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O governo de Pedro Gondim e o Teatro do poder na Paraíba: Imprensa, imaginário e representações (1958-65). Dissertação de mestrado de Railane Martins de Araújo

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  • Universidade Federal da Paraba Centro de Cincias Humanas Letras e Artes (CCHLA)

    Programa de Ps-Graduao em Histria

    O governo de Pedro Gondim e o Teatro do poder na Paraba:

    Imprensa, imaginrio e representaes (1958-65).

    Railane Martins de Arajo

    JOO PESSOA - PARABA FEVEREIRO 2009

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    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) Biblioteca Central - Campus I - Universidade Federal da Paraba

    A663g Arajo, Railane Martins de. O governo de Pedro Gondim e o Teatro do poder na

    Paraba: imprensa, imaginrio e representaes (1958-65) / Railane Martins de Arajo.- Joo Pessoa, 2009.

    139p. Orientadora: Monique Guimares Cittadino Dissertao (Mestrado) UFPB/CCHLA

    1.Histria da Paraba. 2. Gondim, Pedro governo 1958-1965. 3. Cultura Poltica. 4. Histria Poltica. 5. Prticas populistas. 6. Teatralizao do poder.

    UFPB/BC CDU: 32(043)

  • 3

    O governo de Pedro Gondim e o Teatro do poder na Paraba:

    Imprensa, imaginrio e representaes (1958-65).

    RAILANE MARTINS DE ARAJO

    ORIENTADORA: Profa. Dra. Monique Guimares Cittadino

    rea de Concentrao: Histria e Cultura Histrica Linha de Pesquisa: Histria Regional

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao, do Centro de

    Cincias Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal da Paraba -

    UFPB, em cumprimento s exigncias para obteno do ttulo de Mestre em

    Histria, rea de Concentrao em Histria e Cultura Histrica.

    JOO PESSOA - PARABA FEVEREIRO 2009

  • 4

    O governo de Pedro Gondim e o Teatro do poder na Paraba:

    Imprensa, imaginrio e representaes (1958-65).

    Avaliado em _______________ com conceito_____________

    Banca Examinadora da DISSERTAO DE MESTRADO

    ______________________________________________________ Profa. Dra. Monique Guimares Cittadino (UFPB)

    Orientadora

    Prof. Dr. Paulo Giovani Antonino Nunes (UFPB) Examinador

    ______________________________________________________ Prof. Dr. Gervcio Batista Aranha (UFCG)

    Examinador

    Prof. Dr. Elio Chaves Flores (UFPB) Suplente

    ______________________________________________________ Profa. Dra. Maria Lucinete Fortunato (UFCG)

    Suplente

  • 5

    Dedicatria

    Dedico este trabalho:

    Aos meus pais, especialmente a minha me, que sempre me auxiliou com seu amor e cuidado.

    Aos meus irmos, com os quais compartilho a vitria de estar concluindo

    mais esta etapa da minha vida profissional.

    A Diego, com quem escolhi dividir todos os momentos de minha vida!

  • 6

    Agradecimentos

    Chegamos ao final de mais uma jornada de nossa vida e neste momento a sensao de

    vitria. E como serva de um Deus vivo eu no poderia deixar de dedicar a Ele as primcias

    dos meus agradecimentos, porque foi graas a Sua misericrdia que eu encontrei foras para

    prosseguir; foi no Seu infinito amor que encontrei consolo nos momentos de angstia, e

    graas aos Seus milagres eu pude chegar at aqui! Por isso a Ele eu rendo a minha vida em

    forma de gratido e de louvor.

    Aps agradecer ao principal responsvel pela concluso deste mestrado, gostaria de

    reconhecer afetuosamente a contribuio de todos que participaram do amadurecimento e

    concluso deste trabalho.

    Primeiramente, a minha querida orientadora Monique, pelos momentos de correo e

    cobrana, que creiam, no foram poucos, mas essenciais para o desenvolvimento da minha

    escrita. Muito Obrigada Monique, no pela pacincia na orientao (porque como voc

    mesma sempre afirma, esta no uma de suas caractersticas), mas sim pela inquestionvel

    competncia com a qual conduziu nossa relao e nosso trabalho, muitas vezes apostando em

    mim, mais do que eu mesma.

    Aos professores Paulo Giovani e Gervcio que aceitaram fazer parte de nossa banca,

    meus sinceros agradecimentos. A Paulo Giovani agradeo especialmente porque, pela

    proximidade institucional e pela generosidade humana, se envolveu to sensivelmente com

    minhas inquietaes, sempre me apresentando possibilidades de amadurecimento e

    aprofundamento das questes empricas.

    Aos demais professores do Programa, principalmente queles com os quais cursei

    disciplinas; Cladia Cury, nossa coordenadora, Carla Mary, Elio Flores, Regina Behar,

    Regina Clia, Antnio Carlos, Raimundo Barroso, pois no dilogo com os textos, bem como

    diante de alguns questionamentos propostos nos foi possvel suscitar questes e ampliar

    horizontes tericos.

    A nossa querida secretria Virgnia, a qual sempre esteve prontamente disponvel para

    dissipar nossas dvidas e resolver as questes burocrticas de sua competncia.

  • 7

    A minha amiga Giulianne, companheira de aventuras e desventuras, como eu sempre

    digo, pelo compartilhar de cada descoberta, pelas dvidas postas que sempre me ajudavam a

    refletir sobre meus objetivos e minhas incurses tericas e pelas imensas gargalhadas que

    demos de tudo e de ns mesmas. E ao lado de Giulianne, no poderia deixar de estar meu ex-

    orientador, mas sempre amigo e companheiro, Jnior Flr, pela preocupao e pela solicitude

    em ajudar no que podia, sobretudo nas palavras mgicas de nimo e encorajamento, desde o

    primeiro momento de insero nessa jornada. Veleu mestre!

    Aos meus colegas de turma, Adeilma, Adriana, Aninha, Andr, Clia, Ediene, Eloy,

    Genes, Herick, Luciana, que souberam, cada um ao seu modo, compartilhar as angstias e as

    expectativas deste trabalho.

    A todos os irmos da Igreja Crist Maranata que estiveram acompanhando, apoiando e

    ajudando, durante todas as fases deste mestrado. E gostaria de pedir licena a estes para

    agradecer especialmente as minhas amigas Andreza, Adriana e Polyana com as quais

    compartilhei provas e vitrias e das quais recebi incentivo, apoio e, sobretudo, oraes.

    A Capes pela bolsa de estudo nos doze ltimos meses desta pesquisa.

    Aos funcionrios do Instituto Histrico, do Arquivo Pblico e do Dirio da Borborema,

    pela gentileza em facilitar o acesso e a coleta do material necessrio pesquisa, bem como a

    Fbio da Rocha pela possibilidade da pesquisa na Biblioteca Maurlio de Almeida.

  • 8

    RESUMO

    O presente trabalho tem como objeto o Governo de Pedro Gondim na Paraba, o qual se desenrolou entre os anos de 1958 a 1965. O tema, por envolver um governo paraibano, se insere na linha de pesquisa Histria Regional, do Programa de Ps-Graduao em Histria da UFPB, que tem como rea de concentrao Histria e Cultura Histrica. Sendo assim, o nosso objetivo , dentro das novas implicaes da histria poltica, sobretudo a partir da categoria de cultura poltica, perceber como foram montadas, em meio a esse intervalo de tempo, as diversas imagens para caracterizar este lder. Tomamos como fonte principal o Jornal estatal A Unio. A escolha por esse objeto partiu de sua localizao temporal e de sua aproximao com as prticas populistas, as quais davam o tom da poltica nacional no perodo. Ademais, a dcada de 1960 atravessou momentos de crise poltico-social, as quais sinalizam para ns como um cenrio propcio a percepo do teatro do poder. Desse modo, nos apropriamos dos conceitos de Teatralizao do Poder, a partir de Cliffort Geertz e Georges Balandier, bem como da idia de Imaginrio, presente em George Duby, e do Poder Simblico com Pierre Bourdieu. Aparece tambm com freqncia em nosso texto as recorrncias a Representao, a partir de Roger Chartier, com a Mitologia poltica de Raoul Girardet. Nos trs captulos discorremos sobre as representaes e enunciados construdos em torno da figura de Pedro Gondim, e como estes, apoiados em elementos da cultura histrica paraibana, transpareciam o controle do Estado sobre o cotidiano da poltica local, alm de massificar uma idia de que a razo de todas as aes do Governador era o bem estar do povo paraibano, bem como das instituies e da democracia. Palavras-chave: Histria da Paraba, Pedro Gondim, cultura poltica, prticas populistas, teatralizao do poder.

  • 9

    ABSTRACT This work examines the period in which Pedro Gondim was governor of Paraba, from 1958 to 1965. The theme e comes, therefore, the line of research Regional History of the Graduate Program in History of UFPB. This program is dedicated especially to the area of History and History Culture. Therefore, our study (that is political history and is linked to political culture), seeks to understand how the various images were assembled to characterize this political leader. The main source of research is the state newspaper The Union. The period Pedro Gondim matches with the populist practices at the national level, our goal is to see how those practices occurred at the level of Paraba. Moreover, the 1960 through times of political and social crisis, which indicate a scenario conducive to the perception of the theater of power. We appropriate of concepts of dramatization of Power (Cliffort Geertz and George Balandier), the idea of Imaginary (George Duby) and Symbolic Power (Pierre Bourdieu). We, too, appropriate the concept of representation (Roger Chartier) and mythology politics (Raoul Girardet). In three chapters talk about the representations and listed built around the figure of Pedro Gondim, and as such, supported by elements of the historic culture of Paraba, reflected the states control over the daily life of local politics. Besides, a massive idea that the reason for all actions of the Governor was the welfare of the people of Paraba and the institutions and democracy. Keywords: History of Paraba, Pedro Gondim, political culture, practices populist, dramatizations of power.

  • 10

    Introduo

    O que faz um poltico ser espiritual no , afinal, sua posio fora da ordem social, em algum transe

    de auto-admirao, e sim um envolvimento ntimo e profundo que confirme ou deteste, que seja defensivo ou

    destrutivo com as fices mais importantes que tornam possvel a sobrevivncia desta ordem.

    (Clifford Geertz)

    Ao propormos, nesta dissertao, uma discusso sobre a histria poltica paraibana, em

    especial os desdobramentos do Governo de Pedro Moreno Gondim entre os anos de 1958 a

    1965, estamos entendendo o trabalho com o poder poltico, a partir das novas implicaes

    postas pela renovao dos temas, abordagens e dimenses do campo historiogrfico. Neste

    sentido, a escolha do objeto para a discusso partiu da nsia de perceber como as tramas

    polticas dos anos Jnio/Jango e o Golpe Militar repercutiram nas dimenses polticas locais.

    A partir dessa inquietao inicial fomos tecendo os primeiros contatos com os anos da

    administrao de Gondim.

    No entanto, no processo de amadurecimento do objeto em questo, foi-nos sugerido

    analisar a trajetria governista de Gondim desde a interinidade, entre 1958-60, quando ele

    ocupou o cargo substituindo o ento Governador Flvio Ribeiro Coutinho, visto que estes

    primeiros anos no poder do Estado foram fundamentais para traar seu perfil enquanto

    homem pblico. Desse modo, o nosso recorte temporal passou a abarcar os quase oito anos

    nos quais Pedro Gondim esteve no poder no Estado.

    A nossa anlise sobre este governo objetivava perceber, como j dissemos, as tramas

    polticas montadas na Paraba durante estes conturbados anos, e quais falas e posturas foram

    assumidas pelo Estado em resposta as demandas locais, sobretudo no contexto de ascenso do

    movimento agrrio conhecido como Ligas Camponesas. No entanto, nossa maior inquietao

    era perceber essas questes em consonncia com uma idia que, a priori, parecia bastante

    pessoal, de que o poder de um indivduo para ser legtimo e autorizado precisa atender certas

    demandas imaginrias e simblicas da sociedade. Tais demandas no podem necessariamente

    serem explicadas pela razo, ou pela lgica dos fatores poltico-sociais, mas ao contrrio, se

    enquadram no universo das paixes e das sensibilidades, no universo do simblico, do mtico.

    O universo que no nos parecia averso ao poltico, mas sim, parte constituinte deste, sendo

    um dos fatores responsveis pelo esplendor e eficincia da poltica. Essa inquietao pessoal

    tornou-se acadmica em contato com os autores que trabalham justamente a construo do

    simbolismo em torno da poltica para justificar a sua relao com a sociedade.

  • 11

    Sendo assim, para nos achegarmos s respostas pretendidas, lanamos mo de leituras

    sobre nova histria poltica, bem como do conceito de teatralizao do poder, alm dos

    conceitos caros histria cultural, como imaginrio, representao e smbolo. Acreditamos

    ser necessria uma breve contextualizao da possibilidade aberta pela recente historiografia

    para o uso de tais conceitos e de uma proposta de trabalho que busque uma leitura do poder a

    partir da idia de encenao.

    A disciplina histrica sofreu uma renovao nas primeiras dcadas do sculo XX com a

    ascenso da chamada nova histria e o estabelecimento de um dilogo profcuo entre os

    historiadores e outros cientistas sociais, sobretudo, os antroplogos, os socilogos e os

    lingistas 1. Desse modo, a histria poltica, tal como a percebemos neste trabalho, est

    imbricada de uma nova prtica histrica que incorpora a ampliao das fontes, dos temas e

    dos dilogos postos atualmente para o campo do conhecimento histrico. Segundo Ren

    Rmond (2003, p. 26), alm do dilogo com outras cincias, a nova histria poltica

    incorporou um intenso contato com o universo do cultural, do qual emerge o desejo de

    compreender os mltiplos poderes presentes no corpo social a partir do universo simblico e

    representativo que o acompanham. Sendo assim, juntamente com o conceito de representao

    e de imaginrio, as mitologias, os discursos, a cultura histrica e a cultura poltica passam a

    ter valor preponderante nos trabalhos envolvendo o estudo do poder, especialmente o do

    poder poltico. Concordamos assim com Rmond quando ele afirma que: a virada da sorte

    da histria poltica foi composta pela emergncia desses novos campos e abordagens. Vale

    ressaltar que nosso olhar sobre essa dita renovao da histria poltica, se limita aos

    desdobramentos da historiografia francesa, bem como a influncia que esta desempenha sobre

    a escrita historiogrfica nacional.

    No entanto, lanando um olhar sobre a antropologia norte-americana, Clifford Geertz

    (1998), nos aponta uma considerao extremamente pertinente para nosso debate. O autor

    afirma que o sculo XIX, por ter mergulhado nos paradigmas modernos de racionalidade,

    acabou por engessar as relaes presentes no universo do poder poltico em uma estrutura

    desprovida de emoo. Porm, Geertz considera que o poder ainda hoje, tal como nas

    sociedades monrquicas, embevecido pelos valores mticos, pelo simbolismo e pelo fausto,

    elementos que juntos do vida ao espetculo da poltica. Geertz (1998, p. 215) afirma que:

    (...) O extraordinrio no deixou a poltica moderna, por mais que a banalidade nela tenha

    entrado; o poder ainda inebria, mas tambm ainda dignifica. Para o autor, as monarquias

    1 Para uma mais profunda histocizao dos caminhos trilhados pela histria poltica desde o sculo XIX aos nossos dias ver: ARANHA, 2001, p. 38-42.

  • 12

    desapareceram, mas no desapareceu a capacidade de se produzir, na poltica, espetculos

    que exaltem ou desafiem o centro. ( p. 216).

    A crtica racionalidade moderna apontada por Geertz nos serve de apoio para a

    compreenso da chamada virada de sorte que Rmond classificou anteriormente para

    definir as mudanas presentes na histria poltica atual. Isso porque, a noo de poder poltico

    matria prima da histria poltica passou a sofrer deslocamentos de interpretao. As

    novas leituras sobre o poder, bem como sobre o espao a ele delimitado, passaram a ser

    pensadas no mais nos limites das esferas institucionais, focados apenas nos atos dos

    afamados grandes homens, mas, ao contrrio, passaram a ser vistas como resultado de uma

    relao dinmica entre os polticos e os diferentes elementos e grupos que compe o corpo

    social 2. Ou mesmo, quando se foca o olhar na figura dos lderes estatais, monarcas ou

    republicanos, como o caso deste trabalho, a perspectiva perceber os caminhos trilhados

    pela construo de uma imagem de liderana, os elementos da cultura e do imaginrio do

    grupo em questo, presentes na elaborao de tal imagem de poder. Nesse sentido, os

    historiadores passam a atentar para as tramas que envolvem o establishment do poder

    poltico, nas mais diferentes e complexas sociedades, ou conjunturas polticas, sobretudo, no

    tocante aos elementos simblicos que legitimam o poder nas mos de determinados sujeitos,

    famlias ou partidos.

    Gervcio Batista Aranha (2001, p. 139), por exemplo, aponta o contraponto entre a

    perspectiva dos eruditos do sculo XIX e dos historiadores do poltico na contemporaneidade,

    em que os primeiros buscavam com sua escrita sobre a histria poltica a preparao de

    monumentais histrias de reinos ou dinastias, retratando as realizaes que julgavam

    gloriosas por parte de seus monarcas..., enquanto os segundos, no tocante s suas

    motivaes e argies sobre os objetos que exploram, buscam (...) o estudo do comportamento dos atores sociais responsveis pelas aes polticas e sua representao imaginria, em particular no tocante fabricao dos chamados smbolos do poder e dos meios que recorrem para que tais aes ou smbolos sejam aceitos favoravelmente, sem contestaes. Da a preocupao do novo historiador poltico em desvendar mitos, ritos e smbolos que a sociedade resgata e a poltica coloca em ao... 3

    2 Segundo Jos de Assuno Barros (2005, p. 1-2) a nova histria poltica, principalmente nos seus desdobramentos a partir dos anos 1980, passou a se interessar pelas diversas modalidades e esferas do poder, os chamados micropoderes, as relaes de poder no interior da famlia, o relacionamento dentro dos grupos, bem como o campo das representaes polticas, dos smbolos, dos mitos polticos, do teatro do poder, os quais nos interessam diretamente em nossa pesquisa, alm do universo das construes discursivas. 3 Os grifos da citao correspondem as palavras de M Eurydice de Barros Ribeiro, 1994, p. 100 evocadas pelo autor.

  • 13

    Dito isto, passemos a uma breve elucidao dos termos recorrentes na escrita dos

    historiadores do poltico na contemporaneidade e que aparecero com significativa

    recorrncia no decorrer deste texto. No raro aparecem nos textos de histria poltica os

    conceitos advindos da Histria Cultural, como imaginrio, representao e simbologia. Alm

    da categoria cultura poltica e dos temas envolvendo a teatralizao do poder, os quais se

    aproximam mais do contato entre a histria poltica e a Antropologia. Desse modo,

    entendemos por imaginrio, tal como Sandra J. Pesavento (2003, p.43), um sistema de idias

    e imagens de representao coletiva que os homens, em todas as pocas, construram para si,

    dando sentido ao mundo . Para Jacques Le Goff (1994, p. 11-12) o imaginrio um:

    fenmeno coletivo, social e histrico.

    Segundo Jos de Assuno Barros (2005, p. 138), o imaginrio pode ser entendido se

    relacionado com as imagens mentais de um indivduo, mas, sobretudo, de uma sociedade,

    pois atravs destas imagens mentais a sociedade forja seu sentido para compreender a

    realidade que os circunda. O universo do imaginrio composto assim, por imagens,

    smbolos, mitos e vises de mundo e se relaciona diretamente com as questes sociais e

    polticas de uma poca.

    Como exemplo de tal afirmativa, Barros (2005) toma a Europa medieval, sobretudo a

    crena no toque real. O autor destaca que a existncia de um imaginrio tpico do perodo,

    imbudo das crenas religiosas e mticas prprias da poca, privilegiaram a construo deste

    simbolismo em torno do rei. Ou seja, os cdigos culturais, os simbolismos e mitos da

    sociedade inglesa e francesa, foi o que tornou possvel a montagem de uma representao em

    torno de um rei possuidor de um dom de cura sobre doenas desconhecidas, o qual lhe foi

    outorgado pelo sagrado, e que se materializava apenas com um toque. Desse modo, Barros,

    tomando como esteio de anlise a obra de Marc Bloch, os Reis Taumaturgos 4, publicada em

    1924, afirma que Um exemplo pioneiro de conexo entre a Histria Poltica e a Histria do Imaginrio, que remonta terceira dcada do sculo XX, a famosa obra em que Marc Bloch estuda Os reis taumaturgos. O que Bloch est examinando neste caso a persistncia de um determinado imaginrio rgio, de uma determinada crena popular em um aspecto muito especfico e delineado que seria a capacidade dos reis franceses e ingleses de duas dinastias medievais curarem com um simples toque as escrfulas (sintomas visveis de doenas pouco conhecidas na poca). Marc Bloch decifra precisamente a imagem do rei taumaturgo e a sua apropriao poltica, investigando rituais e simbologias que com ela estariam relacionados. No portanto um modo genrico de sentir o que ele busca rastrear, o que caracterizaria uma obra mais como uma Histria das Mentalidades do que como uma Histria do Imaginrio, mas sim a histria de uma crena muito bem delineada e atrelada ao

    4 Gervcio Batista Aranha em sua tese discorre brevemente sobre o imaginrio medieval, tendo tambm por base, a obra de Bloch. (Ver ARANHA, 2001, p.38-41).

  • 14

    universo poltico e social de sua poca, com base em um imaginrio que tem uma histria a ser decifrada e que foi se entranhando na maneira medieval de conceber uma realeza que dialoga com a sacralidade. (BARROS, 2005, p. 138-9).

    Seguindo a trilha de anlise aberta por Barros, tomamos tambm a definio de George

    Duby sobre o imaginrio. O autor, no prefcio de A histria Continua (1993), explica o uso

    que props acerca do termo imaginrio, visto que para ele o imaginrio, apesar de imaterial,

    no irreal, posto que incide decisivamente sobre o comportamento dos homens em uma dada

    poca. O autor afirma que ... tomava-o [o imaginrio] em seu sentido mais amplo, para designar o que s existia na imaginao, a faculdade do esprito de forjar imagens. com razo, quer-me parecer, pois minha inteno era escrever a histria de um objeto extremamente real, apesar de imaterial, a representao mutante que a sociedade dita feudal tinha de si mesma, (...). (DUBY, 1993, p. 113).

    Barros, em outro artigo, no intuito de levar o leitor a uma melhor compreenso entre a

    relao existente entre imaginrio e prtica social, se apropria das leituras que atravessaram o

    Ocidente entre os sculos XI e XVII com respeito figura do mendigo. O autor apresenta

    assim, que o mendigo passou de um sujeito necessrio para a sociedade medieval,

    representao que o acompanhou entre os sculos XI e XII, por ser atravs das boas obras

    que os homens ricos da sociedade alcanariam salvao de suas almas, para, no sculo XIII,

    com a ascenso das ordens mendicantes, ser associado ao mais supremo dos valores humanos,

    resultante de seu estado de pobreza extrema. No entanto, nos aponta ainda o autor, chegado o

    sculo XVI, o mendigo passou a ser visto de forma excludente pela sociedade, a qual

    comeava a forjar os valores sobre o mundo do trabalho, passando a criticar a ociosidade.

    Nesse caso, o mendigo, sobretudo o mendigo estrangeiro, ou pobre de passagem, devido a

    sua falta de ocupao, foi se associando e sendo estigmatizado como um marginal 5. Sendo

    assim, Barros afirma que O mendigo, que na Idade Mdia beneficiara-se de uma representao que o redefinia instrumento necessrio para a salvao do rico, era agora [no final do sculo XVII] penalizado por se mostrar aos poderes dominantes como uma ameaa contra o sistema de trabalho assalariado do Capitalismo, que no podia desprezar braos humanos de custo barato para pr em movimento suas mquinas e teares, e nem permitir que se difundissem exemplos e modelos inspiradores da vadiagem. O mendigo passava a ser representado ento como um desocupado, um estorvo que ameaava a sociedade (e no mais como um ser merecedor de caridade). Ele passa a ser ento assimilado aos marginais, aos criminosos sua representao mais comum a de vagabundo... Novas prticas iro substituir as antigas, consolidando novos costumes. (BARROS, 2006, p. 139).

    A afirmativa de Barros corresponde assim, a uma instrumentalidade real do imaginrio,

    apesar de sua imaterialidade, tal como nos afirmou acima Duby.

    5 Ver: BARROS, 2006, p. 137-139.

  • 15

    Compreendemos o conceito de representao, intimamente relacionado com o de

    Imaginrio, como viso de mundo e posio diante do mundo, sendo justamente no

    imaginrio de um perodo, que se encontram congregadas as representaes que os diversos

    sujeitos constroem para d sentido ao mundo real 6. A representao estudada por Roger

    Chartier como a relao entre a imagem presente e um objeto ausente, uma valendo pelo outro

    porque so homlogas. Chartier, re-visitando as sociedades do Antigo Regime, se apropria

    das definies de Furetire, o qual, em 1727, elabora dois sentidos para explicar o termo

    representao. Segundo Chartier: (...) as acepes correspondentes palavra "representao" atestam duas famlias de sentido aparentemente contraditrias: por um lado, a representao faz ver uma ausncia, o que supe uma dist ino clara entre o que representa e o que representado; de outro, a apresentao de uma presena, a apresentao pblica de uma coisa ou de uma pessoa. Na primeira acepo, a representao o instrumento de um conhecimento mediato que faz ver um objeto ausente substituindo-lhe uma "imagem"capaz de rep-lo em memria e de "pint-lo" tal como . Dessas imagens, algumas so totalmente materiais, substituindo ao corpo ausente um objeto que lhe seja semelhante ou no: tais os manequins de cera, de madeira ou couro que eram postos sobre uma sepulcral monrquica durante os funerais dos soberanos franceses e ingleses. (...) (CHARTIER, 1991, p. 10).

    Compreendemos assim, que o poder da representao est na mobilizao de

    significados a ela associados, que acabam por conferir poder a um sujeito ou sua fala. Desse

    modo, a representao, ao fazer ver uma ausncia, proporciona sociedade um ato de

    rememorao, que pinta a realidade passada tal como ela tenha sido. Ao mesmo tempo, a

    representao, ao apresentar uma presena, exerce um ato simblico de atribuir sentido

    aquilo que se v. Vale ressaltar que o sentido atribudo ao mundo depende dos valores

    cultuados na sociedade.

    Parece-nos pertinente, nesse sentido, a proposio de Pierre Bourdieu (1989) acerca do

    que ele classifica de poder simblico. Bourdieu aponta como possvel se forjar uma

    determinada realidade, a partir das subjetividades, as quais compem o universo simblico,

    respaldando a construo dos smbolos. Sendo assim, o processo de construo de um tipo de

    poder simblico em uma sociedade acompanhado pela enunciao desse poder, pelo dizer-

    se poder, e cristalizar-se como poder, sedimentado em um processo de sensibilizao e uma

    pseudo-identificao entre o sujeito que enuncia e o grupo social alvo da enunciao. Desse

    modo o autor afirma que

    ...o poder de construir o dado pela enunciao, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a viso do mundo e, deste modo, a aco [sic] sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mgico que permite obter o equivalente daquilo que obtido pela fora (fsica ou econmica), graas ao efeito especfico da

    6 Ver CHARTIER, 1990, p. 25.

  • 16

    mobilizao, s se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrrio (...) (BOURDIEU,1989, p.14).

    Em uma outra obra, A economia das trocas lingsticas (1998), Bourdieu apresenta a

    linguagem como detentora de uma capacidade peculiar de formao de espaos de poder, bem

    como de comportamentos. O autor aponta como as categorias de smbolo e poder simblico,

    ao se fazerem presentes na linguagem, facilitam a formao e a manipulao de elementos

    que ajudam um indivduo a transformar-se em autoridade. Essa autoridade tem sua aura

    cristalizada cotidianamente na sociedade, atravs da constante ratificao do seu poder como

    legtimo e necessrio. Sendo assim, Bourdieu (1998, p. 87-88) aponta que (...) Pode-se dizer que a linguagem, na melhor das hipteses, representa tal autoridade, manifestando-a e simbolizando-a. H uma retrica caracterstica de todos os discursos institucionais, quer dizer, da fala oficial do porta-voz autorizado que exprime em situao solene, e que dispe de uma autoridade cujos limites coincidem com a delegao da instituio. (...). O uso da linguagem, ou melhor, tanto a maneira como a matria do discurso, depende da posio social do locutor que, por sua vez, comanda o acesso que se lhe abre lngua da instituio, palavra oficial, ortodoxa, legitima. O acesso aos instrumentos legtimos de expresso e, portanto, a participao no quinho de autoridade institucional, est na raiz de toda a diferena irredutvel ao prprio discurso entre a mera impostura dos mascaradores (masqueraders) que disfaram a afirmao performativa em afirmao descritiva ou constatativa e a impostura daqueles que fazem a mesma coisa com a autorizao e a autoridade de uma instituio. O porta-voz um impostor provido do cetro (skeptron). (grifos do autor).

    Com relao ao dilogo travado entre a histria poltica e a antropologia, ressaltamos a

    possibilidade de estudos focados na categoria cultura poltica, a qual busca compreender as

    subjetividades que perpassam a relao entre os diferentes grupos que compem a sociedade e

    o poder poltico, ressaltando, mais uma vez, que o poder aqui pensado para alm da

    circunferncia institucional do Estado.

    Inicialmente, o termo cultura poltica apareceu no dicionrio dos cientistas polticos

    para designar o estudo dos acontecimentos polticos vivenciados em uma sociedade, a partir

    do cruzamento de elementos que perpassavam o campo da sociologia, da antropologia e da

    histria. O objetivo desses estudos era apreender a cultura poltica de tais sociedades, sendo

    esta entendida como a expresso do sistema poltico de uma determinada sociedade nas

    percepes, sentimentos e avaliaes da sua populao 7. Aps as crticas sofridas pelo

    conceito no campo da cincia poltica, por volta da dcada de 1990, ele migra para os estudos

    histricos. Segundo Monique Cittadino (2007, p. 53), o contato da histria poltica com o

    conceito de cultura poltica resultou em uma sofisticao do campo de estudo do poder. A

    autora afirma que

    7 ALMOND & VERBA, 1963, p. 13, apud KUSCHNIR & CARNEIRO, 1999, p.227-8.

  • 17

    (...) O estudo da poltica, a partir da incorporao da noo de cultura poltica, deixa de se restringir s questes polticas formais, s prticas institucionais, s discusses centradas no aparelho de Estado e suas leis, passando a levar em conta elementos conformadores da dinmica interna das relaes scio-polticas entre os diferentes atores sociais (individuais e coletivos) e entre estes e o Estado, a exemplo de suas percepes, vises de mundo, valores e sentimentos. Em sntese, estas novas anlises, partindo do campo terico da cultura poltica, passaram, sobretudo, a levar em conta conceitos como o de paixo e o de desejo e a refletir como estas paixes e estes desejos terminam por serem determinantes dos comportamentos e condutas dos indivduos ou dos grupos diante da sociedade e da poltica.

    Neste sentido, os estudos envolvendo a cultura poltica sinalizam para ns uma das

    possibilidades de estabelecer conexes entre o universo simblico e material de uma

    sociedade, uma vez que esta categoria engloba o conjunto de relaes e representaes

    forjadas no contato entre o poder poltico e os diferentes grupos sociais, em pocas distintas.

    Ou seja, a forma como a sociedade, na multiplicidade de seus grupos, compreende e se

    posiciona frente a mudanas de governos, de sistemas polticos, de iderios de poder, tendo

    como ponto de intercesso entre a posio a se assumir e o poder estabelecido, o conjunto de

    seus valores culturais. A historiadora ngela de Castro Gomes (2005), com seus estudos

    sobre o Brasil Republicano, especialmente no perodo do Estado Novo, contribui

    significativamente para a ampliao do conceito. A autora ressalta que a sociedade, entendida

    na pluralidade dos indivduos e grupos que a constituem, desenvolve formas de perceber e de

    se posicionar frente ao Estado e s suas prticas de poder, de modo que so criados smbolos e

    mitos que constituem e do significado ao imaginrio poltico das geraes. Segundo Gomes

    (2005, p. 31), o termo cultura poltica pode ser definido como: (...) um sistema de representaes, complexo e heterogneo, mas capaz de permitir a compreenso dos sentidos que um determinado grupo (cujo tamanho pode variar) atribui a uma dada realidade social, em determinado momento do tempo. Um conceito capaz de possibilitar a aproximao com uma certa viso de mundo, orientando as condutas dos atores sociais em um tempo mais l ongo, e redimensionando o acontecimento poltico da curta durao. (grifos nossos).

    Desse modo, entendemos que a cultura poltica abrange uma srie de sentimentos, de

    representaes, de imaginrios polticos e de mitologias, acabando por abarcar um conjunto

    significativo de possibilidades de trabalho para o historiador do poltico, em consonncia com

    o que estaremos a discutir nesta dissertao. Esse encontro entre o historiador e as novas

    possibilidades de estudo do poder possibilita a problematizao de discursos de governos, de

    estados, ou mesmo de indivduos, em diferentes momentos histricos. Dentro dessas novas

    perspectivas de anlise o historiador se preocupa com os caminhos trilhados por um lder

    poltico no intuito de se apropriar do conjunto simblico que constitui os valores culturais e

    identitrios de uma sociedade, para, a partir de tal apropriao, forjar para si uma

    correspondncia com tais grupos, alcanando assim, legitimidade no exerccio do poder.

  • 18

    No entanto, para que tal movimento de legitimao seja possvel, necessrio o

    estabelecimento de uma srie de prticas de poder, de falas, de atitudes e recursos imagticos

    para que um determinado sujeito consiga cristalizar sua imagem perante a sociedade; para que

    o povo, na amplitude e vagueza que o termo designa, seja sensibilizado, atrado e se sinta

    identificado com as autoridades que se prope a represent-los. Sendo assim,

    resumidamente, poderamos dizer que as prticas polticas se apiam em modelos de poder,

    em representaes scio-culturais, que juntamente com o imaginrio poltico de uma

    sociedade, em um dado momento histrico, possibilitam a um sujeito, ou a um grupo, ou

    mesmo a um iderio, se consolidar no poder. Vale ressaltar que todos esses elementos podem

    ser lidos como parte constituinte da cultura poltica de uma sociedade. Corroboramos assim,

    com a afirmao de Gomes (2005, p.32), de que: (...) culturas polticas exercem papel

    fundamental na legitimao de regimes, sendo seus usos extremamente eficientes.

    Ao lado da cultura poltica est tambm, servindo de cenrio para a montagem de

    discursos polticos e apelos de identificao e sensibilizao com o pblico, a Cultura

    Histrica. Essa categoria de anlise nos foi apresentada no contato com o programa de ps-

    graduao, no qual estamos inseridos, e pode ser compreendida como a relao que uma

    sociedade estabelece com seu passado histrico, e atravs deste contato levada a elaborar

    suas representaes, suas identidades, suas formas de se compreender e se situar em relao

    ao seu prprio passado, bem como ao tempo presente 8. A cultura histrica pode ser resultado

    de uma memria coletiva, atravs de narrativas do passado de um grupo, e pode ainda ser

    fruto de uma escrita historiogrfica. Por meio dessas, os historiadores, de oficio ou no,

    constroem uma determinada verso sobre os acontecimentos passados e presentes. Tais

    verses podem atingir um grau to elevado de legitimidade que acabam por contribuir para a

    formao de identidades e representaes coletivas 9.

    Somando-se a cultura poltica e a cultura histrica aparece com significativa

    importncia para o desenvolvimento de nossa pesquisa e da compreenso de nosso objeto, o

    conceito de teatralizao do poder. Tal conceito ser aqui brevemente apresentado, visto que

    8 Ver FLORES, 2007; GOMES, 2007. 9 Ao longo de todo texto aparecem referncias os usos polticos da cultura histrica nacional e local. Tais exemplos nos ajudam a compreender o termo em seus dois sentidos mais abrangentes, quais sejam o que se relaciona com uma escrita historiogrfica, ao oficio do historiador, que ao dizer algo sobre o passado ajuda a legitimar uma memria oficial sobre feitos e fatos e sujeitos, e o segundo sentido do termo que se volta para os significados que a sociedade atribui ao seu passado, que , segundo os autores com os quais dialogamos, sobretudo, FLORES e GOMES, tambm considerado cultura histrica. Como exemplo substancial dessa relao entre escrita e identidade, exploramos o mito da paraibanidade, visto que ele foi fruto de uma escrita dos historiadores paraibanos do XIX, mas acabou sendo objeto de uso dos grupos polticos para cristalizar a identidade do paraibano. Sobre tal discusso ver p. 103 e 104 desta dissertao.

  • 19

    o retomamos mais detalhadamente no desenrolar dos captulos. O que gostaramos de

    esclarecer aqui a apropriao geral que estamos fazendo deste, a partir das leituras dos

    antroplogos Geertz (1998) e Balandier (1982), os quais nos levam a entend-lo como a

    montagem recorrente feita nos processos polticos, ou no desenrolar dos governos,

    monrquicos, republicanos ou autoritrios, de verdadeiras peas de teatro, nas quais o

    representante estatal encena acerca dos valores, dos sentimentos, do imaginrio poltico da

    sociedade, buscando se aproximar de seus eleitores, ou de seus sditos, com o objetivo de

    garantir a legitimao de seu poder.

    Como um bom exemplo da crena na eficcia da aproximao entre a histria e a

    antropologia, bem como do uso da idia de teatralizao do poder, tomamos a exposio de

    Aranha (2001, p. 43): ... estou convencido de que a hiptese do Estado espetculo ou da teatralizao poltica vlida porque pode ser testada em inmeras experincias sociais pelo mundo afora, servindo como referncia para a caracterizao da vida poltica em diferentes sociedades, mesmo distantes no tempo e no espao, inclusive atuais. Entretanto, na condio de historiador, no poderia deixar de chamar a ateno para o fato de que essa hiptese s tem alguma validade se foram respeitadas as devidas condies da cultura, tempo e lugar, sem dvida o mandamento nmero um dos profissionais da histria. (ARANHA, 2001, p. 43).

    Balandier, por exemplo, nos prope uma frmula para se compreender essa posio de

    constante encenao desempenhada pelo prncipe perante a sociedade. O autor afirma que (...) O prncipe deve se comportar como ator poltico para conquistar e conservar o poder. Sua imagem, as aparncias que tem, podero assim corresponder ao que seus sditos desejam encontrar nele. Ele no saberia governar mostrando o poder desnudo... e a sociedade em uma transparncia reveladora. Tomemos pois o risco de uma frmula: a aceitao resulta em grande parte das iluses da tica social. (BALANDIER, 1982, p.7).

    Aranha (2001, p. 44) discorrendo sobre a frmula da aceitao, presente na iluso da

    tica social proposta por Balandier (1982), nos afirma que (...) um sistema de poder no se perpetuaria sem que seus dirigentes, a exemplo do prncipe nas propostas polticas de Maquiavel, se transformasse em atores polticos, com capacidade para produzir imagens, ante os governados, que lhe sejam totalmente favorveis, jamais apresentando o poder desnudo ou revelado em toda sua transparncia, pois essa uma imagem que l evaria os governados a se decepcionarem com o sistema poltico vigente.

    Nesse sentido, foi procura de um palco propcio, no qual Pedro Gondim pudesse ter

    exercido seu potencial teatral, que escolhemos como fonte de nossa pesquisa a imprensa

    paraibana, com nfase especial nas reportagens de A Unio. O jornal A Unio despertou nosso

    interesse imediato por ser o nico no Brasil de origem estatal, e, ainda no perodo de Pedro

    Gondim, ser apresentado pelos seus prprios editores nas edies pesquisadas (de 1958 a

  • 20

    1966) como um Patrimnio do Estado 10. Essa posio de pertencimento ao Estado coloca

    o jornal A Unio em uma posio de frente no que diz respeito construo de imagens e

    representaes para classificar e legitimar os lderes polticos locais. Neste sentido, nos

    interessava perceber quais elementos foram elencados por este jornal, em meio aos

    conturbados anos que perpassaram a administrao de Gondim, para fortalecer sua imagem de

    lder popular, to cara ao governador, mas ao mesmo tempo, coloc-lo em direto debate com

    os diferentes setores da sociedade, ajudando-o a responder s cobranas e s calnias

    proferidas pela oposio. Sendo assim, compreendemos o jornal A Unio como um palco

    perfeito para a encenao deste governo, que se utilizou de todo um conjunto de elementos da

    cultura histrica local para se aproximar da populao, se apresentando como um lder capaz

    de solucionar seus problemas, mas que recorria a estes mesmos elementos para justificar suas

    decises e merecer apoio por parte de seu povo.

    No entanto, diante das especificidades do Governo de Pedro Gondim, sobretudo o fato

    dele ter se ausentado do poder em maro de 1960, para lanar-se candidato ao Governo do

    Estado, nos foi gerada a necessidade de trabalhar com outras fontes impressas, dentre as quais

    optamos pelos Jornais: O Norte e Dirio da Borborema. Esses dois jornais foram essenciais

    para perceber como se desdobrou sua campanha para o Governo, em um momento no qual

    Gondim era tido como oposio e perseguido pelo jornal A Unio, por Ruy Carneiro e pelo

    PSD. Atravs dessas duas novas fontes percebemos os rituais adotados por Gondim na

    construo de sua imagem como candidato necessrio Paraba naquele momento.

    Ademais, a escolha por trabalhar com fontes impressas parte tambm da idia de que a

    imprensa, ao manipular os discursos sobre os acontecimentos cotidianos, acaba se

    estabelecendo como tutora das informaes, e se auto-conferindo um status de autoridade 11.

    No mbito da poltica, a proximidade da mdia com a populao acaba ainda por torn-la um

    alvo disputado pelas tramas do poder poltico, no sentido de que aquele indivduo que possui

    uma livre circulao nos meios de comunicao, transforma a mdia, especialmente a

    10 O Jornal A Unio fora criado em 1893, pelo ento governador lvaro Machado, com o intuito de propiciar ao Estado um veculo de imprensa comprometido com a verdade na transmisso dos fatos e das notcias de acordo com ...os interesses da Paraba..., o que possibilitaria aos paraibanos uma posio de consonncia com a dinmica do novo regime republicano, recm instaurado (ver: MARTINS, 1977, p.20). O jornalista Eduardo Martins, em sua obra A Unio: jornal e Histria da Paraba (1977), nos possibilita, por exemplo, a compreenso do imaginrio que envolveu a criao e a funo poltica deste jornal. A partir do subttulo de seu trabalho, jornal e histria da Paraba, Eduardo Martins nos remete ao papel que A Unio pretensamente desempenhou desde sua fundao no sentido de representar uma parcela importante na construo da histria, sobretudo poltica do Estado. 11 Sobre a idia de quarto poder construda em torno da imprensa, Ver: BRIGGS E BURKE, 2004, p.197. .

  • 21

    imprensa escrita, em um poderoso agente de propaganda poltica, lanando-o frente de

    outros polticos desprovidos de tal auxlio.

    M Helena Weber (2000), em trabalho no qual analisa a relao entre as comunicaes e

    o espetculo da poltica na sociedade contempornea, nos ajuda a fortalecer esta idia ao

    afirmar que A poltica, como a mdia, detm a palavra. Essas carregam a legitimidade de quem as pronuncia e, se adotadas adequadamente, como tticas, produzem efeitos reais. No discurso est o poder da mdia e da poltica. Historicamente, os regimes polticos exercem o controle da sociedade com mecanismos especficos de coero, seduo ou da combinao destes. A coero sai do mbito dos regimes autoritrios em forma de violncia e sangue e, nos regimes democrticos, adquire uma dimenso assptica, mas no menos controladora da sociedade e das mdias. Mesmo assim, ainda so as mdias o fator desequilibrador deste processo totalizante, exercendo seu poder explicitado na sua esttica, nos seus mecanismos de traduo e produo da informao... (WEBER, 2000, p. 13).

    A propsito dessa relao de palco para o desenrolar de um espetculo do poder

    poltico, a imprensa tambm entendida dentro das novas possibilidades de fontes histricas,

    abertas pelas recentes discusses historiogrficas. Tais renovaes passaram a se apropriar

    dos peridicos como uma possibilidade de obteno dos desdobramentos sofridos pelos

    homens na dinmica do tempo e dos acontecimentos histricos. Nesse sentido, Tnia Regina

    de Luca (2005, p.128), nos afirma que: As renovaes no estudo da Histria poltica, por

    sua vez, no poderiam dispensar a imprensa, que cotidianamente registra cada lance dos

    embates na arena do poder.

    O uso da imprensa, assim como o de qualquer outra fonte histrica, deve ter como

    premissa a existncia de interesses de enunciao, que correspondem s implicaes dos

    rgos de comunicao no jogo dos poderes estabelecidos, estando explcitas ou implcitas

    tais posturas. Diante disto, Maria Helena Capelato e Maria Lgia Prado (1980) afirmam que (...) a escolha de um jornal como objeto de estudo justifica-se por entender-se a imprensa fundamentalmente como instrumento de manipulao de interesses e de intenes de vida social; nega-se, pois, aqui, aquelas perspectivas que a tomam como mero veculo de informaes, transmissor e neutro dos acontecimentos, nvel isolado da realidade poltico-social na qual se insere. (CAPELATO e PRADO, apud: DE LUCA, 2005, p.118).

    A imprensa, portanto, ajuda a produzir as cenas que sero protagonizadas pelos

    polticos, em busca da seduo do pblico, transparecendo assim as disputas simblicas dos

    polticos em perodos de campanha, ou em momentos de crise scio-econmica, em prol da

    concretizao de uma legitimidade no poder. Os elementos utilizados para a eficincia de uma

    disputa do tipo eleitoral, por exemplo, so dos mais variados, desde as ofensas morais

    administrativas, bem como a apresentao de uma histria de vida honrada e de construo de

    uma famlia slida, aspectos caractersticos, supostamente, de algum capacitado a

  • 22

    administrar uma sociedade. Essas apresentaes para tornar um poltico um sujeito capaz, no

    so estticas; ao contrrio, so mutveis conforme a dinmica dos acontecimentos cotidianos,

    os aparecimentos de novos enredos e a modificao dos cdigos e valores caros sociedade.

    Concordamos assim com Balandier (1982, p.62) quando ele afirma que A multiplicao e a difuso dos meios de comunicao modernos modificaram profundamente o modo de produo das imagens polticas. Elas podem ser fabricadas em grande quantidade, por ocasio de acontecimento ou de circunstncias que no tm necessariamente um carter excepcional. Elas adquirem, graas aos meios audiovisuais e imprensa escrita, uma fora de irradiao e uma presena que no se encontram em nenhuma das sociedades do passado. Elas se tornam quotidianas; isto quer dizer que elas se tornam banais e se desgastam, o que exige renovaes freqentes ou a criao de aparncias de novidade.

    A relao entre o pblico leitor e os jornais paraibanos entendida a partir da idia de

    que o contato entre o emissor, a informao, e seu receptor, o leitor, no se d de forma

    determinante, to pouco reducionista e passiva, mas, ao contrrio, os leitores produzem um

    novo sentido para aquilo que esto a ler, e como afirma M Luiza Batista (1997, p.1), a

    recepo de uma informao um encontro entre dois mundos, o do produtor e do receptor,

    ambos produzindo comunicao. A comunicao explicada pela autora como um processo

    de interao de sujeitos. Nesse sentido, estamos considerando que a relao entre os

    paraibanos e as informaes produzidas pelos jornais, sobretudo o A Unio, pela sua relao

    intrnseca com o Governo, no foram recebidas e reproduzidas pela sociedade sem um

    momento de confronto e reflexo, os quais podem ter resultado em representaes totalmente

    diferentes das pretendidas pelos autores das reportagens e pelo prprio Governo. Tal idia

    reforada por Chartier, para quem o leitor possui uma liberdade criadora, a qual est contida

    na idia de apropriao. Ou seja, a forma como cada indivduo se apropria do texto lido

    mltipla, fugindo inclusive do controle dos produtores dos referidos textos, pois

    correspondem a uma srie de relaes estabelecidas entre o leitor e o mundo a sua volta. A

    apropriao assim apresentada pelo autor: (...) A apropriao, a nosso ver, vi sa uma histria social dos usos e das interpretaes, referidas a suas determinaes fundamentais e inscritas nas prticas especficas que as produzem. Assim, voltar a ateno para as condies e os processos que, muito concretamente, sustentam as operaes de produo do sentido (na relao de leitura, mas em tantos outros tambm) reconhecer, contra a antiga histria intelectual, que nem as inteligncias nem as idias so desencarnadas, e, contra os pensamentos do universal, que as categorias dadas como invariantes, sejam elas filosficas ou feno menolgicas, devem ser constru das na descontinuidade das trajetrias histricas. (CHARTIER, 1991, p. 6).

    Feita esta apresentao geral dos conceitos e perspectivas que balizam nossa discusso,

    passemos a anunciar cada um dos captulos desta dissertao. O primeiro destes abarca o

    recorte 1958-60, voltando-se para a discusso acerca do estabelecimento de uma aproximao

  • 23

    entre as propostas desenvolvimentistas do presidente JK e o Governador Pedro Gondim. Ao

    lado do desenvolvimentismo apareceu neste mesmo espao temporal, a necessidade de uma

    aproximao entre o Estado e a populao da regio Nordeste, que vitimada pelas estiagens,

    bem como pelas transformaes nas relaes de sociabilidade, na dimenso das propriedades

    as quais ocupavam, comeava a representar uma ameaa ordem nacional. Em um segundo

    momento do mesmo captulo, nos dedicamos ao contexto das eleies estaduais de 1960,

    quando Gondim se ausenta do Estado, perdendo o apoio poltico do PSD e passando a sofrer

    as retaliaes que a ruptura com Ruy Carneiro lhe legaram. Nossa preocupao nessa

    primeira etapa traar o caminho trilhado pela construo das imagens de administrador para

    Gondim, as quais acompanharam-no nos primeiros anos de seu Governo.

    O segundo captulo se subdividiu entre a percepo do contexto poltico nacional,

    sobretudo no que tangencia a conceitualizao de populismo para perceber as tramas

    partidrias, bem como scio-polticas erigidas nesse momento da poltica nacional, buscando

    situar a administrao de Pedro Gondim nesse universo de modos de governar e de se

    relacionar com a populao. Em um outro ponto, foi discutida a relao de Gondim com a

    transio Jnio/Jango, e tambm com o perodo apotetico das Ligas Camponesas no Estado,

    mostrando os discursos de ordem e de tranqilidades irradiados pelo Governo paraibano,

    atravs do rgo de imprensa oficial, o Jornal A Unio.

    O terceiro e ltimo captulo volta-se para o contexto de crise da poltica nacional, a qual

    culminou no Golpe Militar de maro de 1964, apontando a mudana de postura de Pedro

    Gondim, como ele se distanciou do iderio de reformas, anteriormente militado, e se

    aproximou da estruturao do Estado de Segurana Nacional, projetado pelos militares. Mais

    uma vez, nossa busca por perceber quais as justificativas buscadas na cultura histrica

    paraibana, para sedimentar o apoio do Estado s novas foras polticas que se desenhavam no

    cenrio nacional. Depois de feito esse desenho geral dos primeiros meses da transformao

    poltica causada pelo Golpe no Estado, chegamos aos ltimos momentos da administrao de

    Gondim, nos quais sentimos uma ausncia de autonomia, devido a sua aproximao com a

    UDN e com o senador Joo Agripino, ao mesmo tempo em que o principal esteio de apoio

    para Gondim, o povo da Paraba, tambm desapareceram de suas encenaes polticas.

  • 24

    1 -Quem o homem? O homem Pedro!: Governo interino e campanha eleitoral

    1.1 Um Governo dividido: entre o desenvolvimentismo e a soluo dos flagelos da seca

    O homem ao qual nos remeteremos nas prximas pginas Pedro Moreno Gondim,

    paraibano de Alagoa Nova, nascido em 1 de maio de 1914. Gondim era filho de Incio Costa

    Gondim e de Eulina Moreno Gondim. Cursou o primrio em Alagoa Nova e o curso

    secundrio no Liceu Paraibano, j em Joo Pessoa, formando-se bacharel em Direito, no ano

    de 1938, aos 24 anos, na Faculdade do Recife. Exerceu a advocacia, atuando na Paraba e nos

    estados vizinhos, at enveredar pelo caminho da poltica, tendo sido um dos fundadores do

    Partido Social Democrtico (PSD). Em 1946, foi eleito deputado estadual, reelegendo-se para

    um segundo mandato nas eleies de 1950, o qual no exerceu por ter sido designado, pelo

    governador Jos Amrico de Almeida, para a Secretaria da Agricultura, Viao e Obras

    Pblicas do Estado 12.

    Nas eleies de 1956, Gondim foi eleito vice-governador, em uma composio entre o

    PSD e a UDN, promovida por Jos Amrico. No perodo 1958-1960, Gondim assumiu o

    governo do Estado de forma interina, pois o governador Flvio Ribeiro Coutinho necessitou

    afastar-se por motivos de sade. Em maro de 1960, Pedro Gondim se ausentou do governo

    para candidatar-se ao cargo de governador, para o qual foi eleito aps derrotar Janduhy

    Carneiro, candidato do PSD, irmo de Ruy Carneiro, um dos nomes mais importantes do

    partido no cenrio local.

    Gostaramos de destacar duas figuras de significativa representatividade no Estado, no

    sentido que concentravam o poder e o prestgio local, as quais foram intimamente

    relacionadas ascenso de Pedro Gondim ao cenrio poltico da Paraba, so elas: Jos

    Amrico de Almeida e Ruy Carneiro, o primeiro frente da UDN e o segundo lder do PSD.

    A partir da anlise apresentada pela historiadora Martha Lcia R. Arajo (1999) possvel

    vislumbrar o quadro poltico paraibano na dcada de 1950, no qual ainda era possvel

    encontrar resqucios de relaes poltica patriarcais, baseadas principalmente na barganha,

    12 Ver: MAIA, Benedito. Governadores da Paraba (1947-1980). Joo Pessoa: 1980; site oficial de Vital do Rgo Filho, neto de Pedro Gondim: www.vitalzinho.com.br

  • 25

    que tinha em torno de um determinado sujeito, pertencente a grupos agrrios, ou a estes

    atrelado, a concentrao de um tipo de mandonismo que perpassava desde as escolhas dos

    candidatos aos diferentes cargos, como tambm as coalizes partidrias, e ainda era capaz de

    angariar apoio popular, graas ao seu prestgio pessoal 13.

    Desse modo, a poltica na Paraba entre as dcadas de 1940-50, estava estruturada em

    volta dos dois grandes partidos, PSD e UDN e das figuras de Ruy Carneiro e Jos Amrico,

    que concentravam as possibilidades de ascenso poltica, bem como as concesses

    tradicionais de favores e apadrinhamentos. A partir desse quadro, Arajo afirma que as

    relaes partidrias no Estado eram compostas pela juno de diversos interesses, os quais

    resultavam em alianas polticas, que tinham como objetivo primeiro ajudar a manter o

    controle de alguns grupos sobre o poder poltico estadual. A autora aponta que claro que a caracterizao dos partidos polticos no poderia se reduzir perspectiva scio-econmica. A estrutura partidria formou-se em grande medida por fatores conjunturais como o anti ou pr-varguismo, ligaes familiares, orientaes valorativas das classes dominantes em razo da oposio ou conciliao dos seus interesses, etc. (...). (ARAJO, 1999, p.98).

    Assim, nas eleies de 1956, Jos Amrico, ento governador do Estado, prepara o

    cenrio para sua sucesso, articulando a candidatura de Flvio Ribeiro Coutinho e de Pedro

    Moreno Gondim. O primeiro fora indicado pelo partido udenista, enquanto Gondim seria o

    vice, representando as foras do PSD. Tal articulao visava, ainda segundo a anlise de

    Arajo, promover uma aliana partidria entre os dois principais partidos do Estado. Notamos

    que a anlise da autora faz meno as representaes que recaram sobre esta articulao

    partidria, as quais tomavam o ato de Amrico como uma estratgia de promoo da

    conciliao entre as foras antagnicas da sociedade, de modo a garantir o desenvolvimento

    e a tranqilidade no Estado da Paraba.

    Neste sentido, as candidaturas de Flvio Ribeiro e Pedro Gondim so apontadas por

    Martha Lcia R. Arajo como a personificao dos interesses da burguesia estadual e dos

    latifundirios, respectivamente. Vitoriosa a chapa dentro deste arranjo, ou concrdia

    13 Como nos descreve Linda Lewin (1993, p. 18), o poder abarcado por um chefe agrrio, lhe possibilitava, graas a sua imensa influncia econmica em seus respectivos estados, um poder decisivo sobre os conchavos polticos. Vale ressaltar, no entanto, que a discusso da autora perpassa os primeiros anos da Repblica, mas, sua anlise extremamente pertinente porque nos ajuda a vislumbrar um quadro de relaes pessoais presentes na poltica paraibana, os quais permaneceram nas tramas do poder local, mesmo aps a ocorrncia de uma certa desarticulao da poltica oligrquica com o movimento de 1930. Esse continusmo se deve principalmente, a estrutura scio-poltica e econmica do Estado, que pe a Paraba, ainda como estado essencialmente agrrio, submetida mais fortemente ao poderio dos senhores da terra, enquanto outros estados, que apresentaram j na dcada de 1920-30 a estruturao de um parque urbano-industrial, conseguiram se desprender de tais relaes, passando a conviver com traos de modernidade urbana e industrial, mas tambm com a tradio do latifndio e do coronelismo.

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    geral como classifica a autora, foi mantido na Paraba o domnio desses setores. A aliana do

    PSD com a UDN garantiria a manuteno do poder nas mos dos grupos dominantes,

    impedindo, segundo Arajo, o acesso das organizaes populares ao jogo das decises

    polticas. Vejamos a anlise que a autora desenvolve sobre a aliana entre pessedistas e

    udenistas nesse processo eleitoral liderado por Jos Amrico Dentro desta perspectiva, antes de deixar o Governo do Estado, Jos Amrico se prope a escolher o seu sucessor, promovendo a concrdia geral entre os diversos partidos. Depois de sucessivas reunies, com os termmetros partidrios oscilando ora para o desenvolvimento ora para a conciliao, a frmula encontrada foi a composio PSD/UDN, sendo lanado candidato a Governador Flvio Ribeiro, da UDN, e o candidato a vice do PSD, Pedro Gondim (...) Desta forma, as classes no poder asseguraram ardilosamente o controle poltico do processo, na medida em que se impediu a participao popular atravs do processo eleitoral, evita-se as contestaes e mantinha-se o status quo. (idem, ibidem, p.101).

    A historiadora Monique Cittadino (1998), ao apresentar o contexto das eleies de

    1955, discute o emblema da pacificao que envolveu a aliana da UDN com o PSD. A

    autora apresenta que a dita pacificao envolvia na realidade a engenhosidade de Jos

    Amrico de Almeida em, percebendo as novas contradies de classe do Estado, articular uma

    chapa que manteria o controle da poltica paraibana nas mos dos mesmos agentes polticos,

    ao mesmo tempo em que afastava o risco do surgimento de uma fora com representatividade

    popular na Paraba. Os novos personagens que comeavam a repercutir no Estado poderiam,

    alcanando gradativamente pujana poltica, ameaar sua representatividade local. Deste

    modo, a melhor soluo encontrada por Amrico foi amortecer o embate entre os partidos, na

    medida que articulava a aliana de representantes de ambos para o pleito. Cittadino afirma

    que Sofrendo com a progressiva rearticulao das foras ligadas UDN, sentindo a perda de vrios de seus contigentes que partiram para a oposio, e amargando algumas derrotas significativas de seu partido (senado, prefeituras municipais, etc) Jos Amrico, apesar da grande popularidade, ao final de seu mandato, procurou articular a pacificao das foras polticas do estado fugindo de um confronto direto (atravs do lanamento da candidatura de um sucessor) no qual os resultados poderiam ser-lhe desfavorveis. A UDN e o PSD, percebendo a indefinio poltica do momento e o desgaste e os custos que poderia significar o embate poltico no qual o eleitorado popular deveria agora ser disputado e conquistado, preferem partir para a conciliao e aceitam a pacificao proposta por Jos Amrico (...). (CITTADINO, 1998, p. 56-7).

    No entanto, ainda segundo a autora, no houve aps as eleies um entendimento to

    harmnico entre os dois partidos como propunha Amrico. Ao contrrio, com o afastamento

    de Flvio Ribeiro e a conseqente subida do PSD ao poder, na figura do vice Pedro Gondim,

    houve uma reduo da influncia dos udenistas no Estado. Ruy Carneiro, em pronunciamento

    posterior a ascenso de Gondim ao governo, confirma a confiana do PSD na sua

  • 27

    administrao, ao mesmo tempo em que sugeri que o poder poltico estatal estaria, a partir

    daquele momento, concentrado nas mos do partido. No telegrama recebido pelo Governador,

    Ruy Carneiro afirma: No momento em que os destinos de nossa Paraba lhe so entregues, por fora dos dispositivos constitucionais conquistado pelo nosso PSD, atravs de uma poltica de compreenso, renncia e despreendimento, com os superiores objetivos de resguardar nossa terra das paixes tumulturias, ..., reafirmo minha confiana na sua serena, eficiente e honrosa postura na conduo dos negcios pblicos ... (A UNIO, 08 de jan. 1958, p.3).

    Assim, em 04 de janeiro de 1958, Pedro Moreno Gondim assume o poder no Estado,

    sendo justamente a partir deste fato que teceremos nosso estudo. Para tanto necessrio

    compreender o cenrio nacional que estava montado quando Gondim assume o poder,

    sobretudo, no que concerne poltica desenvolvimentista e aos planos de salvao para o

    Nordeste.

    Tomamos assim, inicialmente, a historiografia tradicional que apresenta o Brasil da

    dcada de 1950 como um espao de singular progresso. O presidente Juscelino Kubitschek

    exaltado pelos feitos que, em 5 anos de Governo, transformaram o Brasil em um osis de

    desenvolvimento. O historiador Thomas E. Skidmore (1982) reflete em uma de suas

    discusses (Anos de confiana 1956-1960) o imaginrio que se cristalizou na cultura

    histrica nacional sobre este governo, de forma a superestimar o valor e a contribuio deste

    sujeito poltico para o pas. O autor apresenta que O perodo Juscelino Kubitschek tornou-se conhecido por suas realizaes econmicas, e da que devemos comear analisando a presidncia. O dinmico presidente prometeu cinqenta anos de progresso em cinco de governo e no h dvida de que de 1956 a 1961 o Brasil apresentou um crescimento econmico real e marcante. A base para o progresso foi uma extraordinria expanso da produo industrial. (...). (SKIDMORE, 1982, p. 204). (grifos nossos).

    Neste sentido, ao lanarmos um olhar sobre as representaes que perpassaram os anos

    da administrao Pedro Gondim, concomitantemente ao perodo J.K., ou seja, o perodo de

    dois anos no qual ele ficou no poder de forma interina, percebemos que as apresentaes que

    envolviam o governador buscavam constantemente cristalizar no imaginrio local, a idia de

    que Gondim era o poltico necessrio Paraba naquele momento. As representaes, assim

    como os valores simblicos da sociedade paraibana, eram manipulados pela imprensa estatal

    para que fosse possvel promover uma atmosfera de tranqilidade e desenvolvimento para o

    Estado, tal como se anunciava no cenrio nacional. Tal anlise fundamenta-se na idia

    apresentada por Raoul Girardet (1987, p.86) de que existem momentos propcios, ou

    momentos de efervescncia, como classifica o autor, para a construo de enunciados, os

    quais tendem a legitimar um simbolismo em volta de determinados sujeitos, para transform-

  • 28

    los assim, em mitos ou cones da poltica. Assim, observamos que durante os anos de

    interinidade, Gondim era alvejado por uma intensa propaganda poltica que apontava o Estado

    da Paraba, na figura de seu representante, como um organismo dinmico aos moldes do

    fenmeno desenvolvimentista e progressista empreendido pelo presidente Kubitschek, e que,

    apesar das crises sociais atravessadas no Estado, o governador estava sendo capaz de manter a

    vivacidade e a sagacidade em sua administrao 14.

    O Jornal A Unio, entre o perodo que decorre de janeiro de 1958 a meados de maro de

    1960, apresentava, quase que diariamente, os feitos que Pedro Gondim desempenhava em

    todos os recantos do Estado, com sua dinmica administrao. O objetivo desse discurso,

    tal como apresentado anteriormente, era transmitir sociedade paraibana a idia de que a

    Paraba em nada estava inferiorizada quanto a poltica de desenvolvimento nacional, ao

    mesmo tempo em que se cristalizava uma imagem de harmonia entre o governador e o

    presidente, sentida principalmente atravs da ao do DNOCS (Departamento Nacional de

    Obras contra as secas).

    O recurso teatral que perpassava estas apresentaes apelava para a pujana do

    Governador, que logo ao assumir o poder passou a rastrear os principais problemas do Estado

    na busca por solues. Para perceber o aspecto de dinamismo administrativo que envolvia o

    governador analisamos algumas de suas aes mais recorrentes, as quais se direcionavam,

    sobretudo, para a soluo das mazelas sociais causadas pela estiagem. O nosso objetivo inicial

    acompanhar a montagem do cenrio e do teatro em torno do nome de Pedro Gondim e de

    sua administrao, para que, posteriormente, fosse possvel a sua candidatura ao governo do

    Estado, apoiado nas representaes que, com o auxlio de A Unio, construiu sobre si.

    Antes, no entanto, gostaramos de ressaltar a noo de teatralidade que perpassa tal

    anlise. Para tanto, evocamos Jos Murilo de Carvalho em seu Teatro de sombras (1996).

    O autor analisa o Imprio Brasileiro, principalmente atravs da dialtica da ambigidade

    que existia entre o Imprio, na figura de sua burocracia, e os proprietrios rurais. tambm

    destacado pelo autor a visibilidade do poder construda e definida pela pompa e pelo

    carisma real (p.384).

    Segundo Carvalho, no foco dos holofotes do Imprio esteve sempre a figura de D.

    Pedro II, para o bem ou para o mal do Brasil. O jogo poltico que envolvia o Imprio era

    pautado na dialtica: realidade/fico, a qual se apresentava como a responsvel pelo aspecto

    teatral do poder, ou pela metfora teatral, como classifica Jos Murilo de Carvalho.

    14 Como exemplo dessa apresentao sobre o governo Gondim ver: A UNIO, 04 de jan. 1959, p. 1.

  • 29

    A metfora teatral apresenta pelo autor associada a uma outra metfora que a da

    sombra. Segundo Jos Murilo de Carvalho, a realidade existente no Brasil do sculo XIX era

    o Imprio, tudo mais era sombra/espectro de tal realidade. O parlamento vivia, nesse contexto,

    a desempenhar seu papel sob o espectro, cada poltico estava sombra de um outro, enquanto

    o Imperador, com seu poder Moderador, reinava acima de todos. Porm, como nosso lcus

    no a poltica imperial, o que nos interessa neste dilogo com Carvalho destacar, na

    discusso proposta pelo autor, sua ressalva de que a metfora teatral, responsvel pelo tom da

    poltica imperial no Brasil, no findou em 1889, ao contrrio, permanece latente durante a

    Repblica, envolvendo, mitificando e legitimando o exerccio do poder. O autor considera

    que: (...) a metfora teatral se pode aplicar com mais extenso ao fenmeno poltico em geral. O ritual, o simbolismo, so partes integrantes de qualquer sistema de poder, assim como o o carisma. Mas a poltica teatro tambm por razes que tem a ver com os mecanismos modernos do exerccio do poder. A representao poltica tem em si elementos que podem ser comparados representao teatral. Ambas as representaes se exercem em palcos montados, por meio de atores que tem papis conhecidos e reconhecidos. H regras de atuao, h enredo e, principalmente, h fico. Em poltica, a primeira fico a prpria idia de representao. De fato, preciso admitir um grande faz-se-conta, preciso crena para aceitar que algum possa falar autenticamente por milhares de pessoas. (...). (CARVALHO, 1996, p. 387-88). (grifos nossos).

    Dito isto, iniciemos nossa anlise da montagem de um cenrio de desenvolvimentismo

    para o Estado, a partir da atuao da Secretaria de Viao e Obras Pblicas. Este rgo

    apresentado como o responsvel, a pedido dileto do governador, pelo atendimento de algumas

    necessidades da populao pobre do Estado. Um dos primeiros atos da Secretaria, noticiado

    pela Unio, foi o encaminhamento de 192 toneladas de leite em p destinadas merenda

    escolar e aos postos de sade da capital do Estado. Estas toneladas de leite estavam

    armazenadas desde novembro de 1957 no Porto de Cabedlo, impedidas de chegar ao seu

    destino. A reportagem descreve que ao tomar conhecimento de tal situao, especialmente da

    inoperncia do Estado em solucionar o fato, descrita pela reportagem como: falta de

    providncia dos setores competentes, o governador, imediatamente, enviou ao local os

    veculos necessrios para retirar o carregamento do Porto, conduzindo-os s unidades de

    assistncia 15.

    Para entender a nfase dada s aes da Secretaria de Viao necessrio compreender

    que no cenrio poltico nacional existia um discurso de salvao para o Nordeste 16. Desta

    15 A UNIAO, 11 jan. 1958, p. 1. 16 O discurso da salvao para o Nordeste sedimentava-se no ideal de arrancar a regio do atraso e introduzi-la no mundo modernizado e industrializado. A criao da Sudene baseava-se assim nesse projeto, correspondendo assim, ao projeto nacional de desenvolvimento encampado pelo presidente Kubitschek (Ver SILVA, 1997, p.29).

  • 30

    forma, se fazia extremante necessrio que o Governador da Paraba assumisse uma postura

    prxima a do Presidente Juscelino Kubitschek, ou seja, tomar medidas para amenizar os

    sofrimentos da populao sertaneja, mas, ao mesmo tempo, promover o desenvolvimento da

    regio.

    As obras de assistncia ao Nordeste alcanaram grande destaque na construo do

    imaginrio deste perodo, principalmente atravs da ao de alguns departamentos do

    Governo Federal como o DNOCS, o BNB, e por fim a SUDENE. Analisar a ao desses

    rgos, bem como os discursos dos governos deste perodo, perceber o contra-senso entre a

    onda desenvolvimentista apregoada pelo slogan cinqenta anos em cinco e a situao

    dramtica na qual estava envolto o Nordeste 17. Enquanto a cidade, pensada no eixo sul-

    sudeste, se estabelecia como o lugar do progresso e do dinamismo, o campo, sob o qual

    recaia a representao dos estados nordestinos, era apresentado como o espao mergulhado no

    atraso, vivenciando relaes de poder arcaicas, sobretudo com relao ao trabalho e a

    prestao de servio.

    Fato notvel que os anos de 1958 e 1959 foram marcados por uma forte estiagem, o

    que tornava o cenrio propenso s engenhosidades do poder administrativo. A prtica da

    promoo poltica s custas das necessidades da populao recorrente na cultura poltica

    local. Construir uma imagem de grande benfeitor, com um discurso voltado para os mais

    humildes, se torna uma frtil opo para obter apoio e votos populares, possibilitando assim, a

    sedimentao de campanhas e carreiras polticas sobre tais enunciaes e prticas. A

    massificao desse discurso sobre as secas e sobre a pobreza da regio Nordeste desembocou

    na criao da Sudene em 1959.

    A Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste nasce dentro de uma proposta que

    objetivava nivelar o Nordeste com as demais regies do pas. A regio, para acompanhar o

    desenvolvimento nacional, dentro da proposta do Plano de Metas, necessitava de

    investimentos e projetos sociais. Iniciativas essas encontradas em projetos como: Operao

    Nordeste (OPENO) e no Conselho de Desenvolvimento para o Nordeste (CODENO), alm da

    criao do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) 18.

    O II Encontro dos Bispos do Nordeste, ocorrido na cidade de Natal, em maio de 1959,

    foi um outro importante passo para a concretizao do projeto de criao da Sudene, uma vez 17 Ver: BRUM, 1999, p. 229-36. 18 Ver: COHN, 1976, p.23 -45; Especificamente sobre as propostas da OPENO, RANGEL (2000, p. 52) destaca que sua primeira ao seria: ... criar no semi-rido uma economia adptvel, resistente seca. Isso implicaria necessariamente uma diminuio de sua densidade demogrfica particularidade que torna catastrficos os efeitos das estiagens e numa explorao dos recursos naturais possibilitada por um persistente e rigoroso estudo do meio.

  • 31

    que os religiosos fortaleceram o discurso do Governo Federal, configurando-o, inclusive, com

    uma aura sacra. Dentre os pontos estabelecidos no Encontro destacamos o que aponta para a

    necessidade de ver o planejamento econmico, elaborado para o Nordeste, completado por

    aspectos humanos e por implicaes sociais, a bem do prprio planejamento econmico,

    para que no se torne inumano e irreal. O mesmo pronunciamento segue afirmando que Afirmamos, dentro desse pensamento, e baseados nas Concluses dos Grupos de Estudos do Encontro, que o desenvolvimento econmico do Nordeste: a) s atingir sua eficincia plena se apoiar no esforo consciente e voluntrio das foras atuantes de toda a comunidade, para o que se toma urgente a preparao, em todos os seus nveis, de lderes, especializados em modernas tcnicas de organizao comunitria, tais como a promoo do cooperativismo, do servio de extenso rural e de outros processos de educao de base; b) supe que a agricultura regional merea tratamento igualitrio, sob todos os aspectos, ao que se vie r a dar ao desenvolvimento industrial; c) exige medidas no s relativas a um melhor nvel alimentar, mas tambm providncias que visem sade pblica, tendo-se em vista que as populaes nordestinas so em geral subnutridas e, conseqentemente, vulneradas no seu estado sanitrio, razo pela qual devem ser promovidos locais referentes a problemas sanitrios e de assistncia maternidade e infncia, para que se possa contar com gente sadia para os empreendimentos visados no Nordeste; d) ter necessidade de elaborao imediata de um plano de trabalho que permita assegurar aos migrantes nordestinos uma assistncia humana condigna, sobretudo aparelhando os postos de migrao e modificando a orientao das hospedarias para que venham a cumprir adequadamente suas finalidades, urna vez que so ainda precrias as condies de assistncia, em particular quanto ao problema de transporte e colocao 19.

    Em funo desse encontro, A Unio noticiou a intensa atividade de Pedro Gondim nas

    conversas com os bispos, solicitando inclusive que fossem includas, nas concluses dos

    trabalhos, as quais seriam encaminhadas ao Presidente Kubitschek, solicitaes para que o

    presidente viabilizasse o funcionamento do Servio Social Rural da Paraba 20.

    Percebemos desta forma, que o Governador Pedro Gondim, a propsito de toda essa

    representao de ativismo que se construa em torno de sua imagem e de sua administrao,

    no se negava em recorrer ao Governo Federal para ver solucionada as necessidades dos

    pobres da Paraba. A Unio transcrevia os telegramas que o chefe do executivo paraibano

    enviava ao presidente, nos quais era ressaltada a situao catica na qual se encontrava o

    Estado. O Governador pedia providncias urgentes aos setores responsveis, sobretudo ao

    DNOCS, para que as populaes destas regies sertanejas fossem atendidas, uma vez que

    diante de to alarmante quadro apenas o poder local no tinha estrutura para tal faceta 21.

    No entanto, a narrativa das reportagens tinha o cuidado de explicar que a necessidade da

    interveno do poder federal no se devia negligncia do Estado paraibano, mas sim

    impossibilidade, sobretudo financeira, enfrentada pela Paraba, de socorrer a todos os 19 Texto disponvel em: www.cpdoc.fgv.br/nav_jk/htm. (Acesso em 09/02/2008). 20 A UNIO, 26 de maio 1959, p.1. 21 A UNIO, 15 jan. 1958, p. 1.

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    necessitados, ou flagelados, como eram comumente chamados os sujeitos em questo 22. As

    medidas cabveis e possveis ao governo, como restabelecimento do abastecimento dgua em

    algumas cidades do Estado eram tomadas com presteza, e automaticamente transformadas em

    discursos das grandes aes de Pedro Gondim em favor do povo da Paraba. Essas obras

    fomentavam o enaltecimento empreendido pelo Jornal figura pblica do governante, e ao

    mesmo tempo, eram apontadas como portas abertas ao sentimento de gratido que a

    populao beneficiada nutria sobre o seu governador 23.

    Essas aes em prol das cidades paraibanas, juntamente com os aniversrios mensais de

    Governo, eram apontadas por A Unio como ocasies propcias s demonstraes de apoio e

    gratido popular. As mensagens felicitando o Governador pelos meses de mandato interino,

    assim como em agradecimento a algum benefcio do governo, eram transcritas pelo jornal

    com entusiasmo; o apoio e as homenagens partiam de diferentes locais do Estado, como

    Areia, Serraria centro das atividades polticas de Pedro Gondim , Pirpirituba, Cuit,

    Araruna, Belm e Campina Grande, e eram dirigidas por lideranas, polticos, deputados,

    prefeitos, e claro, tambm pelo povo, representados, sobretudo por organizaes de bairro e

    associaes de trabalhadores 24.

    O Jornal, em seu Editorial do dia 22 de janeiro, trazendo o ttulo: Aos primeiros dias

    de Governo teceu elogios s primeiras medidas do governo Pedro Gondim. O texto segue

    declarando que: Desde que assumiu o Governo, no tem o Sr. Pedro Gondim se decurado

    um s instante dos superiores assuntos que dizem respeito ao bem coletivo e que dependem

    de sua atuao a frente da administrao estadual. (...). O mesmo texto ainda aponta a

    nomeao de novos secretrios, a ampliao da rede de saneamento em Campina Grande,

    medidas para sanar o racionamento de gua em Joo Pessoa, um rigoroso plano de trabalho

    para o abastecimento dgua no serto, dentre outras obras pbicas projetadas para escolas,

    casas de detenes e hospitais. O editorial conclui dizendo: Oportunamente, ser melhor e

    mais amplamente informado o povo da Paraba sobre as diretrizes e realizaes de seu atual

    dirigente 25.

    interessante perceber a funo exercida pelo editorial de A Unio nessa apresentao.

    O editorial, segundo a jornalista paraibana Ftima Arajo, deve ser uma pea opinativa,

    22 Sobre a operao de guerra contra a seca ver A UNIO, 19 de mar. 1958, p.1; Com relao ao direcionamento de Gondim JK solicitando soluo para os problemas da Paraba ver: A UNIO, 18 de dez. 1959, p.1. 23 Ver reportagens de A UNIO, 18 de mar. 1958, p.1; 23 de mar. 1958, p. 1; 08 de abr. 1958, p.3. 24 Ver reportagens dos dias 18 de maio 1958, p.1; 10 de jun 1958, p.1; 23 de ago. 1958, p.1; 06 de set 1958, p.1; 04 de jan. 1959, p.1; 08 de j. 1959, p.1. 25 A UNIO, 22 jan. 1958, p.3.

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    servindo identificao, ao mesmo tempo em que singulariza a linha de cada jornal 26.

    O editorial de A Unio , assim como praticamente todo o seu contedo, uma demonstrao

    da identificao da instituio com o Governo. Sua linha editorial desempenha a funo

    explcita de uma ponte entre o poder pblico e a sociedade. O principal empreendimento ao

    longo desse caminho forjar uma identificao entre o governador e o povo. Diariamente foi

    se moldando enunciaes que apontavam o homem pblico como aquele que entende e se

    sensibiliza com os problemas da populao. Em torno do nome de Pedro Gondim se construiu

    um emblema de poltico popular, que atravs de suas prticas de governo conseguia a cada dia

    angariar adeptos para junto de si, alm de imprimir sua marca de administrao dinmica ao

    governo do Estado.

    Em paralelo ao desenvolvimento de seu governo, de forma at contraditria, o

    fenmeno da seca est presente, e apresentado com bastante nfase pelo Jornal, que retoma

    por diversas vezes discusses acerca dos danos humanos e sociais que a estiagem estava

    causando, no s a Paraba, mas a toda a regio Nordeste. Em suas pginas, A Unio aponta a

    presena do Governo paraibano nos principais focos de crise, sobretudo atravs da atuao da

    Secretaria de Viao e Obras Pblicas. O Jornal destacava os depoimentos de Deputados

    sobre a crise que assola a regio, ao mesmo tempo em que mostrava o Governador

    mobilizado em acudir as vtimas do flagelo. Pedro Gondim recebia, de toda a Paraba,

    apelos e denncias da completa penria que assola o Estado 27.

    Desta forma, no podemos deixar de pensar sobre a cultura poltica nacional, e tambm

    local, que se construiu em torno da seca e da necessidade de socorrer os habitantes da regio

    Nordeste. Trazemos para a elucidao dessa idia, a Tese do historiador Gervcio Batista

    Aranha (2001), na qual ele trabalha a emergncia dos enunciados que apontam o Nordeste,

    ainda Norte, sob os signos da carncia, entre os anos de 1880-1925.

    O mote para a construo do drama que aponta a regio como necessitada justamente

    a seca, da a correspondncia entre a discusso deste autor e a nossa, apesar dos diferentes

    recortes temporais. No Norte do final do sculo XIX, assim como no Nordeste de meados do

    sculo XX, os debates polticos eram atravessados pela constante afirmao, envolta em um

    cenrio de teatralizao, da existncia de necessidades naturais e humanas urgentes, que

    precisavam ser supridas pelo poder executivo nacional. O interessante no negar tais

    necessidades e urgncias, mas, compreender o tom exacerbado, caracterstica da teatralizao

    poltica, que envolvia as enunciaes dos quadros de misria e fome vivenciados pelos

    26 ARAUJO, 1983, p. 145. 27 A UNIO, 09 de mar. 1958, p.1; 18 de mar. 1958, p.1 e 21 de mar. 1958, p.1, respectivamente.

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    homens e mulheres da regio. Como nos afirma Gervcio B. Aranha, a poltica desde os

    ltimos anos do Imprio foi marcada por um excessivo: (...) uso poltico da misria atravs

    dos rgos de imprensa, com destaque para falas que pintam esse ou aquele quadro de

    misria com cores dramticas ou com cores mais desumanas do que seu equivalente na vida

    efetiva dos homens que vivem nas reas submetidas a secas peridicas no Norte. (...).

    (ARANHA, 2001, p.2).

    Como afirmamos anteriormente, o recorte temporal estudado pelo autor abarca os anos

    oitenta do sculo XIX at os anos vinte do sculo XX, um perodo, portanto, no qual a

    nomenclatura Nordeste ainda no vigora para denominar a regio, mas sim a de Norte.

    Todavia, independente de ser chamada de Norte ou de Nordeste, a regio era apresentada sob

    os signos da fome, da misria e da necessidade. Tais caractersticas, destaca Aranha, eram

    transformadas em temas perfeitos para o apelo retrico dos polticos, no sentido de atrair

    recursos e privilgios, os quais, na maioria das vezes, visavam o benefcio de indivduos ou

    famlias e no da coletividade, apesar deste ltimo ser a justificativa para os apelos dos

    parlamentares. Neste sentido, o autor considera que: ... os problemas climticos e os sofrimentos da resultantes, como parte de uma natureza adversa so simples peas de retrica ou simples meios estratgicos usados para causar impacto, para sensibilizar, para fazer crer que um dever do Estado acudir os que so vti mas da fatalidade, a seca com todos os seus horrores. O que realmente se pretende, com esses discursos que os recursos cheguem, reforando assim o poder econmico e poltico daqueles que se dizem preocupados com a misria da regio, isto , os que fazem a elite local e/ou seus representantes no parlamento e na imprensa. (ARANHA, 2001, p. 114).

    Com relao Paraba, nesse quadro de apelo retrico e de necessidades, o autor ainda

    afirma que: A imagem de uma Paraba desamparada, esquecida, coitadinha impressa com maestria pelo citado parlamento. Trata-se de um exemplo tpico de discurso que sensibiliza. Partindo do pressuposto de que um dever do Estado dar proteo s regies atingidas pelas secas, os autores/atores desses discursos carregam nas tintas ao retratarem o drama dos que esto sujeitos aos efeitos calamitosos das longas estiagens, cada um querendo provar que na sua provncia (depois Estados) esse drama mais intenso, condio bsica para se reivindicar os chamados melhoramentos materiais, com destaque para as estradas de ferro. Os aplausos, claro, ficam com aqueles que melhorem se portarem em cena. (ARANHA, 2001, p. 118).

    Ainda neste aspecto, Martinho Guedes dos Santos Neto (2007, p.117), em sua

    dissertao de mestrado sobre a interventoria de Antenor Navarro na Paraba (1930-32), ao

    historicizar o uso feito pelos polticos nordestinos dos danos sociais causados pela seca afirma

    que

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    Toda estrutura organizacional do Nordeste, desde os primrdi os, esteve condicionada iminncia de um perodo de estiagem. Sua economia, sua estrutura social, suas relaes de poder e suas reservas estiveram sempre espera de alguma seca e, ao mesmo tempo, alimentando a esperana de que ela nunca viria. Ordinariamente, as secas produzem fenmenos fsico-sociais com variveis extremas. Entre o