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CURSO DE DIREITO DIREITO PENAL III PROFESSOR: GECIVALDO VASCONCELOS AULA: CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO – PRIMEIRA PARTE 1. FURTO O tipo básico desse delito está assim insculpido: “Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa” . 1.1. Objeto jurídico Tutela-se o patrimônio, tanto sob o aspecto da propriedade quanto da posse. 1.2. Objeto material A coisa alheia móvel. Não podem ser objeto de furto: a) o ser humano vivo, visto que não se trata de coisa; b) o cadáver, sendo que sua subtração pode, em regra, se constituir crime contra o respeito aos mortos (art. 211 do CP). Quando, contudo, o cadáver for propriedade de alguém (instituição de ensino, por exemplo), pode ser objeto do crime de furto, visto possuir valor econômico[1] ; c) coisas que nunca tiveram dono (res nullius) e coisas abandonadas (res derelicta); sendo que quem se assenhora desses bens adquire a propriedade dos mesmos, segundo art. 1.263 do Código Civil, portanto não comete crime nenhum; d) coisa perdida (res derelicta). Quando alguém se apropria dolosamente de coisa perdida por terceiro comete, em tese, o crime de apropriação de coisa achada (CP, art. 169, parágrafo único, II). Não se considerada perdida a coisa que simplesmente é esquecida pelo proprietário em local determinado, podendo ser reclamada a qualquer momento[2] (por exemplo: pessoa que esquece um livro em sala de aula. Acaso alguém se apodere do mesmo, comete o crime de furto); e) coisas de uso comum (res commune omnium), como o ar, luz do sol, água do mar ou dos rios, exceto se forem destacadas do local de origem e exploradas individualmente (por exemplo: água encanada para uso exclusivo de alguém[3] ). Lembra-se, ainda, que existe o crime de usurpação de águas (art. 161, § 1º, I, do CP), consistente na conduta de desviar ou represar, em proveito próprio ou de outrem, águas alheias. Portanto, quem desvia curso natural de água (de um igarapé, por exemplo) para se beneficiar do mesmo, evitando que ele passe pelo terreno do vizinho (que antes era seu caminho natural) comete o crime de usurpação de águas, afastando-se a possibilidade de furto; f) os imóveis. Podem ser objeto de furto: a) coisas ligadas ao corpo humano, como, por exemplo, olhos de vidro, perucas, dentaduras, próteses mecânicas, orelhas de borracha etc[4] ; b) segundo alguns doutrinadores (a posição não é pacífica), o ouro da arcada dentária do defunto, visto que pertenceria a seus herdeiros[5] . Nesse caso o crime de violação de sepultura seria absorvido pelo crime de furto; c) semoventes (animais), visto que fazem parte do patrimônio do respectivo proprietário.

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  • CURSO DE DIREITODIREITO PENAL IIIPROFESSOR: GECIVALDO VASCONCELOSAULA: CRIMES CONTRA O PATRIMNIO PRIMEIRA PARTE

    1. FURTO O tipo bsico desse delito est assim insculpido: Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia mvel: Pena recluso, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

    1.1. Objeto jurdico Tutela-se o patrimnio, tanto sob o aspecto da propriedade quanto da posse.

    1.2. Objeto material A coisa alheia mvel. No podem ser objeto de furto:a) o ser humano vivo, visto que no se trata de coisa;b) o cadver, sendo que sua subtrao pode, em regra, se constituir crime contra o respeito aos mortos (art. 211 do CP). Quando, contudo, o cadver for propriedade de algum (instituio de ensino, por exemplo), pode ser objeto do crime de furto, visto possuir valor econmico[1];c) coisas que nunca tiveram dono (res nullius) e coisas abandonadas (res derelicta); sendo que quem se assenhora desses bens adquire a propriedade dos mesmos, segundo art. 1.263 do Cdigo Civil, portanto no comete crime nenhum;d) coisa perdida (res derelicta). Quando algum se apropria dolosamente de coisa perdida por terceiro comete, em tese, o crime de apropriao de coisa achada (CP, art. 169, pargrafo nico, II). No se considerada perdida a coisa que simplesmente esquecida pelo proprietrio em local determinado, podendo ser reclamada a qualquer momento[2] (por exemplo: pessoa que esquece um livro em sala de aula. Acaso algum se apodere do mesmo, comete o crime de furto);e) coisas de uso comum (res commune omnium), como o ar, luz do sol, gua do mar ou dos rios, exceto se forem destacadas do local de origem e exploradas individualmente (por exemplo: gua encanada para uso exclusivo de algum[3]). Lembra-se, ainda, que existe o crime de usurpao de guas (art. 161, 1, I, do CP), consistente na conduta de desviar ou represar, em proveito prprio ou de outrem, guas alheias. Portanto, quem desvia curso natural de gua (de um igarap, por exemplo) para se beneficiar do mesmo, evitando que ele passe pelo terreno do vizinho (que antes era seu caminho natural) comete o crime de usurpao de guas, afastando-se a possibilidade de furto;f) os imveis.

    Podem ser objeto de furto:a) coisas ligadas ao corpo humano, como, por exemplo, olhos de vidro, perucas, dentaduras, prteses mecnicas, orelhas de borracha etc[4];b) segundo alguns doutrinadores (a posio no pacfica), o ouro da arcada dentria do defunto, visto que pertenceria a seus herdeiros[5]. Nesse caso o crime de violao de sepultura seria absorvido pelo crime de furto;c) semoventes (animais), visto que fazem parte do patrimnio do respectivo proprietrio.

  • O furto de gado conhecido como abigeato;d) navios e aeronaves, visto que para o direito penal no vale a noo cvel de imveis. So penalmente considerados mveis todos os bens corpreos que so passveis de remoo de um lugar para o outro;e) coisas que estejam fora do comrcio, como bens pblicos e bens gravados com clusula de inalienabilidade, desde que tenham dono[6];f) talo de cheque e folha avulsa de cheque, posto entender-se que possuem valor econmico, causando tambm o fato prejuzo vtima, visto que ter que pagar taxas para o cancelamento da crtula. Quanto subtrao de carto bancrio ou de carto de crdito, entende-se no haver crime de furto, pois sua reposio feita sem nus para a vtima[7]. Ressalve-se que tais entendimentos no so pacficos.

    1.3. Sujeito ativo Trata-se de crime comum. Qualquer um pode pratic-lo, exceto o proprietrio do bem ou o seu legtimo possuidor. O proprietrio no pode cometer referido crime, visto no haver a possibilidade de furto de coisa prpria (pode ocorrer em tal circunstncia, no mximo, o crime previsto no art. 346 do CP)[8]. O legtimo possuidor, acaso se aproprie da coisa de terceiro que se encontra em seu poder, comete o crime de apropriao indbita (art. 168 do CP). Fala-se em famulato quando o furto realizado pelo empregado em detrimento dos bens de seu patro. Ressalte-se que mesmo que o empregado tenha a posse de determinado bem pertencente a seu empregador, se acaso subtrai-lo, comete o crime de furto, isto se a posse for vigiada. o caso, por exemplo, do caixa de um supermercado, que subtrai dinheiro que est manuseando. Nesse caso, no ocorre o crime de apropriao indbita (art. 168 do CP), visto este exigir que o sujeito passivo tenha a posse desvigiada do bem apropriado. Quando o bem fica sob o poder do empregado apenas no local de trabalho, entende-se que tem mera deteno ou posse vigiada da coisa[9].

    1.4. Sujeito passivo Pode ser, no dizer de Fernando Capez (2006, v.2, p. 374): Qualquer pessoa, fsica ou jurdica, que tem a posse ou a propriedade do bem. Tal assertiva afasta da proteo legal aquele que detm a transitria disposio material do bem, como, por exemplo, a balconista de uma loja, o operrio de uma fbrica. Nessa hiptese, a vtima do furto o proprietrio do bem. Portanto, o sujeito passivo do crime de furto ser o proprietrio ou o legtimo possuidor da coisa subtrada[10]. Ponto interessante levantado por Cleber Masson (2010, v. 2, p. 309), no caso de ladro que furta de ladro, conforme segue:

    O ladro que furta ladro, relativamente coisa por este subtrada, comete crime de furto. O bem cada vez mais se distancia da vtima, tornando ainda mais improvvel sua recuperao. O sujeito passivo, porm, no ser o primeiro larpio, mas sim o proprietrio ou possuidor da coisa, vtima do delito inicial.

    Mesmo que no seja identificada a vtima (sujeito passivo) do furto, entende a

  • doutrina ser possvel a punio do sujeito ativo, se houver a certeza que houve a subtrao de bem de terceiro, considerando que o crime em referncia de ao penal pblica incondicionada[11].

    1.5. Tipo objetivo O tipo bsico do art. 155 do CP de extrema clareza: Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia mvel. Subtrair significa, basicamente, retirar de outrem (proprietrio ou possuidor) alguma coisa, sem o seu consentimento. necessrio, ainda, que essa coisa seja mvel. Mvel: a coisa que se desloca de um lugar para outro. Trata-se do sentido real, e no jurdico. Assim, ainda que determinados bens possam ser considerados imveis pelo direito civil, como o caso dos materiais provisoriamente separados de um prdio (art. 81, II, CC: No perdem o carter de imveis: II os materiais provisoriamente separados de um prdio, para nele se reempregarem), para o direito penal so considerados mveis, portanto suscetveis de serem objeto do delito de furto (NUCCI, 2006, p. 659). Nesse sentido tambm ensina Capez (2006, v.2, p. 372): irrelevante o conceito fornecido pela lei civil, que considera imveis determinados bens, como os navios, por pura fico legal. Nesse caso, pouco importa a definio civil, pois, para fins penais, sero considerados mveis. Sintetiza muito bem Cleber Masson (2010, v. 2, p. 308), que subtrair engloba duas hipteses distintas:

    (1) o bem retirado da vtima; e(2) o bem espontaneamente entregue ao agente, mas ele, indevidamente, o retira da esfera de vigilncia da vtima.

    A primeira hiptese a mais comum. Pode ocorrer por vrios meios, considerando que o furto um crime de forma livre (de contedo variado). possvel, por exemplo, o agente utilizar uma criana ou um animal treinado para subtrair bens de terceiros, assim como pode agir na presena ou ausncia do proprietrio ou possuidor do bem. Quando age na presena do proprietrio ou possuidor, no poder o sujeito ativo utilizar de violncia ou grave ameaa para intimidao da vtima ou do mero detentor do bem; visto que nessa hiptese, e tambm quando a vtima reduzida impossibilidade de resistncia (quando dopada, por exemplo), haver crime de roubo (art. 157 do CP). Na segunda hiptese, em que a vtima entrega o bem ao agente que o subtrai, temos o seguinte exemplo: algum chega em uma concessionria de automveis e pede para dar uma volta no ptio da empresa (sob vigilncia do vendedor) em um carro que encontra-se venda, para testar o veculo. Entra no carro, comea a rodar lentamente, porm repentinamente acelera e foge, subtraindo o bem. Alerta-se que no se pode confundir a segunda hiptese, com a ocorrncia do crime de estelionato (art. 171 do CP), visto que neste o agente utiliza de meio fraudulento para fazer com que a vtima lhe entregue voluntariamente a vantagem indevida, sem esperar a imediata devoluo. No furto, quando se tratar de forma de execuo parecida, a vtima entrega o bem esperando a devoluo imediata, porm em ato contnuo, o agente foge com o bem[12].

  • 1.6. Tipo subjetivo Alm do dolo de subtrair (animus furandi), exige o tipo em evidncia a inteno do agente de assenhoramento definitivo da coisa (em benefcio prprio ou de terceiro) animus rem sibi habendi, que fica evidente na expresso para si ou para outrem. H, portanto, a exigncia da presena do chamado elemento subjetivo do tipo especfico. No necessria a inteno de lucro (animus lucrandi), de modo que acaso o agente subtraia bens, por exemplo, para dar aos pobres ou apenas para prejudicar a vtima (por exemplo, depois de subtrair destri o bem), mesmo assim estar cometendo o crime em evidncia. H tambm a seguinte hiptese vislumbrada pela doutrina (MASSON, 2010, v. 2, pp. 310-311): Se um credor subtrai bens do devedor para se ressarcir de dvida no paga, o crime no ser de furto, em face da ausncia do animus rem sibi habendi, mas de exerccio arbitrrio das prprias razes [...], na forma prevista no art. 345 do Cdigo Penal. No h furto culposo.

    1.7. Consumao e tentativa Dissertando sobre o momento da consumao do crime de furto, Rogrio Sanches Cunha (2008, v.3, pp. 119-120) bem sintetiza a polmica que norteia referida temtica:

    No que tange consumao, h quatro correntes disputando a prevalncia:a) contrectacio: a consumao se d pelo simples contato entre o agente e a coisa alheia, dispensando o seu deslocamento;b) amotio (ou apprehensio): d-se a consumao quando a coisa subtrada passa para o poder do agente, mesmo que num curto espao de tempo, independentemente de deslocamento ou posse mansa e pacfica;c) ablatio: a consumao ocorre quando o agente, depois de apoderar-se da coisa, consegue desloc-la de um lugar para outro;d) ilatio: para ocorrer a consumao, a coisa deve ser levada ao local desejado pelo ladro para ser mantida a salvo.O STF e o STJ adotam a segunda (amotio).

    As quatro correntes acima referidas, segundo Greco (2009, v.III, pp. 15-16), atualmente resumem-se basicamente em duas, com as seguintes orientaes:

    a) o furto se consuma no momento em que a res retirada da esfera de posse e disponibilidade da vtima, ingressando, consequentemente, na do agente, ainda que no tenha ele a posse tranqila sobre a coisa;b) a consumao somente ocorre quando a res retirada da esfera de posse e disponibilidade da vtima, ingressando, consequentemente, na do agente, que, obrigatoriamente, dever exercer, mesmo que por curto espao de tempo, a posse tranqila sobre a coisa.

    So, portanto, duas correntes que divergem, basicamente, sobre a necessidade ou no do agente exercer a posse tranqila sobre a coisa, depois de t-la retirado da esfera de disponibilidade da vtima. [] Nossos Tribunais Superiores tm descartado a necessidade da posse tranquila sobre a coisa [].

  • Capez (2006, v.2, pp. 375-376), a seu turno, assevera que, independentemente da polmica sobre a regra geral para o momento consumativo, deve-se considerar que o furto se consuma nas seguintes situaes especiais: a) extravio (perda) do bem subtrado; b) priso em flagrante de um dos agentes e fuga dos demais com a res; e c) subtrao de parte dos bens que o agente se dispe a furtar. Tratando-se de crime material, perfeitamente possvel a tentativa no delito em estudo, ocorrendo esta quando o agente, por razes alheias sua vontade, no consegue retirar o bem do domnio do seu titular. Diante de tudo que foi dito, resta claro que atualmente prevalece no Brasil a teoria da inverso da posse[13] para explicar o momento em que o furto se consuma, descartando-se a necessidade de posse tranquila. H tambm debate sobre a necessidade ou no do bem subtrado ser retirado da esfera de vigilncia da vtima para o crime se consumar. Isto porque pode o larpio, segundo pensamos, no ter a posse tranquila do bem, mas j t-la retirado da esfera de vigilncia da vtima (por exemplo: o agente aps subtrair o bem empreende fuga, sendo que a vtima o perde de vista, porm durante a fuga ainda no h posse tranquila alguns policiais desconfiam do larpio e o abordam, vindo a descobrir que houve o furto). Diante dessa polmica j se manifestou o STJ reiteradamente dizendo que no necessrio que a coisa subtrada seja retirada da esfera de vigilncia da vtima para se consumar o delito, segundo bem pontuado no seguinte aresto[14]:

    []I O delito de furto se consuma no momento em que o agente se torna possuidor da res subtrada, pouco importando que a posse seja ou no mansa e pacfica. Assim, para que o agente se torne possuidor, prescindvel que a res saia da esfera de vigilncia da vtima, bastando que cesse a clandestinidade (Precedentes do STJ e do c. Pretrio Excelso).II A jurisprudncia do STF (cf. RE 102.490, 17.9.87, Moreira; HC 74.376, 1 T., Moreira, DJ 7.3.97; HC 89.653, 1 T., 6.3.07, Levandowski, DJ 23.3.07), dispensa, para a consumao do furto ou do roubo, o critrio da sada da coisa da chamada esfera de vigilncia da vtima e se contenta com a verificao de que, cessada a clandestinidade ou a violncia, o agente tenha tido a posse da res furtiva, ainda que retomada, em seguida, pela perseguio imediata (cf. HC 89958-SP, 1 Turma, Rel. Ministro Seplveda Pertence, DJ 27-4-2007). (Grifos nossos)[](STJ, Quinta Turma, REsp 1.104.153/PR, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJe 22-6-2009).

    Nesse andar, se o agente subtrai o bem (sendo a subtrao percebida somente depois de concluda), empreende fuga, sendo imediatamente perseguido e capturado, o crime de consuma, mesmo que a coisa no saia da esfera de vigilncia da vtima[15]. No se trata nesse caso, portanto, de crime tentado, mas sim de delito consumado. Em outro vrtice, quando o agente pretende furtar bens que se encontram dentro de um determinado imvel possvel vislumbrar as seguintes situaes[16]: a) acaso seja surpreendido subindo uma escada, colocada a partir da rua, para ingressar em um imvel, h mero ato preparatrio (no sendo punvel); b) se aps ingressar no imvel surpreendido andando pela casa, sem estar, ainda, tentando se apoderar de algum

  • objeto (s responde por violao de domiclio, visto no ter iniciado a subtrao); c) acaso esteja dentro do imvel j se apoderando de objetos (h tentativa de furto). Nessa ltima hiptese, necessrio esclarecer que enquanto o agente est dentro da casa, mesmo que j esteja com os objetos que pretende subtrair em mos, ocorre apenas tentativa. Diferentemente, se surpreendido j na rua com os objetos subtrados, aps sair da casa, tm-se o crime como consumado[17]. No caso do agente ser surpreendido no momento que ainda est dentro da casa se apoderando do objeto, mesmo que fuja para a rua com o mesmo, sendo depois capturado, a hiptese de tentativa. Em sentido semelhante j decidiu o STJ, sustentando que no houve consumao do delito na seguinte hiptese: In casu, conforme descrito no acrdo recorrido, no houve a cessao da clandestinidade, uma vez que o ru foi visto quando ainda se encontrava no interior do veculo da vtima e perseguido com a coisa escondida embaixo da camiseta, tendo-a dispensado pelo caminho (REsp 1151839-RS, 5 Turma, DJe 29-03-2010). Explica a doutrina, ainda, que no imprescindvel que a coisa seja transportada de um lugar para outro para o furto se consumar. Exemplifica-se que estar consumado o furto caso a empregada domstica esconda uma joia da patroa em seus pertences pessoais[18]. Nesse caso no seria necessrio que a domstica sasse da residncia para o crime se consumar, visto que seria eliminada a possibilidade de disponibilidade do bem por parte da proprietria, mesmo ele ainda estando em sua residncia, pois se encontraria escondido, ou seja, j sob a disponibilidade de quem furtou. Reconhecemos, no obstante, que este entendimento tem a possibilidade de ser combatido pela orientao jurisprudencial (STJ e STF) que exige a cessao da clandestinidade para que o furto se consume.

    1.8. Causa especial de aumento de pena Dispe o 1, do art. 155, que: a pena aumenta-se de um tero, se o crime praticado durante o repouso noturno. Aqui se prev o que a doutrina chama de furto noturno. Repouso noturno no se confunde com a noite. Esta caracterizada pela ausncia de luz solar (critrio fsico-astronmico). Repouso noturno o perodo de tempo, que se modifica conforme os costumes locais, em que as pessoas dormem (critrio psicossociolgico) (CAPEZ, 2006, v. 2, p. 387). Afasta-se, contudo, a possibilidade de alegao que repouso noturno pode se confundir com o dia (ou seja, momento em que est presente a luz solar), mesmo que seja costume em determinado local repousar nesse horrio[19]. Segundo posio majoritria (atente-se que no pacfica[20]), indiferente para se reconhecer a majorante que os moradores da casa violada pelo larpio estejam dormindo, devendo ser a mesma reconhecida at quando a residncia estiver desabitada, desde que a conduta se d durante o perodo de repouso noturno. Na realidade, a incidncia da majorante no exclusiva nos casos de furtos perpetrados dentro de residncias, podendo ser reconhecida em subtraes ocorridas em via pblica. Nesse passo, Cleber Masson (2010, v. 2, p. 321), em sintonia com a jurisprudncia do STJ: Destarte, a majorante perfeitamente aplicvel aos furtos cometidos durante o repouso noturno em automveis estacionados em vias pblicas,

  • bem como em estabelecimentos comerciais. Segundo Capez (2006, v. 2, p. 387), prevalece o entendimento de que a majorante em estudo somente se aplica ao furto em sua forma simples (art. 155, caput, do CP).

    1.9. Furto privilegiado Traz o 2 do art. 155 a seguinte regulao: Se o criminoso primrio, e de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de recluso pela de deteno, diminu-la de um a dois teros, ou aplicar somente a pena de multa. Convencionou a doutrina chamar essa modalidade de furto privilegiado, apesar do dispositivo no trazer um preceito secundrio. Exige o pargrafo que, para o agente ser beneficiado, deve ele ser primrio e que a coisa furtada seja de pequeno valor. Quanto ao conceito de primariedade, entende-se que primrio aquele que no reincidente[21], mesmo que tenha maus antecedentes. Quanto ao conceito de pequeno valor da coisa furtada, ensina Greco (2009, v.III, p. 23) que:

    [] embora seja um elemento de natureza normativa, que permite valoraes, a doutrina e jurisprudncia convencionaram que por pequeno valor deve ser entendido aquele que gira em torno de um salrio mnimo. No podemos, como afirmam alguns renomados autores, fixar o teto de um salrio mnimo vigente poca em que ocorreram os fatos para fins de aplicao do 2 do art. 155 do Cdigo Penal. Fugiria ao raciocnio da razoabilidade deixar de aplicar algumas das conseqncias previstas pelo mencionado pargrafo se o valor da res furtiva ultrapassasse um pouco o do salrio mnimo. Por isso, nossa posio no sentido de que pequeno valor aquele que gira em torno do salrio mnimo, ou seja, um pouco mais ou um pouco menos do que o valor a ele atribudo poca em que ocorreram os fatos.

    O valor do salrio mnimo a ser utilizado para a aferio do pequeno valor o da data do crime (momento da ao ou omisso art. 4 do CP), e no o da data da sentena. Na aferio do pequeno valor no deve ser considerado o padro econmico da vtima ou do infrator, visto que a varivel eleita pelo tipo o valor da coisa, independentemente da condio financeira do agente ou da vtima. Uma vez reconhecido que o agente preenche os requisitos da primariedade, e que a coisa furtada de pequeno valor, cabe ao juiz atribuir, pelo menos, um dos seguintes benefcios (cuja aplicao constitui-se direito subjetivo do ru): a) substituir a pena de recluso pela pena de deteno; b) diminuir a pena de um a dois teros; c) aplicar somente a pena de multa. Ressalta Capez (2006, v.2, p. 389) que: Nada impede que o juiz, cumulativamente, substitua a recluso por deteno e, em seguida, diminua esta pena[22]. possvel o reconhecimento de furto privilegiado cometido durante o repouso noturno, ocasio em que se ter um furto privilegiado com a incidncia de uma majorante.

  • Discute-se sobre a possibilidade de reconhecimento do furto privilegiado-qualificado. A corrente tradicional pugna pela impossibilidade da admisso de privilgio ao furto qualificado. Todavia, segundo Cleber Masson (2010, v. 2, p. 325), atualmente o STF tem admitido o furto privilegiado-qualificado, desde que no haja a imposio isolada de pena de multa. Consultando a jurisprudncia atual do STJ, verifica-se que este Tribunal ainda apresenta forte resistncia ao reconhecimento de privilgio no caso de furto qualificado, conforme segue: firme a orientao deste Tribunal no sentido de que, para a incidncia do privilgio inscrito no 2 do art. 155 do Cdigo Penal, imperativo no incidir, espcie, nenhuma das hipteses qualificadoras do crime de furto, em que prevalece o desvalor da ao (STJ, 5 Turma, REsp 1112926-SP, DJe 03-11-2009). Sob outro aspecto, deve-se ficar atento para no confundir furto privilegiado com hiptese de incidncia do princpio da insignificncia; visto que este (plenamente aplicvel ao crime de furto) leva atipicidade da conduta, enquanto que o primeiro no conduz a este efeito, apenas d base para uma atenuao na sano a ser imposta ao agente. Se o bem subtrado, portanto, for de valor irrisrio, e uma vez preenchidos os demais requisitos para o reconhecimento do crime de bagatela, resta admitir que a conduta no tpica. Aqui caberia o exemplo do furto, em condies normais, de um lpis. Nesse caso, o fato seria atpico. O STF tem reiteradamente decidido (por exemplo: HC 91920-RS, DJe 12-03-2010) que para o reconhecimento do princpio da insignificncia exige-se a presena dos seguintes requisitos, examinveis diante do caso concreto: a) mnima ofensividade da conduta do paciente; b) ausncia de periculosidade social da ao; c) reduzidssimo grau de reprovabilidade do comportamento; d) inexpressividade da leso jurdica provocada. Os requisitos acima mencionados so de ordem objetiva, observando Cleber Masson (2010, v. 2, p. 303) que a jurisprudncia tem tambm estabelecido requisitos subjetivos para a incidncia do princpio em tela, quais sejam:

    Importncia do objeto material para a vtima (situao econmica + valor sentimental do bem); e Circunstncias e resultados do crime.

    1.10. Furto de energia Estabelece expressamente o art. 155, que: 3 - Equipara-se coisa mvel a energia eltrica ou qualquer outra que tenha valor econmico. Explicando referido dispositivo, Rogrio Sanches Cunha (2008, v.3, p. 122) assenta que: O furto consiste na subtrao de coisa alheia mvel para si ou para outrem. O 3 equipara coisa mvel a energia eltrica e outras (gentica, mecnica, trmica e a radioatividade), desde que tenham valor econmico. Especificamente quanto ao furto de energia gentica, bem interessantes so as observaes de Luiz Regis Prado (2008, v.2, pp. 332-333):

    Assim, encontra-se sob a tutela penal a energia gentica, subtrada de reprodutores, atravs do lquido espermtico. Caracteriza-se, portanto, o aludido crime, no s o ato de o agente extrair artificialmente esperma do reprodutor,

  • para posterior inseminao artificial, como tambm na conduta de colocar a fmea do seu plantel ou de outrem junto ao reprodutor visado, para que este ltimo a fecunde. No se trata, evidentemente, de mero furto de uso, j que, mesmo que o agente restitua imediatamente o animal ao sujeito passivo, extraiu desse o lquido espermtico, que tem elevado valor econmico.

    No tocante ao furto de energia eltrica, diferencia a doutrina a situao em que o agente, atravs do chamado gato, faz uma ligao clandestina para subtrair a energia; daquela em que ele manipula fraudulentamente seu medidor para que acuse menor quantidade que aquela efetivamente consumida. No primeiro caso, h furto; j no segundo, ocorre estelionato (art. 171 do CP). Por fim, cabe lembrar a pertinente observao de Greco (2009, v. III, p. 26): O furto de energia eltrica, ao contrrio do que ocorre quando estamos diante, efetivamente, de coisa mvel, naturalmente corprea, deve ser considerado de natureza permanente, uma vez que a sua consumao se prolonga, se perpetua no tempo, podendo, portanto, ser o agente preso em flagrante quando descoberta a ligao clandestina de que era beneficiado.

    1.11. Furto qualificado Apresenta o CP as seguintes figuras qualificadas do delito talhado no seu artigo 155:

    Furto qualificado 4 - A pena de recluso de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, se o crime cometido:I - com destruio ou rompimento de obstculo subtrao da coisa;II - com abuso de confiana, ou mediante fraude, escalada ou destreza;III - com emprego de chave falsa;IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas. 5 - A pena de recluso de trs a oito anos, se a subtrao for de veculo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior. (Includo pela Lei n 9.426, de 1996)

    A grande maioria das figuras qualificadas, exceto a qualificadora do abuso de confiana, evidencia circunstncia objetiva, comunicando-se, portanto, entre os agentes que atuam em concurso (art. 30 do CP). Vejamos, em seguimento, uma a uma as qualificadoras.

    Furto com destruio ou rompimento de obstculo subtrao da coisa

    Aqui est claro que a destruio ou rompimento deve ser de algo que est impedindo o criminoso de ter acesso coisa que quer subtrair. Se a violncia for direcionada ao prprio objeto visado no se aperfeioa a circunstncia qualificadora. Esta a posio que prevalece. H, contudo, entendimento doutrinrio e jurisprudencial em sentido contrrio, alegando que o obstculo rompido ou destrudo pode ser inerente prpria coisa a ser subtrada, reconhecendo tambm nesse caso a presena da qualificadora[23]. Pelo entendimento prevalecente, o sujeito que quebra o vidro do carro para poder

  • subtrair o veculo comete o crime de furto simples, se no estiver presente outra qualificadora incidente[24]. Acaso, porm, o agente quebre o vidro do veculo para furtar algo que est dentro do mesmo estar presente a qualificadora: pacfico o entendimento desta Corte de que a violao do veculo automotor para subtrao de bens localizados em seu interior qualifica o furto (por rompimento de obstculo) (STJ, 5 Turma, HC 139501-RJ, DJe 22-02-2010). Essa linha de raciocnio tambm rechaada por parte da doutrina e da jurisprudncia que alega atentar contra a razoabilidade entender que uma conduta teoricamente menos grave, no tocante ao resultado (furtar algo de dentro do carro) possa ser apenada mais gravemente do que uma conduta mais danosa (furtar o prprio carro)[25]. Os defensores desse pensamento propem que seja considerado furto simples aquele ocorrido mediante ruptura de obstculo para subtrair bem que est dentro de um veculo. A violncia contra o obstculo pode ser levada a efeito a qualquer momento durante a fase executria do crime. Desse modo, se o ladro, por exemplo, tendo entrado em uma casa por uma porta aberta, depois para sair arromba uma janela para fugir com a res furtiva, configurada estar a qualificadora. indispensvel a percia para comprovar a destruio ou rompimento de obstculo[26].

    Furto com abuso de confiana, ou mediante fraude, escalada ou destreza

    No abuso de confiana o agente aproveita-se das relaes pessoais (amizade, parentesco, relaes profissionais etc.) que tem com a vtima para efetuar a subtrao. necessrio que a confiana depositada no criminoso tenha facilitado a execuo do crime para a qualificadora ser reconhecida. Ex: furto praticado por empregado contra o patro, aproveitando-se da confiana nele depositada. No furto mediante fraude, o agente utiliza-se de ardil, artifcio ou outro meio fraudulento para enganar a vtima, e com isso possibilitar a subtrao almejada. Deve-se ter o cuidado de no confundir o furto mediante fraude com o crime de estelionato. Neste a vtima entrega a vantagem indevida ao agente, enquanto que naquele a fraude utilizada somente para distrair a vtima, possibilitando que o agente subtraia a coisa. Nesse sentido a melhor doutrina: Assim, se a vtima iludida entrega voluntariamente o bem, h estelionato; se a vtima distrada, e o agente subtrai a coisa, h furto mediante fraude (CAPEZ, 2006, v. 2, p. 394). Ex: A subtrao de valores de conta-corrente, mediante transferncia fraudulenta para conta de terceiro, sem consentimento da vtima, configura crime de furto mediante fraude, previsto no art. 155, 4, inciso II do Cdigo Penal. Precedentes da Terceira Seo (STJ, Terceira Seo, CC 81477-ES, DJe 08-09-2008). A escalada consiste no uso de via anormal para ingressar no local onde se encontra a coisa visada. Para o reconhecimento da qualificadora exige-se, ainda, que a escalada seja fruto de um esforo fora do comum por parte do agente, no bastando a mera transposio de obstculo facilmente vencvel (ex.: saltar muro baixo) (CUNHA, 2008, v.3, p. 125).

  • No furto mediante destreza o ladro utiliza-se de habilidade fsica para subtrair a res da vtima. Tal ocorre com a subtrao de objetos que se encontrem junto vtima, por exemplo, carteira, dinheiro no bolso ou na bolsa, colar etc., que so retirados sem que ela note. Importa dizer que se a vtima perceber a subtrao no momento em que ela se realiza, considera-se o furto tentado na forma simples, pois no h que se falar no caso em destreza do agente (p. ex., a vtima sente a mo do agente em seu bolso) (CAPEZ, 2006, v.2, p. 395).

    Furto com emprego de chave falsa Aqui o agente utiliza instrumento destinado a abrir fechadura com o objetivo de ter acesso coisa visada. Da Greco (2009, v. III, p. 34) enfatizar que: Considera-se chave falsa qualquer instrumento tenha ou no aparncia ou formato de chave destinado a abrir fechaduras, a exemplo de grampos, gazuas, mixa, cartes magnticos (utilizados modernamente nas fechaduras dos quartos de hotis), etc. No rol desses instrumentos inclui-se a cpia (obtida ilicitamente) da chave verdadeira. A tendncia doutrinria contempornea no reconhecer a qualificadora quando o agente utiliza-se, para efetuar a subtrao, de chave verdadeira, mesmo que obtida clandestinamente[27].

    Furto mediante concurso de duas ou mais pessoas Qualifica-se o furto quando o mesmo levado a efeito em concurso de pessoas. H, contudo, polmica na doutrina sobre a possibilidade do reconhecimento da qualificadora quando no h mais de dois agentes participando da execuo material do crime, considerando a possibilidade de haver concurso, mas no momento da execuo do delito est presente somente um dos envolvidos. A doutrina se divide quanto a essa matria. Segundo Capez (2010, v.2, p. 451), o STJ j teve oportunidade de se manifestar sobre a divergncia, defendendo a necessidade de uma pluralidade de pessoas durante a execuo do ilcito para que a qualificadora se aperfeioe (pensamento este tambm compartilhado por Celso Delmanto e Nlson Hungria). Capez (idem), contudo, defende que basta o concurso de pessoas (art. 29 do CP) para que a qualificadora incida, sendo este posicionamento tambm compartilhado por Damsio de Jesus e Mirabete. Segundo Cleber Masson (2010, v. 2, p. 342) esta ltima a posio predominante em sede doutrinria e jurisprudencial. Outra discusso atual no tocante ao furto qualificado pelo concurso de pessoas, diz respeito ao fato desta circunstncia elevar a pena do delito de sua forma simples, que de 1 a 4 anos de recluso (art. 155, caput, do CP), para 2 a 8 anos, prevista para forma qualificada (art. 155, 4, do CP). Nota-se que h um aumento de 100% na pena em abstrato. Alega-se que isto atentaria contra a proporcionalidade, mormente se considerarmos que o concurso de pessoas majora a pena do crime de roubo apenas em um tero at metade (art. 157, 2, II, do CP). Diante disso, vrios acusados por furto qualificado pelo concurso de pessoas tm solicitado ao Judicirio que, por analogia in bonam partem, aplique a eles apenas o aumento previsto para o crime de roubo cometido em concurso de agentes (ou seja, aumento de um tero at metade); fazendo-o incidir sobre a pena do furto simples.

  • O STF[28] e o STJ, contudo, tm reiteradamente rechaado tais pleitos, que condizem com o chamado hibridismo penal. Nesse sentido:

    No deve ser aplicada, analogicamente, a majorante do crime de roubo prevista no art. 157, 2, inciso II, do Cdigo Penal, ao furto qualificado pelo concurso de pessoas, j que inexiste lacuna na lei ou ofensa aos princpios da isonomia e da proporcionalidade.(STJ, Quinta Turma, REsp 939837-RS, DJe 01-06-2009). A norma penal incriminadora tipifica o quantum do crime de furto qualificado pelo concurso de agentes (2 a 8 anos), inexistindo razo para que se aplique, por analogia, a previso da majorante do roubo em igual condio (art. 157, 2, II, do CP).(STJ, Sexta Turma, REsp 730352-RS, DJe 19-10-2009).

    Quanto concorrncia de inimputveis na prtica do furto, reconhecido que tal fato no afasta a presena da qualificadora. Se o crime, por exemplo, foi executado materialmente (e em concurso) por um maior de 18 anos e por um menor, aquele responder pela modalidade qualificada.

    Furto de veculo automotor O 5, do art. 155, prev a seguinte qualificadora: A pena de recluso de trs a oito anos, se a subtrao for de veculo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior. Essa qualificadora diz respeito, especificamente, subtrao de veculo automotor. Consideram-se como tal os automveis, nibus, caminhes, motocicletas, aeronaves, lanchas, jet-skies etc., porm o transporte de partes do veculo no abrangido por essa figura tpica[29]. Observe-se que para ser reconhecida a qualificadora necessrio que ocorram, na realidade, dois eventos. Primeiro, a subtrao do veculo, e depois a transposio do limite estadual. Acaso no haja essa transposio, que pode ser feita por outra pessoa, no estar presente a figura qualificada em deslinde. O transporte de partes isoladas do veculo subtrado para outro estado-membro ou para o exterior no leva caracterizao da qualificadora[30]. H discusso na doutrina se possvel a tentativa da prtica do furto qualificado em epgrafe, visto que o mesmo pressupe a consumao da subtrao do veculo em momento anterior; ou seja, antes da transposio de limite territorial exigvel para incidncia da qualificadora j h um crime de furto consumado. Rogrio Greco (2010, v. III, p. 38) afirma no ser possvel a tentativa, seguindo os passos de Cezar Roberto Bitencourt. Cleber Masson (2010, v. 2, p. 346) diz ser o conatus possvel, embora de difcil ocorrncia na prtica. Acaso presente a qualificadora do 5, em concurso com uma ou mais qualificadoras previstas no 4, deve ser aquela considerada para qualificar o crime (por ser a mais gravosa), enquanto que as demais devem ser valoradas na dosimetria da pena.

  • 1.12. Classificao doutrinria O delito de furto: Trata-se de crime comum (aquele que no demanda sujeito ativo qualificado ou especial); material (delito que exige resultado naturalstico, consistente na diminuio do patrimnio da vtima); de forma livre (podendo ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente); comissivo (subtrair implica em ao) e, excepcionalmente, comissivo por omisso (omissivo imprprio, ou seja, a aplicao do art. 13, 2, do Cdigo Penal); instantneo (cujo resultado se d de maneira instantnea, no se prolongando no tempo), na maior parte dos casos, embora seja permanente na forma prevista no 3 (furto de energia); de dano (consuma-se apenas com efetiva leso a um bem jurdico tutelado); unissubjetivo (que pode ser praticado por um s agente); plurissubsistente (em regra, vrios atos integram a conduta); admite tentativa (NUCCI, 2006, p. 660).

    1.13. Ao penal publica incondicionada, seja no furto simples, privilegiado ou qualificado.

    1.14. Outras peculiaridades No tocante infrao penal ora estudada, cabe-nos, guisa de concluso, ressaltar algumas peculiaridades antes no pontuadas.

    Coisa sem valor econmico, mas de valor sentimental Entende Nucci (2006, p. 655) que a coisa que tenha apenas valor sentimental no objeto material do crime de furto. Em sentido contrrio so as colocaes de Cleber Masson (2010, v. 2, p. 306):

    Para uma primeira posio, amplamente majoritria, as coisas de valor afetivo tambm compem o patrimnio da pessoa humana. Exemplo: H furto na subtrao de porta-retrato de plstico, de nfimo valor, que continha em seu interior a nica fotografia em preto e branco que uma senhora de idade possua do seu filho precocemente falecido. a posio, dentre outros, de Nlson Hungria, e a ela nos filiamos.

    Rogrio Greco (2010, v. III, pp. 13-14), aps explicar que o patrimnio tem um valor de troca (aprecivel economicamente) e um valor de uso (de natureza sentimental, no aprecivel economicamente); afirma que em havendo a subtrao de bem com valor de uso significativo, mesmo que no tenha valor econmico relevante (valor de troca), restar configurado o crime de furto. Assim exemplifica o ilustre professor:

    [] aquele que, depois de ingressar na residncia da vtima, vier a subtrair um guardanapo de papel, que continha um autgrafo de um artista nacionalmente conhecido, responder pelo furto, uma vez que os bens de valor sentimental no possuem valor de troca, razo pela qual no podemos cham-los de insignificantes, a ponto de afastar a tipicidade da conduta levada a efeito pelo agente.

    Furto famlico Ocorre quando o sujeito ativo subtrai coisa para saciar a fome. um caso de estado de necessidade. Deve, contudo, ser encarado com cautela, no sendo a simples

  • pobreza do agente justificativa para furtar alimentos. Faz-se necessria a anlise prudente do caso concreto. Nesse passo, esclarece Greco (2009, v.III, p. 43) que: Apesar da possibilidade de seu reconhecimento, somente os casos extremos permitem o raciocnio correspondente ao furto famlico.

    Furto de uso No h crime se o indivduo subtrai a coisa apenas com nimo de us-la, pois o art. 155 exige finalidade especial de assenhoramento do bem subtrado. Nesse passo os comentrios de Nucci (2006, pp. 657-658): Se o agente retirar a coisa da posse da vtima apenas para usar por pouco tempo, devolvendo-a intacta, de se considerar no ter havido crime. Cremos ser indispensvel, entretanto, para a caracterizao do furto de uso, a devoluo da coisa no estado original, sem perda ou destruio do todo ou da parte. [] Alm disso, preciso haver imediata restituio, no se podendo aceitar lapsos temporais exagerados. E, por fim, torna-se indispensvel que a vtima no descubra a subtrao antes da devoluo do bem. Se constatou que o bem de sua propriedade foi levado, registrando a ocorrncia, d-se o furto por consumado. No possvel o furto de uso em se tratando de coisa fungvel (dinheiro, por exemplo). H tambm decises judiciais reconhecendo que acaso o bem seja deixado em local diverso daquele de onde foi retirado, o furto se consuma[31]. Bitencourt (2010, v. 3, p. 53), com a clareza que lhe peculiar, apresenta a seguinte sntese:

    De modo geral se exigem, para reconhecer o crime de furto de uso, os seguintes requisitos: a) devoluo rpida, quase imediata, da coisa alheia; b) restituio integral e sem dano do objeto subtrado; c) devoluo antes que a vtima constate a subtrao; d) elemento subjetivo especial: fim exclusivo de uso.

    Lojas com vigilncia ou sistema antifurto H discusso na doutrina sobre a possibilidade do reconhecimento de crime impossvel quando o agente tenta subtrair objeto no interior de estabelecimentos que possuem vigilncia de seguranas ou sistema antifurto. Quanto a este ponto, afirma Capez (2010, v.2, pp. 431-432) que: indivduo que se apodera de mercadorias de um supermercado e as esconde sob as vestes, mas, ao sair, desperta suspeitas no segurana, que o aborda; agente que, ao realizar a apreenso de mercadorias, tem a sua ao desde o incio acompanhada pelos seguranas do estabelecimento; sujeito que se apropria de mercadorias com etiqueta antifurto. Em todas essas hipteses h tentativa de furto. Nesse sentido j se manifestou o STJ []. Nucci (2006, p. 658), porm, admite que: Se um indivduo vigiado num supermercado o tempo todo por seguranas e cmeras internas, de modo a tornar, naquela situao concreta, impossvel a consumao do delito de furto, trata-se da hiptese do art. 17. Mas se a vigilncia for falha ou incompleta, cremos ser cabvel falar em tentativa.

    2. FURTO DE COISA COMUM Est assim tipificado:

    Art. 156 - Subtrair o condmino, co-herdeiro ou scio, para si ou para outrem, a

  • quem legitimamente a detm, a coisa comum: Pena - deteno, de seis meses a dois anos, ou multa. 1 - Somente se procede mediante representao. 2 - No punvel a subtrao de coisa comum fungvel, cujo valor no excede a quota a que tem direito o agente.

    O crime sob foco tem semelhana com o crime de furto, previsto no art. 155 do CP, porm possui caracteres exclusivos. O objeto material coisa comum, ou seja, que de propriedade do furtador em conjunto com a vtima. Trata-se de crime prprio, considerando que somente pode ser cometido pelo condmino, co-herdeiro ou scio. Sujeito passivo tambm somente pode ser pessoa de uma dessas categorias. O 1 traz outra disposio que diferencia o crime de furto do crime ora em anlise, posto que neste exigvel a representao para que seja manejada a ao penal enquanto que naquele a ao publica incondicionada. Pelo 2, estipula-se que, se o agente subtrai somente parcela que lhe cabe na coisa comum fungvel[32] (dinheiro, por exemplo), no deve ser punido.

    3. ROUBO O crime de roubo guarda certa semelhana com o crime de furto, posto que ambos tm como ncleo o verbo subtrair e se voltam, primordialmente, proteo do patrimnio. No roubo, contudo, h a presena de violncia (prpria ou imprpria) ou grave ameaa contra a pessoa, inexistentes no delito de furto. Da Greco (2009, v. III, p. 61) pontuar que: A figura tpica do roubo composta pela subtrao, caracterstica do crime de furto, conjugada com o emprego de grave ameaa ou violncia pessoa. Assim, o roubo poderia ser visualizado como um furto acrescido de alguns dados que o tornam especial. Sua figura bsica est assim delimitada:

    Art. 157. Subtrair coisa mvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaa ou violncia a pessoa, ou depois de hav-la, por qualquer meio, reduzido impossibilidade de resistncia.Pena recluso, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.

    3.1. Objeto jurdico Posse, propriedade, integridade fsica e liberdade individual, considerando ser um crime complexo[33].

    3.2. Objeto material a coisa alheia mvel e a pessoa sobre a qual recai a violncia ou grave ameaa[34]. Tem considerando a doutrina e a jurisprudncia que inadmissvel a aplicao do princpio da insignificncia no crime de roubo[35]. Tambm no existe modalidade privilegiada desse delito, mesmo que a coisa subtrada seja de pequeno valor. H discusso se possvel o reconhecimento de crime impossvel por absoluta

  • impropriedade do objeto (art. 17 do CP), quando, por exemplo, a vtima ameaada pelo agente que deseja subtrair-lhe dinheiro, porm descobre que ela no traz consigo qualquer valor, indo embora sem nada subtrair. Rogrio Greco[36], Cleber Masson[37] e Damsio de Jesus[38] entendem que nesse caso h crime impossvel no tocante ao roubo, devendo o agente responder apenas pelos outros atos antes praticados que configurem infrao penal (por exemplo: ameaa art. 147 do CP). Os dois primeiros autores referidos citam que Cezar Roberto Bitencourt entende em sentido contrrio, ou seja, que no caso tem-se como ocorrente a tentativa de roubo. Acrescente-se que tambm se aplica perfeitamente ao roubo a desistncia voluntria (art. 15 do CP), de modo que: Se agente empregar violncia ou grave ameaa, ou qualquer outro meio que reduza a capacidade de resistncia da vtima e, aps, desistir voluntariamente de se apoderar dos objetos dela, no responder pelo crime de roubo, mas sim pelos atos at ento praticados (violncia ou grave ameaa)[39].

    3.3. Sujeito ativo Qualquer pessoa, exceto, por bvio, o proprietrio ou possuidor do bem subtrado. Trata-se de crime comum. Por oportuno, relembre-se que h o delito especfico de furto de coisa comum (art. 156 do CP). No tocante ao crime de roubo, no h figura tpica similar. Assim, acaso o agente subtraia mediante violncia ou grave ameaa coisa da qual compartilha a propriedade, responder normalmente pelo crime de roubo[40]. Desse modo, nesse caso especfico o proprietrio de coisa comum poder figurar como sujeito ativo[41]. Fora dessa hiptese, quando o proprietrio toma de terceiro, mediante violncia ou grave ameaa, coisa que integralmente lhe pertence, pode responder por exerccio arbitrrio das prprias razes (art. 345 do CP)[42].

    3.4. Sujeito passivo Em regra, o sujeito passivo do crime de roubo o proprietrio ou o possuidor. Greco (2009, v.III, pp. 66-67), com razo, tambm inclui a figura do detentor, considerando a possibilidade deste, mesmo que no seja proprietrio ou possuidor, estar apenas com a guarda de coisa alheia e sofrer violncia ou grave ameaa levadas a efeito no momento da sua subtrao. Em sentido semelhante so os ensinamentos de Capez (2006, v.2, p. 407):

    A ofensa perpetrada no crime de roubo pode ser:a) imediata: a perpetrada contra o titular do direito de propriedade ou posse (p. ex., violncia empregada contra o dono da loja para que este entregue o dinheiro do caixa);b) mediata: a empregada contra o terceiro que no seja titular do direito de propriedade ou posse (p. ex., agente que ameaa com arma de fogo o empregado da loja para que este lhe entregue o dinheiro do caixa).Na primeira hiptese, temos um nico sujeito passivo, enquanto na segunda o crime de dupla subjetividade passiva, pois uma pessoa sofreu a grave ameaa e outra teve o seu patrimnio espoliado.

  • No crime de roubo, em sendo espoliadas vrias pessoas mediante uma nica ao, h de ser reconhecido o concurso formal de crimes[43]. Nesse aspecto, pondera Capez (2010, v.2, pp. 484-485) com propriedade:

    a) No assalto a vrias pessoas, com subtrao patrimonial de apenas uma: houve uma s subtrao; logo, um s crime contra o patrimnio. Crime nico, portanto. Tem-se entendido que a subtrao de bens de uma nica famlia constitui crime nico e no concurso formal, pois o patrimnio familiar, portanto nico.b) Na ameaa a uma s pessoa, que detm consigo bens prprios e de terceiros, a jurisprudncia tem entendido haver crime nico, pois argumenta-se que a posse bem juridicamente tutelado, embora o mais correto fosse o concurso formal de crimes, pois, com uma nica ao de subtrair mediante violncia ou ameaa, foram lesados dois ou mais patrimnios de pessoas diversas[44].c) Se o agente adentra em uma residncia e, mantendo os moradores amarrados, retira alguns objetos e os leva at o esconderijo, e, momentos depois, retorna para retirar o restante da res, e assim sucessivamente at se apoderar de todos os objetos l encontrados, h crime nico e no crime continuado, pois ele realizou diversos atos que formam uma nica ao criminosa.

    O mesmo autor exemplifica situao relativamente comum em grandes cidades, onde o roubo executado, mediante ao nica, contra um grupo de pessoas que tm bens efetivamente subtrados. Nesse caso, h concurso formal e no crime continuado (ex: roubo contra vrios passageiros dentro de um nibus). A jurisprudncia do STJ vasta sobre o crime de roubo. Em seguimento destacamos alguns arestos que tratam sobre o concurso formal neste delito.

    RECURSO ESPECIAL. PENAL. ROUBO. CONCURSO FORMAL IMPRPRIO. NICA CONDUTA. DESGNIOS AUTNOMOS. BENS JURIDICAMENTE TUTELADOS DISTINTOS. MERA REITERAO CRIMINOSA. NO-INCIDNCIA DO ART. 71 DO CDIGO PENAL.1. Quando o Ru inicia a conduta delituosa com o escopo de lesar o patrimnio de mais de uma vtima com uma s ao deve-se aplicar o art. 70, segunda parte, do Cdigo Penal.2. A mera reiterao criminosa no configura a continuidade delitiva prevista no art. 71 do Cdigo Penal.3. Recurso conhecido e provido.(STJ, 5 Turma, Resp 690760/RS, rel. ministra Laurita Vaz, DJ 28/05/2007, p. 389) RECURSO ORDINRIO EM HABEAS CORPUS. ROUBO CONTRA DUAS VTIMAS DIFERENTES DE UMA S VEZ. CONDENAO COM BASE NO CONCURSO FORMAL IMPRPRIO. INADEQUAO DO HABEAS CORPUS PARA DIRIMIR CONTROVRSIA LIMITADA MATRIA DE DIREITO, QUANDO POSSVEL A ADOO DE UMA ENTRE OUTRAS TESES JURDICAS ADMITIDAS. ENTENDIMENTO JUDICIAL QUE NO SE MOSTRA ABSURDO.- Tese recursal pela afirmao da figura do concurso formal prprio no caso de indivduo que, mediante grave ameaa, realiza, simultaneamente, a subtrao de bens de duas vtimas diferentes.

  • - Concluso judicial pela configurao do concurso formal imprprio, pela constatao de autonomia de desgnios, por conhecer o agente a diversa titularidade dos bens jurdicos lesados e desejar ambos os resultados.- Deciso que no destoa do conjunto ftico-probatrio e que encontra respaldo sobretudo na doutrina, com menor apoio na jurisprudncia, e que, por isso, no se mostra absurda ou teratolgica.- A adoo, pelo Juiz, de uma entre outras teses admitidas em direito, afasta a ilegalidade manifesta que desafia o Habeas Corpus.- Recurso no conhecido.(STJ, 6 Turma, RHC 16192/SP, rel. ministro Paulo Medina, DJ 14/03/2005, p. 425)

    Nos julgados cujas ementas foram transcritas supra se entendeu que, em havendo ataque com desgnios autnomos ao patrimnio de mais de uma pessoa, durante a execuo do crime de roubo, ocorrer concurso formal imprprio (que acarreta a soma das penas dos crimes ocorridos). Essa posio, contudo, no pacfica. Alis, a posio majoritria que, em casos da espcie (subtrao, mediante uma nica ao, de objetos pertencentes a vtimas diferentes), h concurso formal prprio (vide, nesse aspecto, ntegra do REsp 1017296/RJ, da 5 Turma do STJ, DJe 13/04/2009[45]). Atualmente ganha fora, no obstante, a tese do concurso formal imprprio. Cleber Masson (2010, v. 2, p. 368) adota essa linha de raciocnio, conforme segue: [...] Se o sujeito, no mesmo contexto ftico, emprega grave ameaa ou violncia (prpria ou imprpria) contra duas ou mais pessoas, e subtrai bens pertencentes a todas elas, a ele sero imputados tantos roubos quantos forem os patrimnios lesados. [] importante destacar a configurao, nesse caso, de concurso formal imprprio ou imperfeito (CP, art. 70, caput, 2 parte), em face dos desgnios autnomos [...]. No tocante ao crime de roubo cometido contra membros de uma mesma famlia, quando o patrimnio de mais de uma pessoa espoliado[46], hoje tem o STJ firmado jurisprudncia no sentido de haver concurso formal na hiptese. Observe-se:

    PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO. EMPREGO DE ARMA DE FOGO. APREENSO E PERCIA. PRESCINDIBILIDADE. CONCURSO FORMAL. CARACTERIZAO. AO NICA. DIVERSAS VTIMAS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.1. A jurisprudncia da Quinta Turma deste Tribunal no sentido da prescindibilidade da apreenso e percia da arma de fogo para a caracterizao da causa de aumento de pena do crime de roubo (art. 157, 2, I, do Cdigo Penal), quando outros elementos comprovem sua utilizao.2. Configura-se concurso formal, quando praticado o crime de roubo, mediante uma s ao, contra vtimas diferentes, ainda que da mesma famlia, visto que violados patrimnios distintos.3. Recurso especial provido para redimensionar a pena imposta, reconhecendo a majorante pelo emprego de arma de fogo e a incidncia do concurso formal, tornando-a definitiva em 6 anos, 7 meses e 10 dias de recluso, mantendo-se os demais aspectos da sentena.(STJ, 5 Turma, REsp 1050270/RS, rel. ministro Arnaldo Esteve Lima, DJe 30/03/2009)

    3.5. Tipo objetivo

  • A ao nuclear (subtrair) idntica a do crime de furto. Tambm se exige que a conduta se volte a coisa alheia mvel. H necessidade, contudo, que o delito seja praticado mediante grave ameaa ou violncia pessoa[47], ou por qualquer meio que reduza impossibilidade de resistncia, conforme est claro no tipo penal: Art. 157. Subtrair coisa mvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaa ou violncia a pessoa, ou depois de hav-la, por qualquer meio, reduzido impossibilidade de resistncia. Emprego de grave ameaa (vis compulsiva) a pessoa se d quando o agressor promete que praticar mal grave[48], verossmil e iminente caso a vtima no permita a subtrao. Referida ameaa pode ser levada a efeito mediante palavras, gestos ou mesmo atravs de simples porte ostensivo de arma de fogo. Acrescentando Capez (2006, v.2, p. 405) que mesmo a simulao de porte ostensivo de arma de fogo constitui meio intimidatrio idneo prtica do crime de roubo. O mesmo ocorrendo com a arma desmuniciada ou defeituosa, ou ainda, de brinquedo. Ambas figuram como instrumentos idneos para intimidao da vtima, levando configurao da infrao penal em deslinde. A violncia a pessoa referida no art. 157 diz respeito violncia fsica (vis corporalis) empregada para impedir ou dificultar a defesa da vtima. Segundo Gonalves (2004, p. 22):

    Caracteriza-se pelo emprego de qualquer desforo fsico sobre a vtima a fim de possibilitar a subtrao (socos, pontaps, facada, disparo de arma de fogo, paulada, amarrar a vtima etc.). Os violentos empurres ou trombadas tambm caracterizam emprego de violncia fsica e, assim, constituem roubo. J empurres ou trombadas leves, desferidos apenas para desviar a ateno da vtima, de acordo com a jurisprudncia, no caracterizam o roubo.Para que a violncia implique a tipificao do roubo ela deve ter sido empregada contra a pessoa (o dono do objeto ou terceiro) e nunca apenas contra a coisa.

    Cleber Masson (2010, v. 2, p. 361) tambm entende, em consonncia com a jurisprudncia do STJ, que no caso da trombada (no contexto da subtrao), acaso ela seja leve e tenha o propsito nico de distrair a vtima, estar caracterizado o crime de furto; no entanto, se a trombada provocar leso corporal na vtima ou caracterizar vias de fato, em ambos os casos tendentes a eliminar ou reduzir sua defesa, a hiptese ser de roubo[49]. No caso de subtrao de bem preso ao corpo da vtima (corrente de ouro presa ao pescoo, por exemplo), tem entendido o STJ que ocorre o crime de roubo[50]. Fernando Capez (2010, v. 2, p. 462), divergindo dessa concluso, entende que h no caso o crime de furto, visto que a violncia dirigida contra a coisa e somente acessoriamente contra a vtima. Na frmula genrica consistente em qualquer outro meio que reduza a vtima impossibilidade de resistncia cabem outros meios que no se constituam violncia fsica ou grave ameaa, mas que atinjam determinantemente a capacidade de resistncia da vtima com vistas a propiciar a subtrao, como, por exemplo: faz-la ingerir bebida alcolica, sonfero ou substncia entorpecente; ou mesmo hipnotiz-la.

    3.6. Roubo prprio e roubo imprprio

  • O roubo prprio est previsto no caput do art. 157, cujo teor j foi transcrito ao norte. O 1 do mesmo artigo estabelece a espcie imprpria do delito em estudo. Est assim redigido: 1. Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtrada a coisa, emprega violncia contra pessoa ou grave ameaa, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a deteno da coisa para si ou para terceiro. Tendo em mira os dispositivos legais mencionados, Victor Eduardo Rios Gonalves sintetiza (2004, p. 26):

    a) No roubo prprio, a violncia ou a grave ameaa so empregadas antes ou durante a subtrao, pois constituem meio para que o agente consiga efetiv-la. No roubo imprprio, o agente inicialmente quer apenas praticar um furto e, j se tendo apoderado do bem, emprega violncia ou grave ameaa para garantir a impunidade do furto que estava em andamento ou assegurar a deteno do bem.b) O roubo prprio pode ser cometido mediante violncia, grave ameaa ou qualquer outro meio que reduza a vtima impossibilidade de resistncia. O roubo imprprio no admite a frmula genrica por ltimo mencionada, somente podendo ser cometido mediante violncia ou grave ameaa.

    Cabe repisar que no roubo imprprio imprescindvel que sirva como meio para garantir a subtrao (ou a impunidade), a violncia ou grave ameaa. Qualquer outro meio, mesmo que reduza ou elimine a capacidade de resistncia da vtima, no se presta para caracterizar a figura delitiva. Essa a posio doutrinria predominante, segundo bem destaca Greco (2009, v. III, pp. 71): Entendemos assistir razo corrente, por sinal majoritria, que somente admite a violncia contra pessoa (vis corporalis) e a grave ameaa, praticadas logo aps a subtrao (compreendida, aqui, no sentido que defendemos anteriormente), para efeitos de reconhecimento do roubo imprprio, descartando-se, em obedincia ao princpio da legalidade, a incluso da denominada violncia imprpria. Questo interessante aventada pela doutrina na hiptese do agente j ter em mos o bem alheio visado (sem que a subtrao, contudo, esteja consumada), porm aps ser surpreendido emprega violncia ou grave ameaa para fugir sem levar a coisa (quer dizer: a violncia ou grave ameaa no praticada no intuito de garantir a subtrao, mas somente de garantir a fuga, desprezando-se o bem[51]). Nesse caso, opina Bitencourt (2010, v. 3, pp. 74-75) que haver tentativa de furto em concurso com eventual crime contra a pessoa[52]. esta a posio majoritria[53]. Tambm se depois de consumado o furto o agente emprega violncia ou grave ameaa contra a pessoa, a hiptese no ser de roubo imprprio, mas sim de furto (consumado) em concurso com o crime contra a pessoa eventualmente praticado. Para que haja o roubo imprprio necessrio que a violncia seja empregada antes que o furto esteja consumado, pois a conduta se volta justamente para garantir o seu sucesso[54].

    3.7. Tipo subjetivo Alm do dolo de subtrair, exige o art. 157 o especial fim de agir consistente no

  • nimo de assenhoramento do bem visado. No roubo imprprio (art. 157, 1) percebe-se tambm a presena da finalidade [...] de assegurar a impunidade do crime ou a deteno da coisa para si ou para terceiro. Quanto ao roubo para uso, assevera CUNHA (2008, v.3, p. 130) que:

    O roubo de uso crime (TJDFT 44/180), no importando se a real inteno do agente era subtrair para ficar ou subtrair apenas para usar momentaneamente (o uso da coisa um dos poderes inerentes propriedade, da qual o agente se investe mediante violncia ao real proprietrio). Reconhecemos, porm, importante parcela da doutrina lecionando que o animus de uso exclui o crime.

    Referida posio, como o prprio autor ressalta, no pacfica, havendo divergncia quanto ao tema[55]. No h roubo culposo.

    3.8. Consumao e tentativa O roubo prprio (art. 157, caput), segundo posio doutrinria majoritria, se consuma com a retirada do bem da esfera de disponibilidade e posse da vtima (teoria da inverso da posse), dispensando-se a posse tranquila[56]. O raciocnio semelhante quele explicitado no tocante consumao do crime de furto. Nesse ponto, bem exemplifica Capez (2006, v. 2, p. 410):

    Por exemplo: agente que depois de apontar uma arma na cabea da vtima se apodera de sua carteira. O crime se consuma nesse instante, ou seja, com o apoderamento do bem, pois nesse momento a posse do agente substituiu a da vtima, j no tendo esta o poder de disponibilidade sobre o bem. Ainda que venha a perseguir continuadamente o agente e consiga recuperar a res, j houve a anterior espoliao da posse ou propriedade da vtima. a nossa posio.

    Nesse sentido tambm a jurisprudncia atual do STJ: De acordo com a jurisprudncia firmada pelo Superior Tribunal de Justia, considera-se consumado o crime de roubo, assim como o de furto, no momento em que o agente se torna possuidor da coisa alheia mvel, ainda que no obtenha a posse tranquila, sendo prescindvel que o objeto subtrado saia da esfera de vigilncia da vtima para a caracterizao do ilcito (STJ, Sexta Turma, REsp 1079202-RS, DJe 05-04-2010). No caso referido no julgado, os acusados aps realizarem subtrao violenta de um veculo automotor que transportava vrias mercadorias, foram logo depois (uma quadra aps o local do roubo) perseguidos e presos por policiais militares que desconfiaram do automvel que passava em alta velocidade[57]. Para a corrente doutrinria e jurisprudencial mencionada, exige-se para a consumao do roubo: (a) emprego de violncia pessoa (prpria ou imprpria) ou grave ameaa; (b) apoderamento da coisa, com a cessao do constrangimento ao ofendido[58]. No roubo imprprio (art. 157, 1), como no h, inicialmente, subtrao violenta, a consumao somente se d quando empregada violncia ou grave ameaa para garantir a impunidade pelo crime ou a deteno da coisa (para si ou para outrem) antes subtrada. Se no houver violncia ou grave ameaa subseqente, a hiptese ser de furto. O ato subseqente (violncia ou grave ameaa) deve ter relao de imediatidade

  • com a subtrao, pois caso contrrio no haver crime de roubo, mas sim o de furto em concurso com o delito que caracterizar a violncia ou a grave ameaa[59]. No roubo prprio perfeitamente admissvel a tentativa. Ocorre quando o agente, antes de consumar a subtrao (mas j tendo iniciado os atos executrios), impedido por circunstncias alheias sua vontade. Seria o caso do criminoso que, com uma arma apontada para a vtima, exige a entrega do relgio, porm , nesse exato momento, surpreendido pela polcia e preso. Quanto ao roubo imprprio, diverge a doutrina sobre a possibilidade da forma tentada. H quem entenda ser possvel a tentativa quando o agente tenta empregar violncia ou grave ameaa aps a subtrao no violenta, mas no consegue[60]. A posio dominante, no obstante, aquela que pugna pela impossibilidade da forma tentada[61]. Nesse andar o magistrio de Prado (2008, v. 2, pp. 350-351):

    A consumao do roubo imprprio ocorre com o emprego da violncia ou grave ameaa pessoa, logo aps a subtrao da coisa. No tocante admissibilidade da tentativa nessa figura h controvrsia, existindo a respeito dois posicionamentos. Para uma corrente, mais acertada, o crime no comporta o conatus, porque a tentativa de usar a violncia ou grave ameaa juridicamente irrelevante nessas circunstncias. Consumada a subtrao e, em seguida, a violncia ou grave ameaa, ter-se- o roubo imprprio. Caso contrrio, se apenas se tiver a subtrao, desprovida da violncia ou grave ameaa, caracterizado estar o delito de furto. No admissvel, pois, a tentativa. Para uma segunda, configura-se a tentativa se o autor flagrado no momento em que procura empregar a violncia ou grave ameaa, mas sem conseguir xito.Por fim, se a subtrao apenas tentada, e existindo violncia ou grave ameaa na fuga, instaura-se concurso material entre o furto tentado e aquele correspondente ao emprego da fora, porque, nessa situao, falta a vontade de usar a violncia ou grave ameaa para obter a coisa ou assegurar a impunidade do crime. (Grifos nossos)

    3.9. Roubo majorado O 2 do art. 157 estabelece as seguintes causas especiais de aumento de pena inerentes ao roubo:

    2. A pena aumenta-se de um tero at metade:I se a violncia ou ameaa exercida com emprego de arma;II se h o concurso de duas ou mais pessoas;III se a vtima est em servio de transporte de valores e o agente conhece tal circunstncia;IV se a subtrao for de veculo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior;V se o agente mantm a vtima em seu poder, restringindo sua liberdade.

    Vejamos em seguimento cada uma das majorantes[62].

    Emprego de arma A arma aqui mencionada, utilizada como instrumento na execuo do crime de roubo, pode ser tanto prpria (especialmente criada para defesa ou ataque, como armas de fogo e armas brancas[63]) como imprpria (objetos precipuamente utilizados para

  • outros fins, mas que podem ser eficazmente utilizados para levar a efeito violncia ou grave ameaa, como machado, foice, barra de ferro etc.). Tem predominado atualmente o entendimento de que, para caracterizar a majorante, a arma, alm de poder intimidatrio, deve apresentar potencialidade ofensiva vtima[64]. O uso de arma de brinquedo, por exemplo, leva caracterizao do roubo, mas no conduz incidncia da majorante, considerando a ausncia de capacidade lesiva[65]. Em outro vrtice, deve ser tambm lembrado que o dispositivo em estudo (art. 157, 2, I) exige o emprego da arma, de sorte que a mesma tem que ser efetivamente utilizada na violncia ou grave ameaa inerentes ao roubo, no bastando seu porte ostensivo[66]. Da Greco lecionar (2009, v. III, p. 78) que: Empregar a arma significa utiliz-la no momento da prtica criminosa. Tanto emprega a arma o agente que, sem retir-la da cintura, mas com a mo sobre ela, anuncia o roubo, intimidando a vtima, como aquele que, aps sac-la, a aponta em direo a sua cabea. possvel o concurso material entre os crimes de porte ilegal de arma de fogo e roubo majorado pelo emprego de arma, mas somente quando os fatos ocorrerem em contextos distintos[67]. Por exemplo: depois de perambular a noite toda em via pblica portando ilegalmente arma de fogo, j na madrugada o agente resolve praticar um roubo utilizando referido armamento. In casu o simples fato dele andar armado j caracterizou o porte ilegal, sendo o roubo um evento distinto. O emprego de arma de fogo constitui-se circunstncia de natureza objetiva, comunicando-se entre os coautores e partcipes que tenham cincia da mesma (art. 30 do CP). Por exemplo: se durante um roubo, levado a efeito por trs comparsas, apenas um emprega arma, todos devem responder pela majorante, considerando estarem os concorrentes desarmados cientes da circunstncia. Destaca Cleber Masson (2010, v. 2, p. 375) que O entendimento atual do Plenrio do Supremo Tribunal Federal no sentido de serem desnecessrias, para fins de aplicao da causa de aumento de pena prevista no art. 157, 2, inciso I, do Cdigo Penal, a apreenso da arma e sua respectiva percia, desde que o emprego da arma e seu potencial lesivo sejam provados por outros meios, tais como declaraes da vtima e depoimentos de testemunhas [68]. Essa prova da capacidade lesiva da arma por outros meios parece-nos no ser muito fcil na maioria das situaes, pois para tanto algum deve, em regra, ter presenciado disparo(s) executado(s) pela arma para poder assegurar sua capacidade vulnerante[69]. No obstante, no julgado do STF referido por Masson[70], segundo noticiado no Informativo-STF n 536, defendeu-se o seguinte entendimento: Assentou-se que, se por qualquer meio de prova em especial pela palavra da vtima, como no caso, ou pelo depoimento de testemunha presencial ficar comprovado o emprego de arma de fogo, esta circunstncia dever ser levada em considerao pelo magistrado na fixao da pena. Ressaltou-se que, se o acusado alegar o contrrio ou sustentar a ausncia de potencial lesivo da arma empregada para intimidar a vtima, ser dele o nus de produzir tal evidncia, nos termos do art. 156 do CPP, segundo o qual a prova da alegao incumbir a quem a fizer. Consoante essas colocaes, nota-se que o entendimento do STF nesse julgado

  • foi no sentido de ser desnecessrio o acusador comprovar a capacidade vulnerante da arma, bastando a comprovao de seu uso, cabendo ao ru comprovar a ausncia de capacidade lesiva, caso utilize essa alegao em sua defesa. Diante disso, observando que a orientao predominante no sentido da arma de brinquedo no majorar o roubo, mas que STF e STJ dispensam a apreenso e percia da arma para comprovar a sua potencialidade lesiva, muito bem pondera Cleber Masson (2010, v. 2, p. 382), in verbis:

    Em princpio, a utilizao de arma de brinquedo no caracteriza a causa de aumento de pena prevista no art. 157, 2, inciso I, do Cdigo Penal. Mas, como a apreenso da arma no obrigatria para a aplicao da majorante, possvel a declarao em juzo, pela vtima, no sentido de ter sido o roubo praticado com emprego de arma. E, se a arma no foi apreendida, muito menos periciada, presumir-se- que se cuidava de arma verdadeira, e no de um mero brinquedo. Em que pese tratar-se de presuno relativa, ser muito difcil o ru comprovar ter utilizado na execuo do delito uma arma finta. Em suma, inverte-se o nus da prova, e dele ser complicado o acusado desvencilhar-se com xito.

    Concurso de duas ou mais pessoas H divergncia na doutrina sobre a necessidade de estarem presentes durante a execuo do crime pelo menos duas pessoas para que incida a majorante em comento. Mesmo os que exigem a presena de uma pluralidade de pessoas, admitem, contudo, que no necessrio que a violncia ou grave ameaa seja levada a efeito por mais de um agente para a majorante se aperfeioar, bastando para tanto a presena fsica. Quanto a este particular disserta Cunha (2008, v.3, pp. 131-132): Assim como no furto, sustenta HUNGRIA a necessidade de que todos os agentes se faam presentes no momento da ao, ainda que no cooperem materialmente (op. cit., v. 7, p. 58). GUILHERME DE SOUZA NUCCI (op. cit., p. 691) e MIRABETE (Manual de direito penal cit., v. 2, p. 227), no entanto, consideram dispensvel a prtica de atos executrios por todos os agentes. A tendncia doutrinria contempornea, entretanto, considerar suficiente o concurso de pessoas (art. 29 do CP) para que a causa de aumento em questo esteja presente, mesmo que a execuo material seja realizada por uma nica pessoa, sem a presena dos demais concorrentes. Nesse sentido: Como o dispositivo no explicita de que forma deva agir cada agente, conclui-se que se aplicam, in casu, as regras gerais sobre o concurso de pessoas (art. 29, CP), ou seja, basta que qualquer um dos autores tenha praticado a violncia ou grave ameaa para que a conduta caracterize o roubo majorado (PRADO, 2008, v. 2, p. 353). Quando uma pessoa maior comete crime em concurso com um menor, deve responder tambm pelo crime previsto no art. 244-B do ECA (Lei n 8.069/1990)[71].

    Vtima em servio de transporte de valores Exige expressamente o inciso III que: a) a vtima esteja em servio de transporte de valores (por exemplo: condutores de carros-fortes, funcionrios de bancos, office-boys etc.); b) que tal fato seja de conhecimento do agressor. Quando se diz que a vtima deve estar em servio (trabalhando para outrem, mesmo

  • que no seja empregado) de transporte de valores, entende-se que se o transporte est sendo feito pelo prprio proprietrio, no incide a majorante[72]. Entendemos tambm que, se os valores subtrados estiverem sendo transportados por algum que est fazendo um favor para outrem (sem nada cobrar), no se aplica a causa de aumento, visto no estar a servio. Quanto aos valores transportados, estes no se resumem unicamente em dinheiro, mas tambm podem ser jias, ttulos ao portador e outros congneres, que possibilitem fcil converso em dinheiro. H a necessidade que o criminoso tenha efetiva conscincia que a vtima est transportando valores; sendo, portanto, incabvel o dolo eventual quanto a este aspecto[73]. Se, por exemplo, o roubador aborda a vtima que, por coincidncia, est transportando valores, no se faz presente a majorante, mesmo que seja consumado o roubo[74].

    Subtrao de veculo automotor que venha a ser transportado para outro estado ou para o exterior

    A presente circunstncia se assemelha com a qualificadora prevista para o crime de furto no art. 155, 5, do CP. necessrio, para sua incidncia, que haja um roubo de veculo automotor, e que o mesmo seja levado para alm dos limites estaduais de onde foi subtrado.

    Agente que mantm a vtima em seu poder, restringindo sua liberdade Esta majorante tem sua incidncia circunscrita s situaes em que a privao da liberdade da vtima seja utilizada como meio para a realizao de um roubo ou para fugir ao policial[75]. Assim ensina com clareza Greco (2010, v.III, p. 72):

    A doutrina tem visualizado duas situaes que permitiriam a incidncia da causa de aumento de pena em questo, a saber: a) quando a privao da liberdade da vtima for um meio de execuo do roubo; b) quando essa mesma privao da liberdade for uma garantia, em benefcio do agente, contra a ao policial.[]Alm disso, para que seja aplicada a causa especial de aumento de pena, a privao da liberdade no poder ser prolongada, devendo-se, aqui, trabalhar com o princpio da razoabilidade para efeitos de reconhecimento do tempo que, em tese, seria suficiente para ser entendido como majorante, e no como figura autnoma de seqestro, ou mesmo extorso mediante seqestro.

    Segundo Capez (2010, v. 2, p. 476), embora a incluso da majorante em epgrafe tenha sido laborada pelo legislador na inteno de incidir sobre a prtica do chamado sequestro-relmpago, no pode ser aplicada ao caso, posto que tal conduta criminosa no configura roubo, mas sim extorso. Essa posio doutrinria ressoou na atividade legislativa, sendo que recentemente, atravs da Lei n 11.923/2009, foi acrescido o 3 ao artigo 158 do CP (que trata do crime de extorso), passando a regular o sequestro-relmpago. Gonalves (2004, p. 33) destaca, ademais, o seguinte detalhe:

    Note-se que existem duas situaes. Quando a vtima obrigada a permanecer

  • por perodo prolongado (algumas horas, p. ex.) em poder do roubador, caracteriza-se crime de roubo em concurso material com seqestro (art. 148), uma vez que, nesse caso, houve privao da liberdade, que pressupe conduta mais duradoura. Ao contrrio, o art. 157, 2, V, no menciona a palavra privao e sim restrio da liberdade, de forma que tal dispositivo somente se aplica a hipteses em que a vtima fica em poder do roubador por breve espao de tempo (por alguns minutos, apenas para sair do local da abordagem, p. ex.).

    Necessrio observar, ainda, que se a vtima permanece em poder do agente por curtssimo espao de tempo, destinado unicamente subtrao do bem, no incide a majorante[76].

    3.10. Roubo qualificado Traz o art. 157 o seguinte dispositivo: 3. Se da violncia resulta leso corporal grave, a pena de recluso, de 7 (sete) a 15 (quinze) anos, alm de multa; se resulta morte, a recluso de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, sem prejuzo da multa. As circunstncias qualificadoras em epgrafe decorrem do resultado mais gravoso. Na primeira hiptese, sobrevm vtima leso corporal grave ou gravssima (art. 129, 1 e 2, do CP). Na segunda, ocorre a morte (art. 121 do CP), se dando o que a doutrina denomina de latrocnio, que considerado crime hediondo (art. 1, II, da Lei n 8.072/1990). Nos dois casos indispensvel que os resultados sejam provocados, culposa ou dolosamente; durante, logo aps, mas sempre em razo do assalto[77]. As qualificadoras podem incidir tanto no roubo prprio quanto no imprprio. No tocante consumao do latrocnio, Rogrio Sanchez Cunha (2008, v.3, p. 133) sintetiza:

    1.Morte consumada, subtrao consumada, gera latrocnio consumado, estando o tipo perfeito.2. Morte consumada, subtrao tentada, configura, de acordo com entendimento sumulado no STF (610), latrocnio consumado.[]3. Morte tentada e subtrao tentada, no h dvida de que o latrocnio ser tambm tentado (nos termos do art. 14, II, do CP, houve incio de execuo de um tipo, que no se perfez por circunstncias alheias vontade do agente).4. Morte tentada e subtrao consumada, h tentativa de latrocnio (se o latrocnio se consuma apenas com a morte, no havendo morte o tipo complexo do latrocnio no se perfez).

    Acaso os assaltantes matem vrias pessoas durante o roubo para garantir o sucesso deste, mas seja violado o patrimnio de apenas uma vtima, surge a dvida quanto ocorrncia de crime nico (visto que o bem jurdico primordialmente visado pelos criminosos, e protegido pela norma, o patrimnio) ou de concurso de crimes (mais de um latrocnio). Greco (2009, v. III, p. 85) refere que, nesse aspecto, o STJ recentemente mudou seu posicionamento que pugnava pelo crime nico, passando a reconhecer a presena do concurso formal imprprio quando ocorrer mais de uma morte, mesmo que tenha havido subtrao patrimonial nica. Essa posio jurisprudencial, contudo, dissocia da doutrina predominante, que pugna pelo crime nico in casu[78].

  • Em outro aspecto, note-se que indispensvel, segundo dico do dispositivo em evidncia, que haja violncia fsica para que as qualificadoras incidam. De tal modo que, se a vtima vem a sofrer leso grave ou morrer em decorrncia de grave ameaa (por exemplo, sofre um ataque cardaco aps ser gravemente ameaada, sabendo o criminoso que a vtima tinha patologia do corao) ou de violncia imprpria, a hiptese ser de concurso de crimes, e no de crime de roubo qualificado[79]. Sobre o roubo qualificado no podem incidir as majorantes do 2 do art. 157, consoante posio j sedimentada, por uma questo topogrfica: as majorantes esto previstas em pargrafo anterior ao que prev as qualificadoras. Quanto ao roubo qualificado pela leso corporal grave (ou gravssima), Cleber Masson (2010, v. 2, p. 395) faz as seguintes ponderaes:

    De outro lado, a leso corporal leve (CP, art. 129, caput) produzida em decorrncia do roubo no constitui qualificadora. Opera-se, em verdade, sua absoro pelo crime mais grave, pois funciona como seu meio de execuo. O conflito aparente de normais penais solucionado pelo princpio da consuno.Tratando-se de crime qualificado pelo resultado, o roubo qualificado estar consumado com a produo da leso corporal grave na vtima, ainda que a subtrao no se aperfeioe.

    Em derradeiro, destacamos que o art. 9 da Lei de Crimes Hediondos (Lei n 8.072/1990) impe um aumento de metade na pena dos crimes nele mencionados, dentre os quais figura o latrocnio, quando as vtimas estiverem em uma das situaes previstas no art. 224 do CP. Atualmente entende a doutrina, contudo, que referido dispositivo foi revogado tacitamente pela Lei n 12.015, de 07-08-2009, visto que esta revogou expressamente o art. 224 do CP[80].

    3.11. Classificao doutrinria O roubo : Crime comum, tanto com relao ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo; doloso (no havendo previso para a modalidade culposa); material; comissivo (podendo ser praticado omissivamente, caso o agente goze do status de garantidor); de forma livre; instantneo (podendo tambm, em alguns casos, ser considerado como instantneo de efeito permanente, caso haja destruio da res furtiva); de dano; monossubjetivo; plurissubsistente (podendo-se fracionar o iter criminis, razo pela qual possvel o raciocnio da tentativa) (GRECO, 2009, v.III, p. 65).

    3.12. Ao penal Ao penal no roubo, em qualquer de suas f