george grosz: minhas pinturas

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  • 8/16/2019 George Grosz: Minhas Pinturas

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    GEORGE GROSZ (1893-1959): “MINHAS NOVAS PINTURAS” (1921) 

    Tradução: Daniela Kern

    Hoje a arte é um negócio absolutamente secundário. Qualquer um capaz de

    ver além das paredes de seu ateliê irá admitir isso. Do mesmo modo, a arte é

    algo que demanda uma decisão definida dos artistas. Você não pode

    permanecer indiferente em relação a sua posição nesse negócio, a sua atitude

    para com o problema das massas, que não é um problema se você vê de

    forma direta. Você está do lado dos exploradores ou do lado das massas que

    estão dando a esses exploradores um belo bronzeado?

    Você não pode evitar essa questão com a velha ladainha sobre a sublimidade

    e a santidade e o caráter transcendental da arte. Nos dias de hoje o artista é

    comprado pelo especulador ou mecenas que paga melhor  –  esse negócio de

    comissões é chamado, em um estado burguês, de o progresso da cultura. Mas

    os pintores e poetas de hoje não querem saber absolutamente nada sobre as

    massas. De que outra forma você pode explicar o fato de que virtualmente

    nada é exposto que, de alguma forma, reflita os ideais e esforços, a vontadedas ambições das massas?

     As revoluções artísticas de pintores e poetas são certamente interessantes e

    esteticamente valiosas  – mas ainda assim, em última análise, são problemas

    de ateliê e muitos artistas que honestamente atormentam a si mesmos acerca

    de tais matérias acabam por sucumbir ao ceticismo e ao niilismo burguês. Isso

    ocorre porque, persistindo em suas excentricidades artísticas individualistas,

    nunca aprendem a compreender questões revolucionárias com qualquer

    clareza; de fato, raramente se ocupam de tais coisas. Porque há mesmo

    pintores que revolucionam a arte sem ter sequer se libertado de pintar Cristo e

    os Apóstolos, justo agora, na época em que é seu dever revolucionário

    redobrar seus esforços na propaganda, a fim de purificar o mundo das forças

    sobrenaturais, de Deus e Seus anjos, e assim aguçar a consciência da

    humanidade a respeito de seu verdadeiro relacionamento com o mundo. Esses

    símbolos, há muito tempo exauridos, e os místicos êxtases dessa estúpidaprestidigitação santa, a pintura de hoje está cheia dessas coisas e o que pode

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    isso possivelmente significar para nós? Todo esse nonsense  pintado

    certamente não pode suportar a realidade. A vida é forte demais para isso.

    O que você deve fazer para dar conteúdo a suas pinturas?

    Vá para uma reunião proletária; observe e ouça como as pessoas ali, pessoas

    como você, discutem algumas pequenas melhorias de sua sorte.

    E compreenda – essas são as massas que estão reorganizando o mundo. Não

    você! Mas você pode trabalhar com elas. Você pode ajudá-las se quiser! E

    desse modo você pode aprender a conferir a sua arte um conteúdo que é

    amparado pelos ideais revolucionários dos trabalhadores.

    No que diz respeito a meus trabalhos sobre esse assunto, quero dizer o

    seguinte: estou outra vez tentando apresentar uma imagem absolutamente

    realista do mundo. Quero que qualquer homem possa me entender – sem essa

    profundidade que está na moda hoje, sem essas profundezas que exigem um

    verdadeiro traje de mergulho recheado com prestidigitações cabalísticas e

    metafísicas. Em meus esforços para desenvolver um estilo claro e simples não

    posso ajudar desenhando como Carrà. No entanto, tudo o que é metafísico e

    burguês na obra de Carrà me repele. Minha obra deve ser interpretada comotreinamento, como um duro exercício, sem qualquer visão da eternidade! Estou

    tentando, em minhas assim chamadas obras de arte, construir algo com um

    fundamento completamente realista. O homem não é mais um indivíduo a ser

    examinado em sutis termos psicológicos, mas um conceito coletivo, quase

    mecânico. O destino individual não importa mais. Como os antigos gregos,

    quero criar símbolos esportivos absolutamente simples, que possam ser tão

    facilmente entendidos que nenhum comentário seja necessário.

    Estou suprimindo a cor. Linhas são usadas de modo impessoal, fotográfico,

    para construir volumes. Mais uma vez estabilidade, construção e propósito

    prático  –  isto é, esporte, engenharia e máquina, mas sem o dinamismo

    romântico futurista.

    Mais uma vez estabelecer controle sobre linha e forma  –  não é mais uma

    questão de conjurar na tela tapeçarias da alma expressionistas, brilhantemente

    coloridas  –  a claridade e a objetividade de um desenho de engenharia é

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    preferível ao descontrolado disparate da cabala, da metafísica e dos santos

    estáticos.

    Não é possível ser absolutamente preciso quando se escreve sobre o próprio

    trabalho, especialmente se você está sempre treinando  – cada dia traz novas

    descobertas e uma nova orientação. Mas gostaria de dizer mais uma coisa:

    vejo o desenvolvimento futuro da pintura ocorrendo nos workshops, na pura

    artesania, e não em qualquer templo sagrado das artes. A pintura é um

    trabalho manual, não diferente de nenhum outro; pode ser bem ou mal feita.

    Hoje temos um sistema de estrelas, assim como nas outras artes  – mas isso

    vai desaparecer.

     A fotografia irá desempenhar um papel importante: hoje um fotógrafo pode

    fazer um retrato seu melhor e mais barato do que o de um pintor. Além disso,

    os artistas modernos preferem distorcer as coisas segundo suas próprias

    modas  – e têm particular aversão a uma boa semelhança. O anarquismo do

    Expressionismo deve acabar! Hoje os pintores são forçados a essa situação

    porque não são esclarecidos e não têm ligação com os trabalhadores. Mas há

    de chegar o tempo em que os artistas  –  ao invés de serem raquíticos

    anarquistas boêmios  –  serão trabalhadores limpos, saudáveis, em uma

    comunidade coletivista. Até que esse objetivo seja realizado pela classe

    trabalhadora, o intelectual vai permanecer cínico, cético e confuso. Apenas

    quando quiserem que a arte seja capaz de romper seus estreitos e rasos

    confins quando flui anemicamente através da vida da elite, apenas então há de

    se tornar uma grande corrente capaz de nutrir toda a humanidade trabalhadora.

    Só então o monopólio do capitalismo sobre as coisas espirituais terá acabado.

    E aqui também o comunismo irá conduzir a uma sociedade verdadeiramente

    sem classes, a um enriquecimento e posterior desenvolvimento da sociedade.