fundamentos da matemática

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1 Disciplina: Fundamentos da Matemática Prof. Dr. Antônio de Andrade e Silva UFPB – Tutor de EAD Curso de Matemática – UFPBVIRTUAL [email protected] Ambiente Virtual de Aprendizagem: Moodle www.ead.ufpb.br Site do Curso: www.mat.ufpb.br/ead Site da UFPBVIRTUAL: www.virtual.ufpb.br Telefone UFPBVIRTUAL (83) 3216 7257 Carga horária: 60 horas Créditos: 04 Ementa O Método Axiomático, Conjuntos, Conjuntos Parcialmente Ordenados, Axioma da Escolha e Aplicações, Números Naturais, Números Cardinais. Descrição Esta disciplina tem como objetivo levar o aluno a compreender os axiomas da Teoria dos Conjuntos, segundo “Zermelo-Fraenkel,” a ponto de aplicá-los em diferentes contextos tais como o axioma da escolha, modelagem de situações-problema envolvendo o princípio do máximo de Hausdorff, Lema de Zorn, conjuntos bem ordenados, construção dos números naturais, números cardinais. O programa da disciplina divide-se em seis unidades, das quais a primeira é responsável pela introdução do método axiomático e resultados utilizados em todo o texto. Em cada estudo específico, busca- se a caracterização do objeto por meio de propriedades que possibilitem ao estudante estabelecer correspondências entre determinadas situações-problema da vida real e a espécie de função focalizada, objetivando sua utilização na construção de uma tradução matemática da respectiva situação. Objetivos Uniformizar o conhecimento da Teoria dos Conjuntos via métodos axiomáticos e aplicar os mesmos ao estudo dos conjuntos, axioma da escolha e números. Assim, servir como ferramenta importante em outras disciplinas tais como Álgebra, Análise e Equações Diferenciais. Além disso, tem como finalidade desenvolver habilidades e atitudes no aluno que lhe permitam acompanhar e se adaptar ao desenvolvimento no âmbito da educação, ciência e tecnologia. Objetivos Específicos Ao final do curso, espera-se que o aluno esteja apto a: Construir os axiomas da Teoria dos Conjuntos, compreender as suas diferentes representações e aplicá-los a problemas relacionados; Construir o conceito de relação de ordem, ter ideia clara das suas diferentes representações e aplicá-lo a problemas relacionados; Interpretar o Axioma da Escolha e utilizá-lo nas aplicações; Compreender o conceito de números naturais; Construir via o método axiomático o conjunto dos números naturais; Ler, interpretar e comunicar ideias matemáticas. Conhecimentos Prévios Noções Básicas de Conjuntos, Relações e Funções, Conjuntos Enumeráveis e Não-Enumeráveis.

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Page 1: Fundamentos Da Matemática

1

Disciplina: Fundamentos da Matemática Prof. Dr. Antônio de Andrade e Silva UFPB – Tutor de EAD

Curso de Matemática – UFPBVIRTUAL [email protected]

Ambiente Virtual de Aprendizagem: Moodle www.ead.ufpb.br

Site do Curso: www.mat.ufpb.br/ead Site da UFPBVIRTUAL: www.virtual.ufpb.br

Telefone UFPBVIRTUAL (83) 3216 7257 Carga horária: 60 horas Créditos: 04 Ementa

O Método Axiomático, Conjuntos, Conjuntos Parcialmente Ordenados, Axioma da Escolha e Aplicações, Números Naturais, Números Cardinais. Descrição

Esta disciplina tem como objetivo levar o aluno a compreender os axiomas da Teoria dos Conjuntos, segundo “Zermelo-Fraenkel,” a ponto de aplicá-los em diferentes contextos tais como o axioma da escolha, modelagem de situações-problema envolvendo o princípio do máximo de Hausdorff, Lema de Zorn, conjuntos bem ordenados, construção dos números naturais, números cardinais.

O programa da disciplina divide-se em seis unidades, das quais a primeira é responsável pela introdução do método axiomático e resultados utilizados em todo o texto. Em cada estudo específico, busca-se a caracterização do objeto por meio de propriedades que possibilitem ao estudante estabelecer correspondências entre determinadas situações-problema da vida real e a espécie de função focalizada, objetivando sua utilização na construção de uma tradução matemática da respectiva situação.

Objetivos

Uniformizar o conhecimento da Teoria dos Conjuntos via métodos axiomáticos e aplicar os mesmos ao estudo dos conjuntos, axioma da escolha e números. Assim, servir como ferramenta importante em outras disciplinas tais como Álgebra, Análise e Equações Diferenciais. Além disso, tem como finalidade desenvolver habilidades e atitudes no aluno que lhe permitam acompanhar e se adaptar ao desenvolvimento no âmbito da educação, ciência e tecnologia. Objetivos Específicos

Ao final do curso, espera-se que o aluno esteja apto a:

Construir os axiomas da Teoria dos Conjuntos, compreender as suas diferentes representações e aplicá-los a problemas relacionados;

Construir o conceito de relação de ordem, ter ideia clara das suas diferentes representações e aplicá-lo a problemas relacionados;

Interpretar o Axioma da Escolha e utilizá-lo nas aplicações; Compreender o conceito de números naturais; Construir via o método axiomático o conjunto dos números naturais; Ler, interpretar e comunicar ideias matemáticas.

Conhecimentos Prévios

Noções Básicas de Conjuntos, Relações e Funções, Conjuntos Enumeráveis e Não-Enumeráveis.

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Unidade I O Método Axiomático

Introdução Histórica O Método Axiomático Características de um Sistema de Axiomas Independência de um Sistema de Axiomas

Unidade II Conjuntos

Introdução Histórica Conjunto Gráfico e Famílias Funções

Unidade III Conjuntos Parcialmente Ordenados

Ordem Isomorfismos Elementos Notáveis e Dualidade Conjuntos Bem Ordenados

Unidade IV Axioma da Escolha e Aplicações

Axioma da Escolha Aplicações, Princípio do Máximo de Hausdorff e Lema de Zorn Princípio da Boa Ordenação

Unidade V Números Naturais

Números Naturais Aritméticas dos Números Naturais

Unidade VI Números Cardinais

Conjuntos Equipotentes Números Cardinais Aritméticas dos Números Cardinais

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Unidade I O Método Axiomático 1. Situando a Temática

Quando falamos que um objeto pertence a outro objeto, queremos dizer, simplesmente, que o primeiro deles depende do segundo. Situações de pertinência fazem-se presentes constantemente em nossa vida. Por exemplo, um ponto pertence a uma reta.

A partir de agora, você está convidado a nos acompanhar neste passeio pelo mundo dos axiomas e postulados. Juntos analisaremos detalhadamente as caracterizações de um sistema de axiomas e a independência de um axioma. 2. Problematizando a Temática

No nosso dia-a-dia, os axiomas e postulados aparecem com mais frequência na Geometria Plana. Considere, por exemplo,

“Se uma linha reta intercepta duas outras linhas retas formando ângulos interiores no mesmo lado menor do que dois ângulos retos, as duas linhas retas, se prolongadas indefinidamente se interceptarão no lado em que a soma é menor que dois ângulos retos.”

Este e outros axiomas da Geometria Plana serão tratados nesta unidade. 3. Conhecendo a Temática

3.1 Introdução Histórica

Nesta seção apresentaremos um pouco da história do surgimento do método axiomático na matemática. O leitor interessado em mais detalhes pode consultar Wilder, R. L., [6].

Nos textos de Geometria Plana, visto no ensino fundamental, encontramos dois grupos fundamentais de afirmações, um chamado de axiomas e outro chamado de postulados. Formalmente:

Um axioma é uma afirmação que dispensa explicação, ou seja, é uma verdade universal.

Exemplo 1.1. 1. O todo é maior do que cada uma de suas partes. 2. O todo é a soma de suas partes. 3. Coisas iguais a uma outra coisa são iguais entre si.

Um postulado é um fato geométrico simples e óbvio que podemos supor sua validade.

Exemplo 1.2. 1. Dois pontos distintos determinam uma e somente uma reta. 2. Uma reta pode ser estendida indefinidamente. 3. Se r é uma reta e P é um ponto fora de r, então existe uma única reta s paralela à reta r e passando por P.

Um teorema é uma verdade que não se torna evidente senão por meio de uma prova.

Observação 1.3. Um teorema é composto de duas partes: Hipótese - É o conjunto de suposições. Tese - É a consequência que o raciocínio deduz da hipótese, por meio de verdades já conhecidas.

Exemplo 1.4. A soma dos ângulos internos de um triângulo vale dois ângulos retos.

Um corolário é uma proposição que é uma consequência de um teorema previamante provado.

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Esses agrupamentos de axiomas e postulados já eram conhecidos em Aristóteles (384-321, a. C.) e em Euclides (330-260, a. C.) como noções comuns e postulados. A partir dessas afirmações e de um certo número de definições, Euclides demonstrou 465 teoremas em uma sequência lógica. Por exemplo, o quinto postulado de Euclides, em sua forma original, foi enunciado como:

5E - Se uma linha reta intercepta duas outras linhas retas formando ângulos interiores no mesmo lado menor do que dois ângulos retos, as duas linhas retas, se prolongadas indefinidamente se interceptarão no lado em que a soma é menor que dois ângulos retos.

Proclus (Proclus Lycaeus, 412-485, d. C, filósofo grego) descreveu a controvérsia que estava se formando com relação a esse postulado mesmo nessa época, sendo ele próprio a favor da eliminação do postulado por classificá-lo de ingênuo, plausível e sem caráter de necessidade lógica.

No período Renascentista inciou-se novo período de controvércias com relação ao quinto postulado a partir dos outros postulados, ou seja, domonstrá-lo a partir dos outros postulados e axiomas da geometria usando princípios da lógica.

Duas retas distintas r e s, em Geometria Plana, são chamadas de paralelas se elas não se interceptam, isto é, r s∩ =∅ . Assim, atualmente, o quinto postulado de Euclides é enunciado como:

5E - Dada uma reta r e um ponto P fora de r, existe uma e somente uma reta s que contém P e é parelela à reta r.

Figura 1. Geometria Euclidiana.

Note que esse postulado afirma que retas paralelas existem.

No século dezenove, Lobachevsky (Nikolai Ivanovich Lobachevsky, 1792-1856, matemático russo) em 1820, Gauss (Carl Friedrich Gauss 1777-1855, matemático alemão) e Bolyai (János Bolyai, 1802-1860, matemático húngaro) em 1823, descobriam que poderiam obter uma teoria matemática "consistente" partindo de um postulado que afirma a existência de infinidade de retas paralelas contendo P.

Postulado de Lobachwsky-Gauss-Bolyai - Dada uma reta r e um ponto P fora de r, existem pelo menos duas retas s e t que contém P e são paralelas à reta r.

Figura 2. Geometria Hiperbólica.

Riemann (Georg Friedrich Bernhard Riemann, 1826-1866, matemático alemão), descobriu uma nova

geometria partindo de um postulado que nega a existência de retas paralelas.

Postulado de Riemann - Duas retas nunca são paralelas.

Page 5: Fundamentos Da Matemática

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Figura 3. Geometria Esférica.

Com esses postulados temos três tipos de geometrias. Em cada uma dessas geometrias é claro que

precisamos de muitos outros postulados. Hilbert (David Hilbert, 1862-1943, matemático alemão), em 1899, no seu célebre trabalho

“Fundamentos da Geometria”, apresenta a ideia de que apenas um nome - axiomas - deve ser usado com relação às proposições fundamentais, e que certos termos básicos como ponto e reta são deixados completamente indefinidos.

Embora esse trabalho de Hilbert seja reconhecido por muitos como sendo o primeiro a tratar de método axiomático em sua forma moderna, devemos reconhecer que ideias análogas também apareceram em trabalhos de outros estudiosos da época.

Em 1882 apareceu a primeira edição do livro de Pasch (Moritz Pasch, 1843-1930, matemático alemão) “Vorlesungen über Neuere Geometrie.” Pasch baseou seu tratamento da geometria em um pequeno número de “conceitos nucleares” e “proposições nucleares” que são introduzidas respectivamente sem definição e sem demonstrações, mas que ele acredita ter uma base comum de aceitação pela nossa experiência. Depois que o sistema básico de proposições (axiomas) é introduzido, a dedução lógica das outras proposições do sistema são obtidas de forma rigorosa. Suas ideias foram descritas por ele mesmo como segue:

“Na realidade, se a geometria deve ser dedutiva, a dedução deve ser independente do significado dos conceitos geométricos, da mesma forma que deve ser independente de diagramas; somente as relações especificadas nas proposições e definições empregadas podem ser usadas. Durante a demonstração é útil e correto, mas de modo algum necessário, pensar no significado dos termos; aliás, se for necessário proceder desse modo a ineficiência da prova está clara. Se, entretanto, um teorema é rigorosamente derivado de um conjunto de proposições (os axiomas), a demonstração tem um valor que transcende o objetivo inicial. Pois se substituirmos os termos geométricos nos axiomas por outros termos certos, proposições verdadeiras serão obtidas, então fazendo substituições análogas nos teoremas obteremos um novo teorema sem termos que repetir a demonstração”.

3.2 O Método Axiomático

Nesta seção apresentaremos alguns modelos axiomáticos que serão necessários para o desenvolvimetos destas notas.

O modelo axiomático organiza as matérias (teorias) de um modo sistemático a partir de proposições primitivas e definições, procedendo ao desenvolvimento por via dedutiva.

Um sistema de axiomas é uma coleção formada pelos termos indefinidos, axiomas e "teoremas." Agora, apresentaremos um sistema "parcial" de axiomas como uma amostra do modelo axiomático.

Exemplo 2.1. O sistema de axiomas S da Geometria Euclidiana (plana): Termos indefinidos: Ponto e Reta.

1E - Toda reta é uma coleção de pontos.

2E - Existem pelo menos dois pontos.

3E - Se P e Q são pontos distintos, então existe uma e somente uma reta contendo P e Q.

4E - Se r é uma reta, então existe um ponto fora de r.

5E - Dada uma reta r e um ponto P fora de r, existe uma e somente uma reta s que contém P e é parelela à reta r.

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Observação 2.2. O sistema de axiomas S da Geometria Plana (Euclidiana): 1. Ponto e reta desempenham o mesmo papel que as variáveis em equações algébricas, por exemplo,

2 2 2( ) ,x y x xy yx y+ = + + + com x e y representando qualquer objeto (número, matriz, etc.) de um certo conjunto especificado. 2. Note que o axioma 1E estabelece uma relação entre os termos indefinidos ponto e reta. 3. Vamos provar, com um exemplo, que o sistema de axiomas S não é adequado para a Geometria Plana. Seja C um cidade com duas bibliotecas distintas

1 2{ , },C b b= Em que os termos indefinidos são: “livro = ponto” e “biblioteca = reta”. Note que, o axioma 3E não é satisfeito, enquanto os outros o são. 4. Seja Z uma comunidade (um tetraedro) formada de quatro pessoas ( vértices)

{ , , , }Z a b c d= e seis clubes (arestas)

ab, ac, ad, bc, bd e cd, onde os termos indefinidos são:”pessoa = ponto” e “clube = reta.” Então todos os axiomas são satisfeitos.

Teorema 2.3. Todo ponto pertence a pelo menos duas retas distintas. Prova. Seja P um ponto qualquer. Pelo axioma 2E existe um ponto Q distinto de P. Pelo axioma 3E existe uma e somente uma reta r contendo P e Q. Além disso, pelo axioma 4E existe um ponto R fora de r. Novamente, pelo axioma 3E existe uma reta s contendo P e R. Finalmente, pelo axioma 1E temos que r s≠ , com r s { }P∩ = .

Figura 4. Esboço da Prova

Corolário 2.4. Toda reta contém pelo menos um ponto.

Prova. Pelo axioma 2E existe um ponto P e pelo Teorema 2.3 existem duas retas distintas r e s contendo P. Agora, suponhamos, por absurdo, que exista uma reta t sem pontos. Então, por definição, r e s são paralelas à reta t. Como P está fora de t temos, pelo axioma 5 ,E que existe uma e somente uma reta u contendo P e paralela à reta t, o que é uma contradição.

Teorema 2.5. Toda reta contém pelo menos dois pontos. Prova. Seja r uma reta qualquer. Pelo Corolário 2.4, r contém um ponto P e pelo Teorema 2.3, existe uma reta s distinta de r contendo P. Logo, existe um ponto Q tal que

( e ) ou ( e ).Q r Q s Q r Q s∈ ∉ ∉ ∈ Se Q r∈ , o Teorema está provado. Se Q s∈ , então, pelo axioma 4E existe um ponto R fora de s. Assim, temos duas possibilidades: se R r∈ , o Teorema está provado. Se R r∉ , então, pelo axioma 5E existe uma e somente uma reta t contendo R e paralela à reta s.

Afirmação. r t∩ ≠∅ . De fato, se ,r t∩ =∅ , então a reta t é paralela à reta r. Logo, r e s são retas contendo P e paralelas à reta t, o

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que contradiz o axioma 5E . Seja X r t∈ ∩ . Então X é distinto de P, pois P t∉ . Portanto, r contém pelo menos dois pontos P e X.

Figura 5. Esboço da Prova.

Corolário 2.6. Toda reta fica completamente determinada por quaisquer dois de seus pontos que

sejam distintos. Prova. Seja r uma reta qualquer. Então, pelo Teorema 2.5, a reta r contém dois pontos distintos P e Q. Portanto, pelo axioma 3E , a reta r é completamente determinada pelos pontos P e Q.

Teorema 2.7. Existem pelo menos quatro pontos distintos. Prova. Pelo axioma 2E existem pelo menos dois pontos distintos P e Q. Pelo axioma 3E existe uma única reta r contendo P e Q. Além disso, pelo axioma 4E existe um ponto R fora de r e, pelo axioma 5E , existe uma reta s contendo R e paralela à reta r. Finalmente, pelo Teorema 2.5, s contém um ponto X distinto de R. Portanto, existem pelo menos quatro pontos P, Q, R e X.

Figura 6. Esboço da Prova.

Teorema 2.8. Existem pelo menos seis retas distintas.

Prova. Pela prova do Teorema 2.7, existe uma reta r contendo P e Q; uma reta s paralela à reta r contendo pontos distintos R e S. Logo, pelo axioma 3E existem retas u e v contendo Q e S; P e R, respectivamente. Note que, Q v∉ , pois se ,Q v∈ então v r= e ,R r∈ o que é impossível. De modo inteiramente análogo, prova-se que S v∉ e , .P R u∉ Novamente, pelo axioma 3E existem retas t e x contendo P e S; Q e R, respectivamente. Observe que Q t∉ e .S x∉ Portanto, r, s, t, u, v e x são retas distintas.

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Figura 7. Esboço da Prova.

Note, nas provas dos resultados acimas, que as Figuras nos ajudam a memorizar os vários símbolos

( , , , )r P Q … bem como, seus significados de maneira mais fácil. Não obstante, nenhum significado especial foi dado aos termos “ponto” e “reta,” e, consequentemente, são válidas se substituirmos pessoas por pontos e duas pessoas por reta. Além disso, é claro que não provamos acima todos os teoremas possíveis.

Finalizaremos esta seção apresentado mais um exemplo de sistema de axiomas para definirmos um “corpo”.

Exemplo 2.9. O sistema axiomas F formado por um conjunto não vazio K de objetos (estruturas

algébricas).

Termos indefinidos: Elementos. O conjunto K é munido com duas operações binárias:

: :e

( , ) ( , ) ,K K K K K K

a b a b a b a b+ × → • × →

+ •

chamadas adição e multipicação, tais que os seguintes axiomas são satisfeitos: 1F - Sejam , , , .a b c d K∈ Se ,a c e b d= = então ,a b c d e a b c d+ = + • = • isto é, as operações + e •

estão bem definidas. 2F - ( ) ( ) ,a b c a b c+ + = + + para todos , , .a b c K∈

3F - Existe 0 K∈ tal que 0 0 ,a a a+ = + = para todo .a K∈

4F - Para cada a K∈ , existe a K− ∈ tal que ( ) ( ) 0.a a a a+ − = − + =

5F - ,a b b a+ = + para todos , .a b K∈

6F - ( ) ( ) ,a b c a b c• • = • • para todos , , .a b c K∈

7F - Existe 1 K∈ tal que 1 1 ,a a a• = • = para todo .a K∈

8F - O elemento 0 é diferente do elemento 1, isto é, K contém pelo menos dois elementos.

9F - Para cada {0}a K∈ − existe 1 .a K− ∈ tal que 1 1 1,a a a a− −• = • =

10F - ,a b b a• = • para todos , .a b K∈

11F - ( ) ,a b c a b a c• + = • + • para todos , , .a b c K∈

12F - ( ) ,a b c a c b c+ • = • + • para todos , , .a b c K∈

Teorema 2.10. Sejam , .a x K∈ Então 0a x a x+ = ⇒ = e 0 0 0a a• = • = . Prova. Pelo axioma 4 ,F 0 ( ) .a a= − + Logo, 0 ( ) ( ).a a x= − + + Assim, pelo axioma 2 ,F 0 ( ) ( ) (( ) )a a x a a x= − + + = − + + e pelos axiomas 4 3,F e F 0 0 .x x= + = Finalmente, pelo axioma 3F , 1 1 0.= + Logo, pelo axioma 1,F 1 (1 0).a a• = • + Assim, pelos axiomas 11 7 ,F e F 0.a a a= + • Portanto, 0 0.a • =

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3.3 Caracterização de um Sistema de Axiomas

Quando os termos indefinidos e os axiomas forem selecionados, como poderemos garantir que o sistema de axiomas obtido é adequado aos propósitos para que foi estabelecido? Se, por exemplo, ele foi estabelecido para servir de base para os fundamentos da Geometria Plana, então desejaríamos saber de alguma maneira se de fato os axiomas estabelecidos são suficientes. Outra questão que poderíamos abordar, é sobre a “independência” dos axiomas; algum dos axiomas pode ser provado a partir dos outros, e caso isto ocorra, não deveríamos enunciá-lo como um teorema para ser depois demonstrado?

A experiência tem mostrado, entretanto, que uma questão mais fundamental é a seguinte: o sistema implica teoremas contraditórios? Se isto ocorre, então é claro que alguma coisa está errada, e teremos então que eliminar este defeito antes de abordarmos qualquer outro aspecto. Consideraremos portanto esta questão em primeiro lugar.

Seja Σ um sistema de axiomas. Diremos que Σ é consistente se ele não implicar teoremas contraditórios. Caso contrário, diremos que Σ é inconsistente.

Observação 3.1. Como cada axioma é implicado pelo sistema, temos, em particular, que um sistema de axiomas consistentes não pode ter axiomas contraditórios.

Exemplo 3.2. Se acrescentarmos o axioma, 6E - “Existe no máximo três pontos,” ao sistema de axiomas S, então o sistema S é inconsistente, pois, contradiz o Teorema 2.7, “Existem pelo menos quatro pontos.”

Seja Σ um sistema de axiomas. Uma interpretação de Σ é uma atribuição de significados aos termos indefinidos do sistema, de modo que os axiomas se tornem simultaneamente proposições verdadeiras para todos os valores variáveis (por exemplo, pontos e retas no sistema S).

Exemplo 3.3. O conjunto Z de quatro moedas (de vértices de um tetraedro) é uma interpretação para o sistema S da Observação 2.2, onde moeda = ponto e par de moedas = reta (vértice = ponto e aresta = reta).

Exemplo 3.4. O conjunto dos números reais é uma interpretação para o sistema F do Exemplo 2.9.

Seja Σ um sistema de axiomas. Um modelo para Σ é o resultado de uma interpretação. Assim, o conjunto dos números reais é um modelo do sistema de axiomas F, e a coleção de quatro moedas (vértices) Z é também um modelo para o sistema S. Em geral, quando fazemos uma interpretação I de um sistema de axiomas Σ, o modelo resultante da interpretação será representado por M(I).

Para alguns modelos de um sistema de axiomas Σ, alguns axiomas do sistema podem ser verdadeiros por vacuidade, isto é, axiomas da forma “se ..., então ...” ( p q→ ), que chamaremos de “axiomas condicionais,” podem ser verdadeiros quando interpretados simplesmente, porque a parte condicional “se ...” não é satisfeita pelo modelo.

Exemplo 3.5. Sejam p a sentença “dois ângulos opostos pelo vértice” e q a sentença “dois ângulos congruentes.” Então comprove intuitivamente a tabela da sentença p → q sendo verdadeira se pudermos desenhar o diagrama dos ângulos, caso contrário falsa.

p q p → q (-p) ∨ q V V V V V F F F F V F V F F V V

Seja Σ um sistema de axiomas. Diremos que Σ é satisfatório se ele admitir uma interpretação.

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Exemplo 3.6. Os sistemas de axiomas S e F da Observação 2.2 e do Exemplo 2.9, respectivamentes, são satisfatórios.

Vamos determinar um método de verificarmos a consistência de um sistema de axiomas Σ. Para isso, vamos relembrar dois princípios da lógica clássica (Aristoteliana). Seja p uma sentença (ou proposição). Então: 1. Princípio da contradição. Se p é verdadeira, então ∼p é falsa, isto é, dadas duas proposições

contraditórias uma delas é falsa. 2. Princípio do terceiro excluído. p ou ∼p é sempre verdadeira, isto é, dadas duas proposições contraditórias uma delas é sempre verdadeira.

Exemplo 3.7. Seja p a proposição “hoje é quarta-feira.” O princípio da contradição vale, pois hoje não pode ser ambos quarta-feira e quinta-feira. O princípio do terceiro excluído afirma p ou ∼p é sempre verdadeira.

Exemplo 3.8. Seja A um conjunto e P(x) uma propriedade “a qual é significativa para cada elemento x em A.” O princípio do terceiro excluído afirma ou existe um x A∈ tal que P(x) é verdadeira ou ao contrário, para todo x A∈ , P(x) é falsa.

Seja Σ um sistema de axiomas. Uma Σ-proposição é uma proposição que pode ser expressa com base nos termos indefinidos e universais de Σ.

Exemplo 3.9. Os axiomas e teoremas de Σ são Σ-proposição.

Vamos enunciar mais dois princípios da lógica aplicados ao sistema de axiomas Σ.

I. Todas as proposições implicadas pelos axiomas de Σ, são verdadeiras para todos os modelos de Σ.

II. O princípio da contradição se aplica a todas as proposições sobre um modelo de Σ, desde que elas sejam Σ-proposições cujos termos técnicos tenham os siginificados dados na interpretação.

Sejam Σ um sistema de axiomas e I uma interpretação de Σ. Uma (Σ,I)-proposicão é o resultado de

atribuirmos aos termos técnicos em uma Σ-proposição seus significados em I. Assim, os princípios (I) e (II) podem ser enunciados como seguem:

I. Toda (Σ,I)-proposição, tal que a correspondente Σ-proposição é implicada por Σ, é verdadeira para M(I).

II. (Σ,I)-proposições contraditórias não podem ser ambas verdadeiras para M(I).

Teorema 3.10. Seja Σ um sistema de axiomas. Se Σ é satisfatório, então ele é consistente. Prova. Suponhamos, por absurdo, que Σ seja inconsistente. Então existem duas Σ-proposições contraditórias em Σ. Logo, pelo princípio (I), essas proposições podem ser vistas como (Σ,I)-proposições e são ambas verdadeiras para M(I), o que contradiz o princípio (II). Portanto, Σ é um sistema consistente.

Observação 3.11. Seja Σ um sistema de axiomas. A existência de uma interpretação em Σ garante a sua consistência.

Exemplo 3.12. A interpretação garante a consistência do sistema de axiomas F do Exemplo 2.9.

Sejam Σ um sistema de axiomas satisfatório e 1, , nA A… os axiomas de Σ. Diremos que um axioma

jA é independente em Σ se o sistema de axiomas

( ) ( ), 1, , ,j jA A j nΣ− + =∼ … for satisfatório.

Page 11: Fundamentos Da Matemática

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Observação 3.13. Sejam Σ um sistema de axiomas e 1, , nA A… os axiomas de Σ. Se jA for provado

pelo sistema de axiomas jAΣ− , então jA não é independente. Neste caso, todo modelo que satisfaça

jAΣ − satisfaz necessariamente jA (prove isso!). Portanto, não podemos achar uma interpretação para

jAΣ − , que não seja interpretação de jA .

Exemplo 3.14. O axioma 5E do sistema de axiomas S da Observação 2.2 é independente.

Solução. Seja 6E o seguinte axioma: “existe uma reta r e um ponto P fora de r tal que não existe nenhuma reta s contendo P e paralela à reta r.”

Afirmação. 6E = ∼ 5E e (S - 6E ) + 6( )E∼ é um sistema de axiomas satisfatório. De fato, seja T o conjunto dos vértices de um triângulo equilátero, onde “vértice = ponto” e “aresta = reta.” Então T é uma interpretação para (S - 6E ) + 6( )E∼ . Portanto, (S - 6E ) + 6( )E∼ é um sistema de axiomas satisfatório e 5E é independente em S.

Exemplo 3.15. O axioma 9F do sistema axiomas F do Exemplo 2.9 é independente. Solução. Sejam 13F o axioma: “para cada {0}a K∈ − , não existe 1a K− ∈ tal que 1 1 1a a a a− −• = • = .”

Afirmação. 13F = 9F∼ e (F - 13F ) + 13( )F∼ é um sistema de axiomas satisfatório. De fato, o conjunto dos números inteiros ℤ, com as operações usuais de adição e multiplicação, é uma interpretação para (F - 13F ) + 13( )F∼ . Portanto, (F - 13F ) + 13( )F∼ é um sistema de axiomas satisfatório e

9F é independente em F.

Exemplo 3.16. O axioma 5F do sistema axiomas F do Exemplo 2.9 não é independente. Solução. Vamos desenvolver ( ) (1 1)a b+ +i de duas maneiras: Pelos axiomas 11F , 7F e 2F , obtemos

(a + b)•(1 + 1) = (a + b)•1 + (a + b)•1 = (a + b) + (a + b) = a + (b + a) + b. Por outro lado, pelos axiomas 12F , 7F e 2F , obtemos

(a + b)•(1 + 1) = a•(1 + 1) + b•(1 + 1) = (a + a) + (b + b) = a + (a + b) + b. Logo,

a + (b + a) + b = a + (a + b) + b. Portanto, pelos axiomas 3F , 4F e 2F , obtemos

[0 ( )] 0 ( ) [ ( ) ] ( )( ) [ ( ) ] ( ) [0 ( )] 0 ,

a b a b a a a b b ba a b a b b b a b a

+ = + + + = − + + + + + −= − + + + + + − = + + + = +

que é o resultado desejado.

Sabemos que com o sistema axiomas S não podemos provar todos os teoremas da Geometria Plana (Euclidiana). Na realidade vimos uma interpretação para o sistema S com apenas um número finito de pontos. É claro que isto não deveria ocorrer se fosse um sistema adequado para o estudo da Geometria Plana.

Agora, vamos iniciar a noção de completividade de um sistema de axiomas, com a ideia de serem os axiomas desses sistemas suficientes para provarmos todos os teoremas, podemos afirmar que se encontrarmos um teorema tal que, tanto ele como sua negação não podem ser provados no sistema, então esse “teorema” é um candidato a um novo axioma do sistema.

Seja Σ um sistema de axiomas. Diremos que Σ é independente se todos os axiomas de Σ o são.

Exemplo 3.17. O sistema axiomas F do exemplo 2.9 não é independente. Seja Σ um sistema de axiomas. Diremos que Σ é completo se não existir uma Σ-proposição p tal que

Page 12: Fundamentos Da Matemática

12

p seja um axioma independente em Σ + p, isto é, os sistemas de axiomas Σ + p e Σ + ∼p sejam satisfatórios.

Observação 3.18. Seja Σ um sistema de axiomas. Vimos que Σ é completo se for impossível adicionar-lhe um novo axioma independente. Neste caso os termos indefinidos devem permanecer os mesmos.

Exemplo 3.19. O sistema de axiomas S da Observação 2.2 não é completo. Pois se 6E é o axioma: “existem no máximo quatro pontos,” então S + 6E e S + 6( )E∼ são satisfatórios, um vez que, o primeiro admite a interpretação das quatro moedas e o segundo admite a interpretação da Geometria Plana.

Sejam Σ um sistema de axiomas e 1M , 2M dois modelos para Σ. Diremos que 1M é isomorfo a

2M se existir uma função bijetora de 1M sobre 2M que preserva as Σ-proposições.

Exemplo 3.20. Seja S′ = S + 6E um sistema de axiomas, onde S é o sistema de axiomas da Observação 2.2. Então os modelos 1M = M( 1I ) e 2M = M( 2I ), onde 1I = vértices do tetraedro e 2I = coleção de quatro moedas, para S′ são isomorfos.

Com a definição de isomorfismo à nossa disposição, podemos determinar um método que nos permita verificar a completividade de um sistema de axiomas. Este método baseia-se no seguinte conceito:

Seja Σ um sistema de axiomas. Diremos que Σ é categórico se quaisquer dois modelos para Σ são isomorfos com relação a Σ.

Teorema 3.21. Seja Σ um sistema de axiomas. Se Σ é categórico, então ele é completo. Prova. Suponhamos, por absurdo, que Σ não seja completo. Então existe uma Σ-proposição p tal que Σ + p e Σ + (∼p) sejam satisfatórios. Logo, existe uma interpretação 1I para Σ + p e 2I para Σ + (∼p), respectivamente. Como Σ é categórico, temos que existe uma função bijetora

1 2: ( ) ( )M I M Iϕ → que preserva Σ-proposições, o que é uma contradição, pois p é verdadeira em M( 1I ) e falsa em M( 2I ). 4. Avaliando o que foi construído

Vimos, nesta unidade, que o método axiomático possui as seguintes vantagens: primeiro é a “economia” que obtemos quando um sistema de axiomas Σ possui muitos modelos em diferentes ramos da matemática; pois um único teorema em Σ fornece um teorema em cada intepretação; sem que seja necessário uma prova especial uma vez que o teorema foi provado no sistema Σ. Outra grande vantagem do método axiomático que merece especial atenção é o caráter de definição implícita. Embora a origem e o desenvolvimento matemático podem ocorrer por linhas inteiramente diversas, uma vez o conceito estabelecido, a sua caracterização axiomática é extremamente vantajosa. Por exemplo, o desenvolvimento do sistema de números reais, que forma os fundamentos da moderna Análise, evoluiu vagarosamente durante muitos séculos.

Atualmente, como veremos neste texto, podemos dar uma definição axiomática precisa e estudarmos suas propriedades através de teoremas baseados nos axiomas. Muitos outros conceitos matemáticos se desenvolveram de modo análogo.

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Unidade II Conjuntos 1. Situando a Temática

A teoria avançada dos conjuntos foi desenvolvida por volta do ano 1872 por Cantor (Georg Cantor, 1845-1918, matemático alemão) e aperfeiçoada no início do século XX por outros matemáticos, entre eles, Zermelo (Ernst Zermelo, 1871-1956, matemático alemão), Skolem (Thoralf Albert Skolem, 1887-1963, matemático norueguês), Fraenkel (Adolf Fraenkel, 1891-1965, matemático alemão), Gödel (Kurt Gödel, 1906-1978, matemático austríaco), von Neumann (John von Neumann, 1903-1957, matemático húngaro), entre outros.

O que se estuda deste assunto no ensino fundamental, é tão somente uma introdução elementar à teoria dos conjuntos, base para o desenvolvimento de temas futuros, a exemplo de relações, funções, análise combinatória, probabilidades, etc.

Nesta unidade vamos nos dedicar ao estudo dos conjuntos via método axiomático. 2. Problematizando a Temática

É comum na Teoria dos Conjuntos, se ouvirem frases como:

(...) um “conjunto” é qualquer coleção, dentro de um todo de objetos definidos e distinguíveis, chamados de elementos ou membros, de nossa intuição ou pensamento.

G. Cantor (1895).

(...) por “conjunto” nada mais do que um objeto do qual se sabe não mais e quer-se saber não mais do que aquilo que se segue dos postulados.

J. von Neumann (1928).

Esta e outras afirmações sobre definições de conjuntos vão ser contornadas via método axiomático, em que “conjunto” é um termo indefinido. 3. Conhecendo a Temática

3.1 Introdução Histórica

É importante observar que o matemático usa a palavra “definição” em um sentido diferente daquele do dicionário, ou seja, quando um matemático dá uma definição, pretende-se que não será um mero sinônimo que o leitor possa saber o significado, mas um critério para identificação; uma “caracterização” da coisa definida.

Um paradoxo ou antinomia é uma contradição entre duas proposições ou princípios. Tomando uma abordagem informal ou ingênua que qualquer coleção de objetos é um conjunto, podem ocorrer os seguintes fatos: 1) Se A é o conjunto de todos os animais da terra, então A A∉ . 2) Se ℕ é o conjunto de todos os “números naturais,” então ∉N N . 3) Se B é o conjunto de todas as coisas abstratas, então B B∈ . 4) Se C é o conjunto de todos os conjuntos, entãoC C∈ .

Vamos apresentar os paradoxos de Russell (Bertrand Arthur William Russell, 1872-1970, matemático e filósofo inglês).

Paradoxo Lógico (1902). Seja { : }R A C A A= ∈ ∉ .

Page 14: Fundamentos Da Matemática

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Então: 1. R R∈ . 2. R R∉ . Solução. (1) R R∈ é impossível, pois se R R∈ , então, por definição, R R∉ , o que é uma contradição. (2) R R∉ é impossível, pois se R R∉ , então, por definição, R R∈ , o que é uma contradição. Portanto,

R R R R∈ ⇔ ∉ , o que contradiz o princípio do terceiro excluído.

Paradoxo Semântico (1906, atribuído por Russell a G. G. Berry). Seja T = {x : x é um número inteiro positivo que pode ser descrito por uma frase com menos de vinte palavras da língua portuguesa}. Então existe um inteiro positivo 0x tal que 1. 0x T∉ .

2. 0x T∈ . Solução. Suponhamos que as palavras da língua portuguesa estejam catalogadas em um dicionário. Então T é finito, pois um dicionário contém apenas um número finito de palavras e o número de frases envolvendo menos de vinte palavras é finito. Assim, existem inteiros positivos que são maiores do que todos os outros inteiros positivos de T. Portanto, existe um menor inteiro positivo 0x que é maior do que todos os inteiros positivos de T. Então 0x T∉ . Por outro lado, como 0x = menor inteiro positivo que não pode ser descrito por uma frase com menos de vinte palavras da língua portuguesa (19 palavras) temos que

0x T∈ , o que contradiz o princípio do terceiro excluído.

Com o surgimento dos paradoxos houve muita controvérsia por parte dos matemáticos da época. Mas, com o trabalho de Dedekind (Julius Wilhelm Richard Dedekind, 1831-1916, matemático alemão) em 1888 mostrando que os nossos “números naturais” podem ser construídos por meio da teoria elementar dos conjuntos:

0 , 1 { }, 2 { ,{ }},=∅ = ∅ = ∅ ∅ … , a teoria passou a ser aceita.

Enunciaram-se, em 1905, várias correntes para contornar os paradoxos, as quais podemos classificar em três grupos: Axiomático, Logicista e Intuicionista.

A primeira axiomatização da Teoria dos Conjuntos foi dada por Zermelo em 1908, com certas modificações em 1922 devidas a Skolem e Fraenkel. No sistema de axiomas ZF os termos indefinidos e relações indefinidas são: Conjunto e Pertinência.

3.2 Conjuntos

Embora a ideia intuitiva de conjunto dada, no curso de Matemática Elementar, seja suficiente para os nossos propósitos, uma exposição geral da Teoria dos Conjuntos requer mais precisão, pois a não axiomatização da Teoria dos Conjuntos nos leva a várias contradições. Sendo assim, nesta seção iniciaremos o estudo formal da Teoria dos Conjuntos segundo Zermelo-Fraenkel.

Intuitivamente um conjunto é uma coleção de objetos A tal que dado qualquer objeto X é possível determinar se X A∈ ou se X A∉ .

As letras a,b,c,… serão usadas somente para indicar elementos e A, B, C,… elementos ou conjuntos. Assim, se x é um conjunto e existe um conjunto A tal que x A∈ , diremos que x é um elemento. Além disso, uma sentença do tipo

: ( , , )x y z p x y z∀ ∃ ∀ . Lê-se “para cada x existe um y tal que, para cada z, p(x,y,z) é verdadeira,” sua negação é

: ( , , )x y z p x y z∃ ∀ ∃ ∼ . Lê-se “existe um x para cada y tal que, existe z, p(x,y,z) é falsa.” Note que na negação mantivemos a ordem das variáveis.

Page 15: Fundamentos Da Matemática

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Sejam A e B dois conjuntos. Diremos que A e B são iguais se, e somente se, eles têm os mesmos elementos. Em símbolos,

[ e ]A B x x A x B x B x A= ⇔∀ ∈ ⇒ ∈ ∈ ⇒ ∈ . Esta definição implica a seguinte propriedade:

[ e ]x A A B x B∈ = ⇒ ∈ . Essa propriedade é nosso primeiro axioma.

1ZF - Axioma da extensão. [ ]x A e x y y A∈ = ⇒ ∈ .

Sejam A e B dois conjuntos. Diremos que A está contido em B ou A é um subconjunto de B se qualquer elemento de A é um elemento de B, em símbolos,

[ ]A B x x A x B⊆ ⇔∀ ∈ ⇒ ∈ . Neste caso, A B= significa que A B⊆ e B A⊆ .

Se A B⊆ e A B≠ ( A B∼ = ), diremos que A está contido propriamente em B ou A é um subconjunto próprio de B e denotaremos por A B⊂ .

Teorema 2.1 Sejam A, B e C três conjuntos. Então: 1. A A= . 2. A B B A= ⇒ = . 3. e A B B C A C= = ⇒ = . 4. A A⊆ . 5. e A B B A A B⊆ ⊆ ⇒ = 6. e A B B C A C⊆ ⊆ ⇒ ⊆ . Prova. Vamos provar apenas o item (3).

[ e ]A B x x A x B x B x A= ⇔∀ ∈ ⇒ ∈ ∈ ⇒ ∈ e

[ e ]B C x x B x C x C x B= ⇔∀ ∈ ⇒ ∈ ∈ ⇒ ∈ . Pela primeira e terceira dessas afirmações, obtemos

[ ]x x A x C A C∀ ∈ ⇒ ∈ ⇔ ⊆ . Pela segunda e quarta dessas afirmações, obtemos

[ ]x x C x A C A∀ ∈ ⇒ ∈ ⇔ ⊆ . Portanto, A C= .

2ZF - Axioma da construção de conjuntos. Seja P(x) uma propriedade ou uma afirmação com relação a x, a qual pode ser expressa inteiramente em termos dos símbolos

, , , , , , , colchetes e variáveis livres , , , , , ,x y z A B C∈ ∨ ∧ ∼ ⇒ ∃ ∀ … Então existe um conjunto C que consiste de todos os elementos x que satisfazem P(x) e denotaremos por

{ : ( )}C x P x= e lê-se: “o conjunto de todos os elementos x que satisfazem a propriedade P(x).”

Observação 2.2. 1. O axioma 2ZF é também conhecido como Axioma da separação, Axioma da compreensão, ou ainda,

Axioma de especificação. Esse axioma é na verdade uma “família” de axiomas, pois para cada propriedade P(x) temos um axioma.

2. Note que o axioma 1ZF , garante que o conjunto C é unicamente determinado, pois se D é o conjunto de todos os elementos x que satisfazem P(x), então qualquer elemento de C é um elemento de D e vice-versa. Portanto, C D= .

3. Em geral, a propriedade P(x) é uma fórmula.

Page 16: Fundamentos Da Matemática

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4. O axioma 2ZF nos permite formar o conjunto de todos os “elementos” x que satisfazem P(x), mas não o conjunto de todas os “conjuntos” x que satisfazem P(x). Assim, eliminamos todos os paradoxos lógicos.

5. O axioma 2ZF admite somente as afirmações P(x) que podem ser escritas inteiramente em forma de símbolos

, , , , , , , colchetes e variáveis livres , , , , , ,x y z A B C∈ ∨ ∧ ∼ ⇒ ∃ ∀ … Assim, eliminamos todos os paradoxos semânticos.

Sejam A e B dois conjuntos. A união ou a reunião de A e B é o conjunto de todos os elementos que pertencem a A ou a B ou a ambos. Em símbolos,

{ : ou }A B x x A x B∪ = ∈ ∈ . Assim,

[ ou ]x x A B x A x B∀ ∈ ∪ ⇔ ∈ ∈ . A interseção de A e B é o conjunto de todos os elementos que pertencem a ambos os conjuntos A e B. Em símbolos,

{ : e }A B x x A x B∩ = ∈ ∈ . Assim,

[ e ]x x A B x A x B∀ ∈ ∩ ⇔ ∈ ∈ . Note que pelo axioma 2ZF , os conjuntos A∪B e A∩B, estão bem definidos.

O conjunto universal U é um conjunto que tem a propriedade de conter como subconjuntos todos os conjuntos em pauta.

O conjunto vazio ∅ é o conjunto sem nenhum elemento. A existência do conjunto vazio será dada pelo axioma 9ZF . Note que se existem dois conjuntos A e B sem elementos, então A B= . De fato,

[ ]x x A x B∀ ∈ ⇒ ∈ , é uma afirmação verdadeira, pois é uma implicação com um antecedente falso (confira Exemplo 3.5 da unidade I). De modo inteiramente análogo, prova-se a outra inclusão.

Sejam A e B dois conjuntos. Diremos que A e B são disjuntos se eles não têm elementos em comum. Em símbolos,

A B∩ =∅ . O complementar de A é o conjunto de todos os elementos que não pertencem a A. Em símbolos,

{ : }A x x A′ = ∉ . Assim,

[ ]x x A x A∀ ∈ ′⇔ ∉ . A diferença de A e B é o conjunto de todos os elementos de A que não pertencem a B. Em símbolos,

{ : e }A B x x A x B− = ∈ ∉ . Assim,

[ e ]x x A B x A x B∀ ∈ − ⇔ ∈ ∉ . Note que A B A B− = ∩ ′ e, pelo axioma 2ZF , o conjunto A B− está bem definido.

É instrutivo observar que o relacionamento entre os conjuntos pode ser representado graficamente por meio de uma linha fechada e não entrelaçada, quando a linha fechada é um círculo, chamaremos de diagrama de Venn.

Teorema 2.5. Sejam A, B e C três conjuntos. Então: 1. eA A U∅⊆ ⊆ . 2. eA A B B A B⊆ ∪ ⊆ ∪ . 3. eA B A A B B∩ ⊆ ∩ ⊆ , 4. A B A B B A B A⊆ ⇔ ∪ = ⇔ ∩ = 5. ( ) e ( )A A B A A A B A∪ ∩ = ∩ ∪ = . 6. ( ) e ( )A B A B A B A B∪ ′ = ′∩ ′ ∩ ′ = ′∪ ′ . (Lei de De Morgan) 7. ( ) ( ) e ( )A B C A B C A B C A B C∪ ∪ = ∪ ∪ ∩ ∩ = ∩ ∩

Page 17: Fundamentos Da Matemática

17

Prova. Vamos provar apenas uma afirmação do item (6). ( )[ ( ) ( ) ou x A e x B x A B ]x x A B x A B x A x B∀ ∈ ∪ ′⇔ ∉ ∪ ⇔ ∉ ∉ ⇔ ∈ ′ ∈ ′⇔ ∈ ′∩ ′ ,

que é o resultado desejado.

3.3 Gráficos e Famílias

Seja a um elemento. Então, pelo axioma 2ZF , obtemos o conjunto { } { : }a x x a= = .

Assim, a é o único elemento do conjunto { }a . Sejam a e b elementos. Então, pelo axioma 2ZF , obtemos o conjunto

{ , } { : ou }a b x x a x b= = = . De modo inteiramente análogo, obtemos os conjuntos

{ , , }, { , , , }a b c a b c d e, assim por diante. Isto motiva o axioma.

3ZF - Axioma do par (não ordenado). Se a e b são elementos, então { , }a b é um elemento.

Observação 3.1 1. O axioma 3ZF é equivalente a: dados dois conjuntos quaisquer existe um conjunto ao qual eles

pertencem. Mais precisamente, dados dois conjuntos quaisq uer A e B, existe um conjunto C tal que [ ou ]x x C x A x B∀ ∈ ⇔ = =

2. É claro que { , } { }a a a= . Assim, fazendo a b= no axioma 3ZF , obtemos “se a é um elemento, então { }a é um elemento”, ou seja, existem conjuntos unitários. Em particular, ∅ e { }∅ são conjuntos distintos. Neste caso, existe uma ”infinidade” de conjuntos.

3. Note que a A∈ se, e somente se, { }a A⊆ . 4. Se A é um conjunto, então

{ : }x x A A∈ = .

Teorema 3.2. Se { , } { , }x y u v= , então [ e ] ou [ e ]x u y v x v y u= = = = . Prova. Há dois casos a serem considerados:

1. Casoo . Se x y= , então, pelo axioma 1ZF , { , } { }x y x= . Portanto, por hipótese, x u v y= = = .

2. Casoo . Se x y≠ , então, pelo xioma 1ZF , [ ou ]x u x v= = e [ ou ]y u y v= = . Se x u= e { , } { , }y u y u v∈ = , então y v= , pois x y≠ . Se x v= e { , } { , }y v y u v∈ = , então y u= , pois x y≠ .

Portanto, em qualquer caso, [ e ] ou [ e ]x u y v x v y u= = = = .

Sejam a e b elementos. O conjunto {{ },{ , }}a a b chama-se par ordenado. Em símbolos, ( , ) {{ },{ , }}a b a a b= .

Observação 3.3. ( , ) {{ },{ , }} {{ },{ , }}b a b b a b a b= = . Neste caso, fica clara a distinção entre os

pares ordenados ( , )a b e ( , )b a .

Teorema 3.4. Se ( , ) ( , )a b c d= , então ea c b d= = . Prova. Por definição, obtemos

{{ },{ , }} {{ },{ , }}a a b c c d= . Então, pelo Teorema 3.2,

Page 18: Fundamentos Da Matemática

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[{ } { } e { , } { , }] ou [{ } { , } e { , } { }]a c a b c d a c d a b c= = = = . Se { } { }a c= e { , } { , }a b c d= , então a c= e, pelo Teorema 3.2, [ e ] ou [ e ]a c b d a d b c= = = = . Assim, a c= e b d= ou b c a d= = = . Se { } { , }a c d= e { , } { }a b c= , então a c d= = , pois

, { , }c d c d∈ . Por outro lado, b c= , pois { , }b a b∈ . Portanto, a b c d= = = .

Sejam A e B dois conjuntos. O produto cartesiano de A e B é o conjunto de todos os pares ordenados ( , )a b , onde a A∈ e b B∈ . Em símbolos,

{( , ) : e } { : ( , ), para algum e }A B a b a A b B x x a b a A b B× = ∈ ∈ = = ∈ ∈ .

Teorema 3.5. Sejam A, B, C e D quatro conjuntos. Então: 1. ( ) ( ) ( )A B C A B A C× ∩ = × ∩ × . 2. ( ) ( ) ( )A B C A B A C× ∪ = × ∪ × . 3. ( ) ( ) ( ) ( )A B C D A C B D× ∩ × = ∩ × ∩ . Prova. Vamos provar apenas o item (3).

( , ) [( , ) ( ) ( ) ( , ) e ( , )( e ) e ( e )( e ) e ( e )

e ( , ) ( ) ( )],

x y x y A B C D x y A B x y C Dx A y B x C y Dx A x C y B y D

x A C y B D x y A C B D

∀ ∈ × ∩ × ⇔ ∈ × ∈ ×⇔ ∈ ∈ ∈ ∈⇔ ∈ ∈ ∈ ∈⇔ ∈ ∩ ∈ ∩ ⇔ ∈ ∩ × ∩

que é o resultado desejado.

Um gráfico é qualquer conjunto de pares ordenados ( , )x y de U U× , isto é, qualquer subconjunto de U U× . Se G é um gráfico, então o gráfico inverso 1G− de G definido como

1 {( , ) : ( , ) }G y x x y G− = ∈ . O domínio do gráfico G é o conjunto

Dom( ) { : tal que ( , ) }G x y x y G= ∃ ∈ . E a imagem do gráfico G é o conjunto

Im( ) { : tal que ( , ) }G y x x y G= ∃ ∈ . Note que se A e B são conjuntos, então A×B é um gráfico.

Sejam G e H dois gráficos. Então o gráfico G H é definido como {( , ) : tal que ( , ) e ( , ) }G H x y z x z H z y G= ∃ ∈ ∈ .

Teorema 3.6. Sejam G, H e J três gráficos. Então:

1. ( ) ( )G H J G H J= . 2. 1 1( )G G− − = . 3. 1 1 1( )G H H G− − −= . 4. 1Dom( ) Im( )G G−= e 1Im( ) Dom( )G G−= . 5. Dom( ) Dom( )G H H⊆ e Im( ) Im( )G H G⊆ . Prova. Vamos provar apenas o item (3).

1

1 1 1 1

( , ) [( , ) ( ) ( , ) tal que ( , ) ( , )tal que ( , ) ( , ) ( , ) ],

x y x y G H y x G H z y z H e z x Gz x z G e z y H x y H G

− − − −

∀ ∈ ⇔ ∈ ⇔ ∃ ∈ ∈

⇔ ∃ ∈ ∈ ⇔ ∈

que é o resultado desejado.

Seja I um conjunto não vazio. Se a cada elemento i I∈ associarmos um conjunto iA , então o conjunto

{ } { : }i i I iA A i I∈ = ∈ ,

Page 19: Fundamentos Da Matemática

19

chama-se família de conjuntos (indexada), e I chama-se conjunto de índices para a família. Observe que qualquer conjunto C cujos elementos são conjuntos pode ser convertido para uma família de conjuntos pelo autoíndice, ou seja, usaremos o conjunto C ele próprio como conjunto de índices e associaremos a cada elemento do conjunto o conjunto que o representa. Em símbolos,

{ } { : }A CA A A C∈ = ∈ . Note que a família de conjuntos

{1,2},{3,4},{5,6}, ,{2 1,2 },n n−… … pode ser considerada como uma família de conjuntos indexada pelo conjunto dos números naturais N , em que {2 1,2 }nA n n= − , para todo n∈N . Portanto,

{ } { : }n n nA A n∈ = ∈N N

Observação 3.7. Formalmente, uma família { }i i IA ∈ é um gráfico G, cujo Dom( )G I= e

{ : ( , ) }iA x i x G= ∈ .

Exemplo 3.8. Se {1,2}I = , 1 { , }A a b= e 2 { , }A c d= , então

{ } {(1, ), (1, ), (2, ), (2, )}i i IA G a b c d∈ = = .

Seja { }i i IA ∈ uma família de conjuntos. A união dos conjuntos iA é o conjunto de todos os

elementos que pertencem a pelo menos um conjunto iA da família. Em símbolos,

{ : , com }i ii IA x i I x A

∈= ∃ ∈ ∈∪ ,

ou ainda, { : , para algum }i ii I

A x x A i I∈

= ∈ ∈∪ .

A interseção dos conjuntos iA é o conjunto de todos os elementos que pertencem a todas os conjuntos iA da família. Em símbolos,

{ : , }i ii IA x i I x A

∈= ∀ ∈ ∈∩ ,

ou ainda, { : , para todo }i ii I

A x x A i I∈

= ∈ ∈∩ .

4ZF - Axioma de subconjunto. Qualquer subconjunto de um conjunto é um conjunto.

Observação 3.9. Sejam A e B dois conjuntos. Já vimos, no item (3) do Teorema 2.5, que A B A∩ ⊆ . Portanto, pelo axioma 4ZF , A B∩ é um conjunto.

5ZF - Axioma da união. Se C é um conjunto de conjuntos, então

{ : , para algum }A C

A x x A A C∈

= ∈ ∈∪

é um conjunto.

Observação 3.10. Sejam A e B dois conjuntos. Então, pelo axioma 3ZF , { , }A B é um conjunto. Assim, por definição,

{ , }{ : , para algum { , }}

X A BX x x X X A B A B

∈= ∈ ∈ = ∪∪ .

Portanto, pelo axioma 5ZF , A B∪ é um conjunto.

Exemplo 3.11. Seja G um gráfico. Mostre que se G é um conjunto, então Dom( )G e Im( )G são conjuntos.

Page 20: Fundamentos Da Matemática

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Solução. Primeiro note que , ( , )a b a b∈∪ . Seja x Dom( )G∈ . Então existe y tal que ( , )x y G∈ . Logo,

( , )x y G∈∪ , pois os elementos de G são conjuntos. Em particular, { }x G∈∪ . De modo inteiramente análogo, ( )x G∈∪ ∪ . Portanto, Dom( ) ( )G G⊆ ∪ ∪ , ou seja, Dom( )G é um conjunto.

Seja A um conjunto. O conjunto das potências de A é o conjunto de todos os subconjuntos de A. Em símbolos,

( ) 2 { : }AA X X A= = ⊆P . Note que pelo axioma 4ZF , ( )AP é o conjunto de todos os subconjuntos X que satisfazem a propriedade X A⊆ . Portanto, pelo axioma 2ZF , o conjunto ( )AP está bem definido.

6ZF - Axioma das potências. Se A é um conjunto, então ( )AP é um conjunto.

Exemplo 3.12. Se {1,2}A = , então ( )AP { ,{1},{2}, }A= ∅ é um conjunto.

Observação 3.13. Se A é um conjunto, então, pelo axioma 4ZF e 2ZF , { : e ( )}B X X A P X= ⊆ .

é um conjunto. Assim, se X B∈ , então ( )X A∈P . Logo, ( )B A⊆P . Portanto, pelos axiomas 6ZF e

4ZF , B é um conjunto, ou seja, se A é um conjunto e ( )P X é uma propriedade de X, então o conjunto de todas os subconjuntos de A é um conjunto.

Teorema 3.14. Se A e B são conjuntos, então A B× é um conjunto. Prova. Note, pelos axiomas 5ZF e 6ZF , que ( )A B∪P é um conjunto. Novamente, pelo axioma 6ZF ,

( ( ))A B∪P P é um conjunto. Afirmação. ( ( ))A B A B× ⊆ ∪P P . Portanto, pelo axioma 4ZF , A B× é um conjunto.

De fato, seja ( , )x y A B∈ × . Então x A B∈ ∪ e y A B∈ ∪ . Logo, { }x A B⊆ ∪ e { , }x y A B⊆ ∪ . Assim, { },{ , } ( )x x y A B∈ ∪P . Portanto,

{{ },{ , }} ( ( )) ( , ) ( ( ))x x y A B x y A B⊆ ∪ ⇒ ∈ ∪P P P P , ou seja, ( ( ))A B A B× ⊆ ∪P P .

Observação 3.15. Se A e B são conjuntos, então, pelo axioma 4ZF , qualquer gráfico G de A B× é um conjunto.

3.4 Funções

O conceito de função é um dos mais básicos em toda a Matemática. Assim, nesta seção, vamos apresentar formalmente o conceito de função via gráfico.

Sejam A e B dois conjuntos. Uma função de A em B é um subconjunto f de A B× que satisfaz às seguintes condições:

1F - Para cada x A∈ , existe y B∈ tal que ( , )x y f∈ .

2F - Se 1( , )x y f∈ e 2( , )x y f∈ , então 1 2y y= .

Notação: :f A B→ e ( , ) ( )x y f y f x∈ ⇔ = ou x y . Neste caso, diremos que ( )y f x= é o valor que f assume no elemento (no ponto) x. Além disso, a imagem de f pode, também, ser denotada por { : }xf x A∈ ou { }x x Af ∈ , em outras palavras, uma função f é uma família de conjuntos, em que A é o conjunto de índices.

Page 21: Fundamentos Da Matemática

21

Observação 4.1. Cada x A∈ possui uma imagem unicamente determinada por y B∈ . Além disso, a condição 2F afirma que a função f está bem definida, ou seja, elementos iguais possuem imagens iguais.

Teorema 4.2. Sejam A e B dois conjuntos e f um gráfico. Então :f A B→ é uma função se, e somente se, 1. A condição 2F está satisfeita. 2. Dom( )f A= . 3. Im( )f B⊆ . Prova. Suponhamos que :f A B→ seja uma função. Então, por definição, 2F está satisfeita. Além disso,

[ Dom( ) tal que ( , ) ( , ) ]x x f y x y f x y A B x A∀ ∈ ⇒∃ ∈ ⇒ ∈ × ⇒ ∈ . Por outro lado,

[ tal que ( , ) Dom( )]x x A y B x y f x f∀ ∈ ⇒∃ ∈ ∈ ⇒ ∈ . Logo, Dom( )f A= . Finalmente,

[ Im( ) tal que ( , ) ( , ) ]y y f x x y f x y A B y B∀ ∈ ⇒∃ ∈ ⇒ ∈ × ⇒ ∈ . Assim, Im( )f B⊆ .

Reciprocamente, ( , ) [( , ) Dom( ) e Im( ) e ( , ) ]x y x y f x f y f x A y B x y A B∀ ∈ ⇒ ∈ ∈ ⇒ ∈ ∈ ⇒ ∈ × .

Portanto, f A B⊆ × . Agora, dado x Dom( )f A∈ = , existe y tal que ( , )x y f∈ . Como Im( )y f B∈ ⊆ temos que y B∈ . Portanto, a condição 1F está satisfeita, ou seja, :f A B→ é uma função.

Corolário 4.3. Seja :f A B→ uma função e C um conjunto qualquer tal que Im( )f C⊆ .Então :f A C→ é uma função.

Prova. Suponhamos que :f A B→ seja uma função. Então a condição 2F está satisfeita e Dom( )f A= . Além disso, Im( )f C⊆ implica que :f A C→ é uma função.

Sejam :f A B→ e :g B C→ duas funções quaisquer. Diremos que o diagrama

Figura 8. Diagrama de flechas.

comuta se h g f= .

Teorema 4.4. Sejam A e B dois conjuntos e :f A B→ uma função. Então: 1. : ( ) ( )F A B→P P definida por ( ) ( )F X f X= é uma função, com

( ) { : ( ), para algum }f X y y f x x X B= = ∈ ⊆ 2. : ( ) ( )G B A→P P definida por 1( ) ( )G Y f Y−= é uma função, com

1( ) { : ( ) }f Y x f x Y A− = ∈ ⊆ Em particular, se f é bijetora, então F é bijetora, com inversa G. Prova. Vamos provar apenas o item (1). Primeiro lembramos que: para cada X A⊆ e Y B⊆ , obtemos

( ) { : ( ), para algum }f X y y f x x X B= = ∈ ⊆ e

1( ) { : ( ) }f Y x f x Y A− = ∈ ⊆ . Assim,

Page 22: Fundamentos Da Matemática

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[ Dom( ) tal que ( , ) ( ) ( ) ( )]X X F Y X Y A B X A∀ ∈ ⇒ ∃ ∈ × ⇒ ∈P P P . Por outro lado,

[ ( ) ( ) ( ) tal que ( , ) Dom( )]X X A Y F X f X B X Y F X F∀ ∈ ⇒∃ = = ⊆ ∈ ⇒ ∈P Logo, Dom( ) ( ).F A=P É claro que Im( ) ( )F B⊆P . Finalmente,

1 2 1 2( , ) e ( , )X Y F X Y F Y Y∈ ∈ ⇒ = , pois

( )1 2[ ( ) tal que ( ) y Y f X ]y y Y f X x X y f x∀ ∈ = ⇔∃ ∈ = ⇔ ∈ = .

Portanto, : ( ) ( )F A B→P P é uma função.

Sejam { }i i IA ∈ uma família de conjuntos e

ii IA A

∈=∪ .

O produto cartesiano dos iA é o conjunto

{ : é uma função de em , onde ( ) , }i ii IA f f I A f i A i I

∈= ∈ ∀ ∈∏

É conveniente representar os elementos f do produto cartesiano por { }i i If a ∈= ou ( )i i If a ∈= , em que

( )ia f i= , para todo i I∈ . Note que se iA A= , para todo i I∈ , então ii IA

∈∏ é simplesmente o

conjunto de todas as funções com domínio I e contradomínio A.

Observação 4.5. Se jA =∅ , para algum j I∈ , então

ii IA

∈= ∅∏ ,

pois não existe função :f I A→ tal que ( ) jf j A∈ =∅ .

Exemplo 4.6. Se {1,2}I = , 1 { , }A a b= e 2 { , }A c d= , então

1 2{ : é uma função de {1,2} em { , , , }, onde (1) e (2) }ii IA f f a b c d f A f A

∈= ∈ ∈∏ .

Logo,

i f(i) i f(i) i f(i) i f(i) 1 a 1 a 1 b 1 b 2 c 2 d 2 c 2 d

Portanto, podemos identificar o produto cartesiano ii I

A∈∏ com os quatro pares ordenados

{( , ), ( , ), ( , ), ( , )}.a c a d b c b d Neste caso,

1 2ii IA A A

∈= ×∏

Se

{ }i i I ii If a A∈ ∈= ∈∏ ,

diremos que iA é a i-ésima componente do produto cartesiano ii IA

∈∏ e i ia A∈ é a i-ésima

coordenada da família. Seja ii I

A A∈

=∏ . Para cada j I∈ fixado, definimos uma função jp de A em jA por

( ) ({ } ) , { }j j i i I j i i Ip f p a a f a A∈ ∈= = ∀ = ∈ .

A função jp chama-se j-ésima projeção de A sobre jA . Em particular, se cada iA ≠ ∅ , então cada jp é uma função sobrejetora.

Page 23: Fundamentos Da Matemática

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Teorema 4.7 (Existência do Produto Cartesiano). Seja { }i i IA ∈ uma família de conjuntos. Então

existe um conjunto P e uma família de funções { : }i i i Ip A A ∈→ com a seguinte propriedade universal:

dados qualquer conjunto C e qualquer família de funções { : }i i i Ig C A ∈→ , existe uma única função

:f C P→ tal que i ip f g= , para todo i I∈ . Além disso, P é unicamente determinado, a menos de bijeção. Prova. (Existência) Sejam ii I

P A∈

=∏ e ip as projeções canônicas sobre as i-ésimas componentes.

Então dado um conjunto C e as funções :i ig C A→ , definimos :f C P→ por ( ) cf c g= , em que

( ) ( )c i ig i g c A= ∈ , para todo i I∈ . Assim,

( )( ) ( ( )) ( ) ( ),i i i c ip f c p f c p g g c i I= = = ∀ ∈ ,

ou seja, i ip f g= , para todo i I∈ . Agora, seja :g C P→ outra função tal que i ip g g= , para todo i I∈ . Então, para um c C∈

fixado, obtemos por definição de ip , ( )( ) ( ( )( )) ( )( ) ( ) ( ) ( )( ), .i i i cg c i p g c i p g c g c g i f c i i I= = = = = ∀ ∈

Logo, ( ) ( )g c f c= , para todo c C∈ . Portanto, f g= , ou seja, f é única. (Unicidade) Sejam Q um conjunto qualquer e { : }i i i Ih Q A ∈→ uma família de funções com a

mesma propriedade universal. Então vamos primeiro considerar o diagrama abaixo.

Figura 9. Unicidade do produto cartesiano

No diagrama (a) fizemos C Q= e no diagrama (b) fizemos C P= . Logo,

ei i i ip f h h g p= = . Assim,

( ) ( )i i i ip h g p f g p f g= = = .

Mas, pela comutatividade do diagrama (c), temos que :PI P P→ é a única função tal que ,i P ip I p i I= ∀ ∈ .

Portanto, Pf g I= . Por um argumento simétrico, prova-se que Qg f I= .

Sejam A e B conjuntos quaisquer. Vamos denotar por AB ou ( , )A BF o conjunto de todas as funções com domínio A e contradomínio B, isto é,

{ : é uma função de em }AB f f A B= . Vamos denotar o conjunto {0,1} por 2 {0,1}= . Sejam A um conjunto e B um subconjunto de A. A função característica de B em A é a função : 2B Aχ → definida por

0, se( )

1, se .B

x Bx

x Bχ

∈⎧= ⎨ ∉⎩

Note que a função característica é sobrejetora se, e somente se, B ≠ ∅ e B A≠ , pois ( )A B A B•

= ∪ − .

Page 24: Fundamentos Da Matemática

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Teorema 4.8. Se A é um conjunto, então existe uma correspondência biunívoca entre ( )AP e 2A . Portanto, 2A é um conjunto. Confira o axioma 7ZF . Prova. Consideremos a função : ( ) 2AF A →P definida por ( ) BF B χ= . Note que F está bem definida, pois dados , ( )B C A∈P ,

( ) ( )B CB C F B F Cχ χ= ⇒ = ⇒ = . A função F é injetora, pois dados , ( )B C A∈P ,

( ) ( ) { : ( ) 0} { : ( ) 0}B C B CF B F C x A x x A x B Cχ χ χ χ= ⇒ = ⇒ ∈ = = ∈ = ⇒ = .

Finalmente, a função F é sobrejetora, pois dado 2Af ∈ , existe 1(0) { : ( ) 0} ( )B f x A f x A−= = ∈ = ∈P

tal que ( )Bf F Bχ= = .

Note que se B é um conjunto qualquer e se todo elemento de B for substituído por um objeto de um domínio qualquer A, então B continua sendo um conjunto ou, equivalentemente, se alguma regra f, quando aplicada ao conjunto A, tem a “cara” de uma função, então existe um conjunto ( )f x . Mais precisamente temos o seguinte axioma.

7ZF - Axioma da substituição. Seja ( , )P x y a seguinte afirmação: para qualquer x existe um único y tal que ( , )P x y é verdadeira. Então para qualquer conjunto A, existe um conjunto B tal que, para qualquer x A∈ , existe y B∈ para que ( , )P x y seja verdadeira.

Observação 4.9. 1. O axioma 7ZF é equivalente a: para qualquer conjunto A, existe uma função f tal que Dom( )f A= e

( )y f x= , para todo x A∈ , ou seja, a partir de um conjunto velho criamos um conjunto novo ( )f A . Note que

( ) { : ( , ) é verdadeira}f x y B P x y= ∈ . 2. Se { }i i IA ∈ é uma família de conjuntos, então a função : { }i i If I A ∈→ definida por ( ) if i A= é

claramente sobrejetora. Logo, pelo axioma 7ZF , { }i i IA ∈ é um conjunto. Portanto, pelo axioma 6ZF ,

ii IA A

∈=∪ é um conjunto.

3. Se I e A são dois conjuntos e :f I A→ é uma função, então, pelo axioma 4ZF , f é um conjunto, pois f é um subconjunto de I A× . Isto prova que nossa definição de função é legítima.

Teorema 4.10. Seja { }i i IA ∈ uma família de conjuntos. Então o produto cartesiano

ii IP A

∈=∏

é um conjunto. Prova. Pelo item (3) da Observação 4.9, a função

: ii If I A A

∈→ =∪

é um conjunto. Como ( )P I A⊆ ×P temos, pelos axiomas 6ZF e 4ZF , que P é um conjunto. 5. Avaliando o que foi construído

Vimos nesta unidade que o enfoque axiomático da Teoria dos Conjuntos tem como objetivo contornar os paradoxos. Introduzimos os elementos básicos da Teoria dos Conjuntos através dos sete primeiros axiomas. Além disso, definimos as operações com conjuntos: união, interseção, complementar, diferença, gráficos, famílias, produto cartesiano e algumas propriedades algébricas.

Page 25: Fundamentos Da Matemática

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No Moodle

Não perca tempo. Vá à plataforma MOODLE e dedique-se à resolução das tarefas relacionadas ao assunto desta unidade. Saiba que o aprendizado em Matemática deve ser sequencial, continuado e o sucesso no estudo axiomático da Teoria dos Conjuntos que virão pela frente depende dos conhecimentos dos axiomas apresentados nesta unidade.

Reúna-se com colegas para discutir temas estudados. Procure os Tutores para esclarecer algum tópico que não tenha sido bem assimilado. Comunique-se!

Page 26: Fundamentos Da Matemática

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Unidade III Conjuntos Parcialmente Ordenados 1. Situando a Temática

Com os conhecimentos dos axiomas básicos da Teoria dos Conjuntos estudaremos os problemas de aplicações ordinárias de matemática tais como: relação de ordem, conjuntos parcialmente ordenados, elementos maximais e minimais, maior e menor elemento, supremo e ínfimo de um conjunto. Além disso, estudaremos reticulados e conjuntos bem ordenados.

Já vimos que a ideia intuitiva de uma “coleção ordenada de elementos” era significativa para qualquer coleção A quando A era um conjunto. Nesta unidade, porém, estaremos interessados nos conceitos formais de conjuntos parcialmente ordenados e suas consequências. 2. Problematizando a Temática

Da mesma forma que o conjunto de todos os números reais R é o modelo para todos os conceitos nos cursos de Análise Real, o conceito de conjuntos parcialmente ordenados pode ser utilizado como eficiente ferramenta de modelagem em diversas situações-problema, principalmente aquelas que possuem como objetivo a limitação de determinados conjuntos. Vejamos um exemplo de uma situação dessa natureza. Mostraremos a Lei Arquimediana (Archimedes de Syracuse, 287 a. C.-212 a. C., matemático, físico, engenheiro, inventor e astrônomo grego):

Supondo que o conjunto de todos os números reais R , com a ordem usual, seja completo, mostraremos que dados ,a b∈R , com 0a > , existe n∈Z tal que na b> .

Em bem pouco tempo estaremos aptos a efetuar os cálculos necessários à obtenção da resposta a essa questão. 3. Conhecendo a Temática 3.1 Ordem

Seja A um conjunto. Diremos que uma relação ≤ sobre A é uma pré-ordem se as seguintes condições são satisfeitas:

1. x x≤ , para todo x A∈ . (reflexividade) 2. Se x y≤ e y z≤ , então x z≤ , para todos , ,x y z A∈ . (transitividade)

Se uma pré-ordem ≤ sobre A satisfaz a condição: 3. Se x y≤ e y x≤ , então x y= , (antissimétrica)

diremos que ≤ é uma ordem (parcial) sobre A. Se uma pré-ordem ≤ sobre A satisfaz a condição:

4. x y≤ ou y x≤ , para todos ,x y A∈ , (x e y são comparáveis) diremos que ≤ é uma ordem total (ordem linear) sobre A.

Notações: • y x≥ significa que x y≤ . • x y< significa que x y≤ e x y≠ . • y x> significa que x y< .

A notação x y≤ lê-se “x é menor do que ou igual a y ou x precede y.

Exemplo 1.1. Seja Q o conjunto de todos os números racionais. Dados ,r s∈Q , diremos que r divide s em Q se existir n∈Z tal que s nr= . Para ,r s∈Q , definimos

r s≤ , se e somente se, r divide s. Então ≤ é uma pré-ordem sobre Q , mas não é uma ordem, pois r r≤ − e r r− ≤ , com r r≠ − .

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Um conjunto parcialmente ordenado (poset – partially ordered set) é um conjunto A munido de uma ordem ≤, em símbolos, o par ordenado ( , )A ≤ .

Sejam A um poset e B é um subconjunto de A. Então A induz uma ordem parcial sobre B do seguinte modo:

, [ sobre ]x y B x y x y A∀ ∈ ≤ ⇔ ≤ . Ou, equivalentemente, se R é uma ordem sobre A, então

( )0R R B B= ∩ ×

é uma ordem sobre B. Neste caso, diremos que 0R é a ordem induzida por R. Sejam A um poset e B um subconjunto de A. Diremos que B é um subconjunto totalmente

ordenado ou uma cadeia de A se a ordem induzida por A for total. Em particular, se quaisquer dois elementos de A são comparáveis, isto é, x y≤ ou y x≤ , para todos ,x y A∈ , diremos que A é um conjunto totalmente ordenado ou ordenado linearmente. Assim, um conjunto A é totalmente ordenado se uma e apenas uma das condições ocorre:

,x y A∀ ∈ [ x y< , x y= ou x y> ] (Lei da Tricotomia).

Observação 1.2. O conjunto de todos os números reais R , com a ordem usual, é totalmente ordenado. Consequentemente, os subconjuntos N , Z e Q , com a ordem induzida, são totalmente ordenados. Em particular, se N é munido com a ordem r divide s em N , então o conjunto

0 1 2{2 ,2 ,2 , }C = … é uma cadeia de N (prove isto!).

Exemplo 1.3. Sejam A um conjunto e ( )AP o conjunto das potências. Para , ( )X Y A∈P , definimos

X Y X Y≤ ⇔ ⊆ . Mostre que ≤ é uma ordem sobre ( )AP , chamada ordenação pela inclusão. Note que esta ordem não é total. No entanto, se C é uma cadeia de ( )AP , então X Y≤ ou Y X≤ , para todos ,X Y C∈ . Solução. Para provar que ≤ é uma ordem, confira o Teorema 2.1 da Unidade II. Finalmente, se

{ } ( )X x A= ∈P e { } ( )Y y A= ∈P , com x y≠ , então X e Y não são comparáveis.

Sejam A um poset e ,a b A∈ fixados. O segmento inicial de A determinado por a é o conjunto { : }aS x A x a= ∈ < .

O segmento final de A determinado por a é o conjunto { : }aS x A a x= ∈ < .

O intervalo aberto de A determinado por a e b é o conjunto ] , [ { : } a

ba b x A a x b S S= ∈ < < = ∩ . O intervalo fechado de A determinado por a e b é o conjunto

[ , ] { : }a b x A a x b= ∈ ≤ ≤ .

Teorema 1.4. Seja A um poset. Se P é um segmento inicial de A e Q um segmento inicial de P, então Q é um segmento incial de A. Prova. Note, pela hipótese, que existem a A∈ e b P∈ tais que

{ : } e { : }P x A x a Q x P x b= ∈ < = ∈ < , respectivamente. Seja

{ : }bS x A b x= ∈ < Então, por definição, bS é um segmento inicial de A.

Afirmação. bQ S= . De fato, é claro que bQ S⊆ . Por outro lado, se bx S∈ , então ex A x b∈ < . Como b P∈ temos que

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x P∈ , pois b a< . Assim, x Q∈ , pois ex b x P< ∈ . Portanto, bS Q⊆ .

Seja A um poset. Um corte de A é um par ordenado (E, D) de subconjuntos não vazios de A com as seguintes propriedades:

1. eE D A E D∩ =∅ = ∪ . 2. Se ea E x a∈ ≤ , então x E∈ . 3. Se ea D a x∈ ≤ , então x D∈ .

Seja A um poset. Diremos que A é um poset finito se o conjunto A for “finito”. A cardinalidade do conjunto A chama-se comprimento do poset.

Seja A um poset finito. Um diagrama de linha ou um diagrama de Hasse, (Helmut Hasse, 1898-1979, matemático alemão) para o conjunto A é um digrama em que os elementos de A são representados por vértices e as comparações entre dois elementos ,a b A∈ é representado por uma aresta, com a seguinte convenção: um elemento a está abaixo de um elemento b, se e somente se, a b< e não existe { , }c a b∉ tal que a c b< < .

Exemplo 1.5. Sejam { , , , , , }A a b c d e f= e {1,2,3,4,5,6}B = dois conjuntos ordenados, pelos diagramas de Hasse, confira Figura 10. Então: 1. Os subconjuntos { , , }a b c e { , , , }a b e f são cadeias de A, pois quaisquer dois elementos são

comparáveis, enquanto o subconjunto {1,2,3,4,6} não é uma cadeia de B, por exemplo, 2 e 3 não são comparáveis.

2. Note que { , , }eS a b d= é um segmento inicial de A. Enquanto, 5 {1}S = é um segmento inicial de B. 3. Se { , , }E a b c= e { , , }D d e f= , então (E, D) é um corte de A.

Figura 10. Diagrama de Hasse.

Exemplo 1.6 (Poset Coroa). Seja {1,2, , 2 }A n= … , com 1n > , um conjunto. Dado a A∈ ,

definimos e 1 , {1,2, , 1}, 2 e 1 2a a n a a n a n n n n≤ + + ≤ + ∀ ∈ − ≤ ≤… .

Mostre que A é um poset, mas não é totalmente ordenado. Confira diagrama de Hasse dado pela Figura 11, com 5n = :

Figura 11. Diagrama de Hasse.

Page 29: Fundamentos Da Matemática

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3.2 Isomorfismos

É importante lembrar que todos os resultados sobre funções vistos no curso de Matemática Elementar podem ser usados em tudo que segue.

Sejam A, B dois posets e :f A B→ uma função. Diremos que f é crescente ou preserva ordem se , [ ( ) ( )]x y A x y f x f y∀ ∈ ≤ ⇒ ≤ .

Diremos que f é estritamente crescente se , [ ( ) ( )]x y A x y f x f y∀ ∈ < ⇒ < .

Diremos que f é um isomorfismo se f for bijetora e crescente: , [ ( ) ( )]x y A x y f x f y∀ ∈ ≤ ⇔ ≤ .

Exemplo 2.1. Seja R o conjunto de todos os números reais com a ordem usual. Então:

1. A função :f →R R definida por ( ) 3 4f x x= + é um isomorfismo, pois f é claramente bijetora e , [ 3 3 3 4 3 4 ( ) ( )]x y x y x y x y f x f y∀ ∈ ≤ ⇔ ≤ ⇔ + ≤ + ⇔ ≤R ,

ou seja, f preserva ordem. 2. A função :f →R R definida por ( ) 3 4f x x= − + não é um isomorfismo, pois f é claramente bijetora,

mas , [ 3 3 3 4 3 4 ( ) ( )]x y x y x y x y f x f y∀ ∈ ≤ ⇔ − ≥ − ⇔ − + ≥ − + ⇔ ≥R ,

ou seja, f não preserva ordem.

Teorema 2.2. Sejam A, B dois posets e :f A B→ uma função. Se f é um isomorfismo, então , [ ( ) ( )]x y A x y f x f y∀ ∈ < ⇒ < .

Prova. Dados ,x y A∈ , se x y< , então x y≤ . Logo, por hipótese, ( ) ( )f x f y≤ . Portanto,

( ) ( )f x f y< , pois se ( ) ( )f x f y= , então, pela injetividade de f, x y= , o que é impossível. Reciprocamente, se ( ) ( )f x f y< , então ( ) ( )f x f y≤ . Logo, por hipótese, x y≤ . Portanto,

x y< , pois se x y= , então, pela definição de função, ( ) ( )f x f y= , o que é impossível.

Teorema 2.3. Sejam A, B dois posets e :f A B→ uma função bijetora. Então f é um isomorfismo

se, e somente se, f e 1f − são funções crescentes. Prova. Como f é bijetora temos que

1[( )( ) ]x A f f x x−∀ ∈ = . Agora, dados ,z w B∈ , existem únicos ,x y A∈ tais que ( )z f x= e ( )w f y= . Logo,

1 1 1 1( )( ) ( )( ) ( ) ( )z w x y f f x x y f f y f z f w− − − −≤ ⇔ ≤ ⇒ = ≤ = ⇒ ≤ . Logo, 1f − é crescente.

Reciprocamente, como f é crescente temos que , [ ( ) ( )]x y A x y f x f y∀ ∈ ≤ ⇒ ≤ .

Por outro lado, dados ,x y A∈ , obtemos 1 1( ) ( ) ( )( ) ( )( )f x f y x f f x f f y y− −≤ ⇒ = ≤ = .

Portanto, f é um isomorfismo.

Teorema 2.4. Sejam A, B e C três posets: 1. A função identidade :AI A A→ é um isomorfismo.

2. Se :f A B→ é um isomorfismo, então 1 :f B A− → é um isomorfismo. 3. Se :f A B→ e :g B C→ são isomorfismos, então :g f A C→ é um isomorfismo.

Page 30: Fundamentos Da Matemática

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Prova. Vamos provar apenas o item (3). É fácill verificar que g f é uma função bijetora. , [ ( ) ( ) ( ( )) ( ( )) ( )( ) ( )( )]x y A x y f x f y g f x g f y g f x g f y∀ ∈ ≤ ⇔ ≤ ⇔ ≤ ⇔ ≤ .

Portanto, g f é um isomorfismo.

Sejam A e B dois posets. Diremos que A e B são isomorfos se existir um isomorfismo :f A B→ e denotaremos por A B . O Teorema 2.4, prova que a relação ser isomorfo é uma relação de equivalência.

Note que os conjuntos A e B dados no Exemplo1.5, não são isomorfos, pois eles têm diagramas de Hasse diferentes. No entanto, é fácil exibir uma correspondência biunívoca entre eles. Portanto, é pertinente lembrar de que apenas a existência de uma função bijetora entre dois posets, em geral, não é suficiente para concluirmos que os conjuntos são isomorfos.

Exemplo 2.5. O conjunto de todos os números reais R , com a ordem usual, e o intervalo aberto ] 1,1 [I = − , com a ordem induzida de R , são isomorfos.

Solução. É fácil verificar que as funções :f I →R e 1 :f I− →R definidas por

( )1

xf xx

=−

e 1( )1

xf xx

− =+

são crescentes. Portanto, pelo Teorema 2.3, R e I são isomorfos. 3.3 Elementos Notáveis e Dualidade

Seja A um poset. Um elemento M A∈ chama-se um elemento maximal de A se nenhum dos elementos de A é estritamente maior do que M. Em símbolos,

[ ]x A M x M x∀ ∈ ≤ ⇒ = . Ou, equivalentemente, não existe elemento x A∈ , com M x< . Analogamente, um elemento m A∈ chama-se um elemento minimal de A se nenhum dos elementos de A é estritamente menor do que m. Em símbolos,

[ ]x A x m m x∀ ∈ ≤ ⇒ = . Ou, equivalentemente, não existe elemento x A∈ , com x m< .

Exemplo 3.1. Seja {2,3,4,5,7,8,9,12,15,16,24}A = um conjunto ordenado pelo diagrama de Hasse (confira Figura 12). Então 7, 9, 15, 16 e 24 são elementos maximais, enquanto 2, 3, 5 e 7 são elementos minimais.

Figura 12. Diagrama de Hasse.

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Exemplo 3.2. Sejam A um conjunto não vazio e ( ) { , }B A A= − ∅P ordenado pela incluão. Então os elementos minimais de B são os subconjuntos unitários, enquanto os elementos maximais de B são os subconjuntos { }A a− , para todo a A∈ . Quando { , , }A a b c= , por meio do diagrama de Hasse, verifique o resultado.

Seja A um poset. Um elemento M A∈ chama-se o maior elemento de A se [ ]x A x M∀ ∈ ≤ .

Analogamente, um elemento m A∈ chama-se o menor elemento de A se [ ]x A m x∀ ∈ ≤ .

Observe que, se o maior ou o menor elemento, existir, ele é único. Além disso, todo menor (maior) elemento é um elemento minimal (maximal), mas não reciprocamente.

Exemplo 3.3. O conjunto A do Exemplo 3.1 não tem maior e nem menor elemento.

Exemplo 3.4. Seja {2,3,4,5, , , }A n= … … , ordenado por x divide y em A. Então A não tem menor elemento, pois 2 não divide 3, mas tem infinitos elementos minimais, a saber, os números primos. Note que A não tem maior elemento e nem elementos maximais.

Sejam A um poset e B um subconjunto de A. Uma cota superior de B em A é um elemento a A∈

tal que [ ]x B x a∀ ∈ ≤ .

Analogamente, uma cota inferior de B em A é um elemento a A∈ tal que [ ]x B a x∀ ∈ ≤ .

Denotaremos por ( ) { : é uma cota superior de }S B a A a B= ∈

e ( ) { : é uma cota inferior de }s B a A a B= ∈ .

Observação 3.5.

1. Note que cada elemento b B∈ é uma cota superior de ( )s B , pois x b≤ , para todo ( )x s B∈ . Analogamente, cada elemento c B∈ é uma cota inferior de ( )S B , pois c x≤ , para todo ( )x S B∈

2. É importante notar a diferença entre menor (maior) elemento de B e cota inferior (superior) de B, pois o primeiro deve pertencer a B, enquanto o segundo não necessita pertencer a B.

Sejam A um poset e B uma subconjunto de A. O supremo de B em A é o elemento b A∈ que

satisfaz as seguintes condições: 1. ( )b S B∈ . (b é uma cota superior de B) 2. Se ( )x S B∈ , então b x≤ . (b é a menor das cotas superiores de B)

Analogamente, o ínfimo de B em A é o elemento a A∈ que satisfaz as seguintes condições: 1. ( )a s B∈ . (a é uma cota inferior de B) 2. Se ( )x s B∈ , então x a≤ . (a é a maior das cotas inferiores de B)

Denotaremos o supremo de B em A por sup ( )A B ou simplesmente sup( )B e o ínfimo de B em A por

inf ( )A B ou simplesmente inf( )B . Note que, se o supremo (o ínfimo) existir, ele é único.

Exemplo 3.6. Sejam A o conjunto do Exemplo 3.1 e {2,3,4,8,12}B = um subconjunto de A. Então ( ) {16,24}S B = , mas sup( )B não existe em A. Agora, sejam {2,3,4,8,12,16}C = e

{2,3,4,8,12,24}D = subconjuntos de A. Então sup ( ) {16}C B = e sup ( ) {24}D B = . Portanto, o supremo (ínfimo) depende do conjunto.

Page 32: Fundamentos Da Matemática

32

Exemplo 3.7. Sejam ( )AP o conjunto das partes de A, ordenado pela inclusão, { }i i IB B ∈= um

subconjunto de ( )AP . Mostre que sup( ) ii IB B

∈=∪ e inf( ) ii I

B B∈

=∩ .

Solução. É claro que ( )ii I

B S B∈

∈∪ , pois cada i ii IB B

∈⊆∪ . Por outro lado, se C é qualquer elemento

de ( )S B , então iB C⊆ , para todo i I∈ . Logo, ii IB C

∈⊆∪ . Assim, ii I

B∈∪ é a menor das cotas

superiores. Portanto, sup( ) ii IB B

∈=∪ .

Exemplo 3.8. Sejam A um poset. Mostre que ( )s A∅ = .

Solução. É claro que ( )s A∅ ⊆ . Por outro lado,

[ ]y x A x y∀ ∈∅ ∈ ⇒ ≤ , caso contrário,

y∃ ∈∅ tal que x ≰ y. o que é impossível. Portanto, ( )A s⊆ ∅ e inf( )∅ é o maior elemento de ( )s ∅ . Assim, se A possui um maior elemento a A∈ , então inf( )a = ∅ . De modo análogo, se A possui um menor elemento b A∈ , então

sup( )b A= .

Seja A um poset. Se R é uma ordem sobre A, então é fácil verificar que 1R− também é uma ordem sobre A, a qual é chamada de ordem inversa. Neste caso, existe um isomorfismo entre o conjunto de todas as ordens R sobre A e o conjunto de todas as ordens inversas 1R− sobre A.

Se intercalarmos ∪ e ∩ ; R e 1R− ; A e ∅ , etc., em qualquer afirmação sobre conjuntos, a nova afirmação é chamada de dual da original. Este conceito de dualidade é de grande importância ecônomica na prova dos teoremas, pois provando um teorema sabemos que o dual do teorema é também verdadeiro.

Teorema 3.9. Sejam A poset e B um subconjunto de A. Então ( ( ))B S s B⊆ . Afirmação dual: ( ( ))B s S B⊆ .

Prova. Dado x B∈ , obtemos y x≤ , para todo ( )y s B∈ . Portanto, por definição, ( ( ))x S s B∈ , ou seja,

( ( ))B S s B⊆ .

Lema 3.10. Sejam A poset e B um subconjunto de A. Suponhamos que ( )s B tenha um supremo em A. Então B tem um ínfimo em A e inf( ) sup( ( ))B s B= . Afirmação dual: Suponhamos que ( )S B tenha um ínfimo em A. Então B tem um supremo em A e sup( ) inf( ( ))B S B= . Prova. Pondo sup( ( ))a s B= em A. Seja b B∈ . Então x b≤ , para todo ( )x s B∈ . Logo, b é uma cota superior de ( )s B . Assim, por definição, a b≤ . Portanto, a é uma cota inferior de B, pois b é arbitrário. Por outro lado, se d é qualquer cota inferior de B, então ( )d s B∈ e d a≤ , pois sup( ( ))a s B= . Portanto,

inf( )a B= .

Seja A um poset. Diremos que A é (condicionalmente) completo se qualquer subconjunto não vazio B de A que é limitado superiormente ( ( )S B ≠ ∅ ) tem um supremo em A.

Teorema 3.11. Seja A um poset. Então as seguintes condições são equivalentes: 1. Qualquer subconjunto não vazio de A que é limitado superiormente possui um supremo em A. 2. Qualquer subconjunto não vazio de A que é limitado inferiormente possui um ínfimo em A. Prova. (1 2)⇒ Seja B uma subconjunto não vazio de A que seja limitado inferiormente. Então ( )s B ≠ ∅ .

Page 33: Fundamentos Da Matemática

33

Como cada elemento de B é uma cota superior de ( )s B temos que ( )s B é limitado superiormente. Assim, por hipótese, ( )s B possui um supremo em A. Portanto, pelo Lema 3.10, B possui um ínfimo em A.

A recíproca é a afirmação dual.

Exemplo 3.12 (Lei Arquimediana). Suponhamos que o conjunto de todos os números reais R , com a ordem usual, seja completo. Mostre que dados ,a b∈R , com 0a > , existe n∈Z tal que na b> . Solução. Suponhamos, por absurdo, que na b≤ , para todo n∈Z . Então

{ : }B na n= ∈Z é um subconjunto não vazio e limitado superiormente em R . Logo, por hipótese, sup( )c B= existe. Assim, na c≤ , para todo n∈Z , de modo que ( 1)m a c+ ≤ , para todo m∈Z . Portanto,

,ma c a m≤ − ∀ ∈Z , o que é uma contradição, pois c a c− < .

Observação 3.13. O Exemplo 3.12, prova que

[ , ( 1) [n

na n a•

= +∪Z

R ,

é uma união disjunta de intervalos, onde a∈R , com 0a > . Neste caso, dado b∈R , existe (um único) q∈Z tal que

, com 0b qa r r a= + ≤ < .

Seja A um poset. Diremos que A é um reticulado se sup{ , }a b e inf{ , }a b existem, para todos ,a b A∈ . Quando lidamos com reticulados é conveniente escrevermos sup{ , }a b a b= ∨ e

inf{ , }a b a b= ∧ .

Exemplo 3.14. Seja ( )AP o conjunto das partes de A, ordenado pela inclusão. Mostre que ( )AP é um reticulado. Solução. Dados , ( )X Y A∈P , é fácil verificar que sup{ , }X Y X Y= ∪ e inf{ , }X Y X Y= ∩ . Portanto,

( )AP é um reticulado.

Proposição 3.15. Sejam A um reticulado e , , ,a b c d A∈ . Então: 1. a a b≤ ∨ e b a b≤ ∨ . 2. a b a∧ ≤ e a b b∧ ≤ . 3. Se a c≤ e b c≤ , então a b c∨ ≤ . 4. Se d a≤ e d b≤ , então d a b≤ ∧ . Prova. Vamos provar apenas o item (3). Se ea c b c≤ ≤ , então ({ , })c S a b∈ . Logo, a b c∨ ≤ , pois a b∨ é a menor das cotas superiores do conjunto { , }a b .

Teorema 3.16. Sejam A um reticulado e , , ,a b c d A∈ . Então: 1. a a a∨ = e a a a∧ = . (Idempotência) 2. a b b a∨ = ∨ e a b b a∧ = ∧ . (comutatividade) 3. ( ) ( )a b c a b c∨ ∨ = ∨ ∨ e ( ) ( )a b c a b c∧ ∧ = ∧ ∧ . (associatividade) 4. ( )a b a a∨ ∧ = e ( )a b a a∧ ∨ = . Prova. Vamos provar apenas os itens (3) e (4): (3) Como

( )a a b c≤ ∨ ∨ e ( ) ( )b b c a b c≤ ∨ ≤ ∨ ∨ temos que

Page 34: Fundamentos Da Matemática

34

( ) ( )a b a b c∨ ≤ ∨ ∨ e ( ) ( )c b c a b c≤ ∨ ≤ ∨ ∨ Assim, ( ) ( )a b c a b c∨ ∨ ≤ ∨ ∨ . Por um argumento simétrico, prova-se que ( ) ( )a b c a b c∨ ∨ ≤ ∨ ∨ .

(4) Devemos provar que inf{ , }a a a b= ∨ . É claro que a é uma cota inferior de { , }a a b∨ , pois a a b≤ ∨ . Por outro lado, seja c qualquer cota inferior de { , }a a b∨ . Então c a≤ . Assim, a é a maior das cotas inferiores de { , }a a b∨ . Portanto, ( )a b a a∨ ∧ = .

Teorema 3.17. Sejam A um conjunto munido de duas operações ∨ e ∧ satisfazendo as condições do Teorema 3.16. Para ,a b A∈ , definimos

a b a b b≤ ⇔ ∨ = . Então ≤ é uma ordem sobre A e A é um reticulado. Prova. Como a a a∨ = temos que a a≤ . Dados ,a b A∈ e suponhamos que a b≤ e b a≤ . Então, por definição, a b b∨ = e b a a∨ = . Assim, pelo item (2), obtemos a b a a b b= ∨ = ∨ = . Agora, dados

, ,a b c A∈ e suponhamos que a b≤ e b c≤ . Então, por definição, a b b∨ = e b c c∨ = . Assim, pelo (3), obtemos

( ) ( )a a b a b c a b c a c a c= ∨ ≤ ∨ ∨ = ∨ ∨ = ∨ ⇒ ≤ . Portanto, ≤ é uma ordem sobre A. Finalmente, dados ,a b A∈ , devemos provar que sup{ , }a b a b∨ = . Como

( ) ( )a a b a a b a b∨ ∨ = ∨ ∨ = ∨ temos, por definição, que a a b≤ ∨ . Por um argumento simétrico, obtemos b a b≤ ∨ , ou seja, a b∨ é uma cota superior de { , }a b . Por outro lado, seja c qualquer cota superior de { , }a b . Então a c≤ e b c≤ . Assim, por definição,

a c c∨ = e b c c∨ = . Logo, pelo item (3),

( ) ( )a b c a b c a c c∨ ∨ = ∨ ∨ = ∨ = e, por definição, a b c∨ ≤ . Portanto, a b∨ é a menor das cotas superiores de { , }a b , isto é,

sup{ , }a b a b∨ = . De modo inteiramente análogo, prova-se que inf{ , }a b a b∧ = .

Sejam A um reticulado e B um subconjunto de A. Diremos que B é um sub-reticulado de A se a b B∨ ∈ e a b B∧ ∈ , para todos ,a b B∈ . Diremos que A é um reticulado completo se todo subconjunto de A possui um supremo.

Teorema 3.18. Seja A um poset. Então as seguintes condições são equivalentes: 1. Qualquer subconjunto de A possui um supremo em A. 2. Qualquer subconjunto de A possui um ínfimo em A. Prova. (1 2)⇒ Suponhamos que qualquer subconjunto de A tenha um supremo em A. Então A possui um supremo, o qual é necessariamente o maior elemento de A. Pelo Exemplo 3.9, o conjunto ∅ possui um supremo, o qual é necessariamente o menor elemento de A. Sejam M e m o maior e menor elemento de A, respectivamente, e B um subconjunto qualquer de A. Se B = ∅ , então inf( )B M= . Se B ≠ ∅ , então B é limitada inferiormente por m. Assim, pelo Teorema 3.11, B possui um ínfimo em A.

A recíproca é a afirmação dual.

Exemplo 3.19. Sejam A um conjunto qualquer e R o conjunto de todas as relações de equivalências sobre A, ordenado pela inclusão. Mostre que R é um reticulado completo. Solução. Antes de provarmos o exemplo vamos lembrar a definição de relação de equivalência sobre A. Diremos que uma relação ∼ sobre A é uma relação de equivalência se as seguintes condições são satisfeitas:

1. x x∼ , para todo x A∈ . (reflexividade) 2. Se x y∼ , então y x∼ , para todos ,x y A∈ . (simetria)

Page 35: Fundamentos Da Matemática

35

3. Se x y∼ e y z∼ , então x z∼ , para todos , ,x y z A∈ . (transitividade) É claro que

{( , ) : }AI x x x A= ∈ , ou seja, x y x y⇔ =∼ , é o menor elemento de R e A A× é o maior elemento de R. Além disso, se

1 { }i i IR R ∈= um subconjunto qualquer de R, então

1e inf( )i ii I i IR R R R

∈ ∈∈ =∩ ∩ .

Portanto, R é um reticulado completo. 3.4 Conjuntos Bem Ordenados

O principal objetivo desta seção é provar os Princípios de Induções Transfinitas e a Fórmula de Recorrência.

Seja A um poset. Diremos que A é um conjunto bem ordenado se qualquer subconjunto não vazio de A contém um menor elemento.

Notação. CBO - significa conjunto bem ordenado.

Observação 4.1. 1. Todo CBO A é totalmente ordenado. 2. Todo CBO A é um reticulado completo.

Sejam A um CBO e a A∈ . Diremos que b A∈ é um sucessor imediato de a se a b< e não existir c A∈ tal que a c b< < . Neste caso, diremos que a é um predecessor imediato de b.

Exemplo 4.2. Se A é um CBO, então qualquer elemento de A, exceto o maior elemento, se existir, possui um sucessor imediato. Solução. Se a A∈ e a não é o maior elemento de A, então a conjunto

{ : }S x A a x= ∈ < ≠ ∅ . Logo, por hipótese, S contém um menor elemento, digamos b S∈ . Portanto, é fácil verificar que b é o sucessor imediato de a.

Note que se A um CBO, então A contém um menor elemento, digamos 1x . Se 1x não é o maior

elemento de A, então 1x possui um sucessor imediato, digamos 2x . Se 2x não é o maior elemento de A,

então 2x possui um sucessor imediato, digamos 3x , e assim sucessivamente. Neste caso,

1 2 3x x x< < <

Exemplo 4.3. O conjunto de todos os números naturais N , com a ordem usual, é um CBO. Enquanto, os conjuntos Z , Q e R , com a ordem usual, não são CBO, pois nenhum deles possui menor elemento.

Exemplo 4.4. O conjunto 1 1 1 1 1 10, , , , ; 1,1 , ,1 , ; 2, 2 , , 2 , ;2 2 2

1 : , , 1 ,

n n nAn n n

nm m n nn +

− − −⎧ ⎫= + + + +⎨ ⎬⎩ ⎭

−⎧ ⎫= + ∈ >⎨ ⎬⎩ ⎭

… … … … … … …

Z

com a ordem induzida por R , é um CBO.

Page 36: Fundamentos Da Matemática

36

Exemplo 4.5. Seja R o conjunto de todos os números reais , com a ordem usual. Mostre que dados ,a b∈R , com a b< , existe r∈Q tal que a r b< < . Neste caso, diremos que Q é denso em R .

Solução. Como 0b a− > temos, pelo Exemplo 3.12, que existe n∈N tal que

( ) 1n a b− > ou 1 a bn< − .

Consideremos o conjunto { : }S k na k= ∈ <N .

Novamente, pelo Exemplo 3.12, S ≠ ∅ . Logo, S contém um menor elemento, digamos m S∈ , pois N é um CBO. Assim,

1mna m an−

< ⇒ ≤ .

Portanto, 1 1 ( )m mr a b a b

n n n−

= = + < + − = ,

ou seja, existe r∈Q tal que a r b< < .

Observação 4.6. Qualquer número real é o supremo de algum conjunto de números racionais. De fato, dado a∈R . Consideremos o segmento inicial

:am mS an n

⎧ ⎫= ∈ <⎨ ⎬⎩ ⎭

Q .

Então, pelo Exemplo 4.5, é fácil verificar que sup( )aa S= .

Seja A um poset. Diremos que um subconjunto B de A é uma seção de A se

[ ]x A y B e x y x B∀ ∈ ∈ ≤ ⇒ ∈ .

Exemplo 4.7. Seja A = R o conjunto de todos os números reais, com a ordem usual. Então, para um a A∈ fixado, o conjunto

{ : }B x A x a= ∈ < é uma seção de A.

Teorema 4.8. Seja A um CBO. Então B é uma seção de A se, e somente se, B A= ou B é um segmento inicial de A. Prova. Suponhamos que B seja uma seção de A. Se B A= , nada há para ser provado. Se B A≠ , então A B− ≠ ∅ . Logo, por hipótese, A B− contém um menor elemento, digamos m A B∈ − .

Afirmação. mB S= .

De fato, se mx S∈ , então x m< . Logo, x A B∉ − , isto é, x B∈ . Portanto, mS B⊆ . Por outro lado, dado x B∈ , devemos provar que x m< . Se x m≤ , então m B∈ . Assim,

( )m B A B∈ ∩ − =∅ , o que é impossível. Portanto, x m< e mB S⊆ , ou seja, mB S= .

A recíproca é clara.

Exemplo 4.9. Seja {3,4,8,10}A = , com a ordem induzida por N , então 3S =∅ , {3} , {3,4} ,

{3,4,8} e A são todas as seções de A.

Sejam N o conjunto de todos os números naturais, com a ordem usual, e {2,4,6,8, }E = … o conjunto de todos os números naturais pares, com a ordem induzida de N . Então a função :f E→N definida por ( ) 2f x x= é claramente um isomorfismo. Além disso, ela satisfaz a propriedade:

Page 37: Fundamentos Da Matemática

37

[ ( )]x x f x∀ ∈ ≤N . Mais geralmente, temos o seguinte resultado.

Lema 4.10. Sejam A um CBO e :f A A→ um isomorfismo de A sobre um subconjunto de A. Então [ ( )]x A x f x∀ ∈ ≤ .

Prova. Seja

{ : ( )}S x A x f x= ∈ > . Suponhamos, por absurdo, que S ≠ ∅ . Então, por hipótese, S contém um menor elemento, digamos m S∈ . Em particular, ( )f m m< . Logo,

( ( )) ( )f f m f m m< < . Assim, ( )f m S∈ , o que contradiz a minimalidade de m. Portanto, S =∅ .

Lema 4.11. Seja A um CBO. Então não existe um isomorfismo de A sobre um subconjunto de um segmento inicial de A. Prova. Suponhamos, por absurdo, que exista uma isomorfismo :f A B→ , em que aB S⊆ , para algum

a A∈ . Então, pelo Lema 4.10, ( )x f x≤ , para todo x A∈ . Em particular, ( ) ( ) aa f a f a S≤ ⇒ ∉ ,

o que é uma contradição, pois. ( ) af a B S∈ ⊆ .

Corolário 4.12. Nenhum CBO é isomorfo a um de seus segmentos iniciais. Prova. Fica como um exercício.

Lema 4.13. Sejam A e B dois CBO. Se A é isomorfo a um segmento inicial de B, então B não é isomorfo com qualquer subconjunto de A. Prova. Suponhamos que : bf A S→ , para algum b B∈ , seja um isomorfismo e que exista um isomorfismo :g B C→ , em que C é um subconjunto de A. Então :g B A→ é uma função. Além disso, f e g são injetoras e crescentes. Logo, : bf g B S→ é injetora e crescente. Assim, f g é um isomorfismo

de B sobre uma subconjunto de bS (prove isto!), o que é impossível, pelo Lema 4.11.

Lema 4.14. Seja A um CBO. Se ,a b A∈ e a b≠ , então aS não é isomorfo a bS .

Prova. Como a b≠ temos, por hipótese, que a b< ou a b> . Assim, basta considerar o caso a b< . Logo, aS é uma seção de bS , pois para um bx S∈ fixado,

ea ay S x y x a x S∈ ≤ ⇒ ≤ ⇒ ∈ .

Assim, pelo Teorema 4.6, aS é uma seção de é um segmento inicial de bS e, pelo Corolário 4.12, aS não

é isomorfo a bS .

Lema 4.15. Sejam A e B dois CBO. Se aS A⊆ é isomorfo a um segmento inicial de B, então aS é

isomorfo a um único segmento inicial bS de B.

Prova. Suponhamos que a bS S e a cS S , onde ,b c B∈ . Então, pelo Teorema 2.4, b cS S . Assim, pelo Lema 4.13, b c= .

Page 38: Fundamentos Da Matemática

38

Lema 4.16. Sejam A e B dois CBO tais que cada segmento inicial aS de A é isomorfo a um

segmento inicial bS de B. Então cada segmento inicial de aS é isomorfo a um segmento inicial de bS , ou seja,

x yx a S S≤ ⇒ , em que y b≤ .

Além disso, se : a bf S S→ é um isomorfismo, então :x

x ySg f S S= → é um isomorfismo, com

( )y xS f S= .

Prova. Seja ( )y f x= . Então é fácil verificar que g é injetora e crescente. Logo, ( )x xS f S . Por outro lado, como f é um isomorfismo, obtemos

x<y ( ) e ( ) ( )x yf x y a S a x f a y f a S⇔ < ∈ ⇔ < ⇔ < ⇔ ∈ .

Portanto, ( )x yf S S= , isto é, x yS S .

Lema 4.17. Sejam A, B dois CBO e C o conjunto de todos os elementos x em A tal que x yS S ,

para algum y B∈ . Então C é uma seção de A. Prova. Para um x A∈ , a C∈ e x a≤ , obtemos x C∈ , pois, pelo Lema 4.15, xS é isomorfo a um segmento inicial de B. Portanto, C é uma seção de A.

Lema 4.18. Sejam A, B dois CBO, C o conjunto de todos os elementos x em A tal que x yS S ,

para algum y B∈ e D o conjunto de todos os elementos y em B tal que y xS S , para algum x A∈ . Então C D . Prova. Dado x C∈ , pelo Lema 4.15, existe um único y B∈ tal que x yS S e vice versa. Vamos definir

:f C D→ por ( )y f x= . É claro pela definição que f bijetora. Dados 1 2,x x C∈ , suponhamos que

1 2x x≤ , em que 1 1( )y f x= e 2 2( )y f x= . Então devemos provar que 1 2y y≤ . Logo, por definição,

1 1x yS S e 2 2x yS S . Suponhamos, por absurdo, que 2 1y y< . Então

2yS é um segmento inicial de

1yS . Como 1 2x xS S⊆ temos as seguintes possibilidades:

1.a Possibilidade. 2 2x yS S é isomorfo a um segmento inicial de

1yS .

2.a Possibilidade. 1 1y xS S é isomorfo a um segmento inicial de

2xS ,

o que é impossível, pelo Lema 4.13.

Teorema 4.19. Sejam A e B dois CBO. Então exatamente uma e apenas uma das afirmações a seguir pode ocorrer: 1. A B . 2. A é isomorfo a um segmento inicial de B.. 3. B é isomorfo a um segmento inicial de A.. Prova.. Sejam C e D os conjuntos definidas no Lema 4.18. Então C D . Assim, pelo Lema 4.17 e Teorema 4.8, existem quatro possibilidades:

1.a Possibilidade. Se C A= e D B= , então A B . 2.a Possibilidade. Se C A= e yD S B= ⊆ , então yA S .

3.a Possibilidade. Se xC S A= ⊆ e D B= , então xS B .

4.a Possibilidade. Se xC S A= ⊆ e yD S B= ⊆ , então x yS S .

Page 39: Fundamentos Da Matemática

39

No que a quarta possibilidade não pode ocorrer, caso contrário, xx C S∈ = , o que é impossível.

Corolário 4.20. Seja A um CBO. Então qualquer subconjunto de A é isomorfo a A ou a um segmento inicial de A. Prova. Fica como um exercício.

Teorema 4.21 (Primeiro Princípio de Indução Transfinita). Sejam A CBO e S um subconjunto de A com as seguintes propriedades: 1. 0a S∈ (menor elemento de A).

2. Se a A∈ e aS S⊆ , então a S∈ . (Princípio de Indução Transfinita - PIT) Então S A= . Prova. Suponhamos, por absurdo, que S A≠ . Então T A S= − ≠ ∅ . Logo, por hipótese, T contém um menor elemento 0t . Assim, 0x t< , para todo

0tx S∈ , isto implica que x T∉ , ou seja, 0tS S⊆ . Logo,

pela propriedade (2), 0t S∈ . Portanto, 0t S T∈ ∩ =∅ , o que é uma contradição, ou seja, S A= .

Observação 4.22. Note que a propriedade (1) é uma consequência da propriedade (2), pois

0 0aS S a S∅ = ⊆ ⇒ ∈ .

Teorema 4.23 (Segundo Princípio de Indução Transfinita). Sejam A CBO e ( )P x uma afirmação

que é verdadeira ou falsa para cada x A∈ . Suponhamos que a seguinte propriedade é satisfeita: Se ( )P y é verdadeira para cada y, com y x< , então ( )P x é verdadeira. (PIT)

Então ( )P x é verdadeira, para todo x A∈ . Prova. Consideremos o conjunto

{ : ( ) é falsa}S x A P x= ∈ Suponhamos, por absurdo, que S ≠ ∅ . Então, por hipótese, S contém um menor elemento, digamos m . Como ( )P y é verdadeira para cada y, com y m< , temos, pela propridade PIT, que ( )P m é verdadeira, o que contradiz a escolha de m. Portanto, ( )P x é verdadeira para todo x A∈ .

Seja X um conjunto qualquer. Consideremos o conjunto nX de todas as funções : nf I X→ , com

{ : 1}nI k k n= ∈ < +N , ou seja,

1 2{( , , , ) : }nn iX x x x x X= ∈… .

Seja n

nX

∈=∪ NF .

Então, dada uma função qualquer :g X→F , existe uma única função :f A X→ tal que [ ( 1) ( ) ( )]

nnI

n f n g f g f∀ ∈ + = =N ,

onde 1 2( , , , ) nn nf x x x X= ∈… . Mais geralmente, temos o seguinte teorema.

Teorema 4.24 (Fórmula de Recorrência). Sejam A um CBO, X um conjunto qualquer e F a

família de todas as funções :a af S X→ , para cada a A∈ , ou seja, aS

a AX

∈=∪F .

Seja :g X→F uma função qualquer. Então existe uma única função :f A X→ tal que [ ( ) ( ) ( )]

aaS

a A f a g f g f∀ ∈ = = .

Page 40: Fundamentos Da Matemática

40

Prova. (Existência) Seja C o conjunto de todos os subconjuntos B de A X× tais que ( , ( )) ( , ( )) , ea a ac f c B a g f B c S a A∈ ⇒ ∈ ∀ ∈ ∈ .

Então C ≠ ∅ , pois A X C× ∈ . Pondo

B Cf B

∈=∩ ,

é fácil verificar que f C∈ . Assim, basta provar que f é a função desejada. Para isto, seja S o conjunto de todos os elementos c A∈ tal que exista no máximo um x X∈ , com ( , )c x f∈ . Logo, devemos provar que se aS S⊆ , então a S∈ . Note que aS S⊆ significa que se c a< em A, então existe um único elemento

x X∈ tal que ( , )c x f∈ . Assim, a correspondência c x define uma função :a af S X→ tal que

af f⊆ . Suponhamos, por absurdo, que a S∉ . Então ( , )a y f∈ , para algum y Y∈ , com ( )ay g f≠ .

Afirmação. {( , )}f a y C− ∈ ou, equivalentemente, se b A∈ e {( , )}bf f a y⊆ − , então

( , ( )) {( , )}bb g f f a y∈ − .

De fato, se a b= , então a bf f= . Logo, ( , ( )) {( , )}bb g f f a y∈ − , pois ( ) ( )a by g f g f≠ = . Assim,

{( , )}f a y C− ∈ e {( , )}f f a y⊆ − , o que é uma contradição. Se a b≠ , então ( , ( )) {( , )}bb g f f a y∈ − , pois f C∈ e a b≠ . Assim, {( , )}f a y C− ∈ e {( , )}f f a y⊆ − , o que é uma contradição. Portanto, S A= .

(Unicidade) Suponhamos que :h A X→ seja uma função tal que [ ( ) ( ) ( )]

aaS

a A h a g h g h∀ ∈ = = .

Consideremos o conjunto { : ( ) ( )}T b A f b h b= ∈ = .

Suponhamos que a A∈ e aS T⊆ , então a T∈ , pois

( ) ( ) ( ) ( )a aS S

f a g f g h h a= = = .

Portanto, T A= e f h= .

Exemplo 4.25. Sejam N o conjunto dos números natunais e { }n nx ∈N uma família em R . Mostre

que existe uma única função :f →N R tal que

1 1 2 1(1) , (2) , e ( 1) ( ) ,nf x f x x f n f n x n+= = + = ∀ ∈N .

Em particular, se ,nx a= para todo ,n∈N então 1 ,n na a a+ = isto é, definimos a potência n-ésima de a.

Solução. Primeiro note que A = N , X = R e RF = . Seja :x →N R a função definida por

1 2( ) nx n x x x= , para todo n∈N . Então, pelo Teorema 4.25, existe uma única função :f →N R com

as propriedades desejadas. Mais precisamente, seja :g →R R a função definida por 1( ) ng x xx += . Então

nossa função f é definida por 1( 1) ( ( )) ( ) nf n g x n f n x ++ = = . 5. Avaliando o que foi construído

Nesta unidade vimos como aplicar os conhecimentos de conjuntos parcialmente ordenados na definição de funções crescentes, elementos maximais e minimais, maior e menor elemento, supremo e ínfimo e completude, semelhantes ao corpo dos números reais. Além disso, com a definição geral de conjunto bem ordenado, generalizamos os princípios de indução finita e a fórmula de recorrência, vistos no curso de Matemática Elementar.

Vimos também, nesta unidade, que indução pode ser usada não somente como um método de prova, mas também como um método de definição.

Page 41: Fundamentos Da Matemática

41

No Moodle

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Page 42: Fundamentos Da Matemática

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Unidade IV Axioma da Escolha e Aplicações 1. Situando a Temática

Zermelo, em 1904, em uma análise mais criteriosa da prova da conjectura de Cantor, "todo conjunto pode ser bem ordenado," observou que uma suposição que foi usada implicitamente na prova não era consequência dos postulados da matemática ou da lógica. Assim, ele tomou como um axioma e chamou de Axioma da Escolha, dentotado por 8ZF .

Gödel, em 1935, mostrou que se os axiomas da Teoria dos Conjuntos ZF eram consistentes, então 8ZF ZF+ era consistente. Assim, é natural que este resultado de Gödel deixe aberta a possibilidade de 8ZF

ser derivado de outros axiomas. Mas, Cohen (Paul Joseph Cohen, 1934-2007, matemático americano), em 1963, mostrou que 8( )ZF ZF+ ∼ era consistente se ZF também o era. Portanto, 8ZF é independente de ZF .

Nesta unidade apresentaremos o axioma da escolha e suas principais consequências. 2. Problematizando a Temática

Uma forma do axioma da escolha pode ser enunciada como: “seja P um conjunto não vazio, de subconjuntos não vazios de um conjunto dado A. Então existe um subconjunto B de A tal que, para todo C∈P , C B∩ é um conjunto unitário”.

Da mesma forma que o Princípio da Boa Ordenação, o Axioma da Escolha pode ser utilizado como eficiente ferramenta de modelagem em diversas situações-problema, principalmente aquelas que possuem como objetivo a existência de determinados objetos. Vejamos um exemplo de uma situação dessa natureza.

Mostre que qualquer espaço vetorial possui uma base.

Em bem pouco tempo estaremos aptos a responder esta e outras questões semelhantes. 3. Conhecendo a Temática

3.1 Axioma da Escolha

Nesta seção discutiremos um conceito que é um dos mais importantes, e ao mesmo tempo um dos mais controversos, princípios da matemática.

8ZF - Axioma da escolha. Seja { }i i IA ∈ uma família de conjuntos não vazios. Então

ii IA A

∈= ≠ ∅∏ .

Observação 1.1. Sejam { }i i IA ∈ uma família de conjuntos não vazios e ii I

A A∈

=∏ .

1. Um elemento de A chama-se uma função escolha para a família { }i i IA ∈ .

2. Intuitivamente, o axioma 8ZF diz que podemos simultaneamente escolher algum elemento de cada subconjunto não vazio de um conjunto.

3. Se iA B= , para todo i I∈ , então A é simplesmente o conjunto de todas as funções :f I B→ .

4. Se I é um conjunto finito, então não há a necessidade de usar o axioma 8ZF , para provar que A ≠ ∅ . De fato, se 1A ≠ ∅ e 2A ≠ ∅ , então existe 1 1x A∈ e 2 2x A∈ . Logo, 1 2 1 2( , )x x A A∈ × e

1 2A A× ≠ ∅ . Agora, use indução sobre n, com {1,2, , }I n= … . Portanto, o axioma 8ZF é significativo se I for um conjunto infinito.

5. Se cada iA é um grupo iG , com elemento identidade ie , então podemos definir a função

: ii If I A

∈→∪

Page 43: Fundamentos Da Matemática

43

por ( ) if i e= , sem usar 8ZF . Não obstante, se escolhermos i ia A∈ , então a função

: ii Ig I A

∈→∪

definida por ( ) ig i a= , pode não estar bem definida, pode não ser injetora.

6. Se cada iA é um CBO, então podemos definir a função

: ii Ih I A

∈→∪

por ( ) min{ }ih i A= , sem usar 8ZF .

Sejam A um conjunto qualquer e *( ) ( ) { }A A= − ∅P P . Uma função escolha para A é uma função

*: ( )r A A→P tal que

*( ) , ( )r B B B A∈ ∀ ∈P .

Observação 1.2. Se ( )Br r B= , diremos que Br é um representante de B.

Exemplo 1.3. Seja { , , }A a b c= . Então uma função escolha para A é dada pela tabela. Note que

existem 24 tais funções.

B r(B) A a

{a, b} a {a, c} a {b, c} b {a} a {b} b {c} c

Exemplo 1.4. Seja A um CBO. Então uma função escolha *: ( )r A A→P para A é dada por

( ) min{ }r B B= .

Teorema 1.5. As seguintes condições são equivalentes: 1. Vale o axioma da escolha 8ZF ; 2. 1F - Qualquer conjunto possui uma função escolha.

Prova. Sejam A qualquer conjunto não vazio, *( )I A=P e

B IX B

∈=∏ . Então, por hipótese, X ≠ ∅ .

Assim, existe f X∈ , com ( )f B B∈ , para todo B I∈ , isto é, f é uma função escolha para A. Portanto, 1F está satisfeita.

Reciprocamente, sejam { }i i IA ∈ uma família não vazia de conjuntos não vazios e

ii IA A

∈=∪ .

Então, por hipótese, existe uma função escolha *: ( )r A A→P para A, isto é, ( )r B B∈ , para todo B A⊆ . Em particular, ( )i ir A A∈ , para todo i I∈ . Vamos definir a função *: ( )f I A→P por

( ) if i A= . Assim, a função :g r f I A= → satisfaz

( ) ( )( ) ( ( )) ( )i ig i r f i r f i r A A= = = ∈ . Logo,

i ii I i Ig A A

∈ ∈∈ ⇒ ≠∅∏ ∏ .

Page 44: Fundamentos Da Matemática

44

Portanto, o axioma 8ZF está satisfeito.

Consideremos a seguinte afirmação: 2F - Sejam { }i i IA ∈ uma família não vazia de conjuntos não vazios, disjuntos aos pares. Então existe um conjunto C que consiste de exatamente um elemento de cada

iA , com i I∈ , isto é,

{ },i iA a i I∩ = ∀ ∈C .

O conjunto C chama-se conjunto escolha da família { }i i IA ∈ .

Exemplo 1.6. Sejam A um CBO e { : }P x x A= ∈ uma partição de A. Mostre que { : min( ), para alguma }x A x y y P= ∈ = ∈C

é um conjunto escolha para A. De fato, é claro que P é uma família de conjuntos não vazios e disjuntos aos pares. Logo, é fácil verificar que

{ },x x x A∩ = ∀ ∈C . Note que não houve a necessidade de usar o axioma 8ZF para provar a existência de C . Em particular, se

{1,2,3,4}A = , com a ordem induzida de N , e {{1,2},{3,4}}P = uma partição de A, então {1,3}=C é um conjunto escolha para A.

Teorema 1.7. As afirmações 1F e 2F são equivalentes.

Prova. Sejam { }i i IA ∈ uma família não vazia de conjuntos não vazios, disjuntos aos pares e

ii IA A

∈=∪ .

Então *{ } ( )i i IA A∈ ⊆P . Assim, por hipótese, existe uma função escolha *: ( )r A A→P para A tal que *( ) , ( )r B B B A∈ ∀ ∈P .

Logo, o conjunto ({ } )i i Ir A ∈=C tem as propriedades desejadas, pois

{ },i iA a i I∩ = ∀ ∈C . Reciprocamente, sejam A um conjunto não vazio, B A⊆ e

{( , ) : }BX B x x B= ∈ .

Então B CX X∩ =∅ se B C∩ =∅ . Assim, *( ){ }B B A

X∈P

é uma família de conjuntos não vazios,

disjuntos aos pares, pois *( )

( ) { } ( ( ) )B B B AX A A X A A

∈⊆ × ⇒ ⊆ ×

PP P P

e pelos axiomas 3ZF , 6ZF e o Teorema 3.14 da unidade II, a família *( ){ }B B A

X∈P

é um conjunto. Logo,

existe um conjunto escolha C para a família *( ){ }B B A

X∈P

, isto é, *{( , )}, ( )BX B x B A∩ = ∀ ∈C P .

Assim, a função *: ( )r A A→P definida por ( )r B x B= ∈ , com {( , )}BX B x∩ =C , é uma função escolha para A.

Consideremos a seguinte afirmação: 3F - Seja { }i i IA ∈ uma família não vazia de conjuntos não vazios. Então existe uma função

: ii If I A

∈→∪ ,

tal que ( ) if i A∈ , para todo i I∈ . A função f chama-se funçãoo escolha para a família { }i i IA ∈ .

Note que a afirmação 2F é equivalente a afirmação 3F . De fato, se { }i i IA ∈ é uma família não vazia de conjuntos não vazios, então a família

Page 45: Fundamentos Da Matemática

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{ { } : }iA i i I= × ∈F é não vazia de conjuntos não vazios e disjuntos aos pares. Assim, existe um conjunto escolhaC tal que

( { }) {( , )},i iA i a i i I∩ × = ∀ ∈C . Portanto, a função

: ii If I A

∈→∪

definida por ( ) i if i a A= ∈ em que

( , ) ( { })i ia i A i∈ ∩ ×C ,

tem as propriedades desejadas. Reciprocamente, se { }i i IA ∈ é uma família não vazia de conjuntos não vazios e disjuntos aos pares. Então existe uma função

: ii If I A

∈→∪

tal que ( ) if i A∈ , para todo i I∈ . Portanto, é fácil verificar que ( )f I=C é um conjunto escolha da

família { }i i IA ∈ .

Exemplo 1.8. Consideremos a família { } { : }n n nA A n∈ = ∈N N

em que {2 1,2 }nA n n= − . É claro que { }n nA ∈N é uma família não vazia de conjuntos não vazios e disjuntos aos pares. Então existe uma função escolha

: nnf A

∈→∪ N

N

tal que ( ) 2f n n= , para todo n∈N . Portanto, é fácil verificar que ( ) {2,4,6, }f= = …NC

é um conjunto escolha da família { }n nA ∈N .

Teorema 1.9. 0 axioma da escolha é equivalente a afirmação 3F .

Prova. Fica como um exercício.

Exemplo 1.10. Seja A um conjunto infinito. Mostre que existe uma função injetora :f A→N , com N o conjunto de todos os números naturais. Em particular, A contém um subconjunto enumerável. Solução. Como A ≠ ∅ , podemos escolher 1x A∈ . Novamente, como A é um conjunto infinito temos que

1{ }A x− ≠ ∅ , de modo que podemos escolher 2 1{ }x A x∈ − , e assim sucessivamente. Portanto, a função

:f A→N definida por 1(1)f x= e ( ) nf n x= é claramente injetora. Mas nada garante que ela esteja

bem definida. Para contornarmos esta situação vamos usar a afirmação 2F . Consideremos o conjunto não vazio

1 2 1{ , , , }n nB A x x x −= − ≠ ∅… , pois A é um conjunto infinito. Agora, Seja

{ } {( , ) : }n n n n nA B x x B∈ ∈= = ∈F .

Então F é uma família de conjuntos não vazios e disjuntos aos pares. Assim, pela afirmação 2F , existe um conjunto escolha C para F , isto é,

{( , ) : }n n n nB x x B= ∈C .

Agora, vamos definir :f A→N por 1(1)f x= e ( ) n nf n x B= ∈ , em que

( , )n n nB x A∈ ∩C . Portanto, f está bem definida e é injetora.

Page 46: Fundamentos Da Matemática

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Exemplo 1.11. Sejam A um conjunto e :f A B→ uma função. Mostre que f é sobrejetora se, e somente se, existe uma função :g B A→ tal que Bf g I= . Em particular, f é sobrejetora se, e somente se, g é injetora. Solução. Suponhamos que :f A B→ seja uma função sobrejetora. Então 1( )bX f b−= é um subconjunto não vazio de A, para todo b B∈ . Seja

*: ( )r A A→P uma função escolha para A. A função :g B A→ definida por ( ) ( )b bg b r X X= ∈ , para todo b B∈ , tem as propriedades desejadas, pois

( )( ) ( ( )) ( )Bf g b f g b b I b= = = .

Reciprocamente, suponhamos que exista uma função :g B A→ tal que Bf g I= . Então, dado y B∈ , temos que existe ( )x g y A= ∈ tal que

( ) ( )( ) ( ( )) ( )By I y f g y f g y f x= = = = ,

isto é, f é uma função sobrejetora. Além disso, é fácil verificar que :g B A→ é uma função injetora. Finalmente, se :g B A→ é injetora. Então :g B C→ é bijetora, com Im( )C g A= ⊆ . Assim,

1 :g C B− → é uma função. Seja b B∈ fixado. Então :f A B→ definida por 1( ), se

( ), se .

g x x Cf x

b x C

−⎧ ∈= ⎨

∉⎩

é uma função sobrejetora, pois dado y B∈ , existe x C∈ tal que 1( )y g x−= , ou seja, existe x C A∈ ⊆ tal que 1( ) ( )f x g x y−= = . 3.2 Aplicações

Nesta seção provaremos, como consequência do axioma da escolha 8ZF , os princípios maximais. Além disso, provaremos que eles são equivalentes a 8ZF .

Com o objetivo de provarmos o Lema de Zorn primeiro provaremos o seguinte teorema.

Teorema 2.1. Seja A um poset satisfazendo as seguintes condições: 1. A contém um menor elemento p. 2. Qualquer cadeia de A tem um supremo em A. Então existe x∈A sem sucessor imediato. Prova. Suponhamos, por absurdo, que qualquer elemento x A∈ tenha um sucessor imediato. Então o conjunto

{ : é um sucessor imediato de }xT y A y x= ∈ ≠ ∅ ,

pois qualquer elemento de A tem um sucessor imediato. Logo, pelo axioma 8ZF , existe uma função escolha r para A tal que ( )x xr T T∈ . Vamos definir uma função :f A A→ por ( ) ( )xf x r T= . Então é claro que

( )f x é um sucessor de x, isto é, ( )x f x< .

Um subconjunto B de A é uma p-sequência ou uma torre ou é admissível de A se as seguintes condições são satisfeitas:

1. p B∈ . 2. Se x B∈ , então ( )f x B∈ . ( ( )f B B⊂ ) 3. Se C é uma cadeia de B, então sup( )C B∈ .

Page 47: Fundamentos Da Matemática

47

Observação 2.2. Note que p-sequências existem. Por exemplo, A é uma p-sequência.

Lema 2.3. A interseção qualquer de p-sequências é uma p-sequência. Prova. Seja

B AP B

⊆=∩

a interseção de todas as p-sequências de A. Então P ≠ ∅ , pois p P∈ . Se x P∈ , então x B∈ , para todo B A⊆ . Logo, ( )f x B∈ , para todo B A⊆ . Portanto, ( )f x P∈ . Finalmente, se C é uma cadeia de P, então C é uma cadeia de B, para todo B A⊆ . Logo, sup( )C B∈ , para todo B A⊆ . Portanto, sup( )C P∈ .

Sejam P a interseção de todas as p-sequências de A e x P∈ . Diremos que x é um elemento normal ou uma escolha extrema se

x y≤ ou y x≤ , y P∀ ∈ , ou seja, x é comparável com qualquer elemento de P .

Lema 2.4. Suponhamos que x P∈ seja um elemento normal, y P∈ e y x< . Então ( )f y x≤ . Prova. Como P é uma p-sequência e y P∈ temos que ( )f y P∈ . Assim, por hipótese,

( )f y x≤ ou ( )x f y< . Se ( )x f y< , então ( )y x f y< < , o que é impossível. Portanto, ( )f y x≤ .

Lema 2.5. Suponhamos que x P∈ seja um elemento normal e { : ou ( )}xB y P y x y f x= ∈ ≤ ≥ .

Então xB é uma p-sequência.

Prova. Como p é o menor elemento de A temos que xp B∈ . Se xy B∈ , então devemos provar que

( ) xf y B∈ . Sendo xy B∈ temos y x≤ ou ( )y f x≥ . Assim, há três casos a serem considerados:

1. Casoo . Se y x< , então, pelo Lema 2.3, ( )f y x≤ . Logo, ( ) xf y B∈ .

2. Casoo . Se y x= , então ( ) ( )f y f x= . Assim, ( ) ( )f y f x≥ e ( ) xf y B∈ .

3. Casoo Se ( )y f x≥ , então ( ) ( )f y f x> , pois ( )y f y< . Logo, ( ) xf y B∈

Finalmente, se C é uma cadeia de xB e sup( )m C= , então devemos provar que xm B∈ . Dado xy B∈ ,

obtemos y x≤ ou ( )y f x≥ . Se existir y C∈ tal que ( )y f x≥ , então ( )m f x≥ , pois m y≥ . Logo,

xm B∈ . Caso contrário, y x≤ , para todo y C∈ . Portanto, m x≤ e xm B∈ .

Corolário 2.6. Suponhamos que x P∈ seja um elemento normal. Então y x≤ ou ( )y f x≥ , para todo y P∈ . Prova. Como P é a interseção de todas as p-sequências temos, pelo Lema 2.4, que xP B⊆ . Mas, por

definição, xB P⊆ . Portanto, xP B= . Portanto, y x≤ ou ( )y f x≥ , para todo y P∈ .

Lema 2.7. O conjunto de todos os elementos normais é uma p-sequência. Prova. Seja

{ : é um elemento normal}B x P x= ∈ . Então p B∈ , pois p y≤ , para todo y A∈ , em particular, para todo y P∈ . Se x B∈ , então, pelo Corolário 2.5, y x≤ ou ( )y f x≥ , para todo y P∈ . Logo, ( )y f x≤ ou ( )y f x≥ . Portanto ( )f x B∈ .

Page 48: Fundamentos Da Matemática

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Finalmente, se C é uma cadeia de B e sup( )m C= , dado y P∈ , se existir x C∈ tal que y x≤ , então y m≤ , pois x m≤ . Caso contrário, x y≤ , para todo x C∈ . Logo, m y≤ . Portanto, m B∈ .

Corolário 2.8. P é um conjunto totalmente ordenado.

Prova. Como

{ : é um elemento normal}B x P x= ∈ . é uma p-sequência temos que P B⊆ . Assim, P B= . Portanto, qualquer elemento de P é um elemento normal, isto é, P é conjunto totalmente ordenado.

Finalmente, para completarmos a prova do teorema, seja sup( )m P= . Então m P∈ , pois P é uma p-sequência e uma cadeia. Logo, ( )f m P∈ , pois P é uma p-sequência. Portanto,

( )f m m≤ , o que é uma contradição, pois ( )m f m< .

Teorema 2.9 (Princípio do Máximo de Hausdorff). Qualquer poset possui uma cadeia maximal. Prova. Sejam A um poset não vazio e

{ : é uma cadeia de }C A C A= ⊆F Dados 1 2,C C ∈F , definimos

1 2 1 2C C C C≤ ⇔ ⊆ Então F é um poset e contém um menor elemento ∅ . Agora, seja C qualquer cadeia de F e

CM C

∈=∪ C

.

Afirmação. M ∈F . De fato, dados ,x y M∈ . Então existem 1 2,C C ∈C tais que 1x C∈ e 2y C∈ . Como C é uma cadeia

temos que 1 2C C⊆ ou 2 1C C⊆ , digamos 1 2C C⊆ . Logo, 2,x y C∈ . Neste caso, x y≤ ou y x≤ ,

pois 2C é uma cadeia. Portanto, M é uma cadeia. É fácil verificar que sup( )M = C . Assim, pelo Teorema

2.8, existe C∈F sem sucessor imediato, isto é, não existe x C∈ −F tal que { }C x∪ seja uma cadeia de A. Portanto, C é uma cadeia maximal de A.

Seja A um poset. Diremos que A é um conjunto indutivamente ordenado se toda cadeia de A tem uma cota superior em A.

Exemplo 2.10. Sejam A uma cadeia e 1{ , , }nS x x= … um subconjunto de A. Mostre que existe jx ,

com 1 j n≤ ≤ , tal que i jx x≤ , para todo ix S∈ . Portanto, qualquer subconjunto finito de uma cadeia possui uma cota superior. Solução. Vamos usar indução sobre n. Se 1n = , nada há para ser provado. Sejam

1 1{ , , , }n nS x x x += … e 1{ , , }nT x x= … .

Então, pela hipótese de indução, existe jx , com 1 j n≤ ≤ , tal que i jx x≤ , para todo ix T∈ . Como A é

uma cadeia temos que 1j nx x +≤ ou 1n jx x+ ≤ . Portanto, em qualquer caso, existe jx , com 1 1j n≤ ≤ + ,

tal que i jx x≤ , para todo ix S∈ .

Apresentaremos a seguir um dos teoremas mais importante em Matemática sobre a existência de objeto que pertece a um dado conjunto e satisfaz certas propriedades.

Teorema 2.11 (Lema de Zorn). Qualquer conjunto indutivamente ordenado possui pelo menos um elemento maximal.

Page 49: Fundamentos Da Matemática

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Prova. Seja A um conjunto indutivamente ordenado. Então, pelo Teorema 2.9, A contém uma cadeia maximal C. Assim, por definição, C contém uma cota superior m.

Afirmação. m é um elemento maximal de A. De fato, suponhamos, por absurdo, que exista x A∈ tal que m x< . Então x C∉ , mas y x< , para todo y C∈ . Assim, { }C x∪ é uma cadeia de A com { }C C x⊂ ∪ , o que contradiz a maximalidade de C.

Portanto, m é um elemento maximal de A.

Lema 2.12. Sejam V um espaço vetorial sobre um corpo F e α um subconjunto de vetores LI em V. Então [ ]u V α∈ − se, e somente se, { }uα ∪ é um conjunto de vetores LI em V, em que [ ]α é o subespaço gerado por α . Prova. Sejam 1, , mu u… vetores distintos em α e 1, , ,mx x y… escalares em F tais que

1 1 0m mx u x u yu+ + + = . Então 0y = , pois se 0y ≠ , então

11

mm

x xu u u u

y yα

⎛ ⎞ ⎛ ⎞= − + + − ⇒ ∈⎜ ⎟ ⎜ ⎟⎝ ⎠ ⎝ ⎠

,

o que é impossível. Assim, 0y = e

1 1 0m mx u x u+ + = . Logo, por hipótese,

1 0mx x= = = . Portanto, { }uα ∪ é um conjunto de vetores LI em V.

A recíproca é clara.

Teorema 2.13. Qualquer espaço vetorial possui uma base. Mais geralmente, qualquer subconjunto de vetores LI de um espaço vetorial é parte de uma base. Prova. Seja V um espaço vetorial sobre um corpo F. Se {0}V = , então∅ é uma base de V. Se {0}V ≠ , então a família

{ : é um subconjunto de }LI Vβ β= ≠ ∅F . Dados ,α β ∈F , definimos

α β α β≤ ⇔ ⊆ . Logo, F é um poset. Sejam C qualquer cadeia de F e

CL

ββ

∈=∪ .

Afirmação. L∈F De fato, sejam 1, , nu u… vetores distintos de L e 1, , nx x… escalares de F tais que

1 1 0n nx u x u+ + = .

Como iu L∈ temos que existe i Cβ ∈ tal que i iu β∈ . Logo, pelo Exemplo 2.10, existe jβ , com

1 j n≤ ≤ , tal que i jβ β≤ , para todo 1, ,i n= … . Assim, 1, , n ju u β∈… . Portanto,

1 0nx x= = = . É claro que L é uma cota superior de C. Assim, pelo Lema de Zorn, F contém um elemento maximal, digamos M. Portanto, pelo Lema 2.12, M é uma base de V. 3.3 Princípio da Boa Ordenação

Nesta seção vamos provar que, se A é um conjunto qualquer, então existe pelo menos uma relação de ordem R sobre A tal que A, ordenado por R, é um conjunto bem ordenado.

Page 50: Fundamentos Da Matemática

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Exemplo 3.1. Qualquer conjunto finito é bem ordenado. Por exemplo, se { , , }A a b c= , então a b c< < , b c a< < , c a b< < , b a c< < , a c b< < e c b a< < são ordenações diferentes de A.

Exemplo 3.2. Qualquer conjunto contável A pode ser bem ordenado, pois se :f A→N é uma bijeção qualquer, então existe uma ordem ≤ sobre A definida por

, [ ( ) ( )]x y A x y f x f y∀ ∈ ≤ ⇔ ≤ . Em particular, se A = Z , então as funções :f A→N e :g A→N definidas por

2 , se 0( )

2 1, se 0a a

f aa a

>⎧= ⎨− + ≤⎩

e , se é um número par

2( )1 , se é um número ímpar

2

n ng n

n n

⎧⎪⎪= ⎨ −⎪⎪⎩

são inversas. Neste caso, obtemos a boa ordenação para Z ; {0,1, 1,2, 2, , , , }n n− − −… … .

Por exemplo, 1 2 0 (1) (2) 1g g< ⇔ = < = e 2 3 1 (2) (3) 1g g< ⇔ = < = − , etc.

Exemplo 3.3. Sejam B um conjunto bem ordenado e a A∈ , onde a B∉ . É fácil verificar que { }B a∪ ordenado por b a≤ , para todo b B∈ , é um conjunto bem ordenado.

Exemplo 3.4. O intervalo fechado [0,1]I = com a ordem induzida de R não é bem ordenado, pois

o intervalo ]0,1] é um subconjunto não vazio de I sem menor elemento.

Seja A um conjunto qualquer. Consideremos o par ordenado ( , )B R , com B A⊆ e R uma relação de ordem sobre B que bem ordena B. Seja F a família de todos os pares ( , )B R , com esta propridade. Note que ≠ ∅F , pois qualquer subconjunto contável de A pode ser bem ordenado, confira Exemplo 3.3. Dados

1 1 2 2( , ), ( , )B R B R ∈F , definimos

1 1 2 2( , ) ( , )B R B R≤ se, e somente se, as seguintes condições são satisfeitas:

1. 1 2B B⊆ .

2. 1 2R R⊆ . (1

1 2 BR R= )

3. Se 1x B∈ e 2 1y B B∈ − , então 2( , )x y R∈ . ( 1B é uma seção de 2B ) Então é fácil verificar que ≤ é uma ordem sobre F (prove isto!).

Lema 3.5. Sejam {( , ) : }i iC B R i I= ∈ .

uma cadeia de F , ei ii I i I

B B R R∈ ∈

= =∪ ∪ .

Então ( , )B R ∈F , em que

( , ) ( , )i ii IB R B R

∈=∪ .

Prova. Como B A⊆ , basta provar que R bem ordena B. É fácil verificar que R é uma ordem sobre B (prove isto!). Agora, seja S B⊆ , com S ≠ ∅ . Então existe i I∈ tal que

i iS S B= ∩ ≠ ∅ .

Como i iS B⊆ temos, por hipótese, que iS contém um menor elemento m em ( , )i iB R , isto é,

Page 51: Fundamentos Da Matemática

51

( , ) ,i im y R y S∈ ∀ ∈ . Afirmação. m é o menor elemento de S em ( , )B R .

De fato, dado x S∈ . Se ix B∈ , então x S∈ . Logo, ( , ) im x R R∈ ⊆ . Se ix B∉ , então existe j I∈ tal

que jx B∈ . Logo,

j iB B⊄ e ( , )j jB R ≰ ( , )i iB R . Assim, por hipótese,

( , ) ( , )i i j jB R B R≤ .

Como im B∈ e j ix B B∈ − temos que ( , ) jm x R R∈ ⊆ . Portanto, m é o menor elemento de S em ( , )B R .

Lema 3.6. Sejam C, B e R definidos no Lema 3.5. Então ( , )B R é uma cota superior de C. Prova. Seja ( , )i iB R C∈ . Então iB B⊆ e iR R⊆ . Se ix B∈ e iy B B∈ − , então existe j I∈ tal que

jy B∈ . Logo,

j iB B⊄ e ( , )j jB R ≰ ( , )i iB R . Assim, por hipótese,

( , ) ( , )i i j jB R B R≤ .

Como ix B∈ e j iy B B∈ − temos que ( , ) jx y R R∈ ⊆ . Portanto,

( , ) ( , )i iB R B R≤ ,

ou seja, ( , )B R é uma cota superior de C.

Teorema 3.7 (Princípio da Boa Ordenação). Qualquer conjunto pode ser bem ordenado. Prova. Sejam A um conjunto qualquer e

{( , ) : e ( ) é uma boa ordenação de }B R B A R B= ⊆ ≤F Então, pelos Lemas 3.5 e 3.6, F é um conjunto indutivamente ordenado. Logo, pelo Lema de Zorn, F contém um elemento maximal ( , )B R .

Afirmação. A B= . De fato, suponhamos, por absurdo, que A B− ≠ ∅ . Então existe x A∈ tal que x B∉ . Logo, y x≤ , para todo y B∈ . Sejam

* { }B B x= ∪ e * {( , ) : }R R y x y B= ∪ ∈ Então * *( , )B R ∈F , com

* *( , ) ( , )B R B R≤ o que contradiz a maximalidade de ( , )B R .

Teorema 3.8 . Seja A um conjunto qualquer. Então as seguintes condições são equivalentes: 1. O axioma da escolha; 2. O Princípio Maximal de Hausdorff; 3. O Lema de Zorn; 4. O Princípio da Boa Ordenação. Prova. Resta provar que (4 1)⇒ . Suponhamos que A seja um conjunto bem ordenado. Então a função

*: ( )r A A→P definida por ( ) min( )r B B= é uma função escolha para A.

Page 52: Fundamentos Da Matemática

52

Exemplo 3.9. Seja A um conjunto infinito. Mostre que A possui uma cobertura contável disjunta, isto é, existe uma família { }i i IA ∈ de conjuntos contáveis disjuntos aos pares tal que

ii IA A

∈=∪ .

Solução. Consideremos a família

{( , ) : e é uma cobertura contável disjunta de }B C B A C B= ⊆F . Então, pelo Exemplo 1.10, ≠ ∅F , pois ( ,{ })E E ∈F , com E um subconjunto contável de A. Agora confira a prova do Teorema 3.7.

5. Avaliando o que foi construído

Nesta unidade vimos as formulações clássicas do axioma da escolha dada por Zermelo e suas principais consequências. Portanto, use os resultados e técnicas desenvolvidos nesta unidade no estudo das definições e provas de problemas de existência que virão pela frente.

No Moodle A transformação de todo este conteúdo em conhecimento só se dará com a sua participação

efetiva nas atividades propostas no MOODLE. Portanto, programe-se. Planeje seus estudos. Já há muito que estudar sobre a Teoria dos

Conjuntos.

Page 53: Fundamentos Da Matemática

53

Unidade V Números Naturais 1. Situando a Temática

Com o objetivo de desenvlover a Matemática dentro da ferramenta da Teoria Axiomática dos Conjuntos construiremos, nesta unidade, um conjunto de objetos, chamados “números naturais”, o qual será munido com todas as propriedades que são associadas com os números naturais do nosso pensamento.

Além disso, com o “axioma da infinidade” completaremos a Teoria Axiomática dos Conjuntos, segundo Zermelo, ou seja, são os axiomas apresentados menos os axiomas 7ZF e 8ZF .

2. Problematizando a Temática

A importância da construção dos números “conjuntos infinitos” é refletida por frases como: ( )… a conquista do infinito atual pode ser considerada uma expansão do nosso horizonte científico não menos revolucionária do que o sistema Copernicano ou do que a teoria da relatividade, ou mesmo da teoria quântica e da física nuclear. ( )…

A. A. Fraenkel, 1966. Além disso, provaremos os axiomas de Peano para o conjunto dos números naturais N (Giuseppe Peano, 1858-1932, matemático italiano) como consequência do axioma da infinidade.

Em bem pouco tempo estaremos aptos para enunciar o axioma da infinidade. 3. Conhecendo a Temática 3.1 Números Naturais

Seja A um conjunto qualquer. O sucessor de A é definido como { }A A A+ = ∪ .

Definimos

01 0 { } { } {0}2 1 { } {{ }} { ,{ }} {0,1}3 2 { ,{ }} {{ ,{ }}} { ,{ },{ ,{ }}} {0,1,2}

+

+

+

= ∅

= =∅∪ ∅ = ∅ =

= = ∅ ∪ ∅ = ∅ ∅ =

= = ∅ ∅ ∪ ∅ ∅ = ∅ ∅ ∅ ∅ =

A ideia é simplesmente definir um número natural n como o conjunto de todos os números naturais menores, isto é,

{0,1,2, , 1}n n= −… . Mas essa definição ainda é deficiente. Por isso, vamos obter uma definição mais precisa, devida a von Neumann.

Seja A um conjunto qualquer. Diremos que A é um conjunto sucessor ou um conjunto indutivo se ele satisfaz às seguintes condições:

1. A∅∈ . 2. Se x A∈ , então x A+ ∈ .

9ZF - Axioma da infinidade. Existe um conjunto sucessor.

Page 54: Fundamentos Da Matemática

54

Observação 1.1. O axioma 9ZF garante a existência do conjunto vazio ∅ . Portanto, se 0∅ = for um conjunto, então, pelo axioma 5ZF ,

{ } {0,1, , }n n n n+ = ∪ = … é um conjunto e denotaremos por 1n n+ = + . Além disso, é claro que todo conjunto sucessor contém os nossos números naturais, os quais são construídos a partir do conjunto vazio.

Seja { }i i IA ∈ uma família de conjuntos sucessores. Então

ii IA A

∈=∩

é um conjunto sucessor. De fato, 0 A∈ , pois 0 iA∈ , para todo i I∈ . Se x A∈ , então ix A∈ , para todo

i I∈ . Assim, ix A+ ∈ , para todo i I∈ . Portanto, x A+ ∈ . Neste caso, A é o maior conjunto sucessor

contido em cada iA . Em particular, seja F a família de todos os conjuntos sucessores. Então

AB A

∈=∩ F

é um conjunto sucessor. Seja C qualquer conjunto sucessor. Então C∈F e B C⊆ . Portanto, B é o menor conjunto sucessor.

Definição 1.2. O conjunto de todos os números naturais é definido como a interseção de todos conjuntos sucessores e é denotado por ω .

Observação 1.3. 1. Note que ω é definido como um elemento do conjunto recursivo minimal. 2. A notação dos números naturais por ω é para diferenciar do nosso números naturais N construído via

os axiomas de Peano. 3. Qualquer elemento de ω chama-se número natural. Neste caso, cada número natural de ω é igual a

{0,1, , 1}n n= −… . Além disso, pelo axioma 9ZF existe um conjunto sucessor A e, pela Definição 1.2, Aω ⊆ . Assim, pelo

Axioma 3ZF , ω é um conjunto. Portanto, todo número natural é um conjunto.

Teorema 1.4. 0n + ≠ , para todo n ω∈ . Prova. Como { }n n n+ = ∪ , para todo n ω∈ , temos que n n +∈ , para todo n ω∈ . Portanto, 0n + ≠ .

Teorema 1.5 (Primeiro Princípio de Indução Finita) Seja S um subconjunto de ω e suponhamos que S tenha as seguintes propriedades: 1. 0 S∈ . 2. Se n S∈ , então n S+ ∈ . (PIF) Então S ω= . Prova. As condições (1) e (2) implicam que S é um conjunto sucessor. Logo, pela Definição 1.2, Sω ⊆ . Portanto, S ω= .

Exemplo 1.6. Mostre que se n ω∈ , então 0n = ou n k += , para algum k ω∈ . Prova. Seja

{ : 0 ou , para algum }S n n n k kω ω+= ∈ = = ∈ Então 0 S∈ . Suponhamos que o resultado seja válido para algum n, isto é, n S∈ . Então

1 1 ( )n n k k+ + + += + = + = , para algum k ω∈ . Portanto, n S+ ∈ e S ω= .

Page 55: Fundamentos Da Matemática

55

Lema 1.7. Sejam ,m n ω∈ . Se m n +∈ , então m n∈ ou m n= . Prova. Se m n +∈ , então, por definição, m n∈ ou { }m n∈ . Logo, m n∈ ou m n= .

Seja A um conjunto qualquer. Diremos que A é um conjunto transitivo se x A⊆ , para todo x A∈ , isto é, se y x A∈ ∈ , então y A∈ .

Exemplo 1.8. O conjunto 3 {0,1,2}= é um conjunto transitivo, pois 0 3= ∅∈ , 1 { } 3= ∅ ∈ e 2 { ,{ }} 3= ∅ ∅ ∈ .

Lema 1.9. Qualquer número natural é um conjunto transitivo. Prova. Seja

{ : é um conjunto transitivo}S n nω= ∈ . Então 0 S∈ , pois se 0 não fosse um conjunto transitivo, então existiria 0y∈ tal que 0y ⊄ , mas isto é impossível, uma vez que 0 = ∅ . Agora, suponhamos que n S∈ . Então devemos provar que n S+ ∈ . Dado m n +∈ , temos, pelo Lema 1.7, que m n∈ ou m n= . Se m n∈ , então m n⊆ . Logo, m m +⊆ , pois n n +⊆ . Se m n= , então m n +⊆ , pois n n +⊆ . Portanto, n S+ ∈ . Assim, pelo Princípio de Indução Finita, S ω= .

Teorema 1.10. Sejam ,m n ω∈ . Se m n+ += , então m n= . Em particular, a função :f ω ω→

definida por ( )f n n += é injetora. Prova. Suponhamos que m n+ += . Então n m +∈ e m n +∈ . Logo, pelo Lema 1.7, temos duas possiblidades: ( n m∈ ou m n= ) e ( m n∈ ou m n= ). Se m n= , nada há para ser provado. Se m n≠ , então n m∈ e m n∈ . Assim, pelo Lema 1.9, n m⊆ e m n⊆ , isto é, m n= , o que é impossível.

Teorema 1.11 (Axiomas de Peano) Seja ω o conjunto dos números naturais. Então: 1. 0 ω∈ . 2. Se n ω∈ , então n ω+ ∈ . 3. 0n + ≠ , para todo n ω∈ . 4. Se S ω⊆ é tal que a. 0 S∈ . b. Se n S∈ , então n S+ ∈ . (PIF) Então S ω= . 5. Se ,m n ω∈ e m n+ += , então m n= . Prova. Fica como um exercício.

Teorema 1.12 (Fórmula de Recorrência) Sejam A um conjunto qualquer, c A∈ um elemento fixado e :g A A→ uma função qualquer. Então existe uma única função :f Aω→ tal que as seguintes condições são satisfeitas: 1. (0)f c= .

2. ( ) ( ( ))f n g f n+ = , para todo n ω∈ . Prova. Note que {0,1, , }nn S n+ = = … é um segmento inicial e confira a prova do Teorema 4.24 da unidade III.

Page 56: Fundamentos Da Matemática

56

Corolário 1.13. Sejam , ec g f como na Fórmula de Recorrência. Se g for injetora e Im( )c g∉ , então f é injetora.

Prova. Devemos provar que se dados ,m n ω∈ , ( ) ( )f m f n= , então m n= . Para provar isso, vamos usar indução sobre m. Se 0m = e 0n = , nada há para provar. Se 0n ≠ , então, pelo Exemplo 1.6, existe k ω∈ tal que n k += . Assim,

(0) ( ) ( ) ( ) ( ( ))c f f m f n f k g f k+= = = = = ⇒ Im( )c g∈ , o que é impossível. Portanto, 0m n= = .

Suponhamos, como hipótese de indução, que o resultado seja válido para algum m ω∈ . Seja ( ) ( )f m f n+ = . Se 0n = , então já vimos que ( ) (0)f m f+ = é impossível. Assim, 0n ≠ e, pelo

Exemjplo 1.6, existe k ω∈ tal que n k += . Logo, ( ( )) ( ) ( ) ( ) ( ( )) ( ) ( )g f m f m f n f k g f k f m f k+ += = = = ⇒ = .

pois g é injetora. Pela hipótese de indução, m k= . Portanto, m k n+ += = .

Observer que a definição de potência de um número real qualquer a∈R é usualmente definida como:

1. 0 1a = . 2. 1n na a a+ = , para todo n ω∈ .

As condições (1) e (2) segnificam que 0 1a = , 1a a= , 2a aa= , etc. Esta definição intuitiva é formalmente como segue: sejam R o conjunto de todos os números reais, :g →R R uma função definida por ( )g x xa= e 1c = uma constante real. Então existe uma única função :f ω→ R definida por

( ) nf n a= tal que 1. (0) 1f = . 2. ( ) ( ( ))f n g f n+ = , para todo n ω∈ .

Outro exemplo, definindo :g →R R por 2( )g x x= e 2c = , existe uma única função :f ω→ R tal que a. (0) 2f = . b. ( ) ( ( ))f n g f n+ = , para todo n ω∈ .

Neste caso, é fácil verificar que 2( ) 2n

f n = .

Exemplo 1.14. Sejam A um conjunto, B um subconjunto de A e :g A B→ uma função injetora. Mostre que A possui um subconjunto D tal que :h Dω→ é bijetora. Solução. Como g é injetora temos, pelo Corolário 1.13, que existe uma única função injetora :f Aω→ . Pondo ( ) Im( )D f fω= = , obtemos a função :h Dω→ definida por ( ) ( )h n f n= , com as propriedades desejadas. 3.2 Aritmética dos Números Naturais

Veremos nesta seção uma das mais importante aplicações da Fórmula de Recorrência, que é o seu uso nas definições de adição e multiplicação de números naturais.

Seja m ω∈ fixado. Então, pelo Teorema 1.12, existe uma única função :mf ω ω→ tal que

1. (0)mf m= .

2. ( ) [( ( ))]m mf n f n+ += , para todo n ω∈ .

Note que a função :g ω ω→ é definida por ( )g x x += e c m= .

Page 57: Fundamentos Da Matemática

57

Dados ,m n ω∈ , definimos a adição sobre ω como sendo ( )mm n f n+ = .

Assim, as condições (1) e (2), podem ser reescritas como:

1. 0m m+ = . 2. ( )m n m n+ ++ = + .

Lema 2.1. 1n n+ = + , em que 1 0 += , para todo n ω∈ .

Prova. Seja

{ : 1 }S n n nω += ∈ = + . Então 0 S∈ , pois pela condição (1) 0 1 1 0+ = = + . Suponhamos que o resultado seja válido para algum n, isto é, n S∈ . Então, pela condição (2),

1 (1 ) ( )n n n+ + + ++ = + = . Portanto, n S+ ∈ e S ω= .

Lema 2.2. 0 n n+ = , para todo n ω∈ , ou seja, 0 é o elemento neutro da adição sobre ω . Prova. Seja

{ : 0 }S n n nω= ∈ + = . Então 0 S∈ , pois pela condição (1) 0 0 0+ = . Suponhamos que o resultado seja válido para algum n, isto é, n S∈ . Então, pela condição (2),

0 (0 )n n n+ + ++ = + = . Portanto, n S+ ∈ e S ω= .

Lema 2.3. ( ) ( )m n k m n k+ + = + + , para todo , ,m n k ω∈ , ou seja, a adição sobre ω é associativa. Prova. Para dois m e n fixados, seja

{ : ( ) ( ) }S k m n k m n kω= ∈ + + = + + . Então 0 S∈ , pois pela condição (1)

( 0) ( ) 0m n m n m n+ + = + = + + . Suponhamos que o resultado seja válido para algum k, isto é, k S∈ . Então, pela condição (2),

( ) ( ) [ ( )] [( ) ] ( )m n k m n k m n k m n k m n k+ + + + ++ + = + + = + + = + + = + + . Portanto, n S+ ∈ e S ω= .

Lema 2.4. m n n m+ = + , para todo ,m n ω∈ , ou seja, a adição sobre ω é comutativa. Prova. Para um m fixado, seja

{ : }S n m n n mω= ∈ + = + . Então 0 S∈ , pois pela condição (1) e o Lema 2.2

0 0m m m+ = = + . Suponhamos que o resultado seja válido para algum n, isto é, n S∈ . Então, pela condição (2) e os Lemas 2.1 e 2.3,

( ) ( ) 1 ( ) (1 )m n m n n m n m n m n m+ + + ++ = + = + = + + = + + = + . Portanto, n S+ ∈ e S ω= .

Seja m ω∈ fixado. Então, pelo Teorema 1.12, existe uma única função :mf ω ω→ tal que

Page 58: Fundamentos Da Matemática

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1. (0) 0mf = .

2. ( ) ( )m mf n m f n+ = + , para todo n ω∈ .

Note que a função :g ω ω→ é definida por ( )g x m x x m= + = + e 0c = .

Dados ,m n ω∈ , definimos a multiplicação sobre ω como sendo ( )mm n f n• = .

Assim, as condições (1) e (2), podem ser reescritas como:

1. 0 0m • = . 2. m n m m n+• = + • .

Com o objetivo de simplificar a notação usaremos mn ao invés de m n• .

Lema 2.5. 0 0n = , para todo n ω∈ . Prova. Seja

{ : 0 0}S n nω= ∈ = . Então 0 S∈ , pois pela condição (1) 0 0 0• = . Suponhamos que o resultado seja válido para algum n, isto é, n S∈ . Então, pela condição (2) e o Lema 2.2,

0 0 0 0 0 0n n+ = + = + = . Portanto, n S+ ∈ e S ω= .

Lema 2.6. 1n n= , para todo n ω∈ , ou seja, 1 é o elemento neutro da multiplicação sobre ω . Prova. Seja

{ : 1 }S n n nω= ∈ = . Então 0 S∈ , pois pela condição (1) 10 0= . Suponhamos que o resultado seja válido para algum n, isto é, n S∈ . Então, pela condição (2),

1 1 1 1n n n+ += + = + . Portanto, n S+ ∈ e S ω= .

Lema 2.7. Dados , ,m n k ω∈ , 1. ( )m n k m n m k+ = + . 2. ( )m n k m k n k+ = + , ou seja, a adição e a multiplicação sobre ω são distributivas. Prova. Vamos provar apenas o item (1). Para m e n fixados, seja

{ : ( ) }S k m n k m n n kω= ∈ + = + . Então 0 S∈ , pois pelo Lema 2.2 e a condição (1),

( 0) 0 0m n m n m n m n m+ = = + = + . Suponhamos que o resultado seja válido para algum k, isto é, k S∈ . Então, pela condição (2) e o Lema 2.4,

( ) ( ) [ ( )] ( ) ( )m n k m n k m m n k m n m k m m n m k m m n m k+ + ++ = + = + + = + + = + + = + . Portanto, k S+ ∈ e S ω= .

Lema 2.8. ( ) ( )m n k m n k= , para todo , ,m n k ω∈ , ou seja, a multiplicação sobre ω é associativa. Prova. Para m e n fixados, seja

Page 59: Fundamentos Da Matemática

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{ : ( ) ( ) }S k m n k m n kω= ∈ = . Então 0 S∈ , pois pela condição (1)

( 0) 0 0 ( )0m n m m n= = = . Suponhamos que o resultado seja válido para algum k, isto é, k S∈ . Então, pela condição (2) e o Lema 2.7,

( ) ( ) ( ) ( ) ( )m n k m n n k m n m n k m n m n k m n k+ += + = + = + = . Portanto, k S+ ∈ e S ω= .

Lema 2.9. m n n m= , para todo ,m n ω∈ , ou seja, a multiplicação sobre ω é comutativa. Prova. Para m fixado, seja

{ : }S n m n n mω= ∈ = . Então 0 S∈ , pois pela condição (1) e o Lema 2.5

0 0m m m= = . Suponhamos que o resultado seja válido para algum n, isto é, n S∈ . Então, pela condição (2) e os Lemas 2.6 e 2.7,

1 (1 )m n m m n m n m m n m n m n m+ += + = + = + = + = . Portanto, n S+ ∈ e S ω= .

Teorema 2.10. Para ,m n ω∈ , definimos oum n m n m n≤ ⇔ ∈ = .

Então ≤ é uma relação de ordem sobre ω . Prova. Como m m= , para todo m ω∈ , temos que m m≤ . Dados ,m n ω∈ , se m n≤ e n m≤ , então m n= ou m n∈ e n m∈ . Assim, se m n∈ e n m∈ , então m n⊆ e n m⊆ . Logo, m n= .

Finalmente, dados , ,m n p ω∈ , se m n≤ e n p≤ , então [ m n= ou m n∈ ] e [ n p= ou n p∈ ]. Assim, há quatro possibilidades a serem consideradas:

1.a Possibilidade. Se m n= e n p= , então m p= . 2.a Possibilidade. Se m n= e n p∈ , então m p∈ . 3.a Possibilidade. Se m n∈ e n p= , então m p∈ . 4.a Possibilidade. Se m n∈ e n p∈ , então m n∈ e n p⊆ . Logo, m p∈ .

Portanto, em qualquer possibilidade, m p≤ , ou seja, ≤ é uma relação de ordem sobre ω .

Lema 2.11. Se n ω∈ , então 0n ≥ . Prova. Seja

{ : 0}S n nω= ∈ ≥ . Então 0 S∈ , pois 0 0≤ Suponhamos que o resultado seja válido para algum n, isto é, n S∈ . Então

n n n n+ +∈ ⇒ ≤ . Portanto, n S+ ∈ e S ω= .

Lema 2.12. Sejam ,m n ω∈ . Se m n< , então m n+ ≤ . Prova. Para m ω∈ fixado, seja

{ : }S n m n m nω += ∈ < ⇒ ≤ . Então 0 S∈ , pois se 0 S∉ , então 0m < e m + ≰ 0. Assim, 0m∈ e m + ≰ 0, o que é impossível. Suponhamos que o resultado seja válido para algum n, isto é, n S∈ . Se m n +< , então m n +∈ . Logo, pelo Lema 1.6, m n∈ ou m n= . Se m n= , então m n+ += e n S+ ∈ . Se m n∈ , então m n< . Portanto, n S+ ∈ , pois m n n+ +≤ < , e S ω= .

Page 60: Fundamentos Da Matemática

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Teorema 2.13. ω é um conjunto bem ordenado. Em particular, ω é um conjunto totalmente ordenado. Prova. Suponhamos, por absurdo, que ω contenha um subconjunto A diferente do conjunto vazio sem menor elemento. Seja

{ : , }S n n m m Aω= ∈ ≤ ∀ ∈ . Então, pelo Lema 2.11, 0 S∈ . Suponhamos que o resultado seja válido para algum n, isto é, n S∈ . Se n k= , para algum k A∈ , então k seria o menor elemento de A, que é uma contradição. Assim, n m< , para todo m A∈ . Logo, pelo Lema 2.12, n m+ ≤ , para todo m A∈ , ou seja, n S+ ∈ . Portanto, S ω= . Como S A∩ =∅ , pois A não tem menor elemento, temos que A = ∅ , o que é uma contradição.

Exemplo 2.14. Mostre que se um subconjunto não vazio B de ω possui uma cota superior, então ele possui um maior elemento. Solução. Seja

{ : é uma cota superior de }S k k Bω= ∈ . Então S ≠ ∅ . Assim, pelo Teorema 2.13, S contém um menor elemento, digamos n S∈ . Neste caso,

sup( )n B= . Afirmação. n B∈ .

De fato, suponhamos, por absurdo, que n B∉ . Então n m> , para todo m B∈ . Logo, 0n ≠ , pois B ≠ ∅ , e pelo Exemplo 1.6, 1n k k+= = + , para algum k ω∈ . Assim, pelo Lema 2.12, k m≥ , para todo m B∈ . Portanto, k é uma cota superior de S com k n< , o que contradiz a minimalidade de n.

Teorema 2.15 (Segundo Princípio de Indução Finita). Seja ( )P n uma afirmação, para cada n ω∈ . Suponhamos que a seguinte propriedade é satisfeita:

Se ( )P m é verdadeira para cada m, com m n< , então ( )P n é verdadeira (PIF). Então ( )P n é verdadeira, para todo n ω∈ . Prova. Fica como um exercício.

Exemplo 2.16. Sejam , ,k m n ω∈ . Mostre que: 1. Se m n= , então m k n k+ = + . 2. Se m n= , então m k n k= . 3. Se m n< , então m k n k+ < + . 4. Se m n m k+ = + , então n k= . 5. Se m n< , então km kn< , com 0k ≠ . 6. Se m k m k= e 0k ≠ , então m n= . 7. Se m n≤ , então existe um único p ω∈ tal que n m p= + . 8. Se m k n k+ < + , então m n< . 9. Se m k n k< , então m n< . Solução. Vamos provar apenas os itens (1) e (5): (1) Para ,m n ω∈ fixados, seja

{ : }S k m n m k n kω= ∈ = ⇒ + = + . Então 0 S∈ Suponhamos que o resultado seja válido para algum k, isto é, k S∈ . Então

( 1) ( ) 1 ( ) 1 ( 1)m k m k m k n k n k n k+ ++ = + + = + + = + + = + + = + . Portanto, k S+ ∈ e S ω= .

(5) Para ,m n ω∈ fixados, consideremos a afirmação ( )P k : m n km kn< ⇒ < , para cada k ω∈ , com 0k ≠ .

Então (1)P é verdadeira, pois 1 1m m n n= < = . Suponhamos que a afirmação ( )P k seja verdadeira. Então, pelo item (3),

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(1 ) (1 )k m k m m km n km n k n k n k n+ += + = + < + < + = + = . Logo, ( )P k + é verdadeira. Portanto, ( )P k + é verdadeira, para todo k ω∈ .

Exemplo 2.17. Seja n ω∈ . Mostre que se 1n < , então 0n = . Conclua que não existe k ω∈ tal que n k n +< < . Solução. Seja

{ : 0 1}S n nω= ∈ < < . Então S =∅ . Caso contrário, pelo Teorema 2.13, existe 0n S∈ tal que 0n n≤ , para todo n S∈ . Como

0n S∈ temos que 2

0 0 00 1 0 1n n n< < ⇒ < < < ,

Logo, 20n S∈ , o que contradiz a minimalidade de 0n . Portanto, 0n = .

Seja m ω∈ fixado. Então, pelo Teorema 1.12, existe uma única função :mf ω ω→ tal que

1. (0) 1mf = .

2. ( ) ( )m mf n f n m+ = , para todo n ω∈ .

Note que a função :g ω ω→ é definida por ( )g x xm= e 1c = .

Dados ,m n ω∈ , definimos a potenciação sobre ω como sendo

( )nmm f n= .

Assim, as condições (1) e (2), podem ser reescritas como: 1. 0 1m = . 2. 1n nm m m+ = .

Lema 2.18. Sejam , ,k m n ω∈ . Mostre que:

1. n k n km m m+ = . 2. ( ) k k kmn m n= .

3. ( )n k nkm m= .

Prova. Vamos provar apenas o item (1). Para ,m n ω∈ fixados, seja

{ : }n k n kS k m m mω += ∈ = . Então 0 S∈ . Suponhamos que o resultado seja válido para algum k, isto é, k S∈ . Então

1 ( ) 1 ( ) 1( ) ( )n k n k n k n k n k n k n k n km m m m m m m m m m m m m m m+ ++ + + + + + += = = = = = = .

Portanto, k S+ ∈ e S ω= .

Finalizaremos esta seção com mais uma aplicação da Fórmula de Recorrência. Observe, pelo Teorema 3.14 da unidade II, que ω ω× é um conjunto, pois ω é um conjunto. Agora, consideremos a função :g ω ω ω ω× → × definida por

(0, 1), se 0( , )

( 1, 1), se 0.m n

g m nm n n

+ =⎧= ⎨ + − ≠⎩

Então g é injetora e (0,0) Im( )g∉ , pois dados ( , ), ( , )m n p q ω ω∈ × , se ( , ) ( , ) ( , )g m n g p q r s= = , então há dois casos a serem considerados:

1.o Caso. Se 0r = , então por definição 0n q= = . Logo, (0, ) ( , ) (0, 1)s g m n m= = + e (0, ) ( , ) (0, 1)s g p q p= = + .

Assim, 1s m= + e 1s p= + , ou seja, .m p=

Page 62: Fundamentos Da Matemática

62

2.o Caso. Se 0r ≠ , então ( , ) ( , ) ( 1, 1)r s g m n m n= = + − e ( , ) ( , ) ( 1, 1)r s g p q p q= = + − .

Assim, 1r m= + e 1r p= + ; 1s n= − e 1s q= − , ou seja, m p= e n q= . Portanto, em qualquer caso, ( , ) ( , )m n p q= . Logo, pelo Corólário 1.13, existe uma única função

injetora :f ω ω ω→ × tal que 1. (0) (0,0)f = . 2. ( ) ( ( ))f n g f n+ = , para todo n ω∈ .

A função f é sobrejetora, pois dado ( , )p q ω ω∈ × , vamos usar indução sobre p q+ para provar que existe n ω∈ tal que ( ) ( , )f n p q= . Se 0p q+ = , então 0p q= = e (0) (0,0)f = . Suponhamos que o resultado seja válido para todo k, com 0 k p q≤ < + e que 1p q r r ++ = + = . Então há dois casos a serem considerados:

1.o Caso. Se 0p = , então por definição ( , ) ( 1,0)p q g q= − . Pela hipótese de indução, existe m ω∈ tal que ( 1,0) ( )q f m− = . Assim,

( , ) ( 1,0) ( ( )) ( )p q g q g f m f m += − = = .

2.o Caso. Se 0p ≠ , então por definição ( , ) ( 1, 1)p q g p q= − + . Pela hipótese de indução, existe n ω∈ tal que ( 1,0) ( )p q f n+ − = . Assim,

( 1) ( ( )) ( 1,0) (0, ),( 2) (1, 1), , ( 1) ( , ).

f n g f n g p q p qf n p q f n p p q

+ = = + − = ++ = + − + + =…

Portanto, em qualquer caso, dado ( , )p q ω ω∈ × , existe n ω∈ tal que ( ) ( , )f n p q= , ou seja, f é uma função bijetora. Neste caso, obtemos a boa ordenação para ω ω× ;

{(0,0), (0,1), (0,2), (1,1), (2,0), (0,3), }… . Note que qualquer número racional r∈Q pode ser escrito de modo único sob a forma

, onde , , 0 e mdc( , ) 1mr m n n m nn

= ∈ > =Z .

Assim, a função *:f ω ω+ → ×Q definida por ( ) ( , )g r m n=

é claramente injetora. Portanto, pelo axioma 4ZF , *+Q é um conjunto. Consequentemente, pelo axioma

5ZF , * *{0}+ −= ∪ ∪Q Q Q

é um conjunto. Na próxima unidade provaremos que existe uma correspondência biunívoca entre 2ω e R . Portanto, pelo axioma 6ZF , os números reais R é um conjunto. Neste caso, os números complexos C é um conjunto, pois ×R R é um conjunto. 4. Avaliando o que foi construído

Nesta unidade apresentamos o conceito formal do conjunto dos números naturais ω . Além disso, vimos que este conjunto satisfez todas as propriedades do conjunto dos números naturais N . Por exemplo, o primeiro princípio de indução finita.

No Moodle Se você quiser saber como utilizar, por exemplo, a Fórmula de Recorrência, procure acompanhar

as discussões e tarefas propostas na plataforma MOODLE sobre este e outros conteúdos relacionados. Leia, releia, pratique, discuta.

Page 63: Fundamentos Da Matemática

63

Unidade VI Números Cardinais 1. Situando a Temática

A definição de Dedekind, de conjunto infinito, é usada na discussão de propriedades de conjuntos infinitos e de conjuntos finitos. É demonstrado, dentre outras coisas, que conjuntos enumeráveis são os menores, em tamanho, dentre os conjuntos infinitos. Além disso, apresentaremos propriedades e exemplos de conjuntos enumeráveis e de conjuntos não enumeráveis. Portanto, toda a matemática clássica trabalha apenas com duas "medidas" de conjuntos infinitos, a saber, os conjuntos equipotentes a ω e os conjuntos equipotentes a 2ω . A potência 2ω é frequentemente chamada de potência do contínuo. 2. Problematizando a Temática

Seja A um conjunto qualquer. Já vimos, na unidade II Teorema 4.8, que existe uma correspondência biunívoca entre os conjuntos ( )AP e 2 A . Nesta unidade caracterizaremos todos os conjuntos com esta propriedade. Além disso, provaremos o seguinte teorema Cantor:

Não existe função bijetora entre os conjuntos A e ( )AP . A grande importância deste teorema é o seguinte resultado: se fizermos

1 2 1 3 2, ( ), ( ),A A A A Aω= = = …P P , então obtemos uma família (sequência) estritamente crescente de conjuntos infinitos

1 2 3A A A< < < 3. Conhecendo a Temática 3.1 Conjuntos Equipotentes

Sejam A e B dois conjuntos. Diremos que A e B são equipotentes ou têm a mesma potência se existir uma função bijetora :f A B→ e denotaremos por A B≈ . Note que ser equipotente é uma relação de equivalência.

Exemplo 1.1. Os conjuntos [0,1] e [ , ]a b , com a b≠ , são equipotentes. Em particular, os conjuntos ]0,1 [ e ] 1,1 [− são equipotentes. Solução. Vamos provar que a função : [0,1] [ , ]f a b→ definida por

( ) ( )f x a b a x= + − é bijetora. Dados , [0,1]x y∈ , se ( ) ( )f x f y= , então

( ) ( ) ( ) ( )a b a x a b a y b a x b a y x y+ − = + − ⇒ − = − ⇒ = , pois a b≠ . Logo, f é injetora. Agora, dado [ , ]y a b∈ , obtemos

0 0 1y aa y b y a b ab a−

≤ ≤ ⇔ ≤ − ≤ − ⇔ ≤ ≤−

.

Assim, dado [ , ]y a b∈ , existe

[0,1]y axb a−

= ∈−

tal que ( )y f x= . Portanto, f é sobrejetora.

Exemplo 1.2. Os conjuntos [0,1] e ]0,1 [ são equipotentes. Solução. Primeiro note que

1 1 1 1 1 1[0,1] 0,1, , , , e ]0,1 [ , , ,2 3 4 2 3 4

A A⎧ ⎫ ⎧ ⎫= ∪ = ∪⎨ ⎬ ⎨ ⎬⎩ ⎭ ⎩ ⎭

… … ,

Page 64: Fundamentos Da Matemática

64

com 1 1 1 1 1 1[0,1] 0,1, , , , ]0,1 [ , , ,2 3 4 2 3 4

A ⎧ ⎫ ⎧ ⎫= − = −⎨ ⎬ ⎨ ⎬⎩ ⎭ ⎩ ⎭

… …

Agora, vamos definir a função : [0,1] ]0,1 [f → por 1 , se 021 1( ) , se

21, se 0e ,

x

f x xn n

x x xn

⎧ =⎪⎪⎪= =⎨

+⎪⎪

≠ ≠⎪⎩

para todo {0}n ω∈ − . Então é fácil verificar que f é bijetora.

Observação 1.3. Já vimos, no Exemplo 2.5 da unidade III, que os conjuntos R e ] 1,1 [− são equipotentes. Portanto, o conjunto dos números reais e todos os intervalos não degenerados são equipotentes, por exemplo, a função : ] 0, [ ]0,1 [f +∞ → definida por

1( ) ( )1 1

x xf x f xx x

−⎛ ⎞= =⎜ ⎟+ −⎝ ⎠

é bijetora, pois

( )1 1

0 0 1lim ( ) 0 e lim ( ) 1 lim ( ) 0 e lim ( )

xx x xf x f x f x f x

+ + −

− −

→+∞→ → →= = = = +∞ .

Exemplo 1.4. Os conjuntos

2 2 2 2 2 21( ) {( , ) : 1} e ( ) {( , ) : ( ) ( ) }rB O x y x y B A x y x a y b r= ∈ + < = ∈ − + − <R R

são equipotentes, em que 0r > , (0,0) e ( , )O A a b= = . Solução. Basta observar que a função 1: ( ) ( )rf B O B A→ definida por

( , ) ( , ) ( , ) ( , )f x y a b r x y a rx b ry= + = + + é bijetora.

Exemplo 1.5. Os conjuntos ω , Z e ω ω× são equipotentes, pois a função :f ω→Z definida por

2 1, se 0( )

2 , se 0a a

f aa a− >⎧

= ⎨ − ≤⎩

é claramente bijetora e a função :g ω ω ω× → definida por (0,0) 0g = e ( , ) 2 (2 1)mg m n n= + é

bijetora, pois cada {0}a ω∈ − , pode ser escrito de modo único sob a forma 2 (2 1)ma n= + .

Exemplo 1.6 (Princípio de Dirichlet). ,m n ω∈ são equipotentes se, e somente se, m n= Em particular, se :f n n→ é uma função injetora, então f é sobrejetora (bijetora). Solução. Para um m fixado, seja

{ : }S n m n m nω= ∈ ≈ ⇒ = Então 0 S∈ , pois se 0m ≈ , então existe uma função bijetora : 0f m → . Como 0 =∅ temos que

0m =∅ = . Suponhamos que o resultado seja válido para algum n, isto é, n S∈ . Sejam :f m n +→ uma função bijetora e ( 1)k f m= − . Consideremos a função :g n n+ +→ definida por

Page 65: Fundamentos Da Matemática

65

, se( ) , se

, se { , }.

n x kg x k x n

x x k n

=⎧⎪= =⎨⎪ ∉⎩

Se k n= , então n

g I += . Se k n≠ , então n

g g I += . Logo, g é uma função bijetora e

:h g f m n += → é uma a função bijetora tal que ( 1)h m n− = , isto é, h aplica 1m − sobre n . Assim, por hipótese, 1m n− = . Logo,

{0,1, , 1} {0,1, , } 1m m n n n += − = = + =… … , ou seja, n S+ ∈ . Portanto, S ω= .

Sejam A e B dois conjuntos. Diremos que A é de uma potência menor do que B se existir uma função injetora :f A B→ e denotaremos por A B . Finalmente, diremos que A é de uma potência estritamente menor do que B se existir uma função injetora :f A B→ e não existir :g A B→ sobrejetora. Denotaremos por A B≺ .

Teorema 1.7 (Teorema de Cantor). Seja A um conjunto qualquer. Então ( )A A≺ P . Prova. Primeiro note que a função : ( )j A A→P definida por ( ) { }j x x= é claramente injetora. Portanto,

( )A AP . Agora, suponhamos, por absurdo, que exista uma função : ( )f A A→P sobrejetora. Para cada x A∈ , temos que ( )f x A⊆ . Assim, ( )x f x∈ ou ( )x f x∉ . Consideremos o conjunto

{ : ( )}S x A x f x= ∈ ∉ . Então ( )S A∈P . Logo, por hipótese, existe y A∈ tal que ( )f y S= . Como S A⊆ temos que y S∈ ou y S∉ . Se y S∈ , então ( )y f y S∉ = , o que é uma contradição. Se y S∉ , então ( )y f y S∈ = , o que é

uma contradição. Portanto, ( )A A≺ P .

Corolário 1.8. Seja A um conjunto qualquer. Então: 1. Se B é um subconjunto de A, então ( )B A≺ P . 2. Se ( )AP é um subconjunto de D, então A D≺ . Prova. Fica como um exercício.

Seja A um conjunto. Diremos que A é um conjunto infinito se ele for equipotente com um subconjunto próprio ou, equivalentemente, existir uma função :f A A→ injetora tal que ( )f A A≠ . Caso contrário, ele é um conjunto finito.

Exemplo 1.9. O conjunto dos números naturais ω é infinto, pois a função :f ω ω→ definida por ( ) 2 (ou ( ) 2 1)f n n f n n= = + é claramente injetora.

Teorema 1.10. Sejam A e B conjuntos quaisquer. Então: 1. Se B é um conjunto infinito e B A⊆ , então A é um conjunto infinito. 2. Se A é um conjunto finito e B A⊆ , então B é um conjunto finito. Prova. Vamos provar apenas o item (1). Como B é um conjunto infinito temos que existe uma função

:f B B→ injetora tal que ( )f B B≠ . Seja :g A A→ a função definida por ( ), se

( ), se .

f a a Bg a

a a B∈⎧

= ⎨ ∉⎩

Então g é injetora e ( )g A A≠ , pois ( )A B A B•

= ∪ − . Portanto, A é um conjunto infinito.

Page 66: Fundamentos Da Matemática

66

Teorema 1.11. Sejam A conjunto infinito qualquer e 0a A∈ fixado. Então 0{ }A a− é um conjunto

infinito. Conclua que se B é um subconjunto não vazio finito de A, então A B− é um conjunto infinito. Prova. Como A é um conjunto infinito temos que existe uma função :f A A→ injetora tal que

( )f A A≠ . Assim, há dois casos a serem considerados: 1.o Caso. Se 0 ( )a f A∈ , então existe 1a A∈ tal que 1 0( )f a a= . Neste caso, a função

0 0: { } { }g A a A a− → − definida por

1

1 0

( ), se( )

, se { },f x x a

g xb x a A a

≠⎧= ⎨ = ∈ −⎩

em que b é um elemento qualquer de ( )A f A− fixado, tem as propriedades desejadas. 2.o Caso. Se 0 ( )a f A∉ , então a função 0 0: { } { }g A a A a− → − definida por ( ) ( )g x f x= tem as

propriedades desejadas. Portanto, em qualquer caso, 0{ }A a− é um conjunto infinito.

Exemplo 1.12. Mostre que o conjunto

{ : 1} {0,1, , }nI k k n nω= ∈ < + = … é finito, para todo n ω∈ . Solução. Vamos usar indução sobre n. Se 0n = , nada há para ser provado. Suponhamos que o resultado seja válido para algum n. Consideremos o conjunto

1 { : 2} { 1}n nI k k n I nω+ = ∈ < + = ∪ + .

Então 1nI + é um conjunto finito. Caso contrário, pelo Teorema 1.11, 1 { 1}n nI n I+ − + = é um conjunto

infinito, o que contradiz a hipótese de indução. Portanto, nI é um conjunto finito, para todo n ω∈ .

Lema 1.13. Sejam ] 0,1 [x∈ e d ω∈ , com 2d ≥ . Então para cada n ω∈ existe uma única expressão

1 22

nnn

a a ax q

d d d= + + + + ,

onde os ia ω∈ satisfazem

10 e 0i n na d qd

≤ < ≤ < .

Prova. (Existência) Primeiro note que para cada x +∈R , obtemos

1, em que max{ : }x x x x m m xω≤ < + = ∈ ≤⎢ ⎥ ⎢ ⎥ ⎢ ⎥⎣ ⎦ ⎣ ⎦ ⎣ ⎦ .

Assim, se m x ω= ∈⎢ ⎥⎣ ⎦ , então

, onde [0,1 [x m q q= + ∈ ∩Q .

Agora, sejam ] 0,1 [x∈ e nm xd⎢ ⎥= ⎣ ⎦ . Então m ω∈ e existe [0,1 [nq ∈ tal que nx m q= + . Já vimos,

pelo Algoritmo da Divisão, que existem únicos ,ic n ω∈ tais que 0 1

0 1n

nm c d c d c d= + + + ,

onde os ic ω∈ satisfazem

0 e logi dc d n m⎢ ⎥≤ < = ⎣ ⎦ .

Portanto, dividindo a expressão de m por nd , obtemos

Page 67: Fundamentos Da Matemática

67

1 22

nnn

a a ax q

d d d= + + + + ,

onde i n ia c ω−= ∈ satisfazem

10 e 0i n na d qd

≤ < ≤ < .

(Unicidade) Seja 1 2

2n

nn

b b bx r

d d d= + + + + ,

onde ib ω∈ satisfazem

10 e 0i n nb d rd

≤ < ≤ <

outra expressão para x. Então 1 2 1 2

2 2n n

n nn n

a a a b b bq r

d d d d d d+ + + + = + + + + .

Assim, pela unicidade da representação na base d, obtemos i ia b= e n nq r= .

Exemplo 1.14. Os conjuntos 2ω e R são equipotentes. Solução. Pela Observação 1.3, basta provar que os conjuntos 2ω e ] 0,1 [I = são equipotentes. Pelo Lema 1.13, cada x I∈ pode ser escrito de modo único sob a forma

1 2 32 32 2 2

x x xx = + + +

onde {0,1}ix ∈ . Assim, para cada x I∈ fixado, obtemos uma função : {0,1}xχ ω→ definida por

, se 0( )

0, se 0,i

x

x ii

≠⎧= ⎨ =⎩

ou seja, 2xωχ ∈ , para todo x I∈ . Logo, a função : 2f I ω→ definida por ( ) xf x χ= é claramente

bijetora. Portanto, os conjuntos 2ω e R são equipotentes.

Exemplo 1.15. Os conjuntos ×R R e R são equipotentes. Solução. Seja ] 0,1 [I = . Então basta observar que a função :f I I I× → definida por

1 2 3 1 2 3 1 1 2 2 3 3(0, ; 0, ) (0, )f x x x y y y x y x y x y=… … … é bijetora.

Finalizaremos esta seção com o seguinte comentário: Seja A um conjunto qualquer. Então, pelo Teorema 4.8 da unidade II, os conjuntos ( )AP e 2 A são equipotentes. Portanto, 2 AA≺ . Agora, se fizermos

1 2 1 3 2, ( ), ( ),A A A A Aω= = = …P P , então obtemos uma família (sequência) estritamente crescente de conjuntos infinitos

1 2 3A A A< < < Consideremos

1 1iiB A

ω +∈=∪

Então 1 1( )iA B+ ⊆P , pois 1 1iA B+ ⊆ , para todo i ω∈ . Assim, pelo item (2) do Corolário 1.8,

1 1,iA B i ω+ ∀ ∈≺ . Logo, se fizermos

Page 68: Fundamentos Da Matemática

68

2 1 3 2 4 3( ), ( ), ( ),B B B B B B= = = …P P P , então obtemos uma sequência estritamente crescente de conjuntos infinitos

1 2 3 1 2 3A A A B B B< < < < < < < . Portanto, de modo intuitivo, existem mais "medidas" de conjuntos infinitos que diferentes "medidas" de conjuntos finitos. No entanto, toda a matemática clássica, trabalha apenas com duas "medidas" de conjuntos infinitos, a saber, os conjuntos equipotentes a ω e os conjuntos equipotentes a 2ω . A potência 2ω é frequentemente chamada de potência do contínuo.

3.2 Números cardinais

Já vimos que a relação entre conjuntos A B≈

é uma relação de equivalência. Assim, esta definição nos permite comparar “medidas” de conjuntos, mas não explica o que significa a medida. De fato, a “essência” da medida é mais filosófica do que matemática, ou seja, intuitivamente, a medida de um conjunto A é a propriedade que é comum a todos os conjuntos que são equipotentes a ele. Formalmente, temos o seguinte axioma.

10ZF - Axioma dos números cardinais. Existe uma classe de conjuntos C , chamada de números cardinais, com as seguintes propriedades: 1. Se A é um conjunto qualquer, então existe um número cardinal α tal que Aα ≈ . 2. Se A é um conjunto e ,α β são números cardinais, então Aα ≈ e Aβ ≈ implicam α β= .

Notações: # Aα = , card( )Aα = ou Aα = .

Observação 2.1. Infelizmente, a classe de números cardinais C não é um conjunto. De fato, suponhamos, por absurdo, que C seja um conjunto. Então, pelo axioma 5ZF ,

α∈

=∪ C

é um conjunto. Assim, pelo axioma 6ZF , ( )KP é um conjunto. Logo, pelo item (1) do axioma 10ZF , existe um número cardinal β tal que ( )Kβ ≈P , o que é uma contradição, pois Kβ ⊆ e ( )K K≺ P .

Definimos os cardinais finitos como 0

1 {0}

2 {0,1}

= ∅

=

=

Além disso, denotaremos

0

1

2

( )

( ( ))

χ ω

χ ω

χ ω

=

=

=

P

P P

Finalmente, denotaremos c = R . Neste caso, pelo Exemplo 1.14, 12 ( )c ϖ ω χ= = = =R P .

Sejam ,α β números cardinais e ,A B conjuntos tais que Aα = e Bβ = . Diremos que que α

é menor do que ou igual a β , em símbolos, α β≤ , se A B , ou seja, se existir uma função injetora :f A B→ . É fácil verificar que ≤ é uma pré-ordem entre os números cardinais.

Notação: α β< significa que α β≤ e α β≠ .

Page 69: Fundamentos Da Matemática

69

Lema 2.2. Seja :f A B→ uma função sobrejetora. Então B A≤ .

Prova. Pelo Exemplo 1.11 da unidade IV, existe uma função :g B A→ tal que Af g I= . Agora, é fácil

verificar que g é uma função injetora. Portanto, B A≤ .

Lema 2.3. Sejam ,A B conjuntos quaisquer. Se A B≤ , então { } { }A a B b− ≤ − , para todo a A∈ e b B∈ . Prova. Seja :f A B→ uma função injetora. Vamos definir : { } { }g A a B b− → − por

( ), se e ( )( )

( ), se e ( ).f x x a b f a

g xf a x a b f a

≠ ≠⎧= ⎨ ≠ =⎩

Então é fácil verificar que g é uma função injetora e Dom( ) { }g A a= − .

Lema 2.4. Sejam A conjunto qualquer e B um subconjunto de A. Se existir uma função injetora :f A B→ , então A B= .

Prova. (R. H. Cox) Se A B= , nada há para ser provado. Suponhamos que B A≠ . Então A B− ≠ ∅ . Consideremos o conjunto

( )nn

C f A B Aω∈

= − ⊆∪ ,

em que 0 ( ) ( )f A B A B− = − e 1( ) ( ( ))n nf x f f x−= , para todo x A∈ e n ω∈ , confira a Figura 13. Note que

e ( )A B C f C C− ⊆ ⊆ . Além disso, para cada ,m n ω∈ , com m n≠ , obtemos

( ) ( )m nf A B f A B− ∩ − =∅ , pois se m n< e

( ) ( )m nf A B f A B− ∩ − ≠ ∅ , então existem ,x y A B∈ − tais que

( ) ( ) ( )m n n mf x f y f y x B−= ⇒ = ∈ . Logo, ( )x B A B∈ ∩ − =∅ , o que é impossível. Agora, vamos definir a função :g A B→ por

( ), se( )

, se .f x x C

g xx x C

∈⎧= ⎨ ∉⎩

Então, por definição, g é injetora. Como ( ) ( ) ( )A X Y A Y X Y− ∪ = ∪ − − temos que

( ) ( )( ) ( )( ) ( )

1

1 1

( ) ( ) ( )

( ) ( )

( ) ( )

( ) ( ) ( )

( ).

n nn n

n nn n

n n nn n n

g A A C f C

A f A B f f A B

A f A B f A B

A f A B f A B f A B

A A BB

ω ω

ω ω

ω ω ω

∈ ∈

+∈ ∈

+ +∈ ∈ ∈

= − ∪

= − − ∪ −

= − − ∪ −

= ∪ − − − − −

= − −=

∪ ∪∪ ∪∪ ∪ ∪

Portanto, g é sobrejetora e A B= .

Page 70: Fundamentos Da Matemática

70

Figura 13. Esboço da prova do Lema.

Teorema 2.5 (Schröder-Bernstein). Sejam ,A B conjuntos quaisquer. Se A B≤ e B A≤ ,

então A B= .

Prova. Sejam X um subconjunto de A e Y um subconjunto de B tais que A Y≈ e B X≈ . Então existem funções bijetoras 1 :f A Y→ e 1 :g B X→ . Logo, 1 1 :f g f A X= → é uma função injetora. Assim,

pelo Lema 2.4, existe uam função bijetora :h A X→ . Portanto, a função 11 :g h A B− → é bijetora e

A B= .

Observação 2.6. Já vimos que ≤ era uma pré-ordem entre os números cardinais. Portanto, pelo Teorema 2.5, ≤ é uma ordem entre os números cardinais. Pode ser provada que para quaisquer números cardinais α e β uma e apenas uma das condições ocorre:

, ouα β α β α β< = > (Lei da Tricotomia).

Exemplo 2.7. Os conjuntos ] 0,1 [ e [0,1] são equipotentes. Solução. A função : ] 0,1 [ [0,1]j → definida por ( )j x x= é claramente injetora. Por outro lado, a função

: [0,1] ] 0,1 [f → definida por 1 1( )2 4

f x x= +

é claramente injetora. Portanto, pelo Teorema 2.5, os intervalos são equipotentes.

Exemplo 2.8. Os conjuntos ω e Q são equipotentes. Conclua que todos os conjunto enumeráveis são equipotentes. Solução. A função :j ω→Q definida por ( )j x x= é claramente injetora. Por outro lado, comoqualquer número racional r∈Q pode ser escrito de modo único sob a forma

, onde , , 0 e mdc( , ) 1mr m n n m nn

= ∈ > =Z

temos que a função :f ω→Q definida por

2 3 , se 0( )

2 5 , se 0

n m

mn

mg r

m

⎧ ≥⎪= ⎨<⎪⎩

é injetora. Portanto, pelo Teorema 2.5, os conjuntos ω e Q são equipotentes.

Page 71: Fundamentos Da Matemática

71

Finalizaremos esta seção com o seguinte resultado:

Hipótese do Contínuo. Não existe nenhum número cardinal α tal que 0 cχ α< < , em que

0χ ω= e 2c ω= .

3.3 Aritmética dos Números Cardinais

Nesta seção provaremos que os números cardinais possuem “quase” todas as propriedades algébricas dos números naturais.

Lema 3.1. Sejam :f A X→ e :g B X→ funções quaisquer tais que ( ) ( )f A B g A B∩ = ∩ .

Então existe uma única função :h A B X∪ → tal que h A f= e h B g= .

Prova. (Existência) Dado x A B∈ ∪ , vamos definir ( ) ( )h x f x= se x A∈ e ( ) ( )h x g x= se x B∈ . Assim, se x A B∈ ∩ , então por hipótese ( ) ( ) ( )h x f x g x= = . Portanto, h está bem definida e h A f= e

h B g= .

(Unicidade) Seja 1 :h A B X∪ → outra função tal que 1h A f= e 1h B g= . Então dado x A B∈ ∪ , obtemos x A∈ ou x B∈ ou x A B∈ ∩ , por exemplo, se x A∈ , então

1( ) ( ) ( )h x f x h x= = .

Portanto, em qualquer caso 1( ) ( )h x h x= , ou seja, 1h h= .

Teorema 3.2. Sejam A, B, C e D conjuntos quaisquer tais que A B∩ =∅ e C D∩ =∅ . Se A C≈ e B D≈ , então A B C D∪ ≈ ∪ .

Prova. Suponhamos que A C≈ e B D≈ . Então existem funções bijetoras :f A C→ e :g B D→ . Assim, pelo Corolário 4.3 da unidade II, :f A C D→ ∪ e :g B C D→ ∪ são funções tais que

( ) ( )f A B g A B∩ = ∩ .

Logo, pelo Lema 3.1, existe uma única função :h A B C D∪ → ∪ tal que h A f= e h B g= . Por outro

lado, pelo Corolário 4.3 da unidade II, 1 :f C A B− → ∪ e 1 :g D A B− → ∪ são funções tais que 1 1( ) ( )f C D g C D− −∩ = ∩ .

Logo, pelo Lema 3.1, existe uma única função :k C D A B∪ → ∪ tal que 1k C f −= e 1k D g −= . Agora, dado x A B∈ ∪ , obtemos x A∈ ou x B∈ , por exemplo, se x A∈ , então

1( )( ) ( ( )) ( ( )) ( ( ))k h x k h x k f x f f x x−= = = = . Portanto, A Bk h I ∪= . De modo inteiramente análogo, prova-se que C Dh k I ∪= . Assim, h é uma função bijetora e A B C D∪ ≈ ∪ .

Sejam α , β números cardinais e A, B conjuntos disjuntos tais que Aα = e Bβ = . Definimos a adição sobre os números cardinais como sendo

A Bα β+ = ∪ .

Observação 3.3. 1. Pelo Teorema 3.2 esta operação é bem definida. 2. Note que se A e B são dois conjuntos quaisquer, então A equipotente {1}A× e B equipotente {2}B× ,

com

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( {1}) ( {2})A B× ∩ × =∅ , mesmo que A e B não sejam disjuntos. Portanto,

( {1}) ( {2})A Bα β+ = × ∪ × ,

em que Aα = e Bβ = . Assim, a definição da adição de números cardinais pode ser substiuída por esta.

3. Note que se { , , }A a b c= e {1,2,3,4,5}B = , então 3 5 { , , ,1, 2,3, 4,5} 8A B a b c+ = ∪ = = .

Neste caso, a adição dos números cardinais coincide com a adição usual dos números naturais.

Teorema 3.4. Sejam α , β , γ e δ números cardinais. Então: 1. ( ) ( )α β γ α β γ+ + = + + . 2. 0 α α+ = . 3. α β β α+ = + . 4. α α β≤ + . 5. Se α β≤ e γ δ≤ , então α γ β δ+ ≤ + Prova. Vamos provar apenas o item (1). Basta observar que ( ) ( )A B C A B C∪ ∪ = ∪ ∪ , para todos os conjuntos A, B e C.

Observação 3.5. Sejam α , β , γ e δ números cardinais. Então α β α γ+ = + não implica que β γ= , pois

0 0 0 0 1χ χ χ χ+ = = + , mas 0 1χ ≠ , confira exemplo a seguir. Portanto, a lei do cancelamento vale no conjunto dos números naturais, mas não nos números cardinais.

Exemplo 3.6. Sejam {0,2,4,6, }pω = … e {1,3,5,7, }iω = … , então pelo Exemplo 1.9,

0p iω χ ω= = . Em particular,

0 0 0p iχ χ ω ω ω χ+ = ∪ = = .

Teorema 3.7. Sejam A, B, C e D conjuntos quaisquer. Se A C≈ e B D≈ , então A B C D× ≈ × .

Prova. Suponhamos que A C≈ e B D≈ . Então existem funções bijetoras :f A C→ e :g B D→ . Assim, a função :h A B C D× → × definida por

( , ) ( ( ), ( ))h x y f x f y= é claramente bijetora. Portanto, A B C D× ≈ × .

Sejam α , β números cardinais e A, B conjuntos que Aα = e Bβ = . Definimos a multiplicação sobre os números cardinais como sendo

A Bαβ = × .

Observação 3.8. 1. Pelo Teorema 3.7 esta operação é bem definida. 2. Note que se { , , }A a b c= e {1,2,3}B = , então

3 3 {( ,1), ( , 2), ( ,3), ( ,1), ( , 2), ( ,3), ( ,1), ( , 2), ( ,3)} 9A B a a a b b b c c c= × = =i . Neste caso, a multiplicação dos números cardinais coincide com a multiplicação usual dos números naturais.

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Teorema 3.9. Sejam α , β , γ e δ números cardinais. Então: 1. ( ) ( )α βγ αβ γ= . 2. 1α α=i . 3. αβ βα= . 4. ( )α β γ αγ βγ+ = + . 5. α αβ≤ , se 0α > . 6. Se α β≤ e γ δ≤ , então αγ βδ≤ . 7. 2α α α+ = i . 8. α α α α+ ≤ i , se 1α > . Prova. Vamos provar apenas os itens (1), (4) e (7): (1) A função : ( ) ( )f A B C A B C× × → × × definida por

( , ( , ) (( , ), )f x y z x y z= é claramente é bijetora.

(4) Basta observar, pelo Teorema 3.5 da unidade II, que ( ) ( ) ( )A B C A C B C∪ × = × ∪ × , para todos os conjuntos A, B e C.

(7) Se Aα = , então 2 {1, 2} Aα = ×i . Por outro lado, como

{1,2} ({1} {2}) ({1} ) ({2} )A A A A× = ∪ × = × ∪ × temos que {1, 2} A α α× = + . Portanto, 2α α α+ = i .

Observação 3.10. Sejam α , β , γ e δ números cardinais. Então αβ αγ= não implica que β γ= , pois pelo Exemplo 1.5

0 0 0 0 1χ χ ω ω ω χ χ= × = = = i , mas 0 1χ ≠ . Portanto, a lei do cancelamento vale no conjunto dos números naturais, mas não nos números cardinais.

Exemplo 3.11. Mostre que 0c cχ = .

Solução. A função : [0,1 [f × →Z R definida por ( , )f n x x n= + é, pela Observação 3.13 da unidade III, bijetora. Portanto, 0c cχ = .

Teorema 3.12. Sejam A, B, C e D conjuntos quaisquer. Se A C≈ e B D≈ , então A CB D≈ . Prova. Já vimos, na unidade II, que XY representa o conjunto de todas as funções com domínio X e contradomínio Y. Agora, suponhamos que A C≈ e B D≈ . Então existem funções bijetoras :f A C→ e

:g B D→ . Seja : A CF B D→ a função definida por ( )F k h= , onde Ch D∈ é tal que ( ( )) ( ( )),h f z g k z z A= ∀ ∈ ,

ou seja, 1h g k f−= , confira o diagrama. Então F é claramente bijetora. Portanto, A CB D≈ .

Sejam α , β números cardinais e A, B conjuntos tais que Aα = e Bβ = . Definimos a potenciação sobre os números cardinais como sendo

ABαβ = ,

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Observação 3.13. Pelo Teorema 3.12 esta operação é bem definida. Convencionamos 0 0α = e 0 1β = .

Teorema 3.14. Sejam α , β , γ e δ números cardinais. Então:

1. β γ β γα α α += .

2. ( ) γβ βγα α= .

3. ( ) γ γ γαβ α β= . 4. βα α≤ , se 0β > . 5. ββ α≤ , se 1α > . 6. Se α β≤ e γ δ≤ , então γ δα β≤ . 7. 2αα α= . Prova. Vamos provar apenas os itens (1), (2) e (7): (1) Sejam A, B e C conjuntos tais que Aα = , Bβ =

e Cγ = , em que B C∩ =∅ . Primeiro note que se :f B A→ e :g C A→ são funções quaisquer, então, pelo o diagrama,

é fácil verificar que existe uma única função h tal que 1h f f= e 1h g g= . Agora, a função

: B C B CF A A A∪ → × definida por

1 1( ) ( , )F h h f h g=

tem as propriedades desejadas. Portanto, B C B CA A A∪ ≈ × . (2) Sejam :f B C A× → uma função qualquer e y C∈ fixado. Então :yf B A→ definida por

( ) ( , )yf x f x y= é claramente uma função. Neste caso, : BF C A→ definida por ( ) yF y f= é uma

função (note que [ ( )]( ) ( ) ( , ), eyF y x f x f x y x B y C= = ∀ ∈ ∈ ). Agora, a função ( ):CB C BG A A× →

definida por ( )G f F= tem as propriedades desejadas, por exemplo, dados . , B Cf g A ×∈ , obtemos ( , ) [ ( )]( ) ( , ), ( , )f x y F y x g x y x y B C= = ∀ ∈ × .

Logo, f g= , ou seja, G é injetora. Portanto, ( )CB C BA A× ≈ .

Finalmente, para provar (7), basta observar que

1 2ii IA A A

∈= ×∏ ,

em que {1,2}I = . 4. Avaliando o que foi construído

Nesta unidade apresentamos o conceito de conjuntos equipotentes e o conceito formal de números cardinais via método axiomático. Além disso, vimos que o conjunto dos números cardinais possui quase todas as propriedades algébricas do conjunto dos números naturais.

Não apresentamos o conceito de números ordinais, pois este tema está além dos objetivos deste texto. O leitor interessado neste tema pode consultar Lipschutz, S., [3].

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5. Referências Bibliográficas

1. Da Costa, N. C. A. - Introdução aos Fundamentos da Matemática, Editora Hucitec, 1977.

2. Halmos, P. R. - Naive Set Theory, Princeton, N.J., Van Nostrand, 1960.

3. Lipschutz, S. - Teoria dos Conjuntos, Coleção Schaum, McGraw-Hill, 1978.

4. Pinter, C. C. - Set Theory, Addison-Wesley, 1971.

5. Silva, A. A. - Notas de Aula, Departamento de Matemática, UFPB.

6. Wilder, R. L. - Introduction to the Foundation of Mathematics, John Wiley & Sons, 1965.

Você pode procurar a plataforma MOODLE para trabalhar no desenvolvimento de resultados relacionados. Você ainda terá oportunidade de por em prática seus conhecimentos nas aplicações elaboradas sobre o tema.

Prepare-se para grandes descobertas!