acgao, eque, portanto, ate a crenga no «determinismo) poderiater tido a suaeficacia, na Russia para Lenine, e nou-tras partes para outros.

( 2 ) C. Treves, IAbero-Scombismo Democnit ico hnper ia l i s ta ,e F. Turati, Giunta alla Derrata. It Necrologio della Detnocraz ia ,in Critica Sociales, XXIII, n.°17, p p . 2 5 7 -2 63 .

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A LIGA DAS NACOES (•)

No feliz pais da Utopia teve em todos ba temposdireito de cidadania e line circulagio o cbelo sonho,(como se costuma dizer) dos Estados Unidos da Europae do Mundo. 0 cbelo sonho* tem feito rir os peritos;os criticos, e os filOsofos realistas demonstraram a incon-gruencia, a falicia hist6rica. E corn razio. 0 cbelosonho, apresenta-se agora: mudou de nome, chama-sea Liga das NagOes. Urn chefe de Estado e de urn Estadomodernlssimo, urn homem que demonstrou na simplici-dade da sua linguagem ser mais realists do que todosos vendedores de cabalas diplorniticas, 6 o apresentador:Wilson. Alguns ministros da modern Inglaterra, paistambêm pouco fêrtil de nefelibatas, acolhem corn sim-patia e divulgam a formula de Wilson. Trata-se aindado cbelo sonho*, ou, na verdade, urn nficleo de realidadese esconde nests fOrmula renovada? 2 o que vamos ver,porque vale a pena.

A velha concepgao, que podemos chamar latina, aconcepgäo de Victor Hugo, humanitiria e magénica, erae 6 ainda uma abstracgio arbitrexia, anti-histOrica, ter-namente construida corn cimento de 16,grimas e corn

blocos de suspiros. Sustenta-a em Mila o senador Pontie... o camarada Modigliani, 6 uma cernestoteodoromo-netoria} ( 1 ), que nao fundamenta as suss raizes em

(•) Assinado A. G., n Grid* del Papas, 19-1-1918.(') Do nome do Jornallsta pacifists Ernesto Teodoro Moneta,

prêmio Nobel da Paz em 1907.

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nenhum conceito de classe, vivo economicamente e so-cialmente. Em Franca, é divulgada pela Liga para osDireitos do Homem, pelos socialistas de todas as frac-gOes, por aquela mescla de retbricos cansados e dehomens de negOcios que constituem o partido radical--socialista.

Tambem em Franca nao é uma corrente econemico--social que a torna prOpria; permanece pure ideologia,

dualidades, energias seguras e aguerridas para a lutae para a concorrancia, descentralizou os Estados, des-burocratizou-os; aprodugao, nao insidiada continua-mente por forgas Liao econOmicas, desenvolveu-se cornurn respirar de amplitude mundial, despejou nos mer-cados mundiais montes de mercadorias e de riqueza.Continua a operar; sente-se sufocada pela sobrevivanciado proteccionismo em muitos dos mercados europeus

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florescida nos ferteis campos da politica e das conversesjornalisticas: e o fantasma da Franca jacobina que,

em barrete frigio e carmanhola, agita o archote da fra-ternidade, da igualdade, da liberdade, o her& da liberta-eao dos povos, o que sanciona as mais refinadas e nebu-losas conquistas verbais do espirito humano.

Mas no mundo anglo-saxOnico a ideologia apresen-ta-se corn outras vestes e corn outras garantias de serie-dade e de concretizagio. No mundo anglo-saxOnico, Ligadas Nagaes significa isto: necessidade do capitalismomoderno, forma actual de convivancia internacional quese adeque melhor as necessidades da produgao e dastrocas.

Woodrow Wilson chegou a presidancia dos Estados

Unidos por representar os interesses politicos de umaclasse capitalista que é a quinta-essancia do capitalismo:os produtores nao protegidos e que nao podem ser pro-tegidos; os industriais que exportam, que tem neces-sidade de novos mercados, que podem ser prejudicados,no seu vigoroso e espontaneo desenvolvirnento, peloproteccionismo dos outros paises. A sua ideologia poli-tica e ademocracia liberal e liberalista que, nas penfil-timas eleigOes, derrotou a democracia radical, especula-dora, proteccionista, defensora dos trusts.

Para esta burguesia, Liga das NagOes quer dizer dis-solugao das reliquias politicas do feudalismo. A econo-

mia burguesa, num primeiro moment°, dissolveu aspequenas nacionalidades, os pequenos grupos feudais;libertou os mercados internos de todas as peias mer-cantis que embaragavam o trifico, que impediam que aprodugao se transformasse e se expandisse. A economiaburguesa suscitou, assim, as grandes nagOes modernas.Nos paises anglo-saxOnicos ultrapassou esta posiedo; aa pritica liberal criou, no intern, maravilhosas indivi-

e do mundo. As lutas de tarifas nä° a solicitam: sabe-as,por experiencia pritica, danosas para ambas as partesbeligerantes. Cria a ideologia pacifista de Norman An-gell, mas mostra-se capaz de desencadear a guerra naomenos tenazmente do que os mais aguerridasmilitaristas.

Neste periodo da vida do mundo langa a ideologiada Liga das NagOes. Ela represents para a burguesialiberalists anglo-saxOnica a garantia politica da acti-vidade economics de amanita e do ulterior desenvolvi-mento capitalista. E a tentativa para adequar a politicainternacional as necessidades das trocas internacionais.Representa, para os Estados singulares, aquela garan-tia de seguranga e de liberdade que corresponde, no

interior de cada Estado, ao habeas corpus para a liber-dade e a seg-uranga individual dos cidaddos. A o grandeestado burguas supernacional que dissolveu as barrei-ras alfandegirias, que ampliou os mercados, que am-pliou o respirar da livre concorrencia e permite as gran-des empresas, as grandes concentragOes capitalistasinternacionais.

Esta ideologia politica e uma fungi() das trocas; oinstrumento de produgao que a produziu sao as trocasinternacionais que tern, tambem elas, valor produtivo,porque, livres de impedimentos alfandegirios, permitema maxima exploragao dos recursos naturais e da capa-

cidade trabalhadora do proletariado. A Liga das NagOesrepresenta o superar do periodo histerico das aliangase dos acordos militares; represents uma equiparagioda politica e da economia, uma soldagem das classesburguesas nacionais no que as irmana para alêm dasdiferenciagOes politicas: o interesse econOmico. Eis porque a ideologia se afirmou vitoriosamente nos dois gran-des Estados anglo-saxanicos, liberalistas e liberais, tem

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neles sr:Aides bases e representa mais qualquer coisa doque o cbelo sonhoa de Victor Hugo. E eis por que naoencontra sustentadores que a possam realizar em Italiae na Franca: porque a !Ulla e a Franca silo proteccio-nistas, não tem uma classe que detenha o poder, maspequenos grupos politicos, mais representantes de ne-g6c ios do que vigorosa e potente economia burguesa.

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DIAMANTINO (•)

Hoje quero contar-vos a histOria de Diam mo,como eu pr6prio a ouvi, ha muitos anos, intercaladanuma longa e aborrecida conferencia pacifista do pro-fessor Mario Falchi. Diamantino era um pequeno cavalonascido numa mina de carve.° de urn vale ingles. Suamile — pobre egua!epois de ter passado os primei-ros e mais belos anos da sua vida a superficie da terra,ao sol, alegrada pelo sorriso das flores, entre as quais,girrulo e lascivo brines o zefiro — tinha sido destinadaa puxar os vagOes de mineral, a algumas centenas demetros debaixo da terra. Diamantino foi assim gerado,entre a fuligem, no negro da Espera fadiga, e nuncaviu, o infeliz, as flores dos prados e nunca relinchou, naexuberincia da seiva juvenil, entre os zefiros perfu-mados da Primavera. E nem sequer quis prestar atengdoas belas descricties que, de vez em quando, sua mile thefazia sobre a beleza, a luminosidade, os frescos e su-culentos pastos que alegram o genero equino na super-ficie sublunar do mundo. Diamantino acreditou sempreestar aser enganado pela sua respeitável geradora emorreu entre a fuligem e o p6 de carvão convencido queas estrelas, o sol, a lua, fossem fantasmas nascidos no

cerebro doente da cansada e afadigada puxadora devagOes.

Pois bem, nes somos todos Diamantinos, mas nab

(•) NAo assinado, Avant!!, edlgan plemontesa, 21-1-1818,secgão (Sotto la Mole).

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«nes homens) em relagho a paz perpetua, como queria oprofessor Mario Falchi na sua conferencia; mas cn6si talianos) em relagdo a uma bem m ais humilde e modestaforma de convivencia civil: a liberdade individual, aseguranga pessoal, que deveriam ser asseguradas a todosos cidadaos pelo regime individualista burgues.

Agitam-nos diante dos olhos o espectâculo pavorosoda ruina social na Russia, os livres cidadlos russos su-portando todas as agressOes, nao seguros dos seus have-

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res, errando pelos bosques, os corpos esqueleticos cober-

tos de trapos, disputando-se mutuamente as raizes parsmatar a fome. E contrapeiem-nos a nossa liberdade, anossa seguranga.

Mas nos somos como Diamantino. Nunca vimos anossaseguranga, a nossaliberdade. Falam-nos de ummundo que nunca vimos, onde nunca vivemos [quarentae daas linhas censuradas].

Temos ouvido dizer que esta liberdade e esta segu-ranga sao, noutros paises, garantidas aos cidadaos;temos noticias disso atraves dos livros e dos jornais,pessoas de absoluta confianga no-lo afirmaram, algunsde nos puderam constata-lo durante as suas peregrina-

gaes forgadas no estrangeiro. Mas no nosso pais? Parao nosso pais, nos permanecemos no estado de espiritode Diamantino: parece-nos ouvir descrever um pais en-cantado, de sonho, habitado sabe-se is por que mira-culosas criaturas da fantasia. A liberdade, a seguranga?Who conseguimos, experimentalmente, representh-las:sao o mito, a faula, o Eden representado quando, numadas poucas noites do ano, depois de tact termos tidodurante o dia nenhum aborrecimento, dormimos tran-quilos e o mAgico sonho nos transporta para mundosultraterrenos.

CONSTITUINTE E SOVIETE ( •)

A dissokigio da Constituinte, logo depois daatri-meira assembleia ('), não é sO urn epis6dio de violenciajacobina, como supOem os jornalistas que ainda n5.0compreenderam nada de quanto esti sucedendo naRüssia.

A Constituinte era o mito vago e confuso do period°pre-revolucionhrio. Mito intelectualista, continuagio nofuturo das tendencias sociais que se podiam colher naparte mais vistosa e superficial das confusas forgas

revolucionhzias de antes da revolugao.Estas forgas esclareceram-se e definiram-se, emgrande parte, e vdo-se sempre clarificando e definindo.Elas esfao elaborando espontaneamente, livremente,segundo a sua natureza intrinseca, as formas represen-tativas atraves das quais a soberania do proletariadodeveri exercer-se. Estas formas representativas /Cho saoreconhecidas na Constituinte, isto 6, nurn parlamentode tipo ocidental, eleito segundo as sistemas das demo-cracias ocidentais. 0 proletariado russo ofereceu-nos umprimeiro modelo de represents*, directa dos produ-tores: os Sovietes. Agora a soberania é de novo dos

Sovietes. Definitivamente? A falta absoluta de informa-gOes sobre o que se pensa e se sustenta, a tal respeito,nos ambientes proleterios russos lac) permite nenhumaresposta.

(•) Nlo assinado, 11 Gril lo del Popo to , 28 -1-1918.( 1 ) a nolte entre 18 e 19 de Janeiro de 1918.

19293

Conhecemos apenas a face exterior dos aconteci-mentos, ado conhecemos o espirito Intimo que os aviva.Vemos na dissolugio da Constituinte apenas a aparinciaviolenta, o golpe de forga. Jacobinismo? 0 jacobinismo6 um fen6meno completamente burgu6s, de minorias,mesmo potencialmente. Uma minoria que esti segurade transformar-se em maioria absoluta ou ate na tota-lidade dos cidadaos nao pode ser jacobina, nio podeter como programa a ditadura perpetua. Ela exercita

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provisoriamente a ditadura para permitir que a maioriaefectiva se organize, se tome consciente das sua intrin-secas necessidades e instaure a sua ordem fora de todosos apriorismos, segundo as leis espontaneas desta neces-sidade Was linhas e tre:s quartos censurados].

A ORGANIZACAO ECONOMICA

E 0 SOCIALLSMO

Publicamos este artigo de urn jovem camars‘('),porque ele nos assegura reflectir o pensamentb de umaimportante fracciio do movimento socialists de Turim.Renunciamos preventivamente a qualquer anilise dehist6ria das ideias e de histOria da expressio das ideias.Examinamo-lo em si e por si, como manifestacio deconviccifies que podem ser colectivas e podem determinarespeciais comportamentos.

De acordo, em linha geral, corn muitas das afirma-

c'Oes do camarada R. F., parecem-nos errados alguns jui-zos e algumas consequencias deles. A eisii,o entre politicae economia, entre organismo e ambiente social, susten-tada pela critica sindicalista, para n6s nio 6 mais doque uma abstraccio te6rica da necessidade empirica,prLtica, de cindir provisoriamente a unidade activa so-cial pare a estudar mentor, para a compreender melhor.Ao analisar urn fen6meno, somos obrigados, por neces-sidade de estudo, a reduzir este fen6meno aos chamadoselementos, que na verdade nio siomais do que o pr6-prio fen6meno visto num moment° e nto noutro, corn

(•) Mots da redaccio, nIto assinada, /1 Grid° del Popolo,9-2-1918.

( 1 ) 0 artigo, corn o titulo ulna transcrito pela nota deredaccdo que the apde Gramsc l , 6 ass inado R. F. 0 autor d is t ingueentre <organism° social> e cambiente> e afirma que ea tentativepare mudar o organismo corn a transformaclo do ambiente 6urn &mho>. It. F. polemisa tambemcamos seguidores do m6-tod o p a r l a m e nta r .

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a preocupagao de um Em particular em vez de qualqueroutro. Mas a sociedade, como o homem, e sempre e s6uma unidade histOrica e ideal que se desenvolve negan-do-se e superando-se continuamente. Politica e economia,ambiente e organismo social, sao sempre a mesma coisa,

e um dos maiores meritos do marxismo ter afirmadoeats unidade dialectica. Aconteceu que os sindicalistas

os reformistas, pelo mesmo erro de pensamento, seespecializaram num ramo diferente da linguagem em-pirica socialists- Uns arrancaram arbitrariamente da

duzindo-a fatahnente para um regime burgues, que,sendo liberal ou liberalista, daria maiores garantias dehistoricidade do que urn regime profissional ou de queurn regime centralizador e idOlatra do Estado.

Nä° 6, pois, exacta a afirmagao de que a actividadepolitica socialista se caracteriza deste modo sO porqueprovem de homens que se dizem socialistas. 0 mesmo sepoderia dizer de qualquer outra actividade, afirmando-seque e assim s6 porque o mesmo adjectivo é atribuido aos

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unidade da actividade social o termo economia, outros

termo politica. Uns cristalizam-se na organizagaoprofissional e pelo desvio inicial do seu pensamentofazem ma politica e pessima economia, os outros cris-talizam-se na exterioridade parlamentar, legisladora e,pela mesma raze°, fazem ma politica e pessima econo-mia. Destes desvios nascem a fortuna e a necessidadedo socialismo revolucionerio que reconduz a actividadesocial a sua unidade, esforgando-se por fazer politica eeconomia sem adjectivos, isto 6, ajudando o desenvol-vimento e a tomada de consciencia das energias prole-ferias e capitalistas espontaneas, livres, necessfirias his-toricamente para que do seu antagonismo se afirmem

sinteses provisOrias sempre mais completas e perfeitasque deverao culminar no acto e no facto Ultimo que ascontenha, sem residuos de privilegios e de exploragOes.A actividade histOrica contrastante nao desaguara nemnum Estado profissional, como o almejado pelos sindi-calistas, nem num Estado que tenha monopolizado aprodugao e a distribuigao, como a almejado pelos refor-mistas. Mas numa organizoectio da liberdade de todos epara todos, que nao tern nenhum catheter estavel e defi-nido, mas sera urna procura continua de novas formas

de novas relagees que se adequem sempre as neces-sidades dos homens e dos grupos, para que todas as

iniciativas sejam respeitadas, sendo fiteis, todas asliberdades sejam tuteladas, desde que nao se trate deprivilegio. Estas consideragOes encontram urna expe-riencia viva e palpitante na revolugao russa, a qual, ateagora, tern sido especialmente urn esforgo titanic° panq ue nenhuma das concepgeies estaticas do socialismose afirme definitivamente, fechando a revoluglio e recon-

homens que a explicam.

Fariamos muito melhor se chamassemos a ma poli-tica corn o seu verdadeiro nome de ccamorra* (•) e naonos deixessemos encantar pelos tcamorristas, 1,0" aoponto de renunciar a uma actividade que é igthkrantenecesseria do nosso movirnento. De resto, ja Kautskyobservou agudamente que a fobia politica e parlamentar

uma fraqueza pequeno-burguesa, de gente preg-uigosa,que nao quer fazer o esforgo necessirio para controlaros prOprios representantes, para estar em unidade corneles ou fazer corn que eles estejam em unidade consigo.

0') Nome por que d conheelda, em Napalm a criminalldadeorganizada. Espdcie de R ma f a) napolitana. (N. do T.)

19619 7

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WILSON E OS MAXIMALLSTAS RUSSOS (•)

Exists na histOria uma lOgica superior actoscontingentes, superior a vontade dos indivklu s consi-derados singularmente, a actividade dos grupos parti-culares, ao contributo de operosidade das nagOes. Istonao significa que estas vontades, estas actividades, estescontributos, sejam esforgos vaos, falsas tentativas deiludidos que créem subtrair-se e ate impor-se fatali-dads dos acontecimentos.

A eficacia criadora das vontades e das iniciativas

humanas a condicionada no espago e no tempo. 0 quetransparece, muitas vezes, nao a mais do que a imagemva da vida. As nossas paixees, os nossos desejos, levam--nos a interpretar os acontecimentos individuais de umcerto modo e nao de outro. E estas prOprias interpreta-gOes tornam-se, por sua vez, determinantes da histOria,suscitadoras de operosidade activa, ainda que numapequena zona ou para pequenos factos. Entretanto, nocolossal choque de tantas operosidades contrastantes,que se elidem ou se integram, a vida prossegue,vel, segundo uma linha que results destas &Wass e inte-gragdes. SO depois podemos julgar e este depois 6 mais

ou menos futuro, quanto mais alargarem as forgas quecontrastam, quanto mais profundos forem os estratosde humanidade que participam na actividade social.

Na histOria, ha derrotas que mais tarde apareceramcomo vitOrias luminosissimas, presuntos mortos que

(•) Nap issinado, IIGrid°dot Popolo, 2-3-1918.

199

fizeram falar de si corn fragor, cadiveres de cujas cin-zas renasceu avida mais intensa e produtora de valores.

Os homens, vistos individualmente, os grupos singu-lares, podem ser derrotados, podem morrer, deles podeextinguir-se ate a me:Iberia. Mas nelo morre a sua acti-vidade OW , nao morre o seu pensamento, enquanto inter-pretando de uma aspirageo racional da conscienciahumana. Pelo contrario, difunde-se, torna-se energia demultidOes, transforma-se em costume, e vence, afirman-

acolhe. Os poucos multiplicam-se, disseminados nogrande espago do mundo civil; impressionam grupos epartidos. Ocorrem oscilagOes de opiniiio ate que todo umestrato social, uma classe, urn ramo, se elevam pars acompreensio, tornam prOpria uma ideia. Revelam-serelagOes novas entre as ideologias e a economia. Sectoresprodutivos que tinham sido sacrificados, comprimidos,em beneficio de sectores patronais, reforgam-se depois,transformam-se na plataforma de uma orientagio poli-

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do-se vitorioso.

Muitas vezes, quern parecia comprimir e veneer tor-na-se o herdeiro do adverskrio, substitui-o, sem saber,na sua fungi°. A epoca medieval criste, tem vindo sem-pre a revelar-se como a integradora e a continuadorada civilizagao romana da qual parecia, pelo contrario,aos literatos, o execrivel coveiro.

Uma grande afirmagdo de civilizagio nio se cumprenum ano, ou em seis meses. E por isso devem os seusagentes renunciar a soca° ? A histOria tem necessidadede mártires e de vencidos, tal comb de triunfadores:nutre-se do sangue dos hereis e do sacrificio anOnimodas multidOes. Quem pode julgar, caso a caso, uma der-rota e uma vitOria, urn sacrificio e uma tolice? Mas delevianos e imbecis este. o mundo cheio, em grau maiordo que de inteligentes e de homens serios. E o hoje, anecessidade do hoje, provoca a injustiga, a leviandade,o sorriso de escernio. E infitil a repreense.o. SO depoisdo facto realizado reconhecemos o merit°. Muitos bur-gueses maldizem ainda o jacobinismo trances da GrandeRevolugdo e ainda não se convenceram que sem aquelaviolencia, sem aquelas monstruosas injustigas, sem seter derramado o sangue, mesmo inocente, seriam aindaservos e as suas mulheres teriam sido as rameiras dossenhores feudais, antes de serem suas mulheres.

Formam-se novas harmonias, sinteses de vide. maiselevada e humans,. As opini5es transformam-se sob oimpulso das necessidades estimulantes, aproximam-sede uma ideia primeiro desprezada, porque ne. 0 compreen-dida, ne.o ambientada politicamente. Realizam-se conver-sees sem documentos lOgicos da passagem.

Primeiro sic) poucos individuos que vibram sob aimpressio de correntes ideals que a grande massa

tica nova, desenvolvem-se, absorvem a actividade e

consistancia a realidades novas.No tumulto das ideias provocado pela guerra, reve-laram-se duas forgas novas: o presidente Wild, osmaximalistas russos. Elas representam o eanellOgico das ideologias burguesas e proletexias.

0 presidente Wilson cobra, neste momento, os tes-temunhos de maior simpatia. Ele e o homem do factoconsumado. A sua obra foi de correcao, de integragiode valores burgueses. 2 um chefe de Estado, dirige urnorganismo social pre-existente a guerra, que se reforgouna guerra, se disciplinou melhor.

E, todavia, o reconhecimento da sua utilidade demo-

rou tees anos a afirmar-se. Escarneceu-se do seu pro-grama, ele foi alvo de vituperio, chamaram-]he hipecrita,vazio. Comega agora a revise.° dos juizos. Urn interes-sante livro de Daniele Halevy ('), que recolhe os do-cumentos do seu pensamento e da sua actividade polit ica,di lugar a artigos elogiativos. As qualidades ontem ne-gadas tornam-se agora prove de solidez. Giovanni Papini(e o seu testemunho tern valor na medida em que Papini,corn os seus caprichos, com as suas desigualdades, corno seu engenho bizarro, que tanto produz agudas e per-cursoras verdades como banais montes de palavras, seaproxima do burgues medio italiano, se antecipa a opi-

ni g.° da media burguesia italiana), dois arms antes, teriacharnado a W ilson urn csuigo por eleige.o*, um ecapado*,um aborrecido pregador, tal como chamou a RomainRolland, de resto muito vizinho espiritualmente do pre-sidente americana. Papini exalta agora em Wilson nada

(') D. Halèvy, Le Prdsident Wilson, Paris, 1918.

2000 1

menos do que o puritanismo, a sua condicao de profes-sor, de pregador de principios e de máximas morais,aproximando-o aos maiores homens de Estado da his-tOria: ao magnifico Lorenzo de Medici, a Marco Aure-lio, a Frederico, o Grande, a Julio Cesar, homens depensamento e de acc5.o, ideOlogos e executores.

0 reconhecimento da utiiidade histOrica dos maxi-malistas russos, melhor, do maximalismo russo, nãopodia decerto chegar logo, de Bilbao; provavelmentenem sequer chegara durante o decorrer da guerra ou

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imediatamente ao advento da paz. E, todavia, sentimosque esse reconhecimento nao faltara, que ao maxima-lismo russo a hist6ria reserva urn lugar de primeiraordem, superior ao dos jacobinos franceses, do mesmomodo que o socialismo a superior as ideologias bur-guesas.

0 maximalismo e a Rüssia martir, e o sacrificio deuma nagão a uma ideia para que ela neo morra e salvea humanidade. 0 martirio da Russia esclareceu ye, mui-tas cabecas, elevou o nivel politico das nagees, fez triun-far alguns daqueles principios corn os quais os Estadosdeverao encontrar-se ao concluir a paz. 0 futuro dasnagees e dos povos heath a dever aos maximalistas rus-sos as maiores garantias de paz que certamente sera()asseguradas. Os maximalistas russos encontraram umaflack° esgotada, desorganizada, em completa ruina.Calafetaram, em seis meses, esta ruina, deram a huma-nidade russa uma luz ideal deslumbrante que revigoroumuitos espiritos, que fez encontrar a consciência amultidOes perdidas na cegueira do frenesi da guerra.0 programa de Wilson, a paz das nagees, so aconteceracorn o sacrificio da RUssia, corn o martirio da Russia.Entre as ideologias medias da burguesia italiana, fran-cesa, inglesa, alema e o maximalismo russo existia urnabismo; a distancia reduziu-se, aproximando-se ao ex-

tremo anel lOgico burgues, ao programa do presidenteWilson. 0 presidente americano sera o triunfador dapaz; mas, pars o seu triunfo, foi necessirio o martirioda Russia; Wilson reconheceu-o e prestou homenagemaos que, todavia, sao tambem os seus adverserios Ionzelinhas censurad,as].

INDIVIDUALISMO E COLECTIVISMO (•)

A classe burguesa redimiu-se da escravida eudal,afirmando os direitos do individuo a liberdad e a ini-ciativa. A classe proletaria luta pela sua redencio, afir-mando os direitos da colectividade, do trabalho colec-tivo, contrapondo a liberdade individual, a iniciativaindividual, a organizagão das iniciativas, aorganizagao

das liberdades.Logicamente, o principio da organizacao a superior

ao da liberdade pura e simples. E amaturidade em con-fronto com a juventude; mas, historicamente, a matu-ridade precisa da juventude pars se desenvolver e ocolectivismo pressupee necessariamente o periodo indi-vidualista, durante o qual os individuos adquirem ascapacidades necessarias para produzir independente-mente de todas as pressees do mundo exterior, apren-dendo a sua custa como nada existe de mais real e demais concreto do que o dever do trabalho, e como adesejo da opressào, a concorrencia brutal e desenfreada,devem ser substituidos, para o bem de todos, pela organi-zacao, pelo metodo que atribui a todos uma fungãoespecifica a desempenhar e a todos assegura a liber-

dade e os meios de subsistencia.A classe burguesa, sucedendo a classe feudal na

ditadura da producEo, introduziu uma modificageo noregime da propriedade privada. Esta era inalienável,transmitia-se apenas por linha directs, de pai a filho,

(•) Nio assinado, Ii GM° del Popolo, 9-3-1918.

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era vinculada por lagos antiecon6micos que impediamo caminho aos rapidos incrementos, tornando por issonecessiria a exploragdo iniqua da enorme maioria, cornexclusio absoluta da concorrencia em relagio a Mao--de-obra, obtida corn os servos da gleba e corn as cor-poragOes de oficios.

A burguesia dissolveu o privilegio feudal de casta,tornou comerciaveis os instrumentos de produgio, ter-ras, //Aquinas e mio-de-obra. Chamou a si a proprie-

tenham afirmado por razOes sentimentais. Eles silo anecessária garantia da actividade individual em regimede livre concorrencia. Nos seus negOcios, o individuotem necessidade da rapidez administrativa e judiciaria,portanto, 6 necessario que o Estado renuncie a umagrande parte dos seus atributos em beneficio das auto-nomias locais que tornam expedita a Miquina burocri-tica e facilitam o controle. 0 individuo tem necessidadede confiar na sua actividade futura para os contratose venda de trabalho; deve existir naturalmente a mais

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dade dos instrumentos naturais e mecanicos, a liberdade

de produzir e assegurou a mio-de-obra a liberdade daconcorrencia, da qual podia servir-se para melhorar assuas condig5es.

A propriedade, tornada comerciavel, comegou a cir-cular, passando dos menos capazes aos mais capazes.A tecnica dessenvolveu-se sob o estimulo da concorren-cia; a sociedade definiu as suas bases no individualismo,que teve o seu maior defensor filosOfico em HerbertSpencer e os seus defensores econOmicos nos liberalistasda escola inglesa.

A liberdade de concorrencia veio-se intensificandocada vez mais pelos continuos aperfeigoamentos da tee-

nica industrial e agricola. A classe burguesa fragmen-tou-se em sectores e grupos que entraram em luta parao predominio politico; estes representam estAdios maisou menos desenvolvidos da produgalo; alguns, segurosdo éxito da concorréncia, querem a liberdade para eli-minar os adversfirios; outros, fracas e incertos no ama-nhi, defendem a conservacao das leis restritivas dasliberdades politicas e econOmicas, querem ser protegi-dos, querem um minima de seguranca para n go sucum-birem, para nä° serem eliminados do campo das com-petic5es.

0 capitalismo desenvolveu-se deste mod°, mais ou

menos intensamente conforme as nagOes, as condig5esnaturais e histericas dos \Tidos poises. Onde é maisantigo e alcancou o maxim ( ) de producio, conseguiu,no piano politico, a reducio ao minima das fungOes doEstado, uma amnia liberdade de reunirto, de imprensa,de propaganda, a se guranca dos cidaddos em relaq5.0 aopoder, a difus5.° dos ideais de naz e de fraternidade inter-nacional. E preciso nao acreditar que estes principios se

anyla liberdade, a maior seguranga contraas privagOes

arbitrarias e ilimitadas da liberdade pessoal; o cOdigopenal simplifica-se, diminui a importAncia dos d ose das penas. A concorrencia das classes, coneo a

possibilidade de regresso ao poder dos atrasado e pars-sitirios, justifica que seja garantida a maior liberdadede .imprensa, de reuniiio, de propaganda, atraves da qualse pode educar a opintio pablica e rejeitar os assaltosdo passado.

A liberdade econOmica demonstrou-se logo doutrinade classe; os instrumentos de produgio, embora cir-culando, permaneceram propriedade de uma minoria

social; o capitalismo foi, tambem ele, um privilegio depoucos, que tendem a reduzir-se cada vez mais, centra-lizando a riqueza para se subtrairem assim a concor-rencia do monopOlio. A maioria dos deserdados procuraentao na associagao o meio de resistencia e de defesados seus prOprios interesses. As liberdades, concebidasapenas para o individuo capitalista, devem estender-sea todos. A concorréncia amplia-se: para alem de indi-viduos e de sectores burgueses, a tambem de classes. Asassociagfies proletarias ensinam os individuos a encon-trar na solidariedade o maior desenvolvimento do pro-prio eu, das prOprias capacidades para a produflo. A or-ganizagio, para o proletariado, no campo da sua classe,substitui ja necessariamente o individualismo, absor-vendo deste o que contern de eterno e de rational: osentido da prOpria responsabilidade, o espirito de ini-ciativa, o respeito pelos outros; a convicgio de que aliberdade para todos é a unica garantia das liberdadesindividuais, de que a observancia dos contratos é con-died° indispensfivel de convivencia civil, de que as pirue-

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tas, as fraudes e os ilusionismos acabam por danificartambem os que deles se serviram. Mas a associagão temo fim principal de educar para o desinteresse: a hones-tidade, o trabalho e a iniciativa sic) os seus fins, pro-curam apenas satisfagdo intelectual, alegria moral nosindividuos, nä° privilegios materiais.A riqueza que cadaum pode produzir em medidas superiores as necessida-des da vida imediata a da colectividade, a patrim6niosocial: ji n5.0 6 necessiria a comercializagio dos ins-trumentos de trabalho para suscitar as capacidades e as

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iniciativas, porque o trabalho se transformou em dever

moral, aactividade a alegria, nao batalha cruel.0 individualismo burgu8s produz assim necessaria-

mente no proletariado, a tendOncia para o colectivismo.Ao individuo-capitalista contrap6e-se o individuo-asso-ciacdo, ao comerciante a cooperativa; o sindicato tor-na-se num individuo colectivo que renova alivre con-corrOncia, condu-la para formas novas de liberdade ede actividade. A maioria dos individuos organiza-se, de-senvolve as suas leis prOprias de convivOncia nova, criaas competencias, cria hakes de responsabilidade, dedesinteresse, de iniciativa sem fins imediatos de lucropessoal. Difundern-se assim as condigO es ideais e morais

para o nascimento do colectivismo, para a organizagioda sociedade; afirma-se aquela atmosfera moral pelaqual o novo regime não e o triunfo dos poltrOes e dosirresponshveis mas seguro progresso histOrico, realiza-Om de uma vida superior a todas as jfi passadas.

UM ANO DE HISTORIA (•)

Um ano a passado desde o dia em que o povssoobrigava o czar Nicolau II aabdicar e a seguirnh odo exilic). A comemoragio do aniversirio 6 pouco felizDor, ruins, aparOncia de destruigio, contra-ofensiva bur-guesa corn as baionetas e as metralhadoras

Acabou-se a revolugio russa? Faliu o proletariado,na Russia, na maior das tentativas de vithria que jamaisse tinha tentado na histOria? As aparOncias sic) des-confortantes; os generais alembies chegaram a Odessa;os japoneses, diz-se, estbio para intervir: 50 milhOes de

cidadkos foram separados pela revolugio e, corn eles,as terras mais f6rteis, os portos, as estradas da.e da vida econOmica. A revolugio, nascida da dor

e do desespero, continua na dor e nos sofrimentos, aper-tada num anel de potencia inimiga, imersa num mundoeconOmico refractaxio as suas ideias, aos seus objec-tivos.

Em Margo de 1917 o telegrafo anunciou-nos que urnmundo tinha ethic) na Russia: mundo que ji era efemero,inanimada aparOncia de urn poder que tinha surgido,que se tinha reforcado e arrastado corn a violOncia san-guinosa, corn a opressào do espirito, corn a tortura da

came dilacerada.Este poder tinha suscitado uma grande mkquinaestatal: 170 milhees de criaturas humanas tinham sidoobrigadas a esquecer a sua humanidade, a sua espiri-

(•) NAo as:stood°, It Grido del Popolo, 16-3-1918.

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tualidade, para servirem. A qua? A ideia do Imperiorusso, do grande Estado russo que devia chegar aosmares quentes e abertos para asseg-urar, a actividadeeconOmica, saidas seguras para todos os tipos de con-correntes, para todas as surpresas da guerra. 0 Imperiorusso era uma monstruosa necessidade do mundo =-demo: para viver, para se desenvolver, para assegurar--se a via da actividade, 10 ragas, 170 m ilhoes de homens,deviam sujeitar-se a uma disciplina estatal feroz, deviamrenunciar a humanidade e serpuro instrumento de

teria. Cada um quer ser o patrao do seu pr6prio destino,deseja-se que a sociedade seja plasmada em obedienciaao espirito e nao vice-versa. A organizagao da convivén-cia civil deve ser expressio de humanidade, deve respei-tar todas as autonomias, todas as liberdades. Comegaa nova histOria da sociedade human, comegam as expe-riencias novas da histOria do espirito human. Estasacabam por coincidir com as expressees que o ideal so-cialists tinha preconizado para as necessidades elemen-tares dos homens. Os socialistas, como classe politica,

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poder. Sao seculos de martirio e de crucificaglo; e omartirio torna-se math agudo quanto mais a civilizagaose afirma e desperta as consciOncias. A necessidade deindependencia e de autonomia torna-se mais pungente,mas a rajas) de Estado deve sufoca-la, deve exterminarmilhares, centenas de milhares, de individuos pan con-servar a unidade, para conservar ligados num feixe estes170 milhaes que, so com o namero, resistem a concor-rencia capitalista, fazem oscilar as forgas adversas daconcorrencia mundial. Os individuos perdem toda a au-tonomia, toda a liberdade, para que o Estado possa serautOnomo e livre entre os outros Estados. Sucede assimque os individuos atingem, na sua consc iOncia, pontos deespiritualidade que nä° se atingem em nenhum outropais. A literatura russa é o documento doloroso de umaconsciencia interior sem igual; nunca se tinha verifi-cado uma tal anilise dos valores humanos, uma tadescavacao interior, uma tal tomada de posse de perso-nalidade. A literatura russa é documento finico na his-tOria porque impar era a dor, a humilhagao a que oshomens eram submetidos na Russia. Os corpos dobram--se ao peso da cadeia social, e o espirito, tapada avista do mundo exterior, volta-se para si prOprio; ele-va-se urn canto, sublime e sobre-humano, canto de dor,de desespero, de purificagao, do qual sO nos profetas do

povo de Israel se pode encontrar uma palida semelhanga.Em Margo de 1917, desaba a miquina monstruosa,

apodrecida, desfeita na sua impotôncia congenita. Oshomens levantam-se, olham-se de frente. Todos os valo-res humanos ganham vantagem. A formalidade jatern valor; muito mal fez, muitas dores produziu, muitosangue derramou. Comega a hist6ria, a verdadeira his-

sobem ao poder sem muito esforgo: as palavras da suaf6 coincidem com as aspiragóes confusas e vagas dopovo russo. Devem realizar a nova organizagao,d emditar as novas leis, estabelecer as novas ordens

0 passado continua a subsistir; 6 desagreado. Tern--se a impressio da ruins, da desordem, da confusao. Pa-race que se regressa a sociedade birbara, isto e, a naosociedade. 0 passado continua a subsistir para slam doterritOrio da liberdade, pressiona e quer tentar umadesforra. A ordem nova tarda a realizar-se. Tarda?

homens cepticos e perversos, nä.° tarda, nao, porquenao se refaz uma sociedade num fiat, porque o mal dopassado nao 6 urn edificio de papeläo a que se di o

fogo num instante! Doloroso esforgo 6 a vida, luta tenazcontra os hibitos, contra a animalidade e instinto gros-seiro que ladra continuamente. Não se cria uma socie-dade human em seis meses quanto tees anos de guerraesgotaram urn pais, o privaram de meios mecanicospara a vida pablica. Nao se reorganizam milhees emilheies de homens em liberdade assim simplesmente,quando tudo 6 adverso e 26 subsiste o espirito indomft-vel. A histOria da revolugao russa nao se fechou e nao sefechari com o aniversirio do seu comego. Tal como umcanto existe na fantasia do poeta antes de ser escrito,o advento da organizagao social existe nas consciencias

e nas vontades. Os homens mudaram: isto 6 o queporta. Deseja-se a forma, a oficializacao. Grita-se porcada insucesso, por cada derrota aparente. Pede-se aosrussos o que os historiadores nao pedem as revolugeespassadas: acriagao fulminante de uma ordem nova.SupOem-se prop6sitos que nunca existiram, esperangasque nunca foram sonhadas. E estes propOsitos, estas

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esperangas, sao confrontados corn a realidade actualpara concluir corn a falencia, a mina. Com a realidadeque se diz saida de urn ano de nova histbria mas quesurgiu de s6culos de brutal supressio do homem doscaminhos da histbria. Pede-se o impossivel, o que nuncase pediu aos homens do passado. Quantas vezes a Revo-Ina° Francesa viu ocupada a capital pelos inimigos?E a ocupagao vinha depois de Napolei° ter organi-zado autoritariamente as forgas revolucionerias e de terconduzido os exarcitos franceses de vitbria em vitbria.

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E a Franca era bem pequena coisa comparada a Russia

sem limites. Nio, as forgas mecinicas nunca prevale-cern na histbria: sao os homens, são as consciências,o espirito que plasma a aparancia exterior e acaba sem-pre por triunfar. Fechou-se um ano de histbria, mas ahistbria continua [seis Unitas censuradas].

A TUA HERANCA (•)

A sociedade contemporinea: uma feira rumo44. dehomens em dellrio; no centro da fairs, urn cailbcel queroda sem cessar, fulminantemente. Cada um dos presen-ted quer saltar para a garupa de urn luminoso e bemarreado cavalinho, de uma sereia de linguidos olhos;quer recostar-se nas almofadas de urn banco. n urnprecipitar-se desordenado e cab-tic° da multidao emtumulto, 6 urn obsceno acrobatismo de artes simiescas.Dez mil caem de costae depois de ter quebrado os mem-bros, passa urn ern dez mil, ergue-se sobre estes inn-

meros corpos, ensaia o salto adequado e voa no turbilhãoinfernal.

Tu queres participar na competigão. Tens probabili-lidades, tambêm tu, de aorta. Chegar a meta significatornar-se rico, ser senhor da vida, conquistar a prOprialiberdade.

Aqui este.: a liberdade. Detenhamo-nos. A riquezalido 6 um fim, decerto; se se torna fim, chama-se avidez(avareza). E meio para um fim • a liberdade. Um tost5.0que possuis 6 um tostão de liberdade a tua disposigio,e um tostio de livre escolha. A propriedade 6 a garantiade que esta liberdade sera. continua. A propriedade de

uma parte de riqueza (instrumento de trabalho) 6 possi-bilidade de ampliar ainda o dominio da liberdade pessoal.0 direito hereditirio 6 a garantia de que a tua liberdade

••) Assinado Antonio Gramsei, Avanti!, edlgio piemontesa,1-5-1918.

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pessoal sera tambem dos teus filhos, da tua prole. Por-que o teu fim nao se circunscreve ao facto material,porque tu nao As avid° de bem-estar mecanico, man deliberdade, consegue que o teu objectivo nao seja .dual, mas uma imortalidade. Pressentes que os thusfilhos te continuarao como tu continues os teus ante-passados, e queres garantida a liberdade do teu espiritoimortal. Este imortalidade é admitida pelos laicos, pelosfilOsofos: de facto é chamada Espirito pelos filesofos efazem-na coincidir corn a histeria porque é urn todo

tenhas conhecimento desta verdade, que aprofundes emti este conhecimento e o transmitas aos outros. Ela 6a tua forga, 6 a chave do teu destino e do destino dosteus entes queridos.

A propriedade 6 a relagao juridica existente entreum cidadao e um bem. t, portanto, um valor social,puramente contingente; 6 garantida por todos, os quaiss6 a garantem porque esperam, cada um dales pessoal-mente, chegar a gozi-la. Os poucos sio livres na possedos bens e transmitem esta liberdade a outros poucos,

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humano, nao tern nada que ver corn o espirito (alma)transcendente, ultraterreno, das religiees. E pure acti-vidade: As activo, trabalhas, participas da imortalidadedo trabalho, mas queres ver formalmente este perenidadedo t,eu eu; procura-la nos tens descendentes, nas garan-tias de liberdade que lhes asseguras.

Todos os homens tern este aspiragao, todos onhomens se querern tornar proprieterios de liberdade, deliberdade garantida, de liberdade transmissive'. Se ela

o sumo bem, 6 natural que dela se procure fazer par-ticipar os entes queridos, é natural que se aceite osacrificio pare crier esta liberdade, embora seguros dea nao gozar pessoalmente, s6 para a assegurar aos entes

queridos. A preocupagao torna-se em alguns casos ta opungente que conduz ao delito, a perversao, ao suicidio.Prostituem-se maes pars deixar urn pecillio de liberdadeaos filhos; matam-se pais, corn a aparencia de acidente,para que os filhos gozem subitamente o seguro da liber-dade.

A liberdade é apenas 11M privilegio: eis por que semanifestam estas perversees. A sociedade é uma feira;a sorte é urn carrocel. A malaria deve necessariamentefalir na competigao atroz. Ela sere, pois, nao espirito,nao participare da imortalidade da histOria? Existiri aimortalidade sem a continuidade exterior? Decerto que

Existindo, transforma o mundo, suscita, portanto,formas exteriores.

Pois bem, tambem tu, que nao As rico, que nao escapitalista, que nao garantes a tua imortalidade ne-nhuma exterior continuagao de liberdade, herdas e del-xas uma heranga. Nao series hornem de outro modo, naoseries espirito, nao serias histeria. 2 preciso que tu

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porque os muitos esperam, tem a veleidade de seremlivres, mas nao tern a vontade. A vontade 6 adequagaodos meios aos fins, 6, portanto e especialmente,rade meios adequados.

0 privilegio da liberdade subsiste porque a sociedade6 uma feira, porque 6 um a desordem perene. A esperangaque tu tens de salter imediatamente para a garupa deum cavalinho do carrocel torna-te elemento da desor-dem, da feira perene: es uma pega da mfiquina infernalque faz girar o carrocel; se cats, na competigao, esa cause da tua falencia, se quebras os ossos, es urnsuicide.

De elemento de desordem deves transformar-te emelemento de ordem Em vez de saltares imediatamente(vaga esperanga, probabilidade minima), deves preferira certeza, embora nao 'mediate, a certeza para os teusfilhos. 0 fim nao muda, os meios pare o atingir sal°os Imicos meios adequados a tua disposigao: a associa-gao, a organizagao.

Se a propriedade 6 apenas um valor social, o simplesfacto de existir um organismo-forga que se propee trans-formá-lo num bem comum, na garantia de liberdadepara todos, transforma-a, torna-a aleateria enquantoprivilegio, isto 6, ora a diminui a favor da colectividade,

ora a faz participar da colectividade.Este diminuigao, este. participagao potential, 6 umaheranga que tu transmites. Decerto que 6 mais evidente,mais palpfivel, a heranga dos capitalistas; mas se reflec-tires, tambem a tua nao 6 uma coisa para transcurar.

Tambem tu recebeste urna heranga: os teus ascen-dentes, que fizerarn a revolugao contra o feudalismo,deixaram-te, em heranga, o direito a vide (nao te podem

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maths arbitrariamente: parece-te coisa pequena ? ), aliberdade individual (para te prenderem deves ser jul-gado culpado de urn crime), o direito de movimentopara trabalhar numa terra em vez de noutra, a tua es-colha, segundo a tua utilidade. Gozas de uma herangamais recente: a liberdade de fazer greve, a liberdadede associar-te corn outros para discutir os teus interes-ses imediatos e para te propores, em comunhao cornoutros, o objectivo maior da tua vida: a liberdade parati ou, pelo menos, para os teus descendentes.

6 de todos, portanto tambem teu e dos teus. Por ele jun-tares o teu sacrificio e o teu trabalho ao dos outros,multiplicando-lhe o valor para o valor do comum sacri-ficio.

A associagao cultural tornar-te-a mais digno da tuafungal() social, ensinar-te-a a pensar bem, melhorare, oteu espirito; por ela participaras do patrimOnio dopensamento, das experiencias espirituais, da inteligen-cia, da beleza do passado e do presente.

Difunde esta pequena verdade: na sociedade actual,

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Parecem-te pequenas herangas estas? Dminulramnotavelmente o privilegio dos poucos. Porque nao tepropees amplia-las e, consequentemente, diminuir o pri-vilegio? Estas herangas sae o fruto do trabalho de mui-tos, nao apenas do teu pai, do teu aye ou bisave Saofruto inconsciente, por isso pequeno. Torna-te to cons-ciente, difunde a tua consciencia: que heranga superiora do passado nao transmitires ao futuro! Que maisconcreta seguranga de liberdade para os teus filhos,para a imortalidade do teu espirito' Em vez de umapropriedade individual, preocupa-te em deixar maiorpossibilidade para o advento da propriedade colectiva,

da liberdade para todos, para que todos sejam iguaisem relagao ao trabalho, ao instrumento de trabalho.

Esta tua liberdade tem, tambem ela, uma formaexterior: a associagao. Quanto mais forte 6 a associagao,mais prOxima e a hora de bater a porta da histOria.Quem batere.? Tu prOprio, talvez, com a tua quota-parte.Trabalha como se o fim fosse imediato, mas nao deixespor isso de suscitar meios mais potentes, no caso denao ser imediato; sacrifica-te, pensando nos teus filhos,na tua gente.

Reforga as associagees que tem esta finalidade: liber-tar a colectividade, dando-Ihe a propriedade da riqueza.

A associagao econOmica garante-te acobranga quoti-diana dos beneficios produzidos pela heranga deixadapelos teus antepassados indigentes; reforga-a corn a tuaadesiio, aumentaras assim a heranga dos tens filhos.

A associagao politica, o Partido Socialista, 6 o &gar)de educagiio, de elevagao; por ele sentires a colectivi-dade, despir-te-as dos teus egoismos pessoais, aprende-vas a trabalhar desintereasadamente para o futuro que

que a uma feira, que 6 urn carrocel, todos individual-mente podem vir a ser ricos (livres), mas, necessaria-mente, so poucos o vitt° a ser; a procura da propriedade,da heranga individual, tem urn vencedor contra dez milvencidos. Os dez mil nao falirao, pelo contriurio, na pro-cura da heranga social; associem-se, de elemento dedesordem tornem-se em elemento de ordem e farao cornque o prOprio fim se aproxime das dez mil probabili-dades.

Entretanto, faz o teu dever, contribui corn a tua partede actividade, de espiritualidade para o comum patri-m6nio social do momento: trabalha para que venha

transmitido, melhorado e ampliado aos thus descenden-tes; trata da tua heranga, trata da Unica heranga quetens a certezade poder transmitir.

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0 NOSSO MARX (•)

Somos nos marxistas? Existem marxistas? Estupi-dez, apenas to es imortal. A questao retomar-se-a pro-vavelmente nestes dias, por ()cake.° do centenario (1),e fara correr rios de tints e de estultfcia. 0 vanilOquio eo bizantinismo sao patrirnOnio imarcescivel dos homens.Marx nao escreveu uma doutrina qualquer, labia é ummessias que tenha deixado uma serie de parb.bolas cheiasde imperativos categOricos, de normas indiscutiveis, ab-solutas, fora das categorias de tempo e espaco. Unicoimperativo categOrico, Unica norma: «Proletirios detodo o mundo, uni-vos.) 0 dever de organizagio, a pro-paganda do dev er de organizacao e associagao, deveriampois, ser discriminante entre marxistas e nao marxistas.Muito pouco e muito: quern nao seria marxista?

E, todavia, assim 6: todos sao um pouco marxistas,ainda que inconscientemente Marx foi grande, a suaacgao foi fecunda, nao porque tenha criado do nada,nao porque tenha extraido da sua fantasia .uma visaooriginal da histária, mas porque o fragment:aria, oincompleto e o imaturo tornaram-se nele maturidade,sistema, consciancia. A sua consciencia pessoal podetornar-se na de todos, tornou-se ja na de muitos. Porisso ele nao é so urn estudioso, é urn homem de accao;

grande e fecundo tanto na accao como no pensamento,os seus livros transformaram o mundo, tal coma trans-formaram o pensamento.

(•) NAo assinado,rido del Popolo , 4-5-1918.( s ) CentenArlo do naselrnento de Marx (5-5-1818).

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Marx significa o ingresso da inteligencia na histOriada humanidade, reino da consciencia.

A sua obra chega mesmo no periodo em que se travaa grande batalha entre Thomas Carlyle e Herbert Spen-cer sobre a fungal° do homem na histOria.

Carlyle: o her6i, a grande individualidade, misticasintese de uma comunhao espiritual que conduz os des-tinos da humanidade para um porto desconhecido, eva-nescente no quimerico pals da perfeigao e da santidade.

Spencer: a natureza, a evolugão, abstraccao med.-

pritica, nos sistemas e nas relagOes de producao e detroca. A histOria, como acontecirnento, e pura activi-dade pratica (econOmica e moral). Uma ideia realiza-senao enquanto logicamente coerente corn a verdade pura,corn a humanidade pura (que existe apenas como pro-grama, como fim etico geral dos homens), mas quandoencontra na realidade econOmica a sua justificacao, oinstrumento para se afirmar. Para conhecer corn exac-tidao quais os fins histericos de urn pais, de uma socie-dade ou de um agrupamento importa, antes de mais,

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flea e inanimada. 0 homem: atom° de urn organismonatural que obedece a uma lei abstracta, como tal, masque se torna concreta, historicamente, nos individuos— o util imediato.

Marx coloca-se na hist6ria corn a sOlida enquadra-tura de urn gigante: nao 6 um mistico nem um meta-fisico positivista; e um historiador, a urn interprete dosdocumentos do passado, de todos os documentos, naose) de urna parte.

Era este o defeito intrinseco da histOria, da analisedos acontecimentos humanos: examinar e ter em contaapenas urna parte dos documentos. E esta parte era

escolhida nao pela vontade histOrica mas pelo precon-ceito participante, ainda que inconsciente e concebidoem boa fe. A analise tinha como fim nao a verdade, aexacticlao, a recriacao integral da vida do passado, maso relevo de uma actividade particular, a valorizacao deuma tese apriorista. A hist6ria era apenas dominio dasideias. 0 homem era considerado como espirito, comoconsciencia pura. Duas consequencias erradas deriva-yarn desta concepcao: as ideias valorizadas eram muitasvezes apenas arbitrarias, ficticias. Os factos a que sedava importancia eram anedota, nao histOria. Se seescreveu histbria, no sentido real da palavra, isso deveu--se a

intuicao genial de individuos singulares, nao aactividade cientifica, sistemitica e consciente.Corn Marx a histOria continua a ser dominio das

ideias, do espirito, da actividade consciente dos indivi-duos particulares ou associados. Mas as ideias e o espi-rito substanciam-se, perdem a sua arbitrariedade, dei-xam de ser ficticias abstracg5es religiosas ou socio16-glen A sua substincia esta na econornia, na actividade

conhecer quais sac) os sistemas e as relacOes de produ-ce.° e de troca daquele pais, daquela sociedade. Sem esteconhecimento poder-se-ao compilar monografias par-dais, dissertageies Ateis para a histeria da cultura,colher-se-ao reflexos secundésios, consequencias longin-quas, mas nao se fare. histOria, a actividade pritica naosera explicada em toda a sua sOlida complexidade.

Os idolos caem do seu altar, as divindades veem

desaparecer as nuvens de incenso odorifero. 0 homemadquire consciencia da realidade objectiva, apodera-sedo segredo que faz jogar a evolugao real dos aconteci-mentos. 0 homem conhece-se a si prOprio, sabe quanto

pode valer a sua vontade individual e como ela podevir a ser potente quando, obedecendo e disciplinando--se pela necessidade, acaba por dominar a prO pria neces-sidade, identificando-a como seu objectivo. Quern seconhece a si prOprio? NA° o homem, em geral, maso que sofre o jogo da necessidade. A analise da subs-tancia histOrica, a sua fixagao no sistema e nas relageesde produgao e de troca, descobrem como a sociedade doshomens a dividida em duas classes. A classe que deterno instrumento de produce.° conhece-se ja. necessaria-mente a si prOpria, tern consciencia, ainda que confusa efragmentaria, da sua forga e da sua missal°. Tern fina-

lidades individuals e realiza-as atraves da sua organiza-cao, friamente, objectivamente, sem se interrogar sea sua estrada e empedrada por corpus esgotados pelafome, ou por cadiveres dos campos de batalha.

A sistematizacao da real causalidade histerica ad-quire valor de revelagao para a outra classe, torna-se emprincipio de ordem para o imenso rebanho sem pastor.O rebanho adquire consciencia de si, da fungi° que

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actualrnente deve desenvolver para que a outra classese afirme, adquira consciéncia de que os seus fins indi-viduais permanecerho puro arbitrio, pura palavra, velei-dade vazia e enfhtica ate que nao ter& os instrumentos,ate que a veleidade não se transforme em vontade.

Voluntarismo? A palavra nio significa nada ou éusada pars significar arbitrio. Vontade, na perspec-tiva marxista, significa consciincia do objectivo, o que,por sua vez, significa nogdo exacta da prepria forga edos meios para a exprimir na aced°. Signifies., portanto,

afanosa e secular que ahumanidade pratica pan adqui-rir consciencia do seu ser e do seu futuro, para colhero ritmo misterioso da histeria e extinguir o raisterio,para ser mais forte no pensar e agir. E urn parte neces-thria e integrante do nosso espirito, que nio seria 0que a se ele nio tivesse existido, nio tivesse pensado,nio tivesse feito saltar a luz do choque das suas paixOese das suas ideias, das suas miserias e dos seus ideais.

Glorificando Karl Marx no centenärio do seu nasci-mento, o proletariado internacional glorifica-se a si

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em primeiro lugar, distingio, individuagao da classe,vida politica independente da da outra classe, organi-zagio compacta e disciplinada corn vista aos seus finsespecificos, sem desvios tern indecisees. Significa im-pulso rectilineo para o objectivo miximo, sem passeiospelos verdes campos da cordial fraternidade, enterne-cidos pelas verdes ervas e pelas merbidas declaragOesde estima e de amor.

Mas é inetil a expressio «perspectiva marxistax quepode dar lugar a equivocos e a inundagees fhtuas e pal-radoras. Marxistas, perspectiva marxista... termos con-

sumidos &Imo moedas que passam por muitas mios.Karl Marx é, para nos, mestre de vida espiritual emoral, ndo pastor armado de bastio. E o estirnuladordas preguicas mentais, é o despertador das energiasfiteis que dormitam e devem acordar para a batalhaCita E um exemplo de trabalho intenso e tenaz paraalcangar a clara honestidade das ideias, a selida cul-tura necesshria para nio falar no vazio, abstractarnente.E bloco monolitico de humanidade sapiente e pensante,que nio examina a lingua para falar, tido pOe a maono coragio para sentir, mas constrei silogismos selidosque envolvem a realidade nasua esséncia e a doininam,

que penetram nos cêrebros, provocam a queda das sedi-mentagOes, do preconceito e da ideia fixa, robustecendoo catheter moral. Karl Marx nho é para nos a criangaque tagarela no bergo ou o barbudo que mete medo aossacristies. Nio a nenhurn dos eoisedios anedeticos dasuabiografia, nenhurn gesto brilhante ou grosseiro dasuaexterior animalidade humans. E urn vasto e serenocirebro pensante, é urn momento individual da procura

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preprio, a sua forga consciente, o dinamismo da suaagressividade conquistadora que vai removendo o domi-nio do privilêgio e se prepara para a luta final quecoroará todos os esforgos e todos os sacrificios.

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ABSTRACCAO E INTRANSIGENCIA (•)

La Stampa, de 8 de Maio, publicou um artigo de umcsimpatizantea a propOsito do dissidio socialista quese manifestou na polemica entre a direcgio do Avanti!,que escreve para toda a fraccio intransigente-revolucio-näria, e alguns membros do grupo parlamentarescrevem nao se sabe bem para quern ( I ). 0 csimpati-zante, simpatiza especialmente corn o grupo mas au)consegue dar, corn esta simpatia, uma demonstragão queconvenes, intimamente do mesmo modo que convenepela apar8ncia formal de uma lOgica ferrea. Eis o que

procuramos demonstrar.0 dissidio que existe no Partido teria a sua origem

no prOprio Karl Marx, cuja personalidade se revelariasob dois aspectos: ado mistico-revolucionftrio e a doconcreto-historiador. Os intransigentes seriam misticos--abstractos, os colaboracionistas seriam concretistas,historicistas, realistas (pedimos desculpa pela lenga-

( c ) Nao easinado, n Grid° del Popoto, 11-5-1918.(') A fraccao 4intransigente-revoluciontaito formou-se no

decurso de 1917, acolhendo a esquerda dos sociallstas Helium.Gramsci aderiu a ela em representagão da maloria da cocoa.° soda-lista de 'Purim e partleipou no congresso clandestino de Florenca(18-11-1917) em que se estabeleceu uma acentuacAo da polêmicainterne contra oe expoentes do grupo pariamentar (em primeirolugar Filippo Turatt) que rnanifestavam sentbnentos e posig5esde colaboragao no esforgo laëlico. A polêmica, sustentada pessoal-mente pelo director do Avant!, Glaciate Menotti Serrati, porcoats dos intransigentes, reacendeu-se na Primavera de 1918,depots de deciaragiSes cpatrieticas, de Turati e outros deputadossocialistas.

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lenga dos istas). 0 misticismo ter-se-ia ligado ao con-cretismo na negagao da guerra, dando lugar a unidadeocasional do Partido, mas o granito tem esta intimafenda e a lagartixa do dissidio espreita de vez em quandopelo buraco.

0 (simpatizantei. 6, ele pr6prio, urn abstracto, isto6, nao é um temperamento politico.

A sua abstracgao predilecta sao os tfactosw. Masexistem os factos sem os homens e determinados factossem determinados homens que tern uma determinadacultura, que se propOem um determinado fim? 0 con-

hist6ria, nao a sua criagao. A concretizagao, neste caso,significa apenas aus6ncia de todas as paixOes, de todasas energias, que nao sao as necessaries para a pesquisa,para a reconstrugao do passado, na sua adaptagao auma determinada forma de equilibrio. Nilo saris con-creto Mar; nem sequer neste caso, se o concretismofosse como o imagina o csimpatizante,. A histOria,mesmo do passado, deve servir-se de esquemas priticos,de ideias gerais, deve abstrair-se dos individuos singu-lares, concretizagao maxima, e estudar a actividade ten-dencial das forgas sociais constituidas, consciente ou

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cretismo torna-se abstracto quando, alucinado pelo em-pirismo, esquece os factos, quando actualidade e naohist6ria do passado, quando impulso para o desenvol-vimento ulterior da sua esséncia efectiva, sao sobretudoconhecimento, parecer, avaliagao; e estas belas coisassO sao possiveis se os homens e os agrupamentos se pro-poem um fim geral na sua acgao. A trajecteria dos fac-tos 6 a resultante objectiva da actividade desenvolvidapelas energias sociais constituidas: o Estado e o PartidoSocialista. Urn prop5e-se um fim quantitativo (fixadono espago e no tempo) e opera atraves dos seus Orgaos,do exercito a magistratura e it imprensa. 0 outro pro-

pee-se, tambem ele, um fim quantitativo, nao imediato,e obtem imediatamente parciais sucessos qualitativos:transforma o costume, clarifica ideias, faz conhecerenergias reais operantes, suscitando, organizando ener-gias ainda passivas de que nascerà a ordem nova atravesda qual sera realizado o Ultimo fim.

Concretismo absoluto, porque nao se ilude que a leitenha valor sem o controle inteligente dos representan-tes, que a ideia seja hist6ria sem a forga organizada.As ideias, os principios, a intransigencia ideal, tornam-seassim concretizagOes hist6ricas, ainda que, imediata-mente, nao fagam abdicar urn =arca ou veneer uma

batalha.As dual faces de Karl Marx (historicismo e misti-

cismo), que se transformam nos dois termos do dissidiosocialists, sao uma amplificagao retOrica. 0 historicismoconcreto de Marx é pura seriedade de estudioso que pes-quisa os documentos do passado. Estes documentos saodefinitivos e o estudo visa a verdade, a recriagao da

inconscientemente. 0 ‘simpatizante*, pelo contrario, sefosse coerente corn todo o seu concretismo, deveria redu-zir a histOria a um atomism individual; ele 6 um empi-rico, nao urn politico historicists, e a sua demonstragao,de robustez aparente, 6 viciada por urn intimo abstrac-tismo pulverizador e c6ptico.

Marx critica ironicamente as ideologias mas 6 ide6-logo enquanto homem politico actual, enquanto revolu-cionasio. A verdade é que as ideologias a() risiveisquando sao puro palavreado, quando sao revoltas paracriar confuthes, para iludir e dominar energias sociais,potencialmente antagonistas, para um fim que é estra-

nho a estas energias. Marx ri-se dos democratas espa-pagados que nao conhecem a forga, erten que a palavraseja cane, creem que as forgas organizadas baste opora palavra, que as espingardas e aos canh8es baste opora bomba do arrazoado inutil. Mas como revolucionario,isto 6, como homem actual de acgao, nao pode prescindirdas ideologias e dos esquemas prâticos que sax) enti-dades histOricas potenciais, era formagio; o que aeon-tece a que as solda corn a forga da organizagao, do par-tido politico, da associagao econO mica.

0 asimpatizante) reconhece que o dogma, o esquemapratico da classe, tendo gerado a intransigincia, robus-

teceu o partido (isto 6, a classe potencial, em formagao,que se integra dia apOs dia). Nio pensa que o dogmademonstrou ser, assim, uma concretizagao e esgotou asua Unica funga.o. 0 homem politico, que nao seja empi-rico, opera como se a classe estivesse ja actualmente emplena eficiencia de quadros. Obtem a finalidade imediatade robustecer-se e de transformar o costume, melho-

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rando o ambiente geral. A critica deveria demonstrar,para ser concreta, como estes esquemas práticos saoarbitrarios, como a abstraccao, que 6 uma necessidadeda pratica, a gratuita, isto 6, nunca vira a ser organiza-ga p, dadas as premissas histOricas actuais. Mas a de-monstragao a impossivel porque o esquema da classe,tornado acgao como metodo da intransigencia, deter-minou urn robustecimento, documento de concretizagaono presente e ainda mais no futuro.

0 csimpatizante* 6, tambem ele, urn mistico incons-

transigencia conquista esta inertia ao Partido e a con-quista a efectiva porque a feita corn a organizagao,atraves do fim geral, o programa maxim°. A colabora-gao a morte do espirito porque a auséncia de distingao,de plasticidade politica. 0 Isimpatizante, deveria de-monstrar que a finalidade maxima dos socialistasarbitrfiria, que a classe, alem de abstracgao, a abstraccaoarbitraria, que nao adere aos factos nem sequer nega-tivamente ; demonstrar que existem os factos em si, forada avaliagao dos homens, como qualquer coisa de fatal

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ciente, se misticismo significa nao adesao a v ida, a acgao.Cr8 nos fins concretos fixados e alcangaveis a priori.Imagina o futuro como qualquer coisa de selido, da soli-dez do passado. Nao 6 dialectico ainda que se sirva destapalavra e nao imagina o futuro como puro jogo de forgaspotenciais que tern, no presente, apenas um pressuposto;o futuro nao a mais do que o reflexo que a nossa fan-tasia lOgica projects do presente para ter uma direcgaocerta e nao empirica, de todos e nao de pou cos, das orga-nizagOes e nao de individuos representativos e incon-trolados. Existem os fins concretos mas esses actuam-separcialmente todos os dias, no exterior e nas conscien-

cias. 0 problems poe-se nestes termos: destes fins con-cretos so uma parte se actua quotidianamente; esta partenao a fixavel a priori porque a histOria nao 6 urn cal-culo matematico; esta parte 6 o resultado dialectic° dasactividades sociais em continua concorrencia coin osfins maximos. SO no caso de estes fins maximos seremperseguidos corn o metodo da intransigencia, a dialec-tica sera histOria e nao arbitrio pueril, sera resultadosOlido e nao erro que seja necessario desfazer e corrigir.

Nasce o dever da intransigencia pura de cada empi-rismo arbitrario Este dever 6 de todas as energias so-ciais; 6 a raid° de vida e de desenvolvimento do Partido

Socialista. A histOria a dialectica da luta de classes quetem como protagonista e antagonista o Estado e o Par-tido Socialista corn as organizacOes econOmicas que oPartido controla. Mas deste desligar de acontecimentossao tambem factores os partidos politicos burgueses emcontinua concorréncia entre eles pan a conquista doEstado (concoreencia que nao permite o metodo intran-slgente) e a passividade, a inertia das multidOes. A in-

e nao necessasia dialecticamente; demonstrar que a vidae confusao e the clareza, que as ideias gerais sac) abs-tracgOes e nao concretas realidades como o canhao eas algemas. SO assim podera demonstrar que a intran-sigéncia a passividade e reacgao e nao, como nos acre-ditamos, metodo necessario e suficiente para que arealidade efectiva se organize e se revele, para que ahistOria, dialecticamente necessiwia, se afirme, mesmoque esta histOria seja a reacgao dos outros e nao a«de-mocracia» ideolOgica e vazia de Giovanni Giolitti que,de concreto, quis sempre dizer: protecgao alfandegaria,centralizagao estatal corn a Urania burocratica, corrup-

gao do Parlamento, favores so clero e as castas privi-legiadas, tiros na estrada contra os grevistas, fraudeseleitorais. Quis tambem diner urn pouco de legislagaosocial, mas para os intransigentes as leis sac) infiteis senao lhes corresponde o costume, e estas leis sac) erros,em sentido de classe, porque, nao sendo o costumedifuso, transformaram-se em privilágios de categorias.

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A INTRANSIGENCIA DE CLASSE E A HISTORIA

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ITAL1ANA (•)

La Stampapublica ainda dois artigos ( 1 ) a prop6sitodo « dissidio socialists.* * La Stampa insiste no catheterpuramente «cultural* e informativo destas suss publi-cage's&

0 desinteresse admiravel, b franciscana boa vontadede informar e educar a Inca° italiana!

Mas ride insistamos. Preocupemo-nos corn a solidasubstancia dos factos, corn as consequéncias reais quepossam ter para a vida politica e para a histOria italiana

o comportamento dos grupos interessados na polemicaentre os intransigentes e os relativistas do nosso Partido.Na pthtica, La Stampaveio em auxilio do grupo par-

lamentar. A ofensiva contra os intransigentes é condu-zida de modo bail, corn a dissimulada destreza que écaracteristica dos «giolittianos*. Os artigos da Stampasao escritos por um «simpatizante*, condicao util paraadormecer o senso critico nos leitores proletazios dojornal. sao escritos por urn homem de engenho, espe-cialista na linguagem critica marxista, urn homem decultura superior, experimentado na subtil arts de dis-tinguir, de graduar os conceitos segundo a mais recants

filosofia idealists. 0 asimpatizante* tornou-se, por naytural 16gica das coisas e dos valores, o teOrico dos cola-boracionistas. Dos fres artigos ate agora publicados,enxameiam corn profusao os m otivos polemicos, os nexos

(") Nao assinado, Il Grido del Popolo, 18-5-1918.(') Os artigos em questAo foram publicados em La Stampa

de 14 e de 15 de Math de 1918.

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de pensamento, os esquemas 16gicos que serao utili-zados em artigos, mas especialmente na conversagaoprivada, como sustentagao da tese relativista.

Cremos necessi.rio, por isso, submeter a uma criticaminuciosa todo o com plexo da demo nstragao. Nao pode-mos ser breves, infelizmente, mas os leitores de boavontade que nos seguirao ate ao fim, convencer-se-aoque valia a pena, convencer-se-ao que a polemica entrea direcgao do Avanti! e os colaboracionistas supera oestreito dominio de uma escaramuga sobre a tactica

este, procurando instalar-se estavelmente. A 16gicada histeria, em casos sernelhantes, conduziu a este resul-tado Optimo (a histeria dos partidos na Inglaterra edisso exemplo) : sob os golpes da concorrencia desen-freada de dois partidos igualmente fortes, que temem

predominio um do outro, o Estado alivia-se do fardode fung6es pesadas, a administragao descentraliza-se, aburocracia atenua a sua tirania, os poderes tornam-seindependentes. 0 Estado perde o seu palco feudal, des-Sic°, militarista, e constitui-se de modo a tornar im-

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parlamentar, sobre a disciplina do Partido, e e o prela-dio de uma formidavel batalha em que esta) interessadas[uma linha censurada] os prOx imos vinte aims da hist&ria italiana.

0 Miele° central dadisputa e este, segundo as pala-vras que La StampapOe na boca dos relativistas:

Os partidos intervencionistas vao-se apode-rando, pouco a pouco, de todos os poderes, detodos os mecanismos do Estado, presidindo-os econtrolando-os directa e indirectamente. A lemdisso, valem-se deste controle do poder do Estado,

desta progressiva aanexagacm da potencia estatalem beneficio dos seus partidos — ate ao pontode identificar a prOpria organizagao do Estadocorn a sua organizagao de partido — para enfra-quecer, desarticular, reduzir a impoténcia o ins-trumento politico da classe trabalhadora, que eo Partido Socialista.

Assim raciocinam os colaboracionistas e La Stampaaplaude, porque, do fenOmeno d e anexagao*, as pri-meiras e Unicas vitimas sao Giolitti e o seu partido,porque o fen6meno ,vde anexagao) e o inicio, para a

de uma nova forma de governo que pressup6eum Estado de classe perante o qual todos os partidosburgueses sao iguais, corn iguais condigOes de partida.2 o inicio de uma era democritica, nascida nao pelaboa vontade de urn ou de outro partido, mas pela ine-xorivel legica dos acontecimentos. 0 privilegio gover-nativo giolittiano nao e atacado: urn outro partido con-seguiu estar no poder mais de quanto seria prestunfvel

possivel a ditadura de urn chefe de partido, havendosempre a possibilidade de altemativa, da sucessao nopoder por quern represente o essencial das forgas poli-ticas e econOmicas do pats, o que, portanto, verb, darimpulso as suss energias naturais e espontaneas saidasda actividade econOmica e nao dilatar morbidamenteos sectores parasitarios, que da politica se dirigem paraa actividade econ6mica, que no superprivilegio encon-tram a sua Unica razao de existencia.

Classe, Estado, partidos

0 que representa o Estado para os socialistas?O Estado e a organizagao econOmico-politica da classeburguesa. 0 Estado e a classe burguesa na sua concretaforga actual.

A classe burguesa nao e uma unidade fora do Estado.Pelo principio e aced() da livre concorrencia, surgem

constituem-se continuamente novos grupos de produ-tores capitalistas que integram incessantemente a capa-cidade econOmica do regime. Cada grupo desejaria sairda dilacerante luta da concorrencia, impondo o monopO-lio. 0 Estado compOe juridicamente os dissidios internos

de classe, os atritos de interesses contrastantes, unificaos sectores e di a imagem plastica da classe inteira.0 gov erno, o poder, e o ponto em que se afirma a concor-rencia dos sectores. 0 governo e o premio do partido,do sector burgues mais forte, que, por esta forga, con-quista o direito de regular o poder do Estado, de diri-gi-lo pant determinados fins, de plasmi-lo prevalente-mente segundo os seus programas econernicos e politicos.

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Absolutamente diferente é a posigio que ocupam ospartidos burgueses e o Partido Socialista perante o Es-tado.

Os partidos burgueses ou sae expoentes de catego-rias de produtores ou sae enxames de moscas de cava-lariga que nao atacam nem sequer superficialmente aestrutura do Estado mas zumbem palavras e sugam omel dos favoritismos.

O Partido Socialista nao é organizagdo de sector mas

Estado italiano conservou a substfincia e a estruturade um Estado despOtico (igual ao da Franca, diga-se).

Existe urn regime burocrâtice centralista, fundadono sistema think° napoleOnico, apto para oprimir enivelar cada energia e cada movimento espontineo.

A politica externa é arqui-secreta: as discussOes naosfio piablicas e nem sequer si p conhecidos os pactos pelosinteressados.

O exêrcito era (ate ao inicio da guerra, que fez saltarnecessariamente o esquema antiquado) de carreira, nao

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de classe: é morfologicamente diferente de qualqueroutro partido. S6 pode reconhecer no Estado, con:juntoda classe burguesa, o seu directo antagonista. N5.0 podeentrar em concorrencia para a conquista do Estado, nemdirecta nem indirectamente, sem se suicidar, sem sedesnaturar e transformar em puro sector politico, forada actividade histOrica do proletariado, e transformarnum enxame de moscas de cavalariga em busca dosdotes a que se agarrar, morrendo ingloriosamente.

O Partido Socialista nao conquista o Estado, subs-titui-o; substitui o regime, exclui o governo dos partidos,substitui a livre concorrencia pela organizagfio da pro-dugfio e das trocas.

A ltdlia tern um Estado de classe

Nas discussaes e nas polemicas, sobrepOem-se muitasvezes as palavras a realidade histOrica. Referindo-nosa It&lia, usamos as palavras: capitalistas, prolethrios,Estado, partidos, como se elas significassem entidadessociais que alcangaram a plena maturidade histerica, ouuma maturidade jh notfivel como acontece nos paiseseconomicam ente avangado s. Mas, na Italia, o capitalismoesth ainda no comego e a lei exterior nao se adequa, em

nada, a realidade. A lei é uma incrustagdo modernasobre urn edificio antigo, nao é o produto de uma evolu-gfio econOmica, é um produto do mimetismo politicointernacional, de uma evolugfio intelectual do direito, nä°do instrumento de trabalho.

Notava-o Giuseppe Prezzolini recentemente, a pro-pesito da polemica sobre «democracia,. Sob uma apa-rència, puramente superficial, de ordem democrAtica,

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a nacäo armada.Ha uma religi5,o do Estado, paga e ajudada pelo

Estado, e nao a separagdo laica e a igualdade de todosos cultos.

Faltam as escolas ou professores, escolhidos entreum restrito niunero de necessitados, dada a exiguidadedas retribuigOes, e insuficientes para a finalidade daeducagEo nacional.

0,..sufrfigio foi sempre restrito ate is Oltimas elei-gOes e) e, ainda hoje, este. bem longe de dar a nagio acapacidade de exprimir o seu querer.

Subsistem instituigOes feudais ainda vigorosas come

latiffindio, 1 inalienfivel de facto se nao de direito, osusess fundos do culto, que transformaram adependencia feudal dos bens da Igreja num rendimentoseguro e fora de qualquer controle.1

A livre concorréncia, principio essential da burguesiacapitalista, ainda nao alcangou as mais importantes acti-vidades da vida nacional. Acontece assim que as for-mas politicas são simples superstruturas arbitrArias,sem efichcia, infecundas de resultados.

Os poderes säo ainda confuses e interdependentes,faltam os grandes partidos organizados das burguesiasagrfiria e industrial [oito linhas e um quarto, censu-

radasl.

Nas eleiodes politicas de 1913, fol adoptado empela rimeira vez, o csufrAglo universal) . que alargava o direitode voto, ate entAo restrito a categorlas privilegladas, a todos os&Janos do sexo masculino que tivessem completado vinte e urnanos, felto o servigo militar ou possufssem a instruglo elementar.

unman) dos eleitores passou entfio de fres milhOes e meio a

olio milhbea.

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Nä.° existe, portanto, o Estado de clasSe em queculminaaeficacia do principio da livre concorrinciacorn a sucessao, no poder, dos grandes partidos repre-sentativos de vastos interesses de gategorias produtoras.Existiu a ditadura de um homemxpoente dos inte-resses politicos limitados a regiao piemontesa, o qual,para ter a Italia unida, impOs a Italia urn sistema dedomino colonial centralizador e despOtico. 0 sistemaesmigalha-se, novas forgas burguesas nasceram e sereforgaram, reivindicando o reconhecimento, para os

trolada, conseguiu iludir com didivas formais de liber-dade, mas consolidou, de facto, o Estado despOtico caroa memeria de Emanuele Filiberto. A arma do seu domi-nio, da sua ditadura, caiu na mao do grupo adversario(nao chamamos partido, nem a um nem a outro, por-que falta a ambos peso politico e econOnaico) e este con-servou-a por mais tempo de quanto se poderia imaginar,serve-se dela, plasma-a para si, e dirige-a contra osantigos patrles. Se a luta permanecer nos sectores, nosgrupos burgueses, do choque furioso das duas partes

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seus interesses, de poderem afirmar-se e desenvolver-se.A intervencao 6 a continglncia, o pacifismo 6 a contin-Sala, a guerra passara; o que esta em perigo, no fu-turo, e a Estado despOtico giolittiano, e o ciimulo deinteresses parasitarios incrustados a este velho Estado,6 avelha burguesia flacida que sente o seu superprivi-legio ameagado por este fermento de juventude burguesaque quer o seu lugar no governo, que quer inserir-se nojogo da livre concorrincia politica e a qual, sem dirvida,seaevolugao nao for truncada por urn facto novo,reformara o Estado, expulsara a velharia traditional,porque o Estado democratic° nao 6 caracterizado pelo

seu bom coracao ou pela boa educacao, a uma necessi-dade de vida da grande produgao, das trocas intensas,do crescimento da populagao nas cidades modernas ca-pitalistas

0 subentendido (4)

Estes a.° os termos da situagao histOrica. 0 agru-pamento giolittiano, em vinte anos de ditadura Moon-

nascera a Estado novo, liberal, iniciar-se-a a era dosgoverns de partido, constituir-se-ao os grandes par-tidos, desaparecerao os pequenos dissidios, absorvidospelos interesses superiores.

Os giolittianos querem evitar o choque, nao queremtravar batalha no campo dos grandes programas insti-tucionais que podem abrasar a temperatura politica danagao; o deus dos burgueses sabe se a naglo tem neces-sidade de novos abrasamentos e que contragolpe podeter no proletariado um choque tao forznidivel. Os giolit-tianos querem evitar o choque e resolver no ambitoparlamentar o problems que os tortura. Continuam, as-!'sim, a sua tradigao de diminuir os grandes problemas,de afastar o pais da vida politica, de evitar qualquercontrole por parte da opiniao pablica. Os giolittianosestao em minoria. E eis os deputados socialistas a cagade borboletas, eis as sirenes a cantar as nostalgicas ariasda liberdade, do controle parlamentar e da necessidadede colaboragao para se moverem, para agirem, para sai-rem da inertia.

E eis que La Stampa insiste corn os artigos do «sim-patizante), o qual pee ao servigo de uma causa injustaa recente cultura que infelizmente falta aos represen-

Giovanni Giolitti.

Num quarto artigo, de hoje (17 de Mato), La Stampairate explicitamente de uma possibilidade colaboracionista parsa paz. LaStampa 6 de opiniAo que se deve adiar a discuss/10para tempos mais maduros. N6s, pelo contArio, dada a consti-tufedo democrtitica do Partido, achamos necessArio que as seccaese os circulos dlscutam tmediata e exaurlentemente e fixem aoPartido uma drecelo Ernie e decidida de intranslgente luta declasse pan o problema da paz. 111 precise die nos deixarmossurpreender impreparados e desunidos porque, laden altura, seril

posefvel ao grupo parlamentar semear a desordem no Partldo escar-se a urn pseudopoder. Seria o math colossal amercado deidiotas) e o Partido seria liquidado por uma dezena de anos.Triunfariam, porêm, as g realistas energias parlamentares.....[blots de Gramm' que evoca o primeiro artigo (8 de Maio) jf).discutido na nota Abstraccdo a intransigência; cf. pp. 223-227 dopresente volume.]

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tantes do proletariado no Parlamento, emprestando-lhesurn crealismo), urn hegelismo marxista que nunca sou-beram que coisa fosse. Eis que os intransigentes Saoapresentados como misticos sonhadores, vazios abstrac-cionistas para nao dizer estapidos, porque a sua con-cepgao se seria baseada numa hipOtese simplista e gra-tuita : cos trabalhadores tornarao das trincheiras, depoisda paz, corn a deliberada vontade e a capacidade politicade praticar o socialismox,. A intransigencia a apresen-tada como inercia mental e politica; faz-se mengao das

0 realismo colaboracionista e puro empirismo. Este,para a intransigencia como urn flebOtomo esta para Au-gusto Muni.

A histOria — segundo La Eta:74)a — mostra comoo contraste entre duas teses socials — isto é, aantltesede classe — foi sempre resolvido numa sintese, da qualé alienada sempre uma parte do que foi e na qual antrasempre o que sera, ate que a utopia, atraves de graduaistransformagOes, se torna realidade e acolhe na sua formauma nova correspondente constituigao social.

A histOria mostra isto, de facto, mas nao mostra

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m elhores posicOesE o subentendido predomina, soberano, feiticeiro, fas-cinante pelo facto de nao vir expresso, mas a evidenteque os periodos secos e nervosos se tornem cheios demisteriosos significados: é a resolugao da guerra, oproblems da paz que se quer insinuar possa vir a serresolvido por urn acordo parlarnentar. E precisamenteo motivo dominante que é esquecido. Espera-se, por isso,especialmente por isso, criar no proletariado urn estadode animo de dificuldade intelectual, uma confusio dosenso critic° da classe que conduza a uma pressao sobreos organs directivos do Partido e faga obter, se nao urnconsentimento entusiastico mas nä° frio em relagaoalianga, pelo menos uma dissolugao proviseria do grupoparlarnentar da obrigagao da disciplina. 0 que importa6 a accao parlamentar, o voto que conduza ao poder osgiolittianos. A intervengao directa do proletariado éesconjurada; o exemplo da Russia e do miseravel fimda burguesia anticzarista, arrastada pela onds, da feriapopular, espanta estas almas pavidas dos dernocratastrogloditas, dos parasitas habituados so a esgotar ascaixas do Estado e a distribuir leis e favores como ostrades distribuem o caldo aos pedintes tinhosos.

Realismo e empir ismo

A concepgao qua La Stompa empresta aos relativis-tas 6 pueril, no fundo, mesrno teoricamente. A colabora-cit° nao pode ser justificada nem corn raz5es contin-gentes nem corn teorizagOes lOgicas. E urn erro histOricoe 6 urn erro !Ogle°.

que a csintese, co que sera), esteja ja Linda anterior-mente por contrato. Antecipar a sintese histerica a arbi-trio pueril, hipotecar o futuro corn um contato de classeé empirismo, nao e ter o sentido vivo da histOria. Cornpalavras mais faceis apresenthmos ji no Ultimo Gricloa mesma argumentagao:

Dos fins maximos (utopia), uma parte é ac-tuada quotidianamente (o que send); esta partenao se pode fixar apriori porque a histOria naoé calculo matematico; esta parte 6 o resultadodialectic° das actividades sociais em continuaconcorrencia com os fins maximos. S6 se estesfins maximos forem perseguidos pelo metodo daintransigencia, a dialectica sera histOria e naoarbitrio pueril, sere resultado sOlido e nao erroque seja necessirio desfazer e corrigir (6).

Mais facilmente ainda: o intransigente e o relati-vista dizem em comum: para fazer saltar a chama épreciso bater o ago contra o silex. Mas enquanto o in-transigente se prepara, o relativists diz: Este, quieto,a chama tenho-a eu no bolso. Acende urn fesforo e acres-centa: eis a chama que nasceria do choque tornado init.-

til. E acende o charuto. Mas quern pode tomar por sen-tido hegeliano da histOria, por pensamento marxista, umtam miseravel jogo de dados?

( 6 ) f. Abstraccdn e Intransigencia, pp. 223-227 do presentsvolume.

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A funcdo do proletariado

Como o Partido Socialista, organizagao da classe ope-rária, nao pock entrar em concorrencia para a conquistado governo sem perder o seu valor intrinseco, tornando--se num enxame de moscas de cavalariga, tambein naopode colaborar corn urn sector burgues organizado par-lamentarmente sem incorrer em erro, determinandopseudofactos que deverao desfazer-se e corrigir-se. 0marasmo politico, determinado pela colaboragao declasse deve-se a dilatagao espasmedica de um partido

emergem ainda, empachando a histOria depois do nau-fragio da velha sociedade.

A intransigencia 6 o anico modo de ser da luta declasses. E o fink° documento que a histeria desenvolve,criando valores sedidos e substanciais, rap csintesesprivilegiadas», sinteses arbitrarias, confeccionadas decomum acordo entre a tese e a antitese pactuando emconjunto, como a igua e o fogo de boa memOria.

Lei suprema da socieddae capitalista e a livre concor-rencia entre todas as energias sociais. Os comerciantes

disputam os mercados, os sectores burgueses disputam o

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burgues, que akin de deter o Estado, se serve tambemda classe antagonista do Estado, tornando-se numa qui-mera, num monstro histerico sem vontade e fins deter-minados, apenas preocupado pela posse do Estado aoqual se pega como a ferrugern. A actividade do Estadoreduz-se apuro direito, as composigees formais dos dis-sidios, nao ataca nunca a substancia; o Estado transfor-ma-se em carro cigano, regido por pegas e chaves, mas-todentico sobre quatro pequena rodas.

0 Partido Socialista, se quer continuar e tornar--se cada vez mais no &Tao executivo do proleta-riado, deve observar e fazer respeitar por todoso metodo da mais feroz intransigencia. Os par-tidos burgueses, se querem chegar ao governo so pelasua forga intrinseca deverao evoluir, per-se em contactocorn o pais, per firn aos seus dissidios particulares, con-quistar um peso politico e econemico que os distinga.Se o nao quiserem, como nenhum partido e capaz de semanter sozinho, surgira uma crise perene e perigosaapartir da qual o proletariado, sOlido e compacto, ace-lerark, a sua escalada e a sua evolugao.

A intransigéncia nit, 6 inercia porque obriga osoutros a mover-se e a operar. Mc se baseia em coisasesttipidas, como habilmente insinua La Stampa; a umapolitica de principios, 6 a politica do proletariado cons-ciente da sua missao revolucionkria de acelerador daevolugho capitalista da sociedade, de reagente que clari-fies o caos da producko e da politica burguesas, queobriga os Estados modernos a continuarem a sua naturalMiii9a0 de desagregadores das instituicOes feudais que

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ciantes tendem a criar o monopelio atraves de leis pro-tectoras. Os sectores burgueses querem, cada urn para si,monopolizar o governo, submetendo em seu favor asenergias encadeadas ( 1 ) pela classe que este. fora da con-correncia governativa. Os intransigentes sao defensoresda liberdade. Nao querem bar g es, nem para o agficar ouferro, nem para o governo. A lei da liberdade deve agirintegralmente; ela a intrinseca a actividade burguesa,o acid° reactivo que decompoe continuamente os quadros,obrigando-os a melhorar e a aperfeigoar-se. As grandesburguesias anglo-saxenicas conquistaram a actual capa-cidade produtiva atraves deste jogo impladvel da livreconcorrencia. 0 Estado ingles evoluiu, libertou-se dosseus valores nocivos pelo embate livre das forgas sociaisburguesas que acabaram por constituir os grandes par-tidos histericos liberal e conservador. Deste embate, oproletariado ganhou indirectamente o pao a baixo preco,as liberdades substanciais garantidas pela lei e pelocostume, a liberdade de associagao, de greve, uma segu-ranga individual que, em Italia, sao ainda um mito qui-mórico.

A luta de classes nao a urn arbitrio pueril, urn actovoluntarista: e a necessidade intima do regime. Pertur-

bar-lhe o limpido percurso, arbitrariamente, por sintesespre-estabelecidas por furnadores irnpenitentes, 6 erropueril, a perder-se na histeria. Os partidos nao giolittia-nos no poder, fora do factor guerra, que a contingencia

(') No texto: encantadas.

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que supera já a capacidade politica das classes diri-gentes das pequenas nagOes, cumprem inconscientementeurn trabalho de desagregacäo do Estado feudal, milita-rista, desp6tico, que Giovanni Giolitti perpetuou parase tornar instrumento de ditadura. Os giolittianos sen-tern fugir o monopOlio. Agitem-se, por Deus, lutem,convidem o pais a julgar. Nao, eles querem fazer mover

proletariado, querem, melhor ainda, fazer votar os

deputados socialistas.A intransigéncia a inertia, nao é verdade? Mas o

movimento nao a apenas acto fisico, é tambem intelec-tual, melhor, antes de fisico é sempre intelectual, excepto CULTURA E LUTA DE CLASSES (•)

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para as marionetas. Tirem ao proletariado a sua cons-ciéncia de classe: marionetas, mas que movimento! La Giustizia, de C amillo Prampolini, oferece aos seus

leitores uma resenha das opiniees expressas pelos sema-nfirios socialistas a prop6sito da pole:mica entre a direc-no do Avanti! e o grupo parlamentar. 0 ultimo capituloda resenha a espirituosamente intitulado «Os interpretesdo proletariado) e explica:

La Difesa, de Florenga ( 1 ), e Il Grido, deTurim, os dois expoentes mais rigidos e culturais

da doutrina intransigente, desenvolvem largasconsideragOes te6ricas que nos 6 impossfvel re-sumir e que, de qualquer modo, seria poucoreproduzir porque — embora aqueles dois jornaisafirmem ser os genufnos interpretes do proleta-riado e ter a seu lado a grande massa — os nossosleitores nao seriam bastante cultos para coin-preender a sua linguagem.E a implacivel Giustizia, pare que nao se diga que

«fez desonesta ironia,, transcreve, portanto, dots passosdestacados de um artigo do G-rido, concluindo: dials,proletariamente claros do que isto nao se pode

(•) N A ° a s s i na d o , It G S& del Popoto, 25-5-1918.( 2 ) e m a nd r i o d a Fe d e r a c i to So c i a l is ta de Florence , d ir igido

p or E g 1 d io G e n na x l . F l o r e nc e 6 , ne s te p e r fod o , o c e n tr o p r i nc i p a lda frant i c e intrans igente-revo lucionAriaa .

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0 camarada Prampolini oferece-nos o motivo paratratar uma questa° de nao pouco interesse para a pro-paganda socialista.

Admitamos que o artigo do Grido fosse o non plus

ultra da dificuldade e da obscuridade proletfirias. Teria-mos podido escreve-lo doutra maneira? Tratava-se deuma resposta a um artigo de Stampa ( 2 ) e, neste artigo,fazia-se use de uma precisa linguagem filosOfica, quenao era coisa superflua ou ostentagao, visto que a direc-gao do pensamento tern a sua linguagem particular eo seu vocabulario igualmente particular. Ao responder

devIamos permanecer no dominio do pensamento do

regionals a que se dirigem; o tom dos escritos e da pro-paganda deve, porem, ser sempre urn tanto superior aesta media para que haja um estimulo ao progressointelectual, para que pelo menos um certo niunero detrabalhadores saia do indistinto e generico remastigarde opUsculos e consolide o seu espirito numa visa° cri-tica superior da histOria e do mundo em que viva e luta.

Turim a cidade moderna. A actividade capitalistapulsa aqui corn o fragor enorme de oficinas ciclOpicasque adensam em poucos milhares de metros quadradosdezenas e dezenas de milhares de proletazios. Turim temmais de meio milhao de habitantes; aqui, a humanidade

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adversirio, demonstrar que tambem, ou melhor, preci-samente por se tratar daquela direcgao do pensamento,(que 6 a nossa, que 6 a direcgao do pensamento dosocialismo nao achavascado nem ingenuamente pueril),a tese colaboracionista constituia um erro. Para serrnosfdceis seria preciso desnaturar, empobrecer urn debateque tratava de conceitos de maxima importancia, dasubstancia mais Intima e mais preciosa do nosso espi-rito. Fazer isto nao significaria usarmos de facilidade:seria defraudar, tal coma o comerciante de vinhos quevende ague tints por barolo ou lambrusco. Um conceito

dificil nao pode ser oferecido por uma expressao Meilsem que se mude em grosseria. E, por outro lado, fingirque a grosseria representa aquele conceito a posigaode baixos demagogos, de trapalhOes da lOgica e da pro-paganda.

Porque a que Camillo Prampolini desenvolve umaironia ficil a propOsito dos aintarpretes) do proleta-riado que nao se fazem compreender pelos proletarios?Porque Prampolini, corn todo o seu born senso e o seuarranjismo, 6 um abstracto. 0 proletariado 6 urn es-quema pratico. Na realidade, existem os prolethriossingulares, mais ou menos cultos, mais os menos pre-

parados pela luta de classes para a compreensao dosma's refinados conceitos socialistas Os semanariossocialistas adaptam-se ao nivel media dos sectores

(•) Cf. 4th:traced° e Intminsigénekt, pp. 221-225 do presentevolume.

clividida em duas classes corn caracteristicas distintasque nao existem noutras partes de Italia. Nio temosdemocratas, nao temos reformistas a chagarem-nos.Temos uma burguesia capitalista audaz, atrevida, temosorganizageies poderosas, temos urn movimento socia-lista complexo, variado, rico de impulsos e de necessi-dades intelectuais.

Cr6 o camarada Prampolini que, em Turim, devemos socialistas fazer a propaganda tocando a flauta pas-toril, falando idilicamente de bondade, de justiga, defraternidade arcaica(?'Aqui vive-se a luta de classes em

toda a sua rude grandiosidade, nao se trata de umaficgäo retOrica, nao a uma extensao dos conceitos den-tificos anteriores a fenOmenos sociais ainda em germene em maturagao.

Decerto que tambem em Turim a classe proletariase enriquece continuamente corn novas individuos, naotrabalhados espiritualmente, ainda nao capazes de corn-preender toda a forga da exploragao a que estio sujei-tos. Para estes, seria preciso comegar sempre dos pri-meiros principios, da propaganda elementar. Mas, e osoutros? E os prolethrios ja intelectualmente avangados,ja habituados a linguagem da critica socialista Quern

preciso sacrificar, a quern se dirigic? ) 0 proletariadomenos complicado do que possa parecer. Formou-se

espontanearnente uma hierarquia espiritual e cultural,e a educagao mfitua opera onde nao pode chegar a acti-vidade dos escritores e dos propagandistas. Nos circulos,nos centros, nas conversas a porta da fabrics, esmiuga-see propaga-se, tornada ductil e plastics para todos os

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cerebros, para todas as culturas, a palavra da criticasocialists. Num ambiente complexo e variado como éo de uma grande cidade industrial, suscitam-se espon-taneamente os &gams de transmissào capilar das opi-nieies que a vontade dos dirigentes nao conseguiria nuncaconstituir e criar.

E n6s nao deveriamos sair das geOrgicas, do socia-llama thstico e idilico? Dever-se-ia, com monOtona insis-tancia, repetir sempre o abecedario, dada que ha sem-pre alguem que ainda o nao conhece?

Recordamos, a propOsito, urn velho professor uni-versiterio que ha quarenta anos desenvolvia um curso OS DIAS (*)

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de filosofia teOrica sobre o «Ser evolutivo final,. Todosos anos comegava corn uma «vista de olhos, aos pre-cursores do sistema, falando entao de Lao-Tse, o homemnascido aos oitenta anos, o velho-crianga da filosofiachinesa. E todos os anos recomegava a falar de Lao-Theporque novas estudantes se tinham juntado e tambemeles deviam encher-se de erudigao sobre Lao-Tse pelaboca. do professor. E assim o «Ser evolutivo final, setornou numa lenda, numa evanescente quimera, e a (micarealidade viva, para os estudantes de tantas geragOes,foi Lao-Tse, o velho-crianga, a criancinha nascida aos

oitenta anos.Assim sucede corn a luta de classes na velha Giustizia

de Camillo Prampolini; tambem ela é uma quimera eva-nescente e todas as semanas é do velho-crianga que alise escreve, que nao matura nunca, que nao evolui nunca,que nunca se transforma no «Ser evolutivo final, eque,porem, seria de esperar que desabrochasse depois de taolenta evolugao, depois de tao perseverante trabalho deeducagao ev angelica.

Comega a tornar-se popular a instituigao anglo--saxOnica dos «diasi. Le-se nos jornais a noticia dacelebragao, na trincheira, do «dia das rams), da cele-bragao, na Inglaterra ou nos Estados Unidos, do «diada Italia», do «dia da alianga», do «dia do Imperio).

A in.stituigio a simpatica. E francamente democra-tica, isto e, capitalista. Porque a conveniente que oscidadlos pensem o menos possivel durante os negOciose o trabalho, aplicou-se o metodo Taylor ao pensamento

e as lembrangas. Para cada momenta do espirito, comado corpo, o seu momenta. Estabelece-se urn calendO.rioespiritual-politico-social Ern vez de celebrar o martiriode S. Lourengo ou as virtudes de Santa Zita, ou os mila-gres da Senhora de Caravaggio, por um dia inteiro pen-sa-se nas Maas que estao lunge, ou entao reflecte-sesabre a utilidade politica de uma alianga corn a Italiaou alegra-se corn a grandeza do Imperio de S. M. bri-Unica.

A instituigio é simpâtica. De resto, os trabalhadoresde todo o mundo foram os primeiros a reconhecé-la comatal e ha algumas dezenas de anos fizeram entrar na

tradigao a «dia do trabalho*, o Primeiro de Maio Por-que nao deveriam os burgueses acolher tambem outrosdias ou adoptar a instituigao para «usos locais,? Seriauma prova de maturidade econOrnica e politica (mas

(•) NAG aesinado, Avantit, eclicao piemontesa, 30-5-1918,mega.° (Sotto la Mole,.

2 4424 5

talvez por isso nao criara raizes tao depressa). Pensai,pois. 0 regime econOmico dissolve todos os vinculos queunem os individuos uns aos outros. 0 trabalho na fa-brics, o escritOrio, as viagens de negOcios, o servigomilitar, determinam uma continua transferencia dosindividuos, rarefazem os contactos intelectuais, tornamnervosas e saltitantes as conversagOes e as trocas deopinilo. Pela acgio da economia capitalista, a sociedadedesagrega-se nos seus Orgaos morais e politicos maiseficazes: a familia, o concelho, o distrito. Os individuos

reagem a esta acgao dissolvente e estabelecem as datasfins: num domingo, entre todos os individuos de uma

FLORESCE A ILUSAO

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nagao, disserta-se sobre o amor familiar, sobre um pro-blema institucional, sobre um problema de politica inter-nacional. Ressuscita, em data fixa, a comunhao espiri-tual, a sociedade que o regime dissolveu; ressuscitaampliada, com horizontes mais vastos, rica de valoresnovos. Nestas criacOes da civilizagao capitalista ha, semdfivida, uma grandeza que impOe respeito: respeito quedesejariamos fosse sentido pelo «dia do trabalhov., oqual, celebrado em todo o mundo, di ja uma medidapara a comparagao de grandezas entre o imperio bur-gas e a Internacional Socialista.

A instituicao nao se fixara imediatamente entre aburguesia italiana. Mas nao se poderia difundir por obrado proletariado? Que eficacia nao teria para a propa-ganda o dia da Revolugao russa, o dia do proletariadoingles, alemao, trances, americano, etc., o dia dos cam-poneses, o dia das mulheres, etc.?!

0 facto de se saber que no mesmo momento tantasmultidaes pensam no mesmo argumento, transmitemreflex5es e juizos sobre o mesmo problema, amplia avisa° da vida, acresce a intensidade e a efichcia do pen-samento. 0 proletariado antecipa os momentos hist6-rims atraves dos quais a sociedade burguesa deve pas-

sar. 0 sofrimento estimula a fantasia e provoca a visa()dramatica do mundo futuro nas suas manifestagOesde solidariedade e comunhao dos espiritos e do pensa-mento, e algumas destas manifestagees podem comegara reproduzir-se ja agora, mesmo em ambiente adverso.Sio as palafitas da cidade nova que o proletariadocomeg a a langar na lama viscida do pa.'ntano presente.

A intransigencia nao a apenas um metodo exteriorque os partidos politicos aplicam na luta politica. Eladepende de uma visao realista da histOria eda vidapolitica, corresponde a uma determinada culture, auma determinada direcgao mental e moral.

Atraves do cerrado jogo da luta de classes, tad comoatraves do desenvolvimento das relagOes internacionaisentre Estado e Estado ou das relagOes, no interior deuma nagio, entre os vfirios grupos que formam umaclasse, o espirito e educado para reconhecer que so a

forga (seja mech..nica ou moral) 6 o arbitro supremodos contrastes. Tornado consciente desta verdade origi-naria, o espirito critico aceita-a como necessidade Me-lutavel, faz dela a base de todos os seus pensamentose expulsa como inferiores, como privados de qualquerresultado fecundo, todos os elementos que nao entremnaquela verdade, que nao sirvam para the dar eficienciahumana ou para a transformar em motivo de histOria,uma vez que faz parte dos individuos que vivem e lutam.

Os socialistas (e falamos dos que do socialismofizeram uma unidade com a sua vida interior, daquelesa quem a ideia socialista fecundou todas as actividades,

sejam intelectuais, morais ou esteticas) propOem-seseriamente instaurar a civilizagao comunista. A estefim subordinam todas as suas accOes, para este fim seeducam, estabelecem relacOes com o mu ndo em que estao

(•) NAo assinado, Il Grido del Popoio, 15-8-1918.

24647

R.

implantados. Os seus afectos, os seus sentimentos, osecos inconscientes do instinto, sao subordinadas conti-nuamente para este fim. Procuram encontrar sempre eclaramente urn lago entre cada acto que executam eeste firn, uma dependencia necessAria entre cada acto

esta sua indomavel vontade. Nao querem ser intrujOesem politica, como nao querem se-lo na vida privada, naoquerem ser diletantes na f6 socialista, como nao queremse-lo nos estudos, na arte, no trabalho que executam

Para estes socialistas, a intransigencia confunde-secorn a seriedade e a probidade morais.

Querem ser fortes para veneer; querem que o partido

titui a classe ja organizada ou ainda em tumultuosaformagao.

Assim pensam os socialistas que tern uma visa°nitida e real do desenvolvimento da histaria, os socia-listas que o sao verdadeiramente enquanto tern semprepresente o fim maxima a alcangar, que tem viva f6, quetern clara vontade. Eles nao se preocupam corn o sucessovistoso e rnomentineo; nao sac demagogos, nao pro-curam suscitar iluseies enganosas, nao procuram pescarnas iguas turvas dos sentimentalismos e das dares maisimpetuosas para desviar a atengao do fim maxima peloqual so se deve com bater, ao qual esta() e s6 podem estar

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a que aderem, a classe a que pertencem, sejam fortespara veneer. A classe, como facto econOmico, f ortale-ce-se para alem das vontades individuais; nasce de umafonte natural que 6 o regime burgues, que é a sistemade produgao par meio de salirio baseado na livre con-correncia. Mas a fovea da classe, enquanto facto eco-n6mico, enquanto efeito de uma cause objectiva, nao eum valor politico. Para que tal acontega, é preciso queeata forge se organize, se discipline tendo em vista urnfim politico a alcangar. 0 Partido Socialista representa

Orgio de conquista deste fim, o elaborador das formas

dos modos atraves dos quaffs a classe aleangari avitOria. Para que o partido seja tal, para que opereverdadeiramente e transforme e organize as forges so-ciais, 6 necessário que constitua um bloco com a classeeconamica, que se atenha so as energias e a potenciada classe econ6mica. Para que ele amplie a sua esferade exch.° e se tome elemento de ordem do caos agoraexistente — pois a evolugao econO mica nao atingiu ainda

seu cume e a humanidade nao se apresenta perfeitaconscientemente dividida em duas classes — 6 neces-

sari° que o partido distinga a sua individualidade fina-listica que, mesmo nas questaes aparentemente trans-

curiveis, ponha sempre em relevo a sua personalidadeinconfundivel. S6 assim organizara a sua volts as forgasde classe que desordenadamente o regime produziu econtinua a produzir sem interrupgao.

A intransigencia 6, por isso, tambem uma necessi-dade democratica. S6 a clareza, s6 a acgao rectilinea,pode ser seguida e julgada pela grande massa que cons-

2 48

subordinadas todas as conquistas imediatas.A ilusao procure florin a utopia parlamentar (utopia

enquanto a sea° parlamentar se confere um fim des-proporcionado as forgas e as capacidades) traga 0 cir-culo migico do encanto alucinante. Cada homem no seulugar, cada energia na sua fungal°. Nao nos deixemossubverter pela ilusao e pela demagogia, nao finjamosacreditar que uma pequena forga possa obter urn grandesucesso. Nao percamos o contacto, por esta ilusao, corna grande forga da classe, a Unica que pode obter aquelegrande sucesso. Procuremos organith-la melhor espiri-

tualmente, educi-la melhor para o nosso fim, sem pre-sungees grotescas mas tambem sem abdicagees pividas;sem iludm e sem nos iludirmos, honestamente, avizinhar--nos-emos da nossa finalidade e colheremos os frutosimediatos da nossa pertinacia, os Imicos frutos consen-tidos ate que nao formos os mais fortes, os quais per-deremos se nos desviarmos da nossa linha de acgao, poisa (mica conquista real é a que depende da forga e a quepode ser defendida e conservada pela forga.

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A POLITICA D O «SE» ( • )

4

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A politica do «se) tern muitos seguidores em Italia;pode ate dizer-se que a maioria dos cidadaos italianosque fazern profissao de f6 politica, que discutem os pro-blemas da vida pUblica, nacionais ou internacionais, s6tern como criterio directivo o «se); e encontram-se bemporque o <<se) dispensa de pensar e de estudar.

A politica do can consiste em nao ter em conta as

forgas sociais organizadas, em nao dar nenhuma impor-tincia as responsabilidades legitimas, livremente aceitesao assumir umpoder, em transcurar a analise da fun-

gao, dos modos em que se desenvolve a actividade eco-nOmica e das consequencias necessariamente determi-nadas por estes especiais modos nas relagOes culturaise de convivencia social. A politica do «sex, nao e, por-tanto, math do que o predominio da preguiga mental noscidadios que fingem controlar os poderes responsiveise as energias livres e operantes da vida do pais, epredominio da irresponsabilidade dos cidadaos subme-tidos a responsabilidade do poder; por ela se trans-curam, corn efeito, as forgas permanentemente activasno desenvolvimento dos acontecimentos humanos e quecontinuam a operar, nao obstante todos os belos dis-

cursos, fixando-se, pelo contrario, a atengao sobre otranseunte, sobre o ocasional ou sobre uma energia line

que, na realidade, tern ulna importancia limitada. E pro-cede-se por hipOteses: «se) Fulano nao tivesse dito, «se)

(•) Nao assinado, li Gr i d° del Popo 29-6-1918.

2 51

Beltrano tivesse feito, «sea o grupo X tivesse apoiadoesta verdade sacrossanta... e assim por diante.

A politica do «sea é uma prova da incapacidade decompreender a histOria e, portanto, tambem uma provada incapacidade de fazer a histOria.

Urn ex-ministro publica urn opdsculo (9 que tern apretensao de ser urn contributo para a histOria cientificade urn periodo obscuro e doloroso da vida nacional ita-liana e tem a pretense.° de ser um estimulo pedagOgicopara a actualidade. No opasculo nem sequer se acenaactividade desenvolvida pelo Governo do tempo pandisciplinar as energias da nagao, para dirigir util eeficazmente os meios do Estado, para alcangar urn certo

quando esteve no poder, nao tinha nenhuma importancia,por incapacidade dos responsiveis.

0 messiano jacobino

Esta incapacidade de compreender a hist6ria e, por-tanto, de faze-la actualmente atravês da luta politica,estaem dependencia corn uma direcgao de cultura euma tradigao politica nascidas ern Franca no se-mi° XVIII e que teve a primeira e mais significativa

expresser) no jacobinismo da revolugao burguesa de1789.

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bem ou afastar um certo mal; como se nao existisse oGoverno naquele tempo, como se naquele tempo o Estadonao fosse aquela suprema organizagao de toda avidapublica como de facto é, ate corn graves responsabili-dades para os hornens que o dirigem. Acontece assimque, neste opirsculo, a causa dos acontecimentos apoia-setotalmente na boa ou perversa vontade dos individuosirresponsaveis; pequenos episOdios, de valor puramenteanedetico, aparecem dilatados astuciosamente e tern-sea impressao que o pais nä° era entao um organismo

disciplinado pelo poder mas sim urn agregado meca-nico de tribos barbaras, sempre na rua a dangar a voltade um feitigo, as quais se precipitavam, de um lado oudoutro, desordenada e incoerentemente, consoante a von-tade misteriosa do feitigo fosse interpretada por urnlouco malvado, por um louco melancOlico ou por umlouco milagrosamente pensante.

E foi justa a aguda reflexio de UM cidadao que, de-pois de ter lido o ornasculo e de ter constatado estas defi-ciencias, concluiu: o ex-ministro nao tem era conta oGovern, o Estado, os poderes responsiveis, ao descreverahisteria do passado porque o governo de que fez parteesteve ausente da vida publica; o ex-ministro nao con-cebe a importencia soberana do Estado no desenvolvi-mento dos acontecimentos passados porque o Estado,

(') Trata-se provavelmente do opdsculo de Salvatore Bar-ills!, Montt' del Paseato, cLe p agine del l 'oras , 1917.

2 5 2

0 jacobinismo ( 2 ) e uma visa° messianica da hist&ria; fala sempre por abstracgOes, o mal, o bem, a opres-sao, a liberdade, a luz e as trevas que existem de formaabsoluta, genericamente e nao em formas concretas ehistOricas, como sao as instituigees econOmicas e poli-ticas atraves das quais a sociedade se disciplina oucontra as quais se desenvolve: o Estado, diversamenteorganizado consoante as relageies de submissio ou deindepend'encia que intercedem entre os poderes respon-saveis (o soberano e o governo, o parlamento e a magis-tratura) ; o Estado ou e constituido de modo a permitrfacilmente um ulterior desenvolvirnento da sociedadepara formas superiores de liberdade e responsabilidadesocial, ou é urn agregado parasitório de individuos egrupos que dirigem as energias ern beneficio preprio.

0 jacobinismo abstrai-se destas formas concretas dasociedade humana que operam permanentemente nodesenvolvirnento dos acontecimentos e apresenta a his-teria como um contrato, como a revelagao de uma ver-dade absoluta que se realiza porque urn certo rainier°de cidadaos de boa vontade se puseram de acordo, jura-ram conduzir o pensamento corn realidade. Assim con-cebida, a histeria é uma longa tie de desilusOes, de

censuras, de reclamagees, de «sea. Se os acontecimen-

(') Sobre o jacobinismo, cf. as notes a propesito de Giaeo-& interne e Ques t ions Agraria , Partido G iacobino net Risorettnento,Parole d'Ordine (Glacobtne) e Bolscevicht, In B RisOryftnento,Turim, 1949, pp . 85-90 .

2 53

tos nao se desenvolvem segundo o esquema pre-esta-belecido, proclama-se a traigao, a desergio, sup6e-se queperversas vontades tenham atravessado o (natural*

percurso. E o jacobinismo extrai do seu espirito messia-nice, da sua fe na verdade revelada, a pretensao poli-tica de suprimir violentamente todas as oposigOes, todasas vontades que recusern aderir ao contrato social. Ecat-se na contradigao, tao comum nos regimes demo-criticos, entre a profissao de f6 que celebra a liberdademath ilirnitada e a pratica de tirania e de intolerinciabrutal.

0 jacobinismo politico, se pode ser inOcuo ate quepermanece pura forma mental, 6 danoso para o desen-

de discussOes dos problemas da vida italiana, dirigidapor Salvemini e por De Viti de Marco.

0 messianismo cultural desenvolveu da tradigao re-volucionfiria francesa a corrente liberal. Tambem eleatende ao culto da verdade, mas professa o culto Liaoa maneira dos catOlicos mas a maneira dos protestantes;corn grande tolerancia, corn infinity fe na eficicia dadiscussao e da propaganda, corn muita pertinicia ecoragem alimentada pela persuasao de que a maioria doshomen.s a formada por individuos fundamentalmentehonestos e rectos que sae vitimas da ignora'ncia ou de

uma confusa nogao dos seus reais interesses e dos finsque mais utilmente se deveriam perseguir.

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volvimento da hist6ria e das formas concretas que dis-ciplinam a sociedade quando consegue impor-se politi-camente e transformar-se em deader da cultura. Desa-bitua os cerebros do estudo seri°, da sena analise dasfontes permanentemente vivas das injustigas, dos males,das opressOes, dissolve as associagOes criadas paraoperar segundo uma nogao exacta da realidade e pro-duzir, portanto, consequ8ncias iiteis, impede o sentidoda responsabilidade social, torna va qualquer criticaporque a critica orienta a sua analise nao para o con-

crete mas para fantasmas flutuantes da contingénciamais evaporada.Contra esta direcgao de cultura, contra a concepgao

da histOria que se esgota nos <then, reagiu vigorosamentea critica marxista; mas esta longe de ter alcangado umacultura critica que eficazmente se oponha a este dele-terio enfurecimento dos caes que ladram a lua.

0 messianismocultural

0 messianismo jacobino comp/eta-se com o messia-nismo cultural que em Italia a representado por CaetanoSalvemini e fez nascer movimentos ideais come, nopassado, o da Voce e actualmente o de Unita ( 3 ), resenha

(') La Voce foi fundada em Florence, em 20-12-1908, porGiuseppe Prezzolini, que a dirlglu (salvo num perlodo, em 1912,em que a direcctio foi de Giovanni Pepin') ate ao Ultimo fasci-

Este enderego, tao simpatico, tao atraente, por urninfinite /lamer° de razOes, entra, tambem ele, na cor-rente politica do «se x.. 0 m essianismo cultural abstrai-se,tambem ele, das concretas formas da vida econOmicae politica, este., tamb6m ele, fora do tempo e do espago,e fenOmeno de indisciplina e de desorganizagao social,acaba por tornar-se em utopia, por criar diletantes elevianos irresponsiveis.

L'Unitd, corn efeito, estuda os problemas da vidapdblica nationalenternacional com diligencia, cornescrOpulo cientifico; a uma admirivel experiéncia deescola livre para os cidadaos que querem ter informagOesseguras, que querem ter a certeza de nao serem enga-nados pelos escritores a quem se dirigem para conse-guirem sugestOes e estimulos que coordenem o pensa-mento pratico, propostas para julgarem correctamenteos acontecimentos. Mas aquem se dirige L'Unita? Qu e

cute, em Novembro de 1914. Em 1915, La Voce, em edicao poli-tica, reapareceu em Roma, dirigida, primeiro pelo prOprio Prczzo-lini, depots por Antonio De Viti de Marco, masno fim daqueleano suspendeu a publicaclo. L'Unitd salu tambem em Florence,

com o subtitulo fProblemas da Vida Italians', sob a direcgão deCaetano Salvemini, em 18-12-1911 e durou, corn I/Arias interrup-c5es, ate 30-12-1910. Durante aguerra, Salvemini associou Adireccito Antonio De Vitt de Marco. Cf. La Cuitura /lanai=der900 Attraverso is Riviste, vol. III, La Voce (1908-1914),direeflo de Angelo Romann, e vol. V, L'Unitd, LaVoce Politica(1915), direccão de Francesco Golzlo e Augusto Guerra, Turim,1980 e 1982 .

254 •255

energies sociais organiyadas coordenam a sua actividadede culture? A todos, em geral, e a ninguem, na pratica.A sua operosidade inicia-se corn um cse * formidivelque dissolve qualquer eficicia real da prOpria activi-dade: se... todos fizessem como nos, se... todos seapoderassem dos exactos termos de um problema taorapidamente como nos e contemporaneamente a nes.A verdade 6 que um pais, e especialmente a Italia, pelasparticulares condigOes intelectuais do sea povo, e dife-rentemente preparado nos individuos singulares, e sodepois de um esforgo assiduo, paciente, de dezenas de

anos, uma determinada ideia consegue difundir-se efi-cazmente nos organismos livremente constituidos, que

UMA (VERDADE, DETURPADA (1)

L'Unitd admoestou 11 Grido e o Partido Socialists

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livremente aceitam urn enderego e livremente operantem comunhao.

Salvemini era no ccontrato social*, ere na possibi-lidade dos acordos fulminantes de um certo niunero depessoas, disperses por um grande territOrio, e porqueestes acordos fulmineos nao se verificam ou tardam averificar-se, ele pressupae o rabo do diabo, o influxomalefic° de vontades perversas, acabando por identifi-ca-los com os “Iirigentes* de que se conhece os namese que demagogicamente sao assinalados a execragao

universal.

250

em geral ( 2 ) por uma frase publicada nestas colunas:co comportamento do Partido Socialista foi, sem &wide,fitil a fortuna que tiveram as solugóes democraticas queo grupo de L'Unitd propugna para os problemas nacio-nais* ()).

L'Unitd acusa-nos de querermos usurper os seasmaritos, recorda com muito espirito o lvenerivel cama-rada Greulich* ( 1 ), fala de sacristies e cardeais dosocialismo, recorda as nossas responsabilidades em rela-ca ° a Caporetto, as quais, se sal° tern proporgOes muito

mais pequenas do que os socialistas creem ( !)), nä°(/) No texto: atravessada.(') Num editorial intitulado (Lima estranha afirmagdo) e assi-

nado IlUnitd, a revista saiveminiana escrevia, em pol6mica corna nota do Grido, que, <se em It51fa tivesse prevalecido o pro-grama derrotista dos socialistas de Turim, a esta hora os alemãesestariam em MilEo e em Turim...s, e chamava por isso a si omerito (daquele pouco de fortunas que as solugOes democrAticasprospectadas tinham tido Junto do Governo Italian°. (L'Unitd,VI, 24, p. 121, agora in La Cultura Italiana, vol. V, p. 561).

(') Cf. uma nota de Gramsci que precede um artigo deA. Viglongo, (Politica Esters. Socialista), in Ii Undo del Po-polo, 18-5-1918.

(') L'Unitd escrevia: c... 0 Governo alemAo, que nao 6 soda-

lista nem democrittico, oferecia-se para subsidiar a soca() dosnossos socialistas corn os milhbee do venerivel camarada Greu-lich), Hermann Greulich, decano dos socialistas suicos, veto emmissAo a Roma, em 16-5-1915, e ofreceu a dIrecflo do P. S. I. umagrande quantia de dinheiro part ajudar a propaganda pacifistsdos socialistas ttallanos, oferta que fot decididamente recusada.Cf. Luigi Ambrosoli, NE florin at Sabotare, MIIAo, 1981.pp. 85-87.

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resultariam portanto terriveis se a frase do Grid° qui-sesse dizer que os socialistas, drabalhando para pro-vocar aquelas desventuras, trabalharam para tornarnecessarias certas medidas". Estranho modo de conceberas responsabilidades, se alas diminuem e se ampliampor virtude de uma frase destacada.

Salvemini 6, tambem neste caso particular, vitima doseu messianismo cultural.

Porque ele confunde a fortuna que a solugao de umproblema pode ter idealmente e a fortuna que amesmasolugho tere, politicamente.

A solugao salveminiana do problema aclriatico este.longe de poder ser aceitavel. Obteve-se apenas a autori-

listas ha a probabilidade que o Governo, para comporo insanivel dissidio, adopte a solugão democritica.A existéncia desta probabilidade explica apouca for-tuna tida por Salvemini e 6 condicionada pelo compor-tamento intransigente do Partido Socialista. Isto signi-fica a frase do Grid° e o significado saltava de todo acontexto.

Salvemini encontrou ali urn motivo para pregar osermio, pars repetir os seus lugares-comuns sobre car-deais e sacristies, sobre a corrupgao moral e intelectualdos socialistas que teriam «dissociado sistematicamente,

em toda a sua propaganda, a ideia da paz da ideia dejustiga) porque Salvemini dissocia a ideia de justiga

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zagao para a discutir e difundir, obteve-se apenas o quedeveria ser condigao permanente da vida politica numpais liberal. Para que ela se traduza ern realidade, setome facto politico, 6 necessirio que seja assumida poruma energia social organizada. Existith em Italia umaforga politica capaz disto? Capaz de assumir a respon-sabilidade do poder, sendo necessario, para actuar, estasolugao?

Resolve-lo na sua integridade democratica significaimprimir uma determinada direcgio a vida national,

porque isso depende de uma concepgdo vasta segundo aqual tambem outros problemas devem ser resolvidoscoordenadamente. Forcas organizadas de tal genero, emItalia, nao existem fora do Partido Socialista e do Es-tado. 0 Partido Socialista resolveria o problema numaperspectiva socialista, coordenando-o as solugOes dosoutros problemas, segundo a sua «justiga) [uma linhacensurada].

Permanece o Estado, o Governo, que espontanea-mente nä° aceitara como prOpria a solugho selvem iniana,mas pode adopti-la empiricamente por imposigho exte-rior. E esta imposigho, indirectamente, so o PartidoSocialists pode exercita-la ate que isso represente umaoposigao ameagadora. Entre o programa de Zimmer-waid ( 5 ) [uma linha censurada] e as solugOes imperia-

(') Em Zirnmerwald, na Suica, por iniciativa dos socialistasitallanos, entre 5 e 8 de Setembro de 1915, realizou-se tuna con-ferencia internacional dos partidos e das fraccties sociallstas

258

da ideia de garantia (e a Unica garantia para os socia-listas 6 a ditadura do proletariado internacional), dis-socia a ideia de cultura politica da de organizagao eco-nOmica e politica, dissocia a ideia de acgio e de eficaciade acgio do facto das condigees gerais de cultura e deforga. Fica-lhe a paixao messianica que o faz entrar nospoliticos do «se), que o torn inconscientemente ele-mento de indisciplina e de desordem.

contrarios a guerra, em que participaram, entre outros, Lenine,Trotski, Grimm, Bourderon, Lazzari e Serrati. A esouerda revo-lucionaria encontrou-se em mlnoria mas, no flm dos trabalhos,foi assinado por todos os participantes urn manifesto dirIgldoaos proletirlos da Europa, convidando-os a permanecerem fiefs

aos ideals internacionalistas, nap se eubmetendo ccomo escravossao pact() da cuniAo sagradas corn as burguesias dos seus paisese condenando tambem aqueles partidos socialistas e as organ1-zagOes operarias que aderiam menos aos princfpios do interns-clonalismo proletario. 0 document() convldava, além disso, quese batessem por urns paz sem anexag5es e sem Indemnizagbesde guerra, reconbecendo aos povos o &reit° de dlsporem de atpreprlos.

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UTOPIA ( • )

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As ConstituigOes politicas sao necessariamente de-pendentes da estrutura econOmica, das formas de pro-dugao e de troca. Com a simples enunciagao desta fOr-mula, muitos creem ter resolvido todos os problemaspoliticos e histOricos, creem poder dar ligOes a direita

a esquerda, poder julgar os acontecimentos e concluir,por exemplo: Lenine a um utopista, os infelizes prole-tarios russos vivem em plena ilusao utOpica, espera-osum terrivel e implacivel acordar.

A verdade 6 que !lac) existem duas Constituiglies

iguais entre si, tal como nao existem dues estruturaseconOmicas iguais. A verdade a que a fOrmula na p e,de facto, a seca expressao de tuna lei natural que logosalte a vista. Entre a premissa (estrutura econOmica)

a consequancia (Constituigao politica), as relag8esnao sac, simples e directas e a histOria de um povo naose documenta apenas por factor econ6micos. Desataros nos da causa-acgao é complexo e complicado, e paredesenreda-los a (mica coisa titil e o estudo profundo e

(*) Assfnado A. G., Avanti!, edicao piemontesa, 25-7-1918. 0artigo, corn o titulo 41.11.7topfa Ruses.), foi transmit() em It Grkto

del Popoto de 27 de Julho, precedido das seguintes linhas: ca cen-sure de Turim sabotou este artigo no Ultimo nirnero den Grid°,reduzindo-o a farrapos sem Ilgagio entre el. Reproduzimo-loagora integralmente do Avanti!, corn o visto da censure de moo°

de Roma, pars que os leltores possam antler os critérlos[duas Wawa censure/Iasi que regulam a actividade jornalfsticade Turin' e porque o artigo esti em conexto corn os outros saldosem R Grillo a propOsito da revoluglo russa.s

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difuso de todas as actividades espirituais e priticas eeste estudo so a possivel depois que os acontecimentosse ordenarem numa continuidade, muito tempo depoisdo acontecimento dos factos. 0 estudioso pode afirmarcorn seguranga que uma certa Constituigao politica naose afirmara vitoriosa (nao durara permanentemente)se nao adere indissohivel e intrinsecamente a uma deter-minada estrutura econamica, mas a sua afirmagao 26,sem o valor de indicio generico; enquanto os factos sedesenvolvem, como poderia ele saber de que modo pre-ciso se estabelecera esta dependencia? As incOgnitasset mais munerosas do que os dados certos e contro-liveis, e cada uma destas incOgnitas pode anular uma

Na vida, nenhum acto 6 isento de resultados e ofacto de acreditar numa teoria e nao noutra tem os seusparticulares reflexos na acgao; tambem o erro deixavestigios, quando divulgado e aceite pode retardar (naodecerto impedir) que se alcance uma finalidade.

Esta a uma prova de que a estrutura econOmica naodetermina directamente a acgao politica, mas a inter-pretagao que dela se di e das chamadas leis que thegovernam o desenvolvimento. Estes leis nao tem nadade comum corn as leis naturais, ainda que estas naosejam dados objectivos de facto mas apenas construgOes

do nosso pensamento, esquemas fiteis e priticos paracomodidade de estudo e de eosin.

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induce.° sugerida. A histeria nao 6 urn cilculo materna-tico: nela nao existe urn sistema metric° decimal, umanumeragao progressiva que permita as quatro operagees,as equagOes e a extracgao de raizes quadradas; a quanti-dade (estrutura econOmica) transforma-se em qualidadeporque se transforma em instrumento de acgao empoder dos homens, dos homens que nao valem sO pelopeso, pela estatura, pela energia mecanica que podemdesenvolver os musculos e os nervos, mas valem espe-cialmente quando sao espirito, quando sofrem, corn-

preendem, se alegram, querem ou negam. Numa revo-lugao proletaria a incognita chumanidadex. 6 mais obs-cure do que em qualquer outro acontecimento: a espiri-tualidade difundida pelo proletariado russo como dosoutros proletariados em geral, nunca foi estudada etalvez fosse impossivel estudepla. 0 sucesso ou o insu-cesso da revolugao podere, dar-nos urn documento aten-divel da sua capacidade para criar a histOria: por agora,nao nos resta sena° esperar.

Quem nao espera mas quer imediatamente fixar umjuizo definitivo propae-se agir corn outras finalidades:finalidades politicas actuais, a alcangar entre os homens

a quern se dirige a sua propaganda. A afirmagao deque Lenine 6 um utopista nao 6 um facto de cultura,nao 6 um juizo hist6rico: 6 um acto politico actual.Afirmar assim secamente que as Constituigees politicas,etc., etc., nao 6 urn facto doutrinario, 6 a tentativa parasuscitar uma certa mentalidade, para que a acgao sedirija de urn certo modo e nao de outro.

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Os acontecimentos nao dependem do arbitrio de umindividuo nem sequer do de urn grupo mesmo nume-roso: dependem da vontade de muitos, os quais se reve-lam pelo fazer ou nao fazer certos actos e pelos corn-portamentos espirituais correspondentes, dependem daconsciencia que uma minoria tem destas vontades ede saber, mais ou menos, dirigi-las pan uma finalidadecomum, depois de to-las enquadrado nos poderes doEstado.

Porque a que os individuos, na sua maioria, cumprem

s6 determinados actos? Porque nao tem outro fim socialsena° a conservagao da prOpria integridade fisiolOgicamoral; adaptarn-se assim as circunstancias, repetem

mecanicamente alguns gestos, os quais, por experienciaprOpria ou por educagao recebida (resultado das expe-riencias de outros), se mostram idemeos para alcangara finalidade desejada: poder viver. Esta semelhangade actos da maioria produz uma semelhanga de efeitos,di a actividade econ6mica uma certa estrutura: nasce

conceito de lei. SO a perseguigao de urn fim maiorcorr . & esta adaptagão ao ambiente; se o fim humanodeixa de ser o simples viver mas o viver qualificado,

cumprem-se esforgos maiores e conforme a difusao dofim humano superior assim se consegue transformar oambiente, instaurando novas hierarquias, diversas dasexistentes, para regular as relagees entre os individuos

o Estado, tendentes a substutui-las para a realizagaodifusa do fim humano superior.

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Quem apresenta estas pseudoleis como qualquercoisa de absoluto, de estranho as vontades individuais,e nao como uma adapts*, psicolOgica ao ambiente,devido a fraqueza dos individuos (ao facto de nao seremorganizados e, portanto, I incerteza do futuro), nix)pode imaginar que a psicologia possa mudar, que afraqueza possa transformar-se em forga. E todaviaassim acontece, e a lei, a pseudolei estilhaga-se. Os indi-viduos deixam a sua solidi° e associam-se. Mas comoacontece este processo associativo? Tambem este s6 podeser concebido na proporgao da lei absoluta, da norma-

lidade, e quando — por lento raciocinio ou por precon-ceito — a lei nao salts logo a vista, entao julga-se e

extensivasola os individuos, torna impossivel aconsciencia igual e difusa, torn impossivel a unidadesocial proletiria, a consciencia concreta de classe quedi a medida da prOpria forga e a vontade de instaurarum regime legitimado permanentemente por aquelaforga.

A guerra significa a maxima concentragao da acti-vidade econemica nas micas de poucos (os dirigentes doEstado) ; corresponde-lhe a maxima concentragao de in-dividuos nos quartêis e nas trincheiras. A Russia, emguerra, era de facto o pais da utopia: corn homens pre-

parados pars a invasio barbara, o Estado pensou poderfazer uma guerra de tecnica, de organizagao, de resis-tência espiritual que sO podia ser feita por uma humani-

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(') No texto: intensiva.

despacha-se: utopia, utopistas.

Lenine é portanto urn utopista; o proletariado russo,do dia da revolugao bolchevista ate hoje, vive em plenautopia, esperando-o urn terrivel e implacavel acordar.

Se a histeria russase aplicam os esquemas abstrac-tos, genericos, construidos para poder seguir os mo-mentos do desenvolvimento normal da actividade eco-nOmica e politica do mundo ocidental, a ilagao so podeser esta. Mas cada fenOmeno histOrico é (indiviso; o

desenvolvimento é governado pelo ritmo da liberdade;a anilise nao deve ser de necessidade generica, mssparticular. 0 processo de causa-acgao deve ser estudadointrinsecamente corn os acontecimentos russos, ;ado deum ponto de vista geral e abstracto.

Nos acontecimentos da RUssia existe sem davida arelagao de necessidade e e uma relagao de necessidadecapitalista. A guerra foi a condigao econtanica, o sis-tema de vida pratica que determinou o novo Estado,que substanciou a necessidade da ditadura do proleta-riado: a guerra que a Russia atrasada teve que travartai como as Estados capitalistas mais avancados.

Na Russia patriarcal nao podiam acontecer as reu-niOes de individuos que acontecem num pais industria-lizado e que sac, a condigao para que os proletarios seconhegam entre si, se organizem e adquiram conscienciada prOpria forga de classe que devem dirigir para umafinalidade humans universal. Urn pais de agricultura

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dade preparada, cerebral e fisicamente, pela oficina epela miquina. A guerra representava a utopia e a Russiaczarista e patriarcal desmoronou-se sob a altissimatensao do esforgo que se impels a si prOpria e que thefoi imposto pelo inimigo aguerrido. Mas as condigOessuscitadas artificialmente pela desmedida potencia doEstado despOtico produziram as consequencias necessi-rias: as grandes massas dos individuos socialmente so-litizios, encostadas e agrupadas num pequeno espago

geogrifico, desenvolveram sentimentos novos, desenvol-veram uma solidariedade humana inaudita. Quanto mailse sentiam debeis antes, no isolamento, e se dobravamao despotismo, tanto maior foi depois a revelagao daforga colectiva existente, tanto math prepotente e tenazo desejo de conserve-la e de construir com ela a socie-dade nova.

A disciplina despOtica desfez-se: sucedeu-lhe urn pe-riodo de caos. Os individuos procuravam organizar-se,mas como? E como conservar aunidade humans triadsno sofrimento?

0 filisteu avanga e responde: a burguesia devia con-duzir a ordem no cans, porque sempre assim sucedeu,porque a economia patriarcal e feudal sucede senipre aeconomia burguesa e a Constituigao politica burguesa.O filisteu nao ye salvagao fora dos esquemas pre-estabe-

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lecidos, so concebe a histeria como urn organismo natu-ral que atravessa momentos fixos e privisiveis de de-senvolvimento. Se to semeias uma bolota, saber que 36pode nascer urn rebento de carvalho, que cresce lenta-mente e que s6 depois de um certo ntimero de anos darefrutos. Mas a histOria não 6 uma carvalheira e os ho-mens Tido sao bolotas.

Onde existia na Russia a burguesia capaz de cum-prir esta missio 9 E se o seu dominio 6 uma lei natural,como a que a lei não funcionou?

Esta burguesia não se revelou: poucos burgueses pro-

curaram impor-se e foram arrastados. Deviam veneer,deviam impor-se mesmo sendo poucos, incapazes e de-beis ? Mas de que santo crisma tinham sido benzidos

Nio concebem a histeria como desenvolvimento line— de energies livres que nascem e se integrammenteiferente da evolugdo natural, tal como o ho-mem e as associagOes humanas sao diferentes das mole-cules e dos agregados de molecules. NA° aprenderamque a liberdade 6 a forge imanente da historia que fazsalter os esquemas pre-estabelecidos. Os filisteus do so-cialismo reduziram a doutrina socialists a um farrapodo pensamento, sujaram-na e enfureceram-se burlesca-mente contra os que, em seu parecer, nao a respeitam.

Na Rüssia, a livre afirmagio das energies individuaise associadas despedagou os obstdculos das palavras edos pianos pre-estabelecidos. A burguesia procurou im-

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para poderem triunfar, mesmo perdendo? 0 materia-lismo histOrico 6, portanto, apenas uma reincarnagiodo legitimismo, do direito divino?

Quern julga Lenine urn utopista, quem afirma que atentative da ditadura prolethria na Massie a uma ten-tative utOpica, não pode ser socialista consciente, nãoconstrOi a sua culture estudando a doutrina do mate-rialism° histOrico: 6 urn catOlico, este enlameado noSilabo. S6 ele e o autentico utopista.

A utopia consiste, de facto, em não conseguir con-ceber a histOria como line desenvolvimento, em ver ofuturo como urns. solidez ja emoldurada, em crer nospianos pre-estabelecidos. A utopia 6 o filisteismo comoo apresenta Heine: os reformistas sao filisteus e os uto-pistas do socialismo, tal como os proteccionistas e os na-cionalistas, sdo os filisteus e os utopistas da burguesiacapitalista. Henrique von Treitschke 6 o expoente ma-xim° do filisteismo alemdo (os idelatras de Estado ale-mäes sdo seus filhos espirituais), como Augusto Comtee HipOlito Taine representam o filisteismo trances eVicenzo Gioberti o italiano. Si° os que pregam as mis-

sies histäricas nacionais ou erten/ nas vocag8 es indi-viduais, sdo todos os que hipotecam o futuro e creemprende-lo nos seus esquemas pre-estabelecidos, queconcebem a divine liberdade e gemern continuamentesobre o passed° porque os acontecimentos se proces-saram mai

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por o seu dominio mas faliu. 0 proletariado assumiu adirecgdo da vide politica e econOmics e realize a suaordem. A sua ordem, nao o socialismo, porque o socia-lismo não se exprime corn urn fiat migico: o socialismouma mudanga, um desenvolvimento de momentos socialscada vez mais ricos de valores colectivos. 0 proletariadorealize a sua ordem, constituindo instituigifies politicasque garantam a liberdade deste desenvolvimento, queassegurem a permanencia do seu poder.

A ditadura 6 a instituigio fundamental que garantea liberdade, que impede as possiveis aventuras das mi-norias facciosas. E garantia de liberdade porque não6 urn metodo perpetuo mas perrnite crier e solidificar osorganismos permanentes ern que a ditadura se dissol-verd depois de ter cumprido a sua missio.

Depois da revolugdo, a RUssia deo era ainda livreporque não exi,stiam as garantias da liberdade, porque a

liberdade não tinha sido ainda organizada.O problems consistia em suscitar uma hierarquia,

mas que fosse aberta, que nao pudesse cristalizar-se

numa ordem de caste e de classe.Da massa, do nirmero, devfa atingir-se o singular,de modo a que existisse uma unidade social, que a auto-ridade fosse apenas autoridade espiritual.

Os thicleos vivos desta hierarquia são os Sovietes eos partidos populares. Os Sovietes sdo a organizagioprimordial a integrar e desenvolver e os bolchevistas

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transformam-se no partido do governo porque susten-tam que os poderes do Estado devem de pender e ser con-trolados pelos Sovietes.

0 caos russo solidifica-sea volta destes elementosde ordem; comega a ordem nova. Constitui-se uma hie-rarquia: da massa desorganizada e sofredora passa-seaos operarios e camponeses organizados, aos Sovietes,ao partido bolchevista e a unidade: Lenine. E a gra-duagao hierarquica do prestigio e da confianga, que seformou espontaneamente, que se mantem por livre elei-gal).

Onde este. a utopia nesta espontaneidade? Utopia éa autoridade, nao a espontaneidade, e é utopia quandose transforma em carreirismo, em casta, e se presume

cido que se quer actuar mesmo contra as condigOes daeconomia e da politica? A revolugao russa é o nominioda liberdade: a organizagao funda-se por espontanei-dade, nao por arbitrio de um therOi» que se impOe pelaviolOncia. E uma elevagao humana continua e sistemi-tica, que segue uma hierarquia, que cria pouco a poucoos Orgaos necessirios da nova vida social.

Mas entao nao é o socialismo?... 1 11 o, nao é a socia-lismo no sentido pateta que a palavra clao os filisteusconstrutores de projectos mastodeinticos; é a sociedadehumana que se desenvolve sob o controle do proleta-

riado. Quando este estiver organizado na sua maioria,a vida social sera mais rica de contend° socialistado que é agora e o processo de socializagao intensificar-

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que seja eterna; a liberdade lido é utopia porque é aspi-raga° primordial, porque toda a histOria dos homens éluta e trabalho para suscitar instituigeies sociais que ga-rantam o Maximo de liberdade.

Formada esta hierarquia, ela desenvolve a sua lO gica.Os Sovietes e o partido bolchevista nao sao organismosfechados: integram-se continuamente. Eis o dominio daliberdade, eis as garantias da liberdade Nao sao cas-tas, sao organismos em continuo desenvolvimento. Re-

presentam a progressao da consciencia, representam ocaracter organizativo da sociedade russa.Todos os trabalhadores podem fazer parte dos So-

vietes, todos os trabalhadores podem influir na sua mo-dificagao, tornando-os mais expressivos segundo a suavontade e os seus desejos. A vida politica russa é diri-gida de tal modo que tende a coincidir com a vida moral,corn o espirito universal da humanidade russa. Aconteceuma troca continua entre estas etapas hierarquicas: umindividuo em estado bruto afina-se na discussao para aeleigao do seu representante no Soviete, ele prOprio podeser o representante; ele controla estes organismos por-

que nao os perde de vista. Adouire o sentido da res ponsa-bilidade social, torna-se cidadão operante ao decidir osdestinos do seu p ais. E o poder e a consciencia esten-dem-se atraves desta hierarquia, do urn aos muitos, e asociedade resulta como nunca apareceu na histOrica.

Estee o impulso vital da nova histOrica russa. 0 queapresenta de utepico? Onde esta o piano pre-estabele-

-se-a e aperfeigoar-se-a cada vez mais, porque o socia-lismo nao se instaura corn data fixa ram é uma continuamudanga, um desenvolvimento infinito em regime deliberdade organizada e controlada pela maioria dos ci-dadaos ou pelo proletariado.

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A OBRA DE LENINE (•)

A Imprensa burguesa de todos os palses e especial-mente a francesa (a especial distingao depende de ra-

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ides intuitivas) nao es1.eu a sua imensa alegria peloatentado contra Leninel( 1 ) Os sinistros coveiros do anti--socialismo dangaram vergonhosamente sobre o pretensocadaver sanguinoso (6 destino cruel, quantos desejospins, quantos suaves ideias to quebraste!), exaltaram agloriosa homicida, retomaram a tactica, refinadamenteburguesa, do terrorismo e do delito politico.

Os coveiros foram defraudados: Lenine viva e nosdesejamos, para bem e fortuna do proletariado, que de-

pressa readquira o vigor fisico e retome o seu lugar demilitante do socialismo internacional.O bacanal jornalistico teth tido, tambern ele, a sua

eficacia histOrica: os proletarios colheram dele a signi-f icagao social. Lenine e o homern mais odiado do mu ndo,tal comp ja o foi Karl Marx [doze linhae censuradas].

Lenine consagrou toda a sua vida a causa do proleta-riado; o contributo dado por ele ao desenvolvimento daorganizagdo e a difusio das ideias socialistas na Russia

imenso. Homem de pensamento e acgao, encontra asua forga no catheter moral; a popularidade que gozaentre as massas operarias a espontinea homenagemsua rigida intransigencia pan corn o regime capitalists;

•ilo asslnado, 11 Grid° del Popoio$14-9-1938 .Em 30-8-1918, a safda da fibrica Michelson, depole de um

comaenine tot ferldo pela soclalista-revoluclonarla Fanjanao Dora, como se refere no artigo) Kaplan.

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nunca se deixou ofuscar pelas aparéncias superficiais dasociedade moderna que outros tomaram pela realidade,precipitando-se, portanto, de erro em erro.

Aplicando o metodo forjado por Marx, Lenine acheque a realidade é o profundo e irremediavel abismo que

capitalismo cavou entre o proletariado e a burguesiao sempre crescente antagonismo das duas classes. Ao

explicar os fenOmenos sociais e politicos e ao fixar aopartido a via a seguir em todos os momentos da vida,nunca perdeu de vista a mola mais potente de toda aactividade econOmica e politica: a luta de classes. Per-tence as fileiras dos mais fervidos e mais convictos de-

fensores do internacionalismo do movimento operario.Cada acgdo proletaria deve ser subordinada ou coorde-nada ao internacionalismo, deve ter carâcter internacio-

tecimentos que se desenvolveram depois deram-Ihe plenarazao. No entusiasmo da primeira hora pela queda doczarismo, a maioria da classe operaria e muitos dosseus dirigentes tinham-se deixado convencer pela fra-seologia deste homem, o qual, com a sua mentalidadepequeno-burguesa, pela falta de qualquer programa e deuma visa° socialists da sociedade, podia conduzir a re-volugdo a ruinae arrastar o proletariado russo por umavia perigosa pant o futuro do nosso movimento [trèslinhas censurada.s].

Chegado a Russia, Lenine pOs-se imediatamente adesenvolver a sua acgao essencialmente socialista e que

poderia sintetizar-se na divisa de Lassalle: «Dizer oque é), uma critics cerrada e implacivel ao imperia-lism° dos cadetes (partido constitutional-clemocrâtico,

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nalista. Qualquer iniciativa, em qualquer moment°, mes-mo que seja transitOria, entra em conflito com este idealsupremo e deve ser combatida inexoravelmente, porquecada desvio, por pequeno que seja, da estrada que con-duz directamente ao triunfo do socialism° internacionalé contririo aos interesses do proletariado, interesseslonginquos ou imediatos, servindo apenas para exacerbara luta e prolongar o dominio da classe burguesa.

Ele, o «fanatico), o autopistax . , substancia o seu pen-

samento e a sua aced() e a do partido unicamente nestaprofunda e incoercivel realidade da vida moderna, ndonos fenOmenos superficialmente vistosos que conduzemsempre os socialistas que se deixam ofuscar por ilusOes

erros que pOem em perigo a estrutura do movimento.Por isso Lenine viu triunfar sempre as suas teses, en-

quanto os que ]he reprovavam o autopismo) e exaltavampretenso «realismco> eram miseravelmente arrastadas

pelos grandes acontecimentos histOricos.

Logo a seguir a eclosao da revolugdo e antes departir para a Russia, Lenine tinha enviado aos camara-das o conselho: «Não se fiem em K erenski) ( 2 ). Os aeon-

(') Lenine escreveu precisamente: eKerenski funciona comaa balalatca pars enganar os operarios e as camponeses...) Cf.aprimeira das dna° Cartas de Lange., publleada em Pravda de21 a 22 de Margo ($ e 4 de Abel).

o major partido liberal da Russia), a fraseologia deKerenski e ao colaboracionismo dos mencheviques.

Baseando-se no estudo critic ° aprofundado pelas con-digOes eco nemicas e politicas da Rftssia, pelo catheter daburguesia russa e pela missal) histOrica do proletariadorusso, Lenine tinha chegado a conclusao, ja desde 1905,que pelo alto grau de consciencia da classe prolethria edada o desenvolvimento da luta de classes, todas as lu-tas politicas se teriam transformado na Russia neces-

sariamente em luta social contra a ordem burguesa.Esta posigão especial em que se encontrava a sociedaderussa demonstrava-se ate pela incapacidade de a classecapitalista conduzir uma luta seria contra o czarismo,substituindo-o no dominio politico. Depois da revolugaode 1905, em que experimentalmente se demonstrou aenorme forga do proletariado, a burguesia teve medo dequalquer movimento politico em que participasse o pro-letariado e, por necessidade histOrica de conservagao,tornou-se substancialmente contra-revolucionaria. A ex-pressio fiel deste estado de anima foi dada pelo prOprioMiliukov num dos seus discursos: afirmou que preferiaa derrota militar a revolugio.

A queda da autocracia nio mudou nada os sentimen-tos e as directivas da burguesia russa, pelo contrail°,a sua substancia reaccionesia foi aumentando a medidaque a forga e a consciencia do proletariado se concreti-zava. A tese hist6rica de Lenine concretizou-se: o prole-

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tariado torna-se no gigantesco protagonista da histOria,mas era um gigante ingenuo, entusiasta, pleno de fe emsi e nos outros. A luta de classes, exercitada num am-biente de despotismo feudal, tinha-lhe dado a conscién-cia da sua unidade social, da sua poténeia histOrica, masnao o tinha educado no metodo frio e realist; nap thetinha formado uma vontade concreta. A burguesia infe-riorizou-se manhosamente, escondeu o seucatheteressencial corn frases sonoras: para a sua obra de ilusio-nismo serviu-se de Kerenski, o homem mais popularentre as massas, no inicio da revolugao; os menchevi-ques e os socialistas-revolucionarios (nao marxistas,

herdeiros do partido terrorista, intelectuais pequeno--burgueses) ajudaram-na inconscientemente, com o seucolaboracionismo, a esconder as suas intengOes reaecio-

ponesas, atraves da propaganda dos bolchevistas, come-garam a tomar consciéncia do que sucedia, adquiriramuma capacidade e uma sensibilidade politica cada vezmaior; a sua exasperagao apareceu pela primeira vezemlho com a sublevagao de Petrogrado facilmentereprimida por Kerenski. Esta sublevagao, ainda que jus-tificada pela funesta politica de Kerenski, nao tinhaporta a adesao dos bolchevistas e de Lenine, porque osSovietes nao eramainda particlarios de assumir todo 0poder nas suas maos e, por consequencia, cada subleva-gao dirigia-se virtualmente contra os Sovietes que, bemou mal, representavam a classe.

Era necessario continuar ainda a propaganda declasse e persuadir os opethrios a mandarem aos Sovie-tes delegados convictos da necessidade de assumir todo

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ne.rias e imperialistas.Contra este engano se levantou vigorosamente o par-

tido bolchevista sob a direcgao de Lenine, desmasca-rando as verdadeiras intengOes da burguesia russa, corn-bantendo a tactica nefasta dos mencheviques que entre-gava o proletariado, de maxis e pes ligados, a burguesia.Os bolcheviques reivindicavam dos Sovietes todos ospoderes, porque s6 assim podiam constituir uma garantiacontra as intrigas reaccionarias das classes abastadas.

De inicio, os prOprios Sovietes, sob a influéncia dosmencheviques e dos socialistas-revolucionarios, se opu-nham a esta solugao e preferiam dividir o poder corn osdiversos elementos da burguesia liberal; tambem asmassas, excepto uma minoria math avangada, se mos-travam passivas, nao vendo claro narealidade das coi-sas, mistificadas por Kerenski e pelos mencheviques nogoverno [d,ezassete linhas censuradas].

Os acontecimentos desenvolvem-se de modo a darcompleta rano a critica cerrada e implacavel de Leninee dos bolchevistas, que tinham sustentado nao ter aburguesia o desejo nem a capacidade de dar uma solu-

ea° democratica aos objectivos da revolugao e que, aju-dada inconscientemente pelos socialistas colaboracio-nistas, tinha conduzido o pais a ditadura militar, ins-trumento politico necessario para conseguir os fins im-perialistas e reaccionfirios. As massas operarias e cam-

o poder do pais. Deste facto resulta evidente o carac-ter essencialmente democratic° da accao bolchevista,destinada a dar capacidade e consciencia politica asmassas para que a ditadura do proletariado se instau-rasse de modo organic° e resultasse forma madura doregime social econOrnico-politico.

Para apressar o desenvolvimento dos acontecimen-tos contribuiu, pan alem do comportamento cada vez

mais provocante da burguesia, a tentativa militar, feita

por Kornilov, de marchar sobre Petrogrado para se apo-derar do poder, e depois Kerenski corn os seus gestosnapoleOnicos, com a formagdo de um gabinete compostopor conhecidos reaccionarios, corn o seu parlamento naoeleito por sufragio universal e, finalmente, com a proi-bigao do Congresso pan-russo dos Sovietes, verdadeirogolpe de Estado contra o povo, inicio da &alga° bur-guesa relativamente a revolugao.

As teses de Lenine e dos bolchevistas, sustentadas,confirmadas, propagadas, com trabalho perseverante etenaz desde o inicio da revolugao, tinham na realidadeuma experiencia absoluta: o proletariado, todo o prole-tariado, das cidades e dos campos se alinhou resoluta-

mente a volta dos bolchevistas, derrubou a ditadurapessoal de Kerenski, entregando o poder ao Congressodos Sovietes de toda a Rüssia.

Como era natural, o Congresso pan-russo dos Sovie-tes, convocado nao obstante a proibigio de Kerenski,

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entre o entusiasmo geral, entregou o cargo de presidentedo conselho dos comissarios do povo a Lenine, que tinhademonstrado tanta abnegagao pela causa do proletariadoe tanta clarividencia no julgamento dos factos e ao tra-gar o programa de acgao da classe operaria [trinta ecinco linhas censuradas].

A imprensa burguesa de todos os paises apresentousempre Lenine como urn editadors que se impOs pelaviolencia a um povo destruido, oprimindo-o ferozmente.Os burg-ueses s6 conseguem conceber a sociedade quan-do enquadrada nos seusesquemas doutrinarios; a dita-

dura para eles 6 Napoleao, ou mesmo Clemenceau, e odespotismo centralizador de todo o poder politico nasMaas de um s6 e exercitado atraves duma hierarquia de

homens, paraiso idillco de prazer e amor, que nao com-preende como é complexa a sociedade e como a dificila fungao dos revolucionarios logo que se tornam gesto-res da responsabilidade social. Ela agia decerto de boaf6 e acreditava oferecer a felicidade a humanidade russa,libertando-a do aanonstros. Nao estao decerto de boa feos seus glorificadores burgueses, os coveiros nojentos daimprensa capitalista. Estes exaltaram o socialista-revo-lucionasio Tchaikovski que, em Arcanjo, tinha aceitadopOr-sea frente do movimento antibolchevista e tinhaderrubado o poder dos Sovietes; agora que ele cumpriu a

sua missal() anti-socialista e foi exilado pelos burgue-ses russos comandados pelo coronel Chiapline, gozamo velho louco, o sonhador.

A justiga revolucionaria puniu Dora Kaplan; o velho

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servos armados de espingarda ou anotadores de praticasburocraticas. Por isso a burguesia saltou de contentecorn a noticia do atentado contra o nosso camarada,decretando-lhe a morte: desaparecido o * ditadors in-substituivel, todo o novo regime, segundo a sua con-cepgao, deveria cair miseramente [sessenta e trés Unitascensuradas].

Ele foi agredido quando saia duma fabrica, ondetinha realizado uma conferencia corn operarios; o cferozditadors continua, pois, a sua missal° de propagandista,esta sempre em contacto corn proletarios aos quais levaa palavra da fe socialista, o incitarnento ao trabalho te-naz de resistencia revolucionaria, para construir, paramelhorar, para progredir atraves do trabalho, do de-sinteresse, do sacrificio. Foi ferido pelo revolver deum arnulher, de uma socialista-revolucionaria, de uma velhamilitante do terrorismo subversivo. 0 episOdio resumetodo o drama da revolugao russa. Lenine é o frio estu-dioso da realidade histOrica que tende organicamente aconstruir uma sociedade com bases sOlidas e perma-nentes segundo os ditames da consciencia marxista; éo revolucionfirio que constrOi sem ilusOes freneticas,

obedecendo a raid() e a sabedoria. Dora Kaplan era uma*humanists.), uma utopista, uma filha espiritual do ja-cobinismo frames, que nao consegue compreender afungao histOrica da organizagio e da luta de classes,que entende o socialismo como a imediata paz entre os

Tchaikovski paga, numa ilha de gelo, o seu delito dese ter feito instrumento da burguesia, e foram os bur-gueses a puni-lo e a rirem-se dele.

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DEPOIS DO CONGRESSO (•)

O Congresso de Roma reafirmou, no interior da or-

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ganizacão politica dos trabalhadores, o triunfo da frac-c5.0 intransigents revolucionária, reafirmou, no inte-rior do Partido Socialista Italiano, o triunfo do socia-lism° (1).

Outras s5.0 as palavras, outra e a accao efectiva quese consegue exercitar na histOria. As palavras podemser pronunciadas por qualquer urn; a bandeira pode serassumida por qualquer aventureiro que se proponhaconstruir uma fortuna pessoal abusando da creduli-

dade popular e da cobardia das classes dirigentes. Naaced° se determinam os fins reais, se concretizam asvontades; a fraude politica jänao a possivel, os con-trabandistas sao desmascarados. 0 Congresso de Roma,o primeiro Congresso do Partido Socialista Italiano re-novado, foi mais accão do que palavras, porque fixou

(•) NAo armload°, 11 Grido del Popolo, 14-9-1918.(') 0 XV Congresso Nacional do P. S. I. ;,(1-5 de Setembro)

viu o triunfo da mosäo Intransigente (14 015 -vbtos em 19 0171 quereafirmava os compromissos loternacionalistas e de opostello a

guerra assumidos pelo Partido em Zimmerwald e posterlormente,e reprovava as manifestagdes contrastantes daquela Boha i ev1-denciadas por parte de organs soclalLstas ou milltantes, indivi-dualmente. Cf. n Partito Socialista Italiannet suoi congress*vol. III, direccAo de Franco Pedone, Mllao, 1963, pp. 15-44.do P. S. I. a esquerda.

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uma ferrea disciplina de acgao, porque quis dar a soca°caracter de continuidade e de evidente distingao. Naomais politicas pessoais nas organizagOes da actividadepolitica, nao mais liberdades de iniciativa mas con-trole da liberdade. A maioria do partido demonstrouassim ter alcangado uma major consciéncia social e po-litica, uma altura histOrica deveras exceptional; ossocialistas dernonstraram ser, na acgao italiana, a forgasocial mais sensivel aos apelos da rano e da histOria,uma aristocracia que merece assumir a gestao da res-ponsabilidade social. A medida do progresso histOrico

dada, de facto, pela afirmagao cada vez mais acentuadado principio organizativo, em °pastel° ao arbitrio, aocapricho, ao vago instinto da originalidade vazia de con-tendo concreto; e pela formagao de sOlidas hierarquias

tinuou em Ancona i ( 2 ) , ( a consolidade asconsciéncias de Roma. Os reformistas, os herdeiros damentalidade pequeno-burguesa pre-histOrica, foram pos-tos em minoria, depois de expulsos do conjunto so-cialista os mais comprometidos, os mais indisciplina-dos Mas o trabalho de regeneragao nao esta acabado; oCongresso tragou os quadros; 6 preciso continuar aindao trabalho de elaboragao individual das consciticias, épreciso educar militantes que espontaneamente cum-pram os actos adequados as directivas tie classe, quecontrolem todas as instituigOes da organizagao prole-taria para que esta se tome em miquina potente de

luta, vibrante em cada articulagao sob o impulso deuma Unica vontade.

0 partido antecipa idealmente os momentos do pro-

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democrâticas, livremente constituidas, tendo em vista urnfim concreto, nao alcangivel se para ele nao se congre-gam todas as energias do grupo.

0 Partido Socialista Italiano constituiu-se, de inicio,pela conflu6ncia caOtica de individuos saidos das maisdiversas origens sociais; tardou a tornar-se int6rpreteda vontade classista do proletariado. Foi ginfisio deindividualidades bizarras, de espiritos irrequietos; naausencia das liberdades politicas e econOmias queincentivam os individuos a acgao e renovam continua-mente os sectores dirigentes, o Partido Socialista foi ofornecedor de novos individuos a burguesia preguigosa esonolenta. Os jornalistas mais cotados, os homens poli-ticos mais capazes e activos da classe burguesa, sac) de-sertores do movimento socialista; o partido foi o tram-polim dos sucessos politicos italianos, foi o crivo maiseficaz do individualismo jacobino.

Esta incapacidade partidfiria de funcionar comoclasse estava em correlagao corn o baixo nivel social danagao italiana. A produgao era ainda infantil, as vendaseram fracas; o regime era, como a ainda, nao parlamen-

tar mas despOtico, nao capitalista mas pequeno-burg -ués.E ate o socialisrno italiano era pequeno-burgu6s, habili-doso, oportunista, atraves de privil6gios estatais a pou-cas cateetrias proletarias.

A vit6ria classista comegou em Reggio Emilia, con-

cesso histerico da sociedade e prepara-se para ser ca-paz de domin g -los quando ocorrerem: ele prOprio 6coeficiente activo da histOria italiana. A sua obra revo-lucionaria explica-se em cada instante da sua vida. Aintransigencia tem valor revolucionirio quando obrigaos burgueses a assumirem toda a responsabilidade dosseus actos e 6 a engrenagem necessaria para a Interna-cional proletiria; para ela se trabalha no interior doconjunto burgués, minando os sectores enraizados no

poder e tornados parasitas da produgao, e trabalha-seinternacionalmente, pois s6 quern 6 livre de compromis-sos corn o Estado national pode honestamente entrarcomo parte activa e disciplinada num organismo inter-nacional. A autonomia e a independéncia dos associa-dos é a primeira condigao necessaria para a vitalidadee historicidade duma associagao; desbaratados os magO-nicos pela dupla disciplina a que permaneciam ligados,foi preciso desbaratar os colaboracionistas e os oportu-nistas. Mas a batalha esta apenas comegada: 6 precisodestruir o espirito colaboracionista e reformista; 6 pre-

(') 0 XIII Congresso do Partido Socialists Italiano, reali-zado em Reggio Emilia em 1912, expulsou do partido o sectorreformista (Bissolati, Bonomi, etc.). 0 XIV Congresso, ocorridodots anos depots em Ancona, ex p ulsou os magOnicos, acolhendouma proposta apresentada por Mussolini,do P. S. L esquerda.acentuou a viragem

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ciso assinalar, corn exactidao precisa, o que entende-mos por Estado, e como no comportamento assumidopelo partido nao existe nada que contraste com a dou-trina marxista. E preciso fixar e fazer penetrar difusa-mente nas conscihncias que o Estado socialista, isto 6,a organizagao da colectividade depois da aboligao dapropriedade privada, nao continua o Estado burgu6s,nao a uma evolugao do Estado capitalista constituidopelos teas poderes, executivo, parlamentar e judicial,mas continua e e um desenvolvimento sistemitico dasorganizagOes profissionais e dos organismos locals queo proletariado soube suscitar espontaneamente em re-

gime individualista. A acgio imediata que o proletariadodeve, portanto, desenvolver Trio pode tender absoluta-mente a dilatagao dos poderes e do intervencionismoestatal, mas deve tender a descentralizagao do Estado

0 PACTO DE ALIANCA (*)

0 dissidio entre a Confederagao Geral do Trabalho eo Partido Socialista Italiano compOs-se «juridicamente)

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burgu'es, a arnpliagao das autonomias locals e sindicaisfora da lei regulamentadora. A ordem que o Estado ca-pitalista assumiu em Inglaterra esta muito prOxima doregime dos Sovietes, por muito que o nao queirarn admi-tir os nossos burgueses que falam de «utopia leninista»;e no reconhecimento vai a afirmagao da vitalidade pe-rene da doutrina marxista e da historicidade da revo-lugao maximalista que representa urn momento necessa-rio no devir histOrico.

0 triunfo da nossa fracgao no Congresso nao deveiludir-nos e levar-nos a afrouxar o nosso trabalho decultura e de educagdo, pelo contrario, cria-nos maioresresponsabilidades. 0 mundo capitalista esta em sobres-salto; o desvio das poupangas para as maos de poucoscapitalistas da audicia a burguesia mas determine nelauma luta intestina; prepara-se para urn tempo nao Ion-ginquo urn choque formida.vel de interesses entre indus-trials e agricultores, entre Norte e Sul, a propOsito dastarifas alfandegazias. 0 Estado burgu6s, ou pequeno--burgu6s, a ameagado de aparecer descoberto Idea li-nhcts censuragns).

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numa Pacto de Alianga, no qual se fixam as compeanciasreciprocas e Sao estabelecidas as relagees e as normassegundo as quais os dois organismos do movimentosocialista e proletirio desenvolTara° a sua actividade,evitando os choques e os atritos'41);

A composigao alegra-nos pelrboa vontade que re-vela nos homens Mas nao nos deixamos iludir que setenha entrado numa era de perfeito acordo e de idilio.O dissidio, mais do que nos homens, existia nas coisas.Os homens podem facilmente, quando sac) sinceros easpiram ao trabalho fecundo, fazer concordar a sua boavontade; a composigao «juridica) 6 suficiente para isso.Mas as coisas sao menos dricteis e maleaveis, e plasma--las para um fim programatico a operagao muito dificile complicada. E por coisas entendemos (excluindo qual-quer intengao de ofender ou diminuir o valor e a cons-ciencia de quern quer que seja) as organizagOes, os ho-mens que delas fazem parte, o complexo movimento de

Ev.,) NA ° assinado, 1 1el P T h-, 4-10-1918.

49)0 pacto entre o e a ' C. G. T. 1 fa' ancionado em29-9-1918 numa sacta de a uee: 1 graves e agi-tacdes political seriam ordenadas pato ParLeto, ouvida a Conte-artdo,

esta Ultima nlo poria obstaculos; ) groves e agitagOesde mutter econOmico seriam,elo contr Ho, dirigidas pals.Contederagäo corn consulta a direceito do Partido.

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1

resisténcia que, em Italia, é aquele que esti — semque a boa vontade dos individuos possa transforma-loimediatamente — em dependéncia do grau de desen-volvimento econemico e cultural alcangado pela socie-dade italiana

As organizagOes italianas de resisténcia estao muitolonge de representarem as forgas democraticas capazesde controle reciproco que sac o pressuposto para umaaced° de classe politica e econOmica, sistematica eordenada como o Partido Socialista desejaria que sedesenvolvesse para que ele prOprio represente verdadei-ramente uma energia revolucionaria que transforme a

histOria. As organizagOes italianas sac) dêbeis e desco-nexas, nao s6 exteriormente mas especialmente do pontode vista da cuitura individual, da preparagao e da cons-ci8ncia individual das responsabilidades e dos deveres

Porque assim estao as coins, o Pacto de Miangafirmado entre a Confederagao do Trabalho e o Partido,se nos alegra como indicio de boa vontade individual,nao nos tranquiliza de facto e nao nos induz a inertia.As condigOes analisadas continuam a existir, a operar;as organizagOes directivas da resistencia podem ser con-duzidas por etas (e excluimos nas pessoas qualquer tor-tuoso sofisma) ate ao obstrucionismo em relagao aoPacto, ate sofisticagOes e objecgOes tais que, em mom en-tos decisivos, quando urge deliberar por urn espontaneoacordo determinado pela semelhanga de vontade, leveo Pacto a dissolver-se automaticamente, originando, re-

siduo doloroso, um cortejo de polemicas venenosas,deleterias para o movimento operario. Portanto, oscamaradas que desejam que a Confederagao do Traba-lho se tome organismo vigoroso e sincero de classe,

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democraticos. Na vida interna das Ligas e das Camerasde trabalho participa uma exigua minoria dos inscritos;a maioria esta regularmente ausente, o que, porem,nao impede a possibilidade, inerente aos seus direitossociais, que ela intervenha nos momentos decisivos davida da organizagao, levando aos sufrégios a superfi-cialidade e a leviandade prOprias de quern, nao tendoparticipado na actividade minuciosa da organizagao,

nao compreendendo o alcance e as consequencias possi-veis de uma decisao, nao tem o sentido da responsabili-dade dos seus actos.

Esta e, infelizmente, a realidade e ela cria condigOesespecificas de vida. Os dirigentes adquirem uma auto-ridade e uma importancia que nao deveriam ter segundoo espirito igualitaxio e essencialmente democratic° dasorganizagOes. Os dirigentes deliberam muito, muito fre-quentemente, em vez de serem, pura e somente, Orgaosexecutivos e administrativos; e, atente-se, excluimosque este facto dependa da vontade despetica e auto-cratica, reconhecemos ser uma necessidade, mas nempor isso o denunciamos menos, procurando convencer

que a preciso destrul-lo. A vontade perversa ou boados individuos importa-nos pouco; importa-nos o con-junto das condigOes pelas quais uma vontade perversapode triunfar e uma vontade boa pode ser dominada,enfraquecida, viciada.

cooperante corn o Partido em solidariedade nao apenas«juridica.)› e dependente do arbitrio individual mas queseja necessaria para o seu intimo apaxelho e para a von-tade concorde dos proletarios associados, devem pros-seguir e intensificar o trabalho no interior das ligas,das federagOes, das tams de trabalho, para que estasse democratizem, se solidifiquem por uma maior acti-vidade dos inscritos, a propOsito dos quais tambernnecessario intensificar a propaganda individual (amaiseficaz) para que adquiram uma consciancia e umaeducagao socialista adequadas a fungao que devemdesempenhar, a responsabilidade social que devem assu-mir.

2 85

0 DEVER DE SER FORTE (•)

A paz comega ia a produzir os seus frutos. Revogadodecreto Sacchi ( 1 ), as relagOes entre as indivfduos eEstado recomegam a ser reguladas por leis ordithrias

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condicionadas pelo Estatuto. A luta politica recomegaa desenvolver-se num ambiente de Malys liberdade,condigao indispenshvel para que os cidadaos possamreunir-se, possam discutir os problemas e os programaseconOmicos e politicos, possam associar-se depois deterem identificado a sua vontade e a sua consciénciacorn a vontade e a consciéncia social organizada empartido.

Um trabalho imenso se imp:3e aos opertios e aoscamponeses que reconhegam no Partido Socialista ena Confederagdo de trabalho os organismos necessfirios

suficientes para o desenvolvimento disciplinado econsciente da luta de classes.

E necessário que no mais breve espago de tempo oPartido Socialista e a Confederagdo atinjarn amaximapot8ncia consentida pelo grau de desenvolvimento eco-nOmico alcangado pela Italia durante os quatro anosde guerra. 0 nosso dever mais urgente e 0 de sermosfortes, de agrupar a volta dos nficleos existentes de

NAo assinado, Avanti!, edigdo ptemontesa, 25-11-1918.(') 0 decreto Sacchi, do nome do entAo mlatstro da JustIca,

tot promuigado em 4-10-1917 para festr as actividades generics.-rnente defInidas cderrottstass. Corn base no decreto Saccht, reran'presos o secretario e o vice-secretArto do P. S.I., ConstantinoLazzari e Nicola Bombaccl.

2 87

organizagao politica e econOmica todos os cidadaos queestao connosco, que aceitam os nossos programas, quevotam pelos nossos candidatos nas eleigOes, que saema rua por uma nossa palavra de ordem. Estes cidadaossao muito numerosos, atingem sem ddvida o ntimerode alguns milhOes, embora o Partido nao tenha, nestemomento, mais de 30 000 aderentes. Nameros irrisOrios,Muneros que sao o indite da nossa preguiga, da insu-ficiente difusao e penetragao, nos cerebros, dos postu-lados da doutrina socialista. Ishimeros que sao o do-cumento math clamoroso da nossa fraqueza em confrontocom o Estado burguös que queremos subvel ter e subs-

tituir pela ditadura do proletariado.analisar agora as razeies desta nossa fra-

queza. Sabemos que a causa maior tern a sua explicagaono passado, pelas condigOes atrasadas da economia na-

mente, como o Estado burgués, com todos os seus pode-res e as suas ordens, é o instrumento desta violencia:desde o gov erno que é continuado pelos centros de mobi-lizacao, pela policia, pelos agentes de vigi Vancia, atea ordem judicial que se presta as violagOes estatutithaspromovidas pelos ministros democraticos, ate ao Par-lamento eleito que, com a sua evidente indoléncia, per-mite que se menosprezem as liberdades mais elemen-tares.

O incremento industrial foi milagroso com a satu-raga° de violéncia de classe. Mas a burguesia nao pOdedeixar de oferecer aos explorados urns. terrivel ligao

pratica de socialism° revolucionario. Surgiu uma cons-ciencia nova, de classe; e n5.0 s6 na oficina, mas tambemna trincheira, que oferece muitas condicees de vidasemelhantes a da oficina. Esta consciencia 6 elernentar;

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tional; num pats onde predominava ainda a agriculturapatriarcal, o artesanato e a pequena fahrica, nao podiaformar-se e afirmar-se, corn catheter permanente de umprocesso histOrico normal, uma democracia social con-sistente e conscientemente disciplinada. Havia na ItaliaMX/ ambiente de rebeliao instintiva, devido as condigOesatrasadas do Estado despOtico opressor das iniciativasindividuais, devido ao peso da vida econOmica que obri-

gava .os individuos a emigrarem para se sustentarem;nao existia o ambiente da luta de classes, definida econsciente, entre capitalismo e proletariado. 0 PartidoSocialists. teve momentos de enorme prestigio politicosobre as massas, mas nao conseguiu ( e nao podia con-seguir) suscitar organismos que permanentemente re-colhessem as grandes massas; as rebeliOes da multidaoeram mais fenOmenos de individualismo do que de classeoperaria, eram dirigidas contra o Estado que sangraa nagao com urn excessivo sistema fiscal e nao contrao Estado reconhecido expressio juridica da classe pro-prietaria que impee o seu privilegio corn a violencia.

Quatro anos de guerra mudaram rapidamente o

ambiente econemico e espiritual. Foram improvisadoscolossais conjuntos de operarios e a violencia naturalnas relacties entre assalariados e emprethrios apareceude modo visivel, mesmo por parte das inteligencias maiscrepusculares. E percebeu-se, nao menos espectacular-

a consciencia doutrinäria nao a formou ainda. E materiabruta ainda nao modelada. 0 artifice deve ser a nossadoutrina.

O movirnento proletfirio deve absorver ester massa;deve disciplina-la, deve ajuda-la a tornar-se conscientedas preprias necessidades materiais e espirituais, deveeducar os individuos que a compeer° a solidarizarem--se organica e permanentemente entre si, deve difundir

nas consciencias individuais a persuasao nitida, precisa,racionalmente conquistada, que se na organizagao poli-tica e econemica encontra a via da sadde individual esocial, disciplinando-a; a solidariedade nos limiter. doPartido Socialista e da Confederagao 6 dever impres-cindivel, é o dever de quem se afirma factor da demo-cracia social.

O Partido Socialista devia contar hoje, pelo menos,corn 250 000 socks, a Confederagao do Trabalho deviater, pelo menos, dois millthes de aderentes ( 2 ) ; o Avanti!devia ter uma tiragem de centenas de milhares de exem-plares e ter milhees de leitores. 0 dever transformou-sehoje em poder; o ambiente espiritual nao se manifests

ja refractario a disciplina e a accao paciente e perseve-rante. Compete-nos a nos transformar o poder em rea-

SA° ntmeros que se alcanearão em1920.

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lidade, tonaando-nos no partido mais potente do pais,nao so em sentido relativo mas em sentido absoluto,tornando-nos no anti-Estado preparado para substituira burguesia em todas as suas fungOes sociais de classedirigente. Os operarios e os camponeses, que lutam ja

associados, devem intensificar a propaganda individual;

as secgOes e os grupos activos de camaradas devempromover uma accao de propaganda sistematica e incan-save' ( conferancias pliblicas, debates, reuniOs ․ ) paraque todos os assalariados adirarn as organizagOes deresistencia, pars que todos os socialistas se inscrevarnno Partido.

OS CATOLICOS ITALIANOS (•)

Os jornais chamados liberais dedicam muito espacoaos enredos e as intrigas de sacristia ou de café a Voltado novo comportamento que esti.° assumindo os cat&licos italianos e da intencao, que se vai concretizando

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amadurecendo, de constituir um grande partido nacio-nal e catolicoue se insiraactivamente na vidado Estado corn urn programa prOprio e distinto e lutepara se tornar o partido de governo, a corrente socialque imprima ao Estado a forma peculiar a suaparticularideologia e aos seus particulares interesses nacionais

internacionais.A constituicao de urn tal partido assinala o cume

de urn processo de desenvolvimento ideolOgico e praticoda sociedade italiana que a essencial na histfiria politicaeconámica do nosso pais. 0 problema central da vida

politica, respeitante a forma e a fungi() do Estado capi-talista, prepara-se para uma solucao ripida, antevendo-seasperas lutas, num futuro prOximo, entre os vasios estra-tos burgueses. Por isso os jornais ditos liberals, que de-testam qualquer luta enquanto possivel inicio de vastosacontecimentos sociais, procuram desvalorizar preventi-vamente a eficacia da nova organizacio que se est&

(')Assinado A. Gramsci, Avanti!, edlcao piemontesa, 22--12-19/8.

(') Fat, de facto, nos fins de 1918 que se intenelficaram oscontactos e as reunI5es pant dar vida ao Partido Popular Italian,que devia aparecer na ribalta da vida national em Janeiro de 1919corn o apelo «Aos lines e aos fortes). Cf. Gabriele De Rosa.Maria dal Movirnento Cat tolieo in Italia, vol. II, Bari, 1968,pp. 18-45 .

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constituindo, afogando as noticias e as discuss'Oes numpantano de intrigas e de palavreado charlatanescos. Masdecerto que os vacuos exercicios lite/ties dos jornalis-tas palavrosos nao pararlo o inexoravel processo dedissolugao da velha sociedade italiana e a eclosao daslutas no interior da classe dirigente; e o proletariadoarregaga ja as mangas, preparando-se para a sua fun-gal° de coveiro.

A ideia do Estado liberal ou parlamentar, pr6prioda economia liberalista do capitalismo, nao se difundiuem Italia corn o rnesmo ritmo e a mesma intensidadecomo nas outras nagOes. 0 seu processo de desenvolvi-

mento histOrico chocou-se irredutivelmente corn a ques-tao religiosa, ou melhor, corn o conjunto dos problemaseconOmicos e politicos inerentes aos formidaveis inte-resses constituidos em tantos seculos de teocracia.

Nao era possivel conciliar duas forms absolutamenteirredutiveis, como o Estado laico e o catolicismo. Paraque o catolicismo se subordinasse ao Estado laico, teriasido necessirio urn acto de humildade daautoridadepontificia, tuna renancia a vida por parte da hierarquiaeclesiastica: so corn a forga e a audacia o Estado tads,realizado a sua vontade, dissolvendo as instituigOes juri-dicas e econOmicas que potenciam socialmente o cato-licismo. 0 partido liberal nao teve a audacia e a forganecessarias; a thetica ditatorial da Direita nao deuos resultados esperados e o Estado italiano deu fre-quentemente indicios de decomposigao pelas reacgaesviolentas populares contra a sua politica. 0 partidoliberal tornou-se oportunista, mandou ao diabo as sussideologias e os seus programas concretos, fragmentou--se em tantas carnarilhas quantos sao os centros mer-

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A vida do Estado italiano sofreu-lhe a 'untie/raja, e opartido liberal no Governo hipnotizou-se num problernapolitico Unica, o das relagEies entre o Estado e a Igreja,entre a dinastia e o papado. Os fins essenciais do Es-tado laico foram transcurados ou postos empiricamente,e a Italia, nos sessenta anos da sua existéncia comoEstado, nao teve uma vida politica econOmica, finan-ceira, interna e externa, digna de urn organism° estatalmoderno; naturalmente nem sequer teve uma politicareligiosa, porque a actividade de urn Estado ou é uni-taria e audazmente disposta para os seus fins maisessenciais ou a apenas remendo e baixo compromissode facceies.

Ao desenvolvimento do novo Estado italiano faltoua colaboragao do espirito religioso, da hierarquia ode-siastica, a (mica que podia apoiar-se as inameras cons-ciencias individuais do povo atrasado e opaco, agitadopor estimulos irracionais e caprichosos, ausente de qual-quer luta ideal e econOmica que tivesse urn catheter or-ganic° de necessidade permanente. Os homens de Estadoforam instigados pela preocupagao de descobrir urn corn-

promisso corn o catolicismo, de subordinar ao Estadoliberal as energias catOlicas divididas e obter delas acolaboragaio para renovar a mentalidade italiana, unifi-cando-a, para suscitar ou consolidar a disciplina nacio-nal atraves do mito religioso.

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cantis italianos, tornou-se num vespeiro de confranaseleitorais e de agencias para a colocagao e feliz carreirade todos os mandriEies e parasitas. Assim desnaturadoe corrompido, sem unidade e hierarquia national, o libe-ralism ° acabou por subordinar-se ao catolicismo, cujasenergias sociais sae, pelo contrario, fortemente organi-zadas e concentradas, possuindo na hierarquia ecleslits-tica uma ossatura milenfiria, sOlida e preparada para

qualquer forma de luta politica e para a conquista dasconsciencias e das forgas sociais. 0 Estado italiano tor-rou-se no executar do programa clerical e corn o pactoGentiloni culmina-se uma accao astuciosa e tenaz panreduzir o Estado a urna verdadeira teocracia, para sub-meter a administragdo pablica ao controle indirecto dahierarquia e clesifistica.

Mas se no piano politico, em que operam poucosindividuos representatives, o catolicismo como hierar-quia autorithria triunfa clamorosamente em relagio aoEstado laico e a ideologia liberal, na intimidade socialos factos desenvolvem-se muito diferentemente. 0 factoreconOmico reage poderosamente no conjunto da socie-dade italiana; o capitalismo inicia a dissolugio das rela-góes tradicionais inerentes a instituicao familiar e aomite religiose. 0 orincip io de autoridade a sacudido palesalicerces: a plebe agricola transforma-se em proleta-riado e aspira, ainda que confusa e vagamente, a sua

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independancia do mito religioso; a hierarquia eclesias-tica, nas suss ordens inferiores, ve-se obrigada a tomarposigao na luta de classes que se projecta cada vez maiscorn intensidade e distingao.

No interior do catolicismo surgem as tenclanciasmodernistas e democaticas como tentativa para corn-por, no ambito religioso, os conflites emergentes nasociedade moderns_ A hierarquia eclesikstica resiste einvalids, a autoridade da democracia crista, mas o seuprestigio-e a sus, forga dobram-se perante as incoerci-veis necessidades locais dos interesses ligados ao mito

religioso: ela dispersa os pequenos modelos da Reforma,mas a substancia do fen6meno que depende do desenvol-vimento da produao capitalista, embora atenuada erigida na sua espontaneidade histOrica, permanece toda-via e opera fatalmente. Os catOlicos desenvolvem uma

a catolicissima Austria, porque nao liberal, porque oEstado nao se apoiava no consenso dos governados. Ono cristianismo do presidente Wilson — conquanto possater dado forma e inspirado programas politicos e finsgerais de moralidade pGblica, national e international,propostos aos povos — 6 puro calvinismo. 0 papa e as

doutrinas catOlicas nao contribuiram em nada ( e naopodiam contribuir) para a idealizaao do programa deWilson; o papa dirigiu-se sempre aos soberanos, naoaos povos, a autoridade, legitima para ele, nap as multi-does silenciosas; nunca o pontifice romano poderia lan-gar aos povos o incitamento a rebeliam contra os pode-

res constituidos dos Estados dinisticos e militaristasque exprimiam a forma de sociedade prOpria das dou-trinas politicas catOlicas. Por tuna pregagao semelhantea do presidente Wilson, o papa foi privado do poder

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scar) social sempre mais vasta e profunda: organizammassas proletarias, fundam cooperativas, associag6esrafituas, bancos, jornais, mergulham na vida pratica,cruzam necessariarnente asua actividade corn a activi-dade do Estado laico e acabam por fazer depender dafortuna dele as fortunas dos seus interesses particula-res. Os interesses e os homens arrastam consigo as ideo-logias; o Estado absorve o mito religioso, tende a trans-formaplo num instrumento de governo, apto a repeliros assaltos das forgas novas, absolutamente laicas, orga-nizadas pelo socialismo.

A guerra acelerou este processo de intima dissolu-gao do mito religioso e das doutrinas legitirnistas pro-prias da hierarquia eclesiastica romana; a guerra acele-rou vertiginosarnente o processo de desenvolvimentohistOrico do Estado laico e liberal nascido precisa-mente como antitese do legitimismo pontificio romano.A ideologia cat6lica 6 percorrida por correntes novas,reformistas, que encontram expressam mesmo nos maiseminentes defensores das doutrinas politicas romanas:

o marques Filippo Crispolti dedilha o alafide para glori-ficar o presidente Wilson; urn comunicado das organi-zagOes catOlicas afirma que a vitOria da cintesa*6 vitOria do cristianismo (sem adjectivos) contra o lute-ranismo autoritario e qualifica como cnegagao de Deus)

temporal e os sabditos revoltaram-se contra a sua auto-ridade teocritica; a ideologia wilsoniana da Sociedadedas NagO es 6 a ideologia pr6pria do capitalismo modernoque quer libertar o indivlduo de qualquer tronco auto-Sane colectivo dependente de estruturas econOmicaspre-capitalistas, para instaurar a burguesia cosmopolitaem fungal° de uma desenfreada competigam para o enri-quecirnento individual, so possivel corn a queda dos mo-

nopOlios nacionais dos mercados do mundo; aideologiade Wilson 6 anticatOlica, 6 anti-hierarquica, 6 a demo-niaca revolugao capitalists pre o papa sempre excomun-gou, sem conseguir defender dela o patrimOnio tradi-tional, econOmico e politico, do catolicismo feudal.

O catolicismo, como doutrina e como hierarquia, saiderrotado da viteria da «Intess.), especialmente em

onde ele tem a sua sede. Triunfam, no meio daburguesia e do povo desorganizado, as tenclancias libe-rais do calvinismo; a ideia do Estado laico afirmou-secomo consciancia politica operante. 0 Estado italianojii nao tem necessidade do auxilio da energia catOlicapara reprimir a hist6ria as forgas sociais imaturas.0 Estado 6 line de preocupagOes de ordem internacionalprovocadas pela ouestao romana, pode desenvolver-sesegundo a sua esséncia laica e anticatOlica, pode desen-

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volver-se e, atravês da revalued° proletiria, transfor-mar-se de parlamentar num sistema de Sovietes.

Os catOlicos agarram-sea realidade que escapa aoseu controle. 0 mito religioso, coma consciéncia difusaque informa dos seus valores todas as actividades e or-ganismos da vida individual e colectiva, dissolve-se emItalia coma ji tinha acontecido noutros lugares, tornan-do-se partido politico definitivo. Torna-se laico, renunciaA sua universalidade para resultar vontade prfitica deum particular sector burgues, que se prop5e, conquis-tando o governo do Estado, para alem da conservagiodos privilegios gerais da classe, a conservagio dos privi-

legios particulares dos seus aderentes.A constituigäo dos catOlicos em partido politico é

facto mais importante da histOria italiana depois doRessurgimento. Desorganizam-se os quadros da classe

0 JORNAL-MERCADORIA (•)

0 jornal burguês e o jornal-mercadoria tal como odetermina a concorrencia comercial entre os proprietfi-rios das empresas jornalisticas. 2 uma mercearia, onde

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burguesa; o dominio do Estado sera asperamente dis-putado e ndo a de excluir que o partido catOlico, pelasua potente organizagio nacional centralizada em pou-cas mios habeis, saia vitorioso da concorrencia com ossectores liberais e conservadores laicos da burguesia,corrompidos, sem vinculos de disciplina ideal, sem uni-dade nacional, rumoroso vespeiro de baixas confrarias

facg5es.

Pela intima necessidade da sua estrutura, pelos in-conciliiveis conflitos dos interesses individuais e degrupo, a classe burguesa esti para entrar num momentade crise constitucional que projectark os seus efeitos naorganizagdo do Estado, precisamente quando o prole-tariado agricola e urban encontra na ideia dos Sovietes

eixo da sua energia revolucioniria, a ideia de ligagioa nova ordem internacional.

29 6

uma fila de solertes empregados aorta, embrulha,acumula: queijos, mortadelas, gelatines, muita batata

pouco leite, muito cavalo e pouca vacs., muito entulhopouco caldo. NA° imports: imports apenas pie seja

uma bela montra, muitas limpadas ofuscantes, muitasfitas e pedagos de várias cores. Os homens passam epáram, deslumbrados, confundidos: que luxo, que coisasboas e apetitosas, que riqueza, e tudo por uma insignifi-

cante moeda. E os homens entram e compram e viio-seembora satisfeitos coin o luxo, as cores, o aprumo senho-ril das fitas e dos pedagos de virias cores; e a ilusdofaz engolir os maus alimentos sem nausea, sem vOmitos,ainda que o corpo se desnutra, o cerebra se atrofie e as

ideias ndo se amontoem para se exprimirem, avangandolentamente, uma a uma, coma velhinhas rugosas apoia-das a bengala, que param de cinco em cinco passos parsrebuscar nos balsas, extrair a caixa do tabaco e sorverlongamente a pitada: sem aquele tabaco embalsamantenä() poderiam viver.

E, todavia, o nosso jornal Avanti!nio pode ser urn

jornal-mercadoria, não pode seruma mercearia cheiade bagatelas, adornada com todos os espelhos que cha-mam a atengio das calhandras; o Partido Socialists

(•) Nao assinado, Avanti!, edigito plemontesa, 27-12-1918,seccAo •Sotto la Mole).

297

j: i

1919

nao a tuna feira onde Barnum toca o bombo para chamaros ingenuos. 0 Avantil e urn jornal unto, sem concor-rentes, e o «produto, necessirio que se compra porquee necessazio, porque a insubstituivel, porque correspondea uma necessidade intima, irresistivel como a necessi-dade do pa° para um este/nag° saudavel. Quern comprao Avanti! nao escolhe, nao pode escolher: escolhe-seentre duas coisas semeLh antes, diferentes no grau de pe r-feigdo, entre dois cavalos, duas casas, duas bengalas,dois jornais burgueses.

Mas quern a socialista, quem quer (quer, entenda-mo-nos, e nao deseja vagamente, suspira, geme ou seaflige, mas quer concretamente) que o socialismo in-forme a sociedade dos homens acerca dos seus valoresmorais ,quern quer a sociedade organizada de modo quecada homem tenha uma fungão util e essa seja a mais

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adequada as suas aptidees, de modo que cada homemde o maxim° do seu rendirnento e a sua actividade sejacoordenada corn a actividade universal numa harrnoniaque elimine todos os sofrimentos inUteis, todas as dis-persees de energia e de espiritualidade; quern actual-mente imerso na sociedade de trafico mercantil, nasociedade em que se faz fortuna sacrificando os outros,apunhalando a prOpria made , prostituindo a prepria irma,entesourando a custa da fome e do sangue dos hornens;quern a socialista e matou em si prOprio, nas relageescorn os carnaradas, o frenesim individualista, a finsiade roubar, roubar pan si, dando de si o menos possivel— este M° pode escolher entre o Avanti! e outro jornal,n5.0 pode confundir o Avanti! corn urn jornal-mercadoria.Esse sabe que a uma parte do Avanti!, parte viva, parteactiva; sabe que o Avanti! nao a uma empresa capita-lista, cujos accionistas arriscam o dinheiro dos outrospara lhes ser Gtil, precisamente corn o engano e a ilusaoda mercadoria vistosa e bem divulgada, mas que, pelocontrario, representa ja hoje, em plena sociedade mer-

cantil, o principio antimercantil, que in/Yee a sinceri-dade, a verdade, a utilidade essential, ainda que paregaimediatamente danosa. Comprar o Avanti! significa,pois, tornar-se independente das leis rnercantis do capi-talism°, viver je, hoje o comunismo e aproximar, por-tanto, a sociedade comunista.

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0 PALS DE POLICHINELO (•)

Quotidianamente, os jornais oficiosos dente ou da-quele path irresponsável e incontrolado, de que esticheio o ministerio Orlando, publicam um boletim sani-

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taxi° a propOsito da censura. Ainda anteontem o PivotsRomano anunciava:

Com o mais vivo interesse, sabemos de fontesegura que pelo Ministirio do Interior foramemanadas disposicaes para que o servico de cen-sura se atenha escrupulosamente aos filtimos de-cretos, evitando exageradas interpretactles e con-

sequentes protestos.

As novas disposic o es divulgadas n5to farao mudarminimamente as coisas: continuardo a submeter-se aoregime de arbitrio que ha quatro anos reduziu os (Mhosde Rom a» a condicao de uma tribo de canibais da Cochin-china.

Os doutrinarios de direito constitucional discutemsobre a ffirmula que defina o Estado italiano. 2 es-tado italiano parlamentar, constitucional, absolutaglutina brilhantemente numa sintese, reflexo das qua-lidades eminentemente pragmaticas do nosso povo, tudo

o que de born resultou das experiancias democraticasdos outros povos? 0 Estado italiano, erases do exameda guerra, revelou finalmente a sua intima esséncia: 6

(•) No assinado, Avantit, edigito piemontesa, 30-1-1919.

301

Estado de Polichinelo, e o dominio do arbitrio, docapricho, da irresponsabilidade, da desordem imanente,geradora, cada vez mais, de asfixiantes desordens. NosEstados absolutos existe um so autocrata, depositarioda soberania e do poder; no pais de Polichinelo os auto- 'cratas multiplicam-se por geragao espontanea: a tribodos secretarios e subsecretarios de Estado a um viveirode poderes autocraticos, cada um dos quaffs opera porconta prOpria, faz, desfaz, amontoa e destrOi, destrOia riqueza nacional; sao autocratas os governadores civis

outros funciorikrios que unificam a miscelanea de dis-posigeies, circulares, decretos; os censores que, escolhi-

dos corn o criterio da beneficéncia para asseg-urar umadecorosa velhice aos falidos do jornalismo e da burocra-cia, aceitam a folha... csonniniana*— conservadora(**)

cortam e deturpam o Avanti!, preocupando-se apenas

conhecida. E o pais da desordem permanente, da cen-11sura permanente, do estado de sitio permanente, ainda pque decretos e disposigOes particulares anunciem, con-firmem, repitam, advirtam, assegurem. Existem aindaurn Estado? Existem ainda leis gerais? Existe aindauma hierarquia de autoridade que efectivamente con-siga obter obediöncia dos subalternos? Polichinelotreme; sentiu urn rumor e o terror branco parou-lhe 0coragao, esfarrapou-lhe os tendOes, atrofiou-lhes o ce-rebra.

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gios correlativos; os generais, os delegados, os funcio-/Aries policiais. Cada urn destes «servidores)o do poderexecutivo transformou a esfera da sua acgao numa sa-trapia independente das leis gerais, num Estado dentrodo Estado, onde o abuso e a injustiga sao a quotidianaactividade que arrasta e dissolve as tradigOes, a segu-ranga, os interesses ditos legitimos, as hierarquias sen-

timentais e autoriterias, as relageies sociais.Atravessamos a fase critica do processo de dissolu-

CO.° do Estado capitalista, obrigado pelos acontecimen-tos a exceder-se quando a incapaz de agir corn simpli-cidade, que intervem na esfera de acgao das iniciativasprivadas e determina apenas confusao, perturbagao, pa-ragem no desenvolvimento, que proclama em voz altaaliberdade e a ordem e treme perante qualquer palavraheterodoxa, perante qualquer afirmagio teOrica de prin-

r ; cipio. 0 Estado italiano e o Estado de Polichinelo ondeninguem manda porque manda uma infinidade de irres-ponsiveis, onde ninguem cria, porque os incornpetentes

dangam a volts dos vencimentos e das sinecuras, ondeamanha a escuro porque nao existe uma actividadegeral organizada que siga rectilineamente uma via

(*) De Sidney Sonnino, ministro liberal de direita. (N. do T.)

30 203

UM SOVIETE LOCAL (•)A Fiat transformou-se numa coleatia norte-ameri-

cana, onde os probos pioneiros de Wilson, corn obstina-c .a.° e perseveranga, trabalham pars criar o primeiro

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nacleo social italiano da Sociedade das NagOes. 0 capi-talista Agnelli e convicto defensor da paz perpetua. Con-victo e voluntarioso. Uma grande ideia conquistou-lhea consciencia. Pode um homem de acgko, uma realizador,urn criador, urn demiurgo da estatura de Giovanni Ag-nelli deixar que as grandes ideias criem mofo nas man-sardas da consciencia? A consciencia de Giovanni Ag-nelli é urn bloco granitico sem interesses nem indecisOes:fe significa aced°, conceito universal significa um actohistOrico concreto. Agnelli a urn homem moderno, é urnmilitante da ideologia democrática; quer a liberdadedos povos, o reconhecimento das nacionalidades bapti-zadas e crismadas pela autodecisio do plebiscito e pelaConstituinte. Quere-o concretamente e, portanto, comofiel soldado do ideal, suscita, na esfera de acflo da suavontade individual, as condigeies necessesias e suficientespara que a verdade se torne facto, para que o ideal se

(setae em instituigio histerica eficiente. E eis como aFiat se tornou num nUcleo social orginico da Sociedadedas NagOes livres.

Para que as nagOes sejam lines, e necesthrio queos individuos sejam adisciplinados) para a liberdade

(•) Näo assinado, Alvan!, edlgáo plernontesa, 5-2-1919,seccao .sotto la Mole..

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insolentes e estiraule insolentes exigincias e, insolOnciainsolentissima, que sugira os meios adequados e frutuo-sos para obrigar os capitalistas a satisfazer as insolentesexigências. Eis, portanto, a justificagio racional e his-tOrica da criagao, no feliz Estado soberano da Fiat, deurn corpo de vigilantes politicos que cprevina) os ope-razios sobre a propaganda do Avanti e da ideia dosSovietes proletarios.

Assim se transforma a Fiat num &tele° origithrioe organic° da Sociedade das Nag6es, nao dos Estados.O Estado politicamente centralizado no parlamento 6

forma politica pequeno-burguesa. 0 Estado capitalista6 a Sociedade das NagOes, Estado de classe refinada-mente cosmopolita como 6 o caeficientes e historicos da Soc.os agrupamentos industrials, o

smo. Os &gamas NagOes

dos capitalistas.

nacional. Os individuos que, por dever profissional epor rasa° pratica de subsistencia, frequentam a Fiat,podem ter interesses contririos e ideias contrastantescom a Liga das NagOes livres. E necessario, portant°,submete-los a rigoroso controle e desinfecgao e prevenirqualquer sua acgao que estorve a actuagao da ideia.A Fiat, wide° originario da vindoura Sociedade dasNag6es, transforms-se num Estado soberano que terno seu monarca, o seu ministerio executive e os &Ssde geral administragao estatal vulgarmente conhecidos

1 pelo nome de policia. Eis, portant°, a justificagao hist&

1

); rica e racional das fpombasa que tutelam a ordem in-I terna da Fiat ( fpombasa, gentil intuigao linguistica ernque se aglutina a realidade e o ideal, a paz na ordern,a liberdade bern compreendida e a autoridade; o factode ter escolhido a pomba como distintivo da policia

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Em Italia, nasceu o primeiro So os capitalistas, aFiat de Giovanni Agnelli, pequeno Estado local coinpolicia pr6pria, com urn Orgao judicial preventivo pr6-prio, corn uma lei Ageral, prOpria que deveri instaurara Sociedade das Nag6es, ou seja, a explicita ditadura docapitalismo que pretende abolir a luta de classes como terror branco, para evitar que surjam os Sovietes dos

proletfirios para abolir as classes coin o terror vermelho.A dialectica histOrica continua a desenvolver-se, uni-ficando os contrarios. Chegamos ao Soviete. 0 desen-volvirnento posterior dirk que forga histOrica adjectivaripermanentemente o substantivo: capitalists ou prole-tfirio?

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interns, da Fiat 6 urn documento da genialidade modernse wilsoniana do comendador Agnelli). As tpombas,identificaram-se rapidamente com a dialectica finalis-tica da Sociedade que foram destinadas a anunciar efazer nascer; compreendem que o melhor metodo degoverno 6 prevenir e nao reprimir. PressupOem portant°que cada cidadao do novo e feliz Estado da Fiat 6 um

ladrao, e entao controlam, controlam, investigarn, revis-tarn. Mas 6 preciso nao ofender-se; o regime das nagOesIivres tem as suas inevitaveis exigOncias a que 6 neces-sari° sujeitar-se para o feliz progress° da hurnanidade.

Como devemos sujeitar-nos ao controle politico?Poderia realizar-se a ordern nova de Wilson se fosseconcedida liberdade de propaganda e de acgao aos desa-conselhados agitadores que pretendem insolentementepensar de modo diferente de Wilson e Agnelli? A Soda-

l' dada das NagOes quer instaurar a paz perfaua, no)i interior e no exterior. A luta de classes, perturbando

ii

as relagOes de produgao e de vends, gera o mal-estar

interne e gera a necessidade de guerras externas 0 capi-talists, para satisfazer as exigencias do operariado,deveria fazer pressao sobre a Estado central para indu-zi-lo a conquistar novos mercados de exportagao; e entaoa paz perp6tua? \g necessário, pois, o controle politicoque impega a ebncentracfio dos operirios a volts, deuma ideia, da ideia socialista, que suscite necessidades

30 6

ESTADO E SOBERANIA (*)

No seu artigo cPorque sou um homem de ordem), 0prof. Balbino Giuliano (') pOs uma questao de sinceri-dade e de galanteria politica aos que ainda certainno socialismo, na luta de classes, no determinismo eco-

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n6mico e noutros que tais sofismas materialistas. 0 prof.Balbino Giuliano lacreditou), em certa altura, em ctodasestas wises»; hoje deixou de serer). A sua f6 e a suafidelidade, dedicou-as a ideias e conceitos mais altose mais vivos; voltou-se de novo para Mazzini e conven-

_

(•) Assinado Antonio Gramsci, Energie Nove, 1-28 de reve-re's° de 1919, serie I, a.* 7-8, revista quinzenal dirigida por PieroGobetti. 0 artigo d precedido por esta nota da redacglo: <Parasatisfazer a promessa feita aos nossos lettores publicamos esterapontamentos do amigo Gramsci, advertindo que, por causa ciaosues condig5es de safide, ele nao pride rever o que tinha escritoapressadamente depots da leitura do artigo de Giuliano. Torna-remos proximamente ao argument°, dedicando-lhe urn iteminteiro, a diremos enttio qual a nossa postgan perante o soda-lismo.s A polemics sobre o socialismo, introduzida pale escrttode Balbino Giuliano (ver nota seguinte), serf' proseeg-uida pelopreprio Giuliano a por Angelo Tasca nas colunas da revista deGobetti, na I eerie (n. • 7-8 e 9) e por Piero Gobetti (La NostraFeder, n.° 1), por De Ruggiero, Formentini, Croce, Elnaudi, Ro-

do/fo Mondolfo, LorM a outros, na segunda eerie (b-5-1919/12-2--1920).(') 0 artigo de Balbino Giuliano (I eerie, n• 3), urn liberal

conservador que depots paosartt ao fascismo, apresentava-se emchave autobiograflca. 0 autos dizia que tinha side socialists temtempos melhores, (mantic, o socialismo era amenas uma fê, vivae precise a ainda ludo uma via de chegada. Giuliano eustentava,pole, (me, de momento, a melhor reforms a levar a efeito 6(ra)

30 9

ceu-se que a questao social 6 essencialmente questaomoral, questao de culture, de educagao espiritual, emgeral; destronou o Manifesto dos Comunistas e colocouno altar Os deveres do homent.

Mas Balbino Giuliano 6 essencialmente um professor;portanto, quer que a sua experiéncia individual nao seperca. E eis que a experiéncia individual de B. G. setransforma em «universal concreto)), teoricamente, egera uma norma de saga° pritica: 6 jovens, que porpreguiga mental ou por sofisma enganador, «acreditais,ainda no socialismo, desenganai-vos, dedicai a vossaenergia de pensamento a purificagao interior e ao estudodos problemas concretos!

Creio que Balbino Giuliano tenha acreditados nosocialismo, nao creio que B. G. «tenha sido* socialista.A hist6ria espiritual (ou a crOnica espiritual) de B. G.como a de Gaetano Salvemini, como a de todos as inte-

0 socialismo foi, para B. G., acto de f6 numa lei natu-ral que transcende o espirito. 0 seu socialismo nao foi,pois, urn acto de vida, mas um puro reflexo de senti-mento, uma mistica, nao uma pritica. Hoje, ele nemsequer superou eriticamente este momento do seu espi-rito; verificou-se nele urn simples deslocamento, umasubstituigao de contend° empiric°, mas a imaturidadenao se tornou em maturidade, nao obstante o use eabuso da fraseologia idealists.

Antes de ser fundament° cientifico da aegao politicae econemica da classe trabalhadora, o determinism°econ6mico 6 autoconsciéncia hist6rica da classe traba-

lhadora, 6 norma de tegio, a dever moral. A doutrinada luta de classes sera menos viva e menos elevada doque adoutrina de Mazzini, mas esta a uma valorizagaoabstracta, puramente intelectual; historicamente, con-cretamente, a doutrina da luta de classes 6 superior ao

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lectuais que «acreditaram, no socialismo 6, tambemela, urn momento da hist6ria da sociedade modernacapitalista: 6 a dolorosa hist6ria da pequena burguesia,desta classe media que na Inglaterra e na Franga che-gou ao poder do Estado, mas que em Italia e na Russianao Ode desenvolver uma fungi° precisa e foi revolucio-naria ate que a classe trabalhadora, debil e desorgani-zada, teorizava a dialectics da sua especifica fungaosocial e era para os intelectuais um dada extern° pareconstruir mitos ideolegicos; e se converteu a «ordenn)logo que a classe trabalhadora, composta em unidadesocial, tornada uma potencia, comegou a actuar, cornmetodos e processor prOprios, o seu futuro especifico,rompendo todos os esquemas pre-estabelecidos intelec-tualisticamente pelas moscas de cavalariga da pequenaburguesia.

a de destrulr 0 culto da incompetencia que domina(va) a yidspolitica itallanas e que, pare serem bons revolucionfirios, eraneceseirio organizer cantos de mais, cada urn a sua conscienclas.0 artigo de Giuliano, o de Gramsci, a sucessiva replica de Giu-lano, a intervengAo de Tasca (Percha sotto Socialista) e a deTormentInt (Lo Stet° e a Sociabstno) sic reproduzidos em LeRiviste di Piero Gobetti, direcceo de L. Basso e L. Anderlini,

1961, pp. 27-55.

«mazzinianismo), tal como acritics 6 superior ao senti-mento, tal como a vontade critica 6 superior ao arbitriopueril, tal como a necessidade tornada consciencia 6superior a vazia fraseologia humanitiria que se iludeao ponto de ]he bastar propor urn fim sublime pant queeste seja moral e seja sublime.

Balbino Giuliano 6 um abstracto, nao um realists,

6 urn cat6lico, Tao urn idealists.Ele aconselha aos jovens o estudo dos cproblemas

conereton e sustenta que a questao social 6 questaomoral, questao de educagio espiritual.

Mas os seus «problemas concretos) sao simplesmenteproblemas de politica empirica; o concreto nao 6 maisdo que limitagao empirica no tempo e no espago, purotecnicismo materialista que, em arte, nos conduziriaaos ganeros literazios e a estatica do contend°.

Concreto 6 organicidade e a organieidade dos pro-blemas sociais encontra-se na politica, que 6 o acto cria-tivo do espirito pritico. 0 «saber, e o «querer, indivi-

duais devem consubstanciar-se cm «poder, se tam urnfim concreto, se sal° «honestidade) e «lealdadel.0 problema concreto s6 se resolve no Estado e, por-

tanto, nao somos cconcretos) sem uma concepcao geraldo conceito de soberania, sem uma adequagio da pr6priaenergia individual ao acto universal que opera atravas

31 0 31 1

da soberania e se exprime em todo o complexo meca-nismo da administragao estatal.

Giuliano nao é urn idealista; 6 urn positivista a in-glesa corn uma camada de fraseologia idealista. Comoborn puritano que se preza, ye a questao social comoquesta.° moral, de purificacao interior, a alcangar atra-y esda cultura e da educagao individual. A questa° socialdeixa de ser um problems histOrico, urn momenta neces-sari° do desenvolvimento progressivo da sociedadehumana a superar historicamente, consubstanciandocorn potencia material e espiritual a classe trabalhadoraque hi-de pen- na base da soberania e do Estado o acto

produtivo de bens corn o qual todos os homens alcan-garao uma nobreza espiritual, substituindo por este actoo empirismo do «maior ninneros democratic° que seorganiza atraves da violencia e engano demagOgico, parase tornar novamente no problema do mal coma o con-

ciedade humana, nao 6 o acerto de uma lei natural quese desenvolve «absolutamente3 . , transcendendo o espiritohumano. 2 autoconsciencia e estimulo para a acgio, naociencia natural que esgote os seus fins na apreensaoda verdade. Se a «necessidade, hist6rica transcende oarbitrio do individuo pasta como pura razao, comocalula empirica da sociedade, 6 imanente em cads indi-viduo, momenta concreto do espirito universal que actuaa lei essential do seu desenvolvimento; e, portanto, 'tpraxisz , ultrapassagem continua, adequagao continuado individuo empirico a universalidade espiritual.

Giuliano nao foi «fieh ao espirito universal, ele quetinha, coma socialista, a !tined° educativa de adequaros operarios e os camponeses as necessidades histOri-cas universals que se concretizam e se definem na fun-ea° histOrica da classe trabalhadora. Os problemas con-cretos teriam consistido entao, para ele, em educar os

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cebem os catOlicos e os epigonos do iluminismo enciclo-pedista aninhados nas universidades populares. Paraum idealista, o problema posto desta maneira é umavacuidade fraseolOgica e nao se resolve «politicamente);é um disfarce ridiculo do espirito cristao; é uma nocivaaccao, uma fonte de perversao social e de cepticismoindividual, é a paragem da vida histOrica por urn asce-

tismo que tem os seus cenObios nas bibliotecas e o seurito nos torneios oratorios e nas polemicas de revistecas.

Se Giuliano nao tivesse acreditadob no socialismo,mas tivesse sido socialista, se a imaturidade da percep-cal° intelectual se tornasse em maturidade no acto cria-tivo de consciencia teOrica e de norma pritica, outrosproblemas concretos teria proposto a meditagao e asolugao-accao.

Porque tambem adoutrina do materialismo histOricotern os seus problemas concretos educativos e espiri-tuais. Porque os intelectuais do socialismo tern deveresimediatos, quando traduzem, na pritica, ameditagao

filosOfica. Giuliano nao obedeceu a estes deveres e jus-tifica a sua falta de adesao ao dever corn a falencia dadoutrina.

A doutrina do materialismo histOrico 6 aorganizacaocritics do saber sobre as necessidades histericas queconsubstanciam o processo de desenvolvimento da so-

espiritos imaturos da classe trabalhadora parao exerci-cio concreto da soberania do trabalho, para a fundacaodo nova Estado que ordene a sua actividade a partirdo acto produtivo, do dinamismo do trabalho, substi-tuindo o Estado capitalista condicionado pela proprie-dade privada dos meios de producao e de venda, adora-dor do vitelo de aura, monstruoso Moloch que sacrifica

a vida para mudar individual e nacionalmente a pro-priedade privada.

0 problema concreto, hoje, depois da guerra, des-truindo e tornando estereis as fontes de riqueza, fez cornque os homens se tornassem freneticos ao prospectaremo perigo que meia humanidade esteja condenada a mor-rer de esgotamento, dada a impossibilidade fisiolOgicade o regime individualista de livre concorrencia restau-rar os escombros e oferecer novas possibilidades devida; o problema concreto, hoje, em plena catastrofesocial, quando tudo se dissolveu e cada hierarquia auto-ritaria se desconjuntou irremediavelmente, 6 o de ajudar

a classe trabalhadora a assumir o poder politico,60de estudar e analisar os meios adequados pars que atranslaccdo do poder do Estado se realize cam a minimaefusao de sangue, para que o novo Estado comunistaactue difusamente depois de urn breve periodo de terrorrevolucionirio.

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Mas este aspecto concreto escapa aos iluministas daabstracta razio pensante. Esses, os profundos estudio-sos dos problemas concretos, reputam o bolchevismo (2)urn fen6meno crusso», maths= o homem pelo conceito,mataram o Estado pelo cproblema), e a aordemm, no.processo de empobrecimento da conscrencia histérica,pode acabar por se identificar com um agente da segu-ra no . pnbl i ca .

LENINISM° E MARXISMO

DE RODOLFO MONDOLFO (•)

Conta-se que um professor alembic) do ensino medic),conseguindo estranhamente apaixonar-se, confundia as-aim a pedagogia e a ternura: —Meu tesouro, tu amas-

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( I ) No seu Ultimo ndmero, Energies Nave publicou um artigode P, Ballario a propOsito do bolchevismo (P. BaHaste, Socia-lism°a Boiscevismo), Urn oficial Italian°, chegado de Moscovopoucos meses antes, conta que o Soviete de Moscovo, em cadaassembleia, faz traduzlr os juizos e as impress5es latinsts a anglo--sax6nicas aprop6sito do bolchevismo a dos Sovietes. 0 oficialitaliano estava humilhado pela franca hllariedade daqueles dele-gados operArios, ao tomarem conhecimento das parvolces que aere:ilea europeia escreve sobre a sua actividade politica e eco-

n6rnica; estava humilhado a avlltado pale facto de a guerra, qu elevou a Rdssia tuna ordem coincidente corn a consci6ncia e avontade da sociedade total russa a onde cada ano correaponde aum skulo porque 6 condicionado apenas pela boa vontade doshomens, se ter contribuido nos nossos palses para a multiplicafloda jé , vasta tribe dos parvos que confundem a vida e o pensa-mento corn a arte de fazer caretas.

-me? — Sim. —Nio, na resposta deve repetir-se a per-gunta, deste modo: Sim, amo-te, meu ratinho!

Rodolfo Mondolfo a aquele professor; o seu amorpela revolugio a amor gramatical. Ele interroga e indis-1)6e-se corn as respostas. Pergunta: Marx? Respondem--lhe: Lenin. Isto não a cientifico, pobres de n6s,pode satisfazer o sentido filolOgico do erudito e do ar-queOlogo. E corn uma seriedade catedritica que enter-nece, Mondolfo reprova, reprova, reprova: zero em gra-ratios, zero em ciencia comparada, zero na prova pre.-tica de magisterio.

Sabemos que a seriedade professoral a apenas umaaparincia de seriedade: a pedanteria, a filisteismo, mui-tas vezes a incompreensio absoluta. Mondolfo organizaum processo de intenceres e atribui aos comunistas rus-sos intencOes que, ou nunca tiveram ou nao tem nenhum

rTh‘l(•) Assinado A. G., L'Ordine Nuovo, I, n.° 2,35-54919, sec-

cao «La battaglia dello ideas, a propOsito do artigo— de RodolfoMondolfo, Leninism° aMarxism°, in Critica Socials, Abril-Maiode 1919. L'Orditse Nuovo, arevlsta semanal de cultura sociallstas,

I foi fundada em 1 de Maio de 1919. Por baixo do titulo aparecea Indicacio ern normando: esecretario de redaccao: Antonio

1Gramscb, Cf. La Cuttura /taitana 118 1'900 A ttraverso le R iviste,vol, VI, riordine Nuevo (1919-192 0) , & recoils:, de Paolo Spriano,Turin, 1983.

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valor hist6rico real. 0 facto essencial da revolugao russaé a instaurag5.0 de um novo tipo de Estado: o Estadodoe Conselhos. Para ele se deve dirigir a critics hist&rica. Tudo o mais é contingencia condicionada pela vidapolitica internacional que para a revolugao russa sig-nifica: bioco econOm ico, guerra numa frente de milharesde quilOmetros contra os invasores, guerra interna con-tra os sabotadores. Inepcias para. Mondolfo, que naotem isto em nenhuma conta. Ele quer preciaao grama-tical de um Estado que é obrigado aempregar todo oseu poder e todos os seus meios para subsistir, parasoldar a sua existbacia a revolugao internacional.

Mondolfo desenvolve todo o seu talento pare expri-mir um sentido antimarrista de tuna novela de MaximoGorki, Ldmpadas. A novels- foi publicada por Isvestia,de Petrogrado (Mondolfo talvez ignore este particular),isto é, pelo jornal oficial da Comuna do Norte. Porque

Mondolfo censurou aos alemaes a escrav idao do espi-rito. Ai de mim quantos papas infaliveis tiranizama consciencia dos homens livres, tornando-os insensiveisa cada nascente de humanidade.

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sugestiva, porque apresenta corn suficiente clareza oprocesso de desenvolvimento do comunismo russo, Mon-dolfo, que nao tern em conta o facto essencial da revo-lugao russa, o Estado dos Sovietes, nao compreendeua novela. Entretanto o seu texto nao a exacto: foi tra-duzido do alemao, enquanto o Mercure de France publi-cou uma traducao directa do russo. No Mercure, os m u-giques do condado de Omsk efectuam um acto real deluta de classes: nao a uma aldeia que expropria outraaldeia, as ocupacOes acontecem no selo, isto é, no centrocampesino onde habita a burguesia, os ricos (coma 0mugique chama a burguesia), no «castelo*, corno seexprimiria urn campones meridional de Italia. E a no-vela descreve como se sucedem os contactos entre aimhistria rnoderna e a agricultura patriarcal, isto é,corno os bolchevistas conseguern suscitar, no interessede uns e de outros, a unidade entre os camponeses e osoperarios. E descreve corno acontece, em regime comu-nista, a acurnulagao do capital (necessario para o pro-

gress° econOmico) que, sendo administrado pelo Soviete,pelo poder do Estado, e nao por individuos privados,demonstra uma possibilidade de desenvolvimento socialna revolugao russa que escapa completamente a Mon-dolfo, coma ao gramatico escapa sempre a alma dapoesia.

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A INTERNACIONAL COMUNISTA' (•)

A Internacional Comunista nasceu ( I ) e desenvolveu--se das revolughes proletarias e corn as revolucees pro-letarias. Très grandes Estados proletirios formama sua base real histOrica: as Repfiblicas Soviêticas da

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Numa carta a Sorge, de 12 de Setembro de 1874, apropOsito da I Internacional em vias de ruins., escreveuEngels: cA Internacional dominou dez anos de hist6riaeuropeia e pode corn orgulho olhar o seu trabalho. Masela sobreviveu na sua forma antiquada. Creio que aprOxima Internacional sera, depois de os escritos de

Marx terem operado por algum tempo, directamentecomunista e instaurara, os nossos principios.,

A II Internacional nao realizou a fe de Engels;depois da guerra, pelo contrario, e depois das experién-cias positivas da Russia, desenharam-se nitidamente oscontornos da Internacional revolucionfiria, da Interna-cional de realizagio comunista.

A nova Internacional tern por base a aceitag5.0 deltasteses fundamentais que sac) elaboradas segundo ograms da Liga Spartaco da Alemanha edo PartidoComunista (bolchevista) da

(•) Assinado A. G., L'Orditte Nuevo, 24-5-1919, secglio <Vitapolittaa, internazionale,.

ie) ,, A Internacional Comunista, ou III Internacional, fotfundada em Moscovo, realizando-se o primeiro congresso conatt-

--7, tutivo de 2 a6 de Margo de 1919. 0 Partido Socialists Italianaderiu a ela imediatamente.

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5) Cora o Bra de assegurar a defesa da Tevolugiosocialists contra os inimigos internos e externos e aajuda aoutras fracgOes nacionais do proletariado emluta, é necessirio desarmar completamente a burguesia

os seus agentes, armando todo o proletariado, semexcepgio.

6) A situagaz mundial, na hora presente, exige omáximo contacto corn as diferentes fracgOes do prole-tariado revolucionesio e tambem corn o bloco completodos palses nos quais a revoluck socialista a ja vitoriosa.

7) 0 mêtodo principal de luta é asock das massasdo proletariado ate ao conflito aberto contra o poder

do Estado capitalista.Todo o movimento proletirio e socialista mundial se

orienta decididamente para a Internacional Comunista.Os o pertirios e os cam poneses sentem, ainda que confusa

vagamente, que as Repthlicas soviêticas da Russia,

A 6poca actual é a epoca da decomposigk e dalard/26a do sistema mundial capitalista, o que significaria falancia da civilizack europeia se o capitalismo naofor suprimido corn todos os seus antagonismos irre-medifiveis.

A lunch° do proletariado, na hora actual, con-sista na conquista do poder do Estado. Esta conquistasignifica: supressào do aparelho governativo da bur-guesia e organizack de um aparelho governativo pro-

Este novo govern prolethrio éaditadura doproletariado industrial e dos camponeses pobres, que

deve ser o instrumento da supressao sistemetica dasclasses exploradoras e da sua expropriagb.o. 0 tipo deEstado prolethrio nao é a faLsa democracia burguesa,forma hipOcrita do dominio olighzquico e financeiro,mas ademocracia proletaria que realizarb, a liberdade

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que realiza todas as aspiragOes e esperangas dos opri-midos no mundo. A ideia da defesa das revolugOes pro-letarias contra os assaltos do capitalismo mundial deveservir para estimular os fermentos revolucionfirios dasmassas; a este respeito, a necesthrio estabelecer umaaced° energica e simultkea dos partidos socialistas da

Inglaterra, da Franca e da Italia que imponha a trava-gem de qualquer ofensiva contra a repfiblica dos Sovie-tes. A vitOria do capitalismo ocidental sobre o proleta-riado russo significaria que, por um periodo de vinteanos, a Europa se veria nos bragos da mais feroz eimpiedosa reacao. Nenhum sacrificio sera grande sese impedir que isto acontega, se se conseguir reforgara Internacional Comunista, a Unica que tiara ao mundoa paz no trabalho e na justiga.

das massas trabalhadoras; nao o parlamentarismo maso autogoverno das massas através dos prOprios Orgkseleitos; nao a burocracia de carreira, mas Orgios admi-nistrativos criados pelas prOprias massas, corn a parti-cipagão real das massas na administrack do pals e notrabalho socialists de construgk. A forma concreta doEstado proletirio é o poder dos Conselhos ou de orga-

nizagOes semelhantes.A ditadura do proletariado e a alavanca da expro-

priagio imediata do capital e da supressk do direitode propriedade privada dos meios de produck, quedevem ser transformados em propriedade da nagdo in-teira. A socializagao da grande indlistria e dos seus cen-tros organizadores, os bancos; a confiscagao das terrasdos propriethrios latifundifitios e a socializagao da pro-dugdo agricola capitalista (compreendendo por sociali-zagao a supressio da propriedade privada, a passagemda propriedade para o Estado proletazio e o estabele-cimento da administragio socialista por meio da classe

opethria) ; o monopOlio do grande comercio; a sociali-zack dos grandes edificios nas cidades e dos castelosnos campos; a introduck da administragdo opethria eacentralizagäo das fungOes econOmicas nas mks dosOrglos da ditadura proletaria, eis a fungi° do governoproletfirio.

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EINAUDI OU A PROPOSITO DA UTOPIALIBERAL (•)

Na Nuova Rivista Storica, propels Umberto Ricci quese reconhecessem em volume os inameros artigos comos quais o prof. Luigi Einaudi, durante vinte anos, escla-receu o povo italiano nas colunas da Stampae do Cor-riere della Sera, a propOsito dos problemas da nossa

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vida econdmica national. Associamo-nos a proposta deRicci ( 1 ) e completamo-la: que a direcgio do Partidofaga compilar uma sinopse do volume e a difunda;sera urn eficaz contributo para a propaganda comunista,um documento de primeira ordem da utopia liberal.

Einaudi permanecerà na histeria econOmica como

um dos escritores que math trabaiharam para construirsobre a areia. Serio coma uma crianga interessada nojogo, teceu uma infinita tela de Penelope que a cruelrealidade quotidianamente the desfez. Constante e des-temido, continuou sempre a estender os seus artigossObrios, sabios, pacientes, pars, explicar, para arriscar,para incitar, a classe dirigente italiana, os capitalistasitalianos, industriais e agririos, a seguir os seus ver-dadeiros interesses. Milagre estranho e estupefacto: o scapitalistas nunca quiseram saber dos verdadeiros inte-resses, continuaram pelos atalhos lamacentos e espi-nhosos em vez de seguir solidamente [pela estrada)

mestra da liberdade comercial totalmente aplicada. E as

(•) Asslnado A. G., Avanti!, ed. piemonteaa, 25-5-1919.( 1 ) s artigos de jornal de Luigi Elnaudl eatao agora pub11-

°adds nos oito volumes das Cronache Ecenom ielie e Polffieheun Trentennio (1893-1925), Turim, 1959-1988.

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artigos de Einaudi sao disso uma eterna saudade, umgemido apagado que despedaga as visceras: ah! se ti-vessem feito isto, ah!, se o Parlamento..., ah!, se os in-dustriais!... ah!, se os operarios..., ah!, se os campo-neses..., ah!, se a escola..., ah!, se os jornais..., ah!, seos jovens...! Ha vinte anos que faz soar a mesma elegiados Alpes ao Lilibeo ( **); e os homens nao mudaram,

a vida econ6m ica nao mudou o seu eixo; e a corrupgao,a mentira, a iluseo demagOgica, a chantagem, a fraudeparlamentar, a anquilose burocretica continuaram a serimperceptivelmente as supremas ideias condutoras da

actividade econ6mica national.Einaudi a antimarxista implacevel; nao reconhecenenhum merit° a Marx; recentemente, em polemica cornBenedetto Croce, negou-lhe ate o merito, de facto exte-rior, de ter dado impulso as análises económicas noestudo da histOria. Para Einaudi, Marx nao é um cien-

utopia abstracts e matemitica que nunca teve, nit) teme nunca tera qualquer correspondencia na realidade his-tOrica. Os seus adeptos tern toda a mentalidade dossacerdotes: esti° sempre descontentes, e lamentososporque as forges do mal impedem que a cidade de Deusseja por eles construida neste baixo mundo.

Acusam Marx de abstraccdo porque as sues teoriasda mais-valia escapam ao dozninio do rigor cientifico.Rigor cientifico significa formulario da doutrina cien-tifica. Marx estabelece um confronto entre a economiacapitalists e o comunismo: um confronto que é arbi-_

&en° porque o comunismo é uma hipOtese sem sujeito.Mas nao é toda a economia liberal um confronto entrearealidade anticientifica e umesquema doutrinirio?Onde existe a perfeita sociedade liberal? Quando serealizou na histeria do genero human? E se nao serealizou, nao significa que é irrealizivel, que se reveste

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tista, nao é um estudioso que precede sistematicamentepelo reconhecimento da efectiva realidade econOmica;

um prestidigitador da fantasia, um acrobata do dile-tantismo. As suas teses sao arbitrerias, as suas demons-trag5es sofisticadas, a sua documentagio e partial.

E, todavia, o real desenvolvimento da histOria diraze° a Marx; as teses marxianas actuam rigidamente,enquanto a ciencia de Einaudi se fragmenta e o mundoliberal se desfaz, mais nitidamente em Inglaterra do quenoutros lugares. A verdade é que a ciencia econOmicaliberal tem s6 a aparencia da seriedade e o seu rigorexperimental nao é mais do que uma superficial ilusio.Estuda os «factos* e transcura os «homens*; os pro-cessos histOricos sao vistos como se fossem reguladospor leis perpetuamente semelhantes, imanentes a rea-lidade da economia que e concebida desligada do pro-cesso histOrico geral da civilizagao. A produce° e avenda das mercadorias desenvolvem-se num mecanismode niimeros rigidos e autOnomos, que pode ser «per-

turbado, pelos homens mas nao é por eles determinadovivificado. Esta ciencia e, em suma, urn esquema, um

piano pre-estabelecido, uma via da providencia, uma

(•) Ponto meriodonal da Italia. (N. do T.)

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dos caracteres reveladores da utopia? Mas eladizem os sacerdotes. Trabalhemos, sejamos pacientes,nao nos perturbemos: as forges do mal sera.° derro-tadas, a verdade refulgira aos homens iludidos e per-vertidos. Entretanto a guerra destruiu todas as con-quistas da ideologia liberal. A liberdade, econ6mica e

politica, desapareceu na vida interne dos Estados e nasrelagOes internacionais. 0 Estado apareceu na sua fun-gi() essential de distribuidor de riqueza aos capitalistasprivados; a concorrencia politica, para o poder, supri-miu-se com a abolicao dos parlamentos. A burocraciaestendeu-se, tornando-se mais grave e impaciente. 0militarismo, improdutivo segundo a economia liberal,tornou-se no meio mais potente de acumular e conser-var o lucro, saqueando as economies externas e usandoo terror branco no interior. 0 monopOlio reforgou-se emtodas as actividades, sujeitando toda a gente aos into-resses egoistas dos poucos capitalistas anglo-saxOnicos.

Os esquemas do liberalismo desfizeram-se, as tesesmarxistas activam-se. 0 comunismo a humanismo inte-gral: estuda, na histOria, tanto as forges econOmicascomo as espirituais, estuda-as nas interferencias reel-procas, na dialectica que se liberta dos choques inevi-tiveis entre a classe capitalists, essencialmente econ6-mica, e a classe proleteria, essencialmente espiritual,

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entre a conservagio e a revolugio. A demagogia, a ilu-sae, a mentira, a corrupgao da sociedade capitalista napsao acidentes secundarios da sua estrutura, sae ine-rentes a desordem, ao desencadear de brutais paixOes,a feroz concorrencia na qual e pe la qual viva a sociedadecapitalista. Nao podem ser abolidas sem abolir a estru-tura que as gera. Os discursos, os estimulos, as mora-lidades, os raciocinios, a ciencia e os «se...) Sao inateise ridicules. A propriedade privada capitalista dissolvequalquer relagao de interesse geral, torna as conscien-cias cegas e confusas. 0 lucro individual acaba sempre

por triunfar corn prejuizo de qualquer born propOsito,de qualquer idealismo superior, de qualquer programamoral; para ganhar cem mil liras condena-sea fomeuma cidade; para ganhar urn NH° destroem-se vintemillibes de vidas humanos e doffs mil bilieies de riqueza.A vida dos homens, as conquistas da civilizagao, o pre-

A MEDIDA DA HISTORIA (•)

O que pede ainda a hist6ria ao proletariado russopara legitimar e tornar perrnanentes as suas conquistas?Que outra medida de sangue ede sacrificio pretendeesta soberana absoluta do destine dos homens?

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sente e o futuro estio em continuo perigo. Estes riscos,este correr sempre a aventura, poderao satisfazer osdiletantes da vida e quern pode p'Or-se a salvo corn osseus; mas a grande massa torna-se escrava deles e orga-niza-se para se libertar, para conquistar o poder deassegurar a vida e a civilizagio, de ver o futuro, detrabalhar e produzir para o bem-estar e a felicidade e

.4gio para a aventura e a perversão. Eis por que o desen-41vimento do capitalismo, culminado na destruigdo daguerra, determinou a constituicao das imensas organi-zagees proletarias, unidas pelo mesmo pensamento, pelamesma fê, pela mesma vontade; o comunismo, instau-rado atravês do Estado dos Conselhos operarios e cam-poneses, que 6 o humanismo integral, com p o concebeuKarl Marx, triunfa de todos os esquemas abstractos ejacobinos da utopia liberal.

As dificuldades e as objecgOes que arevolugao pro-teve de superar revelaram-se imensamente su-

periores as de qualquer outra revolugao do passado.Estas tendiam apenas a corrigir a forma da proprie-dade privada e nacional dos meios de produgio e devenda; tocavam uma parte limitada dos agregados

humanos. A revolugao proletaria 6 a maxima revolugao;porque quer abolir a propriedade privada e nacional eabolir as classes, ela envolve todos os homens, naoapenas uma parte deles. Obriga todos os homens a mo-verem-se, a intervirem na luta, a militarem explicita-mente. Transforma a sociedade fundamentalmente:transforma-a de organismo unicelular (de individuos--cidadaos) em organismo pluricelular; estabelece comebase da sociedade nircleos que sae Orgies da prOpriasociedade. Obriga toda a sociedade a identificar-se corno Estado, quer que todos os homens sejam conscienciaespiritual e histOrica. Por isso a revolugio prolethriae social deve superar dificuldades e objecgOes inauditas,por isso ahistOria, para o seu exit°, exige medidasmonstruosas como as que o povo russo 6 obrigado apagar.

(•) N6o assinado, L'Ordine Nuovo, 7-6-1919.

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A revolugao russa triunfou, ate agora, de todas asobjecgOes da histOria. Revelou ao povo russo uma aris-tocracia de estadistas que nenhuma outra nagao possui;sa c * alguns milhares de homens que dedicaram toda a

vida ao estudo (experimental) das ciencias politicas eeconennicas, que durante dezenas de anos de exilic, arta-lisaram e dissecaram todos os problemas da revolugao,que na luta, no duelo impar contra a potencia do cza-rismo, adquiriram um catheter de ago, que vivendo emcontacto corn todas as formas da civilizagao capitalistada Europa, da Asia, da America, mergulhando nas cor-rentes mundiais da histhria, conquistaram uma cons-

ciencia de responsabilidade exacta e prec isa, fria e aguda,como a espada dos conquistadores de imperios.

Os comunistas russos Sao uma classe dirigente deprimeira ordem. Lenine revelou-se, segundo o testemu-nho de todos os que se aproximaram dele, o maior esta-dista da Europa contemporanea; o homem que liberta

sistema organizado de poder. Mao existe sociedade sena°num Estado, que é a fonte e o fim de todos os direitose de todos os deveres, que é garantia de permanencia ede sucesso de todas as actividades sociais. A revolugaosocial é isto, quando di vida e se incarna num Estadotipicamente prolettio, defensor do direito prolethrio,que desenvolve as suas fungeies essenciais como emana-gio da vida e da forga proletarias,.

Os bolchevistas deram forma estatal as experienciashistericas e sociais do proletariado russo, experienciasda classe operirla e camponesa internacional; coorde-

naram em organismo complexo e agilmente articuladoa sua vida mais intima, a sua tradigäo e a sua histOriaespiritual e social mais profunda e amada. Romperamcorn o passado, mas continuaram o passado; despedaga-ram uma tradigao mas desenvolveram e enriqueceramuma tradigao; romperam com o passado da histOria

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o prestigio, que inflama e disciplina os povos; o ho-mem que consegue, no seu vasto cerebra, dominar todasas energias sociais do mundo que podem ser dirigidasem beneficio da revolugao; que p5e em xeque e bateos mais refinados e astutos estadistas da rotina bur-guess.

Mas uma coisa é a doutrina comunista, o partido poli-tico que a propugna, a classe operazia que a incarnaconscientemente, e outra é o irnenso pov o russo, desfeito,desorganizado, langado num profundo abismo de miséria,de barbaric, de anarquia e dissolugao, por uma guerralonga e desastrosa. A grandeza politica, a obra-primahistdria dos bolchevistas consiste nisto: em ter levan-tado o gigante caido, em ter devolvido (cm dado pela.primeira vez) uma forma concreta e dinamica aestaruina, a este caos; em ter sabido soldar a doutrinacomunista corn a consciencia colectiva do povo russo;em ter langado os salidos alicerces sobre os quaffs a socie-

dade comunista iniciou o seu processo de desenvolvi-mento histerico, em ter, numa palavra, traduzido histo-ricamente na realidade experimental a formula marxistada ditadura do proletariado. A revolugao é isto e naouma vazia inflamagao da rater-Ica demagegica, quandose incarna num tipo de Estado, quando se tarns num -

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dominado pela classe no poder, continuaram, desenvol-veram, enriqueceram a tradigao vital da classe prole-thria, opethria e camponesa. Nisto foram revolucio-narios, por isso instauraram a ordem e a disciplinanovas. A ruptura é irrevonvel porque toca o essencialda histOria, nao tem possibilidade de voltar atrits, o que

significaria um grave desastre pare a sociedade russa.E eis que se inicia um formidavel duelo com todas asnecessidades da histOria, das mais elementares is maiscomplexas, que ocorria incorporar no novo Estado pro-letario, dominar e incluir nas fung5es do novo Estadoprolethrio.

Era preciso conquistar pan o novo Estado a maiorialeal do povo russo. Era preciso revelar ao povo russoque o novo Estado era o seu Estado, a sua vida, o seuespirito, a sua tradigao, o seu patrimemio mais precioso.O Estado dos Sovietes tinha uma classe dirigente, oPartido Comunista Bolchevista ; tinha o apoio de uma

minoria social que representava aconsciencia de classe,dos interesses vitals e permanentes de toda a classe, osopethrios da inclastria. Tornou-se no Estado de todo 0novo russo e obtiveram disto a tenaz perseveranga doPartido Comunista, a fe e a lealdade entusifisticas dosoperarios, o assiduo e incessante trabalho de props-

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ganda, de esclarecimento, de educagao dos ho mens excep-cionais do comunismo russo, conduzidos pela vontadeclara e rectilinea do mestre de todos, Lenine. 0 Sovietedemonstrou-se imortal como a forma de sociedade orga-nizada que adere plasticamente as necessidades multi-formes (econOmicas e politicas), permanentes e vitaisda grande massa do povo russo que incarna e satisfazas aspiragOes e as esperangas de todos os oprimidos domundo.

A guerra, longs e desgragada, tinha deixado umatriste heranga de miseria, de barbirie, de anarquia; a

organizagio dos servigos sociais estava desfeita; a pro-pria estrutura humane tinha-se reduzido a uma hordanomads dos sem trabalho, sem vontade, sem disciplina,materia opaca de uma imensa decomposigao. 0 novoEstado recolhe dos escombros os bocados estragadose recomptie-os, consolida-os: recria uma fê, uma disci-

0 Estado dos Sovietes demonstra ser assim um mo-menta fatal e irrevogivel do processo fatal da civili-zagao humana, ser o prirneiro uncle° de uma sociedadenova.

Dado que os outros Estados nao podem conviver corna Russia prolethria e Sao impotentes pars a destruir,dado que os meios enormes de que dispOe o capital — omonopelio da informagio, a possibilidade da calfuna, acorrupgio, o bloqueio terrestre e maritimo, a boicota-gem, a sabotagem, a deslealdade sem pudor (Prin-kipo) ( 2 ), a violagao do direito dos homens (guerra semdeclaragao), a pressao militar corn meios tecnicos su-

periores — sao impotentes contra a fe de um povo,historicamente necessario que os outros Estados desa-paregarn ou se transformem homogeneamente como aRussia.

0 cisma do Oiler° humano nao pode durar por muitotempo. A humanidade tende para a unificagao interior

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plina, urn espirito, uma vontade de trabalho e de pro-gress°, tarefa que poderia ser a gleria de uma inteirageragao.

Mir) basta. A histOria nao esta contente corn estaprova. Inimigos formidaveis levantam-se implacavel-mente contra a novo Estado. Cunha-se moeda falsa pare

corromper o camponès, excita-se o seu esteanago esfo-meado. A RUssia e isolada de todas as saidas pare omar, do trifle°, de qualquer solidariedade • e privada daUeránia, da bacia do Donetz, da Siberia, de todos osmercados de materias-primas e de viveres. Numa frentede dez mil quilemetros, bandos armados ameagam ainvasao: sublevaeOes, traigOes, vandalism°, actos deterrorism° e de sabotagem, tudo isto pago. As viteriasmais clamorosas transferem-se, pela traigio, em derro-tas repentinas.

Nilo imports. 0 poder dos Sovietes resiste: do caosda derrota cria urn exereito potente que se transforma

na espinha dorsal do Estado prolethrio.Pressionado por forgas antagonistas enormes, encon-tra em si o vigor intelectual e a elasticidade histericapara se adaptar as necessidades da contingenda, sem sedesnaturar, sem comprometer o fella processo de desen-volvimento para 0 comunismo.

e exterior, tende a organizar-se num sistema de convi-véncia pacifica que permita a reconstrugio do mundo.A forma do regime deve tornar-se capaz de satisfazeras necessidades da humanidade. A Russia, depois deuma guerra desastrosa, corn o bloqueio, sem ajudas,apenas corn as suas forgas, viveu por dois anos; os

Estados capitalistas, com a ajuda de todo o mundo,exacerbando a exploragao colonial, continuam a decair,alcancam ruina sobre ruina, destruicalo sobre destrulgao.

A histOria esta, pois, na RUssia, a vida esta, pois, naRussia, so no regime dos conselhos encontram a suaadequada solugao os problemas de vida ou de morte queimpendem sobre o mundo. A revolugao russa pagoua sua medida a histOria, medida de morte, de miseria,de fome, de sacrificio, de vontade indomada. 0 dueloatinge hoje o cume: o povo russo pOs-se de pe, gigante

( 2 ) m Janeiro de 1919, sob proposta de Lloyd George e naoobstante a oposigdo da Franca, as potencies ocidentais decldirtunconvidar pare uma conferencia na i/ha de Erinldpo os represen-tastes do Governo soviético e os dos governos contra-revoluclo-närios existentes na FLOssia. As condlcaes pastas pela cants/1=1adenunclavam o propOstto de obter corn uma manobra diplomatIcao que se mostrava tnalcanclvel corn a intervencAo armada.

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terrivel na sua magreza ascetics, dominando a multicliodos pigmeus que furiosamente a agridem.Armou-se completamente para a sua Valmy. Nan

pode ser vencido; pagou a sua medida. Deve defender-secontra as hordas de mercenfirios, de aventureiros, debandidos que querem morder-The o coragio vermelhoe vivo. Os seus aliados naturals, os seus camaradas detodo o mundo, devem fazer-lhe ouvir um grito guerreiroque tone o seu choque irresistivel e the abra as viaspara reentrar na vida do mundo.

WALT WHITMAN el

Quisemos comemorar, no Ultimo mimero, o primeirocentenerio do nascimento de Walt Whitman (31 de Maiode 1819) da maneira mais digna: traduzindo e publi-cando um dos mais halos cantos do grande poets ame-ricano: A Um -Revolucicmdrio Vencido da Europa (1).

A seccio de Purim da revisio da imprensa arruinou

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inexoravelmente o poema; impOs-nos ate a supressioda nota bibliogrifica na qual ofendiamos as leis esta-tuterias e os decretos da Stria escrevendo que o poems,tinha sido publicado pela primeira vez em 1856 com otitulo Hino de Liberdade para a Asia, a Europa, aAfrica e a America, publicado de novo, aumentado e

corrigido, em 1867 e 1871, corn o titulo A Um Revco-luciondrio V envido da Europa.

Os funcionerios da seg-uranga pablica, os advogadose os ex-jornalistas que exercem a censura por delegacaodo Estado dernocretico-parlamentar-burocritico-policialnão sac obrigados a saber que Walt Whitman nunca foium agitador, urn homem de seek°, urn «instigador) parso qual a poesia fosse urn meio de propaganda revolucio-nfiria; eles ofenderam a poesia, injuriaram vergonhose-

(•) NIG aeelnado, L'Ordine Nuevo, 14-6-1919, s pecie Co-nache dell'Ordlne Nuevo,. 0 Milo 6 none

(') 0 poems de Walt Witman, traduzldo por Pabully Togliatti(ON, I, 9), encontra-se reproduzldo in La Cuitura /tacos...,vol. VI, pp. 183-184.

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mente a beleza e a graga. Como macacos bêbados, desa-fogaram-se obscenamente sobre a beleza, sobre a puracriagao da fantasia artistica. Nä° conseguimos veneera ira que nos enche o peito ao recordar esta miserivelacgao dos censores. A ira vence-nos sobretudo quandopensamos no preconceito, difundido entre os chamadosintelectuais, de que o movimento operirio e o comunismosac) inimigos da beleza e da arte. Pelo contrario, amigoda arte, favoravel a criagdo e a contemplagao desinte-ressada da beleza, seria o regime actual, de mercadoresfividos de riqueza e de exploragao, que explicam a susactividade essencial destruindo barbaramente a vida

a beleza, regime dos traficantes que apreciam o gênioquando se converteu em valor monetario, que elevarama falsificagao das obras-primas a indlistria national, quesubjugaram a poesia as suas leis de oferta e procura;

enquanto clangarn* artificialmente aventureiros daliteratura, deixam morrer de Media e de desespero artis-tas de primeiro grau cque os vindouros reivindicarao

no Palacio Minerva ( 2 ), sucedem-se magi:es e traficantescomo Credaro, Daneo e Berenini e deixa-se aos fun-cionithos da seguranga publics o poder de riscar oscantos de Walt Whitman.

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porque os valores reais se impeiem cedo ou tarde) ( con-solagao estetico-liberal que absolve os droguistas, ossalsicheiros e os funcionarios da seg-uranga pfiblica, ex-poentes do regime, dos delitos que se cometem contraos vivos criadores de beleza).

Nao, o comunismo nao obscurecerit a beleza e agraga; a precis() compreender o impulso que conduz osoperarios a contemplagao da arte, a criagao da arte,como profundamente se sentem ofendidos na sua huma-nidade pelo facto de a escravidao do salario e do tra-balho Ihes vedar urn mundo que integra avida do ho-mem, que a torna digna de ser vivida. 0 esforgo que oscomunistas russos fizeram para multiplicar as escolas

os teatros, para tornar as galerias de arte acessiveisits multidOes; o facto de as aldeias e as fabricas que sedistinguem na produgao serem premiadas com a ofertade prazeres culturais e esteticos demonstram como aproletariado chegado ao poder tende a instaurar o reino

da beleza e da graga, tende a elev ar a dignidade e a liber-dade dos criadores de beleza.

Na Russia, os dois comissarios do povo da InstrugaoPalica, ate agora encarregados, foram um esteta, Lu-nacharski, e urn grande poeta, Maximo Gorki. Em (') NUalstdrio da hustrugdo Pallet

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DEMOCRACIA OPERARIA

Um problema se imp& hoje, preocupante, a cadasocialista que sinta vivo o sentido da responsabilidadehistOrica que impende sobre a classe trabalhadora esobre o Partido que representa a consciencia critica eoperante da missao desta classe: como dominar asimensas forcas sociais que a guerra desencadeou? Comodiscipline-las e dar-lhes uma forma politica que con-

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tenha em si a virtude de desenvolver-se normalmente,de integrar-se continuamente, ate tornar-se a ossaturado Estado socialista no qual se incarnari a ditadura doproletariado? Como soldar o presente ao futuro, satin-fazendo as urgentes necessidades do presente e traba-

lhando utilmente para criar e tantecipar, o futuro?Este artigo pretende ser um estimulo para pensare operar; pretende ser um convite aos melhores e maisconscientes operarios para que reflitam e, cads. 11 M

na esfera da sua competencia e da sua accao, colaboremna solugao do problema, fazendo convergir a atencaodos camaradas e das associagaes. S6 corn um trabalhocomum e solidario de esclarecimento, de persuasào e deeducaga.o reciproca, nascera a acgao concreta de cons-trucao.

0 Estado socialista existe ja potencialmente nasinstituicOes de vida social caracteristicas da classe tra-

balhadora explorada. Coligar entre os trabalhadores

(•) NAG assinado, escrito de colaboragao corn Palmfro To-

I

gliatti, L'Ordine Nuovo, 21-8-1919.

33 7

estas instituigaes, coordena-las e subordina-las a umahierarquia de compete/16a e de poderes, centralizi-lasfor temente, embora respeitando as necessarias autono-mies e articulagOes, significa criar desde ja uma verda-deira e prepria democracia operaria, em contraposigitoeficiente e activa corn o Estado burgues, preparadadesde ja para substituir o Estado burgues em todas assuas fung8es essenciais de gestao e de dominio do pa-trimenio nacional.

0 movimento operirio a hoje dirigido pelo PartidoSocialista e pela Confederagao do Trabalho; mas oexercicio do poder social do Partido e da Confederagao

actua-se, para a grande massa trabalhadora, indirecta-mente, mercé da forga de prestigio e de entusiasmo, porpressao autoritaria, ate por inertia. A esfera de prestigiodo Partido amplia-se quotidianamente, atinge estratospopulares ate agora nao explorados, suscita consenso

desejo de trabalhar proficuamente para o advento docomunismo, em grupos e individuos ate agora ausentes

Mas a vida social da classe trabalhadora a rica deinstituigees, articula-se em maltiplas actividades. 2 ne-cessasio desenvolver estas instituigOes e estas activi-dades, organizi-las em conjunto, coliga-las num sistemavasto e agilmente articulado que absorva e disciplinetoda a classe trabalhadora.

A abricalcorn as suas comissiies interns, os circulossocialiataor'as comunidades camponesas, sao os centrosde vida prolettia onde ocorre trabalhar directamente.

As comisseies internas sao Orgaos de democraciapopertia que ocorre libertar das limitagOes impostaspelos emprestios, aos quais ocorre infundir vida novae energia, As comisseies internas limitam hoje o poderdo capitalista na fibrica e desenvolvem fungOes dearbitragem e de disciplinaiDesenvolvidas e enriquecidas,deverao ser amanha os eftaos do poder prolettio quesubstitui o capitalismo em todas as suas fungOes Uteis,de direcgao e de administragao.

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da luta politica. E necessärio dar uma forma e umadisciplina permanentes a estas energias desordenadas

caOticas, absorve-las, compo-las e potencia-las, fazerda classe proletaria e semiproletaria uma sociedadeorganizada que se eduque, que experimente, que adquirauma consciencia responsavel dos deveres que incumbemas classes que atingem o poder do Estado.

0 Partido Socialista e os sindicatos profissionais naopodem absorver toda a classe trabalhadora sena° atra-ves de urn trabalho de anos ou de dezenas de anos. Naose identificarao imediatamente coin o Estado prole-tario; nas reptiblicas comunistas/ de facto, e ales con-tinuam a subsistir independentementc do Estado, comoinstituigOes de propulsio (o 'Partido) ou de controle

de realizagao partial (os sindicatos). 0 Partido devecontinuar a ser o &Tao de educagao comunista, o fogoda fe, o deposittio da doutrina, o poder supremo queharmoniza e conduz a meta as forgas organizadas e dis-

ciplinadas da classe opertia e camponesa. Para desen-volver rigidamente este seu oficio, o Partido nao podeescancarar as portas a invasao de novos aderentes,habituados ao exercicio da responsabilidade e da dis-ciplina.

A partir deste momento, os opertios deviam pra-tceder a eleigao de vastas assembleias de delegados,

escolhidos entre os melhores e mais conscientes cama-,radas, subordinados a palavra de ordem «Tod° o poderl"da labrica aos °mites de fabrics., e coordenada coraloutra: eaodo o poder do Estado aos conselhos operasiosl

e camponeses*.Um vasto campo de propaganda concreta e revolu-

cionaria se abriria para os comunistas organizados noPartido e nos circulos de bairro. Os circulos, de acordocorn as secgOes urbanas, deveriam fazer urn recensea-mento das forgas operarias da zona, tornando-se a sededo conselho de bairro dos delegados da fabrica, o gin-glio que abraca e centraliza todas as energias prole-tarias do bairro. Os sistemas eleitorais poderiam variarsegundo a extensao das fabricas; dever-se-ia, porema,procurar fazer eleger urn delegado por cada quinzeonerarios divididos por categoria (como se faz nas

fabricas inglesas), chegando, por eleigOes graduais, aurn comitê de delegados de fibrica que compreenda re-presentantes de todo o conjunto (opertios, empregados,tecnicos). No comitê de bairro deveria tender-se paraincorporar tambem delegados das outras categorias de

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trabalhadores, habitantes no bairro: empregados demesa, cocheiros, empregados dos electricos, ferroviésios,varredores, empregados privados, caixeiros, etc.

O comite de bairro deveria ser emanagao de todo aclasse trabalhadora habitante do bairro, emanagio legi-tima e autorizada, capaz de fazer respeitar urns, disci-plina, investida de poder, espontaneamente delegado,podendo ordenar a paragem imediata e integral do tra-balho em todo o bairro.

Os catnitês de bairro desenvolver-se-iam em comis-sariados urbanos, controlados e disciplinados pelo Par-tido Socialists e pelas federagOes de categoria.

Urn tal sistema de democracia operaria (integradocorn organizagOes equivalentes de camponeses) dariauma forma e uma disciplina permanentes as massas,seria uma magnifica escola de experiéncia politica eadministrativa, enquadraria as massas ate ao Ultimohornem, habituando-as a tenacidade e a perseveranga,habituando-as aconsiderarem-se coma um exercito em

nista: a discussio em comum modificando por simpatiaas consci6ncias, unificando-as e enchendo-as de entu-siasmo operoso. Dizer a verdade, akancar em conjuntoa verdade, é cumprir accão comunista e revolucioniria.A f6rmula cditadura do proletariado, deve deixar deser apenas uma fOrmula, um motivo pare ostentar umafraseologia revolucionkria. Quem quer o fim deve querertamb6m os meios. A ditadura do proletariado 6 a ins-tauragao de um novo Estado, tipicamente proletirio, noqual confluem as experihncias institucionais da classeoprimida, no qual avida social da classe operftria ecamponesa se torna sistema generalizado e fortemente

organizado. Este Estado nao se improvisa; os comu-nistas.bolchevistas russos trabalharam por oito mesespara difundirem e tornarem concreta a palavra de or-dem: todo o poder aos Sovietes, e os Sovietes eramconhecidos dos operários russos ja desde 19 05. O s comu-nistas italianos devem enriquecer-se corn a experiénciarussa, economizando tempo e trabalho: o trabalho de

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campo que tern necessidade de uma firme coesao se naoquer ser destruido e reduzido a escravidao.

Cada fabrics construiria um ou mais regimentosdeste exereito, corn as seus cabos, corn as servigos decoligagao, corn os seus oficiais, corn o seu estado-m aior,

poderes delegados por eleigao livre, nao impostos auto-ritariamente. Atraves dos comicios, organizados no inte-rior da fibrica, corn o trabalho incessante de propagandae de persuasio desenvolvido pelos elementos mais cons-cientes, obter-se-ia uma transformagao radical da psi-cologia operiria, as massas ficariam preparadas e ca-paws para o exercicio do poder, difundir-se-ia umaconsoler:Ida dos deveres e dos direitos do camarada e dotrabalhador, concreta e eficiente porque gerada espon-taneamente pela experrência viva e histOrica.

Dissemos no inicio: estes breves apontamentos pro-

p5em-se apenas estimular o pensamento e a acgao. Cadaaspecto do problema mereceria uma vasta e profundaanilise, elucidaeties, integragOes subsidiarias e coorde-nadas. Mas a solugao concreta e integral dos problemasda vida socialista só pode ser dada pela pritica comu-

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reconstrucko exigirk, tanto tempo e tanto trabalho quecada dia e cada acto deveria ser-lhe destinado.

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0 ESTADO E 0 SOCIALISMO (•)

Pliblicamos este artigo de For Ever, ainda que sejauma m istura de colossais despropOsitos e de amenidadesfraseolOgicas ( 1 ). Para For Ever, o Estado de Weimar6 urn Estado marxista; nos, os do Online Nuovo, somosidOlatras do E stado, queremos o E stado ab astern (ForEver queria dizer in aeternarn, evidentemente) ; o Estado

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socialista 6 a mesma coisa que socialismo de Estado;existiram um Estado cristio e urn Estado plebeu de CaioGracco; o Soviete de Saratov poderia existir sem coor-denar a sua producOm e a sua actividade de defesarevolucionaria corn o sistema geral dos Sovietes rus-sos, etc. Tantas afirmageies, tantas tolices apresentadascomo defesa da anarquia. Todavia, publicamos o artigode For Ever. For Ever nao a apenas urn individuo:

(*) Nao assinado, L'Ordine Nuovo, 28 de Junho-5 de Julhode 1919. 2 uma note a urn artigo de ForEver (o anarquista deTurim, Corrado Quaglino) corn o tftulo tIn Difesa dell'Anarchin,reproduzido depots na antolo gia sobre ON , da sCrie La CuauraItalians..., ob. cit., pp. 168-172.

( I ) autor do artigo tornava em consideragao o artigo deGramsci, tA Medida daleft's* (cf. pp. 327-332 do presente vo-lume) pare acusar os socialistas, cmesmo os revolucionftrios, sovle-tistas ou autonomistas* de serem tdOlatras do Estado tat como oseconomistas burgueses e os socials-democratse alemães (€0 Estadodo Weimar)). For Ever afirmava queomuna a a negaglio es-magadora do Estado* e que turn poder de politicos*, ainda quefosse o poder de Lenine e dos bolchevistas, oprlmla o ttnclIvIduoandrquico*. <Mao ha de facto diversidade — escrevia Quaglino —entre ser oprtmido e massacrado pela blouse e pela bandeira ver-melha em vez de o ser pela redingote e pela tricolor.*

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urn tipo social. Este ponto de vista nao deve ser trans-curado : deve ser conhecido, estudado, discutido e su-perado lealmente, amigavelmente (a amizade nao podeseparar-se da verdade e de todas as asperezas que averdade comporta). For Ever 6 urn pseudo-revolucio-nario; quern baseia a sua acgao numa mera fraseologiapomposa, num frenesim palavroso e no entusiasmo ro-mantic° é apenas um demagog°, nao é urn revolucio-nazi°. Para a revalued°, Sao necessirios homens de_mente sebria, homens que nao fagam faltar o pas naspadarias, que fagam viajar os comboios, que fornegamas fabricas as materias-primas e encontrem o modo de

trocar os produtos industriais pelos produtos agricolas,que assegurem a integridade e a liberdade pessoal contraas agressOes dos malfeitores, que fagam funcionar oconjunto dos servigos sociais e nao reduzarn o povo aodesespero e a louca carnificina fratricida. 0 entusiasmoverbal e a desordem fraseolOgica fazem rir (ou chorar)quando urn destes problemas deve ser resolvido, mesmonuma aldeia de tern habitantes.

quais Petri se refere directamente, ficam lines de res-ponder por sua vez.

I

0 comunismo realiza-se na Internacional proletiria.0 comunismo s6 existirä quando e enquanto for inter-nacional. Em tal sentido, o movimento socialista e pro-letario é contra o Estado porque 6 contra os Estadosnacionais capitalistas, porque 6 contra as economiasnacionais, porque alas tarn a sua fonte de vida e tomam

forma do Estado nacional.Mas se na Internacional forem suprimidos os Estadosnacionais, nao sera suprirnido o Estado entendido coma«forma, concreta da sociedade humans. A sociedade,coma tal é pure abstraccao. Na hist6ria, na realidadeviva e corpOrea da civilizagao humans em desenvolvi-mento, a sociedade é sempre um sistema e urn equilibria

inatituigti es

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Mas For Ever, embora seja um tipo, nao representatodos os libertfirios. Na redacgao do Online Nuov o existeurn cornunista libertfirio: Carlo Petri ( 2 ). Mas corn Petria discussao processa-se num piano superior, corn oscomunistas libertarios coma Petri o trabalho em comum6 necessario e indispensavel: eles sao uma forga darevolugao. Lendo o artigo de Petri publicado no Ultimoniunero ( 5 ) e o de For Ever que publicamos neste — parafixar os termos dialecticos da ideia libertaria: o ser eo nao ser — alinhavamos estas observageies. Natural-mente que os camaradas Ernpedocle e Caesar (0, aos

( 2 1 Carlo Patri chamava-se, na realidade, Carlo Mosso. Enge-nheiro-mectmico, fol tambem assistente do prof. Annibale Pastorena cadeira de Legica e autor de algumas publicageles filosMicas.A seu propOsito, et. P. C. Masini, A ntonio Gram aci e ti/OrdineNuovo, V isti da un Libertario, Impulso, 1956 .

(') Carlo Preti, Em ile V andervelle, the Soclalisme contrasecceo tha Battaglia delle Idea>, p. 7, 21-6-1919.

(') Empedocle era o pseudenimo usado por Palmiro Togliattipara as miss notas publlcadas naemcee° tha Bataglla delle Ideas,

Caesar era Cesar Seassaro, urn milanes chegado ao socialism°'graves do catolicismo, depots desaparecido tragicamente em

concretas, nas quais a sociedade adquire consciencia dasua existència e do seu desenvolvimento e pelas quaisexiste e se desenvolve.

Cada conquista da eivilizagao torna-se permanente,6 h istOria real e nao episOdio superficial e caduco quandose incarna numa instituigao e encontra uma forma noEstado. A ideia socialista permaneceu um mito, umaevanescente quimera, um mero arbitrio da fantasiaindividual, ate que nao se incarnou no movimento socia-lista e proletirio, nas instituigOes de defesa e ataquedo proletariado organizado. Nessas instituigOes e atra-y es delas tomou forma histOriea e progrediu; a partirdelas gerou o Estado socialista nacional, diaposto e

Flume, em Agosto de 1921. 0 artigo de Petri apontava escritosde Togliatti (uma recensao critica a Gentile, ON, n. 1) e de

Seassaro (L'Esercita Socialista, m• 4) que the tinham parecidocheterodoxos, em relacao a doutrina da extincão do Estado,vista que preconizavam um Estado e um poder socialistas. A pole-mica fol continuada por Petri (Comunfsmo Anarchico) no nemerode 28 de Julho e concluiu-se tom a replica de Togliatti (P. T.Per Chiudere uma Polom4ca) no &imam de 2 de Agosto.

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organizado de tal modo que a capaz de se engrenar cornos outros Estados socialistas, condicionado de tal modoque 6 capaz de viver e desenvolver-se sO quando adereaos outros Estados socialistas para realizar a Interna-cional Comunista na qual cada Estado, cads instituigiio

cada individuo encontrario a vida e a liberdade plenas.Neste sentido o comunismo nao 6 contra o «Estado),

pelo contrario, opeie-se implacavelmente aos inimigos doEstado, aos anarquistas e aos sindicalistas anitrquicos,renunciando a sua propaganda corn° utOpica e peri-

.

gosa para a revolugdo proletaria.Construiu-se urn esquerna pre-estabelecido segundo

qual o socialismo seria um arampolim) para a anar-

quia; este 6 urn preconceito estimido, uma arbitririahipoteca do futuro. Na dial6ctica das ideias, a anarquiacontinua o liberalism°, nao o socialismo; na dial6cticada histOria, a anarquia a expulsa do campo da realidadesocial em conjunto cam o liberalism°. Quanto math seindustrializa a produgdo dos bens materials e a concen-tragdo de capital corresponde uma concentragdo de

imprime a histOria o ritmo do progresso, quem determ inaavango seguro e incoercivel da civilizagão comunista,

nao sic/ os • X rap az elhos, , nao 6 o Lumpenproletariat,

nao sao os bohemiens, os diletantes, os rominticos cabe-ludos e freneticos, mas sim as massas profundas dosoperftrios de classe, as f6rreas batalhOes do proletariadoconsciente e disciplinado.

Toda a tradican liberal 6 contra o Estado.A literatura liberal representa uma polemics contra

Estado. A histaria politica do capitalism° caracteri-za-se por uma continua e furiosa luta entre o cidadito e

Estado. 0 Parlament° e o argio desta luta; e o Par-lamento tende por isso a absorver todas as fungOes doEstado, isto 6, a suprimi-lo, esvaziando-o de todo o po-der efectivo, vista que a legislagio popular 6 destinadaa libertar as entidades locals e os individuos da escravi-clio e controle do poder central.

Esta acgbio liberal reentra na actividade geral do ca-

pitalism° destinado a assegurar mais sOlidas e garanti-das condigOes de concorrencia. A concorrencia 6 a ini-

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massas trabalhadoras, menos aderentes tem a ideialiberthria. 0 movimento libertirio a ainda difuso ondecontinua a prevalecer o artesanato e o feudalism ° dasterras; nas cidades industrials e nos campos corn cul-tura agraria mecanica, os anarquistas tendem a desa-

parecer como rnovirnento politico, sobrevivendo apenascomo fermento ideal. Em tal sentido, a ideia libertfriaterh uma sua fungao ainda por urn certo tempo: elacontinuará a tradigao liberal porque impeth e realizouconquistas humanas que nao devem morrer corn o capi-talism°.

Hoje, na confusdo social determinada pela guerra,a ideia libertiria parece ter multiplicado o Minter° dosseus aderentes. Nao acreditamos que seja uma gleriada ideia. 0 fenOmeno 6 de regressäo; mas cidades con-fluiram elementos novos, sem cultura politica, nao trei-nados para a luta de classes na forma complexa que a

luta de classes assumiu corn a grande inditstria. A fra-seologia virulenta dos agitadores anfirquicos actua fa-cilmente sobre estas consciencias instintivas e prima-rias; mas nada de profundo e de permanente cria afraseologia pseudo-revolucionOria. E quern domina, quem

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miga mais acerrima do Estado. A pr6pria ideia da In-ternacional 6 de origem liberal; Marx assume-a da escolade Cobden e da propaganda pan a livre troca, mas cri-ticamente. Os liberais sào incapazes de realizar a paz ea Internacional porque a propriedade privada e national

gera cisOes, fronteiras, guerras, Estados nacionais emconflito permanente entre si.

0 Estado nacional 6 urn &OA) de concorrencia: desa-pareceri quando a concorrencia for suprimida e um novocostume econOmico se suscitar atravis das experienciasconcretas dos Estados socialistas.

A ditadura do proletariado a ainda um Estado nacio-nal e um Estado de classe. Mudaram-se os termos daconcorrencia e da luta de classes, mas a concorrencia ea classe subsistem. A ditadura do proletariado deve re-solver os mesmos problemas do Estado burguès: dedefesa externa e intern. Estas sic) as condicties reais

objectivas corn as quais devemos fazer as contas; pensaroperar coma se existisse ji a Internacional Comunista,

como se fosse jfi, sunerado o periodo da luta entre Esta-dos socialistas e Estados burgueses, da concorrenciaimpiedosa entre as economias nacionais comunistas e as

34 7

capitalistas, seria um erro desastroso pars a revolugaoproletfiria.A sociedade humane sofre urn processo rapidissimo

de decomposigao coordenado corn o processo de disso-lugao do Estado burgues. As condigiies reais objectivasera que se exerceth a ditadura proletaria sera° condi-goes de uma tremenda desordem de uma terrivel indis-ciplina. Torna-se necessfiria a organizagao de urn Esta-do socialista solidissimo que trave quanto antes a disso-lugão e a indisciplina, que restitua uma forma concretaao corpo social, que defends a revolugao das agressOesexternas e das rebeliOes internas. A ditadura do prole-

tariado deve assumir, pelas suas necessidades de vidae de desenvolvimento, um catheter acentuadamente mi-litar. Eis par que o problems do exercito socialists setorus num dos mais essenciais a resolver; e torna-se ur-gente, neste periodo pre-revolucionario, procurar des-truir as sedimentag8es de preconceito determinadas pelapassada propaganda socialista contra todas as formasde dom inio burgues.

dicties reais da producio possam impor, se um proleta-riado semelhante pode exercer a ditadura, liquidar a he-ranga malefica do capitalism° e da guerra e realizar aInternacional Comunista. E pela sus natureza, o Estadosocialists exige uma lealdade e uma disciplina diferen-tes e °pastasue exige o Estado burgués. Diferente-manta do Estado burgues, que é tanto mais forte, internae externamente, quanta menos os cidadaos controlam eseguem a actividade do poder, o Estado socialista exigea participagao activa e permanente dos camaradas parea vida das suas instituig5es. E necessfirio, alem disso,recordar que o Estado socialista é o meio para mudan-gas radicals, nao se muda de Estado corn a simplicidadecomo se muda de Govern. Um regresso as instituigOespassadas significath a morte colectiva, o desatar de umterror branco sem limites de sangue; nas condigOes cria-das pela guerra, a classe burguesa teria interesse emsuprimir corn as armas très quartos dos trabalhadorespara devolver a elasticidade ao mercado dos viveres erepor as condigties privilegiadas na luta pela vida abas-

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Devemos refazer, hoje, a educagao do proletariado,habituado a ideia de que para suprimir o Estado na In-ternacional a necessario um tipo de Estado idOneo paraconseguir este fim, de que para suprimir o militarism°pode ser necessirio urn novo tipo de exercito. lath signi-fica adestrar o proletariado para o exercicio da ditadura,para o autogovemo. As dificuldades a superar sera°muitas e o periodo em que se apresentarao vivas e peri-gosas nao se prove de breve duragao. Mas ainda que oEstado proletario devesse ter apenas urn dia de exis-téncia, devemos trabalhar para que ele encontre condi-gOes de existancia idOneas para o cumprimento da suafungao, a supressio da propriedade privada e das clas-ses.

0 prolelteriado percebe pouco da arte de governar ede dirigir; a burguesia opera, uma resistencia formic16.-vel, abaft& w traigoeira, violenta ou passiva, ao Estado

socialista. Z um proletariado educado politicamente,que nao se zabradone ao desespero e a desconfianga pe-los revezes possiveis e inevitaveis, que permanega fiel eteal ao see Bsitade., csao obstante os erros que a lguns in-dividuos pesszem eeeneter e os passos atria que as con-

tada a que se habituou. Nao se podem adraitir arrepen-dimentos de nenhuma especie, por nenhuma razito.

A partir de hoje, devemos formar-nos e formar estesentido de responsabilidade aguda e implacivel comoa espada de urn justiceiro. A revolugao é uma coisa gran-

de e tremenda, nao é um jogo de diletantes ou uma aven-tura romintica.

Vencido na luta de classes, o capitalismo deixaraum residuo impuro de fermentageies antiestatais ou quese afirmarao como tal, porque individuos e grupos que-reit) exonerar-se dos servigos e da disciplina indispen-siveis para o sucesso da revolugao.

Caro camarada Petri, trabalhamos para evitar qual-quer choque sanguinoso entre as fracgOes subversivas,para evitar ao Estado socialists a necessidade cruel deimpor corn a forga armada a disciplina e a fidelidade, desuprimir uma parte para salvar o corpo social da ruina e

da depravagao. D esenvolvendo a nossa actividade de cul-tura para demonstrar que a existencia do Estado socia-lista é um elo essential da cadeia de esforgos que o pro-letariado deve cumprir para a sua emancipagio, tra-balhamos para a sua liberdade.

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0 TRABALHO DE PROPAGANDA ( • )

Alguns camaradas de Turim e da provincia piemon-tesa (onde especialmente a nossa revista 6 conhecida)informam-nos que o trabalho de propaganda por elesdesenvolvido para a difusdo do Online Nuovo entre osoperfirios e camponeses ndo da aqueles resultados per-manentes que des desejariam, porque muitos camara-das acham que os artigos por nos publicados sio cdifi-ceis». Das conversas que travimos corn ester amigos do

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Online Nuovo, tirámos estas conclusOes:Psicologicamente, o periodo da propaganda elemen-

tar, chamada tevangelica2., esti superado. As ideias fun-damentais do comunismo foram assimiladas mesmo pe-los sectores mais atrasados da classe trabalhadora.incrivel quanto contribuiu para isso a guerra, a vida noquartel e a necessidade, em que se encontrou a hierar-quia militar, de desenvolver uma sisternitica e obses-siva propaganda anticomunista, difundindo e colandonos c6rebros mais refractizios os termos mais elemen-tares da poleznica das ideias entre capitalistas e prole-tirios. Os primeiros principios devem considerar-se en-tendidos: do aevangelho, a preciso passar a critica econstrucao. As experiincias comunistas da Ritssia e daHungria atraem irresistivelmente a atenao. Somos hvi-dos de noticias, de demonstracOes lOgicas (estamos pron-tos emstaremos a altura da nossa missio?, que

erros a possivel evitar?, etc.). de critics., de critics, decritica e de conceitos priticos experimentais. Mas aqui

(•) Nao assinado, L'Ordine Nuevo, 12-7-1919, seec to aCro -na c h o d e l l 'O r d ine N u ov o a . 0 t l tu l o 6 n o a s o .

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se revela a pobreza da cultura politica — no sentido de

experiencia «constitucional* — do povo italiano: o Par-lamento italiano foi sempre uma coisa morta; nunca emItalia se travaram grandes batalhas entre as instituigOespopulares do Estado (camara dos deputados, autarquiaslocais) e as instituigees representantes da Coroa ou dasclasses mais conservadoras (Senado, ordem judicial, po-der executive), como se verificaram em Inglaterra e naFranga.

Esta crise em que se debate o povo italiano, apa-nhado entre o ardente desejo de saber e a incapacidadede satisfaze-lo individualmente, deve ser e pode ser re-solvida. E pode ser e deve ser resolvida corn o metodo

que é prOprio da classe dos operhrios e dos camponeses,corn o metodo comunista, corn o metodo dos Sovietes. Aconquista das oito horas deixa uma margem de tempolivre que deve ser dedicado ao trabalho de culturaem comum. E necessario convencer os operarios eos camponeses de que a seu interesse submeterem-sea uma discipline de cultura permanente, terem uma

A CONQUISTA DO ESTADO ( •)

A concentragio capitalists, determinada pelo modo

de produgão, produz uma corresponde concentragio demassas trabalhadoras. Neste facto se deve procurar aorigem de todas as teses revolucionexias do marxismo,se devem procurar as condigees do novo costume proleta-rio, da nova ordem comunista destinada a substituir 0costumes burgues, a desordem capitalists gerada pelalivre concorrencia e pela luta de classes.

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concepflo do mundo, do complexo e intrincado sistemade relagdes humanas, econdmicas e espirituais, queuma forma a vida social do Globo. Estes sovietes de cul-tura proletäria deveriam ser promovidos junto dos cir-culos e dos centros juvenis, dos amigos do Ordine Nuevo,

tornando-se fogo de propaganda comunista concreta erealizadora: ali se deveriam estudar os problemas locaise regionais, recolher elementos para compilar estatisti-cas sobre a produgdo agricola e industrial, para conhe-cer as necessidades urgentes, para conhecer a psicolo-gia dos pequenos proprietarios, etc., etc. (1).

Procurem os camaradas reflectir sobre estas conside-racOes: a revolugdo tem necessidade, para e'en do he-roismo generoso, tambem e especialmente de tenaz, mi-nucioso, perseverante trabalho.

P) A proposta de Gramscl tern reallzaedo no Outono de 1919(e em 1920) corn os cumos da vescola de cultura e propagandasocialists, que obterao, a partir de Dezembro daquele ano, oconcurso de redactores e colaboradores do Ordine Nuevo. Cf. ovol. II da presente edIglo, vCultura e Propaganda Socialists,.

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Na esfera da actividade geral capitalista, tambem otrabalhador opera no plano da livre concorrência, é urnindividuo-cidadio. Mas as condigOes de partida pars a

luta net) ski iguais para todos, ao mesmo tempo: a exis-

tencia da propriedade privada pee a minoria social em

condigOes de privilegio, torna a luta desigual. 0 traba-lhador esti igualmente exposto aos riscos mais perigo-sos: a sua prOpria vida elementar, a sua cultura, a vida

o futuro da sua familia estäo expostos as variagOesbruscas do mercado de trabalho. 0 principio associa-tivo e de solidariedade torna-se essencial para a classetrabalhadora, muda a psicologia e os costumes dos ope-tidos e camponeses. Surgem instituigOes e Orgios nos

quais se incarna este principio; corn base neles, inicia-seprocesso de desenvolvimento histOrico que conduz ao

comunisrno dos meios de produgio e vends.0 espirito associativo pode e deve ser assumido como

facto essencial da revolugio proletiria. Na linha destatendencia histOrica, apareceram e desenvolverarn-se, no

(•) Nao aseinado, L'Ordine Nuovo, 12-7-1919.

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periodo que nos precede (que podemos chamar period()

da I e da II Internacional ou periodo de recrutamento),os partidos socialistas e os sindicatos profissionais.

0 desenvolvimento destas instituicOes proletirias ede todo o movimento proletOrio em geral nao foi, podem,autOnomo, nao obedecia a leis prOprias imanentes navida e na experi6ncia histOrica da classe trabalhadoraoprimida. As leis da histOria cram ditadas pela classeproletiria organizada no Estado. 0 Estado foi sempre oprotagonista da histOria, porque centraliza nos seasOrgdos a potencia da classe propriethria; a classe pro-prietfiria disciplina-se no Estado e unifica-se acima dasdissidencias e dos choques da concorrencia para manter

intacta a condigão de privilegio na fase suprema da pro-pria concorrencia: a luta de classes pelo poder, pelaprimazia na direccao e na disciplina da sociedade.

0 movimento prolethrio foi, neste periodo, apenasuma fungdo da livre concorrencia capitalista. As ins-tituicOes proletirias tiveram que assumir uma forma,nao por lei interna mas por lei externa, sob a pressio for-midável de acontecimentos e coereeies dependentes da

Daqui derivam os erros da corrente sindicalista quenao conseguiu substituir o Partido Socialists na fungi°de educar, para a revoluglio, a classe trabalhadora. Osoperirios e os camponeses sentiam que, sempre que aclasse proprietiria e o Estado democritico-parlamentarditam as leis da histOria, cada tentativa de evasão daesfera destas leis 6 fbtil e ridicula. E certo que na con-figuragao geral assumida pela sociedade com a produ-cito industrial, cads, homem pode participar activamentena vida e modificar o ambiente apenas quando operacomo individuo-cidadao, membro do Estado democritico--parlamentar. A experiéncia liberal nao a va e s6 podeser superada depois de to-la praticado. 0 apoliticismo

dos apoliticos foi apenas uma degeneragio da politica:negar e combater o Estado 6 facto tic) politico como ainsercio na actividade geral histOrica que se unificano Parlamento e nos municipios, instituicOes popularesdo Estado. A qualidade do facto politico varia; os sin-dicalistas trabalhavam fora da realidade e a sua politicaera, portanto, fundamentalmente errada; os socialistasparlamentaristas trabalhavam no intimo das coisas, pa-

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concorrencia capitalista. Neste facto tiveram origem osconflitos intimos, os desvios, as indecisOes e os compro-missos que caracterizam o period() de vida do mov imentoproletirio anterior ao actual e que culminsram na ban-

carrota da II Internacional.Algumas correntes do movimento socialista e prole-taxi° tinham posto explicitamente como condigäo essen-tial da revolugdo a organizacélo °per-Aria por empregose sobre esta base fundamentavam a sua propaganda ea sua accio. Por um moment°, o movimento sindicalistapareceu ser o verdadeiro interprete do marxismo, ver-dadeiro interprete da verdade.

0 erro do sindicalismo consiste em assumir corny)facto permanente, como forma perene do associativismo,o sindicato profissional na forma e corn as fung6esactuais, que sic) impostas e nao propostas e, portanto,trio podem ter uma linha constante e previsivel de de-senvolvimento. 0 sindicalismo, que se apresentou comoiniciador de uma tradigdo liberalista fespontaneista),foi, na verdade, um dos muitos disfarces do espirito ja-cobino e abstracto.

diam errar (cometeram ate muitos e pesados erros) masnao erraram no sentido da sua accio e por isso triunfa-ram na cconcorrenciao; as grandes massas, aquelas quecorn a sua intervencdo modificam objectivamente as re-

lagOes sociais, organizaram-sea volts, do Partido Socia-lista. Ndo obstante todos os erros e as faltas, o Partidosaiu-se bem, em Ultima analise, na sua missao: trans-formar era qualquer coisa o proletário, que primeiro naoera nada, dar-lhe uma consci6ncia, dar ao movimento delibertagão urn sentido rectilineo e vital que correspondia,nas suas linhas gerais, ao processo de desenvolvimentoda sociedade humana.

O erro mais grave do movimento socialista foi seme-lhante ao dos sindicalistas. Participando na actividadegeral da sociedade humans, no Estado, os socialistas es-queceram-se que a sua posicio devia ser essencialmentecritica, de antitese. Deixaram-se absorver pela reali-dade, nao a dominaram.

Os comunistas marxistas devem caracterizar-se poruma psicologia a que podemos chamar emaiétrticn.A sua fungi° a° 6 de abandono do curso dos

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acontecimentos determinados pelas leis da concor-rencia burguesa mas de expectativa critica. A his-tOria é um continuo evoluir, é portanto essencial-mente imprevisivel. Mas isto nao significa que Itudosseja imprevisivel no processo da histOria, isto e,que a histOria seja dominio do arbitrio e do caprichoirresponsevel. A histOria 6, em conjunto, liberdade enecessidade. As instituigOes, em cujo desenvolvimento

em cuja actividade a histOria se incarna, aparecerammantem-se porque tern uma fungao e uma missao a

realizar. Apareceram e desenvolveram-se determinadascondigOes objectivas de produgao dos bens materiais e

de consciancia espiritual dos homens. Se mudarem estascondigOes objectivas, que pela sua natureza mecanicasao comensuraveis quase matematicamente, muda tarn-bem o conjunto de relagOes que regulam e informam asociedade humana, muda o grau de consciencia dos ho-mens; transforma-se a configuragao social, empobre-cem-se as instituigOes tradicionais, nao sao adequadassua fungao, tornam-se embaragantes e mortals. Se no

Desta errada concepgao do evoluir, da velha pre:tica do compromisso e da tactics «cretinamente) parla-mentar, nasce a fOrmula modern da «conquista do Es-tado,.

Estamos persuadidos, depois das experiOncias revo-lucionerias da Russia, da Hungria e da Alemanha, que oEstado socialista nao pode incarnar-se nas instituigOesdo Estado capitalists, mas 6 uma criagao fundamen-talmente nova em relagao a estas, se o nao 6 em relagaoa histOria do proletariado. As instituigOes do Estadocapitalista sao organizadas corn o fin da livre concor-rencia; nao baste mudar o pessoal para enderegar nou-

tro sentido a sua actividade. 0 Estado socialista nao 6ainda o comunismo, into 6, a instauragao de uma pre--tea e de um costume econOmico de solidariedade, mas6 o Estado de transigao que tem a fungi() de suprimir aconcorrencia corn a supressao da propriedade privada,das classes, das economias nacionais. Esta fungao naopode ser actuada pela democracia parlamentar. A for-mula «conquista do Estado) deve ser entendida neste

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evoluir da histOria a inteligencia fosse incapaz de colherurn ritmo, de estabelecer urn processo, a vida da civiliza-gao seria impossivel. 0 ganio politico reconhece-se, defacto, por esta capacidade de apoderar-se do maior wa-rner° possivel de termo s concretos necessarios e suficien-tes para fixar um processo de desenvolvimento e, por-tanto, pela capacidade de antecipar o futuro prOximo eremoto, para assentar na linha desta intuigao a activi-dade dum Estado, arriscando a sorte dum povo. Nestesentido, Karl Marx foi de longe o maior dos genios poli-ticos contemporaneos.

Os socialistas aceitaram, muitas vezes supinamente,a realidade histerica, produto da iniciativa capitalista;cairam no erro da psicologia dos economistas liberals,acreditando na perenidade das instituigEies do Estado de-mocratic°, na sua fundamental perfeigao. Segundo eles,a forma das instituigOes democriticas pode ser corri-

gida, retocada aqui e all, mas deve ser respeitada funda-mentalmente. Urn exemnlo desta psicologia estritarnentevaidosa a dado pelo juizo de Fili pp o Turati, segundo oqual o Parlamento este. para o Soviete como a cidadepara a horda bfirbara.

sentido: criagao de um novo tipo de Estado, gerado pelaexperiencia associativa da classe proleteria, em subs-

tituigio do Estado democritico-parlamentar.E aqui voltamos ao ponto de partida. Dissemos que

as instituigOes do movimento socialista e proletirio doperiodo precendente ao actual nao se desenvolveram au-tonomamente, mas como resultado da configuragio geralda sociedade humana dominada pelas leis soberanas docapitalismo. A guerra virou a situagio estrategica daluta de classes. Os capitalistas perderam a primazia; asua liberdade limitou-se; o seu poder foi anulado. Aconcentragao capitalista alcangou o Maximo desenvol-vimento consentido, realizando o monopOlio mundial daproducao e venda. A correspondente coneentragao dasmassas trabalhadoras deu tun poder inaudito a classeproletiria revolucionfiria.

As instituigaes tradicionais do movimento tornaram-

-se incapazes de conter tanta actividade de vida revolu-cioneria. A sua pr6pria forma 6 inadequada a disciplinadas foreas inseridas no processo histerico consciente.Estas nao esti° mortas. Nascidas em fungao da livreconcorrencia, devem continuar a subsistir ate a supres-

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sit° de todos os residuos da concorthncia, ate a completasupressao das classes e dos partidos, ate a fusao das di-taduras proletarias nacionais na Internacional Comu-nista. Mas ao lado destas devem surgir e desenvolver-seinstituigdes de tipo novo, de tipo estatal, que substitui-tho as instituiedes privadas e pablicas do Estado demo-critico-parlamentar, instituigdes que substituam a pes-soa do capitalista nas fungi:3es adm inistrativas e no poderindustrial e realizem a autonomia do produtor na fa-brica; instituigdes capazes de assumir o poder directivode todas as fungdes inerentes ao complexo sistema derelagdes de produgao e venda que ligam as secedes deuma fabrics entre si (constituindo a unidade economicselementar), que ligam as varias actividades da indastriaagricola e que, atraves de pianos horizontais e verticals,devem constituir o harmonioso edificio da economia na-cional e internacional, liberto da tirania estorvadora eparasitaria dos proprietazios privados.

Nunca o impulso e o entusiasmo revolucionirios ti-nham sido mais sentidos pelo proletariado da Europa

periöncia alemit e austriaca deve ensinar alguma coisa.As forgas do Estado democrático e da classe capitalistasilo ainda imensas; nao a necessirio dissimular que ocapitalismo se rege especialmente por obra dos seusdelactores e dos seus lacaios e asemente de tal raga naodesapareceu decerto.

A criagio do Estado proletario nao 6, em suma, urnacto taumatürgico, 6 um modo de fazer, urn processo dedesenvolvimento. Pressupde um trabalho preparatOriode sistematizagio e de propaganda. E preciso dar maiordesenvolvimento e maiores poderes as instituig5es pro-letirias de fibrins ja existentes, fazer surgir outras se-

melhantes nas aldeias, conseguir que os homens que ascomp5em sejam comunistas conscientes da missao revo-lucionitria que a instituigao deve cumprir. Caso contra-rio, todo o nosso entusiasmo, toda a f6 das massas tra-balhadoras nao conseguira impedir que a revolugio setransforms miseravelmente num novo Parlamento dealdrabdes, de petulantes e hresponsaveis, obrigando anovos e mais dificeis sacrificios para o advento do Es-

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C

ocidental. Mas parece-nos que a consciéncia lacida eexacta da finalidade nao acompanhada pela consci6nciaigualmente lficida e exacta dos meios id6neos, no mo-ment° actual, para alcangar aquela finalidade. Radicou-

-se nas massas a conviccio de que o Estado proletfirioincarnado por um sistema de conselhos de operirios,camponeses e soldados. NE° se formou ainda uma con-cepgao tactica que assegure objectivamente a criagaodeste Estado. Por isso a necessario criar, a partir destemomento, uma rede de instituicdes proletarias, radi-cadas na consciéncia das grandes massas, seguras dadisciplina e da fidelidade permanentes das grandes mas-sas, pelas quaffs a classe dos operarios e dos camponeses,na sua totalidade, assuma uma forma rica de dinamismoe de possibilidade de desenvolvimento. E certo que sese verificasse hoje, nas condigdes actuais de organizacao

proletária, um movimento de massas com catheter revo-lucionirio, os resultados consolidar-se-iam numa puracorrecgao formal do Estado democratic°, resolver-se-iamnum aumento de poder dasamara dos deputados (atra-yes duma assembleia constituinte) e na chegada aopoder dos socialistas trapalhOes anticomunistas. A ex-

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tado dos proletirios.

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