fundamentos da teologia da educação cristã edson lopes

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Copyright © 2010 por Edson Pereira Lopes Publicado por Editora Mundo Cristão

Os textos das referências bíblicas foram extraídos da Nova Versão Internacional (NVI), da Sociedade Bíblica Internacional, salvo indicação específica.Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19/02/1998.É expressamente proibida a reprodução total ou parcial deste livro, por quaisquer meios (eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação e outros), sem prévia autorização, por escrito, da editora.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Lopes, Edson PereiraFundamentos da teologia da educação cristã / Edson Lopes — São

Paulo : Mundo Cristão, 2010.

ISBN 978-85-7325-599-7

1. Educação cristã 2. Teologia I. Título.

09-10429 CDD-268

índice para catálogo sistemático:1. Educação cristã : Teologia : Cristianismo 268 Categoria: Teologia

Publicado no Brasil com todos os direitos reservados por:Editora Mundo CristãoRua Antônio Carlos Tacconi, 79, São Paulo, SP, Brasil, CEP 04810-020Telefone: (11) 2127-4147Home page: www.mundocristao.com.br

Ia edição: março de 2010

S u m á r i o

Agradecimentos 7Prefácio ' 9Introdução 11

Capítulo 1A educação no período bíblico 15

Capítulo 2A educação cristã nos dias dos primeiros pais da Igreja 51

Capítulo 3Abordagem cristã da educação 97

Considerações finais 143Bibliografia consultada 147Bíblias e outros documentos 155Bibliografia de consulta sugerida 157Sobre o autor 159

A g r a d e c i m e n t o s

A Deus, sustentador de minha vida.

À minha esposa, Nívea, fiel companheira de ministério pastoral e incentivadora dos meus estudos.

Aos meus filhos, Tales e Taila, privados momentaneamente da presença do pai enquanto escrevia este livro.

Aos meus pais, Luiz e Glória, meus primeiros educadores.À Universidade Presbiteriana Mackenzie, por me proporcionar o

tempo de pesquisa necessário à elaboração desta obra.Aos meus colegas de docência, da Escola Superior de Teologia da

Universidade Presbiteriana Mackenzie.Ao rev. Roberto Brasileiro da Silva, digno presidente do Supremo

Concilio cia Igreja Presbiteriana do Brasil, pelo companheirismo e amizade nas horas mais difíceis.

Ao Osvaldo Henrique Hack, que se prontificou a fazer a apresen­tação desta obra.

À Igreja Presbiteriana de Vila Esperança, pelo apoio. Igreja que pastoreio desde novembro de 2006 e que tem sido instrumento de Deus no fortalecimento do meu ministério pastoral.

Aos presbíteros Eroídes, Mauricio, Sander, Saul e Valdeck, da Igreja Presbiteriana de Vila Esperança, e demais irmãos dessa igreja, os quais serviram a Deus como Neemias na construção dos muros de Jerusalém.

À Editora Mundo Cristão, por tornar possível mais esta produção literária.

A todos, meus sinceros agradecimentos.

P r e f á c i o

O autor, professor E pastor Edson Pereira Lopes tem-se dedica­do à temática educacional em seus estudos de pós-graduação e pela publicação de livros que tratam da inter-relação entre a teologia e a pedagogia no pensamento de Comenius.

A nova obra, que temos o privilégio de prefaciar, também focaliza a educação cristã como de fundamental importância para a história da Igreja cristã, considerando-a como a divulgadora e sedimentadora dos fundamentos bíblicos.

Antes de abordar o período bíblico, o autor analisa a educação greco-romana; traz à memória filósofos e pensadores, para destacar a importância deles na formação da cidadania; e aponta para o papel fun­damental do pedagogo, como aquele que orienta e conduz a criança.

A ênfase maior do autor recai sobre a educação hebraica, com os olhos voltados para a convivência familiar e os ensinos religiosos provindos do sacerdote e líderes preparados para ensinar nas sina­gogas. A educação religiosa advinda da tradição israelita ultrapassa os limites do tempo e espaço, alcançando o cristianismo de forma vital. Assim, o autor Lopes analisa o período nascente do cristia­nismo e os primeiros séculos, com destaque para os pais da Igreja no importante papel dos polemistas e apologistas que procuraram defender os ensinamentos cristãos diante dos conceitos educacionais pagãos, contrários aos princípios bíblicos. Ao descrever a obra, e sua função didático-pedagógica, de cada líder dos primeiros séculos do cristianismo, o professor Lopes procura demonstrar que a educação

cristã constituía a espinha dorsal dos ensinamentos da igreja nasceu- te. A classe de catecúmenos, que ensinava as doutrinas e os prin­cípios bíblicos, percorreu toda a história da Igreja cristã e alcançou nossos dias como a forma didática e pedagógica de preparar os que desejam aderir ao cristianismo.

Em outro momento de sua obra, o autor Lopes discute as abor­dagens sobre o conceito cristão de educação. Dentre elas, destaca os modelos tradicionalista, comportamentalista, humanista, cognitivo, sociocultural e cristão. O destaque principal é o do sentido bíblico da educação cristã. Ela não pode ser confundida com educação religio­sa, porque trata dos princípios bíblicos e da centralidade da Palavra de Deus, enquanto a educação religiosa oferece conceitos de religio­sidade e cultura religiosa.

Assim, o autor conclui sua obra apresentando os fundamentos bíblicos da educação cristã; oferece os conceitos basilares que enfa­tizam os termos neotestamentários usados para ensino, instrução e orientação espiritual, definindo a educação cristã como missão prio­ritária da Igreja cristã. Compartilhamos a opinião do autor e sua preo­cupação em resgatar o lugar da educação cristã, nas igrejas, para o fortalecimento dos ensinamentos doutrinários, evitando distorções e interpretações equivocadas de líderes que desconhecem a determina­ção expressa de Jesus Cristo: “Ide [...] fazei discípulos [...] batizando [...] e ensinando ...”. O batismo somente não torna ninguém cristão; por outro lado, somente o ensino, sem vinculação com as Escrituras Sagradas, forma adeptos de segmentos religiosos.

Portanto, prefaciar a obra do professor Edson Pereira Lopes repre­senta honraria acadêmica e privilégio. Apoiar o colega em suas lides acadêmicas e pastorais representa nosso caminhar na mesma direção e com o mesmo propósito de ensinar o que a Bíblia Sagrada proclama e define como educação cristã.

Osvaldo Henrique HackEx-chanceler e professor de pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Membro do Conselho de Curadores do Instituto Presbiteriano Mackenzie

1 0 Fundamentos da teologia da educação crista

I n t r o d u ç ã o

0 estudioso Marrou,1 em suas reflexões sobre a história da educa­ção na Antiguidade, demonstra que, desde as mais tenras socieda­des, como mesopotâmica, chinesa, grega, dentre outras, as discussões educacionais têm sido um tema relevante, não sendo de admirar que muitos grandes filósofos e pensadores da História lhe tenham dedica­do tempo e atenção.2 Uma das razões para que isso ocorra é a crença de que a educação é um trunfo indispensável à humanidade, para o crescimento e desenvolvimento dos diversos países e construção dos “ideais da paz, da liberdade e da justiça social”.5

Apesar das palavras anteriores, na prática poucos demonstram a vital importância dela. Percebemos essa situação quando nos depara­mos com a matriz curricular de alguns cursos de teologia das igrejas evangélicas. Alguns já não contemplam, como disciplina obrigatória, a educação cristã, que é imprescindível à formação pastoral, inclusi­ve por tratar de assuntos relativos à educação de seus próprios filhos, dos filhos de seus fiéis, da igreja é da sociedade local em que a igreja está inserida.

Uma das razões para isso é que, à semelhança do que acontece com a educação em geral, há uma crença comum de que qualquer pessoa pode trabalhar com educação cristã. Devemos nos lembrar,

1 História da educação na Antiguidade, p. 4-14.2 T H. Groome, Educação religiosa cristã: compartilhando nosso caso e visão, p. 21.! L. A. Cunha, Educação e desenvolvimento social no Brasil, p. 16.

quando assim agimos, do exemplo de João Calvino, que teria todas as condições para ser o reitor da Academia que fundara; entretanto, delegou a Theodoro Beza a responsabilidade de fazer dela uma escola que viesse a servir a Deus, aos propósitos da Reforma Protestante e à sociedade de sua época. Em seu entendimento, Beza era mais capa- citado para o exercício dessa função.

Se partirmos do princípio de que todos compreendem a educa­ção cristã, não é necessário discuti-la e aperfeiçoá-la. Talvez seja essa uma das razões pelas quais nós, cristãos, pouco destacamos a edu­cação cristã como instrumento de aperfeiçoamento e crescimento de nossas igrejas. O resultado é que são raríssimos os encontros e debates aprofundados, com a preocupação de prover, por exemplo, uma metodologia de ensino mais adequada às diversas comunidades cristãs brasileiras, o que leva ao decréscimo da participação de mui­tos nos estudos bíblicos semanais e na escola dominical.

Se isso tem ocorrido no interior da igreja local, pouco há para discutir acerca da participação cristã na sociedade. Novamente, re­tomamos o assunto a partir da Reforma Protestante. No estudo da Reforma, percebemos claramente que havia preocupação com as questões espirituais, mas também a preocupação de colaborar com as diversas facetas da sociedade. Foi na Reforma que a educação, de fato, tornou-se pública. Lutero e Calvino, dentre outros reformadores, procuraram fundar escolas sustentadas pelo Estado e que propiciassem qualidade de ensino. Foi com essa perspectiva que os protestantes, no final do século XIX, fundaram escolas ao lado de suas igrejas.

Isso significa que a Igreja evangélica não pode entender que a educação cristã limite-se a ter ligação estreita e direta tão somente com a escola dominical; essa, inclusive, parece ser a razão pela qual a maior parte da literatura sobre educação cristã é relacionada com a escola dominical;4 a despeito de se tratar de textos relevantes, são perfeitamente indicados aos interessados nos estudos restritos à escola dominical.

4 L. Dornas, Socorro! Sou professor da escola dominical, p. 141-148.

1 2 Fundamentos da teologia da educação cristã

É desnecessário enfatizar que a escola dominical tem sido o prin­cipal agente da educação nas mais diversas comunidades cristãs. Dada sua importância, é preciso que ela seja foco de investimentos estruturais e físicos. Além disso, as aulas e o material de apoio do processo ensino-aprendizagem devem ser compatíveis com a maturi­dade intelectiva dos alunos, e deve-se estimular o aperfeiçoamento intelectual, pedagógico e espiritual do corpo de oficiais e professores e dos respectivos alunos.

Entretanto, a visão da educação cristã como restrita à escola do­minical permitiu a Moran5 sustentar que, no cristianismo protestan­te, a “educação cristã” em geral é vista como a atividade pela qual os “ministros de uma igreja doutrinam as crianças para obedecerem a uma igreja oficial”. Há certo exagero nas palavras de Moran, mas aí está algo sobre o que as comunidades cristãs deveriam refletir, uma vez que isso pode, em parte, explicar a práxis de muitos educadores cristãos que se voltam somente para o que acontece em suas respec­tivas comunidades religiosas.

É mister destacar que a educação cristã envolve muito mais do que conteúdos de aulas ou sermões. Ela está diretamente relacionada ao crescimento espiritual da igreja e ao ensino bíblico e missionário. Também está presente em aconselhamentos e orientações cristãs e é imprescindível nas relações igreja-sociedade.

Entendida dessa forma, há que se ressaltar quão importante é a educação cristã para a vida da igreja. É dessa perspectiva que este livro trata da abordagem cristã da educação, tendo como propósito discutir questões como:

O que é educação cristã?Onde deve começar a educação cristã?Quais os fundamentos da abordagem cristã da educação?

5 Religious Body, p. 150.

Introdução 13

C a p í t u l o 1

A e d u c a ç ã o n o p e r í o d o b í b l i c o

Educaçáo grega

De maneira geral, no século VI a.C. prevalecia, na educação grega,o princípio de que o menino até os sete anos deveria ficar sob o cui­dado da mãe e da ama.

Depois, passava a freqüentar as aulas do gramatista, com quem aprendia as primeiras letras e as regras de numeração e cálculo. Nes­sa mesma oportunidade, aprendia a ler e a saber de cor as obras de poetas como Homero e Hesíodo.

Mais tarde, passava para o curso de citarista, pelo qual aprendia a dedilhar a lira heptacorde e a cantar as obras dos líricos, segundo os acordes tradicionais do modo dório. Paralelamente, os professores de ginástica supervisionavam com rigor os exercícios físicos.

Aristófanes1 explicita, da seguinte maneira, como era a educação ateniense em seu tempo:

1. A disciplina e o castigo: "... não se devia ouvir um menino cochi­char nem um “a”; depois, os moradores de um mesmo bairro anda­vam pelas ruas, bem disciplinados, indo à casa do professor de citara, sem manto e em fila [...] e, se algum deles se fazia de “bobo e difícil de modular, era moído de muitas pancadas, como se tivesse prejudi­cado as musas”.

2. A ginástica e a música: constituíam a matriz curricular — “indo à casa do professor de citara [...]. O professor, por sua vez, começava

1 As nuvens, p. 189-199.

16 Fundamentos da teologia da educação cristã

ensinando-os a cantar com as coxas bem apartadas”. O foco de Aris- tófanes era a educação dos jovens e, por isso, não contemplava ou­tras disciplinas da matriz curricular da antiga educação ateniense. A educação dos jovens atenienses comportava três partes: primeiras letras, a cargo do gramatista; poesia e música, com o citarista; os exercícios físicos. Na casa do professor de ginástica, pode-se verificar a questão disciplinar, haja vista que eles deveriam sentar-se com as pernas esticadas para a frente, para não mostrar nenhuma indecên­cia aos estranhos. Na hora da ceia, não se devia comer gulodices, dar gargalhadas ou ficar de pernas cruzadas.

3. A questão moral: Aristófanes revelava-se adversário convicto da homossexualidade e não perdia oportunidade para ridicularizar aqueles que não lhe eram simpáticos. Por outro lado, ainda, quem se levantava devia aplainar a areia, tomando a precaução de não deixar aos aman­tes nenhum vestígio de sua mocidade; ninguém amolecia a voz para aproximar-se do amante, prostituindo-se a si mesmo com os olhos.

4- A finalidade da educação: consistia em preparar o jovem para a coragem, semelhante aos guerreiros de Maratona, como afirma Aris­tófanes: “Mas, na realidade, foi com essas coisas que a minha educa­ção criou os homens guerreiros de Maratona”.2

Souza’ afirma que essa era tipicamente uma educação de nobres, privilégio de uma elite que conseguia freqüentar os cursos do início ao fim (dos sete aos catorze anos), tendo sempre os olhos voltados para uma vida de aristocratas ociosos e ricos, que não necessitavam do trabalho manual para viver. Cultivavam os ideais do valor e da virtude, conquistados pelo esforço físico, pela coragem e pelas vitó­rias, virtude que devia desenvolver as boas qualidades que os “no­bres” já traziam em si como dons inatos e indispensáveis ao bom aprendizado.4 Para Barker5, trata-se de uma educação tanto espor­tiva como intelectual, com um ideal essencialmente ético: a beleza

2 Idem, p. 192.3 Vida e data da composição, As nuvens, p. 75.4 W. Jaeger, Pauleia: a formação do homem grego, p. 337.5 Teoria política grega, Platão e seus predecessores, p. 27-29.

A EDUCAÇÃO NO PERÍODO BÍBLICO 17

moral aliada à beleza física, ou melhor, a formação do espírito num corpo plenamente desenvolvido e harmonioso.

No século V a.C., cada vez mais se tornava perceptível que esse gênero de educação não poderia corresponder às necessidades do ho­mem da polis e da democracia ateniense. Era necessário substituir os ideais da nobreza de raça e origem por nova concepção de virtude, que correspondesse melhor aos cidadãos atenienses desse tempo, que eram membros da comunidade e prestes a colocar-se a serviço dela; isso, considerando que, em Atenas, todos os cidadãos viam abertos diante deles os caminhos de acesso a todos os cargos públicos.

À citada crise do conceito de “virtude”, apresentada por uma aristocracia que insistia em relacionar “virtude” com “nascença”, somaram-se outros dois fatores: primeiro, a crescente afirmação da ampliação do poder como “virtude política”, passível de ser adquiri­da; segundo, o afluxo sempre maciço de estrangeiros às cidades, es­pecialmente em Atenas, pela ampliação do comércio, o que resultou na difusão de novos conhecimentos interpessoais. O resultado é que surgiram grandes conflitos de opiniões e de interesses políticos, e os sofistas souberam captar o espírito de sua época. Isso6 explica por que eles alcançaram sucesso entre os jovens. Era um tempo em que estes já não se satisfaziam nem com os valores propostos pela geração dos seus pais nem com o modo pelo qual esses valores eram propostos. Nesse contexto, aparecem os sofistas, respondendo a reais necessida­des do momento, ao propor aos jovens as palavras novas pelas quais estes aguardavam.

Assim, os sofistas foram educadores que apareceram em muitas partes do mundo grego e que tinham em comum a consciência de seu papel como mestres de virtude política. As palavras gregas sophos

e sophias, que se costumam traduzir por “sábio” e “sabedoria”, eram utilizadas há muito tempo como termos genéricos para designar pes­soas que eram ao mesmo tempo sábias e hábeis; mas, podiam também

6 Antiseri, História da filosofia, p. 74-

18 Fundamentos da teologia da educação cristã

ser aplicados a poetas, carpinteiros, médicos e estadistas.7 Percebe- se assim que, em sua mais antiga ocorrência conhecida, a palavra suphistes não trazia em si sentido pejorativo. A acepção negativa do termo deve-se às críticas de Sócrates, Platão e Aristóteles aos sofis­tas, sobretudo pelo entendimento de que eram desinteressados da verdade e preocupados com os lucros.

Aristófanes,8 que na peça teatral As nuvens (423 a.C.), além de tecer críticas a Sócrates, teve como fundamento satirizar a propos­ta educacional dos sofistas, demonstrou que eles eram vistos como mestres que podiam, desde que devidamente pagos, “fazer a causa pior parecer a melhor” e “vencer com discursos nas causas justas e injustas”. Ele via nos sofistas ideias perniciosas quanto ao futuro da cidade, uma vez que, em sua concepção, os sofistas pregavam o ceticismo e o abuso da retórica, que resultavam na denegeração po­lítica da cidade. E isso culminava com o afastamento dos jovens de suas famílias e das tradições, as quais eram as verdadeiras bases da grandeza ateniense.

Sua finalidade, ao escrever As nuvens, foi demonstrar os perigos da nova educação que, sob a liderança dos sofistas, corrompia a mo­cidade, desviando-a do bom caminho. É por isso que ele retrata um filho, por ele denominado Fidípides, que discute com seu pai e prefere fazer mal aos pais, em vez de aos seus mestres.9 Em 423 a.C., quando escreveu a citada obra, Aristófanes viu os frutos da nova educação de forma evidente. Já iam longe os dias em que as palestras e ginásios se enchiam de jovens desejosos de adquirir a perfeição física por meio de exercícios bem orientados. Agora, eram meros pontos de recreação e encontro, onde se aglomeravam homens desejosos de trocar ideias. Os balneários haviam se transformado em antros de corrupção, onde a juventude vivia assediada por homens maduros e pervertidos à es­preita de seus amados, e os antigos preceitos morais, a música, a bela poesia do passado, tudo estava esquecido e abandonado.

2 W. K. C. Guthrie, Os sofistas, p. 31.8 Idem, p. 1 1 1 - 1 1 3 .9 Idem, p. 230.

A EDUCAÇÃO NO PERÍODO BÍBLICO 1 9

Havia, segundo Aristófanes, a necessidade de mostrar que a gera­ção antiga tinha seus erros e fraquezas, mas sabia conservar as quali­dades morais. Ao contrário, a nova geração de “educadores”, sofistas e Sócrates, segundo ele, tendiam ao cinismo e à perda de todas as vir­tudes dos gloriosos varões de Maratona. Além disso, no desfecho de As nuvens ele ressalta as conseqüências da nova educação. Fidípides (o filho) procura convencer o próprio pai (Estrepsíades) de que era justo um pai apanhar de seus filhos: “Você quer me convencer de que é belo e justo que um pai apanhe de seus filhos?!”, ao que responde Fidípides: “Eu convivo com hábeis sentenças, palavras e pensamen­tos, e creio que posso provar que é justo castigar o pai”.10

Antiseri" assinala que, durante muito tempo, os historiadores da filosofia adotaram a postura de Aristófanes e as informações forneci­das por Platão e Aristóteles a respeito dos sofistas, de modo que, em geral, o movimento sofista foi desvalorizado. Entretanto, é necessário assinalar que os sofistas formavam três grupos: os grandes e famosos mestres da primeira geração, dentre eles Protágoras, morais em seus princípios, os quais Platão considerou dignos de respeito; os erísticos, que levaram o aspecto formal do método à exasperação, perderam o interesse pelos conteúdos e não seguiram a moral dos mestres; e os político-sofistas, que utilizaram ideias sofistas com finalidades políti­cas, o que resultou em imoralismo.12

Assim, na reavaliação histórica dos sofistas percebe-se que eles fo­ram fenômenos tão necessários quanto Sócrates e Platão; aliás, sem eles, estes são absolutamente impensáveis.15 A partir de 450 a.C., os so­fistas passaram a ser denominados de “professores”, viajantes de cidade em cidade, que ofereciam cursos de instrução numa grande variedade de assuntos.14 Esses professores ensinavam por meio de conferências públicas ou seminários e eram remunerados por sua atividade.

10 Idem, p. 221,225.11 História da filosofia, p. 73.12 Idem, p. 76.13 W. Jaeger, Paideia: a formação do homem grego, p. 341.14 J. V. Luce, Curso de filosofia grega do século VI a.C. ao século III d.C., p. 82.

20 Fundamentos da teologia da educação cristã

Prevaleceu o pensamento de que, por meio da retórica, as gran­des assembléias e júris populares, que eram a expressão do poder político ateniense, seriam convencidos a agir em razão do orador. Os cidadãos mais ambiciosos viram a necessidade de aprender a arte de argumentar, com o objetivo de convencer as pessoas pelo argumento e conduzi-las a fazer o que o orador desejasse. Era necessária uma nova educação, que preparasse as forças do saber, para colocá-las a serviço do Estado; uma educação política que propiciasse a formação dos futuros dirigentes.

Os sofistas perceberam a importância de se elaborarem leis e tam­bém como conseguir sucesso por meio da habilidade de convencer e seduzir com palavras. Eles aperfeiçoaram a técnica da retórica e, devido a esse contexto sociocultural de Atenas, as técnicas dessa arte se tornaram o desejo de muitos cidadãos, que estavam dispostos a pagar elevadas quantias a qualquer pessoa que pudesse transmiti- la.15 Como conseqüência dessa fase dos gregos, no século V a.C. os sofistas cobravam altos honorários para ensinar oratória aos cidadãos atenienses que aspiravam à vida pública.

Ainda que, no século vindouro, os honorários cobrados pelos so­fistas, concernentes às suas aulas, viessem a ser baixados pela con­corrência, eles justificavam seus altos honorários em razão de que não haviam encontrado uma clientela já feita; fora necessário persu­adir o público a recorrer a seus serviços.

Os sofistas gastavam com a “publicidade” de seus serviços. Alguns deles iam de cidade em cidade à procura de alunos, levando atrás deles os já arrebanhados; as despesas corriam por conta dos sofistas. Para se fazerem conhecer e manifestarem a excelência de seu ensino e para darem mostras de sua habilidade, os sofistas ofereciam de bom grado uma exibição gratuita, quer na cidade, quer num santuário pan-helênico como Olímpia, onde aproveitavam o público interna­cional que aí se achava reunido por ocasião dos jogos.

A cobrança para ensinar escandalizava os antigos, porque, para eles, o saber era fruto desinteressado das questões financeiras. Além

1 H. I. Marrou, História da educação na Antiguidade, p. 84.

A EDUCAÇÃO NO PERÍODO BÍBLICO 2 1

disso, os aristocratas e ricos tinham acesso ao saber, uma vez que os problemas práticos da vida, como, por exemplo, o trabalho, já ha- viam cessado; dessa maneira, eles tinham tempo para se dedicarem ao conhecimento. Na concepção deles, só quem já se havia despren­dido das necessidades imediatas deveria buscar o conhecimento.

De fato, alguns sofistas exageraram quanto à cobrança de suas aulas; entretanto, no aspecto positivo, romperam com um esquema social que limitava o conhecimento só a determinadas camadas, oferecendo oportunidade a outras de adquiri-lo, desde que tives­sem condições para pagar.16 Sendo assim, a educação proposta pelos sofistas não dizia respeito ao acesso educacional democrático, mas aos que podiam pagar bem e desejavam se tornar chefes de Estado. Por outro lado, eles se faziam porta-vozes da ideia de que a “virtu­de” (areté) não dependia da nobreza do sangue e da nascença, mas fundava-se no saber. Por conseguinte, qualquer pessoa poderia ser virtuosa, desde que possuísse o saber.

Marrou17 destaca que os sofistas contribuíram para as discussões da educação formal grega:

O substancial do trabalho dos sofistas era feito mediante con­tato com os discípulos, mas eles também escreveram manuais e compêndios. Assim foram produzidas as primeiras gramáticas e os primeiros manuais de retórica e de crítica literária. Esses livros não se conservaram, pois eram de um nível mais elemen­tar, e mais tarde foram ultrapassados por livros mais avançados; naquela época, entretanto, representaram um papel pioneiro, importante na educação grega formal. Eles foram igualmente sig­nificativos por representarem o estágio no desenvolvimento lin­güístico em que a linguagem se tornou pela primeira vez cônscia de si mesma, e começou a refletir sobre suas próprias operações e descrevê-las.

16 Antiseri, História da filosofia, p. 75.História da educação na Antiguidade, p. 81-102.

22 Fundamentos da teologia da educação cristã

Jaeger,18 à semelhança de Marrou, pontua a contribuição dos so­fistas com relação à sistematização do ensino, com destaque para o princípio de que eles foram os precursores do que mais tarde foi denominado de sete artes liberais.

Destarte, os sofistas foram importantes na construção do conceito de educação na Grécia; foram os primeiros a utilizarem os princí­pios educacionais das quatro ciências elaboradas desde os pitagóri- cos, que mais tarde seriam denominadas de quadrivium: aritmética, geometria, astronomia e música. Por essa razão, é mister destacar as palavras de Jaeger:19

É com eles que a paideia, no sentido de uma ideia e de uma teoria consciente da educação, entra no mundo e recebe um funda­mento racional. Os sofistas foram considerados os fundadores da ciência da educação. Com efeito, estabeleceram os fundamen­tos da pedagogia, e ainda hoje a formação intelectual trilha, em grande parte, os mesmos caminhos. Mas ainda agora está por re­solver a questão de saber se a pedagogia é uma ciência ou uma arte; e não foi ciência mas sim techne que os sofistas chamaram à sua teoria e arte da educação [...] por outro lado, os sofistas con­sideravam a sua arte o coroamento de todas as artes.

Por fim, com os sofistas surgiu a paideia do homem adulto. A ação educativa ateniense “deixou-se limitar exclusivamente à.infância [...] e se passou a aplicar com especial vigor ao homem adulto [...]. Foi então que pela primeira vez surgiu uma paideia do homem adulto”.20

SócratesSócrates nasceu em 470-399 a.C., período em que os gregos puseram fim à hegemonia dos persas no Mediterrâneo; era de uma família ate-

18 Paideia: a formação do homem grego, p. 368-369.19 Idem, p. 348.20 Idem, p. 354.

A EDUCAÇÃO NO PERÍODO BÍBLICO 2 3

niense urbana e de posses modestas.21 Sua mãe, Fenarete, foi partei­ra; seu pai, Sofronisco, foi escultor, e esta também foi sua profissão, apesar de pouco se dedicar a ela.

Platão caracteriza Sócrates, ao compará-lo com os sátiros e si- lenos, como calvo, fisicamente feio, com nariz achatado, o olhar penetrante de um fauno; era dotado de corpo musculoso, mas sem elegância. Sempre descalço e vestido com um manto grosseiro no inverno e no verão, perambulava pelas ruas de Atenas cercado de amigos e companheiros22 e procurava conversar com homens de to­das as classes sociais. Aparecia nas oficinas e nas lojas, nos ginásios e nos balneários, comparecia a festas e a jantares, sempre provocando discussões veementes, mas sem nunca perder a calma e a atitude nobre e modesta. Pretendia despertar nos ouvintes o interesse pelas coisas do espírito. Nas discussões, baseava-se em argumentos simples e convincentes, extraídos da realidade da vida cotidiana, encami­nhando a conversa de pergunta em pergunta, sempre à procura da verdade e das definições mais precisas.

Querofonte, amigo de infância de Sócrates e companheiro do povo, perguntou ao oráculo de Delfos, Pítia, se existia alguém mais sábio que Sócrates, e o oráculo respondeu: “O mais sábio dentre vós, homens, é quem, como Sócrates, compreendeu que sua sabedoria é verdadeiramente desprovida do mínimo valor”.23

Sócrates se propôs a investigar as razões de tais palavras e des­cobriu que o oráculo o tinha por sábio, pois nenhum valor há na sabedoria humana. A partir daí, ele se apresentava como um homem que reconhecia sua própria ignorância, o que resultou na sentença a ele atribuída: “Eu [só] sei que nada sei”.

Como conseqüência de sua maneira de viver do reconhecimento da própria ignorância, no início de suas atividades filosóficas poucos jovens foram atraídos por ele. Ele buscava a companhia de jovens nos

21 J. Brun, Sócrates, Platão e Aristóteles, p. 27.22 Diálogos. In: O banquete, p. 8.2J Platão, Apologia de Sócrates, p. 44, 47.

24 Fundamentos da teologia da educação cristã

ginásios, onde se reuniam para a prática de exercícios atléticos, e con­versava com alguns deles enquanto descansavam após os exercícios.

Os ginásios atléticos eram as escolas e as faculdades da época, onde os futuros líderes da sociedade podiam ser encontrados e in­fluenciados. Sócrates imaginava que poderia prestar melhor servi­ço aos interesses de Atenas, ao propiciar àqueles jovens aristocratas pensar na que considerava a mais importante de todas as questões: Como um homem pode conduzir sua vida?24

Homens mais idosos também se juntavam a essas discussões, e muitos, que se julgavam bons conselheiros e juizes prudentes de ques­tões duvidosas viam suas pressuposições seriamente postas à prova e às vezes refutadas pela dialética socrática. Muitos idosos sentiam que haviam sido humilhados diante dos mais jovens, e o resultado era o acúmulo de suspeitas e antipatias contra Sócrates.

Entretanto, ao mesmo tempo que os mais idosos eram antipáticos a Sócrates, muitos jovens de famílias ricas uniram-se a ele, a partir de um pequeno grupo de discípulos que admirava seu espírito de coragem e achava sua conversa estimulante e instrutiva.25

Ele não pretendia apresentar quaisquer doutrinas especiais para serem transmitidas; antes, postulou uma atitude nova e crítica na vida. A maneira de filosofar de Sócrates era a de uma confrontação intelectual e moral, uma exortação constante a que as pessoas se preocupassem com a verdade e com o bem-estar da alma. Seu mé­todo era o da conversação, e seu primeiro objetivo era a refutação do erro. Depois disso, ele podia trabalhar no sentido de instilar um senso verdadeiro de valores no ouvinte. O primeiro passo rotineiro na conversa era: “Examinemos, juntos, o problema”.

O resultado de suas ideias foi sua condenação e morte pelas oligarquias atenienses, uma vez que tais homens sentiram-se amea­çados por seus ensinos. Uma sentença atribuída a Sócrates, “Co- nhece-te a ti mesmo”, mas cujo inventor foi Pítaco, demonstra seus princípios educacionais.

24 J. V. Luce, Curso de filosofia grega do século VI a.C. ao século III d.C., p. 89.25 Platào, Apologia de Sócrates, p. 47.

O conhecimento era uma das principais discussões nos dias de Sócrates e tornou-se uma de suas marcas distintivas em relação aos sofistas. Em sua compreensão, a virtude (areté) não poderia ser objeto de uma arte especial, ou que pudesse ser dominada; pelo contrário, o bem é uma virtude de toda alma. O bem, ao qual todos os homens as­piram, não deve ser entendido apenas num sentido moral, mas como aquilo que é digno das aspirações do homem, incluindo o que é útil.

As aspirações por alcançar a virtude se tornam, assim, o esforço por alcançar um saber perfeito, cujo núcleo está na alma humana; nesta, o verdadeiro conhecimento está presente, pois “o conheci­mento perfeito só pode ser encontrado num ser que não tem tempo e é imutável, não conhece nem origem nem morte”.26

Daí a sentença de Pítaco “Conhece-te a ti mesmo” ser relevante para o método socrático da maiêutica. Para Sócrates, o conhecimento seguro deveria partir da alma, do interior para o exterior. Por conse­guinte, o homem só poderia encontrar o conhecimento verdadeiro por meio do zelo de sua alma. Para isso, havia necessidade de se despir da arrogância. Essa preocupação deu origem ao método denominado ironia, o qual consistia em perguntas dirigidas ao seu interlocutor. Elas eram tantas que, no decorrer do diálogo, o interlocutor entrava em contradição com suas afirmações, de tal forma que admitia não conhecer todas as coisas.

O objetivo de Sócrates era derrubar toda pretensão ou presunção do saber. Buscava-se purificar o caráter, à medida que conduzia seus interlocutores à confissão de suas próprias contradições e ignorância, onde antes só julgavam possuir certezas e convicções. Uma vez inse­rido no diálogo, a intenção real de Sócrates era despertar no discípu­lo o desejo de procurar as próprias respostas por si mesmo, iniciando suas próprias reflexões; era nesse momento que a maiêutica ocorria.

Portanto, a educação socrática possui caráter ativo e deve prover condições para a reflexão a partir de si mesmo, isto é, o saber de “dentro para fora”, e o conteúdo das discussões educacionais deve ser extraído do cotidiano.

26 W. Burkert, Religião grega na época clássica e arcaica, p. 610-611.

A EDUCAÇÃO NO PERÍODO BÍBLICO 25

26 Fundamentos da teologia da educação cristã

PlatãoPlatão é um personagem a ser destacado quando se discute a con­tribuição grega para a educação. Ele viveu nos anos 427 a 347 a.C. Era descendente de uma família ateniense nobre. Do lado paterno, contava com Codros, um dos antigos reis de Atenas, e, pelo lado materno, com o famoso estadista grego Sólon. Seu nome verdadeiro era Aristócles, mas ficou conhecido pelo seu apelido de Platão, que compreende as especulações: por ter os ombros largos; por ter a testa avantajada ou por causa da profundidade do seu pensamento.27

Seu encontro com Sócrates28 foi aos vinte anos de idade por in­termédio dos seus parentes Crítias e Cârmides, amigos do citado filó­sofo. De Sócrates, Platão chegou a afirmar:29 “o melhor homem entre todos que conhecemos, o mais sábio e o mais íntegro”.

Nos doze anos seguintes após a morte de Sócrates, dedicou-se à produção literária e a viagens esporádicas à Grécia ocidental; dali, esteve em Taras, Mégara, Egito, Cirene.30 Ao retornar a Atenas, Platão, após ampliar seus horizontes culturais e amadurecer suas reflexões filosóficas, resultado de suas viagens, resolveu fundar sua própria escola, denominada Academia, a qual se tornaria protótipo dos colégios e universidades futuros.31

A tônica da Academia era a preparação do indivíduo na polí­tica; buscava ser um colégio filosófico para formar um novo tipo de dirigentes para o mundo grego, que se tornaram especialmente procurados como conselheiros para a elaboração de. constituições ou de projetos de nova legislação.32 A Academia se tornou o centro

27 Antiseri, História da filosofia, p. 125.28 Para saber mais sobre a vida e a obra literária de Platão, cf. Edson Pereira Lopes.

O cuidado com a alma imortal nos diálogos Fédon, Fedro e República de Platão. In: Re­vista Estudos de Religião. São Bernardo do Campo: Metodista, n.- 35, dez. de 2008, p. 178-194.29 Apologia de Sócrates, p. 190.w Edson Pereira Lopes, A história da educação no período dos primeiros pais da Igreja, p. 180.31 Idem, p. 179.,2 Idem, p. 181.

A EDUCAÇÃO NO PERÍODO BÍBLICO 27

formador de alunos que contribuíram para a vida política de dife­rentes localidades do mundo grego. Platão dedicou-se totalmente ao desenvolvimento da Academia e a escrever numerosos diálogos maiores, incluindo A república, sua obra magna.

Percebemos que a Academia buscava formar futuros líderes; en­tretanto, não se tratava de um centro formador voltado apenas para a política. Platão demonstra sensível preocupação com a alma. Aí estava seu diferencial em relação aos sofistas.

Trata-se de uma concepção educacional oposta à dos sofistas, por considerá-los pragmáticos e por buscarem o conhecimento utilitário a serviço dos discursos políticos. Sua oposição ficou clara quando bus­cou construir seus pressupostos filosóficos da educação sob a noção fundamental da verdade, a qual, segundo os sofistas, era relativa; mas, conforme Sócrates e Platão, real e absoluta.33 Além disso, a educação concebida por Platão, com vistas à formação do dirigente político, é um tipo de educação dotada de valor e alcance univer­sais. Qualquer que seja o campo da atividade humana para o qual alguém se oriente, não há mais do que uma cultura válida: a que aspira à verdade.34 Para Platão, a busca da verdade é o fundamento da vida humana, e é por assim pensar que ele ressalta uma educação que prioriza o cuidado com a alma, haja vista que somente ela pode alcançar o mundo das ideias, onde se encontra a verdade.

Percebemos que esse foco educacional de Platão está diretamente relacionado com a educação cristã, uma vez que esta também prio­riza o cuidado com a alma. É notório entre os cristãos que há uma preocupação com o corpo; todavia, os assuntos relativos à alma ain­da são prioridade na relação do homem com o Criador, o que de­monstra a influência de Platão na teologia ocidental da Antiguidade até os dias de hoje.35

33 Idem, p. 193.34 H. I. Marrou, História da educação na Antiguidade, p. 111.35 Para saber mais sobre o assunto cf. Edson Pereira Lopes. A história da educação no período dos primeiros pais da Igreja, p. 178-194.

28 Fundamentos da teologia da educação cristã

AristótelesSeu pai era Nicômaco, médico e amigo do rei Amintas II, da Mace- dônia. Em 367-366 a.C., com dezoito anos, foi para Atenas e ingres­sou na Academia de Platão, onde permaneceu por vinte anos. Com a morte de Platão em 347 a.C, a destacada competência de Aristóteles o qualificava para assumir a direção da Academia. Seu nome, entre­tanto, foi preterido por ser considerado estrangeiro pelos atenienses; Espeusipo, sobrinho de Platão, assumiu a direção da Academia.36

Provavelmente decepcionado com o episódio, deixou a Acade­mia e partiu para Assôs, na Mísia, Ásia Menor, onde permaneceu até 345 a.C. Entre os anos 335 e 334 a.C., Aristóteles retornou a Atenas e ocorreram três importantes episódios em sua vida: a morte de Pí- tias; seu casamento com Herfílis, que lhe dera o filho Nicômaco; e a fundação de sua escola, sob o nome de Liceu, nome que homenageia o deus Apoio Lício.

Uma das principais preocupações de Aristóteles girava em torno da natureza (phisis). Segundo ele, é ela quem destina os que devem mandar e governar, que são os nobres, e os que devem obedecer, os destinados à servidão. Assim sendo, é nesse contexto que se podem refletir os pressupostos educacionais de Aristóteles, uma vez que os destinados a mandar, os nobres por natureza, foram dotados para a educação. Para Aristóteles, só o nobre é digno de formação, haja vista que foi capacitado pela natureza para isso; “os outros podem, no máximo, receber um ensino artificial que lhes dará excelência fictícia”.37 Portanto, é possível o ensino de saberes ou técnicas, que se podem inculcar do exterior nesse indivíduo; todavia, ele jamais alcançará o conhecimento por excelência, uma vez que a natureza não o dotou para isso.

Pode ocorrer, todavia, que o indivíduo seja dotado pela nature­za para o governo, mas não tenha conhecimento desse fato; pode ocorrer ainda que ele possua as condições para colaborar para o

36 Antiseri, História da filosofia, p. 173.37 S. Vergniéres, Ética e política em Aristóteles, p. 16-17.

A EDUCAÇÃO NO PERÍODO BÍBLICO 29

bem-viver do Estado, mas não possua maturação ética para tal feito; ocorre ainda um terceiro fator: há diferenças individuais importan­tes que vêm da natureza e, como resultado, nota-se que nem todos são receptivos da mesma maneira à educação. Para que haja reso­lução quanto à maturação ética do nobre e as diferenças naturais sejam minimizadas, são necessárias duas medidas: uma referente ao matrimônio e à procriação, e a outra pelo hábito, que ocorre por meio da educação.

Já que, como se explicitou, na concepção aristotélica a natureza é anterior à educação e apenas os nobres são destinados a mandar e a governar, infere-se que o primeiro dever do legislador é garantir a essas crianças condições para despontarem suas aptidões naturais. Entretanto, nem sempre a natureza consegue seu intento, como se pode verificar por suas próprias palavras: “A natureza bem que o deseja — inúmeras vezes —, porém ela nem sempre pode aquilo que quer”.38

Por essa razão, há necessidade de complementar a natureza com certos princípios reguladores, os quais devem ser experimentados antes do nascimento, isto é, quando vai ocorrer a união conjugal; pois, por sua forma de pensar, os pais têm uma decisiva participação quanto aos referidos dotes naturais e também pela vida saudável dos filhos, como se percebe da sua afirmação: “... um homem de virtude somente nascerá de pais virtuosos”.39 É com esse pressuposto que ele40 apresenta seus princípios acerca da união conjugal, que aqui são sintetizados da seguinte maneira:

A idade apropriada para a união conjugal O casamento deveria ocor­rer na época do inverno, e a idade para sua realização deveria ser fixa­da aos 37 anos para os homens e dezoito anos para as mulheres. Sua justificativa para essa faixa etária consistia no princípio de que essa era a época de máximo vigor de ambos, e os filhos nasceriam saudáveis e

38 Aristóteles, Política, p. 20.39 Idem.40 Idem, p. 148-153.

30 Fundamentos da teologia da educação cristã

robustos. Ficava estabelecido que o homem até aos setenta anos pode­ria ter filhos; para as mulheres, a idade-limite era de cinqüenta anos.

Controle da natalidade. O controle da natalidade deveria ser ado­tado porque, se certos matrimônios fossem por demais fecundos, a população cresceria rapidamente. O aborto deveria ser feito quando houvesse conhecimento de que um feto poderia ser deformado; visto que não poderia haver muitas pessoas sob o cuidado do Estado, nas- cituros deformados, uma vez nascidos, eram privados de nutrição e abandonados. Assim, Aristóteles era a favor do aborto, o qual deve­ria ser provocado antes que tivesse começado o sentir e a vida, pois, do contrário, poderia configurar um crime: “É necessário provocar o aborto antes que o feto adquira animação e vida”.

Após tratar da união conjugal e do controle da natalidade, prin­cípios esses que deveriam ser observados quando a pretensão fosse obter os naturalmente destinados ao governo, Aristóteles explicita como as crianças devem ser tratadas após o nascimento,41 como segue.

Cuidar do regime alimentar. Para ele, o regime alimentar faz grande diferença para o vigor do corpo, e a alimentação mais propícia ao corpo é o leite.

Conceder toda a liberdade que se possa permitir à criança em tal idade. Ela deve se movimentar constantemente para que não sofra nenhuma deformação, e para isso é necessário acostumá-la ao frio desde a primeira idade.

Até os cinco anos, a criança não deve se dedicar aos estudos, nem a

trabalhos pesados, para que não se interrompa seu crescimento. O melhor a fazer nessa faixa etária é a atividade física e o exercício, desde que não seja cansativo ou de exagerada facilidade. Não se deve proibir os gritos e choros das crianças. Isso faz parte do desenvolvimento, além de ser um exercício para os órgãos físicos. Devem-se afastar das crianças dessa idade a indecência, os vícios e as representações e pin­turas obscenas. Chegadas aos cinco anos, devem, por dois anos, até

41 Idem, p. 151-153.

A EDUCAÇÁO NO PERÍODO BÍBLICO 3 1

os sete, ser espectadoras nos exercícios que terão de aprender depois. Nesse período inicial até a idade de sete anos, as crianças devem ser educadas na casa dos pais.

A ênfase de Aristóteles, ao regular a união conjugal, procriação e educação das crianças até os sete anos, é mostrar que essa regula­ção é complementar e decisiva para que se sobressaiam as aptidões naturais dos que são destinados ao governo. Sendo assim, os pais são um complemento decisivo à natureza, que frequentemente necessi­ta do complemento humano ocorrido por meio da educação.

Destacamos alguns dos principais fundamentos educacionais de Aristóteles:42

1. Ele reconhece que muitos Estados que relegaram a educação a segundo plano foram grandemente prejudicados; por essa razão, um dos principais deveres do legislador é provê-la: “Não haverá quem conteste, portanto, que a educação dos jovens precisa ser um dos objetivos principais por parte do legislador”.43

2. A educação deve ser provida pelo Estado. Aristóteles criticava os pais que enviavam seus filhos para usufruírem de uma educação particular, pois, em sua concepção, ela deve ser aprendida comuni- tariamente e administrada pelo Estado: “Como existe, porém, uma finalidade única para a cidade, conclui-se que a educação também deve ser única para todos”.44

3. A educação deve se preocupar fundamentalmente com a virtu­de, o pensamento e a liberdade. Ele critica a arte mecânica e quais­quer outras ciências que impossibilitem aos homens desenvolver a virtude, o pensamento e a liberdade: "... deve-se julgar como mecâ­nica toda a arte, toda a ciência que impossibilita [...] a prática da vir­tude [...] o pensamento, nem liberdade, nem dignidade”.45 Para ele, a educação não deve visar só à utilidade das coisas; essa preocupação deve aparecer em segundo lugar. A prioridade deve ser a honra.

42 Idem, p. 155-170.43 Idem, p. 155.44 Idem.45 Idem, p. 156.

32 Fundamentos da teolooia da educação cristã

4. Matriz curricular. Aristóteles não está preocupado em apresen­tar uma nova matriz curricular; todavia, é mister destacar sua con­cepção acerca dessa temática. Sua maior discussão é com relação à

utilidade da música e de alguns instrumentos musicais, que devem ser deixados de lado quando se trata da educação dos que foram, por natureza, destinados ao governo: Primeiro, a ginástica e a pedotríbi- ca, “uma, para conferir ao corpo graça e vigor; outra, para educá-lo nos exercícios”; até a adolescência, os exercícios devem ser pouco cansativos; a partir da puberdade, devem ser pesados e seguidos de regime alimentar. Segundo, quanto à utilidade da música, ele duvida se ela deve fazer parte da educação, haja vista que, para ele, ela é utilizada para a distração e a busca do prazer;46 por outro lado, há o reconhecimento de que ela exerce influência nos jovens, de ma­neira que pode ser útil. Entretanto, o foco deve ser educacional, e não o prazer em si mesmo, para que torne o jovem inteligente. È assim que ele descarta o uso da flauta: “Não se deve introduzir na educação as flautas e os instrumentos construídos com arte, como a citara [...], porém somente os que tornarão os jovens ouvintes inteligentes”.47

EDUCAÇÃO ROMANA

Segundo Nunes,48 foi no Império Romano que houve a preocupa­ção de organizar o ensino público, ainda que essa discussão tenha sido iniciada na Grécia macedônica, em Alexandria e em Pérgamo. Mesmo com tal preocupação, a sociedade romana permaneceu no regime aristocrático, e os estudos mais profundos faziam parte dos privilégios da elite.

Prova disso está no princípio de que as famílias ricas contrata­vam preceptores para o ensino de seus filhos, enquanto a escola pública era destinada aos pobres.49 É necessário lembrar, ainda, que

46 Idem, p. 162-163.47 Idem, p. 165-166.48 História da educação na Idade Média, p. 101.49 M. ÜEBESSE; G. Mialaret, Tratado das ciências pedagógicas, p. 67.

A EDUCAÇÃO NO PERÍODO BÍBLICO 33

a educação pública não existia para a primeira infância, já que era vista como responsabilidade da família.50

A educação romana se fundamentou no aperfeiçoamento do in­divíduo em relação ao Estado; por essa razão, as artes eram visadas, mas, sobretudo, o direito. De modo mais específico, a cultura ro­mana se originou das leis das Doze Tábuas, seu código civil, base da jurisprudência e da ciência civil, em torno do que formaram-se a ciência jurídica, a eloqüência forense e a política.51

Cícero52 referiu-se a isso, dizendo conterem elas os apelos de toda sentença e de todo castigo e a eleição dos decênviros legisladores, isto é, dez magistrados nomeados depois do estabelecimento da repú­blica romana, com o fim de elaborar o código romano.

A educação romana distingue-se em três períodos, sendo o mar­co divisor dos períodos a obra de Cícero Sobre a oratória, datada de 55 d.C.53

Período antigo — da fundação de Roma à conquista da GréciaNessa fase, o instrumento de formação é a família, vista como forte instituição romana e investida da soberana autoridade do paterfa-

milias.54 O pressuposto romano, nessa fase, consiste no princípio da família como o meio natural em que a criança deve crescer e se formar.

Percebemos aí uma das grandes diferenças entre os romanos e os gregos, uma vez que, na Grécia, a educação estava a cargo dos escra­vos (paidagogos); em Roma, por outro lado, isso não é atribuição de um escravo, mas da família. Esta merecia todo o respeito, e o jovem era ensinado a ter orgulho de sua família, geralmente ilustre.

50 M. A. Manacorda, História da educação, p. 74.51 F. COULANGES, A cidade antiga: estudos sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e de Roma, p. 247.52 Da república, p. 170, 181.53 P Monroe, História da educação, p. 82-85.54 M. Debesse; G. Mialaret, Tratado das ciências pedagógicas, p. 70.

34 Fundamentos da teologia da educação cristã

Até os seis anos, a criança estava sob a direção exclusiva da mãe. A própria mãe era responsável pela educação do seu filho, e isso mesmo nas maiores famílias. A mãe era honrada por permanecer em casa para cumprir esse dever. Quando a mãe não podia desem­penhar sua função, escolhia-se para governanta dos filhos e da casa alguma venerável parenta de idade madura, que soubesse criar em torno de si, até nos brinquedos, uma atmosfera de alto teor moral e de severidade.55

A partir dos sete anos, o pai assumia a responsabilidade de edu­car a criança. O pai, segundo a pedagogia romana, era considerado o verdadeiro educador. Os filhos acompanhavam o pai, seguindo-o até o interior da cúria, onde com ele assistiam às sessões secretas do Senado; iniciavam-se ao seu lado em todos os aspectos da vida que os esperava, instruindo-se pelos seus preceitos e mais ainda pelo seu exemplo. Uma comprovação de que isso era corrente é a afirmação de Cícero:56 “Sou romano antes de mais nada, educado pelos cuida­dos de meu pai no gosto dos estudos liberais”. Assim, na educação romana, o pai servia de pedagogo não porque o filho seguisse o pai até a escola, mas por o pai propiciar-lhe sólida formação moral, que o marcaria por toda a sua vida.

O jovem nobre romano era vestido com a toga bordada de púr- pura, símbolo de “aprendiz”, e assim se vestia até os dezesseis anos, ocasião em que terminava a educação familiar. Uma cerimônia so- lenizava essa fase: o adolescente abandonava sua toga bordada de púrpura e as outras insígnias da infância, para vestir a toga viril. A partir de então, o jovem estudava por um ano o aprendizado da vida pública (tirocinium fori) e após era iniciado no serviço militar.

No primeiro ano, no exército, o jovem servia nas fileiras, pois um futuro chefe deveria antes de tudo aprender a obedecer, e uma futura carreira política sempre se beneficiaria de algum ferimento glorioso ou façanha de iniciante. Mas os jovens nobres eram tratados

55 H. I. Marrou, História da educação na Antiguidade, p. 362.56 Da república, p. 154.

A EDUCAÇÃO NO PERÍODO BÍBLICO 35

com distinção, já que os padrinhos eram encarregados de dirigi-los e protegê-los. Logo, saíam das fileiras para servirem como oficiais do Estado, ou generais comandantes. Nessas funções, eles concluíam sua formação junto a alguma alta personalidade, a quem cercavam de respeito e veneração.

O conteúdo educacional dessa fase consistia em ensinar, à criança ou ao jovem, literatura, retórica, eventualmente filosofia grega, mas, sobretudo, a moral romana; esta compreendia formar a consciência do educando por meio de valores pertinentes a um estilo de vida feito de sacrifício, renúncia e devotação total à pátria, como afirma Cícero:57 “Recebi de meus antepassados e de meu pai a missão única de servir e de defender o Estado”. O herói romano era aquele que, em circunstâncias difíceis, por sua coragem ou sabedoria, salvara a pátria em perigo: "... o interesse da pátria deve ser a norma suprema do valor e da virtude”.58

O ideal educativo dos romanos era a preparação de uma juven­tude forte, sadia e guerreira para o serviço do Estado; daí o inte­resse pela educação física e militar, e o desprezo pela cultura, ao menos nessa fase. A educação física tornou-se a tônica. A esgrima, aprendida sob a orientação de um gladiador, fazia parte da educação mais refinada. Tratava-se de combates simulados para não ferir o aprendiz; mas, em algumas situações, combatiam-se feras como ur­sos e leões. O treinamento incluía lançamento de dardo, manejo da espada, esporear cavalos, manejar qualquer arma, combater a socos, suportar frio e calor, atravessar a nado um rio torrentoso e frio.

Os romanos possuíam espírito mais prático que os gregos, pois não concebiam um aprendizado alienado da vida real. É assim que se pode perceber o interesse deles pela medicina, não como os gregos, em virtude de certo ideal da pessoa humana, mas, antes de tudo, para saber como cuidar de seus compatriotas, dos escravos e aumen­tar o rendimento financeiro.

57 Idem.58 H. I. Marrou, História da educação na Antiguidade, p. 366.

36 Fundamentos da teologia da educação cristã

Com o mesmo pressuposto é que se concebe a ciência jurídica dos romanos, pois a justiça romana teve sempre um caráter formalista, com um sistema de prescrições de tecnicismo refinado. Por outro lado, o espírito tradicionalista do romano dava grande autoridade à coisa julgada, o conjunto de decisões precedentes reunidas pela jurisprudência; daí o lugar do ensino do direito na educação.

Na última parte desse período, começaram a aparecer as primei- ras escolas elementares sob a direção de escravos, que ministravam o ensino da leitura, da escrita e das contas. Essas escolas foram de­nominadas de ludi — jogo, divertimento ou brinquedo, mas, mes­mo assim, é importante ressaltar que as Doze Tábuas prescreviam: “Conserve o poder do pai; deixe que ele julgue seu filho, condene-o à morte, venda-o; durante a vida do pai, o filho nunca é considerado maior .

Período de transição — da conquista da Grécia ao reinado de AdrianoCaracterizou-se pela crescente influência da cultura grega. Nesse período, a língua grega tornou-se o idioma oficial do comércio e da diplomacia intermediterrânea, e Roma passou a ser visitada por po­líticos, negociantes e mestres provenientes da Grécia. Surgiram as primeiras escolas dirigidas por professores gregos e destinadas a com­pletar a educação doméstica (paterfamilias).

Nessa fase, os romanos adotaram para seus filhos a educação gre­ga, que se achava entre os gregos escravos conquistados por Roma. Muitas famílias romanas, preocupadas em assegurar aos filhos a mais completa educação, nada poupavam para proporcionar-lhes a melhor formação grega. Além disso, muitas mulheres romanas tinham acesso à cultura grega, e algumas chegavam a exibir-se com orgulho ao cami­nharem, com os seus filhos, voltando da escola grega.60

59 F. CoULANCíts, A cidade antiga: estudus sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e de Roma, p. 247.60 H. 1. Marrou, História da educação na Antiguidade, p. 382.

A EDUCAÇÃO NO PERÍODO BÍBLICO 37

Percebemos assim que, nessa fase, a educação romana recebeu influência da cultura grega, que a conduziu ao terceiro período, que é o greco-romano.

Período greco-romanoPeríodo do reinado de Adriano ao ano 200 d.C., em que a educação romana se subordinou à cultura grega, haja vista que os professores eram gregos, em sua maioria, e os estudos preferidos eram a gramá­tica, a oratória e o direito. O método de ensino era empírico e rudi­mentar; a disciplina era severa e cruel, conforme se pode verificar nas escolas romanas, as quais são desdobradas em três fases: escola primária, escola secundária e ensino superior.

Escola latina primária

Em Roma, havia três graus sucessivos de ensino, os quais correspon­dem normalmente a três tipos de escolas confiados a três mestres especializados: aos sete anos, a criança entrava na escola primária, de onde saía, por volta dos onze ou doze anos, para a dos grammaticus; na idade em que recebia a toga viril, aos quinze anos às vezes, passa­va para o retórico: os estudos superiores duravam normalmente até os vinte anos, podendo se estender além.

Para designar o mestre primário, os latinos empregavam algumas vezes a palavra litterator, criada sobre o modelo do grego grammatistês (o que ensina as letras), mas preferiam dizer prirnus magister e, no mais das vezes, “mestre-escola” (magister ludi ou magister ludi literarii).

Também os romanos, devido aos perigos da rua tanto para os ra­pazes como para as moças, adotaram o costume grego do escravo acompanhante, que designavam com o nome de paedagogus. O pe­dagogo conduzia seu pequeno senhor à escola, onde as aulas eram ministradas ao ar livre, mas isoladas dos barulhos e curiosidades da rua. As crianças sentavam-se em escabelos sem encosto (não havia necessidade de mesas; escreviam sobre os joelhos), agrupadas em torno do mestre, que pontificava de sua cadeira.

O programa da escola primária consistia em aprender a ler e a escrever, nada mais do que isso. A criança escrevia, em sua tabuleta,

38 Fundamentos da teologia da educação cristã

as letras, a palavra ou o texto que deveria ler. A leitura e a escrita estavam intimamente associadas à declamação: a criança aprendia de cor os pequenos textos nos quais se exercitara, ao mesmo tempo para formar-se e enriquecer a memória, uma vez que a memória e a imitação eram as mais estimadas qualidades entre as crianças. As crianças que não buscassem apreender os ensinamentos dos mestres sofriam pancadas e estendiam a mão à palmatória.61

Vale ressaltar que o mestre de primeiras letras (litterator), em Roma, era mal remunerado, pois ganhava menos do que um pedreiro ou carpinteiro. Assim, não é de surpreender que o mestre de primeiras letras procurasse trabalho suplementar na redação de testamentos.62

Escola secundáriaNa escola secundária, encontrava-se a figura do grammaticus, que fundamentava seu ensino em escritores como Virgílio, Horácio e outros. Eles possuíam uma condição superior à do simples mestre de primeiras letras. O edito de Diocleciano (301 d.C.) prevê para o gramático uma remuneração quatro vezes superior à do mestre pri­mário. Ainda assim, o ofício de gramático continuava mal remune­rado e, na maioria dos casos, ele nem sequer era pago regularmente, devido à desconsideração dos pais para com os mestres.

O ensino do grammaticus apresentava os dois aspectos caracte­rísticos da gramática helenística: o estudo teórico da boa língua e a explicação dos poetas clássicos. Sob o nome de gramática, ensina­vam-se os elementos da linguagem: letras, sílabas, palavras ou par­tes do discurso, além de se praticarem exercícios de declinação e de conjugação.65 Por fim, estudava-se, no primeiro plano, Virgílio, o poeta por excelência. Imediatamente depois, Terêncio, o mais estu­dado dos poetas dramáticos, e outros grandes poetas latinos, como Horácio. Entre os historiadores, destaque para Salústio. Entre os oradores, o mestre por excelência era Cícero.

61 H. 1. Marrou, História da educação tia Antiguidade, p. 420-421.62 Idem, p. 415.63 M. Debesse; G. Mialaret, Tratado das ciências peiüigógicas, p. 53-59.

A EDUCAÇÃO NO PERÍODO BÍBLICO 39

Escola superior

Tratava-se do ensino da arte oratória, motivo pelo qual o mestre era denominado rhetor ou orator. Na hierarquia dos valores profissionais e sociais, o rhetor ocupava posto mais elevado do que seus colegas dos dois primeiros graus e era mais bem pago. O ensino do rhetor

tinha como objetivo o domínio da arte oratória, da qual ninguém podia escapar.

Uma vez concluída a longa série dos exercícios preparatórios, o aluno era solicitado a redigir discursos sobre determinado tema. Aprendidos de cor, esses discursos eram pronunciados em públi­co; daí a técnica mnemônica ser tão utilizada naquela época. Tal exercício era denominado declamatio. O discurso era composto de seis partes: exórdio, narração, divisão, argumentação, digressão e peroração; deveria, dependendo do público, ter um estilo humilde, temperado ou sublime, além de utilizar rico vocabulário, figuras e ritmo diversos e ser memorizado. Ele servia para fazer um elogio ou censura; uma comparação, descrição, tese ou proposição de lei (sustentando-a ou não).

Em suma, destacamos que a educação romana priorizava a res­ponsabilidade dos pais na formação educacional dos filhos. Eles ti­nham a incumbência de ensinar-lhes a vida moral e o amor à pátria.

EDUCAÇÃO HEBRAICA

Há que se reconhecer algumas peculiaridades da educação hebraica, em comparação com os demais pressupostos educacionais orientais; enquanto estes focavam o aspecto místico da religião, da mitologia ou especulações filosóficas,M os hebreus ressaltavam as evidências históricas ou os atos presenciais de Deus na História.65

Essa foi a principal razão pela qual a cultura hebraica deu pouca ênfase às questões filosóficas e às investigações científicas e ressal­tou a literatura como um método para ensinar os preceitos divinos.

64 T. M. Santos, Noções de história da educação, p. 57-63.65 R. H. Gundry, Panorama do Novo Testamento, p. 52.

40 Fundamentos da teologia da educação cristã

A educação hebraica estava focada na família,66 pois, num primeiro momento, não havia escolas, e as crianças recebiam dos pais a instru- ção moral e religiosa. Durante os primeiros anos, a mãe era a única a cuidar da criança, mas, aos quatro anos, a situação mudava con­forme o sexo: a menina continuava com a mãe, e o menino passava para os cuidados do pai.67

Ambos começavam a aprender suas profissões; a menina apren­dia as prendas domésticas, e o filho aprendia a profissão do pai. Em alguns casos, o filho poderia ser enviado à casa de um parente a fim de aprender algum ofício, mas, para tal procedimento, era necessário esperar até os seis anos, idade em que o pai já não era mais juridica­mente responsável por sustentar o filho, e este precisava aprender a se arranjar.68 Ressalte-se, todavia, que o cuidado dos pais não visava apenas ao aprendizado de um ofício; antes, a ênfase recaía sobre o ensino das leis do Senhor aos filhos e sobre a conduta moral.69

Após a libertação de Israel, do Egito, além da educação familiar, os ensinamentos passaram a ser ministrados pelos sacerdotes; a edu­cação passou a ter dois centros basilares: a família e o sacerdote.

No período do Exílio, que se iniciou com a tomada de Jerusalém por Babilônia, e por causa dos diferentes povos que se digladiavam na conquista do mundo até então conhecido, as terras de Israel fica­ram completamente destruídas, conforme a leitura do texto bíblico de Neemias 1.

Nesse período, também denominado de Diáspora,70 houve a ne­cessidade da instrução gramatical no idioma hebraico, a fim de con­servar o espírito nacional israelita livre da contaminação estrangeira e porque muitos já não conheciam o idioma, por estarem longe de

66 D. Fürst, Paideun. In: Colin Brown, Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento, p. 61. Para saber mais sobre o assunto, cf. Educação. In: J. VI. Bentes; R. N. Champun, Enciclopédia de Bíblia, teologia e filosofia, p. 268-273.67 H. Daniel-Rops, A vida diária nos tempos de Jesus, p. 78.68 B. Rolland; C. Saulnier, A Palestina no temjw de Jesus, p. 67.69 H. Daniel-Rops, idern, idem.70 W. Durant, História da civilização romana e do cristianismo até o ano 325, p. 427.

A EDUCAÇÃO NO PERÍODO BÍBLICO 4 1

sua terra natal. Estimulou-se o espírito nacionalista dos hebreus, que sentiram a necessidade de manter a pureza dos seus ideais religiosos, uma vez que para eles “a religião era fonte da lei, do Estado e a gran­de esperança de todos”.71

Isso foi feito primeiramente por meio da disseminação da educa­ção escolar a todos os filhos de Israel, o que resultou no surgimento da sinagoga, que substituiu e preencheu a lacuna deixada pelo tem­plo de Jerusalém, destruído nessas situações de conflito; em segun­do lugar, o espírito nacionalista foi estimulado por meio dos estudos aprofundados da lei, que se tornou padrão de santidade e símbolo do nacionalismo.72

Há alguns textos bíblicos, tais como Salmos 74:8; Ezequiel 8:1; 11:16; 14:1; 20, que parecem identificar a existência da sinagoga an­tes do Exílio; mas, de maneira geral, acredita-se que ela teve origem no Exílio e se fortaleceu com Esdras, a quem “o Talmude atribui, e aos seus sucessores, [serem] os homens da Grande Sinagoga”.73 Como im­portante instituição israelita de ensino, nos dias de Jesus contavam-se 408 sinagogas espalhadas por diversas regiões, sendo a mais antiga a de “Shedia, perto de Alexandria, que data do século II a.C.”.74

Relevância da sinagoga para a educação religiosa judaicaBaxter75 afirma que o judaísmo nasceu junto com a sinagoga; no as­pecto positivo, inicialmente resgatou a centralidade da lei; entretan­to, no aspecto negativo, o resultado foi uma religiosidade rígida e um cerimonial preocupado com o exterior, tendendo à aplicação de um literalismo legalista. Foi nesse período que, a título de objeção à he- lenização da cultura judaica, surgiram alguns dos principais partidos de Israel: saduceus, essênios e fariseus.76

71 Idem, p. 419.72 J. S. Baxter, Examinai as Escrituras: período interbíblico e os evangelhos, p. 34.75 D. A. Rausch, Enciclopédia histórico-teológica da Igreja cristã, p. 396.74 A. Samuel, As religiões hoje, p. 160.75 Examinai as Escrituras: período interbíblico e os evangelhos, p. 34-35.76 F. Josefo, Flávio Josefo: uma testemunha do tempo dos apóstolos, p. 45.

42 Fundamentos da teologia da educação crista

Antes de discorrermos acerca dos partidos de Israel, é necessário a termo-nos às condições gerais dos quatrocentos anos do período in- tertestamental, com a finalidade de compreendermos algumas razões pelas quais os judeus se opunham à helenização. Champlin77 divide o citado período da seguinte maneira: 1) período persa (430-322 a.C.); 2) período grego (321-167 a.C.); 3) período da independência (167- 63 a.C.); 4) período romano (63 a.C. até João Batista).

A Pérsia foi potência mundial durante duzentos anos; foi na me­tade desse período que Israel seguiu para o cativeiro; daí nomes como Artaxerxes I, Xerxes II, Dario e Artaxerxes II serem familiares, sobre­tudo aos estudiosos da religião judaico-cristã. Foi durante o governo de Artaxerxes I que Neemias reconstruiu Jerusalém, o que parece contribuir para a concepção de que se tratava de um povo relativa­mente clemente. O Império Persa caiu sob Dario III em 331 a.C.

Com a queda da Pérsia, o poder passou da Ásia para o Ocidente, sob a tutela de Alexandre, o Grande, o qual, com a idade de vinte anos, assumiu o comando do exército macedônico e reduziu aos seus pés todas as demais potências: Egito, Assíria, Babilônia e Pérsia. Ele conquistou a Palestina em 332 a.C., poupou a cidade de Jerusalém e disseminou a língua e a cultura gregas por toda parte.

Aos 23 anos de idade, no ano 323 a.C., estando na Babilônia, Alexandre faleceu.78 Com sua morte, o reino foi dividido, e o império foi repartido entre quatro dos seus generais. A Síria ficou com Seleu- co e o Egito com Ptolomeu; daí surgiu a dinastia dos ptolomeus, reis gregos do Egito, e os selêucidas, reis gregos da Síria.79 Os ptolomeus no Egito, cuja última representante foi Cleópatra, que morreu em 30 a.C.,80 assemelhavam-se ao reino dos selêucidas, mas havia entre os dois reinos uma grande rivalidade, que deu origem a numerosas guerras com variados resultados.

77 O Novo Testamento interpretado, p. 131.78 M. C. Tenney, O Novo Testamento: sua origem e análise, p. 46.79 Justo L. González, História ilustrada do cristianismo, p. 17-18.80 M. C. Tenney, idem, p. 47.

A EDUCAÇÃO NO PERÍODO BÍBLICO 43

Com relação à temática do contexto judaico, e posteriormente cristão, há que se ressaltar que a Palestina ficou debaixo do controle sírio, mas logo passou para o controle egípcio. Durante esse perío­do, os judeus estiveram dispersos, e em Alexandria houve grande influência judaica, a ponto de alguns colonos judeus conseguirem o título de cidadãos de Alexandria.81 Essa influência é percebida na atitude de Ptolomeu Filadelfo (285-247 a.C.), que propiciou meios de o Antigo Testamento hebraico ser traduzido para o grego. Essa tradução levou o nome de Septuaginta, representada pelo símbolo LXX (70 em latim), porque, segundo a tradição, ela foi completada em setenta anos, por 72 tradutores judeus da Palestina.82

Com referência à importância do texto da Septuaginta (LXX), Dodd83 demonstra que os escritores bíblicos do Novo Testamento muito se utilizaram dela em suas citações do Antigo Testamento, o que lhe permitiu afirmar: “Se considerarmos todo o conjunto [...] parecerá favorável que ela tenha tido um papel importante na for­mação da linguagem utilizada pela igreja primitiva para exprimir sua fé na obra passada e futura de Cristo”. Com o mesmo pensamento, Tenney explicita: “Esta versão [...] tornou-se a Bíblia popular dos judeus da Diáspora e foi geralmente usada pelos escritores do Novo Testamento. Quando usavam o Antigo Testamento, tiravam da Septuaginta a maior parte das suas citações”.84

Sob os ptolomeus, os judeus prosperaram, e Alexandria tornou-se um importante centro comercial, religioso e educacional. Os ptolo­meus fundaram uma grande biblioteca, que conservou os principais tesouros literários da Antiguidade; os bibliotecários de Alexandria foram eruditos notáveis e iniciaram o estudo da gramática grega e da crítica textual.

Entretanto, em 198 a.C., Antíoco, o Grande, reconquistou a Pales­tina, que voltou ao controle dos selêucidas. Assim, em 175-164 a.C.

81 Idem, p. 48.82 R. N. Champlin, O Novo Testamento interpretado, p. 131.85 Segundo as Escrituras: estrutura fundamental do Novo Testamento, p. 60-107.84 O Novo Testamento: sua origem e análise, p. 48.

44 Fundamentos da teologia da educação cristã

os judeus foram severamente perseguidos por Antíoco Epifânio, que estava resolvido a exterminá-los, juntamente com sua religião.85

No ano 168 a.C., ele profanou o templo de Jerusalém,86 oferecen­do um porco sobre o altar de sacrifícios; além disso, tentou destruir manuscritos das Escrituras judaicas, o que resultou na revolta dos macabeus. Matatias era um sacerdote que tinha cinco filhos: Judas, Jônatas, Simão, João e Eleazar, os quais lutaram pela independência dos israelitas. Assim, em 14 de dezembro de 164 a.C., Judas maca- beu purificou e reconsagrou o templo ao seu uso apropriado,87 e esse acontecimento passou a ser comemorado pela Festa da Dedicação. Esse período de liberdade terminou em 63 a.C., quando os romanos conquistaram a Palestina.

Percebe-se assim que os judeus tinham motivos políticos, religio­sos e culturais para se oporem à helenização, uma vez que a intenção da helenização, segundo González,88 era “combinar elementos gregos com outros tomados das diversas civilizações conquistadas”. Ao se oporem ao sincretismo religioso proposto, os judeus inspiraram ódio aos mais diferentes impérios; daí chegou-se à conclusão de que Israel e sua religião deveriam ser exterminados.89

No contexto de conflitos e perseguições contra a manutenção de sua religião, os judeus buscaram fortalecimento interior, o que resultou nos partidos já mencionados anteriormente. Cada um à sua maneira procurava vivenciar os ensinos da Torá e ser considerado o “verdadeiro” Israel de Deus.90

Os saduceus91 aceitavam as seguintes crenças: 1) que as almas de­sapareciam juntamente com os corpos; 2) que não deveriam se preo­cupar em observar absolutamente nada mais, senão as leis; 3) que

85 J. González, A era do cristianismo, p. 17.86 A. H. J. Gunneweg, Teohgia bíblica do Antigo Testamento: uma história da religião de Israel na perspectiva bíblico-teológica, p. 339.87 F. F. Bruce, Merece confiança o Novo Testamento!, p. 199-200.

89A era do cristianismo, p. 16.89 Idem.90 A. H. J. Gunneweg, idem, p. 309.91 F. Josefo. Flávio Josefo: urna testemunha do tempo dos apóstolos, p. 45.

A EDUCAÇÃO NO PERÍODO BÍBLICO 45

não deveriam ser homens de iniciativa: “quando chegam aos cargos, apesar do que são e por necessidade, concordam com tudo o que diz o fariseu, para não se tornarem insuportáveis à multidão”.92

Ao tratar das concepções religiosas e do modo de vida dos essê- nios, que em sua época contavam mais de quatro mil homens, Josefo93 afirma que seus ensinos consistiam nos seguintes princípios: 1) a pes­soa deveria se entregar a Deus em todas as coisas; 2) criam que as almas eram imortais; 3) entendiam ser preciso lutar para obter justiça;4) enviavam oferendas ao templo, mas não para sacrifício, pois prefe­riam eles mesmos sacrificar; 5) não se casavam e não adquiriam escra­vos; 6) viviam em sua própria comunidade e desempenhavam o papel de servos uns dos outros.

O fariseu, cujo significado é “separado", teve origem pouco de­pois da revolta dos macabeus. Segundo Gundry,94 “um fariseu não podia comer na casa de um ‘pecador’ (alguém que não praticasse o farisaísmo), embora pudesse acolher um pecador em sua própria casa”, dando-lhe roupas limpas.

Os fariseus: 1) professavam vida simples; 2) aceitavam a auto­ridade dos avançados em idade; 3) consideravam tudo como fruto do destino, ainda que não se isentassem da responsabilidade huma­na; 4) criam que a alma é imortal e que há castigos e recompensas;5) faziam suas orações e oblações dos sacrifícios.9’

Quanto aos herodianos ou zelotes, que seguiam Judas, o Galileu, seus adeptos estavam amplamente de acordo com o pensamento fari- saico; todavia, entendiam ser Deus o único chefe e mestre. Portanto, jamais chamariam de “senhor” qualquer ser humano.

Em meio aos partidos citados, compreendia-se haver duas cate­gorias de judeus: 1) os hebraístas, que retinham não só a fé judaica, mas também seu idioma e seus costumes, o que resultava em ódio por parte dos considerados por eles como “gentios”; 2) os helenistas,

92 Idem.93 Idem, p. 46-47.94 Panorama do Novo Testamento, p. 53.95 F. Josefo, Flávio Josefo: uma testemunha do tempo dos apóstolos, p. 45.

46 Fundamentos da teologia da educação cristã

que haviam adotado o idioma, o estilo de vestir e os costumes gregos, ao mesmo tempo que se apegavam à fé judaica. Filo, filósofo judeu do Primeiro século cristão, residente em Alexandria, é um exemplo. Para os judeus de Jerusalém, esses últimos não eram considerados judeus na concepção pura da palavra.

A educação com centralidade na ToráO que havia de comum entre esses partidos era a centralidade da lei; dessa maneira, procuraram escrever vários comentários, interpreta­ções e complementos, que foram denominados de lei oral,96 conheci­da como Mishná.97 A Mishná compreendia as leis civis, comerciais e penais, extraídas do material legislativo do Pentateuco. Era “para os judeus a principal Escritura depois do Antigo Testamento, além de ser considerada pelos autores como parte intrínseca da Torá oral”;98 isso, apesar de citar poucos textos bíblicos, pois apelava para a auto­ridade dos ditos de mais de 150 diferentes rabinos, incluindo debates e pontos de discordâncias, e não para passagens bíblicas.

Ela surgia na vida estudantil aos dez anos de idade; antes disso, as crianças de seis a dez anos recebiam noções de leitura e ensino he­braicos, conhecidos como Mikrah. A Mishná foi transmitida durante gerações; aos poucos, foi tomando a forma escrita, até que, finalmen­te, o rabi Jehuda compilou esses documentos, e surgiu o Talmude." Este, é semelhante a uma enciclopédia, reverenciada e em grande parte autorizada entre os judeus de hoje, por ser a coleção de escri­tos que abrange e determina as leis religiosas e civis do povo judeu, dividida em duas partes principais: 1) Mishná, a lei oral; 2) Guemará, o comentário da Mishná.

A Guemará era reservada aos alunos dos quinze aos dezoito anos; estes faziam um estudo profundo das leis orais da Mishná'00 e adquiriam

96 J. S. BAXTER, Examinai as Escrituras: período interbíblico e os evangelhos, p. 35.97 A. N. Lopes, A Ríblia e seus intérpretes, p. 53.98 Idem, p. 53.99 Para saber mais sobre o assunto, ct. Moisés BeiunsON; Dantes Lattes, Talmud: seleção de máximas, parábolas, lendas.100 A. N. Lopes, idem.

A EDUCAÇÃO NO PfcRÍODO BÍBLICO 47

conhecimentos de história natural, anatomia e medicina. Uma das di­ferenças entre a Mishnú e a Guemará é que a primeira foi compilada em hebraico, enquanto a segunda empregou dialetos aramaicos.

Em todos os graus de ensino, exigiam-se dos alunos prolongados exercícios, que deveriam continuar à noite, no lar, o que não os tor­nava brandos. Havia o Tamulde judaico, edição palestina produzida no século IV d.C., e o Talmude babilônico, com caráter enciclopé­dico, datado do século V d.C..101 Segundo Lopes,102 os “Talmiides” caracterizavam-se como estudos das interpretações rabínicas, do Antigo Testamento, e aconselhavam os mestres a fazer repetir até quatrocentas vezes as noções mal compreendidas pelos alunos; havia a orientação de que com uma das mãos se deveria acariciar e, com a outra, punir.

Não obstante, os hebreus usavam métodos que estimulavam o raciocínio e o gosto pelo ensino. Dentre esses métodos, constavam os jogos para o ensino do alfabeto, o método expositivo, a repetição e a revisão; esses métodos constituíam os processos pedagógicos mais importantes.103 A tarefa dos alunos, enquanto ficavam sentados no chão à volta do mestre, era repetir de memória, em voz alta, e todos juntos, as sentenças ditas por ele.

A mnemônica era uma técnica largamente utilizada para transmis­são do pensamento, e seu ensino pontuava: paralelismo, repetição e aliteração. As crianças a empregavam mesmo em suas brincadeiras, como se pode verificar no texto de Lucas 7:31-32: “São semelhantes a meninos que, sentados na praça, gritam uns para os outros: Nós vos tocamos flauta, e não dançastes; entoamos lamentações, e não chorastes”.104

Por conseguinte, no judaísmo, as crianças eram educadas obser­vando e escutando os pais, os sacerdotes, os rabinos e, posteriormente, o professor, sendo-lhes obedientes como pessoas que falavam em nome

101 R. H. üundry, Panorama do Novo Testamento, p. 52.102 A. N. Lopes, A Bíblia e seus intérpretes, p. 53.

H. Danicl-Rors, A vida diária nos tempos de Jesus, p. 78.104 Considerados versos mnemônicos por H. Daniel-Roces, idem, p. 79.

48 F u n d a m e n t o s d a t e o l o c i a d a e d u c a ç à o c r i s t á

de Deus. Talvez por essa razão é que, no estudo da educação hebraica, alguns a considerem com o pressuposto do idealismo, pois o ideal edu­cativo dos judeus foi a formação do homem virtuoso, piedoso, capaz de realizar os desígnios espirituais conferidos por Deus ao povo eleito.105

A preocupação com a educação no âmbito familiar não significou que o ensino escolar fosse desprezado. Daniel-Rops106 pontua que um professor chegou a ponto de explicar o mandamento divino que diz “não toqueis nos meus ungidos, nem maltrateis os meus profetas” como referência aos alunos e seus professores. Afirma ele, ainda, que o rabino Simon ben Shetach abriu a primeira casa do livro em Jerusalém e que, com base em seu exemplo, todo um sistema de instrução pública veio a existir.

A primeira legislação educacional de Israel, proposta por Josua ben GamalaA partir do ano 64 d.C., Josua ben Gamala promulgou o que pode ser considerado como a primeira legislação educacional. Nada falta­va nela: os pais eram obrigados a enviar seus filhos à escola, havia castigos para os preguiçosos e os que faltavam muito, e havia uma espécie de curso secundário para os alunos mais inteligentes.107 A es­cola primária ficava ligada à sinagoga, e tanto as crianças ricas como as pobres começavam a frequentá-la com a idade de cinco anos. Ao que parece, o professor era muito considerado, e havia inspetores encarregados de supervisionar a educação.

Quanto à matriz curricular, o centro era a Torá. Ela era utilizada para ensinar todas as coisas, inclusive para o aprendizado do alfabe­to. Para que ela fosse mais agradável, palavras eram formadas e ar­ranjadas com as letras presentes na Torá. Linguagem, gramática, his­tória e geografia, ou pelo menos os rudimentos dessas matérias, eram todas estudadas nela. Ressalte-se que as tratativas aqui expostas são

105 D. Fürst, Paideuo. In: Colin Brown, Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento, p. 61.106 H. Daniol-Rops, A vida diária nos tempos de Jesus, p. 78.107 Idem, p. 79.

A EDUCAÇÃO NO PERÍODO BÍBLICO 49

relativas à educação primária; a minoria que desejasse se especializar nos estudos religiosos, em um nível superior, deveria ir a Jerusalém, onde ensinavam os mais famosos doutores.

E possível que Paulo tenha aprendido numa dessas escolas, com Gamaliel, conforme o texto de Atos 22:3: “Eu sou judeu, nasci em Tarso da Cilícia, mas criei-me nesta cidade, e aqui fui instruído aos pés de Gamaliel, segundo a exatidão da lei [...] sendo zeloso para com Deus”. Das palavras de Paulo, percebe-se a preocupação com o conhecimento religioso, haja vista que o foco era “produzir doutores da lei” ou “zelosos para com Deus”.108

A preocupação com o exame cuidadoso das Escrituras fica evi­dente quando se estuda a literatura religiosa corrente entre os judeus, entre a qual muitos escritos são considerados apócrifos (não-canôni- cos): lEsdras, 2Esdras ou 4Esdras; Judite; adições ao livro de Ester; Sabedoria de Salomão; Eclesiástico, ou Sabedoria de Jesus, filho de Siraque;

Baruque; Epístola de Jeremias; Oração de Azar ias; Cântico dos três jo*

mis; Susaiia; Bel e o dragão; Oração de Manassés; l e 2Macabeus.iC9

No mesmo estilo, aparecem ospseudepígrafos (falsamente escritos), pois eram atribuídos a autores do Antigo Testamento havia muito fa­lecidos; entretanto, cumpriam o propósito de encorajar o povo judeu a suportar as perseguições, até que se inaugurasse o reino messiânico, em futuro próximo. São eles: I e 2Enoque; 2Baruque ou Apocalipse de Baruque; 3Baruque; Oráculos sibilinos; Testamentos dos doze patriarcas; Testamento de Jó; Vidas dos profetas; Assunção de Moisés; Martírio de

Isaías; Paralipômenos de Jeremias; Jubileus; Vida de Adão e Eva; Salmos

de Salomão; Epístola de Aristeias; 3 e 4Macabeus.110

Em adição a isso, segundo Gundry111 os rolos de Qumran in­cluíam os seguintes livros pseudepígrafos: Documento de Damasco ou zadoquita; Regras da comunidade, ou Manual de disciplina; Guerra entre

os filhos da luz e os filhos das trevas; Descrição da nova Jerusalém; Hinos

108 Idem, p. 80.109 R. H. Gundry, Panorama do Novo Tescamento, p. 50.110 Idem, p. 50-51.111 Idem, p. 51-52.

5 0 Fundamentos da teologia da educação cristá

de ação de graças; Salmos de Josué; literatura pseudo-jeremíaca; lite­ratura daniélica apócrifa; vários comentários sobre os Salmos; Isaías; Oseias; Miqueias; Naum; Habacaque; Sofonias; vários livros sobre leis; liturgias; orações; bem-aventuranças; mistérios; visões; cálculos astronômicos e registros de calendário.

Diante do que foi estudado neste capítulo, fica evidente que, en­tre os gregos, os romanos e os hebreus, os primeiros responsáveis pela educação dos filhos eram os pais ou a família. Ainda que Sócrates e Platão tenham dado pouca ênfase a ela nas questões educacionais, em contrapartida percebemos nitidamente sua relevância nos escri­tos dos gregos Aristófanes e Aristóteles. Por conseguinte, podemos conceber que a família é fundamental nos princípios educacionais desses povos. É com isso em mente que estudaremos o capítulo se­guinte, que tratará da proposta educacional cristã dos pais da Igreja. Antes, porém, é necessário revisitar o que foi estudado por meio da revisão e aperfeiçoamento a seguir.

Revisão e aproveitamento do capítulo 1

1. Com base em As nuvem, como era a educação nos dias de Aristófanes?

2. Que relação havia entre “virtude” e “nascença” nas discus­sões educacionais da polis grega?

3. Quais foram as contribuições dos sofistas para a educação ocidental?

4. Como Sócrates entendia a educação?5. Qual era a proposta da Academia, de Platão?6. Que relação há entre o termo “natureza” e educação, no

pensamento de Aristóteles?7. Qual o fundamento da educação romana, com base nas Doze

Tábuas?8. A quem cabia a responsabilidade de educar os filhos, nos

princípios educacionais dos hebreus?9. Qual a relevância da sinagoga e da Torá para a educação

hebraica?

C a p í t u l o 2

A educação cristã nos dias

dos primeiros pais da Igreja

A educação ROMANA distinguia-se pelo papel conferido à família como agência educacional, pelo senso prático e pelo incentivo ao serviço militar e à aprendizagem da leitura, da escrita e do cálculo, que constituíram o grupo das disciplinas estudadas pelos romanos. Percebemos que, entre os romanos, a educação superior era privilé­gio de uma pequena minoria; a matriz curricular consistia no exer­cício de artes e de ciências práticas, como a advocacia, o comércio, a arquitetura e a estratégia, o que explicita que eles não se notabiliza­ram pelo cultivo das ciências especulativas, e sim das práticas.1

No início do cristianismo, os primeiros cristãos não tinham a intenção de romper com o judaísmo, mas, após a tomada de cons­ciência de que suas crenças relativas ao Messias e à salvação eram opostas, o movimento firmou-se como cristianismo. Este, a partir de quando2 e na concepção dos cristãos, seria considerado não como mais uma religião, mas como a religião que se identificaria como o “novo Israel de Deus”, como “encarnação dos desígnios salvíficos de Deus em favor da humanidade”;5 todavia, deixavam claro que a

1 R. A. C. Nunes, História da educação na antiguidade cristã: o pensamento educacional dos mestres e escritores cristãos no fim do mundo antigo, p. 5.2 C. H. Dodd, p. 110-111.3Por causa disso, não podemos seguir o texto de Paulo Henrique Vieira, Calvino e aeducação, p. 21, que afirma: “Quinze séculos haviam se passado desde a fundação docristianismo. Muito diferente era a estrutura dessa religião, que nasceu como uma alternativa ao judaísmo”. Fato é que os cristãos não se viram como alternativa, mas como o verdadeiro Israel de Deus.

52 Fundamentos da teologia da educarão crista

nova comunidade não ocupava esse lugar na História por causa de uma sabedoria mais aperfeiçoada ou por possuir virtudes e habilida­des mais apropriadas do que os hebreus, mas porque Deus interviera em seu favor.4

Com esse pressuposto, verificamos que “o advento do cristianis­mo operou uma profunda revolução cultural no mundo antigo, tal­vez a mais profunda que o mundo ocidental tenha conhecido na sua história”.5 O modo de viver dos cristãos “revolucionou” a sociedade daqueles dias, o que chegou a causar a animosidade dos romanos contra o cristianismo, com relação aos mais diversos princípios. Um deles é referente aos rituais religiosos familiares:

Observemos o jovem neófito na casa de seu pai, ou a esposa cristã na residência do marido pagão. No átrio estão montados os Lares e os Penates, que os filhos receberam de seus pais e diante dos quais, geração após geração, o chefe de família celebra os rituais domésticos. Alimenta o fogo sagrado, símbolo da continuidade do lar; faz a ligação do vinho ao Uênio protetor; oferece incenso aos Penates, acende candeias em sua honra, suspende grinaldas de flores à volta dos altares. O neófito afasta-se de tais práticas com horror; e no século V uma lei de Teodósio interdita-as, proibindo “ascender o fogo em honra dos Lares, de fazer a libação do vinho ao Gênio, de oferecer perfumes aos Penates, de acender candeias, de queimar incenso, de pendurar grinaldas nos altares.6

À luz dessas palavras, percebem-se os aspectos negativos da in- culturação cristã na vida do jovem romano:

A parti daqui, pode imaginar-se a perturbação no seio das famílias quando um dos cônjuges ou um dos filhos se convertia. Virgens

4 C. H. Dolid, Seguruio as Escrituras: estrutura fundamental do Novo Testamento, p. 111.5 Monroe, História da educação, p. 94-99; Cambi, História da pedagogia, p. 121 -123.6 L. Rougier, O conflito entre o cristianismo primitivo e a civilização antiga, p. 94.

A EDUCAÇÃO CRISTA NOS DIAS DOS PRIMEIROS PAIS DA IGREJA 53

que subitamente recusam o casamento como Tecla, e que as mães amaldiçoavam, noivos desesperados, bruscamente repelidos, ma- ridos exasperados porque as esposas recusam dormir na mesma cama [...]. Compreende-se a animosidade que, contra os cris­tãos, tais práticas desencadearam. Destruindo o culto doméstico, exaltando o celibato em detrimento do matrimônio, desfazendo o laço conjugal, desprezando o respeito filial, o cristiansimo fazia um trabalho de sapa nos alicerces da sociedade antiga, aplicando muitas vezes à letra essa outra palavra do Evangelho: “Se alguém vem a mim e não odeia o pai, a mãe, os filhos, os irmãos e as ir­mãs, e acima de tudo a sua vida, não pode ser meu discípulo”.7

Fato é que alguns não cristãos atribuíam as vicissitudes contrá­rias, na questão do plantio e da colheita, por exemplo, aos cristãos que privaram os campos de templos e dos deuses:

E ainda pior nos campos. E aqui que estão os inimigos dos tem­plos. Vão como torrentes devastadoras, rasgam a terra e atingem as casas dos deuses. O campo privado dos templos fica sem deu­ses; está destruído, arruinado, morto, porque os templos, ó Impe­rador, são a vida dos campos. Foram esses os primeiros edifícios a surgir, os primeiros monumentos que vieram até os nossos dias através dos templos; é aos templos que o lavrador confia a esposa, os filhos, os bois, as colheitas.8

Celso descreve ao imperador o seguinte quadro:

Celso descreve um quadro edificante dos processos da propa­ganda cristã nas famílias: “Vemos cardadores de lã, cordoeiros, lagareiros, pessoas da mais ínfima ignorância e desprovidas da menor educação que, na presença dos seus senhores, homens de

1 Idem.8 Idem, p. 96.

54 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a ç ã o c r i s t ã

experiência e bom senso, se guardam de abrir a boca; mas, se surpreendem as crianças da casa, ou mulheres que não têm mais discernimento do que eles próprios, começam a contar-lhes ma­ravilhas. Só neles é preciso acreditar; o pai, os preceptores, são uns tolos que ignoram o bem verdadeiro e são incapazes de edu­car. Só eles sabem como se deve viver; as crianças farão bem em segui-los, e através deles a felicidade visitará toda a família [...1 que aqueles que quiserem saber a verdade deixem pai e preceptor e venham com as mulheres e as crianças ao gineceu, à oficina do cordoeiro ou do lagareiro a fim de aprender a vida perfeita” [...]. Assim, se cumpria à letra a palavra do Evangelho: “Eu vim trazer a discórdia entre o filho e o pai, entre a filha e a mãe, e o homem terá por inimigos as pessoas da sua casa”.9

As palavras anteriores são importantes para que se compreenda a animosidade de homens e mulheres daquela época contra os cris­tãos, e isso pode, de alguma forma, justificar o martírio dos cristãos com o consentimento daquela sociedade.

Por outro lado, Hamman,10 ao comentar a vida cotidiana dos pri­meiros cristãos daquela época, contraria os pressupostos de Rougier, ao demonstrar que alguns filósofos, como Celso, escarneciam do cris­tianismo porque seu fundador teve como mãe uma trabalhadora e como primeiros missionários alguns pescadores da Galileia. Além dos romanos, outros povos zombavam das comunidades cristãs porque eram formadas principalmente por pessoas de condição humilde. To­davia, percebe-se que o cristianismo não se constituía só de pessoas humildes, mas, desde o seu início histórico, já havia cristãos nobres em seu rol:

São Paulo converteu o procônsul de Chipre, Sérgio Paulo, em Tessalônica, e em Bereia, “muitas mulheres nobres”. Os judeus

9 Idem, p. 94-10 A vida cotidiana dos primeiros cristãos, 95-1 97, p. 41.

A EDUCAÇÃO CRISTÀ NOS DIAS DOS PRIMEIROS PAIS DA lüREJA 55

convertidos, Áquila e Priscila, tinham uma casa cm Roma e outra em Efeso, ambas bastante vastas para acolher a igreja local no triclínio ou no átrio. Desde as origens, a Igreja converteu pessoas abastadas, às vezes de fortuna. Em Corinto, o tesoureiro da ci­dade juntou-se à comunidade [...]. O mártir Apolônio - do qual São Jerônimo afirma, sem razão, que era senador - pertencia à nobreza. No reinado de Cômodos, os romanos mais distinguidos por seu nascimento e sua riqueza, juntamente com sua família e sua casa, entraram para a comunidade cristã [...]. O rosto da co­munidade romana, depois da morte dos apóstolos Pedro e Paulo, mudou muito. Se grande número dos cristãos citados na epístola aos Romanos têm nome de escravos e libertos, as famílias abasta­das e ricas agora são numerosas entre os cristãos.11

A comunidade de Lião, por exemplo, no apogeu do Império Ro­mano, era formada em sua maioria por pessoas provindas da bur­guesia, cujo bem-estar e riqueza provocavam inveja e explicavam as denúncias de que a classe abastada teria propagado o evangelho entre os empregados e os escravos.

A igreja também contava com a simpatia dos pequenos artesãos, dos escravos e das viúvas, pois demonstrava preocupação em acudir às necessidades dos irmãos, a ponto de o diácono Lourenço apontar ao imperador, o qual estava pronto para se apossar dos bens da igre­ja, as quinhentas viúvas e deserdados que recebiam só da igreja sua subsistência.12

Além disso, os cristãos estavam envolvidos em diversas profissões, nas quais incutiram uma concepção cristã: “Trabalhar para viver, sem espírito de lucro e sem avareza, era visto como o ideal cristão”.13 Não obstante, eram contrários a algumas delas, principalmente as que consideravam desonestas.

11 A. G. Hamman, A vida cotidiana dos primeiros cristãos, 95-197, p. 41-45.12 Idem, p. 44-13Idem, p. 47.

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O trabalho da terra e do mar e os ofícios manuais que serviam à coletividade, como o escultor14 (exceto de ídolos), padeiro, oleiro, carpinteiro, cortador de roupa ou de pedras, não causavam proble­ma, desde que não se trabalhasse para os templos pagãos. A medicina tinha valor humanitário e era recomendada aos jovens cristãos. A profissão de jurista ou juiz não provocava discussões acirradas. Mas o comércio do dinheiro, quer se tratasse de transações bancárias, quer de empréstimos a juros, logo provocou reticências. Com referência a ser ou não funcionário, destaca-se:

Tertuliano opõe-se à carreira na função pública [...]. Os concílios reprovavam os jogos cênicos: o cristão não podia ser edil. Um concilio faz formalmente editar que, se um cristão for obrigado a ser magistrado, será excluído da Igreja durante o ano da magistra­tura. A cidade antiga era pagã: a Igreja declara-lhe guerra. Para continuar cristão, o fiel a Cristo recusa ser cidadão.15

O mesmo questionamento era feito quanto ao serviço militar: “E verdade que a Igreja do século II desencorajava os fiéis de abraçar a carreira militar, quando não a probia. Essa era uma das censuras que o patriota Celso dirigia aos cristãos: a de minar os fundamentos do Império”.16 Mas, em oposição a essa acusação, lemos:

Do apóstolo Paulo a Justino e a Irineu, a lealdade ao Império era sem reticências. Orgulhosos de pertencer ao Estado romano e be­neficiados por sua paz e sua prosperidade, os cristãos admiravam o exército, que era a garantia de ambas [...]. Orígenes se interroga: O cristão pode escolher o ofício das armas? Contestação inútil, dada a proporção de soldados entre os mártires do século III.17

H A igreja orientava o abandono das profissões de escultor e pintor. Cf. L. Rougier, O conflito entre o cristianismo primitivo e a civilização antiga, p. 101.15 Idem, p. 103-105.16 A. G. Ham.man, A vida cotidiana dos primeiros cristãos, 95- / 97, p. 51.17 Idem, p. 50-52.

A EDUCAÇÃO CRISTÃ NOS DIAS DOS PRIMEIROS PAIS DA IGREJA 57

As concepções de Hamman e Rougier servem para demonstrar que a questão de o cristão poder ou não exercer o ofício militar era uma das temáticas mais complexas no cristianismo no período dos primeiros pais da Igreja. De um lado, alguns líderes eram contrários a que um cristão fosse um militar, enquanto outros podiam convi­ver de forma bastante razoável com essa profissão. Dentre os líderes favoráveis, estava um dos mais importantes apologistas, Tertuliano: “Nós, os cristãos, não vivemos de costas para o mundo [...]. So­mos marinheiros, soldados, agricultores e negociantes”.18 Destar­te, podia-se não aceitar plenamente que um cristão fosse militar; entretanto, eles estavam espalhados e inseridos nas mais diversas profissões e, segundo Tertuliano, exerciam a profissão inclusive de soldado ou militar.

Outra questão complexa era a da profissão do magistério, que na­quela época era denominado gramático ou retórico, o que na atua­lidade é equivalente à profissão de professor. Talvez seja essa uma justificativa do fato de a Igreja ter progredido pouco com relação a essa temática, a ponto de Hamman dizer que era difícil encontrar “epitáfios cristãos de gramáticos e professores”, no período dos pri­meiros pais da Igreja.19 Essa questão era tão séria que vale ressaltar as palavras de Rougier:

Consideremos as profissões liberais: o cristão não pode ser gramá­tico ou retórico. De fato, como ensinar as belas-letras sem ensi­nar os nomes dos deuses, as respectivas genealogias, os atributos, as fábulas, os jogos, os feitos [...]. É precisamente a justificação do édito de 362 do imperador Juliano, proibindo aos cristãos o ensi­no das letras profanas: “Quem pensa de uma maneira e instrui os alunos de outra não é sincero e por esse motivo não pode ser um bom professor”.20

18 H. Daniel-Rops, A vida diária nos ternas de Jesus, p. 195.19 A vida cotidiana dos primeiros cristãos, 95-197, p. 52.20 O conflito entre o cristianismo primitivo e a civilização antiga, p. 101.

58 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a ç ã o c r i s t ã

Um princípio que parece justificar a proibição do exercício de determinadas profissões consiste em que, segundo eles, muitas pro­fissões traziam em seu bojo imoralidade e idolatria, dentre elas: dono de casa pública; escultor ou pintor de ídolos; autor e ator dramático; professor; cocheiro; gladiador; sacerdote ou guarda de templos; juiz e governador, na medida em que eram funções que davam o direito de condenar à morte; mágico, adivinho, astrólogo, feiticeiro e intér­prete de sonhos.21

Por fim, tratava-se de um povo ora amado, ora odiado. Por um lado, contava com a simpatia da sociedade com relação às obras so­ciais focadas nas viúvas e nos órfãos, por exemplo. Era um povo que não se preocupava com riquezas; antes, procurava viver humilde­mente. Na outra face, eram personae non gratae, isto é, aos olhos de alguns eram nocivos à vida familiar e à sociedade romana. Dentre as diversas acusações contra os cristãos, constava a de canibalismo, que era uma referência à ceia do Senhor, denominada de eucaristia.22

Seja como for, não se pode negar que o cristianismo “revolucio­nou” a forma de pensar e agir daquela sociedade; sobretudo, é digno destacar os benefícios da presença cristã naquele ambiente, favore­cendo mudanças na mentalidade do povo, nas instituições sociais e, depois, na política. Tratava-se de um novo tipo de homem: igua­litário, solidário, caracterizado pela humildade, pelo amor etc. Esse novo tipo de homem veio a modelar a visão da sociedade e dos com­portamentos, com foco na família, que deveria fundamentar-se no amor, e não na autoridade e no domínio; da mesma forma no mundo do trabalho, por abolir qualquer desprezo pelos trabalhos considera­dos de “baixo valor” e colocar em um plano de colaboração amos e escravos, serviçais, empregados e dependentes.23

Na leitura do evangelho de Mateus, capítulos 5 a 7, ressalta-se o ensino de Cristo quanto às características que seus discípulos, de

21 H. Daniel-Rops, A vida diária nos tempos de Jesus, p. 196.22 W. Jaeger, Paideia: A formação do homem grego, p. 45.23 F. Cambi, História da pedagogia, p. 121.

A EDUCAÇÃO CRISTÃ NOS DIAS DOS PRIMEIROS PAIS DA IGREJA 59

qualquer época, devem demonstrar para que sejam reconhecidamen­te cristãos. Devem ser observadas as palavras de Lloyd-Jones:

Ninguém pode viver por si mesmo o Sermão do Monte, sem aju­da do alto [...]. Em outras palavras, no Sermão do Monte não nos é recomendado: “Vivei deste modo e vos tornareis cristãos”. Pelo contrário, somos ali ensinados: “Visto que sois cristãos, vivei deste modo”.24

A tônica de Lloyd-Jones recai sobre o princípio de que, para vi- venciar os ensinos do Sermão do Monte, há necessidade de revesti­mento espiritual, haja vista que as exigências ali demonstradas são contrárias à natureza humana; portanto, só poderão ser praticadas com a ajuda de Deus, e essa ajuda só se processará nos filhos de Deus.

Com a finalidade de mostrar a revolução do cristianismo causada na vida humana, em particular no período em reflexão, é mister enu­merar os ensinos de Jesus acerca das bem-aventuranças, as quais pre­conizam a ruptura dos princípios cristãos com o mundo não cristão.25

Bem-aventurados os humildes de espírito. Na concepção de Lloyd- Jones,26 “essa qualidade aponta para a completa ausência de orgulho pessoal, para a completa ausência de segurança própria e autode- pendência. Ela indica a consciência de que nada representamos na presença de Deus”. Isso significa que o homem deve depender de Deus e ser inteiramente submisso a ele.

Bem-aventurados os que choram. Hendriksen27 afirma: “O rege­nerado aprende a amar a Deus de tal forma que começará a cho­rar diante de ‘todas as obras ímpias [...]. O seu pranto, pois, está centrado em Deus, não no homem. Eles suspiram e clamam’ ...”.

24 Estudos no Sermão do Monte, p. 13,15.25 Seguiremos a estrutura proposta por M. Lloyd-Jones, idem, p. 37-118, e W. Hendriksen, Comentário do Novo 7estamento: Mateus, p. 377-393.26 Estudos no Sermão do Monte, p. 45.27 Comentário do Novo Testamento: Mateus, p. 377.

60 Fundamentos da teologia da educação cristã

Lloyd-Jones2tl com o mesmo pressuposto assinala que o homem que chora, nos moldes do que foi citado anteriormente, é o tipo de crente de que a igreja necessita, isto é, que tenha uma consciência profunda do pecado e seja convicto de que já está consolado, no sentido de que já foi perdoado por Deus.

Bem-aventurados os mansos. Hendriksen afirma:

O manso |...| descreve a pessoa que não se ressente. Ela não guarda rancor. Longe de seguir ruminando as injúrias recebidas, ela encontra seu refúgio no Senhor. Contudo, mansidão não é si- mnimo de fraqueza. A mansidão não consiste em falta de firmeza de caráter, uma característica da pessoa que está pronta a curvar- se ao sabor de toda brisa. Mansidão é submissão ante qualquer provação, a disposição de sofrer dano ao invés de causá-lo.29

Lloyd-Jones, ao comentar, à semelhança de Hendriksen, a mansi­dão, preconiza que não se trata de fraqueza de caráter e acrescenta: “muito menos ainda dever-se-ia pensar em uma atitude de compro­misso, de ‘paz a qualquer preço’”.10 Por conseguinte, a mansidão é compatível com grande força de caráter, ou seja, é a mesma disposi­ção dos mártires em sofrer pelo que é verdadeiro.

Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça. Lloyd-Jones, ao discorrer a respeito desta bem-aventurança, declara:

Só são felizes as pessoas que buscam primariamente a justiça [...]. Não nos compete ter fome e sede de experiência; nem se espera de nós que tenhamos fome e sede de bênçãos. Se quisermos ser verdadeiramente felizes e abençoados, então precisamos ter fome e sede de justiça [...] a felicidade e a bênção são coisas que Deus acrescenta àqueles que buscam a Sua justiça.51

28 Estudos no Sermão do Monte, p. 56.29 Comentário do Novo Testamento: Mateus, p. 379.30Estudos no Sermão do Monte, p. 61.31 Idem, p. 68-69.

A EDUCAÇÃO CR1STÀ NOS DIAS DOS PRIMEIROS PAIS DA IOREJA 61

Ressalte-se que a justiça deve ter prioridade em relação à felicida­de e às bênçãos; os cristãos somente são felizes e abençoados se bus­cam “fome e sede de justiça”, interpretada como o desejo de se ver livre do pecado, do próprio eu, do orgulho, da busca de autoprojeção e anseios pessoais.

A finalidade última é manter comunhão com Deus, o que implica o desespero constante de livrar-se do pecado.

Bem-aventurados os misericordiosos. Na concepção de Hendriksen, “misericórdia é amor demonstrado em favor de quem vive em des­graça, e um espírito perdoador para com o pecador”.32

Lloyd-Jones, com relação ao perdão dos cristãos quando sofrem ofensas, afirma:

... que tremendo teste para cada um de nós, quanto a toda a nossa posição e profissão de fé cristã! [...] somos misericordiosos? [...] cumpre-nos sentir profunda tristeza por todos aqueles im­potentes escravos do pecado. Essa deve ser a nossa atitude para com as pessoas. Indago, curioso, se porventura já reconhecemos ser essa a posição do crente; mesmo quando as pessoas abusam de nós, desprezando-nos e prejudicando-nos [...] deveríamos orar a Deus em favor delas, pedindo-Lhe que use de misericórdia para com elas.33

Bem-aventurados os limpos de coração. Lloyd-Jones afirma:

... ter o coração limpo quer dizer que vivemos para a glória de Deus em todos os aspectos da vida, e que esse deve ser o supre­mo alvo de nossa existência. Significa que desejamos Deus, que desejamos conhccê-lo, que desejamos amá-lo e servi-lo. E nosso Senhor assevera aqui que somente aqueles que têm essa caracte­rística verão a Deus.34

52 Comentário do Novo Testamento: Mateus, p. 380.” Estudos no Sermão do Monte, p. 87, 91,95.54 Idem, p. 96.

62 FlINDAMfcNTOS DA TEOLOGIA DA EDUCAÇÃO CRISTA

Nota-se que o cristão não deve preocupar-se com as suas próprias questões, mas ter o coração, isto é, a totalidade da existência huma­na, nas coisas de Deus.

Bem-aventurados os pacificadores. Hendriksen comenta esta bem- aventurança da seguinte forma:

Aqui é impetrada uma bênção sobre todos aqueles que, tendo re­cebido para si mesmos a reconciliação com Deus por meio da cruz, agora procuram, por meio de sua mensagem e conduta, ser ins­trumentos para comunicar este mesmo dom aos outros. Por meio da palavra e do exemplo, estes pacificadores, que amam a Deus, amam uns aos outros e até mesmo aos seus inimigos, também pro­movem a paz entre os homens. Num mundo onde a paz é rompida,

esta bem-aventurança revela que o cristianismo é uma força “re­levante [...] pacificadores genuínos são todos aqueles cujo líder é o Deus de paz (ICo 14:33; Ef 6:15; lTs 5:23), que aspiram a viver em paz com todos os homens (Rm 12:18; Hb 12:14), proclamam o evangelho da paz (Ef 6:15) e modelam suas vidas em harmonia com o Príncipe da Paz (Lc 19:10; Jo 13:12-15; cf. Mt 10:8).35

Verificamos nas palavras de Hendriksen que o cristão deve ter a atitude de não só buscar a paz para ele mesmo, mas ser pacificador nas contendas e relacionamentos humanos, e uma das formas para que isso ocorra é falar na hora certa, como afirma Lloyd-Jones: “Em primeiro lugar e acima de tudo, isso significa que a pessoa aprende a não falar o que não deve. Se ao menos todos pudéssemos controlar a língua haveria muito menos discórdia no mundo”.56

Bem-aventurados os perseguidos. Hendriksen afirma:

Quando a fé dos filhos de Deus se desenvolve suficientemente a ponto de se manifestar exteriormente, de modo que aqueles que

35 Comentário do Novo Testamento: Mateus, p. 390.36 Estudos no Sermão do Monte, p. 115.

A EDUCAÇÃO CRISTÀ NOS DIAS DOS PRIMEIROS PAIS DA IGREJA 63

não participam com eles da mesma experiência começam a notar, então o resultado é a perseguição. A perseguição a que Jesus faz referência não emana de causas puramente sociais, raciais, eco­nômicas ou políticas, antes se acha radicada na religião. É uma perseguição distintamente motivada “pela justiça”.37

Ao considerar as palavras de Hendriksen e a continuação do texto, nos versículos 11 e 12, percebemos que a ênfase quanto às perseguições está no princípio de que, mesmo sendo perseguidos, os cristãos devem se alegrar ou, como diz o próprio Hendriksen,38 “este­jam excessivamente alegres”.

Ressaltamos que a finalidade de discorrermos sinteticamente so­bre as Bem-aventuranças é mostrar a revolução causada pelo cris­tianismo na sociedade nos dias de Roma; isto é, o novo quadro de valores enfatiza a nítida ruptura em relação ao mundo antigo, sua mentalidade, sua organização social, sua política e sua cultura, pois são novos valores que se caracterizam pelo inverso dos valores da­quela sociedade: a humildade diante do orgulho e da arrogância; a busca da paz e de ser pacificador diante da força e da busca pelo poder; o choro pela miséria humana, em vez de alegria e satisfações pessoais; a misericórdia e o perdão, em vez do ódio etc.

Tratava-se de uma nova concepção de mundo, desconhecida também pelos filósofos gregos, o que seria evidenciado na questão educacional, uma vez que a ênfase dos primeiros pais da Igreja não estava em uma instituição escolar, mas na preocupação em solidifi­car os princípios doutrinários e práticos da Igreja, porque o interesse desses homens, inclusive dos mais cultos, era, antes de mais nada, teológico.

Datados dessa cosmovisão de mundo, os cristãos podiam freqüen­tar as escolas instituídas pelo governo imperial, ou mantidas pelos mestres particulares, mas, à semelhança dos romanos, o lar para os

57 Comentário do Novo Testamento: Mateus, p. 390.58Idem, p. 392.

64 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a ç ã o c r i s t a

cristãos trazia em si um valioso significado; entretanto, a diferença fundamental entre romanos e cristãos estava na finalidade da educa­ção; isto é, a educação cristã, para os primeiros pais da Igreja, visava ao temor a Deus, enquanto a educação para os romanos visava ao amor à pátria.

Vimos que a educação romana fundamentava-se na formação da consciência da criança ou jovem por meio de valores morais, isto é, um estilo de vida feito de sacrifício, renúncia, devotamento total da pessoa à pátria. O herói romano era o homem que, em circunstâncias difíceis, por sua coragem ou sabedoria, salvara a pátria em perigo.

E possível que o amor romano à pátria tenha influenciado o com­portamento dos mártires cristãos em prol do evangelho e de Cristo. Pode-se dizer, com as devidas ressalvas, que, na forma de encarar o martírio, os cristãos, por se considerarem povo separado, nova raça, verdadeiro Israel cuja cidadania não era mais a do Império Romano, embora continuassem ali habitando,39 entendiam ser necessário de­votar totalmente sua vida a Deus. Assim, podiam expressar seu he­roísmo no enfrentamento das circunstâncias difíceis, com coragem e profundo amor pela fé que professavam em Jesus.

Era nesse ambiente cultural do mundo helenístico que os cris­tãos freqüentavam as escolas instituídas pelo governo imperial, ou as mantidas pelos mestres particulares, visto que a Igreja desse período não tinha como prioridade elaborar outro sistema de educação, mas usufruir do que já existia.

Todavia, apesar de inseridos nessa sociedade, os pais da Igreja pontuaram, diante das vicissitudes da nova religião, suas concep­ções a respeito da educação em geral ministrada àquela sociedade. Alguns dentre eles propiciaram uma compreensão da educação cris­tã que se distinguia da educação romana, porque seu foco estava no temor a Deus.

Antes, porém, é necessário demonstrar os princípios fundamen­tais ensinados pelos primeiros pais da Igreja e depois ressaltar, dentre

» W. Walker, História da Igreja cristã, p. 65.

A EDUCAÇÃO C R I S T A NOS DIAS DOS PRIMEIROS PAIS DA IGREJA 6 5

eles, os que mais evidenciaram a educação cristã e quais deveriam ser seus fundamentos. Para isso, é importante conhecer dois termos diretamente relacionados ao conceito de pais da Igreja, que são: pa- trologia e patrística.

O conceito de patrologia foi empregado pelo teólogo luterano João Gerhard (1637) como sinônimo de patrística, mas teólogos do século XVII, ao utilizá-lo, tinham como intenção distinguir a teolo­gia dos pais da Igreja, da teologia bíblica da escolástica, da simbólica e da especulativa.40

Dessa discussão, chegamos ao princípio de que a patrologia expõe a vida e os escritos dos pais da Igreja, e a patrística, seus pensamentos teológicos e a história dos dogmas.41 Hamman42 distingue patrologia como sinônimo de literatura antiga, e patrística, como o estudo da teologia e a história das doutrinas dos pais da Igreja.

E possível ainda definir “pais da Igreja” da seguinte maneira: “termo aplicado comumente aos escritores da antiguidade cristã que se destacaram pelo brilho de sua doutrina”.43 São assim consi­derados os possuidores de uma formação universitária e da expe­riência monástica; sacerdotes de uma doutrina insigne e ortodoxa; sinônimos de santidade e que tenham vivido nos cinco primeiros séculos.44

Para Cairns, “pais da Igreja" têm sua origem no uso do nome “pai”, que no século III serviu para:

descrever os campeões ortodoxos da Igreja e os expoentes de sua fé [...]. Patrística ou Patrologia é o nome do estudo da vida e das obras destes homens, que viveram, em sua maioria, no pe­ríodo entre o fim da era apostólica e a realização do Concilio de Calcedônia (451).45

40 B. Altair; A. Coibir, Patrologia: vida, obras e doutrina dos padres da Igreja, p. 17.41 L. M. De Cadiz, I listoria de Ia literatura patrística, p. 10.42 A vida cotidiana dos primeiros cristãos, 95-/97, p. 6.41 Idem.44 Idem.45 Cristianismo através dos séculos, p. 57.

66 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a ç ã o c r i s t á

Portanto, para que alguém fosse considerado pai da Igreja, deve­ria ser destemido e possuir: ortodoxia doutrinai; santidade de vida; aprovação da Igreja e antiguidade. Além disso, eles contribuíram de modo determinante para a construção do edifício doutrinário do cristianismo, que a Igreja acolheu e sancionou. Infere-se daí quão importante é para o cristianismo rememorar suas crenças, convic­ções, doutrinas e conhecer sua concepção de educação cristã.

Uma das formas de estudar os pais da Igreja é pela distinção dos escritos ocidentais e orientais, ou, como faz Cairns,46 neste quadro:

OS PAIS DA IGREJA

Ocidente Oriente

SÉCULO 1 (95-150)PAIS APOSTÓLICOS - PARA EDIFICAR - INTERPRETAÇÃO TIPOLÓGICA

EDIFICAÇÃO

Inácio

Policarpo

Pseudo-Barnabé

Epístola a Diogneto

Clemente de Roma 2- Epístola de Clemente

Papias

0 pastor, de Hermas (apocalíptico)

Didaquê (manual catequético)

SÉCULO II (120-220)APOLOGISTAS - DEFENDER O CRISTIANISMO

EXPLANAÇÃO

Aristides

Justino Mártir

Taciano

Atenágoras

Teófilo

46 Idem, p. 58.

A EDUCAÇÁO CRISTA NOS DIAS DOS PRIMEIROS PAIS DA IüREJA 67

SÉCULO III (180-250)POLEMISTAS - LUTA CONTRA FALSAS DOUTRINAS

REFUTAÇÃO

Práticos (Administração) Escola de Alexandria Escola de Antioquia

Ireneu versus gnósticos Interpretaçãoalegórica

Interpretação histórico- gramatical

Tertuliano — fundador da teologia ocidental, Trin­dade versus Práxeas

Panteno

Cipriano — sobre o epis- copado e a primazia da honra do bispo de Roma

Clemente

Orígenes — Héxapla (texto do Antigo Tes­tamento) De principiis (primeira teologia sistemática) usava o método alegórico de interpretação

SÉCULO IV (325-460)ERA DE OURO DO ESTUDO BÍBLICO CIENTÍFICO

EXPOSIÇÃO

Jerônimo Atanásio Crisóstomo

Ambrósio Basílio de Cesareia Teodoro

Agostinho

Entretanto, como a finalidade deste estudo é enfatizar os fun­damentos da educação cristã no pensamento dos pais da Igreja, e por não ser possível tratar de todos eles neste momento, preferimos utilizar a expressão “primeiros pais da Igreja” na tentativa de que, ao desvincular dos períodos demarcados pela história da Igreja, fossem evidenciados os pais da Igreja que mais ressaltaram a edu­cação cristã.

Assim, com base na nomenclatura utilizada neste estudo, o qua­dro ilustrativo que atenderá a nosso objetivo será o que segue.

68 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a ç ã o c r i s tA

OS PRIMEIROS PAIS DA IGREJA

Evidência educacional Outras evidências

Ocidente Oriente Ocidente Oriente

Clemente de Roma

Policarpo Inácio de Antioquia

Carta de Barnabé Papias

0 pastor, de Hermas Taciano

Didaquê Atenágoras

Justino Mártir Teófilo de Antioquia

Tertuliano Ireneu

Cipriano

Escola de Catecumenato

É bom lembrar que, no período em que viveram os primeiros pais da Igreja, eles estavam cercados de falsos evangelhos e de ataques de céticos pagãos. Seus escritos seguiam o modelo dos escritores neo- testamentários, os quais, ao se reportarem às comunidades cristãs, intentavam atender às circunstâncias imediatas das dificuldades en­frentadas por aqueles irmãos; dessa maneira, tais escritos deveriam servir à instrução e exortação das igrejas e, portanto, deveriam ser lidos, transmitidos e colecionados.47 Decorre daí uma importante li­ção para as discussões teológicas da atualidade, isto é, deve-se ter preocupação com o cotidiano, e não somente com reflexões teóricas ou abstratas, distantes da realidade social da comunidade cristã, à semelhança dos apóstolos e dos primeiros pais da Igreja.

Eles eram fiéis ao ensinamento bíblico e por causa dessa compreen­são é que escreveram para ensinar aqueles crentes quanto à salvação em Cristo, para lhes fortalecer a esperança na volta do Senhor, para inculcar na “membresia” a obediência aos pastores48 e, nas autoridades eclesiásticas, cautela contra heresias e cismas da Igreja. Foi com essa

47 R. E. Olson, História da teologia cristã: 200 anos de tradição e reformas, p. 40.48 B. Altaner; A. Stuiber, Patrologia: vida, obras e doutrina dos padres da Igreja, p. 53.

A EDUCAÇÀO CRISTÁ NOS DIAS DOS PRIMEIROS PAIS DA IGREJA 69

preocupação que surgiram seus textos, escritos quando as circunstân­cias exigiam; em algumas ocasiões, escreviam a fim de conservar ou recordar a narrativa da vida de Jesus, sua pregação, sua paixão, e para consignar os princípios fundamentais da doutrina do Mestre.49

Fica evidente que a ênfase desses escritores está diretamente re­lacionada às circunstâncias e resoluções práticas do cristianismo, e isso justifica a tônica, ou não, da educação cristã por parte de alguns desses primeiros pais da Igreja. Portanto, conforme as exigências circunstanciais específicas, que podiam ser a perseguição ou a imi­nência de ensinos considerados heréticos, alguns dos primeiros pais da Igreja deixaram de enfatizar as questões educacionais voltadas à Igreja cristã.

Por outro lado, percebemos que alguns desses primeiros pais com­preenderam a relevância da educação cristã, sobretudo tendo a fa­mília como a base fundamental, para comunhão, conhecimento e fortalecimento da fé em Deus. São eles:

Clemente de Roma

Há poucas informações a respeito da formação e vida de Clemente de Roma. Orígenes50 o identifica como o colaborador de Paulo ci­tado no texto bíblico de Filipenses 4:3;51 Ireneu de Lião afirma que Clemente conheceu pessoalmente Pedro e foi o terceiro sucessor de Pedro em Roma; Tertuliano pontuou que a ordenação de Clemente foi realizada pelo próprio Pedro. Eusébio de Cesareia segue a con­cepção de Orígenes e o coloca entre os seguidores dos apóstolos na tarefa de evangelizar e ensinar; é o que se extrai da afirmação do citado historiador:

No duodécimo ano do mesmo reinado [Domiciano], Clemente sucede a Anacleto, que havia sido bispo da Igreja de Roma

49 L. M. De Cadiz, Historia de la literatura patrística, p. 95.50 R. FRANGIorn, Padres apostólicos. In: Introdução a Clemente Romano, p. 12.51 B. Altaner; A. Stuiber, Patrologia: vida, obras e doutrina dos padres da Igreja, p. 55.

70 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a çA o c r i s t à

durante doze anos. O apóstolo, em sua carta aos Filipenses, faz saber a estes que Clemente era colaborador seu, dizendo: “Clemente também e os demais colaboradores meus, cujos nomes es- tão no livro da vida”.52

Dos textos de Clemente, observamos que ele foi bispo de Roma, superintendente das igrejas que, na última década do século I, por causa das perseguições, funcionavam nas residências dos cristãos ro­manos.53 Sua carta escrita da igreja em Roma à igreja em Corinto é comumente chamada de 1ª Clemente e é provavelmente o primeiro documento cristão escrito e preservado, fora o Novo Testamento.54 O texto foi considerado tão importante que alguns cristãos do séculoII, no Egito, consideravam-no parte das Escrituras por ser semelhan­te às cartas de Paulo aos Coríntios. Alguns estudiosos acreditam, com base nas evidências internas dessa carta, que Clemente pode ter conhecido Paulo pessoalmente e imitado seu estilo e mensagem.55

Essa carta foi escrita nos últimos anos do reinado de Domiciano, no ano 96 d.C, quando o apóstolo João ainda vivia em Efeso. Clemente fora estimulado a escrevê-la ao ter recebido informações de que alguns membros, jovens daquela comunidade, haviam se rebelado contra a autoridade dos presbíteros.56

Quando a Igreja de Roma teve conhecimento do que havia su­cedido, encaminhou três irmãos portadores dessa carta à igreja de Corinto, sem, contudo, nominar seu autor, mas sua autoria é comu­mente aceita como sendo de Clemente de Roma.57

A carta é composta de 65 capítulos, os quais podem ser desdobra­dos em duas partes centrais: 1- parte (caps. 1—36), cujo foco seria o

52 Eusébio de Cesareia, p. 91.” Idem.54 A. G. Hamman, A vida cotidiana dos primeiros cristãos, 95-/97, p. 20.55 R. E. Olson, História da teologia cristã: 200 anos de tradição e reformas, p. 41.56 Clemente de Roma, Padres apostólicos. In: Clemente aos Coríntios, p. 45-47.57B. Altaner; A. Stuiber, Patrologia: vida, obras e doutrina dos padres da Igreja, p. 55,

e A. G. Hamman, A vida cotidiana dos primeiros cristãos, 95-197, p. 20.

A EDUCAÇÀO CRISTÁ NOS DIAS DOS PRIMEIROS PAIS DA IüREJA 7 1

das admoestações gerais; 2- parte (caps. 37—61), alude às dissen- sões dos coríntios e exige submissão aos chefes eclesiásticos, esta­belecidos pelos apóstolos ou por seus sucessores, daí suas palavras: “Reverenciemos os que têm autoridade sobre nós, honremos nossos anciãos”.58 No desenvolvimento dos seus argumentos, Clemente vale-se dos exemplos das corporações da estrutura militar, da cons­tituição do corpo humano e da hierarquia veterotestamentária. No epílogo (câps. 62—65), exprime a esperança de um pronto e feliz regresso dos portadores da carta, com a notícia do restabelecimento da paz naquela comunidade.

Nessa carta, há alguns princípios relevantes que demonstram a organização da Igreja e algumas de suas principais doutrinas. A hierarquia eclesiástica compunha-se de bispos ou pastores, presbí­teros e diáconos; portanto, essa liderança, sobretudo os presbíteros, não poderia ser deposta pela comunidade por não ter dela recebido sua autoridade, haja vista que ela lhe foi transmitida diretamente pelos apóstolos, que, por sua parte, agiram em obediência à ordem de Jesus.

Uma relevante temática dos primeiros pais da Igreja, no estu­do, era concernente à autoridade eclesiástica. Além desse assunto, Clemente de Roma destacou princípios relativos à espiritualidade dos cristãos. Destacam-se a prática da oração, da ação de graças e da súplica. No caso em recorte, a oração intercessora era o foco daquele pai da Igreja, pois desejava o arrependimento daqueles membros considerados rebeldes pela hierarquia eclesiástica, repre­sentada aqui por ele. Na questão doutrinária propriamente dita, a comunidade cristã estava convicta quanto à divindade de Jesus, e essa crença foi um dos principais argumentos de Clemente no capí­tulo 24 de sua epístola.59

Por fim, observa-se, nos capítulos 5 e 6, o mais antigo testemu­nho da perseguição de Nero aos cristãos, cujo conteúdo trata do

58 Clemente de Roma. Padres apostólicos. In: Clemente aos Coríntios, p. 55.w Idem, p. 41-42.

72 Fu n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a ç ã o c r i s t á

martírio dos príncipes dos apóstolos, Pedro e Paulo, e de muitos cris­tãos em Roma. Uma das críticas dirigidas principalmente a Clemente de Roma e a Cipriano é que eles teriam propiciado as discussões iniciais concernentes à hierarquia do bispado, sobretudo no caso de Cipriano, na defesa da primazia do bispo de Roma em relação aos demais.60 Há que se ter em conta que essa não era a proposta origi­nal de ambos, mas sim que havia necessidade de uma liderança para enfrentar os problemas da perseguição e das heresias daqueles dias.

Após demonstrar as contribuições doutrinárias e espirituais de Clemente, é necessário estudar seus princípios educacionais. No contexto educacional, Clemente de Roma é lembrado como o cria­dor da expressão: “paideia cristã”; paideia, que seria uma nova forma de compreender a educação, agora recebia o qualificativo “cristã”.61 A “paideia cristã” de Clemente não pretendia se fundamentar nos conhecimentos intelectuais e filosóficos, tão intensos naqueles dias, e sim, no ensino do temor a Deus, o que implicaria agradar-lhe, apre­sentar-se diante dele com humildade, puro amor, santidade e mente pura, como se pode extrair de suas próprias palavras:

... criemos nossos filhos no temor de Deus, guiemos nossas mu­lheres pelo caminho certo [...]. Deixemos nosso filhos participa­rem do ensino de Cristo. Deixem-lhes aprender como Deus se agrada da humildade e do amor puro, como o temor de Deus é bom, grandioso, e salva os que nele vivem em santidade e mente pura.62

Das palavras de Clemente, nota-se que a “paideia cristã” assinala­va o temor a Deus. Está claro, portanto, que havia uma importante distinção entre a educação em geral, intelectualista, sob influência dos gregos; a prática sob a influência dos romanos; e a proposta de

60 Cairns, Cristianismo através dos séculos, p. 92.61 H. I. Marrou, História da educação na Antiguidade, p. 479.61 Clemente de Roma, Padres apostólicos. In: Clemente aos Coríntios, p. 55.

A EDUCAÇÃO CRISTÀ NOS DIAS DOS PRIMEIROS PAIS DA IGREJA 73

educação cristã, cujo princípio estava nos ensinos de Cristo, pois a Igreja só se manteria fiel em sua doutrina, se Deus tivesse a primazia sobre todas as coisas.

Vale ressaltar que Clemente, ao evidenciar a educação cristã, não mostrou o espaço em que essa educação ocorreria. Entretanto, é fácil perceber que a educação cristã deveria ser ensinada no seio familiar e também nos estudos ministrados pelos líderes da Igreja.

POLICARPO DE ESMIRNA

Policarpo chegou ainda a ver e ouvir, na sua juventude, o apóstolo João, que o investiu no cargo de bispo de Esmima; é o que afirma Frangiotti,63 ao citar Tertuliano: “Segundo Tertuliano, Policarpo teria sido ordenado bispo pelas mãos do próprio apóstolo João”. Com racio­cínio semelhante, Eusébio de Cesareia registra: “E também Policarpo. Não somente foi instruído pelos apóstolos e conviveu com muitos que haviam visto o Senhor, mas também foi instituído bispo da Ásia pelos apóstolos, na igreja de Esmima”.64

Quando Marcião, o herege, destituído por seu bispo, perguntou a Policarpo se o conhecia, este respondeu: “Sim; eu te conheço. Es o primogênito de Satanás”.65 Policarpo foi instruído por Inácio de Antioquia quanto aos seus deveres de pastor, e a comunidade de Filipos pedira a Policarpo uma cópia das cartas de Inácio, endereçadas a ele e a várias igrejas da Ásia Menor. Policarpo lhes enviou todas as cartas que tinha, anexando outra pessoal, dirigida à citada igreja.66

Nessa carta, Policarpo, fundamentado na I - epístola de Clemente,

retomou um dos assuntos mais importantes daqueles dias e, como visto, ainda o é hoje. Nela exortava aqueles irmãos a permanecerem firmes na verdadeira fé e vida cristã; além disso, explicitou a relevân­cia da obediência aos “presbíteros e diáconos”.

65 Padres apostólicos. In: Introdução a Clemente Romano, p. 130.M Idem, p. 127.65 Os padres apostólicos. In: Martírio de São Policarpo, p. 156.66 Eusébio de Cesareia, p. 128.

74 F u n d a m e n t o s d a t e o l o o i a d a e d u c a ç ã o c r i s t ã

O Martírio de São Policarpo é a mais antiga narrativa da paixão e morte de um mártir, conservada até a atualidade. O procônsul Estácio, quando lhe ordenou amaldiçoar Cristo, ouviu: “Há oitenta e seis anos o sirvo; jamais ele me fez mal algum; como poderei eu blasfemar contra meu Rei e Salvador?”.67

No estudo de Policarpo, observa-se que ele não pretendia ser ori­ginal; prova disso está no fato de, ao escrever aos filipenses, ter se fundamentado no texto de Clemente de Roma. Entretanto, ele foi importante para o cristianismo em geral, haja vista ter feito muitas citações diretas de textos do Antigo Testamento, o que colaborou para atestar a canonicidade dessas passagens bíblicas. Além disso, repetiu muitas informações recebidas diretamente dos apóstolos, es­pecialmente de João.

Ressaltamos que Policarpo, diferentemente de Clemente e de Inácio, não estava preocupado puramente com questões administra­tivas ou com a autoridade eclesiástica, e sim em fortalecer a vida diária prática dos cristãos. E com essa perspectiva que ele evidenciou sua preocupação com a educação cristã:

Em primeiro lugar, ensinemos a nós mesmos a andar nos manda­mentos do Senhor. Depois, ensinem suas esposas a andar na fé que receberam, e de modo puro e terno a amarem seus maridos e outras pessoas com toda a castidade, educando os filhos no ca­minho de Deus.68

Percebemos, diante dessas palavras, que a educação cristã pro­posta por Policarpo fundamentava-se nos seguintes princípios:

No compromisso pessoal e individual, daí suas palavras: “Em pri­meiro lugar, ensinemos a nós mesmos a andar nos mandamentos do Senhor”. Isso está perfeitamente de acordo com o que Paulo

67 B. Altaner; A. Stuiber, Patrologia: vida, obras e doutrina dos padres da Igreja, p. 61; Eusébio de Cesareia, p. 131.68 Os padres apostólicos. In: Martírio de São Policarpo, p. 156.

A EDUCAÇÃO CRISTÃ NOS DIAS DOS PRIMEIROS PAIS DA IGREJA 75

escreveu em ITimóteo 4:6: “Exercita-te, pessoalmente na pieda­de”; um pouco mais à frente, no mesmo capítulo, versículo 16, exortou Timóteo da seguinte maneira: “tem cuidado de ti mesmo e da doutrina”.

Isso significa que a educação cristã parte do princípio de que in­dividualmente o cristão deve andar nos mandamentos do Senhor, de maneira que, antes de ensinar aos outros, deve exercitar-se a si mesmo na piedade cristã.

No compromisso com o cônjuge, daí suas palavras: “... Depois, en­sinem suas esposas a andar na fé que receberam, e de modo puro e terno a amarem seus maridos A educação cristã, portanto, agora passa a ter como preocupação a esposa. Aqui também se veem ecos do apóstolo Paulo, conforme Tito 2:3-4: “Quanto às mulheres idosas [...] sejam mestras do bem, a fim de instruírem as jovem recém- casadas a amarem ao marido e a seus filhos”. Decorre daí a respon­sabilidade do esposo de demonstrar amor à sua esposa, ensinando-a a andar na fé.

No compromisso de educar os fãlws, daí suas palavras “educando os filhos no caminho de Deus”. Percebe-se claramente que, apesar de Policarpo não utilizar os termos “lar” ou “família”, para ele a educa­ção cristã deveria ocorrer no núcleo familiar.

Carta de Barnabé

Clemente de Alexandria e Orígenes atribuem a Carta de Bamabé

ao companheiro do apóstolo Paulo, ainda que Eusébio de Cesareia e Jerônimo fossem contrários a tal atribuição. Todavia, nos dias atuais, a ideia de que Barnabé teria escrito essa epístola já está praticamente descartada, porque, na leitura dessa epístola, há críticas severas ao judaísmo e, como se sabe, Barnabé era sacerdote (At 4:36), antes de se tornar cristão. Por essa e outras razões, essa carta é geralmente conhecida como Pseudo-Bamabé, por ter sido escrita por outro, e não pelo Barnabé do Novo Testamento.69

69 Cairns, Cristianismo através dos séculos, p. 61.

76 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a ç ã o c r i s t a

A carta está dividida em duas partes bem distintas. À primeira parte correspondem os capítulos 2 a 16, da qual o capítulo 1 é a introdução e o 17 constitui a conclusão. Nessa seção é que se per­cebe a controvérsia contra o judaísmo e a tônica do autor quanto à interpretação alegórica e tipológica do Antigo Testamento. Tudo para o autor é prefiguração do Novo Testamento.

A segunda parte correspondem os capítulos 18 a 21. A primeira parte é doutrinária, dogmática. A segunda, ao utilizar-se da imagem dos “dois caminhos”, presente no texto da Didaquê, transmite ensi­namento moral.

Uma das contribuições da Carta de Bamabé é que revela a fé do autor na divindade do Filho de Deus, em sua encarnação e na reden­ção que ele traz ao mundo:

Se o Senhor suportou entregar sua própria carne à destruição, para que fôssemos purificados pelo perdão dos pecados, isto é, pela aspersão feita com seu sangue [...]. Ainda o seguinte, meus irmãos: Se o Senhor suportou sofrer por nós, embora fosse o Senhor do mundo inteiro, a quem disse desde a criação do mundo: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança”, como pode ele suportar sofrer pela mão dos homens? Aprendei [...]. Então ele manifestou que era Filho de Deus.70

Observamos, na leitura anterior, que o autor declara que o Filho de Deus se encarnou e sofreu todas as dores para oferecer o perdão pelos pecados, por meio da aspersão do seu sangue, e que, portanto, o cristão verdadeiro é inteiramente dependente de Cristo.

E relevante ressaltar que outro legado da Cana de Bamabé está diretamente relacionado à escola de Alexandria, a qual fundamen­tou sua interpretação do texto bíblico no método da alegorese, isto é, interpretação alegórica das Escrituras, ainda vista nos dias atuais, mas rejeitada pelos reformadores. Uma das passagens mais famosas

70 Carta de Bamabé, p. 291.

A tDUCAÇÃO CRISTA NOS DIAS DOS PRIMEIROS PAIS DA IüREJA 77

da carta é a interpretação de Gênesis 14:14 em que menciona os 318 homens de Abraão, para provar que ele sabia não somente o nome de Cristo, mas até que ele haveria de morrer na cruz. Para Barnabé, 318 tinha outro significado além do número, sendo uma referência propo­sital que Deus havia feito a Abraão acerca de Jesus, e que só poderia ser decifrada espiritualmente por meio da interpretação alegórica.71

A Carta de Bamabé e O pastor, de Hermas, este a ser visto neste capítulo, tiveram grande influência na igreja primitiva. Em algu­mas das primeiras coleções de escritos do Novo Testamento, ad­quiriram posição quase canônica, e alguns cristãos aceitavam-nos como perfeitamente canônicos,72 daí esses documentos aparecerem no Códice sinaítico.7i Trata-se, por conseguinte, de um importante documento para aquele período. Vale destacar que uma carta con­siderada digna de leitura por aqueles cristãos mostra a relevância da educação cristã, quando assinala:

Não mate seu filho, abortando; também, não o destrua, depois de nascido. Não retire sua mão de seu filho ou sua filha, mas ensine-os a temer o Senhor desde a infância.74

Dessas palavras, podem ser extraídas algumas concepções cris­tãs, relevantes até os dias de hoje: que o aborto e o assassinato dos filhos recém-nascidos são condenados; que a bênção e a disciplina são importantes para os filhos e que o cristão deve ensinar os filhos a temer a Deus desde a infância. Isso significa que os pais devem estar conscientes de sua responsabilidade no ensino dos filhos no temor a Deus. Portanto, também na Carta de Bamabé a educação cristã se alicerçava na responsabilidade, dos pais, de ensinarem seus filhos a confiar no Senhor e a temê-lo.

71 A. N. Lopes, A Bíblia e seus intérpretes, p. 131.72 R. N. Champlin, O Novo Testamento interpretado, p. 41.73 F. F. Bruce, Merece confiança o Novo Testamento?, p. 30.74 carta de Bamabé, p. 295.

78 F ü NDAMBNTOS DA TEOLOülA DA EDUCAÇÃO CRISTÁ

Didaquê

A Didaquê, ou Doutrina dos doze apóstolos, foi descoberta por Filoteo Bryennios em 1873, na biblioteca do Mosteiro do Santo Sepulcro, em Constantinopla, publicando-a em 1883.75 A obra não contém prega­ção apostólica; é, antes de tudo, um compêndio de preceitos morais, de instrução sobre a organização das comunidades, sobre a oração, o jejum, a ministração do batismo e a celebração da comunhão.

Essa é uma das principais obras que relatam a educação cristã no período dos primeiros pais da Igreja, pois servia de catequese ou instrução aos convertidos que viveram entre 70 e 120 d.C. A julgar pelos conhecimentos do Antigo Testamento, é possível que tenha procedido de algum rabino convertido ao cristianismo, talvez um companheiro ou ouvinte dos apóstolos.76

A obra está composta de 16 capítulos, que formam uma parte doutrinária ou catequética; contém instruções morais e orientações sobre a maneira de instruir os catecúmenos. Nos capítulos 7 a 10, ocorrem as instruções sobre o modo de ministrar o batismo, sobre o jejum, a oração e a eucaristia. O batismo deveria ocorrer em água viva, isto é, corrente nele e, utilizava-se a fórmula trinitária.

Ao que se pode extrair de sua leitura, tratava-se de um manual de instrução a ser seguido pela autoridade eclesiástica no ensino aos novos cristãos; infere-se daí que, além do lar, a igreja passou a as­sumir a responsabilidade da educação cristã de seus membros. Isso não implicava a isenção dos pais quanto à sua responsabilidade; pelo contrário, percebe-se que a educação no lar continuava sendo um imperativo. É o que se pode ler nas palavras: “Não se descuide de seu filho ou de sua filha; pelo contrário, instrua-os desde a infância no temor de Deus”.77 Sendo assim, notamos que a educação cristã tem como fundamento o lar e que a igreja passou a complementá-la, sobretudo quando o fiel desejasse se tornar membro da igreja.

75 Cairns, Cristianismo através dos séculos, p. 62.76 R. Frangiotti, Padres apostólicos. In: Introdução a Clemente Romano, p. 337.77 Didaquê: o catecismo dos primeiros cristãos para as comunidades de hoje, p. 349.

A EDUCAÇÃO CRISTÃ NOS DIAS DOS PRIMEIROS PAIS DA IGREJA 79

O texto a ser mencionado, a seguir, é O pastor, de Hermas, que, além de preciosos ensinos doutrinários, narra a triste sorte de um pai que se eximiu da responsabilidade de educar seu filho no temor do Senhor.

O pastor de Hermas

O pastor, de Hermas, à semelhança da Carta de Bamabé, foi conside­rado por muitos cristãos dos primeiros séculos como canônico; daí o seu prestígio entre eles, a ponto de Bruce78 se referir a ele como digno de leitura na igreja. Apesar de tal deferência, não se conhece muito a respeito do autor. Sabe-se que ele foi muito citado pelos pais da Igre­ja, a ponto de Frangiotti, ao comentar Atanásio, afirmar: “Segundo Atanásio, que também o cita muito, O pastor está entre os livros que, embora não tenham entrado no cânon, foram, contudo, propostos pelos Padres para serem lidos aos que acabavam de entrar na Igreja e queriam ser instruídos na piedade”.79 Na questão da autoria do texto, é provável que Hermas tenha sido irmão de Pio, o bispo de Roma entre 150 e 155 d.C.80

Esse documento é escrito com gênero apocalíptico,81 rico em sím­bolos e visões, mas com objetivo moral e prático. Uma das preocupa­ções de O pastor, de Hermas consiste no princípio de que a Igreja é uma instituição necessária para a salvação. Ele professa a necessidade absoluta do batismo, pois, sem levar o selo do Filho de Deus, que se imprime no batismo, não é possível entrar na construção da torre, símbolo da Igreja. Hermas está tão convencido de que o batismo é absolutamente necessário para a salvação que escreveu que os após­tolos e os mestres desceram após a morte ao limbo para batizar os justos, mortos antes de Cristo. O autor afirma que a Igreja, enquanto estiver no mundo, estará em construção e aguardando sua perfeição final, a qual ocorrerá na segunda vinda de Cristo.

78 Merece confiança o Novo Testamento?, p. 31.79 R. Frangiotti, Padres ajxistólicos. In: Introdução a Clemente Romano, p. 163.80 Cairns, Cristianismo através dos séculos, p. 62.81 R. Frangiotti, idem, p. 160.

80 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a ç á o c r i s t a

Uma das dificuldades demonstradas no livro é com relação à cris- tologia, uma vez que o autor, na Nona Parábola, declara:

Depois que escrevi os mandamentos e as parábolas do pastor, anjo da penitência, ele veio a mim e disse: Quero te mostrar tudo o que te mostrou o Espírito Santo, que te falou na figura da Igre­ja. Esse Espírito é o Filho de Deus. Estavas muito fraco na carne e, por isso, não te foi revelado pelo Espírito, e tu mesmo tiveste a força para poderes ver um anjo; então te foi revelada, por meio da Igreja, a construção da torre.82

Notamos que o autor deixa transparecer que só há duas pessoas no Ser divino: Deus Pai e Deus Espírito Santo-Filho:

O filho é o Espírito Santo [...]. Deus fez habitar na carne que ele havia escolhido o Espírito Santo preexistente, que criou todas as coisas. Essa carne, em que o Espírito Santo habitou, serviu muito bem ao Espírito, andando no caminho da santidade e pureza, sem macular em nada o Espírito.83

À luz dessa passagem, dificilmente alguém deixará de pensar que foi o Espírito Santo quem se encarnou. Por outro lado, é importante ressaltar que o texto não está preocupado com concepções doutri­nárias, mas, sobretudo, com princípios práticos quanto ao perdão de pecados, o qual poderia ocorrer também após o batismo, porém, até determinado termo, antes da volta do Senhor.

O Pastor, de Hermas, se tornou um importante texto, também, por tratar de questões de matrimônio e adultério:

Em oposição a diversos autores mais antigos, Hermas considera o segundo matrimônio como permitido. O adultério da esposa que

82 Carta de Hermas, p. 244.83 Idem, p. 226.

A e d u c a ç ã o c r i s tA n o s d i a s d o s p r i m e i r o s p a i s d a I g r e j a 8 1

persiste no pecado obriga o esposo a demiti-la, sem que por isso ele esteja autorizado a contrair segundas núpcias. No caso de a esposa fazer penitência, o marido será obrigado a recebê-la nova­mente, porém uma só vez. A regra é válida tanto para o marido quanto para a mulher.84

Já que sua preocupação era com a prática doutrinária do cristia­nismo, preòcupou-se também em evidenciar a educação cristã, prin­cipalmente ao deixar registrado um alerta, em forma de ilustração, aos pais que descuidam de ensinar a seus filhos o caminho e o temor do Senhor. O objetivo de Hermas era provocar arrependimento nos pais que assim procedessem.

Nos escritos de Hermas encontramos um exemplo de um filho de um lar cristão, que se desviara. Hermas era um cristão que fora muito remisso em suas responsabilidades familiares, incluindo es­posa, filhos e servos. Diversas vezes é dito que ele é responsável por todos os seus filhos, além de seu lar. Ele não se esforçou para ajudar sua esposa a dominar sua língua - em caso de mexeri­cos ou reclamações. Ele não instruiu sua família, mas deixou que ela se corrompesse. “Hermas, seus filhos desprezaram a Deus, blasfemaram o Senhor, traíram seus pais com grande maldade”. Hermas não tem esperanças quanto a uma segunda chance de arrependimento, mas tem certeza de que esposa e filhos obterão misericórdia, se ele se empenhar por isso.85

Notamos nessas palavras que o responsável pela educação fami­liar falhou em sua responsabilidade. Na continuação da narrativa de üreen, pode ser visto que a família é o foco nesta parte do escrito de Hermas:

84 B. Altaner; A. Stuiber, Patrologia: vida, obras e doutrina dos padres da Igreja, p. 67.85 M. Green, Evangelização i\a igreja primitiva, p. 265.

82 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a ç ã o c r i s t á

A família não deve ser considerada pagã, necessita de se tornar cristã, mas, decaída da sua profissão de fé cristã e carente de disciplina, precisa de ajuda e ensino sobre a vida cristã. E neste sentido que Hermas é encarregado da conversão da sua família. “Você é indulgente, e não corrige sua família”, é a acusação con­tra ele; a solução é que “converta sua família, que pecou contra o Senhor e seus pais”. “Porém, pela sua grande misericórdia, Deus teve compaixão de você e sua família, o fortalecerá e o trará à glória; somente não seja preguiçoso, mas tenha coragem e for­taleça sua família. Porque assim como um ferreiro completa sua tarefa martelando o metal, assim a palavra correta diária vence toda a maldade. Por isto não cesse de corrigir seus filhos, porque eu sei que eles serão inscritos no livro da vida com os santos, caso se arrependam de todo o coração”.86

Observamos nessas palavras que a ênfase é referente à relevân­cia da educação cristã no lar cristão. Hermas, portanto, deveria se arrepender e corrigir sua família, para que ela voltasse aos princípios cristãos, isto é, ao temor a Deus. Destarte, a educação cristã centra­da no lar é o foco do texto de O pastor, de Hermas.

Justino Mártir

Justino Mártir é reputado como o mais importante apologista do sé­culo II, por ter escrito um “grande número de obras, extremamente úteis, testemunho de uma inteligência cultivada e empenhada nas coisas divinas”.87 Dos textos produzidos por ele, chegaram até nós Apologias I e II e Diálogo com o judeu Trifão.

Apologia I é um tratado dirigido a Antonino, chamado Pio, e aos seus filhos, assim como ao senado romano, em favor das doutrinas cristãs; dentre elas, a que mais se destaca é a preocupação em provar

84 Idem.87 Eusêbio de Cesareia, p. 137.

A EDUCAÇÃO CRISTA NOS DIAS DOS PRIMEIROS PAIS DA IGREJA 83

a divindade de Jesus Cristo.88 Apologia II contém uma defesa da fé cristã, dirigida ao sucessor e homônimo do imperador romano Antônio Vero.

Justino, ao considerar Cristo como bgos, afirma que, em Cristo, o logos divino apareceu em toda a sua plenitude, mas cada homem possui, em seu intelecto, um germe desse logos, e é essa participação que permite ao homem aprender a verdade.89 A participação no logos

é mais intensa em uns do que em outros; é por essa razão que alguns homens como Heráclito e Sócrates, dentre outros, aprenderam mais facilmente a verdade. Assim: “Enquanto filósofos ensinaram e vive­ram de acordo com a razão, já eram, em certo sentido, cristãos, antes de Cristo; depois da vinda de Cristo ao mundo, os cristãos possuem a verdade íntegra e plena”.90

Quanto à pessoa de Cristo, Justino é subordinacionista, isto é, Cristo é uma pessoa divina, mas subordinado ao Pai, unicamente com a finalidade de assistir à criação e ao governo do mundo.91 Antiseri, ao comentar uma passagem na Apologia II, destinada aos imperadores romanos, afirma:

Eu sou cristão, glorio-me disso e, confesso, desejo fazer-me reco­nhecer como tal. A doutrina de Platão não é incompatível com a de Cristo, mas não se casa perfeitamente com ela [...]. Tudo o que ensinaram com veracidade pertence a nós, cristãos. Com efeito, depois de Deus nós adoramos e amamos o Logos nascido de Deus, eterno e inefável, porque ele se fez homem por nós, para curar-nos dos nossos males tomando-os sobre si. Os escri­tores puderam ver a verdade de modo obscuro, graças à semente do Logos que neles foi depositada. Mas uma coisa é possuir uma semente e uma semelhança proporcional às próprias faculdades

88 B. Altaner; A. Stuiber, Patrologia: vida, obras e doutrina dos padres da Igreja, p. 77.89 Idem, p. 79.90 Justino Mártir, citado por B. Altaner; A. Stuiber, idem.91 B. Altaner; A. Stuiber, idem, p. 77.

84 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a ç ã o c r i s t ã

e outra é o próprio Logos, cuja participação e imitação deriva da Graça que dele provém.92

Notamos que Justino, ao se tornar cristão, reconhece ser a doutri­na cristã a única filosofia fidedigna e proveitosa, superior a qualquer sistema filosófico, e é ele mesmo que, ao defender a fé cristã contra o filósofo cínico Crescente, afirma:

Talvez por obra de Crescente, o amigo, não da sabedoria, mas da ruidosa jactância, já que não é justo chamar de filósofo um homem que em público atesta o que ignora, como quando diz que os cristãos são ateus e ímpios, fazendo assim para graça e gosto do vulgo extraviado no erro. Porque, se é que nos ataca sem ter lido os ensinamentos de Cristo, é dos mais malvados e muito pior do que os ignorantes, os quais muitas vezes evitam conversar e ates­tar falsamente sobre o que ignoram. E se é que os leu sem enten­der a grandeza que há neles, ou se os entendeu, mas faz assim para não ser suspeito de cristão, então é muito mais ignóbil e malvado, escravo de uma opinião, ignorante e irracional, e do medo.93

Percebemos nas palavras de Justino certa tensão entre a fé cristã e a filosofia, a despeito de Justino ter sido filósofo da escola platônica, a qual deixou para seguir o cristianismo; continuou, entretanto, com o uso da toga, ou túnica filosófica, depois de sua conversão.94

Quanto ao Diálogo com o judeu Trifão, Justino inicia sua discussão com reflexões autobiográficas a respeito de sua jornada filosófica, como se deu sua conversão ao platonismo e, mais tarde, ao cristia­nismo. Demonstra, nessa mesma obra, que as leis cerimoniais judai­cas tinham valor meramente transitório.95 A seguir, dá explicações

92 História da filosofia, p. 408.,3 Eusébio de Cesareia, p. 134-135.94 R. E. Olson, História da teologia cristã: 200 anos de tradição e reformas, p. 57.95 Eusébio de Cesareia, p. 138.

A EDUCAÇÃO CRISTA NOS DIAS DOS PRIMEIROS PAIS DA ÍGREJA 85

teológicas de como a crença cristã na encarnação, que Trifão consi­derava absurda, em nada é incompatível com o monoteísmo. Com relação aos judeus, Justino dirige as seguintes palavras a Trifão:

Não somente não vos haveis arrependido do mal que fizestes, mas até, tendo escolhido alguns homens especialmente aptos, os enviastes desde Jerusalém a toda a terra dizendo que havia apa­recido uma seita ateia de cristãos e enumerando as mesmas calú­nias que todos os que nos desconhecem repetem contra nós, de modo que não somente sois culpados de vossa própria injustiça, mas também, simplesmente, da de todos os demais homens.96

Por causa dos seus confrontos diretamente dirigidos aos impera­dores romanos, segundo a tradição, Justino foi decapitado junto com mais seis cristãos, conforme o costume romano.97 Todavia, além das questões doutrinárias anteriormente citadas, Green98 faz importantes referências aos princípios educacionais cristãos de Justino Mártir.

Na questão educacional, Green,99 ao comentar acerca da evan- gelização por meio do ensino, demonstra que, no período dos pri­meiros pais da Igreja, sobretudo com Justino Mártir, a evangelização e o ensino eram indissociáveis. Ele tece uma consideração ao livro de Dodd, A pregação apostólica e o seu desenvolvimento, em que de­monstra ter sido ele infeliz na separação arbitrária entre pregação e ensino. Green pontua que não se percebe, no período entre Paulo e Orígenes, distinção entre evangelização e ensino, pois “ambos evangelizaram ensinando a fé cristã [...]. Pregação e ensino andavam lado a lado, junto com muito trabalho prático ...”.100 Há que se res­saltar que alguns desses pais não deram evidência à educação cristã, mas nem por isso deixaram de associar ensino com evangelização.

96 Idem.97 Antiseri, História da filosofia, p. 409.98 Evangelização na igreja primitiva, p. 249.99 Idem, p. 248.100 Idem, p. 249.

86 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a çA o c r i s t á

Segundo Green, Justino Mártir, fundou o primeiro espaço escolar após a era apostólica, em que eram instruídos na fé todos os que quisessem, enquanto se sustentava como professor de filosofia, como tinha feito antes de ser cristão.101 E possível que ele tenha imitado o apóstolo Paulo, o qual alugou a escola de Tirano durante os três anos em que esteve em Efeso; ao que parece, essa atitude paulina deve ter contagiado seus ouvintes com sua energia e zelo, a ponto de eles se prontificarem a sacrificar sua sesta para ouvi-lo.

Não obstante a preocupação com esse espaço para ensino, vale lembrar, antes de tudo, que a tônica da educação cristã daqueles dias priorizava o lar, e o ensino na igreja como complemento.102

Tertuliano

Tertuliano aproximou-se do montanismo, e uma das maneiras de perceber tal aproximação é que ele teria escrito algumas obras de “as­pectos práticos do viver cristão, das vindicações do montanismo, das faltas do catolicismo primitivo...”.103 Tertuliano, ao escrever a obra Contra Práxeas, deixou claro ser ele um “montanista convicto” e “o mais famoso dos seus seguidores”, que, por causa de seu prestígio, foi o maior difusor do montanismo no norte da África e boa parte do mundo ocidental.104

Há imensas críticas a Tertuliano por ser um prestigiado pai da Igreja e o mais famoso propagador do montanismo. Pierini, ao co­mentar alguns movimentos de caráter apocalíptico e rigorista, inclui o montanismo, que foi, segundo esse autor, a crença que chegou a criar um cisma na Igreja dos primeiros séculos, tem como funda­mento outros fenômenos do gênero, isto é, a inquietação social e as esperanças de justiça, seguidas de expectativas milenaristas justifi­cadas por ideais religiosos.105 Portanto, por se tratar de um período

101 Idem.102 C. B. Eavey, History of Christian Educatkm, p. 75-86.103 R. C. Kroeger, Tertuliano. In: Enciclopédia histórico-teológica da Igreja cristã, p. 524.104 R. Frangiotti, Padres apostólicos. In: Introdução a Clemente Romano, p. 59.105 F. Pierini, Curso de história da Igreja, p. 68.

A e u u c a ç á o c r i s t a n o s d i a s d o s p r i m e i r o s p a i s d a I g r e i a 87

de grandes dificuldades para os cristãos, aderir a tais proclamações poderia ser uma maneira de “fugir” dos sofrimentos do presente.

Essa é uma das explicações pelas quais, na igreja primitiva, en­contramos a presença de uma concepção apocalíptica e rigorista:

... estão de acordo os historiadores e patrólogos em que o dom ca­risma de profecia foi muito comum na igreja primitiva [...] não há nada de estranho que surgissem alguns fanáticos ou aproveitado­res que se apresentassem como inspirados pelo Espírito Santo.106

Eusébio, ao comentar o montanismo, afirma:

Como foi justamente então que os partidários de Montano, Alci- bíades e Teodoto, começaram a dar a conhecer entre muitos ou­tros na Frigia sua opinião sobre a profecia (pois os muitos outros milagres do carisma de Deus, que até então vinham ainda se reali­zando pelas diversas igrejas, produziam em muitos a crença de que também aqueles eram profetas), havendo surgido discrepâncias por sua causa, novamente os irmãos da Gália formularam seu pró­prio juízo, precavido e inteiramente ortodoxo, sobre eles, expondo também diferentes cartas dos mártires consumados entre eles, car­tas que, estando ainda no cárcere, haviam escrito aos irmãos da Frigia, e não somente a eles, mas também a Eleutério, então bispo de Roma, como embaixadores em favor da paz das igrejas.107

Observamos, nas palavras de Eusébio, que o montanismo foi compreendido como desvio e afronta à doutrina da Igreja. Eusébio comenta o movimento da seguinte forma:

Dentre os que naquela ocasião escutaram estas expressões bas­tardas, uns, ofendidos com ele como energúmeno, endemoniado,

106 L. M. De Cadiz, Historia de la Literatura patrística, p. 160.107 Eusébio de Cesareia, p. 163.

88 F u n d a m e n t o s d a t e o l o u i a d a e d u c a çA o c r i s t á

embebido no espírito do erro e perturbador das multidões, repre­endiam-no e tentavam impedi-lo de falar, lembrando-se da expli­cação e advertência do Senhor sobre estar em guarda e alerta com a aparição de falsos profetas; outros, em troca, como que excitados por um espírito santo e um carisma profético, e não menos incha­dos de orgulho e esquecidos da explicação do Senhor, fascinados e extraviados pelo espírito insano, sedutor e desencaminhador do povo, provocavam-no para que não permanecesse mais em silên­cio [...] efetivamente, os fiéis da Ásia haviam-se reunido para isto muitas vezes e em muitos lugares da Ásia, e depois de examinar as recentes doutrinas, declararam-nas profanas e as rechaçaram como heresia; desta maneira aqueles foram expulsos da Igreja e separados da comunhão.108

O montanismo foi um movimento surgido na Igreja do século II; os seus partidários criam em novas revelações e profecias, ten­do como líder principal Montano, o qual era sacerdote da região da Frigia, convertido ao cristianismo em meados do século II. Montano reivindicava uma nova profecia, isto é, os sinais e milagres dos dias da igreja primitiva. Montano referia a si mesmo como “porta-voz do Espírito Santo” e acusava os líderes oficiais da Igreja de restringirem a atuação do Espírito Santo a um livro, ao tentar limitar a inspiração divina aos escritos apostólicos.109

A Montano, uniu-se um grupo de seguidores que construíram em Papuza uma comunidade. Duas mulheres, Priscila e Maximila, uniram-se a Montano, e o trio passou a profetizar o breve retorno de Cristo à sua comunidade e a condenar os bispos e líderes das prin­cipais sés metropolitanas como destituídos de vida, corruptos e até mesmo apóstatas; isto é, eram denominados de “mata-profetas”.110

Montano e os seus seguidores foram excomungados pelo papa Vítor (198-199) ou por Zeferino (199-217), mas os montanistas sofreriam

108 Idem, p. 174.109 R. E. Olson, História da teologia cristã: 200 anos de tradição e reformas, p. 30-32.110 Eusébio de Cesareia, p. 174.

A e d u c a çA o c r i s t ã n o s d i a s d o s p r i m e i r o s p a i s d a I g r e j a 89

ainda uma última condenação, no VI Concilio Ecumênico, no final do século VII, realizado em Constantinopla, em 680-681, o que demons­tra sua aceitação pelo cristianismo desse período.111

Após os esclarecimentos anteriores, é relevante focar atenção em Quintus Septimus Florens Tertullianus (Tertuliano), um dos prin­cipais apologistas da Igreja ocidental. Nasceu na residência de um centurião romano de serviço em Cartago. Conhecedor de grego e de latim, os clássicos lhe eram familiares. Fez-se advogado competente, ensinou oratória e advogou em Roma, onde se converteu ao cris­tianismo; a partir daí, desenvolveu uma sólida concepção teológica e refutou as falsas concepções filosóficas pagãs que se opunham ao cristianismo.112

No Apologeticum, endereçado aos governadores romanos, nega as antigas acusações feitas contra os cristãos, isto é, de que estes seriam desleais cidadãos do império. “Para ele, a perseguição é um fracas­so geral porque os cristãos aumentam quanto mais os perseguem as autoridades”.113 Conhecedor dos conteúdos j urídicos, argumenta que o Estado tem perseguido a Igreja com base em motivos dúbios, uma vez que as reuniões, as doutrinas e a moral dos cristãos são superiores às de seus vizinhos pagãos.

Nesse contexto, ressaltamos as palavras de Eusébio, com relação aos questionamentos de Tertuliano concernentes ao julgamento dos governadores romanos contra os cristãos:

Que tipo de leis são estas então, ímpias, injustas e cruéis, seguidas somente contra nós? Vespasiano não as observou, apesar de ter vencido os judeus; Trajano teve-as em parte como nada, ao impe­dir que se perseguissem os cristãos, e Adriano, apesar de ocupar- se com muita curiosidade com muitas coisas, não as sancionou, como tampouco o que é chamado Pio.114

111 R. FranOjIOTTI, Padres apostólicos. In: Introdução a Clemente Romano, p. 59.112 A. G. Hamman, A vida cotidiana dos primeiros cristãos, 95-197, p. 71.113 Cairns, Cristianismo através dos séculos, p. 87.114 Eusébio de Cesareia, p. 165.

90 F u n d a m e n t o s d a t e o l o c j i a d a e d u c a r ã o c r i s t ã

Ele escreveu dois livros que identificam o cristianismo dos seus dias. Um deles tem cunho catequético, cujo conteúdo pontua: a ti­pologia bíblica, o ritual, a doutrina do sacramento e a doutrina da Trindade. Nessa obra está uma das mais importantes contribuições de Tertuliano, pois ali ele “cunhou o termo trindade” e ensinou que a Deidade é composta de “uma só substância que consistia em três Pessoas”.115

Marrou, refere-se a Tertuliano, dentre os pais da Igreja, como o que melhor percebeu o “caráter idolátrico e imoral da escola clássica, até o ponto de proibir os ensinos cristãos como uma profissão total­mente incompatível com a fé, do mesmo modo que a de fabricante de ídolos ou a de astrólogo”.116 Todavia, os estudos religiosos eram necessários para aprender a ler, e, assim, Tertuliano parece ter admi­tido a necessidade de que a criança cristã freqüentasse, como aluna, a escola clássica, desde que não se deixasse vencer pela idolatria e a imoralidade.

Para que a criança fosse imunizada, era apresentada a educação cristã, oferecida pela família e complementada pela igreja, haja vista que, se a criança tivesse sua consciência religiosa cristã, devidamente esclarecida e enraizada nos ensinos cristãos, ela saberia efetuar as cor­reções e as distinções necessárias relativas aos ensinos de Homero, o poeta, e as outras fábulas.117

Por conseguinte, à luz das palavras de Marrou, observa-se que Tertuliano a prtori não era favorável à educação clássica, considerada por ele como “veneno”. Por outro lado, teve de admitir que as crian­ças estudassem nessas escolas, pois, devido a uma série de fatores, tais como perseguições, os líderes não puderam fundar suas próprias instituições escolares e também porque enfatizaram que a educação cristã deveria ser centrada no lar, tendo a igreja a incumbência de completar tal educação. Vale ressaltar, aqui, que a profissão do ma­gistério não era benquista entre os cristãos em geral:

115 R. C. Kroegür, Tertuliano. In: Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã, p. 524.116 História da educação na Antiguidade, p. 490.1,7 Idem, p. 490-491.

A EDUCAÇÃO CRISTÃ NOS DIAS DOS PRIMEIROS PAIS DA IGREJA 9 1

Nem todos os cristãos [...] eram favoráveis à profissão do magis­tério. Assim, reza a tradição apostólica de Hipólito de Roma, no século II, ao tratar de ofícios e profissões, que o professor de crian­ças desista do seu trabalho (como também o devem fazer o man­tenedor de casa de prostituição ou os atores), mas que lhes será permitido ensinar, se não tiverem outra habilidade. Tertuliano, por sua vez, é visceralmente contrário ao magistério por parte dos cristãos. No seu livro Sobre a idolatria ele condena toda pro­fissão ou arte a serviço do paganismo e, assim, exclui da Igreja os fabricantes de ídolos, os astrólogos, os gladiadores, os vendedores de incenso, os feiticeiros, os magos e os professores de primeiras letras, tanto como os de literatura.118

É curioso, entretanto, perceber que a oposição de Tertuliano e de outros cristãos à instituição escolar e ao magistério, no sentido de com- pará-los aos fabricantes de ídolos, não era uma concepção geral dos cristãos, conforme pontua Marrou:

A Igreja não seguiu Tertuliano na rigorosa interdição que ele formulou com relação ao magistério. Por volta de 215, ou seja, ao tempo mesmo em que Tertuliano escrevia seu De idolatria

(211-212), Santo Hipólito de Roma redigia, sem dúvida para o uso de sua comunidade cismática, a Tradição apostólica, que devia obter, na Síria, no Egito e até na Etiópia, sucesso tão du­radouro: ele também cataloga as profissões incompatíveis com a vocação de um cristão; fato notável, ele não decide tratar os professores com a mesma severidade que [...] o histrião ou o fabricante de ídolos [...]. Não há dúvida ter sido esta a atitude normal da Igreja; com efeito, muitos cristãos ensinaram nas es­colas tipo clássico.119

118 R. A. C. Nunes, História da educação na antiguidade cristã: o pensamento educacio­nal dos mestres e escritores cristãos no fim do mundo antigo, p. 20.119 História da educação na Antiguidade, p. 491.

92 Fu n d a m e n t o s d a t e o l o u i a d a e d u c a ç ã o c r i s t ã

Portanto, apesar do prestígio de Tertuliano, havia outros líderes cristãos que entendiam de modo diferente a instituição escolar e a profissão do magistério, mas mesmo assim não houve uma proposta formal para a fundação de escolas cristãs nesse período. Monroe120 apresenta algumas razões que justificam esse comportamento:

Primeira razão — Os cristãos, principalmente os ocidentais, comprenderam que não era possível nenhum compromisso entre a verdade cristã e o mundo; que as filosofias ligadas ao cristianismo produziriam apenas heresias; que a literatura e a cultura em geral representavam meramente os prazeres e as seduções do mundo. Em uma palavra, não havia necessidade de escolas, pois lá só se ensinava paganismo.

Era naturalíssimo que os cristãos do Ocidente identificassem o paganismo com a cultura antiga, pois o principal prestígio que a velha religião conservava ao progresso da Igreja veio da classe mais entendida nesta literatura; e nas escolas estava o principal baluarte do regime pagão.121

Infere-se, das palavras anteriores, que os primeiros pais da Igre­ja não propuseram uma instituição escolar formal, não por estarem satisfeitos com a educacão clássica ou pelo conteúdo ensinado nas escolas romanas, mas por compreenderem que os pais tinham priori­dade na educação dos seus filhos e que a igreja complementava essa educação, sobretudo quando estes desejavam ser batizados.

Segunda razão — A crença dominante de que a segunda vinda de Cristo era iminente. Assim, o saber, a cultura e a filosofia eram compreendidos como conhecimentos mundanos e triviais.

Terceira razão — A perseguição e o exílio. Por causa das persegui­ções e do exílio que sofreram, muitos cristãos nos primeiros séculos foram privados da oportunidade do saber pagão, mesmo que o tivessem

120 História da educação, p. 97-98.121 Idem, p. 97.

A EDUCAÇÃO CRISTÃ NOS DIAS DOS PRIMEIROS PAIS DA IGREJA 93

desejado, e destruíram qualquer tentativa para adquirir o que era afinal o traço mais característico dos seus perseguidos: a cultura en­sinada nas escolas.

Entretanto, paulatinamente os cristãos se organizavam e se cons- cientizavam do seu poder cada vez maior de influenciar o poder civil; assim formulam, ainda que de maneira incipiente, uma nova cultura de governo e de práticas, dentre elas a educação formal,122 a qual se refletirá com maior veemência sobretudo no Oriente, visto que mui­tos desses pais da Igreja tinham sido filósofos gregos e alunos de esco­las gregas, antes de serem convertidos por Deus ao cristianismo.123

Foi assim que surgiram as primeiras escolas, denominadas catecumenato,124 dirigidas pelas autoridades esclesiásticas, que en­sinavam conteúdos bíblicos. As escolas funcionavam nas dependên­cias dos templos, pois a necessidade as obrigava a terem lugares mais espaçosos, uma vez que a Igreja crescia a cada ano.125

A escola de catecumenato, termo derivado de katecheo (informar, instruir), katechon (professor) e katechesis (instrução), fora utilizada pelo apóstolo Paulo em ICoríntios 14:19; Gálatas 6:6 e Romanos 2:18 com o sentido de “instruir alguém no conteúdo da fé”. Esse foi o sentido empregado pelos pais da Igreja, isto é, “instrução para o batismo” (2- Clemente 17:1), daí o termo, até hoje utilizado, “classe de catecúmenos”, em que se ensinam os princípios fundamentais da fé cristã com a finalidade do batismo.

Exigia-se que o catecúmeno freqüentasse os cursos organizados pelas autoridades eclesiásticas, assimilasse as verdades da fé cristã e, ao mesmo tempo, provasse, mediante o seu comportamento, que era digno de ser admitido no seio dos fiéis. Tratava-se de uma preparação, durante três anos,126 com ênfase nas questões morais, intelectuais e

122 F. Cambi, História da pedagogia, p. 126-127.123 R Monroe, História da educação, p. 98.124 V. S. Santos, Educação cristã: conceituação teórica e implicações jyráticas. In: Fides Reformam, p. 155-174- Edição especial de educação, p. 14.125 H. Daniel-Rops, A vida diária nos tempos de Jesus, p. 214.126 R. A. C. Nunes, História da educação na antiguidade cristã: o pensamento educacio­nal dos mestres e escritores cristãos no fim do mundo antigo, p. 44.

94 F u n d a m e n t o s d a t i s OLO u i a d a e d u c a ç ã o c r i s t ã

espirituais. Em geral, a ocasião do batismo era na época da Páscoa: “época fixada — desde uma data tão antiga que não a podemos preci­sar — para ser a ocasião dos ritos batismais”.127 O período da prepara­ção, entretanto, poderia ser abreviado devido a um martírio iminente do catecúmeno, porque havia a crença de que o sacrifício cruento substituía o batismo para aqueles que morriam a serviço de Cristo antes de terem recebido o sacramento.

Encerrada cada instrução pelo catequista, os homens catecúme- nos deviam orar sozinhos, em ambiente separado dos fiéis, enquanto as mulheres deviam orar individualmente, mas em qualquer lugar da igreja. Depois da oração, o catequista impunha a mão sobre os ca- tecúmenos, orava e dispensava-os.128 Vale ressaltar, como visto, que a Didaquê servia como texto para instrução dos convertidos que de­sejavam se tornar membros da comunidade cristã, e, com base nesse texto, exigia-se dos novos cristãos: aceitar e procurar praticar os Dez Mandamentos, conforme resumidos em dois por Cristo — amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo; ouvir e explicar o Pater, uma espécie de formulário em que se encontrava o essencial da fé, isto é, as doutrinas sobre a Trindade, o pecado e o perdão.

Antes do batismo, os candidatos eram examinados em sua vida e comportamento, para verificar se tinham honrado as viúvas, visitado os enfermos e praticado boas ações. Ao se aproximar o dia do batis­mo, o bispo examinava-os com a finalidade de descobrir neles a pure­za e convicção do ato ao qual se submeteriam. Quem não fosse bom ou puro, era posto de lado. Os batizandos deviam tomar um banho no quinto dia da semana, e a mulher menstruada tinha o seu batismo adiado. Na véspera do sábado, jejuavam e, no sábado, eram convo­cados pelo bispo, o qual ordenava que orassem e se ajoelhassem.

O cerimonial do batismo era oficiado por um bispo, que utilizava água e dizia as palavras “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Além disso, os catecúmenos eram sempre alvo da seguinte

127 H. Daniel-Rops, A vida diária nos temjxis de Jesus, p. 203.128 Idem, p. 44.

A EDUCAÇÃO CRISTÃ NOS DIAS DOS PRIMEIROS PAIS DA IGREJA 95

oração feita pelos cristãos: “Roguemos todos a Deus pelos catecú- menos, a fim de que Ele, que é bom e ama os homens, escute as suas orações e os acolha com favor...”.129

Com as escolas de catecumenato, os pais da Igreja reconheciam, pela primeira vez, a necessidade de um estudo mais aprofundado de conteúdos bíblicos e teológicos pelas pessoas desejosas de faze­rem parte do rol de membros das igrejas daqueles dias. Isso significa que a educação cristã, nesse período, estava ainda centrada no lar, mas a citada escola, que representava os ensinos da Igreja, cada dia tornava mais evidente a importância da fundação de instituições escolares cristãs, tendo sido fundada a primeira delas por Panteno130 no ano 179 d.C.

Todavia, vale ressaltar que tanto a educação cristã a ser ensinada e vivida no lar como a que seria estudada nas classes de catecúme- nos, deveriam ter as Escrituras como princípio único de fé e prática, e sua finalidade não deveria ser outra senão a de incutir no homem o amor a Deus sobre todas as coisas. Sendo assim, já que eles tinham as Escrituras como fundamento da educação cristã, é necessário no capítulo seguinte estudarmos o que a Bíblia tem a dizer a respeito de educação. Antes, porém, é necessário revisitar o que foi estudado por meio da revisão e aperfeiçoamento a seguir.

Revisão e aproveitamento do capítulo 2

1. Como o cristianismo se considerava em relação ao “povo de Israel”?

2. Em que sentido podemos dizer que o modo de viver dos cris­tãos revolucionou a sociedade greco-romana?

3. Como alguém poderia ser considerado pai da Igreja?4. Qual a concepção de Clemente de Roma sobre educação cristã?5. O que Policarpo de Esmirna ensinou sobre educação cristã?

129 Idem, p. 214.150 A. M. Souza, Breve história da educação cristã, p. 14.

F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a ç ã o c r i s t ã

6. Qual o conceito de educação cristã na Carta de Bamabé?7. Qual a importância da Didaquê para a educação cristã?8. Qual foi o erro visto em O pastor, de Hermas, com relação à

educação cristã?9. O que Justino Mártir ensinou a respeito da educação cristã?

10. Em que consistiu o pensamento de Tertuliano concernente à educação?

11. Como surgiu o pensamento de que havia necessidade da criação das escolas de catecumenato?

C a p í t u l o 3

Abordagem cristã da educação

Após termos estudado a educação no período bíblico, o legado da fi­losofia grega e as concepções de educação dos romanos e dos hebreus, enfatizamos o conceito de educação cristã nos dias dos primeiros pais da Igreja. Percebemos que eles fundamentaram suas crenças nas Escrituras e, em razão disso, foi necessário recordarmos os fun­damentos bíblicos da educação cristã. Após isso, neste capítulo, ressaltaremos a abordagem cristã da educação, que deve delinear a educação cristã da atualidade. Para tanto, é relevante lembrar­mos algumas das principais abordagens da educação existentes no mundo atual,1 para em seguida demonstrarmos a abordagem cristã da educação.

Abordagem tradicional

Trata-se de uma abordagem do processo de ensino, cujo foco está na transmissão do professor ao aluno. Privilegia o especialista, os mo­delos e o professor, elemento imprescindível na transmissão de con­teúdos. O adulto nessa concepção é considerado como um homem acabado, “pronto”, e o aluno, um “adulto em miniatura”, que precisa ser atualizado.

O ensino, em todas as suas formas, nessa abordagem, está cen­trado no professor. O “aluno apenas executa prescrições que lhe são

1 Para aprofundamento, indicamos o livro de M. G. N. Mizukami, Ensino: as aborda­gens do processo, que servirá como base para a primeira parte deste capítulo.

98 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a ç ã o c r i s t A

fixadas por autoridades exteriores”.2 Saviani, citado por Mizukami, sugere que o papel do professor se caracteriza pela garantia de que o conhecimento seja conseguido independentemente do interesse e vontade do aluno.

Essa abordagem considera o homem como inserido num mundo que irá conhecer por meio de informações que lhe serão forneci­das e que se decidiu serem as mais importantes e úteis para ele. O homem é um receptor passivo até que, repleto das informações ne­cessárias, pode repeti-las a outros que ainda não as possuam, assim como pode ser eficiente em sua profissão quando de posse dessas informações e conteúdos. Portanto, na abordagem tradicionalista, o ensino possui como fundamento as informações fornecidas externa­mente, independentemente do interesse e da vontade do aluno.

Abordagem comportamentalista

Essa abordagem se caracteriza pelo primado do objeto (empirismo), isto é, o conhecimento é resultado direto da experiência. Isso im­plica recompensa e controle, assim como planejamento cuidadoso das contingências de aprendizagem, das seqüências de atividades de aprendizagem e, também, da modelagem do comportamento huma­no, pela manipulação de reforços, desprezando os elementos não ob­serváveis ou subjacentes a esse mesmo comportamento.3

O ensino é composto por padrões de comportamento que podem ser mudados por meio de treinamento, segundo objetivos pré-fixados. Os objetivos do treinamento são as categorias de comportamento ou habilidades a serem desenvolvidas. Habilidades são compreendidas como respostas emitidas, caracterizadas por formas e seqüências es­pecificadas.

Nesse tipo de abordagem, supõe-se e objetiva-se que o professor possa aprender a analisar os elementos específicos do comportamento e os padrões de interação e, assim, obter controle sobre eles e modificá- los em direções determinadas, quando necessário. Skinner afirma:

2 Idem, p. 8.5 Idem, p. 22.

A b o r d a ü e m c r i s t a d a e d u c a ç ã o 99

Se vamos usar os métodos da ciência no campo dos assuntos hu­manos, devemos pressupor que o comportamento é ordenado e determinado. Devemos esperar descobrir que o que o homem faz é o resultado de condições que podem ser especificadas e que, uma vez determinadas, poderemos antecipar e até certo ponto determinar as ações.4

Observamos que para Skinner “o que o homem faz” é o resultado de “condições” especificadas, as quais podem determinar suas ações. Com isso, ele assinala que a realidade é um fenônemo objetivo; o mundo já é construído, e o homem é produto do meio, e que pode ser manipulado. Para ele, há algumas “agências de controle” que con­tribuem para a manipulação, dentre elas a instituição educacional.5 Ao comentar a educação e a escola como “agências de controle” na abordagem comportamentalista, Mizukami, afirma:

A educação deverá transmitir conhecimentos, assim como com­portamentos éticos, práticas sociais, habilidades consideradas básicas para a manipulação e controle do mundo/ambiente (cul­tural, social etc.) [...] a escola é considerada e aceita como uma agência educacional que deverá adotar forma peculiar de con­trole, de acordo com os comportamentos que pretende instalar e manter. Cabe a ela, portanto, manter, conservar e em parte mo­dificar os padrões de comportamento aceitos como úteis e desejá­veis para uma sociedade, considerando-se um determinado con­texto cultural [...] a escola é a agência que educa formalmente. Não é necessário a ela oferecer condições ao sujeito para que ele explore o conhecimento, explore o ambiente, invente e descubra. Ela procura direcionar o comportamento humano às finalidades de caráter social, o que é condição para sua sobrevivência como agência.6

4 B. F. Skinner, Contingência de reforço: uma análise teórica, p. 20.5 Idem, Ciência e comportamento humano, p. 363-448.6 Ensino: as abordagens do processo, p. 29.

100 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a ç ã o c r i s t a

Destacamos que, para a abordagem em questão, a educação e a escola funcionam como controle, uma vez que a preocupação é transmitir conhecimento, e não oferecer condições ao sujeito na ex­ploração do conhecimento e do ambiente, o que resulta em pouca criatividade e poucas descobertas novas, a não ser as previamente estabelecidas.

Sendo assim, ensinar consiste num arranjo e planejamento, tam­bém denominado instrução programada7 de contigência de reforço, sob os quais os estudantes aprendem, sendo de responsabilidade do professor assegurar a aquisição do comportamento. Os comporta­mentos desejados dos alunos serão instalados e mantidos por condi- cionantes e reforçadores arbitrários, tais como: elogios, graus, notas, prêmios, reconhecimento dos mestres e dos colegas, prestígios etc., os quais, por sua vez, estão associados a outra classe de reforçadores mais remotos e generalizados, tais como: o diploma, as vantagens da futura profissão, a aprovação final do curso, a possibilidade de ascen­são social e financeira, status, prestígio da profissão.8

Por conseguinte, a abordagem comportamentalista assemelha-se à tradicional, no sentido de que ela pouco proporciona à criativida­de; tem como tônica a transmissão, para o aluno, do conhecimento programado e de decisões tomadas externamente.

Abordagem humanista

No Brasil, a abordagem humanista possui dois enfoques predominan­tes: o de C. Rogers e o de A. Neill, os quais consideram a centralidade do sujeito. Essa abordagem enfatiza as relações interpessoais e o cres­cimento que delas resulta, centrado no desenvolvimento da persona­lidade do indivíduo, em seus processos de construção e organização pessoal integrada, de maneira que o professor em si não transmite conteúdo, mas dá assistência, sendo um facilitador da aprendizagem, haja vista que esta advém das próprias experiências dos alunos.

7 Idem, p. 34.8 B. F. Skinner, Ciência e comportamento humano, p. 440.

A b o r d a o e m c r i s t A d a e d u c a ç ã o 101

Rogers assinala que o conhecimento é inerente ao ser humano, uma vez que este possui curiosidade natural de conhecer, sendo a ex­periência pessoal e subjetiva o fundamento sobre o qual o conheci­mento é construído, no decorrer do processo de vir-a-ser da pessoa.9

Essa maneira de entender influencia diretamente a concepção ro- geriana da educação. A educação está centrada na pessoa ou, ainda, “o ensino será centrado no aluno”.10 Mizukami comenta a tônica educacional de Rogers da seguinte maneira:

A educação tem como finalidade primeira a criação de condições que facilitem a aprendizagem do aluno, e como objetivo básico liberar a sua capacidade de autoaprendizagem de forma que seja possível seu desenvolvimento tanto intelectual quanto emocio­nal. Seria a criação de condições nas quais os alunos pudessem tornar-se pessoas de discernimento, que soubessem aplicar-se a aprender as coisas que lhes servirão para a solução de seus pro­blemas e que tais conhecimentos os capacitassem a se adaptar com flexibilidade às novas situações, aos novos problemas, ser­vindo-se da própria experiência, com espírito livre e criativo. Seria, enfim, a criação de condições nas quais o aluno pudesse tomar-se pessoa que soubesse colaborar com os outros, sem por isso deixar de ser indivíduo.11

Observamos, assim, que a educação centrada no aluno tem como finalidade a progressiva busca pela autonomia com base na própria experiência “livre e criativa”. A escola decorrente de tal posiciona­mento será uma escola que respeite a criança tal qual ela é e ofereça condições para que possa se desenvolver em seu processo de vir-a-ser; escola que ofereça condições que possibilitem a autonomia do aluno, isto é, uma aprendizagem livre, criativa, e que seja significativa para

9 Liberdade para aprender, p. 131.10 M. G. Mizukami, Ensino: as abordagens do processo, p. 44.11 Idem, p. 45.

102 F u n d a m e n t o s d a t e o l o o i a d a e d u c a ç ã o c r i s t a

sua realidade enquanto pessoa. O processo de ensino, na concepção de Rogers, deve estimular o aluno a compreender que, ainda que parte da educação possa ser captada externamente, é internamente que ela alcança a sua razão de ser. É o que se extrai da afirmação rogeriana:

... a pessoa, como um todo, tanto sob o aspecto sensível quanto sob o aspecto cognitivo, inclusive de fato na aprendizagem. Ela é autoiniciada. Mesmo quando o primeiro impulso ou o estímulo vem de fora, o senso da descoberta, do alcançar, do captar e do compreender vem de dentro. E penetrante. Suscita modificação no comportamento, nas atitudes, talvez mesmo na personalidade do educando...12

Diante do exposto, percebemos que a abordagem humanista está fundamentada na centralidade da pessoa; sua ênfase deve ser a pro­gressiva autonomia do aluno, ou seja, torná-lo pessoa, com um ensi­no significativo, em que ele saiba que está em direção à sua essência. E o que afirma Rogers: “... ele sabe se está indo ao encontro de suas necessidades [...] em direção à sua essência”.13

No prosseguimento desta obra, agora cabe refletir acerca da abor­dagem de ensino cognitivista.

Abordagem cognitivista

A abordagem cognitivista tem como principais expoentes o norte- americano Jerome Bruner e o suíço Jean Piaget. Umas das reflexões no pensamento de Piaget que mais tem causado discussões é a rela­tiva à autonomia do aluno. Correia, ao refletir sobre o conceito de autonomia ou heteronomia de Piaget, assinala que o estágio da hete­

ronomia, o qual vai dos cinco aos oito anos de idade, é caracterizado pelo realismo moral, em que “a regra tem uma validade absoluta por

12 Liberdade para ajrreruler, p. 5.13 Idem.

A b o r d a g e m c r i s t á d a e d u c a ç ã o 103

vir de Deus, pais, professores, amigos e outros adultos, merecendo respeito absoluto”.14

Com base nessa perspectiva, segundo Correia, não se pode falar em autonomia do aluno na concepção piagetiana, pois o “educan­do não é colocado em relação à regra para desfrutar a condição de criador, mas de quem toma consciência dela, a codifica, a assimila e a internaliza, sob a égide do consenso do grupo [...]”.15 Portanto, “o sujeito moral autônomo de Piaget não seria criador das regras, mas aquele que sabe respeitá-las como frutos de uma racionalidade absoluta, pura, universal. Um conceito curioso de autonomia”.16 Na prática, conforme preconiza Correia, o conceito de autonomia de Piaget se esvazia “na medida em que a heteronomia é lançada para dentro de si para virar autonomia (a norma alheia faço minha)”.17

Por outro lado, Mizukami parece propor que Piaget pressupõe a autonomia intelectual e, por extensão, a autonomia do aluno, quando afirma: “A autonomia intelectual será assegurada pelo de­senvolvimento da personalidade e pela aquisição de instrumental lógico-racional. A educação deverá visar a que cada aluno chegue a essa autonomia”.18 Com princípio semelhante, podem ser lidas as palavras de Cambi:

Segundo Piaget, a mente infantil é caracterizada por uma inte­ligência que parte de comportamentos animistas e subjetivistas, mas descobre e se adapta, gradativamente, à objetividade e a um uso formal cada vez mais abstrato dos conceitos lógicos [...] atra­vés dos princípios biológicos da “assimilação” e da “acomodação”, que ligam estreitamente a mente infantil ao ambiente.19

14 Docência em ética: ensinar autonomia ou heteronomia, Piagetí <www.seer.ufu.br/in- dex.php/educacaofilosofia>. Acessado em 5 de set. de 2008, p. 49.15 Idem, p. 48.16 Idem, p. 50.17 Idem.18 Ensino: as abordagens do pnxesso, p. 59-84.19 História da pedagogia, p. 609.

1 04 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a çA o c r i s tA

Das palavras de Cambi, “mas decobre e se adapta”, é percebido que, para ele, Piaget parte do princípio de que a criança possui a oportunidade da “descoberta” ao passar de um estágio para outro. Essa “descoberta” é interpretada por Manacorda como uma inteli­gência não pré-formada, como se pode perceber em suas palavras: “Piaget [...] declara-se construtivista, porque sustenta que a inte­ligência não é pré-formada nem nos objetos nem no sujeito, mas é construída pelo sujeito na interação com a realidade”.20

Diante do exposto, há que se ressaltar que a discussão da auto­nomia ou heteronomia, no pensamento de Piaget, é um dos pontos mais nevrálgicos; entretanto, um foco, que parece convergir entre os estudiosos citados anteriormente, está no princípio de considerar que o núcleo do conhecimento está em considerá-lo como uma constru­ção contínua de adaptação ou interação; daí Correia afirmar:21 “...a autonomia moral em Piaget pressupõe o progressivismo, pelo qual passam o sujeito epistêmico e o sujeito moral De igual modo, Mizukami afirma:

O ser humano [...] progride de estágios mais primitivos, menos móveis, em direção ao pensamento hipotético-dedutivo, onde adquire instrumentos de adaptação que lhe irão possibilitar en­frentar qualquer perturbação do meio, podendo usar a descoberta e a invenção como instrumentos de adaptação às suas necessida­des. No seu desenvolvimento, a criança reinventará todo o pro­cesso racional da humanidade e, na medida em que ela reinventa o mundo, desenvolve-se a sua inteligência.22

Assim sendo, a abordagem cognitivista se propõe a estudar cien­tificamente a aprendizagem como um processo do conhecimento, o qual passa por quatro estágios que se inter-relacionam e se sucedem

20 História da educação, p. 327-330.21 Docência em ética: ensitiar autonomia ou heteronomia, Piaget? <www. seer.ufu.br/ índex.php/educacaofilosofia>. Acessado em 5 de set. de 2008, p. 56.22 Ensino: as abordagens do processo, p. 61.

A b o r d a g e m c r i s t ã d a e d u c a ç ã o 105

até “que se atinjam estágios da inteligência caracterizados por maior mobilidade e estabilidade”; daí essa abordagem ser conhe­cida como construtivismo interacionista.23 Inferimos daí que, na questão educacional escolar, Piaget assinala que sua finalidade não consiste somente na transmissão de conhecimento, informações, demonstrações, modelos, mas em propiciar às crianças um am­biente em que se trabalhe com conceitos, em níveis operatórios em consonância com o estágio de desenvolvimento do aluno; mas caberá ao aluno o papel de observar, experimentar, comparar, re­lacionar, analisar, justapor, compor, encaixar, levantar hipóteses, argumentar. Disso resultará a evolução da consciência moral do aluno, em que se partirá da anomia, passará pela heteronomia, até atingir a capacidade de autodeterminação.

Vale ressaltar que a abordagem cognitivista não está restrita à transmissão do conhecimento; antes, ele é um processo a ser cons­truído progressivamente, que difere da escola tradicional, da qual Gadotti afirma: “A crítica de Piaget à escola tradicional é ácida. Segun­do ele, os sistemas educacionais objetivam mais acomodar a criança aos conhecimentos tradicionais que formar inteligências inventivas e críticas”.24

Dadas as explicações, é necessário refletir sobre os pressupostos da abordagem sociocultural de ensino.

Abordagem sociocultural

Essa abordagem foi difundida por Paulo Freire, que nasceu em Recife, em 1921. Seu foco educacional era direcionado às camadas socioe- conômicas menos favorecidas, e uma de suas tarefas foi a de alfabeti­zação de adultos,25 como teve a experiência de alfabetizar, em apenas 45 dias, 300 trabalhadores do campo, na cidade de Angicos, no Rio Grande do Norte. No estudo de suas obras, sobretudo na Pedagogia

23 Idem, p. 65.24 História das ideias pedagógicas, p. 156.25 Idem, p. 253.

106 F u n d a m e n t o s d a t e o l o ü i a d a e d u c a ç ã o c r i s t ã

do oprimido, fica explicitado que ele realiza uma abordagem dialética da realidade, cujos determinantes se acham nos fatores econômicos, políticos e sociais.

Paulo Freire parte do princípio de que vivemos numa sociedade dividida em classes, onde os privilégios de uns impedem a maioria de usufruir os bens produzidos. Um desses bens é a educação, da qual, segundo ele, é excluída grande parte dos menos favorecidos financeiramente. Na obra citada, Freire pontua haver dois tipos de pedagogia, a do dominante e a do oprimido, e a tarefa pedagógica é prover uma educação libertária.

A educação libertária fundamenta-se nos próprios oprimidos, isto é, “aquela que tem de ser forjada com ele, e não para ele, en­quanto homens ou povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade”.26 Trata-se de um trabalho de “conscientização e de politização: não basta que o oprimido tenha consciência crítica da opressão, mas é preciso que ele transforme essa realidade”, a qual pode ser compreendida como “a luta incessante de recuperação de sua humanidade”.27

Duas palavras são importantes nesse processo de conscientiza­ção e de transformação da realidade: dialética e práxis. Mizukami,28 ao comentar as concepções educacionais dialéticas no pensamento de Freire, ressalta que a finalidade é chegar à realidade. Chegando- se a ela, esta se torna objeto de nova reflexão crítica, que se ca­racteriza como tese, que preconiza uma antítese na busca de uma síntese, que, por sua vez, torna-se nova tese; e todo o caminho é percorrido novamente na busca da realidade. Inferimos daí que a busca da realidade é um processo contínuo e inacabado. Entretanto, Freire29 pontua que a resposta dada pelo homem, a cada desafio, modifica a realidade em que está inserido e a si próprio, em busca

26 Pedagogia do opritnido, p. 61.27 M. L. A. Aranha, História da educação, p. 270.28 Ensino: as abordagens do processo, p. 91.29 conscientización, p. 30.

AbORDACSEM CRISTÃ DA EDUCAÇÃO 107

da aproximação crítica da realidade, que vai desde as “formas de consciência mais primitivas até a mais crítica e problematizadora e, consequentemente, criadora”.30

Ressalta-se que a dialética na busca da realidade só será possível se houver conscientização quanto ao significado do termo práxis, que em Freire é referente à indissociabilidade da reflexão com a ação. Para Paulo Freire, toda práxis educativa, para que seja válida, deve, necessariamente, ser precedida tanto de uma reflexão sobre o ho­mem como de uma análise do meio de vida desse homem concreto, a quem se quer ajudar para que se eduque.31 Nesse contexto, Mizuka- mi, afirma: “E preciso que se faça, pois, desta tomada de consciência, o objetivo primeiro de toda a educação: provocar e criar condições para que se desenvolva uma atitude de reflexão crítica, comprome­tida com a ação”.32

A dialética e a práxis aplicadas à educação resultam na dialogici- dade, que é a essência dessa abordagem de ensino, ou seja, educa­dor e educando são sujeitos de um processo em que crescem juntos, porque “ninguém educa ninguém, ninguém se educa; os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”.33 A partir daí é que a educação, denominada por ele de “problematizadora”, colaborará com a superação da dialética opressor-oprimido, o que, entretanto, não implica uma ação educativa “bancária”, em que se “deposita” e “saca” conhecimento por meio do exame; em vez disso, implica propiciar consciência crítica e liberdade como meios de superar as contradições entre os homens, que são os sujeitos educacionais.

Com a perspectiva de que o homem é o sujeito da educação, é relevante atentar para o princípio de que o conhecimento é crítico e não está desvinculado da realidade do educando; antes, a práxis edu­cativa deve partir do seu ambiente concreto, segundo compreende

50 Mizukami, Ensino: as abordagens do processo, p. 91.11 Idem, p. 42.52 Idem, p. 94.55 Freire, Pedagogia do oprimido, p. 63.

108 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a ç ã o c r i s t ã

Gadotti, quando interpreta o pensamento de Freire: “Educar é pen­sar o concreto, a realidade, e não pensar pensamentos”.34

Por fim, notamos que, na abordagem sociocultural, há uma preo­cupação com a realidade e com a luta incessante de recuperação da humanidade do homem, o que resulta numa compreensão educacio­nal e particular do ensino que procure humanizar o homem e libertá- lo na busca do seu próprio encontro.

Assim, após a concepção panorâmica das diferentes abordagens educacionais, considerando que não há neutralidade no ensino, vis­to que cada abordagem discutida anteriormente procura demonstrar sua validade em relação à outra; e considerando ainda que, ao se educar, sempre se tem em vista formar determinado perfil de pessoa, que se deseja construir para determinada sociedade, nossa preocu­pação será, a partir daqui, tratar da abordagem cristã da educação, que nesse sentido, ao insistir em sua abordagem educacional, não faz nada diferente das demais abordagens,35 exceto com relação à sua ênfase, que está em Deus, e não no homem.

Abordagem cristã da educação

No estudo dos termos latinos educare e educerei6 traduzidos por “edu­cação”, observamos que eles trazem consigo a ideia fundamental de que educar é “nutrir” e “conduzir para fora”; isto é, não se está interessado apenas em educar de “fora para dentro”, mas também

34 História das ideias pedagógicas, p. 254.35 Valdeci da Silva Santos, Educação cristã: coticeituação teórica e implicações }nátkas, p. 173.56 M. Debesse; G. Mialaret, Tratado das ciências pedagógicas, p. 2. Napoleão Mendes

de Almeida pontua que esses verbos podem ser traduzidos por “conduzir”, “coman­

dar”, “traçar”, “descrever”, “amamentar”, “nutrir”, “criar”, “sustentar”, “ensinar",

“gerar”. Para maior aprofundamento, cf. M. N. Almeida, Gramática latina, p. 141; Houaiss traduz educare como: “fazer sair”, “lançar” e “tirar para fora”, e um dos seus

derivados é educationis, cuja tradução é “educação”, “criação de filhos”, “instrução”

e “tirar para fora”. Ele ainda indica que educationis e educatoris eqüivalem ao termo

“pedagogo” ou “educador”. Leia Houaiss, A.; Villar, M., Dicionário da língua por- tuguesa, p. 311, 1101.

A b o r d a g e m c r i s t ã d a e d u c a ç ã o 109

em propiciar os meios para que se possa “tirar” da criança todas as possibilidades relativas ao conhecimento.37 A educação, assim con­siderada, significa mais do que a transmissão de um conteúdo pro- gramático, por mais atualizado e construtivo que ele seja, porque inclui experiências significativas, valores e interpretações, os quais ocorrerão ao longo de toda a vida, e cuja finalidade é a tentativa de humanizar o homem, a começar dele mesmo, nas suas relações com a natureza e seus semelhantes.

Está claro, na proposta de educação em seu conceito geral, que o centro educacional é o ser humano, conforme afirma Saviani: “... o sentido da educação, a sua finalidade, é o próprio homem, quer dizer, a sua promoção”.38 Disso resulta a exclusão de Deus de tudo que envolve a existência humana. Por causa desse foco, muitos cris­tãos sustentam a distinção entre educação secular e educação cristã. Entretanto, com base no pensamento de que toda verdade procede de Deus e, consequentemente, se homens maus afirmam algo que seja verdadeiro e justo, não devemos rejeitar a afirmação deles, pois certamente ela tem sua origem em Deus, notamos que, em sua con­cepção, não há educação secular, distinta da cristã; o que há é o conhecimento corrompido pelo pecado39 que centra sua atenção no homem, em vez de ressaltar a glória de Deus e a redenção dos que lhe pertencem. Segundo Ferreira,40 Calvino ponderava que, da mesma sala de aula, vinham o ministro, o servidor civil e o leigo.

Diante do exposto, é salutar entender que a educação cristã não está restrita ao conhecimento bíblico dominical de determinada comunidade, mas ela possui a importante tarefa de mostrar que o conhecimento real ou verdadeiro procede de Deus e tem sua causa última nele; com isso, explicita que essa é a educação que permite ao

37 M. Debesse; G. Mialaret, Tratado das ciências pedagógicas, p. 2.58 Educação: do senso comum à consciência filosófica, p. 51. Citado por Solano Porte­

la, Fides Reformata. In: Pensamentos jrreliminares direcionados a uma pedagogia reden- tiva, p. 128.w G. Greggersen, Perspectivas para a educação cristã em João Calvino, p. 6.

* Idem, p. 194.

1 1 0 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a ç à o c r i s t A

homem de fato conhecer Deus, a si mesmo e ao mundo, o que resulta na glorificação a Deus. É óbvio que somente a abordagem cristã da educação terá condições de cumprir essa finalidade.

Observamos assim que, nessa abordagem educacional, o homem é uma de suas “peças” fundamentais. Todavia, a peculiaridade da abordagem cristã da educação é que ela, além de procurar, à seme­lhança do conceito geral de educação, “humanizar o homem”, tem como propósito final fazer dele “paraíso de delícias do Criador”,41 no sentido de lhe mostrar o caminho para que ele sirva e glorifique o nome de Deus, resultando no encontro de sua felicidade.

Com essa mesma perspectiva, Eavey42 pontua que a educação cristã abrange a pessoa em sua totalidade: cognitiva, afetiva, espiri­tual e comportamental, cuja finalidade não só consiste em desenvol­ver habilidades ou prover conhecimento intelectual do texto bíblico ou dos princípios religiosos de determinada denominação, mas, so­bretudo, prover comunhão com Deus; desenvolvimento da fé; con­formação da pessoa, do caráter e da personalidade com a mente de Cristo. Portanto, a educação cristã centraliza-se em Deus, e não no homem.4’

Admitimos, entretanto, que uma das maiores dificuldades do cris­tianismo atual é definir a educação cristã. Não são raros os casos em que ela é confundida com educação religiosa44, que pode ser enten­dida como a transmissão de conceitos e valores de qualquer religião a respeito do surgimento do Universo, da relevância familiar, dos valo­res e princípios morais e éticos45 e da crença num ser transcendente; todavia, não pode haver qualquer princípio que priorize ou acentue

41J. Comenius, Didática magna, p. 24.42 History of Christian Education, p. 10, 14, 19.45 Idem, p. 1944 Para aprofundar a questão do ensino religioso, cf. José Carlos Bertoni, Da legisla­ção à prática docente: o ensino religioso nas escolas municipais de Santos. Dissertação.45 Para discussão dos termos “moral” e “ética”, cf. Edson Pereira Lopes; Carlos Prado,

A ética no terceiro setor e os novos paradigmas da ação organizacional. In: Márcia Mello Costa de Liberal, org. In: Ética: reflexões cimtemporâneas, p. 109-124.

A b o r d a g e m c r i s t ã d a e d u c a ç ã o 1 1 1

tradições religiosas; antes, este deve assegurar o respeito à diversida­de cultural e religiosa brasileira, e é vetada qualquer forma de pro­selitismo.46 Isso implica que, ao se falar em educação religiosa, esta pode abranger a educação religiosa budista, espírita, islâmica, cristã, dentre outras. Por conseguinte, a educação religiosa pode contem­plar qualquer religião, e não necessariamente o cristianismo; sendo assim, a educação cristã não pode ser confundida com a educação religiosa, porque ela contempla princípios cristãos de educação, que se centralizam na Bíblia Sagrada.

No mesmo contexto, à semelhança do equívoco de ter a edu­cação cristã como sinônimo de educação religiosa, também se con­funde educação cristã com ensino ou educação teológica, ainda que esta lhe seja útil. A educação teológica não pode ser compreendida somente como treinamento formal de ministros e missionários nos institutos bíblicos e seminários;47 ela também pode objetivar discutir a teologia e o fenômeno do campo religioso no campus universitário. Daí a criação dos mais diferentes programas de teologia e de ciên­cias da religião espalhados pelo Brasil, autorizados pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC).48

Na educação teológica, pode-se propor estudar a Bíblia apenas como um texto objeto de estudo, e não como texto inspirado e sa­grado, porque sua ênfase está no estudo dos conteúdos teológicos, preocupando-se com a integração das mais diversas áreas do conhe­cimento no estudo da Bíblia, mas não tendo necessariamente ênfase no conhecimento relacionai com Deus, que é um dos focos da edu­cação cristã.

A educação cristã pode ser compreendida como um processo edu­cacional que busca o desenvolvimento da pessoa e de seus dons, bem como o conhecimento da realidade, do mundo e do homem sob a

46 Lei 9475, de 22 de jul. de 1997, que dá nova redação ao artigo 33 da Lei 9394/96, de 20 de dez. de 1996.47 V. S. Santos, Educação cristã: conceituação teórica e implicações práticas, p. 161.48 O. H. Hack, Novos paradigmas para a formação teológica no Brasil. In: Antônio Máspoli de Araújo Gomes org., Teologia: ciência e profissão, p. 164' 180.

1 1 2 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a ç ã o c r i s t ã

perspectiva cristã da vida. Isso significa ler as áreas do conhecimento humano, tais como as ciências agrárias, biológicas, da saúde, exatas e da terra, humanas, sociais aplicadas, engenharias, lingüísticas, letra e artes, e outras, pelo referencial teórico ou “lente” das Escrituras Sagradas,49 a fim de que, no aspecto prático, seja visado não só o be­nefício do aluno, mas que este encontre a verdade, tenha comunhão e ame ao Criador.50 Definida assim a educação cristã, é importante centrarmos atenção nas bases fundamentais que devem nortear a abordagem cristã da educação.

Fundamentos da abordagem da educaçáo cristá

A Bíblia como palavra inspirada por DeusNa abordagem cristã da educação, o livro didático é a Bíblia, pois, nessa abordagem, encontramos a fonte primária e o único critério inerrante das verdades absolutas.51 Ela, portanto, é a “lente” ou o referencial teórico por meio do qual devemos enxergar as mais diver­sas ações da existência humana.52 A Bíblia deve ser assim vista pelos cristãos porque ela declara a si mesma como “inspirada por Deus” (2Tm 3:16-17; 2Pe 1:21).53

Por ser palavra inspirada por Deus, é por meio dela que podemos conhecer a nós mesnios e a Deus, visto que ela é a sua revelação es­crita, ou a comunicação do conhecimento e dos fatos realizados por ele, na manifestação de sua misericórdia e graça, com a finalidade de demonstrar seu imenso amor pelos que lhe pertencem. Assim, ele

49 A. N. Lopes, Definindo e defendendo a educação cristã, p. 1.50 Santos, Educação cristã: conceituação teórica e implicações práticas, p. 163.51 R. W. Pazmino, Temas fundamentais da educação cristã, p. 93.52 Calvino, A instituição da religião cristã, p. 67.55 A palavra “inspiração”, segundo Clark, p. 20, significa “a influência divina exer­cida sobre os escritores da Bíblia, a fim de preservá-los de erros em seu ensino”. Devemos, contudo, pontuar que ela não fez dos homens meras máquinas, mas os inspirou ao empregarem todos os seus conhecimentos, estilo, cultura, sem contudo cometerem erros, pois, pela influência do Espírito Santo, foram guardados de quais­quer erros, enquanto eram instrumentos de Deus no registro escrito das Escrituras.

A b o r d a g e m c r i s t ã d a e d u c a ç à o 113

enviou seu único Filho, o qual foi o ápice de sua revelação, com a finalidade de: a) ensinar no que verdadeiramente o homem deve crer acerca de Deus; b) ensinar o dever que Deus requer do homem; c) mostrar que Deus é o único caminho para a salvação (Jo 14:6). Isso significa que, desde o primeiro livro do Antigo Testamento, Gênesis, até o último livro do Novo Testamento, Apocalipse, as Escrituras pontuam que somente Deus é quem toma a iniciativa de buscar o homem perdido, porque ele é o autor e o consumador da salvação dos que lhe pertencem.

Com efeito, se as Escrituras Sagradas são centrais e devem norte­ar toda a educação cristã, vale ressaltar o que ela tem a dizer acerca da educação. Nossa preocupação é identificar, com base nesses ter­mos, como a educação foi compreendida pelos escritores bíblicos e quais os ensinos práticos que podem ser extraídos deles para a vida cristã. Por conseguinte, não se trata de uma preocupação enciclo­pédica; antes, a intenção é elucidar que a educação e o ensino são temáticas que permeiam a Bíblia Sagrada. Uma das provas disso é a quantidade de termos utilizados com referência a educação, de ma­neira que qualquer comunidade religiosa, ou, no âmbito individual, qualquer cristão, que deseje ser visto por Deus como fiel, necessita atentar com urgência para a educação. Para tanto, por motivos ób­vios de tempo e de objetivo, relacionamos os termos mais citados no texto bíblico.

Principais termos aplicados pelos escritores bíblicos à educaçãoOs principais termos54 a serem destacados são didasko (didásko — ensinar) e seus derivativos: didaktós (didáktos — ensinado); didaktikos

(didáticos — perito no ensino); didáskalos (didáskalos — professor,

54 Para essa reflexão, será seguida a estrutura de Wegenast, p. 42-63, pontua que alguns desses termos podem ser traduzidos não só como “educação”, mas também como “ensino”. Além disso, com a preocupação por aqueles que não têm afinidade com a língua grega, procuramos fazer a transliteração dos termos gregos para o por­tuguês, além das suas respectivas traduções.

1 1 4 FuNDAMtN TOS DA TEOLOÜIA DA EDUCAÇÃO CRISTA

mestre); didaskaha (didascalia — ensino, instrução) com seu deriva­tivo didachê (didaquê — ensino); katecheo (Katecheuo — informar, instruir) e seu derivativo katechou (Katnchon — professor); par adido - mi (paradidomi — legar, passar adiante, transmitir) e seu derivativo paradosis (paradoxis — tradição); paideuo (paidéo — criar, instruir, treinar, educar) e seus designativos: paideia (paideia — criação, trei­namento, instrução, disciplina), paideutes (paideutes — instrutor, professor); paidagogos (paidagogos — curador, guia).

Didasko

O grego didasko, traduzido por “ensinar”, provém da raiz grega dek,

cuja tradução é “aceitar”, “estender a mão para”. A palavra sugere a ideia de fazer alguém aceitar alguma coisa. Na cultura grega, o uso da palavra didasko, denotava a atividade de um professor, cuja preocu­pação era desenvolver as capacidades do seu aluno, quando lhe eram transmitidos conhecimentos e habilidades.

Entretanto, a Septuaginta,55 ao traduzir as palavras hebraicas limmad

(ensinar), yada' (fazer, saber e ensinar) e yarah (ensinar e instruir) como didasko, o qual ocorre cerca de cem vezes nessa versão bíblica, ressaltou que didasko não denota primariamente a comunicação do conhecimento e de habilidades; pelo contrário, significa principal­mente instrução quanto ao viver (Dt 11:19; 2Sm 22:35)56 segundo a vontade de Deus (Dt 11:19; 2Sm 22:35). Assim, as ordenanças e os juízos de Deus deveriam ser ensinados pelo próprio Senhor (Dt 4.1,10-14), por meio de pessoas piedosas que conhecessem a vontade de Deus, mas sendo principalmente de responsabilidade dos pais (Dt 11:19; Êx 10:1-2).

Um dos textos que atestam essa responsabilidade é Deuteronô- mio 6:1-9,57 pelo qual percebemos a ordem expressa de Deus aos pais,

55 Versão bíblica do Antigo Testamento hebraico para o grego. Para aprofundamen­to, cf. E. Hatch; H. Redpath, A Concordance to the Septuagint and the Other üreeks Versions of the Old Testament, p. 316-317.56 Septuagint Version of the Old Testament, p. 247.57 “... tu as inculcarás [as palavras do Senhor] a teus filhos, e delas falarás assentado

A b o r d a g e m c r i s t a d a e d u c a ç ã o 1 1 5

no sentido de que eles deveriam “inculcar”, na mente dos filhos, a lei do Senhor. No estudo do texto de Deteuronômio 31:10-13, Downs58 assinala que essa passagem sugere uma progressão do ensi­no relativo à lei do Senhor. O povo deveria ouvir os mandamentos de Deus porque a compreensão era a de que Deus havia falado ao seu povo por meio da lei, e esta deveria ser ouvida. Na leitura dessa lei, deveria haver um ritual público como um lembrete de que eles faziam parte do pacto de Deus. Após isso, o povo deveria aprender a temer ao Senhor, e esse temor deveria ser manifesto na mudança do coração e do comportamento, e na obediência aos mandamentos de Deus, pois só assim poderiam dizer que alguém havia aprendido a lei de Deus. Por conseguinte, aprender a lei de Deus não podia ser algo divorciado da vida; pelo contrário, com base nela todas as demais questões da vida deveriam ser analisadas.

Observamos dois núcleos importantes quando a Septuaginta traduz os verbos hebraicos citados anteriormente como “ensinar” (didasko):

Primeiro: Ensinar não só acentua a atividade de um professor com a preocupação de transmissão de conhecimento e de desenvolver as capacidades e habilidades dos seus alunos, mas, principalmente, sig­nifica ensinar a criança a temer a Deus, cujo sentido prático é viver de acordo com a vontade de Deus.59

Segundo: Ensinar era da responsabilidade de todo o povo de Israel. Os sacerdotes, profetas, líderes deveriam ensinar em Israel; toda­via, a maior parcela de responsabilidade era da família.60 Nela é que se concretiza a ordenança de Provérbios 22:6: “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e ainda quando for velho não se desviará dele”.

em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te e ao levantar-te. Também as atarás como sinal na tua mão e te serão por frontal entre os teus olhos. E as escreve- rás nos umbrais de tua casa, e nas tuas portas.”58 Introdução à educação cristã: ensino e crescimento, p. 26.59 K. Wegenast, Ensinar, instruir, tradição, educação, disciplina. In: Colin Brown. Di­cionário internacional de teologia do Novo Testamento, p. 43.60 Champlin, O Novo Testamento interpretado, p. 270.

116 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a ç à o c r i s t ã

De modo semelhante, o Novo Testamento utiliza a palavra di-

dasko várias vezes, das quais a maioria se acha nos evangelhos,61 com a tradução de “ensinar” e “instruir”. Nos evangelhos, o verbo didasko (eu ensino) é apresentado como um termo central no minis­tério de Jesus, pois são inúmeras as passagens em que se pode ler que Jesus ensinava em diferentes lugares (sinagogas e montanhas, por exemplo) (Mt 9:35; 13:54; Mc 6:2; Mc 1:21; Mc 12:35; Lc 21:37; Mt 26:55; Mc 14:49; Jo 18:20).

Em Mateus 5:1-2, lemos: “Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte, e como se assentasse, aproximaram-se os seus discípulos; e ele passou a ensiná-los dizendo...”. Esse texto é o início do Sermão do Monte, e a tônica de Jesus ao proferi-lo é a preocupação com o ensino. Por essa razão é que Mateus registra o verbo edidasken,

cujo radical é didasko: “e ele passou a ensiná-los”. E interessan­te notar que o método de ensino utilizado por Cristo, ao ensinar os seus discípulos e as multidões que o seguiam, era o de parábolas (Mt 13:34-35; Mc 4:33,34); ao mesmo tempo, não se pode esque­cer o conteúdo das aulas, que era a temática acerca de Deus, de seu reino e de sua vontade (Mt 4:23; 5:1-12; 13:24-52; Mc 4:10-20; Lc 4:42-43).

Percebemos, portanto, que o ensino era uma das tônicas de Jesus, e foi o próprio Cristo que, antes de sua ascensão aos céus, deixou a ordem aos seus discípulos de ensinar todas as nações: “Ide [...] fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século” (Mt 28:19-20) .

Observa-se que há, nas palavras de Cristo, os termos “discípulos” e “ensinar”, enfatizando assim que uma forma de fazer discípulos é por meio do ensino. Os discípulos compreenderam a ênfase de Jesus quanto ao ensino; é o que se pode verificar nos registros de Lucas,

61 As demais ocorrências estão distribuídas nas epístolas de Paulo, na epístola aos Hebreus, nas epístolas de João e no livro de Apocalipse,

A b o r d a g e m c r i s t ã d a e d u c a ç ã o 117

em Atos 2:42: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na co­munhão, no partir do pão e nas orações”. O termo “doutrina” nesse texto é didachê, isto é, “ensino”,62 que é derivativo de didaskalía (en­sino, instrução), cuja raiz é dek (“aceitar”, “estender a mão para” ou a “ideia de fazer alguém aceitar alguma coisa”) e o verbo didasko

(ensino).A ênfase no ensino pode ser vista na preocupação de Lucas em

ensinar63 e instruir Teófilo nos ensinos de Cristo:

Visto que muitos houve que empreenderam uma narração coor­denada dos fatos que entre nós se realizaram, conforme nos trans­mitiram os que desde o princípio foram deles testemunhas ocu­lares e ministros da palavra, igualmente a mim me pareceu bem, depois de acurada investigação de tudo desde sua origem, dar-te por escrito, excelentíssimo Teófilo, uma exposição em ordem, para que tenhas plena certeza das verdades em que foste instruído [...]. Escrevi o primeiro livro, ó Teófilo, relatando todas as cousas que Jesus começou a fazer e a ensinar (Lc 1:1-4; At 1:1).

O mesmo evangelista Lucas, em Atos 11:26, ressaltou a relevân­cia do ensino quando fez referência à pregação de Saulo (Paulo) e Barnabé na cidade de Antioquia, nos seguintes termos: “tendo-o encontrado, levou-o para Antioquia. E por todo um ano se reuni­ram naquela igreja, e ensinaram numerosa multidão. Em Antioquia, foram os discípulos pela primeira vez chamados cristãos”.

62 Friberg, O Novo Testamento grego analítico, p. 370.63 Ressalta-se que o evangelho de Lucas, em 1:4, utiliza o termo katechetes, e não di­dasko, pois ao que parece o referido termo era empregado no sentido restrito de “ins­truir alguém no conteúdo da fé”. E o que se pode verificar na afirmação de Wegenast,

p. 55: “O emprego de katecheo [...] se refere à obra redentora de Deus mediante Cristo e através da História [...]. Quando veio a ser escrito 2Clemente 17:1, a palavra já veio a ser o termo normal para a instrução batismal administrada aos catecúmenos. Katecheo, portanto, deu aos cristãos primitivos uma palavra específica para um aspecto essencial tanto da obra evangelística deles como da sua vida eclesiástica: ensinar os atos salvíficos de Deus”.

1 18 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a ç ã o c r i s t à

Observamos que após terem ensinado (didakai) numerosa mul­tidão é que os discípulos foram chamados de cristãos pela primeira vez. Lucas dá ênfase à cidade de Antioquia porque essa igreja se tor­nou uma das mais importantes patrocinadoras de suas viagens mis­sionárias (At 13:1-3; 15:22-29) e ele faz questão de enfatizar que tal comportamento foi resultado do ensino de Paulo e Bamabé àqueles irmãos, ensino esse que teve como conteúdo o evangelho do Senhor(At 11:2o).64

Mais tarde, em Romanos 12:3-8, o apóstolo Paulo, ao comentar acerca dos dons espirituais, afirmará:

Porque, pela graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação, segundo a medida da fé que Deus repartiu a cada um. Porque assim como num só corpo temos muitos mem­bros, mas nem todos os membros têm a mesma função, assim também nós, conquanto muitos, somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outros, tendo, porém, diferentes dons segundo a graça que nos foi dada: se profecia, seja segundo a proporção da fé; se ministério, dediquem-nos ao ministério; ou o que ensina, esmere-se no fazê-lo; ou o que exorta, faça-o com dedicação; o que contribui, com liberalidade; o que preside, com diligência; quem exerce misericórdia, com alegria

Está claro que, para Paulo, o ensino é de suma importância na vida da igreja; do contrário, não seria elencado entre os dons concedidos por Deus “com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempe­nho do seu serviço e para a edificação do corpo de Cristo” (Ef 4:12). É com esse princípio que ele exortava os irmãos de Roma: “... o que ensina, esmere-se no fazê-lo” (Rm 12:7). E importante lembrar que, no texto de Romanos, Paulo utiliza didáskari e didaskalki, isto é, com a mesma raiz dek, e o verbo diàasko.

64 A. N. Lopes, Ensinar e aprender em Paulo, p. 116.

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Com os mesmos princípios o apóstolo Paulo escreve a primeira epístola a Timóteo, exortando-o, no capítulo 4, versículo 13, a se aplicar “à leitura, à exortação, ao ensino (didaskalía) Para Paulo, o ensino deveria fazer parte do trabalho pastoral do jovem Timóteo, principalmente porque, para o apóstolo dos gentios, Timóteo deveria pregar a palavra em toda e qualquer ocasião, corrigir e repreender, o que nada mais seria que ensinar os conteúdos da fé e da “boa dou­trina” (lTm 4:6).

Vale ressaltar o ensino como uma das qualidades essenciais aos oficiais da igreja, principalmente aos que desejassem o Presbiterato; é o que se pode extrair de suas palavras em ITimóteo 3:2, em que afirma: “E necessário, portanto, que o bispo seja [...] apto para ensi­nar didaktikon".

Em síntese, na Bíblia há inúmeras passagens em que é utilizado o verbo didásko, o que permite assinalar que a Igreja cristã é uma comunidade ensinadora com base em sua missão, de maneira que o ensino da Palavra de Deus deve ser uma das suas preocupações centrais. É correto, então, compreender que o ensino é um dos temas mais relevantes para a Igreja cristã, pois possui fundamento bíblico e não deve ser esquecido pela Igreja atual, se esta tiver como finalida­de “fazer discípulos de todas as nações”.

Outro termo que pode ser visto na Bíblia, e que revela o conceito bíblico de educação, é didáskalos (professor, mestre).

Didàskalos (professor, mestre)

Esse substantivo pode apresentar os seguintes derivativos:65 nomo- didúskalos (mestre da lei); kalodidáskalos (ensinando o que é bom); pseudodidáskalos (falso mestre); heterodidaskaleo (ensinar uma doutri­na diferente, isto é, herética).

No grego antigo, didáskalos abrangia os que se dedicavam com certa regularidade à transmissão sistemática de conhecimento ou

65 K. Wegenast, Ensinar, instruir, tradição, educação, disciplina. In: Colin Brown, Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento, p. 49.

120 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a ç ã o c r i s t ã

perícias técnicas. Não se referia diretamente ao professor, que cum­pria a função específica da leitura e da escrita, mas poderia se tra­tar do tutor, do filósofo, do dirigente do coro musical que precisava dirigir ensaios para uma apresentação. Todavia, nos dias de Filo de Alexandria,66 o didáskalos já era interpretado como “professor”, so­bretudo enquanto o que transmite conhecimento, e não como o que faz exigências de valores morais e éticos diante dos seus alunos. A tônica, portanto, era a da “transmissão do conhecimento” por parte do professor.

No Antigo Testamento, esse termo de certa forma é evitado, por­que os doutores da lei não consideravam adequado aplicar o termo didáskalos aos ensinadores da lei. Os israelitas preferiam empregar os termos môreh (professor), maskil (instrutor) e rabbí (mestre). O rabbi,

no judaísmo do tempo de Jesus, tinha a tarefa de expor a Torá e de dar diretrizes acerca dos assuntos da lei.67 Eles tinham os talmidím (alunos) que estudavam sua exposição e suas regras e se obrigavam ao respeito e à obediência ao seu mestre.68

O aluno normalmente tratava seu mestre por rabbí (meu mes­tre), e foi essa forma com sufixo que, no século I d.C., veio a ser o termo exclusivo para um mestre da lei, oficialmente nomeado. Deve-se observar que a atividade do rabbi, nos dias de Jesus, não exigia obrigatoriamente o estudo e ordenação, pois, para ser con­siderado um rabbi, a pessoa deveria ter alunos e ser versada nas questões doutrinárias judaicas; por isso é que Cristo foi chamado rabbi (Mc 10:17,20).

No Novo Testamento, didáskalos ocorre 59 vezes, das quais a vasta maioria se acha nos evangelhos, mas não se refere apenas aos ensinos de Cristo, pois João Batista é também denominado de di-

dáskale, mestre (Lc 3:12). Todavia, deve ser observado que, desde a apresentação de Jesus como Mestre (didáskalos), em Marcos 14:14,

66 Idem.67 Champlin, O Novo Testamento Interpretado, p. 270.68 W. C. Kaiser, Aprender; ensinar. In: Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 791.

A b o r d a g e m c r i s t ã d a e d u c a ç ã o 121

os cristãos daqueles dias passaram a compreender que esse termo continha em si uma referência cristológica e que, a partir de então, não teriam mais muitos mestres, mas apenas um Mestre, o Cristo, que é mestre por excelência e cuja autoridade educativa continua por toda a eternidade.

Apesar das implicações cristológicas e de a igreja primitiva com­preender que o único mestre é Jesus, didáskalos também era aplicado a homens que cumpriam o ofício ou a tarefa de explicar aos outros a fé cristã e que por isso eram chamados de mestres (ICo 12:28). Quando não cumpriam a função anteriormente citada, eram cha­mados de pseudodidáskabs (2Pe 2:1), ou de heterodidaskaleo, quando ensinavam uma doutrina diferente da fé cristã (lTm 1:3), pois eram vistos como “falsos mestres”, equivalentes aos “falsos profetas” da Antiguidade.

Há três questões a serem aprendidas com base nesse termo: a) no Antigo Testamento, para que alguém fosse considerado mestre, precisava ser versado nas questões doutrinárias judaicas; b) no Novo Testamento, Cristo é visto como o único Mestre; c) esperava-se do cristão, que cumpria o ofício de mestre, que fosse fiel aos ensinos dos apóstolos acerca de Cristo.

Infere-se daí que o conceito de educação, enquanto didáskabs, é

apresentado no texto bíblico com a finalidade de demonstrar quão grande é o privilégio e a responsabilidade dos que ensinam a Palavra de Deus; diretamente ligado ao termo didáskabs, está didaskalía (en­sino, instrução) com o derivativo didachê (ensino), que nos ajuda a compreender ainda mais o conceito bíblico de educação.

Didaskalía e didachê

Didaskalía é um derivado de didáskalos e, assim como didáskalos, qua­se não é utilizado no Antigo Testamento. Também didaskalía é pouco utilizado porque para o grego, esse termo compreendia o ensino in­telectual que visava apenas ao conhecimento das questões humanas, enquanto Israel concebia o ensino como sendo a lei de Deus, à qual a única resposta cabível era a obediência.

1 22 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a ç à o c r i s t à

Didaskalía deu origem ao termo didachê (ensino), que aparece com alguma frequência no Novo Testamento. Didachê69 ocorre cerca de trinta vezes, com ênfase maior nas epístolas, o que comprova o prin­cípio de que didachê só recebeu destaque nos escritos mais tardios do Novo Testamento, sobretudo nos dias dos pais da Igreja. Didachê, nos evangelhos, aparece como sendo a pregação ou os ensinos de Jesus, ainda que não seja um termo exclusivo ao ensino de Jesus, visto que também foi empregado em Mateus 16:12 com referência ao ensino dos fariseus e saduceus.

Didachê, como ensino de Jesus, foi mantido no livro de Atos, pois Lucas emprega em diferentes ocasiões o termo para se refe­rir à “doutrina dos apóstolos” (At 2:42) e à “doutrina do Senhor” (At 13:12). Todas essas expressões denotam o testemunho que os apóstolos davam de Jesus e dos seus ensinamentos. Com o mesmo princípio é que João e Paulo utilizaram o termo didachê (Jo 7:16-17; 18:19; Rm 6:17; 16:17), isto é, com o foco da totalidade dos ensinos apostólicos acerca de Cristo, ensinos esses que deveriam ser consi­derados como um corpo de doutrina a ser transmitido por Timóteo eTito (2Tm 4:2; Tt 1:9).

Observamos que didaskalía e didachê têm sua tônica voltada para a pregação de Cristo, ou seja, a mensagem dos apóstolos acerca de Cristo e que mais tarde passou a ser compreendida como o conteúdo a ser ensinado nas igrejas, denominado de “boa doutrina” (lTm 4:6). Vale ressaltar, ainda, que didaskalía e, mais especificamente, didachê

estão diretamente relacionados ao conceito de didãskalos, isto é, mes­tres que deveriam estar conscientes de que eram grandes o privilégio e a responsabilidade de ensinar aos seus alunos o que era correto doutrinariamente, isto é, o ensino apostólico acerca de Cristo.

O objetivo do mestre (didáskalos) que se utilizava da didachê (en­sino) era denominar um corpo de doutrina que deveria ser ensinado a todos os cristãos para que não fossem “levados ao redor por todo

69 E. Hatch; H. Redpatu, A Concordance to the Scptuagint and the Other Greeks Ver- sions of the Old Têstament, p. 316-317.

A b o r d a ü e m c r i s t ã d a e d u c a ç ã o 123

vento de doutrina” (Ef 4:14). Como resultado disso, os apóstolos, mais especificamente os pais da Igreja, buscaram sistematizar esses ensinos por meio de metodologias apropriadas para aqueles dias, e é assim que aparece outro conceito bíblico aplicado à educação: katecheo.

Katecheo

Os derivativos de katecheo (informar, instruir, transmitir, legar) são katechesis (instrução), katechoumenos (aluno) e katechon (professor). Essa palavra no grego significava, em seu sentido literal, “soar de cima”70 e denota a ação dos poetas ou atores que falavam de um palco para baixo. Mais tarde essa palavra passou a significar “dar in­formação acerca de alguma coisa”, “relatar algo”. Este último sentido é utilizado por Lucas (Lc 1:4; At 18:25; 21:21).71

No Antigo Testamento, a palavra foi utilizada pela Septuaginta72

como equivalente hebraico de yarâh, com o significado de “mos­trar”, “instruir” (Is 28:9; ISm 12:23). O apóstolo Paulo foi quem empregou katechesis com o sentido sistemático de “instruir alguém no conteúdo da fé” (ICo 14:19; G1 6:6; Rm 2:18), de tal modo que katecheo passou a ser um termo técnico utilizado para instruir novos cristãos na fé. Com esse pressuposto é que mais tarde a igreja pri­mitiva empregou o termo katêchêo como instrução para o batismo; daí o termo, até hoje utilizado, "classe de catecúmenos”, em que se ensinam os princípios fundamentais da fé cristã com a finalidade do batismo.

Os ensinos fundamentais da fé cristã, portanto, passaram a ser considerados conteúdos que deveriam ser transmitidos aos fiéis e fi­xados de modo definitivo; disso resultou o termo paradídomi, que também é aplicado à educação e aparece em algumas partes do Novo Testamento.

70 T. H. Groome, Educação religiosa cristã: compartilhando nosso caso e visão, p. 54; Ensinar e aprender em Paulo, p. 121.71 A. N. Lopes, idem.72 E. Hatch; H. REnPATH, A Concordance to the Septuagint and the Other Greeks Ver- sions of the Old Testament, p. 316-317.

124 Fundamentos da teologia da LDUCAgÂo cristà

Paradídomi

O derivativo de paradídomi (legar, passar adiante) é paradosis (tra­dição). Nos dias de Platão, o termo foi utilizado como a instrução (legado) do professor ao aluno. E possível que o substantivo paradosis

tenha adquirido seu sentido de “tradição” quando o judaísmo se viu confrontado pelo helenismo e também a partir do cristianismo no século I. Desde então, foi necessário não só ter a tradição oral, mas também um conjunto de documentos que salvaguardassem o texto bíblico do Antigo Testamento hebraico, denominados de “a tradição dos pais”.

No Novo Testamento, Lucas emprega paradídomi em conexão com as dogmatas, isto é, decisões do concilio apostólico que Paulo entregou às igrejas para serem observadas (At 16:4). Percebe-se, portanto, o acréscimo de dogmatas ao termo paradídomi, cujo signifi­cado corresponde às “decisões tomadas pelos apóstolos e presbíteros de Jerusalém”. O escritor de Judas, no versículo 3, contribuiu para a compreensão do termo paradídomi, uma vez que o emprega com a seguinte tradução: “a fé que foi entregue aos santos”.

Por fim, após a reflexão acerca dos termos anteriores, é necessário comentar a palavra paidagogos, que também aparece no texto bíblico e que, além de ser o mais conhecido, é também o mais utilizado nos dias atuais.

Paidagogos

O substantivo paidagogos procede do substantivo paidós e do verbo

paideuo (criar, instruir, treinar, educar) e seus derivativos: paideia

(criação, treinamento, instrução, disciplina); paideutes (instrutor, professor); paidagogos (curador, guia). Este último se refere ao ho­mem, usualmente um escravo, cuja tarefa era conduzir meninos e jovens para a escola e trazê-los de volta, bem como supervisionar sua conduta de modo geral.73

73 K. Wegenast, Ensinar, instruir, tradição, educação, disciplina. In: Colin Brown, Di­cionário internacional de teologia do Novo Testamento, p. 58.

Abordagem cristã da educação125

No Antigo Testamento, o verbo paideuo é traduzido 84 vezes pela Septuaginta, das quais 41 vezes para traduzir o verbo hebraico yasar

(castigar, disciplinar e corrigir).74 O substantivo paideia ocorre 103 vezes na Septuaginta, das quais 37 vezes traduz o substantivo müsar

(castigo, disciplina); exemplo disso é o texto bíblico de Deuteronô- mio 11.2, que afirma: “Considerai hoje (não falo com os vossos fi­lhos que não conheceram, nem viram a disciplina do Senhor, vosso Deus), considerai a grandeza do Senhor, a sua poderosa mão e o seu braço estendido”.75

Ressaltamos que a Septuaginta traduziu a expressão hebraica: “müsar lehovah” (disciplina de Jeová) por “paideia kyriou", preconi­zando que müsar, quando utilizado para traduzir paideia, tem o sig­nificado de “disciplina”. É necessário compreender que a “disciplina do Senhor” é um sinal do seu amor, não sendo, portanto, motivo para desencorajamento; além disso, Deus é apresentado como o Pai que educa seu povo. Em algumas situações, o substantivo paideia

pode, ainda, assumir um sentido mais intelectualizado e representar “cultura”, no sentido de posse de sabedoria, conhecimento e dis­cernimento. Dentre os textos em que aparecem paideuo e paideia

traduzindo o hebraico müsar, destacam-se: Dt 4:36; 8:5; Os 7:12; 10:10; Pv 3:11; 15:33; Dt 21:18,21; Pv 13:24; 19:18; 23:13; 29:17; Is 53:5; Lv 26:18,28.76

Nota-se que a tônica do Antigo Testamento, ao traduzir o verbo hebraico müsar por paidéo e paideia, corresponde ao princípio he­braico de que tais palavras devam ser traduzidas principalmente por “castigo", “disciplina” e “açoite”;77 é o que pode ser visto nos textos de ICoríntios 11:32 e Tito 2:12, em que Paulo utiliza o termo paidéo

para indicar o aprendizado produzido pela ação de Deus, mediante

74 E. Hatch; H. Redpath, A C<mcardance to the Septuagint aivl the Other Greelcs Ver- sions of the Old Testament, p. 316-317.75 W. C. Kaiser, Aprender, ensinar. In: Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 791.16 Hcbrew Old Testament.77 A. N. Lopes, Ensinar e aprender em Paulo, p. 120.

1 26 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a ç ã o c r i s t ã

sofrimentos e disciplinas que objetivam corrigir e salvar os seus fi­lhos.78 Por outro lado, Fürst,79 faz a seguinte distinção:

Na [Septuaginta] LXX, o vb. paideuo fica mais perto, quanto ao sentido, de “disciplinar” no AT; o subs. paideia tende mais na di­reção da ideia helenística de “cultura", “instrução”. Mas ainda que aqui, em certo sentido, desenvolveu-se uma ideia educacio­nal em Israel, o ponto de referência continua sendo, mesmo para esta cultura humana, conhecimento acerca de Deus, da Sua re­velação e dos Seus mandamentos.

No texto bíblico grego80 a palavra paidagogos ocorre, no Novo Testamento no texto de ICoríntios 4:15, em que Paulo diz: “Porque, ainda que tivésseis milhares de preceptores em Cristo, não teríeis, contudo, muitos pais; pois pelo evangelho vos gerei em Cristo Jesus” e em Gálatas 3:24-25: “De maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé. Mas, tendo vindo a fé, já não permanecemos subordinados ao aio”. Desejando-se maior fidelidade ao texto grego, podem-se traduzir as referidas expressões da seguinte forma: “... ainda que tivésseis milhares de pedagogos ...” (ICo 4:15) e “... a lei nos serviu de peda­gogo..." (G1 3:24), haja vista que os termos “preceptores” e “aio”, em grego aparecem como paidagogos.

Calvino,81 ao comentar os textos de ICoríntios 4:15 e Gála­tas 3:24-25, mesmo não estando preocupado em discutir o termo paidagogos com atenção especialmente voltada à educação, contri­buiu para sua compreensão:

Um aio não era destinado à vida inteira de uma pessoa, mas somente ao período da infância, como a própria etimologia da

78 Idem.79 Paideuo. In: Colin Brown, Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento, p. 61.80 Greek New Testament.81 Comentário à Sagrada Escritura: Gálatas; Comentário à Sagrada Escritura: ICoríntios.

A b o r d a g e m c r i s t ã d a e d u c a ç ã o 127

palavra o revela. Além disso, ao treinar uma criança, o objetivo é prepará-la por meio de elementos infantis para as coisas mais ex­celentes. A comparação se aplica à lei em ambos os aspectos, pois sua autoridade se limitava a uma determinada faixa etária, e seu propósito era o desenvolvimento de seus alunos só até ao estágio em que, quando os elementos fossem apreendidos, poderiam se aprofundar na área da educação [...]. Os gramáticos instruem um garoto e então remanejam para outro mestre que o aperfeiçoe nas disciplinas mais graduadas.

Percebemos que a interpretação que Calvino dá ao termo pai- dagogos é semelhante ao conceito grego,82 visto que ele pontua ser função do pedagogo instruir a criança com a finalidade de prepará- la para coisas mais excelentes. Aplicando ao contexto de Paulo, o objetivo do apóstolo era demonstrar que a lei serviu como pre­paração para o mais excelente, isto é, para conduzir os filhos de Deus a Cristo. E o que afirma Calvino:83 “Portanto, a lei era como o gramático que iniciou seus alunos e a seguir os remanejou para a teologia da fé, a fim de que completassem o curso. Dessa forma, Paulo compara os judeus a crianças, e os cristãos, a jovens em fran­co progresso”.

Em síntese, nos textos anteriores podemos entender que Paulo ao utilizar o termo paidagogos, emprega-o com a mesma perspectiva dos gregos, isto é, de que os pedagogos tinham como objetivo tornar seus pupilos independentes dos seus cuidados, cessando sua tarefa quan­do a criança crescesse. Percebe-se disso que, até nos dias do apóstolo Paulo, os paidagogos tinham a incumbência de cuidar da criança ape­nas na mais tenra faixa etária. Por outro lado, quando Paulo utiliza paidéo, indica o aprendizado produzido pela ação de Deus mediante sofrimentos e disciplinas que objetivam corrigir e salvar por miseri­córdia os seus filhos.

82 A instituição da religião cristã, p. 341.85 La institución de la religión, p. 111.

128 Fundamentos da teologia da educação cristã

Portanto, é dessa perspectiva que os termos didasko (ensinar); didáskalos (professor, mestre); didaskalía (ensino, instrução) e dida-

chê (ensino); katêchêo (informar, instruir); paradídomi (legar, passar adiante, transmitir) e seu derivativo paradosis (tradição) apareceram na Bíblia, e fica claro que o objetivo do escritor bíblico ao utilizá-los não é o de discutir princípios teóricos educacionais; antes, tem a fi­nalidade de ensinar ao povo, desde a mais tenra idade, como agradar a Deus e, ao agradar-lhe, receber suas ricas bênçãos.

O que está claro, à luz do que foi comentado anteriormente, é que a educação e o ensino são temas relevantes e fundamentais tan­to para os escritores do Antigo como do Novo Testamentos.84 Ressal­tamos ainda que o conceito bíblico de educação se fundamenta nos seguintes princípios: 1) A Bíblia é o livro didático que deve nortear todo o conteúdo educacional, de maneira que o mestre cristão deve estar consciente de que sua tarefa é ensinar a doutrina bíblica. 2) Deus é apresentado na Bíblia como educador, do qual deriva toda a autoridade dos demais educadores.85 3) Jesus é apresentado como o Mestre, do qual todos os demais só podem ser discípulos. 4) A edu­cação tem como finalidade conduzir o homem ao temor, ao amor e a ensiná-lo a guardar as ordenanças de Deus.86 5) A educação prioriza a responsabilidade dos pais. Notamos, por fim, que há pouca preocu­pação com a formação de instituições escolares, no texto bíblico, jus­tamente porque a família deveria ser o centro da educação bíblica.87

Com base na perspectiva cristã da educação, da Bíblia como a pa­lavra inspirada por Deus, decorrem alguns princípios fundamentais que devem nortear a abordagem cristã da educação. Um deles é o do entendimento do que se refere a Deus, porque o que pensamos a respeito de Deus indica o que fazemos no campo da educação.88 In­

84 S. K. George, Igreja ensmadora: fundamentos bíblico-teológicos e pedagógicos da edu­cação cristã, p. 70.85 Streck, Correntes pedagógicas: aproximação com a teologia, p. 15.86 Idem.87 M. Meister, Cosmovisão: do conceito à prática na escola cristã, p. 181.88 V. S. Santos, Educação cristã: conceituação teórica e implicações práticas, p. 164.

A b o r d a g e m c r i s t a d a e d u c a çA o 1 29

ferimos daí uma dificuldade presenciada no cristianismo atual, visto que nem sempre o que se vê é o Deus ensinado na Bíblia. Por conse­guinte, faz-se necessário que a abordagem cristã da educação expli­cite o Deus soberano e senhor de todas as coisas; por essa razão, nas páginas seguintes serão comentados, com base na Bíblia, os atributos do ser de Deus.

O ser de Deus

A educação cristã, que só pode assim ser caracterizada se defender a centralidade da Bíblia, opõe-se às abordagens educacionais que de­fendem, explícita ou implicitamente, o ensino de que o cosmos teria sido fruto de um processo evolutivo.89

A Bíblia coloca a criação no início de sua narrativa e declara, afirmativamente, que Deus é o criador e o sustentador de todas as coisas (Gn 1:1). Clark90 pontua que o valor dessa declaração con­siste nos seguintes princípios: a criação coloca Deus sobre todas as coisas; ela faz de Deus o soberano do Universo; a criação torna todos os homens dependentes de Deus e nos conduz à adoração ao Deus criador.91 Podemos identificar o Deus da abordagem cristã da educa­ção por causa dos seus atributos demonstrados nas Escrituras.92 Tais atributos, para fins metodológicos, são divididos em incomunicáveis e comunicáveis.

Os atributos incomunicáveisEsses atributos enfatizam o ser absoluto de Deus perfeições tais que somente podem ser encontradas no Ser divino. São eles:

89 Uma dessas discussões pode ser observada no artigo de Haller Elinar Stach Schünemann, intitulado: O papel do “criacionismo científico” no fundamenta- lismo protestante. In: Revista de Estudos de Religião, ano XXII, jul./dez. de 2008, p. 64-68. Como contraponto às ideias de Haller, cf. Nancy Pearcey, Verdade abso­luta: libertando o cristianismo do seu cativeiro cultural.90 Teologia sistemática, p. 129.91 João Calvino, A instituição da religião cristã, p. 65.92 L. Berkhof, Teologia sistemática, p. 43.

130 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a ç à o c r i s t à

Autoexistência

Deus é autoexistente. Ele possui vida em si mesmo, existência au­tônoma e própria. Ele é a base de sua própria existência. Deus não dependeu de ninguém para existir, mas todas as coisas existem por­que ele existe Qo 5:26; SI 94:8; Is 40:18; At 17:25; Rm 11:33-36; Dn 4:35; Rm 9:19; Ef 1:5; Ap 4:11; SI 33:1; 115:3).

Imutabilidade

É a perfeição devido à qual não há mudança em Deus (Ex 3:14; SI 102:26-28; Is 41:4; 48:12; Ml 3:6; Rm 1:23; Hb 1:11,12; Tg 1:17).

Infinitude

É a essência divina pela qual Deus é isento de toda e qualquer limi­tação. A infinitude de Deus abrange:

1. Perfeição absoluta. Em tudo, Deus é absoluto e perfeito Oó 11:7-10; SI 145:3; Mt 5:48).

2. Eternidade. É a duração pelos séculos, sem fim nem começo (2Pe 3:8; SI 90:2; 102:12; Ef 3:21).

3. Imensidade. Deus preenche todo o espaço e não está sujeito a ele. É nesse sentido que falamos da onipresença de Deus (lRs 8:27; Is 66:1; At 7:48-49; SI 139:7-10; Jr 23:23-24; At 17:27-28).

4. Unidade de Deus. Ainda que sejam três pessoas distintas, a essência divina é a mesma. Portanto, não são três deuses, mas um único Deus93 (lRs 8:60; ICo 8:6; lTm 2:5; Dt 6:4). É no estudo da Unidade de Deus que se discute a respeito da Trin­dade, a qual nos ensina que há somente uma essência, divina, no ser de Deus; entretanto, são três pessoas distintas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

93Calvino, A instituição da religião cristã, p. 115.

A b o r d a g e m c r i s t ã d a e d u c a ç ã o 131

Em termos gerais,94 podemos dizer que o Pai é o criador e susten- tador de todas as coisas criadas, bem como aquele que planejou toda a obra da redenção (SI 2:7-9; Is 55:3-11; ICo 8:6; Ef 1:3-6 e 2:9). O Filho é o executor da obra da redenção, pois foi ele quem morreu e derramou seu sangue na cruz (Ef 1:5-11), e o Espírito Santo é a pes­soa da Trindade que nos convence do pecado e nos conduz a receber Cristo como Salvador.

Atributos comunicáveisSão os atributos comunicados por Deus a nós, ainda que nele sejam perfeitos, enquanto em nós, imperfeitos.

Espiritualidade

É a ideia mais perfeita de “espiritualidade”, não permitindo qualquer ideia de corporificação (Jo 4:24; lTm 6:15-16).

Intelectualidade

Para compreendermos melhor a perfeição da intelectualidade de Deus, é importante ressaltar que ela envolve o conhecimento de Deus, isto é, a perfeição de Deus, pela qual ele conhece a si mesmo e todas as coisas possíveis e reais (ISm 2:3; Jo 12:13; SI 94:9; 147:4; Is 29:15; 40:27,28). Deus, portanto, possui conhecimento inato (na­tural à sua pessoa), e não aprendido (não necessita aprender de nin­guém, nem com qualquer pessoa). Seu conhecimento não conhece por partes, como ocorre com o ser humano, mas em sua plenitude. Além disso, a intelectualidade de Deus envolve sua sabedoria. Deus busca os melhores fins possíveis, com os melhores meios possíveis, e assim concretiza suas ações e vontade (Rm 11:33; 14:7-8; Ef 1:11-12; Cl 1:16; Pv 8).

94 Limitamo-nos apenas a prover uma concepção abrangente dos ensinos bíblicos a respeito da função das três pessoas na Trindade Econômica. A preocupação aqui é enfatizar que a abordagem cristã da educação crê no Deus soberano sobre todas as coisas. Para aprofundamento da questão, cf. L. Berkhof, Teologia sistemática.

132 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a ç ã o c r i s t ã

Atributos moraisNos atributos morais de Deus, são discutidas temáticas como: a) bon­dade de Deus, isto é, Deus é bom em si mesmo e, também, bom para suas criaturas (Mc 10:18; Lc 18:18-19; SI 36:6, 104:21; 145:9,15-16; Mt 5:45; 6:26; At 14:17); b) amor de Deus (Jo 16:27; Rm 5:8; ljo 3:1); c) graça e misericórdia de Deus, que pode ser definida como concessão de bondade a alguém que não tem nenhum direito a ela (Gn 33:8,10,18; 39:4; Êx 20:2; Dt 5:10; Dt 7:9; Rt 2:2; ISm 1:18; 16:22; SI 57:10; SI 86:5); d) longanimidade de Deus, que é a tole­rância de Deus para com os rebeldes e maus, e é tardio em se irar; e) santidade de Deus, que gera no homem um sentimento de nulidade ou sentimento da condição de ser criatura, levando-o a humilhar-se completamente na presença de Deus (Ex 15:11; ISm 2:2; Is 57:15; Hc 1:13; Is 6:5); f) justiça de Deus, a qual está intimamente ligada à santidade de Deus; a justiça diz respeito à punição do pecado e à manutenção do direito e da justiça (Ed 9:15; Ne 9:8; SI 119:137; 145:7; Jr 12:1; Lm 1:18; Dn 9:14; Jo 17:25; 2Tm 4:8; ljo 2:29; 3:7; Ap 16:5); por fim, o atributo da soberania de Deus, que ressalta Deus como criador de todas as coisas; e o Senhor cuja vontade se cumpre (Dt 29:29; SI 115:5; Rm 9:18-19; 11:33-34):

Diante do que foi comentado, fica evidente que a abordagem cristã da educação deve contemplar o Deus soberano, criador, mi­sericordioso, exaltado acima de todas as coisas, presente em toda a sua criação, mas pessoal, isto é, que se preocupa95 com as questões que envolvem os que lhe pertencem; afinal de contas, o homem é a coroa de sua criação.

O HOMEM COMO IMAGEM E SEMELHANÇA DE DEUS

O homem foi criado à imagem e à semelhança de Deus (Gn 1:26-27; 2:7,21-23), e isso o distingue dos animais e de todas as demais criaturas. Calvino96 declara “que a imagem de Deus abrange tudo

95 Calvino, A instituição da religião cristã, p. 59.96 La institución de la religión, p. 116.

Ab o r d a g e m c r i s t ã d a e d u c a ç á o 133

que na natureza sobrepuja a de todas as outras espécies de ani­mais”. Isso eqüivale a dizer que a imagem de Deus no homem faz deste um microcosmo do Universo,97 a coroa da criação, a mais elevada das criaturas, pois nele estão a essência, a vida, o sentido e a razão.98

O ser humano, portanto, não é mero animal. Quem se propõe a educá-lo deve ter a consciência de que não o está adestrando; antes, por meio da educação, tem a responsabilidade de mostrar-lhe o ca­minho da felicidade, que está junto ao Criador, e de lembrar-lhe que deve viver segundo a dignidade e excelência de sua própria criação;99 lembrar-lhe que foi dotado com a capacidade de aprender, pensar100 e assumir as responsabilidades relativas às decisões a serem tomadas no decorrer de sua vida;101 lembrar-lhe que o fato de ter sido criado à “imagem e à semelhança de Deus” deu-lhe o privilégio de se re­lacionar com o Criador102 e de usufruir das bênçãos advindas desse relacionamento.103

Nesse contexto, percebe-se que um dos objetivos da abordagem cristã da educação é propiciar condições para que o homem faça uso das suas capacidades reflexivas, em seu relacionamento com Deus, o que resultará no conhecimento de si mesmo e da natureza. Por conseguinte, é coerente tratar a educação cristã como processo educacional, isto é, princípios que são assimilados e desenvolvidos no decorrer da existência humana. Por causa disso, ela não deve produzir algo pronto; antes, deve indagar e questionar, à luz da vontade de Deus, o que é preciso para que o processo de maturida­de espiritual do homem seja desenvolvido.104

97 A instituição da religião cristã, p. 53.98 Edson Pereira Lopes, A inter-relação da teologia com a pedagogia no pensamento de Comenius, p. 158.99 J. A. Comenius, Didática magna, p. 42.100 Para aprofundamento quanto à importância, cf. John Stott, Crer é também pensar.101J. A. Comenius, Pampadia, p. 41-46.102 Calvino, A instituição da religião cristã, idem, p. 174.103 F. Schaeffer, A morte da razão, p. 25-26.104 L. Richards, Teologia da educação cristã, p. 19.

1 34 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a ç A o c r i s t A

Aí está uma das finalidades da educação cristã, que assinala a excelência da criação do homem e o coloca como a única criatura de Deus com a capacidade de pensar, entender e assumir respon­sabilidades; mas também o leva a reconhecer que, após o pecado dos primeiros pais (Gn 3), ele se degenerou, afastou-se do Criador e agora necessita ser reconciliado com Deus, o que resultará também na reconciliação consigo mesmo e com a natureza.105 Essa reconci­liação é um dos compromissos da educação cristã, que trabalha “com a esperança de transformação do aluno, a fim de que ele viva para a glória de Deus e encontre a verdadeira felicidade”.106

Vale ressaltar ainda que a educação cristã contribui para a cons­cientização da relação do homem com o meio ambiente. No texto de Gênesisl:28, lemos: “E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fe­cundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar [...] as aves dos céus e sobre todo animal”. Notamos que o homem, ao ser criado (Gn 1:26) como “imagem e semelhança de Deus”, tornou-se responsável por demonstrar essa distinção pela forma com o que domina e cultiva a terra.107

Por conseguinte, a educação cristã contribui não só para o de­senvolvimento espiritual e o relacionamento com Deus, mas tam­bém para o ajustamento social do homem.108 Não se pode esquecer aqui que as Escrituras, no salmo 19, assinalam que o homem pode ter o conhecimento geral de Deus, por meio da natureza; dessa ma­neira, a abordagem cristã da educação não postula haver oposição entre conhecer a vontade de Deus e conhecer os benefícios que o conhecimento da natureza pode trazer ao homem. Assim, essa abor­dagem reforça a ideia de que o mundo pode ser visto como campo de

105 J. Calvino, Romanos, p. 292-293.106 Para mais esclarecimentos, cf. Pampadia, p. 41-46; V. S. Santos, Educação cristã: conceituação teórica e implicações práticas, p. 168.107 Para aprofundamento da discussão do binômio Igreja e meio ambiente, cf. a dis­sertação de mestrado de Marcos de Almeida, A crise do meio ambiente e a teologia de Leonardo Boff: uma resposta na perspectiva da teologia evangelical.108 V. S. Santos, Educação cristã: conceituação teórica e implicações práticas, p. 166.

A b o r d a ü e m c r i s t ã d a e d u c a ç à o 135

atuação do cristão, havendo condições para as ciências emergirem sob ou ao lado da teologia, o que no passado resultou no surgimento das universidades.109

Destacamos anteriormente, que a educação cristã trabalha com a esperança de transformação do aluno, a fim de que ele viva para a glória de Deus e encontre a verdadeira felicidade. Isso, porém, só é possível se ela indicar o caminho a ser seguido para esse fim. O cami­nho, segundo o evangelista João (14.6), é Jesus, o qual disse: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida, ninguém vem ao Pai senão por mim”. Esta é outra tarefa da educação cristã, que vale ressaltar: salvação somente é possível por meio de Cristo.110

A SALVAÇÃO SÓ É POSSÍVEL EM JESUS CRISTO111

No estudo que trata a respeito da salvação, a abordagem cristã da educação destaca que Cristo é o redentor e o representante legal dos que lhe pertencem, porque cumpriu sua obra que se fundamenta em três princípios: o ofício profético, o ofício sacerdotal e o ofício real,112 conforme veremos a seguir.

Ofício proféticoNas Escrituras, o termo profeta correspondia aos que eram quali­ficados e autorizados a falar em nome de Deus aos homens. Isso podia ser feito sob a forma de instrução, admoestação, exortação, promessas gloriosas ou censuras severas. Seu dever principal era o de protestar contra o pecado, promover os interesses da verdade e justiça de Deus;115 a previsão do futuro era apenas incidental.114

Esse ofício é aplicado a Cristo, pois já no Antigo Testamento, nas revelações especiais, ele aparecia como o Anjo do Senhor ou

109 Streck, Correntes pedagógicas: aproximação com a teologia, p. 15.1,0 Calvino, A instituição da religião cristã, p. 325, 329.111 Para aprofundamento das questões relativas à doutrina da salvação, cf. Edson Pereira Lopes, Fundamentos da teologia da salvação.112 Calvino, A instituição da religião cristã, p. 469.113 L. Berkhof, Teologia sistemática, p. 359.114 A. A. Hoixje, Esboço de teologia, p. 548.

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da Aliança (Ml 3:1).115 No mesmo contexto, vale ressaltar que, no estudo de Isaías 6:1-3, lemos: “No ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono [...]. Serafins [...] clamavam [...]: ‘Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos...’”. Percebemos que, na interpretação de Isaías, ele viu o Deus único e verdadeiro.

Todavia, Joãol:18, afirma: “Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou”. Inferimos daí que Isaías viu Cristo, que foi quem o comissionou como profeta para anunciar sua palavra ao povo de Israel, mais especificamente aos reis de Judá (Is 1:1). Está aí uma prova de que Cristo exercia sua função profética mesmo antes de sua encarnação.

Depois da encarnação, ele prosseguiu no exercício do seu ofício profético por meio dos seus ensinos e milagres. Após sua ascensão aos céus, continuou a exercer seu ofício por meio da pregação dos apósto­los e, na atualidade, pelas Escrituras, mediante a iluminação do Espí­rito Santo (At 3:22-23; Mt 24:33-35; Lc 19:41-44). Por conseguinte, quando aprendemos a vontade de Deus por meio das Escrituras: se por ela somos convencidos de que necessitamos da misericórdia e da graça de Deus; se por ela somos exortados ao arrependimento e por ela somos salvos, devemos tudo ao ofício profético de Cristo, ainda hoje exercido, por meio de sua Palavra e por obra do Espírito Santo (Rm 10:9-10).

Ofício sacerdotalO sacerdote era representante do homem junto a Deus, e sua res­ponsabilidade e privilégio eram o de aproximar-se de Deus, e falar e agir em favor do povo com Deus.116

O Antigo Testamento prediz a figura e o sacerdócio do redentor vindouro (SI 110:4; Zc 6:13), que, no Novo Testamento, a epístola aos Hebreus aplica a Cristo (Hb 3:1; 4:14; 5:5; 6:20; 7:26; 8:1). Na

115 L. Berkhof, idem, p. 360.116 A. A. Hodge, Esboço de teologia, p. 549.

A b o r d a g e m c r i s t à d a e d u c a çA o 137

questão da salvação dos cristãos, a obra sacerdotal de Cristo foi simbo­lizada e tipificada pelos sacrifícios mosaicos, nos seguintes princípios:

Dia da Expiação. No Dia da Expiação, o sumo sacerdote entrava no Lugar Santíssimo (Santo dos Santos) com o sacrifício consuma­do para apresentá-lo a Deus;117 assim, Cristo entrou no Santo Lugar com seu sacrifício consumado, perfeito e todo suficiente e o ofereceu ao Pai, ao mesmo tempo que se apresentou a Deus como represen­tante do seu povo (Hb 9:24).

Elemento judicial. Há um elemento judicial na intercessão de Cristo. Ele satisfez a exigência da lei, de modo que nenhuma conde­nação pode haver contra aqueles pelos quais ele pagou o preço, pois ele é nosso advogado (Rm 8:31-34).

Condição moral. Cristo se responsabiliza por nossa condição mo­ral, mediante nossa santificação gradativa. Quando nos dirigimos ao Pai, em nome de Cristo, ele santifica nossas orações que muitas vezes são imperfeitas, superficiais e insinceras. Assim, ele as torna aceitá­veis ao Pai, e tudo isso ele faz por nos amar (Hb 4:15; 2:18).

Oração pelo seu povo. Assim como ele orou pelos apóstolos (Jo 17), intercede por nós, apresentando nossas necessidades espirituais e pro- tegendo-nos contra quaisquer perigos, dos quais nem sempre estamos conscientes.

Percebemos, assim, que a causa principal da expiação se acha no beneplácito de Deus, em sua vontade de salvar os que lhe pertencem. Por meio de sua expiação, Cristo assegurou: justificação, que inclui o perdão dos pecados; a adoção de filhos e o direito a uma herança eterna (Rm 8:16-17); comunhão com ele próprio por meio da re­generação e da santificação; bem-aventurança final em comunhão com Deus, mediante ele mesmo, Jesus Cristo, na glorificação sub­jetiva e no desfrute da vida eterna em uma nova e perfeita criação (Rm 8:29-30).

Com base nessa perspectiva, não podemos nos esquecer que a obra sacerdotal de Cristo não se restringe ao sacrifício na cruz. Em

117 Teologia Sistemática, p. 402.

138 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a ç ã o c r i s t ã

vez disso, ele cumpriu parte dessa obra sacerdotal na terra; a outra parte, ele está realizando no céu (Hb 7:24-25; 9:12,24). Por essa ra­zão, Cristo está junto ao trono de Deus intercedendo por seus eleitos. Daí vários textos bíblicos identificarem Cristo como consolador e advogado (Jo 14:16,26; 15:26; 16:7; Hb 7:25, ljo 2:1; Ap 12:10).

Ofício realPodemos defini-lo como a realeza de Cristo, com o seu poder oficial de governar todas as coisas, tanto as do céu como as da terra, para a glória de Deus e a execução do seu propósito de salvação dos que lhe pertencem.118 Este reino é considerado espiritual por Berkhof,119 pois é um governo mediatário estabelecido no coração dos que per­tencem a Cristo. Além disso, é espiritual porque é ministrado não por força nem por violência, mas pela Palavra e pelo Espírito Santo (SI 45:6-7; Is 9:6; Jr 23:5; Lc 17:20-21; 22:29; Jo 18:36-37; Rm 14:17). Nessa perspectiva, não podemos esquecer que a realeza de Cristo é percebida no princípio de que todos os reis, leis e governos estão sub­missos a ele (Cl 1:13-20; Fp 2:9-11).

Quando o cristão, na oração do Pai-nosso, foi ensinado por Cris­to a orar: “... venha o teu reino...’’,120 Lloyd-Jones121 assinala que esse pedido inclui os seguintes princípios: primeiramente, em certo sentido, o reino já veio quando Jesus esteve no mundo, e, por isso, ele declarou: “Se, porém, eu expulso os demônios pelo dedo de Deus, certamente, é chegado o reino de Deus sobre vós” (Lc 11:20). Prova de que o reino de Deus está presente é o fato de que muitos creem e confiam nele como Salvador.

Entretanto, o reino e o exercício da realeza de Cristo só se­rão exaltados de forma completa quando ele vier e estabelecer o seu reinado definitivamente sobre o novo céu e a nova terra. Assim se cumprirão as palavras do apóstolo Paulo, registradas em

118 L. Berkhof, Teologia sistemática, p. 407.119 Idem.120 Mateus 6:9-15.121 Estudos no Sermão do Monte, p. 349.

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Filipenses 2:9-11: Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu onome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor”.

Nesse sentido, portanto, aguardamos o reino de Cristo e, por isso, devemos rogar a Deus que a cada dia homens e mulheres sejam al­cançados pela sua Palavra, porque assim, enquanto Cristo não vem, sua realeza é exaltada entre esses homens convertidos ao Senhor.

Com base no que dissemos até aqui, percebemos quão profunda é a tarefa da abordagem cristã da educação. Sua missão consiste em educar homens e mulheres a compreenderem que a salvação só é possível por meio de Cristo, pois, somente ele sofreu em nosso lu­gar e apagou todas as acusações contra nós (Cl 2:14). A missão da abordagem cristã da educação também se fundamenta na exaltação da realeza de Cristo, isto é, explicitar que todo joelho deve se dobrar diante de Cristo. Por fim, a educação cristã deve ensinar os homens a aguardar o novo céu e a nova terra, onde não haverá lágrima nos olhos; a morte não existirá; não haverá luto, nem pranto, nem dor; porque estaremos por toda a eternidade com Deus (Ap 21:4).

Diretamente relacionado ao fato de que seu reinado é real, em­bora ainda não seja definitivo ou completo, está a necessidade de ressaltar que não iremos inaugurá-lo, mas podemos torná-lo mais vi­sível e mais tangível aos homens. Uma vez que esse reinado avança vigorosamente, a abordagem cristã da educação deve também estar compromissada com o âmbito social ou seja, no mundo injusto em que vivemos, somos vocacionados a ser uma comunidade de pessoas comprometidas com os valores do reino de Cristo, a nos preocuparmos com a sociedade e a proclamar o juízo de Deus sobre os que persistem em adorar os deuses do poder e do amor-próprio egocêntrico.122

Por conseguinte, a educação cristã deve partir da igreja de Cristo, mas sua extensão diz respeito a todo homem, pois ela não pode se

122 D. J. Bosch, Missão transformadora: mudanças de paradigma na teologia da missão, p. 614.

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omitir quanto à sua missão, resumida nas palavras de Deus dirigidas a Abraão: “Sê tu uma bênção”.

Educação cristã voltada PARA A SOCIEDADE

Com a preocupação de pontuar que a abordagem da educação cristã deve servir como instrumento na propagação e exaltação da glória de Cristo, pelo que ele fez e tem feito por seu povo, convém ressaltar que Schipani e Wachs concebem que “a educação cristã tem a ta­refa formativa que a igreja realiza com seus membros no sentido de habilitá-los a participar da vida e dos compromissos de sua respectiva comunidade”.123 Percebemos nessa afirmação que o objetivo da edu­cação cristã, para eles, é habilitar o cristão a participar da vida e dos compromissos da comunidade.

Num aspecto mais geral, concebemos que, de fato, a educação cristã tem compromisso com a sociedade; entretanto, sua finalidade não é só habilitar o cristão a exercer seus direitos e deveres em sua comunidade; pelo contrário, já que é a abordagem que permite ao homem conhecer de fato Deus, a si mesmo e o mundo, ela deve objetivar influenciar a sociedade na busca pela finalidade última da educação, que é Deus.

Na prática, isso significa que a educação cristã não apregoa o isolacionismo da comunidade cristã; pelo contrário, ensina que a igreja124 deve estar “engajada” no mundo, conforme João 17:15, em que Jesus faz sua Oração Sacerdotal: “... não peço que os tires do mundo, e sim que os guardes do mal”. Na hermenêutica de Bruce,125 a tônica dessa oração intercessora recai no princípio da obrigato­riedade da consciência, do cristão, de que ele não deve se isolar do mundo, mas, pelo contrário, agir no mundo, e que só assim cumprirá as palavras de Jesus de que somos sal e luz do mundo (Mt 5:13-14).

123 D. S. Schipani, Teologia dei ministério educativo: perspectivas latinoamericanas. M. C. Wachs, Educação cristã. In: Dicionário de teologia, p. 246.124 Para aprofundamento na discussão da doutrina da Igreja, cf. Carlos Ribeiro Caldas Filho, Fundamentos da teologia da igreja.125 Merece confiança o Novo Testamento?, p. 284.

Abordagem cristã da educaçào 1 4 1

Barth,126 no artigo O cristão na sociedade, citado em Dádiva e lou­vor: artigos selecionados, pontua que é impossível ao cristão se reti­rar da sociedade, pois a vida envolve o cristão por todos os lados. Para ele, há necessidade de os cristãos saírem do seu isolamento, deixarem a presunção religiosa e agirem na sociedade em que vivem: “Sim, temos novamente o pressentimento de que o sentido da assim chamada religião está em seu relacionamento com a vida real, com a vida da sociedade, e não em seu isolamento. Um santuário isolado não é um santuário”.127

Destacamos que, quando é assimilado o real significado da edu­cação cristã, além do aperfeiçoamento da comunidade cristã, é ine­vitável que a sociedade também usufrua dessa compreensão; daí os exemplos de atuação de muitas igrejas concernentes às ações sociais, dentre elas a educação. Entretanto, o que não se pode perder de vis­ta é o centro da educação cristã, que é ter Deus e a sua Palavra como fundamento e razão de tudo o que envolve a existência humana.

REVISÃO E APROVEITAMENTO DO CAPÍTULO 3

1. Quais abordagens tratam da educação?2. Qual a diferença e a finalidade principal da educação cristã?3. Como podemos provar que a educação é um tema bíblico?

4- Quais os fundamentos da abordagem cristã da educação?5. Qual deve ser a abordagem cristã da educação quanto ao ser

de Deus?6. Qual a relação do ofício da realeza de Cristo com a educação?7. O que deve significar a afirmação: “O homem foi criado à

imagem e semelhança de Deus” para a educação cristã?8. O que deve ensinar a educação cristã acerca da salvação?9. Em que sentido a expressão “venha o teu reino” está relacio­

nada com a educação cristã?

126 Dádiva e louvor: artigos selecionados, p. 19-46.127 Idem.

C o n s i d e r a ç õ e s f i n a i s

Nas considerações finais desta obra, tomamos o texto de Esdras 7:10, para aplicação do que foi dito até aqui, acerca da abordagem cristã da educação. O citado texto demonstra três atitudes de Esdras que estavam diretamente ligadas ao seu objetivo de ensinar a vonta­de de Deus à sociedade na qual ele estava inserido.

Num primeiro momento, ele “dispôs o coração para buscar a lei do Senhor”. No estudo do texto, percebe-se que essas palavras de­monstram sua preocupação em examinar a Palavra de Deus. Antes de ensinar, sua preocupação era conhecer profundamente o que de­veria ser ensinado. Levando-se em conta, primeiro, que Esdras era um sacerdote e, portanto, profundo conhecedor da lei do Senhor e, segundo, a referência ao termo “coração”, não restam dúvidas de que ele tinha em mente que conhecer a lei do Senhor não deveria ser apenas um exercício intelectual, e sim fruto da verdadeira comunhão com Deus.

Diante disso, podemos afirmar que a abordagem cristã da educa­ção, à semelhança de Esdras, deve ter a preocupação de impregnar o coração dos homens do amor a Deus e despertar neles o desejo de glorificar ao Senhor.

Num segundo momento, Esdras mostra que a abordagem cristã da educação não pode ser voltada apenas à comunhão do indivíduo com Deus, mas resultar num comportamento prático; daí a afirma­ção do texto: “para a cumprir”. Isso significa que, antes de ensinar, Esdras teve a preocupação de praticar a lei do Senhor. A prática do

1 4 4 F u n d a m e n t o s d a t e o l o g i a d a e d u c a ç ã o c r i s t ã

cristianismo é um dos preciosos ensinamentos de Cristo; por isso ele afirmou: “Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as pratica será comparado a um homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha” (Mt 7:24). Em contrapartida, Jesus disse: “Todo aquele que ouve estas minhas palavras e não as pratica será comparado a um homem insensato que edificou a sua casa sobre a areia” (Mt 7:26).

Por conseguinte, a abordagem cristã da educação deve estar compromissada com a prática das Escrituras, a qual deve demons­trar uma fé constituída do elemento intelectual, que é caracterizado pela convicção racional de que a Palavra de Deus é a plena verdade (At 11:13-14; 10:43; Jó 3:31-34; Rm 10:14-17); do elemento emocio­nal, pois ela não é só racional, ma também envolve as nossas emo­ções, uma vez que o ato de crer envolve todo o nosso ser e passamos a viver intensamente a realidade da fé (Mt 13:20; At 8.5-8); e do elemento volitivo, porque há o desejo de o coração ser transformado pelo Espírito Santo e de se entregar totalmente a Deus (Rm 10:9-10; Mt 11:28-29; Jo 1:12; 14:1; At 16:31).

Por fim, Esdras revela-nos que, uma vez aprofundados na comu­nhão e no conhecimento de Deus, sendo praticantes da Palavra, é necessário nos voltarmos para o ensino; é por isso que podemos ler, no final do versículo 10, do capítulo 7, a respeito de Esdras: “...Para ensinar em Israel...”. Decorre daí que a abordagem cristã da educação deve ter como finalidade ensinar os preceitos de Deus aos homens.

Vimos que a preocupação deste livro foi apontar os fundamentos da abordagem cristã da educação. Para isso, partimos do princípio de que, a começar por sua etimologia, o termo “educação” provém de dois ter­mos latinos indissociáveis: educare (nutrir) e educere (tirar para fora). Considerada dessa perspectiva, a abordagem cristã da educação tem como responsabilidade prover dupla condição aos homens: a) ali­mentá-los com os ensinos das Escrituras (educare); b) ensiná-los, por meio da comunhão com Deus, a pensar por si mesmos (educere).

É assim que a educação cristã cumpre o seu objetivo específico de honrar e glorificar a Deus. E, já que é esse o seu objetivo, é necessário

CONSIDfcRAÇÔES FINAIS 145

relembrar que ela não está restrita aos estudos bíblicos dominicais ou a um edifício construído para educação religiosa, tampouco tem seu foco voltado somente para os trabalhos da comunidade local; em vez disso, ela deve se preocupar com que o reino de Deus seja implanta­do nos corações humanos.

Portanto, mesmo que as atividades educacionais da igreja cristã tenham início na comunidade local, não pode se restringir a ela; pelo contrário, deve ter em vista alcançar mais do que o aperfeiçoamento de seus membros e a edificação do corpo de Cristo (Ef 4:12), mas a sociedade em geral, conforme a ordem dada por Cristo e registrada em Mateus 28:18-20: “... fazer discípulos de todas as nações...”. Per­cebemos assim quão grande é a responsabilidade da igreja de Cristo, que se propõe a glorificar o nome de Deus por meio da abordagem cristã da educação, pois, por um lado, a igreja volta-se para si mes­ma na constante busca pela mais íntima comunhão com Deus, que resulta na transformação da vida dos seus membros; por outro lado, ela se volta para a sociedade em geral, com a finalidade de ensinar os princípios que agradam a Deus.

Está claro, portanto, que a igreja local somente alcançará o obje­tivo de glorificar a Deus se de fato estiver consciente da imprescin­dível relevância da educação cristã para o aperfeiçoamento de seus integrantes no conhecimento e na comunhão com Deus, e de sua função na sociedade em que está inserida, podendo e devendo servir de “sal” e “luz” deste mundo.

B i b l i o g r a f i a c o n s u l t a d a

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S o b r e o a u t o r

Edson Pereira Lopes é casado com Nívea e pai de Tales e Taila. E pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil em Vila Esperança, São Paulo. Doutor em Ciências da Religião, na área de Práxis, Religião e Sociedade, pela Universidade Metodista. Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Ma- ckenzie. Especialista em Estudos Brasileiros pela Universidade Pres­biteriana Mackenzie. Possui Licenciatura Plena em Filosofia pelas Faculdades Associadas do Ipiranga. Bacharel em Teologia — Se­minário Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição. Docente no Mestrado de Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E autor dos livros: O conceito de teobgia e pedagogia na

Didática magna de Comenius, A inter-relação da teobgia com a peda­gogia no pensamento de Comenius, Trabalho científico: teorias e aplica­

ções e Fundamentos da teologia da salvação. E um dos organizadores do livro O impacto da práxis religiosa na construção de vínculos sociais.

Possui artigos publicados em livros e revistas especializadas em edu­cação e religião. E editor da Revista de Ciências da Religião História

e Sociedade, do Programa de Mestrado de Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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