galileu galilei sidereus nuncius, o mensageiro das estrelas[1]

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EDIÇÕES DA FUNDAÇAo CALOUSTE GULBENKIAN TEXTOS CLÁSSICOS - As raízes da cultura estão naquelas obras chamadas clás- sicas, obras cuja mensagem se não esgotou e permanecem fontes vivas do progresso humano. Por isso a Fundação, ao esquematizar o seu Plano de Edições, julgou que seria indispensável colocar ao alcance do público lusófono livros que marcassem momentos decisivos na história dos vários sectores da civilização. Da ciência pura à tecnologia, da quantidade abstracta ao humanismo concreto, procurar-se-á que os depoimentos mais representativos figurem nesta nova série editorial. Para dificultar ao mínimo o acesso do leitor, todas as obras serão vertidas em português e apresen tadas com a dignidade e a segurança que naturalmente lhes são devidas. Integrando na língua pátria estes grandes nomes estrangeiros, supomos contribuir para lima mais perfeita consciência da própria cultura nacional, cujos clássicos terão tamhém o lugar que lhes compete no Plano de Edições da Fundação Calouste Gulbenkian . GALILEU GALILEI (1564-1642), nascido em Pisa, é um dos maIs célebres homens de ciência da Europa e uma das figuras mais emblemáticas do período l l ue se convencionou chamar "revolução científica". Na sequência das suas excepcionais descobertas astronómicas, feitas entre 1609 e 1611 com o auxílio do telescópIo. iniciou uma ampla campanha em favor do heliocentrismo coperniciano, lançando um ataque implacável à ſtlosofia natural aristotélica, envolvendo-se em debates, dis- putas de prioridade, e acesas polémicas que culminariam com um famoso pro"sso inquisitorial em 1633. Fez desenvolvimentos da maior importância cicntíc;1 C1I1 mecânica, especialmente no estudo do movimento, e durante a sua carreira dell aos prelos alguns dos mais influentes textos de ciência do século dez;ls�cll·. como o Sidereus Nuncius (1610), o Saiatore (1623), o Di/ogo sopri/ / l/r I/H;/ stemi (1632) e os Discorsi e diostrazioni intorno a de nove scimzr (163), G:llllcll habitualmente apresentado como o primeiro cientista moderno. um;1 descnço talvez simplista, mas que sublinha correctamente o facto de. pam a l ém da ll.!' notáveis descobertas, ter também desempenhado um papel ú niCo na rcdefini 5 ' o das metodologias e dos objectivos de várias disciplinas científicas. no uso ino"t!"t dos textos impressos de ciência, na implantação de uma retórica ciclHil Ica prúprl;!. C no lançamento de habilidosas estratégias de aproximação a mCCCIl;\S cientifico . Henrique Leitão (n. 1964) é investigador no Centro l ntcrullivnsil no t História das Ciências e da Tecnologia e docente no Mestrado em I IISHíri;\ " \>iI '' I I;! da Ciência, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisl!o;l. Tcm llllU vasta obra publicada sobre diversos aspectos da CIência cumpeia 1105 séculos XV a XVII. É o coordenador da comissão clentific\ cneal regue da publicação das Obras de Pedro Nunes, um projecto da ACldemia dns Cil'll(la� da Fundação Calouste Gulbenkian, e foi o coordenador dos pjl'CIoS de ll . .to· gação e estudo dos impressos e manuscritos cientIficos antigos 11;1 1III>Iiole.1 Nacional de Portugal. É membro de várias associações académir.ls n.lCion.m e estrangeiras entre as quais se destaca Academia das Ciências de LisboJ. a Ill\tory of Science Society e a European Society for the History of Scincc (mcmbro do «Scientific Board»). É o único português membro da prestigih AtJdémi Internationale d'Histoire des Sciences. ISBN 978-972-31-1317-4 111 111111111 111111111111 9 789 723 113 1 74 3. a Edição Galileu Galilei Fundação Calouste Gulbenan SIDEREUS NUNCIUS o MENSAGEIRO DAS ESTRELAS GaWeu GaWei 3.a Edição FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN SERVIÇO DE EDUCAÇÃO E BOLSAS

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Page 1: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

EDIÇÕES DA FUNDAÇAo CALOUSTE GULBENKIAN

TEXTOS CLÁSSICOS - As raízes da cultura estão naquelas obras chamadas clás­sicas, obras cuja mensagem se não esgotou e permanecem fontes vivas do progresso humano. Por isso a Fundação, ao esquematizar o seu Plano de Edições, julgou que seria indispensável colocar ao alcance do público lusófono livros que marcassem momentos decisivos na história dos vários sectores da civilização. Da ciência pura à

tecnologia, da quantidade abstracta ao humanismo concreto, procurar-se-á que os depoimentos mais representativos figurem nesta nova série editorial. Para dificultar ao mínimo o acesso do leitor, todas as obras serão vertidas em português e apresen tadas com a dignidade e a segurança que naturalmente lhes são devidas. Integrando na língua pátria estes grandes nomes estrangeiros, supomos contribuir para lima mais perfeita consciência da própria cultura nacional, cujos clássicos terão tamhém o lugar que lhes compete no Plano de Edições da Fundação Calouste Gulbenkian . • GALILEU GALILEI (1564-1642), nascido em Pisa, é um dos maIs célebres homens de ciência da Europa e uma das figuras mais emblemáticas do período llue se convencionou chamar "revolução científica". Na sequência das suas excepcionais descobertas astronómicas, feitas entre 1609 e 1611 com o auxílio do telescópIo. iniciou uma ampla campanha em favor do heliocentrismo coperniciano, lançando um ataque implacável à ftlosofia natural aristotélica, envolvendo-se em debates, dis­putas de prioridade, e acesas polémicas que culminariam com um famoso proCt"sso inquisitorial em 1633. Fez desenvolvimentos da maior importância cicntílic;1 C1I1

mecânica, especialmente no estudo do movimento, e durante a sua carreira dell aos prelos alguns dos mais influentes textos de ciência do século dez;ls�cll·. como o Sidereus Nuncius (1610), o II Saggiatore (1623), o Di(//o.go sopri/ / til/r II/I/H;II//

sistemi (1632) e os Discorsi e dill/ostrazioni intorno a d/le n/love scimzr (163!!), G:llllcll i'

habitualmente apresentado como o primeiro cientista moderno. um;1 descnç:io talvez simplista, mas que sublinha correctamente o facto de. pam além da ll.!'

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dos textos impressos de ciência, na implantação de uma retórica ciclHil Ica prúprl;!. C

no lançamento de habilidosas estratégias de aproximação a mCCCIl;\S cientifico . • Henrique Leitão (n. 1964) é investigador no Centro l ntcru llivnsillino til'

História das Ciências e da Tecnologia e docente no Mestrado em I IISHíri;\ " \>iI "''' I I;!

da Ciência, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisl!o;l. Tcm llllU vasta obra publicada sobre diversos aspectos da CIência cumpeia 1105

séculos XV a XVII. É o coordenador da comissão clentific\ cneal regue da publicação das Obras de Pedro Nunes, um projecto da ACldemia dns Cil'll(la� l'

da Fundação Calouste Gulbenkian, e foi o coordenador dos projl'CIoS de C:ll . .to·

gação e estudo dos impressos e manuscritos cientIficos antigos 11;1 1III>Iiol('e.1

Nacional de Portugal. É membro de várias associações académir.ls n.lCion.m e estrangeiras entre as quais se destaca Academia das Ciências de LisboJ. a Ill\tory of Science Society e a European Society for the History of Scic:ncc (mcmbro do «Scientific Board»). É o único português membro da prestigi.Hh AtJdémic: Internationale d'Histoire des Sciences.

ISBN 978-972-31-1317-4

111 111111111 111111111111 9 789 723 113 1 74

3. a Edição

Galileu Galilei

• Fundação Calouste

Gulbenkian

SIDEREUS NUNCIUS

o MENSAGEIRO DAS ESTRELAS

GaWeu GaWei

3.a Edição

FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN SERVIÇO DE EDUCAÇÃO E BOLSAS

Page 2: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

SIDEREUS NUNCIUS

o MENSAGEIRO DAS ESTRELAS

Galileu Galilei

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Page 4: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

SIDEREUS NUNCIUS

o MENSAGEIRO DAS ESTRELAS

Galileu Galilei

Tradução, Estudo e Notas por

HENRIQUE LEITÃO

3.a Edição

FUNDAÇÁO CALOUSTE GULBENKIAN

SERVIÇO DE EDUCAÇÃO E BOLSAS

Page 5: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

Reservados todos os direitos de harmonia com a lei

Edição da Fundação Calouste Gulbenkian Av. de Berna I Lisboa

Page 6: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]
Page 7: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

GALILEU GALILEI (1564-1642)

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NOTA DE ABERTURA

É difícil exagerar a importância do Sidereus Nuncius de Galileu. Neste livro delgado, Galileu anunciou várias descober­tas, cada uma mais surpreendente e controversa do que a ante­rior: a superfície da Lua ser semelhante à da Terra, as inume­ráveis estrelas de que é formada a Via Láctea, os quatro satélites em torno de Júpiter. Após algumas negociações de última hora com a corte Medici, em Florença, Galileu desig­nou esses satélites por "Estrelas Mediceias". Isto revela que, para Galileu, o Sidereus Nuncius serviu como uma candidatura a um emprego. Fatigado com o seu cargo rotineiro de profes­sor de matemática na Universidade de Pádua, Galileu viu a oportunidade de um novo e promissor futuro como matemá­tico e filósofo da natureza na corte florentina, quando um "estranho" chegou a Veneza, em Julho de 1609, para apresen­tar um dos novos instrumentos recentemente inventado nos Países Baixos o telescópio. No final de Agosto, Galileu já tinha conseguido fazer um telescópio muito melhor do que o desse estrangeiro e iniciou a sua série de descobertas surpreen­dentes que acabariam, após a publicação do Sidereus Nuncius, em Março de 1610, por lhe dar a fama.

Mas não é apenas pelo seu papel singular na carreira pes­soal de Galileu que o Sidereus Nuncius é importante. O Side­reus Nuncius foi um livro que estabeleceu novos standards: para o papel dos instrumentos nas pesquisas da ciência - Galileu

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construiu o seu próprio telescópio melhorado; para o uso de evidência visual na disciplina da astronomia embora não fosse a primeira vez, as imagens nunca haviam sido tão impor­tantes como as gravuras lunares do Sidereus Nuncius; para a definição da disciplina de astronomia como parte da filosofia natural (ou da física, como diríamos hoje) - o livro foi enten­dido como uma defesa do copernicianismo. Por todas estas razões celebrámos 2009, quatrocentos anos depois das primeiras observações telescópicas de Galileu, como o Ano Internacional da Astronomia. As celebrações começaram em 2008 com uma conferência comemorando o primeiro pedido de patente para um telescópio pelo vidreiro oculista de Middelburg, Hans Lip­perhey, em Setembro de 1608. O ano de 2009 assistiu a uma série de conferências sobre Galileu e a história da astronomia, que tiveram lugar em locais desde o Médio Oriente à Europa e à América Latina, dirigidas a todas as audiências, desde espe­cialistas até crianças. No momento em que escrevo, em Janeiro de 2010, o pó de toda esta actividade começa a assentar. Cele­brámos, mas será que também aprendemos algo?

O Sidereus Nuncius de Galileu é um livro de tal modo importante que cada geração de estudiosos retorna a ele, des­cobrindo sempre novos ângulos: Mario Biagioli sublinhou a importância do mecenato; historiadores de arte, de Samuel Y. Edgerton a Horst Bredekamp, discutiram a importância dos contextos artísticos para as imagens lunares do Sidereus Nun­cius; e outros, como Fernand Hallyn, tornaram as qualidades literárias e poéticas do livro inteligíveis para todos nós. Esta atenção renovada e interdisciplinar é talvez a melhor evidência da importância do livro, não apenas como texto científico, mas como um produto de cultura, com o qual cada nova geração se tem de enfrentar, analisando, contextualizando e traduzindo-o. Talvez o aspecto mais notável do trabalho recente sobre Gali­leu, o telescópio e o Sidereus Nuncius, que veio à superfície, mais ou menos, nos últimos dois anos (enquanto celebráva­mos), tenha sido a importância da cultura material na astrono-

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mia de Galileu. Foi feita investigação acerca das lentes e 6culos que antecederam as de Galileu, que nos ajuda a compreender quão importante a artesania e o talento prático foram para o telesc6pio. Veio à luz do dia uma lista de compras de Galileu, escrevinhada nas costas de uma carta, que mostra como Gali­leu, insatisfeito com as lentes que conseguia adquirir, recolheu os materiais e as técnicas para construir o melhor telescópio da altura. Além disso, cuidadosas investigações de exemplares do próprio livro, por Albert van Helden, Owen Gingerích e Horst Bredekamp, revelaram tanta informação nova que podemos agora seguir a composição do Sidereus Nuncius quase dia a dia. Mas tudo isto se pode ler nas páginas da excelente introdução pelo distinto historiador da ciência Henrique Leitão.

H. Leitão recolhe toda a erudição relevante sobre Galileu, o telescópio, e o Sidereus Nuncius, numa bela síntese que (estou convencido) definirá o standard por muitos anos. Mas o leitor também encontrará muito para desfrutar sobre a perspec­tiva portuguesa deste famoso episódio da história da ciência, que merece ser melhor conhecida fora de Portugal. É seguido pela primeira tradução do Sidereus Nuncius feita em Portugal. Isto torna este livro de uma importância cultural singular para todos os que são menos versados em Latim, mas não em conhecimentos e cultura algo que Galileu, que escreveu sobretudo em italiano, teria certamente apreciado.

SVEN DupRf

Ghent, Janeiro 2010

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PREFAcIO

Quatrocentos anos volvidos após a sua publicação original em Veneza, surge agora, pela primeira vez no nosso país, uma tradução para português do Sidereus Nuncius (1610), uma obra que pode, sem qualquer exagero, ser considerada a mais emblemática, a mais perturbadora, mas também a mais acessí­vel de todas quantas compõem o excepcional panteão dos tex­tos da "Revolução Científicà'. O Sidereus Nuncius é o livro em que Galileu Galilei (1564-1642) deu a conhecer as novidades que descobrira com o telescópio, e é seguramente uma das mais importantes obras em toda a história do pensamento científico. Não são necessárias, portanto, grandes justificações para o aparecimento desta tradução portuguesa. Pelo contrário, dir-se-ia que, antes mesmo da leitura, se impõe um momento de reflexão acerca do que parece ser um estranho atraso de quatro séculos.

Há algo de preocupante na circunstância de se ter che­gado ao século XXI sem existir uma tradução portuguesa do Sidereus Nuncius feita no nosso país (existe, contudo, uma tradução feita no Brasil). A bem dizer, quase nada do que Galileu escreveu foi alguma vez traduzido em Portugal, o que não só nos coloca numa posição diferente de praticamente todos os outros países do mundo ocidental, mas denuncia uma real falta de interesse pela obra do famoso cientista, a des­peito dos inúmeros protestos de admiração e do tom deda-

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matórÍo e moralista em que muitas vezes se redigem textos sobre ele. l

Galileu parece ter adquirido, na sociedade portuguesa, o estatuto paradoxal do ícone do homem de saber, de curiosi­dade fervilhante, apaixonado pelo conhecimento, com um espí­rito indómito em busca da verdade, mas que não suscita pelo seu exemplo, nem curiosidade, nem amor ao saber, ao estudo e à investigação. Pelo menos no que diz respeito à sua própria obra isso é certo. Há aqui, parece-me, muita matéria para a reflexão dos especialistas em questões de sociedade, e talvez a sugestão de alguma prudência nas análises que, com demasiada facilidade, equacionam "cultura científica" com a popularidade de certos nomes e a transacção de chavões.

O trabalho que agora se apresenta não se dirige, evidente­mente, ao especialista; tem, sobretudo, um propósito de divul­gação junto de um público culto e informado, mas desconhe­cedor dos meandros da erudição galileana. O especialista nunca dispensará a leitura do texto de Galileu na versão latina origi­nal, mas o mesmo já não se pode pedir ao amador, por muito interessado que seja por estes temas. Por esta razão, não se jus­tificava que se preparassem anotações muito detalhadas e muito técnicas, numa edição que tem propósitos de leitura amplos.

1 À parte alguns textos dispersos, por vezes incluídos em obras didácticas ou em compilações várias, só conheço as seguintes traduções: I) GALILEU GALILEI, Cartas, Discussões, DUlogos. Tradução e Prefácio de António Dias Gomes (Lisboa: Delfos, 1970), com excertos muito reduzi­dos da correspondência, documentos e algumas obras de Galileu, e Íl) GALILEU GALILEI, Diálogo dos Grandes Sistemas: Primeira Jornada. Tradu­ção de Mário Brito; anotação e prefácio de José Trindade Santos (Lisboa: Gradiva, 1979; com edições posteriores). No panorama geral de quase total desinteresse pela obra de Galileu, só pode haver palavras de louvor para os que se envolveram na tarefa, sempre difícil, de dar a conhecer esses trabalhos ao público português. Mas, dito isto, tem de prevenir-se o leitor de que nenhuma dessas traduções, nem os textos que as acompa­nham, foi feita por um historiador de ciência, nem por pessoas familiari­zadas com os contributos de Galileu.

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Mas, por outro lado, sem os elementos essenCiaIS de con­textualização e alguns esclarecimentos pontuais, a obra seria dificilmente compreensível para o leitor actual. Nenhum texto flutua a-historicamente sobre a época em que foi escrito, encontrando-se sempre relacionado com as polémicas, as perso­nagens e o espírito do seu tempo, de maneira que a com­preensão fica muito melhorada com o esclarecimento destes elementos externos.

A decisão de preparar uma versão portuguesa destinada a um público culto, mas não especializado, corresponde também à intenção que moveu Galileu a escrever a sua obra. O uso do latim - que Galileu abandonou em trabalhos posteriores -revela que visava uma audiência instruída e internacional, mas a estrutura e o conteúdo do livro foram pensados de modo a permitir a leitura pelos que eram pouco versados em astrono­mia ou nas ciências matemáticas.

Como sucede com todos os grandes textos da cultura oci­dental, a variedade e riqueza de traduções, para diversos idio­mas, entre as quais se encontram algumas de excelente quali­dade, significa que todos os problemas de compreensão e/ou tradução se acham resolvidos, e que todas as passagens de interpretação dúbia foram já amplamente discutidas e analisa­das. Há, de facto, uma vasta literatura em torno do Sídereus

Nuncíus e, como ficará evidente no que segue, sou imensa­mente devedor desses trabalhos, que usei com abundância e a que me refiro com frequência.

Mas o livro que agora se apresenta tentou atingir algumas metas que o distinguem de outras traduções e edições em cir­culação.

Em primeiro lugar, foi feito um esforço para trazer ao conhecimento do leitor os estudos mais actuais. A quantidade de trabalhos sobre Galileu não tem cessado de aumentar, com desenvolvimentos de grande importância nas últimas duas décadas. Incluir os dados mais recentes e dar indicação dos estudos mais modernos da historiografia galileana foi aqui uma obrigação.

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Em segundo lugar, nos dias de hoje praticamente todos os materiais que se referem neste livro, quer fontes, quer literatura secundária, encontram-se com muita facilidade, estando a maior parte deles já disponibilizados online. Para dar apenas o exemplo mais significativo, a monumental edição das Opere di Galileo Galilei, por Antonio Favaro, que é o elemento de tra­balho imprescindível para qualquer interessado em assuntos galileanos, está hoje integralmente disponível online, sem qual­quer custo. Na verdade, os estudos eruditos sofreram uma revolução silenciosa nos últimos dez anos, motivada pelo facto de o acesso às fontes ser hoje quase instantâneo. Publicar um livro sobre Galileu, em 2010, sem levar isto em conta, seria uma tolice. As indicações de fontes primárias que aqui se dão, além de preencherem um dos quesitos básicos de qualquer tra­balho erudito, são um convite ao leitor a que, agora que o pode fazer com toda a comodidade em sua casa, explore com algum pormenor esses documentos.

Finalmente, em terceiro lugar, há aspectos relativos à divulgação das descobertas telescópicas de Galileu - e do pró­prio telescópio - em Portugal a que se deu um especial des­taque neste trabalho. A história das novidades galileanas e do telescópio entre nós é um dos episódios mais interessantes da nossa história científica, reflexo do período particularmente rico e internacional da ciência portuguesa que foram as pri­meiras décadas do século XVII. Pareceu-nos adequado recordar aqui esses factos, ainda que brevemente.

* * *

Este livro tomou forma no âmbito das comemorações de 2009: Ano Internacional da Astronomia. Agradeço ao Prof João Fernandes, coordenador destas celebrações em Portugal, ter-me lançado o desafio que me levou a converter uma tradução esquemática, e algumas notas dispersas que coligira, numa obra que se espera consistente e satisfatória. Na Fundação Calouste Gulbenkian, agradeço ao Dr. Manuel Carmelo Rosa, que

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acompanha já há anos outros projectos editoriais em que estou envolvido, e que acompanhou também este com a sua habitual combinação de profissionalismo, simpatia e suave insistência no cumprimento de prazos. Ainda na Fundação Gulbenkian, tive, também, a oportunidade de discutir alguns dos assuntos aqui tratados com o Ptof. João Caraça, que além disso me indicou bibliografia e deu sugestões; para ele também o meu agradeci­mento.

Aos meus colegas e amigos Ana Simões, Bernardo Mota, Carlota Simões, Guilherme de Almeida, João Filipe Queiró, José Vaqueto, Luís Miguel Carolino, Luís Tirapicos e Samuel Gessner, tenho a agradecer muitas conversas em torno dos assuntos desta obra, correcções, sugestões e esclarecimentos demasiados para enumerar, o empréstimo de bibliografia ou apenas as simples, mas importantes, palavras de estímulo. Devo um agradecimento muito especial ao Prof. Domingos Lucas Dias, que há muitos anos, com uma generosidade e uma paciência que ainda hoje me enchem de espanto, me introdu­ziu na beleza e na precisão da língua latina, e agora me auxi­liou uma vez mais, eliminando alguns erros e sugerindo muitos melhoramentos de estilo na minha tradução. Como é evidente, quaisquer lapsos ou infelicidades estilísticas que ainda subsis­tam são da minha inteira responsabilidade. Estou também par­ticularmente reconhecido ao Dr. Sven Dupré, um dos maiores especialistas da actualidade no telescópio de Galileu, que tenho o privilégio de contar entre os meus amigos, e que teve a ama­bilidade de enriquecer este livro com a sua preciosa nota de abertura. A todos estes e aos muitos outros colegas e amigos que ao longo dos anos me têm ajudado, aqui fica o meu reco­nhecimento.

A Janjão e os miúdos aturaram, com a sua habitual boa disposição, um marido e pai que não tem horários, trabalha em qualquer divisão da casa e insiste em que todos estejam a par do último assuntO que está a estudar, por mais recôndito que seja. É mais que justo que lhes dedique este livro, em modesta compensação do que os fiz penar.

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* * *

Como já foi assinalado, a fonte essencial para todos os estudos galileanos é a edição das Opere di Galileo Galilei pro­movida por Antonio Favaro, que contém todos os trabalhos científicos de Galileu, praticamente toda a sua correspondência, e muitos mais textos e obras de outros, com directa relação com Galileu. Ao longo deste livro far-se-ão abundantes referên­cias para esses volumes:

Le Opere di Galileo Galilei. Antonio Favaro, ed. Edi­zione Nazionale, 20 vols. (Firenze: G. Barbera, 1890--1909), com reimpressões em 1929-1939 e em 1964-1966.

Todas as menções a esta edição serão feitas de maneira simplificada, apenas como: Opere, volume (em algarismo romano), número de página (em algarismo árabe). Nunca é demais recordar que este trabalho magistral está hoje em dia inteiramente acessível onlíne.

HENRIQUE LEITÃO

Universidade de Lisboa

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ESTUDO INTRODUTÓRIO por

HENRIQUE LEITÃO

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Uma Gazeta Sideral com "osservazioni di infinito stupore"

Se o epíteto "revolucionário" tem algum sentido em his~ tória da ciência, então deve ser usado para classificar, talvez mais do que qualquer outra obra, o pequeno opúsculo que Galileu Galilei (l564~ 1642) publicou em Veneza, em Março de 1610, com o título de Sidereus Nuncius. 1 É difícil encontrar na história científica um outro exemplo que se lhe compare, quer na estrondosa comoção que causou imediatamente, quer nas dramáticas consequências a que deu origem.

I A literatura sobre Galileu tem proporções verdadeiramente monu~ mentais, que impossibilitam que se faça aqui qualquer resumo. Limitamo­-nos a registar a existência, no mercado nacional, de traduções de algu­mas obras importantes, cuja leitura se recomenda: STILLMAN DRAKE,

Galileu, trad. por Maria Manuela Pecegueiro (Lisboa: D. Quixote, 1981); ANTONIO BANFI, Galileu, trad. por António Pinto Ribeiro (Lisboa: Edi­ções 70, 1986); MARIO BIAGIOLl, Galileu Cortesão. A Prdtica da Ciência na Cultura do Absolutismo, trad. por Ana Sampaio (Porto: Porto Editora, 2003); MICHAEL SHARRAT, Galileu, Inovador, trad. por Ana Sampaio (Porto: Porto Editora, 2010). Outras obras que circulam no nosso país, de carácter divulgativo, são em geral desaconselhadas. Pode dizer-se que a historiografia galileana se divide em dois grandes temas: os estudos sobre os seus trabalhos científicos e os estudos em torno do «caso Galileu». Para o primeiro destes temas, isto é, os aspectos científicos, existe uma obra excepcional, já considerada "the fmest book ever written on Galileo" (Noel Swerdlow), que muito se recomenda: STlLLMAN DRAKE, Galileo at W0rk. His Scientific Biography (Chicago and London: The University of Chicago Press, 1978). Ao longo deste estudo daremos indicações biblio­gráficas actualizadas sobre todos os assuntos tratados.

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o Sidatu! Ntau;us é a obra em que Galileu deu a co nhe­cer as novidades que descobrira com o telescópio, em observa­ções que vinha a fazer desde Outubro ou Novembro de 1609. Consciente da excepcionalidade do que observara, nos primei­ros meses de 161 0 ocupou+se febrilmente na preparação de um pequeno resumo desses faCtOS novos e sensacio nais. Num registo rápido, cm pouco mais de 60 páginas, Gali leu deu a conhecer que a Lua tem uma superfície irregular, com monta­nhas e vales, que há muiro mais estrelas fi xas do que aquelas que se co nseguem distingui r a olho nu , que a Via Lactea é const ituida por mirfades de esrrelas mui to próximas e, sobre­rudo, que Júpiter tem satélites. Deu também a conhecer ao mundo o telescópio, instrumento com que fizera essas observa­ções e que foi imediatamente saudado em inúmeras peças lite­rárias e numa iconografia variada, mostrando que causara ranro espanto como as descobertas em si.

A nodcia dos descobrimentos astronóm icos de Galileu arravessou a Itália como um relâmpago e alca nçou quase de imedialO as regiões ma is disranres da Europa. O grande astró+ nomo alemão Joha nnes Kepler 057 1-1 630) coma que so ube desres factos, em particular dos s:Hélites de Júpiter, por volta de 15 de Março de 1610, por intermédio de um amigo, Johann Matthaus \\í'ackhcr, que, de uma carruagem diante de sua casa, o pôs ao corrente das novidades sensacionais, e do esp:lIHO e júbilo com que os dois celeb raram estes descobrimemos. l

1 O episódio vem rererido por Kepler numa carla cnvi~d~ ~ G~Ii· lcu cm 19 de Auril de 1610 (Oprrt, X, 320) . EsI~ CUla, depois de expandida c revisla, roi publicad~ com ° titu lo de Diurrtat;o cum lIullâo lidrrto (Png~. D~niel Snl.o~nus. 1610). onde r~mbt':m se ~ch~ ore rdaro. Mais ~di~OIe volt';lremos a <:Sle importante lexlO. Kepler roi nlvn o melhor ~ ° mais imponame leitor do 5idrrttlJ N UI/rim e a sua carr~i ra roi também prorundamcntc arecuda pelo apar~cimento da obra e do telescópio. Os estudos sobre Kcpl~r teln tido um gnndco d(';Scm'OlvimenIO nos ultimos ~nos. A mdhor biografia continua a ser a d~ MAX CA,sPAR. Krpla, lrad. por C. Doris H~Jlman (Ncw York: Abd~rd Schuman, 1959; depois reimpressa e melhorada, Ncw Yorle Ouver. 1993), mas são lireiS I~mbém as SC'guintcs obras: ARTItUR KOESTLER, Thr Wllunhrd: II

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Kepler, como outros na altura, não hesitou em comparar Gali­leu a um novo Colombo (Opere, X, 296).3 Em muito poucos anos as notícias circulavam pelo mundo inteiro. Em 1611 haviam chegado a Moscovo, em 1612, à índia e em 1614, pelas mãos de um português, era redigido, em Pequim, o pn­meiro sumário destas notícias extraordinárias em chinês.4

Biography of Johannes Kepler (Garden City: Doubleday, 1%0); BRUCE STEPHENSON, Kepler's Physical Astronomy (Princeton, N1: Princeton Uni­versity Press, 1987); 10B KOZHAMTHADAM, 5.1., The Discovery of Kepler's Laws. The interaction of Science, Philosophy and Religion (Notre Dame and London: University of Notre Dame Press, 1994); RHONDA MAR­TENS, Kepler's Philosophy and the New Astronomy (Princeton and Oxford: Princeton University Press, 2000); 1AMES R. VOELKEL, The Composition of Kepler's Astronomia Nova (Princeton and Oxford: Princeton University Press, 2001). Existe um repertório bibliográfico útil, se bem que desac­tualizado: Bibliographia Kepleriana, ed. Martha List (München: Beck, 1968). As obras de Kepler tiveram uma primeira edição em: Joannis Kepleri Astronomi Opera Omnia, ed. CHRISTIAN FRISCH, 8 vols. (Frank­furt und Erlangen: Heyder & Zimmer, 1858-1871), mas hoje em dia deve usar-se a monumental edição, ainda em curso de publicação pela Kepler-Komission der Bayerischen Akademie der Wlssenschaften: Johan­nes Kepler Gesammelte \%rke (München: Beck, 1937-).

3 Recorda-se, como já explicada antes, que esta referência simpli­cada que usaremos repetidamente ao longo deste texto - Opere, volume (em algarismo romano), número de página (em algarismo árabe) -remete para a fundamental edição de textos relativos a Galileu: Le Opere di Galileo Galilei. ANTONIO FAVARO, ed. Edizione Nazionale, 20 vols. (Firenze: G. Barbera, 1890-1909), com reimpressões em 1929-1939 e em 1964-1966. Esta célebre edição de Favaro substitui completamente as anteriores, mas o leitor mais interessado não deixará de consultar pon­tualmente a mais antiga, promovida por EUGENIO ALBÊRI et ai., Le Opere di Galileo Galílei, prima edizione completa, 15 vols. (Firenze: Società Edi­trice Fiorentina, 1842-1856). No que diz respeito a documentação sobre o «caso Galileu», a edição de Favaro deve ser complementada com: I Documenti dei processo di Galileo Galilei, a cura di SERGIO PAGANO (Città dei Vaticano: Archivio Vaticano, 1984), com uma "nu ova edizione accresciuta, rivista e annotata", publicada em 2009.

4 Sobre a disseminação até Moscovo, ver a carta de Cristoforo de Zbaraz a Galileu, de 8 de Março de 1611 (Opere, Xl, 68); para a che­gada à Índia e China, ver mais abaixo, neste estudo.

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o Sidereus Nuncius é um opúsculo pensado deliberada­mente para causar sensação. É um relato de coisas espantosas e admiráveis, algumas nunca antes vistas nem sequer imaginadas, contadas numa narrativa rápida de tom claramente jornalístico. As demonstrações são reduzidas ao mínimo, não se citam auto­res nem se referem outras fontes, não se entra em discussão com os clássicos nem com os contemporâneos, todas os desen­volvimentos mais longos são remetidos para outras obras que se anunciam.

Galileu refere-se muitas vezes ao seu livro como um "Avviso", por vezes especificando, "Avviso astronomico", isto é, um texto destinado a relatar novidades com um tom jornalís­tico.5 Esta intenção reflecte-se desde logo no título, com a famosa ambiguidade entre "mensagem" e "mensageiro" criada pela palavra Nuncius, uma ambiguidade que atormenta todos os tradutores que lidaram com esta ohra.6 Isabelle Pantin assi­nala que a melhor tradução francesa para o título, isto é, aquela que, respeitando o título latino melhor se adequa ao género do livro, seria "Le courrier des astres". Não optou por este título sobretudo porque ele perdia a tensão poética do ori­ginaI.? Entre os tradutores modernos só um parece ter corrido o risco de acentuar deliberadamente a conotação jornalística da obra chamando-a "Gaceta Sideral".8

5 Galileu designa o seu livro desta maneira em muiros locais. Por exemplo, numa carta que escreveu a 30 de Janeiro de 1610, quando ini­ciava a produção tipográfica da obra: "questo trattato, che in forma di avviso mando a tutti i filosofi et matematici" (Opere, X, 280-281). Foi também desta forma que muitos outros se referiram ao livro; por exem­plo, Benedetto Castelli designa-o de '~vviso astronomieo" (Opere, X, 310).

G Ver adiante, nas Notas à Tradução {infra, p. 207), uma explicação desta dificuldade bem conhecida, e das soluções propostas pelos diferen­tes tradurores.

7 Vide Siderem Nuncius. LI! Messager Céleste. Texte, traductioll et notes établis par Isabelle Pantin (Paris: Les Belles Lettres, 1992), p. xxxvii.

8 "[H]emos decidido aquí romper drásticamente con la tradición, vertiendo el título como La gaceta sideral Aunque arriesgada, tal decisión

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o Sidereus Nuncius assinala a primeira grande entrada em cena do próprio Galileu, até aí um professor universitário dis­creto, muito talentoso, sem dúvida, mas praticamente sem pro­vas dada~. Era agora o anunciador das mais espantosas notícias, um "Mercurius alter" (Opere, X, 396), que, com a publicação do opúsculo, de um dia para o outro, passou a ser considerado o maior homem de ciência da Itália e da Europa. O Sidereus Nuncius transformou Galileu; na feliz expressão de Noel Swer­dlow, "as descobertas de Galileu mudaram o mundo, mas pri­meiro mudaram Galileu"9. Esta mudança deu-se pelo menos em dois sentidos, intimamente relacionados. Em primeiro lugar, o livro assinala uma drástica alteração nos principais interesses científicos de Galileu, até aí preocupado principal­mente com assuntos de mecânica, para a astronomia. É certo que nunca abandonará as investigações mecânicas, e que estas virão a tdr a sua coroação máxima no final da sua vida, com a publicação dos famosos Discorsi e dimostrazion,i matematiche intorno a due nuove scienze (1638), mas a astronomia tomava agora um lugar central nas suas reflexões. Em segundo lugar, e talvez ainda mais importante, o Sidereus Nuncius anuncia o aparecimento público de Galileu, o coperniciano.

A adesão de Galileu às teses copernicianas parece ter sido um processo complicado, com hesitações, avanços e recuos. A 30 de Maio de 1597, escrevia a }acopo Manzoni dando aque­las que são as primeiras informações conhecidas acerca do seu

no es totalmente arbitraria. En efecto, avviso, además de «noticia» o «anuncio», significa también <<noticiario» o «gaceta».", in Calileo Calilei. La Caceta Sideral, Johannes Kepler. Conversación con el mensa}ero sideral Introducción, ttaducción y notas de Carlos Solís Santos (Madrid: Alianza Editorial, 2007 [U ed. 1984]), pp. 38-39.

9 "Galileo's discoveries changed the world, but first they changed Galileo", NOEL M. SWERDLOW, «Galíleo's discoveries with the te/escope and their evidence for the Copernican theory», in PETER MACHAMER (ed.), The Cambridge Companion to Calileo (Cambridge: Cambridge Uni­versity Press, 1998), pp. 244-270 (cit. na p. 246).

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copernlclanismo (Opere, II, 197-202) e, poucas semanas depois, a 4 de Agosto de 1597, numa bem conhecida carta a Kepler, declarava que havia aderido às ideias de Copérnico "há já muitos anos" (Uin Copernici sententiam multis abhinc annis venerim", Opere, X, 68-69). Os historiadores têm lido sempre esta afirmação com muita reserva, tanto mais que nessa mesma carta Galileu anunciava ter várias provas do copernicianismo, o que não era seguramente verdade. 10 Nos anos seguintes, con­tudo, até 1610, pouco se pode discernir nos seus textos acerca deste assunto. Dois dos maiores especialistas de Galileu, os historiadores Stillman Drake e William Wallace, advogam que este teria suspendido ou abandonado as suas convicções copernicianas no período entre 1604 e 1610. Seriam as obser­vações com o telescópio o factor crucial a tornar Galileu num defensor do copernicianismo, como aliás ele próprio reconhece num passo do seu Dialogo sopra i due massimi sistemi dei mondo (1632) (Opere, VII, 356) ". Todavia, no Sidereus Nuncius, a forma como revela a sua adesão ao copernicianismo, se bem que inequívoca, é ainda algo discreta. Uma defesa pública e explícita do heliocentrismo copernicano só se dará a partir de 1613, com a publicação da [storia e dimostrazioni intorno alie macchie solari, onde torna cada vez mais explícita a sua campanha em prol do novo modelo de ordenamento cósmico.

10 Para uma análise desta importante carta, ver: MASSIMO Buc­CIANTINI, Galileo e Keplero: Filosofia, cosmologia e teologia nell'Età della Controriforma (Torino: Einaudi, 2003), pp. 49-68.

II O Dialogo sopra i due massimi sistemi del mondo Tolemaico e Copernicano (Florença, 16321 está em Opere, VII, 21-520, e existem várias edições modernas, noutros idiomas, com estudos acessórios e notas explicativas. Acerca do copernicianismo de Galileu, vide STlLLMAN DRAKE, «Galileo's steps to full copernicianism and bacio>, Studies in His­tory and Philosophy o/ Science, 18 (1982) 93-103 [recolhido em: STILL­MAN DRAKE, Essays on Galileo and the History and Philosophy o/ Science. Selected and introduced by N. M. SWERDLOW and T. H. LEVERE

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De todas as formas, quando publica o Sidereus Nuncius, Galileu tem já muito daras as conclusões que pretende retirar dos novos fàctos·, anunciando por três vezes ao longo do texto a sua intenção de apresentar uma obra de grande envergadura sobre o sistema do mundo. De facto, muitas das implicações do que vira nestes meses com o telescópio só serão desenvolvi­das inteiramente no Dialogo sopra i due massimi sistemi, em 1632.

O Sidereus Nuncius anuncia ainda outras novidades, não estritamente astronómicas, mas nem por isso menos dramáticas ou de consequências menos duradouras. O tom e o estilo do livro antecipam aquilo que será a marca do famoso pisano e revelam desde logo uma atitude de aproximação ao estudo da natureza profundamente diferente da preconizada e praticada nas aulas de filosofia naturaL O profundo desprezo de Galileu pelos filósofos que ele considera meros "comparadores de textos" (Opere, X, 423) - e, ainda mais, pela "abordagem 610-sófica" ao estudo da natureza, é evidente em inúmeros passos dos seus escritos, mesmo antes de ter razão de queixa das intri­gas e manobras de professores de filosofia contra si. Estes, por seu lado, constituíram os seus adversários mais constantes e mais tenazes. Quando não evidenciaram uma hostilidade aberta, mostraram-se incapazes de compreender a grandeza dos

(Toronto: University of Toronto Press, 1999), vol. 1, pp. 351-363]; STILLMAN DRAKE, Gali/eo at \%rk. His Scientific Biography J Chicago and London: The University of Chicago Press, 1978), pp. 109-110; WILLIAM WALlACE, Galileo and His Sources. The Heritage o[ the Collegio Romano in Galileos Science (Princeton: Princeton University Press, 1984), pp. 259--260; NOEL M. SWERDLOW, «Galileo's discoveries with the telescope and their evidence for the Copernican theory», in PETER MACHAMER (ed.), The Cambridge Companion to Galileo (Cambridge: Cambridge University Press, 1998), pp. 244-270; WILLIAM R. SHEA, «Galileo the copernican», in: JOSÉ MONTESINOS y CARLOS SOLíS (eds.), Largo Campo di Filosofare. Eurosymposium Gali/eo 2001 (La Orotava: Fundación Canaria Orotava de la Historia de la Ciencia, 2001), pp. 41-59.

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seus descobrimentos. Como observou Stillman Drake há já alguns anos, com a excepção de Campanella, nenhum filósofo apoiou Galileu - uma afirmação que talvez peque por ser um pouco exagerada, mas que traduz aquele que foi o sentimento geral dos filósofos para com o famoso cientista. 12

Galileu ensaiou também a utilização de uma nova lingua­gem visual, num corte absoluto com os códigos de representa­ção habitualmente usados em astronomia. As suas gravuras da Lua foram possivelmente mais determinantes na aceitação da natureza rugosa da superfície do satélite do que qualquer argumento ou demonstração, e a sua descrição visual do movi­mentO dos satélites de Júpiter é completamente inovadora, aproximando-se quase de uma narrativa cinematográfica.

Igualmente importante é o facto de o Sidereus Nuncius ter sido peça capital na aproximação que Galileu vinha a desen­volver à corte do Grão Ducado da Toscana e à família Mediei. As apuradas técnicas de ascenção social, de gestão da sua car­reira, de relação com os seus mecenas e o seu hábil sentido de cortesão têm recebido muita atenção nos últimos anos e é hoje claro que nenhuma descrição da carreira e feitos de Galileu pode prescindir do conhecimento destes elementos 13.

Il Sobre este assunto, veja-se: Galileo Agaimt the Philosophers. Translations with Introducdons and Notes by Stillman Drake (Los Ange­les: Zeitlin and Ver Brugge, 1976). A apreciação é talvez um pouco exa­gerada porque, como depois recordou Edward Rosen, além de Campa­neila também Marin Mersenne e Pierre Gassendi manifestaram o seu apoio a Galileu. Vide EDWARD ROSEN, «Galileo and the philosophers», Journal of the History of Ideas, 39 (1978) 147. • 13 Estes assuntos são magistralmente analisados na obra de MARIO BlAGIOLI, GaliJeo Courtier: The Practice of Scíence in the Culture of Abso­lutism (Chicago and London: The University of Chicago Press, 1993). [Tradução portuguesa: Galileu Cortesão. A Prática da Ciência na Cultura do Absolutismo, trad. por Ana Sampaio (Porto: Porto Editora, 2003)]. A publicação desta obra teve enormes efeitos entre os estudiosos de temas galileanos e deu origem a uma polémica de grande interesse para os que queiram compreender os problemas com que a história da ciência actual-

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Já há alguns anos que Galileu planeava obter emprego ou, pelo menos, transitar para a esfera de protecção da corte Tos­cana. Fora tutor de matemática do jovem Cosme de' Medici no Verão de 1604 e mantivera depois disso o contacto com ele, que se intensificou em 1609, quando Cosme ascendeu ao cargo de Grão-Duque. A 30 de Janeiro de 1610, escreveu um breve relatório das suas descobertas, que enviou para a corte, iniciando assim um processo de aproximção que culminaria com a nomeação dos satélites de Júpiter e a dedicatória do Sidereus Nuncíus a Cosme. O nome dos Medici fICava para sempre ligado às mais importantes descobertas observacionais da história da astronomia, e Galileu seria recompensado com a entrada na corte florentina. Galileu planeou cuidadosamente esta aproximação, em busca de um estatuto que lhe era indis­pensável para a legitimação das suas ideias científicas. Na ver­dade, era uma jogada muito ambiciosa, já que tinha como objectivo a criação de uma categoria socioprofissional sem pre­cedentes, a de filósofo e matemático de corte, estatuto que ele negociou e conseguiu obter dos Mediei. 14

mente se debate. Vide MICHAEL H. SHANK, «Galíleo's day in COUft», Jour­nal for the Hirtory oi Astronomy, 25 (1994) 236-243; MARIO BIAGIOLI, «Playing with the evidence», Early Science and Medicine, 1 (19%) 70--105; MICfIAEL H. SHANK, «How shall we practíce history? The case of Mario Biagioli's Ga/deo Courtier», Early Science and Medicine, 1 (I 9%) 106-150. Uma interessante análise do Galileu de Biagioli no panorama geral da historiografia galileana foi levada a cabo por NICHOLAS JARDINE, «A Tria1 of Galileos», Isis, 85 (I994) 279-283.

14 Este tema foi analisado detidamente na literatura especializada. Mario BiagioH, no seu Galileu Cortesão, dedica-lhe bastante atenção, mas mesmo antes da leitura destes acontecimentos numa lógica de mecenato, a historiografia galileana já havia notado a importância que Galileu, ape­sar de não nutrir grande simpatia pelos filósofos, atribuíra ao título de filósofo para si próprio. Veja-se: MAURlCE CLAVELlN, «Galilée astro nome philosophe», in: JosÉ MONTESINOS y CARLOS SOLfs (eds.), Largo Campo di Filosofore. Eurosymposium Ga!ileo 2001 (La Ororava: Fundación Cana­ria Orotava de la Historia de la Ciencia, 2001), pp. 19-39.

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É também o livro onde GaliJeu revela publicamente de maneira mais clara a sua participação em práticas astrológicas, um envolvimento que os historiadores de épocas passadas, que­rendo acentuar os traços modernos da sua personalidade, em geral ocultaram. Só Antonio Favaro dedicou alguma atenção ao assunto, mas o seu trabalho mais importante sobre o tema aca­bou praticamente esquecido. 15 Nas últimas décadas, contudo, o cenário mudou radicalmente e, hoje em dia, sabe-se bastante mais sobre estas actividades. Não existem dúvidas de que Gali­leu praticou astrologia durante toda a sua carreira e especial­mente durante o seu período paduano. Bem mais importante do que os horóscopos que fez para mecenas e patronos - pois, naturalmente, parte das suas obrigações na corte da Toscana consistia em fazer previsões astrológicas -, fez horós­copos para as suas fllhas (Opere, XIX, 218-220), para alunos e para alguns amigos (Opere, XIX, 205-206). O seu amigo Gian­francesco Sagredo (1571-1620) solicitava-lhe horóscopos regu­larmente e Galileu aconselhava-o com base em previsões astro­lógicas (Opere, X, 96-97). Conhecem-se também duas cartas astrais que Galileu fez para o seu próprio nascimento.16 É mais complexo apurar qual o valor que atribuía às previsões astroló­gicas, pois um famoso passo no Dialogo sopra i due massími sis­temi (1632) (Opere, VII, 135-136) e outras indicações dispersas parecem indicar algum cepticismo ou descrença em pelo menos algumas destas práticas. I?

15 ANTONIO FAVARO, «Galileo astrologo secondo i documenti editi e inediti", Mente e Cuore, 8 (1881) 99-108.

16 Cartas que, infelizmente, Favaro não incluiu nas Opere, embora delas tenha dado notícia na «Astrologia nonulla» (Opere, XIX, 205); foram recentemente estudadas em grande detalhe por NOEL SWERDLOW, «Galileo's horoscopes», Journal for the History of Astronomy, 35 (2004) 135-141.

17 Como é argumentado em: MASSIMO BUCClANTINI and MICHELE CAMEROTA, .Once more about Galileo and astrology: a neglected testi­mony", Galilaeana: Journal of Galikan ttuaies, 2 (2005) 229-232. A !ire-

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o telescópio

o Sidereus Nuncius é o livro que anuncia o telescópio como um novo e revolucionário instrumento científico. Galileu dá-lhe grande destaque logo no frontispício da obra onde sobressai a palavra "perspicilii" em letras de tipo grande e quando, no início do texto, declara que vai apresentar "grandes coisas", uma. delas é o próprio instrumento "com o auxílio do qual elas se tornaram manifestas aos nossos sentidos". O teles­cópio é, pois, parte integrante e essencial da "mensagem" que Galileu tem para dar. Kepler, como sempre, não deixou escapar a indicação e comparou o telescópio a um ceptro que, abrindo

ratura sobre a relação de Galileu com práticas astrológicas é hoje muito significativa; pode ver-se: GERMANA ERNST, «Aspetti delI'astrologia e della profezia in Galileo e Campanella», ín PAOLO GALLUZZI (ed.), Novità Celmi e Crisi dei Sapere (Firenze: Giunti Barbera, 1984), pp. 255-266, NICHOLAS KOLLERSTROM, «Galileo's As trology» , in JosÉ MONTESINOS y CARLOS Sor.1s (eds.) , Largo Campo di Filosofare. Eurosymposium Galileo 2001 (La Ororava: Fundación Canaria Orotava de la Historia de la Ciencia, 2001), pp. 421-431; GlNO AruuGHI, «Appunti su Galileo e l'as­trologia», TorriceUiana, 45 (1994) 128-134; H. DARREL RUTKIN, «Galileo astrologer: astrology and mathematical practice in the late-sixteenth and early-seventeenth centuries», Galilaeana: Journal of Galilean studies, 2 (2005) 107-143. A revista especializada em história da astrologia Culture and Cosmos dedicou recentemente um número temático ao assunto [vol. 7, n.O 1, (2003)J, publicada também em livro: NICHOLAS CAMPION and NICK KOLLERSTROM (eds.), Galileo's Astrology (Bristol: Cinnabar Books, 2004). Um dos desenvolvimentos mais interessantes desta questáo foi a descoberta, por Antonino Poppi, de uma denúncia apresentada na lnqui­siçáo de Veneza, em 21 de Abril de 1604 - sete anos, portanto, antes das famosas denúncias de que viria a ser vítima em Roma, em 1611 -, com a acusaçáo de fatalismo excessivo com que, alegadamente, Galileu fazia prediçóes astrológicas para os seus clientes. Vide ANTONINO POPPI, Cremonini e Galilei inquisiti a Padava nel 1604. Nuovi documenti d'archi­vio (Padava: Editrice Antenore, 1992), especialmente «La denuncia con­tro ii Galilei», pp. 41-61; ANTONINO POPPI, Cremoníni. Galilei e gli lnquisitore dei Santo a Padava (Padova: Centro Studi Antaniani, 1993).

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os segredos do cosmos, convertia cada homem num rei com senhorio sobre as obras da criação.l!!

Galileu nunca reclamou ter sido o inventor do instru­mento, mas fez sempre questão em deixar claro que construíra ele próprio os seus telescópios e que, tendo-os aperfeiçoado muito, fora ele quem os convertera realmente em instrumentos científicos, tendo feito estes descobrimentos e progressos por uma especial graça de Deus. Esta posição é evidentemente atreita a más interpretações, quer por parte dos contemporâ­neos, quer dos historiadores, que foi exactamente o que acon­teceu.19 Para mais, a história da invenção do telescópio foi sempre polémica, permanentemente envolvida em dúvidas e atormentada por inúmeras questões de prioridade. O delicado equilíbrio que Galileu escolheu para descrever a sua posição relativamente à génese do instrumento parece ter sido apenas mais um episódio numa história já de si mergulhada em equí­vocos e discussões.2o

IS "O multiscium, et quovis sceptro preciosius Perspicillum: an, qui te dextra tenet, ille non Rex, non Dominus constituatur operum Dei?" J. KEPLER, Dioptrice (Augsburg, 1611), p. 14, também Johannes Kepler Gesammelte Werke (München: Beck, 1937-), vaI. IV, p. 344. Sobre o impacto causado pelo novo instrumento óptico, agora associado a gran­des descobertas, veja-se o capítulo "II cannocchiale nell'immaginario barocco», in ANDRFA BATTISTINI, Galileo e i Gemiti. Miti letterarí e reto­rica della scienza (Milano: Vita e Pensiero, 2000), pp. 15-60.

19 A posição de Galileu é um convite ao equívoco e para mais ele nunca deu qualquer passo para corrigir os que pensavam ter sido ele o inventor do instrumento. Um dos que assim pensaram foi Giovanni Bar­toli, no prefácio que escreveu na obra de Marcantonio de Dominis, De radiis et /ucis in vitris perspectivis et iride (Veneza, 1611). Seja como for, importa sublinhar que, estritamente falando, Galileu nunca se apresentou como inventor do telesc6pio. Veja-se, sobretudo, o modo como ele se explica no II Saggiatore (Opere, X, 258-259). Sobre esta questão veja-se também o trabalho de EDWARD ROSEN, «Did Galileo claim he invented the telescope?», Proceedings oi the Amerícan Philosophical Society, 98 (1954) 304-312.

20 O trabalho clássico sobre a origem do telesc6pio, recolhendo todos os documentos e notícias pertinentes, é: CORNELIS DE WAARD, De

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Conhecem-se desde a mais remota antiguidade "tubos ópticos" (evidentemente sem lentes) empregues em observações astronómicas, que continuaram a ser usados ao longo da Idade Média em várias culturas. É· claro que estes "instrumentos"

Uitvinding der verrekijkers (den Haag: Boek en Steendrukkerij, 1906), divulgado sobretudo através do artigo de ANTONIO FAVARO, «L'invenzione del telescopio secondo gli ultimi studi», Atti dei Reale Istituto Veneto di Scienze, Lettere ed Artí, 66 (1907) 1-54, e depois usado em VASCO RON­CHI, Gali/eo e ii suo Cannoeehiale (Torino: Boringhieri, 1964). Está tam­bém na base daquela que é, hoje em dia, a referência fundamental sobre o assunto: ALBERT VAN HELDEN, "The Invention of the Tdescope», Tran­saetions 01 the Ameríean Philosophieal Society, 67 (1977) 5-67. São ainda trabalhos importantes os seguintes: SILVIO BEDINI, «The tube of long visiono The physical characteristics of the early 17th century tdescope», Physis, 13 (1971) 147-204; ALBERT VAN HELDEN, "The historical pro­blem of the invention of the telescope», Hístory 01 Scienee, 13 (1975) 251-263; A. VAN HELDEN, «The Astronomical Telescope, 1611-1650», Annali de!l1stituto e Museo di Storia de/Ia Scienza di rlrenze, 1 (1976) 13-36; ROLF WILLACH, "Der lange Weg zur Erfindung des Fernrohres», in JÜRGEN HAMEL, INGE KEIL (eds.), Der Meister und die Fernrohre. Das WechseLspie! zwischen Astronomie und Optik in der Gesehichte [= Acta His­corica Astronomiae, voI. 33] (Frankfurt am Main: Harri Deutsch, 2007), pp. 34-126, que recentemente foi traduzido para inglês: R. WILLACH, The Long Route to the Invention 01 the Te/escope l = Transactions 01 the American Philosophícal Society, voI. 98, Pt. 5] (Philadelphia: American Philosophical Society, 2008); GIORGIO STRk'JO (ed) , II Telescopio di Gali­/eo. Lo Strumento ehe ha cambiato ii mondo (Firenze: Giunti, 2008). Con­tinuam a ser muito úteis as obras clássicas sobre o assunto: A. DAN]ON e A. COUDER, Lunette et Tê/escapes: théoríe, conditions d'empioi, description, réglage (Paris: Éditions de la Revue d' optique théorique et instrumentale, 1935); HENRY C. KING, The History 01 the Telescope (London: C. Griffin, 1955); VASCO RONCHI, L'Ottica Scienza della Visione (Bologna: Zani­chelli, 1955); ROLF RIEKHER, Fernrohre und ihre Meister, 2.a ed. (Berlin: Verlag Technik, 1990). Dois livros recentes apresentam a história do telescópio ao grande público: FRED WATSON, Stargazer. The Life and Times 01 the Telescope (Crows Nest: Allen and Unwin, 2004) e RICHARD DUNN, The Telescope. A Short History (Greenwich: National Maritime Museum, 2009). Daremos referências mais específicas ao longo de todo o texto.

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nada têm que ver com o instrumento óptico, mas o seu apare­cimento em relatos escritos e em alguma iconografia foi sufi­ciente para gerar fábulas sobre a origem do telescópio.21 Na verdade, a pré-história do telescópio está ligada à confecção medieval de lentes e aos progressos artesanais na arte de polir o vidro e fabricar óculos durante a Idade Média. As lentes apareceram na Europa medieval em finais do século XlII e os óculos adaptados para a leirura existem desde os inícios do século XIV, sendo a mais antiga representação conhecida de uns óculos de 1350.

Ao longo da Idade Média, a qualidade dos vidros e as técnicas de polimento foram sucessivamente melhorando, con­tando-se Florença e Veneza entre os mais importantes centros de produção de vidro e lentes. No início do século XVI estavam reunidos todos os conhecimentos práticos capazes de levar à construção das primeiras lunetasY Não admira, pois, que a partir de então se comecem a multipliar as reclamações de prioridade na invenção do telescópio. O estudioso Domenico Argentieri sugeriu que Leonardo da Vinci (1452-1512) havia já montado um sistema de duas lentes para ver ao longe, por

21 TH. HENRI MARTIN, «Sur des instruments d'optique faussement attribués aux anciens par quelques savants modernes», Bu/Jetino di Biblio­grafia e di storia delle scienze matematiche e foiche, 4 (1871) 165-238; ROBERT EISLER, «The Polar Sighting-Tube», Archives /nternationales d'His­toire des Sciences, 6 (I949) 312-332; HENRI MrCHEL, «Les tubes optiques avant le télescope», Gel et Terre, 70 (1954) 175-184.

21 Sobre óptica medieval, ver: DAVID C. LINDBERG, Theories of Vision from al-Kindi to Kepler (Chicago: University of Chicago Press, 1976); SUZANNE CONKLlN AKBARI. Seeing through the VeiL Optical Theory and Medieval Allegory (Toronto: University of Toronto Press, 2004). Sobre a invenção dos óculos, EDWARD ROSEN, «The invention of eye­glasses», Journal for the History of Medicine and Allied Sciences, 11 (1956) 13-46; 183-218; VINCENT IIARDI, «Eyeg!asses and Concave Lenses in Fifteenth-Century Florence and Milan: New Documents», Renaissance Quarterly, 29 (1976) 341-360 e. sobretudo, VINCENT ILARDI. Renaissance Vision from Spectacles to Telescopes (Philadelphia: American Philosophical Society, 2007).

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volta de 1508, antecipando assim os fabricantes holandeses e Galileu em mais de um século.23 Sempre atentos a que os seus compatriotas não sejam deixados para trás, os historiadores bri­tânicos também se pronunciaram, defendendo que o telescópio tinha sido feito primeiramente pelos ingleses Thomas Digges (ca. 1546-1595) e William Bourne (ca. 1535-1582).24 Segundo outros, o invento já viria anunciado na Homocentrica (1538) de Girolamo Fracastoro (ca. 1478-1553), e recentemente, como se o assunto não fosse já bastante confuso, foi argumentado que o telescópio teria tido a sua origem na Catalunha.25 Esta profu-

23 DOMENICO ARGENTIERI, «Leonardo's Oprics», in Leol/ardo dIZ Vinci (New York: Reynal and Company, 1956), pp. 405-436; original­mente: Leonardo da Vinci (Novara: Istituto Geografico De Agostini, 1940). S. L VAVlLOV, "Galileo in the History of Optics», Soviet Physics Uspekhi, 7 (1965) 569-616 [originalmente: Usp. Fiz. Nauk. 83 (1964) 583-615].

24 Trata-se daquilo que é conhecido na literatura como o "telescó­pio isabelino" ["Elizabethan telescope"], cuja prioridade foi reclamada pelo historiador britânico Colin Ronan, e que alimentou durante alguns anos uma animada polémica. Vide COUN A. RONAN, «Leonard and Tho­mas Digges», Endeavour, 16 (1992) 91-94; JOACHIM RIENITZ, «'Makc Glasses to See the Moon Large'. An Attempt to Outline the Early His­tory of the Telescope», Bulletin o/ the Scientific Instrument Society, 37 (1993) 7-9; COUN A. RONAN, «There Was an Elizabethan Telescopc», Bulletin o/ the Scientific Instrument Society, 37 (1993) 2-3; GERARD :LE. TURNER, «There Was No Elizabeman Telescope», Bu/letin o/ the Scientific Instrument Society, 37 (1993) 3-5; COUN A. RONAN, «The Invention of the Reflecting Telescope», Yearbook o/ Astronomy (1993) 129-140; EWAr>: A. WHITAKER, «The Digges-Bourne Telescope: An Alternative Possibi­lity», Journal o/the British Astronomical Association, 103 (1993) 310-312; COUN A. RONAN, "Postscript concerning Leonard and Thomas Digges and me Invention of the Telescope», Endeavour, 17 (1993) 177-179.

25 Em Setembro de 2008, o inglês Nick Pelling, seguindo investi­gações inicialmente feitas por José Maria Simon de Guilleuma (1886--1965), sugeriu que a descoberta do telescópio se devesse ao catalão Juan Roget, tendo sido feita em cerca de 1593. NICK PELLlNG, "Who invented the telescope?», Hístory Today, 58 (2008) 26-31.

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são de candidatos tem alguma justificação pois imediatamente após a publicação do Sidereus Nuncius foram muitos os que reclamaram a prioridade no invento do instrumento, a tal ponto que quem se interessar por perseguir este assunto deve estar pronto para entrar naquilo a que Favaro chamou "un dedalo inestricabile di nomi" 26,

De todos os possíveis inventores do telescópio no século XVI apenas Giovanni Baptista Della Porta (1535-1615) parece recolher o consenso dos investigadores. Na sua famosa Magiae natura/is sive de miracu/is rerum (1558 e 1589), Porta discutiu muitos fenómenos e artefactos ópticos. A primeira edição da obra (Nápoles, 1558) tinha apenas quatro livros, mas a segunda edição (Nápoles, 1589), muito mais expandida, em vinte livros, teve urna enorme difusão, sendo inclusivamente traduzida para vários idiomas. Foi nesta edição que apresentou um arranjo óptico com duas lentes, para aumentar a visão.27 Depois de ter sabido do aparecimento do telescópio galileano, Della Porta escreveu ao príncipe Cesi, na Accademia dei Lincei, em Roma, a 28 de Agosto de 1609, reclamando a sua priori­dade no invento do instrumento que, segundo ele, já fizera nos anos oitenta do século dezasseis (Opere, X, 252).28 Esta recla­mação parece ter ficado mais ou menos aceite entre os mem­bros da Accademia dei Lincei, corno se deduz de um verso composto por Johann Faber (Giovanni Fabro) , secretário dessa

26 ANTONIO FAVARO, «La invenzione del telescópio secondo gli ultimi studi», Atti de! Reale Istituta Veneta di Scienze, Lettere ed Arti, 60, parte 2 (1907), l-54, cito na p. 54.

27 Sobre a óptica de Della Porta, ver: DAVID C. LINDBERG, «Opties in sixteenth-century Ital}">, in PAOLO GALLUZZI (ed.), Navità Celesti e Crisi de! Sapere (Fírenze: Giunti Barbera, 1984), pp. 131-148.

28 Della Porta reclamava a sua prioridade em termos fortes acu­sando os novos telescópios de serem "una coglionaria [ ... ] presa dai mio libro 9 De refractianl' (Opere, X, 252). Há um ligeiro lapso na frase pois, como já foi notado por vários estudiosos, o que se refere ao teles­cópio encontra-se no livro oitavo da Magiae Naturalis (1589). Ver tam­bém (Opere, X, 508).

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Academia.29 Também Kepler sabia que Della Porta havia pro­posto o telescópio antes e disse-o numa carta a Galileu.30 Em abono desta tese que faz remontar o invento do telescópio a Itália deve ainda registar-se que o filho de Zacharias Jansen (1588-1632) - um dos holandeses associado ao aparecimento dos primeiros telescópios relatou que o seu pai fabricara o primeiro telescópio em 1604, seguindo o modelo de um InS­

trumento italiano que ostentava os dizeres "anno 1590".31

29 "Porta tenet primas, habes, Germane, secundas II Sunt Galilaee, tuus terria regna labor". Uma tradução, com alguma liberdade, é a seguinte: "Porta tem a primeira reclamação; Tu, germânico [= holandês] tens a segunda; a terceira, Galileu, pertence ao teu trabalho". O poema está na abertura do 1/ Saggiatore (Roma, 1623) (Opere, VI, 205).

30 "Incredibile multis videtur epichirema tam efficacis perspicilli, at impossibile aut novum nequaquam est; nec super a Belgis prodiit, sed tot iam annis antea proditam a lo. Baptista Porta, Magiae Naturalis libro XVII, Cap. X." Trata-se da carta de 19 de Abril de 1610 (Opere, X, 323--324), que depois foi impressa como Dissertatio cum Nuntio Sidereo em Praga, 1610, e logo depois em Florença.

31 A informação é transmitida por Isaac Beeckman (1588-1637), no seu diário. Beeckman aprendera a polir lentes com Johannes Jansen, o filho de Zacharias (vide ALBERT VAN HELDEN, «The Invention of the Telescope», Tramactiom o[ the American Philosophical Society, 67 (1977) 5-67). Mas cumpre recordar que as possibilidades continuam em aberto, pois nunca faltaram candidatos ao disputado lugar de primeiro inventor do telescópio. Para adicionar mais alguns exemplos, recorde-se que numa carta a Galileu, a 24 de Abril de 1610, também o florentino Raffaello Gualterotti reclamou ter feito o telescópio em 1598 (Opere, X, 341-342). Mais recentemente foi observado que o célebre Benito Arias Montano (1527-1598) já em 1575, no Elucidationes in quatuor evangelia (Antuer­piae, Ex officina Chistophoro Plantini, 1575), num comentário ao passo bíblico das tentações de Cristo (cap. IV do Evangelho segundo S. Lucas), apresenta uma possível referência ao telescópio ao referir-se a um instru­mento óptico com o qual se conseguia ver perto o que estava longe. Vide JOHN L. HEILBRON, «The invention of the telescope», Journai for the His­tory o[ Astronomy, 39 (2008) 530-531; JOSÉ M. VAQUERO, "Una nota sobre Atias Montano y el uso dei telescopio antes de 1575», Revista de Estudios Extremefios (no prelo).

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Seja como for, o entendimento actual entre os historia­dores parece ser o de que, apesar de ser provável que em finais do século XVI alguém tenha chegado à combinação ade­quada de lentes que permitem obter o efeito do telesc6pio, a hist6ria do instrumento deve começar obrigatoriamente com o "telesc6pio holandês", não s6 porque a evidência documental é incontroversa a partir daí, mas também porque os seus inventores foram os primeiros a dar sinal de terem compreen­dido as imensas potencialidades do instrumento, tentando patenteá-lo e comercializá-lo.

Em Setembro de 1608, Hans Lipperhey (faI. 1619), um vidreiro (oculista) de Middelburg, deslocou-se até Haia, a capi­tal da República Holandesa, para submeter uma patente de um instrumento para ver ao longe. Lipperhey aproveitou a sua estadia para propagandear o seu instrumento, mostrando-o e fazendo demonstrações do seu uso a vários nobres, cortesãos e outras pessoas influentes, inclusivamente ao príncipe Maurício de Orange. O excepcional interesse do instrumento ficou claro desde logo e Lipperhey foi instado a produzir mais telesc6pios. Ao mesmo tempo, as noticias começaram a circular de ime­diato. Mas o assunto rapidamente se complicou pois a autoria do invento foi logo disputada, com reclamações de Zacharias Jansen, também de Middleburg, e de Jacob Metius (faI. 1628), de Alkmaar. A patente não foi concedida a Lipperhey, e em resultado da polémica a notícia do telesc6pio ainda mais se propagou.

E não s6 a noticia. Nos meses seguintes foram distribuí­dos alguns telesc6pios a governantes e notáveis da Europa. Para além dos que estavam na posse das autoridades holandesas, sabe-se que por esta altura foram enviados telescópios para o Rei de França e o seu primeiro-ministro, e para o Papa, em Roma.32

32 É muito difícil saber exactamente como seriam estes instrumen­tos e o assunto estará para sempre envolto em alguma obscuridade. Não sobreviveu nenhum dos primeiros telescópios construído por Lipperhey

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o primeiro relato impresso mencionando um telescópio acha-se num pequeno folheto publicado em Haia em 1608, sem nome de autor nem de impressor, dando notícia da visita de uma embaixada do Sião. No final, sem qualquer relação com o assunto anterior, recolhe-se a notícia do excitante novo invento:

Peu de iours deuant le despart de Spinola de la Haye, un faiseur de lunettes de Mildebourg pauure homme, fort religieux et craignant Dieu, fist present à son Excellence de certa ines lunettes, moyennant lesquelles on peut decouurir et voir distinctement les choses eloig­nées de nous de trois et quatre lieux, comme si nous les voions à cent pas pres de nous : estant sur la tour de la haye on voit par lesdictes lunettes clairement l'horloge de Delft, et les fenestres de l'Eglise de Leyden, nonobstant que lesdites villes soyent esloignées l'une d'une heure et l'autre de trois heures et demi de chemin de la Haye. Messieurs les Estats l'ayant sçeu, enuoyerent vers son Excellence pour !es voir, qui les leur enuoyat, disant que par ces lunettes ils verroyent les tromperies de l'ennemi. Spinola aussi les vid auec grand estonnement, et dit à monsieur le prince Henty, à cette heure ie ne sçaurois plus estre en seurté, car vous me verrez de loing. A quoy le dit Sieur Prince respondit, nous deffendrons à nos gens de ne tirer point à vous. Le maistre faiseur desdites lunet­tes a eu trois cents escus, et en aura plus e~ faisant d'auantage, à la charge de n'apprendre ledit mestier à per­sonne du monde, ce qu'il a promis tresuolontiers, ne vou­lant point que les ennemis s'en peussent preualoir contre nous, lesdites lunettes seruent fort en des sieges, et en

ou Metius. Partes de telescópios construidos por Zacharias Jansen entre 1610 e 1618 parecem ter sobrevivido até ao século xx, mas hoje em dia já não existem. Além disso, documentação muito relevante para uma reconstituição mais pormenorizada desta história perdeu-se tragicamente durante a segunda guerra mundial.

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semblables occasions, car d'une lieue loing et plus, on peut aussi distinctement remarquer toutes choses, comme si elles estoyent tout aupres de nous : et mesmes les etoi­les qui ordinairement ne paroissent à nostre veue et à nos yeux pour leur petitesse et foiblesse de nostre veue, se peuuent voir par le moyen de cest instrument.33 [ ••• ]

Este relato é de grande interesse, e por ele se confirma que desde o início os utilizadores de telescópios indagaram os céus com o novo instrumento ("et mesmes les etoiles qui ordi­nairement ne paroissent à nostre veue ec à nos yeux pour leur petitesse et foiblesse de nostre veue, se peuuent voir par le moyen de cest instrument"). Não foi, pois, Galileu o primeiro a prescrutar os céus com a luneta. Teria ele tido conhecimento deste relato surpreendente? Os historiadores têm-se inclinado a responder na negativa mas isso permanece, como diz um deles, "a fascinating possibility" 34.

Foi apenas uma questão de poucas semanas até que o ins­trumento fosse conhecido em muitas cidades europeias. Se se der crédito a alguns relatos, vendiam-se já telescópios no Outono de 1608, na feira de Frankfurt. 35 Na Primavera de

33 Ambassades du Roy de Siam Envoyé a L'Excellence du Prince Mau­rice, arriué à la Haye le 10. Septemb. 1608. ~an de grave 1608. Publi­cado, com estudo, em: STILlMAN DRAKE, The Unsung Joumalist and the Origin 01 the Telescope (Los Angeles: Zeidin and Ver Brugge, 1976). Drake assinala que é possível haver um erro do título da obra; onde se lê "Siam" deveria estar "Ceará", do Brasil.

34 Como diz Stíllman Drake: "I do not rhink ir was [ ... ] but this remains a fascinaring possibility. If true, ir would mean that the world owes to the anonymous journaIísr nor only Galileo's attemion to the naval and commercial value of the instrumem, but aIs o his fateful rur­ning of attention from physics to astronomy." ln S. DRAKE, The Unsung Journalist and the Origin 01 the Telescope, p. 11.

35 A informação é de Simon Mayr [Simon Marius], personalidade acerca de quem se dirá mais adiante, no prefácio seu Mundus Jovialis (Nuremberga, 1614). Nesta obra, Mayr afirma ter feito observações dos céus com um telescópio desde o Verão de 1609.

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1609 já se encontravam à venda, em Paris, lunetas rudimenta­res, com um poder de ampliação de três vezes, e o número de relatos acerca do novo artefacto óptico multiplicou-se.36 Pouco depois, as primeiras notícias chegavam ao sábio italiano.

Galileu deixou três relatos acerca do modo como chegou ao conhecimento do telescópio. Para além do que conta no Sidereus Nuncius, explicou os acontecimentos numa carta de 29 de Agosto de 1609 a Benedetto Landucci (Opere, X, 253), e, anos depois, em 1623, no II Saggiatore (Opere, VI, 258). Infe­lizmente, esses três relatos apresentam discordâncias significati­vas, o que, aliado ao facto de não se conhecer correspondência de Galileu no período entre 9 de Março e 24 de Agosto de 1609, torna impossível reconstituir com segurança o que se passouY Aqui, e na Cronologia, no final deste Estudo, resu­mimos o que parece ser a sucessão de eventos mais provável e consensual entre os historiadores.

36 A primeira descrição de um telescópio num impresso encontra­-se, em latim, na obra de ]OHANNES WALCHIUS, Decas fabularum huma­nis generis (Strasbourg: L. Zetzneri, 1609), pp. 247-248, e consistia de um tubo com duas lentes.

37 A reconstituição dos acontecimentos foi levada a cabo e dis­cutida sobretudo nos seguintes trabalhos: EDWARD ROSEN, «When did Galileo make his first telescope?», Centaurus, 2 (1951) 44-51; STILLMAN DRAKE, «Galileo Gleanings VI: Galileo's first telescopes at Padua and Venice», Isis, 50 (1959) 245-254 [também em: STILLMAN DRAKE, Essays on Galileo and the History and Philosophy 01 Science. Selected and intro­duced by N. M. SWERDLOW and T. H. LEvERE (Toronto: University of Toronto Press, 1999), vol. 3, pp. 33-44]; STILLMAN DRAKE, Galileo at

Work. His Scientific Biography (Chicago, The University of Chicago Press, 1978), pp. 137-142; ALBERT VAN HELDEN, «Galileo and the telescope», in PAOLO GALLUZZI (ed.), Novità Celesti e Crisi dei Sapere (Firenze: Giunti Barbera, 1984), pp. 149-158. Pode encontrar-se um bom resumo em Sidereus Nuncius. Le Messager Céleste. Texte, traduction et notes éta­blis par Isabelle Pantin (Paris: Les Belles Lemes, 1992), pp. xiv-xxi, e também, naquele que creio ser o mais recente balanço crítico da questão, no livro de MICHELE CAMEROTA, Galileo Galilei e la Cultura Scientifica nell'età della Controriforma (Roma: Salerno Editrice, 2004), pp. 152-158.

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Segundo parece, tudo terá começado com uma notícia do telescópio holandês que chegou a Paolo Sarpi (1552-1623), em Veneza, em Novembro de 1608.38 Sarpi, um amigo e corres­pondente, com quem Galileu discutiria variados assuntos cien­tíficos ao longo dos anos, transmitiu, por sua vez, essas novi­dades a alguns correspondentes franceses, em particular a Jacques Badovere, em Paris, a quem, numa carta de 30 de Março de 1609, pediu confirmação dos rumores.39

Galileu pode ter recebido as primeiras notícas acerca do telescópio em Maio de 1609 quer através de Sarpi, quer de Badovere a quem alude no Sidereus Nuncius - não podendo excluir-se ainda uma outra fonte, visto saber-se que, a partir da Primavera de 1609, vários telescópios circulavam já por Itália. Se se der crédito completo a Galileu, ele não teve

38 O frade Paolo Sarpi passou à história sobretudo corno um crítico da política e dos Estados papais, um temível adversário de Roma. Vide

Paolc Sarpi tra Venezia e l'Europa (Torino: Einaudi, 1979), em especial GAETANO COZZI, «Galileo Galilei, Paolo Sarpi e la società veneziana», nas pp. 135-234; DAVID WOOrrON, Pa% Sarpi: Between Rcnaissance and Enlightenment (Cambridge and New York: Cambridge University Press, 1983); VICENZO FERRONE, «Galileo tra Paolo Sarpi e Federico Cesi: pre­messe per una ricerca», in PAOLO GALLUZZI (ed.) , Novità Celesti e Crisi dei Sapere (Firenze: Giunti Barbêra, 1984), pp. 239-253. Sarpi foi um correspondente habitual de Galileu, tendo inclusivamente contribuído para a formulação da teoria galileana das marés. Vid. STILlMAN DRAKE, «Origin and Fate of Galileo's Theory of Tides», Physis, 3 (961) 282--290, depois revisto corno «Galíleo's Theory of the Tides», in Ga/ileo Stu­dies: Personality, Tradition and Revo/ution (Ann Arbor: University of Michigan Press, 1970), pp. 200-213.

39 Paolo Sarpi noticia o seu conhecimento do telescópio numa carta a Francesco Castrino a 9 de Dezembro de 1608 e também a Jerome Groslor de l'Isle a 9 de Maio de 1609. Relatou, também, estes factos a Jacques Badovere, a 30 de Março de 1609. Infelizmente, estas importantes cartas não foram incluídas por Antonio Favaro na edição das Opere di Galileo Gali/ei. Podem encontrar-se em: PAOLO SARPI, Lettere ai protestanti. ed. MANuo DUILIO BUSNELLI, 2 vols. (Bari: Giuseppe Laterza & Figli, 1931).

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ocaslao de ter nas mãos qualquer exemplar destas lunetas holandesas, tendo apenas recebido informações oralmente, mas sem ver directamente qualquer instrumento.

Outra possibilidade é que Galileu só tenha ouvido falar do telescópio pela primeira vez aquando de uma estadia em Veneza, entre 18 de Julho e 3 de Agosto de 1609. Nessa oca­sião teria tido oportunidade para discutir com Paolo Sarpi estes assuntos, não se podendo eliminar completamente a possibili­dade de até ter visto um telescópio.

O que não oferece dúvidas é que, no Verão de 1609, Galileu já sabia que precisava de polir uma lente objectiva convexa (na realidade, plano-convexa)· e uma ocular plano-côn­cava e alinhá-las convenientemente. Entre finais de Julho e os primeiros dias de Agosto desse ano, Galileu construiu o seu primeiro telescópio. Seria uma luneta com um aumento de três vezes, que em muito pouco se deveria distinguir das lunetas holandesas que se vendiam em muitos mercados da Europa. Sabe-se muito pouco acerca desse primeiro instru­mento. Importa recordar que quando Galileu teve as primeiras notícias se encontrava particularmente bem preparado para explorar as potencialidades que agora se abriam. Dominava bem a tradição perspectivista medieval e, o que talvez seja mais significativo, parece ter tido alguma experiência prática neste campo. Galileu estava em contacto frequente com os fabrican­tes de óculos e já em 1602, um seu correspondente relatava que havia recebido um par de "occhiali" da sua oficina (Opere, X,93).

Se se aceita que Galileu teve as primeiras notícias em Maio, o intervalo de tempo entre essas notícias e a efectiva construção de um telescópio só em Julho/Agosto parece exigir alguma explicação e tem levado a algumas especulações. Sabe­-se hoje que ele e muitos dos seus contemporaneos perseguiam, já há algum tempo, a concepção de um instrumento que per­mitisse ver ao longe, ensaiando combinações de lentes e espe­lhos. É muito possível que ao ouvir os primeiros rumores Galileu tenha julgado tratar-se de mais um desses instrumen­tOS, tendo gastado algumas semanas a testar arranjos com len-

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tes e espelhos, até mudar para a configuração adequada, com duas lentes.4o

Por tentativa e erro, melhorando as suas técnicas de poli­mento, é muito provável que Galileu tenha descoberto que, na configuração usada (objectiva convexa e ocular côncava), o efeito telescópico resulta de a objectiva ser fracamente conver­gente e a ocular fortemente divergente. Em meados de Agosto, havia já conseguido construir uma luneta com ampliação de cerca de nove vezes (Opere, X, 250), a que passou a chamar perspicillum. Na posse do novo instrumento, pensou na possi­bilidade de obter algumas vantagens e, então, com o auxílio de Paolo Sarpi, estabeleceu contactos com o Senado de Veneza.

Galileu fez uma primeira demonstração do uso do teles­cópio, para um grupo de notáveis venezianos, a 21 de Agosto, a partir do campaníle da catedral de São Marcos, e no dia 24 mostrou-o ao Senado.41 Ele próprio descreveu a sensação pro­vocada pelo novo instrumento referindo o "infinito stupore", e o facto de mesmo homens idosos, senadores e outros nobres, terem subido a escadaria para poderem presenciar a demonstra­ção.42 Muitos anos depois ainda recordava, com evidente pra-

40 Esta é a tese desenvolvida longamente no livro de EILEEN REE­VES, Galileos Glassworks. The Telescope and the Mirror (Cambridge and London: Harvard Vniversity Press, 2008).

41 O nobre veneziano Antonio Priuli, que viria a ser Doge de Veneza, e que ajudou Galileu em várias ocasiões, registou estes factos no seu diário, descrevendo o telesc6pio então usado por Galileu: "era di banda, fodrato aI di fuori di rassagottonada cremisina, di longhezza tre quarte 1/2 incirca et di larghezza di uno scudo, con due vetri, uno cavo, l'altro no, per parte" (Opere, XIX, 587). Para urna discussão deste excerto, com urna versão em italiano actual, e mais informações sobre as primeiras lunetas de Galileu, ver: GIORGIO STRANO, «La lista deli a spesa di Galileo: Vn documento poco noto sul telescopio», Galilaeana, 6 (2009) 197-211.

42 "mostrarIa et insieme a tutto ii Senato, com infinito stupore di tutti; e sono stati moltissimi i gentil'huomini e senatori, li qualí, benche vecchi hanno piu d'una volta fatte le scale de' piu alti campanili di Vene-

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zer, a sensação que causara em Veneza (Opere, VI, 258). A carta ao Doge que acompanhava o telescópio que doou ao Senado, e que é o primeiro documento em que descreve o ins­trumento, refere "un nuovo artifizio di un occhiale cavato dalle piu recondite speculazioni di prospettiva, il quale conduce gl' oggetti visibili cosi vicini ali' occhio, et COSI grandi et distinti gli rappresenta, che quello che e distante, verbi grazia, nove miglia, ci apparisce come se fusse lontano un miglio solo" (Opere, X, 250-251). Galileu explica de seguida as vantagens militares que resultam do instrumento, sublinhando que "per ogni negozio et impresa marittima o terrestre puo essere di gio­vamento inestimabile".

O resultado desta iniciativa foi muito positivo. Convenci­dos das grandes vantagens da luneta, as autoridades venezianas recompensaram os esforços de Galileu com a garantia de que o seu contrato na universidade de Pádua seria renovado até ao final da vida e que o seu salário seria aumentado para 1 000 florins por ano (Opere, X, 254; XIX, 115-117, 501). Mas, ou porque esta oferta continha algumas condições que lhe desa­gradavam, ou porque tinha alimentado expectativas ainda mais elevadas, Galileu recebeu estas notícias com decepção. 43

tia per scoprire ín mare vele e vasselli tanto lontaní, che venendo a mtte vele verso ii porto, passavano 2 hore e piu di tempo avanti che, senza il mio occhiale, potessero essere veduti" (Opere, X, 253).

43 (Opere, XIX, 116-117). Curiosamente, Galileu nunca referiria Sarpí como sua fonte de informação, nem como elemento central nos seus contactos com o Senado de Veneza, e é possível que este tivesse ficado magoado com a omissão. Tudo leva a crer que as relações entre os dois homens se tivessem esfriado nesse período, muito possivelmente por questões de prioridade e por Sarpí achar que os seus contributos não haviam tido o reconhecimento devido por parte de Galileu. Embora a 16 de Março de 1610 (isto é, 3 dias após a publicação do Siderem Nuncius), Sarpi fale sobre o telescópio (Opere, X, 290), não diz nada sobre o livro e, surpreendentemente, a 27 de Abril de 1610, numa altura em que em Veneza não se falava de outra coisa. numa carta a Jacques Leschassier, diz que ainda não leu o livro de Galileu. Vide PAOLO SARPI, Lettere ai Gal/i-

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o que Galileu fez em seguida iria mudar o curso da his­tória da ciência. Consciente de que outros facilmente fariam telescópios de qualidade comparável às dos que então dispu­nha, concentrou-se em melhorar apreciavelmente a qualidade dos seus instrumentos. Em Novembro de 1609, tinha conse­guido um telescópio com ampliação da ordem das vinte vezes e, no início de 1610, dispunha já de telescópios com amplia­ção de trinta vezes, que no Sidereus Nuncius classifica de "exce­lentes" e que diz ter construído sem olhar a canseiras nem des­pesas.44 Com melhores instrumenros, Galileu começou a observar os céus.

Quais seriam as características ópticas dos primeiros teles­cópios galileanos, em particular daqueles que usou para fazer as observações relatadas no SidereusNuncius? Não há qualquer

cani, a cura di B. Ulianich (Wiesbaden: F. Steiner, 1%1), p. 79. Para além de ter sido decisivo na divulgação das primeiras notícias acerca do telescópio e nos contactos de Galileu com o senado veneziano, Sarpi tivera também importantes discussões científicas com Galileu nos anos anteriores ao aparecimento do Siderem Nuncim. A reacção de Sarpi parece ter sido seguida por outros venezianos que, após a publicação do Siderem Nuncim parecem ter julgado que Galileu não fora suficiente­mente justo para com eles. Sobre as relações de Galileu com Sarpi neste período, ver: EILEEN REEVES, Painting the Heavens, Art and Science in the Age ofGalileo (Princeton: Princeton University Press, 1997), pp. 104-112.

44 Parece, no entanto, que não usou estes melhores telescópios para fazer as observações do Siderem Nuncíus porque, apesar de terem amplia­ções da ordem das trinta vezes, não davam imagens nítidas e o campo de visão era excessivamente limitado. Esta opinião, subscrita por Stillman Drake e Ewan Whitaker, entre outros, hoje é consensual entre os histo­riadores. Vide STILLMAN DRAKE, «Galileo's first telescopic observations», journai for the History of Astronomy, 7 (1976) 153-168 [também em: STILLMAN DRAKE, Essays on Galileo and the Hístory and Philosophy of Science. Selected and introduced by N. M. SWERDWW and T. H. LEVERE (Toronto: University of Toronto Press, 1999), vol. 1, pp. 380-395]; EWAN A. WHITAKER, «Galileo's lunar observations and the dating of the composition of Siderem Nuncius», journal for the Hístory o/ Astronomy, 9 (1978) 155-169.

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dúvida que, por parâmetros actuais, se podem considerar ins­trumentos muito deficientes, o que, aliás, só põe em relevo a excepcional capacidade e a determinação do sábio pisano.45

O telescópio com que Galileu fez as observações do Side­reus Nuncius é um tubo com duas lentes nos extremos: uma ocular plano-côncava com uma distância foc~l de cerca de cinco centímetros, e uma objectiva plano-convexa com distân­cia focal de aproximadamente 70 a 100 cm. Tratava-se de lunetas com aberturas de aproximadamente 40 mm e amplia­ções ligeiramente superiores a 20 vezes. O campo visual anda­ria pelos 12-15 minutos e a resolução pelos 1,25 minutos de arco. A estes parâmetros muito modestos haveria que somar a má qualidade do vidro, com muitas bolhas, ainda longe de ser incolor, e os graves efeitos de aberração cromática e aberração esférica. Galileu aprendeu a minimizar os problemas de aber­ração esférica colocando um diafragma, isto é, um ecrã diante da objectiva, reduzindo as aberturas para cerca de 15-20 mm, utilizando apenas a região em torno do eixo das lentes (Opere, X, 485, SOl). A primeiro menção de Galileu ao uso de dia­fragmas encontra-se numa carta de 7 de Janeiro de 1610, onde explica que a objectiva convexa deve ser parcialmente tapada,

45 Sobre os parâmetros ópticos e demais aspectos técnicos das pri­meiras lunetas de Galileu, ver: ANTONIO FAVARO, «ln torno ai cannoc­chiali costruiti e usati da Galileo Galitei", Atti dei Reale lstituto Veneto di Scienze, Lettere ed Am, 60 (1900-1901) 317-342; GIORGIO ABETTI, "I cannocchiali di Galileo e dei suoi discepoli,), L'Universo, 4 (1925) 685--692; VASCO RONCHI, "Sopra le caratteristiche dei cannocchiali [di Gali­leoJ e sulla loro autenticità", Rendiconti della R. Accademia Nazionale dei Lincei, 32 (1925) 339-343; STILLMAN DRAKE, Galileo at Work. His Scien­tific Biography (Chicago and London: The University of Chicago Press, 1978), pp. 140-153; ALBERT VAN HELDEN, Catalogue o[ Early Te/escopes (Firenze: Giunti, 1999); GrORGIO STRANO (ed), II Telescopio di Ga/i/eo. Lo Strumento che ha cambiato ii mondo (Firenze: Giunti, 2008). Uma excelente e moderna introdução a rodos os problemas científicos e técni­cos relacionados com telescópios para o leitor menos familiarizado é: GUILHERME DE ALMEIDA, Telescópios (Lisboa: Plátano Editora, 2004).

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com o que as imagens ficam muito mais nítidas.46 Dois dos telescópios de Galileu que sobreviveram até aos nossos dias mostram, de facto, o emprego de um diafragma de cartão para tapar parte da objectivaY O melhoramento gerado pela aplíca­ção do diafragma deve atribuir-se a Galileu já que os telescó­pios holandeses originais não o tinham e não há notícia de que antes de Galileu alguém os tivesse usado.48 Segundo o próprio

46 "E bene che ii vetro colmo, che e ii lontano dalI' occhio, sia in parte coperto, et che ii pertuso che si laseia aperto sia di figura ovale, perche cosl si vedranno li oggetti assai piu distintamente" (Opere, X, 278). Esta carta de 7 de Janeiro de 1610 (Opere, X, 273-278), que tere­mos oportunidade de citar algumas vezes, é de grande importância na história da composição do Sidereus Nuncius já que se trata do primeiro relato de observações astronómicas feitas por Galileu e corresponde efec­tivamente a um primeiro esboço do que viria depois a ser o livro. Foi enviada a um destinatário não identificado, mas Favaro argumentou que se tratava de Antonio de' Mediei, um personagem importante na corte toscana. Apesar de Drake ter questionado esta atribuição, sugerindo que o destinatário seria Enea Piccolomini [STILLMAN DRAKE, «Galileo's first telescopic observations», Journal for the History o[ Astronomy, 7 (1976) 153-168J, a sugestão de Favaro tem sido aceite por quase todos os histo­riadores. O efeito e a função do diafragma não foram imediatamente compreendidos por toda a gente. Em Dezembro de 1610, Cristóvão Clá­vio perguntava a Galileu qual a utilidade de tapar parcialmente as objec­tivas (Opere, X, 485).

47 ALBERT VAN HELDEN, Catalogue o[ Early Telescopes (Firenze: Giunti, 1999), pp. 30-33. Num dos telescópios a objectiva tem uma abertura de 37mm mas o diafragma reduz a uma abertura de 15mm; no outro, a abertura da lente de 51 mm está reduzida a 26 mm pelo dia­fragama. Os testes modernos confirmam que realmente o uso de dia­fragma melhora substancialmente a qualidade das imagens fornecidas pelo telescópio. Vid. VICENZO GRECO, GIUSEPPE MOLESINI, FRANCO QUERCIOU, «Optical tests of Galileo's lenses», Nature, 358 (1992) 101; YAAKOV ZIK, «Galileo and the telescope: The status of theoretical and practical knowledge and techniques of measurement and experimentation in the development of the instrument», Nuncius, 14 (1999) 31-67; Y AA­KOV ZIK, «Galileo and optical aberrations», Nuncius, 17 (2002) 455-465.

48 Sven Dupré argumentou que Galileu introduziu diafragmas nos seus telescópios em consequência dos seus estudos sobre a natureza da

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Galileu, o emprego do diafragma resultava em melhores ima­gens, por duas razões: por um lado, porque era sempre conve­niente polir lentes grandes, pois assim se atenuavam os efeitos devidos às irregularidades nos bordos, uma conhecida causa de imperfeições, e, por outro, porque embora as lentes maiores proporcionassem maiores campos de visão, davam origem' tam­bém a imagens mais nebuladas (Opere, X, 501-502).

A combinação de uma objectiva convergente com uma ocular divergente (aquilo a que depois se chamou a configura­ção "galileana", por oposição a outras, como, por exemplo, a "keplerianà', em que a ocular é uma lente convexa, conver­gente) dá origem a uma imagem direita. Neste tipo de telescó­pios, a ocular possui uma distância focal reduzida, f, e a objec­tiva a distância F. A objectiva produz uma imagem real invertida e a ocular uma imagem final, que é virtual e direita. No chamado "ajustamento normal", o objecto e a imagem estão situados no inflnito e os focos das duas lentes coincidem, sendo então a separação entre as duas lentes dada por L = F + f (sendo f negativo, de acordo com as convenções). A ampliação angular (m) para ajustamento normal será dada, para os ângu­los pequenos que interessam, pela razão -FIf, isto é, pelo quo­ciente das distâncias focais da duas lentes.

A questão histórica de interesse prende-se em saber o que é que Galileu compreendia de tudo isto e de que maneira foi capaz de ir melhorando progressivamente os seus telesc6pios, em particular, conseguindo melhores ampliações. Alguns his­toriadores (van Helden, por exemplo) são da opinião de que foi apenas por tentativa e erro que Galileu percebeu que a ampliação dependia da razão das distâncis focais das duas len­tes, mas recentemente Sven Dupré argumentou que o asSUntO é mais complexo, pois no final do século dezasseis não era claro que uma lente côncava tivesse também uma distância

luz dos astros, que vinha a fazer desde o aparecimento da nova de 1604. Vid. SVEN DUPRl!, «Galileo's telescope and celestial light», Journal for the History o/ Astronomy, 34 (2003) 369-399.

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foca1.49 Segundo este investigador, Galileu baseou-se na óptica do seu tempo, cujos princípios levavam a considerar que a ampliação do telescópio estaria relacionada com o diâmetro da lente convexa; mas embora Galileu continuasse a pensar que a ampliação estava apenas relacionada com a lente convexa (objectiva), percebeu que não tinha que ver com o seu diâme­tro, mas sim com a sua distância focal,5°

A descrição, muito sumária, apresentada no Sidereus Nun­cius, não menciona a possibilidade de focagem e seguramente muitos dos primeiros leitores não consideraram esse problema e a sua possível solução. Todavia, algumas das primeiras lunetas que circularam em Itália já tinham essa capacidade e numa carta de 28 de Agosto de 1609, de Giovanni Battista della Porta ao príncipe Cesi, mostra-se uma luneta cujo compri­mento pode ser variado, permitindo a focagem (Opere, X, 252). Galileu fala explicitamente do assunto na carta de 7 de JaneÍro de 1610 a Antonio de' Medici, explicando que "e bene che ii cannone si possa alungare e scociare un poco, cioe 3 o

49 ALBERT VAN HELDEN, «Galileo and the telescope», in PAOLO GALLUZZI (ed.), Novità Cclesti e Crisi dei Sapere (Firenze: Giunti Barbera, 1984), pp. 149-158; SVEN DUPRÉ, «Ausonids mirrors and Galileo's len­ses: The telescope and sixteenth century practical optical knowledge», Galilaeana. Journal of Galilean Studies, 2 (2005) 145-180.

50 No 11 Saggiatore (1623) explicou que a ampliação é função do ângulo visual subtendido pelo olho: "ii telescopia ingrandisce gli ogetti cal portargli Sono maggior angola" (Opere, VI, 254). O ponto é subtil e deve registar-se que nem Kepler compreendia que a ampliação é dada pela razão entre as distâncias focais, pensando que o efeito era devido apenas à lente convexa. Esta noção dominará a compreensão do efeito telescópico ao longo de todo o século XVII, durante o qual o aumento da ampliação dos telescópios foi feito a partir do uso de lentes convexas com distâncias focais cada vez maiores. Vide Á"ITONI MALET, «Kepler and the Tdescope», Annals of Science, 60 (2003) 107-136; ALBERT VAN HELDEN, «The tdescope in the seventeenth century», Isis, 65 (1974) 38-58; ALBERT VAN HELDEN, "The Astronomical Tdescope, 1611-1650», Annali de1l7stituto e Museo di Storia della Scienza, 1 (1976) 13-35.

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4 dita in circa" e que se lhe deve antepor um diafragma (Opere, X, 278).

Galileu praticamente nada disse acerca da teoria que explica o funcionamento do instrumento, apesar de prometer uma explicação no Sidereus Nuncius. Embora tivesse reclamado em vários locais que chegara à concepção do telescópio devido a "recondite speculazioni di prospettiva", isto é, às suas análises dos princípios teóricos da ciência da perspectiva, a verdade é que parece nunca ter dominado os princípios ópticos subjacen­tes ao funcionamento do instrumento.51 Em particular, é óbvio que não entendeu a Dioptrice (1611) de Kepler, e numa con­versa ocorrida nos meses finais de 1614, com um francês que o visitava (Jean Tarde), queixou-se de que o livro de Kepler era "si obscur qu'il semble que l'autheur mesme ne s'est pas entendu"52 - uma apreciação que só pode classificar-se como muito injusta e como mais um exemplo do surpreendente des­prezo a que votou o matemático alemão. A 13 de Setembro de 1616, um seu correspondente, Malatesta Porta, escrevia-lhe recordando a promessa feita,53 mas nem nesta ocasião, nem nos anos seguintes, Galileu colmatou esta lacuna, limitando-se a dar indicações muitO vagas no II Saggiatore (Roma, 1623) (Opere, VI, 259) e em alguma correspondência dispersa.

;1 Veja-se, por exemplo, Opere, X, 250-251. É interessante observar que ao mesmo tempo que insistia no facto de a sua descoberta ter sido fruto de especulações teóricas, Galileu explicava que o "Olandese" que primeiramente fizera o instrumento procedera meramente por tentativa e erro (Opere, VI, 259).

;2 Opere, XIX, 590. Jean Tarde 0561-1636) deixaria interessantes relatos das suas viagens em Itália, com muitas notícias relativas a Galileu e ao período dos descobrimentos telescópicos. Vide JEAN TARDE, Deux voyages en Italie: à la rencontre de Galilée. Pré&ce et notes de FRANÇOIS MOUREAU; texte établi par FRANÇOIS MOUREAU et MARCEL TETEL (Genéve: Slatkine, 1984).

53 "Promise V. S. nel suo Aviso Sidereo d'insegnare il modo vero di formare il telescopio, si che potessero vedersi cutte le forme che sono alla natural vista invisibili; ne fino a questo giorno l'ha fatto" (Opere, XII, 281).

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A insistência no reduzidissimo domínio de óptica teórica por Galileu tem sido um topos da literatura especializada, san­cionada por autoridades como Vasco Ronchi, Olaf Pedersen, David Lindberg, entre muitos outros. Recentemente, contudo, Sven Dupré tem mostrado como Galileu conseguiu ter uma compreensão do funcionamento do telescópio baseando-se nos conhecimentos disponíveis junto dos praticantes da matemática do século XVI, muito em especial como a Theorica specu/i con­cavi sphaerici de Ettore Ausonio, que Galileu conhecia bem e copiou entre 1592 e 1601, foi importante para as suas ideias sobre o funcionamento do telescópio.54

Como é evidente, é também possível que Galileu soubesse muito mais do que explicou, e que tivesse mantido a máxima. discrição sobre os princípios ópticos relevantes para o funcio­namento do telescópio pelo desejo de os manter secretos. 55

Se não esclareceu quase nada acerca dos princípios teóri­cos, Galileu, tal camo os seus contemporâneos, também não divulgou quase nenhumas indicações concretas sobre os méto­dos práticos pelos quais construiu o telescópio, a tal ponto que há muitas interrogações sobre o modo como, na prática, se levava a cabo este procedimento.56 Só em 1618 surgiria o livro

54 Vide SVEN DUPRÉ, «Ausonio's mirrors and Galileo's lenses: The telescope and sixteenth century practical optical knowledge», Galílaeana. Journal oi Galilean Studies, 2 (2005) 145-180.

55 A possibilidade de Galileu não ter publicado uma teoria do telescópio apenas por desejo de mantê-Ia secreta é discutida por MARIO BIAGIOLl, «Replication or monopoly? The economics of invention and discovery in Galileo's observations of 1610», Scimce in Context, 13 (2000) 547-592; YMKOV ZIKand ALBERT VAN HELDEN, «Between disco­very and disclosure: Galileo and the telescope», in: MARCO BERETTA, PAOLO GALLUZZI and CARLO TRIARICO (eds.), Musa musaei: Studies on Scientific Instruments and Collections in honour oi Mara Miniati (Firenze: Leo S. Olschki, 2003), pp. 173-190; MARIO BIAGIOU, Galileos Instru­menU oi Credito Telescopes, Images, Secrecy (Chicago: The Universiry of Chicago Press, 2006).

56 Vide FRANCO PALLADINI, «Un trattato sulla costruzione dei cannocchiale ai tempi di Galilei: Principi matematici e problemi tecno-

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de Geronimo Sirtori, Telescopium: Siue ars perficiendi novum illud Galilaei visorium instrumentum ad sidera, com informação detalhada sobre as técnicas para polir lentes adequadas e cons­truir telescópios. (Curiosamente, como explicaremos adiante mais detidamente, neste assunto são importantes as notas de construção de telescópio de um professor do colégio jesuíta de Santo Antão em Lisboa.) A documentação também não per­mite clarificar totalmente se, nos primeiros tempos, Galileu recorria a artesãos para o ajudarem na construção dos telescó­pios, embora se saiba que, em anos posteriores, vários artesãos trabalharam para ele construindo telescópios e que pelo menos um deles, Ippolito Francini, teve alguma mmaY

A despeito das suas limitações, os telescópios construídos por Galileu foram, durante alguns anos, os melhores telescó­pios do mundo. Foram, por isso, solicitados por muitas pes­soas, e o próprio Galileu tomou a iniciativa de os enviar a muitos, tendo para isso transformado a sua casa numa verda­deira oficina de produção de instrumentos ópticos. 58

logici», Nouvelles de la République des Lettres, 1 (1987) 83-102; ROLF WILLACH, «Der lange Weg zur Erfindung des Fernrohres», in JÜRGEN HAMEL, INGE KEIL (eds.), Der Meister und die Fernrohre. Das Wechselspiel zwischen Astronomie und Optik in der Geschichte [= Acta Historica Astro­nomiae, voI. 331 (Frankfurt am Main: Harri Deutsch, 2007), pp. 34-126; GIORGIO STRANO (ed) , II Telescopio di Galileo. Lo Strumento che ha cambiato il mondo (Firenze: Giunti, 2008).

57 CARLO VITTORlO VARETTI, «I:artefice di Galileo, Ippolito Fran­cini detto ii Tordo», Reale Accademia dei Lincei, serie IV, voI. 15 (1939) nos. 3-4, Roma.

58 Michele Camerota elencou as individualidades a quem Galileu enviou telescópios durante a sua carreira científica, num passo que pelo seu interesse transcrevemos na íntegra: "alcuni tra i piu importanti monarchi del tempo (Cosimo II de' Medici, Carlo d'Austria, Maria de' Mediei, Regina di Francia, Filippo IV di Spagna, Massimiliano di Baviera, Ladislao IV di Polonia, Leopoldo d'Austria, l'Elettore di Colo­nia, Ernesto di Baviera), a numerosi nobili e prelati (tra gli alui: Paolo Giordano Orsini, ii cardinale Francesco Maria dei Monte, ii cardinale

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A documentação da época permite verificar como era difí­cil realizar observações com os deficientes instrumentos da altura. Escrevendo a um correspondente, Galileu transmitiu informações preciosas acerca do uso do instrumento na prática:

lo strumento si tenga fermo, et pereio e bene, per fuggire la titubatione della mano che dai moto delI' arterie et dalla respiratione stessa procede, fermare ii cannone in qualche Iuogo stabile. I vetei si tenghino ben tersi et netti daI panno o nuola che iI fiato, l'aria humida e caliginosa, o il vapore stesso che daIi' occhio, et massime riscaldato, evapora, vi genera sopra (Opere, X, 277-278).

Mas as dificuldades surgiam logo no fabrico dos instru­mentos. Numa carta a Belisario Vinta (1542-1613), secretário de Estado do Grão-Duque da Toscana, a 19 de Março de 1610, Galileu diz que fez, com grande esforço e despesa, mais de sessenta "occhiali" mas que só muito poucos eram suficien­temente bons para observar as estrelas mediceanas.59 E quanto ao mero polimento de lentes, as dificuldades eram ainda maio-

A1essandro Peretti di Montalto, monsignor Giuseppe Acquaviva, ii cardi­nale Francesco di Joyeuse, ii cardinale Scipione Borghese, ii cardinale Odoardo Farnese, ii cardinale Roberto Ubaldini, I' ambasciatore toscano a Roma, Francesco Niccolini, Federico Landi, príncipe di Valditaro), non­ché a diversi eruditi (Paolo Gualdo, Bartolomeo Imperiali, Federico Cesi, Pierre Gassendi, Nicolas-Claude Fabri de Peiresc, Tiberio Spinola, Daniello Antonini, Matthias Bernegger)". MICHELE CAMEROTA, Galileo Galilei e la Cultura Scientifica nell'età della Controriforma (Roma: Salerno Editrice, 2004), p.158.

59 "gl' occhiali esquisitissimi et atti a mostrar tutte te osservazioni sono molto rari, et io, tra piu di 60 fatti com grande spesa et fatica, non ne ho potuti elegger se non piccolissimo numero" (Opere. X, 301). No rascunho dessa carta escrevera que só dez em mais de cem eram aceitá­veis (Opere, X, 298), mas mesmo que estes números contenham algum exagero é indubitável a dificuldade em produzir telescópios capazes.

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res pois, depois de polidas, só pouquíssimas eram aprovadas para serem aplicadas em telescópios.60

O próprio Galileu teve, por vezes, dificuldades em mos­trar os novos corpos celestes. Em Abril de 1610, deslocou-se a Bolonha com o intuito de pessoalmente mostrar estas novida­des ao famoso astrónomo Giovanni Antonio Magini (1555--1617), num episódio que redundou num clamoroso fracasso, tendo Galileu de retirar-se mais cedo, humilhado.61 E noutras ocasiões (por exemplo, na corte dos Mediei), recomendou enfa­ticamente que não tentassem ver as luas de Júpiter sem ele estar presente para ajudar (Opere, X, 289).

E as dificuldades práticas não eram tudo. O telescópio introduzia ainda um conjunto de problemas novos, com os quais Galileu iria ter de se confrontar ao longo da vida. Como justificar que as observações telescópicas não eram meras ilusões ópticas quando imediatamente se verificou que as lunetas tam­bém geravam, com facilidade, ilusões ópticas? Como aceitar os resultados - muitas vezes perturbadores - de um instru­mento cujo funcionamento não se compreendia nem se sabia explicar? E uma vez que muitas observações telescópicas não se limitavam simplesmente a melhorar as observações feitas à vista

60 Sobre a dificuldade em polir lentes convenientes veja-se a carta de Sagredo a Galileu, em 23 de Abril de 1616, onde se refere que de 300 lentes feitas só 22 foram consideradas aptas e, destas, só 3 julgadas suficientemente boas para usar em telescópios, isto é, uma taxa de acei­tação de cerca de um por cento (!) (Opere, XII, 257-259).

61 Embora saibamos destes acontecimentos pela pena não muito simpática de Martin Horky, não oferece dúvida o desastre que esta ten­tativa de mostrar os novos planetas a Magini supôs para Galileu. Numa carta para Kepler, de 27 de Abril de 1610, Horky relata os acontecimen­tos que presenciou, dizendo que embora todos tivessem reconhecido que o telescópio funcionava como Galileu dizia para as observações terrestres, isso já não era verdade para as observações astronómicas. Al, concorda­vam todos os presentes nas sessões em casa de Magini, o telescópio ilu­dia. Galileu foi incapaz de proporcionar observações incontroversas e, ficando muito calado, saiu rapidamente (Opere, X, 343).

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desarmada, mas entravam em conflito directo com essas, como explicar as discrepâncias? No fundo, como foi possível a Galileu tornar aceites e credíveis as suas descobertas com o telescópio?62

As estratégias desenvolvidas por Galileu - confirmações alternativas, testemunhas, representações visuais convincentes, insistência na superioridade dos própios telescópios, etc. -revelar-se-iam de imenso sucesso. Como fez notar o historiador Albert van Helden, o que é realmente surpreendente não é que tenham surgido dúvidas e hesitações, mas, pelo contrário, que tantos tivessem ficado convencidos das descobertas de Galileu em tão pouco tempo, quando se pensa nas dificuldades das observações, na sua fraca qualidade e na oposição generalizada ao copernicianismo.63

As observações telescópicas de Galileu

o Sídereus Nuncius é composto essencialmente por dois tratados - um primeiro sobre a Lua e um segundo sobre os

62 Foram vários os fenómenos ópticos ilusórios registados por con­temporâneos de Galileu, alguns deles eminentes homens de ciência. Por exemplo, Giovanni Magini queixou-se de que, ao olhar para o Sol com o telescópio protegido por lentes escurecidas, via três sóis (Opere, X, 345). Sobre os problemas relacionados com as discrepâncias entre as observações telescópicas e as observações a olho nu, veja-se HAROLD r. BROWN, «Galileo on the telescope and the eye», Journal for the History 01 Ideas, 46 (1985) 487-501. Sobre as estratégias desenvolvidas por Galileu (e pelos que se seguiram) para tornar credíveis as observações com o telescópio, ver: ALBERT VA:>I HELDEN, «Telescopes and Authority from Galileo to Cassini», Osiris, 2nd series, 9 (1994) 8-29. Todos estes temas, como é bem sabido, foram analisados por dois autores que adoptam, contudo, diferente pontos de vista: PAUL FEYERABEND, Agaimt Method: Outline 01 an Anarchistic Theory 01 Knowledge (London: Verso, 1978); MARIO BIAGIOLI, Galileo's Instruments 01 Credito Telescopes, Images, Secrecy (Chicago and London: The University of Chicago Press, 2006).

63 Vide ALBERT VAN HELDEN, «The telescope in the seventeenth ccnrury», Isi!, 65 (1974) 38-58, esp. p. 51.

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satélites de Júpiter - introduzidos por umas breves pagmas acerca do telescópio, e separados por uma digressão, também de poucas páginas, sobre as estrelas fIxas.

A superfície da Lua

Tudo leva a crer que Galileu começou a observar a Lua sistematicamente com o telescópio a partir de 30 de Novembro de 1609.64 Não foi o primeiro homem a fazê-lo pois já no Verão desse mesmo ano, em Londres, o inglês Thomas Harriot (ca. 1560-1612) fIzera e registara observações da superfície da

64 A datação e a reCOnStltUIçaO das observações da superfície da Lua feitas por Galileu deram origem a interessante e rico debate entre os historiadores. Uma primeira proposta de datação, por Guglielmo Righini, numa comunicação apresentada em 1974 e publicada no ano seguinte, fez iniciar uma troca de opiniões com Owen Gingerich a que depois se juntou, com outros argumentos, Stillman Drake. Pouco depois Ewan A. Whitaker, um eminente especialista em cartografia lunar, analisou roda a questão, tendo proposto uma datação (que em grande medida confirma a de Righini) e que é hoje em dia aceite quase unanimente. Os trabalhos relevantes são: GUGLIELMO RIGHINI, «New light on Galíleo's lunar obser­vations», in MARIA LUISA RIGHINI BONELLI and WILLIAM SHEA (eds.), Reason, Experiment, and Mysticism ln the Scientific Revolution (New York: Science History Publications, 1975), pp. 59-76; OWEN GINGERICH, «Dis­sertario cum Professore Righini et Sidereo Nuncio», ibid., pp. 77-88; STILLMAN DRAKE, «Galileds first telescopic observations"> journal for the History 01 Astronomy, 7 (1976) 153-168 [também em: STILLMAN DRAKE, Essays on Galileo and the History and Philosophy 01 Science. Selected and introduced by N. M. SWERDLOW and T. H. LEVERE (Toronto: University of Toronto Press, 1999), voI. 1, pp. 380-395]; EWAN A. WHITAKER, «Galileo's lunar observations and the dating of the composition of Side­reus Nuncius», journal for the History 01 Astronomy, 9 (1978) 155-169. Para um enquadramento geral da questão, veja-se: EWAN A. WHITAKER, «Selenography in the seventeenth century», in R. TATON and C. WILSON (cds.), Planetary Astronomy fiom the Renaissance to the Rise 01 Astrophysics. Vol. 2, Part A: Tjcho Brahe to Newton (Cambridge: Cambridge Univer­sity Press, 1989), pp. 119-143.

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Lua, com um primeiro desenho feito em Julho de 1609. Har­riot, contudo, parece nunca ter tido mais do que um interesse estritamente cartográfico, representando o que pensava serem os continentes, mares e litorais da Lua. E, na verdade, mesmo depois de ter lido o Sidereus Nuncius, fez desenhos da super­fície lunar com algum detalhe, mas muito inferiores aos de Galileu.65 De facto, o italiano empreendeu estes estudos com uma determinação e uma genialidade sem igual, possuindo, na altura, uma luneta com uma ampliação e uma resolução muito melhor do que as de Harriot.

65 Existem dois desenhos da superfície lunar por Harriot datados de, respectivamente, 26 de Julho de 1609 e 17 de Julho de 1610, isto é, um anterior e outro posrerior à publicação do Siderem Nuncim. Sempre ciosos dos contributos científicos dos ingleses do passado, os historiádo­res anglo-saxónicos têm feito o possível por descobrir algum outro aspecto notável nestas observações, para além do facto de terem sido as primeiras observações lunares com telescópio. Ewan Whitaker, por exem­plo, defende que Harriot foi o primeiro a observar a libração em latitude (isto é, óptica) da Lua [EWAN A. WHITAKER, «Selenography in the seven­teenth century», in R. TATON and C. WILSON (eds.), Planetary Astronomy fiom the Renaissance to the Rise o/ Astrophysics.VoI. 2, Part A: Ijcho Brahe to Newton (Cambridge: Cambridge University Press, 1989), na p. 122]. Vejam-se os trabalhos de JOHN W. SHIRLEY, «Thomas Harriot's lunar observations», Science and History: Studies in Honor o/ Edward Rosen, Stu­dia Copernicana, 16 (1977) 283-308; TERRIE F. BLOOM, «Borrowed per­ceptions: Harriot's maps of the Moon», Journa/ for the History o/ Astro­nomy, 9 (1978) 117-122, AMIR R. ALEXANDER, «Lunar maps and coastal outlines: Thomas Hariot's mapping of the moon», Studies in History and Philosophy o/ Science, 29 (1998) 345-368, STEPHEN PUMFREY, «Harriot's maps of the Moon: new interpretations», Notes and Records o/ the Royal Society, 63 (2009) 163-168. Para a actividade científica, em geral, de Harriot, usem-se as duas importantes colectâneas: JOHN W. SHIRLEY (ed.), Thomas Harríot: Renaissance Scientist (Oxford: Clarendon Press, 1974), e JOHN W SHIRLEY (ed.), A Source Book for the Study o/Thomas Harriot (New York: Arno Press, 1981). Para os aspectos biográficos deve ver-se sobretudo: JOHN W. SHIRLEY, Thomas Harriot: A Biography (Oxford: Clarendon Press, 1983) e ROBERT Fox (cd.), Thomas Harriot. An Elizabethan Man 01 Science (Aldershot: Ashgate, 2000).

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A natureza da Lua e, em particular, da sua superfície, fora sempre objecto de discussões e debates desde a Antiguidade, ao longo de toda a Idade Média até às vésperas do surgimento do telescópio. As manchas da Lua são bem visíveis a olho nu e levaram a que praticamente todos os povos as tenham tentado interpretar. Já no Neolítico se havia discutido essas manchas. Uma ideia que circulava desde a antiguidade, inicialmente pro­posta por Clearco, era a de que essas manchas se deviam ao reflexo da superfície da Terra. Anaxágoras havia já declarado que a Lua era feita como a Terra, com planícies e ravinas e vários outros, como Heraclides e Platã.o (pela boca de Sócrates, no Pédon) , haviam argumentado que a Lua era como uma outra Terra.66

Acima de tudo, havia Plutarco, que dedicara uma obra importante e muito divulgada ao assunto, De fade quae in orbe lunae apparet [Sobre a face que se vê no disco lunar], onde afir­mava que a Lua é como a Terra, com montanhas e vales, e onde discutia muitos outros temas relacionados, como as man­chas lunares, a explicação da origem e natureza da luz que irradia da Lua, a matéria de que a Lua é feita, os eclipses, a possibilidade de a Lua ser habitada, etc.67 Estas discussões pro-

66 As ideias antigas sobre a natureza da Lua são estudadas por CLAIRE PRÉAUX, La Lune dans 14 pensée grecque [Mémoires de la Classe des Lettres, 2' série, t. LXI/4, 1973] (Bruxelles: Palais des Académies, 1973) e SOPHlE LUNAIS, Recherches sur 14 Lune - I. Les Autt'urs Latins de la fin des guerres puniques à la fin du regne des Antonim (Leiden: E. J. Brill, 1979). Ver ainda LIBA TAUB, Aetna and the Moon. Explaining Nature in Ancient Greece and Rome (Corvallis: Ofegon State Universiry Press, 2008). Como referência geral para todas as questões que digam respeito à descrição da Lua deve usar-se: EWAN A WHITAKER, Mapping and Naming the Moon. A History o/ Lunar Cartography and Nomenclature (Cambridge: Cambridge Universiry Press, 1999).

67 O De focie quae in orbe /unae apparet faz parte dos Mora/ia de Plutarco. Existem edições modernas em vários idiomas, mas não em por­tuguês. A edição mais recomendável (texto grego e tradução inglesa) encontra-se em: PlutarchS Mora/ia. Vol. XII. With an English transIation

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longaram-se por toda a Idade Média e Renascimento, influen­ciando pensadores e artistas. Era corrente a explicação, de ori­gem averroista, segundo a qual a Lua recebia a luz do Sol dife­rentemente, em função da sua densidade, o que explicaria a existência das diferentes tonalidades, isto é, das manchas na sua superfície.68 Mesmo nas vésperas das descobertas galilelanas, estes assuntos eram discutidos em alguns dos texto mais influentes, como, por exemplo, no comentário ao De caelo (1593) do Curso conímbríceme e, sobretudo, por Kepler, na sua Optica (1604).69 Kepler não se limitou a citar Plutarco abun-

by HAROLD CHERNISS and WILLIAM C HELMBOLD (Cambridge, Mass.: Harvard University Press; London: William Heinemann, 1957), pp. 1-223. Veja-se ainda P. RAINGEARD, Le Peri tou Prosopou de Plutarque. Texte critique avec traduction et commentaire (Paris: Les BelIes Lettres, 1934). Sobre a relação de Galileu com o texto de Plutarco, ver: PAOLO CASINI, «II Dialogo di Galileo e la luna di Plutarco», in PAOLO GALLUZZI (ed.), Novità Celesti e Crisi deI Sapere (Firenze: Giunti Barbera, 1984), pp. 57-62; PAOLO CASINI, "Plutarco, Galileo e la faccia della luna», Inter­sezioni, 4 (1984) 397-404;

68 Veja-se, sobretudo, ROGER ARIEW, «Galileo's lunar observations in the context of medieval lunar theory», Studies in the History and Phi­losophy o/ Science, 15 (1984) 213-226. De notar também que as repre­sentações artísticas captaram a irregularidade da superfície da Lua muito antes do aparecimento do telescópio. Por exemplo, as representações naturalistas da Lua pelo pintor flamengo Jan Van Eyck (1385?-1441), feitas entre 1420 e 1437 (vide S. L. MONTGOMERY, «The fim natura­listic drawing of the Moam>, Journal for the History o/ Astronomy, 25 (1994) 317-320) ou os desenhos feitos por Leonardo da Vinci entre 1505-1514 (vide G. REAVES and C PEDRETTI, "Leonardo da Vinci's drawings of the surface features of the Moon», Journal for the History o/ Astronomy, 18 (1987) 55-58), estão longe de representar um astro com atributos de perfeição celeste.

69 Commentarii Collegii Conimbricemis Societatis Iesu in Quatuor Libros De Coelo ArÍ5totelis Stagiritae. Olisipone, Ex Officina Simonis Lopesii, 1593 [com edições posteriores], especialmente pp. 264-265. Sobre as discussões acerca da Lua no Curso conimbricense e, mais geral­mente, em Portugal, veja-se: BERNARDO MACHADO MOTA, «A Naturalís­rica da Lua em Portugal nos séculos XVI e XVII», Colóquio Revisitar os

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dantemente, subscrevendo a sua tese central acerca de uma equivalência essencial entre a Lua e Terra, mas, mais impor­tante, introduziu uma noção muito inovadora ao afirmar que a aceitação dessas ideias acerca da natureza da Lua era o primeiro passo na aceitação do copernicianismoJo Aliás, Kepler ficaria tão fascinado com o De focie quae in orbe lunae apparet, de Plutarco, que, anos mais tarde, faria uma tradução completa a partir do original grego.? 1

Galileu, contudo, certamente para acentuar a espectacula­ridade das suas próprias observações e a importância do teles­cópio, não deu qualquer indicação destas discussões nem da existência de uma longa tradição' polémica acerca da natureza da Lua, nem muito menos da posição de Kepler acerca deste assunto. Limitou-se, numa frase breve, a mencionar a "opinião

Saberes. Actas (Lisboa; no prelo). Kepler discute vários assuntos relativos à natureza da Lua no seu Ad Vitellionem Paralipomena, quibus Astronomiae Pars Optica Traditur (Frankfurt, 1604), apresentando catorze citações do livro de Plutarco. Este importante texto de Kepler está no vol. II da Joan­nis Kepleri Opera Omnia e também no vol. II da Kepler Gesammelte Werke. Há uma tradução inglesa desta obra: JOHANNES KEPLER. Optics. Paralipomena to Witelo and Optical Part of Astronomy. Translated by William H. Donahue (Santa Fe, New Mexico: Green Hon Press, 2000).

70 "Tandem vero, ubi Plutarchus, ubi Maestlinus aequis in philoso­phia auribus fuerint capti: tum bene Aristarchus cum Copernico suo dis­cipulo sperare incipiat." Optica, ed Fritsch, p. 290; JOHANNES KEPLER. Optics. Paralipomena to Witelo and Optical Part of Astronomy. Trad. W. H. Donahue, p. 267.

71 Kepler traduziu, anotou, e deu aos prelos o livro de Plutarco como um anexo à sua obra, publicada postumamente pelo seu filho: Somnium, seu Opus Posthumum de Astronomia Lunari (Frankfurt, Zaga, 1634), fols. 97-184. Vide Kepler's Somnium. The Dream, or Posthumous Work on Lunar Astronomy. Translated, with a Commentary by EDWARD ROSEN (Madison: Universiry of Wisconsin Pres, 1967), especialmente, «Appendix D: Kepler Translation of Plutarch's Mooil», pp. 209-211; JOHANNES KEPLER, El Sueno o la Astronomia de la Luna. Introducción, traducción, notas e índices: FRANCISCO SOCAS (Huelva: Universidad de Huelva, 2001).

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pitagórica de que a Lua é uma outra Terrà'.· O aparecimento do telescópio permitia a Galileu fazer uma ousada manobra retórica, impondo um verdadeiro corte na longa tradição dos estudos sobre a Lua. Ao ignorar todos os textos e as ricas dis­cussões do passado, Galileu indicava implicitamente que o telescópio inaugurava uma nova era. Não se sentia, assim, na necessidade de dialogar com as opiniões do passado que haviam ficado ultrapassadas - mas não necessariamente reba­tidas - com o advento da luneta.

Nem todos ficaram convencidos com esta manobra. Quando começaram a ser divulgadas as observações galileanas da superfície da Lua, alguns contemporâneos acharam que o que se estava a divulgar como novo era assunto antigo e bem sabido.72 E tinham bastante razão pois até o próprio Galileu já era da opinião de que a Lua era como a Terra, com montanhas e vales, alguns anos antes de a ver com o telescópio. Em 1606, na sequência das discussões provocadas pelo aparecimento da nova estrela de 1604, publicara, sob o pseudónimo de Alim­berto Mauri, uma obra intitulada Considerazioni { . .} intorno alia stella apparita 1604, onde defendia já esta ideia.73 No entanto, como rapidamente se constataria, uma coisa é discutir com base em textos, argumentos, e autoridades. Outra coisa, muito diferente, é ver, sobretudo quando o "ver" era guiado pela pena e pela mente de um homem genial.

72 Foi, por exemplo, o caso de Giovanni Camilo Gloriosi que ime­diatamente relacionou as notícias dadas por Galileu com o texto de Plu­tarco; "Quae de luna refert, veterrima sunt, Pythagoraeque adscribantur; qua de re disertíssimus extat Plutarchi libellus" (Opere, X, 363).

73 Comiderazioni [. . .] sopra alcuni luoghi dei discorso di Lodouico delie Colombe intorno alia stella apparita 1604 (Firenze, Giovanni Anto­nio Caneo, 1606). O texto está traduzido para inglês por Stillman Drake em; Galileo Agaimt the Philosophers (Los Angeles: Zeitlin and Ver Brugge, 1976), pp. 73-130, com um importante estudo nas pp. 55-71. Sobre este texto e as circunstâncias intelectuais que rodearam a sua produção, ver: EILEEN REEVES, Painting the Heavem, Art and Science in the Age 01 Gali­leo (Princeton: Princeton Universiry Press, 1997), pp. 91-137.

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Entre 30 de Novembro e 18 de Dezembro, Galileu obser­vou a Lua em diversas fases, fazendo cuidadosos desenhos do que via. Para além das gravuras que estão no Sidereus Nuncius, conhecem-se alguns outros desenhos e aguarelas da Lua tam­bém feitos por ele.74 Muito recentemente foi localizado um exemplar do Sidereus Nuncius, absolutamente idêntico aos da primeira edição, mas que, em lugar das gravuras, apresenta aguarelas que tudo leva a crer foram feitas pelo próprio Gali­leu.l5 As gravuras da edição original do Sidereus Nuncius são de boa qualidade, mas nas edições seguintes decaíram muito de nível.

74 Preservaram-se sete desenhos a aguarela feitos por Galileu (Biblioteca Nazionale Centrale di Firenze, Cod. Galileiana 48, em manuscritos não-datados). É convicção entre os historiadores de que as aguarelas foram executadas por Galileu enquanto observava e não a pos­teriorí, relembrando o que vira. Vide EUZABETH CAVICCHI, «Painting the Moon», Sky and Telescope, 82 (1991) 313-315. Sobre Galileu como artista veja-se especialmente: HORST BREDEKAMP, «Gazing Hands and Blind spots: Galileo as Draftsman», in jÜRGEN RENN (ed.), Galíleo ín Context (Cambridge: Cambridge University Press, 2001), pp. 153-192; HORST BREDEKAMP, Galitei der Künstler. Der Mond. Die Sonne. Die Hand (Berlin: Akademie Verlag, 2007). Veja-se também a discussão acerca das teses principais deste livro por OWEN GINGERICH, «The curious case of the M-L Sidereus Nuncius», Galilaeana, 6 (2009) 141--165. Em particular, os desenhos da Lua por Galileu mostram que ele dominava as técnicas do disegno, uma observação que os historiadores já haviam feito há alguns anos: Vide WOLFGANG KEMPF, «Disegno: Beitrage zur Geschichte des Begriffs zwischen 1547 und 1607», Marburger Jahr­buch for Kunstwissenschaft, 19 (1974) 219-240; SAMUEL Y. EDGERTON, The Herítage of Giottos geometry: Art and science on the eve of the scienti-

fie revolution (Ithaca and London: ComeI! University Press, 1991), pp. 223-253; CHRYSA DAMIANAKI, Galileo e Ie arti figurative (Roma: Vec­chiarelli Editore, 2000); HORST BREDEKAMP, «Gazing hands and blind spots: Galileo as draftsman», Science in Context, 13 (2000) 423-463.

75 Este é agora conhecido como o exemplar MI, de Martayan-Lan, o conhecido livreiro nova-iorquino que deu a conhecer o livro. Não cabe aqui fazer-se uma análise detalhada das diferentes representações da Lua

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o estudo da superfície lunar por Galileu é antes de mais nada um monumento à sua capacidade de observação e ao seu talento gráfico. Fica bem patente a sua grande capacidade artís­tica, mas fica ainda mais explícita a sua compreensão da importância das representações visuais como elementos persua­sivos de imenso poder,76 No Sidereus Nuncius Galileu apresenta cinco gravuras da Lua na verdade apenas quatro são distin­tas pois há uma repetição em diferentes fases, procurando, muito mais do que uma cartografia precisa da Lua, fazer uma descrição visual dos diferentes tipos de acidentes e relevos da superfície lunar e a sua semelhança com os correspondentes terrestres.

Algumas destas observações haviam sido dadas a conhecer na carta de 7 de Janeiro de 1610 que enviou a Antonio de' Mediei e, na verdade, quando semanas depois preparou o Side­reus Nuncius usou muito do texto que escrevera nessa missiva.

deixadas por Galileu, mas seria insensato não chamar a atenção do leitor para a descoberta das novas aguarelas, uma das maiores novidades nos estudos galileanos nos últimos anos, comunicada pela Universidade de Pádua a 28 de Março de 2007 e analisada por William R. Shea a Horst Bredekamp. Vide GIOVANNI CAP RARA, "E Galileo dipinse ii volto della Luna», Corriere della Sera, 27 Março 2007, pp. 15-18; RICHARD OWEN, «The Galil.eo sketches that turned the universe on its head», The Times, 28 Março 2007, pp. 6-7; M. BECKER, «Galileis erste Mond-Bilder ent­deckt», Spiegel 30 Março 2007; JEFF ISRAELY, «Galileo's Moon View» , Time, 16 Agosto 2007.

76 Acerca deste tema, a literatura recente tem sido adicionada com trabalhos de grande importância. Veja-se: WILLIAM R. SHEA, «How Gali­leo's mind guided his eye when he first looked at the moon through a telescope», in: GÉRARD SIMON and SUZANNE DÉBARBAT, Opties and Astronomy [= Proceedings of the XXÚl International Congress of History of Science, Liege, 20-26 July 1997, vol. XII] (Turnhout: Brepols, 2001), pp. 93-109; SARA EUZABETH BOOTH and ALBERT VAN HELDEN, «The Virgin and the lelescope: The Moons of Cígo/i and Galileo», Scienee in Context, 13 (2000) 463-488 [republicado in: jÜRGEN RENN (ed.), Galileo in Context (Cambridge: Cambridge Universíry Press, 2001), pp. 193--216].

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Ao redigir o Siderem Nuncius, Galileu percebeu que necessitava de criar uma nova linguagem visual para acompanhar a descri­ção de factos tão surpreendentes. As gravuras que preparou não têm a pretensão de cartografar a superfície lunar e, quando comparadas com imagens reais da Lua, imediatamente se reco­nhece que estão muito longe de serem representações fiéis. Pelo menos desde meados do século XVII que vários astrónomos fizeram notar que, consideradas como descrições cartográficas da Lua, as gravuras do Sidereus Nuncim são muito deficientes?7 Mas a representação exacta dos detalhes lunares nunca foi a intenção de Galileu. As gravuras que apresenta são peças visuais de um argumento. Aliás, a comparação das aguarelas que primeiramente desenhou, enquanto observava com o teles­cópio, com as gravuras depois publicadas, mostra que as pri­meiras são muito mais fiéis à realidade e que Galileu intencio­nalmente deformou e exagerou muitos aspectos do que vira,

. para construir e ilustrar os seus argumentos. As imagens apre­sentadas são o ponto de partida e apoio visual de um argu­mento que Galileu monta acerca das zonas claras e escuras da Lua, do modo como essas zonas de claridade e escuridão vão variando com a passagem do tempo, e do que se pode deduzir dessas mutações.

A análise de Galileu é verdadeiramente excepcional, sendo toda baseada na observação de pontos luminosos e escuros e manchas mais ou menos brilhantes na superfície da Lua, na sua distribuição espacial e sua variação com o decorrer do tempo. O telescópio não lhe mostrou directamente o perfil de

77 O primeiro a assinalar esse facto foi o grande astrónomo e sele­nógrafo polaco Johannes Hevelius (1611-1687), na Selenographia síve Lunae descriptio (Gdansk, 1647), p. 205. Recentemente, por exemplo, idênticas críticas foram feitas por especialistas em cartografia lunar: ZDENEK KOPAL and ROBERT W. CARDER, Mapping the Moon, past and present (Dordrecht and Boston: Reidel, 1974), p. 4. Uma importante obra de referência para este tipo de estudos é o livro de JOHN E. WESTFALL, Atlas o/ the Lunar Terminator (Cambridge: Cambridge Uni­versity Press, 2000).

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montanhas lunares, nem nunca Galileu reclamou tal coisa. Pelo contrário, como explicou numa carta ao matemático jesuíta Christoph Grienberger, a conclusão de que a Lua tem monta­nhas não é obtida pelos sentidos directamente, mas sim pela "conjunção do discurso com as observações e aparências" 78. A existência de montanhas e vales, cordilheiras e depressões é, pois, uma dedução a partir das propriedades do brilho da superfície da Lua, uma dedução com que nem todos concor­dariam.

Observando com o telescópio e interpretando os resulta­dos foi possível concluir que a Lua tem zonas de planície, montanhas e vales. Esta natureza irregular e montanhosa da Lua é especialmente evidente examinando o terminador, isto é, a linha que separa a região escura da região iluminada. Com­preendendo que alguns pontos brilhantes, na zona obscurecida da Lua, seriam os cumes de montanhas lunares iluminados pelo $pl, Galileu foi ainda capaz de fornecer estimativas para a altura das montanhas da Lua, com um argumento geométrico simples mas muito engenhoso.79 Explicou ainda porque é que

78 Carta a Christoph Grienberger, a 1 de Setembro de 1611: "Come dunque sappiamo noi, la Luna esser montuosa? Lo sappiamo non coi semplice senso, ma coll' accopiare e congiungere ii discorso coll' osser­vationi et apparenze sensate, argumentando simil guisa" (Opere, XI, 183).

79 A explicação é bem conhecida e figura em praticamente todos os textos que tratam deste assunto. Para uma discussão mais pormenorizada, ver: FLORIAN CAJORI, «History of determination of the heights of moun­tains», !sis, 12 (1929) 482-514; C. W. ADAMS, <<A note on Galileo's determination of the height of lunar mountains», Isi!, 17 (1932) 427--429. É importante ter presente que no início do século XVII são ainda extremamente grosseiras as estimativas das alturas das próprias montanhas da Terra. Este cálculo parece ter sido uma das últimas secções a ser incluída no livro, quando algumas outras partes já se encontravam impressas e para o fazer usou alguns dos desenhos que tinha feito. Vide OWEN GINGERICH and ALBERT VAN HELDEN, «From Occhiale to Printed Page: The Making of Galileo's Sidercus Nuncius», Journal for the History o[ Astronomy, 34 (2003) 251-267.

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essas montanhas não tornavam de aspecto rugoso o perfil exte­rior do disco lunar, como uma consequência da sobreposição visual de muitas cordilheiras lunares ou devido ao efeito óptico dos vapores atmosféricos da Lua, o que explicou detalhada­mente com um diagrama (Galileu abandonaria mais tarde, só depois da publicação do Sidereus Nuncius, a ideia de qualquer fenómeno atmosférico na Lua).

A importância que ele atribuía às gravuras da Lua é evidente pois quando pensou em fazer uma nova edição do Sidereus Nuncius, uma das suas intenções era melhorar essas representações, incluindo uma série completa de imagens da superfície da Lua para toda uma lunação (Opere, X, 300).

Um dos pontos centrais em toda a discussão acerca da Lua tem que ver com o fenómeno da chamada Lua cinzenta, ou Lua cendrada, a que Galileu chamará "luz secundária" da Lua, isto é, a ténue luminosidade que se pode observar na parte obscura da Lua quando está na fase crescente. A inter­pretação mais tradicional desta iluminação subtil atribuía-a à luz solar, baseando-se na ideia de que o globo lunar era par­cialmente translúcido e que, quando era exposto à luz do Sol, ficava impregnado dessa iluminação. Galileu discutiu o fenó­meno com atenção e mostrou tratar-se de luz que atinge a Lua depois de ter sido reflectida pela Terra (tal como a Lua ilumina a Terra com luz reflectida do Sol, também a Terra ilumina a Lua com luz reflectida). Diz que já discutira e explicara este assunto alguns anos antes, mas não refere que nem sequer fora o primeiro a fazê-lo. 80 É possível que não estivesse a par de que um século antes já Leonardo da Vinci havia sugerido uma tal explicação, num dos seus apontamentos manuscritos, mas sabia certamente que Michael Maestlin (1550-1631), na sua Disputatio de eclipsibus solis et /unae (Tübingen,1596), já tratara

BO O tema da luz secundária e da sua explicação por Galileu é tra­tado desenvolvidamente na obra de EILEEN REEVES, Painting the Heavens, Art and Science in the Age 01 Galileo (Princeton: Princeton University Press, 1997).

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do assunto, e que Kepler já dera uma explicação completa do fenómeno na sua Optica (1604).81 Mas o que torna este assunto de importância capital é que, para Galileu, a luz secun­dária, revelando uma simetria entre a Lua e a Terra, servia como uma das indicações mais convincentes a favor do esta­tuto planetário da Terra, isto é, do copernicianismo. O assunto permaneceria de grande importância no programa coperniciano em que Galileu se empenhou ao longo dos anos. Mesmo já nos seus últimos anos de vida voltaria a este assuntO a propó­sito do livro de Fortunio Liceti, Litheosphorus, sive de lapide Bononiensí lucem (Udine, 1640), em que o autor defendia que a luz da Lua era devida a um fenómeno semelhante ao da pedra de Bolonha, isto é, um fenómeno de fosforescência.82

Todavia, como foi já argumentado convincentemente por Roger Ariew, não pode dizer-se que as observações de Galileu

61 No capítulo «De illustratione mutua lunae et terrae», in Ad Vitellionem Paralipomena, quibus Astronomiae Par, Optica Traditur (Frank­furt. 1604), Kepler discute o assunto e transcreve o passo relevante de Maesdin. Veja-se: Kepler Gesammelte Werke. vol. II, pp. 221-225. e. na tradução inglesa: Johannes Kepler. Opties. Paralipomena to Witelo and Optieal Part o[ Astronomy. Trad. W. H. DONAHUE, pp. 263-268. Sobre a questão tratada por Leonardo (sobretudo no Codex Arundel), ver; E. MILLOSEVICH, «Leonardo e la luce cinerea». in Per iI 4° eentenario della morte di Leonardo (Bergamo; Istituto di Studi Vinciani. 1919), pp. 17-19.

62 Numa carta ao príncipe Leopoldo da Toscana Galileu. criticou esta explicação relembrando as suas observações da Lua acerca do assunto (Opere. VIII, 467). Sobre esta questão, ver: S. L VAVlLOV, «Galileo in the History of OpriCS», Soviet Physics Uspekhi, 7 (1965) 569-616 [original­mente; Usp. Fiz. Nauk. 83 (1964) 583-615]. Eileen Reeves defende que Galileu teria voltado ao estudo da luz secundária num trabalho intitulado De visu et colcribus que anunciou numa carta a Belisario Vinta a 7 de Maio de 1610 (Opere, X, 352), mas cujo rasto se desconhece, não se sabendo sequer se chegou efectivamente a ser terminado. Vide EILEEN REEVES, Painting the Heavem: Art and Scienee in the Age o[ Galileo (Prin­ceeon: Princeton University Press, 1997), pp. 113-118.

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tivessem anulado completamente a descrição averroista.83 Talvez por isso, ou porque a observação da superfície lunar com um telescópio é muito simples de fazer, estas descobertas acerca do relevo da Lua e do seu brilho secundário foram as que suscita­ram mais reservas e contestações. O mmoso matemático jesuíta Cristovão Clávio [Clavius) (1538-1612), se bem que estivesse pronto para aceitar todas as outras observações telescópicas de Galileu, incluindo a supreendente observação de satélites de Júpiter, nunca aceitou completamente as opiniões de Galileu relativas à Lua.

A análise da superfície da Lua por Galileu é um feito do mais notável brilhantismo científico. Para que seja conveniente­mente apreciado importa ter presente que foi realizado em condições muito desfavoráveis: os campos visuais dos telescó­pios de que dispunha (cerca 12 a 15 minutos de arco) apenas lhe permitiam ver cerca de um quarto da Lua cheia. Galileu praticamente abandonou o estudo da superfície da Lua após a redacção do Sidereus Nuncius, o que se viria a converter num campo de intenso trabalho científico sob o nome de Seleno­grafia. Todavia ainda fez mais uma descoberta importante, ao observar, na década de 1630, as librações da Lua84•

83 ROGER ARIEW, .Galileo's lunar observations in rhe context of medieval lunar theory», Studies in the History and Philosophy o/ Science, 15 (1984) 213-226.

84 Galileu explicou a Iibração óptica (ou em latitude) da Lua no Dialogo sopra i due massimi sistemi dei mondo (1632) (Opere, VII, 90-91). Mais tarde, numa carta a Fulgenzio Micanzio, a 7 de Novembro de 1637, anunciou a descoberta de um outro tipo libração, que hoje se designa por libração em longitude (Opere, XVII, 214-215), tendo conti­nuado a investigar este fenómeno nos meses seguintes, vide (Opere, XVII, 291-297). Sobre este assunto, ver: WILLIAM R. SHEA, Galileo's Intellectuai Revolution (New York: Science History Publications, 1972), pp. 185-186; STILLMAN DRAKE, Gaiileo at Work. His Scientific Biography (Chicago and London: The University of Chicago Press, 1978), p. 385. Como já se assinalou atrás, é possível que Harriot tenha sido o primeiro a notar a libração em latitude, mas Galileu não teve de certeza notícia disso.

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Toda a discussão em torno da Lua serviu a Galileu de ocasião para introduzir, como um tema que se irá repetindo em toda a sua obra posterior, a ideia da semelhança e da co-familiaridade entre a Lua e a Terra e, portanto, a afirmação de que a Terra é apenas mais um planeta. Aliás, será durante a discussão da superfície lunar que Galileu fará a mais explícita referência ao movimento da Terra em todo o Sidereus Nuncius. A natureza da Lua, do seu brilho e a sua semelhança com a Terra são extensamente tratadas no Dialogo sopra i due massimi sistemi del mondo (Florença, 1632), constituindo uma parte central das discussões do primeiro dia (Opere, VII, 86-131).

As estrelas fIXas

Galileu começou a observar com atenção as estrelas fixas pouco depois de dispor de telescópios. No Sidereus Nuncius referiu-se apenas às suas observações de Orionte [Oríon] e das Plêiades, mas, por apontamentos manuscritos, é possível saber que examinou também com atenção outras constelações.85 Ape­sar de ter referido as suas observações das estrelas logo na carta a Antonio de' Mediei - "molte stelle fisse si veggono con l'oc­chiale, che senza non si discernono" (Opere, X, 277) - a inclusão deste assunto no livro parece ter sido uma decisão tar­dia, feita até com alguma precipitação, e quando Galileu se referiu a uma segunda edição que pensava fazer, mencionava como um dos melhoramentos uma secção muito maior sobre as estrelas fixas, com gravuras de todas as constelações (Opere, X, 299-300).

Desde 1604, quando apareceu uma nova nos céus, que Galileu se interessava pela natureza da luz dos astros. Nessa altura defendera que, quer estrelas, quer planetas, iluminavam

85 Vide Sidereus Nuncius. Le Messager Céleste. Texte, traductíon et notes établis par Isabelle Pantin (Paris: Les Belles Lemes, 1992), p. xxiii.

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por reflectirem luz.86 Com o telescópio, contudo, corrigiu essa primeira explicação, concluindo que os planetas apenas reflec­tem luz, e que somente as estrelas brilham com luz própria. Mas a observação telescópica de estrelas revelaria um compor­tamento inesperado. Galileu notou que quando as via com o telescópio, embora elas se passassem a ver com brilhos muito mais intensos do que a olho nu, continuavam a aparecer muito pequenas, pontuais. Um comportamento muito diferente, por­tanto, dos planetas, que, observados com o telescópio, revelam uma forma bem definida de discos. A 7 de Janeiro relatava estes factos do seguinte modo:

I pianeti si veggono rotondissimi, in guisa di piccole lune piene, et di una rotondità terminata et senza irradia­tione: ma le stelle fisse non appariscono cosi, anzi si veg­gono folgoranti et tremanti assai piu con I' occhiale che senza, et irradiate in modo che non si scuopre qual figura posseghino (Opere, X, 277).

Na verdade, o problema era ainda mais perturbador pois as estrelas pareciam, efectivamente, diminuir de tamanho quando vistas através do telescópio, enquanto todos os outros corpos são ampliados. Ou seja, o telescópio parecia funcionar de modo diferente para diferentes objectos celestes; um com­plicado problema que Galileu tinha de explicar.87

86 Vide SVEN DUPRÉ, «Galileo's telescope and celestial light», Jour­na! for the History 01 Astronomy, 34 (2003) 369-399; ElLEENREEVES,

Painting the Heavens, Art and Science in the Age 01 Ga!i/eo (Princeton: Princeton University Press, 1997), pp. 57-90.

S7 A razão verdadeira é a difracção que ocorre quando a luz passa por uma abertura pequena, como a pupila do olho ou a objectiva do telescópio, e que impossibilita obter imagens nítidas de objectos muito pequenos. As estrelas são tão pequenas que, seja qual for o seu tamanho real e a ampliação da luneta, o que se vê são apenas os seus discos de difracção.

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A ideia de Galileu para explicar este estranho facto con­sistiu em argumentar que, à vista desarmada, as estrelas são vistas sempre rodeadas de uma irradiação, uma espécie de "cabeleirà' de raios luminosos que saem da estrela em todas as direcções, que as faz parecer de muito maior dimensão, mas que esta irradiação seria eliminada (como que "rapada", é a expressão que usa) ao passar pelo telescópio. Com esta explica­ção Galileu conseguia não somente tornar coerente o funciona­mento do telescópio, produzindo o mesmo efeito para todos os objectos celestes observados, mas conseguia também anular uma importante crítica de Tycho Brahe contra o sistema de Copérnico.88

É interessante notar que, para explicar este assunto, Gali­leu invocou observações não-telescópicas das estrelas. Podia assim atacar as estimativas e os argumentos de Tycho Brahe (que nunca tivera telescópios), ao mesmo tempo que desligava o problema do diâmetro das estrelas da questão da fiabilidade do instrumento.89

O problema do brilho das estrelas ocupá-lo-ia até ao fim da vida e serviria para introduzir uma profunda análise e crí­tica das ideias tradicionais associadas à percepção visual. Depois das primeiras menções no Sidereus Nuncius, voltaria ao assunto

88 Argumentando contra o sistema de Copérnico, Tycho Brahe fizera notar que se as estrelas estivessem às enormes distâncias da Terra, necessárias para tornar insensíveis os efeitos da paralaxe estelar, então, atendendo à sua dimensão aparente, elas teriam que ser absolutamente gigantescas. Sem explicitar que se referia a este argumento de Brahe, Galileu respondeu no Sidereus Nundus do modo que se descreve acima, e voltou ao assunto, mais desenvolvidamente e agora citando pelo nome o astr6nomo dinamarquês, no terceiro dia do Dialogo sopra i due rrulSSimi sÍ!temi dei mondo (1632) (Opere, VII, 385-392). As objecções de Brahe encontram-se na sua correspondência, publicada. pela primeira vez em 1596 em Uraniborg com o título de Epistolae astronomícae.

89 Vide HENRY R. FRANKEL, «The importance of Galileo's nomeles­copie observations concerning the size of the fixed stars», Isis, 69 (1978) 77-82.

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na terceira carta sobre as manchas solares, em Istorie e dimos­trazioni intorno alie macchie solari (1613) (Opere, V, 196-197) no Discorso delle comete (1619), escrito em nome de Mario Guiducci (Opere, VI, 79-85), no II Saggiatore (1623) (Opere, VI, 354-361), onde está a discussão mais desenvolvida deste tema, no Dialogo sopra i due massimi sistemi dei mondo (1632) (Opere, VII, 356-365), e mesmo no Le operazioni astronomiche, um trabalho redigido já quase no fim da vida que ficaria incompleto (Opere, VIII, 453-464). O argumento que Galileu foi progressivamente desenvolvendo nestes trabalhos era o de que a vista desarmada produz ilusões ópticas que o telescópio resolve, e que, portanto, a nossa visão directa não deve ser con­fiada quando se trata de observações de fenómenos astro nó­micos.90

Observando com o telescópio duas zonas bem conhecidas do céu - na constelação de Orionte a zona do cinturão e da espada, e as Plêiades, na constelação do Touro -, Galileu veri­ficou a existência de dezenas de novas estrelas fixas, invisíveis a olho nu e por isso totalmente desconhecidas até então. 91 As

90 Uma vez que o argumento será desenvolvido e aperfeiçoado em publicações posteriores ao Sidereus Nuncius, não cabe aqui analisá-lo em detalhe, mas importa sublinhar que o ponto essencial introduzido por Galileu reside numa progressiva afirmação de que vários problemas relacionados com as observações telescópias resultam de uma não correcta apreciação dos deftitos da visão a olho nu. Por exemplo, a coroa de irra­dição em torno das estrelas é, segundo Galileu, gerada pelo olho, sendo o telescópio que a permite eliminar. Qualquer pessoa compreende o passo arrojado que Galileu está a propor, alterando as noções tradicionais de teoria da percepção e sugerindo que os sentidos humanos não pos­suem um estatuto especial, devendo ser tratados e analisados como meros instrumentos. Vide HAROLD I. BROWN, «Galileo on the telescope and the eye», Journal for the History o/ ldeas, 46 (1985) 487-501; SVEN DUPRI:,

«Galileo's telescope and celestial light», Journal for the History 01 Astro­nomy, 34 (2003) 369-399.

91 Qualquer bom atlas celeste esclarece a posição e a moderna des­crição destes grupos de estrelas. Veja-se, por exemplo, MAxlMO FERREIRA,

GUIUIERME DE ALMEIDA, Introdução à Astronomia e às Ohservações Astro­nómicas (Lisboa: Plátano, 1995).

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Plêiades são um enxame aberto (Messier 45) conhecido desde a mais remota antiguidade. Pelo menos seis estrelas são bem visí­veis sem instrumentos ópticos, mas em condições favoráveis podem chegar a ser vistas 14. Estes dois exemplos eram sufi­cientes para deixar claro o que sucederia se todos os céus fossem examinados sistematicamente. De uma assentada, o número de estrelas e, portanto, o gigantismo do universo, aumentava espantosamente. Deve ainda mencionar-se que as gravuras que Galileu apresentou não são absolutamente rigoro­sas quanto à localização das estrelas, mas são surpreendente­mente completas já que apresentam quase sem falhas todas as estrelas até uma magnitude de +6.

Galileu dirigiu também o seu telescópio para duas zonas celestes que na altura se julgavam ser nebulosas. Observou que a "nebulosà' da cabeça de Orionte [nebuia capita Orionis, À-Orionis] e a "nebulosà' de Presépio, no Caranguejo, que no catálogo de Ptolomeu são descritas como nebulosas, e sempre assim haviam sido consideradas pelos astrónomos, eram, afinal, constituídas por numerosas estrelas, muito próximas umas das outras. Na altura em que publicou estes resultados, o consenso em torno deste assunto começava a desaparecer, pois desde o início do século XVII, antes mesmo do aparecimento do teles­cópio, já vários autores haviam questionado a descrição antiga: no famoso catálogo de Johannes Bayer (1564-1617), Uranome­tria (Augsburg, 1603), o mais influente atlas celeste do século XVII, a "nebulosà' da cabeça de Orionte aparece já resolvida em três estrelas, sendo o aspecto nebular abandonado.92 Mas

92 A Uranometria (Augsburg, 1603) é uma obra de grande quali­dade artística e tipográfica, com excelentes gravuras, composta por 51 estampas: representam-se primeiro as 48 constelações ptolomaicas, e depois, numa única estampa, as 12 novas constelações do hemisfério Sul. As duas últimas gravuras são representações completas do hemisfério norte e do hemisfério sul. Bayer adoptou a convenção (originalmente proposta por Piccolomini) de usar letras gregas para indicar a magnitude estelar das estrelas mais brilhantes e letras romanas para as mais fracas e,

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seria Galileu, ao mostrar que essa "nebulosa" era afinal um agregado de 21 estrelas muito próximas, quem desferiria a der­radeira machadada na concepção antiga.

De modo semelhante, a "nebulosà' do Presépio (hoje em dia com a designação de agregado Messier 44 [M44, NGC 2632], um enxame aberto), facilmente visível a olho nu, é conhecida desde a mais remota antiguidade; os gregos chama­vam-lhe Manjedoura, e Ptolomeu, no seu famoso Catálogo, inclui-a também entre as sete nebulosas listadas no Almagesto.93

Sem lentes não se conseguem distinguir as estrelas, vendo-se apenas uma mancha difusa, mas Galileu, com o telescópio, resolveu-a num aglomerado de 38 estrelas.

Estas observações telescópicas pareciam resolver definitiva­mente a questão da verdadeira natureza das zonas nebulosas do céu, e, baseado neste esclarecimento, Galileu explicava que era exactamente o que também se observava na Via Láctea, sobre

em geral, a ordem dos alfabetos corresponde a uma ordem decrescente de brilho o que passaria a ser conhecido como a nomenclatura de Bayer. O atlas de Bayer foi muito popular, a despeito de ter sido publicado nas vésperas do aparecimento do telescópio, o que iria alterar profundamente a história da astronomia. Depois da primeira edição de 1603 foi reedi­tado em 1624, 1639, 1641, 1648, 1655, 1661, 1666 e 1689. I-Iouve também várias edições do texto, sem os mapas. Sobre a história deste e de outros famosos atlas celestes, como o Firmamentum Sobiescianum (1690) de Johannes Hevelius (1611-1687), o Atlas coelestis (1729), de John Flamsteed (1646-1719), e a Uranographia (1801), de Johann Elert Bode (1747-1826), veja-se: DEBORAH J. WARNER, The Sky Explored: Celestial Cartography, 1500-1800 (New York: Alan R. Liss; Amsterdam: Theatrum Orbis Terrarum, 1979); GEORGE S. SNYDER, Maps olthe Hea­vens (New York: Abbeville Press, 1984); PETER WHITFlELD, The Mapping 01 the Heavens (London: the British Libraray; 1995); FELICE STOPPA, Atlas Coelestis: II cielo stellato nella scienza e nell'arte (Mílano: Salviatí Editore, 2006); NICK KANAS, Star Maps. Hirtory, Artistry, and Cartography (Berlin and New York: Springer, 2007).

93 Vide Ptolemjs Almagest. Translated and Annotated by G. J. Too­MER (Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1998), p. 366.

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cuja verdadeira natureza leitosa sempre houvera grandes contro­vérsias.94

As observações .de agregados estelares descritas no Sidereus Nuncíus cóntêm, como já foi notado há muito, uma curiosa ausência que é o facto de Galileu não fazer qualquer menção à famosa Nebulosa de Orionte (M42), um objecto estelar cujo aspecto nebular é facilmente visto a olho nu, e que surge espectacular mesmo quando visto com telescópios muito modestos. Tendo Galileu prescrutado com atenção toda a cons­telação de Orionte, é difícil compreender como lhe possa ter escapado este corpo celeste.95 Para mais, a nebulosa de Orionte seria descoberta poucos meses depois, no final de 1610, por Nicholas-Claude Fabri de Peiresc (1580-1637), e seria dese­nhada pela primeira vez em 1653, pelo astrónomo siciliano Giovanni Battista Hodierna (1597-1660).96

94 Sobre as diferentes concepções acerca da natureza da Via Láctea desde a antiguidade, vide STANLEY L. ]AKI, The Milky Wáy, an Elusive Road to Science (New York: Science History Publications, 1972). É inte­ressante notar que no caso da Via Láctea Galileu mencionou - até em termos enfáticos - a existência de uma longa tradição de discussões, ao passo que deixou completamente em silêncio as longas discussões acerca da natureza da Lua.

95 Sobre este assunto, com várias possíveis explicações para a observação tardia desta nebulosa, realizada só no final de 1610, veja-se: THOMAS G. HARRISON, «The Orion Nebula: Where in History is it?», Quarterly Journal o[ the Royal Astronomícal Society, 25 (1984) 65-79, onde o autor propõe a teoria de um súbito aumento de brilho na nebu­losa de Orionte no final do ano de 1610, o que finalmente a teria tor­nado visível. Owen Gingerich questionou esta explicação e faz notar que, querendo Galileu mostrar que afinal as u,ebulosas não eram mais do que aglomerados de estrelas, a observação da nebulosa de Orionte seria um contra-exemplo que ele prudentemente omitiu. Esta explicação é lógica, e até concorda com a personalidade de Galileu, mas deixa, apesar de rudo, em aberto a dúvida de saber porque não existem referências a esta nebu­losa anteriores a 1610; OWEN GINGERICH, «The mysterious nebulae, 1610-1924», Journal o[ the Royal Astronomical Society o[ Canada, 81 (1987) 113-127.

96 Peiresc viveu em Pádua entre 1600 e 1602 e, nesse período, foi discípulo de Galileu e frequentador do círculo em torno de Paolo Sarpi.

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É também interessante notar o que não estd dito no Side­reus Nuncius relativamente às estrelas fixas, isto é, qualquer menção do uso do telescópio para tentar observar a paralaxe anual dessas estrelas. 97 Galileu tinha perfeitamente presente

o primeiro estudo biográfico sobre ele foi o de PIERRE GASSENDI, Viri illustris Nico/ai C/audii Fabricii de Peiresc, Senatons Aquisextiensis (Paris: Cramoisy, 1641), do qual há uma recente tradução francesa: Vie de Peí­resc, trad. ROGER LAsSALLE e AGNES BRESSON (Paris: Belin, 1992). Sobre a sua relação com GaIHeu, ver: ANTONIO FAVARO, «Nicolas Fabri de Pei­resc», in PAOLO GALUZZI (ed.), Amici e cornspondentí di Galileo, 3 vols. (Firenze: Salimbeni, 1983), voI. 3, pp. 1537-1581, e também CECILIA RIZZA, «Galileo neIla corrispondenza di Peireso), Studi Francesi, 5 (1961) 433-451. Ver ainda: PIERRE HUMBERT, Un Amateur, Peimc, 1580-1637 (Paris: Desclée de Brouwer, 1933); SEYMOUR L. ClIAPIN, «The astrono­mical activiries of Nicolas Claude Fabri de Peireso>, !sis, 48 (1957) 13--29; JEAN BERNI:-IARDT et alo Peiresc, ou la passion de connattre. CoIloque de Carpentras, novembre 1987. Textes réunis sous la direcrion de ANNE REINBOLD (Paris: Vrin, 1990); LISA SARASOHN, «Nicolas-Claude Fabri de Peiresc and the patronage of the new science ln the 17d, century», Isis, 84 (1993) 70-90; PETER N. MILLER, Peíresc's Europe: Leaming and Virtue in the Seventeenth Century (New Haven: Yale University Press, 2000). Sobre Hodierna, ver: G. FODERA SERIO, L. INDORATO and P. NASTASI, «G. B. Hodierna's observations of nebulae and his cosmology», Joumal for the History of Astronomy, 16 (1985) 1-36; MARIO PAVONE e MAURI­ZIO TORRINI (eds.), G. B. Hodierna e i! sec% cristaDino. Atti del Con­vegno di Ragusa, 22-24 otrobre 1997 (Firenze: L. S. Olschki, 2002).

97 A paralaxe anual das estrelas é a aparçnte variação na posição das estrelas próximas, relativamente ao fundo de estrelas distantes, ao longo do ano, em virtude do movimento da Terra. É frequente referir-se Robert Hooke (1635-1703) como tendo sido o primeiro a tentar medir a paralaxe com um telescópio, mas isso é incorrecto pois antes dele Gali­leu e Benedetto Castelli, entre outros, já o haviam tentado, como se explica aqui. Hooke, no seu An Attempt to Prove the Motion of the Earth from Observations (London: 1674) refere as dificuldades em aceitar o copernicianismo e a necessidade de um "experimentum crueis". Os ângulos de paralaxe são muito mais pequenos do que se· pensava no século XVlI (a Proxima centauri tem uma paralaxe da ordem dos 0,78 segundos de arco) e só foram medidos pela primeira v<::z em 1838 por Friederich WIlhem Bessel (1784-1846), com a determinação de um ângulo de paralaxe de 0,313 segundos de arco da estrela 61-Cygni; in: «Bestimmung der Entfernung des 61"eo Sterns des Schwans», Astronomis­che Nachrichten, 16 (1838) 65-96.

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a importância da observação de paralaxe estelar, o que seria uma confirmação indiscutível do movimento anual da Terra e, portanto, do copernicianismo. Na sua correspondência com Kepler, depois de, em Agosto de 1597, lhe confidenciar que era copernicano "há já muitos anos", o matemático alemão res­pondeu, a 13 de Outubro de 1597, instando-o a medir a para­laxe estelar (Opere, X, 68-71). Quando, a partir de finais de 1609, conseguiu ter telescópios adequados, seria naturalíssimo que tivesse tentado fazer essas medições cruciais. Aliás, alguns contemporâneos julgaram, em Julho de 1610, que a comoção em torno do Sidereus Nuncius se devia ao facto de Galileu ter medido a paralaxe estelar, provando assim a veracidade da teo­ria heliocêntrica (Opere, Xl, 133-136). Todavia, não o fez, nem deu notícia de o ter tentado nos meses que antecederam a publicação do Sidereus Nuncius, sendo o livro completamente omisso quanto a esta medição crucial.

Os desenvolvimentos principais relativamente a este assunto ocorreriam já após a publicação do livro.98 Em 23 de Julho de 1611, um correspondente, Giovanni Lodovico Ram­poni, escrevia a Galileu explicando um método engenhoso para medir a paralaxe a partir da observação de estrelas muito pró­ximas (Opere, Xl, 159-162). Nos anos seguintes, sobretudo em companhia do seu discípulo e amigo Benedetto Castelli (I 578--1643), Galileu envolveu-se em várias tentativas para medir a paralaxe. Estava persuadido de que o valor do ângulo de para­laxe, se bem que diminuto, estava ao alcance dos seus melho­res telescópios, mas acabou por constatar que isso não era pos­síveL No Dialogo sopra i due massimi sistemi deI mondo (1632),

98 Vide HARALD SIEBERT, «The early search for stellar parallax: Galileo, CasteIli. and Ramponi». Journal for the History o[ Astronomy, 36 (2005) 251-271. Para um desenvolvimento maior desta questão veja-se o capítulo 3, «Die Fíxsternparallaxe - Probierstein der Heliozentrik», in HARALD SIEBERT, Die grosse kosmologische Kontroverse. Rekonstruktionsver­suche anhand des Itinerarium exstaticum von Athanasius Kircher SJ (J 602-1680) (Stuttgart: Franz Steiner Verlag, 2006), pp. 155-294.

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pela boca de Salviati, Galileu discutiu longamente a importân­cia da paralaxe anual e o facto de se tratar de um teste crucial para o copernicianismo. No entanto, apesar de explicar como se deveria levar a cabo essa observação (segundo o método pro­posto por Ramponi, mas sem o citar), omitiu completamente o facto de ele próprio se ter dedicado a essas medidas, o que se pode talvez explicar pelo falhanço das suas tentativas (Opere, VII, 399-416).

Os satélites de Júpiter

A mais importante observação astronómica relatada no Sidereus Nuncius é, sem dúvida, a dos satélites de Júpiter, e foi assim que o próprio Galileu a considerou.99 Foi também a observação mais inesperada, pois absolutamente nenhuma teo­ria astronómica do passado, por mais exótica que fosse, tinha alguma vez sugerido a existência de planetas menores rodando em torno dos planetas conhecidos, nem qualquer observação

99 Veja-se como no frontispício do Sidereus Nuncius a observação dos satélites de Júpiter é enfatizada e como, ao longo de todo o texto, essa observação, "que excede imensamente toda a admiracrão", é sempre posta em destaque. Todos os documentos e acontecimentos da vida de Galileu neste período testemunham o lugar único e excepcional que ele atribuiu à descoberta dos satélites de Júpiter. As notas pessoais destas observações estão no famoso Cod. Galileiana 48 da Biblioteca Nazionale Centrale di Firenze. A primeira observação, a 7 de Janeiro de 1610, já foi chamada "possibly the most exciting single manuscript page in the history of science" (in OWEN GINGERICH and ALBERT VAN HELDEN, «From Oçchiale to Printed Page: The Maklng of Galileo's Sidereus Nuncius», Journal for the History of Astronomy, 34 (2003) 251-267, na p. 251). Sobre estas observacrões ver também: ]. MEEUS, «Galileo's first records of ]upiter's satellites», Sky and Telescope, 24 (1%2) 137-139; w. L. ROBINSON, «Galileo on the moons of ]upiter», Annalr of Science, 31 (1974) 165-169; ]OHN ROCHE, «Harriot, Galileo, and ]upiter's sateIlites», Archives Internationales d'Histoire des Sciences, 32 (1982) 9-51.

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tinha fornecido indícios nesse sentido. lOo Galileu declarou que essa descoberta fora uma graça especial que Deus lhe concedera e insistiu sempre que ninguém antes dele tinha alguma vez visto, ou sequer suspeitado da existência desses astros, e que ele fora absolutamente o primeiro a observá-los.

Em Janeiro de 1610, Júpiter estava em condições parti­cularmente favoráveis para ser observado. linha passado a opo­sição, quando estava à menor distância da Terra, e era o astro mais brilhante da noite. 101 Galileu estava seguramente interes­sado em observar o movimento do planeta que, por esses dias, percorria um arco de retrogradação (i.e., de Leste para Oeste).

No dia 7 de Janeiro, observou Júpiter, notando que tinha três pequenas estrelas perto de si, duas para o lado Este e uma para o lado Oeste. Nesse mesmo dia, escrevendo a Antonio de' Mediei, dava a primeira notícia dessa observação curiosa: "questa sera ho veduto Giove accompagnato da 3 stelle fisse totalmente invisibili per la lar picciolezzà' (Opere, X, 277), e num desenho reproduzia a observação. As estrelas encontra­vam-se dispostas ao longo de uma linha recta paralela à eclíp­tica, uma disposição curiosa, mas muito útil para quem queria

100 Recentemente tem-se discutido se os satélites de Júpiter seriam visíveis a ollio nu. Existem confirmações contemporâneas de pessoas com excepcional acuidade visual serem capazes de detectar esses astros à vista desarmada, mas não é crível que alguém tivesse detectado esses planetas antes de saber que eles lá estavam. Sobre os limites de visibilidade, com análise particular da possibilidade de algumas observações galileanas terem sido feitas anteriormente, sem telescópio, ver: BRADLEY E. SCHAE­FER, «Glare and celestial visíbiliry», Publications of the Astronomica/ Society of the Pacific, 103 (1991) 645-660; BRADLEY E. SCHAEFER, «Astronomy and the limics of vision», Vistas in Astronomy, 36 (1993) 311-361.

101 Galileu tinha por hábito fazer as suas observações de preferência ao início da noite, e, de facto, nos primeiros dias de Janeiro de 1610, só Júpiter e Saturno apareciam ao princípio da noite; mas Saturno estava muito baixo, apenas poucos graus acima do horizonte, difícil ou possi­velmente até impossível de avistar. Júpiter, pelo contrário, encontrava-se alto no céu Oriental.

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inspeccionar em detalhe o movimento de Júpiter. No dia 8, contudo, observou que, estranhamente, a disposição dessas pequenas estrelas era diferente. No dia 9, não pôde fazer observações porque estava enevoado, mas no dia 10 voltou a observar que as estrelas se dispunham num arranjo diferente de qualquer um que tivesse visto até então. Galileu concluiu que eram as próprias estrelas que se estavam a deslocar: um com­portamento estranhíssimo.

No dia 13, a perplexidade aumentava, pois surgia agora uma quarta pequena estrela que Galileu não vira anteriormente (devido ao pequeno campo de visão das suas lunetas e ao facto de em dias anteriores alguns dos satélites terem estado quase sobrepostos ou demasiado próximos de Júpiter). Alguns his­toriadores especularam que teria sido a observação de quatro pequenas estrelas que decidira Galileu a dirigir-se aos qua­tro Mediei. 102

Galileu não demorou muitos dias a chegar à conclusão absolutamente surpreendente - de que se tratavam de saté­

lites de Júpiter. A 30 de Janeiro, dava conta, pela primeira vez, desta extraordinária descoberta, numa carta a Belisario Vinta, relatando o seu descobrimento de quatro novos planetas orbi­tando em torno de uma "stella molto grande". Estava tão entu­siasmado com o seu descobrimento e tão preocupado que outra pessoa o pudesse também fazer que, prudentemente, não especificou que a "estrela" em causa se tratava de Júpiter. 103

102 Acerca do momento em que observou o quarto satélite, comen­tou Westfall, talvez com algum cinismo: "Now Galileo was sure he had found what he wanted, a ticket to Florence", RICHARD S. WESTFALL, «Science and patronage: Galileo and the te/escope», !sis, 76 (1985) 11-30, na p. 19.

103 "Ma quello che eccede tutte le meraviglie, ho ritrovati quattro pianeti di nuovo, et osservati li loro movimenri proprii et particolari, dif­ferenti fra di loro et da turti li altri movimenti dell'alrre stelle; et questi nuovi pianeti si muovono intorno ad un alua stella molto grande, non altrimenti che si movino Venere et Meccurio, et per avventura li altri pia­neri conosciuti, intorno ai sole" (Opere, X, 280).

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Galileu designa sempre os novos astros que descobriu por stel/a, pequenas estrelas (stellulae) ou planeta, mas Kepler sugeriu um termo específico, propondo inicialmente circu/a­tores (Opere, X, 337) e, meses depois, numa carta a Galileu em Outubro de 1610, designando-os pela primeira vr:::z como "satélites de Júpiter" (Jovíales satellítes) (Opere, X, 458), termo que usou no título do relatório das suas próprias observações, Narratío de observatís a se quatuor Iovís satellitíbus (1611). Gali­leu, contudo, nunca usou o termo satélite, nem tão pouco luna. 104

No Sidereus Nuncius são relatadas as observações dos saté­lites de Júpiter feitas entre 7 de Janeiro e 2 de Março de 1610, num rotai de 65 observações. Para dar conta deste descobri­mento sensacional e também, sem dúvida, para eliminar possí­veis objecções, Galileu alterou completamente os códigos de representação habituais em astronomia, apresentando as suas observações, dia-a-dia, numa sequência de diagramas: uma apresentação verdadeiramente inovadora, quase cinematográfica, em que a enorme profusão de imagens ilustrando as diferentes posições dos satélites em torno de Júpiter, impõe-se quase dis­pensando mais argumentos, mas simplesmente pelo peso esma­gador da evidência visual.

Não se devem esquecer as dificuldades em observar estes pequenos planetas com instrumentos tão deficientes como os de que Galileu dispunha. No manuscrito original do Sidereus Nuncius Galileu assinalava algumas destas dificuldades dizendo que ainda não havia sido capaz de determinar os períodos des-

104 O termo sateller designa um acompanhante ou pagem de uma pessoa importante. Kepler relatou esses factos na sua Narrario de observa­tis a se quatuor lovis sarillitibus (1611) (Opere, III/I, 185). Há um;t tra­dução francesa do texto de Kepler: Galilée. Le Message Céleste. Traduction complete du Latin en Français, avec des notes, par Jean Peyroux. Suivie de la Dissertation avec le Messager Céleste et de la Narration sur les Satellites de Jupiter de Jean Kepler, traduits pour la premiere fois du Latin en Français (Paris: Blanchard, 1989).

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ses planetas e que ainda não havia sido capaz de os distinguir convenientemente uns dos outros, pois não diferiam significati­vamente em cor ou tamanho (Opere, IIIII, 46), mas depois ris­cou este trecho que na versão impressa acabou. por ser omitido.

Galileu percebeu imediatamente não apenas a importância científica da sua descoberta, mas também as suas potencialida­des na muito desejada aproximação à corte dos Mediei, e, como explicaremos mais adiante, decidiu dedicá-la a Cosme II. A meio de Fevereiro, enquando ainda fazia observações, entrou em contacto com Belisario Vinta, o Secretário de Estado da corte toscana, para se informar do melhor modo de levar a efeito esta dedicação.

Ciente da excepcionalidade destas observações e da rela­tiva fucilidade em as fàzer, para quem possuísse um telescópio de qualidade aceitável, Galileu foi extremamente cauteloso na divulgação destas notícias. Nas primeiras folhas manuscritas que deixou ao impressor havia apenas menção de grandes des­cobertas e de novas "Cosmica Sydera", mas nenhuma revelação de que circulavam nas vizinhanças de Júpiter e durante algu­mas semanas a sua correspondência revela que, embora fosse dando a saber que descobrira novos astros, nunca fala de Júpiter.

Após a publicação do Siderem Nuncius, Galileu continuou a estudar intensamente o movimento destes satélites, com o objectivo de determinar os seus períodos sinódicos, num traba­lho que é um monumento de genialidade científica, quer do ponto de vista teórico, quer do ponto de vista da dificuldade das observações por ele levadas a cabo. lO) Em 1612, conseguiu

105 O assunto não pode ser aqui analisado em detalhe. A sensacio­nal descoberta na Biblioteca do Palazzo Pitti. no final do século XIX. p~r

Eugenio A1beri, dos manuscritos com as observações e os cálculos de Galileu para determinar os períodos dos satélites de Júpiter alterou com­pletamente o que se pensava ter sido o interesse de Galileu por estes astros. Esses manuscritos estão em Opere, III/2. Veja-se; ST1LLMAN DRAKE, «Galileo and Satellite prediction», Journal for the History o[

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finalmente determinar esses períodos. Publicou imediatamente os resultados, aproveitando para isso o facto de estar a dar aos prelos o Discorso [. .. ] intorno alle cose che stanno in su l'acqua (; che in quella si muovono, um livro que, no entanto, nada tinha a ver com a questão astronómica. 106

Os historiadores concordam em geral que a descoberta dos satélites de Júpiter, esvaziando assim a objecção que pre­tendia negar o movimento da Terra pela impossibilidade de a Lua a acompanhar, foi um facto decisivo na conversão de Gali­leu a um copernicianismo explícito e militante. Para mais,

Astronomy, 10 (1979) 75-95 [também em: STILLMAN DRAKE, Essays on Galileo and the History and Philosophy of Science, selected and introduced by N. M. SWEROLOW and 1: H. LEVERE (Toronto: University ofToronto Press, 1999), vol. 1, pp. 410-429]; JOHN ROCHE, «Harriot, Galileo, and Jupiter's Satellites,>, Archives Intemationa/es d'Histoire des Sciences, 32 (1982) 9-51; SUZANNE DÉBARBAT and CURTIS WILSON, «The Galilean satellites of Jupiter from Galileo to Cassini, Rõmer and Bradley», in R. TATON and C. WILSON (eds.), Planetary Astronomy [rom the Renaissance to the Rise of Astrophysics'yoL 2, Part A: Tjcho Brahe to Newton (Cam­bridge: Cambridge University Press, '1989), pp. 144-157. Impõe-se recor­dar que só haveria mudanças significativas na descrição do sistema joviano a partir de finais do século XIX, com a descoberta de novos saté­lites: Ama/tea (período: 0,498179 dias; diâmetro: 188 km; descoberto por E. Barnard, em 1892), Hima/ia (período: 250,5662 dias; diâmetro: 186 km; descoberto por C. Perrine, em 1904), e Elara (perlodo: 259,6528 dias; diâmetro: 76 km; descoberto por C. Perrine, em 1905). Hoje em dia são conhecidos mais de sessenta e três satélites de Júpiter, identifica­dos por letras romanas segundo a distância a Júpiter.

106 Discorso a Serenissimo Don Cosimo II Gran Duca di Toscana Intomo alie cose che stanno in su l'acqua à ehe in quella si muovono (flo­rença, 1612), in (Opere, N, 57-141). Além de dar a conhecer os perío­dos dos satélites de Júpiter, aí se refere também aos seus "ultimi scopri­menti" de "Saturno tricorporeo e delle mutazioni di figure in Venere, simili a quelle che si veggono nella Luna, insieme con le conseguenze che da quelle dependo no" (Opere, IV, 63). Os valores orbitais modernos, do período (em dias) e do diâmetro (em quiilómetros), dos quatro saté­lites galileanos são: lo (1,7691 ti; 3630 km); Europa (3,5511 ti; 3138 km); Ganímedes (7,1545 ti; 5262 km); Calisto (16,6890 ti; 4800 km).

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quando foi capaz de estabelecer os períodos, deu-se conta de que os satélites mais interiores eram mais rápidos e os mais exteriores mais lentos, exactamente como no sistema coperni­ciano. No Sidereus Nuncius Galileu não desenvolveu em detalhe todos estes argumentos, fazendo apenas notar que os planetas mais interiores têm períodos menores do que os mais exterio­res e usando a comparação entre Júpiter com os seus satélites e a Terra com a Lua para refutar o sistema de Tycho Brahe (sem o nomear). Mas mais tarde, no Dialogo sopra i due massimi sis­temi deI mondo (1632), invocaria as suas observações destes satélites para fundamentar o sistema coperniciano.

Galileu continuou sempre interessado nos satélites de Júpiter, o que o levou a propor um processo de determinação da longitude baseado no seu movimento. Tendo observado pela primeira vez, em 1612, um eclipse de um satélite de Júpiter, deu-se conta de que esses eclipses podiam servir como fenóme­nos capazes de proporcionar uma medição absoluta do tempo e, portanto, um dos ingredientes indispensáveis para a medição da longitude. O princípio era exacto, mas tudo ficava depen­dente da possibilidade de preparar tabelas de eclipses suficien­temente precisas e de fazer observações com o rigor necessário. A partir de 1613, Galileu tentou convencer o governo de Espa­nha da aplicabilidade do método, mas sem grande sucesso. No final da sua vida, retomou estas tentativas, mas agora com o governo dos Países Baixos. IO?

107 O processo, como é evidente, enferma de dificuldades tremen­das, praticamente inultrapassavéis. Para além da necessidade de tabelas dos movimentos dos satélites de Júpiter com grande rigor, a maior difi­culdade prende-se com a própria observação dos satélites. Com os defi­cientes telescópios de então (em especial com campos de visão muito limitados), a que se juntariam os balanços do mar, seria praticamente ~

impossível fazer observações de rigor aceitável. A história das tentativas de Galileu e das suas negociações com os governos espanhóis e holande-ses pode ler-se em diversos estudos: SILVIO A. BEDINI, The Pulse o/ Time: Galileo, the Determination o/ Longitude, and the Pendulum Clock (Flo­rence: Leo S. Olschki, 1991), pp. 7-21; GEERT VANPAEMEL, «Science

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No ano de 1614, Simon Mayr [Marius] (1570-1624) publicava em Nuremberga uma obra intitulada Mundus Iovialis anno MDC.IX Detectus Ope Perspicilli Belgici onde reclamava ter observado os satélites de Júpiter desde finais de Novembro de 1609, começando a registar sistematicamente as suas posi­ções a partir de 29 de Dezembro de 1609. Galileu publicou uma refutação devastadora no II Saggiatore (1623), mas hoje em dia é muito difíCil apurar quem tinha razão. lOS Num aspecto, contudo, Marius saiu vencedor, pois a designação «estrelas de Mediei» foi rapidamente abandonada, em favor da designação de inspiração clássica de lo, Europa, Ganimede, Calisto que Marius propusera no Mundus Iovialis .

. Disdained: Galileo and the Problem of Longitude», in C. S. MAFFEOLl and L. C. PALM (eds.), Italian Scientists ln the Low Countries ln the XVIlth and XVJIlth Cmturies (Amsterdam: Rodopi, 1989), pp. 111-129; ALBERT VAN HELDEN, "Longitude and the Satellites of Jupiter», in WIL­LIAM J. H. ANDREWES (ed.), The Quest for Longitude (Cambridge, Mass.: Harvard University, 19%), pp. 86-100; JESOS SANCHEZ NAVARRO, «El juego de la imaginación. Galileo y la longitud», in: JOSÉ MONTESINOS y CARLOS SOLtS (eds.), Largo Campo di Filosofare. Eurosymposium Galileo 2001 (La Orotava: Fundación Canaria Orotava de la Historia de la Ciencia, 2001), pp. 61-83.

108 Entre outros aspectos, Galileu notara que, como Marius usava o calendário Juliano, o seu dia 29 de Dezembro correspondia a 8 de Janeiro no calendário gregoriano, ou seja, um dia depois da primeira observação dos satélites de Júpiter pelo próprio Galileu. Acerca desta polémica, veja-se: J. H. JOHNSON, «The Discovery of the First Four Satellítes of jupiter», Journal o[ the British Astronomical Association, 41 (1930-31) 164-171; PIETRO PAGNINI, «Galileo and Simon Mayer», Jour­nal o[ the British Astronomical Association,41 (1930-31) 415-422 ; EDWARD ROSEN, «Mayr (Marius), Simon», Dictionary o[ Scientific Bio­graphy, 16 vols. (New York : Charles Scribner's Sons, 1970-1980), vol. 9, pp. 248-248. Pode encontrar-se uma tradução inglesa (parcial) do Mun­dus Jovialis, em: A. O. PRICKARD, «The 'Mundus Jovialis' of Simon Marius», The ObserVatory, 39 (1916) 367-381,403-412, 443-452, 498--504.

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A escrita do Sidereus Nuncius e a ligação aos Mediei

Quase se poderia dizer que o Sídereus Nuncius constituiu a estreia de Galileu na publicação de obras científicas, pois antes dele apenas havia dado aos prelos em 1606 - numa edi~ ção limitadíssima e que só se vendia em sua própria casa -um pequeno opúsculo sobre um instrumento matemático designado por "compasso geométrico e militar" 109.

A escrita e publicação do Sidereus Nuncius foi muito rápida, quase de impulso. Não existem indicações que levem a concluir que, durante o ano de 1609, Galileu tivesse qualquer intenção de publicar um livro sobre as suas observações astro­nómicas. O facto que o fez subitamente tomar essa resolução foi a conclusão de que Júpiter era circundado por satélites, conclusão a que chegou poucos dias depois de uma primeira observação, a 7 de Janeiro de 1610, de três pequenas estrelas em torno do planeta. Numa carta que escreveu nesse mesmo dia fez um resumo das observações que já tinha feito, mas não deu indicação de pretender vir a escrever qualquer livro (Opere, X, 273-278). Contudo, os manuscritos com as notas das obser~ vações feitas poucos dias depois apresentam uma curiosa mudança que parece mostrar o dia preciso em que essa resolu~ ção se materializou: nas notas de observações do dia 15 de Janeiro, Galileu deixou de tomar apontamentos em italiano, passando a escrever em latim, para assim parece - depois redigir de maneira mais expedita o seu livro.

A redacção do Sidereus Nuncius terá então começado em meados de Janeiro, e em finais do mês o livro estava muito

109 Le Operazioni dei Compasso Geometrico e Militare (Pádua, 1606),

que se encontra in: (Operr, II, 363-424). Veja-se a edição inglesa, com

um importante estudo: GALlLEO GALlLEI, Operations of the Geometric and

Militar} Compass, translated, with an introduction by STILLMAN DRAKE

(Washington: Smithsonian InstitutÍon Press, 1978).

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adiantado, quase pronto. lIO No dia 30 de Janeiro, Galileu encontrava-se em Veneza para tratar já da impressão da obra, escrevendo então a Belisario Vinta:

lo mi trovo al presente in Venezia per fare stampare akune osservazioni le quali cal mezo di uno mio occhiale ho fatte ne i corpi celesti; et si come sono di infinito stu­pore, cosi infinitamente rendo grazie a Dia, che si sai compiaciuto di far me solo primo osservatore di cosa ammiranda et tenuta a tutti i secaI i oculta (Opere, X, 280-281).

Nas semanas seguintes, enquanto fazia ainda apuramentos no texto e se ocupava da importante questão das figuras, Gali­leu tratava de chegar a um acordo com o impressor. Embora Veneza fosse desde há muito um grande centro da indústria tipográfica e livreira, acabaria por entregar a impressão a Tom­maso Baglioni, um tipógrafo a quem já confiara, em 1607, a impressão da Difesa [. .. } contro alle calunnie [. .. } di Baldassar Capra, mas que tinha na altura uma fama ainda relativamente modesta. 111

Foi também nessa semana que, por intermédio de Vinta, sondou os Mediei acerca da possibilidade de o livro lhes ser dedicado, pondo em marcha os passos mais decisivos na sua

110 Sobre o processo de redacção do livro pode ver-se em especial o trabalho de OWEN GINGERICH e ALBERT VAN HELDEN, «From Occhíale to Printed Page: The Making of Galileo's Sidereus NunciUJ», Journal for the History 01 Astronomy, 34 (2003) 251-267.

III Diftsa di Galileo Galilei nobile fiorentino, Lettore di Matematiche nello Studio di Padoua contro alie Calunnie ed imposture di Baldassar Capra Milanese (ln Venetia, Tomaso Baglioni, 1607) encontra-se em Opere, II, 515-601. Sobre Baglioni veja-se: A. CIONI, «Baglioni, Tom­maso», in Dizionario Biograftco degli Italiani (Roma: lstituto della Enci­clopedia Italiana, 1963), vol. V, p. 249. A casa Baglioni viria a ganhar depois grande notoriedade, quando liderada por Paolo, o filho de Tom­maso.

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aproximação à corte do Grão-Ducado da Toscana. lI2 A ligação de Galileu à família Mediei tinha já alguns anos; fora tutor de matemática do jovem Cosme, tendo passado várias temporadas na corte toscana: quase todo o Verão de 1605 (Opere, X, 144--145), algumas semanas em Outubro de 1606 (Opere, X, 158-162), e quase todo o Verão de 1608 tOpere, X, 214-215). Em 1606, dedicara a Cosme o seu Le Operazioni dei compasso geometrico et militare (Padova, 1606)113 e em Setembro de 1608, aquando do casamento de Cosme e Maria Madalena de Áustria, havia escrito à Grã-Duquesa Cristina propondo uma nova representação heráldica. Mas, apesar de todo o empenho colocado por Galileu, que nunca escondeu o seu desejo de regressar a Florença, abandonando a Universidade de Pádua, estas aproximações não tiveram qualquer efeito duradouro.

Em 1609, Cosme sucedia a seu pai, Fernando I, ascen­dendo ao cargo de quarto Grão-Duque da Toscana, o que abria novas possibilidades. Galileu não estava particularmente feliz com a sua situação na Universidade de Pádua e, como vimos, uma das primeiras coisas que fez após se ter dado conta do potencial do telescópio havia sido a tentativa, no Verão de 1609, junto do Senado de Veneza, de melhorar as condições contratuais que o ligavam à Universidade de Pádua. O resul-

112 PAOLO GALLUZZI, .xIl mecenatismo mediceo e le scienze», in C. VASOLI (ed.), Idee, istituzioni, scienza ed arti nella f:<"irenze dei Medici (Firenze, 1980), pp. 189-215; RICHARD S. WESTI'ALL, "Science and patronage: Galileo and the telescope», Isis, 76 (1985) 11-30; MARIO BlA­GIOLl, «Galileo the Emblem Maken" Isis, 81 (1990) 230-258; MARIO BlAGIOLl, «Galileo's System of Patronage», History 01 Science, 28 (1990) 1-62, e, sobretudo: MARIO BlAGIOLl, Galileo Courtier: The Practice 01 Science in the Culture 01 Absolutism (Chicago and London: The Univer­sity of Chicago Press, 1993). [Tradução portuguesa: Galileu Cortesão. A Prática da Ciência na Cultura do Absolutismo, trad. por Ana Sampaio (Porto: Porro Editora, 2003)J.

113 Vide a dedicatória a Cosme, em Opere, II, 367-368, que deve ser comparada com a dedicatória do Sidereus Nuncius, também a Cosme, mas quando este já era Grão-Duque.

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tado deste esforço, apesar de favorável, não havia agradado inteiramente a Galileu, que terá certamente pensado em melhores alternativas, possivelmente em Florença.

Mas o que alteraria completamente os acontecimentos seria a extraordinária descoberta de satélites em torno de Júpi­ter, no início de Janeiro de 1610 e a decisão, tomada poucos dias depois, de escrever um livro relatando esses factos notáveis. A 30 de Janeiro de 1610, escreveu um breve relatório das suas descobertas, que enviou à Corte dos Mediei (Opere, X, 280--281), iniciando assim um processo de aproximação que culmi­naria com a dedicatória do Sidereus Nuncius a Cosme II e o baptismo dos satélites como "estrelas mediceias".

A 13 de Fevereiro, isto é, pouco mais de um mês depois de ter observado pela primeira vez um dos novos corpos celes­tes, Galileu escrevia a Belisario Vinta dando a conhecer a sua intenção de baptizar os noyos planetas com um nome relacio­nado com os Medici e pedindo o parecer sobre qual a melhor designação a atribuir às luas de Júpiter. Galileu hesitava entre Cosmica Sydera, em honra de Cosme, e Medicea Sydera, em homenagem a toda a família (Opere, X, 283). Poucos dias depois, Vinta respondia dizendo que a designação Cosmica deveria ser evitada por causa da ambiguidade que poderia cau­sar (entre Cosme e cosmos), e que a designação Medicea Sydera deveria ser usada (Opere, X, 284-285). Mas Galileu, que vivia estes dias em estado quase febril de emoção, não esperara pela resposta e já mandara imprimir a parte inicial da obra que abria com um título que dizia "Cosmica Sydera" (fuI. 5). Não houve mais remédio senão colar uma tira de papel com o nome cor­rigido, Medicea, em todos os exemplares que foi possível.

O nome dos Mediei ficava assim para sempre ligado às mais importantes descobertas observacionais da história da astronomia, e Galileu seria recompensado com a nomeação de matemático e filósofo da corte florentina. A importância desta ligação estreita aos Mediei não deve ser diminuída, e não somente porque as condições materiais passariam a ser muito mais favoráveis, permitindo a Galileu o sossego suficiente para se dedicar às suas investigações. Como o historiador Robert

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Westman fez notar já há alguns anos, a elevada distinção social associada ao cargo de matemático e filósofo particular dos Medici viria a ter repercussões muito mais profundas, já que o baixo estatuto disciplinar das matemáticas aplicadas, como a astronomia, a óptica e a mecânica, haviam constituído um dos principais, se não mesmo o principal, obstáculo para a legiti­mação epistemológica do copernicianismo.1I4 Consciente ou não de todas estas implicações, quando Galileu decidiu dedicar as luas de Júpiter à célebre família florentina, estava a tomar um dos mais importantes passos na divulgação do copernicianismo.

A impressão foi febril. Entre o dia em que Galileu pela primeira vez entregou texto manuscrito ao impressor e a saída da obra dos prelos decorreram apenas seis semanas, e o pro­cesso foi tudo menos sereno, com várias adições de material e alterações de última hora. O próprio Galileu, numa carta a Belisario Vinta, desculpava-se de o livro não ter saído com o aprumo que o assunto merecia devido à urgência em o publi­car, revelando que o Sidereus Nuncius estava ainda a ser escrito quando as partes iniciais estavam já a ser impressas, com receio de que outra pessoa o pudesse ultrapassar na descoberta e divulgação dessas notícias (Opere, X, 300). De facto, decidiu, à última hora, incluir algumas coisas (por exemplo, os cálculos sobre a altura das montanhas da Lua) e outras partes foram introduzidas quando o livro já se encontrava a imprimir (parte do texto sobre as estrelas fixas, entre foI. 16ve foI. 17r), aca­bando toda a montagem tipográfica do livro por revelar algum desacerto. 1l5

114 ROBERT S. WESTMAN, «The astronomer's role in the sixteenth century. A preliminary study». History 01 Science, 18 (I980) 105-147.

115 Desacerto que o leitor mais interessado pode confirmar com um exame do facsimile que acompanha a presente edição. Para além dos pro­blemas de paginação e na ordenação dos cadernos causados pela introdu­ção tardia de algumas páginas, que os bibliógrafos já apontaram, note-se ainda como na página final o impressor foi obrigado a usar muitas abre­viaturas, para que o texto não excedesse o espaço disponível. Omitimos uma descrição bibliográfica mais exaustíva do Sidereus Nuncius, que o lei­tor encontrará facilmente na literatura da especialidade.

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o corpo do livro estava praticamente todo impresso em meados de Fevereiro e por essas datas Galileu começou a ocupar-se das derradeiras questões administrativas, das autoriza­ções e das páginas de abertura, que o tipógrafo foi apressada­mente imprimindo à medida que lhe eram entregues. A 26 de Fevereiro, os Riflrmatori do Estudo de Pádua, encarregues de examinar a obra, comunicavam ao Conselho dos Dez não ter objecções à publicação da obra - que é designada nestes documentos por Astronomica Denuntiatio ad Astrologos (Opere, XIX, 227) - e passados poucos dias, a 1 de Março, o mesmo Conselho dos Dez concedeu a necessária autorização de publica­ção (Opere, XIX, 227-228).

A dedicatória foi datada de 12 de Março e nesse mesmo dia, ou no seguinte, Galileu tinha nas mãos um primeiro exemplar, ainda sem acabamentos, da sua extraordinária obra. 116

No dia l3 de Março de 1610, o Sidereus Nuncius estava final­mente disponível para o público.

Com o livro nas mãos, Galileu iniciou o que viria a ser uma enorme e bem planeada campanha de divulgação. Mas, antes de mais nada, era urgente selar as relações com os Mediei. No próprio dia em que o livro era publicado escreveu ao Grão-Duque oferecendo-se para levar um telescópio (Opere, X, 289). Galileu não tinha agora grandes dúvidas de que con­seguiria o ambicionado lugar na corte do Grão-Duque e tra­tava já dos últimos detalhes. Um dos mais importantes era a

116 A dedicatória a Cosme II é um texto complexo, cheio de alu­sões implícitas e um rico subtexto, tudo envolvido numa linguagem astrológica. Darrel Rutkin argumentou que Galileu se terá inspirado na dedicatória de Kepler ao imperador Rudolfo II que abre a Astronomia nova (1609), e que, por sua vez, Kepler se inspirara em textos análogos de Tycho Brahe. Vide H. DARREL RUTKIN, «Celestial Offerings: Astrolo­gical Motifs in the Dedicatory Letters of Kepler's Astronomia Nova and Galileo's Sidereus NunciUSl>, in W. NEWMAN and A. GRAFTON (ed.), Secrets 01 Nature, Astrology and ALchemy in Early Modem Europe (Cam­bridge, Mass.: The MIT Press, 2001), pp. 133-172.

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sua designação precisa, que Galileu sempre insistiu que incluísse, além de matemático, também o título de filósofo. A 7 de Maio de 1610, escrevia a Belisario Vinta, recordando a necessidade imperiosa de adicionar o título de filósofo natural, oferecendo a justificação, pouco convincente, de ter gasto muitO mais tempo a estudar filosofia do que matemática. 117 A razão verdadeira era mais profunda, mas mais difícil de expli­car. Apesar de toda a sua desconfiança, e até aversão, pelos filó­sofos e pelos estudos filosóficos, Galileu sabia bem que, só como matemático, dificilmente teria credibilidade e autoridade suficientes para a campanha coperniciana que planeava ini­ciar. IIB

Em Julho de 1610 estavam finalmente definidas as condi­ções contratuais que ligariam Galileu à corte dos Medici. Essas condições eram o melhor que se poderia esperar: Galileu seria professor de matemática na Universidade de Pisa, mas sem obrigação de dar aulas ou sequer de residir em Pisa, e seria o filósofo e matemático do Grão-Duque, com um vencimento anual de 1000 scudi florentinos. Resolvidas algumas questões domésticas - que incluíram o abandono de Marina Gamba, a mulher que em Pádua lhe dera três filhos, mas que, presumi-

117 "quanto ai titolo et preresto dei mio seCVIZlO, io desidererei, oltre ai nome di Matemarico, che S. A. cí aggiugnesse quello di Filosofo, professando io di havere studiato piu anni in filosofia, che mesi in mate­matica purà' (Opere, X, 353).

118 Para além disso, sabe-se também que Galileu, tal como Kepler, questionou a tradicional separação entre filósofos e astrónomos (ou mate­máticos), o que pode também estar em jogo na sua exigência do título de matemático e filósofo. Galileu aborda esta questão, explícita ou impli­citamente, em vários dos seus textos. Por exemplo, no Dialogo referiu-se ao que devia fazer um "astrónomo filósofó', por oposição ao que se espe­rava de um "astrónomo puro calculator" (Opere. VII, 369). Esta redefini­ção do programa da astronomia - pois é disso que se trata - iniciada por Galileu e Kepler, não pode ser mais do que indicada aqui, já que as suas ramificações são muito mais complexas e profundas do que tem cabimento tratar neste local.

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velmente, Galileu não considerava companhia adequada para o ambiente sofisticado da corte florentina1l9 - ficou tudo pronto para a mudança. No dia 7 de Setembro de 1610, Gali­leu partia de Pádua, chegando a Florença a 12 de Setembro de 1610.

Observações posteriores ao Sidereus Nuncius

A publicação do Sidereus Nuncius não fez com que Gali­leu abrandasse a sua dedicação à astronomia e a intensidade com que estudava os céus com o telescópio. Bem pelo contrá­rio. Em certo sentido pode até dizer-se que as mais importan­tes descobertas viriam a ser feitas depois, e que, quando não se tratou de novas descobertas, foram pelo menos importantes precisões e desenvolvimentos de observações feitas anterior­mente. 120

Saturno tricorpóreo

A 25 de Julho de 1610, Galileu fez a descoberta de mais uma "stravagan tissima meraviglia". Observando o planeta Saturno com o telescópio, constatou que parecia um astro grande ladeado por duas pequenas estrelas, uma de cada lado, muito próximas ou mesmo pegadas a ele, e que não se mOVIam: uma configuração que depois ficou conhecida como

119 As duas filhas, Virginia (n. 1600) e Livia (n. 1601) foram com Galileu para Florença, tendo o filho Vincenzo (n. 1606) ficado com a mãe por ser muito pequeno, até que, anos mais tarde, em 1613, Galileu também o mandou buscar.

120 Galileu foi noticiando várias destas descobertas em cartas e outros textos e pela primeira vez em letra de forma, de maneira muito breve, no prefácio do Delie cose che stanno in su l'acqua, em 1612 (Opere, IV, 63).

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"Saturno tricorpóreo". Sabemos hoje que se trata do facto de Saturno estar rodeado por um anel, mas que Galileu não pôde observar nitidamente.

Esta descoberta vinha mesmo a calhar, pois embora ainda não tivesse entrado formalmente ao serviço do Grão-Duque, Galileu sentia já a pressão em cumprir o que havia prometido, apresentando novas e admiráveis nodcias dos céus. Poucos dias depois (a 30 de Julho), escreveu a Belisario Vinta relatando estes factos extraordinários e desenhando a configuração obser- . vada, mas pedindo o maior segredo (Opere, X, 409-410). Para garantir a sua prioridade, Galileu transmitiu também a desco­berta a alguns astrónomos, entre os quais Kepler, na forma de um anagrama. 121

Só a 13 Novembro, numa carta a Giuliano de' Mediei, Galileu esclareceu o anagrama, que devia ler-se: altissimum pla­netam tergeminum observa vi, ("observei o planeta mais alto [= Saturno) tricorpóreo"). Explicava também, nessa carta, as observações que havia feito, avisando que, se Saturno fosse observado com telescópios de fraca qualidade, a sua real confi-

121 Devemos o conhecimento destes acontecimentos ao que Kepler narra acerca deles na sua Narratio de observa tis a se quatuor [ovis satteliti­bis (1611) (Opere, I1I1I, 185) e depois, mais detalhadamente, no impor­tante prefácio, «ln Dioptricen praefatio de usu et praestantia perspicilli nuper inventi deque Novis coelestibus per id detectis», nas pp. 1-28 da Dioptrice seu demonstratio e01-um quae visui et visibilibus propter Conspi­cili4 non ita pridem inventa accidunt (Augsburg, 1611); a parte relativa a Saturno está nas pp. 15-16. Como explica, Kepler recebeu de Galileu o anagrama: $ m a is m r m i I m e p o e t a I e u mi b une n ugt t a u i r a $, que resolveu na forma: Salve umbistineum geminatum Martia proles [= Salve, dupla companhia, filhos de Marte], ficando assim con­vencido (erradamente) de que Galileu anunciava a descoberta de satélites de Marte. A Dioptrice encontra-se no voI. IV de Johannes Kepler Gesam­melte ~rke. Pode encontrar-se uma tradução inglesa de parte do prefácio em: The Sidereal Messenger of Galileo Galilei: and a Part of the Prefoce to Kepler~ Dioptrics, te. EDWARD STAFFORD CARLOS (London: Rivingrons, 1880; reprinted, London: Dawsons of Pall Mail, 1%0), pp. 77-111.

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guração não se observaria, parecendo apenas um astro oblongo (Opere, X, 474) - exactamente como alguns dos seus contem­porâneos o iriam ver.

Tudo isto era verdadeiramente sensacional, mas estavam guardadas ainda mais surpresas. No final de 1612, ao observar de novo Saturno, constatou que a configuração havia mudado: agora não se avistavam as pequenas "estrelas" dos seus lados. Galileu, que havia dedicado ao assunto certamente muitas horas de reflexão e observação predisse, no entanto, que elas reapareceriam no ano de 1613 (Opere, V, 237). Realmente, nesse ano de novo se voltaram a ver os dois pequenos astros que ladeavam Saturno, mas ficava lançado o problema aos astrónomos: o que eram estas configurações mutáveis de Saturno? A questão consistia, no essencial, em saber qual das duas possibilidades era a verdadeira: se Saturno era esférico e estava rodeado de dois pequenos planetas, ou se o próprio Saturno era tricorpóreo. O assunto era de tal modo intrigante que Galileu não o podia abandonar, mas o mistério iria aden­sar-se ainda mais. Com efeito, no Verão de 1616, observou que a sua forma tinha mudado, parecendo agora que dos lados do corpo de Saturno saiam duas alças ou pegas, numa confi­guração que passou então a designar por ansae (pegas) (Opere, XII, 276).122 Galileu continuou a observar e a desenhar a forma de Saturno ao longo dos anos. Em 1623, no II Saggia­tore apresenta um diagrama de Saturno na configuração com pegas (Opere, VI, 361), e em 1640, já perto do final da sua vida, escrevia a Benedetto Castelli relatando as suas observações (Opere, XVIII, 238-239).

122 Sobre as observações de Saturno ver em particular: ANTONIO

FAVARO, «lutorno alIa apparenza di Saturno osservata da Galileo GalHei nell'Agosto dell'anno 1616», Atti dei Reale Istítuto l&ncto di Scicnze, Let­tere ed Arti, 9 (1900-1901), parte II, 415-432; A VAN HELDEN, «Saturn and his anses», Journal for the History 01 Astronomy. 5 (1974) 105-121; A VAN HELDEN, «'Annulo Cingitur': The solution of the problem of Saturn», Journal for the History 01 Astronomy. 5 (1974) 155-174.

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o problema, entretanto, já havia atraído a atenção de outros, como Gassendi e Francesco Fontana, e, depois, a partir dos anos quarenta, muitos outros, como Bouilliau, Hevelius, Riccioli e Grimaldi, juntar-se-iam às observações sistemáticas e ao estudo da forma de Saturno. Galileu suspeitara que estas estranhas configurações de Saturno tivessem que ver com o ali­nhamento entre o planeta e a Terra, mas o enigma só seria cla­rificado com o esclarecimento definitivo da existência de um anel em redor de Saturno, algumas décadas depois, por Chris­tiaan Huygens (l629-1695), nas suas obras De Saturni tuna observatio nova (den Haag, 1656) e Systema Saturnium, sive de causis mirandorum Saturni Phanenomenon, et comite ejus planeta novo (den Haag, 1659) e, ainda mais tarde, quando Jean Dominique [Giovani Domenico] Cassini (1625-1712), em 1675, notou que esse anel era duplo.123

Fases de Vénus

Observando Vénus com o telescópio, entre Outubro e Dezembro de 1610, Galileu deu-se conta de que o planeta exi­bia um ciclo de fases muito semelhante ao da Lua, passando de Vénus crescente a Vénus cheio. A descoberta era de inte­resse excepcional pois permitia decidir entre os vários sistemas cosmológicos conhecidos na altura. Para além do antigo sis­tema geocêntrico de Ptolomeu e da bem conhecida proposta heliocêntrica de Copérnico apresentada em 1543, o dinamar-

123 Vide WALTER OBERSCHELP und REINHARD OBERSCHELP, «Cas­sini, Campani und der Saturnring», in JÜRGEN HAMEL, INGE KEIL (eds.), Der Meister und die Fernrohre. Das Wechselspiel zwischen Astronomie und Optik in der Geschichte [= Acta Historica Astronomiae, vol. 33] (Frank­furt am Main: Harri Deutsch, 2007), pp. 164-184. As duas obras de Huygens referidas estão no vol. 15 das Oeuvres Completes de Christian Huygens publiées par la Société Hollandaise des Sciences, 22 vols. (La Haye: M. Nijhoff, 1888-1950).

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quês Tycho Brahe (1546-1601) havia sugerido, no seu livro De mundi aetherei recentioribus phaenomenis, publicado em 1588, um arranjo cosmológico que mantinha a Terra imóvel no cen­tro do universo e o Sol rodando em torno dela, mas com todos os planetas orbitando em torno do Sol. Este sistema tinha as vantagens de manter a imobilidade da Terra, sendo, ao mesmo tempo, do ponto de vista cinemático, completamente equivalente ao heliocentrismo de Copérnico.124

No sistema de Ptolomeu, Vénus apareceria sempre como um crescente, de maior ou menor tamanho, quando visto da Terra - se se considerasse, como era o mais habitual, que estava abaixo do Sol. Se, por outro lado, se achasse que estava acima do Sol, apareceria sempre como um disco. Porém, se Vénus circulasse em torno do Sol - como acontece no modelo de Copérnico e de Tycho Brahe -, apresentaria um ciclo de fases completo, passando de um crescente para um disco (Vénus cheio), à semelhança das fases exibidas pela Lua. O próprio Copérnico, no início do capítulo lOdo livro I do De revo/utioníbus se referira à diferente aparência de Vénus

124 De Mundi Aetherei Recentioribus Phaenomenis Liber Secundus (...), Uraniburgi, 1588. Pode encontrar-se no Tomo IV de: 1jchonis Brahe Dani Opera Omnia, edidit L L. E. DREYER, 15 vok (Hanniae, in Libraria Gyldendaliana, 1913-1929) [reimpr. fac-sim: (Amsterdam: Swets & Zeitlinger, 1972)]. Tycho Brahe parece ter trabalhado neste modelo desde 1577, dando-lhe a sua formulação final por volta de 1583-84, e publicando-o em 1588. Embora a publicação regular do De Mundi Aetherei só viesse a aconrecer a partir de 1603, desde 1588 que circula­vam alguns exemplares e que o novo modelo cosmológico era conhecido. O estudo biográfico clássico sobre o astrónomo dinamarquês é J. L. E. DREYER, 1jcho Brahe: A Picture of Scientific Life and Work in the Six­teenth Century (Edinburgh: Adam and Charles Black, 1890), hoje em dia completemenrado pelo de VICTOR THOREN, The Lord of Uraniborg. A biography of1jcho Brahe (Cambridge: Cambridge University Press, 1990). É também importante o livro de JOHN ROBERT CHRISTlANSON, On 1jcho's Island. 1jcho Brahe and His Assistants, 1570-1601 (Cambridge: Cambridge University Press, 2000).

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dependendo da sua posição relativamente ao Sol. Mas Copér­nico, sem telescópio, não tinha qualquer possibilidade de observar a face de Vénus.

Quando Galileu observou Vénus com um telescópio, constatou que o planeta exibia ao longo dos dias um ciclo de fases completo, passando de Vénus crescente a Vénus cheio. Ficava assim demonstrado que Vénus circulava em torno do Sol: um resultado excepcionalmente importante, que lançava um golpe definitivo no sistema ptolomaico. As duas únicas possibilidades eram agora o ordenamento planetário segundo Copérnico ou segundo Tycho Brahe.

A 1 de Janeiro de 1611, Galileu escreveu a Giuliano de' Medici explicando a extraordinária importância da observação das fases de Vénus que, segundo ele, era dupla: por um lado resolvia uma antiga discussão, confirmando que os planetas não têm luz própria e, por outro, mostrava inequivocamente que Vénus circula em torno do Sol. Galileu omitia qualquer men­ção ao sistema de Tycho Brahe, tornando assim as fases de Vénus num poderosíssimo argumento a favor do copernicia­nismo. 125 De facto, esta observação convertir-se-ia para Galileu talvez no mais poderoso argumento a favor do copernicia­nismo, a tal ponto que, no Dialogo sopra i due massimí sístemi deI mondo (1632), fez o elogio de Copérnico por este ter pro­posto o heliocentrismo mesmo sem observar as fases de Vénus.

A história da descoberta das fases de Vénus gerou uma viva polémica entre os historiadores pois alguns, baseados em certas peculiaridades do desenvolvimento cronológico destes descobrimentos, argumentaram que Galileu teria procedido

125 "dali a quale mirabile esperienza haviamo sensata et certa dimonstrazione di due gran questioni (. .. ). L'una e, che i pianeti mtti sono di loro natura tenebrosi (. .. ); l'altra, che Venere necessariisima­mente si volge intorno ai sole, come anco Mercurio et mtti li altri pia­neti, cosa ben creduta da i Pittagorici, Copernico, Keplero et me, ma non sensatamente provata, come hora in Venere et in Mercurio" (Opere, XI, 12).

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desonestamente, "roubando" a ideia ao seu discípulo Benedetto Castelli. A cronologia dos acontecimentos foi a seguinte. A 11 de Dezembro de 1610, Galileu escreveu a Giuliano de' Mediei, enviando um anagrama que continha a observação de que Vénus apresentava fases tal como a Lua (Opere, X, 483). No final desse ano tornou pública a descoberta, relatando-a a Clá­vio e a Castelli, a 30 de Dezembro (Opere, X, 499-505), e decifrando o anagrama a Giuliano de' Medici, na já men­cionada carta de 1 de Janeiro de 1611 (Opere, XI, 11-12). Sucede, porém, que no dia 5 de Dezembro de 1610, Bene­detto Castelli enviara uma carta a Galileu - carta que este receberia por volta do dia 11 de Dezembro, se não mesmo nesse pr6prio dia -, prevendo as fases de Vénus (Opere, X, 480-482). Embora Galileu viesse a dizer que já tinha feito essas observações "da 3 mesi in quà', alguns historiadores lançaram dúvidas sobre esta afirmação, "acusando-o" de ter usado, sem dar crédito, uma ideia que era originalmente de Castelli. Cer­tos traços da personalidade de Galileu - em particular a sua habitual renitência em dar a outros o crédito devido -- torna­ram plausível esta tese, mas, apesar disso, hoje em dia poucos a subscrevem, sendo consensual que Galileu já observara as fases de Vénus antes que a carta de Castelli lhe tivesse che­gado. 126

126 A tese de uma desonestidade por parte de Galileu nesta impor­tante descoberta é já antiga. Foi proposta pela primeira vez por Raffaello Caverni, ainda no século XIX, e refutada anos depois por Antonio Favaro [ANTONIO FAVARO, «Galileo Galilei, Benedetto Castelli e la scoperta delle fasi di Venere», Archeion, 1 (1919) 283-269}. A acusação foi de novo for­mulada, de maneira mais penineme, por Richard Westfall, num trabalho que gerou alguma polémica [RICHARD WESTFALL, «Science and Patro­nage: Galileo and the Telescope», !sis, 76 (1985) 11-30]. Sobre as obser­vações das fases de Vénus e o debate em torno da verdadeira autoria desta descoberta, veja-se: OWEN GINGERICH, «Galileo and the phases of Venus», Sky and Telescope, 68 (1984) 520-522 [recolhido posteriormente em: O. GINGERICH, The Great Copernicus Chase: and other adventures in astronomical history (Sky Publishing Corp., 1992), pp. 98-104]; STILLMAN

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Manchas solares

Existem registos escritos da observação a olho nu de manchas solares desde o ano 165 a. c., com muitas observa­ções no Extremo Oriente, mas apenas algumas na Europa. 127

DRAKE, «Galileo, Kepler, and phases of Venus», Journal for the History of Astronomy, 15 (1984) 198-208 [também em: STILLMAN DRAKE, Essays on Galiko and the History and Philosophy of Science. Selected and introduced by N. M. SWERDLOW and T H. LEVERE (Toronto: University of Toronto Press, 1999), vol. 1, pp. 396-409.]; OWEN GINGERICH, «The phases of Venus in 1610», Journal for the History of Astronomy, 15 (1984) 209-10; WILUAM T PETERS, «The Appearences of Venus and Mars in 1610», Journal for the History of Astronomy, 15 (1984) 211-214. A última peça contra a tese da desonestidade terá sido o trabalho de PAOLO PALMIERI, «Galileo did nor steal the discovery of Venus' phases. A counter-argu­mem to Westfall», in JosÉ MONTESINOS y CARLos SOLis (eds.), Largo Campo di Filosofore. Eurosymposium Galileo 2001 (La Orotava: Fundación Canaria Orotava de la Historia de la Ciencia, 2001), pp. 433-444, e PAOLO PALMIERI, «GaHleo and the discovery of the phases of Vénus», Journal for the History of Astronomy, 32 (2001) 109-129.

127 Estas observações estão catalogadas em: A D. WITTMANN and Z. T. Xu, «A catalogue of sunspot observations from 165 BC to AD 1684», Astronomy and Astrophysics Supplement Series, 70 (1987) 83-94; K. K. C. YAU and F. R. STEPHENSON, (<A revised catalogue of Far Eas­tern observations of sunspots (165 BC to AD 1918)", Quarter/y Journal Royal Astronomical Society, 29 (1988) 175-197. O assunto da observação de manchas solares no passado distante tem já uma longa história de investigação, com um primeiro estudo por ALEXANDER HOSIE, «(Sunspots and Sun shadows observed in China BC 28 - AD 1617», Journal of the North China Branch, Royal Asiatic Society, 12 (1878) 91-95. Seguiram-se muitos trabalhos, entre os quais assinalamos: GEORGE SARTON, «Early Observations of Sunspots?», [sis, 37 (1947) 69-71; D. M. WlLUS, M. G. EASTERBROOK, and F. R. STEPHENSON, (Seasonal variation of oriental sunspot sightings», Nature, 287 (1980) 617-619; E R. STEPHENSON and D. M. WILLlS, «The earliest drawing of sunspots», Astronomy and Geophysics, 40 (1999) 21-22; J. M. VAQUERO, M. C. GALLEGO, and J. A GARCfA, (A 250-year cyde in naked-eye observations of sunspots», Geophysical Research Lmers, 29 (2002) 1997. Para uma discussão dos

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o seu estudo sistemático e científico, contudo, só foi realizado na Europa a partir de 1609, com o aparecimento do telescó­pio. A questão de quem foi o primeiro europeu a observar manchas solares com telescópio permanece controversa. Não subsistem dúvidas de que a primeira obra impressa sobre o assunto tenha sido o livro de Johannes Fabricius, De maculis in Sole observatis, publicado no Outono de 1611, mas é sabido não ter sido Fabricius o primeiro a observá-las. Galileu e Thomas Harriot observaram manchas em finais de 1610, enquanto Johannes e David Fabcicius as observaram pela pri­meira vez só em Março de 1611.

Galileu mostrou imagens de manchas solares a muitas pessoas em Roma durante a sua viagem em 1611, mas não empreendeu, nessa altura, qualquer estudo sistemático do assunto.128 Só se ocuparia destas observações a partir de Abril

prindpos físicos e astrofísicos associados a estes fenómenos, mas com atenção à história da sua observação veja-se: D. JUSTIN .sCHOVE, Sumpots Cycles (Stroudsburg, PA: Hutchinson Ross, 1983); KUNITOMO SAKURAI, «The Solar Activity in the Time of Galileo», Journal for the History o/ Astronomy, 11 (1980) 164-173, e o recente livro de J. M. VAQUERO and M. V ÁZQUEZ, The Sun Recorded Though History (New York: Sprínger, 2009), em especial o capítulo 2, «Naked-Eye Sunspots», pp. 57-102.

128 BERNARD DAUME, «Galilée et les taches solaires (1610-1613)>>, in Galilée. Aspects de sa vie ct de son t1?uvre (Paris: Presses Universitaires de France, 1968), pp. 186-251. Ver também S. DRAKE, «Sunspots, Sizzi, and Scheiner», in Galileo Studies: Personality, Tradition and Revolution (Ann Arbor: University of Michigan Press, 1970), pp. 177-199: KEITH HUTCHISON, «Sunspots, Galileo, and the Orbit of the Earth», lsis, 81 (1990) 68-74; O capítulo «The significance of the Sunspot Quarrel», em JEAN DIETZ Moss, Nove/ties in the Heavens: Rhetorie and Science in the Copernican Controversy (Chicago: University of Chicago Press, 1993), pp. 97-125; JOHN D. NORTH, «Thomas Harriot and the First Telescopic Observations of Sunspots», in JOHN W. SHIRLEY (ed.), Thomas Harriot: Renaissance Scientist (Oxford: Clarendon Press, 1974), pp. 129-165; WIL­LIAM R. SHEA, «Galileo, Scheiner, and the Interpretation of Sunspots», !sis, 61 (1970) 498-519, e também: WILLIAM R. SHEA, Galileo's InteUec-

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de 1612. Quem já estava a fazer estudos sistemáticos das manchas solares desde Outubro de 1611 era Christoph Schei­ner (1573-1650), um jesuíta professor de matemática em Ingolstadt, que publicou uma obra dedicada exclusivamente ao tema em Janeiro de 1612 : Tres Epistolae de Maculis Solaribus Scriptae ad Marcum Welserum. Quando Galileu recebeu esse livro, com um pedido para que expressasse a sua opinião, encontrava-se doente e ocupado com a publicação do Discorso [ .. } intomo alle cose che stanno in su l'acqua, e só alguns meses depois teve oportunidade de investigar em detalhe com o seu discípulo Benedetto Castelli. Scheiner defendera que as man­chas eram devidas ao trânsito de satélites em torno do Sol, ao passo que Galileu, embora sem ter a certeza do que se tratava, explicou que as manchas estavam localizadas na superfície do Sol.

A breve trecho envolveram-se numa polémica famosa durante o ano de 1612 que culminaria com a publicação, no Verão de 1613, das três cartas de Galileu que, em certa medida, assinalam o fim da polémica. Galileu só voltaria ao assunto anos depois no II Saggiatore (1623), mas, entretanto, Scheiner tinha prosseguido e aumentado as suas investigações, publicando entre 1626 e 1630 a Rosa Ursina, uma verdadeira enciclopédia do assunto.

tua/ Revo/ution (New Yark: Science Histary Publicatians, 1972); A MARK SMITH, «Galileo's Proof for the Earth's Motion from the Movement of Sunspots», Isis, 76 (1985) 543-551; AORIAAN W. VUEGENTHART, «Gali­lea's Sunspots: Their Role in 17th-Century Allegorical Thinking», Physis, 7 (1965) 273-280; ALBERT VAN HELDEN, «Galileo and Scheiner on Sunspots : A case Study in the Visual Language of Astronomy», Procee­dings ofthe American Phi/osophical Society, 140 (1996) 358-196; Também o capítulo 3, «Solar drawings», de J. M. VAQUERO and M. VAzQUEZ, The Sun Recorded Though History (New Yark : Springer, 2009), pp. 103--173.

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Neptuno

Analisando com cuidado os apontamentos manuscritos de Galileu, foi possível determinar que ele observara o planeta Neptuno em 28 de Dezembro de 1612 e depois em 28 de Janeiro de 1613', enquanto fazia observações telescópicas de Júpiter e dos seus satélites. 129 De facto, no final de 1612, Neptuno estava muito próximo de Júpiter, tendo uma oculta­ção em 16l3. Galileu registou-o como uma estrela fixa, isto é,

. sem se aperceber de que estava a ver um novo planeta. Trata­-se da primeira observação registada de Neptuno, muito antes da sua descoberta "oficial", em 1846. Como sucede em ques­tões deste género, alguma polémica rodeou inicialmente estas notícias, que hoje se aceitam sem dificuldade, havendo apenas debate em torno de saber se Galileu se apercebeu ou não de que se tratava de um planeta e não uma estrela.

o impacto do Sidereus Nuncius

Galileu começou a divulgar as sensacionais descobertas celestiais que ia fazendo em cartas particulares a partir de

129 A primeira pessoa a notar esta observação foi Charles T. Kowal, que deu um relato muito informal do seu descobrimento no texto: CHARLEST. KOWAL, «Galileo's observations of Neptune», DIO, 15 (2008) 3-6. Em parceria com Stillman Drake, Kowal publicou dois artigos em 1980 com esta notícia: STILLMAN DRA.KE and CHARLES T KOWAL, "Gali-100'5 Sighting of Neptune», Scientifie American, 243 (1980) 52-59 [tam­bém em: STILLMAN DRA.KE, Essays on Galileu and the Histury and PhiLo­sophy uf Scienee. Selected and introduced by N. M. SWERDLOW and T. H. LEVERE (Toronto: University of Toronto Press, 1999), vol. 1, pp. 430-441] e CHARLES T. KOWAL and STILLMAN DRA.KE, «Galileo's Observations of Neptune», Nature, 287 (25 Septo 1980) 311-313. Estes artigos geraram uma troca de opiniões posterior. Sobre este assunto deve veNe sobretudo: GORDON E. TAYLOR, «The Observations of Neptune by Galileo», Journal of the British Astronomieal Assuciation, 95 (1985) 116--117; E. M. STANDISH and A. M. NOBILl, «Galileo's observations of Neptune», Baltie Astronomy, 6 (1997) 97-104.

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Dezembro de 1609, quando ainda não tinha sequer formado a intenção de redigir um opúsculo dedicado ao assunto. A 7 de Janeiro de 1610, escrevia a Antonio de' Medici um primeiro relatório, extenso, acerca desses descobrimentos (Opere, X, 273--278) e, nas semanas seguintes, revelaria, de modo esporádico e fragmentário, mais algumas das novidades.

O aparecimento do Sidereus Nuncius provocou um impacto imediato. Em poucos dias, primeiro Veneza, depois toda a Itália, e finalmente os mais diversos pontos da Europa, receberam com espanto, excitação ou incredulidade, as sensa­cionais notícias. Os quinhentos e cinquenta exemplares postos à venda esgotaram em menos de uma semana (Opere, X, 300), e tal era a apetência por infurmações acerca destes factos que ainda no ano de 1610 apareceu em Frankfurt uma edição ile­gal do livro.

No próprio dia em que o Siderem Nundus era publicado (13 de Março), o embaixador inglês em Veneza, Sir Henry Wotton, apressava-se a escrever para fazer chegar o mais rapi­damente possível ao rei Jaime I a informação acerca desta "strangest piece of news". Wotton dava a conhecer a comoção que se vivia em Veneza com a divulgação dessas inauditas novi­dades celestes que pareciam deitar por terra convicções milená­rias. 130

130 "I sent herewith unto his Majesty the strangest piece of news (as 1 may justly call it) that he hath ever yet receíved from any part of the world; whích is the annexed book (come abroad this very day) of the Mathematical Professor at Padua, who by the help of an optical instru­ment (which both enlargeth and approximateth the obj ect) ". Carta ao conde de Salísbury, 13 de Março de 1610, in: LoGAN PEARSAll SMITH,

The Lifo and Lettm o/ Sir Henry Wotton, 2 vols. (Oxford: Clarendon Pres5, 1907), voI. I, pp. 486-487. Ao embaixador inglês também não lhe escaparam as implicações astrológicas dos satélites de Júpiter. Ver também I. BERNARD COHEN, The Birth o/ a New Physícs, 2.a ed. (New York: W. W. Norton, 1985), pp. 75-76. Há uma tradução portuguesa: O Nasci­mento de uma Nova Física (Lisboa: Gradiva, 1988).

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Haviam passado somente alguns dias sobre o apareci­mento do livro e já Galileu escrevia a Belisario Vinta, a 19 de Março, revelando a sua intenção de, a "brevissimo tempo" fazer uma reimpressão, mas com as figuras melhoradas e incluindo muitas mais: planeava mostrar diagramas da Lua ao longo de toda uma lunação, desenhar muito mais constelações e deter­minar o período dos satélites de Júpiter. Planeava também que essa edição fosse em italiano (Opere, X, 299-300). Nos meses seguintes, vários amigos de Galileu, como, por exemplo, Fede­rico Cesi, insistiram para que desse aos prelos quanto antes uma nova edição do Sidereus Nuncius, com as novas observa­ções (Opere, XI, 175). O aparecimento da edição pirata, em Frankfurt, ainda no ano de 1610, de algum modo saciou o interesse dos muitos leitores que ainda não tinham podido ler a obra, mas não correspondia à actualização que muitos espe­ravam: essa edição mantinha o texto original, sem quaisquer acrescentos ou alterações, e apresentava gravuras de qualidade inferior às da edição original.

Benedetto Castelli recebeu o livro poucos dias após a publicação e imediatamente o leu "piu di dieci volte con som ma meraviglia e dolzezza grande d'animo" (Opere, X, 310). E foi também passados apenas poucos dias que, a muitas cen­tenas de quilómetros de distância de Veneza, em Praga, Kepler teve as primeiras notícias destes factos. l3l A opinião de Kepler foi das mais procuradas neste período. Em Praga, Rudolfo II recebeu uma das primeiras cópias do Sidereus Nuncíus e, dese­joso de um julgamento abalizado sobre o conteúdo, mostrou-a ao seu matemático imperial. Mas também Galileu estava ansioso por saber a opinião de Kepler e, através do embaixador da Toscana em Praga, fez-lhe chegar uma cópia, com o pedido expresso de que este desse a sua opinião. Kepler recebeu este

131 Recorde-se que Kepler soube da publicação do Sidereus Nuncius e do seu conteúdo logo por volta de i5 de Março, no conhecido episó­dio com Johann Mattthaus Wackher. Vide supra, p. 20.

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exemplar em 8 de Abril de 1610. Dias depois (a 13), Kepler visitava o embaixador, altura em que este lhe anunciou que Galileu muito desejava saber a sua opinião mas, infelizmente, isso teria que ser feito depressa pois os correios partiam para Florença em breve. Kepler, como sempre, acedeu ao pedido de Galileu com generosidade e entusiasmo e, em menos de uma semana, a 19 de Abril, entregou ao embaixador uma carta, dirigida a Galileu, com as suas opiniões sobre o Sídereus Nun­cius (Opere, X, 319-340).

De todas as partes continuavam a chegar a Kepler pedi­dos de confirmação de tão sensacionais descobrimentos. Para satisfazer a todas essas solicitações, ele começou a divulgar a carta que tinha mandado a Galileu e, pouco depois, tendo-a corrigido e ampliado um pouco, imprimiu-a num opúsculo que dedicou ao embaixador da Toscana em Praga, intitulando-a Dissertatio cum nuncio sidereo. m A despeito dos elogios com que cobriu o autor do Sidereus Nuncius, o astrónomo alemão teve também o cuidado de, delicadamente, clarificar assuntos

132 A carta original, de Kepler para Galileu, é de 19 de Abril de 1610 e pode encontrar-se em (Opere, X, 319-340). Foi depois impressa como Dissertatio cum nuncio sidereo (Praga, Daniel Sedesanus, 1610). Pode encontrar-se na Joannis Kepleri Astronomi Opera Omnia, C. FRISCH ed., vol. II, pp. 485-506, em Johannes Kepler Gesamme/te Werke, vol. IV, pp. 281-311 e ainda em (Opere, III/I, 97-125). Há várias edições modernas deste importante texto das quais se deve preferir a seguinte: Keplers Conversation with Galileos Sidereal Messenger. First Complete Translation, with an Introduction and Notes, by EDWARD ROSEN (New York and London: Johnson Reprinr Corp., 1965). Há também uma tra­dução francesa: Galilée. Le Message Céleste. Traduction complête du Latin en Français, avec des notes, par Jean Peyroux. Suivi de la Dissertation avec le Messager Céleste et de la Narration sur les Satellites de ]upiter de Jean Kepler, traduits pour la premiere fois du Latin en Français (Paris: Blanchard, 1989), e uma espanhola: Galileo Galilei. La Gaceta Sideral, Johannes Kepler. Conversación con ei mensajero sideral Introducción, tra­ducción y notas de Carlos Solís Santos (Madrid: A1ianza Editorial, 2007 [l.a ed. 1984]), nas pp. 117-190.

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que Galileu, por temperamento e por estratégia, muitas vezes deixava de modo pouco claro. Kepler explicou que Galileu não fora o inventor do telescópio, que não fora o primeiro a falar da natureza rugosa da superfície lunar e que não fora também o primeiro a referir que havia muito mais estrelas nos céus.133

Mas o tom geral era de aprovação incondicional e a Dissertatio cum nuncio sidereo rapidamente se divulgou. Uma boa indica­ção do enorme interesse que todas estas novidades suscitavam foi o aparecimento de uma edição pirata da Dissertatio, o que muito desagradou a Kepler.

A confirmação das observações de Galileu por Kepler e o modo entusiasmado e elogioso como este publicitou os argu­mentos e as deduções do italiano foram a mais importante validação do Sidereus Nuncius que Galileu podia desejar. Que passadas apenas algumas semanas da publicação do livro come­çasse a circular, a partir de Abril de 1610, primeiro em manus­crito e depois em impresso, um texto pela mão do mais respeitado astrónomo da Alemanha, confirmando as novas observações, foi um dos mais importantes factores na credibili­zação dos novos descobrimentos.

Kepler, contudo, tinha confirmado o Sidereus Nuncius sem que tivesse alguma vez observado com um telescópio. Por isso, como tantos outros faziam nessa altura, a 9 de Agosto de 1610 pediu a Galileu um telescópio com o qual pudesse observar os satélites de Júpiter (Opere, X, 413-417). A resposta de Galileu roça o escândalo. Tendo já garantida a aprovação pública do Sidereus Nuncius por Kepler, não lhe interessava que um génio do calibre do alemão começasse a fazer obser-

133 Meses mais tarde, Michael Maesdin escrevia uma breve carta ao seu antigo aluno ]ohannes Kepler onde saudava a publicação da Disserta­tio cum Nuncio Sidereo e onde, visivelmente irritado com a apropriação por Galileu de feitos que não eram seus, e a sua desagradável incapaci­dade em dar o crédito devido aos que o haviam precedido, saudava Kepler por ter clarificado este asSUntO, "arrancando as penas" com que o italiano indevidamente se ornamentara. (Opere, X, 428).

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vações: a 19 de Agosto, Galileu respondeu a Kepler dizendo que não tinha nenhum telescópio disponível (Opere, X, 421--422).

Só no final do ano Kepler conseguiria obter um telescó­pio, por outras vias, iniciando imediatamente as suas próprias observações e iniciando-se também na construção destes instru­mentos. O resultado destas investigações seria da maior impor­tância. Para além da confirmação das descobertas galileanas, fez o seu próprio programa de investigação dos satélites de Júpiter, que publicou em Narratío de observatís a se quatuor Iovis satel­litíbus (1611) (Opere,III/l, 185), mas sobretudo, ele, que já havia publicado o Ad Vitellionem Paralipomena, quibus Astrono­miae Pars Optíca Traditur (Frankfurt, 1604), usou todo o seu domínio de assuntos ópticos para reformular os princípios teóricos da ciência à luz do novo instrumento, produzindo a Dioptrice (Augsburg, 1611), a obra que funda a óptica moderna.

Entretanto, os encómios ao livro e ao génio de Galileu pareciam não ter limite, cada um saudando-o da maneira mais entusiasmada e eloquente de que era capaz. Na prisão, em Nápoles, Tommaso Campanella (1568-1639), louvava-o numa carta plena de elogios, como o descobridor de "um novo céu e uma nova Terrà' (Opere, XI, 23), e em Inglaterra um admira­dor dizia que Galileu "hath done more in his threefold disco­verie than Magellane in opening the streights to the South Seà'134.

O louvor era geral, mas não era unânime. Sobre um fundo de aplauso genaralizado ouviam-se apesar de tudo algu­mas vozes discordantes e algumas opiniões desfavoráveis. Ape­nas um mês havia passado sobre o aparecimento da obra e

134 Sir William Lower escrevendo a Thomas Harriot, a 21 de Junho de 1610, dt. in: JOHN ROCHE. «Harriot. Galileo, and Jupiter's satellites», Archives lnternationa/es d'Histoire des Sciences, 32 (1982) 9-51, na p. 16.

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já Georg Fugger escrevia a Kepler, a 16 de Abril de 1610, acusando Galileu de se apropriar de ideias de outros e de ter apenas copiado um telescópio que vira (Opere, X, 316). Protes­tos deste género e reclamações de prioridade foram-se multipli­cando nas semanas seguintes, mas, para além destas, outro tipo de objecções não tardaram em aparecer.

Logo em Junho de 1610, Martin Horky (n. ca. 1590), que era assistente do astrónomo Giovanni Antonio Magini e havia estado presente quando, em Abril, Galileu tentara sem sucesso mostrar os satélites de Júpiter na casa de Magini, publicou uma Brevissima peregrinatio contra Nuncium Sidereum (Opere, IIIIl, 127-145). A obra não tinha qualidade e o ataque acabou por se traduzir num fiasco, a tal ponto que Magini escreveu a Galileu explicando que não tinha nada a ver com o assunto e expulsou Horky de sua casa. Mais importante, e de consequências que viriam a ser mais nefastas, foi o texto inti­tulado Contra ii moto della Terra que Ludovico delle Colombe (1565-1616) escreveu entre finais de 1610 e o ano de 1611, e que fez circular em diversas cópias, contendo um arrazoado de objecções sem muito nexo ou consistência mas em que, pela primeira vez, eram levantadas objecções de origem escriturística às observações de Galileu (Opere, IlIIl, 251-290). Pela mão de um professor de filosofia, o argumento religioso entrava em cena.

Poucos meses depois, Francesco Sizzi (ca. 1585-1618) publicou em Veneza a Dianoia Astronomica, Optica, Physica (1611) contendo também objecções - não muito convincen­tes, diga-se - às observações de Galileu (Opere, III/I, 201--250). Em particular, Sizzi usava argumentos numerológicos para "provar" que os satélites de Júpiter não podiam existir realmente. No ano seguinte, Giulio Cesare Lagalla (1576--1624), professor de filosofia em Roma, publicava o De phae­nomenis in orbe lunae novi telescopii um nunc iterum suscitatis (Veneza, 1612), uma obra inspirada no texto de Plutarco, questionando não a capacidade do novo instrumento, mas a argumentação usada por Galileu na análise da superfície da Lua. Como já se assinalou, as observações lunares contidas no

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Sidereus Nuncius foram o aspecto mais questionado do livro, tendo gerado várias refutações. 135

Alguns ataques, como o de Francesco Sizzi e o de Ludo~ vico Delle Colombe foram especialmente desagradáveis, por virem de homens que se mexiam com muito à vontade nos círculos mais restritos da corte florentina e terem publicado as suas diatribes em obras dedicadas aos Mediei.

Galileu não esqueceu as críticas. Muitos anos depois, no início do II Saggiatore (1623), referia-se, com evidente aze­dume, aos que tinham atacado as suas novidades telescópicas (Opere, VI, 213-215).

Seja como for, o aparecimento do Sidereus Nuncius foi inquestionavelmente um estrondoso sucesso e estes críticos, se bem que revelem a existência de tensões que, com o passar dos anos, se viriam a tornar importantes, não foram, na altura, mais do que ruído de fundo vagamente perceptível diante do aplauso geral.

Mas o maior impacto das descobertas de Galileu foi o provocado junto dos matemáticos e astrónomos da Companhia de Jesus. As primeiras notícias acerca das observações telescópi~ cas de Galileu causaram grande comoção entre os astrónomos do Collegio Romano, mas não se pode dizer que tenham apa­nhado os jesuítas completamente de surpresa. Tal como suce­dera a Galileu, também os rumores de um novo instrumento óptico haviam chegado aos jesuítas e, logo depois, o próprio instrumento. Pelo final de 1609, ou, o mais tardar, nos inícios de 1610, tinham já começado a fazer observações telescópicas

135 Apenas mais um exemplo: em Maio de 1611 teve lugar em Mantua, na presença do cardeal Gonzaga, uma conferência onde se dis­cutiu o assunto e que deu lugar à circulação de um manuscrito de título «De lunarium montium altitudine problema mathematicum» (Opere, mil, 299-307).

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dos céus. l36 O aparecimento do Sidereus Nuncius, em Março de 1610, tornou ainda mais urgentes as investigações dos jesuítas.

Quando, alguns anos mais tarde, Christoph Grienberger, um dos mais competentes matemáticos jesuítas, escreveu a Galileu relatando os primeiros tempos do uso do telescópio no colégio romano, referiu que, entre Abril e Setembro de 1610, um dos seus confrades, o padre Giovanni Paolo Lembo, sem ter informações de Galileu, construíra um telescópio com o qual rora capaz de observar a irregularidade da superfície lunar, as muitas estrelas novas nas Plêiades, em Orionte e em muitas outras constelações, mas sem conseguir ver os novos planetas, isto é, os satélites de }úpiter.137

136 Isto pode inferir-se da carta de Paul Guldin, em Roma, a Johann Lanz, em Munique, a 13 de Fevereiro de 1611, publicada em: AUGUST ZIGGELAAR, «Jesuit astronomy north of the Alps. Four unpublis­hed jesuit letters, 1611-1620", in: UGO BALDlNI (Ed.) Christoph Cl4vius e l'Attività Scientifica dei Gesuiti nett'età di Galil-eo (Roma: Bulzoni, 1995), pp. 101-132. Um dos primeiros telescópios que existiram no colégio romano foi seguramente a luneta holandesa que Peter Scholier, um aluno da universidade de Lovaina, enviou ao seu antigo mestre ado van Maelcote em 1609 ou 1610. Sobre este envio e as primeiras activi­dades telescópicas dos jesuítas, veja-se EILEEN REEVES and ALBERT VAN HELDEN, <Nerifying Galileo's discoveries: telescope-making at the Colle­gio Romano», in JÜRGEN HAMEL, INGE KEIL (eds.) , Der Meister und die Fernrohre. Das Wechselspiel zwischen Astronomie und Optik in der Ges­chichte [= Acta Historica Astronomiae, voI. 33] (Frankfurt am Main: Harri Deutsch, 2007), pp. 127-14l.

137 Carta de Grienberger a Galileu, 21 de Janeiro de 1611: "Romam vero ut appuli, inveni ex nostris unum, Ioannem Paulum Lem­bum, qui, antequam quicquam intellexisset de tuis, perspicillis quibus­dam, non tam ad imitationem a1terius sed potius vi coniecturae factis, tum lunae inaequalitatem, tum Stellas in Pleiadibus, Orione et a1iis plu­rimas, observit; Planetas tandem novos non vidit. Postea vero, non parvo cum labore ac diligentia, tantae perfectionis perspicilla fieri procuravit, ut ctiam tuis, quae Romam ad diversos misisti, comparavi vel etiam prae­fcrri potuerint; quibus tandem novos Planetas, saltem puriore caelo, de te·" ximus" (Opere, XI, 33-34).

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.. Apesar dos esforços, os jesuítas foram durante algum

tempo incapazes de observar as luas de Júpiter, e este incapaci­dade tornou-os progressivamente cépticos relativamente a esta novidade; por volta de Setembro as suas sérias dúvidas come­çam a ser conhecidas. Em Outubro, Lembo, provavelmente com o apoio de Grienberger, tinha pronto um segundo teles­cópio, de melhor qualidade. Com este novo instrumento foi possível observar pela primeira vez, as fases de Vénus, fenó­meno que investigaram sistematicamente durante quatro meses. Os jesuítas conseguiram também, finalmente, observar os saté­lites de Júpiter mas continuaram com dúvidas se se tratariam de planetas ou não.

Em Novembro-Dezembro, Antonio Santini enviou de Veneza um telescópio de excelente qualidade como presente para Clávio. Com este melhor telescópio, os jesuítas finalmente fizeram observações inequívocas dos satélites de Júpiter e da forma peculiar de Saturno. A 17 de Dezembro de 1610, Clá­vio escreveu a Galileu uma carta cheia de louvores, informando que todas as novas observações haviam sido confirmadas pelas observações do colégio romano (Opere, X, 484-485).

Por esta altura, os matemáticos do colégio romano já tinham resolvido todos os problemas técnicos e levavam a cabo observações telescópicas sistematicamente. Na verdade, o colé­gio romano tornara-se mesmo num dos mais importantes focos de divulgação e confirmação de tão espantosas novidades.

Cientes da importância das observações astronómicas, as autoridades eclesiásticas de Roma tentaram confirmar esses fac­tos extraordinários. A 19 de Abril de 1611, o cardeal Roberto Bellarmino questionava os matemáticos jesuítas acerca das novas observações, colocando, em particular, as seguintes per­guntas (Opere, Xl, 87-88); 1. Se é verdade que com o telescó­pio se vê uma multidão de novas estrelas. 2. Se Saturno se acha realmente rodeado por dois planetas mais pequenos. 3. Se Vénus tem fases. 4. Se a Lua tem uma aparência irregular. 5. Se Júpiter tem satélites. Uns dias depois (a 24 de Abril), os matemáticos responderam, confirmando as observações galilea-

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nas, manifestando apenas alguma incerteza acerca do que real­mente se via na Lua (Opere, Xl, 92-93).138

A confirmação das observações telescópicas pelos jesuítas do colégio romano fOi talvez o mais importante passo na cre-

138 A resposta dos matemáticos do Collegio Romano às cinco per­guntas colocadas pelo cardeal Bellarmino é um documento do maior interesse, que vale a pena transcrever extensamente: "[ ... ] AlIa prima, e vero che appaiono moltissime stelle mirando con \' occhiale nelle nuvo­lose deI Cancro e Pleiadi; ma nella Via Lattea non e cosl certo che tutta consti di minute stelle, et pare piu presto che siano parti piu dense con­tinuate, benche non si puo negare che non ci siano ancora nella Via Lat­tea molte stelle minute. E vero che, per quel che si vede nelle nuvolose dei Cancro et Pleiadi, si puo congetturare probabilmente che ancora nella Via Lattea sia grandissima moltitudine di stelle, le quali non SI

ponno discernere per essere troppo minute. Alia 2a , habbiamo osservato che Saturno non e rondo, come si

vede Giove e Marte, ma di figura ovata et oblonga in questo modo 000;

se bene nou habbiam visto le due stellette di qua et di là tanto staccate da quella di mezzo, che possiamo dire essere stelle distinte.

Alia 3a, e verissimo che Venere si scema et cresce come la luna: et havendola noi vista quasi piena, quando era vespertina, habbiamo osser­vato che a puoco a puoco andava mancando la parte illuminata, che sempre guardava ii sole, diventando tueta via piu cornicolata; et osserva­tala poi matutina, dopo la congiontione coi sole, l'habbiamo veduta cor­nicolata con la parte illuminata verso ii sole. Et hora va sempre cres­cendo secondo il lume, et mancando secondo ii diametro visuale.

AlIa 4a, non si puo negare la grande inequalità della luna; ma pare ai P. Clavio piu probabile che non sia la superficie inequale, ma piu presto che iI corpo lunare non sia denso uniformemente et che habbia parti piu dense et piu rare, come sono le macchie ordinarie, che si vedono con la vista naturale. Altri pensano, essere veramente inequale la superficie: ma infin hora noi non habbiamo intomo a questo tanta cer­tezza, che lo possiamo affermare indubitatamente.

AlIa 5', si veggono intomo a Giove quattro stelle, che velocíssima­mente si movono hora tutte verso levante, hora tutte verso ponente, et quando parte verso levante, et quando parte verso ponente, in linea quasi retta: le quali non ponno essere stelle fisse, poiche hanno moto velocis­simo et diversissimo dalle stelle fisse, et sempre mutano le distanze fra di loro et Giove. [ ... ]

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dibilização das novidades que Galileu descobrira e do valor do instrumento que usara para as descobrir.

Entretanto Galileu fazia uma viagem até Roma, para algu­mas discussões científicas e sobretudo para cimentar a sua posi­ção recolhendo apoios cruciais. Chegou à cidade eterna a 29 de Março de 1611, como convidado de honra do embaixador toscano, para uma verdadeira viagem triunfal durante três meses. Um dos importantes apoios a recolher era o do grupo de notáveis que se reunia em torno do príncipe Federico Cesi (1585-1630), sob a designação de Accademia dei Lincei, por quem Galileu foi entusiasticamente recebido, estabelecendo uma ligação que seria da maior importância na sua carreira futura. 139 Os "linces" publicar-lhe-iam as suas "cartas sobre as manchas solares" (lstoria e dimostrazioni intorno alie macchie solart) em 1613 e o II Saggiatore, em 1623. Seria num famoso banquete dos Lincei em sua honra, a 14 de Abril de 1611, que

l;l9 A ligação de Galileu com a Accademia dei Lincei seria muito importante no desenrolar da sua carreira, sendo a literatura sobre este tema já muito extensa. Vejam-se, sobretudo, os trabalhos seguintes, por dois reputados historiadores da ciência: STILLMAN DRAKE, «The Accade­mia dei LÍncei», Scíence, 151 (1966) 1194-1200 [também em: STILLMAN DRAKE, Essays on Galileo and the History and Philosophy 01 Science. Se/ec­ted and introduced by N. M. SWERDLOW and T. H. LEVERE (Toronto: University of Toronto Press, 1999), voI. 1, pp. 126-141], e RICHARD S. WESTFAll, «Galileo and the Accademia dei LÍncei», in PAOLO GALLUZZI (ed.) , Novità Celesti e Crisi dei Sapere (Firenze: Giunti Barbera, 1984), pp. 189-200. Os estudos mais recentes servem como pontos de partida actualizados, com indicações bibliográficas para todas as questões relativas aos Lincei: DAVID FREEDBERG, The Eye 01 the Lynx. Galileo, his friends, and the hegínníngs 01 Modem Natural History (Chicago and London: Chi­cago University Press, 2002); AJ-..'TONIO GRANITI (00.), Federico Cesi. Un Príncipe Naturalista (Roma: Bardi, 2006); LUIGI GUERRINI, I trattati naturalistlei di Federico Cesi (Roma: Accademia Naúonale dei Lincei, 2006); A. BATTISTINI, G. DE ANGEUS, G. OUMI (eds.) , All'orígíne della sclenza moderna: Federico Cesi e l'Accademia dei Lincei (Bologna: II Mu/ino, 2007).

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vma a nascer o termo "telescopium", proposto por Demisiani ou pelo próprio Cesi (Opere, Xl, 420). Galileu foi formalmente recebido como o sexto membro dessa Academia a 25 de Abril de 1611, uma honra que muito prezou, tendo desde então pas­sado a assinar o seu nome como "Galileo Galilei Linceo".

Mas Galileu estava sob~etudo interessado em recolher as honras e o crédito que os matemáticos jesuítas lhe poderiam conferir. O enorme prestígio científico do Colégio Romano, agora que os padres haviam confirmado as suas observações, era um capital de credibilidade que não se podia desperdiçar. 14o

Aceitando o convite para visitar o colégio, teve várias discus­sões científicas com os matemáticos jesuítas e, no princípio de Maio, foi recebido apoteoticamente para uma série de celebra­ções que culminaram com um discurso do jesuíta flamengo Oddo van Maekote (1572-1615) (Opere, I1III, 293-99).

Por volta de 1612, entre os jesuítas, o telescópio tinha passado a circular muito para além do círculo restrito dos fabricantes de instrumentos ou dos especialistas matemáticos e muito para lá também das sessões de demonstração para aristo­cratas e soberanos. Tinha-se tornado parte indispensável do treino científico de qualquer pessoa culta.

A euforia com que os jesuítas se associaram a estes desco­brimentOs e com que celebraram o seu descobridor não ocul­tava, contudo, as dificuldades que se levantavam. As novas

140 O mais completo estudo sobre o Colégio Romano ainda é o de RICARDO G. VILLOSLADA, Storia deI Collegio Romano dai suo inizio

(155]) alia soppressione della Compagnia di Gesu (1113) (Romae, Apud Aedes Universitatis Gregorianae, 1954), mas, para os aspectos que impor­tam à ciência, devem ver-se os importantes acrescentos e correcções em: UGO BALDINI, Legem Impone Subactis. Studi su Filosofia e Scienza dei Gesuiti in Italia, 1540-1632 (Roma: Bulzoni Editare, 1992); UGO BAL­DlNI, «The Academy of Mathematics of rhe CoIlegio Romano from 1553 to 1612», in: MORDECHAI FEINGOLD (ed.), Jesuit Science and the Republic oi Letters (Cambridge, Mass.: The MIT Press, 2003), pp. 47-98.

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observações colocavam sérios problemas cosmológicos e ques~ donavam de maneira grave as noções tradicionais. Um dos mais dramáticos testemunhos dessas dificuldades vem do pró­prio Clávio, na edição de 1611 da sua Opera Mathematica l41

Depois de uma breve descrição das observações telescópicas e consciente de que elas desfechavam um golpe definitivo nas antigas ideias cosmológicas, Clávio rematava com estas palavras famosas, que bem pode dizer-se que representam o fim de uma época: "Quae cum ita sint, videant astro no mi, quo pacto orbes coelestes constituendi sint, ut haec phaenomena possint salvari" ["Sendo as coisas assim vejam os astrónomos de que modo se devem constituir os orbes celestes de modo a salvar estes fenó­menos"].142 A tarefa de reconstruir um modelo astronómico e cosmológico concorde com as novas observações já não cairia

141 Trata-se do Vol. III das Opera Mathematica de Clávio, publi­cado em Mainz, em 1611, onde está contido o seu comentário à Esfera de Sacrobosco. O Commentarius in Sphaeram /oannis de Sacro Bosco de Clávío teve várias edições entre 1570 e 1611, mas evidentemente apenas na última se referem as observações de Galileu. (Depois da morte da Clávio houve ainda uma outra edição, em 1618). Sobre o conteúdo desta obra de Clávio veja-se JAMES M. UnIS, Between Copernicus and Galileo. Christoph CÚlvius and the Collapse of Ptolemaic Cosmology, (Chicago and London: The Universiry of Chicago Press, 1994). Para análises mais deta­lhadas, veja-se UGO BALDlNl (ed.), Christoph Clavius e l'Attività Scienti­fica dei Gesuiti nell'età di Galileo (Roma: Bulzoni, 1995), bem como os trabalhos: UGO BALDIW, Legem Impone Subactis. Studi su Filosofia e Scienza dei Gesuiti in Italia, 1540-1632, (Roma: Bulzoni Editore, 1992); UGO BALDlNI, Saggi sulla cultura della Compagnia di Gesu (secoli XVI­XVIII) (Padova: CLEUP, 2000). Os estudos mais detalhados sobre Clávio não podem dispensar o estudo da sua correspondência: Christoph CÚlvius: Corrispondenza. Edizíone critica a cura di UGO BALDINI e PIER DANIELE NAPOLlTANI (Pisa: Universítà di Pisa, Dipartimento di Matematica,

1992), 6 vols. 142 CLAVIUS, Opera Mathematica, (Mainz, 1611), vol. 3, p. 75.

Veja-se, adiante (infla, pp. 124-125, nota 155), a versão em português deste famoso trecho, por Giovanni Paolo Lembo.

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I sobre o próprio Clâ'vio, que faleceria pouco depois, em 1612. A possibilidade óbvia de uma adesão ao sistema de Tycho Brahe não se mostrava, à partida, tão atractiva, em parte por­que o próprio Clávio nunca ocultara o seu desagrado por esse modelo. O astrónomo dinamarquês nunca é mencionado na vasta obra do jesuíta alemão e Jan Vremann (I 583-1620) - um jesuíta croata que trabalhou com Clávio em Roma e que passaria por Portugal - confidenciou na sua corres­pondência que Clávio, "per varií rispetti e poco amico di Tichone" 143. Os jesuítas encontravam-se, pois, numa situação complicada. Os anos seguintes foram de intenso debate interno na Companhia, debates que em certo sentido terminaram com a publicação, em 1620, da Sphaera mundi seu cosmographia, de Giuseppe Biancani 0566-1624), que marca a adopção oficial pela Companhia de Jesus do sistema de Tycho Brahe. l44

Galileu vivia então o momento mais alto da sua carreira. As objecções aos factos do Sidereus Nuncius e demais observa­ções telescópicas caiam, uma por uma, sob o peso da contínua

143 Carta de Vreman a G. A. Magini, in: ANTONIO FAVARO, Car­

teggio inedito di Ticone Brahe, Giovanni Keplero e di altri celebri astronomi e matematici dei secoli XVI e XVII con Giovanni Antonio Magini (Bologna, 1886), p. 327.

144 Veja-se: MICHEL-PIERRE LERNER, «Lentrée de Tycho Brahe chez les jésuites ou le chant du cygne de Clavius», in: Luce Giard, (dir.), Les Jésuites à la Renaissance. Systeme éducatif et production du savoir (Paris: Presses Universitaires de France, 1995) pp. 145-185; W G. L. RA,.'lDLES, The Unmaking of the Medieval Christian Cosmos, 1500-1160. From Solid Heavens to Boundless Aether (Aldershot: Ashgate, 1999), pp. 174-181; EDWARD GRANT, «The Partial Transformation of Medieval Cosmology by Jesuits in the sixteenth and seventeenth centurÍes», in: MORDECHAI FEIN­GOLO (ed.), Jesuit Science and the Republic of Letters (Cambridge, Mass.: The MIT Press, 2003), pp. 127-155; Luis MIGUEL CAROUNO, «The making of a Tychonic cosmology: Cristoforo Borri and the development of Tycho Brahe's astronomical system in the early seventeenth-century», Journal for the History of Astronomy, 39 (2008) 313-344.

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confirmação das observações iniciais. Roma estava rendida ao seu génio científico e à importância das suas descobertas. O cardeal Francesco Maria dei Monte escrevia ao Grã-Duque Cosme II, a 31 de Maio de 1611, dando conta do grande sucesso de Galileu em Roma e dizendo que, se ainda fossem os tempos da antiga República Romana, lhe seria erguida uma estátua no Capitólio (Opere, Xl, 119).

Novidades telescópicas de Galileu em Portugal

As novidades telescópicas de Galileu foram conhecidas em Portugal devido aos padres da Companhia de Jesus. Diferente­mente de outros grandes debates científicos, em outras épocas, o debate cosmológico do século XVII, iniciado em consequên­cias das observações com o telescópio, ressoou quase de ime­diato entre nós, mercê dos canais de comunicação que a Com­panhia de Jesus possibilitava. Na verdade, aquele que poderia ser chamado o "período jesuíta" da história científica portu­guesa teve características que o distinguem de todas as outras épocas, sendo a principal a existência de uma extensa e eficaz rede de comunicação entre Portugal e a Europa, o que permi­tiu a profunda internacionalização da prática científica no nosso país. Nessa rede, as noticias acerca do telescópio circula­ram de maneira muito célere, sendo rapidamente conhecidas e comentadas em Lisboa e, imediatamente depois, circuladas para fora da Europa, num movimento de enorme amplidão geográ­fica e uma espantosa celeridade. O mesmo se passou com O

próprio instrumento que, através da rede de colégios e residên­cias jesuítas, circulou rapidamente até Lisboa, e daí a muitos outros pontos do globo.

A notícia dos debates astronómicos que se desencadearam em Itália em torno a 1610 chegou muito cedo a Portugal. A «Aula da Esfera» do Colégio de Santo Antão mantinha uma relação estreita com a Academia de Matemática de Clávio e devido a este facto as novidades científicas foram conhecidas e

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discutidas em Lisboa pouco depois. 145 Examinando a lista de professores de matemática do colégio de Santo Antão verifica­-se que, no período entre 1610 e 1614, leccionou o padre Sebastião Dias, e essas aulas foram possivelmente a primeira ocasião para a divulgação das novidades telescópicas em Por­tugal. Infelizmente não se conhecem quaisquer notas de aula deste professor, o que não permite confirmar esta suposição. Sabe-se, todavia, que por estes anos as notícias circulavam já por Lisboa.

Em Novembro de 1612, da fndia, o padre Giovanni Antonio Rubino (1578-1643), que partira de Lisboa a 25 de Março de 1602, escrevia uma carta surpreendente, revelando que já lhe chegara a notícia dos telescópios e das novas desco­bertas que com eles se haviam feito:

Mi scrÍssero d'Italia che s'inventarono certi occhiali con i quali se veggono le cose distintamente 15 e 20

145 Sobre a relação estreita da Academia de MatemátÍca do Colégio Romano com a «Aula da Esfera» do Colégio de Santo Antão, veja-se: UGO BALDlNI: «As assistências ibéricas da Companhia de Jesus e a acti­vidade científica nas missões asiáticas (1578-1640). Alguns aspectos cul­turais e institucionais», Revista Portuguesa de Filosofia, 54 (1998) 195--245; UGO BALDINI, «The Portuguese Assistancy of the Society of Jesus and scientific activities in íts Asian Missions until 1640», in Luís SARAIVA (ed.), História das Ciências Matemáticas. Portugal e o Oriente. History o/ Mathematical Sciences. Portugal and East Asia (Lisboa: Funda­ção Oriente 2000), pp. 49-104; UGO BALDINI, "I:insegnamento della matematica nel Collegio di S. Antão a Lisbona, 1590-1640», in NUNO DA SILVA GONÇALVES (coord.), A Companhia de Jesus e a Missionação no Oriente. Actas do Colóquio Internacional, 21-23 Abril 1997 (Lisboa: Bro­téria, Fundação Oriente, 2000), pp. 275-310. Estes trabalhos são com­pletados por: UGO BALDINI, «The teaching of mathematics in the Jesuit colleges of Portugal from 1640 to Pombah" in LufS SARAIVA, HENRIQUE LEITÃO (eds.), The Practice o/ Mathematics in Portugal. Papers from the International Meeting organized by the Portuguese Mathematical Society, Óbidos, 16-18 November, 2000 (Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2004), pp. 293-465.

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miglia lontano et si scuoprono molte novità ne' cieli, principalmente nelli pianeti. Sarà grande charità mandar­meli Vostra Riverenza et insieme qualche tratatello sopra tali occhialí se v'e dimonstratione delle cose che si veg­gono. E se V. R. non me li puo mandare, per non haver commodità o per non haver danari, la prego quanto posso che mi mandi in scriptis et in figuris il modo e l'in­ventione come si fanno, quanto piu chiaramente sarà pos­sibile; ch'io in questi paesi li mandaro fare, perche non mancano o fficial i ne moIta copia di cristalli. 146

Se assunto era já conhecido na fndia no final de 1612, não poderia deixar de ser comentado em Lisboa vários meses antes. Aliás, como se sabe, as notícias da apoteótica recepção de Galileu no Collegio Romano, em Maio de 1611, reverbera­ram imediatamente pelos colégios da Companhia, e natural­mente em Portugal também. 147

Da grande velocidade de circulação, do enorme alcance geográfico e, sobretudo, do entusiasmo que as novidades teles­cópicas causaram entre os jesuítas portugueses, é testemunho

146 ln TACCHI VENTURI, Alcune lettere dei P. Antonio Rubino (1900), pp. 17-18 A carta vem também citada em: PASQUALE D'ELIA, Galileo in Cina. Relazioni attraverso íl Collegio Romano tra Galileo e i gesuiti scienziati missionari in Cina (1610-1640) (Romae: Apud Aedes Universitatis Gregorianae, 1947). [Existe urna tradução inglesa: PASQUALE D'ELIA, Galíleo in China. Relations through the Roman College between Galiieo and the Jesuit scientist-missionaries (1610-1640), trad. R. Suter and M. Sciascia (Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1%0), pp. 18-19)

147 Na altura o Pe. Odo van Maelcote pronunciou um discurso de homenagem a Galileu, resumindo os seus recentes descobrimentos, inti­tulado Nuntius Sidereus Collegii Romani (Opere, III/I, 291-298). Notícias desta cerimónia circularam muito rapidamente, chegando, por exemplo, à Flandres (Opere, Xl, 162-163). Cópias do discurso de van Maelcote tam­bém foram distribuídas; Grienberger parece ter preparado algumas, por exemplo, o excerto que enviou ao próprio Galileu (Opere, Xl, 274).

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excepcional o funoso Tianwen /üe (Sumário de questões sobre o Céu), que o jesuíta português Manuel Dias Júnior (1574-1659) publicou na China em 1615,148 Esta seria uma das mais lidas e citadas entre todas as obras publicadas pelos jesuítas na China durante o século XV1I, e é notável a vários títulos. O facto mais relevante, contudo, é que, no final, contém algumas páginas descrevendo as observações de Galileu - as primeiras que alguma vez foram redigidas em chinês:

Há pouco tempo, um famoso sábio ocidental, ver­sado em astronomia, e que se dedicou a observar as coisas misteriosas do Sol, da Lua e das estrelas, ciente da fraqueza dos seus olhos, construiu um instrumento mara­vilhoso para vir em auxílio deles. Com este instrumento, um objecto da grandeza' de um ce, posto a uma distância de 60 li, vê-se como se estivesse diante dos olhos. A Lua, observada com este instrumento, aparece mil vezes maior. Vénus, com este instrumento, aparece grande como a Lua; a sua luz aumenta e diminui exactamente como a do disco da Lua. Saturno com este instrumento é, pela figura aqui anexa, de forma arredondada como um ovo de gali­nha, com duas pequenas estrelas aos seus lados, que não se pode saber se são exactamente aderentes ou não a ele. Júpiter, com este instrumento, vê-se sempre rodeado de quatro pequenas estrelas que giram em torno dele muito velozmente; umas do lado Este e outras do lado Oeste, ou [vice-versa], umas do lado Oeste e outras do lado Este, ou todas do lado Este, ou todas do lado Oeste; mas o seu movimento é muito diferente daquele [das estrelas]

148 HENRIQUE LEITÃO, «The contents and context of Manuel Dias' Tianwentüe>', in Luis SARAIVA and CATHERINE JAMI (eds.), History of Mathematical Sciences: Portugal end the East, III. The Jesuits, the Padroado and East Asian Science (1552-1773) (Singapore: World Scíentific, 2008), pp. 99-12; RUI MAGONE, «The textual tradition of Manuel Dias' Tian­wenlüe», ibidem, pp. 123-138.

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das 28 constelações. [ ... ] No dia em que este instrumento chegar à China daremos mais pormenores do seu maravi­lhoso uso. 149

Manuel Dias náo tinha, portanto, um telescópio, que ainda não chegara à China, mas já conhecia perfeitamente os novos factos celestes. Dias partira de Lisboa a 11 de Abril de 1601 e, por conseguinte, só pode ter tomado conhecimento destes factos quando já se encontrava no Oriente. Além disso, não tendo sido um aluno no Colégio Romano - diferente­mente de Rubino -, não é de crer que tenha sabido das novas observações e do novo instrumento óptico por intermé­dio de alguma missiva particular enviada por algum dos padres da Academia de Clávio. Quer isto dizer que, por estas datas, estas notícias eram já amplamente conhecidas nas redes e comunidades jesuítas, da Europa ao Extremo Oriente. ISO

Em resumo, as notícias do telescópio e das novidades galileanas foram conhecidas em Portugal o mais tardar desde 1611, e a partir daqui transmitidas aos mais distantes pontos

149 Esta transcrição encontra-se no Tianwen lüe, f. 43 a-b. Vide HENRIQUE LEITÃO, «The contents and context of Manuel Dias' Tian­wenlüe,>, op. cito para mais explicações acerca deste passo.

150 Na China, aliás, as descobertas de Galileu conhecerão uma divulgação extensa. Poucos anos depois, em 1626, o missionário Johann Adam Schall von Bel! (1591-1666) publicaria o Yuan-jing shuo (Sobre o telescópio), um tratado inteiramente dedicado ao novo instrumento, com várias gravuras ilustrando as observações galileanas. A literatura sobre este assunto é muito vasta. Como estudos gerais, para além do já mencionado d'Elia, Galileo in Cina, veja-se ainda o voI. III [Mathematics and the Sdences of the Heavens and the Earth] de JOSEPH NEEDHAM, Scíence and Civilization in China (Cambridge: Cambridge University Press, 1959); KEIZO HASHIMOTO, Hsü Kuang-Ch' i and Astronomical Reform. The Process o[ the Chinese Acceptance o[ Western Astronomy, 1629-1635 (Osaka: Kansai University Press, 1988). Veja-se igualmente E. ZÜRCHER, N. STANDAERT, A, DUDINK, Bibliography o[ the Jesuít Mission in China, ca. 1580 ca.1680 (Leiden: Leiden Uníversity, 1991).

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do mundo. Quanto ao aparecimento do próprio instrumento, a primeira notícia concreta de um telescópio em mãos portu­guesas vem do Brasil. No relatório da batalha de Guanxan­duba, travada a 19 de Novembro de 1614, o Major Diogo de Campos Moreno refere que o comandante Jerónimo de Albu­querque observava o inimigo com "hum oculo de longa vista".151 A aparente banalidade com que o assunto é referido deixa supor que o telescópio não fosse já uma grande novi­dade.

Mas a personalidade a quem mais se ficou devendo a introdução das ideias de Galileu e do telescópio no nosso país foi ao padre Giovanni Paolo Lembo que, como já referimos, fora o principal responsável pela construção de telescópios no Collegio Romano e que confirmara as observações de Galileu no importante relatório ao cardeal Bellarmino em Abril de 1611. 152 Lembo começou a leccionar na «Aula da Esfera» do

151 DIOGO DE CAMPOS MORENO, «Jornada do Maranhão por ordem de S. Magestade feito o anno de 1614», in Colecçáo de noticias para a história e geografia das nações ultramarinas que vivem nos domlnios Partuguezes, ou lhes são vizinhas (Lisboa: Academia Real das Sciencias, 1814). Veja-se também: ENGEL SWITER, «The first known te/escopes car­ried to America, Asia and the Ardc, 1614-39», Journalfor the History af Astronomy, 28 (1997) 141-145.

152 Giovanni Paolo Lembo nasceu em Beneveto, Itália, por volta de 1570, e ingressou na Companhia de Jesus a 22 de Fevereiro de 1600, em Nápoles. De 1604 a 1607 estudou filosofia no colégio de Nápoles e em 1607 foi chamado para Roma, onde estudou Teologia e frequentou a academia matemática de Clávio. Nesta academia parece ter-se ocupado, sobretudo, com instrumentos astronómicos (no Verão de 1610 construiu o primeiro telescópio do Colégio Romano). Em Abril de 1611, aparece como um dos quatro signatários da resposta ao cardeal Bellarmino. De 1611 a 1614 encontra-se novamente no colégio de Nápoles, com tarefas administrativas. Em 1614, o Geral Acquaviva envia-o para ensinar mate­mática em Lisboa. A estadia de Lembo em Lisboa foi curta. Foi profes­sor no colégio de Santo Antão nos anos de 1615 a 1617, mas em Dezembro deste ano regressou a Itália, por motivos de saúde. Faleceu em Nápoles pouco depois, a 31 de Maio de 1618. Os dados biográficos

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colégio de Santo Antão em Abril de 1615. Aparecia, assim, em Lisboa, nos anos cruciais do debate cosmológico, um dos homens mais informados acerca destes assuntos; a sua activi­dade lectiva na "Aúla da Esfera", no período em que o debate em torno das questões cosmológicas literalmente explodia pela Europa, é um dos acontecimentos de maior importância na história científica do Colégio de Santo Antão.

O curso que Giovanni Paolo Lembo leu em Santo Antão nos anos 1615-1617 é um dos documentos mais importantes da história da ciência em PortugaL Chegou até nós através das notas tomadas por um aluno não identificado, num manus­crito de cerca de 140 fólios, redigido em português, e que se encontra em bom estado de conservação.153 Tem muitas figu­ras, desenhadas à mão, sobretudo diagramas astronómicos e matemáticos, representações de máquinas e outros artefactos tecnológicos, cobrindo um leque de assuntos muito ambicioso. Para além das matérias De Sphera e das questões náuticas, que são uma constante nos cursos deste período, Lembo tratou um conjunto de outras matérias, que incluem noções de trigono­metria, uma introdução à geometria de Euclides, e noções sobre o cômputo eclesiástico. Figuram de maneira proeminente neste curso muitos aspectos relacionados com máquinas e ins­trumentação vária, reflectindo possivelmente os interesses do professor que, como já dissemos, se destacara como construtor de instrumentos no Colégio Romano.

sobre Lembo são recolhidos de BALDlNI, "As assistências ibéricas», op. cit., p. 232, e de ROMANO GAITO, Tra Scienza e lmmaginazione. Le mate­matiche presso ii coliegío gesuitico napoletano (1552-1670 ca.) (Firenze: Olschlci, 1994), p. 35.

153 Lisboa, ANTT, Manuscritos de Livraria, 1770; Sphaera Mundi: A Ciência na «Aula da Esfera". Manuscritos Científicos do Colégio de Santo Antão nas colecções da BNP. Comissário ciendfico: HENRIQUE DE SOUSA LEITÃO; coordenação técnica: LIGIA DE AzEVEDO MARTiNS (Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2008), pp. 121-124.

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A parte maiS tnteressante deste curso, naturalmente, é a dedicada à astronomia. Logo no Prólogo, Lembo alude aos "longemirà' modernos (foI. Iv), naquela que é muito possivel­mente a primeira referência ao telescópio em português. Mais adiante, ao discutir o número de orbes, menciona pela pri­meira vez o nome de Copérnico, "varão doctíssimo". O autor prossegue analísando seguidamente o movimento dos orbes celestes, cotejando as várias hipóteses cosmológicas, o que obriga a fàzer uma primeira referência ao possível movimento da Terra. l54 Depois de descrito, o heliocentrismo coperniciano é rejeitado. Como se tornará habitual entre os professores da «Aula da Esfera», a objecção ao heliocentrismo está centrada sobretudo em argumentos técnicos (físicos e astronómicos) e só marginalmente são aludidos os problemas escriturÍsticos que levantava. Mas se a opinião de Copérnico parece de rejei­tar, Giovanni Lembo mostra que também o modelo geocên­trico defendido pelo seu mestre Clávio não é aceitável em vista dos novos descobrimentos na astronomia, explicando que o próprio Clávio, no fim da vida, confrontado com essas novas observações, indicara a necessidade de repensar todo o ordena­mento cosmológico.1 55 Ou seja, segundo o teor das aulas de

154 Não são as primeiras mençóes a Copérnico e ao seu sistema que se conhecem entre nós. As primeiras são as importantes observações que, em 1566, Pedro Nunes dedicou ao De revolutionibus. Ao longo do século XVI encontram-se várias outras menções ao astrónomo polaco e ao helio­centrismo em fontes portuguesas. Sobre este assunto veja-se: HENRIQUE LEITÃO, «Uma nota sobre Pedro Nunes e Copérnico», Gazeta de Mate­mática, 143 (2002) 60-78 e HENRJQUE LEiTÃO, «Anotaçóes ao De arte atque ratione nauigandi», ln Obras de Pedro Nunes, vol. IV (Lisboa: Aca­demia das Ciências de Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2008), pp. 515-794, esp. pp. 665-668; 729-735.

155 Lembo introduz aqui, em tradução portuguesa, a extensa, e famosa, citação de Clávio, a que já antes aludimos, e cujo original se encontra em: CLAVIUS, Opera Mathematica, (Malnz, 1611), vol. 3, p. 75: "Não quero encobrir ao lector, que pouco tempo ha me trouxerão de Frandes hum instromento a modo de hum cano comprido em cuias

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Lembo em Lisboa, o problema cosmológico, do correcto orde­namento dos orbes celestes de modo a salvar as aparências e tomando em consideração as novas observações de 1610, está em aberto.

A mais importante de todas as observações telescópicas, pelo menos no que se refere ao ordenamento dos orbes, é a de que Vénus exibe fases. Todas as outras observações (mesmo a dos satélites de Júpiter) podem, apesar de tudo, ser incorpora­das num esquema ptolomaico. A observação de fases em Vénus, contudo, ao mostrar que Vénus não está sempre entre a Terra e o Sol, obriga a uma radical transformação do esquema planetário tradicional. O curso de Lembo revela uma completa compreensão deste facto. O professor italiano desen-

bases digo em cuias basses estão postos 2 vidros ou occulos, pelo quoal os obiectos que estão longe nos pareçem muito perto e muito [fl.33r] maiores do que realmente são com este instrumento se vem muitas estrellas no firmamento que sem elle de nenhum modo se podem ver, prinçipalmente no 7 estrello yunto da nebulosa de Cancro, no Orion, na via Lactea que comummente chamão estrada de sam Tiago, e noutras partes mas isto não repugna ao que assima dissemos do numero das estrellas serem 1022 porque ahi fallamos das estrellas que sem ajuda deste instrumento se podem ver commodamente. A Lua tambem quoando esta com pontos ou mea chea pareçe noctauelmente despeda­cada e a aspera, de modo que não posso deixar de me espantar muito auer tantas desigoaldades no corpo da luã. Mas açerca deste pOntO veiasse Galileu Galileu, no Libra que intitulou nuntio das estreilas, e se empri­mio em Venesa no anno de 1610, no quoal escreueo varias obseruaçóins das estrellas que eIle primeiro fez entre outras cousas que com este ins­trumento se vem he huã espantosa scilicet que venus recebe a luz do Sol ao modo da luã de modo que appareçe com pontas maiores, ou meno­res, conforme á distançia que tem do Sol, o que muitas veses com outros obseruei estando aqui em Roma, e Saturno tem 2 estrellas maes pequenas iuntas assi, huã para o Oriente e outra pata o Ocçidente }uppiter tem 4 estrellas erratícas as quoaes varião o sitio que entre sy tem e com o mesmo Planeta }uppiter marauilhosamente pello que vejão os astronomos como hão de ordenar os orbes crelestes para saluar estas Phenomenas e apparençias, e atee qui Clauio. (fls. 32v-33r).

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volverá o seu argumento, que o levará a propor uma nova dis­posição dos orbes. Lembo começa por relatar a observação de fases no planeta Vénus que fizera em Roma, em 1610, e depois, num passo que é do maior interesse para a história da ciência em Portugal, revela que fizera o mesmo em Lisboa:

A mesma observação fiz os meses passados estando Ja aqui em Lixboa e a mostrei não somente a meus ouvintes; mas tambem a outras pessoas curiosas (muitas) qua a virão com pontas do mesmo modo que a luã, ao principio menores, depois maiores cada vez mais; falo com testemunhas de vista. (fl. 33v)

Esta é a primeira referência documental conhecida ates­tando a realização de observações com um telescópio em Por­tugal.156 É interessante notar que Lembo dá a entender que a audiência que testemunhou essas observações era mais ampla do que os seus alunos da «Aula da Esfera», incluindo também muitas outras "pessoas curiosas", revelando assim que o colégio de Santo Antão se tinha transformado no centro de irradiação das novidades científicas.

O manuscrito prossegue com uma cuidada explicação da origem de fases no planeta Vénus, comentando de seguida

156 O assunto é um pouco mais desenvolvido em: HENRIQUE LEI­TÃO, «Galileo's Telescopic Observations in Portugal", em: José MontesÍ­nos y Carlos Solís (eds.), Largo Campo di Filosofore. Eurosymposium Gali­leo 2001 (La Orotava: Fundación Canaria Orotava de la Historia de la Ciencia, 2001), pp. 903-913; HENRIQUE LEITÃO, «Os Primeiros Telescó­pios em Portugal», em: Actas do I. o Congresso Luso-Brasileiro de História da Ciência e da Técnica, (Évora: Universidade de Évora, 2001), pp. 107-118; HENRIQUE LEITÃO, "O debate cosmológico na "Aula da Esferà' do Colégio de Santo Antão», ln: Sphaera Mundi: A Ciência na <<Aula da Esfera». Manuscritos Científicos do Colégio de Santo Antão nas colecções da BNP. Comissário científico: HENRIQUE DE SOUSA LEITÃO; coordenação técnica: LrCIA DE AzEVEDO MARTINS (Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2008), pp. 27-44.

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o professor italiano que o mesmo fenómeno se dá com Mercú­rio e que a dificuldade em o observar é simplesmente devida à pequenez do planeta e ao facto de estar sempre mais próximo do Sol do que Vénus. Uma vez mais, o autor refere as obser­vações levadas a cabo em Lisboa. O facto dos planetas Vénus e Mercúrio exibirem fases tem profundas implicações no ordena­mento dos orbes, revelando que esses dois planetas orbitam em torno do SoL Lemho apresenta, então, o seu modelo de orde­namento cosmológico, que é uma variação do sistema de Tycho Brahe.157 .

Na parte final do manuscrito (fl. 135r-v), encontram-se instruções para a construção de um telescópio. Trata-se de ins­truções muito práticas, relacionadas com a técnica necessária para o polimento das lentes. São muito importantes e interes­santes, pois instruções práticas sobre o modo de polir lentes só começam a aparecer no início do século dezassete, já que até aí estes conhecimentos eram transmitidos apenas no âmbito muito reservado da formação de artesãos. Tanto quanto conse­guimos apurar, o Colégio de Santo Antão foi a primeira insti­tuição jesuíta da Europa onde os alunos foram iniciados no polimento de lentes para construção de telescópios.

As notas de aula de Giovanni Paolo Lembo são do maior interesse pois revelam a vitalidade das discussões em torno das novidades astronómicas na «Aula da Esfera» pelos anos de 1615-17. Por elas se fica a saber que nessa altura já se fàziam observações telescópicas em Lisboa e se discutiam as implica­ções dos vários fenómenos observados. Fica também a saber-se que, no Colégio de Santo Antão, se construíam telescópios e se ensinava que o modelo de Ptolomeu estava irremediavelmente ultrapassado. Também se percebe que a influência da «Aula da Esfera» se estendia para além dos limites das suas lições e dos

157 No a. 36v é apresentado o diagrama do arranjo cosmológico defendido opr Giovanni Paolo Lembo, com a legenda: "Ordo orbium ca:lestium ex sentencia P. Pauli Lembo J taly (Societatis Jesus) preceptoris nostrj".

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seus alunos. Os seus mestres eram reconhecidos e as suas opiniões eram procuradas e, como se viu, as demonstrações eram também, por vezes, seguidas por outras "pessoas curiosas". Não tem qualquer fundamento supor que em Portugal não se conhecessem as novidades astronómicas descobertas por Galileu e os debates que elas originaram. Pelo contrário, o local por onde essas novidades entraram no país, onde foram conhecidas e discutidas, foi precisamente o colégio dos jesuítas em Lisboa.

As aulas de Lembo e a discussão dos possíveis arranjos cosmológicos não foram uma excepção em Santo Antão, muito pelo contrário. Nas primeiras décadas do século XVII todos os professores da «Aula da Esfera» discutiram nas suas lições os graves problemas astronómicos e cosmológicos que dominavam a atenção da Europa culta da altura. Nessas aulas as novidades galileanas foram estudadas em detalhe. O modelo cosmológico ptolomaico foi rejeitado, o modelo astronómico coperniciano, embora não aceite, foi discutido e explicado. Como pratica­mente todos os matemáticos da Companhia de Jesus - e, na verdade, a maioria dos astrónomos europeus da altura -, os professores da «Aula da Esfera» defenderam a adopção do sis­tema de Tycho Brahe (ou alguma variante) que, adequando-se à nova evidência observacional, não levantava os problemas de uma Terra em movimento.

Sensivelmente pela altura em que Lembo deixava de lec­cionar, passava por Lisboa um impressionante grupo de jesuí­tas-matemáticos que estiveràm em Portugal pelos anos de 1617--1618, acabando por partir para o Oriente em Abril de 1618: Giacomo Rho (ca. 1592-1638), Johannes Schreck (1576--1630), Wenzel Pantaleon Kirwitzer (ca. 1589-1626), e Johann Adam Schall von BeU (1591-1666). Todos estes homens eram autoridades em assuntos científicos e destacar-se-iam pela sua acção científica no Extremo Oriente. Traziam consigo não ape­nas livros e instrumentos, mas sobretudo o domínio mais avan­çado de muitos assuntos científicos e o conhecimento das polé­micas cosmológicas, que assim eram discutidas em Santo Antão por professores, alunos, e "muitas outras pessoas curiosas".

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No Outono de 1620, iniciava as suas aulas de matemática em Santo Antão o alemão Johann Chrisostomus Gall (IS86~ -1643), que havia estudado no colégio de Ingolstad e acompa~ nhara de perto o debate acerca do ordenamento cosmológico. Evidentemente, nas suas lições [BNP, Cod. 1869] dedicou uma atenção especial aos assuntos cosmológicos e aos debates em torno do ordenamento celeste. As notas destas aulas que sobre­viveram mostram uma discussão cuidada dos novos factos observados com o telescópio que Gall designa por "óculo astronómico" (foI. 81r) ou "óculo comprido" (foI. 81v) - e uma discussão pormenorizada dos vários sistemas celestes: o de Ptolomeu, o de Tycho Brahe e o de Copérnico. A discussão destes tópicos no curso de Gall é muito interessante, pois mostra que, mesmo após a condenação do heliocentrismo, em 1616, o assunto era discutido abertamente no Colégio de Santo Antão.

Gall leccionou durante vários anos, num período crítico de debates cientIficos. Foi sucedido por um homem ainda mais interessante a que já aludimos, o jesuíta italiano Cris­toforo Borri, que viria a desempenhar um papel de grande importância nos debates cosmológicos da época. 158 A his-

158 Sobre Borri, veja-se, sobretudo, o estudo de DOMINGOS MAuRf­CIO GOMES DOS SANTOS, «Vicissitudes da Obra do Pe. Cristovão Borrh>, Anais da Academia Portuguesa de História, 2. a série, vol. 3 (1951) 119--150. Vejam~se ainda os seguintes: ANTÓNIO ALBERTO DE ANDRADE, «Antes de Vernei nascer .u o Pe. Cristovão Borri lança. nas escolas, a pri­meira grande reforma científica», Brotiria, 40 (1945) 396-379; UGO BALDlNI. <<As assistências ibéricas da Companhia de Jesus e a actividade científica nas missões asiáticas (1578-1640). Alguns aspectos culturais e institucionais». op. cito Luís MIGUEL CAROLINO, "Cristoforo Borri and the Epistemological Status of MathematÍcs in Seventeenth-Century Por­tuga!». Historia Mathematica, 34 (2007) 187-205; LuíS MIGUEL CARO­LINO, «The malcing of a Tychonic cosmology: Cristoforo Borri and the development of lycho Brahés astronomical system», Journal for the His­tory 01 Astronomy, 39 (2008) 313-344.

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toriografla portuguesa mais antiga identificara Borri como o homem que introduzira o conhecimento de Galileu e das des­cobertas galileanas em Portugal. Na verdade, ele não foi de modo algum o primeiro, pois, vários anos antes, Lembo já o havia feito, e depois Gall continuara. Mas porque Borri foi uma personalidade muito mais expansiva do que Lembo ou Gall e, sobretudo, porque viria a publicar, em Portugal, um livro sobre o assunto, o seu papel como divulgador das novi­dades astronómicas foi de fàcto excepcional.

Borri passara uma primeira vez por Lisboa por volta de 1615, em trânsito para o Oriente, e já nessa altura discutira em Portugal as novas ideias astronómicas. Após alguns anos na Ásia (onde, entre outros afazeres, se continuou a envolver em questões de astronomia), retornou à Europa. Foi nesse período que deu aulas no colégio de Santo Antão, entre 1627 e 1628. Tal como Lembo ou Gall, Cristovão Borri explicou nas suas aulas que em face das novas observações cosmológicas o sis­tema cosmológico ptolomaico não era aceitável. Explicou a natureza das novas observações, comentou em detalhe o fun­cionamento e os princípios ópticos do telescópio, insistiu tam­bém na necessidade de reformular profundamente a filosofia natural de base aristotélica, defendendo, em particular, que os céus teriam uma natureza fluida, não sendo compostos de orbes rígidas. Borri não achou que o sistema copernici;.no - cujos prós e contras discutiu - fosse aceitável e avançou com um ordenamento cosmológico semelhante ao de Tycho Brahe.

Embora estas polémicas novidades tenham sido discutidas pelos jesuítas de formação matemática que leccionavam na "Aula da Esfera", isso não significa que todos os jesuítas em Portugal as abraçassem. Como noutras regiões da Europa, tam­bém no nosso país os filósofos da Companhia tiveram muitas vezes dificuldades em compreender e em aceitar as novidades que os seus confrades matemáticos lhes transmitiam. Borri envolveu-se em polémicas com alguns jesuítas portugueses, sobretudo com os filósofos do colégio de Coimbra, e algumas

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delas parecem ter tido como base a diferença de opinião acerca de assuntos astronómicos;159

Um dos momentos mais importantes na difusão destes novos saberes foi a publicação, em 1631, em Lisboa, depois de vencidas algumas resistências, da Col/ecta astronomica, a excep­cional obra em que Borri deu a conhecer ao público geral as novidades astronómicas. A Collecta astronomica é o primeiro livro publicado em Portugal em que se discutem de maneira desenvolvida o telescópio, as novas observações astronómicas e as suas implicações cosmológicas, e os vários sistemas astronó­micos; é o primeiro livro impresso no nosso país em que se explica porque o modelo de Ptolomeu é insustentável e em que se defende que os céus têm uma natureza fluida e não rígida. Trata-se, portanto, de um documento do maior valor na histó­ria da ciência em Portugal, e mesmo da ciência europeia da época, pois o seu impacto sentiu-se muito para além das fron­teiras nacionais.

Nos anos seguintes, o inglês Ignace Stafford (1599-1642), que leccionou na «Aula da Esfera» entre 1630 e 1636, conti­nuou a analisar estes importantes assuntos astronómicos nas suas aulas. Merece atenção especial o completíssimo tratado sobre a natureza e usos dos paralaxes (BNP, PBA 240, p. 351--393) que existe em várias cópias. Neste texto cita alguns dos

159 As clivagens entre matemáticos e filósofos da Companhia de Jesus em Portugal foram já analisadas no que se refere a algumas ques­tões científicas. Ver, por exemplo: Luts MIGUEL CAROLINO, «Philosophi­cal teachíng and marhematical arguments: Jesuit philosophers versus Jesuit marhematicians on the controversy of comets in Portugal (1577--1650)>>, History 0/ Universities, 16 (2) (2000) 65-95; Luts MIGUEL CAROLINO e HENRIQUE LEITÃO, «Natural Philosophy and Mathematics in Portuguese Universities, 1550-1650», in: MORDECHAI FEINGOLD and VICTOR NAVARRO BROTONS (eds.), Universities and Science in Early Modem Period, (Dordrecht: Springer, 2006), pp. 153-168; BERNARDO MACHADO MOTA, O Etatuto das Matemdticas em Portugal nos Séculos XVI e XVII (Dissertação de Doutoramento, Faculdade de Letras da Universi­dade de Lisboa, 2008).

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mais importantes astr6nomos do período, incluindo alguns que pela sua afiliação religiosa ou pelas opiniões que publicamente defenderam talvez não se esperassem encontrar citados num colégio jesuíta: Rothman, Kepler, Scaliger, etc.

Entre 1638 e 1641, foi professor na <lAula da Esfera» o inglês Simon Fallon (I604-1642) que, a avaliar pelas notas de aulas que chegaram até aos dias de hoje, usou boa parte das suas lições para discutir muitos aspectos da nova astronomia. O curso por ele leccionado em 1639 aparece dividido em três Tratados (BNP, Cod 2258). No primeiro são apresentadas noções gerais relacionadas com a esfera terrestre, os seus cír­culos, princípios astron6micos básicos, eclipses, aplicações à navegação, etc. No tratado segundo, sobre a esfera sublunar, analisa-se longamente o delicado problema da relação da esfera da água com a esfera da terra, fazendo-se uma primeira, e pas­sageira, abordagem ao assunto «Se se move e como se move a Terra?», (foI. 59r). A parte mais importante das aulas, contudo, é a que se explana no Tratado 3.°: «Da Sphera celeste». Fallon começa por descrever os "phenomenos, ou apparencias com­muns que observarão os Mathematicos antigos" (foI. 92 r) , dis­cutindo em detalhe nove aparências celestes. No capítulo segundo, «Lançasse fora alguns modos de saluar essas apparen­cias celestes, e especialmente se rejeita a hypotesi de Nicolao Copernico» (foI. 95v), apresenta uma detalhada descrição do sistema coperniciano, concluindo que "Com esta hipothesi salua Copernico todas as apparencias" (foI. 96r). Passa, então, a explicar detalhadamente como todas as nove aparências ante­riormente explicadas são "salvas" com este modelo. O professor jesuíta termina cOIlJ o seguinte juízo: "Hua cousa somente tem contra sy esta hypothesique a faz de todo improvavel, e he o movimento que concebe à Terra" (foI. 97r), e, para jusúficar esta rejeição, alinha contra o sistema coperniciano as várias objecções: escriturísticas, físicas, etc.

O desenrolar da matéria segue então o desenvolvimento que já se tornara habitual nas licões de Santo Antão. Explicada a impossibilidade de aceitar o esquema planetário de Copér­nico e explicada também a necessidade de descartar o ordena-

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mento ptolomaico tradicional (no capítulo de título «Propense e reietasse a hypothesi ptolemaica, e comum acerca do numero e ordem das spheras celestes»), no capítulo quarto deste Tra­tado 3.°, "Apontaose alguns Phenomenos e apparencias novas que os Mathematicos destes tempos observão" (foI. 1 02r) são examinadas as novidades astronómicas que levam a que, no capítulo quinto, se chegue à proposta final: "Poense a nossa e verdadeira hypothesi que he a Tichonianà' (foI. 105v).

Esta edição

Usámos o texto do Sidereus Nuncius publicado em 1610 (Veneza, Baglione), que hoje em dia é facilmente acessível em versões digitalizadas, disponíveisonline, ou em facsimile (por exemplo, Galileo Galilei. Sidereus Nuncius. A reproduction of the copy in me British Library (Alburgh: Archival Facsimiles Ltd., 1987». Apresentamos uma reprodução facsimilada deste texto. Confrontámos com o. texto fixado por Antonio Favaro na edição nacional das Opere di Galileo (Opere, IIIIl, pp. 53-· -96). Favaro, como se sabe, fez algumas correcções e modifica­ções de pontuação no texto original, sem as indicar. Em alguns casos pontuais confrontámos também com o próprio manus­crito de Galileu, in Opere, III/I, pp. 17_50. 160

160 Conhecem-se dois manuscritos do Sidereus Nuncius. Um deles, autógrafo e praticamente íntegral, é o que foi reproduzido por Favaro in Opere, III/L pp. 17-50. O outro, também autógrafo, mas muito incom­pleto, não foi reproduzido nessa edição, embora Favaro tenha anotado algumas das suas variantes (vid. Opere, III/I, 59-70). O volume III/I das Opere contém todos os principais materiais relacionados com o Sidereus nuncius. Para além do manuscrito referido, e do texto de 1610, inclui ainda os seguintes: Johannes Kepler, Dissertatio cum Nuncio sidereo, pp. 97-126; Martin Horky, Brevíssima Peregrinatio contra Nuncium Side­reum, pp. 127-145; Francesco Sizzi, Dianoia astronomica, optica, physica, pp. 201-250; Ludovico deli e Colombe, Contro ii moto della Terra, pp. 251-290; Nuntius Sidereus Colegii Romani, pp. 291-298; De Lunarum montium altitudine, problema mathematicum, pp. 299-307, entre outros.

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De 1610 a 1900 foram preparadas nove edições, em latim, do Sídereus Nuncius. Quatro em publicações .indepen­dentes ou incluídas em obras de outros autores (Veneza, 1610; Frankfurt, 1610; Londres, 1653; Amsterdão, 1682) e cinco em colectâneas de obras de Galileu (1655/56; 1718; 1744; 1843; 1892).161

Cotejámos a nossa tradução com aquelas que são actual­mente as traduções de referência: a muito recente, em língua inglesa, Galileo's Sídereus Nuncius or A Siderea/ltl/essage. Transla­ted from the Latin by WILI.IAM R. SHEA; Introduction and Notes by William R. Shea and Tiziana Bascelli (Sagamore Beach: Science History Publications, 2009), e a outra, também para língua inglesa, Ga/í/eo GaMei. Sidereus Nuncius or The Siderea/ Messenger. Translated with introduction, conclusion and notes by Albert van Helden (Chicago and London: The University of Chicago Press, 1989); as de língua francesa, Ga/i­/eo Galilei. Le Messager des Étoiles. Traduit du latin, presenté et annoté par Fernand Hallyn (Paris: Seuil, 1992) e Sidereus Nun­eius. Le Messager Cê/este. Texte, traduction et notes établis par Isabelle Pantin (Paris: Les Belles Lettres, 1992); a italiana, Ga/i­/eo Ga/ilei. Sidereus Nuncius. Traduzione con testo a fronte e note di Maria Timpanaro Cardini (Firenze: Sansoni, 1948), e na versão moderna, a cura di Andrea Battistini (Venezia: Mar­silio, 1993); a espanhola, Ga/i/eo Galileí. La Gaceta Sideral, johannes Kepler. Conversación con el mensajero sideral Introduc­ción, traducción y notas de Carlos Solís Santos (Madrid: Alianza Editorial, 2007 [1 a ed. 1984]), com o Sidereus Nuncius nas pp. 37-116; e a tradução alemã, por Malte Hossenfelder, Gali/eo Galilei. Sidereus Nuncius. Nachricht von neuen Sternen. Dialog über die Weltsysteme (Auswahl). Vermessung der Holle Dantes. Marginalien zu Tasso. Herausgegeben und eingeleitet

161 Vid. Sidereus Nuncius. Le Messager Céleste. Texte, traduction et notes établis par Isabelle Pantin (Paris: Les Belles Lettres, 1992), pp. xc-xcvii, para uma descrição bibliográfica detalhada dessas edições.

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von Hans Blumenberg (Frankfurt am Main: Insel Verlag, 1965), com o Sidereus Nuncius nas pp. 79-131.

Pontualmente, em passos especialmente problemáticos ou apenas para observar outras soluções estilísticas, verificámos também a tradução (parcial) de Stillman Drake, em Discovenes and Opinions oi Ga/ileo (Garden City, NY: Anchor Book, 1957), com o Sidereus Nuncius nas pp. 21-58, bem como a tradução completa em Stillman Drake, Te/escopes, Tides and Tactics: A Ga/i/ean Dia/ogue about the "Starry Messenger" and Systems oi the Wor/d (Chicago: University of Chicago Press, 1983).162

Uma menção especial deve ser feita à tradução portuguesa publicada no Brasil: GALILEU GALILEI, A Mensagem das Estrelas. Tradução, Introdução e Notas de CARLOS ZILLER CAM E­NIETZKI; Revisão crítica de Adriano da Gama Kury (Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins; Salamandra,

162 Por outro lado, não nos pareceu necessário consultar outras tra­duções, de acesso relativamente fácil, como a italiana Nunzio Siderio, tr. Luisa Lanzillotta (Milano, 1953) [= vol. 34 de La Letteratura Italiana], as espanholas, El Mensajero de los Astros, trad. José Fernandes Chin, introd. por José Babini (Buenos Aires: Editorial Universitária de Buenos Aires, 1964), e EI Mensaje y El Mensajero Siderea~ introd. e trad. de Carlos Solís Santos (Madrid: Alianza Editorial, 1984), ou ainda outras, mais antigas, como a primeira tradução em língua inglesa, The Sidereal Mes­senger o[ Galileo Galilei and a Part o[ the Prefoce to Kepler's Dioptrics con­taining the original account o[ Gali/eos astronomical discoveries. A transla­tion with introductíon and notes by Edward Stafford Carlos (London, 1880; reprinted, London: Dawsons of Pall Mali, 1960), ou as francesas: Alexandre Tinelis, abbé de Castelet, Le messager céleste (Paris, 1681); Side­reus Nuncius; Le Message C/leste. Texte établi et traduit par Émile Namer (Paris: Gauthier-ViIlars, 1964); Galilée. Le Message Cêleste. Traduction complete du Latin en Français, avec des notes, par Jean Peyroux. Suivi de la Dissertation avec le Messager Céleste et de la Narration sur les Satellites de ]upiter de Jean Kepler, traduits pour la premiere fois du Ladn en Français (Paris: Blanchard, 1989).

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1987), que depois foi reeditada com o título modificado: GALILEU GALILEI, O Mensageiro das Estrelas (São Paulo: Duetto Editorial, Scientific American Brasil, 2009). O texto produzido visou deliberademente um público amplo, não tendo havido hesitações em modernizar, o que foi sempre feito pela mão segura do tradutor, um especialista em história de ciência de créditos firmados. O estudo introdutório é muito breve e as notas explicativas e de contexto reduzidas ao mínimo. Ou seja, uma obra de qualidade indiscutível, mas de propósitos e ambi­ções diversos dos nossos.

Recordamos que o texto original do Sidereus Nuncius é, hoje em dia, de consulta muito fácil já que se encontra dispo­nibilizado em versões digitalizadas, na Internet. As obras com­pletas de Galileu, com a versão do Sidereus Nuncius editada por Favaro, estão também disponíveis na rede. Uma última menção para o CD-ROM editado pela empresa Octavo, com uma excepcional digitalização da obra de Galileu e da tradução inglesa de Albert van Helden, com todas as facilidades de busca (vid: www.octavo.com]

A sempre difícil tarefa de traduzir Galileu foi norteada pelo desejo de procurar respeitar algumas das características do seu estilo e, em particular, do estilo que empregou no Sidereus Nuncíus. Galileu é, ao mesmo tempo, um autor com grande preocupação de claridade e precisão na linguagem, mas tam­bém muito atento ao efeito retórico dos seus textos. Tem um bom domínio da língua latina, mas no Sidereus Nuncius optou por uma linguagem despida, sem adornos, por vezes roçando um registo quase meramente técnico, tendo alguns achado o estilo "aridus" (Opere, X, 316). Contudo, não há qualquer monotonia no texto, que se apresenta sempre incisivo e tenso em cada página.

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HENRIQUE LEITÃO

Universidade de Lisboa

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BREVE CRONOLOGIA

1609 Maio Em Pádua, Galileu teria r?], pela primeira vez, ouvido falar do telescópio holandês.

18 Jul.-3 Ago. Estando em Veneza, Galileu tem, possivel­mente, pela primeira vez [?], notícias sobre o telescópio. Visita PaoIo Sarpi e com ele discute o instrumento. Pode ter visto um telescópio.

Ago. 4 De volta a Pádua, começa a ensaiar com com­binações de lentes côncavas e convexas e a breve trecho reproduz o efeito telescópico.

5-20 Ago. Constrói, com êxito, um instrumento que aumenta cerca de dez vezes. Decide ir a Veneza.

Ago. 21 Em Veneza, faz uma demonstração do telescó­pio na torre de S. Marcos.

24-24 Ago. Mostra o instrumento no Senado de Veneza. É recompensado com novas condições contra­tuais, muito favoráveis.

Ago.29 Escreve a Benedetto Landucci (Opere, X, 253--254).

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Nov. 30.

Dez. 4

Dez. 17

Dez. 18

Em Pádua, pouco depois do pôr do sol, observa e desenha a Lua de quatro dias, usando um telescópio com ampliação de cerca de vinte vezes. Continua a observar até a Lua "quase se pôr:' (por volta das 8 da tarde), fazendo, neste dia e nos seguintes, mais dese­nhos.

Escreve a Michelangelo Buonarroti, mencio­nando melhorias na sua luneta e "se calhar outra descobertà' (Opere, X, 271).

Observa a Lua por volta das 5 da manhã; nota sombras provocadas pelas fronteiras montanho­sas do M. Serenitatis.

Continua observações; nota particularmente o pôr do sol na cratera Albaténio.

Dez. 18-1610 Jan. 6

1610 Jan. 7

Jan. 8

Observa estrelas, aglomerados, a Via Láctea e Júpiter com telescópio de 8X durante este período.

Usando o instrumento de 20X, observa estre­las, incluindo Júpiter, perto do qual notou três pequenas estrelas pela primeira vez. Escreve uma carta a Antonio de' Mediei (ou a Enea Piccolomini) resumindo as suas observações telescópicas até à data, isto é, sobretudo as observações lunares (Opere, X, 273-278).

Observa Júpiter outra vez num impulso casual. Nota que o movimento aparente de Júpiter relativamente às "três estrelas fixas" não era na direcção prevista.

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Jan.9

Jan. 10

Jan. 13

Jan. 15

Jan. 16

Jan. 23

Jan. 30

Jan. 31

Fev.7

Mar. 1

Mar. 2

Grande desejo de observar Júpiter é impedido pelas nuvens.

Começa uma série de observações de Júpiter e dos seus satélites.

Relata um quarto satélite pela primeira vez.

Primeira compreensão cabal da natureza orbital dos movimentos das pequenas "estrelas" em torno de Júpiter, isto é, que são satélites. Relato das observações muda de italiano para latim. Decide publicar todas as observações.

A partir deste dia, começa a escrever a pri­meira porção do texto do Sídereus 'Nuncíus.

Primeiros esboços da região do cinturão de Orionte e das regiões de Sirius e de Prócion.

Em Veneza, com o impressor; provavelmente enVIa os quatro desenhos da Lua para grava­ção.

Faz desenhos das Plêiades, a olho nu e com telescópio.

Faz esboços melhorados de estrelas do ciinurão de Orionte e da região da espada.

Licença para publicar concedida.

Última observação de Júpiter para inclusão no livro.

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Mar. 3 em diante

Mar. 8

Mar. 12

Mar. 13

Mar. 18

Mar. 19

Escreve, ou pelo menos completa, uma cópia do texto para o impressor durante este período; provavelmente muda de "8" para "10" meses e escreve a dedicatória.

Livro registado.

Data a dedicatória.

Chega a Veneza; encontra a impressão com­pleta mas ainda com as folhas soltas. Envia um exemplar do livro acompanhado de uma carta para Belisario Vinta.

De regresso a Pádua; observa Júpiter.

Envia cópia do livro pronro a Cosme II de' Mediei. O livro esgota em Veneza.

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GALILEU GALILEI

o MENSAGEIRO DAS ESTRELAS tradução por

HENRIQUE LEITÃO

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MENSAGEIRO! DAS ESTRELAS,

que desvela espectáculos GRANDES E IMENSAMENTE ADMIRÁVEIS,

propondo a cada um, mas sobretudo AOS FILÓSOFOS E ASTRÓNOMOS, contemplar o que

G A L I L E U G A L I L E I, NOBRE FLORENTIN0 2

,

professor de matemática da Universidade de Pádua3,

observou com o auxílio de uma

LUNETA4

por ele recentemente concebidas, na FACE DA LUA, AS INUMERÁVEIS ESTRELAS FIXAS, A VIA LACTEA,

NEBULOSAS e, sobretudo,

QUATRO PLANETAS6 revolvendo em torno de JÚPITER, a distâncias e

com períodos diferentes, com espantosa rapidez, os quais ninguém até hoje divisara, e agora pela primeira vez

foram vistos pelo Autor E POR ELE DESIGNADOS DE

ESTRELAS MEDI CEIAS.

Veneza, Tommaso Baglioni, 1610

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[2r]

AO SERENíSSIMO

COSME II DE MEDICI, QUARTO GRÃO-DUQUE DA TOSCANA7,

Foi ilustre, certamente, e cheio de humanidade, o desíg­nio daqueles que se esforçaram por proteger da inveja os feitos notáveis dos homens eminentes pela sua virtude e defender do esquecimento e da morte os seus nomes merecedores de imortalidade.8 Dai as imagens legadas à memória da posteridade, quer as esculpidas no mármore quer as forjadas no bronze; daí as estátuas erigidas, tanto as pedestres como as equestres; daí as colunas e as pirâ­mides, como diz o poeta, de custos astronómicos; 9 daí, por fim, as cidades edificadas, distinguidas pelos nomes daqueles que a posteridade reconhecida julgou deverem ser confiados à eternidade. Tal é, com efeito, a condição do espírito humano, que, se não é continuamente solici­tado pela representação das coisas que, do exterior, nele irrompem, toda a lembrança se escoa facilmente para fora dele.

Outros, porém, olhando a meios mais sólidos e mais duradouros, confiaram a celebração eterna dos grandes homens não à pedra e ao metal, [2v] mas ao cuidado das Musas e aos monumentos incorruptíveis das letras. 10 Mas porque relembro eu estas coisas como se o engenho humano, afeito a estes domínios, não tivesse ousado ir mais além? Com efeito, olhando mais adiante e com­preendendo perfeitamente que todos os monumentos

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humanos acabam por perecer sob a força do tempo e da velhice, concebeu símbolos mais incorruptíveis em relação aos quais o tempo voraz11 e a invejosa velhice não reivin­dicassem para si nenhum direito. E, assim, passando para os céus, inscreveu naqueles conhecidos orbes eternos dos astros mais brilhantes os nomes daqueles que, por seus feitos ilustres e quase divinos, foram julgados dignos de disfrutar com as estrelas de uma vida eterna. Por isso, a fama de Júpiter, Marte, Mercúrio, Hércules, e outros her6is por cujos nomes as estrelas são designadas, não se apagará antes que o pr6prio resplendor das estrelas se extinga. Ora, esta invenção da sagacidade humana, nobre e admirável entre todas, caiu no esquecimento há muitos séculos, ocupando os antigos her6is essas brilhantes sedes e mantendo-as como que por direito pr6prio. Em vão a piedade de Augusto se esforçou por incluir Júlio César no seu número, pois, quando ele desejou nomear como astro Juliano a estrela que tinha aparecido no seu tempo, daquelas a que os gregos chamam «cometa» e que n6s chamamos «cabeleira» 12, ela, desaparecendo pouco depois, frustrou a esperança de tão grande ambição.13 Mas agora, Príncipe Sereníssimo, podemos augurar a Vossa Alteza coisas mais verdadeiras e mais felizes, pois mal começaram a brilhar na terra os imortais ornamentos da vossa alma, mostraram-se nos céus uns astros brilhante que, como lín­guas, [3r] hão-de narrar e celebrar por todo o tempo as vossas extraordinárias virrudes. 14 Eis, pois, quatro estrelas reservadas para o vosso nome ilustre, e não são elas da multidão das menos notáveis estrelas ftxas, mas da ordem ilustre das estrelas vagueantes, que, com movimentos sem dúvida diferentes, fazem os seus percursos e 6rbitas com uma velocidade maravilhosa em torno da estrela de J úpi­ter, a mais nobre de todas elas, como sua autêntica des­cendência, enquanto todas juntas, em mútua harmonia, completam as suas revoluções cada doze anos em torno do centro do mundo, isto é, em torno do próprio SoL 15

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Na verdade, parece que, com argumentos claros, o próprio Criador dos Astros me exortava a designar esses novos planetas pelo nome ilustre de Vossa Alteza, de pre­ferência a todos os outros. Efectivamente, do mesmo modo que essas estrelas, como digna descendência de Júpiter, nunca se afastam do seu lado senão por pequena distância, assim, quem ignora que a clemência, a bondade de espírito, a gentileza das maneiras, o esplendor do san­gue real, a majestade no agir e a amplidão da autoridade e mando sobre os outros, todas estas qualidades que acha­ram um domicílio e sede em Vossa Alteza, quem, digo eu, ignora que tudo isto emana da benigna estrela de Júpiter, segundo [ordem de] Deus que é a fonte de todo o bem? Foi Júpiter, Júpiter digo eu, que no nascimento de Vossa Alteza, tendo já passado pelos vapores turvos do horizonte, ocupando o meio do céu 16 e iluminando o ângulo ocidental a partir da sua casa real I?, desse sublime trono olhou sobre o Vosso nascimento afortunado e der­ramou todo o seu esplendor e grandeza sobre o ar mais puro, a fim de [3v] que o Vosso pequeno e terno corpo juntamente com a Vossa alma, adornada já por Deus com os mais nobres ornamentos, haurisse com o seu primeiro sopro todo esse poder universal e autoridade. Mas porque uso argumentos prováveis quando posso tudo deduzir e demonstrar a partir de razões necessárias? Aprouve a Deus Todo-Poderoso que eu não fosse julgado indigno pelos Vossos Sereníssimos Pais para a tarefa de instruir Vossa Alteza nas ciências matemáticas, tarefa que cumpri nos passados quatro anos, na altura do ano em que é mais habitual descansar de estudos mais severos. 18 Quanto a isso, visto ter eu, por evidente acção divina, a felicidade de servir Vossa Alteza e, por isso, receber de mais perto os raios da vossa inaudita demência e benignidade, será porventura uma surpresa que eu, que sou Vosso súbdito não apenas por desejo mas também por origem e natu­reza,19 tivesse o meu espírito de tal modo inflamado que,

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dia e noite, não pensasse em quase nada mais do que em tornar conhecido quão grato estou para convosco e quão desejoso de promover a vossa glória?

E, assim, uma vez que sob os vossos auspícios, Sere­níssimo COSME, descobri essas estrelas, desconhecidas de todos os anteriores astrónomos, decidi, com todo o direito, adorná-las com o muito augusto nome da Vossa família. Se fui o primeiro a descobri-las, quem me negará o direito de também lhes atribuir um nome e as chamar ESTRELAS MEDICEIAS, esperando que tanta dignidade seja adicionada a estes astros por esta designação como foi conferida a outras estrelas por outros heróis? Pois, sem falar dos vossos Sereníssimos Ancestrais, de cuja glória eterna [4r] todos os monumentos da história dão teste­munho, apenas o Vosso mérito, Supremo Herói, pode garantir a essas estrelas a imortalidade do nome. Quem, de facto, duvidará que por grande que seja a expectativa que suscitastes com os mais auspiciosos começos do vosso reino, não só a mantereis e defendereis, mas a havereis de superar por larga margem, de modo que, uma vez venci­dos os vossos pares, vos confrontareis convosco e dia a dia vos superareis a vós e à vossa grandeza?

Recebei, pois, Clementíssimo Príncipe, esta honra ligada à vossa família que os astros Vos reservavam e disfrutai durante muito tempo estas bençãos divinas trazidas até Vós não apenas pelas estrelas mas por Deus, o Criador e Moderador das estrelas.

Em Pádua, no quarto dia antes dos Idos de Março, MDCX20

o mais leal servo de Vossa Alte'"za,

Galileu Galilei

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Suas Excelências os Senhores Chefes do Excelente Conse­lho dos Dez 21, abaixo assinados, com o testemunho dos Senhores Reformadores do Estudo de Pádua, segundo o relatório de dois a este assunto designados, a saber, do Reverendo Pe. Inquisidor, e do secretário examinador do Senado Giovanni Marauiglia, sob juramento, como no livro intitulado SYDEREVS NVNCIVS, etc. do senhor Galileu Galilei não se encontra coisa alguma contrária à Santa Fé Católica, aos princípios e aos bons costumes, e que é digno de ser impresso, concedem a licença para que possa ser impresso nesta cidade.

No primeiro dia de Março de 1610

. eres o ce ente Senhor Marco Antonio Valaresso } Ch c d Ex I

Senhor Nlcolú Bon Conselho dos Dez Senhor Lunardo Marcello

Bartolomeo Comi no Secretário do Mui Ilustre Conselho dos Dez

1610, a 8 de Março, registado no livro a foI. 39

Giovanni Battista Breatto Coadjutor do Ofício contra a Blasfémia

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MENSAGEM ASTRONÓMICN2,

que contém (? apresenta

AS RECENTES OBSERVA ÇÓES> flitas com uma nova luneta, da superficie- "; Lua,

da Via Láctea e dtJ.S nebulosas, de inumeráveis e.:;t;relas fixas, e ainda de quatrc planetas designados. par .

ASTROS DE COSME23, nunca até hoje vistos.

GRANDES COISAS, na verdade, são as que proponho neste pequeno tratado para que sejam examinadas e contempla­das por cada um dos que estudam a natureza. Coisas grandes, digo, pela própria excelência do assunto, pela sua novidade absolutamente inaudita e ainda por causa do instrumento com o auxílio do qual elas se tornaram manifestas aos nossos sentidos.

Grande, na verdade, é o facto de à incontável multi­dão de estrelas fixas que, com as faculdades naturais, se puderam observar até hoje, acrescentar e expor aberta­mente aos olhares incontáveis outras, nunca antes vistas e que ultrapassam mais de dez vezes o número daquelas que se conhecem de há muito.24

É magnífico, e muito agradável ao olhar, poder observar o corpo lunar, que está afastado de nós cerca de sessenta raios terrestres 25, como se [5v] não estivesse mais distante do que duas dessas unidades; a tal ponto que o

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diâmetro dessa mesma Lua parece quase trinta vezes, a sua superfície noventa vezes e o seu volume quase vinte e sete mil vezes maiores do que quando são vistos sim­plesmente à vista desarmada.26 Daí, consequentemente, que qualquer pessoa compreenda, com a certeza dos sen­tidos, que a Lua não é de maneira nenhuma revestida de uma superfície lisa e perfeitamente polida, mas sim de uma superfície acidentada e desigual, e que, como a pró­pria face da Terra, está coberta em todas as partes por enormes protuberâncias, depressões profundas, e sinuosi­dades.

Além disso, não parece coisa de somenos ter elimi­nado as controvérsias acerca da Galáxia ou Via Láctea e ter revelado a sua natureza aos sentidos, quanto mais à inteligência; e será' maravilhoso e sumamente belo. demonstrar claramente, como se apontando com um dedo, que a substância dessas estrelas, que até ao presente todos os astrónomos chamavam nebulosas, é muito dife­rente do que até agora se pensou.

Mas aquilo que excede imensamente toda a admira­ção, e o que especialmente nos impeliu a dar notícia a todos os astrónomos e filósofos, é que descobrimos quatro estrelas errantes 27, nem conhecidas nem observadas por ninguém antes de nós, que,tal como Vénus e Mercúrio em torno do $01 28

, têm os seus períodos em torno de um certo astro insigne entre o número dos conhecidos, ora o precedendo, ora o seguindo, e nunca ficando afastadas dele para .além de certos limites. Todas estas coisas foram descobertas e observadas há alguns dias 29 por meio de uma luneta concebida por mim depois de ter sido ilumi­nado pela graça divina 30.

Coisas talvez mais excelentes serão descobertas com o tempo, ou por mim ou por outros, com a ajuda de um instrumento semelhante, cuja forma e construção, assim

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como as circunstâncias de sua invenção, [6r] mencionarei brevemente em primeiro lugar, e depois resumirei a histó­ria das observações feitas por mim.

HA CERCA DE DEZ MESES 31 chegou aos nossos ouvi­dos o rumor 32 de que um belga 33 havia construído uma luneta com o auxílio da qual os objectos visíveis, mesmo que estivessem muito afastados da vista do observador, se viam distintamente, como se estivessem próximos. Acerca deste admirável efeito circularam alguns relatos, uns dando-lhe crédito e outros negando-o. Isto mesmo me foi confirmado passados poucos dias por uma carta enviada de Paris pelo nobre francês Jacques Badovere 34 , o que finalmente me fez dedicar-me completamente a descobrir as razões e a conceber os meios pelos quais pudesse che­gar à invenção de um instrumento semelhante, o que consegui passado pouco tempo, baseado na teoria das refracções 35. Inicialmente, preparei um tubo de chumbo em cujas extremidades ajustei duas lentes de vidro, ambas planas numa face, sendo uma delas convexa na outra face, e a outra côncava. Aproximando o meu olho da lente côncava observei os objectos bastante maiores e mais pró­ximos. Na verdade, surgiam três vezes mais próximos e nove vezes maiores do que quando vistos a olho nu. Construí, depois, um outro [instrumento] mais exacto que apresentava os objectos sessenta vezes maiores.36 Final­mente, sem poupar qualquer trabalho ou dinheiro, foi-me possível construir um instrumento tão excelente que as coisas com ele vistas apareciam quase mil vezes maiores e mais do que trinta vezes mais próximas do que quando observadas apenas com as faculdades naturais. Seria com­pletamente supérfluo enumerar quantas e quais as vanta­gens deste instrumento, tanto na terra como nos mares. Mas, deixando as coisas terrestres, apliquei-me à investiga-

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ção das celestes. Primeiro, vi a Lua de tão perto [6v] como se ela estivesse afastada apenas por dois raios terres­tres 37. Depois observei muitas vezes, com incrível alegria na alma, tanto as estrelas fixas como as errantes, e, ao verificar o seu grande número, comecei a imaginar um método pelo qual pudesse medir a distância entre elas, o que por fim descobri. Neste assunto, convém pôr de sobreaviso todos os que pretendam fazer este tipo de observações. Em primeiro lugar, com efeito, é necessá­rio que preparem uma luneta de grande precisão, que apresente os objectos de maneira brilhante, distintamente, sem estarem obscurecidos, e que os aumente pelo menos quatrocentas vezes, pois então os mostrará vinte vezes mais próximos.38 De facto, se o instrumento não for de tal sorte, tentarão em vão ver todas aquelas coisas que nós observámos nos céus e abaixo enumeraremos. Mas para que qualquer pessoa consiga, com pouco trabalho, deter­minar a ampliação do instrumento, desenhe dois círculos ou dois quadrados num papel, um dos quais será qua­trocentas vezes maior do que o outro, o que sucederá quando o diâmetro do maior for vinte vezes o compri­mento do outrO.39 Depois olhará de longe, em simultâ­neo, ambas as folhas postas numa mesma parede, a mais pequena com o olho aplicado à luneta e a maior com o outro olho, à vista desarmada. Isto pode ser feito facil­mente com ambos os olhos abertos ao mesmo tempo. k duas figuras aparecerão, então, do mesmo tamanho, se o instrumento ampliar os objectos de acordo com a propor­ção desejada.

Depois de um tal instrumento ter sido preparado, deverá investigar-se o método de medir distâncias, o que é conseguido da seguinte maneira. Para facilitar a com­preensão, seja ABCD o tubo e E o olho do observador. Quando não há lentes no tubo, os raios visuais seguem

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até ao objecto FG segundo as linhas rectas ECF e EDG, mas, colocadas as lentes, [7r] seguem ao longo das linhas refractadas ECH e EDI.40 Com efeito, os raios são aper­tados e onde antes, [propagando-se] livremente, eram dirigidos para o objecto FG, agora apenas compreendem a parte HUI

., HJ lo C :-= E-:t ::1

D

Então, tendo achado a razão da distância EH para a linha HI, determina-se pelas tabelas de senos o valor do ângulo subtendido no olho pelo objecto HI, achando que este ângulo tem apenas alguns minutos. Ora, se aplicarmos à lente CD cartões perfurados, uns com buracos maiores, outros com menores, colocando ora um ora outro, con­forme necessário, formaremos à vontade ângulos vários, subtendendo mais ou menos minutos. Por este processo podemos medir convenientemente, com um erro menor do que um ou dois minutos, o intervalo entre estrelas separadas umas das outras por alguns minutos. Seja sufi­ciente para o presente, contudo, termos tocado ligeira­mente neste assunto e tê-lo, por assim dizer, roçado ape­nas com a ponta dos lábios, pois numa outra ocasião tornaremos pública uma teoria completa deste instru­mento.42 Vamos agora relatar as observações feitas por nós nos dois últimos meses 43, convidando todos os amantes da verdadeira filosofia para o início, seguramente, de grandes contemplações.

Falemos, em primeiro lugar, da face da Lua que está voltada para nós, que, [7v] para facilitar a compreensão,

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(i

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distinguirei em duas partes, uma mais clara e outra mais escura.44 A mais clara parece rodear e inundar [de luz] 45

todo o hemisfério, enquanto a mais escura cobre, como uma nuvem, essa face, enchendo-a de manchas. Estas manchas, um pouço escuras e bastante vastas, são visíveis a todos e em todas as épocas foram observadas. Por essa razão lhes chamaremos as manchas grandes ou antigas, para as diferenciar de outras, de menor tamanho, mas a tal ponto numerosas que recobrem toda a superfície lunar mas especialmente a parte mais luminosa. Estas, na ver­dade, não foram observadas por ninguém antes de nós. Do seu exame muitas vezes repetido deduzimos que podemos discernir com certeza que a superfície da Lua não é perfeitamente polida, uniforme e exactamente esfé­rica, como um exército de filósofos acreditou, acerca dela e dos outros corpos celestes, mas é, pelo contrário, desi­gual, acidentada, constituída por cavidades e protuberân­cias, como a face da própria Terra, que está marcada, aqui e acolá, por cadeias de montanhas e profundezas de vales. As aparências a partir das quais isro se pode deduzir são as seguintes:

No quarto ou quinto dia após a conjunção, quando a Lua se nos apresenta com cornos resplandecentes, o limite que separa a sua parte escura da sua parte luminosa não se estende regularmente, seguindo uma linha oval, como sucederia num sólido perfeitamente esférico, mas traça uma linha desigual, acidentada e notavelmente sinuosa, como a figura aqui ao lado mostra.46 Com efeito, uma espécie de excrescências brilhantes estendem-se em grande número na parte escura, para lá da fronteira entre a luz e as trevas e, ao contrário, pequenas partes escuras avançam para dentro da parte luminosa. Além disso, tam­bém uma grande quantidade de pequenas manchas ene­grecidas, [8r] completamente separadas da parte obscura,

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espalha-se por quase roda a extensâo já inundada pela luz do Sol, com excepção rodavia daquela parte que tem as manchas grandes e antigas. Ora, notámos logo que essas pequenas manchas têm todas e sempre em comum que a sua parre enegrecida está virada para O Sol, enquanto, do lado opOSto ao Sol, estão coroadas de extremidades mais luminosas, como arestas resp landecentes. Ora, remos na Terra uma visão tOralmente semelhante, no momento do nascer do Sol, quando dirigimos o nosso olhar sobre os vales que ainda não estão banhados de luz, e as monta­nhas que os cercam resplandecem, já do lado opostO, ao Sol. E, tal como as sombras das cavidades terrestres dimi­nuem 11 medida que o Sol se eleva, assim também estas manchas lunares perdem as suas trevas 11 medida que a pane luminosa cresce.

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[8v] Na verdade, não se vê apenas que na Lua a fronteira entre as trevas e a luz é desigual e sinuosa, mas - o que suscita ainda mais espanto - que um enorme número de pontos brilhantes aparece no seio da parte escurecida da Lua, completamente separados e desligados da zona ilu­minada e afastados dela por um intervalo que não é pequeno. Estes pontos aumentam pouco a pouco, passado algum tempo, em grandeza e luminosidade, e, passadas duas ou três horas, juntam-se ao resto da zona brilhante que então aumentou. Entretanto, contudo, mais e mais pontos como que pululando daqui e dali, iluminam-se, na parte escura, aumentam e finalmente unem-se à super­fície luminosa, que agora está ainda mais dilatada. A mesma figura mostra-nos o exemplo disso. Ora, não é verdade que na Terra, antes do nascer do Sol, quando a sombra ainda cobre as planícies, os cimos dos montes mais elevados estão iluminados pelos raios solares? E que após um curto intervalo de tempo a luz se espalha, ilu­minando as partes médias e mais largas desses montes? E, por fim, quando o Sol já se levantou, não se juntam as iluminações das planícies e das colinas umas às outras? Na Lua, todavia, este contraste entre as elevações e as depressões parece exceder em muito a desigualdade do relevo terrestre, como mostraremos mais adiante.

Entretanto, não quero de maneira nenhuma passar em silêncio um facto digno de atenção, que observei quando a Lua avançava para a primeira quadratura 47 e acerca do qual o mesmo desenho precedente dá uma ima­gem. Um enorme golfo tenebroso, com efeito, situado para o lado do corno inferior, insinua-se na parte lumi­nosa. Tendo observado durante muito tempo este golfo sombreado e vendo-o todo mergulhado na escuridão, finalmente, passadas cerca de duas horas, começou a des­pontar uma espécie de cume luminoso, um pouco abaixo do meio da cavidade. Crescendo pouco a pouco, apresen­tava uma forma triangular e estava ainda completamente

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separado e desligado da zona luminosa. Logo depois, começaram a brilhar em torno dele três outras pequenas pontas, [9r] até que, quando a 'Lua tendia já para o ocaso, essa figura triangular estendeu-se e ampliou-se, para finalmente se unir ao resto da parte luminosa e, como um enorme promontório, sempre rodeada dos três picos brilhantes já mencionados, irrompeu no golfo escuro. Nas extremidades dos cornos, tanto do corno superior como do corno inferior, emergiam também alguns pontos resplandecentes e completamente isolados do resto da luz, como se vê desenhado na mesma figura. Havia, também, uma grande quantidade de manchas escuras em cada corno, mas sobretudo no inferior; entre essas manchas, aquelas que estão mais perto da fronteira entre luz e tre­vas aparecem maiores e mais escuras, enquanto as mais afastadas aparecem menos escuras e mais apagadas. Mas sempre, como já dissemos antes, a parte escurecida da mancha está do lado da irradiação solar, enquanto uma franja mais resplandecente bordeja a mancha na parte oposta ao Sol e virada para a zona sombria da Lua. Esta superfície da Lua, onde está assinalada pelas manchas como a cauda de um pavão está pelos olhos de azur, asse­melha-se a esses pequenos vasos de vidro que, mergulha­dos ainda incandescentes na água fria, adquirem uma superfície encarquilhada e ondulada de onde lhes vem a designação popular de «taças de gelo».

No que respeita às manchas grandes da Lua, não se vêem tão interrompidas e cobertas de depressões e protu­berâncias, aparecendo mais regulares e uniformes, emer­gindo apenas nelas, aqui e ali, pequenas zonas brilhantes. Deste modo, se alguém quiser ressuscitar a antiga opinião pitagórica segundo a qual a Lua seria uma outra Terra 48,

a sua parte mais brilhante seria mais apta a representar a superfície terrena e a sua parte mais obscura a superfície aquosa 49. Quanto a mim, nunca duvidei de que, se o globo terrestre, banhado pelos raios solares, fosse visto de

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longe, a superfície de {erra firme se oferece ri a mais clara ao olhar [9vJ e a parte de água mais escura. Além disso. na Lua, vê-se que as grandes manchas são mais cavadas do que as zonas mais claras, pois tanro na fase crescenre como na fase minguante, vê-se sempre surgir no limi te da luz c das trevas, aqui e ali, em torno das próprias man­chas grandes. os bordos da partc mais clara. como tivé­mos o cuidado de mOStrar nas figuras . E os conrornos das di tas manchas não são somenre mais cavados, mas tam­bém mais uniformes c não cmrecorrados por rugas ou as perezas. A parte mais iluminada, além disso, eleva-se muito perto das manchas, a tal ponro que antes da pri­meira quadratura, como nas vizi nhanças da segunda, enormes protuberâncias se elevam acentuadamenre, perto de uma certa mancha ocupando a região superior, isto é, boreal, da Lua, tanto acima como aba ixo del a, como os desenhos aqui juntos mostram:

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IIOr]

Antes da segunda quadratura, vê-se essa mesma mancha rodeada de contornos mais negros que. como os cumes das montanhas muiro altas. apa recem mais escuros do lado opOStO ao Sol e mOStram-se mais brilhantes onde estão diante do Sol. Dá-se o inverso nas cavidades. cuja pane oposta ao Sol aparece resplandece me. mas escura e sombreada a que está situada do lado do Sol. Depois, quando a superfkie luminosa diminuiu, logo que a dita mancha está quase totalmente coberta pelas trevas , as costas mais luminosas das montanhas emergem paulati­namente da obscuridade. As figuras seguintes ilustram esse duplo fenómeno:

I G I

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[IOv]

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[llr] Há uma outra coisa que observei não sem alguma admiração e que não posso· omitir. A área em torno do centro da Lua está ocupada por uma cavidade maior do que todas as outras e de forma perfeitamente redonda.50

Observei isto perto de ambas as quadraturas e dese­nhei-o tanto quanto me foi possível na segunda figura acima. Oferece o mesmo aspecto, quanto à sombra e à iluminação, que ofereceria na Terra uma região seme­lhante à Boémia se fosse encerrada por todos os lados por montanhas muito altas, colocadas na periferia num cír­culo perfeito. Ora, na Lua, está rodeada de cordilheiras tão elevadas que o lado que é vizinho à parte escura da Lua se vê banhado de luz antes que a linha divisória entre a luz e as sombras chegue ao diâmetro que secciona em dois essa figura. Mas, tal como nas outras manchas, a sua parte sombreada está diante do Sol, enquanto a parte brilhante está virada para a parte escura da Lua, o que, sugiro eu pela terceira vez, se deve considerar um argu­mento muito forte acerca da rugosidade e irregularidade espalhadas em toda a região brilhante da Lua. Ora, entre essas manchas são sempre mais escuras as que são vizinhas à fronteira entre a luz e a escuridão, enquanto as mais afastadas aparecem ou mais pequenas ou menos escuras, de tal modo que, finalmente, quando a Lua está em opo­sição e cheia, a escuridão das depressões difere da lumi­nosidade das proeminências por uma muito ligeira e ténue diferença.

Estas coisas que acabámos de descrever foram vistas nas partes mais brilhantes da Lua. Nas manchas grandes, porém, tal contraste entre depressões e proeminências não se vê da mesma maneira como o que somos necessaria­mente levados a reconhecer nas partes brilhantes, devido à mudança de formas causada pela variável iluminação dos raios do Sol ao divisar a Lua de muitas diferentes posi­ções. No entanto, nas manchas grandes há, sem dúvida, [11 v] áreas mais escuras, como mostramos nas figuras,

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mas têm sempre a mesma aparência e a sua escuridão não aumenta nem diminui. Elas aparecem, com diferenças muito ligeiras, ora um pouco mais escuras, ora um pouco mais claras, consoante os raios de Sol incidem nelas mais ou menos obliquamente. Além disso, unem-se de modo fluido com as partes vizinhas das manchas numa união suave, misturando e confundindo as suas fronteiras. Con­tudo, as coisas sucedem de modo diferente às manchas que estão na parte mais brilhante da Lua, pois, tal como penhascos íngremes eriçados de rochas de arestas vivas, eles estão divididos por uma linha que separa abtupta­mente a luz das trevas. Além disso, no interior dessas manchas maiores são vistas outras áreas mais claras - na verdade, algumas muito brilhantes. Mas a aparência destas e das mais escuras é sempre a mesma, sem qualquer mudança na forma, luz ou sombra. É então sabido com certeza e fora de qualquer dúvida que elas se vêem desta maneira por causa de uma dissemelhança real das partes e não apenas por causa das desigualdades nas figuras que tomam essas zonas, segundo as diferentes iluminaçóes do Sol que move diversamente as sombras. Isto sucede de facto nas outras manchas, mais pequenas, que ocupam a parte mais brilhante da Lua; elas alteram-se dia a dia, aumentando, diminuindo e desaparecendo, visto que só resultam das sombras das proeminências que se elevam.

Mas sinto que muitas pessoas são afectadas por gran­des dúvidas neste assunto e ficam tão embaraçadas por uma grave dificuldade que são levadas a pôr em dúvida a conclusão já explicada e confirmada por tantas aparências. Pois se aquela parte da superfície da Lua que reflecte de maneira mais brilhante os raios de Sol está cheia de sinuosidades, isto é, de inumeráveis elevações e depres­sões, porque é que na Lua crescente o bordo virado para o ocaso, e na Lua decrescente o bordo virado para o Oriente, e na [12r] Lua cheia toda a periferia, não são vistos desiguais, rugosos e sinuosos, mas perfeitamente

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redondos e circulares e não irregulares, com proemmen­cias e depressões? Tanto mais que todo o bordo é com­posto da substância lunar mais brilhante que, como disse­mos, é completamente irregular e coberto com depressões, pois nenhuma das manchas grandes chega até ao extremo do bordo, mas todas se vêem aglomeradas longe da peri­feria. Uma vez que tais aparências apresentam uma opor­tunidade para sérias dúvidas, proponho uma explicação dupla e daqui uma dupla resolução da dúvidaY Primeiro, se as proeminências e depressões no corpo lunar estives­sem espalhadas apenas ao longo da periferia circular que delimita o hemisfério visto por nós, então a Lua poderia, sem dúvida, e deveria mesmo, mostrar-se-nos numa forma análoga a uma roda dentada, isto é, delimitada por uma linha eriçadã e sinuosa. Se, contudo, não houvesse apenas uma única cadeia de proeminências distribuídas apenas ao longo de uma única circunferência, mas antes muitas filas de montanhas, com as suas lacunas e sinuosi­dades, dispostas ao longo do circuito externo da Lua - e estas não apenas no hemisfério visível mas também do outro lado (mas perto da fronteira entre os hemisférios) -então o olho, vendo de longe, não poderia de modo algum distinguir entre proeminências e depressões. Pois os intervalos entre os montes dispostos num mesmo círculo ou numa mesma cadeia estão escondidos pela interposição de fila após fila de outras proeminências; e isto especial­mente se o olho do observador estiver localizado numa mesma linha com os cumes dessas elevações. Assim, na Terra, os cumes de muitas montanhas situadas próximas umas das outras parecem estar dispostos numa superfície plana se o observador estiver muito longe e situado na mesma altitude. Assim também, num mar encapelado, as cristas elevadas das ondas parecem estender-se num mesmo plano, [12v] muito embora, entre as ondas, haja muitas cavas e golfos tão fundos que não apenas as qui­lhas mas também os convés, os mastros e as velas de

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navios grandes ficam ocultos. Uma vez, pois, que na pró­pria Lua e em torno do seu perímetro há uma disposição complexa de proeminências e depressões, e o olho, vendo de longe, está localizado aproximadamente no mesmo plano que esses picos, ninguém se deve surpreender que, com os raios visuais rasantes, eles se mostrem numa linha uniforme e nada sinuosa. A esta razão pode adicionar-se uma outra, nomeadamente que, tal como em torno da Terra, existe em torno do corpo lunar um orbe de subs­tância mais densa do que o resto do éter, capaz de rece­ber e reflectir a irradiação solar, embora sem tanta opaci­dade que- possa inibir a passagem da visão (especialmente quando não é iluminado).s2 Esse orbe, iluminado pelos raios solares, oferece e mostra o corpo lunar com o aspecto de uma esfera maior e, se fosse mais espesso, poderia limitar a nossa vista de modo a não alcançar o corpo sólido da Lua. E é, de facto, mais espesso em volta da periferia da Lua; não absolutamente espesso, digo eu, mas mais espesso em relação aos nossos raios visuais que o intersectam obliquamente. Por isso, pode dificultar a nossa visão e, especialmente quando está iluminado, esconder a periferia da Lua que está exposta ao Sol. Isto vê-se claramente na figura junta, na qual o corpo lunar ABC está rodeado pelo orbe vaporoso DEG:

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[l3r] o olho, desde F, alcança as partes médias da Lua, como em A, através dos vapores mais finos DA; para o lado das partes extremas, porém, uma abundância de vapores mais profundos, EB, bloqueia com o seu limite a nossa visão. Uma indicação disto é que a parte da Lua banhada pela luz parece ser de maior circunferência do que o restante orbe mergulhado nas trevas. Poderá tal­vez achar-se esta mesma causa razoável para explicar por­que é que em parte nenhuma se vêem as manchas maio­res da Lua estender-se até ao limite exterior, embora fosse esperado que algumas delas se encontrassem perto dele. Parece plausível, contudo, que sejam invisíveis porque estão escondidas sob vapores mais espessos e mais bri­lhantes.

Parece-me ter ficado suficientemente claro, pelas apa­rências já explicadas, que a superfície mais brilhante da Lua esteja coberta por todo o lado com proeminências e depressões. Falta-nos agora falar acerca dos seus tamanhos, demonstrando que as rugosidades terrestres são muito menores do que as lunares; digo menores falando absolu­tamente, não apenas em proporção aos tamanhos dos seus globos. Isto vê-se claramente da seguinte maneira.

Como foi muitas vezes observado por mim que, em diferentes posições da Lua relativamente ao Sol, dentro da parte escura da Lua alguns cumes aparecem banhados de luz, mesmo estando muito longe da linha divisória da luz, comparando a sua distância a essa linha com o diâ­metro lunar total, descobri que essa distância algumas vezes excede a vigésima parte do diâmetro 53. Assumindo isto, considere-se o globo lunar, cujo círculo máximo é CAp, e o centro é E, e cujo diâmetro, CF, está para o diâmetro da Terra como dois está para sete. E visto que de acordo com as observações mais rigorosas o diâmetro terrestre tem 7000 milhas italianas, CF terá 2000 milhas, [13v] CE 1000 e a vigésima parte de todo CF será de

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100 milhas 54. Seja agora CF o diâmetro do círculo máximo

que divide a parte luminosa da parte escura da Lua (devido à distância muito grande do Sol em relação à Lua, este círculo não difere sensivelmente de um círculo máximo), e esteja A distante do ponto C um vigésimo desse diâmetto; trace-se o semidiâmetro EA que, quando estendido, intersecta a tangente GCD (que representa um raio de luz) no ponto D. O arco CA ou a linha recta CD serão, portanto, 100 [partes nas unidades em que] CE vale 1000, e a soma dos quadrados de CD e CE é 1 010000 [dessas unidades] que é igual ao quadrado de ED. Todo o ED será, portanto, maior que 1004, e AD mais do que 4 unidades das quais CE tem 1000. Por­tanto, a altura AD na Lua, que representa na Lua um pico que se eleva até ao raio de Sol GCD, e que está afastado da linha divisória C pela distância CD, é maior

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[14r] do que 4 milhas italianas. Mas na Terra não existem montanhas que tenham sequer a altura de 1 milha verti­cal. É, pois, evidente que as proeminências lunares são mais elevadas do que as terrestres. 55

Gostaria de explicar aqui a causa de um outro fenó­meno lunar digno de admiração. Este fenómeno foi por nós observado, não recentemente mas há já muitos anos, mostrado a alguns amigos próximos e alunos, explicado, e dele dei uma demonstração causal. 56 Mas uma vez que a sua observação é facilitada e mais notória com o auxílio da luneta, pareceu-me que não era desajustado repeti-la aqui, especialmente para que o parentesco e a semelhança entre a Lua e a Terra apareçam mais claramente.57

Quando a Lua, quer antes quer depois das conjun­ções, se encontra próxima do Sol, oferece à nossa vista não apenas aquela parte do seu disco que está adornada com cornos brilhantes, mas também um ténue círculo, levemente reluzente, que parece delimitar o contorno da parte escura (isto é, a parte afastada do Sol) e separá-la do fundo mais escuro do próprio éter. Mas se examinar­mos este assunto com mais cuidado, veremos não apenas o rebordo extremo da parte escura brilhando com brilho ténue, mas toda a face da Lua - nomeadamente aquela parte que ainda não sente o brilho do Sol - branqueada por alguma luz não despicienda. A primeira vista, con­tudo, só aparece uma fina circunferência brilhante devido à proximidade das partes mais escuras do céu em torno dela, enquanto, pelo contrário, o resto da superfície parece mais escuro devido ao contacto com os cornos bri­lhantes, que escurecem a nossa visão. Mas se se escolher um lugar tal que esses cornos brilhantes fiquem ocultos por um tecto, uma chaminé, ou outro obstáculo entre o nosso olho e a Lua (mas colocado longe do olho), ficando a restante parte [14v] do globo lunar exposta à nossa vista, então descobrir-se-á que esta região da Lua, embora desprovida de luz solar, também brilha com uma

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luz considerável, e especialmente quando as trevas noctur­nas já forem espessas devido à ausência do Sol; pois sobre um fundo mais escuro a mesma luz parece mais brilhante. Também se verifica que este brilho, por assim dizer, secundário da Lua, é tanto maior quanto menos distante a Lua estiver do Sol, pois, à medida que ela fica mais dis­tante dele, decresce mais e mais de tal maneira que, após a primeira quadratura e antes da segunda, aparece fraco e muito dúbio, mesmo observando num céu mais escuro, enquanto que, no sextilo ou em elongações menores 58,

brilha de uma maneira admirável mesmo no crepúsculo. Na verdade, brilha de tal modo que, com a ajuda de uma luneta precisa, se podem ver nela as manchas maiores.

Este brilho maravilhoso causou não pouco espanto nos que se aplicam à filosofia, tendo avançado alguns com uma razão e outros com outra, como sua explicação. Alguns disseram tratar-se do brilho natural e intrínseco da própria Lua, outros que lhe é conferido por Vénus 59,

outros pelas estrelas; e ainda outros disseram que é dado pelo Sol, que penetraria a vasta massa da Lua com os seus raios. Mas tais sugestões refutam-se sem muito esforço e demonstra-se serem falsas. Pois se este género de luz fosse próprio da Lua, ou conferido pelas estrelas, a Lua retê­-la-ia e mostrá-la-ia especialmente durante os eclipses quando está num céu muito escuro. Mas isto é contrário à experiência, pois a luz que aparece na Lua durante um eclipse é muito mais fraca, avermelhada, quase cúprea, enquanto que esta luz é mais brilhante e mais branca. A luz que aparece durante um eclipse é, além disso, mutável e move-se, pairando sobre a face da Lua de tal maneira que a parte mais perto do bordo do círculo da sombra da Terra se vê sempre mais brilhante e o resto mais escuro. Daqui se compreende, sem qualquer dúvida, que esta luz surge [15r] devido à proximidade dos raios solares inci­dindo sobre alguma região mais densa que todeia a Lua de todos os lados. Por causa deste contacto uma espécie

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de aurora é espalhada na Lua nas regiões vizinhas [da periferia], tal como na Terra a luz crepuscular é espalhada de manhã e de tarde. Trataremos deste assunto mais desenvolvidamente no livro sobre o Sistema do Mund0 60•

Quanto a afirmar que esta luz é conferida por Vénus, é tão infantil a ponto de não merecer resposta. Pois quem é tão ignorante que não saiba que perto das conjunções e no aspecto sextil é completamente impossível para a parte da Lua oposta ao Sol ser vista de Vénus? Mas é igual­mente inaceitável que esta luz seja devida ao Sol que, com a sua luz, penetre e invada o corpo sólido da Lua. Nesse caso nunca diminuiria, uma vez que um hemisfério da Lua está sempre iluminado pelo Sol, excepto no momento dos eclipses lunares. Ora, a luz diminui quando a Lua se ap~oxima da quadratura e desvanece-se comple­tamente quando ela passa a quadratura.

Uma vez, pois, que esta luz secundária não é intrín­seca e própria à Lua, e também não é emprestada por nenhuma estrela nem pelo Sol, e visto que na vastidão do mundo não resta nenhum outro corpo a não ser a Terra, pergunto então o que devemos pensar? Que devemos propor? Será que o corpo lunar, como qualquer outro corpo escuro e opaco, é banhado de luz pela Terra? Mas o que é que isso tem de tão espantoso? Mais do que isso: a Terra, numa troca igual e agradecida, retribui à Lua uma luz igual àquela que recebe da Lua durante quase todo o tempo na mais profunda escuridão da noite.

Expliquemos o assunto mais claramente. A Lua, nas conjunções, quando ocupa um lugar entre o Sol e a Terra, é inundada pelos raios solares no seu hemisfério superior, que está virado para o lado oposto da Terra, enquanto o hemisfério inferior, que está virado para a Terra, está coberto de escuridão e por isso não ilumina de maneira alguma a superfície terrestre. Quando a Lua se afasta pouco a pouco do Sol, uma parte do hemisfério inferior virado para nós passa a ser iluminada e mostra-

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-nos uns finos cornos esbranquiçados, iluminando ligeira­mente a Terra. A iluminação solar cresce na Lua [15v] agora que ela chega à quadratura, e, na Terra, o reflexo da sua luz aumenta. À medida que o brilho da Lua se estende ainda mais, para além do semicírculo, as nossas noites brilham mais claras. Finalmente, toda a face da Lua que está voltada para a Terra é iluminada com uma luz muito brilhante que vem do Sol em oposição, e a superfície da Terra brilha por todas as partes, inundada pelo esplendor lunar. Depois, quando a Lua começa a decrescer, emite raios mais fracos na nossa direcção e a Terra é iluminada mais fracamente; e à medida que a Lua se aproxima da conjunção, a noite escura vem sobre a Terra. Nesta sequência, portanto, numa sucessão alter­nada, a luz lunar espalha sobre nós as suas iluminações mensais, umas vezes mais brilhantes, outras mais fracas. Mas o favor é retribuído da mesma maneira pela Terra, pois quando a Lua está sob o Sol, próximo das conjun­ções, ela está diante da superfície inteira do hemisfério da Terra exposta ao Sol e iluminada por raios vigorosos, recebendo luz reflectida dela. E, assim, por causa desta reflexão, o hemisfério inferior da Lua, embora destituído de luz solar, aparece com um brilho considerável. Quando a Lua está afastada do Sol por um quadrante, ela apenas vê uma metade iluminada do hemisfério terrestre, a saber, o ocidental, pois a outra, a metade oriental, está escure­cida pela noite. A Lua é, pois, iluminada menos brilhan­temente pela Terra, e a sua luz secundária aparece-nos por consequência mais fraca. Pois, se supusermos a Lua em oposição ao Sol, ela terá diante o hemisfério completa­mente tenebroso e coberto de noite escura da Terra situada a meio. Se, portanto, uma tal oposição se der na eclíptica 61, a Lua não receberá qualquer iluminação, ficando privada de ambas as radiações, solar e terrestre. Nas suas diferentes posições em relação ao Sol e à Terra, a Lua recebe mais ou menos luz da reflexão terrestre ao

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estar diante de uma parte maior ou menor do hemisfério terrestre iluminado. Pois as posições relativas desses dois globos são sempre tais que, quando a Terra está mais ilu­minada pela Lua, a Lua está menos iluminada pela Terra [16r] e více-versa. Sejam suficientes estas breves coisas que dissemos aqui acerca deste assunto. Diremos mais no nosso Sistema do Mundo 62

, onde, com muitos argumentos e experiências, demonstraremos a reflexão muito forte da luz solar pela Terra àqueles que defendem que a Terra deve ser excluída da dança das estrelas, especialmente por­que não tem movimento nem luz. Mostraremos, pois, que ela é [um astro] errante e que ultrapassa a Lua em brilho, e que não é a lixeira da porcaria e detritos do uni­verso 63, e confirmaremos isto com inumeráveis 64 argu­mentos a partir da natureza.

Até aqui discutimos as observações do corpo lunar. Vamos agora apresentar brevemente o que foi por nós observado até ao presente acerca das estrelas fixas. Em primeiro lugar, cumpre notar que, quando são observadas por meio da luneta, as estrelas, quer fixas quer errantes,

. não se vêem aumentadas na mesma proporção em que os outros objectos, e também a própria Lua, são aumenta­dos. Nas estrelas esse aumento parece muito menor, de tal maneira que podeis acreditar que uma luneta capaz de multiplicar outros objectos, por exemplo, por uma razão de 100, quase só multiplica as estrelas por uma razão de quatro ou cinco. A razão para isto está em que, quando as estrelas são observadas à vista desarmada, não aparecem de acordo com o seu tamanho simples e, por assim dizer, nu, mas sim irradiadas de um certo brilho e com uma cabeleira de raios brilhantes, especialmente quando a noite é já avançada. Por causa disto, parecem muito maio­res do que se lhes fossem retiradas essas cabeleiras empres­tadas, pois o ângulo visual é determinado não pelo corpo primário da estrela mas pelo brilho circundante. Talvez

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isto se perceba melhor [16v] a partir do seguinte: as estre­las, emergindo por entre as primeiras luzes no crepúsculo vespertino, mesmo se forem de primeira grandeza 65, apa­recem muito pequenas, e até Vénus, se se nos apresenta ao meio-dia, é visto tão pequeno que mal parece igualar uma pequena estrela de última grandeza. As coisas são diferentes para outros objectos e para a própria Lua, que, quer seja observada ao meio dia ou na mais profunda escuridão, parece-nos sempre do mesmo tamanho. As estrelas vêem-se, por isso, raiadas no meio da escuridão, mas a luz do dia pode rapá-las da sua cabeleira 66; e isso sucede não apenas com a luz do dia mas também com uma nuvem pequena e ténue que se interponha entre a estrela e o olho do observador. O mesmo efeito também se consegue com véus escuros ou vidros coloridos, que, interpondo-se e opondo-se, fazem com que o brilho envolvente abandone as estrelas. A luneta faz a mesma coisa, pois, primeiro, retira às estrelas o brilho emprestado e acidental e, depois, aumenta os seus globos simples (se de facto as suas figuras são globulares), e por isso parecem aumentadas por uma razão muito menor. Efectivamente, pequenas estrelas de quinta ou sexta grandeza parecem de primeira grandeza quando vistas pela luneta.o7

A diferença entre a aparência dos planetas e das estrelas fixas também parece digna de nota. Com efeito, os planetas apresentam os seus globos exactamente redon­dos e circulares, como pequenas luas, inteiramente cober­tos de luz, ao passo que as estrelas fixas não aparecem de modo algum delimitadas por contornos circulares mas, ao invés, como luminárias cintilando em toda a volta com raios brilhantes. Elas aparecem com a mesma forma quando são observadas com a luneta como com a vista desarmada, mas muito maiores, de tal maneira que uma pequena estrela de quinta ou sexta grandeza parece igual ao Cão, que é certamente a maior de todas as estrelas fixas.6s [17r']

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Na verdade, com a luneta poderá ver-se uma tal multidão de outras estrelas abaixo da sexta grandeza, que escapam à vista desarmada, tão numerosa que é quase inacreditável, pois podem observar-se mais do que seis outras ordens de grandeza. As maiores destas, que pode­mos designar de sétima grandeza, ou primeira grandeza das invisíveis, mostram-se maiores e mais brilhantes com o auxílio da luneta do que as estrelas da segunda grandeza quando vistas a olho nu. Para que possam ver-se um ou dois exemplos da quase inconcebível multidão delas, decidi reproduzir dois asterismos, para que a partir desses exemplos se possa formar um julgamento acerca das outras. No primeiro tinha decidido representar toda a constelação de Orionté9 mas, vencido pela enorme mul­tidão de estrelas e pela falta de tempo, diferi esse empreendimento para uma outra ocasião. Com efeito, dentro do limite de um ou dois graus existem e dissemi­nam-se, em torno das antigas, mais de quinhentas 70 novas estrelas. Por esta razão, às três no cinturão de Orionte e às seis na sua espada que já foram observadas de há muito 71 adicionei oitenta, muito próximas, vistas recente­mente, respeitando as suas distâncias tão rigorosamente quanto possível. Para que se distingam desenhei maiores as conhecidas ou antigas, traçando os seus contornos com linhas duplas, e as outras invisíveis, menores, usando linhas simples. Também respeitei tanto quanto possível a diferença de tamanhos.

No segundo exemplo, desenhei as seis estrelas do Touro chamadas PLÊIADES (digo seis porque a sétima quase nunca aparece) contidas nos céus entre limites muito estreitos.72 Perto destas encontram-se mais de qua­renta outras estrelas invisíveis, nenhuma das quais afastada das seis antes mencionadas mais do que meio grau. Assi­nalei apenas trinta e seis destas, respeitando as suas dis­tâncias mútuas, os tamanhos, e a distinção entre antigas e novas, tal como no caso de Orionte.

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Constelação das Plêiades

Aquilo que foi por nós observado em terceiro lugar foi a essência73 ou matéria da própria Via IÁCTEA que, com auxílio da luneta, pode ser observada com os senti­dos, de modo que todas as disputas que durante tantas gerações torturaram os filósofos são derimidas pela certeza visível, e nós somos libertados de argumentos palavrosos,14 De facto, a GALÁXIA não é outra coisa senão um aglo­merado de incontáveis estrelas reunidas em grupo. Para qualquer região que se aponte a luneta oferece-se logo à vista um enorme número de estrelas, muitas das quais parecem bastante grandes e conspícuas, mas a multidão das pequenas é verdadeiramente insondável.

E como não é apenas na GAlÁXIA que se observa essa luminosidade leitosa, como uma nuvem esbran­quiçada, mas muitas outras zonas de cor semelhante brilham tenuamente, dispersas por todo o éter, se se aponta uma luneta a qualquer uma delas, topa-se com uma [IBv'] densa multidão de estrelas. Além disso (e que é ainda mais notável), as estrelas que foram designadas de

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NEBULOSAS por todp, ,astrónomos até hoje são enxames de pequenas esr'. -L" reunidas de forma espan­tosa. Embora cada uma individualmente escape à nossa vista, por causa da sua pequenez ou da sua grande dis­tância a nós, da junção dos seus raios nasce aquele brilho que até hoje se atribuía a uma parte mais densa dos céus, capaz de reflectir os raios das estrelas ou do Sol. Obser­vámos algumas destas e queremos reproduzir os asterÍsmos de duas delas.

No primeiro tem-se a NEBULOSA chamada Cabeça de Orionte, na qual contámos vinte e uma estrelas.

Na segunda está a NEBULOSA chamada PRESÉ­PIO, que não é apenas uma única estrela mas a reunião de mais de quarenta pequenas estrelas. Além dos Aselos assinalámos trinta e seis estrelas, dispostas como segue:75

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Nebulosa de Orionte Nebulosa do Presépio

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[19r'] Descrevemos brevemente as observações feitas, até agora, da Lua, das estrelas fixas e da GALÁXIA. Falta-nos revelar e divulgar aquilo que parece ser o mais importante da presente matéria: quatro PLANETAS nunca vistos desde o principio do mundo até aos nossos dias, as cir­cunstâncias da sua descoberta e observação, as suas posi­ções e as observações feitas nos últimos dois meses 76

acerca dos seus deslocamentos e mudanças. E convoco todos os astrónomos a que se dediquem a investigar e a determinar os seus períodos, o que, por falta de tempo, não nos foi possível levar a cabo até agora. Contudo, advertimo-los novamente de que necessitarão de uma luneta muito precisa, como a que descrevemos no princí­pio deste nosso relato, se não arriscam-se a empreender essa investigação em vão.

Assim, então, no sétimo dia de Janeiro do presente ano de 1610, na primeira hora da noite 77, quando eu examinava os astros do céu através da luneta, Júpiter mostrou-se, e, como me tinha munido de um instru­mento excelente, vi (o que não tinha acontecido antes devido à fraqueza do outro instrumento) que três peque­nas estrelas estavam perto dele - pequenas, mas muito brilhantes. Embora achasse que eram do número das estrelas fixas, apesar de tudo intrigaram-me, pois pareciam estar dispostas exactamente ao longo de uma linha recta paralela à eclíptica, e ser mais brilhantes do que as outras da mesma gtandeza. A sua disposição entre si e em rela­ção a Júpiter era a seguinte:

Ori. * O * Occ.

[19v'] Isto é, duas estrelas estavam no lado Este e uma, no Oeste; a mais oriental e a ocidental pareciam um pouco maiores do que a outra. Não me preocupei mini-

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mamente com a distância entre elas e Júpiter, pois, como já disse antes, achei que eram estrelas fixas. Mas quando, no oitavo [dia] voltei a estas observações, guiado não sei por que destino 78, encontrei um arranjo muito diferente. As três pequenas estrelas estavam todas para o Oeste de Júpiter, achando-se mais perto umas das outras do que na noite anterior, separadas por intervalos iguais, como se mostra no desenho seguinte:

Od. o * * * Oec.

Aqui, embora não tivesse de maneira nenhuma virado o meu pensamento para a aproximação mútua dessas estre­las, comecei, no entanto, a ficar intrigado por que razão Júpiter podia estar para Leste das ditas estrelas fixas quando no dia anterior ele estava para Oeste de duas delas. Suspeitei que talvez, contrariamente aos cálculos astronómicos, o seu movimento fosse directo e que, por essa razão, tivesse ultrapassado essas estrelas com o seu movimento próprioJ9 Por isso esperei impacientemente pela noite seguinte. Mas fiquei desapontado na minha esperança pois o céu estava totalmente coberto com nuvens.

Mas no décimo dia as estrelas apareceram dispostas do seguinte modo relativamente a Júpiter:

Od. * * O Oec.

Estavam ao seu lado apenas duas, ambas para a parte oriental; a terceira, segundo me pareceu, estava oculta por Júpiter. Estavam igualmente como antes em linha recta

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com Júpiter e localizadas exactamente segundo a longi­tude do Zodíaco. Tendo visto estas coisas e porque não me era possível de maneira nenhuma atribuir semelhantes mutações a Júpiter [20r'] e porque, além disso, me dei conta de que eram sempre as mesmas estrelas (pois nenhumas outras, quer precedendo, quer seguindo Júpi­ter, estavam presentes ao longo do Zodíaco por uma grande distância), mudei desde aí a minha perplexidade em admiração, concluindo que a permutação aparente tinha a sua origem não em Júpiter, mas nas ditas estrelas. Por esta razão decidi continuar daí em diante as observa­ções com mais exactidão e rigor.

Foi assim que, no dia décimo primeiro, vi a seguinte disposição:

Ori, * * o Oec:.

Estavam apenas duas estrelas orientais, das quais a do meio distava três vezes mais de Júpiter do que da mais oriental. E a mais oriental era cerca de duas vezes maior do que a outra, enquanto na noite anterior elas haviam aparecido aproximadamente iguais. Então, estabeleci e determinei, sem a mais pequena dúvida, que existiam no céu três estrelas errantes em torno de Júpiter, como Vénus e Mercúrio em torno do Sol. Isto acabou por ser constatado com uma clareza meridiana por muitas obser­vações posteriores; e que não eram apenas três mas sim quatro astros errantes, fazendo as suas revoluções em torno de Júpiter. O relato que segue apresentará as mudanças nas suas posições, rigorosamente determinadas e sem interrupções. Também medi as distâncias entre elas com a luneta, pelo processo explicado adma. Juntei, além disso, as horas das observações, especialmente quando

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foram feitas mais do que uma na mesma noite, pois as revoluções destes planetas são tão céleres que é geralmente possível aperceber diferenças de hora em hora.

Assim, no décimo segundo dia, na primeira hora da noite, vi os astros dispostos desta maneira:

Ori. o cc.

A estrela mais oriental [20v'] era maior do que a mais ocidental, mas ambas eram muito conspícuas e brilhantes. Uma e outra estavam dois minutos afastadas de Júpiter. Na terceira hora começou também a aparecer uma ter­ceira pequena estrela, que antes não se via, que quase tocava Júpiter no lado Este e era muito diminuta. Todas estavam na mesma linha recta e alinhadas ao longo da eclíptica.

No décimo tercei to dia, pela primeira vez, foram vis­tas por mim quatro pequenas estrelas, na seguinte dispo­sição relativamente a Júpiter:

Oti. Occ;

Três estavam a Oeste e uma, a Este. Formavam uma linha quase recta, mas a estrela no meio das ocidentais estava um pouco desviada para norte da linha recta. A mais oriental estava dois minutos afastada de Júpiter; os intervalos entre as restantes estrelas e Júpiter eram de apenas um minuto. Todas estas estrelas exibiam o mesmo tamanho e, embora pequenas, eram, apesar de tudo, muito brilhantes, muito mais luminosas do que as estrelas fixas do mesmo tamanho.

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No décimo quarto dia o tempo estava nebuloso. No décimo quinto dia, à terceira hora da noite, as

quatro estrelas estavam dispostas relativamente a Júpiter como na figura seguinte:

Ori. o * Occ.

Estavam todas para Oeste, dispostas aproximadamente numa linha recta, excepto que a terceira contada a partir de Júpiter estava um pouco [21r'] elevada para o Norte. A mais próxima de Júpiter era a mais pequena de todas, e as outras apareciam sucessivamente maiores. Os interva­los entre Júpiter e as seguintes três estrelas eram todos iguais e de dois minutos; mas a mais ocidental estava a quatro minutos da sua mais próxima. Eram muito bri­lhantes e não cintilavam, como sempre apareceram, quer antes, quer depois. Mas à sétima hora estavam presentes apenas três estrelas, nesta disposição com Júpiter:

Od. o * * * Occ.

Isto é, estavam perfeitamente alinhadas. A mais próxima de Júpiter era muito pequena e afastada dele três minu­tos; a segunda estava um minuto afastada desta; e a ter­ceira da segunda quatro minutos e trinta segundos. Pas:.. sada uma hora, contudo, as duas pequenas estrelas no meio estavam ainda mais próximas, distando uma da outra por apenas trinta segundos.

No décimo sexto dia, à primeira hora da noite, vimos três estrelas dispostas na seguinte ordem:

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Ori. * O cc.

Duas flanqueavam Júpiter, afastadas dele, em cada lado, quarenta segundos BO, e a terceira estava a oito minutos de Júpiter no Oeste. As mais próximas de Júpiter pareciam ser não maiores, mas mais brilhantes do que a mais afas­tada.

No décimo sétimo dia, trinta minutos após o ocaso, a configuração era a seguinte:

Ori. * O * O cc.

Havia apenas uma estrela no Oriente, [21v'] a três minu­tos de Júpiter. De maneira análoga, havia outra a onze minutos de Júpiter, para o O!=ste. A oriental aparecia duas vezes maior do que a ocidental, e não havia mais do que estas duas. Mas passadas quatro horas, na verdade quase à quinta hora da noite, começou a emergir uma terceira no lado oriental, que, suspeito, tinha antes estado unida com a primeira. A disposição era a seguinte:

Ori. ** o * Occ.

A estrela do meio, muito próxima da oriental, estava ape­nas a vinte segundos dela, e estava desviada um pouco para Sul da linha recta traçada pelas estrelas mais exterio­res e por Júpiter.

No décimo oitavo dia, vinte minutos após o pôr do sol, a disposição era a seguinte:

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Ori. * o * Occ.

A estrela oriental era maior do que a ocidental e estava oito minutos afastada de Júpiter, enquanto a estrela oci­dental estava a dez minutos de Júpiter.

No décimo nono dia, à segunda hora da noite, este era o arranjo das estrelas:

Od. * o * * Occ.

Estavam, portanto, três estrelas precisamente em linha recta com Júpiter; a única [estrela] oriental distava de Júpiter seis minutos; entre Júpiter e a primeira para o ocidente havia um intervalo de cinco minutos, enquanto esta estrela estava quatro minutos afastada da mais ocidental. Nesta altura, eu não tinha a certeza se entre a estrela oriental e Júpiter havia uma pequena estrela, muito perto de Júpiter, quase que tocando-o. Na quinta hora, porém, vi claramente esta [22r t

] pequena estrela, ocupando agora um lugar precisamente a meio entre Júpiter e a estrela oriental, de maneira que a configuração era assim:

Oli. * • O * * Occ.

Além disso, esta estrela observada em último lugar era muito pequena; todavia, pela hora sexta, tinha quase a mesma grandeza que as outras.

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No vigésimo dia, à uma hora e qumze minutos, foi observado um arranjo deste tipo:

Oc<:.

Estavam presentes três estrelas pequenas, tão diminutas que mal se distinguiam. Não estavam distànciadas de Júpiter e entre si mais do que um minuto. Não tive a certeza se no Oeste havia duas ou três pequenas estrelas. Por volta da hora sexta estavam dispostas da seguinte maneira:

Od. Oc<:.

A [estrela] oriental estava, com efeito, duas vezes mais longe de Júpiter do que antes, isto é, dois minutos. A do meio, para o ocidente, estava a quarenta segundos de Júpiter, mas a vinte segundos da mais ocidentaL Final­mente, na sétima hora, foram vistas três pequenas estrelas no Oeste; a mais próxima de Júpiter estava a vinte segun­dos dele; entre esta e a mais ocidental havia um intervalo de quarenta segundos.

Oti. Oc<:.

E entre estas foi vista uma outra, desviada ligeiramente para Sul, [22v'] e sem estar a mais do que dez segundos da mais ocidentaL

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No vigésimo primeiro dia, às zero horas e trinta minutos, estavam três estrelas pequenas para Leste, igual­mente espaçadas umas das outras e de Júpiter.

Ori. O CC'.

Estimei os intervalos em cinquenta segundos. Havia tam­bém uma estrela para Oeste, a quatro minutos de Júpiter. A que estava mais próximo de Júpiter do lado oriental era a menor de todas. As outras eram um pouco maiores e .. . quase 19uals entre SI.

No vigésimo segundo dia, à hora segunda, a confi­guração das estrelas era deste tipo:

OrL * * O cC'.

A distância da [estrela] oriental a Júpiter era de cinco minutos; a distância de Júpiter à mais ocidental era de sete minutos. As duas estrelas ocidentais do meio estavam a quarenta segundos uma da outra, estando a mais pró­xima de Júpiter a um minuto dele. As pequenas estrelas no meio eram menores do que as dos extremos e estavam na mesma linha traçada ao longo do Zodíaco, excepto que das três ocidentais a do meio estava ligeiramentedes­viada para o Sul. Mas na sexta hora da noite apareceram neste arranjo:

O ri. .. o * 'N<''''' O cC'.

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A oriental era muito pequena e, como antes, distava cinco minutos de Júpiter. As três ocidentais estavam igualmente afastadas de Júpiter e entre si, com intervalos de cerca um minuto e vinte segundos cada; [23r'] a estrela mais pró­xima de Júpiter aparecia menor do que as outras duas que se seguiam; e todas pareciam estar exactamente ao longo da mesma linha recta.

No vigésimo terceiro dia, quarenta minutos depois do ocaso, a configuração das estrelas era esta:

Od. * * O * O cC'.

Estavam três estrelas alinhadas com Júpiter ao longo do Zodíaco, como sempre tinham aparecido; duas encontra­vam-se para oriente e apenas uma para ocidente. A mais oriental estava a sete minutos da seguinte, e esta a dois minutos e quarenta segundos de Júpiter, e Júpiter a três minutos e vinte segundos da ocidental. Eram todas apro­ximadamente da mesma grandeza. Mas na quinta hora, as duas estrelas que antes estavam mais próximas de Júpiter já não eram visíveis, escondendo-se, em minha opinião, atrás de Júpiter; a disposição era esta:

Oti. * O O cC'.

No vigésimo quarto dia foram observadas três estrelas, todas para o lado Leste, e aproximadamente na mesma linha recta com Júpiter, pois a do meio desviava-se ligei­ramente para o Sul. A estrela mais próxima de Júpiter estava a dois minutos dele, a seguinte a trinta segundos

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desta, e a mais oriental a nove minutos daquela; e todas eram muito brilhantes.

Oei. * ** O Oct'.

Mas à hora sexta só se divisavam duas, neste arranjo:81

Oei. * o Oct'.

[23v'] isto é, precisamente numa linha recta com Júpiter, do qual a mais próxima estava afastada três minutos enquanto a outra estava a oito minutos desta. Se não estou em erro, as duas estrelas do meio observadas antes tinham.:.se unido numa só.

No vigésimo quinto dia, à uma hora e quarenta minutos, a formação era a seguinte:

Oei. * * o Oct'.

Havia, com efeito, apenas duas estrelas para o lado orien­tal, sendo elas bastante grandes. A mais oriental estava a cinco minutos da do meio, e a do meio, a seis minutos de Júpiter.

No vigésimo sexto dia, às zero horas e quarenta minutos, o arranjo das estrelas era assim:

Oei. * * o * Oct'.

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Viam-se realmente três estrelas das quais duas estavam para Leste e a terceira para Oeste de Júpiter. Esta última estava a cinco minutos dele, enquanto a oriental do meio estava a cinco minutos e vinte segundos dele. A mais oriental estava a seis minutos da do meio. Estavam dis­postas numa mesma linha recta e eram da mesma gran­deza. Seguidamente, na hora quinta, a disposição era quase a mesma, diferindo apenas nisto, que perto de Júpiter uma quarta estrela havia aparecido no Leste, menor do que as outras, e então afastada trinta segundos de Júpiter, mas ligeiramente elevada para o Norte acima da linha recta, como se vê na figura junta:

Oei. * * *0 * o cc.

No vigésimo sétimo dia, uma hora depois do ocaso, ape­nas se divisava uma [24r'] pequena estrela que estava para o Leste, nesta configuração: .

Od. o o cc.

Era verdadeiramente pequena e distante de Júpiter sete minutos.

No vigésimo oitavo e vigésimo nono dias, não foi possível observar nada por causa da interposição das nuvens.

No trigésimo dia, à primeira hora da noite, viram-se as estrelas dispostas desta maneira:82

Od. * O *. o cc.

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Uma estava para Leste, a dois minutos e trinta segundos de Júpiter, e duas estavam para Oeste, das quais a mais próxima de Júpiter estava a três minutos dele e a outra a um minuto desta. As estrelas mais exteriores e Júpiter estavam dispostas numa linha recta, mas a estrela do meio estava ligeiramente elevada para Norte; a mais ocidental era menor do que as outras.

No último dia [de Janeiro], na segunda hora, apare­ceram duas estrelas para o Leste e uma para Oeste:

Oei. ** O o cc.

A estrela no meio das orientais estava a dois minutos e vinte segundos de Júpiter; a mais oriental a trinta segun­dos da do meio. A estrela ocidental estava a dez minutos de Júpiter. Estavam aproximadamente na mesma linha recta, estando apenas a oriental, mais perto de Júpiter, ligeiramente elevada para Norte. Mas à quarta hora as duas mais orientais estavam ainda mais próximas uma da outra:

Oei. O * o cc.

[24v'] Estavam, com efeito, apenas distanciadas de vinte segundos. Nestas observações a estrela ocidental aparecia muito pequena.

No primeiro dia de Fevereiro, à segunda hora da noite, a formação era a seguinte:

Oei. * ~O * o ce.

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A estrela mais oriental estava a seis minutos de Júpiter e a ocidental a oito [minutos]. Para o Leste, uma estrela muito pequena estava vinte segundos afastada de Júpiter. Traçavam uma linha perfeitamente recta.

No segundo dia [de Fevereiro], as estrelas apareciam nesta ordem:

Oei. * o * * Occ.

Uma estrela única no Leste estava a seis minutos de J úpi­ter; Júpiter estava afastado quatro minutos da mais pró­xima no Oeste; e en tre esta e a estrela mais ocidental havia um intervalo de oito minutos. Estavam precisa­mente numa mesma linha recta e eram quase da mesma grandeza. Mas à sétima hora havia quatro estrelas, entre as quais Júpiter ocupava a posição do meio:

Oei. * *0 * * Occ.

A mais oriental destas estrelas estava quatro minutos afas­tada da seguinte, esta um minuto e quarenta segundos de Júpiter; Júpiter distava seis minutos da ocidental mais perto dele, e esta, oito minutos da mais ocidental. Esta­vam todas juntas ao longo da mesma linha recta traçada ao longo do Zodíaco.

No terceiro dia [de Fevereiro], à sétima hora, as estrelas estavam dispostas nesta sequência:

Ori. * Occ.

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A oriental estava a um minuto e trinta segundos de Júpi­ter, a ocidental mais próxima [25r'] a dois minutos; e a outra ocidental estava dez minutos afastada desta. Esta­vam precisamente na mesma linha recta e eram de igual grandeza.

No quarto dia, à segunda hora, havia quatro estrelas em torno de Júpiter, duas orientais e duas ocidentais, dis­postas exactamente numa mesma linha recta, como na figura junta.

Od. * ~O * * o ce.

A mais oriental distava três minutos da seguinte, enquanto esta estava a quarenta segundos de Júpiter; Júpiter estava a quatro minutos da ocidental mais pró­xima, e esta, a seis minutos da mais ocidental. As suas grandezas eram aproximadamente iguais; a que estava mais perto de Júpiter parecia um pouco menor do que as outras. Mas à sétima hora as estrelas orientais estavam apenas afastadas [entre elas] trinta segundos.

Od. ** O * * O ce.

Júpiter estava a dois minutos da [estrela] oriental mais próxima e a quatro minutos da [estrela] ocidental seguinte, e esta estava a três minutos da mais ocidental de todas. Eram todas iguais e estavam dispostas numa mesma linha recta traçada ao longo da eclíptica.

No quinto dia o céu estava enevoado. No sexto dia, apareciam apenas duas estrelas a flan­

quear Júpiter, como se vê na figura junta:

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Od. * o * Oec.

(25v'] A [estrela] oriental estava a dois minutos de Júpi­ter e a ocidental a três minutos. Estavam numa mesma linha com Júpiter e eram de igual grandeza.

No sétimo dia, havia duas estrelas perto de Júpiter, ambas para Leste, dispostas da seguinte maneira:

Od. Oec.

Os intervalos entre elas e com Júpiter eram iguais, a saber, de um minuto, e uma linha recta passava por elas e pelo centro de Júpiter.

No oitavo dia, à primeira hora, estavam presentes três estrelas, todas para Leste, como na figura:

Oli. -o Oec.

A (estrela] mais prOXlma de Júpiter, bastante pequena, estava a um minuto e vinte segundos afastada dele; a [estrela] do meio estava a quatro minutos desta e era bas­tante grande; e amais oriental, muito diminuta, estava a vinte segundos desta última. Não conseguia determinar se a mais próxima de Júpiter seria apenas uma ou duas pequenas estrelas, pois parecia-me, por vezes, que havia outra estrela perto dela, para o Leste, excessivamente pequena e separada dela por apenas dez segundos. Esta­vam todas dispostas na mesma linha recta ao longo do Zodíaco. Mas, na hora terceira, a estrela mais próxima de

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Júpiter quase o tocava. Estava apenas a dez segundos dele, enquanto as outras se tinham afastado de Júpiter, estando a do meio a seis minutos de Júpiter. Finalmente, na quarta hora, aquela que antes estava mais próxima de Júpiter, agora não se via, por estar unida com ele.

No nono dia, às zero horas e trinta minutos, estavam duas estrelas perto de Júpiter [26r'] para o Leste, e uma para o Oeste, nesta formação:

OrL • * o • Oe".

A [estrela] mais oriental, que era bastante pequena, estava a quatro minutos da seguinte; a do meio, maior, estava sete minutos afastada de Júpiter; Júpiter estava quatro minutos afastado da estrela ocidental, que era pequena.

No décimo dia, à uma hora e trinta minutos, duas estrelas muito pequenas, ambas para Leste, foram vistas nesta disposição:

Ori. • -o Oe".

A mais afastada estava a dez minutos de Júpiter e a mais próxima, a vinte segundos, e situavam-se na mesma linha recta. Mas, na quarta hora, a estrela mais próxima de Júpiter já não aparecia e a outra apareceu tão dimi­nuída que mal se conseguia divisar, embora o ar estivesse muito límpido e estivesse mais distante de Júpiter do que antes, pois estava agora afastada doze minutos.

No décimo primeiro dia, à primeira hora, estavam presentes duas estrelas para o Leste e uma para o Oeste.

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Ori. * * o * Oe('.

A ocidental estava a quatro minutos de Júpiter; a oriental mais próxima estava igualmente a quatro minutos de Júpiter, enquanto a mais oriental estava a oito minutos desta. Eram bastante visíveis e estavam na mesma linha recta. Mas na terceira hora apareceu a oriente uma quarta estrela, perto de Júpiter, menor do que as outras, separada de Júpiter trinta segundos

Ori. * * -o * Oe('.

[26v'] e ligeiramente desviada para Norte da linha recta traçada pelas outras estrelas. Eram todas muito brilhantes e bem visíveis. Mas na quinta hora e meia a estrela orien­tal mais próxima de Júpiter, tendo-se afastado dele, tinha alcançado uma posição no meio entre ele e a estrela mais oriental sua vizinha. E estavam todas precisamente ao longo da mesma linha recta e eram da mesma grandeza, como se pode ver na figura aqui:

Ori. * * * O * Oe('.

No décimo segundo dia, às zero horas e quarenta minu-. tos, apareciam duas estrelas para Leste e, igualmente, duas para Oeste:

Ori. * * Oe('.

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A estrela oriental mais afastada estava a dez minutos de Júpiter enquanto a mais remota para Oeste estava afas­tada oito minutos. Eram ambas muito conspícuas. As outras duas estrelas estavam muito perto de Júpiter e eram muito pequenas, especialmente a mais oriental, que estava a quarenta segundos de Júpiter, enquanto a ociden­tal estava a um minuto. Mas na quarta hora, a pequena estrela que estava próxima de Júpiter para o Leste já não aparecIa.

No décimo terceiro dia, às zero horas e trinta minu­tos, viam-se duas estrelas para o Leste e também duas para o Oeste.

Od. * O "'* o CC'.

A estrela oriental mais próxima de Júpiter, bastante visí­vel, estava a dois minutos dele, e a mais oriental, menos aparente, estava quatro minutos afastada desta. Das oci­dentais, [27 r'] a mais afastada de Júpiter, que era bem visível, estava separada dele por quatro minutos. Entre ela e Júpiter aparecia uma pequena estrelinha mais perto da estrela mais ocidental, pois não estava a mais de trinta segundos dela. Estavam todas precisamente numa mesma linha recta, ao longo do Zodíaco.

No décimo quinto dia (pois no décimo quarto o céu esteve coberto de nuvens), à primeira hora, a posição das estrelas era assim:

Oei. *"'0 O cc.

Havia, portanto, três estrelas para o Leste, mas nenhuma se via a Oeste. A estrela oriental mais perto de Júpiter

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estava a cinquenta segundos dele, a seguinte estava a vinte segundos desta, e a estrela mais oriental, a dois minutos desta última e era maior do que as outras, pois as duas mais próximas de Júpiter eram muitíssimo pequenas. Mas por volta da hora quinta só se via uma das estrelas perto de Júpiter, afastada dele trinta segundos:

Ori. * -o o cc.

A elongação da [estrela] mais oriental em relação a Júpi­ter aumentara, pois era então quatro minutos. Mas na hora sexta, além das duas colocadas para Leste, como aca­bámos de dizer, via-se uma pequena estrela, muitíssimo minúscula, para o lado Oeste, afastada dois minutós de Júpiter:

Od. * o cc.

No décimo sexto dia, à sexta hora, estavam na disposição seguinte:

Od. * o * * o cc.

A saber, a estrela mais oriental estava sete minutos afas­tada [27v'] de Júpiter; Júpiter estava a cinco minutos da estrela seguinte para o Oeste, e esta, a três minutos da última a Oeste. Eram todas sensivelmente da mesma grandeza, bastante visíveis e exactamente na mesma linha traçada ao longo do Zodíaco.

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No décimo sétimo dia, à primeira hora, estavam pre­sentes duas estrelas, uma oriental, a três minutos de Júpi­ter, e outra ocidental distanciada dez minutos. Esta [estrela) era algo menor do que a oriental:

Ori.. * o • Oee.

Mas na sexta hora a oriental aproximara-se de Júpiter, estando apenas a cinquenta segundos distante dele, enquanto a [estrela) ocidental estava mais longe, isto é, a doze minutos. Numa e noutra observação estavam na mesma linha e ambas eram bastante pequenas, especial­mente a que estava para Leste na segunda observação.

No dia 18, à primeira hora, estavam presentes três estrelas, das quais duas ocidentais e uma oriental:

Ori. * o *- * Oee.

A estrela oriental estava a três minutos de Júpiter, a oci­dental, mais próxima a dois minutos, e a outra estrela mais ocidental estava a oito minutos da do meio. Todas estavam precisamente na mesma linha recta e tinham aproximadamente a mesma grandeza. Mas à segunda hora as estrelas mais próximas de Júpiter estavam afastadas por espaços iguais pois a ocidental estava agora três minutos afastada dele. Mas na sexta hora apareceu uma quarta pequena estrela entre a mais oriental e Júpiter, na confi­guração seguinte:

Ori. * * * Oce.

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A estrela mais oriental estava a três minutos da seguinte, [28r'] e esta estava a um minuto e cinquenta segundos de Júpiter; Júpiter estava a três minutos da estrela oci-

. dental seguinte, e esta a sete minutos da estrela mais ocidental. Eram todas quase iguais, apenas a oriental perto de Júpiter era um pouco menor do que as outras, e estavam todas na mesma linha recta paralela à eclíptica.

No dia 19, às zero horas e quarenta minutos, viam­-se apenas duas estrelas, bastante grandes, para o lado Oeste de Júpiter, precisamente alinhadas com Júpiter na mesma linha traçada ao longo da eclíptica:

Od. o * * Oee.

A [estrela] mais próxima de Júpiter estava a sete minutos dele e a seis minutos da estrela mais ocidental.

No dia 20, o céu estava enevoado. No dia 21, à uma hora e trinta minutos, observa­

vam-se três pequenas estrelas, muito diminutas, na seguinte disposição:

Oei. o Occ.

A [estrela] oriental estava a dois minutos de Júpiter, Júpi­ter, a três minutos da seguinte estrela ocidental, e esta, a sete minutos da mais ocidentaL Estavam precisamente na mesma linha recta, paralela à eclíptica.

No dia 25, à uma hora e trinta minutos (pois durante as três noites anteriores o céu esteve coberto de nuvens), apareceram três estrelas,

Oei. • .. o o cC' •

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duas para Leste, cujas distâncias entre elas e Júpiter eram iguais [28v'] a quatro minutos. A Oeste havia uma única estrela, a dois minutos de Júpiter. Estavam precisamente numa mesma linha recta, ao longo da eclíptica.

No dia 26, às zero horas e trinta minutos, só havia duas estrelas, uma para Leste a d'::Z minutos de Júpiter e a outra para o Oeste, afastada seis minutos:

Oei. o * Oe,".

A [estrela] oriental era algo menor do que a ocidental. Mas à quinta hora apareceram três estrelas. Além das duas já assinaladas, divisava-se uma terceira, perto de Júpiter,

Orá. * Oe,".

para o Oeste, muito pequena, que antes tinha estado oculta atrás de Júpiter, e que estava a um minuto dele. A [estrela] oriental aparecia mais afastada do que antes, isto é, estava agora a onze minutos de Júpiter. Nesta noite foi possível observar, pela primeira vez, o avanço de Júpiter e dos seus planetas adjacentes ao longo do Zodíaco, tendo por referência uma estrela fixa; observava-se, com efeito, uma estrela fixa a Leste, a onze minutos do planeta mais oriental e algo deslocada para o Sul, do seguinte modo:

Orá. o- * * fixa

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No dia 27, à uma hora e quarenta minutos,83 as estrelas apareceram nesta configuração:84

Od. * ** O cC'.

* fixa

A [estrela] mais oriental estava a dez minutos de Júpiter, a estrela seguinte, perto de Júpiter, a trinta segundos; a ocidental seguinte estava (29r'] a dois minutos e trinta segundos de Júpiter, e a estrela mais ocidental estava dis­tante desta um minuto. As estrelas mais perto de Júpiter apareciam pequenas, especialmente a oriental, enquanto as estrelas mais exteriores eram muito visíveis, especialmente a ocidental. Formavam uma linha recta traçada exacta­mente ao longo da eclíptica. O avanço destes planetas para o Leste discernia-se claramente pela comparação com a já referida estrela fixa. De facto, Júpiter, com o seu cor­tejo de planetas, aproximava-se dela, como pode ser visto na figura junto. Mas, à quinta hora, a estrela oriental mais perto de Júpiter estava um minuto afastada dele.

No dia 28, à primeira hora, só se viam duas estrelas, uma oriental, a nove minutos de Júpiter, e uma ocidental a dois minutos dele. Eram razoavelmente conspícuas e encontravam-se numa mesma linha recta. Esta linha era intersectada perpendicularmente por uma linha da estrela fixa ao planeta oriental, como se mostra na figura:

Od. * o * o cC'.

* fixa

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Mas à quinta hora distinguia-se uma terceira pequena estrela, para Leste, afastada de Júpiter dois minutos, numa disposição deste tipo:

Od. * * O * Oce.

No primeiro dia de Março, às zero horas e quarenta minutos, avistavam-se quatro estrelas, [29v'] todas a Leste. A mais próxima de Júpiter estava a dois minutos dele, a seguinte, a um minuto desta, e a terceira, a vinte segun­dos, e era mais brilhante do que as outras. Desta, final­mente, a mais oriental estava a quatro minutos e era menor do que as outras:

Ori. * ... O O ce.

Formavam aproximadamente uma linha recta excepto que a terceira estrela a partir de Júpiter estava ligeiramente elevada. A estrela fixa formava um triângulo equilátero com Júpiter e com a estrela mais oriental, como se mos­tra na figura.

No segundo dia [de Março], às zero horas e quarenta minutos, havia três planetas, dois para o Leste e um para o Oeste, nesta configuração:

Ori. O * Oce.

* fixa

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o mais oriental estava a sete minutos de Júpiter, enquanto este estava a trinta segundos do planeta seguinte. O ocidental estava dois minutos afastado de Júpiter. Os [planetas] mais exteriores eram maiores e mais brilhantes do que o outro, que aparecia muito pequeno. O mais oriental parecia um pouco elevado para o Norte, acima da linha recta, passando por Júpiter e pelos outros. A estrela fixa que já referimos estava afastada oito minu­tos do planeta ocidental ao longo da linha traçada desse planeta 85 perpendicularmente à linha recta, passando por todos os planetas, como a figura mostra.

Pareceu-me bem adicionar estas comparações de Júpiter e os seus planetas adjacentes com a estrela fixa [30r'] para que a partir delas qualquer pessoa possa com­preender que o avanço dos ditos planetas, em longitude e em latitude, está exactamente de acordo com os mOVi­mentos que se deduzem das tabelas.

Estas são as observações dos quatro planetas Medi­ceus que foram recentemente, e pela primeira vez, desco­bertos por mim, a partir das quais, embora não seja ainda possível calcular os seus períodos, é permitido, ao menos, fazer alguns reparos importantes.

Em primeiro lugar, como eles algumas vezes seguem, e outras vezes precedem Júpiter com intervalos iguais, e estão afastados dele para Leste e também para Oeste ape­nas com intervalos muito estreitos, acompanhando-o quer no movimento retrógrado quer no directo, ninguém pode duvidar que completam as suas revoluções em torno dele, ao mesmo tempo que, todos juntos, completam um período de doze anos em torno do centro do mundo. Além disso, rodam em círculos desiguais, o que se deduz claramente do facro de que, nas maiores elongações de Júpiter, nunca se podem ver dois planetas em conjunção, enquanto, por outro lado, se encontram dois, três e às vezes mesmo todos perto de Júpiter.

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Depreende-se ainda que as revoluções dos planetas que descrevem círculos menores em torno de Júpiter são mais rápidas. Com efeito, as estrelas mais próximas de Júpiter são vistas muitas vezes para o Leste quando no dia anterior apareciam para o Oeste, e vice-versa, enquanto, do exame cuidadoso dos seus retornos minuciosamente anotados, o planeta que percorre o maior orbe parece ter um período semimensal 86•

Temos, além disso, um excelente e esplêndido argu­mento para eliminar os escrúpulos daqueles que, embora admitindo tranquilamente a revolução dos planetas em torno do Sol no sistema coperniciano 87, ficam tão pertur­bados pela circulação de uma única Lua em torno da Terra, enquanto as duas juntas completam um orbe anual em torno do Sol, que concluem que esta constituição do universo deve ser recusada como impossível. Pois aqui temos não apenas um planeta revolvendo em torno de outro enquanto ambos se deslocam ao longo de um grande círculo em torno do Sol, mas os nossos sentidos mostram-nos quatro estrelas vagueantes [30v'] em torno de Júpiter, à semelhança da Lua em torno da Terra, ao mesmo tempo que todas elas com Júpiter percorrem um grande orbe em torno do Sol no intervalo de doze anos.a8

Finalmente, não podemos passar em silêncio a razão por que sucede que as estrelas Mediceias, enquanto com­pletam as suas revoluções muito pequenas em torno de Júpiter, parecem por vezes duplicar de tamanho. Não podemos de maneira nenhuma buscar a razão nos vapores terrestres, pois as estrelas aparecem maiores ou mais pequenas enquanto os tamanhos de Júpiter e das estrelas fixas vizinhas se vêem completamente inalterados. Por outro lado, parece absolutamente inconcebível que elas se aproximem e afastem da Terra no perigeu e apogeu das suas revoluções a ponto de causar tais grandes mudanças. De facto, o pequeno círculo que percorrem não pode, de

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maneira nenhuma, ser capaz de produzir esse efeito; quanto a um movimento oval (que neste caso teria que

. ser quase direito), parece ser inconcebível e de maneira nenhuma concordante com as aparências.89

Ofereço com agrado o que me parece neste assunto e submeto-o ao julgamento e censura dos bons filósofos. É bem sabido que por causa da interposição dos vapores terrestres o Sol e a Lua parecem maiores, mas as estrelas fixas e os planetas mais pequenos. Por esta razão, perto do horizonte as luminárias parecem maiores mas as estre­las mais pequenas e geralmente invisíveis; e diminuem ainda mais se esses vapores são inundados de luz.90 Por essa razão, as estrelas parecem muito pequenas durante o dia e nos crepúsculos; mas não a Lua, como já afirmámos antes. Pelo que já dissemos acima e também pelas coisas que serão discutidas mais amplamente no nosso Sistema 91,

é igualmente certo que não apenas a Terra mas também a Lua tem o seu próprio orbe vaporoso em seu redor. E podemos, por isso, fazer o mesmo julgamento acerca dos restantes planetas, de tal maneira que não parece inconce­bível colocar ao redor de Júpiter um orbe mais denso do que o resto do éter em torno do qual os planetas MEDI­CEUS são levados, como a Lua em torno da esfera dos elementos. E no apogeu, pela interposição deste orbe, eles parecem mais pequenos, enquanto no perigeu, por causa da ausência ou. atenuação deste orbe, parecem maiores.

A falta de tempo impede-me de prosseguir este assunto. O honesto leitor pode esperar em breve mais sobre estes temas.

FIM

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NOTAS

I NuncÍus. A tradução desta expressão tem sido porventura uma das maiores fontes de discussão entre os que se ocuparam de verter o texto para os diferentes vernáculos. De um ponto de vista estritamente linguístico é impossível decidir se Sidereus Nuncius signí~ fica Mensageiro ou Mensagem (das Estrelas). Não há dúvida de que Galileu tinha em mente o sentido de "Mensagem", mas é também certo que nunca se opôs nem corrigiu quando vários dos seus con~ temporâneos usaram o sentido de "Mensageiro". Ao longo dos tem­pos, vários tradutores optaram por uma, ou por outra, das possibili­dades, mas recentemente a maioria parece ter preferido a tradução "Mensageiro", baseada sobretudo em questões de tradição. Essa foi a opção seguida por Edward Stafford Carlos. Stillman Drake e Albert Van Helden nas suas consagradas traduções inglesas, e por Fernand Hallyn e Isabelle Pantin nas traduções francesas mais recentes. É inte­ressante reparar que, em 1987, Carlos Ziller Camenietzski apresentou no Brasil a primeira tradução portuguesa, com o título A Mensagem das Estrelas, mas na reedição de 2009 esse título foi alterado para O Mensageiro das Estrelas. A mais importante excepção deve-se a William Shea, que, na sua tradução de 2009, usou· o título A Sideral Message. Uma opção interessante (mas algo radical) foi a do tradutor espanhol Carlos Solís, que decidiu acentuar o carácter sensacional e jornalístico do livro de Galileu, baptizando-o de La Gaceta Sideral. Todos os tradutores apresentam justificação para a sua escolha e quanto a nós, não tendo sido convencidos pelos argumentos em con­trário, limitamo-nos a seguir a escolha mais habitual. Sobre este assunto, ver: EDWARD ROSEN, «The tide of Galileo's Sidereus Nun~ cius», Isis, 41 (1950) 287-289. EDWARD ROSEN, "Stillman Drake's DiscoverÍes and Opinions of Galileo», Isis, 48 (I 957) 440-443; STILLMAN DRAKE, «The Starry Messenger», Isis, 49 (1958) 346-347.

2 Patricio, no latim original, no sentido de membro da nobreza. Galileu pode reclamar sem exagero ser nobile florentino, um "nobre florentino". A sua família tem raízes antigas e distintas em Florença, que se podem identificar a partir do século XIII. O nome oríginal da família era Buonaiuti. mas a certa altura um ramo tomou o nome Gamei. O trabalho clássico sobre este assunto é o estudo de ANTONIO FAVARO, «Ascendenti e collaterali di Galileo Galilei»,

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Archivio Storico Italiano, 47 (1911) 346-378, mas qualquer boa bio­grafia de Galileu esclarece as suas origens. Veja-se em especial MICHELE CAMEROTA, Galíleo GaMei e la Cultura Scientifica nell'età della Controriforma (Roma: Salerno Editrice, 2004), pp. 25-37 e as indicações bibliográficas aí apresentadas. Pode ver-se a árvore genealó­gica de Galileu em: Opere, XIX, 17.

3 Galileu foi professor em Pádua entre 1592 e 1610. No final da sua vida, recordaria essa época como os melhores dezoito anos da sua vida (Opere, XVIII, 209). Sobre este período veja-se: GIOVANNI SANTINELLO (ed.), Galileo e la cultura padovana (Padua: CEDAM, 1992), e o capítulo III, «Patavina libertas», em MICHELE CAMEROTA, Galileo GaMei e la Cultura Scientifica nell'età della Controriforma (Roma: Salerno Editrice, 2004), pp. 75-149.

4 Perspicilli. Escrevendo em latim, Galileu usou o termo perspi­cilium para designar o novo instrumento. Em italiano escrevia occhiale, e no seu tempo foram correntes os termos occhiale o can­none, canone a veder lontano, cannochiale, ou termos análogos (vide por exemplo, Opere, X, 250, 255, 257, 259, 260, 261, 297). O pri­meiro livro impresso onde surge o termo "telescopium" é a obra do professor romano Giulio Cesare Lagalla, De phaenomenis in orbe lunae novi telescopii usu a D. Gatileo Galileo nunc iterum suscitatis physica disputatio (Venetiis, 1612), mas o termo circulava já antes, tendo sido cunhado aparentemente por Federico Cesi ou (segundo E. Rosen) por Joannes Demisianus durante um jantar da Accademia dei Lincei. Sobre esta questão, veja-se: EDWARD ROSEN, The Naming oi the Telescope (New York: Henry Schulman, 1947). Em Portugal, o primeiro termo conhecido (1615) é longemira, que surge nas notas das aulas do professor jesuíta Giovanni Paolo Lembo (ANTT, Ms. Liv. 1770). Os tradutores mais recentes empregaram os termos spyglass (Drake, Van Helden, Shea) , lunette (Hallyn e Pantin), anteojo (Solís). Hossenfelder não traduz o título mas, um pouco mais adiante, traduz perspicilium por Augenglass. Ao longo do texto de Galileu, para evitar anacronismos, usámos sempre o termo "luneta", mas no Estudo e demais anotações empregámos o termo que depois ficou consagrado: "telescópio". Poder-se-ia argumentar que a solução mais correcta seria usar aquele que parece ter sido o termo portu­guês do período ("óculo"), mas também aqui levámos em considera­ção a tradição mais habitual entre os tradutores.

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S Perspicilli nuper a se reperti. Muito se escreveu já sobre o sentido correcto a atribuir a esta expressão, que depende da tradução do verbo reperio. Drake: "lately invented by him"; Van Helden: "lately devised by him"; Hallyn: "récemment conçue par lui"; Pandn: "qu'il venait d'inventer". A posição de Galileu acerca disto foi clara, embora nem sempre compreendida por todos. Galileu reconheceu que os holandeses haviam sido os primeiros a fazer um telescópio e sempre disse que a notícia disso lhe tinha chegado. Por exemplo, no II Saggiatore (1623) foi completamente claro acerca da prioridade da invenção, falando de um "Olandese, primo inventor del telescopio" (Opere, VI, 259). Mas também sempre insistiu em que a sua concep­ção, se bem que posterior, havia sido independente, e não uma cópia de qualquer telescópio. Veja-se EDWARD ROSEN, «Did Galileo daim he invented the telescope?», Proceedings 01 the American Philosophical Society, 98 (1954) 304-312.

6 Galileu usou o termo "planetas" para se referir aos corpos celestes que orbitam em torno de Júpiter, e nunca usou o termo "satélites", proposto por Kepler. Sobre este assunto, ver o Estudo, p.80.

7 Cosme II de Mediei (1590-1621), filho de Fernando I (1549-1609) e de Cristina de Lorena (1565-1637), casados em 1589; ace­deu ao trono em 1609, pela morte do pai. No original vem desig­nado como Magno Haetruriae Duei, usando o antigo termo Etruria para designar a Toscana. Cosme II seria um grande protector de Galileu. Veja-se: FERDINAND SCHEVILL, The Mediei (New York: Har­per, 1960 [orig. 1949]); FURIO DIAZ, II Granducato di Toscana: I Mediei (Torino: UTET, 1976); J. R. HALE, Fiorence and the Mediei: The Pattem 01 Control (London: Thames and Hudson, 1977); RICHARD FREMANTLE, God and Money. Florence and the Mediei in the Renaissance: Including Cosimo Is Uffizi and its Coilection (Florence: L. S. Olschki, 1992). Mais especificamente sobre o mecenato cientifico da família Medici, ver os textos e imagens do excelente catálogo: I Mediei e te Seienze. Strumenti e Macchine neile coltezioni Granducali. A cura di FILIPPO CAMEROTA e MARA MrNIATI (Firenze: Giunti Edi­tore, 2008). O estudo das relações entre Galileu e os Medici não pode dispensar, hoje em dia, os trabalhos de Mario Biagioli a que já aludimos antes, apesar de, como também mencionámos, a sua inter­pretação ter levantado alguma polémica.

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8 Sobre o estilo deste prefácio recorde-se a feliz expressão de A. Battistini quando disse tratar-se de uma dedicatória "piena di cerimo­niose genuflessioni verbali". ln: ANDREA BATTISTINI, Ga/ileo e i Gesuití. Miti letterari e retorica de/Ia scienza (Milano: Vita e Pensiero, 2000), p. 22. Sobre a estrutura e o valor literário e social destas car­tas dedicatórias, veja-se: KEVIN DUNN, Pretexts o/ Authority: Rhetoric o/ Authorship ln the Renaissance Preface (Stanford: California Univer­sity Press, 1994) e S. TARQUINI, Simbologia dei Potere. Codici di Dedica aI Pontefice ne/ Quattrocento (Roma: Roma nel Rinascimento, 2001). Mais especificamente sobre estas cartas na literatura científica, veja-se: NICHOLAS JARDINE, «The places of astronomy in early­modem cu/ture», Journal for the History o/ Astronomy, 29 (1998) 49-62.

9 Sumptas ad sydera ducti. Galileu alude a um passo das Ele­gias de Propércio (liv. III, no. 2, verso 19): "Nam neque Pyramidum sumptus ad sidera ducti", na tradução portuguesa: "Pois nem o esplendor das Pirâmides erguidas até aos astros", in: PROPÉRCIO, Ele­gias. Tradução portuguesa de Aires A. Nascimento, Maria Cristina Pimentel, Paulo F. Alberto, J. A. Segurado e Campos (Lisboa: Centro de Estudos Clássicos; Assis: Accademia Properziana dei Subasio, 2002), p. 153.

10 A inspiração para este passo vem de Horácio, nas suas Odes (livro III, ode 30, versos 1-5): "Exegi monumentum aere perennius 1/ Regalique situ pyramidum altius, II Quod non 'imber edax, non Aquilo impotens 1/ Possit diruere aut innumerabilis 1/ Annorum series et fuga temporum." Na tradução portuguesa de Ema Barcelos: "Erigi um monumento mais duradouro que o bronze, 1/ mais alto que a construção real das pirâmides, que nem o Inverno voraz, nem o indomável Aquilão /I ou a série inumerável dos anos e a fuga do tempo /I poderão destruir." ln: HORÁCIO, Odes Escolhidas. Texto latino e versão portuguesa por Ema Barcelos (Porto: Porto Editora, 1975), pp. 52-53.

11 Tempus edax ... invidiosa vetustas. As expressões são de Ovídio, Metamorfoses, xv, 34. Vid. OVíDIO, Metamorfoses, tradução por Domingos Lucas Dias, voi. II (Lisboa: Vega, 2008), p. 362.

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12 Tal como a palavra grega Cometes [K0J..lTj1:TJS], também o termo latino Crinitas significa farta cabeleira.

13 O episódio do aparecimento do cometa durante os jogos organizados por Augusto em memória de Júlio César é relatado por Suetónio no par. LXXXVIII da «Vida de Caio Júlio César». Vide

Suetónio, Os Doze Césares. Tradução e notas de João Gaspar Simões, 3a ed. (Lisboa: Editorial Presença, 1979), p. 50.

14 Esta carta dedicatória a Cosme II está plena de linguagem astrológica. Mario Biagioli trouxe à luz do dia o rico simbolismo, com frequente recurso à astrologia, em que Galileu envolveu muitas das suas descobertas, relacionando-as com a imagética dos Mediei. Vide MARIO BIAGIOLI, Galileu Cortesão. A Prática da Ciência na Cul­tura tÚJ Absolutismo (Porto: Porto Editora, 2003) [originalmente: Gali­

leo Courtier: The Practice 01 Science in the Cu/ture o[ Abso!utism (Chi­cago and London: The University of Chicago Press, 1993)]. Sobre este assunto, veja-se também: GUGLIELMO RIGHINI, «~Oroscopo

Galileano di Cosimo II de Medici», Annali dell1stituto e Museo di Storia della Scienza di Firenze, 1 (1976) 2~-36; H. DARREL RUTKlN, «Celestial Offerings: Asrrological Motifs in the Dedicatory Letters of Kepler's Astronomia Nova and Galileo's Sidereus Nuncíus» , in W. NEWMAN and A. GRAFTON (ed.), Secrets o[ Nature, Astrology and Alchemy in Early Modem Europe (Cambridge, Mass.: The MIT Press, 2001), pp. 133-172.

15 O centro é identificado como o centro do mundo. Galileu . revela logo aqui na dedicatória, sem margem para dúvidas, a sua

opção coperniciana. Este passo tem o interesse de ser a primeira expressão pública conhecida do copernicianismo de Galileu. Mais adiante, já no final do livro, referir-se-á explicitamente ao "sistema coperniciano" (na p. 205). Recorde-se que a dedicatória e as últimas páginas do Sidereus Nuncius foram as derradeiras partes a serem escri­tas por Galileu, sensivelmente nos mesmos dias. O período de rota­ção de Júpiter em torno do Sol é de 11 anos e 315 dias.

16 Mediurnque coeH. Meio do céu: termo astrológico. A inter­secção da eclíptica com o meridiano do lugar.

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17 Orientalemque angulum sua Regia illustrans. O ângulo oriental é o formado pela intersecção da eclíptica com o horizonte oriental, isto é, refere-se ao signo que está a nascer. O passo tem alguma dificuldade de tradução que, no entanto, já foi resolvida pelos anteriores tradutores. O ablativo "sua Regia" tem aqui valor instru­mental e refere-se à casa regida por Júpiter, isto é, Sagitário. Galileu dá, portanto, uma indicação temporal bastante precisa: Júpiter encon­trava-se no ponto mais elevado da sua trajectória e o signo Sagitário estava a nascer. Estes factos são confirmados nos dois horóscopos (cartas natais) de Cosme II que Galileu fez (só um está completo).

18 Galileu fora tutor de matemática do jovem Cosme no Verão de 1605 (Opere, X, 144-145), em Outubro de 1606 (Opere, X, 158--162), e novamente no Verão de 1608 (Opere, X, 214-215). Em 1606 dedicou a Cosme o seu Le Operazioni de! compasso geometrico et militare (Padova, 1606) (vid. Opere, II, 367-368).

19 Galileu relembra e reafirma a sua origem toscana.

20 4. Idus Martii. Isto é, 12 de Março.

21 O Conselho dos Dez era o órgão que tutelava as questões de segurança interna da República Veneziana, em que se incluía também a censura dos livros. A autorização de publicação do livro foi dada pelo Conse!ho dos Dez, depois de o livro ter sido examinado pelos Reformadores [Riformatorz] da Universidade de Pádua. É interessante observar que no relatório que foi enviado pelos Riformatori o livro de Galileu tem o título de Astronomica denuntiatio ad astro logos (Opere, XIX, 227-228). Sobre os mecanismos de exame e censura de livros neste período em Veneza veja-se a obra clássica e indispensável de PAUL E. GRENDLER, The Roman Inquisition and the Venetían Press (Princeton: Princeton University Press, 1977). Elementos complemen­tares sobre esta questão por GAETANO COZZI, «Religione, moralità e giustizia a Venezia: vicende della magistratura degli Esecutori contra la Blasfemia», in GAETANO COZZI, La Società Veneta e ii suo Diritto (Venezia: Fondazione Cini, 2000), pp. 65-148.

22 Astronomicus nuncius. Embora acerca da correcta tradução da palavra "nuncius" no título Sidereus Nuncius tenha havido sempre uma diversidade de opiniões entre "mensagem" ou "mensageiro", a

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expressão "astronomicus nuncius" tem sido sempre traduzida com o sentido de "mensagem astronómica". Astronomicus nuncius parece ter sido o segundo título que Galileu pensou para o livro, já que antes o havia designado por Astronomica denuntiatio, e depois passou a cha­mar Sidereus Nuncius.

23 Cosmica Sydera. Como se explica no Estudo, esta parte do texto foi impressa antes de Galileu ter recebido as instruções para alterar o nome para "estrelas de Mediei". Ver p. 88.

24 O famoso Catálogo de Ptolomeu, nos livros VII e VIII do Atmagesto, listava 1022 estrelas. Vide Ptolemy's Almagest. Translated and Annotated by G. J. Toomer (Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1998), pp. 339-399. Para estudos mais avançados, ver: Cl.AUDIUS PTOLEMAUS, Der Sternkatalog des Almagest. Die ara­bish-mittelalterliche Tradition, ed. Paul Kunitzsch, 3 vols. (Wiesbaden, 1986-1991) e GERO GRASSBOFF, The History o[ Ptokmy's Star Catalo­gue (New York; Springer, 1990).

25 terrestres diametros, no original. Tem sido muitas vezes interpretado como um lapso de Galileu, referindo "diâmetros" terres­tres quando deveria dizer "raios", mas corresponde na verdade a um uso muito peculiar do termo por Galileu, que escreve "diâmetro" quando quer dizer "semidiâmetro" [Le raio], dizendo então "diâmetro inteiro" quando se refere ao "diâmetro". Na tradução usámos a ter­minologia actual. Veja-se EDWARD ROSEN, «Galíleo on the distance between the Earth and the Moon», Isis, 43 (1952) 344-348.

26 Como é evidente, se as distâncias lineares são aumentadas 30 vezes, a superfície de um corpo aumentará 302 = 900 vezes e o seu volume 303 27 000 vezes.

27 Erraticas stellas. Além desta designação, Galileu também usa vagam para referir-se aos planetas, por oposição às estrelas fixas.

28 Para acompanhar a analogia que Galileu propõe é preciso recordar que as e10ngaçães de Vénus e Mercúrio são sempre bastante limitadas. Mercúrio nunca está a mais de 28° do 50\' e Vénus, nunca a mais de 45°. A noção de que Vénus e Mercúrio circulam em torno do Sol é muito anterior ao sistema de Copérnico.

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29 Signific;,. que esta parte do texto foi escrita pouco depois da descoberta dos satélites de Júpiter, isto é, em meados de Janeiro de 1610.

30 Diuina prius aluminante gratia. A noção de ter sido espe­cialmente iluminado por Deus para conseguir o descobrimento do telescópio e, depois, dos novos fenómenos celestes, não é, como se poderia pensar à primeira vista, um mero floreado literário. Galileu esteve sempre profundamente convicto de ter sido objecto de uma especial eleição por Deus, só a ele concedida, e refere-o repetida­mente. Por exemplo, Opere, VI, 383; X, 280; XI, 80.

31 Menses abhinc decem fere. No manuscrito: "há cerca de oito meses" ("menses abhinc 8 fere", Opere, III/I, 18), alterado depois pelo próprio Galileu.

32 rumor ... increpuit. Galileu InSIStiU sempre em que Só lhe chegara uma notícia do telescópio e que, apenas com base nesse informe, sóúnho, havia sido capaz de reconstruir o instrumento. Além deste passo, assim o afirma numa carta de 29 de Agosto de 1609 a Benedetto Landucci (Opere, X, 253), e também no II Saggia­tore (Opere, VI, 258).

33 quodam Belga. O termo tem uma acepção muito lata. Hallyn considera que o termo "ne peut être traduit que par une périphrase" e propõe: "un habitant des Provinces des Pays-Bas" (HALLYN, p. 117). No II Saggiatore (I623) Galileu usa o termo "un Olandese" (Opere, VI, 258).

34 Iacobo Badovere. Refere-se a Jacques Badouere (Badouer, Badovere, Badoire), nobre francês de uma família de origem vene­ziana. Estudou na Universidade de Pádua entre 1598 e 1599, ficando alojado na casa de Galileu, com quem teve aulas privadas de assuntos científicos. Ao regressar a França tornou-se secretário do rei Henri­que N. Nascido no seio de uma famllia protestante, converteu-se ao catolicismo em 1604. Sobre Badovere: ANTONIO FAVARO, «Amici e corrispondenti di Galileo Galilei: Giacomo Baduere», Atti dei Reale Istituto 1&neto di Scienze, Lettere ed Arti, 65 (1905) 193-201; B. ULIANICH, «Badoer, Giacomo», in Dizionario Biografico degii Italianí

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(Roma: Istituto delta Encidopedia Italiana, 1960), vol. 5, pp. 114--116; FRANCO MUSARRA, «Giacomo Badovere e il problema dei 'Libertini'», Ateneo Véneto, 11 (1973) 121-137.

3S Galileu repetirá noutros locais que chegou a mvenção do telescópio por especulações da "teoria das refracções", mas, como já se explicou, não foi certamente assim que as coisas se passaram. Ele nunca chegou a dominar os princípios ópticos subjacentes ao telescó­pio e parece nem sequer ter compreendido a teoria do instrumento quando foi apresentada por Kepler na Dioptrice (1611), como, aliás, confidenciou a um visitante (Opere, XIX, 590). Galileu aperfeiçoou os seus telescópios por tentativa e erro, experimentando, numa suces­são de melhoramentos certamente notável, mas muito mais artesanal do que teórica.

36 Um destes telescópios foi oferecido ao Senado de Veneza.

37 TeUuris díametros. De novo, o uso de "diâmetros" a signifi­car "semidiâmetros", isto é, raios. Corrigimos na tradução.

38 Note-se como Galileu distingue claramente entre a nitidez da imagem de um telescópio e a sua ampliação.

39 O procedimento' aqui descrito não é originalmente de Galileu, sendo o utilizado pelos fabricantes de lentes de finais do século XVI. Uma técnica muito semelhante vem descrita na obra de Benito Daza de Valdés, Uso de los Antojos (1623).

40 Galileu subscreve uma teoria extramissionista (ou emlSSIQ­nista) da visão segundo a qual os raios saem do olho; infelizmente a explicação dada não é totalmente dara.

41 No manuscrito do Sidereus Nuncius pode ver-se um dia­grama, muito simples, de um telescópio que parece mostrar duas len­tes convexas (Opere, IIIII, 19). O diagrama que foi depois impresso é ainda mais simplificado, a tal ponto que é praticamente inútil. Em particular, Galileu não faz qualquer tentativa de explicar o ponto essencial, isto é, como se formam as imagens. Pode observar-se, con­tudo, que, de acordo com o desenho, todo o efeito óptico parece provir da objectiva (convexa), enquanto a ocular (concava) parece não

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alterar de forma significativa o trajecto dos raios. Como se explica no Estudo introdutório, isto parece estar de acordo com o que se julga ter sido a compreensão de Galileu da óptica involvida.

42 Esta promessa nunca foi cumprida; Galileu nunca apresentou a sua teoria do telescópio, apesar de, em anos seguintes, no li Saggiatore (1623) (Opere, VI, 259), no Dialogo sopra i due massimí sistemi (1632) (Opere, VII, 388-389), e em alguma correspondência dispersa, ter dado indicações (mas sempre muito vagas) acerca da des­ses princípios teóricos. Os leitores do Sidereus Nuncius, contudo, recordaram-lhe, por vezes, a promessa feita (Opere, XII, 281).

43 Como Galileu iniciou as suas observações telescópicas da Lua em meados/fim de Novembro, o passo indica que esta parte do texto foi redigida em meados de Janeiro, isto é, que foi uma das primeiras partes a ser escrita, já que se pode estabelecer o início da redacção do Sidereus Nuncius em 15 de Janeiro de 1610.

44 Muitos dos parágrafos relativos às observações da superfície da Lua são retiradas da carta de 7 de Janeiro de 1610 (Opere, X, 273-277).

45 Pertundere. Galileu usa quase sempre o termo "perfundere" quando se refere à iluminação da Lua pelo Sol, um termo que remete mais para uma teoria da impregnação do que para uma teoria de reflexão. Sobre as teorias da época relativas à origem e aos processos associados à luz da Lua é indispensável consultar a obra de EILEEN REEVES, Paínting the Reavem, Art and Science in the Age 01 Galileo (Princeton: Princeton University Press, 1997).

46 Trata-se da linha que modernamente se designa por "termi­nador".

47 Quadratura é a pOSlçaO de um astro que se encontra a 900 em relação ao Sol. Na Lua a primeira quadratura é o quarto cres­cente.

48 É o UnlCO passo onde Galileu deixa entender que já antes dele se havia defendido que a Lua era como uma outra Terra. Na verdade, como se explica mais no texto, muitos autores da Antigui-

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dade, com especial destaque para Plutarco, haviam defendido que a Lua era como a Terra, com montanhas e vales.

49 Galileu pensa que há água na Lua. Mais tarde mudará de opinião (Opere, VII, 125; XII, 240).

50 A cavidade tem sido geralmente identificada com a cratera A1baténio, embora não seja possível fazê-lo com segurança absoluta. O desenho de Galileu está manifestamente exagerado, para tornar mais convincente a semelhança entre a Lua e a Terra, e a cavidade tem uma circularidade e um tamanho que não se vêem em qualquer cratera verdadeira da Lua. Kepler achou que esta enorme cavidade pudesse ser uma construção de habitantes da Lua; KEPLER, Dissertatio cum nurtcio sidereo (Praga, Daniel Sedesanus, 1610), vide Johannes Kepler Gesammelte Wérke (München: Beck, 1937-), vol. IV, pp. 299.

51 Posteriormente, numa carta de 1 de Setembro de 1611 ao jesuíta Christoph Grienberger (Opere, XI, 190-192), Galileu apresen­tou uma explicação mais detalhada da razão porque o bordo da Lua se vê perfeitamente circular apesar das cadeias de montanhas.

52 Inicialmente, isto é, desde 1604, ano em que apareceu uma supernova, Galileu defendeu a ideia de que a Lua teria uma atmos­fera (Opere, II, 282), posição que aqui também explicita. Tudo leva a crer que começou a mudar de opinião nos anos imediatamente seguintes à publicação do Sidereus Nuncius, e, na «Segunda Jornada», no Dialogo sopra i due massimi sistemi (1632), descarta já essa possi­bilidade (Opere, VII, 125-126). Ver ainda Opere, XII, 240; XVIII, 240.

53 Para mais informação sobre estes cálculos e os parâmetros usados, veja-se Pantin, pp. 70-73.

54 Como é evidente, Galileu usa valores aproximados. A ques­tão das unidades de medida antigas é habitualmente complicada, mas neste caso tem uma explicação fácil já que a milha itálica foi das mais divulgadas. Trata-se da milha romana (ca. 1478 m), que foi muito conhecida e usada em toda a Europa com o nome de "miliare vetus" ou milha itálica.

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55 A demonstração da altura dos montes da Lua foi contestada por um Johann Georg Brengger, e depois defendida por Galileu, numa troca de correspondência entre finais de 1610 e o início de 161l. Vid. Opere, X, 461-462, 466-473; XI, 13-14, 38-41.

56 Galileu vai explicar o fen6meno da luz cinzenta ou luz cen­drada (às vezes também luz cinérea) da Lua. Vide RONALDO ROGÉRIO DE FREITAS MOURÃO, Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astro­náutica (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987), p. 492. Como Gali­leu explica, o fenómeno foi por ele observado há anos atrás, sem telescópio. Este assunto é tratado extensamente na obra de EILEEN REEVES, Painting the Heavens, Art and Science in the Age of Galileo (Princeton: Princeton University Press, 1997).

57 Cognatio atque similitudo inter Lunam atque Tdlurem. A insistência na similitude entre a Lua e a Terra (e até provavelmente a escolha da palavra cognatio) remete indirectamente para o copernicia­nismo. Vide De revolutionihius, I, 10: "Tellus quoque minime frauda­tur lunari ministerio, sed ut Aristoteles de animalibus ait, maximam Luna cum terra cognationem habet" (De revolutionibus, 1543, foI. 9 v). Infelizmente, a versão portuguesa de referência, por A. Dias Gomes e Gabriel Domingues, [NICOLAU COPÉRNICO, As Revoluções dos Orbes Celestes (Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984)], apresenta na p. 53 uma tradução algo deficiente deste trecho: "Tam­bém a Terra não é nada prejudicada com a companhia da Lua, mas como diz Aristóteles no seu livro De animalibus, possui uma afini­dade íntima com a Terrà', onde deveria estar, na última parte: "mas como diz Aristóteles no seu livro De animalíbus, a Lua possui uma afinidade íntima com a Terrà'.

58 Sextilo. Aspecto que corresponde a uma diferença angular de 60°; Conjunção (0°), Oposição (180°); Quadratura (90°), Trino (120°).

59 É o UI1lCO passo em que Galileu faz uma alusão directa ao planeta Vénus no Sidereus Nuncius, mas sem dar qualquer indicação das suas possíveis fases.

60 Systema mundi. Anuncia aqui e num passo um pouco mais adiante que pretende escrever uma obra sobre o sistema do mundo.

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A 7 de Maio de 1610, ou seja, poucos dias depois da publicação do Siderem Nuncius, numa carta a Belisario Vinta, listando as obras que planeava escrever, Galileu refere um "De sistemate seu constítutione universi, concetto immenso e pieno di filosofia, astronomia e geome­tria" (Opere, X, 351). A obra a que alude s6 surgiria mais de trinta anos depois e trata-se evidentemente do Dialogo sopra i due massimi sistemi (1632). Embora as origens do termo "sistema" [crúcr't1]I.lU, .rystema] radiquem no sentido que lhe era dado pelos est6icos da anti­guidade, a expressão "sistema do mundo" [.rystema mundt] só entrou no vocabulário corrente da astronomia no final do século XVI. Sobre a expressão "sistema do mundo", ver: MICHEL-PIERRE LERNER, «The origin and meaning of "World System"», Journal for the History 01 Astronomy, 36 (2005) 407-44l.

61 Isto é, se for um eclipse.

62 De novo volta a referir-se à obra que pensava escrever e que viria a ser o Dialogo sopra i due massimi sistemi (1632). Ver a nota 60 para mais informação.

63 Um excerto muito importante. A ideia de que, com o helio­centrismo, a Terra teria sido afastada de uma posição priviligeada no centro do Mundo e, portamo, menorizada, é um dos clichés herdados do Iluminismo, e que hoje em dia domina a cultura popular. Mas é uma noção errada, que não corresponde ao que os contemporâneos pensavam e deixaram registado. Importa recordar que a posição da Terra do geocentrismo, no centro do mundo, sempre foi considerada como a mais ignóbil. O centro era também "o fundo", o "em baixo". Foi o heliocentrismo coperniciano que elevou a Terra e o Homem a uma nova dignidade. Galileu foi sempre muito claro acerca disto e voltou a insistir com veemência neste aspecto anos depois, no Dialogo sopra i due massimi sistemi (1632), pela boca de Salviati, quando este declara: "quanto alia Terra, noi cerchiamo di nobilitarla e perfezio­narla, mentre proccuriamo di farIa simile a i corpi celesti e in certo modo metterla quasi in cielo" (Opere, VII, 62). A ideia de que o cen­tro era um lugar de especial nobreza foi já refutado pelos mais emi­nentes his~oriadores, como, por exemplo, Arthur Lovejoy: "But the actual tendency of the geocentric system was preciseJy the opposite, for the center of the world was not a position of honor; it was rather the place farthest removed fcom the Empyrean, the bottom of the

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creation, to which the dregs and baser e1ements sank. The actual cen­tre indeed was hell", ARTHUR O LOVEJOY, The Great Chain 01 Being (New York: Harper and Row, 1960), pp. 101-102. A opinião de que o centro é o pior lugar do mundo aparece claramente em Aristóteles (De caelo, liv. II, cap. 3, 293 a) e em Cícero (De natura deorum, liv. II, cap. 6, 17), por exemplo. Em 1640, John Wilkins defendia que o principal argumento contra o copernicianismo a ser refutado era aquele "fram the Víleness of our Earth, because it consists of a more sordid and base Matter than any other part of the World; and there­fore must be situated in the Center, which is the worst place, and at the greatest distance from those Purer incorruptible Bodies, the Hea­vens", «A Discourse concerning a new planet, tending to prove, that ('tis probable) our Earth is one of the Planets», in JOHN WILKINS, Mathematical and Philosophical W0rks (London: John Nicholson, 1708), p. 200. Sobre este assunto, vide REMI BRAGUE, «Le géocen­trisme comme humiliation de l'homme», in R. BRAGUE et J. F. COURTiNE (eds.), Herméneutique et ontologie. Hommage à P. Aubenque (Paris, 1990), pp. 203-223, depois como: REMI BRAGUE, «Geocen­trism as a humiliation for man», Medieval Encounters, 3 (I997) 187-210; DENNIS R. DANIELSON, «The great copernican cliché», American Journal 01 Physics, 69 (2001) 1029-1035; DENNIS R. DANIELSON, «The bones of Copernicus», American Scientist, 97 (2009) 50-57; DENNIS R. DANIELSON, «Myth 6: That copernicanism demoted humans fram the center of the cosmos», in: RONALD L. NUMBERS (ed.), Galileo goes to jail and other myths about science and religion (Cambridge, Mass. and London: Harvard University Press, 2009), pp. 50-58.

64 Rationibus sexcentibus. Galileu escreve, literalmente, centos argumentos", com o sentido de muitos ou inumeráveis.

" . selS-

65 Primae ... magnitudinis. O termo moderno ("magnitude") refere uma quantidade adimensional e supõe já uma compreensão do fenómeno do brilho estelar que Galileu não tinha, e por isso traduzi­mos sempre por "grandezà'. Tal como os antigos, Galileu associava o

brilho das estrelas à sua grandeza física real: as estrelas mais brilhan­tes eram, por conseguinte, maiores. A escala de grandeza estelar teve a sua origem pelo século segundo a. c., quando Hiparco classificou as estrelas visíveis a olho nu em seis grupos. As mais brilhantes foram

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chamadas de primeira grandeza, as outras a seguir de segunda gran­deza e assim em diante, até às de sexta grandeza. Na versão portu­guesa do Atlas Celeste de Flamsteed, edição de 1804 [Atlas Celeste, arranjado por Flamsteed ( ... ) Primeíra edição portugueza, revista e cor­recta pelo Doutor Francisco Antonio Ciera, e pelo Coronel Custódio Gomes Vi/las-Boas (Lisboa: na Impressão Régia, 1804)] usa-se ainda o termo "grandeza". Sobre magnitude estelar, ver: MAxIMO FERREIRA e GUILHERME DE ALMEIDA, Introdução à Astronomia e às Observações Astronómicas (Lisboa: Plátano, 1995), pp. 196-201.

66 Galileu recorre a uma curiosa analogia, comparando os raios em torno das estrelas a cabelos e usando ao longo do trecho a termi­nologia correspondente: intonsa, crines, cape/latura. Assim, uma estrela com a sua irradiação é como se não tivesse o cabelo cortado (intonsa).

67 Galileu voltará a este assunto do diâmetro aparente das estre­las fixas em outras ocasiões. Por exemplo, no II Saggiatore (1623) (Opere, VI, 363), e num passo importante, na «terceira jornada» do Dialogo sopra i due massimi sÍstemi (1632) (Opere, VII, 387-388). Vide HAROLD L BROWN, «Galileo on the tdescope and the eye», Journal o/ the History o/Ideas, 46 (1985) 487-501.

68 Refere-se a Sirius (a-Canis Major), a mais brilhantes das estrelas visíveis. Sobre Sirius, veja-se: RICHARD HINCLEY ALLEN, Star Names. Their Lore and Meaning (New York: Dover, 1963), pp. 120--129; PAUL KUNITZSCH and TIM SMART, A Dictionary o/ Modem Star Names. 2nd revised edition (Cambridge, Mass.: Sky Publishing, 2006), p. 22. Para a terminologia portuguesa correntemente em uso veja-se, por exemplo: MAxIMO FERREIRA e GUILHERME DE ALMEIDA, Introdu­ção à Astronomia e às Observações Astronómicas (Lisboa: Plátano, 1995).

69 Em português pode dizer-se Ocion ou Orionte, mas esta segunda designação tornou-se mais habitual entre os astrónomos.

70 Plures quingentis. Também aqui não se deve tomar esta expressão à letra. Galileu não está a dar um o resultado numérico preciso de uma contagem que tenha feito, mas simplesmente a que­rer significar uma grande multidão de estrelas.

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71 As três estrelas no cinturão de Orionte são as conhecidas "três Marias": Mintaka (o-Orionis), Alnilam (e-Orionis) e Alnitak (Ç-Orionis). Entre as seis da espada conta-se a nebulosa de Orionte (M42) que, como se explica no Estudo, estranhamente Galileu não refere (supra, p. 74).

72 Seis são mais brilhantes do que a quinta grandeza; a sétima é mais brilhante do que a sexta grandeza, mas geralmente só é per­ceptível a pessoas com muito boa acuidade visual. Sobre as Plêiades no Catálogo de Ptolomeu: Ptolemy's Almagest. Translated and Annota­ted by G. J. Toomer (Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1998), p. 363.

73 Essentia. O termo causa alguma perplexidade de tradução, mas aqui está usado no sentido de substância. Aliás, como assinalou Isabelle Pantin (PANTIN, p. 81, n. 101), este é o termo empregue na tradução de Aristóteles, com comentários de Averróis, na edição de Giunta, (Meteor. I, cap. 6, relativo a Meteor. 18 344bl1: «De Lactei circuli essentia opinio propria», Veneza, 1562, t. V, 410r).

74 O mais importante estudo das concepções antígas acerca da Via Láctea encontra-se na obra de STANLEY L. JAKI, The Milky ~y: An Elusive Road for Science (New York: Science History Publications; Newton Abbot: David and Charles, 1973).

75 O Presépio [Praesepe] (M44) , que os gregos designavam por Manjedoura, está na constelação do Caranguejo (Câncer): os Aselos (do latim, Asellus, -i, diminutivo de Asinus, ou seja, burrico, jumento) são as duas estrelas grandes da gravura: Asellus Borealis ou Burro do Norte (r-Cancri), e Asel!us Australis ou Burro do Sul (o-Cancri). Sobre a mitologia associada ao Presépio veja-se o livro de ANTÓNIO MAGALHÃES, Mitos no Céu (Lisboa: Gradiva, 2004), pp. 99-100, de onde copio a seguinte explicação: "Para Ptolomeu e para os Gregos, Gama e Delta eram Onoi, os Asnos. Os latinos chamaram-lhes «Aselli» ou "Asili» , com o mesmo significado, donde resultou a desig­nação actual, "Asellus». Os nomes nas diversas línguas eram em geral equivalentes a estes termos e também a referência aos burros em volta da manjedoura".

76 Isto é, entre 7 de Janeiro de 1610 e 2 de Março de 1610.

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77 Hora sequentis noctis prima. A primeira hora da noite não se refere à uma hora depois da meia noite. No tempo de Galileu, o tempo era contado a partir do põr do sol e o dia civil começava e terminava com o põr do sol. A primeira hora em Pádua a 7 de Janeiro de 1610 começou por volta das 16h30.

78 Nesdo quo Fato ductus. Cumprindo a vontade dos deuses, como um herói épico.

79 Segundo as Ephemerides coelestium motuum (Veneza, 1582) de G. A. Magini, que Galileu possuía, Júpiter seria retrógrado de 8 de Outubro de 1609 até 4 de Fevereiro de 1610.

80 min: O. sec: 40. Aqui e em ocorrências semelhantes simplifi­cámos a tradução omitindo os zero minutos e escrevendo apenas os segundos.

81 Figura corrigida de acordo com o que se tornou habitual em algumas edições modernas do Sidereus Nuncius (por exemplo, as de Van Helden e Shea): no original falta uma estrela que foi inserida, entre parêntesis rectos.

82 Entre 30 de Janeiro e 13 de Fevereiro Galileu encontrava-se em Veneza, para tratar de assuntos relacionados com a publicação do livro, e foi aí que fez as observações nessas noites.

83 O original tem Ho.1.m.4, mas trata-se de um lapso de Gali­leu (que, aliás, também se verifica no manuscrito). Em vez de 4 minutos deve ser 40 minutos. Corrigimos na tradução.

84 Figura corrigida. No original falta uma estrela que foi inse­rida, entre parêntesis rectos.

85 Aqui trata-se da estrela fixa. Um lapso de Galileu.

86 O valor real é de cerca 16 dias e 18 horas. Na altura em que escreveu o Sidereus Nuncíus, Galileu ainda não havia determinado o período dos satélites de Júpiter - um dos seus mais notáveis feitos em astronomia -, mas já concluira que os períodos são maiores quanto mais afastados de Júpiter estão os satélites. Galileu não tira

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mais ilações desta observação, mas ela é de extremo significado. Alguns historiadores sugeriram que este argumento teria desempe­nhado um papel central na aceitação do sistema coperniciano: "I would suggest that this realization that the earth could likewise keep the moon in tow was absolutely central to Galileo's conversion to a strong. enthusiastic heliocentrismo Later, when he had determined the periods of the circumjovials. he realized thar the innermost satellite was rhe quickest to round Jupiter, the outee satellite was the slowest, and so on. Behold! A miniature Copernican system!", OWEN GINGE­RlCH, «Truth in Science: Proof, Persuasion, and the Galileo AfIain> , Perspectives on Science and Christian Faith, 55 (2003) 80-87, cito na p.84.

87 A única alusão directa ao nome de Copérnico e ou do sis­tema astronómico por ele proposto. Na Dedicatória, contudo, Galileu já deixara clara a sua adesão ao heliocentrismo copernidano.

88 Um passo importante em que Galileu, sem fazer uma identi­ficação explícita, ataca o modelo de Tycho Brahe e os seus apoiantes (e não o modelo ptolomaico). Note-se que a comparação é estabele­cida entre Júpiter e os seus satélites e a Terra com a Lua. Vide WADE

L. ROBISON, «Galileo on the moons of Jupiten., Annals o/ Science. 31 (1974) 165-169.

89 Movimento oval. Galileu nunca deu crédito à proposta revo­lucionária de órbitas elípticas apresentada por Kepler na Astronomia Nova (1609).

90 Deve notar-se que o primeiro destes fenómenos descritos por Galileu - o aumento das luminárias pelo efeito dos vapores perto do equador não é rcal. Quanto ao bem conhecido efeito do aumento do Sol e Lua perto do horizonte era sabido de há muito tratar-se de uma ilusão devido à perspectiva.

91 Refere-se novamente ao que virá a ser o Dialogo sopra i due massimi sistemi (1632).

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GALILEU GALILEI

S/DEREUS NUNe/us

Reprodução facsimilada da edição de Veneza, Tommaso Baglioni, 1610

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SIDEREVS NVNCIVS

MAGNA, LONGEQVE ADMln.AnlLlA !>pl.'dacula r~ndeD6 ~ fufj,icicodaq1re propom:ns

vnicuiquc .. pr:rfcrrun vero P lJ 1 L O S O P II IS, <11'1 AS 7' .Iro NO M I S ~ 'lN" J

GALILEO GALILEO PATRITIO FLORENTINO

Pat311ioi GYl110anj Publico Mathematico

P E R S PI C I L L I ){lIperàfcrcpertiberle/icioftml obft1ltat:zin lP~ F.ACIE, Fl'X1S rN::

'Nj'MEJUS, UCT E.O CIR,.CPLO, STE!LI S '1\!-BPLOSlS, Jppmne "Pero in

~V A T V O'R P L A N E T J S. Cire.l J o V I S Srcll:lIU di(paribus intcruaIlis, atque pcriodis. celcri·

lue mirabili circu mllolutís; <juos. nemini in bane vfque dienn cogniccs. nouifftme Author deprz-

bcr.dit rrnJlus; :1rque

MEDICEA SIDERA NVNCVPANDOS DECREVIT ..

V ENETlIS, ApudThomamB.tglionum. M De X. $lIleriDY1'lm Per"'iÚIl.> & prtrlilegifl.

,'1.

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SERENISSIMO

COSMO MEDICES II. MAGN O HiETR VRllE

D v C I 1111·

'1\. ttclarum fim" Allple hUlIlI!11it atis pIe num tOrUm jUft mflitutum, qui excellentium f7./irtute "'PirOrUTIJ tU

prttclare g.eflAs Ab imlid,a tutari ~ eorumque immol·tAlitate digna no .. mma ab cbllUione , atque Imcri/tI

'Vindicare conal; flnt. Hine Ad mcmor;am paflerita. tit prodrttt ImAgines, "'Pel mart/Jore inJculpttt, "Vel ex

tt,f. fiatt; hinc POjitlC .Ú.1tlflt tA1I1 pedelires''fuà1n..J cqu~flresj hinc Co/umnarum,at'fue 7Jyramidum,"Ptin .. quit il!e,fomptur ad Sydera dua,; hinc.denique'VrIJfs a:dip"catl?, {orumquc I11fignittt IJomimbus , 'luos gral" pojleritAS II:ternit ati comrnendandos exi!hmault'. Eiu]: TI10dlt fi mimbumanlt mentis conditio J "'Pt "ifi alJidu;s rcrum fimu!acris m tam extrin(uus irrumpentibus ptdfctur, omnis ex illa recordatio lad/e eJ/luat.

Veí'llm alij firrâora, ac diulttrtJiora j}eflanleS,ttter .. ?Ulm fumN10rum 'Virorum prttconium non foxú,ac me ..

eA. 2. tal/is

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tal/ii ,{eJ ."'fu/ârllmtufl(Jái~ j & ÍlJ(()rruptis li/fera .. rum 11I0mlmem;s conftcrarunt. eAt 'luid ego ~fJ4 C01l:­memoro I 'Juaft t"f/(ro humana fllertlA /;is contenta re­I.itmibus J -vlterilis progredi non fil 4Ufa) attamfn /Otl­gius illa prolficiens" cum optím~ intelf,geret omnia hU­mana monumenttl, t"f/i, tr:mpeflat!J "' 'Veluflate ftl,ndcrn interirl', incorrt'ptiora Signa ex.cogitauit, jlJ qlla Tem. ptlS edax, 41'lue itmidio/À. Pttujltts nuli"1II ftbi itu -vin .. d/carrt. ln elE/um ittl,quem1;rans,clarijJimol·umSy .. JcrUill1'i(·tis.> fempiternis illisOrbi/"u eom1lJ nom:ntl confign4uit;l 1ui 06 t.f,re,gitl, I ac proft diuíntl, flcinord. Iligm ha!.uú font, qui 'VnJ cum eA.flris ~uo ftmpiter ... 110 fruerentur. ~am 06 rem 11011 prius 10uis:1 (!..'ll ar-

. tis, .5l-1ercurij , Hercl!lis" citterorumquc heroum''l"rJ .. rum '11~tnini6I1s Stellit tl,fpeUtl,11ttlr "lã"Ja ohftldr.tbi- . tur" q"àm ipforum Syderum jplendor extinguatur. Boc tl,utem hl41J1t1,1M I"gtl,citdtis inumlunl cum primis nflbile J tl,C lIlirAnd"m mu/tortlm iam flc"lQrum inter­IltI,/lo exoleuit, priftis heroifJus lucid.u il/ll,l fides oc~ C"1'tUJtibuS, If.C fio qUA(i jure tencntibus: in quorum c 4tum fi·uftrA piel4s eAlIgu.fti /u/ium C~forem coalla­re conata e{J: nam (:umStc/J"mju() tempore exorttl,fIJ l ex ijs" qutJt Gr.eri Cometas, noflri Crinitas ""..,ocant, lultum ... \ydus nuncu/,arl "Poluiffet,breui illae'#tI,nefienl, tant.e cupldUlltis jpem tlelufit. At'Jui lJ11ge 'Verio .. ra, ac filiciora.l 7>rl11ceps S ere1J~ffime, Celjiludini tute. poJJi$TIIUS Au.~urari ; n411J 'VIX dum in terris imrnorta­lia tl,mm; IUI decora [u/gere C4perllnt, cum;n CallS 111-,;t/4 ~.1Jcr~ft lê ()fI,runJ~ 'lHIC tAl1'1esam /mgu4 P'4-

Han ..

[230J

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! Jlantiftitn41 'Vir/lltt I IU41 in (JtJ1lJt ttmpusl0'luantur, '" ,elebrlm. En igitur ,!ualuor Sydcr4 tuo ,",lytO "o ... mini referu4ta) neljue i#a de gregario J ae minus in{l­gni inerrantium numero, fld ex illuflr; 'Vagantium lJrdine , qu~ quidem difparibul ;nter fo mOlibus tir .. ,um Iouil ~'te"am e~terarum lIJbi/1]imam, tan'luam germana tius pr9geniel) mrfos fuos) or"esque (onft ... âlln! ce/eritAre mirab;!i interea dum '7.JnAntmi con ... cordia cirea mundi eentrum, cir,a Solem nempe tE''' fi/m, oml1ia fimul duoderimo qU0'lue Anno magnas CO"UO!Uti011eS ablôluunt. 'Vt a"tem ínclito Celfiludi-11is tUd: nomini pr" c&teris nONOS bofle 'PlanetAS de .. fli11ltrem, 'pfêmet Syderum Opifex perfpicúis 14rg.umtn tis me admonere 'VijUs efl. Etenim que1IJAdmoduIII bte Stell.e tamquam Ioue digna proles nunquam ab il­lie,,s latere, nijí exíguo interual/o di/cedunt; ila qllis iglJOrat clementia1n, animi manfoetNdinem J moru", foatltitatem, regij fangllinis (plendorem, in aélioni .. Ims mllieflarem J authoritatis ~ &' lm/,erq in alios ámplitnJinrm, qUdi qUidt'm omnia in tll4 Ce/fitudme fi6i dortliclllUm, fAC fldem collocarunt ~ quis inqutt11l ignorat /JótC omnia ex benignijJimo lluis Afiro, Ihu,,­dum 7JCUffJ omlzillm bonorum fintem, emanáre? 11Ip­piter, [u/,/,iur inquarn, à primo CeljitJidmis tu.e ortll turbidos H()ri~1Jtis "Ptf/,ores iAm trtm/gr:lJüs meduunq; reli carJinem o"upans ) Orientalemq!le angulum lu" 7\egia i/luflrans,ftzlicijJimum /,Artúex flblim:- illo tro no projpexit,omnemq;fplendorewJ atq; am;/lttld:1JC11I ruam in F"rijJimum Aer(m projúd'l J 'VI ''7.milJ.crj.trI'

útam

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'Ila m t'f,'im ) tI( potcJIdum une"u", corpuftulum 1'T.I11J (um animo 110/;;lí07;bIlS ornam, 71tis iam À Dco dccnr4-to ~p"imo lPiríttl hAuriret. V crum 'luid c ... (O proba6;. libus t'Vtor argtJmentatiol1ibUS:> (um rd ncajfari4 pro­pemodum ratltme cOl1cll"dere ) ac demonflrare qutam I r.pIMu;t7)eo Dptimo Maximo:> "Ptà Seren~lfmis pa ... rentibus tuis no» indignus exi/Hmarer:> qui Ce/fitudi .. 'fIi tute itJ lradendh Jvlathemttticis diftplinis operam nauarem, quod quidem pr~fíiti qllatl~or foperioribus 1J.111Jis pl'oxtmJ elapfts, tO al1l1i tcmpare ii quo 4 fluerio. ribus jludijs ocium ej(e confieuit. .i00 drca cum mi· bi di,,;nitus plane comigerit;'Pt Ce/filudi"; tu.e i'ft(er­uirem:> atque ;deo incredibilis Clemtnti~, de bmi;;ni­tatis IU.e radlOs propius exaperim; quid mirum fi ani­mus meus adeo incaluit:> 'VI nihil aliud propfmodum dia, notiesque meditetur:> qUd11J rvt e,go.1 qui nOI1 (o. lum a»imIJ> fid ttiam ipfo o1'tu.1 ae natura.fol, tUd...J

Jominatione fom, tuoe e,lori.e cupidijJimus:> cr qulll1J gratijJimtfs {rgare cjJecr .... e:no.fc4r! Ji(.u~cum itaftnt:t (um te Aujpice C OS ME SerenijJime, has Sul/as

!uperiori/;us Aflronom;s omnibus incognitas explora. uerim ~ optimo iure eM r:Auguflilfmo l'].>rofoPi.e tu.e no­mine in{iglúre dureu;. i!.!.,od ft il/as primus indaga­ui) 'luis me iure reprtChendat, fi ijfliem quoque nome." impofuero,ac ME DIC AE A sr DE 1{ A Appel­laro ?jperanJ [ore, 'Vt tantl~m dignitatis ex hac appel­latione ijs S"derilJUs acudat.) qÚIl'l1/um ttlitt ctetcr;s Heroibus attt,tlerrmt. :JV:.!.m "Pt taceam de SefenijJimil tui! c.9J-laioribt-:s.) '1uorll.m gloriam jttlipiurnam om-

nwm

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4-nium hiftor;ArUm mOnUlnt11t4 tefl4ntur ) fol4 tU4 'Vir .. tus ) Maxime H eros , illit eAflris impertir; poteft 1If1 .. tninis immortalitatrm. CHi mim duMum effe poteJi '1U;lI 'luam tui e xpell ationem ft/ici(s imis lmperij Au-' fpicijs concitaft;, quamuis fommam ~ tam 1I01l1"/um. Jieffineas, aC tuear;s , 'Vlrum etiam longo intel-ual{a flperatt~rus /is ? "Pt cum alios tui /imites 'Vieeril, te ... Cum nJhiJominus ipfe certes.) ti, te ipfo , Ae magllitudi. "Oe tua in dies 1IIaior eUdias •

Sufcipe itaque Clemcnriflime '1'rineeps bane ti"; ali eAftris' refiruatam gemiliciam gloriam, & illis diNinis bonis, 1Utl non tam ti Stellir, quttm d Stellttrum Opi­fiee .) ac ModerAtore 'Defl ti"i Jeferuntur, '1"4111 d,ll .. tiflime fruere. , DAtum Pat4úij 4.Iàus M4rty, ""l 'De x.

Celfitudinis tUI:

tAJJirJifsimul SeruiiJ

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cu : EcccllentimmiSignori Cari deU; Etc. Conr. de' X. infràfcritti) hauuia fede dalli Sig.Reformatori dc:J Studio d~Padoua"per reJarione delli due à qucfto deputati , doe daI Reuer.P .1nquifitoT,& dai Circ:Sccrcrario dei Scn~lto Gio.Marauiglia~con giuramc:r:rc1 come nelljbro ImitoIa .. to S Y DE R E V S N VNCIVS" &c. di D.Ga­liIeo GaJilci. non li troua aleuna cofa contraria alia Santa Fede CattQlica,Prendpi)& buoni cofiumi.& che c degDO di Sta1llpa,conccdono licenza, che poffi cífer ftampato in quefia.Cinà.

D.atumDie primo Martij 1610.

D.M.Ant.Val~e{ro l>.Nicoio BOA ( Capi deU'E". Conf. de' X. D,Lunardo Mar,eUo .)

t11ullriffimi Contilij X,Secretariu$ Ba11holom~us Comi nus •

i 6 lO. adi 8.Mar:zo. Regid. in libro à carte 39-

lOltl •. B:tptiíla Breatro off. Con • .8laíph.Coad.

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ASTRONOMICVS NVNCIVS

o BSE R. Y .4 T 10 N ES Jl. B C E N S H.4 BIT'" 6 N 'IIi Ptrj}killi iI,nll.;' ;~L"",~ fMir~L"éie, çir"'­

Stt/li.rf, ncbllújis ~ ;n""meril jxis ~ fi/til'.;. (jllll'lIor p/4nclis

C O S M I C -Â S r DEitA IJII1:CNp/llis ~ nlllUjfl/l1ll Ç"'Ú,lJis t1dhllç t,.,i",1I1 J

.11'1'11 tltÇl"TAIU.

A-C N Arequidern in b3C exigua tralbtione fingulis de Natura fpeculantibus infpicienda, coo· tcmpJanda<.]uc propono. Magna. inquam ~ tum ob rei ipJius prz­fiantiam, rum ob inauditam per étuum nouitarem) tum criam propter Organum) cuius bem:-

tido eadcm fen(ui notlro obuiam fefe fecerunt • Magnum fane eft Cupra numeroram 'lnerrandum

Stdlarum ll1ulritudinem, qUíe nat'UraJi facultare in hune vfque diem confpici potl1erunt~ aHas innume. f3S fuperaddere .. oculiíquc palàm exponcrc, anteha, conípcétas nunquam, &ql1a!' vcteres~ ac notas plus­quan1 fupra dccupbm muJtiplidtatC'rn fupcrenr.

Pukhcrrimum, atque viru iocundiffimum cft, Lu .. n:t~c corplls per fex dcnas fere terrcares diametrol à l10bis retnQtum, tam expropinquo intueri ,"ô'!C fi

B per

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OBSElt VAT. SIDERBAH per duas tantum cafdem dimenfiones dillaret; adeo vt eiufJcm Lunz diameter vicibus quafi terdenis, fu­perficies vera noningcntis:# foliduln autem corpus vkibus pl'Oxime viginti feptem mil11bu$ mains appa. reat,J quam dum libera tantumacie fpeétatur: ex qUQ deinde [enfaea certitudine quifpiam intelligat, Lun3m fuperficie leni 1 & per palita nequaquam effi: indutam ... fcd a[peta. & ina:quali, de vduti ipfiusmet Telluris facies ingentibus tumoribus" profundis lacunis, ate que anfi-aétibus vndiquaque confeItam exifiere.

Altcrcationes infuper de Galaxya,J feu de Laéteo circulo fubfiuliífe:l eiufquc. elfentiam fenfui, nedum inteUcétui manifeftaífe, parui momcnti exirtimandulD rninime videtur dnfuperque fubfi.amiam Stcllarú .. quas. Nebulofas hucvfque Afironomorum quilibet appella ... uit digit.o demonfirareo longeque aliam dfe quam ere­ditum haétcnus efi,iocundum erit, arque perpulcrum ..

Verum, quod omnem admirationem longe fupe .. rat, quodve ad Monitos faciendos cundos Afiro­nomos,. atque Philofophos nos· apprime impulit.,. ii· lud ell:, quod [ciJicet Quatllor Erraricas Srellas nemi .. ni eoruro, quI ante nos,. cogruras) aut obt.eruatas ad. inuenimus,. qua: drca StdIam quandam infignem e numero cognit3rum ,. inllar Veneris) atque MercuriJ circa Solem, ruas. habent periodos.) ea.mque modo pr;eeunt, modo fubfcquunrur) nunqu<lmcxtra: certos limites ab illa di~redientes. Qu~ eO:tnja ope Perfpi­cmi à me excogitati diuina prius illuminante grada~. pauds. abhinc diebus reperta:#. atque obferuata fue~ [UDt •

Alia forte przffanti'ora) vel à me)o vel ab alijs in­dies adinuenientur coníimilis· Organi beneficio, cuius formam" & appa.ratum~ acenon illius excogitandi oe­

cafionem.

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ItECENS HABITAE. , caGonem prius breuiter commemorabo , d einde habi .. tarum à me ObCeruationum hiftoriam recenfebo.

ME N SI B V S abhinc de,! fere rumor ad aures noRras increpuit .. fuiífe à quodam Belga Per.

fpiciUum elaboratum.. cuius beneficio 'obieéta vifibi· lia .. licet ab oculo infpicientis longe dínica, veJutipro­pinquadHl:inde ,ernebantur; ac huius profedo ad­mirabilis effeétus nonnuUz expedentiz circumfere­bantur, quibus lidem alij przbebant.) negabant alij. Idem paucos poR dies mihi per literas à nobiJi Gallo lacobo Badouere ex L metia confirmarum (R, quod tandem in cauCa fuit .. vt ad radones inquirendas, necnon media excogitanda, per quz ad confimilis Or· gani inuentionem deuenirem;me totum conuerteremj quam paulopoft doélrinzde RefraéHonibus innixus a1fequutus fum i.1C tubuto primo plumbeum mihi pa­raui.) in cuius extremitatibus vitrea duo Perfpicilla lt

ambo ex altera parte plana .. ex altera vero vnum fphze­fiei: conuexum, alterum vero éauum aptaui i oculum dcinde ad cauam admouens obiecta fatis magna, & propinqua intuims fum.; triplo enim viciniora, no­nuplo vero maiora app.lrebant, quam dum 101a natu­taU acie fpedareutur. Alium poítmodum exaéHorem mihi elaboraui .. qui obieda plurqual11 Ccxageties ma­lora reprrefemabat. Tandem labori nuIlo ~ nullifquê fumptibus parcens, co .i me deucntum efi, vt Orga. num mjhi conílruxerim adco exceHens:» vt res per ip­fulU vira: millics fere maiores appareant ~ 3.C plufquaol in terdecupla rJtioneviciniores, quam li naturali tan" tum facultare (jlcctemur. Huius InRrumenti quOt, quantaque lint commoda cam in re terrcílri, quam in Marittima omnino fuperuac3.neum toret enumerare. Sed miais terrenis.. 3d C(l!leílium fpcculationes me COlltuli: ac Lunam prius tam ex propinquo 'um in •

.ü ao tuil:us)

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OBSElt VAT. SIDEREAE tuitus"ac fi vix per duas Telluris diametros abcfTet .. Poll bane Stellas tutn fixas, tum vagas incredibHi a· nimi iocunditate fa;opius obferuaui j eumque harum maximam frequenriam vidC'rcm. de ratione qua illa­rum interlHtia dimetiri poífem excogitare c~pi" ac d~mum reperi. Q,tIa de re IinguJos pra!monitos elfc decet. qui ad huiufcemodi obferuationes accedere volum. Primo eoim necefiadum ea, vt fibi Perfpicil· Jum pareiU exaél:jffimum) quod ohieéta peUucida) diíHnda, & DuUa caligine obduêla reprcrfenret) ca­demquead minus fccuooum quatereemuplam ratio­nem multiplicet. tune enim ma bisdccupl0 viGiniora communHrabit; niti cnim tale fucIit lnftrumemum,. ca omnla" qux à nobi$. confpe~a wal in c~lis II quzvê intra enumer:lbunrur II intueri tenrabitur trunra. VI: autem de muldplicatione inílrumcQd quilibet parua nego do ,crdor reddatur> circulos binos. aut quadra .. ta bina eartac~a concornabit II quorum alrcrulll qua. terccnties altero majus exUl:at) id autem crit tune "dí maioris di:unetcr" ad diamcuum altcrius longitudinc: fuerj;: vigecupla;. dciode fupcrficies ambas in eodem paricte inEiAas íimul à longe fpedabir ~ minoré qui­dem altero oculo ad Perfpicillum admoto t ntaiorclU vere ~!te:o oeulo libero i commodê cnim id ficri li .. (;Ct vno codcmque tempore oculis ambobus adaper .. tis; tune enim figurz 301bz eiufdem apparchullt lua­gnitudinis, fi Organum [ccundum optaram propor­tionem obic:éla multiplicaucrit. ConlimiJi parat& ln ... firumento, de ratioue dilbntiaru:n dimetiendarum inquifcndum crit .; quod tali artificio aífequemur. Sit enim ,fadlioris intelligenti3! gratià,'). Tubus A li CD. Oculus infPidentis eno E. radi; ~ dum nulla in Tubu adcílent Perfpidlla 3d .obiedum F G. fccundum li· neas reGtas B.C.F. E D G.tcrrcntur) íedappolitis Pcr-

fp"illis

[238]

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Â.

E-=f

R.ECENS HABIT AE. ., fpicUtis ferantu! fccunduQl liDcas refradas E C H. E D L. coarltanrur enim ) & qui prius liberi ad F G. ()blcGtum duijcbautur , partem caDtummodo H I. cõ-

C ) ~ D

przbendent: accepra deinde radone ditlanti:e E H.ad lineam H 1. per tabulam tinuum rcperietur quantic4s aoguli in oeulo ex obiclto H I. conftituti ~ quem mi. nu ta q u.rdam tantum continere [om periem us. Q..u od fi Spceillo C D. bralteas ) aIiàs m:úoribus, ali às vero mi Doribus perforatas foraminibus aptauerimus) modo holne modo mam prout opus fuerit fuperimponenres, angulos ali os , atque aHos p!uribus, paucioribufque minutis fubtendc:nrcs pro libito confiitucmu$~ quorú ope StcJlarum intercapcdines per aliquot milluta ad­inukem diffirJ.rum J dua vnius, aue a!ccrius minu­ti pe,catum commodê dimctiri poterimus. Ha-c ca .. men fie leuiter tetigilfe~ & quaú prünoribus libaflc: labijs in pr.:rCenti:lrum fit [.,tis, per aliam cnim occafi() nem abfolutam hl1ius Organi theoriam ln medium pro­fereanus. Nunc obferuationes :i l10bis duobus proxi" mcelapfis mcniibus habitas receufe3mus ~ ad m.agnarú protettõ contemplationum cxonJia omnes veril' l)hilo-1ophia: cupidos conuocantcs.

De: fade 311tClll Luna: ~ qUi: ad aIpeaulD .noftrum vergit

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., HJ G

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OBSEtt VAT. SIOEltEAH v~rgit primo loco dicamus .. quam fadlioris inteIJigen .. tia: .grada in duas' palres difiinguo ~ alteram nempe danorem ,obfcuriorem alteram: darior videtur totum Emifphzrium ambire, arque perfundcre i obfcurior vero veluti nubes quórdam fadem ipfam inneit, macu­lofamque rcddir j ifta: autem macula: fubofcura:, & fatis amplre vnicuique funt obuire, illafque reuum om .. ne confpexir; quapropter magnas~' feu antiquas eas appelJabimus .. ad diíferentiam aliarum macularum am­plitudine minorum, ar frequenda ira confitarum, vt totam Lunarem fuperflciem) pra:fcrtim vero lucidio .. rem partem confpergant l ha: vero à nemjne ante nos obferuata: fuerunt i ex ipfarum autcm firpius iteratis infpcétionibus ~ in cam dedué'ti fumus fementiam J vt certo intelligamus~ Luna: fuperncic:m;, non perpoJi~ ,tam ) requabilem , exaébffima:que fpha:ricitaris cxiftere, vr magna Philofophorum coors de ipfa, deque reliquis corporibus cceleftibus opinara cft) Ced contra inrequa.. !em, arperam , ,auiratibus , tumoribtiíque confcrram. non fecus;) ac ipliusmetTeJlurisfacieh qua: momium iugis ,vaIliumque profunditatibus hincindediíHngui­tur. Apparentia: vero ex quibus hzc colligerelicuit cilJrmodi rum.

Q!Ja.rta aut quinta poft coniundionem die .. cum íplcndidís Luna fefe nobís comibus offert ~ iam tCTminus ~ partem obfeuram à Juminofa diuidens, non a:quabilitcr fc(;undum ouakm lineamextendi­tur.. vtluti in folido 'perfede fphreri(oaccidcret ; fed in(equabili) afpera) & -admodum finuofa linea defignarur, veluti appa-fira figura r-epra?fentar. com­pIures ením ve1utiexcrefcentiz lucidre vltra lueis te­nebrarumqtiê conttuia. in partt"ln obkuram exten­duntur .. & contra renebricora: paniculz jntta .,Iumen mgrcdiuniur. Quinimo;) & magna nigricantium ma-

cularum

(240J

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RECENS HABlT AE. g cularum t:xiguarum copia, amoino à tt l1cbrofa parte {eparatarum} COram feri: plagam iam Satis lumine pc!'~ furam vndiquaquc conrpergit, illa r.ltem ~cepta par· te quz magnis ,& antiquis maculis cfl aftcaa. Adno­tauimus autem) modÇ> diébs cxiguas maculas in hoc 1cmpcr ~ & OInnes conucnirc) vt panem habcant ni· gricantem locum Salis rerpicientemi ex aduerCo amem .solis lucidioribus tcrminis ~ qualí candcnribus iugis co ronentur. Ar confimilcm pçnitus afpcGtum babemus in Terra cirea Salis cxortum) dum vallc:s nondulU lu .. mine perfuf3.s) montes vero iIlas ex aducrfo Salis. dr .. cundamcs i.:.m iam fplendorc: fuJgcntcs intuemur! ae vcluti rcrrefidum cauiratum vmbrol Sole fublimio ra perente immimuuntur, ir:! & Lunares jíl:r maculz s ,rc:fccntc parte luminar .. tem:br~s ami[[ull[ •

1241 J

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OBSEJ\ VAT. SIDERBAH Verom 0011· modo tenebrarum & luminis confioJ.

in Luna inzqualia , ac finuora cernuntur, fcd .. quod maiorem infere: admirationem, pcrmulc:!' apparenc lucida: cufpidcs intra tenebrofam Lunx partem ·om ... nino ab lIIuminata plaga diuifoe .. & auulfa", ab eac.;uc non per cxiguam intercapedinem djffita:, quz paula .. tim aliqua interieéla mora magnitudine, & lumine augentur; roll vero [cçundam horam, aut t(rtiam, reJiquz parti Iucida!,& ampliori iam fadz iungunrur; ínterim tamen ali~ .. arque aliz hincinde quafi pulIu­la·ntes intra tcnebrofam partem acccnduntur, augen: tur, 3(: demum C'idem Juminofa;o fuperfidei magis 3d· huccxtenfz, copulantur. Huius cxemplum eadem fi. gura nobiscxibet. Ar non ne in eerris ante SoUs exor tum, vmbr3adhuc p13flities occupanre, :l1d!limomm cacnmina montium Solaribus rê\dijs iJ1uIlrantur? non· ne exiguo inrcrieao tempore ampliJcur lumen dum mcdÍll',,&brgiores corundemmonrium part.es ilJumi. llantur j ac tandem erro iam Sole planicierum, & col~ Hum i1Jumln:uiones iunguntur f Huiufmodi autem cmíncnti:".nlln ) & cauitarum difcrimina in Luna longê lat.eque terrcfirem afperitatem fuperarevidentur li vt infral~cmonfirabimus. Intcrim filenuo minimc inuol" uam quid animaduerftone dignum à me Qbferu.uum ' dum Luna ad primam quadraturam properaret , euiu! ctiam imaginem eadem Cupra polira delineado pra-fe­fen; ingcns eoim finus renebrofus jn partem lumino .. fam fubit li vcrfus inferius cornu· locatus; quem quidé finu11l cum diutius obferuaffem , rotumque obfcurum vidiffem, tandem poft duas fere horas paulO inEia me· diulll cauicatis vcncx quidam lUI11!nofus exurgcre ele­pit I hic vero paulatiOl ,refcens trigonam figur,j m PI a!

fe fCl"cbat, eratquc omnino atlhuc à lumino13 t:'tdc rc· uulíus, ac fcparatus; mex circ.a .il1um trcs alia:: ctl11}iJc.\'

exigucr

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Page 244: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

Jl E C EN S H A BIT AB. , exjgu~ Jucere c~perunt; dom~c, Luna iam occafuDl verfus tendente. trigo na illa figura extenfa, & 3m. plior iam fàéta cum reliqua luminofa pane neétebatur .. ac inftar ingentis promontorij, à tribus iam comme .. nlOratis Iucidis vcrtidbus adhuc obldfa. in tenebro .. fum finum erumpebat. ln extremis quoque cornibus tàm fuperiori ilquàm inferiori fplendlda qUírdam pua da t & ornnino à rcliquo lumine diliunétaemerge­bane ; ",eJuei in eadem figuradepidum cernitur. Erat .. que magna obfcurarummacularum vis in vtroquecor nu, maxime autem in inferiori ; quarum maiores, & -ob[curiores apparent , qu~ termino lucis, & tentbra­rum viciniores [unt ;remotiores vero obfcura' minus. ac magis dilu t-3?Sempcr tamen ) vt fupra quoque me .. mimmus ) nigricans iplius macula: pars irradiationis Solaris locum r-efpidt .. [plendidiorveró limbuI nigri­cantem maculam in pane SoU auerfa, & Lunz tene .. Inolam plagam refpidente, circundat. Hzc Lunaris [LI pel fides, q uà maculis, inftar Pauonis cauda cfrUe leis oculis> ditlinguitur .. vitrcis illis vafculis redditut' coniimilis ii qU:l adhuc calcmia in frigidam immilfa perfraétam :> vndofamq; Cupedidem acquiruBtJcx quo à vulgo GladalesCial'l nuneun'pantur. Verummagna: eiufdem Lunz maeul~ confimili modo interrupta!) at· <lue lacunis) & emincntijs conferrz minime cernútur; [cd magis zquabilcs ... &vniformes; fOlummodo cnhn c!arioribus nOllnullis arc:olis hàc i1Iàc featent) adcó vc fi quis vctercm Pythagoreorum fcntcntiam exfukit.lrc vclir) Lunam fcilket tife quafi Tellurem alteram, dus pars luddior rcrrenam fupc:rficiem , 'obfcurior vero aqucam magis congrue rcprxfentet : mihi <lutem du· bium fui!: nunquam, Terrdlr,is globi à longe confpc­di)3tl)Ue à r;ldijs .)olaribus pertuli ) tCI'ream fupedidé dariorcm~ obr'uriorcm vcró aqucam fc fc in confre:

C "um

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OBSHVAT. SIDEREAE &um daturam. DcprdIíores iofuper in Luna ccrnun­tur magnzmacub:, quim dariores plagz; in illa c:nim ram crCfceatc j qoam dccrcfec:ntc (eroper in lucis tene­brarumque confitúo l promiocntc hincinde dn:a iplas magnas maculu contcrmiui partis lucidioris i vclutl in deCcribcndis ngufi.s obferuauimus j ncque dcprcfii.ores tantummodo fune diaarum macularum tcrmini, (cd zquabiliorcs,Dee rugis, aue afpt.rlr3ubus interrupti. l.ucidior veró pars maxime pro pc maculas eminet i a­dto vt, & ante quadraturaul primam ~ & in ipla ferme fecunda circamacul.1m quandam ,fupcriorcrn J barca­km ncmp~ Lun~ pJagam occupantcm valdi: a((QUan­tur tam Cupra iUam" quàm intra ingentes qU.l.'d;t emi· DeDU"', vcluti appoútz przec/CrUnt dclincationcs.

HóEC

(244J

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.... ~~RECENS HABITAE. n

-H~c ~adem m:rcuTa ante quadraturam

nigrioribus quibufdam ttrminis circumualJ.1flt C'onfpi. ciwr i qui t3nquam altillima montiwu juga (;x parte Soli aucrfa obfcuriores apparcnt» quà vcro Solc:m re· fpiciunr Jucidiorcs extant; cuius oppofitum in cauit3-tibus.acci .. iit) quaruO'\ p3rJ SoU auerfa fplendcns ap­parte) obfcura vero) ac vmbl'ofa) quz ex pane Solis {i r,] di . lmminuta deindc luminor; fupcrticic, cum primum t O ta fteme diaa macula tcncbtis cfiobduda, dariora rnõtium d?rf3 cmincntcr [cncbras rcandunt. HJnc dupliccm apparcnd,uu fc:quente$ .6gur~ ,om­molleam.

c • Vnum

[2451

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--- _..- .....

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R E C EN S H A BIT AE. r r Vnum quoque obliuioni minime tradam, quod nó

niRaliqua c\Im admiratione adnotaui: mcdium qua­fi Lunz locum à cauitate quadam OccupatLlm cffe ce­liquis olunibus maiori,ac figura perfeétz rotunditatis; hane: prope quadraturas ambas confpexi eandemque in Cecundis Cupra poRtis liguris quantLlm licuit imita­tus fum •. Eundenl qu\o ad obumbrationem, & illu. minationem facit afpetlum, ac faceret in terds regio confirnilis BoemlZ',) li montibu, altjffimis, inquc pe. ripha:riam perfeéH cin:uli difpofids ocduderetur vn· dique: in Luna cnim adeo ela tis iugis vallatur, Vt C).'.

trema horatenebroCa: Lume parti contermina Solis lumine perfura fpeétetur ~ priufquàm tueis v-mbrcrque terminus ad médiam ipfius figura: diameuum penin­gat. De more au.tCtn reliquarum macularum,vmbro­fa ilIius pau Solemrefpicit ~ lurninoíà vero verfus [e­ncbras Lume confiítuitur ; '1uod tcrdo Jibenter obier. uandum admoneo, tanquam firrniffimum argumen. tum) aCperitatum, ina:qualiratulnque per totam Lu­na: e:lariorem plagam dtiperfarum ~ quarum quident. macuJarum fcmpcr nigriores funtillz) qu.r confinio luminis, & renebrarum contermina: fuDt ;.remotiores ver o tum minores I'tum obfcura: minus apparent) ita vt tandem cum Luna in oppo[ttione torum impleue .. rir orbem .. modico, admodumq~e renui dif,rimine. cauitatum opacitas. ab eminentiarum ,andore difac.

per • _I'. • .. 1 o· oh L • Ha;c quz receW.unnus 10 c anOfl us unz regIa-nibus obferuantur, verum in magnis mae:ulis tal is nó confpici tur lacu naru m) eminentiarum4. ue differen tia, ql1alem nece(fariõ confiituere e:ogimur in partelucidio ri .. ob mutatioDem figurarum ex alia, atque alia iIlu­minatione radiorum. Solis· ,. prout mnltiplid pofitu. LW1a1Uref~icitj. atin magtÜ$ maculise.xifiuot quidem

areolz

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OBSEtt VAT. SIDEltEAE areoJél' nonnulJ~ fubobfcuriorcs vc1uti in figuris adno· tanimus I attamen ma;! eundem femper faeium: afpe. dum, neque inrenditut eatum opaciras, aut remiui· tur) [ed exiguo admodum difcriminc:: pauJulum ob. fcuriores modo apparent, modo vero darior,es i fi ma­gis ,aut minus obliqui in eas radij Solares incidanr ~ iunguntur pra!rcrea cum proximis maéularum parti­bus leni quadam copula.) confinia mifeentes, ac con .. fundentes; {ecus vero in maculis accidit fplendidioré Lun:l fuperfieiem occupantibus; quafi emm abrupta'! rupes afperis, & angularis feopulis confirz, vmbrarú, Juminumque rudibus difcriminibus ad fineam difrer. m;na'ltur. Speét.lOtur infuper intra eafdem magnas maculas areolor quredam alia! dariores, imo nonnullz lucidiffima': vtrum & harum, & obfeuriorum idem fem per eft afpeélus, nulIa , aut figurarllm t aUI: Jucis ,aue opacitatis mutatio; adeo vt cvmperrum, indubita .. tumque fit,apparcrc ilI;I$ ob veram partium diIlimila. ritarem, non amem oh imrqualitates tantum in figu­ris eafundem partium , vmbras ex varijs Solis illumi. nalioOlbus diuer6modc mouentibus; quod bene c-on­tingit de macuJis alijs minoribus clariorem Luna' par. tcm occupantibus; indies cnim permutanrur, augen­tur, imminuuntur ,abolenrur; quippe qua: ab vmbris . t:lnturn eminentiarum ortum ducunr.

Verum magna hic dubitatione complu res affici fen­tio, adeoque graui difllcultatc occupad , vt iam expli­catam ,& toe -'pparcntijs confirmatam concJufionem in dubium reuocaie cogantur. Si enim pau illa Lu­natis fu perficiei ~ q Ua! fplendidius Solares radios fel or. quet, anfi aGtibus;) tumoribus feificet, & lacunis innu­meris dt rCplctà; cur in crcfcemi Luna extrema dr .. cumfcrenria, qu~ occalum verfus lpedat, in dccre­fcemi vera altera femidrcumferenda oricntalis, ac in

p1eniiu-

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RECENS HABIT AE. II

pieoilunio tota periph~ria non inzoquabilis) afpera» & finuofa) verunl exaéte rotunda, & ciJcínar.lJOoulhíque tumoribus) aut cauiratibus corrofà eonfpich:ur! arque tx eo maxime, quia tOtuS integer limbus ex dariori Lunre fubltaoria conaat, '-luam tuberofam, laeuno­f.zmque totam etre di\(imus) magnarum cnim ma,u­larulll nuIla ad extremum vfque perimetfUm exporri. gitUf, fed omoes procul ab orbita aggregátír ,eroun· tur. Huius apparentizo anfam tam grauiter dubitan. di prrebends" duplicem ,aufam JO ac proiodeduplicem dubitationis foJutionem in medium affero. Primo e .. nim; fi tumores) & cauitates in corpore Lunari fc­cundum vnicam t3DtUnl circuli periphreriam) emi[. phrerium nobis confpicuum tcrminantem, protende" renrur i tune poífct quidem, imo deberet Luna fUD fpeeie quaíi dentara! rotzo fe fe nobás ofteodere ~ tu­herofo nempe ~ ac finuofo ambitu terminata, ar fi non vna tantum eminentiarum feries, iuxta vnicam folum­modo circumfc:renriam difpofitaruJn, fed permulei montium ordines cum fuis lacunis. & anfraétibus cir­ea extremum Ll1nz 'ambitum coordinari fuerint, ijq; non modo in emifph.zrio apparenre) fed in auerfo criá (prope ramen emifphiriorum finitorem) tuoe oculus à looge protpidens cminentiarum cauil:atunlque di.' (crímina depraohendere min.ime poterit~. intercapedi­ncs emm momium in codem circulo ~ feu in eadem ferie difpofitorum :. obieétu aliarum eminentiarum in all;s) atque aJijs ordinibus conftiturarum) occultaotuf» idque maxime I fi oculus afpicíentis in cadem reda cú diétarum eminentiarum verricibus fucdt Ioeatus. Si; in terra multorum ) ac frequencium montium iuga fe­eundum planam fuperfidem difpofita appal'ent,fi pro. fpidens procul fuerit ,& in pari aJtitudine conftitu[us. ,sic cftuofi pelagi fublimes vndarum vertices fecunJum

. ideal

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OBSEllVATIONES SIDEREAE idem planum videmur atenu ,quamuis inter fluélus maxima voraginum,)& lacunarum fitfrequentia,adc:o .. que profund~rum ~ vt fublimium nauigioru Innon mo­do carinz, verum eriam puppes, m;aJi ~ ac vela inter mas ahfcondantur. Quia igittlr in ipf.1 Luna, & drca eiu$ pc:rimetrum muJriplex efl cminentiarum ,& caui. tatum coordinatio) & oculus e longinquo Cpedans in eodcmfcre plano cumvcrtidbus iHarum loçarur ine~ mini mirnm elfe debet quod radio viCorio iIlos abra· dcnti, fecUl1dum zquabilem Jineam) minimeque an· fraétuofam fe fe off-crant. Huic rationi altera 1ubncéli porefl~ quod nempe drca Lunarc corpus e fi .. vehu:i d:­ta Tcrr,:uD, orbis quidam denfióris fubfiantiz reliquo a;terc;, qui Solis irradiationem concipere .. atque refie­dere valet, quamuis tanta non fit opacitate przdims, vrvifui (pra:ofcrrlm dum ilIuminarusnon fuerir) tran· íitum imberc valeat. Orbis ifiz à radiJs Solaribus illu­minatus .. Lunare corpus fub maioris fpha:ore fpedem rcddit. repra:fematque: etfetque potisaciem noLham terminare quominus ad Luna:' Colidiratem pertinge­ter, ti cr:dIities eius fotet profundior; arque profun­dior quidcm dt circa Lun~ periphaoriam, profundíor inquam non abfoluLe., [ed ad radios nofiros) oblique iIlum; Cccantes, r.elatus; ac proinde vifum nofirum jni. bere potcfl, ac pra:fertim luminofus exifiens, Lunçquc pcripheriam Soli expofitam obtegere. Quod clarius in appotita figura intdligitlu;in qua Lunare corpus ABC.

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RECENS HABIT AE. 13 ab orbe vaporofo dreundacur DE G. Oeulus v(ro ex F. :ld pauesintermedias Luna:) vt ad A. pcrtin­git per vapores DA. roinus profundos i at \'crius ex­tremam Íloram" profllndiommcopia vaporum E B. afpeétum' nonrum ruo termino pra-cJudit. Signuffi huius efi, quod pars Luna: lumine perfuCa amplió­ris circumfcremi.r apparet.) quam reliquum orbis tcnc.:brofi : atque hane eandem ,aufam quifpíam for .. te t.ationabilcm exiClimabif, (ur maiores Luna: macu· JS; nulla ex parte ad cxtremum vfque ambitum proten­di confpiciamur, cum tamen opinabjle Ut nonnullas ctiam ,irea iHum reperiri; incon[picuas:tamen etfc ue· dibJle videtur ex co" quod fub profundiori, ac lud~ diori vaporum copia abfcond:mrur •

Eífe igitUr dariorem Luna: fuperfidem tumoribus;t ~tque lacunis vndiquaque confperfam, ex iam expli<:a. tis apparitionibuçíàtis apertum eífe reor; fupercíl: vt de illorum m:lgnitudinibus dicamus, demonltrantes Tcrrefrrcs afpcritates lunaribus eífc longe minores: roinoresinquam criam abrolute IQquendo" non aucem in ratione tamum ad fuorunigloborum magnitudil1es; idque fie maoifeíle dcc1ar.ltur.

,Cum l:~pjus à me oblcru:lturn fir in alijs arque.aHjs Lun~ ad Solem conílitutionibus venh:cs nonn~ílos intra tenebro[am LuOéE' partem, licet à termino lu­ds làtis remotos" lumine perfufas o1pparerc; conre­rens eorum difrantiam ad integram Luna: dii1!ncaum, cognoui ioccrílitium hoc vigciilllam imcrdum <'1ia­IT.ctri panem fupc:rare. ~o iumpro; intcUigJlUr Lunaris globus:. cuius maximus circulus C A F. ccn­trum vero E. Dinu:tiens. C F. qui ad tcmr dia­metrum eU VI: duo" ad feprem; cumque tcrrcllds diamerer) fCCUlldl1m c~aetiorcs obkruationcs mil­liaria ltalica 7000. comlneat,criL C F. 2.000. CE.

D \'Cl'Cl

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Page 253: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

OBSElt VAT. SIDEREAB vero 1000. pars Jurem vige1ima tOdus. C F. milil ria 100. Sit modo C F. Dimetiens drcul.i. maximi .

Juminofam Lunz partem ab obCcura' diuidentis ( oh maximamenim elongationem Solisà Luna hic circu. lus à maximo Cenlibiliter non differr:) ac fecunduin vi­gefimam illius panem di[tct A.' à punda. C. &' pro­trahatur Ccmidiameter E A. qui extenfus occurrat cum contingente G. C. D. (qu~radjum ilfuminanrcm re· przfentat) in punéto D. erit igitUí arcus C A. (eu re­tIa CD. 100. qualiumCE. cft 1000. &' aggreg3tum quadratorum D C. C E .. 10100QO. cui quadratum DE. zqualcctl:tota igitur ED .. erirplusquàm 1004'

& AD. plusquàm 4. qualium CE. fuir 1000. Sub .. limitas igitur AD. in Luna) quz verticê quem piam ad vCque SoUs radium G C O. elaru, & à termino C. per diftantianl CD. rcmotú .. defignat;) eminentior (fi:

milia.

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Page 254: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

RBCBNS HABtT AE. 14 miliaribus Italids 4- verumin TelIure nulli ext3nt mOR tes, qui vix ad vnius miliarij altitudinem perpendicu­larem acced.mq manifefium igiturrelinquitur ) Luna­res eminencias terrefiriblJs .etre fublimiores.

Lubet hoc 10.co alterius cuiufdam Lunaris arpar ... tionis admiratione dignre caufam affignare, qu~licet à nobis non recens , fed multis abhinc annis obferuata fir, nonnullifque familiaribus amid~, & difcipulis o­ftenfa" explicata ~ atque per caufam declaraia; quia !amen ..eius.obferuatioPerfpicilli opefadlior rcdditur, atque-euidentior ~ nonincongrue hocin loco reponen dam effe duxi;idque etiam tum maxime. vt cognatio) atque íimilitudo .inter Lunam ,atque Tellul'cm ela­fius appareat.

D.nm Luna·tum ante, tumetiam pofi: conilJnétione non pro~ul.à Sole: rcperitur, non modo ipfius globus ex: parte qua lucentibl:fs cornibus .cxorn3tur vifui nofiro fpedandum fc fe offcrt ,.verum etiam tenuis qu~dam fublucens pcriphreria, tencbrof;:e partis. Soli ncmpe aucrf;:eorbitam delineare) arque ab ipfius retheris ob­fcuriori campo f('itJngere vid ur. Verum .fiexadio. ri in (petl:ione rcm confideremus ) videbimus non tan· tum extremum cenébrofre partis limbum incerta <)ua­dam clarirate lucentcrn; ledintcgram Lunx fadem, ilIalu.nempe, qu~ Solisfulgorem.nondum fentit,lu. mine ·<}uodam, nec cexiguo ) albicarc; appar~t tamcn primo intuitu fubtilis untulllmodo circumfercnria lucens) proptcrohfcuriores ca:li partes fibj conter­minas i rcliqua vetà fupcrficics obfcurior e contra vi­detur 1 ·ob .fuJgentium cornuum adem nofiram oh­tenebrantium concadum. Verum, li quis talem fibi cligat :Útum, vt 3 tedo, vel camino, aut aliquo alio obice intcrvifUm" & Lunam ( fcd proeul ab ceulo polito) comua ipfa luçcmia occulu:ntur ~ pars vcro

D a reliqua

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OBSEIt VAro SIDERBAB reliqua Lunaris globi afpcétui nofiro. expolira l'elin· quatur) tuncIuce non exigua hanc quoque Lunxpla­gam, lkct Solari lumine defiitutam lplendcrc depr~­hcnder, idque potiIIimum .. fi ialn noéturnus orror ob folis abfenei:un increuerit,) in campo coim obfcurio­ri eadem lux darior apparet. Compcrtum infupcr eH, hane fecundam (vt ica dic3.In) Lun~ dariratem ma­iorém cne qua ipfa minus à Sole dilliterit; per elonga­tioncm enim ab co remittitur magis, magisquc > ~dco ''c pofi primam quadratur.:un, & ante fecundam, de­bilis, & acmodum incerta comperiatur, licct ln 00· [curiori ccrIo (peaetur; cum tamcn in fextiti, & mi. nori eJongatione, quamuis inter crepufcula mirum immodl101 flllgear : fiJIgeac inquam adco ~ vt ope exa­di Perfpicilli magn~ maculiE in ipfa difringu:mtur.Hic mirabHis fulgor non modicam philofophantibus intu­lit admirationem; pro cuius C3tlf.1 affercnd.1 a1ij alia in medium protulerunt. Q.!.lidam coim proprium cOe) ae naturalem jpfiusmer: Lun;r fplendorclll dixerunt ; alij à Venere illi cífeimpcnitum, alij à Stt:llis omni. bus, alij à Sole/'quiradijs fuis profundam Lun~ foli. diratem permeet. Verum huiufcemodi prolaea exi· guo labore coarguuntur .J ac fàl!i[atis euincuntur. Si cnim aut proprium eífct.J am i Stellis collatum dur­modi lumen, ilfud maxime in Ec1ypfibus n:tinerct, Q.

ílcnderetque:J cum in ob[curiffimo cttlo deftil:uatur; quod tamcn aduerfatur experienri;r: fulgor cnim qui in deliquijs apparel: in Luna longe minor ett ~ (ubru ... Jils, ac quafi aencus; hic vero darior, & candidior; eft infiJ per ille mutabilis) ac loco mobilis i v.agatur cnim per Lunre fadem, ade o ve pars ma, qu;r pcriphxriz circuli \'mbr~ terrefiris propinquior dl:.J darior, re­liqua vera obícurior [cmper fpcdetur; ele quo omni proculdubio id acddere intelligimus, ex radiorum 50.

larfum

[254J

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RECENS HABIT AE. I' larium \Ticinitate tangentium craffiorcm quandam regict­nem)quz Lunam orbiculariter ambit,eIC quo cõtadu Ao foraquórdam in uicinasLunzplagas ctrunditur .. nófecus ac in terris tum mane) tum vefperi crepufculinUln fpargi­túr lumen; qua de re fufiu! in libra de Sifiemate mundi pertraétabimus.Alferere autem à Venere impertitam tiuf modi lucem puerile adco dl1vt refponfione fit indignum; quis'enim adco infcius erit,vt non intelligar .. drca coniun tHonem.& intra fatilem afpeétúlpartcm Lunz,Soli auer. Cam vt à Venercfpeéietur omnino eífeimpolIibilc' EIlc ao tem ex Sole,qui ruo lumine profundam Lun~ roliditatem penetrct,a tque perfundatJpariter efi inopinabilc; nunqui cnim imminueretur )cum femper emjfph~rium Lunz à So lc fi[ ilJuftratum, tempore Lunarium Edypfium excepto: dinúnuirur tamen dum Luna ad quadraturam properat.& omnino ét heb~atur Idum quadratum fuperauerit. Cum itaque eiufmodi recundarius fufgor .. nec Lunz fit congeni tus,atq ue proprius,nec à Stellisvllis)nec. à. Sole mutuatus, cumq; iam in Mu ndi vaftitare corpus aliud fuperMt nullú. nili rola Tellusi quid qU2'foopinandum? quid proferen­dum? llunquid à Terra ipfum Lunare corpus,3ut quidpii aliud opacum, atque tcnehro[um lumine perfundi' quid mirum? maxime: éequa gr31:aqiJe permutatione rependit TeIlus parem illuminationem ipli Luna;'lqualem & ipfai Luna in profundioribus noais tenebris toto fere tempo­re recipil:. Rem darius aperíamus. Lunain coniund!o. nibus,.cum medium inter Solem & Terram obrinet locú t Solaribus radijs in fuperiori ruo emi[ph~rio T err~ auerfo pertunditur; emirph~JÍum vero inferius, quo Tcrram a[pieit tcnebris eU ()bduétum; nullatenus jgitur terrefiré fuperficiem ilJuUrat. Luna pau latim à Sole digrelfa iam iall1 aliqua ex parte in emifphzrio inferiori ad nos ver. gente illuminatur, albicantia cornua .. fubtilia tamen ad nosconuenit;&leuiter Tcrram illufirat: crefcitin Luna

D 3 iam

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OBSEl VAT. SIDEREAE iam ad quàdraturam accedcnte SoIaris: i.J1omióatio; lu­getur in tereis eius Juminis reflexio; exrenditur adhuç (upra femieirculum fplendor in Luna;. & noftr~ dàriorcs effulgentnoétes j. tandem integer Lun2vultus) quo ter· ramatpicic, ab oppolito Sole dariffimis fu1goribus frra­diatur; enitetlonge lateque terreflris filpcrficies Lun~. ri [plendore perfufa; poRmodum decref,cns Luna debl­liores ad nos radios emittit, debilius ilIuminatur terra j Luna ad,coniuntlionel11 properat. atra nox Terram oe· ,upat. Taliitaque periodo alternis vldbus Lunaris fal­gormenftruasiUuminationcs dariores modo) debiliores. alias nebis largitur ;. verum ~qua lance b cncudum à T d'· lure compenfatur. Dum enim Luna fub Sole di'ca' coo. iunélioncsreperitur, fupcrfiGiem terrefiris emilphedj So­li apoliei, viuidisque radijs ilJuflr·ati integram refpieir ~, ttaexumque ab irra lumen con-cipit :·ac proiI:1dc ex tali reflexione ínferius· cmifph~rium Lun~, licet Solar! lu .. mine deftitutum , nonmodicê Iucens· apparet., Eadem l.una,per qU3dranten\ à.,Sole remota .l'·dimjdiuro rantum c:crrefiris·. cmiipha:rjjilluminatum confpidt .l'fcilicct Geei .. duurn., altera' onim mcdietas oriental is noéte obrc:nebra· tur:.crgo &ipfaLuna fplendide minus àTcrra iJlufira'" tuf,. eiufve proiodc lux. iHa fecundaria exílior oobisap­parct •. Qgàd fi lunamin·oppolirione adSoJem ,oofti-· tuas: fpeólabit ipfà emjfph~rillm intumcdix T dJuds om nino tcncbrolhm, obfcuraque noéle perfúfum; fi igitut ~dyptica fucrit talis 0ppc tido, nuU~m prorfus iIlumína .. tionem rcdpjet Luna ,,~olari limul, ac (crreftri irradia­tione delHtula. ln alijs,3rquc:aJijsaqTerrarn~ & adSo~ lero habitudinjbus· maius, minusvc à tcrrcítri refllxio· ne I('dpic lun~cn.,.· prout maiorcm ... :mt minorem terre­ilris cmiJphil'riJ illuminati 'panem fp(;étaucrjr ; is <mim mter duos.hoíi.;e Globos feruatur tenor, vt quibustem" poribus maximç ~. Luna ,U1uftratur T çHus ~ j jfdtm mÍl'

nus

[256J

Page 258: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

ltECENS HABITAE. 16 nus vice verfa à Terra illuminetur Lt:ma, &e'côntrà .. Arque h~c pauca de hac rc in pr~fendlo,o diéta fuf.: ficiant .. fu {ius enim in no!l:ro Sy{tematc Mundi; vbi complurimis & rationibus, & experimentis vaHdiffi .. ma Solaris luminis e Tcru reflcxio ofienditur illis 2"

qui c:am à Stellarum corea arccndam cífe iaélitant 2

ex co poti1limum> quod à motu" & à lumine fit va­(ua: vagam enim iJIam, ac Lunam fplendol'efupc­fantem, non autem fordium, mundanarumque fcoo; C11m fentinam, eífe demonihabimus, & nlturalibus, CJuoque radonibus fexecntis connrmabimus.

Dixünushucu[quc: de Obferuationibus· circaLuna­re corpus habids) nunc de Stellis fixis ea quz aélenus à nobis infpcéla fuerunt brcuírer in medium adfel'a-; mus. Ac primo illud animaduerfione dignum efi, quod fdlicet Stellz tam nxz" quam errabundre, dum, adhibiro Perf.pici110 [pcétantur ~ nequ3quam magni~ tu dine augeri videntur iuxta proporcionem eandem., fecundum quam obieda reliqua, & ipfamet quoquc Luna, aeguirunt incrementa; verum in SteUis talis audio longe minor appartt : adco vt Perfpicillum2

quod reliqul obieét4 [ecundum centupIam" gratia c .. xempU racionem multiplicare potens crir,) vix fecun­dum quadruplam, aut quintuplam Stc:llas multiplices rcddcre credas: ratio autem hulus cft, quod feilicet Afira dum liberal' ac naturali oculorum ade fpeétan­tur, non fccundum íiJam fimplicem ~ nudam{lue, vt ita dicam, magnitudinem fe 1<:: nobis otferunt, ícd tul. goribus quibufdam irradiara ii- micllntibusque radijs ,finita, idq:uc pociffimum,(:um iam increu,crit nox; ex quo longe maiores videntur "q~am ~. ~dtijs illi~ ,r~. nibllseífenr ~uta: angulus emm VlrOrIUS non a pu-· malioStclla: c.orpufculo,) fcdà late circumfufo lplcn .. d.ore tCl'minatur., Hoc apertülime intclligas Jjcet ex

. e~

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OBSEft VAT. SIDEltEAE eo J quod Stellz. in Sotis occafu inter pdm:! trepa­fculaemergeotes .. tamedi primz fuerint magoitudi· nis) exiguzadmodum apparent; & Venus ipfa fi quam do circa meridicm fe nobJs in confpedum dcderit, .dco exiHs cernicur, 'ft vix Stellulam magnirudinis vI­timir orquare videatur. Secus in ali,s obieétis, & in ip .. (<tmet Luna contingir) quz Liue in meridiana luce, fi· ucinter profundiofcs tenebràsfpeétccur) dufdem fem per molis apparet. imonfa igitur io medijs tcncbris JpcdantQf Afira, ,rines tamen illorum diurna lux ab. radere poteO: i at non lux ma cantum. fcd renuis quo­que nubecula, qUir inter Sydus~ & oculum afpidcntis irtterponatur; idem qnoque proríl:ant aigrá ve1amina" ac viera colora ta ,quorum obieétu ,atque interpofitio­lle circumfutifulgorcsSteUasdeferunt. Hocidem pz­riterefficit Pcrfpicillum, prius enim adfcititios,3cciden­talesque àStellis fulgores adimic ) illarum inde globu ... los fimpHces (fi, tamen figura fuerintglobofa) augct, atque adeo fecundum minorem multipJicitacem adau-. tia videntur: Stellula enim quintz, auc fClCtir magnitu. dinis per Perfpicillum vifa, tanquam magnitudiois pri.. O1f reprzlentatur.

Adnocadone quoque dignum videtur dfc djfcri. men jncer Planetarum .. aeque fixarum Stellarum a{pe .. tius: Planeta! cnim globulos fuos cxatlC rotundos, ac circinatos obijciunt .. ac veluti Lunulz quzdam vn .. dique lumincpcrfufz, orbiculares apparcnt: Fix3!ve-­ro Stel1z peripheria circulará nequaquam terminaff CÓ" fpiciuncur .. fed vc:lutifulgores quidam radios dn;;umcir ca vibrantes) arque admodum (cintillantes: conftmili tandem figura pr~dirz apparent cum Perfpicillo, ac dum nacurali intuitu fpeétantur) [cd adco maiores" vc Stellula quinc:r, aut fcxtz magnitudinis Cancm, ma.. xiwaw ncmpê llxasum omnium í.rquere videatur.

Verum.

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Page 260: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

lt E C EN S H A BIT AE. '7 Vel um infra Stellas magnitudióis rext~,adeo numerorum gregcm aliarum)naturalcm iotuirum fugieotium,per Per-1pidllum intueberis. vt vix credibile fit->plures coim quam fcxaliremagnitudinum differenti~videas licet. quarú ma iares. qual magnitudinis·feptimx, (eu prim..r inuifibiliurn appcllare po.ífumus, PcrfpiciUi beneficio maiores, & ela­riores apparcnr~ quam magnitudinis fecundz Sydera ade naturali vifa.Vt :lutem de inopinabili fcrê hlarum frequen tia vnam)alteramve atteftationc:m vidcas Afierifmos duos fubfcribere placuit. vt ab corum exemplo de ,reteris iudi­cium feras. ln primo integram Orionis Conílellatiollcm pingere decreueram; verum ab ingenti Stellarum copia, temporis vero inopia obrums ,aggreffionem hane in aliá occafionem difiuli; adO:ant enim. & drea vetcres ·intra v­nius, aut alterius gradus limites diffi:minantur plures quin gentis: quapropter tribus qUa! in Cingulo, & fenis qu~ ill Enfc iampridtm adnotatx fucrum. alias adiaccntes o­étuaginra reeens vifas appofuimus;earurnq; intcrftitia quo exaélius licuit feruiluimus; notas" feu vetc:res,diftint-Honis gratia,Ol.3.iores pinximus .. aç dupliciHnea contornauimus) alias inconfpicuas,rniaores"ae vnis lineis notauimus; ma­gnitudinum quoqucdifcrimina quo magis licuit reruaui~ nlUS. ln altero exemplofex StellasTaurj"PLEIAOAS di­etas depinximus (dico autem fex,quandoquidem fçptima fere nunquam apparet) intra anguiliaimos in ccelocan· ceUos obclufas, quibus aliz plures quam quadragiotain­uiíibiles adiacent; quarumtnuUa ab aliqua ex pr:rdiétis fex vix vltra femigradum clongatur ; barum nos tantum nigintafcx adnot3uimu$ i earumque internitia" magnitu· dines ) ncenon veterum nouarumque diferimina veluti in Odonc rcruauimus.

Cjnguli~ & Bnús O R I O N IS Afterifmus.

PLElA.

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PLEIA DVM CoNSTELLATIO.

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* * Quod tcnio loco à nobis fuit' obCeruatum) eO: ipftuf..

met LACTEI Circuli etfentja~ feu materies, quam Per­fpicilli beneficio adeo ad fenCum Iicet inmeri ) Vt & alter· cationes omnes,qua" per tot (recu}a PhiloCophos excrucia runt aboculata cercicudil1e dirimanrllr)nosque à vcrbofis dirputationibus Hberemur. Efi enim G A L A X Y A nihil aliud ~ QU3U1 innumerarum.Stellarum coaceru3tim confi­tarum congcries;inquamcunq; enim rcgionem iIlius Per­fpicillum dirigas,ffatim Stellarum ingens frequcntia fc fe in confpeélum profert,quarum complures fatis magn~,ac valde confpicuz videntur;fed exiguarum multi tudo pror .. fus inexpIorabilis ctt

Atcum non tallt'l1m in GALAXYAIadeusille c~ndor. vcluti albicantis nubis rpeéletur,fed complurc:s confimi1is coloris 3reoJz rparfim per zthera úlbfulgcant,fi in ilIarum qua lnlibet Specillum conuertas S tc:l1ar um coo íl:i pa tlrum

cç:tum

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Page 263: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

OBSElt VAT. SIDEREAB ccctum oIfendes. Amplius (quod magis mirabilis) StcIla;o ab ARronomis fingulisin hancvfqucdié NEBVLOSAE appellat~, StclluJ.ll"um mirum immodum confirarum grc gesfut1t; ex quarum radiorum commixtionc .. dum vna­queque ob exiliratcrn,feu maximam à nobis remotionem, oculorum adem fugir. candor me confurgir, qui denuo!:' pars c<X!li > Srcllarurn, am Solis radios retorquere valens, hucufque creditu$ eft. Nos exiUis nonnullas obfcruaui­mus; & dl1al"um Afterifmos fubncétcre \'oIl1imuS'.

ln primo habes NEBVLOSAM Capicis Orionis appe1-latam .. in qua Stellas vigintivnas numcrauim uso

Secundus NEBVLOSAM PRAESEPE nnncupatam continct,qure non vna untú SteIla cO: .. fed congcries Sec!. lularum plurium quam quadragima: nos prxtcr Ardlos triginrafcx notauimus ln Ilune ~ qui feq uÍtur o rJincm di· fpautas.

NEBVLOSA ORIONIS.

NEBVLO S A pRAESEPE.

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[262]

Page 264: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

RS CE N S HAB IT AE. ,.Pf~ 1-:';

De Luna ) de inerrant ibus S tdJis) ac de Gala:xya / qua: haétenus,obferuat:1 funt breuiter enarr.1uimus. Supcrefi vr, quod maximum in pnrfenti negodo exi" ítimandum videtur, qllatuor PLANETAS à primo mundi c:xordio 3d nofira vÚlue tt;mpora nunquam confpetIos, occafionem reperiendi, arque obCeruan'· di ,nec non jpforum loca, atque per dU0S proximê menfes obfcruadones circa eorundem latÍones ~ ac mutationes habitas, aperi:.unus ,ac prLmulgcmlj~: a· firollQmos omnes COnLl0C3nres ) vt ad il!orllln perío~ dos inquirendas, atq; dcfiniendas Ce confel':!Or, quod ,l1obis in h;,ínc vfqll~ dÍi:m ou remporis anguttiam af· ft:qui minímc licuit. lhos tamen itcrum monims fa­,cimus, nc ad ralem infpcétiollcm incaíIllm accedant , Pcrfpicillo cxaélíflinlo opus effc ,& quale in principio fcrmoni'i hUÍus, ~cfcriplimus. .

Díc üaquc t~pdma lanuarij infiantis anni millcli.' mi fCXcclltdimi dcdmi, hOfl fC<luenris noélis prima) com cfldtia (ydcra per Perfpicillmll fpc(tarcm ~ lup. piter te fe obuiam tedt, cumqlic adl11odull1 excd· kns mihi paraíTem infirumcntum;) (luoa antea ob altcrius Organi c.kbilitatclll minime (:ontigcrat) nes mi aditare lldlul~ls.) exíguas, q:rídt:m~ vcrunt~tmen da­riflimas,cognoui; qure licet e numel'O inerrantiumà me Cl'edcrcntur, non llulbl11 ramen inn .. !crl1nt ad­mh'ationem ~ eo "}l1O.I ftcunJum cxatlam Jitl!.:~lIn re­dam ~ a[(luc Eclyptk.l' parardJam difpolitil' vkh.:bl111· tur: ac cfteris magnicudine paribus fptendidioru: cIarque ilIarum int\:r fc & i.td loutm tahs co I1ftit LI tio •

Od. * O * Occ.

E ex parte"

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Page 265: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

OBSERVATIONES SIDER EAE ex pane {'eilieee Odentali dure aderant Stell.z , vn3 ve­ro Occ3fum vcrfus. Odentalior arque Ocddentalis, re· liqua paulo maiores apparabant) de diféantia intel' ipfas & Iouem minime follicicus tili ;fi,,~ cnim vti di· ximus primo creditz fuerunt; cum amem die oétaua, ncfdo quo Fato duélus ,ad infpcétiom:m. ci,lndem re~ llerfus eífcm.) longe aliam cófiitutlonem reped ; erant cnim tres SteUul~ oecidcntalcs·ornncs à loue) .ltque inter fe quam fuperiori node vidniores, paribufque incerfiitijs mutuo dilrcparat~ .. ve1uti appouta prafe. fere delineado. Hk lícct ad mutuam Stetlarum ap ... propinquationem minirnc cogitaciollcUl appulltfem,.

Ori. o * * * Occ.

exitare tamen czpit, quon.1m pado J uppiter ab om,· nibus prxdiétis fixis poífct orientalior reperiri, cum à binis CI< illis pridie occidentalis [ui(fet: ac proinde veritus fum ne forte, (e.eus à computo. afuonomico,di­re~us [Ol'ct, ac ptopterea motu proprio SteU.1s ilIas anteuertiífet:. qnapropter maximo cum deliderio re­quentem expcétaui noti;.:m; veru'll1á fpe ti'ufiratus fui,. nubibus enim vndiqu<lque obduétum tujt cflum.

At die decima app.11'uerunt Stell;r in eiufmodi 3d Iouem poli cu: du~ enim tantulll .. & oricntales amba:

Ori. * * O Occ.

aderant J tertia, vt opinatus fui) (ub Ioue laritante. Erant pariter velud 31lt(:a in c.ldem reéb cum Ioue, .lc. iuxta Zodiaci Jongirudillcm adamuflim locara!. H.rc cum vidimm) cum<lue. muratÍow:s. conLimiles in loue:

nulla

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Page 266: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

lt E C B N S H A BIT AE. 'l.&Y nulla radone reponi poífe inrclligerem , atque iofuper fpedat3S Stellas femper cafdem lilifle cognofcerem, ( nullor enim alior:l aut pra-cedentcs, aut confequea­tes intra magnum interuallum iuxta longitudincm Zo­diaci aderant) iam ambiguitatenl in admirationcm pcrmutans) apparenrem commurationem non in loue, têd in Stellis adnoratis repofitã eífe compcri ; ac pro. inde ocul:uc ~ & fcrupulose magis deinceps obferuan. dum tore fum ratus.

Die itaq; vndccima eiufcemodi confiitutionem vidi:

Od. * * o Oe,.

Stcltas fcilic::et tantum duas orientalesj qU3Tum media triplo diflabat à 10ue: I quam ab oricnta1iori: cratque orientalior duplo fel C maior rcHqua ~ cum tamen anrccedenti noéle a:qualc:s ferme apparuifrent. Sta(u­tum ideo:l omnique rlOcul dubioà me deCl'ctum fuir, :tres jn ccelis adtllc ::,rellas vagantes circa Iouem , in· fiar Vencris ~ atque ~.1ercurjj drca Solem: qlJod tan­dem luce meridiana darius in alijs polhnodum com­pluribusinfpcaionibus obferu:Jtú eH; 3(; non tantum tresl vel'um quatuor cfie vaga Sydera circ.1 Juuem fuas drcullluoludones obc.l1nda; quorum perrnutarioncs eJolaaius ccnlcqucnter oLfCrtluas fubfequens narrado miniftrabit; intcrflltia ql10q ue inter ipíà per Pcripidl­lum ,fuperius explicara rarionc ~ Jimcdtus fum: ho­ras infilper obfcrll:uionnrn .. prxfcnim cum plures in e~ldcm noétc: hi.ibim' fuuullt aJ'poi"ui; adeo coim ce~ leres horum Plallcrarum CXlal1t rcuolutiones, vt ho­larias quoque dlticremias plcrunquc liceat accipcre.

Die igitur duodccim3 ~ hora lcqucmis nodls pri-1U3 h3cratione difpofitaSrdc1'3 vidi. EratoricntaJior

E z S,ella

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Page 267: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

OBSERVAT. SIDEREAE

o ri. o cc.

SrelIa. ocddenraliori maior" ambl? tamen valdc con­fpicuíl:, ac fplcndid.r: vera qu~ diíbbar à fone ',rupll­lis pl'illlis duobu5; tcrda q'uoque SrcUula apparerc ('f­pit hora tereia prius minime ,onfpé~a " qua: ex parte orientali louem fere tangebar, cratque admodu1l1 c­xigua. Onmes fuerunr in cad em retta, & fccundum Edyptka: Jongitudil1;,.m eool'din:u.r.

Die dcdmatérdJ. primll1ll à me quatnor conij)cd';r: fucrunt Stclll1hl' iI) hac ad loucm confiiwtionc. Erant trcs ocddt:malcs, & voa oricntalis i lincam pro;>;;im\::

Oti. Occ.

rettam confritll(;bant ; media cnÍl:n occidéralium pau· Iulull1 à l"Caa Scpccnrrioncm vedus dcflcacb.:tt. A.be· rut orienralior.i IOLlc minut.1 duo: n.:liquarum, & louis itucreJpcJincs eram íiogutc vllius tamum mi· llUti. StcUz Otlll1í:S caadcm pr.l' f:: tcrebant magtlitu­dincal ; ac.lkct cxjgu~an ;) luddiflilllx tJmcn CI".i,m t ,ac fixis ciuí'Jem maguirudinis longe (ul;;lldidiorcs.

Dic dccimatlu:m:a n~lbiloíà. tuit [Clllih:üas. Dic dcd111aquint.1) hora noétis tcrti.1 ia proxime

dcpiétJ fÍJcrunt habirudine (Iu:ltuor Stclla: ad loucll1 ;

Ori. o .. " * * Occ.

ocddenta!c$ omncs: aC in cadcl11 proxim reéb linca difpQlitX i qUJ! ~11iU1 tcrda à louc 1li.uucrabatur pau­

lulwm

[266]

Page 268: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

RECEN S HA BIT AE. J..9 :2' lulum in boream atcollcbatur; propinquior Ioui Cl·at

OlnniUffi minima.) rcJiqu3; confcquentcr maioresap. parCbélnt ; intcruaJla inter louem,& tria confequantia ~ydera crant a:qualia omnia, ac duorum minutorum: at occidentálius aucrar à tibi propinquo minutis qua­tUOl". Eram lucida vaI de ) & nihiJ fi.. intillanri a :I llualia fl.:mpt:r rum ~HllC) tum poct apparucrunt. Vcrumho­ra fcptíllía trcs íolummodo aderal1t SteU.r, in huiuf·

Oei. o " * * O cC'.

cemodi cum loue 'lij)e~l1. Erant ncmpc in eadem rc­lta ad vngucm) vkiniof loui >crat admodum exígua, & ab illo l(:mota per minuta p;-im:t tria;ab hac [cçuuda diftabat min: vno; terda vcró à fecunda min: pr: 4~ fcc: 3 o. PoU vero aliam horam dllX Stcllul.r .mcdl.r adlme viciniores eram i abel'ant cnim mia: f,: vix 30. t.lntum.

Dic dccim:J[exta hora prima noétis tres viJimus StcUas iuxta hunc crdincm difpofit3S. Du~~ loucnl

Oei. * O cC'.

intcrdpicb:1llt ab co per ~lin: o. r~c: 40. hin~il1dc remo r.e" tcrria vcro occidcl1tJlis à lone din:ab~lt min: 8. lo .. ui proxim.r non maiores) fcd Juddl0l'CS apparcbant rcmoriori.

Uic.: dccituafcptimahora ab occaú, o. min: 30' huiuf­modi fuit conf1gur.u.io. ~tclla VIU tamum oriclualis i

Oei. * O

[267]

* O cC'. loue

Page 269: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

OBSEll VAT. SIDEREAH lave di nabat min: 3- occidentalis pari ter \'oa à Ioue difians min: II, OrientaHs duplo maior apparebat cc· cidenrali i nec plures aderanr quam ifi.r duer. Vcrum pofi horas quatuor , hora oempe proximê quinra ~ ter ... tia ex pane orientaJi enaergere cçpir:1 qu~ ante~, VI:

opinor cum priori iunéta erat; fuitque talis paGuo •

Ori. ** O * Occ.

Media StelIa orientali qU3m proxima min: tantum fec~ lO. elongabatur ab ilIa, & à linca reéta per (xrremas, & louem produéta pauJulum verfus aufirú dedioabat.

Die dccima oéhlua hora o. mio: 10. ab occ<Jfu, talis fuit afpeéhls. Erar SteUa orientaHs ma.io!" occidenta-

Ori. * O * OCC.

ii, & à loue difians min: pr: 8. Occidentalis verà à 1011 C "bcr.:lt mio: 1 o.

Dk UCCllllanona hOl'a nodis fecunda talis ruit SteI­larum coanlioatiQ: erant ncmpc fecundum reaanlli-

Ori. * O * * OCC.

neam ad \Toguem tres cum loue Stc11x: Orientalis vn3 à !Que difrans min: pr! 6, lnter 10Llcm, & primam fê­<1l1enttm pcddc:ntalem l rnf'di:.lbat mio: ;. interítitiú: ha:c autclt. ab ocddentalicri oberat mio: 4- Anccrs crJm tuDe nUllquid intc:r oriéralc:m ~u:Ham. &: lotlcm StelJuJa mcdiaret, v,,"rmn Joui qU:l1l'proxima) adI.O vt illum fere taogcrct; At hora quinta han, ínanifcft(: vi-

di

[268]

Page 270: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

lt E C E N S H A BIT AE. ,.,. di medi um iam inter '9uem) & oriental cm S[ellam locum exquifitc OI;'U pantem,J ita Vt talis fuerit confi:·

Oti. * • O * * Occ.

guratia. SteIla inful'er nouHnmc cOi1fp~cll adllV)dunl cxigua fuit; vcruntamen hora fcxta rcliquis UlJgnitu .. dine fere fuit a:qualis.

Die vigefima hora I. min: I S. coníHtu [io conlimilis vifa cfi. Aderant tres 5tcllula: adcoexigua:) vt vi~

Occ.

percipi polfcnt ;à loue, & il1tcr fe non magis dirra. .. bant minuto vno : incertus eram nunquid ex occiden­te dUa! ~ an tres adeiTct1t Stcllula:. Circa horam fex­tam boc pado crant difpofitz. Orientalís enhn àloue

Od. Occ.

dUplo magis aberat quam antea, nempe mino' ". media occidcntalis à Ioue diíi:ahat mio: o. Ce,; 40.ab ocdden .. taliod vera mio: o. fec: 2,0. Taadrlll hora feptíma ues C'xoccidcnte vifz fherunt StelJul.r .louí plOxíml abc..

Oti. .. O .. ,. ... Occ.

rat ab ca min: o. Ccc: ~o. intcr hane & occ:identJlioreOl: interual1ü crat mioutorum fecundorum 40. inrel' hlS "CIO alia f~ca:abatur paululum ad meridiem deflcttes3

ab·

[269]

Page 271: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

OBSERVAT. SIDEREAE ab occidenraliori non pluribus decem fc:cundis remota.

Die vigefimaprima hora. o. m: 3 o. adcrant ex oriente StcUu!z tres) zqualiter inter fe, & à Ioue dixrantes ;

Oci. Oec.

interílitia. vero ,fecundum exiflim.3tionem 50. fecun­dorum minucorum fue;:rc, aderat quoque Srel1a ex oc~ cidente à loue difrans lTIim pr: 4. Orientalis loui pro. xima crac omnium mini ma I reltqua! vero aliquãto ma· iores, atque lnter fe proximc xqualcs.

Die vjgefima fecunda hora J. contimilis fuit StcUa­rum dífpÕútio. A SteHa oriemali ad loucm minuto.

Oci. * * Oec.

rum primorum ,.. fui r inreru:lllum à Ioue ad oeciden­t:lliorcm pr: 7. Dure vero oeddcntales incermcdi.:e dix tab.:mt 3d inuiccm minto {eé:40' propinquior vero Iam abcrat ab illo m. p. I. lpfre mc(lire Stellulx 1 minores erant C'xtrcmis: file!ul1t vcro fecundum eandem rc:­étam lincam iuxta lodiaci longitudinem e~tenf;e, nUi quod tdum occideotalium media paululum in aulh i't ddledebat. Sed hora noêlis fcxta in hac confritu tio-

Ori. Oec.

ne vjfx 1unt. Orientali$ admodum (xigna erat; dif. Uns à loue vr anrc.1. min: pr. 5. Ttes ve! à occidc:nra-1cs) & à 10ue > & ad in!licem .xqualltcr daimebantur, . erantquc jntercapedines finguJiC mio: I. {e':lo.pIO~i.

[270J

Page 272: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

· RECENSHABITAB. ~ me·: & Stclla loui vicinior rcliquis duabus.requl:oti": bus minorapparcbat; omnefquein eadem reGtac:xqui. {ite dixpofit~ vidcbantur.

Die vigefima tertia hora o. min: 40. ab oc·eafu, in húc {erme modum Stcllarum ,ollLUtutio le ha.buit: tr,mt

Oei. * * O * Oec.

tres SteJIz cum Ioue in relta linea fecundum Zodia­ci longitudincm; veluti femper fuerunt: OrÍentales crant dUa!, vna véro ocddenc:alis _ OrJentalioraberat ·à fcquenti mio: pr: 7- h.rc vera à Ioue mino 2. [e'=-4o. luppiter ab occidentali min: 3. fec::o. erantque omnes magnitudine t-':I'C i;l;'1 uales _ Sed hora quinta, duz S[cl .. lêe, qux prius {oui erant proxim~ainpJius noncerne­bantur ~ fuo lvue vt arbüror ladtantcs fuitque rabs afpettus.

Od. * o Oec.

Die vigefimaquarra tres Srcllz orient~Ies omnes vi .. fre funt., ac 1'Cl<: in cadem cum loue rééta linca; me.-

Ori. * ** O Oec.

dia cnim modicê in aulhum ddleaehar. Ioui propin .. quior difrabat ab co min: 2. fc:quens ab hac mim O­(ec: 30 . .ah hac ver o aherat orientàlior min: 9. erantq; omncs admodulll Ip1endidée. Hora vero í\.xta) dua:

Oei. * [271]

O F

Oec.

foIum-

Page 273: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

OBSE'R. VATIONES SIDERBAS folulDlDodo feCe otferebant StelJz in hoc potitu: nem .. pecumloue in eadem reéb lineaad vnguem"à quo cIongabatur propinquior min: p~ 3' altera vero ab bac min: p:8. in vnam, Di fafior ,coierant dutE mediz priu$ obfcruatz Stellufór.

Dic Yigelimaquinta hora J. min: +0. ira Ce habebat

Ori. * o OC<:'.

conllitutio,aderant mim dUi! tantum Stellz ex orien. ' . taU plaga" ezque. latis magna;'. OrieDtalior à lnedia diftabat mio: S. media vero à loue mio: 6.

Die vigefimafexta hora o. min: 40. Stellarum co­Qrdinatio eiufmodi fuit. Speétabantur erum Stella:

Ori. * * o * OC<:'.

tres, quarum dua;' orientaIes ,tertia occidentalis à lo­ue:· hzc ab co min:,. aberat "media vera orientalis ab codem diftabat min: S. Cec: ~o. Orientalior verô à media mln: 6. in eadem reda conilitutz, & emfdem magoitudinis erant. Hora deinde quinta conrlitutio ferc eadem fuir~. ia hoc tantum difcrepans" quod

Ori. * * *0 * OC<:'.

prope Iouem 'luarti Stettuta ex oriente, emergcbat ,z~eris minor a loue tune remota min: 30. {cd pau. lutum à reda linea ver[us B.oream attollebatur, yt'ap-polita figura demonftrat. .

Die vigdima fcptima hora 1. ab o"afu, Vntca tan ... tum

[272]

Page 274: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

RECE N S HABtT AE. ii-tum Stenula confpiciebatur ~ eaquc orieDtalis recua-

OcL o O cc.

dum hane conlHrutionem : cratque admodum exigua. &à Ioue t'emota mio: 1.

Dic vigefima odaua, IX vigelima nona ob nubiulR interpofitionem nihil obferuare (j,uit.

Die trigetima hora prima nodis, tali paao confti .. tuta fpeétabantur J}'dera:vnum aderat -orientale,à loue

O ri. o te.

ãill:aD$ min: 2. fcc: 3 o. duo vera ex occidente, quo. rum !ouj propinquius aberat aO eo mio: 3- rcJiquum ab hoc min: J.e eICtremorum & lOllis pofitus in eadcID teda hnea fuit I ar media Stella paululum in Boream attollebarur: Occidel'ltalior fuit reliquis minor.

Die vItima hora fecunda vifz funt orientales StelJ.z dU2, voa vero occidua. Orientalium media à Joue

OcL ** O O te.

aberatmin: 2. fec: 10. OrientaJior VttO ab ipfa media min:o. Cec: 30. O~cidelltalis diLtabat.à Iouemin: lO.

eranc in eadem reda lineaproxime, orientaHs tantum loui vicinÍor modicum quiddam to Septentdonem e-1cuabatur. Hora vero quarta duz orientales vicinio-

Ori. ** O * O te. F z res

[273J

Page 275: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

OBSERVAT. SIDEREAE res ad inuicem adhuc erant; aherant enim Colummo.. do min: Cec. 2 o. apparuit in hiCce obferuatiollibus oe­cidentaIis Stclfa Caris exígua.

Die Februarij prim3. hora nodis fecunda conlimilis fuit confiitutio. Diftabat orientalior StcUa à Ioue

Oei. * * O ce.

min: 6. ocddentalis vera S. ex parte orientali SteJIa quredam admodum exígua à loue difiabat minutis fe­cundis lO. rcétam 3d vnguem ddignabant Jineam.

Die fecunda iuxca hUl1C ordinem viril' funt SreUz. Vna tantUln oriéntalis à louc diLlabat min: 6. Iuppi-

Od. * o * * O ce.

ter ab Qccidentali vidniori aberat min:4- inter hane & occidentaliorem min: 8. fuir intercapedo; erant in eadem reda ad \'llguem, & eilifdem fere magnirudi. ais. Scd hoca [cp ti ma,. qi.latuor aderant Stellil' /1 inter

Od. * *0 * * o ce.

quas luppitcr mediam occupabat fedeln. HarlJmSret­lJru ln orkntalior dHb.bar à [equenti min: of. hil'e à lo. .. ue min: 1. fcc: 40. luppiter ab occidentali fibi vicinio­ri aberat mim 6. hmc vera aD. occidentaliori min.8. cralltque parirer omncs jn <:.ldeln reélalinea, fecundá Zodiaci longitudin:!\u exten'à ..

Die tema hora reptima in bac ferie dirp06tt fuerunt Stdl~.OIie1ltalis .i loue diJ1&bat tlÚn: l.f«: 30. o cc i,...

. dentalis

[274]

Page 276: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

RECENS HABITAR. 2~ dentaJis proxima mino ~. ab hac vero elongabatur oe-

Ode * Oec.

cidentalior altera mim 10. erant pr~cise in cadem re-tta:l & magnitudinis zqualis. .

Die quarta hora fecunda drca Iouem quatuor fia· bant 8cclléE, oriemalcs du~, ac dUlE occidcmales io

Ori. * 4';0 * * Oec.

(adem ad vnguem rcéb linea difpoíicre 1# vt in proxi­ma figura. Oricntalior dill:abat à fcquenti mino 3. h~c vero à .loue aberat mio. o. fec. 40. lu ppiter à proxima ocddentali min.4. ha;c ab occidcntaliori mjn. 6. ma· gnitudínc crant tere fquales II proximior loui rcliquis paulo minor apparebat. Hora autem fepcima orien· tales Stella; djftabant cantum mino o. fec. 3 Q. luppiter

Ori. ** O * * Oec.

ab orientali viciniori aoerat mino :.ab ocddentali ve­ro fequcnre mino 4. hxc vero áb oécidentaliori dilta­bat min'3. erant(lue aqualcs omues ,& in cademreda fecu odum Eclypticam cxtellCa.

Dic quinta Crelum fuit nubiloCum. Die fexta dUa! folummodo apparucrunt Stcllz me-

Ode * O * Oec.

dium

[275]

Page 277: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

OBSERVAT. SIDEREAE dium lo uem intercipientes ~ vt in figura appolira fpe­aatur : orientalis à. loue di(bbat min.2.. occidtntaJis verÓ mino 3' era'nt in eadem reda cum 10ue, & magni. tudioe pares.

Die feprima dUér adftabant StclIz # à Ione orienta·

Ori. OeC'.

les ambz, in hu oe difpofitz modum. interc3pedines inter ipfas) & louem eram zquales vnius nempe mi­Iluri primi;ac per ipfas,& eentrum !ouÍs reda linea

. incedebat. Die odaua hora primaaderant tres SteUz orienta-

O ri. -o OeC'.

Jcs omnes vt in defcriptione; 10ui proxima cxigua fatis dift.abat ab co mio. I. [cc. 20. media vero abhac min'4' erarque fatis magna; oricntalioradmo4um exi gua ab hac diftabat mino o. Iee. 10. anceps eram nun .. quid loui proxima vna tantum,,:1O <lua' forent Stellu­Ja!: videb3tUr enim interJum huie aliam adelfe verfus ortum mil'um immodum exigua , & ab iIIa fciunda per mio. o. fec. lo.tantum ': fuerunt omnes in eadem reaa linea [ecuncum Zodiad duaum cxrcnfa-. Ho .. ra veTO terda Stdla loui pToxi01amum fere tangehar, diaabat coim:lb ec min: o. fcc. 10. taRtum rcliquóC ve.. ró à louc remodores faare tuerunt :abcrant cnim me .. dia à loue mino 6. Tandem hora q!).:ma, qure pnus Ioui proxima er.H, cum co iunda non ctrflcbarur am­plius.

Die nona hora o. mio,: 10. adfiabant loui SteHil' duz oncn·

[276]

Page 278: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

R E C EN S H A BIT AE. , .• orientales, & voa occ;identalis ia tali difpofitione • O~

Od. - * o • OC<:'.

tientalior, qUi! Catis exigua crat à Ccquenti di1bbat min: 4. media maior à loue aberat min: 7.1uppiter ab occidentali, qUa! parua erae diftabat min'4' .

Die dedma hora prin,a min: 3 o. Stel.Wlz binz admo dum exígua: orientales ambz in t3li diípotitione vifa:

Oei. • 40 OCC' •

funt: remodor diftabat à Ioue mio: 10. viclnior vero min: o. fe€. ~o. c.:rantque in eadem reéta. Hora autem quarta. , Stella loui proxima amplius Don apparebat., altera quoque adeo imminuta yidebatur, vt vix cerni poffet, Jicel: aer przelarus effet It & à Ioue remotior. quam antea erat, dillabat ~fiquidem min: 12..

Die vndecima hora prima aderanl: ab Oriente Stel­la: duz, & vna ab occafu • Diliabat occidelltalis à

Od. * * o * OC<:' •.

loue mino 4. Orientalis vicinior abcrat pari ter à Ioue min. 4. Orientalior vero abl hac dillabat mino 8. eran~ faeis perfpicua: ~ & in eadem red:a • Sed hora certia

Oei. * * -O * Oc<:'.

Stella quarta Ioui proxima ab oriente vua eR, reliquis minoI

[277]

Page 279: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

OBSER. VAT. SIDEREAE minor) à Ioue diffita per mine o. fec. 30. & à reGla li­nea per reJiquas Src:llas protrada modkum in Aqui1o~ nem defleétens, fplendidifsimao erant omnes, ac v:lldc conrpicuír. Hora vero quinta cum dimidia iam SteUa oric:malis loui proxima) ab ilIo rc:motior fada mediú imer ipfum, & ~tellam oriemaHorcm libi propinquam obtinc:bat locum , crantque omnes jn cadem red .. li. nca ad vnguem, & cjufdc:m magnitUdinis, vt in appo­fita defcriptione videre licet.

Od. * * * O * Oee.

Djcduoclccima hora o. min'40. Stellir binre ab ortu hina: paritc:r ab occafu adHabant. Orientalls remotior

Od. * -o- * o ce.

à Ioue difiabat mine 10. Ionginquior vere Occiqenta· !is abcrat min.8. eranrque ambadàtlS confpicuao, re· liqure dUa:! loui erant viciJlifiimet, & admodum exí­gua: , prxferrim Oriemalis, (lua: à loue díftabat min. o. reco 40 Ocddcntalis vero min I. Hora vero quarta Scc:lluIJ quóC louí erar proxima ex oric:mc ampHus non apparcbat. '

Dic dC!dmatertia hora di. mi n. 3 o dure SrcJJa: a pp:r .. rebant ab ortu,dua: infuper ab o,ca{~.Orjelltalis a, lol.i

Ori. .. * O .* o ce.

vi,inior fatis pelfpicua diílabar ab co mino 2. ab h:l<: oJientaHor minus apparens abcrat min.... Ex oeci·

dcntali·

[278]

Page 280: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

RECE N S HABtT AE. '-7 denta1ibu s remotior à louc confpicua vald~ ab eó di .. rimebatur mino 4. illter bane & loucm interddebat Stelll1la exigua) ac. occidcntaliori 5teltre vicinior )Cl1m

ab ea non magis abeffet mino o. fec. 3 o. eram omnes in eadem reda fccundum Ec1ypti,.z longirudinem 3d vnguem.

Die decimaquinta ( nam dccimaquarta cO!Ium nu. bibus fuir obduétum ) hora prima talis fuir anrorum politus. trcs ncmpe erant orientales Stell6r , nuI!a ve·

Oei. *uo o cC'.

ro cemcbatur occidcntalis: Orientalis Ioui proxima difiabat ab co mino o. fcc. SOo fequcns ab hae aherat min. o. fcc. 20. ab hac vera oricntalior mino I. erat· que reliquis maior: viciniores enim lou1 eram ad. mocium cxigua:. Scd hora proxime quinta) ex Std.

Oei. * ~O o cC'.

lis loui proxhnis vna tantum cerncbatur à Ioue di": fians mino o. fec. 30. Oricntalioris vero eJongatio à 10U(: ;:dauéla erat ~ fuit enim tune mino 4. Ar hora fcxta prlrter duas I vt modo didum til ab oriente

Oei. * o cC'.

conilitutas) vna verrus occafum cerncbàtur Stcllula admodum exigua, à Joue remota min.2.

Die decimalcxta hora fexta in tali con!Hcutione Ilctcrunt. SteUôI nempe oricntalis à Iouc: min: 7. a·

G bc:ru

[279]

Page 281: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

OBSERVAT. SIDEREAE berat: tuppiter à fequenti occidua mino 5'. h~c ve­ro à reliqua occident.lliori mino 3 .. erant omnes duf-

Ori. * o * * OCC'.

dcm proxime magnitudinis, (atis confpicua:, & in eadeM reda linea exquifitc fecundum Zodiaci du­ltum.

Die decimafeptilna H. I. dua: aderant Stel1or, orien .. talisvna à Ioue diftáns mio'3o o"idcntalisalteradHbis.

Ori.. * o .. o CC'.

mino 10. h~c er:n aliquanto minor orientali •. Sed hora 6. orienralis proximior erat lo ui diftabat nempe mi ~. fec. 5 o.ocddcntalis vero remonor fui t ) Cciliccc mino u. Fuerunt ln vtraque obferuatione in eàdem reéta,& am­hor fatis exigua!;.pra:fertim orientalis in fecunda obfaua. iione.

Die J 8.110.1, tres adCr3'1t Stcllz; quarum dua: oeci.· dc:nta1cs 1 oricntaüsvero vna;·diftabat oricntalls à loue

Ori. * o *. * OCC'.

min'3o Occidentalisproxima m;.,.occideruaJiorreliqua abcrat à mediam.8. O,nm::sfueruntin eademreéta ad vngucm,& e:i&.ira~m fere magniwdinis. Ar Hora ,..Su:l­Iz viciôiores parihus à Ioue 3berant interftitijs:oeddua enim :lberat ipfa quoque m.3. Sed Hora 6.qu3rta Std ... lula "ifa di iw.a od~ntaliorem & Iouem ia tali configu ratione. Orientalior dillabat àJequc:nti m.3.fc'luens·à

loue

[280]

Page 282: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

RECENS HA BITAB. 21 Ioue m.x.fec. So.luppiter:lb oc:cidcntalifequcntim. 3-

Oti. * * Oce.

h~c vero ab occidentaliori m.,.crãr fere ~quales)orien taJis tantum loui proxima re1iquis erat paulo minor. erantque in eadem reda ~dypti,~ paralJcIa.

Die 19- Ho.o. m'4o.~tel1z dua: folnmmodo ocdduç à loue confpetla: fueruntfat.{.s magna' ) & ln eademre~

Od. o * Occ.

da cum Ioue ad vnguem~ ac recundum Ec1ypticz dudi.'i. difpouta'. Propinquior à Ioue difiabat m. 7. h~c: vero ob ocddenraliori m.6.

Dic :lo.Nubilofum fuir crelum. Die 11. Ho. I. m. 30. Htllulz"trcs faris cxiguz cerne­

banturinhac COllíHtutÍone. Oricntalis aberat àloue

Od. =- o· Oce.

• m.1. Iuppiter ab ocddentali requente.In.3.hzc vero ab ocddentaliori m. 7. eraRt ad vnguE in eadem reda Ecly. pEicz pa13l1cla. "

Die 2. S'. HO.l.m. 3 o.(nam fuperioribus tribus noéH~ bus ,a::ú fuit Dubibus obduétum) U'cs apparuerút Std

Od. • o · Oe('.

ltr. Orientales du~ .. qU31'Um dHlantiz inter fe :. & à Ioue G a a:quales

[281]

Page 283: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

OBSERVAT.SIDEREAE aquàJes fueru Llt)<lC min'4.0ccidcntalis vna aberat à 10-ue mine l. Eram in cldcm reda ad voguem, fecundnm Eclyptk:e du{tltln •

Dic 2.6. Hora o. m. 30. bÍn~ tantum áàcrant SteH.l'. OricntaIis vna diítans à Ioue m. 10. OccidcntaHs altera

o ri. !ti o * o cc.

difians m.6. Orientalis crat aliquanto minor occidenra li. Scd Hora 5. eres "i[;eJullt Stellx,pra:tel' cnim duas iá

o ri. .. * o cc.

adno:atas tcnia ex occidente prope Iouem admodUlll cxigua cernebatur,qll~ prius fuh lo ue Jatitahat, difia· bar(ple ab eo m. I. OrieQtalis vero remotior .. quam an­(ea vJdebacur,difians nernpe à loue m.lI. Hac no.!te pri nlUm rouis & adlacentium l>!anctarum progrc:I1um fe· cundum Zodiaci long(tudinem fada relatione ad fixam quandam obftruare placuit: fpcélabatur enim fixa Ste1 la orientem verfus difrans à Planeta oricnt3li m. II. & paululum in AuLlrum dcneacbzlr~ in hunc (l:.ti fcquitu.r modum.

Ori. o- * * fixa

Die 27. Ho.l. m.4. Appar'cbant SrelIa: in talí conR· guratioue. Orientalior diftabat à loue mino 10. fequens J.oui proximamjn.ó.fec'3 o.O"identaljs fcqucns. a bcrat

,um.:.

(282]

Page 284: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

RECENS HABITAE. 2!1 min.:.fcc. 3o.ab bac occidentalior di1l:abat min.l. Vicio

Od. * o ** Oee.

* fixa

niores loui exigu3! apparebant) pr.-rCertim Orientalis II extrcm:r vero eran t admoJum conrpicuzo in pdm is ve­ro oecídua, rcéllmquelineam fe.::undum Eclyptic:r duo aum defignabant ad vnguem. Horum PJancrarum pro grclfus verfus ortum ex .collatione ad pr~did:am fixa.m lnanifeftê ccrnebarur, ipfi coim Iuppitcr cum adfiamib. Planeeis vicinior er3t J vt in appofita figuravidere licet. Sed Ho. 5'. StcJla olÍentalis loui proxima aberat ab co mino I.

Die 28. Ho, 1. du.-r tantum SteU;r videbantur; ()rien~ talis difians à.Ioue min.9. Occidcntaüs vero ln l.Erant

Oei. * o * Oee.

* fixa

fatis confpicux, & in eadc1l1 red: .. : :Jd quam Iinc~am fixa pcrpendicufarirer incidebat in Planetam orientalé, ve· luti in figura. Sed hora S. tertia Stellula ex oriente di·

Oti. * * O * Oee.

fians à Ione m. 2.confpeéta cl in eiufmodi cõíl:itutione. l.)i~ 1.Marti j Ho. o. m. 40. quatuor SttUa: orien tales

omnes

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Page 285: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

OBSER. VAT. SIDEREAE omnes confpcdz funt)quarum Ioui proxima aberat ab co m.a. [equc:ns ab hac m.l. rertia m.o. [c(.2.o. crar/Iue

Oei. *_ .. o o cC'.

* fixa

rcliquis dador;' ab iRa vero diRabat orientaHor n1.+ & reJiquis crat minor.Rcélam proxime ddignab:mt Jineã) nili quod rcuia ~ loue paululum atrollebatur.Fix3 cum loue, & oriemaliori trigonum zquilaterum confiitue~ bat ut in figura.

Dic 3. Ho.o.m'4o.trcs adllabant Planeta',orientales dúo",vnus veróocclduus in'tali conllguratlone. Abe12t

Oei. o * o cC'.

* lixa

orientalior i [ouem.7 ab hocdiíbbat fequés m.o.f.30. Occ.ident31isvero clong:lbaturàloue m.l. er3nt extr~ 1111 !uddiores.ac maiores rcliquo > qui admodú exiguus apparebat.Oricntalior à reda linca pcrreliquos & louE duéta paululum in llorcam vid.:batur clatus. Fixa iam adnotata ab occidcnta:i,Planeta m.8.difiabat,(c€údum pcrpendiculal'cm ab ipfo Planeta ouéLlm fupcr lincam rdtam per Plan.crus omnes O\tenfam;vcluti appofita fi· gura demonítr:::.t.

Hafcc louis, & adiacentium Flanetarum ad Fixá col­latio·

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Page 286: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

RECEN S HABIT AE. 3-I.:ttiones apponercplacuit) "it ex illis eorundé Planetarum progrdfus)tumfecundú longitudinem)tum etiamfecúdii latitudinem~cum motibus,qui ex tabulis auriuntur ad vn-

. guem congruere qu~libetinteUigercpo~t. Hz funtobferu3uonesquaruor Medlceorum Planeta­

rum recens,3C primo ã me repertorum , exquibusquáuiS' iUorum periodos numeris colHgere nondú dcturj licet fal· tem qua:dam animaduerCtone digna pronunciare. Ac pri­mo cum Iouem coníimillbusintcríHtijs modo confequan tur,modo przeanr,ab eoq; tum verfus onum~tum in occa fum anguftiffimis tamú diuaricationibus clongenmr ,cun demq;.retrogradum pariter~ :ltq; dircdum concomitéEUr~ c..Jllin drca iLum fuas confidant conuerfioncs.interea dum cirea mundi centrum omnes vnà duo decênales periodos àbfoluunt.nemini dubiú effe poteft. Conuenútur infuper in circulis inçqualibus) '1' manifefie colligitur ex eo, quia in maipribus à Ioue digreffionibus núquã binos Planet.1s iunélos vidcre licuit;cum tamen prope iouem du'o,trcs,& interdum oes limulconftipati repcrti íint.Oeprçhendjtur infupcr vclociores effé conuertíones l)lanetarú anguíHo ... res drcalouem circulos ddcribcntiú;propinquioresenim Ioui Stcll;r frepius fpeélantur orientales)cum pridic ex oe· ca!il apparuerint,& e contra :at Planeta maximú permeát'. orbem, aC(urate przadnotatas reucrfi~nespcrpendenti, reftitutiones femimenllruas habcre videtur.Exhnium prz terca przdaruIIH.}; habemus argumentú pro f,rupulo au ii !is demendo, qui in Sitlemate Copernicano conuerfioné Planctarum drca Solé> ~quo animo fcrentes,adcó pcrtur bantur ab vniu$ Lunz circa terr:llationc,intereadú ambo annuú orbé circa SolE abfolu um,vt h:mc vniuerfi cóftitu':' tioné ran(j. impoffibilcm encl'cc .. ndj cfIe :ubitrc:ntur; nune enim ncdum Planedvnúclrcaaliú conuertibilé habemus, dú ambo magnú drca Soié perlullram orbem; verum qua 'uor ci,,;a lowé inftar Lunx circa T dluré,,(cn[us nobis va·

games

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Page 287: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

OBSERVAT. SIDEREAE ~antes offen Stc:JIas,dtlm oEs timul cú Ioue 1~. annorum jpacio magnú circa Sole pe.meant orbE. Praofcreundú tan dem non efilEJua nã róne contingat) vt Mcdicea Sidera dú angufriffimas drca ioue rotadoncs.abfoluunt > femetipfis intcrdum plusq. duplo maiora vide:antur.Caufam in vapo ribus rerrenis minimhí.rere polfumils: apparentenim au. étaJeu mjnuta~dú Iouis ,& propinquarú fixarú moles'Oil immutatzcernuntur.Acçedereaut illos,adeoq;à tem. c· longad' circafua: ,õuerfionis perigeú,aut apogeu,vt tant~ mutarionis cãm nandfcantur,oÍno inopinabile vrjná artta circlllaris latit) id nulla rõnc'prfltare valet;ouafis vero mo tus(qui i11 hoc cafu l'cétus fcrotffet)&inoprnabllis)& ijs q apparem nuUa rónc confonus dfe vr. Qpodhacin rc fuc­currit lubens profero,ac reétê philolophantift iudicio,cé­furxq; cxhibeo.Cõ!lat terrefiriú \'apoJüobitétu Solé,Lu .. namq; maior<.s,fed fixas, atq; Planeta' minores aprarcrc: hinc Luminaria prope orizouté maio ra,Steila: vtf o mino reS.3C plerunqi inconfpicua:.ii·mminlluntur çt magis fi ijde vapores lumine fherint perfuti- j iddrco SteJlre iuterdiu,ac intra crepurcula admodumexiles apparentiLuna non ité, \'t fupra quoq; monuimus. Caníbt infupernõ modo T d )uremJcd ét Lunam fuum baberevaporofum orbé drcú. fufufu ,tum ex his'qua: ruprad~imus, tUtU maximc exijs, qu:r fu6us in nofiro Sifiemate dicentur;at idE qttoqi de re ltquis Planetis ierre illdiclú congrue poffumus; ad'covt ét circa Iouem deníiorem reliquo rethcre pone.t:~ orhem in­opináb:le minime videalur,cü'caquem,inLbr Lun.rcirc:! elemel1toruin fpheram)Pt~cta: MEDiCEA circumducan tur J atqúebuius.orbís obiedu dum apogei fueriat miná .. res.)dum verôperigei,per eiufdelJl orbis abla~ionem ,feu at

tcnu.ationcm maiores appllreant. Vlrerius pro­gredi témporis ~ngu~ia inhibctj plura

·de llls breu! candldus Lcaor e~pcéltt •

F 1 N 1 S.

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Page 288: Galileu Galilei Sidereus Nuncius, O Mensageiro Das Estrelas[1]

ÍNDICE DE MATÉRIAS

Nota de Abertura, por Sven Dupré................................ 7

Prefácio, por Henrique Leitão ............... ...... .................... 11

Estudo introdutório, por Henrique Leitão ..................... 17

Breve Cronologia............................................................. 137

Galileu Galilei, O Mensageiro das Estrelas, tradução por . ( . ~

Hennque Leltao ....................................................... 141

Notas........................................................................ 207

Galileu Galilei, Sidereus Nuncius. Reprodução facsimi­lada da edição de Veneza, Tommaso Baglioni, 1610......................................................................... [225]

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Esta 3. a edição de Súlereus Nundus - O Mensageiro das Estrelas

foi impressa e encadernada nas Oficinas da Imprensa Portuguesa - Porto

para a Fundação Calouste Gulbenkian. A tiragem é de 1000 exemplares encadernados.

Maio de 2010

Depósito Legal n.O 306317110

ISBN 978-972-31-1317-4

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