gêneros textuais nos livros didáticos de português (santos) - 2011

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Gêneros textuais nos livros didáticos de Português: uma análise de manuais do ensino fundamental / Leonor Werneck dos Santos [org.].- Rio de Janeiro: UFRJ, 2011. ISBN: 978-85-87043-99-3

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Gneros textuais nos livros didticos de Portugus: uma anlise de manuais do ensino fundamental

Leonor Werneck dos Santos Organizadora1

Leonor Werneck dos Santos Organizadora

Gneros textuais nos livros didticos de Portugus: uma anlise de manuais do ensino fundamental

Rio de Janeiro Faculdade de Letras da UFRJ 2011

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Copyright 2011 dos Autores

Ficha catalogrfica G326 Gneros textuais nos livros didticos de Portugus: uma anlise de manuais do ensino fundamental / Leonor Werneck dos Santos [org.].- Rio de Janeiro: UFRJ, 2011. 339p. ISBN: 978-85-87043-99-3 Livro eletrnico Modo de acesso: www.lingnet.pro.br 1. Livros didticos - Avaliao. 2. Gneros textuais. 3. Lngua portuguesa Livros de leitura. I. Santos, Leonor Werneck dos. II. Ttulo.

CDD 371.32

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SUMRIOApresentao Leonor Werneck dos Santos ............................................. 06 Parte 1 - Tipologias e Gneros textuais: questes tericas Anlise das tipologias textuais e sistematizao de produo e leitura nos livros didticos Marcia Andrade Morais .................................................... 09 Gneros textuais nos livros didticos: uma abordagem torico-metodolgica Margareth Andrade Morais .............................................. 43 Gneros textuais nos livros didticos: problemas do ensino e da formao docente Leonor Werneck dos Santos .............................................. 74 Parte 2 - Gneros orais e ensino Gneros textuais orais nos livros didticos uma anlise metodolgica Welington de Almeida Cruz .............................................. 109 O gnero entrevista na sala de aula: uma proposta de ensino Letcia Tupper ...................................................................

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O gnero textual exposio oral (seminrio) em dois livros didticos de lngua portuguesa do Ensino Fundamental Vivian de Oliveira Quandt ................................................ 186

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Parte 3 - Argumentao e injuno nos livros didticos Gneros instrucionais nos livros didticos: anlise e perspectivas Sylvia J. S. do Nascimento Fabiani ................................... 222

O gnero artigo de opinio em dois livros didticos Raquel Batista dos Santos ................................................. 255 Consideraes sobre o gnero artigo de opinio em livros didticos do segundo segmento do ensino fundamental Nubia Graciella Mendes Moth ........................................ 291

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Gneros textuais nos livros didticos de Portugus: uma anlise de manuais do ensino fundamentalLeonor Werneck dos Santos1

APRESENTAO

Este livro que ora apresentamos, em formato e-book, composto de nove artigos elaborados como trabalho de concluso do curso de ps-graduao Gneros e sequncias textuais: perspectivas tericas e aplicaes ao ensino, oferecido em 2010, na Faculdade de Letras da UFRJ. O objetivo principal desta publicao divulgar debates tericos que travamos durante o curso sobre gneros e tipologias textuais e sua aplicao ao ensino e apresentar anlise de alguns livros didticos. Como proposta de trabalho final para o curso, cada um dos autores dos artigos aqui reunidos se debruou sobre um determinado gnero textual, discutindo segundo perspectivas tericas distintas e analisando-os em duas colees de livros didticos para o segundo segmento do ensino fundamental avaliadas durante o curso: Passaporte para a lngua portuguesa, de Norma Discini e Lucia Teixeira (Editora do Brasil), e Tudo 1

[email protected] 6

linguagem, de Ana Trinconi Borgatto, Terezinha Bertin e Vera Marchezi (Editora tica). Essas colees foram escolhidas devido qualidade da abordagem terica sobre gneros, bibliografia atualizada quanto aos estudos de texto e discurso e tambm devido pluralidade de gneros trabalhados nos volumes do 6 ao 9 anos do ensino fundamental. Este e-book est organizado em trs partes, conforme a temtica. Na Parte 1, os artigos de Marcia Morais e Margareth Morais discutem, respectivamente, questes tericas referentes abordagem das tipologias e dos gneros textuais no ensino fundamental, tomando como exemplo as duas colees analisadas pela turma do curso supracitado. Para complementar essa primeira parte, o artigo de Leonor W. dos Santos embora com enfoque diverso dos demais artigos deste e-book retoma essas mesmas questes tericas, exemplificando com manuais de ensino mdio. Assim, nessa primeira parte, o leitor ter um amplo panorama da abordagem terica em livros didticos voltados para a educao bsica. Na Parte 2, os trs artigos questionam a maneira como os gneros orais so apresentados nas duas colees analisadas: Welington Cruz detm-se a levantar aspectos terico-

metodolgicos; Letcia Tupper discute o ensino do gnero entrevista; e Vivian Quandt enfoca a exposio oral (seminrio). Em todos esses trs textos, percebe-se a defesa de uma maior7

nfase no ensino dos gneros orais, apesar de estarmos diante de duas colees que j os trabalham com qualidade. Por fim, a Parte 3 trata da abordagem de gneros escritos, especificamente das tipologias injuntiva e argumentativa. No artigo de Sylvia do Nascimento Fabiani, a anlise se pauta nos gneros da tipologia injuntiva, que ultimamente tm aparecido em grande nmero nos livros didticos. J Raquel Batista e Nubia Moth ocupam-se do mesmo gnero textual o artigo de opinio , contrapondo, porm, a anlise das duas colees citadas nos demais artigos a uma nova obra: a coleo Para viver juntos, de Ana Elisa de Arruda Penteado, Eliane Gouva Lousada, Greta Marchetti, Heidi Strecker e Maria Virgnia Scopacasa (Edies SM). Diante dessa variedade de artigos, o leitor poder perceber o que vem mudando na abordagem textual, especificamente no trato com gneros textuais orais e escritos diversos. Esperamos, portanto, com este e-book, colaborar para a formao continuada dos professores e para o debate sobre o ensino de lngua portuguesa.

Profa. Dra. Leonor Werneck dos Santos UFRJ maro de 2011

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Anlise das tipologias textuais e sistematizao de produo e leitura nos livros didticosMarcia Andrade Morais (UFRJ)2 1. Introduo

As ltimas pesquisas na rea de estudo de textos apontam para a necessidade do debate sobre a questo do gnero textual no s no mbito acadmico, mas principalmente no contexto do ensino de lngua materna. De fato, no se pode negar que a discusso sobre o trabalho com gneros textuais apresenta, atualmente, grande insero no cenrio escolar. Todavia, importante verificar de que maneira essas novas teorias sobre texto esto sendo aplicadas nos materiais didticos em circulao que, por muitas vezes, lidam com essa gama de informaes novas mais como uma forma de atualizar a abordagem do que com uma estratgia de aplicar de maneira coerente as teorias mais recentes sobre gneros textuais. A discusso se expande para a anlise da tipologia textual. Durante muito tempo, esse tpico recebeu um tratamento assistemtico e confuso em muitos livros didticos. Assim como os gneros textuais, o trabalho com a tipologia, muitas vezes fica a cargo do professor que, sem amparo terico-metodolgico,2

[email protected] 9

relaciona-o ora exclusivamente a atividades de interpretao textual ora ao uso do texto somente como um pretexto para o ensino de tpicos gramaticais. Nesse sentido, a presente pesquisa prope observar em dois livros didticos bem atuais a forma como se d a abordagem da tipologia textual e como ela est atrelada s atividades de leitura e produo textual. Os livros analisados so Passaporte para a Lngua Portuguesa, de Norma Discini e Lcia Teixeira, e Tudo linguagem, de Ana Trinconi Borgato, Terezinha Bertin e Vera Marchezi. Para tanto, a anlise considerar, sobretudo, as asseres do Manual do Professor das duas colees analisadas a fim de estabelecer uma comparao entre o que proposto e o que, de fato, aplicado na exposio dos contedos, bem como na elaborao dos exerccios das colees estudadas. Como metodologia da pesquisa, este estudo pretende apresentar as teorias recentes que versam sobre a questo da tipologia textual, tais como Adam (1992) e Dolz & Schneuwly (2004), a fim de verificar se as colees utilizam estes aparatos ou outros e, principalmente, se a teoria est aliada prtica de forma consistente. Os autores mencionados analisam a questo da tipologia textual sob um vis diferenciado, apresentando, em suas obras, mtodos particulares para o tratamento com a questo do texto.10

Cumpre ressaltar que no se assume aqui que a questo da tipologia textual seja totalmente deixada de lado pelos docentes, mas o que se pretende apontar atravs do embasamento terico como uma viso mais diferenciada sobre as noes de textos contribuem para um desenvolvimento substancial das habilidades de leitura e compreenso de textos. Por isso, os dois materiais didticos selecionados para anlise enquadram-se em um alto nvel de qualidade, j que se prope verificar a maneira como se d a utilizao de uma proposta inovadora em sala de aula em um material de excelncia, quais as dificuldades encontradas, se h algum momento em que a teoria no se aplica e se possvel aperfeioar a prtica, considerando o modelo terico utilizado. Alm disso, um dos maiores desafios de um material que se apresenta aos educandos como uma ferramenta no desempenho como autor / leitor de lngua portuguesa aliar a teoria utilizada sistematizao de leitura e produo textual. Dessa forma, procura-se, tambm, examinar nas colees estudadas como se d a relao entre as atividades de leitura e produo propostas nos livros e o tratamento das tipologias textuais. Por fim, a anlise pretende mostrar, nessas duas colees de bastante renome, o tipo de abordagem feita por cada uma no que diz respeito tipologia textual, considerando, principalmente,

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as relaes entre o aparato terico e as propostas de atividades de leitura e interpretao.

2. Perfil dos livros analisados

Para esta pesquisa, foram analisadas duas colees de livros didticos atuais e de bastante aceitao no mercado de produes de materiais para Lngua Portuguesa. As colees Tudo Linguagem e Passaporte para a Lngua Portuguesa apresentam um contedo muito rico em todos os mbitos de anlise, seja em tpicos de abordagem gramatical, seja em questes de interpretao e produo textual. Nos estudos de texto das ltimas dcadas, muito se discutiu a respeito do ensino de lngua materna no Brasil. Embora muitos estudos j apontassem para a necessidade de uma outra metodologia de ensino, diferente de decoreba de regras gramaticais e uso de textos como simples motivao para o estudo de regras gramaticais, muitos materiais ainda apostavam nessa metodologia, at por falta de um modelo que aplicasse as novas teorias prtica. Na corrente de bons materiais sobre o ensino de lngua, as duas colees analisadas propem-se a apresentar uma viso inovadora no que diz respeito ao trabalho com a linguagem, mostrando que a lngua um espao de interao e no um objeto12

esttico ao qual se impem classificaes, sem espao para uma reflexo acerca dos mecanismos lingusticos. Com relao tipologia textual, cabe analisar o que se expe nas obras sobre esse tema, qual a proposta de anlise com relao s tipologias, qual a teoria apresentada para embasar o tratamento com o texto e se de fato, o que promete feito e de que maneira feito, com que instrumentos. Por isso, cumpre fazer um levantamento em cada coleo, j que, as duas obras apresentam diferenas terico-metodlogicas significativas, alm de um enfoque diversificado, dada a intencionalidade de cada obra.

2.1. Tudo linguagem

A obra em questo est includa no Programa Nacional do Livro Didtico de 2011 (PNLD-EF/2011), programa do Governo Federal voltado para a distribuio de livros didticos de qualidade s escolas de todo o Brasil. Aps passarem por uma criteriosa avaliao, os livros so distribudos nas escolas para que seja adotada determinada coleo nos anos subsequentes. O livro Tudo Linguagem foi elaborado por trs especialistas na rea dos estudos lingusticos, que, alm de possurem vasta experincia no mbito do ensino de turmas de nvel fundamental e mdio, propem-se a ultrapassar as fronteiras13

dos muros acadmicos aplicando as teorias sobre texto ao material voltado para os estudantes do nvel bsico de ensino. A coleo rene exerccios que propem uma abordagem da linguagem como interao, em que o sentido do texto no considerado pronto, mas sim em construo, atravs das trocas entre o sujeito produtor e o sujeito leitor, tendo em vista que o ltimo no s parte integrante, como tambm atuante no processo de construo de sentido. Assim, ao observar o ttulo da obra Tudo Linguagem pode-se perceber a perspectiva de abordagem da lngua de que partem as autoras. Ao considerar tudo que nos cerca como linguagem, Ana Trinconi, Vera Marchezi e Terezinha Bertin orientam o educando a ser sensvel nossa realidade, como se tudo fosse passvel de uma interpretao e de um olhar mais curioso e perspicaz daquele que domina os instrumentos lingusticos capazes de desenvolver no falante a competncia de se comunicar (escrita e oralmente) em qualquer circunstncia. Do 6 ao 9 anos do ensino fundamental, trabalham-se variados gneros textuais, com nveis de complexidade diferentes, analisando-se a estrutura, a composio e o estilo de determinado, caractersticas que fazem com que o texto se enquadre em um gnero e no em outro. Na proposta dos exerccios de anlise de tpicos gramaticais, h, na maioria das vezes, uma motivao que leva os alunos a perceber o uso de certos mecanismos lingusticos.14

Com relao ao Manual do Professor, o livro oferece um timo suporte ao docente, medida que o orienta claramente no manejo com o texto e com os exerccios, alm de apresentar a maneira como foi relacionado aparato terico utilizado prtica em sala de aula.

2.2. Passaporte para a Lngua Portuguesa

O primeiro aspecto a ser ressaltado com relao coleo elaborada pelas professoras Lcia Teixeira e Norma Discini o olhar diferenciado com o qual as autoras trabalham os diversos sentidos possveis do texto, aqui tambm entendido como a realidade que nos cerca, ou seja, no s o texto escrito, mas a linguagem visual, a msica, a dana, considerando os textos sincrticos, que unem as diferentes linguagens. Ainda que no seja explcito durante a obra, nem no Manual do Professor, a teoria que as autoras utilizam para guiar a orientao de leitura a semitica, o que se deve em grande parte formao das autoras, ambas doutoras na rea de Lingustica e Semitica. Em linhas gerais, de acordo com a teoria semitica, prope-se fazer uma anlise formal do texto, estudando o conjunto de relaes que produz o significado do texto, ou seja, o que o texto diz. Tal relao designa por si a observao da forma do15

contedo, considerando, sobretudo como o texto diz, j que atravs da observao formal dos elementos do texto que se chega a concluses sobre seu contedo. Dessa forma, as autoras utilizam essas noes tericas da semitica a fim de elaborar um material que perceba o texto como um processo que une o dentro e o fora, em que no se tem um produto, mas sim uma situao em que h um enunciado guarda marcas de sua enunciao, sendo possvel, portanto, resgat-las atravs de atividades de leitura a fim de produzir sentido(s) possvel (is) para o texto. Ento, um dos papis do educando, nesse contexto, o de estabelecer-se como sujeito de um processo de interao por intermdio da percepo de que o sentido no dado na realidade das coisas, mas construdo na interao na relao com o outro. Assim, abandona-se o conceito tradicional de que h um nico caminho possvel para o entendimento do texto, bem como se rejeita a postura do docente como exclusivo receptor de informaes. Os exerccios propostos tm como um dos principais objetivos estimular a habilidade de os alunos reconhecerem as marcas enunciativas, ou seja, as pistas deixadas pelo enunciador com a finalidade de fazer perceber a intencionalidade

comunicativa de cada texto. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que se compreende que no h somente um nico caminho para16

desvendar os sentidos do texto, no se assume a ideia de que vale tudo, que exerccios de interpretao so respostas pessoais, ambiente em que tudo possvel. Reconhecer, ento, que nenhum discurso novo, que a linguagem uma soma de toda nossa experincia como falantes fundamental para entender a perspectiva dialgica da linguagem, de onde partem as autoras. O discurso uma captao de vozes demarcando a instaurao da imagem de um sujeito, quesito primordial em muitas estratgias argumentativas apontadas nos exerccios e exploradas em muitas atividades de leitura. Com relao ao Manual do Professor, pode-se dizer que no h um aparato metodolgico aprofundado que oferea uma sustentao clara ao professor. Ainda que a abordagem do ensino atravs de uma teoria de texto seja excelente, h muitos educadores que no sabem lidar com a questo e necessitam de um direcionamento carncia do Manual do Professor desta coleo. Em um tpico posterior, discutir-se- com um enfoque maior a questo da tipologia textual nas colees trabalhadas, relacionando-as s questes de leitura e produo textual propostas nos livros, considerando, tambm, as teorias sobre texto e discurso de Adam e Dolz & Schneuwly, explanadas a seguir.

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3. Algumas questes tericas sobre tipologias textuais

O trabalho com as tipologias j carrega em si uma confuso no que diz respeito nomenclatura utilizada. A depender da teoria pelo qual o livro didtico fundamentado, a nomenclatura pode variar, o que indica que, se uma mesma coleo no for usada ao longo de toda a formao no nvel fundamental ou mdio do aluno, pode haver confuso em relao a um mtodo ou outro estudado. Alm disso, o trabalho com tipologia, durante muito tempo, apareceu desconectado de questes relacionadas a leitura e compreenso do texto, j que, em muitos livros didticos, destinava-se somente uma seo para tratar da tipologia. Nela, apareciam as caractersticas de cada tipo de texto, e o aluno deveria decorar tais caractersticas apenas com a finalidade de classificar qual texto pertencia qual tipologia, sem nenhuma reflexo mais aprofundada sobre o tema. A situao se complica quando se trata do ltimo ano do Ensino Mdio, fase em que os educandos se preparam para os exames de vestibular. Embora algumas universidades j apresentem propostas de produo de variados tipos de texto para avaliar a capacidade de escrita do aluno, o que se tem ainda de maneira predominante a exigncia de um modelo dissertativoargumentativo, em que um aluno deve defender um ponto de vista18

acerca de determinado assunto a fim de demonstrar, dentre outras coisas, sua capacidade de argumentar construindo um texto coerente. Nesse contexto, o estudo da tipologia entendido apenas como uma adequao s regras de determinado texto para alcanar um objetivo maior que ingressar em uma universidade. Valendose desse propsito, as escolas / cursinhos criam o mito do que se pode ou no fazer, considerando as limitaes impostas pelo tipo de texto, restringindo, portanto, a liberdade de criao dos alunos em funo de um critrio justo de avaliao. Entretanto, muitos materiais didticos j se propem a aplicar as teorias de texto que preconizam uma observao do estudo da tipologia textual no apenas como uma memorizao de determinadas caractersticas, mas como um processo de interao atravs da linguagem. Nessa corrente esto as teorias de JeanMichel Adam e Dolz & Schneuwly, estudiosos que se debruaram sobre os estudos de texto, preocupando-se em algum momento de suas pesquisas, com a questo da tipologia textual, conforme pode-se ver a seguir.

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3.1. A teoria de Adam

Jean-Michel Adam um dos maiores especialistas na rea dos estudos de texto e discurso. Tem seus estudos voltados para a interface entre lingustica textual e anlise do discurso francesa, fundamentando sua teoria, basicamente, em meados dos anos 90 quando os estudos de texto passaram a observar vrios nveis de anlise, principalmente os atos de fala e os aspectos situacionais. Partindo da concepo dialgica da linguagem de Bakhtin, Adam (1992) aproveita os conceitos bakhtinianos de que nenhum discurso novo e que a produo do falante representa toda experincia, vivncia e prticas sociais que fizeram parte de sua vida at o momento da realizao do ato de fala. Dessa maneira, esto previstos os papis de enunciador e enunciatrio dentro do texto, bem como as marcas da enunciao, que abrem as brechas para a (re) construo do sentido. Nesse contexto, a preocupao inicial de Adam propor uma reflexo terica que d conta das orientaes enunciativas sem abandonar os aspectos formais que permeiam a estrutura do texto. Em seu livro Les textes: types et prototypes (1992), Adam debrua-se sobre a questo da tipologia textual, apresentando enfoque diferente de teorias anteriores, delimitando seu conceito de tipo de texto.

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A princpio, cumpre destacar que Adam atribui uma outra nomenclatura questo da tipologia, denominando-a de sequncia textual por entender que o texto composto de vrias sequncias de formas lingusticas que interagem para formar o todo do texto. a relao dessas sequncias que determinam a unidade maior que resultar em um dado domnio lingustico predominante. Adam se vale das noes de gnero primrio e secundrio de Bakhtin a fim de construir sua teoria sobre as sequncias. Para Bakhtin, os gneros primrios compreendem tipos simples de enunciado, como a rplica do dilogo cotidiano, a carta, enquanto os gneros secundrios so considerados tipos complexos, tais como o romance e a pea de teatro. Bakhtin (1953) afirma serem os gneros tipos relativamente estveis de enunciado, em que o enunciado interliga-se ao gnero na medida em que estes so percebidos como elementos de uma instncia social. Para Adam, as sequncias equivalem aos gneros primrios de Bakhtin em virtude do alto grau de estabilidade que apresentam. As sequncias so, portanto, componentes textuais, constitudos de proposies relativamente estveis e maleveis que se combinam a fim de formar os gneros secundrios. Os gneros e as prticas discursivas so, para Adam, atividades complexas e heterogneas e se estruturam em esquemas de organizao textual, o que define os textos como uma estrutura sequencial estrutura heterognea. Sem abandonar o contexto que21

envolve a enunciao, tampouco as escolhas lingusticas que determinam a estrutura do texto, Adam concebe duas dimenses que configuram o texto: a pragmtica e a estrutural. Com relao pragmtica do texto, h uma semntica que confere ao texto uma coeso com o mundo representado, uma dimenso argumentativa, presente em todo o texto, explicita ou no, que determina o todo do texto, considerando seu objetivo e, por fim, uma esfera enunciativa, responsvel pela tonalidade enunciativa do discurso oral, discurso escrito, discurso no-real, discurso cientfico e discurso potico. No que tange configurao estrutural do texto, interessa a arquitetura das proposies, que constitui uma dimenso estrutural. Considera-se a relao sinttica dos elementos do texto, a concatenao das proposies e a ligao entre as partes do texto, como a frase, o pargrafo, a estrofe. Esta a base da constituio da tipologia textual para Adam, em que se tem um esquema de base composto de elementos prototpicos instaurados e reconhecidos pelos sujeitos quando de suas interaes. O prottipo, nesse sentido, fundamental na teoria de Adam, uma vez que ele o objeto mais tpico da composio, sendo o objeto que rene o maior nmero de pistas, caractersticas em comum. O estudioso no despreza, entretanto, a

heterogeneidade constitutiva dos textos, mas afirma a existncia

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desses traos anlogos a fim de que eles sejam reconhecidos pelos falantes de maneira mais ou menos cannica. Como ponto central da categorizao dos textos, Adam prope a subdiviso das sequncias textuais em narrao, descrio, explicao, argumentao e dilogo, principais componente para a atividade com os textos. Em seus primeiros estudos, Adam enquadrava a sequncia injuntiva e potica em seu esquema prototpico, porm, ao longo de suas anlises, entendeu que aquela sequncia poderia incluir-se na sequncia descritiva pelo seu carter descritivo de aes, enquanto esta no se constituiria como um tipo especfico de texto. Ao pensar essa diviso em sequncias, Adam expe uma viso modular, em que a h um enfoque em uma sequncia enunciativa. Para o linguista, os textos seriam muito heterogneos para enquadr-los em tipos, o que o levou a pensar em uma conjuno de sequncias que se relacionam para formar o todo do texto. A seguir, descrevem-se as sequncias textuais propostas por Adam.

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Sequncia

Relaes estabelecidas Processo que organiza os acontecimentos de maneira a formar um todo com incio, meio e fim, havendo, portanto, uma sucesso temporal. Transformao de predicados, relao de causa / consequncia e avaliao final. No h uma ordem linear obrigatria, mas sim a presena de uma organizao espacial delimitada. Ordem hierrquica, vertical. Processos de ancoragem, aspectualizao, relacionamento. Sntese de conceitos, relaes de causa que ligam os fatos. Constatao inicial, problematizao, resoluo, concluso-avaliao. Presena de uma tese, operaes de inferncia, passos argumentativos: premissas, apresentao de argumentos / contra-argumentos e concluso. Processos de interao verbal, discursos interativos dialogados, segmentos realizados em turnos de fala. Intercmbio de abertura, transicional e fechamento.

Gneros prototpicos

Narrao

Fbula, conto, notcia

Descrio

Anncio, classificado, curriculum

Texto de divulgao

Explicao

Argumentao

Editorial, carta argumentativa, artigo de opinio

Dialogal

Entrevista, exposio dialogada

Tabela 1: Quadro das sequncias textuais na teoria de Adam (retirado de BONINI, 2005, p.212)

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3.2. A teoria de Dolz & Schneuwly

Joaquim Dolz e Bernard Schneuwly so professores da Universidade de Genebra, na Sua, e ambos atuam no Grupo Grafe Grupo Romando de Anlise do Francs Ensinado. Dolz & Schneuwly apresentam um trabalho voltado para o ensino de Lngua Materna tendo o diferencial de reunir teorias de Sociolingustica e Psicolingustica, que contribuem e do diretrizes diferenciadas ao trato da lngua materna em sala de aula. Embora os autores suos tenham seus estudos recentes voltados principalmente para o trabalho com os gneros textuais orais e escritos na escola, os autores tomam as questes de tipologia textual como um processo de reconhecimento de certas estruturas psicolgicas e lingusticas por parte do falante, a fim de que este desenvolva estas operaes de maneira gradativa a fim de que seja um produtor proficiente de textos em diferentes tipologias em sua lngua. Os autores, por no focalizarem a pesquisa na questo da tipologia, adotam como base de anlise as definies de Bronckart et al. (1985) e Adam (1992). O primeiro descreve os tipos como processos heterogneos de linguagem, j que so elaborados a partir das formaes scio-lingusticas que tm diversas maneiras de apresentao. J o ltimo, como foi observado no tpico anterior, volta seu esquema de anlise para a composio25

prototpica dos textos, considerando um processo de sequncias que se relacionam com o todo do texto e produzem certa sequncia textual. Para Dolz & Schneuwly (2004), os tipos de texto, sob o ponto de vista psicolgico, so consequncias de operaes de linguagem efetuadas no curso da produo. Tais operaes esto relacionadas situao material de produo, possibilitando o que os autores chamam de relao de implicao / autonomia, correspondente s relaes estabelecidas entre os gneros primrios e secundrios. Ainda imbricadas nestas operaes textuais, esto as relaes instauradas entre a enunciao e o enunciado, num processo de disjuno / conjuno com os objetos do mundo, passando de um nvel mais ou menos ficcional com a situao Cabe ressaltar ainda a forma como essas operaes se desenvolvem para os estudiosos. Os tipos de texto, que so resultados destas operaes, so processos que no se tornam disponveis de uma s vez, mas que se constroem ao longo do curso das interaes entre os sujeitos e as relaes que se estabelecem entre o nvel estrutural e pragmtico. Propem, ento, os autores, uma definio de tipologia est relacionada aos gneros textuais no sentido de que as opes de escolha do falante garantem um domnio mais eficiente do

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gnero, gerando uma maior heterogeneidade de textos. Segundo os autores:

Os tipos de texto ou, psicologicamente falando, as escolhas discursivas que se operam em nveis diversos do funcionamento psicolgico de produo seriam, portanto, construes ontogenticas necessrias autonomizao dos diversos tipos de funcionamento e, de modo mais geral, da passagem dos gneros primrios aos secundrios (digo psicologicamente falando, medida que os tipos [...] tm sempre duas faces: uma operao psicolgica de escolha dentro de um conjunto possvel e uma expresso lingustica dessa escolha no nvel lingustico). (DOLZ & SCNEUWLY, 2004, p.33)

Para Dolz & Schneuwly, um quadro terico das tipologias textuais compreende um agrupamento dos gneros de maneira prototpica, pensando a atividade psicolgica envolvida no processo de categorizao das tipologias. Segue abaixo o agrupamento dos gneros em funo das tipologias:

Sequncias textuais

Domnios sociais / capacidades de linguagem Cultura literria ficcional / mimeses da ao atravs da criao de intriga

Gneros prototpicos

Narrar

Conto maravilhoso, fbula, lenda.

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Relatar

Documentao e memorizao de aes humanas / representao pelo discurso de experincias vividas, situadas no tempo. Discusso de problemas sociais controversos / sustentao, refutao e negociao de tomadas de posio. Transmisso e construo de saberes / apresentao textual de diferentes formas dos saberes. Instrues e prescries / Regulao mtua de comportamentos.

Relato de experincia vivida, relato de viagem, testemunho.

Argumentar

Texto de opinio, dilogo argumentativo, carta do leitor

Expor

Seminrio, conferncia, artigo

Descrever aes

Regras de jogo, instruo, regulamento.

Tabela 2: Quadro dos gneros em funo das capacidades lingusticas dominantes (adaptado de DOLZ & SCHNEUWLY, 2004, p. 102) A partir do quadro tipolgico dos autores suos, pode-se perceber que h diferenas com relao ao enfoque de alguns processos. Dolz & Schneuwly estabelecem uma distino entre narrao e relato, uma vez que, segundo os estudiosos, o que caracteriza o mundo do narrar a existncia da intriga, enquanto o mundo do relatar estaria mais relacionado representao de memria e documentao.

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Em outro aspecto, os autores no consideram a sequncia descritiva como uma sequncia textual especfica, inserindo, entretanto, uma organizao esquemtica deixada de lado em estudos mais recentes de Adam, a sequncia injuntiva, com modelos especficos e gneros prototpicos. A seguir, far-se- uma relao entre as teorias analisadas e as colees pesquisadas, relacionando a abordagem da tipologia textual s atividades de leitura e produo propostas pelas autoras.

4. A abordagem da tipologia nas colees

4.1. Tudo Linguagem

A coleo Tudo Linguagem, como j foi mencionado, est includa no PNLD de 2011, recebendo timas crticas dos avaliadores. A coleo inclui os volumes do 6 ao 9 anos do Ensino Fundamental e prope o trabalho com as diferentes linguagens a fim de estimular no aluno a capacidade de conhecer e interpretar a realidade diversificada que o cerca. Com relao ao trabalho com a tipologia, a coleo tem como base a abordagem de Dolz & Schneuwly, cujo trabalho enfoca as capacidades de linguagem sobre as quais os gneros textuais esto agrupados. Nesse sentido, a obra utiliza-se da nomenclatura que versa sobre os domnios do narrar, relatar,29

expor, argumentar e instruir / prescrever, conforme trecho do Manual do Professor contido no referido livro:

1.

em funo das capacidades de linguagem que constituem as prticas de usos da linguagem e que distribuem os gneros por cinco domnios (Schneuwly e Dolz): o narrar, o relatar, o expor, o argumentar e o instruir / prescrever. Cada domnio (agrupamento de gneros) favorece o desenvolvimento de algumas capacidades globais a serem construdas ao longo da escolaridade. (Manual do Professor, p.8)

A proposta da coleo, de acordo com o Manual do Professor, trabalhar cada tipologia em determinado volume, sendo os gneros no mbito do narrar no 6 ano, o relatar no 7 ano, o expor e o argumentar no 8 e no 9 ano os gneros relacionados ao argumentar. O enfoque da obra so os gneros textuais, conforme fundamentao terica de Dolz & Schneuwly e, por esse motivo, as tipologias textuais so abordadas em funo do agrupamento de gneros. Esse um tipo de abordagem bastante interessante, uma vez que no se tem a ideia de tipos de texto isolados de prticas sociais e no se exige do aluno que ele decore as caractersticas das tipologias somente para identificar se esse ou aquele texto se enquadra em determinado tipo, mas pressupe-se que ele, ao ser confrontado com variados gneros de um mesmo domnio, construa esquemas psicolgicos que o faam compreender e30

refletir que existem capacidades de linguagem que agrupam gneros textuais comuns. Entretanto, cumpre destacar que Dolz & Schneuwly, ainda que no tenham seus estudos estritamente voltados para a questo das tipologias, apontam uma diferena interessante entre narrao e relato, indicando que h divergncias tanto estruturais, quanto no esquema psicolgico das duas capacidades de linguagem, tendo a intriga como um aspecto caracterstico da narrao e no do relato. Ao analisar a coleo Tudo Linguagem, nota-se que as autoras, de fato, procuram fazer uma abordagem de acordo com o aparato terico escolhido, uma vez que h uma preocupao com relao ao domnio explorado por cada texto e um objetivo claro de, na maioria das vezes, fazer com que o aluno perceba no s os elementos estruturais, mas as escolhas psicolgicas e pragmticas de todo texto trabalhado na unidade. Todavia, tal diferenciao feita pelos autores suos entre narrao e relato , por vezes, deixada de lado pelas autoras da coleo Tudo Linguagem. A narrao, por possuir caractersticas bem determinadas e especficas, abordada de maneira coerente com a proposta, mas o mesmo no feito com relao ao domnio do relatar, uma vez que este tratado na coleo mais como um gnero textual do que como um domnio discursivo.

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Na coleo, o mundo do narrar tem bastante destaque com diversos gneros como o conto, a crnica, o romance, reportagem, notcia, em que possvel delimitar o esquema narrativo de personagens, tempo e espao. J o mundo do relatar tem seu espao restrito ao volume do 7 ano em que so abordados os relatos de memria e de experincia como gneros subjacentes ao mundo do narrar. Ainda que no incio da unidade haja uma explicitao do trabalho com o relato como um domnio, isso no comprovado ao longo da unidade. Outro aspecto relevante com relao ao trabalho com a tipologia textual a confuso entre a escolha do aparato terico com a aplicao da teoria no trato com o texto. No volume do 9 ano desta coleo, aps anlise da msica Sinal Fechado, de Paulinho da Viola, h uma referncia sequncia conversacional, destacando as caractersticas tpicas desta sequncia, como turno de fala, as pausas e interrupes, presena do interlocutor, dentre outros. De acordo com a teoria de Dolz & Schneuwly, autores utilizados como fundamento da coleo, no h referncia a esse tipo de sequncia, tampouco ela citada no Manual do Professor como as demais. Estudiosos como Adam e Marcuschi consideram a tipologia conversacional / dialogal em seu quadro terico, mas o primeiro sequer mencionado nas referncias bibliogrficas e o segundo citado atravs da obra Anlise da Conversao (1999).

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Nesse caso, cabe ao professor, investigar por conta prpria a sequncia em questo. No se assume que esse no seja um trabalho do docente, mas espera-se que ele no seja surpreendido com uma abordagem que no esteja explicitada no Manual do Professor de maneira clara e coerente a fim de auxiliar o trabalho do professor em sala de aula. Com relao s atividades de leitura, possvel dizer que a coleo prope, sempre que possvel, exerccios de interpretao e anlise textual conectadas s estruturas esquemticas e

pragmticas dos gneros e tipologias. H uma preocupao com os processos que envolvem cada texto, entendendo-os como sequncias que se relacionam ao todo do texto. No se espera que o educando memorize cada texto como pertencente determinada tipologia, at mesmo porque parte-se do princpio que o texto apresente predominantemente certa sequncia, o que no significa que ele no possua outras sequncias em suas estruturas. A intencionalidade do texto, as pistas deixadas pelo autor atravs dos mecanismos lingusticos, o modo como as estruturas se relacionam de maneira coerente so atreladas questo da tipologia, levando o aluno a perceber como as habilidades de leitura se relacionam a fim de desenvolver a proficincia dos alunos em sua lngua materna.

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Todavia, nem sempre isso totalmente posto em prtica, j que, em alguns momentos, o trabalho com tipologia aparece como pretexto para questes de interpretao. Os aspectos referentes ao esquema das sequncias so abordados, por vezes, como atividades de interpretao textual, sendo deixados de lado os aspectos lingusticos que atuam na constituio daquele tipo de sequncia. No que diz respeito s atividades de produo textual, em toda unidade h um espao reservado escrita, considerando o processo de produo, a inteno, o propsito da escrita e a posterior divulgao dos textos. As propostas de produo so de textos variados, passando por todas as tipologias, considerando as variaes lingusticas e os nveis de formalidade, conforme reza o Manual do Professor. No entanto, em todos os volumes, h uma exigncia de produo de um determinado gnero, pertencente a alguma tipologia no trabalhada na unidade. Nem todos os textos precisam ser produzidos pelos alunos, de maneira que possvel analisar o estilo, a composio e o contedo temtico dos textos sem necessariamente passar pelo processo de produo do aluno, se no houver um objetivo claro, um exerccio coerente com a atividade. Dessa forma, a preocupao em trabalhar a maior quantidade de gneros possveis, de variadas tipologias,34

transparece, tambm, nas atividades de produo textual, em que certa tipologia, ainda que no estudada ao longo da unidade, cobrada na produo escrita dos alunos, tornando, s vezes, difcil e complexo o processo de produo dos alunos. De maneira geral, as autoras cumprem o objetivo de englobar as diferentes linguagens que cercam o mundo do aluno, capacitando-o a ser sensvel s coisas do mundo atravs de sua lngua, lendo e escrevendo para fazer parte de sua realidade social.

4.2. Passaporte para a Lngua Portuguesa

O referido livro, como j foi dito anteriormente, baseia-se na teoria semitica para anlise de textos. Embora a coleo no tenha sido includa no PNLD de 2011, a obra bastante conceituada no meio acadmico, tendo, tambm, grande adeso entre os professores do ensino regular. A coleo rene livros do 6 ao 9 anos do Ensino Fundamental e prope a observao dos textos como um meio de compreender o mundo atravs da Lngua Portuguesa. No que diz respeito s tipologias textuais, no h uma teoria explcita no Manual do Professor que oriente a abordagem, j que, alm da referncia bsica e fundamental de Bakhtin para o olhar sobre os gneros do discurso, no se apresenta um quadro

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terico especfico para o trabalho com a tipologia textual. De acordo com o Manual do Professor:

Tanto para a Expresso Oral como para a Expresso Escrita distinguem-se gneros de tipos de textos. Os tipos de texto so: descritivo, narrativo, argumentativo, expositivo e injuntivo, este ltimo concretizando-se em textos instrucionais, em que se do regras de como fazer algo, como um manual de instruo ou uma receita culinria. descrio, cabe retratar uma personagem, um espao e aes de personagens. A chave terica para descrio manter-se como tal, no transformar-se em narrao, o que acontece se houver uma transformao temporal. (Manual do Professor, p. 12)

Aps a exposio da nomenclatura utilizada na coleo, segue a descrio das caractersticas de todas as tipologias, com trechos de obras para exemplificao e uma cuidadosa distino entre as tipologias entre si e os respectivos gneros que acompanham cada tipologia. Nesse sentido, a abordagem tambm prope o estudo da tipologia atrelada aos gneros a fim de que o aluno tenha a conscincia do que escrever, pra quem escrever e por que escrever, j que entende gnero e tipologia como prticas sociais que envolvem os sujeitos em interao atravs da linguagem. H uma preocupao, tambm, com a expresso oral e escrita, considerado as mltiplas possibilidades de realizao da linguagem. Ento, a proposta de abordagem da tipologia no deixa

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de considerar as diferentes modalidades, considerando as caractersticas de cada contexto comunicativo. Ao longo do trabalho com a tipologia e os gneros textuais, h aspectos da teoria semitica que so considerados na anlise dos textos. A proposta das autoras levar os alunos a perceber a presena das vozes no discurso, a instaurao de um ethos no texto com determinada intencionalidade, as instncias de enunciador / enunciatrio, a configurao dos textos em um plano de expresso que remete a um plano de contedo, as categorias de pessoa / tempo / espao, que configuram os papis discursivos nos textos, as composies de temas e figuras, dentre outros. Todas essas questes apontam para um ensino de Lngua Materna que respeita o texto em todos os mbitos, entendendo os textos no s como os registros escritos e verbais, mas tambm a pintura, a dana, as imagens, os smbolos como componentes da Lngua e a interao entre os sujeitos. Todavia, o Manual do Professor desta coleo muito breve e no oferece aparato terico necessrio ao professor que deseja utilizar o livro em sua sala de aula. Embora a abordagem seja peculiar e bastante interessante, diferente do que

normalmente se v em livros didticos, complexo o processo de anlise dos textos e, dessa maneira, o docente que no domina estas teorias encontra dificuldades em trabalhar com a coleo.

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Alm disso, no que diz respeito nomenclatura utilizada, no Manual do Professor, fala-se em tipos textuais, determinandoos em narrativo, injuntivo, argumentativo, descritivo e expositivo. No entanto, ao longo das unidades, as autoras optam, tambm, pela nomenclatura sequncia textual, deixando confuso se o aparato terico e as definies permanecem as mesmas ou se pretende-se tomar o termo tal como o faz Adam. As atividades de leitura propostas no livro possuem um objetivo claro de instrumentalizar o aluno nas questes do texto, fazendo-o perceber como as caractersticas tipolgicas se relacionam ao processo de construo de sentidos dentro do texto. Portanto, a ideia de lngua como espao de interao fundamental durante a obra, j que o aluno levado a perceber a importncia do papel que assume enquanto leitor e produtor de textos em sua lngua materna, ao mesmo tempo em que percebe o uso de mecanismos lingusticos em funo da construo de um texto coerente, confirmando as pistas deixadas pelo autor no ao de sua produo. Com relao s atividades de produo textual, observa-se na coleo que so expostos textos de diferentes gneros e tipologias, mas, assim como na coleo Tudo Linguagem, nem sempre os gneros / tipologias so trabalhados de maneira especfica e a posterior produo dos alunos fica comprometida,

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s vezes, pelo fato de os educandos profundamente o texto que vo produzir.

no conhecerem

5. Consideraes Finais

Esta pesquisa procurou demonstrar como a questo da tipologia textual relaciona-se s atividades de produo e leitura nas colees Tudo Linguagem e Passaporte para a Lngua Portuguesa. A proposta do estudo, ento, foi verificar como os livros abordam a tipologia textual e que tipo de exigncia fazem dos alunos a respeito das atividades de leitura e produo. A partir da exposio terica de Dolz & Schneuwly e Adam, buscou-se estabelecer uma relao entre a abordagem dos livros e a proposta dos autores no que diz respeito questo da tipologia textual. Aps a anlise das teorias, foi possvel perceber que, para os autores pesquisados, o processo comunicativo pressupe a instaurao dos sujeitos como atuantes na construo de sentidos. Alm disso, com relao tipologia textual, os autores preconizam a existncia de duas instncias que compem o esquema das tipologias: sequncias estruturais que renem aspectos lingusticos caractersticos e uma configurao pragmtica que contempla aspectos psicolgicos no

reconhecimento e reproduo dos tipos textuais.39

Aps a anlise das duas colees, constatou-se que, ainda que a proposta de abordagem das tipologias em ambas as obras seja inovadora e bastante interessante, ainda h muita confuso no s quanto nomenclatura, mas tambm quanto ao tipo de exigncia feita aos alunos quando se considera o trabalho com os variados gneros e tipos textuais. Nesse sentido, considerou-se, tambm, o Manual do Professor das duas colees a fim de comparar o que se propunha nos livros e o que de fato cumpria-se nas unidades. Assim, foi possvel perceber que, por vezes, havia divergncia entre a teoria utilizada e o trabalho com os textos, principalmente quando o trabalho com a diversidade de gneros e tipos se sobrepunha a um olhar mais cuidadoso e coerente em cada texto. As atividades de leitura e produo de ambas as colees so de tima qualidade e, nas duas obras, nota-se uma preocupao em fazer com que o aluno reflita sobre a aprendizagem, sem encarar as aulas de portugus como somente um espao para decorar regras gramaticais, tampouco memorizar caractersticas a fim de fazer somente uma identificao entre as tipologias / gneros textuais. O papel dos textos nesse tipo de trabalho no se resume ao mero pretexto para se abordar questes gramaticais, mas eles so entendidos como prticas sociais que envolvem os sujeitos que constroem sentidos atravs da leitura e da produo textual.40

Por fim, cumpre destacar que, ainda que haja algumas crticas ao trabalho das autoras de Tudo Linguagem e de Passaporte para a Lngua Portuguesa, ambas as colees so de altssima qualidade e propem um ensino de Lngua Portuguesa dinmico, coerente s novas teorias e questionador, no que diz respeito ao papel do aluno em sala, que sai de uma tradio de mera recepo de conhecimentos para ser parte atuante no processo de aquisio de conhecimentos.

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Gneros textuais nos livros didticos: uma abordagem torico-metodologicaMargareth Andrade Morais (UFRJ)3 1. Introduo O desafio de realizar um trabalho coerente e satisfatrio com gneros textuais tem sido tema de muitos estudos no campo do ensino de lngua materna. A implementao dos Parmetros Curriculares Nacionais (PCN), em 1998, pelo MEC colocou os gneros textuais no centro desse debate. Embora esse documento esteja amparado em concepes de lngua/ensino e outros pressupostos tericos trazidos pela Lingustica Textual j discutidos antes da sua publicao, a divulgao dos parmetros teve por mrito introduzir essas discusses, muito restritas ao ambiente acadmico, ao ambiente escolar. No entanto, por problemas na formao e a dificuldade de os professores se engajarem em atividades de atualizao, o livro didtico passou a ser a principal ferramenta terico-metodolgica do professor em seu fazer pedaggico. Dentro dessa perspectiva, o presente artigo pretende analisar de que maneira feita a abordagem dos gneros textuais em duas colees de livros didticos de portugus e de que forma3

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o trabalho com os gneros realizados nesses compndios favorece a uma melhoria nas habilidades de leitura e produo de texto a serem desenvolvidas pelos alunos. Especificamente, objetiva-se analisar de que forma os autores trabalham com os gneros textuais e, se a abordagem escolhida contribui, efetivamente, para um melhor desempenho comunicativo. A fundamentao terica sobre gneros textuais parte de Bakhtin (1992), mas tambm se utiliza de obras mais recentes que esclarecem bem a noo de GT e sua relao com o ensino , uma vez que Bakhtin apenas lana as bases para o entendimento dos gneros, mas sua preocupao no com o ensino de lnguas, como Dolz & Schneuwly (2004), Koch & Elias (2006), Marcuschi (2008) e outros. Tais conceitos, por vezes, sero relacionados aos pressupostos contidos nos PCN, j que o documento que serve de norte para os livros didticos. As colees escolhidas para a anlise so Tudo linguagem, editora tica e Passaporte para a Lngua Portuguesa, editora Brasil. O primeiro livro (Tudo linguagem) foi aprovado pelo PNLD 2011 e consta no catlogo. J o Passaporte para a Lngua Portuguesa, por problemas tcnicos, no foi submetido anlise da equipe do PNLD. Vale destacar que no o foco deste trabalho avaliar a qualidade desses livros didticos. O interesse , de fato, discutir sobre o trabalho realizado e lanar bases para que

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se possa aprimorar o tratamento dos gneros textuais nos livros didticos de portugus.

2. Por que utilizar os gneros textuais como objeto de ensino nas aulas de Lngua Portuguesa?

Desde a elaborao os Parmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), os gneros textuais so indicados como objeto de ensino da aula de lngua portuguesa, o que, certamente, trouxe alteraes para os currculos e para os livros didticos. Tem sido ressaltado, sobre a prtica da leitura, que a escola precisa formar leitores crticos que sejam capazes de construir significados para alm da superfcie lingustica do texto, observando as funes sociais da leitura e da escrita em diferentes contextos. Essa capacidade, se bem desenvolvida, levaria os alunos a participarem plenamente das prticas sociais. A noo de prtica social se constitui como um dos primeiros argumentos favorveis a se trazer os gneros textuais para a prtica de leitura e escrita na sala de aula. Entende-se por prticas sociais as formas de organizao das atividades de uma sociedade e das aes realizadas por grupos ou por indivduos. claro que essas prticas variam de cultura para cultura e de acordo com o tempo. Atravs dessas prticas sociais so definidos papis e lugares sociais para os participantes45

dessas aes. Por exemplo, a prtica social ir ao trabalho exige uma srie de comportamentos por parte de patres e empregados (os papis sociais) como estabelecer ordens e cumpri-las. Exige tambm que sejam elaborados certos gneros textuais como relatrios, memorandos, discusso oral, etc. Como se pode ver, atravs desse pequeno exemplo, as prticas sociais mobilizam diversas atividades de linguagem, que envolvem diferentes gneros textuais e implicam diferentes capacidades de

compreenso e de produo de textos. Essa perspectiva implica reconhecer tambm a razo pela qual no se pode mais trabalhar em sala de aula somente com a noo de tipologias textuais, narrao, descrio, argumentao, injuno, etc. No se fala ou se escreve atravs de textos narrativos ou descritivos, por exemplo: a comunicao feita atravs dos gneros. Portanto, s o ensino das tipologias no d conta de desenvolver as capacidades necessrias para se ler textos com variados sistemas de linguagem, como uma propaganda, por exemplo, que, geralmente, usa linguagem verbal, no verbal, audiovisual. Dolz & Schneuwly (2004) tambm apontam para a importncia dos gneros textuais no ensino de lngua materna, argumentando que o desenvolvimento da autonomia do aluno na escrita e na leitura decorre do domnio do funcionamento da linguagem em situaes reais de comunicao, exemplificadas46

pelos gneros textuais, visto que por meio deles que se realizam as prticas sociais. Esses autores chamam ateno para a possibilidade de concretizao de uma perspectiva enunciativa para o ensino de lngua, j que os gneros textuais apresentam uma forma de se considerar o conhecimento situado, a linguagem efetivamente em uso e colaboram para prticas didticas plurais. Completando a lista de argumentos, cabe ressaltar que o trabalho com os gneros textuais torna possvel ainda integrar a prtica de leitura, escrita e da anlise lingustica. Esses itens indispensveis ao ensino de lngua so, comumente, estanques, ensinados em contextos diferentes. Cria-se a falsa impresso no aluno de que so disciplinas separadas, isoladas, como se no estivessem intimamente relacionadas entre si. O ensino dessa forma, descontextualizado, torna difcil uma reflexo dos alunos sobre a lngua, seus recursos e suas implicaes no sentido. Conforme os PCN apresentam, o ensino de lngua deve partir do uso, propiciar a reflexo sobre os usos lingusticos e, por fim, retornar ao uso, de forma que o discente possa perceber a importncia e finalidade de seu objeto de estudo. No se pode, portanto, cair em um extremo de retirar o contedo gramatical do ensino de lngua portuguesa. O que se prope, com a abordagem dos gneros textuais a explorao de recursos lingusticos tendo em vista a sua funo dentro do texto, a sua ligao com os sentidos a serem construdos a fim de se47

melhorar a competncia na leitura e, consequentemente, estimular o uso mais consciente de recursos lingusticos na produo dos alunos. Assim, haveria, de fato, uma integrao entre leitura, anlise lingustica e produo textual. Logo, para um trabalho real de formao de leitores na sala e aula, imprescindvel que um dos objetivos da escola seja a insero dos alunos em atividades de linguagem que envolvam as prticas sociais de sua comunidade, da cultura na qual o aluno est inserido. Numa sociedade letrada, como a que vivemos, em que a cultura escrita tem bastante fora, fundamental que professores e escola tenham em mente a tarefa de apresentar uma variedade de gneros aos alunos para que eles possam desenvolver diferentes estratgias de leitura e compreenso a fim de construir sentidos em diferentes textos (verbais, no verbais, multimodais).

3. O conceito de gneros textuais

O conceito de gnero textual e sua importncia para a sala de aula podem ser compreendidos de acordo com vrias correntes tericas. Neste artigo, a base terica a respeito dos gneros contemplar a abordagem scio-interacionista de Bakhtin e o interacionismo scio-discursivo de Dolz & Schneuwly.

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3.1. O gnero segundo Bakthin

Um primeiro conceito importante para a compreenso do gnero para Bakhtin a noo de lngua. Para Bakhtin, a lngua est alm do cdigo, a comunicao decorre da relao entre os interlocutores. De modo oposto relao significante/ significado, destaca-se a mutabilidade do signo, sua pluriacentuao. A relao de significao ocorre no encontro entre as trajetrias dos interlocutores, sujeitos sociais e psicolgicos. A lngua, portanto, nessa concepo, um lugar de interao. Dessa viso deriva o conceito de dialogismo, propriedade bsica e inerente da linguagem que implica a presena de parceiros. Dessa forma, todo enunciado pressupe um interlocutor ativo, no algum que receba passivamente o enunciado. Nessa perspectiva, ganha relevo a noo de enunciado como a unidade real da comunicao verbal, realizada pelos interlocutores numa estrutura dialgica que inclui as condies sociais e o contexto cultural nos quais os enunciados so produzidos. Seguindo a perspectiva dialgica da linguagem, nenhum discurso novo, todo discurso reflete valores e crenas de outros discursos. Isso quer dizer que para constituir um discurso um enunciador

necessariamente leva em conta o discurso do outro, elabora o seu discurso a partir de outros discursos, h uma dialogizao interna no discurso.49

Na concepo de Bakhtin, trs elementos constituem os gneros: contedo temtico, estilo verbal e a construo

composicional. O tema refere-se ao objeto do discurso, o estilo verbal, seleo dos recursos lingusticos e gramaticais da lngua e a construo composicional refere-se organizao,

estruturao da totalidade discursiva. A partir do entendimento desses trs elementos constitutivos, Bakhtin prope a definio de gnero como tipos relativamente estveis de enunciado, vinculados s esferas de atividade social. Nesse quadro, Bakhtin (1992, p. 301) afirma que

O querer-dizer do locutor se realiza acima de tudo na escolha de um gnero do discurso. Essa escolha determinada em funo da especificidade de uma dada esfera da comunicao verbal, das necessidades de uma temtica, do conjunto constitutivo dos parceiros etc. Depois disso, o intuito discursivo do locutor, sem que este renuncie a sua individualidade e a sua subjetividade, adaptase e ajusta-se ao gnero escolhido, compe-se e desenvolve-se na forma de um gnero determinado

Percebe-se que, para Bakhtin, os gneros so formas estveis na lngua, disposio dos falantes para que estes se comuniquem em modelos j existentes que, como diz o autor, sem renunciar a sua individualidade, adaptam-se ao gnero escolhido a fim de que ele seja reconhecido na comunidade onde circula. So formas reconhecidas e reconhecveis que, como j foi visto,50

organizam, por meio de linguagem, as prticas sociais de uma sociedade. Da decorre a noo das esferas de comunicao. Cada esfera da atividade humana produz seus tipos especficos de enunciados, o que faz com que cada gnero textual traga marcas da esfera na qual est inserido. Essa uma ideia muito interessante da teoria de Bakhtin, pois, se fosse necessrio criar uma nova forma de enunciado a cada nova situao de comunicao, esta seria catica. Cada esfera de uso da lngua estipula suas formas de enunciados, seus gneros, desde uma situao familiar, por exemplo, at as esferas mais complexas do mundo dos servios, por isso a definio de gneros como sendo tipos de enunciado relativamente estveis. Convm ressaltar que, mesmo apresentando um alto grau de estabilizao, os gneros no so estruturas rgidas, imutveis, tendo em vista a prpria natureza mvel das relaes humanas. Em maior ou menor escala, os gneros se modificam, transformam-se em virtude da necessidade comunicativa e de seu propsito intencional. de grande importncia a reflexo bakhtiniana no que tange ao domnio da lngua, pois Bakhtin diz que, ao aprendermos a falar, aprendemos a estruturar enunciados e no frases soltas, moldamos o enunciado em estruturas que nos pr-existem, como foi visto mais acima, os gneros textuais. Tal concepo de suma importncia para o ensino, pois, para fazer parte de uma51

comunidade de falantes no suficiente s saber as prescries da lngua, mas conhecer os gneros, que so to indispensveis quanto as formas da lngua para uma comunicao eficiente.

3.2 O gnero segundo a escola de Genebra

Na perspectiva do interacionismo social, toda atividade vista como tripolar. Ela composta pelo sujeito, pelo objeto a ser conhecido e pelos instrumentos que servem como mediadores dessa relao. Os instrumentos situam-se entre o indivduo e o objeto ou situao na qual ele pretende agir. A interveno do instrumento, que socialmente elaborado, possibilita transformar os comportamentos dos indivduos, enriquecer as atividades, tornando possvel realizar as atividades, agir sobre as situaes que se colocam perante o indivduo. Dolz e Schneuwly (2004) entendem os gneros segundo Bakhtin, adotando a definio j citada anteriormente, e inserem o seu estudo dentro da perspectiva do ensino de lngua. Dessa forma, os gneros funcionam como instrumentos semiticos complexos que auxiliam na apropriao e desenvolvimento de capacidades individuais, pois so instrumentos capazes de auxiliar a relao dos aprendizes com as prticas de linguagem. Segundo os autores, as prticas de linguagem implicam tanto dimenses sociais como cognitivas e lingusticas do funcionamento da52

linguagem na situao de comunicao particular (pg. 62). Isso significa dizer que a linguagem tem uma funo de mediao entre o indivduo e as prticas sociais, a interpretao dessas prticas, ento, depende da identidade social dos atores, de suas intenes e de todo o contexto que as cercam. Os autores partem da hiptese de que atravs dos gneros que as prticas de linguagem se materializam nas atividades dos aprendizes (pg. 63). Como j foi visto, os gneros prefiguram as aes de linguagem possveis, portanto seu conhecimento, mesmo que parcial, necessrio para a produo /recepo de um texto. Por exemplo, para escrever uma receita necessrio conhecer uma receita. Dolz & Schneuwly utilizam a metfora do gnero como mega instrumento, pois atravs dele possvel agir, de modo satisfatrio, em situaes de comunicao. Assim, seria possvel, de acordo com tais autores, privilegiar o funcionamento comunicativo dos alunos ao fornecer-lhes instrumentos eficazes para que eles obtenham o domnio da lngua em situaes variadas. Para o ensino de gramtica, h, em livros e gramticas escolares, descrio dos contedos que devem ser ensinados a cada ano escolar. No entanto, para o ensino de leitura, produo textual e expresso oral no h uma sistematizao adequada para facilitar o aprendizado dessas habilidades. Costuma-se dizer, por53

exemplo, que se aprende a escrever, escrevendo. Tais autores, percebendo essa lacuna, sugerem algumas aes para que se tenha um ensino mais satisfatrio, utilizando os gneros textuais. Um aspecto importante que os autores suos destacam diz respeito s dimenses essenciais dos gneros, isto , princpios bsicos que no podem ser desprezados para um trabalho eficiente com os gneros. Para utiliz-los como suporte em atividades de linguagem, os autores de Genebra apontam trs dimenses essenciais: 1) os contedos apreensveis por meio deles; 2) os elementos recorrentes nas estruturas comunicativas de textos reconhecidos como pertencentes ao gnero em questo; 3) as configuraes discursivas e lingusticas dos gneros, como posio do enunciador, as sequncias textuais utilizadas, intencionalidade discursiva, entre outros. Tais aspectos fazem surgir uma regularidade no uso dos gneros. So as dimenses compartilhadas pelos textos pertencentes a um gnero que garantem a sua estabilidade, conforme o postulado por Bakhtin, e, de certa forma, essas regularidades auxiliam no trabalho com gneros em atividades de linguagem. Desse modo, possvel, dentro da heterogeneidade das prticas de linguagem e dos gneros existentes, intermediar o aprendizado da leitura e da escrita. Para finalizar, um ltimo ponto importante no trabalho didtico com os gneros o que os autores chamam de54

didatizao dos gneros.

A escola sempre trabalhou com

gneros, com formas de linguagem especficas. Entretanto, a situao escolar acaba por tornar o gnero um objeto de ensinoaprendizagem, retirando a sua funo como instrumento de comunicao, os gneros so adaptados com fins de

aprendizagem. Um exemplo claro disso no cotidiano escolar a chamada redao, que engloba diversos textos utilizados na escola. Desse modo, perde-se a finalidade comunicativa do texto, o aluno deixa de perceber para que est redigindo determinado texto. A redao passou a ser um texto para avaliao do professor, sem qualquer outra utilizao. Portanto, importante que, de alguma forma, se tente recuperar ou construir o contexto onde o gnero circula, atribuindo a ele uma funo comunicativa dentro desse contexto. Os autores suos postulam trs formas de abordar o gnero. Embora seja uma discusso muito interessante e um importante ponto de reflexo acerca do trabalho com os gneros em sala de aula, ser feita uma apresentao resumida dessas ideias, uma vez a inteno do presente trabalho apenas verificar como os gneros so abordados nos livros didticos, tendo em vista tais consideraes. No ser proposta nenhuma atividade ou abordagem dos gneros dentro dessas perspectivas. A primeira abordagem citada pelos autores a de total desvinculao das prticas de linguagem, sem relao com as55

prticas da sociedade e com a sua esfera de circulao. O gnero, dessa forma, fica esttico e independente das prticas sociais. J a segunda abordagem entende os gneros dentro dos limites da escola, o espao escolar visto como um autntico lugar de comunicao. Os alunos encontram situaes nas quais a escrita mesmo necessria, ela atende a necessidades comunicativas dentro da escola e essas ocasies podem ser multiplicadas entre alunos, entre turmas da mesma escola e at entre escolas. Por fim, a terceira forma de abordagem dos gneros a do gnero escolarizado. Nessa perspectiva, os gneros entrariam no espao escolar sem sofrer alteraes, exatamente como eles funcionam nas prticas de linguagem. Convm destacar que, como os autores chamam ateno, essas formas de abordagem no aparecem isoladas. Geralmente, elas aparecem misturadas, com alguma tendncia predominante. Porm, neste trabalho, vai-se defender uma caracterstica importante para o tratamento dos gneros nos livros didticos que a tentativa de dar uma finalidade ao gnero estudado e produzido pelos alunos, mostrar aos discentes a sua finalidade discursiva. Assim como os autores suos, acredita-se que essa seja uma caracterstica indispensvel ao ensino atravs dos gneros.

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4. Anlise da abordagem dos gneros textuais nos livros didticos

Com tantos argumentos a favor da insero dos gneros textuais nas prticas didticas, entende-se o grande volume de trabalhos nessa rea e a preocupao dos autores de livros didticos em incorporar os resultados das pesquisas e discusses sobre os gneros nos livros. No entanto, a abordagem dos gneros textuais nos manuais didticos ainda apresenta muitos pontos a serem melhorados. Pode-se dizer que j h um trabalho sensvel aos gneros, mas ainda falta um trabalho efetivo a partir dos gneros. Sero analisados, nos livros didticos, a abordagem metodolgica dos gneros, a forma como so inseridos dentro desses livros e a sua relao com as atividades de anlise lingustica, se h, de fato, uma integrao entre as atividades de linguagem, ou se estas permanecem isoladas. Antes de iniciar a anlise das colees, as concepes de gneros adotadas pelas autoras sero brevemente resumidas. De acordo com as informaes contidas no Manual do Professor das duas colees, percebe-se que ambas utilizam a definio de gnero textual postulada por Bakhtin. A coleo Tudo linguagem esclarece a concepo de gnero e sua relao com a escola. As duas colees apresentam tambm a perspectiva de Dolz & Schneuwly para o ensino de gneros, a sua descrio57

das tipologias e o projeto das sequncias didticas. O Manual do Professor bastante esclarecedor e traz um breve resumo das perspectivas tericas adotadas pelas autoras. Na coleo Passaporte para a Lngua Portuguesa, os gneros tambm so descritos, como em Bakhtin, como enunciados relativamente estveis, constitudos por uma estrutura composicional, uma temtica e um estilo. As autoras entendem texto e discurso como unidades diferentes e propem sempre uma anlise do plano da expresso, juntamente com o plano do contedo. Percebe-se que as autoras utilizam a teoria semitica para guiar as atividades com os gneros textuais. Porm, o Manual do Professor dessa coleo muito sinttico e no permite fazer maiores consideraes, o que um problema, pois, para muitos professores, muitas informaes contidas nos livros didticos s so melhores compreendidas com o auxlio do Manual do Professor. Pode-se dizer que ambas as colees entendem os gneros textuais como ferramentas fundamentais no ensino de lngua.

4.1 A abordagem metodolgica dos gneros

Muitos autores, como Dolz & Schneuwly (2004), Marcuschi (2008) mostram que a escola j trabalha com uma pluralidade de gneros, a fim de estimular a formao de leitores e58

produtores de textos. No entanto, essa variedade de gneros encontrada nos livros didticos nem sempre corresponde a uma abordagem que prioriza uma reflexo sobre os papis dos interlocutores, os objetivos do texto e de seu autor. Na maioria das vezes, encontram-se apenas atividades de leitura da materialidade lingustica do texto sem observar seus aspectos discursivos e as estratgias para ler ou produzir determinado gnero. Relacionando o conceito de gnero segundo Bakhtin s dimenses essenciais para o ensino dos gneros citados por Dolz & Schneuwly, o primeiro ponto a ser observado nos livros didticos a abordagem metodolgica dos gneros. Isto , pretende-se observar como os gneros foram trabalhados nos livros, se os aspectos essenciais dos gneros apontados pelos autores suos foram incorporados no trabalho realizado nas duas colees. Na coleo Tudo Linguagem, escrito pelas autoras Ana Trinconi Borgato, Terezinha Bertin e Vera Marchesi, os gneros textuais aparecem atrelados, principalmente, leitura e tambm prtica de produo de texto. O domnio discursivo priorizado o domnio literrio, uma escolha justificada pelas autoras por avaliarem que, como o pblico alvo composto por adolescentes ou pr-adolescentes, os textos literrios seriam mais interessantes para essa faixa etria. Alm disso, as autoras acreditam que esses

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textos favorecem a inferncia, compreenso e interpretao, conforme pode ser visto no Manual do Professor. Os gneros textuais so bem trabalhados no que se refere interpretao do texto. H exerccios de verificao de contedos implcitos e explcitos no texto, atividades de pr-leitura e informaes sobre a esfera de circulao dos gneros e sua estrutura. Essas atividades so recorrentes em todos os gneros escolhidos para iniciar os captulos dos livros dessa coleo. Entretanto, faltam exerccios que priorizem os aspectos

discursivos dos gneros, como o papel do produtor do gnero, a sua finalidade comunicativa, a posio dos interlocutores dentro da situao comunicativa, entre outros exemplos de contedos essenciais para um real trabalho com os gneros. Tais atividades, como verificar o papel do autor de um gnero como carta de leitor, por exemplo, podem ajudar os alunos a perceber o lugar social de onde falam os parceiros da interao, pois o texto tambm apresenta marcas das posies sociais ocupadas por aqueles que escrevem e recebem o texto. Alm disso, o papel social dos interlocutores influencia nas escolhas temticas, lingusticas e argumentativas dos gneros, e pode funcionar como uma forma de trabalhar questes estruturais. Tal abordagem dos gneros, no entanto, priorizada em atividades de produo textual, como se v no volume 9 da coleo Tudo linguagem, na parte referente produo de texto60

e, se fosse aproveitada tambm em atividades de leitura, poderia servir como uma forma de integrar atividades importantes tanto para leitura quanto para produo de textos. Outro aspecto que no foi bem abordado pelas autoras foi a relao dos gneros com suas esferas de comunicao. Por exemplo, ao trabalhar uma propaganda de bebida alcolica, sabese que, na esfera da publicidade, seu objetivo maior o apelo ao consumidor, a tentativa de vender a bebida. No entanto, na esfera de circulao da sade, uma propaganda do Ministrio da Sade sobre o consumo de bebida alcolica teria outro objetivo. Mais uma vez, esses exerccios so mais explorados nas atividades de produo textual, o que no se est condenando, pois as esferas de comunicao so um dos componentes que o professor precisa considerar, uma vez que fazem parte do contexto de produo e circulao do texto a ser produzido. Porm, essas atividades deveriam ser inseridas em atividades de leitura, a fim de que os alunos possam perceber a importncia da finalidade comunicativa dos gneros. Esses tipos de exerccios, isoladamente podem no parecer importantes. Entretanto, quando se pensa em projetos de leitura, vrios so os exerccios para a apropriao de um gnero, dentre eles, os referentes ao contexto de produo e sua finalidade contribuem para entender a relao dos gneros com a sociedade e o papel que possuem em uma determinada esfera de comunicao.61

Na coleo Passaporte para a Lngua Portuguesa, de Lucia Discini e Norma Teixeira, os gneros textuais tambm esto atrelados, majoritariamente, a atividades de leitura, priorizando os domnios literrio e jornalstico. Nessa coleo, percebe-se uma maior integrao entre os aspectos formais e discursivos dos gneros, pois h mais exerccios com vistas ao trabalho com a estrutura do gnero: tema, composio e estilo. Isso destacado para os alunos de duas formas: ora com as autoras apresentando esses tpicos ao falar de determinado gnero, ora com as autoras elaborando questes sobre tais tpicos. A partir dessas atividades, podem-se destacar aspectos didticos dos gneros, certos aspectos estruturais, sem que seja necessrio que os alunos adentrem em teoria sobre os gneros textuais, j que a prpria intuio dos alunos, como falantes da lngua, os auxilia nesse aspecto. interessante ressaltar tambm que h uma maior relao entre os gneros e as tipologias, verificada em grande parte dos exerccios da coleo. No que ser refere s dimenses sociais dos gneros, h um trabalho mais consistente. As autoras apontam para esses aspectos, como o papel social dos interlocutores, posio do enunciador em atividades de leitura dos gneros, conforme pode ser visto nos exerccios do volume 2, pgina 227, em que pedido para identificar o perfil do leitor com base em marcas lingusticas que o texto oferece.62

A meno a esses aspectos essenciais dos gneros, por vezes, feita atravs de resumos tericos. Isso no um problema, mas, conforme dito acima, importante que esses conceitos sejam trabalhados tambm na leitura do gnero, como forma de desenvolver as habilidades leitoras dos alunos. Como exemplo, pode-se citar a questo das esferas de comunicao, que, no volume 4 (9ano), foram descritas em um quadro terico mostrando as variaes dos gneros biografia dentro das esferas literria e jornalstica. O quadro em questo bastante interessante, pois apresenta ainda o pblico alvo dentro de cada esfera. Porm, seria tambm importante que isso fosse visto na prtica, na comparao entre gneros dessas esferas, j que o essencial no trabalho com os gneros no est em apreender nomenclaturas ou teorias, mas desenvolver a competncia comunicativa dos alunos atravs dos gneros. Essa discusso relevante para que no se troque o ensino de teoria gramatical pelo ensino de teoria sobre gnero textual, como j apontou Coscarelli (2007). Para finalizar esse tpico de anlise, destaca-se que ambas as colees apresentaram uma variedade de gneros, tendo em vista tanto aqueles que so mais prximos dos alunos quanto aqueles mais distantes da vida dos alunos e que, portanto, fica a cargo da escola inseri-los no domnio cultural dos alunos. Vale ainda ressaltar, por fim, a forma de tratamento dada aos gneros63

dentro dos livros. Na coleo Tudo linguagem, as autoras optaram por nomear apenas os gneros que apresentavam a unidade. Outros gneros que apareciam dentro da unidade com outros fins eram chamados de textos. Enfatiza-se esse ponto por achar importante nomear os gneros a fim de que os alunos percebam que toda forma de comunicao est estruturada nessas formas de enunciados, os quais a comunidade lingustica atribui nomes o tempo todo. Conforme assinala Marcuschi (2008), no necessrio estabelecer listas de gneros, mas importante chamlos pelos nomes como so conhecidos em suas esferas de circulao.

4.2. Gnero para aprender ou gnero para comunicar?

Neste tpico de anlise, sero observados como os gneros textuais foram inseridos nos livros didticos, tendo em vista as formas apresentadas por Dolz & Schneuwly (2004) como formas de trabalhar com os gneros. Tal discusso interessa medida que auxilie o professor a perceber esses aspectos ao trabalhar com os livros didticos, cujos autores tm interesses e objetivos prprios na escolha dos gneros e visam a certos objetivos de ensino. Isso no atinge a estrutura dos gneros, mas pode alterar a sua funo, pois, por exemplo, uma receita culinria dentro de um livro de receitas possui um fim64

especfico, mas, uma vez que est dentro de um livro didtico, ela perde essa funo inicial e passa a adquirir uma funo didtica. No se pretende entrar aqui na discusso levantada por Marcuschi (2003) sobre o livro didtico ser ou no um exemplo de suporte que, resumidamente, caracteriza-se por ser o local fsico, material, onde se fixa um gnero. O intuito apenas verificar a forma como os gneros so colocados dentro do livro didtico, se so totalmente desvinculados de seus propsitos comunicativos e se os autores procuram manter suas caractersticas originais ou se atribuem outros propsitos para os gneros. Acredita-se, com base em Dolz & Schneuwly (2004) e Koch (2006), que fundamental atribuir uma funo, uma finalidade ao gnero estudado, tentar colocar os alunos, o mais prximo possvel, de situaes reais de comunicao. Uma vez que essas atividades sejam significativas para os alunos, mais facilmente eles podero domin-las e aplic-las, principalmente, no que se refere a atividades de produo textual. Ademais, sempre positivo e enriquecedor quando os alunos percebem a finalidade do contedo que esto estudando. Na coleo Tudo linguagem, aparecem as trs formas de abordagem dos gneros. A forma de insero do gnero no livro didtico tem relao com o objetivo a ser alcanado com o estudo dos gneros trabalhados em cada unidade e com uma proposta de interveno didtica que vise a uma apropriao do gnero. As65

autoras chamam ateno para isso no Manual do Professor, na pgina 8, ao citar um trecho da obra de Dolz & Schneuwly (2004), enfatizando que tentaram seguir a proposta de construir um modelo didtico dos gneros, de modo que foi possvel perceber que houve um esforo nesse sentido. Nas atividades de interpretao textual, procura-se manter as caractersticas originais do gnero, apresentar seus objetivos e onde o texto circula. Antes de iniciar o trabalho com o gnero escolhido para ser o principal da unidade, faz-se uma apresentao do texto, ressaltando suas caractersticas principais. Esse cuidado observado em todos os volumes da coleo. J nas atividades de anlise lingustica, que sero analisadas mais detidamente, por vezes, o gnero trabalhado, sem qualquer relao com sua funo comunicativa, seu propsito e objetivo. J nas atividades de produo textual, procura-se ressaltar as caractersticas e o contexto de produo dos gneros. As propostas de produo foram sempre bem orientadas tendo em vista o contexto de produo, finalidade e possvel receptor do texto. Na coleo Passaporte para a Lngua Portuguesa, tambm so identificadas as trs formas de abordagem dos gneros, conforme apontaram Dolz & Schneuwly. De acordo com o que j foi discutido. Em relao s atividades de interpretao e compreenso do texto, assim como na outra coleo, h um esforo em manter as caractersticas originais do gnero e sua66

principal funo comunicativa. Nas atividades de anlise lingustica que partem da anlise de algum gnero textual, o tratamento variado, h alguns casos em que o gnero abordado sem qualquer relao com o seu contexto original de produo, ele tomado apenas como fonte para explorao de comentrios e exerccios gramaticais. J, nas atividades de produo de texto, h mais atividades que priorizam situaes nas quais a escrita necessria, dando funcionalidade ao gnero produzido. Por fim, relevante dizer que o gnero, ao funcionar em um lugar social diferente daquele que est em sua origem, sofre alteraes e passa a ser um gnero a aprender, mesmo que, na sua essncia, continue gnero a comunicar. Portanto, de forma alguma, est se fazendo avaliao negativa dos livros, j que esse processo algo natural. No entanto, essa discusso se faz fundamental, pois os gneros so produtos da atividade humana e, como tal, esto articulados s necessidades, aos interesses e s condies de funcionamento da comunidade onde circulam. Por essa razo, o trabalho didtico com gneros deve tentar ao

mximo reconstruir os parmetros do contexto de produo dos gneros ou dar a eles um novo contexto de produo para que sejam realmente eficazes no ensino de leitura e produo de texto. Desta sorte, necessrio que o professor esteja atento a essas nuances no tratamento dos gneros nos livros didticos a fim de que ela possa mediar e aprimorar essa relao.67

4.3 Gneros textuais e anlise lingustica

O ltimo aspecto a ser discutido a relao entre o trabalho com o gnero textual e a anlise lingustica. Sabe-se que os PCN de Lngua Portuguesa, fundamentalmente, apresentam objetivos que visam formao do aluno como participante ativo na construo de seu conhecimento, no s reproduzindo uma nomenclatura gramatical, mas pensando na e sobre a sua lngua. Os Parmetros defendem a ideia de o ensino baseado em textos orais e escritos como unidade de ensino, mas, convm deixar claro, que no se trata de usar o texto como pretexto para destacar advrbios, adjetivos, por exemplo. A sugesto dos PCN parte do trip USO REFLEXO USO, ou seja, parte-se da leitura para reflexo e, por fim, volta-se ao uso. Assim, o aluno pode construir o seu prprio conhecimento ao observar como os recursos lingusticos ocorrem nos mais diversos gneros textuais lidos e produzidos por ele. Na coleo Tudo Linguagem, embora seja perceptvel o esforo das autoras em atender perspectiva acima citada, conforme pode ser visto nos timos exerccios com verbos, no volume 2 (7 ano), h gneros usados exclusivamente para a extrao de exerccios gramaticais, como acontece com o gnero tirinha. Na maioria das vezes, as tirinhas aparecem apenas para que delas sejam retirados exerccios sobre o tpico gramatical68

abordado na unidade. Nessa coleo, ento, os conhecimentos lingusticos so explorados de forma transmissiva. H uma lista considervel de textos metalingusticos que apresentam extensas explicaes, sem economia de conceitos. J na coleo Passaporte para a Lngua Portuguesa, h uma tentativa maior de adequao da anlise lingustica ao gnero textual. So percebidas mais atividades em que h uma integrao entre o gnero escolhido e o contedo gramatical a ser trabalhado no captulo. evidente que contedos como acentuao e ortografia, por exemplo, dificultam essa interao, porm, tal forma de trabalho deve ser sempre buscada. Outro ponto positivo a maior variedade de exerccios em que so verificados os recursos lingusticos caractersticos do gnero em questo e os sentidos veiculados pelo uso de determinadas marcas lingusticas. Ainda que isso no seja realizado com todos os tpicos gramaticais e nem com todos os gneros, perceptvel uma eficcia maior nesse sentido. Isso pode ser percebido, por exemplo, em um exerccio, do volume 2 (7 ano) da pgina 162, em que so trabalhados efeitos de sentido decorrentes do uso de adjuntos adnominais em uma capa de revista. Para finalizar, importante ressaltar a qualidade dos livros analisados e a dificuldade imposta por uma metodologia de trabalho com gneros textuais. Cumpre destacar ainda que no se est desprezando as atividades gramaticais, elas so importantes,69

pois permitem um aprimoramento do discente em alguns aspectos lingusticos, o que se est discutindo o ensino isolado de normas e nomenclaturas gramaticais. Ademais, importante para o trabalho em sala de aula que sejam destacados aspectos de interpretao e compreenso, relacionando questes gramaticais a questes de leitura. relevante que o professor tambm tenha esses princpios em mente ao selecionar os textos que leva para sala de aula e para melhor aproveitar a coletnea de textos oferecida pelos livros didticos.

5. Consideraes finais

A insero dos gneros textuais na sala de aula de lngua portuguesa j um ponto bastante discutido e entendido como fundamental para uma melhoria nas habilidades comunicativas dos alunos. A partir do momento em que foram indicados pelos Parmetros Curriculares Nacionais, os livros didticos se viram obrigados a ajustar os seus objetivos s sugestes do documento oficial. No entanto, como foi discutido, embora essa necessidade j seja aceita por pesquisadores e at mesmo pelos professores, h muito ainda para melhorar e trabalhar para que os objetivos sejam, de fato, alcanados. Devido a diversos motivos, muitos docentes ainda no tm autonomia suficiente para trabalhar com os gneros70

textuais, como sugerem os PCN, e se apoiam, nica e exclusivamente, nos materiais didticos. Tendo em vista essa necessidade, chamou-se ateno, nesse artigo, ao que seria indispensvel para um tratamento didtico dos gneros com vistas a um eficiente ensino de leitura e produo de texto. Com base em Dolz & Schneuwly (2004), postulou-se o que seriam as dimenses essenciais dos gneros, ou seja, as caractersticas que devem ser abordadas no ensino do gnero, como seu aspecto composicional, discursivo e seu contedo temtico. Soma-se a esse aspecto o problema decorrente da retirada de um gnero da sua esfera original de comunicao para o contexto escolar. Nesse sentido, preciso ter em mente que os gneros fazem parte de uma situao de interao, eles pressupem um interlocutor e tm uma finalidade. Esses aspectos devem ser preservados ou reinventados para que o texto lido ou produzido pelos alunos no seja algo abstrato, algo que o professor pediu para fazer. Ainda tendo em vista as recentes pesquisas e o que est descrito nos PCN, est a necessidade de se aliar anlise lingustica ao trabalho com gnero textual. Como foi visto, importante que se associem cada vez mais as prticas de linguagem, proporcionando ao aluno uma viso integrada da lngua portuguesa. O percurso metodolgico deve caminhar do gnero, do seu conhecimento e do seu contexto de produo, para71

a posterior seleo do ponto gramatical que seja significativo para seu processo de recepo. No ensino tradicional, ocorre o contrrio, primeiro definido o contedo gramatical e s depois selecionado um gnero para trabalh-lo, ignorando, dessa forma, aspectos estilsticos do gnero e suas condies de produo. Cumpre destacar, por fim, que os livros didticos analisados so de altssima qualidade e cumprem bem os tpicos acima descritos. Os livros atendem, em grande parte, o que foi considerado aqui como os tpicos fundamentais na transposio didtica dos gneros, contribuindo para um melhor desempenho dos alunos nas atividades de leitura e escrita e fornecendo-lhes ferramentas para que possam ser autnomos na construo de conhecimento, tornando, assim, o ensino de Lngua Portuguesa mais eficaz.

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Gneros textuais nos livros didticos: problemas do ensino e da formao docente4Leonor Werneck dos Santos (UFRJ)5 1. Introduo

Este artigo pretende analisar de que maneira os livros didticos de portugus (LDP) de ensino fundamental e mdio publicados a partir de 2004 esto apresentando e aplicando o conceito de gneros textuais (GT), apresentado por teorias que defendem o carter sociointeracional dos textos, como a Lingustica Textual. Os objetivos desta etapa da pesquisa foram: analisar o tratamento dado aos GT nos LDP, elencando os equvocos tericos referentes a esse conceito e os problemas referentes nomenclatura para isso, foi necessrio observar tambm de que maneira as tipologias textuais (TT) aparecem nos LDP; comparar a apresentao terica do Manual do Professor (MP) encartado nesses livros com a abordagem no material do aluno (teoria e atividades propostas); analisar os pressupostos tericos que norteiam o trabalho com GT e TT, com base no MP e

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Artigo publicado nos Anais do V Siget (cf. SANTOS, 2009) [email protected] 74

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nos captulos do livro6; analisar as atividades de leitura e produo textual propostas nos LDP, explcita ou implicitamente