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Garrett (Folhas Caídas)Literatura Portuguesa

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Literatura portuguesa II

[Almeida Garrett – Folhas Caídas]

[2008-2009]

Agrupamento de Escolas do Cerco

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Paula Cruz

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Biobliografia Nascido no Porto, a 4 de Fevereiro de 1799, João Baptista da Silva Leitão viria a falecer em Lisboa a 9 de Dezembro de 1854. Os seus pais refugiaram-se em Angra, como consequência da invasão francesa de Soult, em 1809, onde o escritor recebeu a influência benéfica do seu tio paterno, o bispo D. Frei Alexandre da Sagrada Família, tendo recebido Ordens Menores e tendo mesmo, aos 15 anos, subido ao púlpito numa igreja da Graciosa, em substituição do pregador. Matriculado em 1816 na Faculdade de

Direito de Coimbra, em breve se dedica à actividade dramática num meio académico agitado pelas novas ideias, sobretudo políticas. Concluído o curso, em 1821 (ano em que termina O Retrato de Vénus), vem para Lisboa, onde imediatamente acumula triunfos, no âmbito literário, com a representação de Catão (estreado a 29-11-1821), afectivos, com o fulgurante casamento com Luísa Midosi (de quem viria a separar-se em 1836), e políticos, inaugurados estes com a oração fúnebre a Manuel Fernandes Tomás. Exilado como liberal em 1823, viveu em Inglaterra e em França até 1826. No regresso a Portugal dirige os jornais O Português e O Cronista, mas conhece de novo o exílio de 1828 a 1832, voltando a Portugal com os bravos do Mindelo. De 1833 a 1836, é nomeado Encarregado de Negócios e Cônsul-Geral na Bélgica. Passos Manuel, na chefia do Governo após a Revolução de Setembro de 1838, encarrega-o da restauração do teatro português, missão que leva a cabo criando, não só o Conservatório de Arte Dramática, mas igualmente a Inspecção-Geral dos Teatros e sobretudo o Teatro Nacional. É nomeado Deputado em 1837, Cronista-Mor em 1838 e finalmente Par do Reino em 1851. Em 1852, num Ministério presidido por Saldanha, foi encarregado, por alguns meses, da pasta dos Negócios Estrangeiros. D. Pedro V agraciou-o, a 25 de Junho de 1854, meses antes da sua morte, com o título de Visconde de Almeida Garrett.

Principais obras de Almeida Garrett impressas e publicadas em vida do autor

1820 - Hymno Patriótico, Porto 1821- O Retrato de Vénus, Coimbra 1822 - Catão, Lisboa 1825 - Camões, Paris 1826- Bosquejo da História da Poesia e Língua Portuguesa (in Parnasso Lusitano), Paris; Dona Branca, Paris 1828 - Adozinda, Londres 1829 - Da Educação, Londres; Lírica de João Mínimo, Londres

1830 - Portugal na Balança da Europa, Londres 1841 - Mérope – Gil Vicente, Lisboa 1842 - O Alfageme de Santarém, Lisboa 1843 - Romanceiro e Cancioneiro Geral, Lisboa 1844 - Frei Luís de Sousa, Lisboa 1845-1850 - O Arco de Sant’Anna, 2 vols, Lisboa 1846 - Viagens na Minha Terra, Lisboa 1853 - Folhas Caídas, Lisboa

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Advertência a Folhas Caídas

Antes que venha o Inverno e disperse ao vento essas folhas de poesia que por aí caíram, vamos escolher uma ou outra que valha a pena conservar, ainda que não seja senão para memória. A outros versos chamei eu já as últimas recordações de minha vida poética. Enganei o público, mas de boa fé, porque me enganei primeiro a mim. Protestos de poetas que sempre estão a dizer adeus ao mundo, e morrem abraçados com o louro - às vezes imaginário, porque ninguém os coroa. Eu pouco mais tinha de vinte anos quando publiquei certo poema, e jurei que eram os últimos versos que fazia. Que juramentos! Se dos meus se rirem, têm razão; mas saibam que eu também primeiro me ri deles. Poeta na primavera, no estio e no Outono da vida, hei-de sê-lo no inverno, se lá chegar, e hei-de sê-lo em tudo. Mas dantes cuidava que não, e nisso ia o erro. Os cantos que formam esta pequena colecção pertencem todos a uma época de vida íntima e recolhida que nada tem com as minhas outras colecções. Essas mais ou menos mostram o poeta que canta diante do público. Das Folhas Caídas ninguém tal dirá, ou bem pouco entende de estilos e modos de cantar. Não sei se são bons ou maus estes versos; sei que gosto mais deles do que nenhuns outros que fizesse. Porquê? É impossível dizê-lo, mas é verdade. E, como nada são por ele nem para ele, é provável que o público sinta bem diversamente do autor. Que importa? Apesar de sempre se dizer e escrever há cem mil anos o contrário, parece-me que o melhor e o mais recto juiz que pode ter um escritor é ele próprio, quando o não cega o amor-próprio. Eu sei que tenho o olhos abertos, ao menos agora.Custa-lhe a uma pessoa, como custava ao Tasso, e ainda sem ser Tasso, a queimar os seus versos, que são seus filhos; mas o sentimento paterno não impede de ver os defeitos das crianças. Enfim, eu não queimo estes. Consagrei-os Ignoto Deo. E o deus que os inspirou que os aniquile se quiser: não me julgo com direito de o fazer eu. Ainda assim, no Ignoto Deo não imaginem alguma divindade meia velada com o cendal transparente, que o devoto está morrendo que lhe caia para que todos a vejam bem clara. O meu deus desconhecido é realmente aquele misterioso, oculto e não definido sentimento de alma que a leva às aspirações de uma felicidade ideal, o sonho de oiro do poeta. Imaginação que porventura não se realiza nunca. E daí quem sabe? A culpa é talvez da palavra, que é abstracta de mais. Saúde, riqueza, miséria, pobreza, e ainda coisas mais materiais, como o frio e o calor, não são senão estados comparativos, aproximativos. Ao infinito não se chega, porque deixava de o ser em se chegando a ele. Logo o poeta é louco porque aspira sempre ao impossível. Não sei. Essa é uma disputação mais longa. Mas sei que as presentes Folhas Caídas representam o estado de alma do poeta nas variadas, incertas e vacilantes oscilações do espírito , que, tendendo ao seu fim único, a posse do ideal, ora pensa tê-lo alcançado, ora estar a ponto de chagar a ele - ora ri amargamente porque reconhece o seu engano - ora se desespera de raiva impotente por sua credulidade vã. Deixai-o passar, gente do mundo, devotos do poder, da riqueza, do mando, ou da glória. Ele não entende bem disso, e vós não entendeis nada dele. Deixai-o passar, porque ele vai onde vós não ides; vai, ainda que zombeis dele, que o calunieis, que o assassineis. Vai, porque é espírito, e vós sois matéria. E vós morrereis, ele não. Ou só morrerá dele aquilo em que se pareceu e se uniu convosco. E essa falta, que é a mesma de

Linhas de Leitura

1. A colectânea Folhas Caídas não é fruto de um acaso, antes o produto de uma escolha criteriosa.

2. Qualquer que seja a reacção do público em relação aos poemas, mesmo que de riso, será sempre em segunda mão, porque, primeiro, a sentiu o próprio autor.

3. O poeta sente a necessidade de justificar a publicação de Folhas Caídas (Garrett tinha, então (1853), 54 anos de idade). Certamente que o que queria justificar era o seu conteúdo, por isso teve o cuidado de advertir que, mesmo no inverno da vida, haveria de ser poeta «em tudo».

4. As Folhas Caídas dizem respeito a uma época de vida íntima e nada são pelo público nem para o público.

5. As Folhas Caídas foram inspiradas por um deus a quem o autor as consagrou.

6. O poeta parece pretender mistificar o Ignoto Deo a quem consagra os seus versos, envolvendo-o num manto de mistério.

7. Segundo Garrett, o poeta é louco porque aspira sempre ao impossível. Resta saber que impossível será este.

8. As Folhas Caídas «representam o estado de alma do poeta nas variadas, incertas e vacilantes oscilações do espírito». Efectivamente, dá-se conta disto mesmo, não só de poema para poema, mas, por vezes, ao longo de um mesmo poema.

9. O mundo material e o poético são incompatíveis, mas o que prevalece é o espírito (poesia) e não a matéria.

10. Nos poetas, apenas o corpo é mortal, a poesia, não:

«E aqueles que por obras valerosas / Se vão da lei da Morte libertando», Camões, Os Lusíadas, I, 2 (Proposição).

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Adão, também será punida com a morte. Mas não triunfeis, porque a morte não passa do corpo, que é tudo em vós, e nada ou quase nada no poeta.

Janeiro - 1853

IGNOTO DEO

(D. D. D.)

Creio em ti, Deus; a fé viva De minha alma a ti se eleva. És: - o que és não sei. Deriva Meu ser do teu: luz... e treva, Em que - indistintas! - se envolve Este espírito agitado, De ti vêm, a ti devolve. O Nada, a que foi roubado Pelo sopro criador Tudo o mais, o há-de tragar. Só vive do eterno ardor O que está sempre a aspirar Ao infinito donde veio. Beleza és tu, luz és tu, Verdade és tu só. Não creio

Senão em ti; o olho nu Do homem não vê na terra Mais que a dúvida, a incerteza, A forma que engana e erra. Essência! a real beleza, O puro amor - o prazer Que não fatiga e não gasta... Só por ti os pode ver O que, inspirado, se afasta, Ignoto Deo, das ronceiras,

Vulgares turbas: despidos Das coisas vãs e grosseiras Sua alma, razão, sentidos, A ti se dão, em ti vida,

E por ti vida têm. Eu, consagrado A teu altar, me prostro e a combatida Existência aqui ponho, aqui votado Fica este livro - confissão sincera Da alma que a ti voou e em ti só spera.

Para uma melhor compreensão dos aspectos formais nas Folhas Caídas O metro e as estrofes As Folhas Caídas evidenciam, efectivamente, a preferência de Garrett pela redondilha. Todavia, a obra apresenta grande variedade de metros, muitos dos quais coexistir na mesma composição, numa perfeita adequação do ritmo desenvolvimento do tema ou motivo poético. Noutras composições, Garrett adoptou o verso de no sílabas (eneassílabo), próprio para o canto, divulgado pela ópera e amplamente aproveitado pelos Românticos para traduzir a «doce melancolia» por que se manifestava a sensibilidade oitocentista. Independentemente da estrutura métrica e do esquema rítmico adoptados, os versos aparecem de preferência agrupados em quadras, sendo mais frequentes os metros curtos, sobretudo redondilha, o que acentua a intertextualidade voluntariamente assumida pelo poeta, com a poesia tradicional. Ocorrem também composições em sextilhas, estancias que andam em voga no Romantismo, sendo posteriormente muito usadas pelos poetas que cultivam a poesia de inspiração popular. Encontram-se também uma composição em quintilha e outra em oitavas, para além de poemas em séptimas, ou estâncias de sete versos, muito prezados pelos trovadores e pelos poetas do Cancioneiro Gerol. Contudo, onze poemas apresentam estâncias com vários números de versos, irregularidade que se explica pela obediência ao ritmo do discurso amoroso, intensamente emotivo e imitando as pausas naturais da linguagem coloquial. Há ainda poesias compostas só de uma sequência de versos, ou menos longa, como se vê em «Ignoto Deo».

A pontuação O uso dos sinais de pontuação é também renovado por Garrett, pondo-os mais ao serviço da expressividade e do dramatismo do que da lógica, ou então fazendo-os apenas sublinhar as pausas naturais do discurso emotivo. (Maria Ema Tarracha)

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Apoio à leitura 1. (D.D.D.): (Dat, donat, dedicat; dá, oferece, dedica).

1.1. A quem é dedicada a obra?

1.2. Explique o sentido de Ignoto Deo (cf. «Advertência»).

2. Atente no sujeito e no objecto da enunciação.

2.1. Identifique-os.

2.2. O sujeito poético experimenta alguma dificuldade em definir o destinatário. Que versos traduzem essa dificuldade?

2.3. Caracterize, com a ajuda do esquema, a relação eu/tu.

3. A mensagem poética constrói-se à volta do contraste terra/céu.

3.1. Faça um levantamento dos termos e expressões que nos reenviam para esse confronto.

3.2. Relacione os elementos dessa oposição com o sujeito e o objecto da enunciação.

4. Para que tipo de amor nos remete o poema?

Justifique, atentando na oposição forma/essência.

5. Comente, em termos de originalidade e de influências recebidas:

- a escolha da métrica;

- o uso da pontuação.

ADEUS!

Adeus! para sempre adeus! Vai-te, oh! vai-te, que nesta hora Sinto a justiça dos céus Esmagar-me a alma que chora. Choro porque não te amei, Choro o amor que me tiveste; O que eu perco, bem no sei, Mas tu... tu nada perdeste; Que este mau coração meu Nos secretos escaninhos Tem venenos tão daninhos Que o seu poder só sei eu.

Oh! vai... para sempre adeus! Vai, que há justiça nos céus. Sinto gerar na peçonha Do ulcerado coração

Essa víbora medonha Que por seu fatal condão Há-de rasgá-lo ao nascer: Há-de sim, serás vingada, E o meu castigo há-de ser Ciúme de ver-te amada, Remorso de te perder.

Vai-te, oh! vai-te, longe, embora, Que sou eu capaz agora De te amar - Ai! se eu te amasse! Vê se no árido pragal Deste peito se ateasse De amor o incêndio fatal! Mais negro e feio no inferno Não chameia o fogo eterno. Que sim? Que antes isso? - Ai, triste! - Não sabes o que pediste.

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Não te bastou suportar O cepo-rei; impaciente Tu ousas a deus tentar Pedindo-lhe o rei-serpente!

E cuidas amar-me ainda? Enganas-te: é morta, é finda, Dissipada é a ilusão. Do meigo azul de teus olhos Tanta lágrima verteste, Tanto esse orvalho celeste Derramado o viste em vão Nesta seara de abrolhos, Que a fonte secou. Agora Amarás... sim, hás-de amar, Amar deves... Muito embora... Oh! mas noutro hás-de sonhar Os sonhos de oiro encantados Que o mundo chamou amores.

E eu réprobo... eu se o verei? Se em meus olhos encovados Der a luz de teus ardores... Se com ela cegarei? Se o nada dessas mentiras Me entrar pelo vão da vida... Se, ao ver que feliz deliras, Também eu sonhar... Perdida, Perdida serás - perdida.

Oh! vai-te, vai, longe embora! Que te lembre sempre e agora Que não te amei nunca... ai! não; E que pude a sangue-frio, Covarde, infame, vilão, Gozar-te - mentir sem brio, Sem alma, sem dó, sem pejo, Cometendo em cada beijo Um crime... Ai! triste, não chores, Não chores, anjo do céu, Que o desonrado sou eu.

Perdoar-me tu?... Não mereço. A imundo cerdo voraz Essas pérolas de preço Não as deites: é capaz

De as desprezar na torpeza De sua bruta natureza. Irada, te há-de admirar, Despeitosa, respeitar, Mas indulgente... Oh! o perdão É perdido no vilão, Que de ti há-de zombar.

Vai, vai... para sempre adeus!

Para sempre aos olhos meus Sumido seja o clarão De tua divina estrela. Faltam-me olhos e razão Para a ver, para entendê-la: Alta está no firmamento Demais, e demais é bela Para o baixo pensamento Com que em má hora a fitei; Falso e vil o encantamento Com que a luz lhe fascinei.

Que volte a sua beleza Do azul do céu à pureza, E que a mim me deixe aqui Nas trevas em que nasci, Trevas negras, densas, feias, Como é negro este aleijão Donde me vem sangrar às veias, Este que foi coração, Este que amar-te não sabe Porque é só terra - e não cabe Nele uma ideia dos céus... Oh! vai, vai; deixa-me, adeus!

APOIO À LEITURA METÓDICA 1. Após a leitura do poema, desenvolve os seguintes tópicos. — Tema e assunto tratados; — Relação eu/tu; — Campos lexicais ligados à ideia de terra e céu; — Associação terra/céu ao sujeito e ao objecto de enunciação; — Tom confessional; — Amor espiritual vs amor sensual; — Ideal de mulher.

Refere-te, ainda, aos seguintes aspectos:

— Teatralização do discurso e respectiva exemplificação; — Metro, rima e estrofes; — Pontuação. — vocabulário; — repetições; — Outros recursos (fónicos, morfosintácticos e semânticos)

2. Regista as características românticas do poema.

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OUTRAS LEITURAS

ADEUS

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes. Gastámos tudo menos o silêncio. Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, gastámos as mãos à força de as apertarmos, gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada. Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro; era como se todas as coisas fossem minhas: quanto mais te dava mais tinha para te dar. Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes. E eu acreditava. Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos, era no tempo em que o teu corpo era um aquário, era no tempo em que os meus olhos eram realmente peixes verdes. Hoje são apenas os meus olhos. É pouco mas é verdade, uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras. Quando agora digo: meu amor, já não se passa absolutamente nada. E no entanto, antes das palavras gastas, tenho a certeza de que todas as coisas estremeciam só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar. Dentro de ti não há nada que me peça água. O passado é inútil como um trapo. E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade

Soneto da Separação

De repente do riso fez-se o pranto Silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fez-se a espuma E das mãos espalmadas fez-se o espanto De repente da calma fez-se o vento Que dos olhos desfez a última chama E da paixão fez-se o pressentimento E do momento imóvel fez-se o drama De repente não mais que de repente Fez-se de triste o que se fez amante E de sozinho o que se fez contente Fez-se do amigo próximo, distante Fez-se da vida uma aventura errante De repente, não mais que de repente

Vinicius de Moraes

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O ANJO CAÍDO

Era um anjo de Deus Que se perdera dos céus E terra a terra voava. A seta que lhe acertava Partira de arco traidor, Porque as penas que levava Não eram penas de amor.

O anjo caiu ferido, E se viu aos pés rendido Do tirano caçador. De asa morta e sem splendor O triste, peregrinando Por estes vales de dor, Andou gemendo e chorando.

Vi-o eu, o anjo dos céus, O abandonado de Deus, Vi-o, nessa tropelia Que o mundo chama alegria, Vi-o a taça do prazer Pôr ao lábio que tremia... E só lágrimas beber.

Ninguém mais na terra o via, Era eu só que o conhecia... Eu que já não posso amar! Quem no havia de salvar? Eu, que numa sepultura Me fora vivo enterrar? Loucura! ai, cega loucura!

Mas entre os anjos dos céus Faltava um anjo ao seu Deus; E remi-lo e resgatá-lo, Daquela infâmia salvá-lo Só força de amor podia. Quem desse amor há-de amá-lo, Se ninguém o conhecia?

Eu só, - e eu morto, eu descrido, Eu tive o arrojo atrevido De amar um anjo sem luz. Cravei-a eu nessa cruz Minha alma que renascia, Que toda em sua alma pus, E o meu ser se dividia,

Porque ela outra alma não tinha, Outra alma senão a minha... Tarde, ai! tarde o conheci, Porque eu o meu ser perdi, E ele à vida não volveu... Mas da morte que eu morri Também o infeliz morreu.

ANJO ÉS

Anjo és tu, que esse poder Jamais o teve mulher, Jamais o há-de ter em mim. Anjo és, que me domina Teu ser o meu ser sem fim; Minha razão insolente Ao teu capricho se inclina, E minha alma forte, ardente, Que nenhum jugo respeita, Covardemente sujeita Anda humilde a teu poder. Anjo és tu, não és mulher.

Anjo és. Mas que anjo és tu? Em tua fronte anuviada Não vejo a c'roa nevada Das alvas rosas do céu. Em teu seio ardente e nu Não vejo ondear o véu Com que o sôfrego pudor Vela os mistérios d'amor. Teus olhos têm negra a cor, Cor de noite sem estrela; A chama é vivaz e é bela, Mas luz não têm. - Que anjo és tu? Em nome de quem vieste? Paz ou guerra me trouxeste De Jeová ou Belzebu?

Não respondes - e em teus braços Com frenéticos abraços Me tens apertado, estreito!... Isto que me cai no peito Que foi?... - Lágrima? - Escaldou-me... Queima, abrasa, ulcera... Dou-me, Dou-me a ti, anjo maldito, Que este ardor que me devora É já fogo de precito, Fogo eterno, que em má hora Trouxeste de lá... De donde? Em que mistérios se esconde Teu fatal, estranho ser! Anjo és tu ou és mulher? TÓPICOS - Nível Fónico - Nível Morfossintáctico - Nível Semântico - Percurso temático (Anjo _ Que Anjo – Anjo maldito – anjo ou mulher?) - Tema - Características Românticas:

- Concepção da mulher; - Subordinação do homem ao poder da mulher; - Parateatralidade ou monólogo dialogado; - Individualismo. - Amor físico conflituoso.

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OS CINCO SENTIDOS

São belas - bem o sei, essas estrelas, Mil cores - divinais têm essas flores; Mas eu não tenho, amor, olhos para elas:

Em toda a natureza Não vejo outra beleza Senão a ti - a ti!

Divina - ai! sim, será a voz que afina Saudosa - na ramagem densa, umbrosa. será; mas eu do rouxinol que trina

Não oiço a melodia, Nem sinto outra harmonia Senão a ti - a ti!

Respira - n'aura que entre as flores gira, Celeste - incenso de perfume agreste, Sei... não sinto: minha alma não aspira,

Não percebe, não toma Senão o doce aroma Que vem de ti - de ti!

Formosos - são os pomos saborosos, É um mimo - de néctar o racimo: E eu tenho fome e sede... sequiosos,

Famintos meus desejos Estão... mas é de beijos, É só de ti - de ti!

Macia - deve a relva luzidia Do leito - ser por certo em que me deito. Mas quem, ao pé de ti, quem poderia

Sentir outras carícias, Tocar noutras delícias Senão em ti! - em ti!

A ti! ai, a ti só os meus sentidos Todos num confundidos, Sentem, ouvem, respiram; Em ti, por ti deliram. Em ti a minha sorte, A minha vida em ti; E quando venha a morte, Será morrer por ti.

estrofes Sentidos do corpo

Sensações despertadas Elementos da natureza

conotações Percurso lírico- erótico

1º 2º 3º 4º 5º 6º

Apoio à leitura 1. Atente no título do poema. 1.1. Relacione-o com cada uma das estrofes. 1.2. Faça um levantamento do campo lexical referente a cada um dos sentidos. 1.3. Não é arbitrária a ordem das estrofes. Justifique. 1 .4. De que forma a crescente erotização eu/tu é traduzida pelas variações do refrão (a ti .. ./de ti . ../ em ti)? 2. O sujeito poético alterna o saber com o sentir. 2.1. Demonstre-o com expressões do texto. 2.2. Prevalece o saber ou o sentir? 2.3. Indique, exemplificando no texto, em que recurso estilístico se apoia a «confusão de sentidos)}. 2.4. Que tipo de amor se canta no poema? 3. A presença do rouxinol constitui um aviso que o eu poético ignora. Porquê? (Não esqueça que o rouxinol tem, na literatura, uma simbologia própria.) 4. Contra o rigor clássico, o poema reflecte influências conscientes do lirismo medieval e da poesia popular. Verifique-o: - no paralelismo de construção; - no uso do refrão; - na utilização da rima; - na linguagem simples e directa. 5. Saliente, ainda, outros recursos característicos da poesia de Garrett. (Veja, entre outros, o uso dos sinais de pontuação, a colocação dos adjectivos, o recurso à sinestesia, a rima interna e a métrica variada.)

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ESTE INFERNO DE AMAR Este inferno de amar - como eu amo! - Quem mo pôs n'alma... quem foi? Esta chama que alenta e consome, Que é a vida- e que a vida destrói - Como é que se veio a atear, Quando - ai quando se há de ela apagar? Eu não sei, não me lembra: o passado, A outra vida que dantes vivi Era um sonho talvez... - foi um sonho - Em que paz tão serena a dormi! Oh! que doce era aquele sonhar... Quem me veio, ai de mim! despertar? Só me lembra que um dia formoso Eu passei... dava o Sol tanta luz! E os meus olhos, que vagos giravam, Em seus olhos ardentes os pus. Que fez ela? eu que fiz? - Não no sei; Mas nessa hora a viver comecei... GOZO E DOR Se estou contente, querida, Com esta imensa ternura De que me enche o teu amor? Não. Ai não; falta-me a vida; Sucumbe-me a alma à ventura: O excesso de gozo é dor. Dói-me alma, sim; e a tristeza Vaga, inerte e sem motivo, No coração me poisou. Absorto em tua beleza, Não sei se morro ou se vivo, Porque a vida me parou. É que não há ser bastante Para este gozar sem fim Que me inunda o coração. Tremo dele, e delirante Sinto que se exaure em mim Ou a vida ou a razão.

Apoio à leitura

1. Partindo do princípio de que em Folhas Caídas se conta uma «história de amor», diga qual dos poemas estudados corresponde ao prólogo, ao começo in medias res e à evocação do passado.

2.Refira os efeitos contraditórios que o amor provoca no sujeito poético, assim como o recurso estilístico que melhor os traduz.

3. O amor anula o passado remoto.

3.1. Em que versos isso está bem patente?

3.2. Que facto levou o sujeito poético a esquecer esse passado?

4. Não esqueça que o presente no texto é também passado em relação ao poema «Adeus», uma espécie de desfecho anunciado para a relação eu/tu, na série de poemas que se seguem. Trata-se da presentificação de um momento passado.

4.1 Que efeito tira o poeta dessa presentificação?

4.2. Compare o passado remoto com esse presente então experimentado, em termos de vivência amorosa.

4.3. De que forma o uso da pontuação serve a expressão dos sentimentos do eu poético?

5.Abundam, no texto, as metáforas de fogo e de luz.

5.1. Forme os campos lexicais de fogo e luz.

5.2. Associe esses conjuntos de vocábulos à concepção de amor expressa no poema.

5.3. Há quem tenha visto na referência a «luz», na última sextina, uma alusão à destinatária referencial do poema. Clarifique essa associação mundana.

6. Destaque as marcas do tom coloquial presentes no poema.

7. Conclua da exemplaridade do poema, nas Folhas Caídas, a nível da rima, do ritmo e do tom teatral.

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NÃO TE AMO Não te amo, quero-te: o amar vem d'alma. E eu n'alma --- tenho a calma, A calma --- do jazigo. Ai! não te amo, não. Não te amo, quero-te: o amor é vida. E a vida --- nem sentida A trago eu já comigo. Ai, não te amo, não! Ai! não te amo, não; e só te quero De um querer bruto e fero Que o sangue me devora, Não chega ao coração. Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela. Quem ama a aziaga estrela Que lhe luz na má hora Da sua perdição? E quero-te, e não te amo, que é forçado, De mau feitiço azado Este indigno furor. Mas oh! não te amo, não. E infame sou, porque te quero; e tanto Que de mim tenho espanto, De ti medo e terror... Mas amar!... não te amo, não. Apoio à leitura

1. O poema constrói-se a partir de uma frase antitética inicial que se repete e se desdobra,

revelando a existência de um drama psicológico do poeta. Em que consiste esse drama?

2. Refira-se à relação eu/tu, privilegiando: - o retrato de mulher que o Tu corporiza; - os sentimentos que o eu poético deixa transparecer; - o valor da repetição insistente de ({Não te amo, quero-te}); - o tipo de amor para que o poema nos remete.

3. Explique de que forma a estrutura do poema ajuda a sua compreensão. 4. Surpreenda, na 4ª estrofe, algumas das figuras de estilo recorrentes na poesia de Garrett. 5. Registe, atentando na forma e no conteúdo, as características românticas do poema.

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1. Que características do olhar da amada são destacadas pelo sujeito poético?

2. Explica a oposição estabelecida entre luz de brilhar e chama de queimar.

3. Que tipo de sensações/emoções se associam a cada uma destas expressões?

4. Tendo em conta que “os olhos são o espelho da alma”, que sentimento denunciam os olhos da mulher amada?

5. Qual a palavra usada pelo sujeito poético para se referir a esse sentimento?

5.1. Identifique o recurso estilístico aí presente.

6. O momento do encontro dos olhares foi decisivo na vida do sujeito poético. Que consequências teve para ele?

7. Estabelece a relação de ideias que existe entre “facho do destino” e “fatal poder”.

8. Consideras que este poema de Folhas Caídas é ilustrativo da concepção romântica do Amor e Mulher? Justifica a sua resposta.

DESTINO Quem disse à estrela o caminho Que ela há-de seguir no céu? A fabricar o seu ninho Como é que a ave aprendeu? Quem diz à planta --- “Floresce!”> --- E ao mudo verme que tece Sua mortalha de seda Os fios quem lhos enreda? Ensinou alguém à abelha Que no prado anda a zumbir Se à flor branca ou à vermelha O seu mel há-de ir pedir?

Que eras tu meu ser, querida, Teus olhos a minha vida, Teu amor todo o meu bem... Ai! não mo disse ninguém. Como a abelha corre ao prado, Como no céu gira a estrela, Como a todo o ente o seu fado Por instinto se revela, Eu no teu seio divino Vim cumprir o meu destino... Vim, que em ti só sei viver, Só por ti posso morrer.

SEUS OLHOS

Seus olhos – se eu sei pintar O que os meus olhos cegou – Não tinham luz de brilhar, Era chama de queimar; E o fogo que a ateou Vivaz, eterno, divino, Como facho do Destino.

Divino, eterno! – e suave Ao mesmo tempo: mas grave E de tão fatal poder, Que, um só momento que a vi, Queimar toda alma senti... Nem ficou mais de meu ser, Senão a cinza em que ardi.

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BARCA BELA

Pescador da barca bela, Onde vais pescar com ela,

Que é tão bela, Ó pescador?

Não vês que a última estrela No céu nublado se vela?

Colhe a vela, Ó pescador!

Deita o lanço com cautela, Que a sereia canta bela...

Mas cautela, Ó pescador!

Não se enrede a rede nela, Que perdido é remo e vela

Só de vê-la, Ó pescador!

Pescador da barca bela, Inda é tempo, foge dela,

Foge dela, Ó pescador!

1.1. A quem se dirige o eu poético? 1.2. Elabore o campo lexical dos termos referentes à actividade piscatória (verbos e nomes). 1.3. Que aviso encerra o texto? 1.4. Que atmosfera se evoca no poema? 2. A linguagem do poema está, contudo, longe de ser apenas denotativa. 2.1. Indique o tipo de relação presente em:

- No céu nublado se vela [de encobrir; lat: velare] /recolhe a vela [de vela de barco; lat: vela] ... - ... barca bela ... /Que é tão bela/ ... a sereia canta bela...

2.2. Saliente o valor conotativo de bela aplicado a barca e a sereia. (Note que barca e sereia têm uma simbologia própria). 3. «Pescador» e «sereia» integram-se no discurso figurado de que o texto se socorre.

3.1. Estamos em presença de que figura de estilo? 3.2. Refira, agora, o sentido de «pescador» e de «sereia». 3.3. Os verbos que destacou em 1.2. que novos significados adquirem? 3.4. Refira-se ao valor conotativo do verbo «cantar» em «a sereia canta bela». 3.5. Reelabore o aviso formulado em 1.3. 3.6. Relacione esse aviso com a temática dos dois poemas da página 126.

4. Faça o estudo formal deste poema, destacando: - influências recebidas da lírica medieval e da poesia popular; - a importância do imperativo e do vocativo; - os jogos de sons.

5. Indique de que modo este poema se insere na problemática das Folhas Caídas.

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ROSA E LÍRIO

A rosa É formosa;

Bem sei. Por que lhe chamam – flor

D’amor Não sei.

A flor, Bem de amor

É o lírio; Tem mel no aroma, - dor

Na cor O lírio. Se o cheiro

É fagueiro Na rosa.

Se é de beleza – mor Primor A rosa, No lírio

O martírio Que é meu

Pintado vejo: - cor E ardor É o meu A rosa

É famosa Bem sei...

E será de outros flor D’amor Não sei.

Símbolos Qualidades Elementos Comuns Elementos Diferentes Sensções Sinestéticas Simbologia Rosa Formusura

Aroma Agradável

Aroma

Cor (beleza) Cheiro é fagueiro Amor

Lírio Cor (dor) Mel no aroma Dor na cor Cor e ardor

Dor (amor)

Lírio � Eu ----------------------- tu ----------------------- TU Rosa Eu

1. Após a leitura deste quadro, explica como este texto é um poema de amor, embora não o pareça. 2. A ultima estrofe permite fazer a ligação deste amor à mulher inspiradora confessa dos poemas deste livro. Como? 3. Alternado a presença dos dois símbolos, nota-se claramente que a dinâmica do poema gira à volta do símbolo «Rosa», sendo o eu fascinado por esta. Para compreenderes tal facto, selecciona os elementos seguintes: número de estrofes atribuídas aos dois símbolos, a pontuação usada na última estrofe e, dentro desta, o 4º verso. 4. Todo o poema é a expressão poética dum devaneio sentimental. A sua modernidade advém-lhe do uso original da métrica, da pontuação, das imagens poéticas, da extraordinária sensação de leveza e prazer que nos causa a sua leitura. Comenta estes aspectos.

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Romantismo

Romantismo é designação duma época determinada da História da Cultura - época mais ou menos longa, que, no caso português, abrange, conforme os pontos de vista: 1) de cerca de 1770, quer dizer, do Pré-Romantismo aos nossos dias, entendendo-se, pois, o Realismo, o Simbolismo, O Modernismo como desdobramentos ou fases evolutivas dum primeiro Romantismo, consequência duma progressiva desagregação espiritual que arrasta o cerebralismo puro e, em contraste, a pura expansão das forças irracionais; 2) de cerca de 1770 a 1865, data em que se produz a chamada Questão Coimbrã, primeira afirmação de rebelião da geração que fará o Realismo português; 3) excluído o Pré-Romantismo, - de 1825, data de publicação do poema Camões de Garrett, já de intenção romântica, a 1865. Alguns distinguem ainda entre Romantismo (no conceito mais restrito) e Ultra-Romantismo, que seria o período final, com o postiço e os excessos que caracterizam a dissolução da escola; mas não parece fácil delimitar cronologicamente os dois conceitos, e mais convirá considerar «romantismo» e «ultra-romantismo» duas facetas paralelas, simultâneas, dum movimento único. Na verdade, A Noite do Castelo (1836) de Castilho ou certos trechos da «tragédia de família» que é a história de Fr. Dinis nas Viagens (1846) de Garrett não são menos «ultra-românticos» que Soares de Passos ou João de Lemos; pelo contrário, os epígonos do Romantismo, como Bulhão Pato e Tomás Ribeiro (para já não falarmos num João de Deus) inclinam-se para uma estética de maior naturalidade. O que sucede é que os chefes de fila do Romantismo português (embora caindo por vezes nos defeitos que verberam) procuram manter-se sobranceiros ao folhetinesco, ao melodramático, à mecanização de processos expressionais - pechas que pejorativamente rotulam de «ultra-românticas». E esses perigos não cessam de ameaçar o Romantismo ao longo da sua duração, apesar de Garrett, em 1844, os julgar conjurados: o público estaria cansado de «estimulantes violentos»; «depois das saturnais da escola ultra-romântica» (eis a palavra que surge) desejaria ordem e moderação («Memória ao Conservatório»). Nota E). A palavra será retomada por Camilo Castelo Branco, que virá a pôr de lado as receitas de «terror grosso» com que fabricou os Mistérios de Lisboa e o Livro Negro. Os mentores do Romantismo português procuram uma posição independente, equilibrada, de certo modo «anti-romântica». Rigorosamente, só depois de 1836, quando as feridas causadas pelas lutas entre miguelistas e liberais

começam a cicatrizar, o Romantismo se constitui em Portugal, como escola com os seus adeptos menores, as suas revistas, o seu público. Até lá, assistimos a tentativas isoladas, prefiguram-se casos individuais de pioneiros: Garrett canta a Saudade, idealiza um Camões romanesco, joguete do Destino, abjura as ficções pagãs, inspira-se nos romances populares (Camões, 1825, D. Branca, 1826, Adozinda, 1828) e durante o cerco do porto, sob o estímulo do romance histórico de Hugo, delineia O Arco de Santana; [...] Herculano, poeta em verdes anos, põe em versos austeros as fundas experiências do exílio e dos combates pela Liberdade, canta Deus e a Pátria (A Harpa do Crente, 1838). [...] O Romantismo português participa, está claro, das características do Romantismo europeu em

geral; como sintetiza G. Díaz-Plaja, «à necessidade de seguir modelos clássicos, únicos, feitos de geometria e razão - universais, portanto -, opõe-se o direito de multiplicar os modelos segundo o clima e a época; de defender tantos cânones quantos os indivíduos, de preferir o típico ao arquetípico , o folclore ao gay saber, o pitoresco ao linear». O culto do diferente explica a literatura confessional, em que o eu liricamente se exibe na singularidade dos sentimentos e da imaginação, como explica ainda o nacionalismo estético, a valorização do que distingue uma cultura regional de todas as outras, logo o apreço do tradicional e do popular («Este é um século democrático - proclama Garrett -; tudo o que se fizer há-de ser pelo povo e com o povo»). E determina do mesmo passo o gosto de evocar a Idade Média (o distante no tempo, época de mais livre expansão dos impulsos, com o prestígio do ideal cavalheiresco) e o gosto exótico (o distante no espaço). Algumas vezes aflora, segundo a ideia de Rousseau, a ideia da bondade natural do indivíduo, pervertido e constrangido pela sociedade (nas Viagens de Garrett, por exemplo, e em Júlio Dinis); Camilo defende contra a sociedade os direitos dos que amam; mas a nota dominante é a do espiritualismo cristão, metafísica do pecado, da penitência e do resgate (Eurico, Fr. Luís de Sousa, Romance dum Homem Rico), de mistura com o fatalismo radicado na mente popular e na literatura. Na temática da poesia e da ficção, a par do amor platónico, aspiração à

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mulher-anjo, como a Dulce d' O Bobo, abundam os sentimentos fortes, carregados - ciúme, vingança, desespero -, a exigirem o estilo exclamativo, «frenético». Aliás, não faltam os contemplativos, os plangitivos lamartinianos, que procuram no seio da natureza os prazeres da melancolia e os pressentimentos dum além-mundo. O Romantismo constitui, por outro lado, uma tomada de consciência, a conquista dum senso histórico (Herculano e discípulos) e dum senso crítico novo aplicado aos fenómenos da cultura (Garrett, A. P. Lopes de Mendonça). Começa-se a relacionar o Homem com o meio a que pertence, a época de que é produto. O instável Carlos das Viagens é expoente duma época de crise, um moderno que sofre de duplicidade amorosa e acaba por se emburguesar, passando de alma sensível a barão; o próprio Camilo, conquanto mais interessado pelas almas que pelas realidades sociais, flagela com aguda visão tipos e costumes dum Portugal em metamorfose (por ex., em A Queda dum Anjo). Entretanto podemos apontar alguns traços que dão fisionomia particular ao Romantismo

português: estreitamente ligado à Revolução liberal de 1820, à emigração, à vitória sobre os miguelistas e à reforma das instituições, teve a chefiá-lo patriotas como Garrett e Herculano, que «mordiam o cartucho (no dizer de Camilo) com tanta seriedade de espírito como escreviam a Harpa do Crente ou O Arco de Santana», homens que entendiam a literatura como tarefa cívica, meio de acção pedagógica; cumpre notar que Portugal era um pequeno país decaído, humilhado, saudoso da grandeza perdida, e que portanto esses patriotas, confiantes nas virtudes da Liberdade, se propunham contribuir decisivamente para um renascimento pátrio; o espírito iluminístico, de racionalização da ordem social e difusão de «conhecimentos úteis», encontrou atmosfera propícia depois de 1820, e sobretudo depois da Revolução de Setembro (1836); aliás os mentores do Romantismo português revelaram-se homens de bom-senso, de alicerces clássicos, inimigos de excessos, sem propensão mística, sem alardes messiânicos, antes de pés fincados na terra; note-se que lutaram contra a desmesura e a trivialidade «ultra-românticas», que lamentaram a enxurrada de traduções de novelas francesas, factor de corrupção da língua vernácula e de dissolução da moral portuguesa antiga (isto apesar de um Garrett, um Camilo até, não hesitarem em actualizar a língua incorporando nela modos de dizer alienígenas). Feito um balanço, teremos de assinalar um exagerado historicismo (sobretudo medievalismo,

ingenuamente convencional no teatro e no solau), que por demais desviou a atenção da realidade contemporânea; abundante, monótona produção lírica, muito prejudicada pela afectação piegas e pela estética da espontaneidade, do coração «ao pé da boca» (espontaneidade que o autor das Folhas Caídas, homem de apurado gosto, habilmente simulou sem de facto a praticar); frouxa crítica literária, se a confrontarmos com a de outros países. [...] restaurou-se o teatro, chegando Garrett a escrever uma verdadeira obra-prima, o Frei Luís de Sousa, drama romântico imbuído do espírito helénico, de trágica simplicidade; [...]

Coelho, Jacinto do Prado, DICIONÁRIO DE LITERATURA, 3ª edição, 3º volume, Porto, Figueirinhas, 1979

O TERMO E O CONCEITO DE ROMÂNTICO

O vocábulo "romântico", tal como "barroco" ou "clássico", apresenta uma história complexa. Do advérbio latino romanice, que significava «à maneira dos romanos», derivou em francês o vocábulo romanz, escrito rommant depois do século XII e roman a partir do século XVII. A palavra rommant designou primeiramente a língua vulgar, por oposição ao latim, tendo vindo depois a designar também uma certa espécie de composição literária escrita em língua vulgar, em verso ou em prosa, cujos temas consistiam em complicadas aventuras heróicas ou corteses. [...] No século XVII, o adjectivo inglês romantic significa «como os antigos romances», e pode qualificar

uma paisagem, uma cena ou um monumento - [...] -, ou pode oferecer um significado estético-literário. [...] Não admira que na atmosfera racionalista que envolve a cultura europeia desde os finais do século

XVII, o vocábulo romantic passe a significar quimérico, ridículo, absurdo - qualidades (ou defeitos) que se atribuíram precisamente aos romances e poemas romanescos, quer na literatura medieval, quer de

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Ariosto, de Boiardo, etc. Tal como "gótico", romântico designa, na época do iluminismo, tudo o que é produzido pela imaginação desordenada, aquilo que é inacreditável e que reflecte um gosto artístico irregular e mal esclarecido. No entanto, a par deste significado pejorativo, a palavra que vimos a analisar oferece no século

XVIII um outro sentido: à medida que a imaginação adquire importância e à medida que se desenvolvem formas novas de sensibilidade, romantic passa a designar o que agrada à imaginação, o que desperta o sonho e a comoção da alma, aplicando-se às montanhas, às florestas, aos castelos, etc. Nesta acepção - que, como foi dito acima, já remonta ao século XVII -, foi-se obliterando a conexão do vocábulo com o género literário do romance, tendo vindo romantic a exprimir sobretudo os aspectos melancólicos e selvagens da natureza. O vocábulo inglês romantic era vertido para francês ora por romanesque, ora por pittoresque. Em 1776,

porém, Letourneur, no prefácio da sua tradução da obra de Shakespeare, distingue romantique de romanesque e de pitoresque, analisando os respectivos matizes semânticos e expondo os motivos que levaram a preferir romantique, «palavra inglesa»: o vocábulo, segundo Letourneur, «encerra a ideia dos elementos associados de uma maneira nova e variada, própria para espantar os sentidos», evocando, além disso, o sentimento de terna emoção que se apodera da alma perante uma paisagem, um monumento, uma cena, etc. Em 1777, o marquês de Girardin, na sua obra De la composition des paysages, usa igualmente o adjectivo romantique, mas a palavra adquire definitivamente direito de cidadania na língua francesa, quando Rousseau, num passo famoso das suas Rêveries d'un promeneur solitaire, escreve que «as margens do lago de Bienne são mais selvagens e românticas do que as do lago de Genebra». Através do francês, o vocábulo penetrou depois noutras línguas, como o espanhol e o português. Voltemos, todavia, ao significado literário da palavra romântico, que, como ficou acima exposto, está

já documentado no século XVII. O vocábulo romantic reaparece, com um sentido similar ao que apresenta no texto já mencionado de Rymer, na History of english poetry (1774) de Thomas Warton, cuja introdução se intitula «The origin of romantic fiction in Europe». Para Warton, o termo romantic designa a literatura medieval e parte da literatura que se afasta da literatura renascentista (Ariosto, Tasso, Spenser), isto é, uma literatura que se afasta das normas e convenções vigentes na literatura greco-latina e no neoclassicismo. [...] A par deste conceito latamente histórico de literatura romântica, aparece também com frequência,

no início do século XIX, um conceito tipológico de romantismo, corporizado principalmente na oposição clássico-romântico. Goethe reivindicou a paternidade desta famigerada distinção, mas foi indubitavelmente August Wilhelm Schlegel quem, inspirando-se em boa parte na oposição estabelecida por Schiller entre poesia ingénua e poesia sentimental, elaborou a mais sistemática e mais influente exposição sobre as diferenças existentes entre a arte clássica e a arte romântica. Na décima terceira lição do seu Curso de literatura dramática, A. W. Schlegel caracteriza a arte clássica como uma arte que exclui todas as antinomias, ao contrário da arte romântica, que se compraz na simbiose dos géneros e dos elementos heterogéneos: natureza e arte, poesia e prosa, ideias abstractas e sensações concretas, terrestre e divino, etc.; a arte antiga é uma espécie de «nomos rítmico, uma revelação harmoniosa e regular da legislação - fixada para sempre - de um mundo ideal em que se reflectem os arquétipos eternos das coisas», ao passo que a poesia romântica «é expressão de uma misteriosa e secreta aspiração pelo Caos incessantemente agitado a fim de gerar novas e maravilhosas coisas»; a inspiração da arte clássica era simples e clara, diferentemente do génio romântico que, «apesar do seu aspecto fragmentário e da sua desordem aparente, está contudo mais perto do mistério do universo, porque, se a inteligência jamais pode apreender em cada coisa isolada senão uma parte da verdade, o sentimento, em contrapartida, ao abranger todas as coisas, compreende tudo e em tudo penetra»; [...] Nas literaturas espanhola e portuguesa, aparecem os primeiros grupos românticos durante a terceira

década do século XIX, concomitantemente com a instauração de regimes liberais nos dois países da Península Ibérica e com o regresso de exilados que, na França e na Inglaterra, haviam conhecido as novas tendências estético-literárias.

Aguiar e Silva, Vítor Manuel de, TEORIA DA LITERATURA, 4ª edição, Coimbra, Livraria Almedina, 1982

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Características do Romantismo

1. Quanto ao público que lê

a) Democratização.

Deixa a nova literatura de ser só para reis, para fidalgos ou para círculos fechados de eruditos e torna-se a literatura do povo. O livro de cordel, o jornal, o romance picaresco, até mesmo o D. Quixote de Cervantes tinham arroteado o caminho a seguir pela obra romântica, entusiasmando a burguesia. Para esta classe, ávida de ler, se destina a literatura do Romantismo. Os burgueses é que vão ser os seus consumidores mais assíduos. O povo humilde continuará analfabeto. [...] Mas pelo menos é curioso constatar que a poesia das décadas de 840 e 850 e sobretudo a ultra-

romântica invadiu infrene o interior das famílias burguesas, ficando profundamente ligada ao mundanismo, à vida cívica: escreviam-se versos em álbuns, acompanhavam-se poemas a canto e piano nos salões, havia recitais poéticos em festas de beneficência e patrióticas, promoviam-se saraus literários. Foi por este motivo que se assistiu então a uma típica «aculturação» da mulher burguesa com a

aprendizagem da língua francesa e da música.

b) Tom de mensagem ao próximo.

A obra literária literária não é já um mundo fechado de valores para eleitos; é uma comunicação franca de ideias práticas e vitais a todo o leitor. Envereda até, uma vez ou outra, pelos caminhos da denúncia social e do empenhamento político.

2. Quanto ao génio criador

Vai notar-se o predomínio da emoção, do sentimento sobre a razão e o espírito ordenador dos clássicos; isto é, vai sobrepor-se o culto do «eu» e dos direitos do coração às imposições orientadoras da inteligência (reacção contra o racionalismo clássico).

3. Quanto aos temas

a) Culto da Idade Média. O «historicismo».

O Romantismo deixou de ter admiração por tudo quanto era greco-romano e baniu de vez o uso da mitologia. A Idade Média, tempo admirável em que o povo ajudava os reis a criar nações e em que os mesteirais, organizados em corporações, tinham iniludível valor político-social, seduziu com as suas narrações cheias de peripécias os românticos, visceralmente opostos aos absolutismos e partidários em política da soberania do povo. Esta evasão para os tempos medievos proporcionou aos escritores o contacto com lugares, factos e

tipos capazes de inspirarem a imaginação mais fria: castelos musgosos, lendas e tradições, cavaleiros, monges, cruzados, mouros, judeus. Note-se, porém, que os temas de actualidade não foram postergados (por exemplo em Viagens na

Minha Terra de Garrett) e até estiveram em voga nas poesias revolucionárias dos epígonos do Romantismo, para só falarmos no caso português.

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b) Novo modo de ver a paisagem.

À idealização do «locus amoenus» prefere o romântico a descrição do «locus horrendus», e bem carregada nas tintas. Despreza, por isso, o bucolismo de «ervas verdes e águas cristalinas» e o entusiasmo vai-lhe todo

para a paisagem agreste, exótica, para a selva virgem com sua típica desordem, com suas asperezas e impetuosidades, com suas cataratas e rios caudalosos. A paisagem nocturna, sepulcral, luarenta, é a que melhor se adapta aos sentimentos melancólicos dos autores. Às vezes, num semipanteísmo, o romântico vê-se embebido na mesma paisagem, a fazer um todo com ela e com ela identificando o seu estado de espírito. Ela como que se transfigura em símbolos. O poeta romântico tem com ela uma espécie de contacto sensual que quase o leva ao êxtase.

c) Preferência pelo homem na sua realidade total.

Sabemos que a beleza para o escritor clássico residia na imitação da natureza, não no particular, mas no universal. Em vez de criar tipos verosimilhantes aos seres individualizados e reais, idealizava seres com todas as perfeições e sem quaisquer defeitos. O autor romântico procede de maneira diferente: movimenta nas suas obras todos os tipos

humanos. Sente gosto em referir com pormenor os traços individuais dos heróis, não tendo pejo de colocar ao lado de pessoas sãs os marginais, os fora de lei, os aleijões tanto morais como físicos: o ladrão, o pirata, o assassino, o traidor, o perjuro, i incestuoso, o adúltero, a prostituta, o sacrílego, o cego, o corcunda, o mutilado. Às vezes, não teme aliar a elevação de sentimentos à hediondez física (como acontece, por exemplo, nestas personagens muito conhecidas: o sineiro Quasimodo de Nossa Senhora de Paris, de Vítor Hugo, e o jardineiro Belchior de A Escrava Isaura, de Bedrnardo Guimarães).

d) Intimismo e melancolia. Evasão.

Desde Bernardim e Rodrigues Lobo que o romance português vinha explorando uma melancolia patológica, a oscilar entre o pessimismo confessado e os desejos de um contentamento e de uma satisfação sempre longínquos. Agora, porém, mais do que nunca vai o homem romântico expandir o que nele há de mais pessoal e íntimo, a começar pela sensibilidade e voos da fantasia e a acabar nos impulsos do subconsciente. Daí que, ao contrário dos clássicos, sinta doce volúpia no sofrimento e prefira registar situações de dor e de melancolia, e ambientes de nebulosidade nórdica como o entardecer, o escurecer, a noite, as florestas sombrias, as cavernas, as ruínas, os agouros, os sonhos, a morte. A personagem romântica, mergulhada nesta melancolia pessimista, procura evadir-se umas vezes para o além-morte através do suicídio, outras vezes para o convento, o sacerdócio, a solidão, a loucura.

e) Exaltação do que é nacional e popular.

A cultura francesa do século XVIII tinha unificado espiritualmente a Europa; Napoleão Bonaparte tentou a unificação política. Como reacção, es escritores românticos procuram exaltar tudo quanto é nacional, tudo quanto é popular. E crêem que a alma dos nacionalismos europeus incarnou no povo da Idade Média e no povo se tem mantido inalterada. O popular e o folclórico adquirem, desta maneira, um grande prestígio junto da nova escola. Foi por isso que a literatura romântica cedo adquiriu um carácter cívico e patriótico e enveredou a

pouco e pouco pelo historicismo, tratando com muito carinho figuras nacionais.

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4. Quanto aos aspectos formais

a) Independência criativa.

O génio criador agora não pode estar sujeito a normas férreas, como eram as da estética clássica. Essas normas são totalmente banidas, pois convertem a arte num puro mecanismo. O escritor romântico voa nas asas da imaginação, dos seus sentimentos e instintos. Criará obra estritamente pessoal. Não admite mais a divisão dos géneros clássicos. Com excepção do soneto, que conserva, inventa novos agrupamentos estróficos. Opõe-se tenazmente à imitação paradigmática dos escritores gregos e romanos.

Confronto entre as tendências do Classicismo e do Romantismo

Classicismo Romantismo A razão, a inteligência O coração, a sensibilidade, a imaginação O geral, o universal O particular, o individual O objectivo, o impessoal O subjectivo, o pessoal A vontade, o heroísmo A melancolia, o abatimento A inteligência, as abstracções As sensações, a sensibilidade A clareza, a ordenação O mistério, o sonho, a meditação O paganismo O cristianismo O culto da antiguidade greco-latina O culto da Idade Média e dos tempos modernos O aristocrático, o nobre, o tradicionalista O popular, o pitoresco, a paisagem

(Cfr. Virgínia Mota, Manual de História da Literatura Portuguesa, 2ª edição, Lisboa, pág. 169).

Barreiros, António José, HISTÓRIA DA LITERATURA PORTUGUESA, vol. II, 13ª edição, Braga, Livraria Editora Pax, Lda, 1992

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ESTES SÍTIOS Olha bem estes sítios queridos, Vê-os bem neste olhar derradeiro... Ai!, o negro dos montes erguidos, Ai!, o verde do triste pinheiro! Que saudades que deles teremos ... Que saudade!, ai, amor, que saudade! Pois não sentes, neste ar que bebemos, No acre cheiro da agreste ramagem, Estar-se alma a tragar liberdade E a crescer de inocência e vigor! Oh!, aqui, aqui só se engrinalda Da pureza da rosa selvagem, E contente aqui só vive Amor. O ar queimado das salas lhe escalda De suas asas o níveo candor, E na frente arrugada lhe cresta A inocência infantil do pudor. E oh!, deixar tais delícias como esta! E trocar este céu de ventura Pelo inferno da escrava cidade! Vender alma e razão à impostura, Ir saudar a mentira em sua corte, Ajoelhar em seu trono à vaidade, Ter de rir nas angústias da morte, Chamar vida ao terror da verdade... Ai!, não, não... nossa vida acabou, Nossa vida aqui toda ficou. Diz-lhe adeus neste olhar derradeiro, Dize à sombra dos montes erguidos, Dize-o ao verde do triste pinheiro, Dize-o a todos os sítios queridos Desta ruda, feroz soledade, Paraíso onde livres vivemos... Oh!, saudades que dele teremos, Que saudade!, ai, amor, que saudade!

.1. Após leitura do poema «Estes sítios», associe ao confronto campo/cidade estas oposições:

- indivíduo/sociedade; - autenticidade /hipocrisia; - céu/inferno; - liberdade/ escravidão; - amor correspondido/ amor frustrado.

1.2. Relacione as três dimensões passado, presente e futuro com esses confrontos. 1.3. Refira, justificando, em que momento da relação eu/tu se situa a mensagem. 2. Registe: - o valor das interjeições repetidas; - a importância das reticências; - características românticas do poema.

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Garrett nos Exames: Folhas Caídas: A. A poética de Folhas Caídas é a expressão vivida de contradições amorosas, provocadas pela visão da mulher e pelo domínio desta sobre o homem.

Numa composição cuidada ( mínimo 80 e máximo 220 palavras) comprova esta afirmação, apoiando-te nas leituras de poemas desta obra. B. Recorda as leituras que fizeste da poesia de Almeida Garrett e refere-te aos seguintes aspectos:

A forma como o autor tratou a relação amorosa. Características marcantes da linguagem e do estilo.

C.

“ Não te amo, quero-te...” “ Anjo és. Mas que anjo és tu? (...) Em nome de quem vieste? Paz ou guerra me trouxeste: De Jeová ou Belzebu?” “ É que não há ser bastante Para este gozar sem fim Que me inunda o coração”

Tendo em conta que a poesia garrettiana revela um espírito renovador, não só quanto

à concepção da mulher amada e do amor, mas também quanto aos aspectos formais, numa composição cuidada (mínimo 80 e máximo 220 palavras), refere-te à nova sensibilidade e à nova expressão poética, evidenciadas na lírica de Almeida Garrett. D. Recorde o estudo que fez da «Advertência» às Folhas Caídas e refira as principais ideias que Garrett aí deixou expressas. E. Baseado(a) em leituras e estudos feitos, constrói um pequeno texto, correcto e coeso ( mínimo 80 e máximo 220 palavras), sobre a actualidade da mensagem da obra Folhas Caídas, que constituiu uma novidade no momento em que foi publicada.