francisco cândido xavier pelo espirito humberto de...

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1 Francisco Cândido Xavier PELO ESPIRITO HUMBERTO DE CAMPOS A primeira edição desta obra foi publicada em 1938 FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA DEPARTAMENTO EDITORIAL E GRÁFICO Rua Souza Valente, 17 20941-040 — Rio-RJ — Brasil

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FranciscoCândido

Xavier

PELO ESPIRITO

HUMBERTO DE CAMPOSA primeira edição desta obra

foi publicada em 1938

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRADEPARTAMENTO EDITORIAL E GRÁFICO

Rua Souza Valente, 1720941-040 — Rio-RJ — Brasil

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Esta numeração corresponde ao livro impresso, o textodigital não considerou as folhas em branco.

ÍNDICE

Prefácio .......................................................... 9Esclarecendo ................................................... 13O Coração do Mundo ................................... 19A «Pátria do Evangelho» ................................ 27Os degredados .................................................. 35Os missionários ................................................. 41Os escravos ..................................................... 49A civilização brasileira ................................ 57Os negros do Brasil ......................................... 65A Invasão Holandesa........................................ 73A restauração de Portugal ........................... 81As Bandeiras ..................................................... 89Os movimentos nativistas ................................ 97No tempo dos vice-reis ................................ 103Pombal e os jesuítas ....................................... 109A Inconfidência Mineira ................................. 117A Revolução Francesa .................................. 125D. João VI no Brasil ....................................... 133Primórdios da Emancipação............................. 141No limiar da Independência ............................ 147A Independência .............................................. 153D. Pedro II......................................................... 161Fim do primeiro reinado ................................. 167Bezerra de Menezes ......................................... 175A obra de Ismael ............................................ 181

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A Regência e o segundo reinado ................... 187A guerra do Paraguai ................................. 193O movimento abolicionista ............................. 201A República ...................................................... 209A Federação Espírita Brasileira ................... 217O Espiritismo no Brasil ................................ 225Pátria do Evangelho.................................... 233

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PrefácioMeus caros filhos. Venho falar-vos do trabalho

em que agora colaborais com o nosso amigo desen-carnado, no sentido de esclarecer as origens remo-tas da formação da Pátria do Evangelho a quetantas vezes nos referimos em nossos diversos co-municados. O nosso irmão Humberto tem, nesseassunto, largo campo de trabalho a percorrer, comas suas facilidades de expressão e com o espíritode simpatia de que dispõe, como escritor, em faceda mentalidade geral do Brasil.

Os dados que ele fornece nestas páginas foramrecolhidos nas tradições do mundo espiritual, ondefalanges desveladas e amigas se reúnem constante-mente para os grandes sacrifícios em prol da huma-nidade sofredora. Este trabalho se destina a explicara missão da terra brasileira no mundo moderno.Humboldt, visitando o vale extenso do Amazonas,exclamou, extasiado, que ali se encontrava o celeirodo mundo. O grande cientista asseverou uma grandeverdade: precisamos, porém, desdobrá-la, estenden-do-a do seu sentido econômico à sua significaçãoespiritual. O Brasil não está somente destinado asuprir as necessidades materiais dos povos maispobres do planeta, mas, também, a facultar aomundo inteiro uma expressão consoladora de crençae de fé raciocinada e a ser o maior celeiro de clari-dades espirituais do orbe inteiro. Nestes tempos de

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confusionismo amargo, consideramos de utilidadeum trabalho desta natureza e, com a permissão dosnossos maiores dos planos elevados, empreendemosmais esta obra humilde, agradecendo a vossa desin-teressada e espontânea colaboração. Nossa tarefavisa a esclarecer o ambiente geral do país, argamas-sando as suas tradições de fraternidade com o ci-mento das verdades puras, porque, se a Grécia e aRoma da antigüidade tiveram a sua hora, comoelementos primordiais das origens de toda a civili-zação do Ocidente; se o império português e o espa-nhol se alastraram quase por todo o planeta; se aFrança, se a Inglaterra têm tido a sua hora proemi-nente nos tempos que assinalam as etapas evolutivasdo mundo, o Brasil terá também o seu grande mo-mento, no relógio que marca os dias da evolução dahumanidade.

Se outros povos atestaram o progresso, pelasexpressões materializadas e transitórias, o Brasilterá a sua expressão imortal na vida do espírito, re-presentando a fonte de um pensamento novo, sem asideologias de separatividade, e inundando todos oscampos das atividades humanas com uma nova luz.Eis, em síntese, o porquê da nossa atuação, nessesentido. O nosso irmão encontra mais facilidade paravazar o seu pensamento em soledade com o médium,como se ainda se encontrasse no seu escritório soli-tário; daí a razão por que as páginas em apreçoforam produzidas de molde a se aproveitarem asoportunidades do momento. Pecamos a Deus queinspire os homens públicos, atualmente no leme da

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Pátria do Cruzeiro, e que, nesta hora amarga em quese verifica a inversão de quase todos os valoresmorais, no seio das oficinas humanas, saibam elescolocar muito alto a magnitude dos seus precípuosdeveres. E a vós, meus filhos, que Deus vos forta-leça e abençoe, sustentando-vos nas lutas depura-doras da vida material.

EMMANUEL

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EsclarecendoTodos os estudiosos que percorreram o Brasil,

estudando alguns detalhes dos seus oito milhões emeio de quilômetros quadrados, se apaixonarampela riqueza das suas possibilidades infinitas. Emi-nentes geólogos definiram-lhe os tesouros do solo enaturalistas ilustres lhe classificaram, a fauna e aflora, maravilhados ante as suas prodigiosas sur-presas. Nas paisagens suntuosas e inéditas, onde ocalor suave dos trópicos alimenta e perfuma todasas coisas, há sempre um traço de beleza e de origi-nalidade empolgando o espírito do viajor sedentode emoções.

Afãs, se numerosos pensadores e artistas notá-veis lhe traduziram a grandiosidade de mundo novo,contando "lá fora" as inesgotáveis reservas do gi-gante da América, todo esse espírito analítico nãopassou da esfera superficial das apreciações, porquenão viram o Brasil espiritual, o Brasil evangélico,em cujas estradas, cheias de esperança, luta, sonhae trabalha o povo fraternal e generoso, cuja alma éa "flor amorosa de três raças tristes", na expressãoharmoniosa de um dos seus poetas mais eminentes.

As reservas brasileiras não se circunscrevem aomundo de aço do progresso material, que impressionoufortemente o espírito de Humboldt, mas se estendem,infinitamente, ao mundo de ouro dos corações, onde opaís escreverá a sua epopéia de realizações morais, emfavor do mundo.Jesus transplantou da Palestina para a região do Cru-

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zeiro a árvore magnânima do seu Evangelho, a fim deque os seus rebentos delicados florescessem de novo,frutificando em obras de amor para todas as criaturas.Ao cepticismo da época soará estranhamente uma afir-mativa desta natureza. O Evangelho ? Não seria meraficção de pensadores do Cristianismo o repositório desuas lições ? Não foi apenas um cântico de esperançado povo hebreu, que a Igreja Católica adaptou para ga-rantir a coroa na cabeça dos príncipes terrestres? Nãoserá uma palavra vazia, sem significação objetiva naatualidade do globo, quando todos os valores espiritu-ais pare-cem descer ao sepulcro caiado" da transição eda decadência? Mas, a realidade é que, não obstantetodas as surpresas das ideologias modernas, a lição doCristo aí está no planeta, aguardando a compreensãogeral do seu sentido profundo. Sobre ela, levantaram-sefilosofias complicadas e as mais extra vagantes teoriassalvacionistas. Em seu favor, muitos milhares de livrosforam editados e algumas guerras ensangüentaram oroteiro dos povos. Entretanto, a sublime exemplifica-ção do Divino Mestre, na sua expressão pura e sim-ples, só pede a humildade e o amor da criatura, para serdevidamente compreendida. Do seu entendimento decor-re aquele "Reino de Deus" em cada coração, de que fa-lava o Senhor nas suas meigas pregações do Tiberíades— reino de amor fraternal, cuja luz é o único elementocapaz de salvar o mundo, que se encaminha para osdesfiladeiros da destruição.E os verdadeiros aprendizes, os crentes sinceros nopoder e na misericórdia do Senhor, esperam, com osseus labores obscuros, o advento da cristianização da

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humanidade, quando os homens, livres de todos ossímbolos sectários de separabilidade, puderem enten-der, integralmente, as maravilhas ocultas da obracristã. Nas suas dolorosas provações dos tempos moder-nos, quando quase todos os valores morais sofrem o in-sulto da mais ampla subversão, esses espíritos heróicose humildes sabem, na sua esperança e na sua crença,que, se Deus permite a prática de tantos absurdos,por parte dos poderosos da Terra, que se embriagamcom o vinho da autoridade e da ambição, é que todasessas lutas nada mais representam do que experiênci-as penosas, por abreviar a compreensão geral dasleis divinas no porvir. E, serenos na sua resignação ena sua sinceridade, conhecem, ainda, que as lições doEvangelho não são símbolos mortos e aguardam,cheios de confiança no mundo espiritual, a alvoradaluminosa do renascimento humano.

Nessa abençoada tarefa de espiritualização, oBrasil caminha na vanguarda. O material a empregarnesse serviço não vem das fontes de produção origina-riamente terrena e sim do plano invisível,onde se elaboram todos os ascendentes construtoresda Pátria do Evangelho.Estas páginas modestas constituem, pois, uma contri-buição humilde à elucidação da história dacivilização brasileira em sua marcha através dostempos. Têm por único objetivo provar a excelênciada missão evangélica do Brasil no concerto dospovos e que, acima de tudo, todas as suas realiza-ções e todos os seus feitos, forros dos miseráveistroféus das glórias sanguinolentas, tiveram suas

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origens profundas no plano espiritual, de onde Jesus,pelas mãos carinhosas de Ismael, acompanha desve-ladamente a evolução da pátria extraordinária, emcujos céus fulguram as estrelas da cruz. São elas,ainda, um grito de fé e de esperança aos que esta-cionam no meio do caminho. Ditadas pela voz dequem já atravessou as estradas poeirentas e tristesda Morte, dirigem-se aos meus companheiros eirmãos da mesma comunidade e da mesma família,exclamando:

— Brasileiros, ensarilhemos, para sempre, asarmas homicidas das revoluções!... Consideremoso valor espiritual do nosso grande destino.' Engran-deçamos a pátria no cumprimento do dever pelaordem, e traduzamos a nossa dedicação mediante otrabalho honesto pela sua grandeza! Consideremos,acima de tudo, que todas as suas realizações hão demerecer a luminosa sanção de Jesus, antes de se fi-xarem nos bastidores do poder transitório e precá-rio dos homens! Nos dias de provação, como nashoras de venturas, estejamos irmanados numa docealiança de fraternidade e paz indestrutível, dentroda qual deveremos esperar as claridades do futuro.Não nos compete estacionar, em nenhuma circuns-tância, e sim marchar, sempre, com a educação ecom a fé realizadora, ao encontro do Brasil, na suaadmirável espiritualidade e na sua grandeza impe-recível!

HUMBERTO DE CAMPOS. (Espírito)

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O CORAÇÃO DO MUNDO

O inundo político e social do Ocidente encon-tra-se exausto.

Desde as pregações de Pedro, o Eremita, até amorte do Rei Luís IX, diante de Túnis, acontecimen-to que colocara um dos derradeiros marcos nas guer-ras das Cruzadas, as sombras da idade medievalconfundiram as lições do Evangelho, ensangüentandotodas as bandeiras do mundo cristão.Foi após essa época, no último quartel do séculoXTV, que o Senhor desejou realizar uma de suasvisitas periódicas à Terra, a fim de observar os pró-gressos de sua doutrina e de seus exemplos no cora-ção dos homens.

Anjos e Tronos lhe formavam a corte mara-vilhosa. Dos céus à Terra, foi colocado outro símboloda escada infinita de Jacob, formado de flores e deestrelas cariciosas, por onde o Cordeiro de Deustranspôs as imensas distâncias, clarificando os cami-nhos cheios de treva. Mas, se Jesus vinha do coraçãoluminoso das esferas superiores, trazendo nos olhosmisericordiosos a visão dos seus impérios resplan-decentes e na alma profunda o ritmo harmoniosodos astros, o planeta terreno lhe apresentava aindaaquelas mesmas veredas escuras, cheias da lama daimpenitência e do orgulho das criaturas humanas, erepletas dos espinhos da ingratidão e do egoísmo.Embalde seus olhos compassivos procuraram o ninhodoce do seu Evangelho; em vão procurou o Senhoros remanescentes da obra de um de seus últimos

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enviados à face do orbe terrestre. No coração daUmbria haviam cessado os cânticos de amor e defraternidade cristã. De Francisco de Assis só haviamficado as tradições de carinho e de bondade; os pe-cados do mundo, como novos lobos de Gúbio, haviamdescido outra vez das selvas misteriosas das iniqüi-dades humanas, roubando às criaturas a paz e ani-quilando-lhes a vida.— Helil — disse a voz suave e meiga do Mestrea um dos seus mensageiros, encarregado dos proble-mas sociológicos da Terra — meu coração se enche deprofunda amargura, vendo a incompreensão doshomens, no que se refere às lições do meu Evange-lho. Por toda parte é a luta fratricida, como polvode infinitos tentáculos, a destruir todas as esperan-ças; recomendei-lhes que se amassem como irmãos,e vejo-os em movimentos impetuosos, aniquilando-seuns aos outros como Cains desvairados.

— Todavia — replicou o emissário solícito,como se desejasse desfazer a impressão dolorosa eamarga do Mestre — esses movimentos, Senhor, in-tensificaram as relações dos povos da Terra, aproxi-mando o Oriente e o Ocidente, para aprenderem alição da solidariedade nessas experiências penosas;novas utilidades da vida foram descobertas; o co-mércio progrediu além de todas as fronteiras, reu-nindo as pátrias do orbe. Sobretudo, devemos con-siderar que os príncipes cristãos, empreendendo asiniciativas daquela natureza, guardavam a nobreintenção de velar pela paisagem deliciosa dos Luga-res Santos.

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Mas — retornou tristemente a voz compas-siva do Cordeiro — qual o lugar da Terra que nãoé santo? Em todas as partes do mundo, por maisrecônditas que sejam, paira a bênção de Deus, con-vertida na luz e no pão de todas as criaturas. Erapreferível que Saladino guardasse, para sempre,todos os poderes temporais na Palestina, a que caísseum só dos fios de cabelo de um soldado, numa guerraincompreensível por minha causa, que, em todos ostempos, deve ser a do amor e da fraternidade uni-versal.

E, como se a sua vista devassasse todos os mis-térios do porvir, continuou:

— Infelizmente, não vejo senão o caminho dosofrimento para modificar tão desoladora situação.Aos feudos de agora, seguir-se-ão as coroas podero-sas e, depois dessa concentração de autoridade e depoder, serão os embates da ambição e a carnificinada inveja e da felonia, pelo predomínio do mais forte.

A amargura divina empolgara toda a formosaassembléia de querubins e arcanjos. Foi quandoHelil, para renovar a impressão ambiente, dirigiu-sea Jesus com brandura e humildade:

— Senhor, se esses povos infelizes, que pro-curam na grandeza material uma felicidade impos-sível, marcham irremediavelmente para os grandesinfortúnios coletivos, visitemos os continentes igno-rados, onde espíritos jovens e simples aguardam asemente de uma vida nova. Nessas terras, para alémdos grandes oceanos, poderíeis instalar o pensamen-to cristão, dentro das doutrinas do amor e da

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liberdade.E a caravana fulgurante, deixando um rastro

de luz na imensidade dos espaços, encaminhou-se aocontinente que seria, mais tarde, o mundo americano.

O Senhor abençoou aquelas matas virgens emisteriosas. Enquanto as aves lhe homenageavam ainefável presença com seus cantares harmoniosos,as flores se inclinavam nas árvores ciclópicas, aro-matizando-lhe as eterizadas sendas. O perfume domar casava-se ao oxigênio agreste da selva bravia,impregnando todas as coisas de um elemento deforça desconhecida. No solo, eram os silvícolas hu-mildes e simples, aguardando uma era nova, com oseu largo potencial de energia e bondade.

Cheio de esperanças, emociona-se o coração doMestre, contemplando a beleza do sublimado espe-táculo.

— Helil — pergunta ele — onde fica, nestasterras novas, o recanto planetário do qual se enxer-ga, no infinito, o símbolo da redenção humana?

— Esse lugar de doces encantos, Mestre, deonde se vêem, no mundo, as homenagens dos céusaos vossos martírios na Terra, fica mais para o sul.

E, quando no seio da paisagem repleta de aro-mas e de melodias, contemplavam as almas santifi-cadas dos orbes felizes, na presença do Cordeiro, asmaravilhas daquela terra nova, que seria mais tardeo Brasil, desenhou-se no firmamento, formado deestrelas rutilantes, no jardim das constelações deDeus, o mais imponente de todos os símbolos.

Mãos erguidas para o Alto, como se invocasse

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a bênção de seu Pai para todos oé elementos daquelesolo extraordinário e opulento, exclama então Jesus:

— Para esta terra maravilhosa e bendita serátransplantada a árvore do meu Evangelho de piedadee de amor. No seu solo dadivoso e fertilíssimo,todos os povos da Terra aprenderão a lei da frater-nidade universal. Sob estes céus serão entoados oshosanas mais ternos à misericórdia do Pai Celestial.Tu, Helil, te corporificarás na Terra, no seio dopovo mais pobre e mais trabalhador do Ocidente;instituirás um roteiro de coragem, para que sejamtranspostas as imensidades desses oceanos perigosose solitários, que separam o velho do novo mundo.Instalaremos aqui uma tenda de trabalho para anação mais humilde da Europa, glorificando os seusesforços na oficina de Deus. Aproveitaremos o ele-mento simples de bondade, o coração fraternal doshabitantes destas terras novas, e, mais tarde, orde-narei a reencarnação de muitos Espíritos já purifi-cados no sentimento da humildade e da mansidão,entre as raças oprimidas e sofredoras das regiõesafricanas, para formarmos o pedestal de solidarie-dade do povo fraterno que aqui florescerá, no fu-turo, a fim de exaltar o meu Evangelho, nos séculosgloriosos do porvir. Aqui, Helil, sob a luz miseri-cordiosa das estrelas da cruz, ficará localizado ocoração do mundo!

Consoante a vontade piedosa do Senhor, todasas suas ordens foram cumpridas integralmente.

Daí a alguns anos, o seu mensageiro se estabe-lecia na Terra, em 1394, como filho de D. João I e de

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D. Filipa de Lencastre, e foi o heróico Infante deSagres, que operou a renovação das energias portugue-sas, expandindo as suas possibilidades realizado-ras para além dos mares. O elemento indígena foi cha-mado a colaborar na edificação da pátria nova; almasbem-aventuradas pelas suas renúncias se corporifi-caram nas costas da África flagelada e oprimida e,juntas a outros Espíritos em prova, formaram a fa-lange abnegada que veio escrever na Terra de SantaCruz, com os seus sacrifícios e com os seus sofrimen-tos, um dos mais belos poemas da raça negra emfavor da humanidade.

Foi por isso que o Brasil, onde confraterni-zam hoje todos os povos da Terra e onde será mode-lada a obra imortal do Evangelho do Cristo, muito an-tes do Tratado de Tordesilhas, que fincou as balizas daspossessões espanholas, trazia já, em seus contornos, aforma geográfica do coração do mundo.

NOTA DA EDITORA — O Autor preferiu aforma árabe.

— Helil, em vez de Hilel, forma hebraica geral-mente usada.

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A PÁTRIA DO EVANGELHO

D. Henrique de Sagres abandonou as suas ati-vidades na Terra em 1460.

Estava realizado, em linhas gerais, o seu grandedestino. Da sua casa modesta da Vila-Nova do In-fante, onde se encontra ainda hoje uma placa come-morativa, como perene homenagem ao grande nave-gador, desenvolvera ele, no mundo inteiro, um sen-timento novo de amor ao desconhecido. Desde aexpedição de Ceuta, o Infante deixou transparecer,em vários documentos que se perderam nos arquivosda Casa de Avis, que tinha a certeza da existência

das terras maravilhosas, cuja beleza haviam con-templado os seus olhos espirituais, no passado lon-gínquo. Toda a sua existência de abnegação e asce-tismo constituíra uma série de relâmpagos luminososno mundo de suas recordações. A prova de que osseus estudos particulares falavam da terra desco-nhecida é que o mapa de André Bianco, datado de1448, mencionava uma região fronteira à África.Para os navegadores portugueses, portanto, a exis-tência da grande ilha austral já não era assuntoignorado.

Novamente no Além, o antigo mensageiro doMestre não descansou, chamando a colaborar comele numerosas falanges de trabalhadores devotadosà causa do Evangelho do Senhor. Procura influen-ciar sobre o curto reinado de D. Duarte estendendo,com os seus cooperadores, essa mesma atuação aotempo de D. Afonso V, sem lograr uma ação deci-

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siva a favor das empresas esperadas. Aproveitandoo sonho geral dos tesouros das índias, a personali-dade do Infante se desdobra, com o objetivo de des-cortinar o continente novo ao mundo político doOcidente. Enquanto a sua atuação encontra fracoeco junto às administrações de sua terra, o povo deCastela começa a preocupar-se seriamente com asidéias novas, lançando-se à disputa das riquezasentrevistas. Eleva-se então ao poder D. João U, cujoreinado se caracterizou pela previdência e pela ener-gia realizadora. Junto do seu coração, o emissárioinvisível encontra grandes aspirações, irmãs dassuas. O Príncipe Perfeito torna-se o dócil instru-mento do mensageiro abnegado. A mesma sede dealém lhe devora o pensamento. Expedições diversasse organizam. O castelo de São Jorge é fundado porDiogo de Azambuja, na Costa da Mina; Diogo Cãodescobre toda a costa de Angola; por toda parte,sob o olhar protetor do grande rei, aventuram-se osexpedicionários. Mas o espírito, em todos os planose circunstâncias da vida, tem de sustentar as maio-res lutas pela sua purificação suprema. Entidadesatrasadas na sua carreira evolutiva se unem contraas realizações do príncipe ilustre. Depois do desas-tre no Campo de Santarém, no qual o filho perde avida em condições trágicas, surgem outras compli-cações entre a sua direção justiceira e os nobres daépoca, e D. João II morre envenenado em Alvor, noano de 1495.

Todavia, os planos da Escola de Sagres estavamconsolidados. Com a ascensão de D. Manuel I ao

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poder, nada mais se fez que atingir o fim de longae laboriosa preparação. Em 1498, Vasco da Gamadescobre o caminho marítimo das índias e, um poucomais tarde, Gaspar de Corte Real descobre o Cana-dá. Todos os navegadores saem de Lisboa com ins-truções secretas quanto à terra desconhecida, quese localizava fronteira à África e que já havia sidoobjeto de protesto de D. João n contra a bula deAlexandre VI, que pretendia impor-lhe restrições aolongo do Atlântico, por sugestão dos reis católicosda Espanha.

No dia 7 de março de 1500, preparada a grandeexpedição de Cabral ao novo roteiro das índias,todos os elementos da expedição, encabeçados pelocapitão-mor, visitaram o Paço de Alcáçova, e navéspera do dia 9, dia este em que se fizeram ao mar,imploraram os navegadores a bênção de Deus, naermida do Restelo, pouso de meditação que a fé sin-cera de D. Henrique havia edificado. O Tejo estavacoberto de embarcações engalanadas e, entre mani-festações de alegria e de esperança, exaltava-se opendão glorioso das quinas.

No oceano largo, o capitão-mor considera a pos-sibilidade de levar a sua bandeira à terra desconhe-cida do hemisfério sul. O seu desejo cria a necessá-ria ambientação ao grande plano do mundo invisível.Henrique de Sagres aproveita esta maravilhosa pos-sibilidade. Suas falanges de navegadores do Infinitose desdobram nas caravelas embandeiradas e ale-gres. Aproveitam-se todos os ascendentes mediúni-cos. As noites de Cabral são povoadas de sonhos

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sobrenaturais e, insensivelmente, as caravelas in-quietas cedem ao impulso de uma orientação im-perceptível. Os caminhos das índias são abandona-dos. Em todos os corações há uma angustiosa expec-tativa. O pavor do desconhecido empolga a almadaqueles homens rudes, que se viam perdidos entreo céu e o mar, nas imensidades do Infinito. Mas, aassistência espiritual do mensageiro invisível, que,de fato, era ali o divino expedicionário, derrama umclaror de esperança em todos os ânimos. As primei-ras mensagens da terra próxima recebem-nas comalegria indizível. As ondas se mostram agora, amiú-de, qual colcha caprichosa de folhas, de flores e deperfumes. Avistam-se os píncaros elegantes da plagado Cruzeiro e, em breves horas, Cabral e sua gentese reconfortam na praia extensa e acolhedora. Osnaturais os recebem como irmãos muito amados.A palavra religiosa de Henrique Soares, de Coimbra,eles a ouvem com veneração e humildade. Colocamsuas habitações rústicas e primitivas à disposiçãodo estrangeiro e reza a crônica de Caminha queDiogo Dias dançou com eles nas areias de Porto Se-guro, celebrando na praia o primeiro banquete defraternidade na Terra de Vera Cruz.

A bandeira das quinas desfralda-se então glo-riosamente nas plagas da terra abençoada, paraonde transplantara Jesus a árvore do seu amor e dasua piedade, e, no céu, celebra-se o acontecimentocom grande júbilo. Assembléias espirituais, sob asvistas amorosas do Senhor, abençoam as praiasextensas e claras e as florestas cerradas e bravias.

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Há um contentamento intraduzível em todos os co-rações, como se um pombo simbólico trouxesse asnovidades de um mundo mais firme, após novodilúvio.

Henrique de Sagres, o antigo mensageiro doDivino Mestre, rejubila-se com as bênçãos recebidasdo céu. Mas, de alma alarmada pelas emoções maiscarinhosas e mais doces, confia ao Senhor as suasvacilações e os seus receios:

— Mestre — diz ele — graças ao vosso coraçãomisericordioso, a terra do Evangelho florescerá agorapara o mundo inteiro. Dai-nos a vossa bênção para quepossamos velar pela sua tranqüilidade, no seio da pi-rataria de todos os séculos. Temo, Senhor, que as na-ções ambiciosas matem as nossas esperanças, invali-dando as suas possibilidades e destruindo os seus te-souros...

Jesus, porém, confiante, por sua vez, na proteçãode seu Pai, não hesita em dizer com a certezae a alegria que traz em si:— Helil, afasta essas preocupações e receiosinúteis. A região do Cruzeiro, onde se realizará aepopéia do meu Evangelho, estará, antes de tudo,ligada eternamente ao meu coração. As injunçõespolíticas terão nela atividades secundárias, porque,acima de todas as coisas, em seu solo santificado eexuberante estará o sinal da fraternidade universal,unindo todos os espíritos. Sobre a sua volumosaextensão pairará constantemente o signo da minhaassistência compassiva e a mão prestigiosa e poteh-tíssima de Deus pousará sobre a terra de minha

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cruz, com infinita misericórdia. As potências impe-rialistas da Terra esbarrarão sempre nas suas clarida-des divinas e nas suas ciclópicas realizações. Antes de oestar ao dos homens, é ao meu coração que ela se en-contra ligada para sempre.

Nos céus imensos, havia clarões estranhos de umabênção divina. No seu sólio de estrelas e de flores, oSupremo Senhor sancionara, por certo, as bondosaspromessas de seu Filho.

E foi assim que o minúsculo Portugal, atravésde três longos séculos, embora preocupado com asfabulosas riquezas das índias, pôde conservar, contraflamengos e ingleses, franceses e espanhóis, a uni-dade territorial de uma pátria com oito milhões emeio de quilômetros quadrados e com oito mil qui-lômetros de costa marítima. Nunca houve exemplocomo esse em toda a história do mundo. As posses-sões espanholas se fragmentaram, formando cercade vinte repúblicas diversas. Os Estados americanosdo norte devem sua posição territorial às anexaçõese às lutas de conquista. A Louisiana, o Novo México,o Alasca, a Califórnia, o Texas, o Oregon, surgiramdepois da emancipação das colônias inglesas. Só oBrasil conseguiu manter-se uno e indivisível naAmérica, entre os embates políticos de todos ostempos. Ê que a mão do Senhor se alça sobre a sualonga extensão e sobre as suas prodigiosas riquezas.O coração geográfico do orbe não se podia fracionar.

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OS DEGREDADOS

Todos os espíritos edificados nas lições subli-mes do Senhor se reuniram, logo após o descobri-mento da nova terra, celebrando o acontecimentonos espaços do Infinito. Grandes multidões donairo-sas e aéreas formavam imensos hifens de luz, entrea terra e o céu. Uma torrente impetuosa de per-fumes se elevava da paisagem verde e florida, embusca do firmamento, de onde voltava à superfíciedo solo, saturada de energias divinas. Nos ninhosquentes das árvores, pousavam as vibrações reno-vadoras das esperanças santificantes, e, no Além,ouviam-se as melodias evocadoras da Galiléia, uber-tosa e agreste antes das lutas arrasadoras das Cru-zadas, que lhe talaram todos os campos, transfor-mando-a num montão de ruínas. Afigurava-se que aregião dos pescadores humildes, que conheceu, bas-tante assinalados, os passos do Divino Mestre, sehavia transplantado igualmente para o continentenovo, dilatada em seus suaves contornos.

Uma alegria paradisíaca reinava em todas asalmas que comemoravam o advento da Pátria doEvangelho, quando se fez presente, na assembléiaaugusta, a figura misericordiosa do Cordeiro.

Complacente sorriso lhe bailava nos lábios an-gélicos e suas mãos liriais empunhavam largo estan-darte branco, como se um fragmento de sua almaradiosa estivesse ali dentro, transubstanciado na-quela bandeira de luz, que era o mais encantador

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dos símbolos de perdão e de concórdia.Dirigindo-se a um dos seus elevados mensagei-

ros na face do orbe terrestre, em meio do divinosilêncio da multidão espiritual, sua voz ressoou comdoçura:— Ismael, manda o meu coração que doravantesejas o zelador dos patrimônios imortais que consti-tuem a Terra do Cruzeiro. Recebe-a nos teus braçosde trabalhador devotado da minha seara, como arecebi no coração, obedecendo a sagradas inspira-ções do Nosso Pai. Reúne as incansáveis falangesdo Infinito, que cooperam nos ideais sacrossantosde minha doutrina, e inicia, desde já, a construçãoda pátria do meu ensinamento. Para aí transplanteia árvore da minha misericórdia e espero que a culti-ves com a tua abnegação e com o teu sublimadoheroísmo. Ela será a doce paisagem dilatada doTiberíades, que os homens aniquilaram na sua vora-cidade de carnificina. Guarda este símbolo da paze inscreve na sua imaculada pureza o lema da tuacoragem e do teu propósito de bem servir à causade Deus e, sobretudo, lembra-te sempre de que esta-rei contigo no cumprimento dos teus deveres, comos quais abrirás para a humanidade dos séculosfuturos um caminho novo, mediante a sagrada revi-vescência do Cristianismo.

Ismael recebe o lábaro bendito das mãos com-passivas do Senhor, banhado em lágrimas de reco-nhecimento, e, como se entrara em ação o impulsosecreto da sua vontade, eis que a nívea bandeira temagora uma insígnia. Na sua branca substância, uma

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tinta celeste inscrevera o lema imortal: "Deus,Cristo e Caridade". Todas as almas ali reunidasentoam um hosana melodioso'e intraduzível à sabe-doria do Senhor do Universo. São vibrações gloriosasda espiritualidade, que se elevam pelos espaços ili-mitados, louvando o Artista Inimitável e o Matemá-tico Supremo de todos os sóis e de todos os mundos.

O emissário de Jesus desce então à Terra, ondeestabelecerá a sua oficina. Os exércitos dos seres re-dimidos e luminosos lhe seguem a esplêndida trajetó-ria e, como se o chão do Brasil fosse a superfíciede um novo Hélicon da imortalidade, a natureza,macia e cariciosa, toda se enfeita de luzes e sombras,de sinfonias e de ramagens odoríferas, preparan-do-se para um banquete de deuses.

Os caminhos agrestes tornam-se sendas de ma-ravilhosa beleza, rasgadas pelas coortes do invisível.

Nessa hora, a frota de Cabral foge das águasverdes e fartas da Baía de Porto Seguro.

Entretanto, nas fitas extensas da praia choram,desesperadamente, os dois degredados, dos vintepárias sociais que o Rei D. Manuel I destinara aoexílio.

Os homens do mar se distanciam daqueles sítios,levando amostras da sua extraordinária riqueza. Emtoda a paisagem há um largo ponto de interrogação,enquanto os dois infelizes se lastimam sem consoloe sem esperança. Os silvícolas amáveis e fraternoslhes abrem os braços; é dos seus corações rudes esimples que desabrocham, para a amargura deles,as flores amigas de um brando conforto.

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Mas, Afonso Ribeiro, um dos condenados aopenoso desterro, avança numa piroga desprotegidae desmantelada, sem que os olhos da História lheanotassem o gesto de profunda desesperação, a ca-minho do mar alto. Ao longe, percebem-se ainda osderradeios mastros das caravelas itinerantes. O infe-liz degredado anseia por morrer. Os últimos gemidosabafados lhe saem da garganta exausta. Seus olhos,

inchados de pranto, contemplam as duas imensida-des, a do oceano e a do céu, e, esperando na morteo socorro bondoso, exclama, do íntimo do coração:

— Jesus, tende piedade da minha infinita amar-gura! Enviai a morte ao meu espírito desterrado.Sou inocente, Senhor, e padeço a tirania da injustiçados homens. Mas, se a traição e a covardia me arre-bataram da pátria, afastando dos meus olhos aspaisagens queridas e os afetos mais santos do cora-ção, essas mesmas calúnias não me separaram davossa misericórdia!

Nesse instante, porém, o pobre exilado senteque uma alvorada de luz estranha lhe nasce noâmago da alma atribulada. Uma esperança nova seapossa de todas as suas fibras emotivas e, como pordelicado milagre, a sua jangada rústica regressa, cele-remente, à praia distante. Em vão as ondas sinistrase poderosas tentam arrebatá-lo para o oceano largo.Uma força misteriosa o conduz a terra firme, ondeo seu coração encontrará uma família nova.

Ismael havia realizado o seu primeiro feito nasTerras de Vera Cruz. Trazendo um náufrago e ino-cente para a base da sociedade fraterna do porvir,

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ele obedecia a sagradas determinações do DivinoMestre. Primeiramente, surgiram os índios, que eramos simples de coração; em segundo lugar, chegavamos sedentos da justiça divina e, mais tarde, viriamos escravos, como a expressão dos humildes e dosaflitos, para a formação da alma coletiva de um povo

bem-aventurado por sua mansidão e fraternidade.Naqueles dias longínquos de 1500, já se ouviam noBrasil os ecos acariciadores do Sermão da Montanha.

OS MISSIONÁRIOS

D. Manuel I recebeu sem grande surpresa a no-tícia do descobrimento das terras novas. Seu espíritose achava voltado para os tesouros inesgotáveis dasíndias, que faziam da Lisboa daquele tempo umadas mais poderosas cidades marítimas da Europa.

Contudo, o êxito do capitão-mor provocou umlargo movimento de curiosidade no círculo dos na-vegadores portugueses. Quase todas as expediçõesque se dirigiam aos régulos da Ásia tocavam nosportos vastos de Vera Cruz, cujo nordeste já cen-tralizava as atenções dos comerciantes franceses, queaí se abasteciam de vastas provisões de pau--brasil.

Geralmente, as caravelas lusitanas que deman-davam Calicut traziam consigo grande número deexilados e de aventureiros. Muitos deles foram aban-donados no extenso litoral do país inexplorado edesconhecido, ao influxo das inspirações do mundoinvisível; essas criaturas vinham como batedores

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humildes, à frente dos trabalhadores que, maistarde, chegariam às terras novas.

A situação oficial perdurava com a indiferençado monarca, distraído pelas suas conquistas noOriente; mas, entre as autoridades administrativasdo Reino, comentava-se a questão da nova colôniaabandonada aos exploradores franceses e espanhóis.Compelido pela opinião do seu tempo, D. Manuelprovidencia as primeiras expedições oficiais, a fimde que se colocasse nas suas praias extensas o sinaldas armas portuguesas. Prepara-se a expedição deGonçalo Coelho, que, além de alguns cosmógrafosnotáveis, levava consigo Américo Vespúcio, famosona história americana pelas suas cartas acerca doNovo Mundo, nas quais, infelizmente, reside grandepercentagem de literatura e de pretensiosa imagina-ção. Chegando ao litoral baiano, Gonçalo Coelho or-ganiza a Feitoria de Santa Cruz, primeiro núcleo dacivilização ocidental nas plagas brasileiras. O nomedo país é agora Terra de Santa Cruz, pelo qual sefaz conhecido nos documentos da metrópole.

Depois de graves incidentes, nos quais Vespú-cio se entrega a aventuras pelo interior da colônia,sedento de posição e de glória, o expedicionário por-tuguês, pobre de possibilidades e com raros compa-nheiros, lança marcos de Portugal ao longo de todaa costa brasileira. Uma das emoções mais gratas aoseu espírito é o quadro maravilhoso da Baía deGuanabara. Julgando-se no estuário de um rio es-plêndido, denomina Rio de Janeiro o local, em vir-tude de se encontrar ali nos primeiros dias do pri-

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meiro mês do ano. No sítio encantado, instala umanova Feitoria — a da Carioca, da qual não ficaramlargos vestígios, passando aí meses a fio, a retem-perar suas energias em contacto com a paisagemmagnífica. Prossegue na sua tarefa de reconheci-mento e volta depois à metrópole, sem conseguirinteressar o monarca no que se referia à exploraçãoda terra nova. Limitou-se o rei português a permitiro estabelecimento de feiras de pau-brasil, na colônialongínqua, o que facultou aos elementos estrangei-ros o mais largo desenvolvimento de comércio comos indígenas da região litorânea.

De Portugal, somente aportavam no Brasil, devez em quando, alguns aventureiros e degredados,obedecendo a um apelo inexplicável e desconhecido.

Foi, aproximadamente, por essa época, queIsmael reuniu em grande assembléia os seus cola-boradores mais devotados, com o objetivo de insti-tuir um programa para as suas atividades espirituaisna Terra de Santa Cruz:— Irmãos — exclamou ele no seio da multidãode companheiros abnegados — plantamos aqui, sobo olhar misericordioso de Jesus, a sua bandeira depaz e de perdão. Todo um campo de trabalhos sedesdobra às nossas vistas. Precisamos de colabora-dores devotados que não temam a luta e o sacrifí-cio. Voltemo-nos para os centros culturais de Coim-bra e de Lisboa, a regenerar as fontes do pensa-mento, no elevado sentido de ampliarmos a nossaação espiritual. Alguns de vós ficareis em Portugal,mantendo de pé os elementos protetores dos nossos

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trabalhos, e a maioria terá de envergar o sambenitohumilde dos missionários penitentes, para levar oamor de Deus aos sertões ínvios e carecidos de todoo conforto. Temos de buscar no seio da igreja asroupagens exteriores de nossa ação regeneradora.Infelizmente, a dolorosa situação do mundo europeu,em virtude do fanatismo religioso, tão cedo não serámodificada. Somente as grandes dores realizarão afraternidade no seio da instituição que deverá repre-sentar o pensamento do Senhor na face da Terra, aigreja que, desviada dos seus grandes princípios pelamais terrível de todas as fatalidades históricas, foiobrigada a participar do organismo mundano e pe-recível dos Estados. Um sopro de reformas se anun-cia, impetuoso, no âmago das organizações religio-sas da Europa e, em breves dias, Roma conhecerámomentos muito amargos, não obstante os sonhosde arte e de grandeza de Leão X, que detém nesteinstante uma coroa injustificável, porquanto o reinode Jesus ainda não é desse mundo; mas, temos deaproveitar as possibilidades que o seu campo nosoferece para encetar essa obra de edificação dapátria do Cordeiro de Deus.

Pregareis, em Portugal, a verdade e o despren-dimento das riquezas terrestres e trabalhareis, sob aminha direção, nas florestas imensas de Santa Cruz,arrebanhando as almas para o Ünico Pastor. O ca-racterístico de vossa ação, como missionários do PaiCelestial, será um testemunho legítimo de renúnciaa todos os bens materiais e uma consoladora pobreza.

Quase todos os Espíritos santificados, ali pre-

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sentes, se oferecem como voluntários da grandecausa. Entre muitos, descobriremos José de Anchie-ta e Bartolomeu dos Mártires, Manuel da Nóbrega,Diogo Jácome, Leonardo Nunes e muitos outros, quetambém foram dos chamados para esse conclaveno mundo invisível.

Em 1531, após Portugal ter resolvido, sob adireção de D. João III, a primeira tentativa de colo-nização da Terra de Santa Cruz, alguns dos convo-cados, participantes daquela augusta assembléia,chegavam ao Brasil com Martim Afonso de Sousa ea sua companhia de trezentos homens, a tomar parteativamente na fundação de S. Vicente e na de Pira-tininga.

Nóbrega aportava mais tarde, na Bahia, comTome de Sousa, o primeiro governador-geral da co-lônia, em 1549, chefiando grande número dessesirmãos dos simples e dos infelizes, a fim de estabe-lecer novos elementos de progresso e dar início àcidade do Salvador.

Anchieta veio depois, em 1553, com Duarte daCosta, e se transformou no desvelado apóstolo doBrasil. Designado para desenvolver, particularmen-te, os núcleos de civilização já existentes em Pira-tininga, aí se manteve no seu respeitável colégio,que todos os governos paulistas conservaram comveneração carinhosa, como tradição de sua culturae de sua bondade. Alguns historiadores falam comseveridade da energia vigorosa do apóstolo que,muitas vezes, foi obrigado a assumir atitudes corre-tivas no seio das tribos, que, entretanto, lhe mere-

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ciam as dedicações e os desveles de um pai. Anchie-ta aliou, no mundo, à suprema ternura, grande ener-gia realizadora; mas, aqueles que, na história oficial,lhe descobrem os gestos enérgicos, não lhe notam asuavidade do coração e a profundeza dos sacrifícios,nem sabem que, depois, foi ainda ele a maior expres-são de humildade no antigo convento de Santo An-tônio do Rio de Janeiro, onde, com o hábito singelode frade, adoçou ainda mais as suas concepções deautoridade. A edificadora humildade de um Fabianode Cristo, aliada a um sentimento de renúncia total desi mesmo, constituía a última pedra que faltavana sua coroa de apóstolo da imortalidade.

D. João m teve a infelicidade de introduzir emPortugal o organismo sinistro da Inquisição. Como tribunal da penitência, vieram os Jesuítas.

Não constitui objeto do nosso trabalho o examedos erros profundos da condenável instituição, quefez da Igreja, por muitos séculos, um centro de per-versidade e de sombras compactas, em todas asnações européias, que a abrigaram à sombra da má-quina do Estado. O que nos importa é a exaltaçãodaqueles missionários de Deus, que afrontavam anoite das selvas para aclarar as consciências com alição suave do Mártir do Calvário. Esses homensabnegados eram, de fato, "o sal da nova terra".

Os falsos sacerdotes poderiam continuar mas-sacrando, em nome do Senhor, que é a misericórdiasuprema; poderiam prosseguir ostentando as púrpurasluxuosas e todas as demais suntuosidades doreino mentiroso desse mundo, incensando os pode-

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rosos da Terra e distanciando-se dos pobres e dosaflitos; mas, os humildes missionários da cruzouviam a voz de Ismael, no âmago de suas almas;aos seus sagrados apelos, abandonaram todos osbens, para seguir os rastros luminosos dAquele quefoi e será sempre a luz do mundo. Foram eles osprimeiros traços luminosos das falanges imortais doInfinito, corporificadas na terra do Evangelho, e,com a sua divina pobreza, se fizeram os iniciadores dagrande missão apostólica do Brasil no seio domundo moderno, inaugurando aqui um caminho res-plandecente para todas as almas, transformando aterra do Cruzeiro numa dourada e eterna Porciúncula.

OS ESCRAVOS

Certo dia, preparava-se, numa das esferas supe-riores do Infinito, o encontro de Ismael com Aqueleque será sempre caminho, verdade e vida.

Por toda parte, abriam-se flores evanescentes,oriundas de um solo de radiosas neblinas. Luzes po-licrômicas enfeitavam todas as paisagens celestes,que se perdiam na incomensurável extensão dos espaçosfelizes.

Rodeado dos seres santificados e venturosos queconstituem a coorte luminosa de seus mensageirosabnegados, recebeu o Senhor, com a sua complacência,o emissário dileto do seu amor nas terras doCruzeiro.

Ismael, porém, não trazia no coração o sinal da

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alegria. Seus traços fisionômicos deixavam mesmotransparecer angelical amargura.

— Senhor — exclama ele — sinto dificuldadespara fazer prevaleçam os vossos desígnios nos ter-ritórios onde pairam as vossas bênçãos dulcificantes.A civilização, que ali se inicia sob os imperativos davossa vontade compassiva e misericordiosa, acabade ser contaminada por lamentáveis acontecimentos.Os donatários dos imensos latifúndios de Santa Cruzfizeram-se à vela, escravizando os negros indefesosda Luanda, da Guiné e de Angola. Infelizmente, ospobres cativos, miseráveis e desditosos, chegam àpátria do vosso Evangelho como se fossem animaisbravios e selvagens, sem coração e sem consciência.

O mensageiro, porém, não conseguiu continuar.Soluços divinos lhe rebentaram do peito opresso,evocando tão amargas lembranças...

O Divino Mestre, porém, cingindo-o ao seu co-ração augusto e magnânimo, explicou brandamente:

— Ismael, asserena teu mundo íntimo nocumprimento dos sagrados deveres que te foramconfiados. Bem sabes que os homens têm a sua res-ponsabilidade pessoal nos feitos que realizam emsuas existências isoladas e coletivas. Mas, se nãopodemos tolher-lhes aí a liberdade, também não po-demos esquecer que existe o instituto imortal dajustiça divina, onde cada qual receberá de confor-midade com os seus atos. Havia eu determinado quea Terra do Cruzeiro se povoasse de raças humildesdo planeta, buscando-se a colaboração dos povos so-fredores das regiões africanas; todavia, para que

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essa cooperação fosse efetivada sem o atrito dasarmas, aproximei Portugal daquelas raças sofredo-ras, sem violências de qualquer natureza. A colabo-ração africana deveria, pois, verificar-se sem abalosperniciosos, no capítulo das minhas amorosas deter-minações. O homem branco da Europa, entretanto,está prejudicado por uma educação espiritual con-denável e deficiente. Desejando entregar-se ao prazerfictício dos sentidos, procura eximir-se aos traba-lhos pesados da agricultura, alegando o pretexto dosclimas considerados impiedosos. Eles terão a liber-dade de humilhar os seus irmãos, em face da grandelei do arbítrio independente, embora limitado, insti-tuído por Deus para reger a vida de todas as cria-turas, dentro dos sagrados imperativos da respon-sabilidade individual; mas, os que praticarem o ne-fando comércio sofrerão, igualmente, o mesmo mar-tírio, nos dias do futuro, quando forem tambémvendidos e flagelados em identidade de circunstân-cias. Na sua sede nociva de gozo, os homens brancosainda não perceberam que a evolução se processapela prática do bem e que todo o determinismo deNosso Pai deve assinalar-se pelo "amai o próximocomo a vós mesmos". Ignoram voluntariamente que omal gera outros males com um largo cortejo desofrimentos. Contudo, através dessas linhas tortuo-sas, impostas pela vontade livre das criaturas hu-manas, operarei com a minha misericórdia. Colocareia minha luz sobre essas sombras, amenizando tãodolorosas crueldades. Prossegue com as tuas renún-cias em favor do Evangelho e confia na vitória da

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Providência Divina.Calara-se a voz de Jesus por instantes; mais

confortado, Ismael continuou:— Senhor, não teríeis um meio direto de orien-

tar a política dominante, no sentido de se purificaro ambiente moral da Terra de Santa Cruz?

Ao que o Divino Mestre ponderou sabiamente:— Não nos compete cercear os atos e intenções

dos nossos semelhantes e sim cuidar intensamentede nós mesmos, considerando que cada um será jus-tiçado na pauta de suas próprias obras. Infelizmen-te, Portugal, que representa um agrupamento deespíritos trabalhadores e dedicados, remanescentedos antigos fenícios, não soube receber as facilida-des que a misericórdia do Supremo Senhor do Uni-verso lhe outorgou nestes últimos anos. Até aos meusouvidos têm chegado as súplicas dolorosas das raçasflageladas por sua prepotência e desmesuradas am-bições. Na velha Península já não existe o povo maispobre e mais laborioso da Europa. O luxo das con-quistas lhe amoleceu as fibras criadoras e todas assuas preciosas energias e qualidades de trabalhovêm esmorecendo sob o amontoado de riquezas fa-bulosas. Entretanto, o tempo é o grande mestre detodos os homens e de todos os povos, e, se não nosé possível cercear o arbítrio livre das almas, pode-remos mudar o curso dos acontecimentos, a fim deque o povo lusitano aprenda, na dor e na miséria,as lições sagradas da experiência e da vida.

Ismael retornou à luta, cheio de fervorosa co-ragem e os acontecimentos foram modificados.

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Os donatários cruéis sofreram os mais tristesreveses no solo do Brasil.

Os Tupinambás e os Tupiniquins, que se loca-lizavam na Bahia e haviam recebido Cabral com asmelhores expressões de fraternidade, reagiram con-tra os colonizadores, transformados, para eles, emdesalmados verdugos. Lutas cruentas desencadearamcontra os brancos, que lhes depravavam os costumes.

A luxuosa expedição de João de Barros, que sedestinava ao Maranhão, mas que saíra de Lisboa cominstruções secretas para conquistar o ouro dos incas,no Peru, dispersou-se no mar, sofrendo os seus com-ponentes infinitos martírios e resgatando com ele-vados tributos de sofrimento as suas criminosasintenções, na condenável aventura.

Os tesouros das índias levaram o povo portu-guês à decadência e à miséria, pela disseminação dosartifícios do luxo e pelas campanhas abomináveis daconquista, cheias de crueldade e de sangue. A sedede ouro acarretava o abandono de todos os campos.

A CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA

Nas praias largas e fartas de Santa Cruz, flo-resciam cidades prestigiosas. Com o feudalismo dascapitanias, as cidades e as vilas modernas do litoraldo Brasil estavam já em seus primórdios, destacan-do-se dentre todas os núcleos populosos do Salvadore de São Vicente, em vista das facilidades encon-tradas pelos colonizadores, com o auxílio dos Cara-

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murus e dos Ramalhos, que os haviam precedido naação, junto dos indígenas.

Contudo, Portugal ainda não se decidira a des-tacar os seus elementos mais valorosos para os tra-balhos da colônia, preferindo enviar-lhe criminosose homens sem escrúpulos. Por toda parte, buscavamos naturais os recantos desconhecidos das florestasremotas, fugindo à escravidão e às torturas injusti-ficáveis que lhes infligiam os homens brancos, poreles, um dia, acolhidos com as mais altas manifes-tações de fraternidade.

O atrito das raças dava ensejo aos quadros maisdolorosos e mais lamentáveis.

Tome de Sousa estava substituído por Duarteda Costa, que, como o primeiro governador-geral,trouxera também consigo alguns dos missionáriosconcitados por Ismael ao novo apostolado nas flo-restas americanas.

Por essa época, os franceses desejaram apro-veitar a encantadora beleza da Baía de Guanabara eestabeleceram aí uma feitoria, nos mesmos sítios poronde se havia retemperado Gonçalo Coelho, nos pri-meiros anos decorridos após o descobrimento. Coma proteção do Almirante Coligny, então favorito doRei Henrique II de França, Nicolau de Villegaignonaporta à baía maravilhosa, em 1555, e funda umacolônia na Hha de Serigipe, que tomou, mais tarde,o seu nome. Das árvores de Uruçumirim, que é hojea praia elegante do Flamengo, os Tamoios valentescontemplavam, receosos, a intromissão dos europeusna sua região privilegiada. Mas, Villegaignon, com

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a sua mentalidade religiosa e honesta, conseguecaptar a confiança dos naturais, concedendo-lhes omesmo tratamento dispensado aos seus companhei-ros. Os indígenas recebem carinhosamente a orien-tação de Paicolás e se tornam devotados colabora-dores da sua obra.

Enquanto os franceses se vão apoderando dacosta, D. Duarte, na Bahia, lhes observa os movi-mentos, impossibilitado de adotar quaisquer provi-dências. A metrópole portuguesa não se digna deenviar à colônia distante os elementos necessáriosà sua conservação e defesa. Villegaignon, localizadona Guanabara, edifica a sua obra; mas, os padrescalvinistas, que lhe acompanharam a expedição, inu-tilizam-lhe muitas vezes o trabalho construtivo, comas suas discussões estéreis. Em 1559, Villegaignonregressa à França, no propósito de buscar recursosoficiais, sem jamais tornar ao Brasil, ficando os seuscompatriotas abandonados na colônia nascente.

Em 1558, havia assumido o governo-geral deSanta Cruz, Mem de Sá, que combate sem tréguas ainfluência dos estrangeiros. Com a sua energia,expele os franceses do Rio de Janeiro, destruin-do-lhes as fortificações. Mal, porém, se havia reti-rado o governador, voltaram os franceses dispersosa reassumir a sua posição na Ilha de Serigipe, como auxílio dos Tamoios, reunidos a esse tempo namaior confederação indígena que já existiu em ter-ras do Brasil, sob a direção de Cuhambebe, contraas perversidades dos colonizadores portugueses. O go-vernador-geral reconhece a necessidade de fundar-se

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uma povoação que aí ficasse como sentinela dacosta, a fim de eliminar os derradeiros resquíciosdas influências francesas. O grande projeto aguardaensejo favorável para a sua concretização. Estáciode Sá, sobrinho do governador, é então incumbidode comandar uma guarnição que ali se planta, emdefesa da cidade; a povoação se reparte em peque-nas guarnições de militares, junto ao Pão de Açúcare numa das numerosas ilhas do golfo esplêndido. Osfranceses, todavia, unem-se aos índios e Estácio deSá morre, em 1567, empenhado com eles em guerras.O combate, em tais circunstâncias, assume propor-ções aspérrimas e rudes. Mem de Sá reúne todas asforças disponíveis nas cidades da colônia e atacatodas as fortificações que existiam onde hoje sesituam a praia do Flamengo e a Ilha do Governador;obtém a mais completa vitória sobre o inimigo, maspermitiu, lamentavelmente, que aí se consumasseminauditas crueldades com os vencidos.

Os portugueses transferem, então, a cidade, quefica definitivamente fundada no Morro de São Ja-nuário, mais tarde do Castelo. Em homenagem aomártir do Cristianismo, recebeu a cidade o nome deSão Sebastião, ficando outro sobrinho do governa-dor na sua administração.

Nas esferas superiores do infinito, Ismael e suasabnegadas falanges choram sobre tão lamentáveisacontecimentos, quais o suplício imposto a João deBoles pelos elementos de mais confiança dos maio-rais da espiritualidade.

A cidade fica sob a proteção espiritual de Sebastião,

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o grande filho de Narbonne, martirizado pela sua fécristã ao tempo de Diocleciano, em 288 da nossa era.Estácio de Sá reúne-se às falanges invisíveis, encarre-gadas de cooperar no progresso daqueles sítios. Sob asvistas amorosas do desvelado patrono da cidade, desdo-bra-se em dedicação a favor do seu progresso, entre osnúcleos florescentes.

Muitas vezes voltou Estácio a se corporificar naPátria do Evangelho, para viver na paisagem predi-leta dos seus olhos. Sua personalidade aí adquiriuelementos de ciência e de virtude e, ainda há poucosanos, podia ser encontrada na figura do grande be-nemérito do Rio de Janeiro, que foi Osvaldo Cruz.

Depois das lutas sanguinolentas nas praias dabaía mais bela do mundo, onde os vícios europeus,desencadeando nefandas guerras religiosas, batalha-vam entre si, estendendo suas crueldades até aoNovo Mundo, Ismael considerou a necessidade deestabelecer uma diretriz para a organização econô-mica da terra do Cruzeiro. Após a elaboração delargos projetos de ação do plano invisível, o sábiomensageiro do Senhor discrimina as funções de cadaregião da pátria brasileira. Junto do golfo enorme,onde os contornos da paisagem assumem as cam-biantes mais delicadas e mais espantosas, desdo-brando-se nos mais graciosos caprichos da Natureza,traça ele as linhas de uma urbe maravilhosa, queserá a sede do pensamento brasileiro e, mais funda-mente, no coração da terra moça e bravia, tracejaas plantas magníficas das duas usinas mais podero-sas, onde se guardará o profundo manancial de suas

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forças orgânicas. Os pontos de fixação dessas sagradasbalizas são encontrados ao longo dos seiscentos qui-lômetros de extensão do Paraíba do Sul e nas cabe-ceiras do São Francisco, cuja corrente deverá lançar,pelo seu percurso de quase três mil quilômetros, todasas sementes da brasilidade mais pura.

Aproveitou também Ismael os núcleos orienta-dores de Piratininga, que se expandiriam, mais tarde,com as audaciosas bandeiras. A linha do coração doBrasil, até hoje, se encontra aí traçada.

Ninguém pode negar a hegemonia da intelectua-lidade carioca e fluminense, desde os tempos emque a cidade de São Sebastião se derramou do Morrodo Castelo, invadindo as ilhas, absorvendo as praiaslongas e elevando-se pelos outeiros vizinhos. SãoPaulo e Minas de hoje foram as regiões escolhidascomo as duas fontes poderosas que guardariam opotencial de energias orgânicas da terra, formandoos primeiros índices da etnologia brasileira. Aságuas do Paraíba do Sul e as de todo o percurso doSão Francisco ainda constituem roteiro singular,onde se descobrem os característicos mais fortes dopovo fraternal da terra do Cruzeiro. Cada Estado doBrasil tem a sua função essencial no corpo ciclópicoda pátria que representa o coração geográfico domundo; mas, em S. Paulo e em Minas Gerais se assen-taram, por determinação do invisível, os elementosindispensáveis à organização da pátria esplêndida.Ambos serão ainda, por muito tempo, as conchas dabalança política e econômica da nacionalidade e osdínamos mais poderosos da sua produção. Obede-

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cendo aos elevados propósitos do mundo oculto,ambos ficaram irmanados junto do cérebro do país,por indefectíveis disposições do determinismo geo-gráfico, que os reúne para sempre. Os Espíritos in-felizes e perturbados, inimigos da obra de Jesus,que, entretanto, se converterão um dia ao supremobem, pela sua infinita piedade, agem de preferêncianos bastidores administrativos dos dois grandes Es-tados brasileiros, provocando a vaidade dos seushomens públicos, levantando tricas políticas e con-duzindo-os, muitas vezes, a lutas fratricidas e tene-brosas, no sentido de atrasar os triunfes divinos doEvangelho, no coração de todas as almas.

Mas, os devotados obreiros do Além não des-cansam em sua faina de abnegação e renúncia e,ainda agora, em 1932, quando um distinto jorna-lista da atualidade rasgava a bandeira nacional nacapital paulista, em seu famoso discurso sem pala-vras, José de Anchieta, de quem João de Boles éagora dedicado colaborador, e vários outros gêniosespirituais da terra brasileira se reuniam no Colégio dePiratininga, implorando a Jesus derramasse odoce bálsamo da sua humildade sobre o orgulhoferido dos valorosos piratininganos, e Ismael esten-de o seu lábaro de perdão e de concórdia sobre osmovimentos fratricidas e reúne de novo os irmãosdos dois grandes Estados centrais do país, para arealização da sua obra em prol do Evangelho.

As fraquezas e vaidades humanas, fermentadaspor forças maléficas do mundo, têm separado muitasvezes as coletividades dos dois grandes Estados da

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República, levando-os à inimizade e quase à ruína;mas, muito breve, quando as sombras da confusãodos tempos modernos invadirem ameaçadoramenteos céus da pátria, ambos compreenderão a imperiosanecessidade de se unirem para sempre, como irmãosmuito amados e, novos símbolos de Castor e Pólux,expandirão juntos as suas energias étnicas, modela-doras da terra do Evangelho, absorvendo nos seussurtos extraordinários as expressões excessivamenteindiáticas do Amazonas, ao Norte, e as platinas in-fluências nas planícies do Rio Grande, por cumpri-rem, de mãos dadas, os imperativos da sua grandemissão histórica.

Nesse tempo que não vem muito longe, as men-sagens de fraternidade e de amor, expedidas pelosgênios inspiradores do Brasil, do sagrado Colégiode Piratininga, tocarão, primeiramente, na coroa detênues neblinas das montanhas, antes de ascende-rem aos céus.

OS NEGROS DO BRASIL

Sob o domínio espanhol, Portugal sofria todasas conseqüências da sua desídia e imprevidência.A Espanha guardava o cetro de um império resplan-decente e maravilhoso. Suas frotas poderosas co-briam as águas de todos os mares, carregando ostesouros do México e do Peru, do Brasil e das índias,os quais faziam afluir para Madrid a mais elevadaporcentagem de ouro do mundo inteiro.

Até hoje, comenta-se com espírito a célebre

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frase de Francisco I, exprimindo o seu desejo deconhecer a disposição testamentária de Adão, quedividira o mundo entre espanhóis e portugueses eo deserdara.

A esse tempo, a terra do Evangelho não é maisconhecida pelo nome suave de Santa Cruz. Ã forçadas expressões comuns, dos negociantes que vinhambuscar as suas fartas provisões de pau-brasil, seunome se prende agora ao privilégio das suas madeiras.Os missionários da colônia protestaram contra a ino-vação adotada; mas, as falanges do Infinito sancio-naram a novidade imposta pelo espírito geral, consi-derando as terríveis crueldades cometidas na Baíade Guanabara, em nome do mais caricioso dos sím-bolos. A sanção de Ismael à escolha da nova expres-são objetivava resguardar a pátria do Cruzeiro dosperigos da Inquisição, que na Europa fomentava osmais hediondos movimentos em nome do Senhor.

A situação, no Brasil, sob todos os pontos devista, como a da metrópole portuguesa, era dolorosae cruel, embora governado por funcionário de Lis-boa, segundo as combinações estipuladas na Pe-nínsula.

A raça aborígine e a raça negra sofriam todasorte de humilhações e vexames. Os índios procura-vam o Norte, em busca dos seus amigos franceses,que, expulsos do Rio por Mem de Sá, concentravamsuas atividades no Maranhão, onde pretendiam fun-dar a França Equinocial, preocupando seriamenteas autoridades da colônia. A situação geral era amais deplorável. Ismael e seus abnegados colabora do-

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res sofrem intensamente em seus trabalhos árduose quase improfícuos, no sentido de organizar o Insti-tuto sagrado da família nas florestas inóspitas, ondeos brancos não dispensavam consideração às leishumanas ou divinas, na condição de superioridadeque se atribuíam.

Aos céus ascendem os aflitivos apelos dosobreiros invisíveis:

— Senhor! — exclama Ismael nas suas preo-cupações — estendei até nós o manto da vossa infi-nita misericórdia. Enviai-nos o socorro das vossasbênçãos divinas, para que as nossas vozes sejamouvidas pelos espíritos que aqui procuram edificaruma pátria nova. Nosso coração se comove ante osquadros deploráveis que se deparam às nossas vistas.Por toda parte, vêem-se os infortúnios das raçasflageladas e sofredoras.

Uma voz suave e meiga lhe responde do Infinito:— Ismael, nas tuas obrigações e trabalhos, con-

sidera que a dor é a eterna lapidaria de todos osespíritos e que o Nosso Pai não concede aos filhosfardo superior às suas forças, nas lutas evolutivas.Abriga aí, na sagrada extensão dos territórios dopaís do Evangelho, todos os infortunados e todosos infelizes. No meu coração ecoam as súplicas dolo-rosas de todos os seres sofredores, que se agrupamnas regiões inferiores dos espaços próximos daTerra. Agasalha-os no solo bendito que recebe asirradiações do símbolo estrelado, alimentando-os com opão substancioso dos sofrimentos depuradores edas lágrimas que lavam todas as manchas da alma.

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Leva a essas coletividades espirituais, sinceramentearrependidas do seu passado obscuro e delituoso, atua bandeira de paz e de esperança; ensina-lhes a leros preceitos da minha doutrina, nos códigos doura-dos do sofrimento.

Ismael sente que luzes compassivas e miseri-cordiosas lhe visitam o coração e parte com os seuscompanheiros, em busca dos planos da erraticidademais próximos da Terra. Aí se encontram antigosbatalhadores das cruzadas, senhores feudais da Ida-de Média, padres e inquisidores, espíritos rebeldes erevoltados, perdidos nos caminhos cheios da trevadas suas consciências polutas. O emissário do Senhordesdobra nessas grutas do sofrimento a sua ban-deira de luz, como uma estrela d'alva, assinalandoo fim de profunda noite.— Irmãos — exorta ele comovido — até aocoração do Divino Mestre chegaram os vossos apelosde socorro espiritual. Da sua esfera de brandos arre-bóis cristalinos, ordena a sua misericórdia que asvossas lágrimas sejam enxugadas para sempre. Umensejo novo de trabalho se apresenta para a reden-ção das vossas almas, desviadas nos desfiladeiros doremorso e do crime. Há uma terra nova, onde Jesusimplantará o seu Evangelho de caridade, de perdãoe de amor indefiníveis. Nos séculos futuros, essapátria generosa será a terra da promissão para todos osinfelizes. Dos seus celeiros inesgotáveis sairá opão de luz para todas as almas; mas, preciso se faznos voltemos para o seu solo virgem e exuberante aconstruir-lhe as bases com os nossos sacrifícios e

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devotamentos. Ali encontrareis, nos carreiros aspér-rimos da dor que depura e santif ica, a porta estreitapara o céu de que nos fala Jesus nas suas liçõesdivinas. Aprendereis, no livro dos padecimentos sal-vadores, a gravar na consciência os sagrados pará-grafos da virtude e do amor, na epopéia de luz dasolidariedade, na expiação e no sofrimento. Sabeique todas as aquisições da filosofia e da ciência ter-restres são flores sem perfume, ou luzes sem calore sem vida, quando não se tocam das claridades dosentimento. Aqueles de vós que desejarem o supre-mo caminho venham para a nossa oficina de amor,de humildade e redenção.

E aí, nas estradas escuras e tristes da angústiaespiritual, viu-se, então, que falanges imensas, an-siosas e extasiadas, avançavam com fervorosa cora-gem para as clareiras abertas naquela mansão dedor e de sombras. Todos queriam, no seu testemu-nho de agradecimento, beijar a bandeira sacrossantado mensageiro divino. O seu emblema — Deus,Cristo e Caridade — refulgia agora nas penumbras,iluminando todas as coisas e clarificando todos oscaminhos. As esperanças reunidas, daqueles seresinfortunados e sofredores, faziam a vibração de luzque então aclarava todas as sendas e abria todos osentendimentos para a compreensão das finalidades,das determinações sublimes do Alto.

Essas entidades evolvidas pela ciência, maspobres de humildade e de amor, ouviram os apelosde Ismael e vieram construir as bases da terra doCruzeiro. Foram elas que abriram os caminhos da

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terra virgem, sustentando nos ombros feridos o pesode todos os trabalhos. Nesse filão de claridades in-teriores, buscaram as pérolas da humildade e dosentimento com que se apresentaram mais tarde aJesus, no dia, que lhes raiou, de redenção e de glória.

Foi por isso que os negros do Brasil se incor-poraram à raça nova, constituindo um dos baluartesda nacionalidade, em todos os tempos. Com as suasabnegações santificantes e os seus prantos abençoa-dos, fizeram brotar as alvoradas do trabalho, depoisdas noites primitivas. Na Pátria do Evangelho têmeles sido estadistas, médicos, artistas, poetas e es-critores, representando as personalidades mais emi-nentes. Em nenhuma outra parte do planeta alcan-çaram, ainda, a elevada e justa posição que lhescompete junto das outras raças do orbe, como acon-tece no Brasil, onde vivem nos ambientes da maispura fraternidade. É que o Senhor lhes assinalou opapel na formação da terra do Evangelho e foi poresse motivo que eles deram, desde o princípio desua localização no país, os mais extraordináriosexemplos de sacrifício à raça branca. Todos os gran-des sentimentos que nobilitam as almas humanas eles osdemonstraram e foi ainda o coração deles, dedi-cado ao ideal da solidariedade humana, que ensinouaos europeus a lição do trabalho e da obediência, nacomuna fraterna dos Palmares, onde não havia nemricos nem pobres e onde resistiram com o seu esforçoe a sua perseverança, por mais de setenta anos, es-crevendo, com a morte pela liberdade, o mais belopoema dos seus martírios nas terras americanas.

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Por toda parte, no país, há um ensinamento ca-ricioso do seu resignado heroísmo, e foi por essa razãoque a terra brasileira soube reconhecer-lhes as abne-gações santificadas, incorporando-os definitivamenteà grande família, de cuja direção muitas vezes par-ticipam, sem jamais se esquecer o Brasil de que osseus maiores filhos se criaram para a grandeza dapátria, no generoso seio africano.

A INVASÃO HOLANDESA

Se à raça negra eram impostas as mais dolo-rosas torturas, nos primórdios da organização doBrasil, não menores sacrifícios se exigiam dos in-dígenas, acostumados à amplitude da terra, proprie-dade deles.

As "entradas" pelo sertão, com o fito de escra-vizar os selvagens indefesos, se realizavam, naqueletempo, em todos os recantos.

Tabas prósperas eram incendiadas de surpresa,no silêncio da noite. São famosas e comovedoras asdescrições que desses fatos guardam os documentosantigos. Somente de uma vez, uma caravana de por-tugueses capturou mais de sete mil homens válidos,mulheres, velhos e crianças. E quando os mamelucosguiadores não convenciam os naturais de que deviamacompanhá-los às cidades mais próximas, para queas caçadas humanas se verificassem com pleno êxito,as cenas de selvajaria nodoavam a floresta virgem,enchendo de pavor os caminhos atapetados de cadá-

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veres e de sangue coagulado. Como represália atantas crueldades, os Tamoios nunca se harmoniza-ram com os portugueses. Desde o princípio da açãodestes, foram seus declarados inimigos.

No seio dessas lutas devastadoras, em que ven-ciam, a maior parte das vezes, as criminosas astúciasdos colonos, eram os padres piedosos os que maissofriam, experimentando a angústia de se veremdesprezados pelos seus próprios companheiros daraça branca, nos sertões ínvios e hostis. A almasimples dos naturais se mostrava maleável aos seusensinamentos. Aos seus apelos, aproximavam-se dosnúcleos de civilização. Aldeavam-se para uma vidaordeira que os colonizadores destruíam com as suastaras infames e seculares. Anchieta e quase todos osoutros missionários das selvas brasileiras sustenta-ram demoradas lutas, defendendo os indígenas fra-ternos. A verdade, porém, é que, embora esfacelas-sem os púlpitos na pregação da piedade cristã, suasvozes se perdiam na imensidade do céu, sem que seusirmãos da terra as escutassem com a idéia generosa de lhes praticar os carinhosos ensinos. Os primeirosbrancos que aportaram à América do Sul, na suageneralidade, não tinham em conta a existência dalei nas extensas florestas do Novo Mundo.

Os portugueses prosseguiam, incessantemente,na faina ingrata de "descer os índios".

Regressando ao Além, os primeiros missionáriosda caravana luminosa de Ismael pedem a sua cola-boração misericordiosa, para que semelhante situa-ção se modifique. Mas, o grande apóstolo de Jesus

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explica:— Irmãos, não podemos tolher a liberdade dosnossos semelhantes. Não sou indiferente a esses mo-vimentos hediondos, nos quais os índios, simples ebons, são capturados para os duros trabalhos docativeiro. Esperemos no Senhor, cujo coração mise-ricordioso e augusto agasalhará todos aqueles quese encontram famintos de justiça. Contudo, podere-mos, com os nossos esforços, auxiliar os encarnadosna compreensão das leis fraternas, avisando-lhes ocoração de modo indireto, quanto aos seus divinosdeveres. Infelizmente, não encontramos, na atuali-dade do planeta, outro povo que substitua os portu-gueses na grande obra de edificação da Pátria doEvangelho. Todas as demais nações, como o próprioPortugal, se encontram presas da cobiça, da invejae da ambição. Os vícios de todas as identificam per-feitamente umas com as outras, e no povo lusitanotemos de considerar a austera honradez aliada agrandes qualidades de valor e de sentimento, que ohabilitam, conforme a vontade do Senhor, a povoaros vastos latifúndios que constituirão mais tarde opouso abençoado da lição de Jesus. Colonizadoresdesalmados estão em todos os países dos temposmodernos, que não reconhecem outro direito a nãoser o da força desumana e impiedosa. Recorrendo,pois, às possibilidades ao nosso alcance, buscaremos,na Europa, um príncipe liberal, trabalhador e justo,que não esteja subordinado à política romana, a fimde caracterizar a nossa ação indireta. Traremos asua personalidade de administrador para a parte

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mais flagelada da nova pátria, a fim de que seusexemplos possam servir aos que se encontram nadireção das atividades sociais e políticas da colôniae beneficiem, ide maneira geral, a nação inteira. Elevirá na qualidade de invasor, porquanto não encon-tramos outros recursos para a adoção de providên-cias dessa natureza; mas, a sua permanência noBrasil será curta e eventual, apenas durante os anosnecessários a que suas lições sejam prodigalizadasaos administradores da nova terra. Preliminarmen-te, porém, devemos considerar que os seus compa-nheiros não serão melhores que os portugueses, nosentido da educação espiritual. A época é de pro-fundo atraso de quase todos os indivíduos e é paraexpelir essas trevas da consciência do mundo quenos teremos de sacrificar nas atmosferas próximas daTerra, trabalhando pela vitória do Senhor emtodos os corações.

Os fatos se verificaram, consoante as afirma-ções do iluminado preposto de Jesus.

Em 1624, a pretexto de sua guerra com a Espa-nha, os holandeses tomavam de assalto a Bahia, sobo comando de Johan Van Dorth.

Importa notar que as cenas dolorosas e lasti-máveis, decorrentes da invasão, não foram organi-zadas pelas abnegadas falanges do mundo invisível.As causas profundas desses fatos residiam no estadoevolutivo da época. Os morticínios nas praças incen-diadas e destruídas se verificavam, todos os dias,entre inevitáveis atritos das raças chamadas a po-voar aqueles recantos desconhecidos.

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Em 1637, entrava em Pernambuco o generalholandês João Maurício, Príncipe de Nassau. Inu-meráveis benefícios e imensos frutos produziu a suaadministração no Norte do Brasil, que foi semprea zona mais sacrificada do país.

O Recife se ostenta diante da Europa, comouma das mais belas cidades da América do Sul.Olinda é reedificada. Uma assembléia de mecânicos,de pintores, de arquitetos e artistas acompanha oPríncipe de Nassau, enchendo a sua cidade de sin-gulares esplendores. Mas, o espírito construtivo doadministrador holandês não se cristaliza nas expres-sões materiais da sua cidade predileta. O amor e orespeito que vota à liberdade fazem-no venerado detodos os brasileiros e portugueses de Pernambuco,cujas terras, naquela época, desciam até à região doParacatu, em Minas Gerais. Todos os escravos queprocuram abrigo à sombra da sua bandeira de tole-rância ele os declara livres para sempre, e os índiosencontram, no seu coração, o apoio de um nobre eleal amigo. Maurício de Nassau estabelece a liber-dade religiosa e administra Pernambuco, inauguran-do aí a primeira liberal-democracia nas terras ame-ricanas, tais a justiça e a liberdade com que se houveem seu governo.

Os Albuquerques e outros elementos em evi-dência no Norte muito aprenderam com ele para assuas atividades do porvir.

A realidade, todavia, é que a lição de Nassaufora preparada no plano invisível, para que os colo-nizadores da terra brasileira recebessem um novo

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clarão no seu caminho rotineiro e obscuro.Em socorro da nossa afirmativa, podemos invo-

car o testemunho da própria história, porque, ter-minado o tempo necessário à sua administração noBrasil, o grande príncipe holandês regressava àpátria, por imposição dos espíritos avarentos, quemilitavam, nessa época da Companhia das índias,na política holandesa, sem que encontrassem subs-tituto para a sua obra na América. Apesar de suasfrotas extraordinárias e poderosas, a Holanda reti-rou-se do Brasil sem a intervenção de Portugal, bas-tando, para isso, o concurso dos habitantes da colô-nia. Quando a questão ficou definitivamente resol-vida na Corte de Haia, em 1661, os holandeses, em-bora a sua soberania marítima perdurasse até então,em troca dos seus imensos trabalhos no Norte doBrasil e dos milhões de florins aí abandonados,apenas receberam, a título de indenização, a impor-tância de cinco milhões de cruzados.

A RESTAURAÇÃO DE PORTUGAL

No primeiro quartel do século XVII, a situaçãode Portugal era de profunda decadência. Sob o rei-nado de Filipe m, de Espanha, príncipe apático edoente, que entregara a direção de todos os negóciosao Duque de Lerma, os esplendores das conquistasportuguesas haviam desaparecido.

Aquele povo minúsculo e heróico, cuja coragemacendera nova luz em todos os departamentos detrabalho do Ocidente, encontrava-se agora reduzido

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à quase penúria.Foi por esse tempo que Henrique de Sagres, o

antigo Helil, mensageiro de Jesus, que levantara asenergias portuguesas com a sua escola de navega-ção, procurou o Senhor, tocado de compaixão e deangústia, a implorar a bênção da sua misericórdiapara a nação de que se tornara o gênio renovador.

— Mestre — diz ele compungidamente — venhopedir o vosso auxílio paternal para a terra portu-guesa, cujas experiências amargas tocam, agora, aoauge das penosas provações coletivas. Humilhada evencida, ela implora a vossa divina providência,através de minhas palavras, no sentido de lhe serpossível aproveitar as forças derradeiras, para umareorganização política e econômica que a possa es-quivar de tão angustiosa situação.— Helil — replicou-lhe Jesus — sabes que aminha piedade não se reveste de excessivas exigên-cias. Enviei-te a Portugal com o fim de lhe reergueras energias, compensando os seus grandes esforçosde povo humilde e laborioso. Infelizmente, apesar desuas grandes qualidades de coração, os portuguesesnão souberam corresponder à nossa expectativa,provocando, eles próprios, a situação em que seencontram, pela fraqueza com que se entregaram àsinistra embriaguez da fortuna e da posse. Depoisde teres ajudado Vasco da Gama a franquear o cami-nho marítimo das índias, as forças lusas, após rece-berem os favores da cidade de Calicut, ali regres-sam, algum tempo mais tarde, para bombardeá-la,inundando-a num mar de crueldade e sangue. No

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Brasil, onde lançamos os fundamentos da Pátria doEvangelho, introduziram o tráfico de homens livres,forçando as falanges de Ismael a despender todosos esforços possíveis para que as ordens divinas nãose subvertessem pelas iniqüidades humanas. EmLisboa, permitiram a entrada do terrível institutoda inquisição, que comete no mundo todos os crimesem meu nome, que deveria ser, para todas as cria-turas, um sinônimo de brandura e de amor.— É verdade, Senhor — exclama Helil amar-gurado — quando o primeiro português aprisionou,nas Canárias, alguns pobres africanos, para ven-dê-los como escravos aos brancos da Europa, ordeneifossem imediatamente repatriados, enchendo-se-meo coração de amargura após tantos entusiasmos noperíodo dos descobrimentos, quando eu vos confia-va, no Restelo, as lágrimas do meu reconhecimentoe da minha esperança. Mas, a grande pátria que meconfiaste, Senhor, muito tem aprendido no caminhodas experiências dolorosas. Nas suas cidades impor-tantes escasseiam os espíritos de eleição, aptos àtarefa do governo; as nações ambiciosas se asse-nhoreiam de todas as suas possibilidades econômi-cas; suas riquezas são pilhadas pela pirataria doséculo; seu povo se acha esmagado pelos impostos;seus filhos abatidos e humilhados. Apiedai-vos, meuJesus, de tanta miséria que nos enche o coração deinfinita amargura! Permiti possamos restaurar-lhe asforças políticas, a fim de que ela cumpra asvossas determinações sábias e justas, na terra doEvangelho!

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— Essas experiências dolorosas — explicou-lheo Divino Mestre — dotarão Portugal de novos sen-timentos, acrisolando nele as concepções de bran-dura e de fraternidade, a fim de que possa corres-ponder ao nosso esforço, na edificação da pátria dosmeus ensinamentos. Quais os elementos encarnadosque utilizarás nessa restauração?

— Senhor, com o vosso apoio e com o vossoamparo, esperamos realizar essa reorganização bus-cando para o trono os descendentes de D. Afonso,primeiro Duque de Bragança, que atualmente detêma maior fortuna portuguesa e em cuja Casa vivemmais de oitenta mil vassalos. Quanto ao nosso plano,constará de uma larga ação dos agrupamentos espi-rituais sob a minha direção, combinados com as fa-langes de Ismael, no sentido de intensificarmos opensamento cristão em Portugal, projetando as maisnobres realizações no Brasil, disseminando-nos entreos colonizadores, a fim de que as concepções de fra-ternidade se intensifiquem, cimentando as bases dapátria das vossas lições divinas. Nossos apelos se es-tenderão aos companheiros reencarnados, que se en-contram nas cortes espanholas e nas selvas america-nas, para levantarmos a bandeira de Ismael sobretodas as frontes, como sublime legado do vosso co-ração compassivo e misericordioso.

— Sim, Helil — retrucou Jesus, bondoso —teu plano se realizará com a minha bênção, efetuan-do-se essa ação espiritual conforme a idealizas. Te-mos, no entanto, de considerar que os elementos aserem utilizados são os mais representativos, porém,

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não constituem os mais necessários. Não acho quea Casa de Bragança esteja preparada, espiritual-mente, para a sublime realização; todavia, somosobrigados, igualmente, a reconhecer que pesadastrevas invadem atualmente todas as atividades po-líticas da Terra e tu te esforçarás por ampará-la nosgrandes deveres que assumirá, neste e nos próximosséculos. Terás o cuidado de inspirá-la, no propósitode se organizarem as precisas combinações com asoutras nacionalidades do mundo, para que a Pátriado Evangelho não sofra novos choques de raças,além dos até agora sofridos. Bem sabes que, en-quanto os homens não se integrarem no conheci-mento pleno da minha doutrina de amor e de frater-nidade, os tratados comerciais serão os necessáriosjogos de interesses a equilibrarem as ambições, emproveito dos setores da verdadeira evolução espi-ritual. Auxiliarei os teus empreendimentos com aminha misericórdia, pedindo a Nosso Pai que sedigne de guardar-nos sob o palio da sua bondadeinfinita.

Henrique de Sagres organizou as suas falan-ges e, em 1640, Portugal era restaurado, subindo aotrono D. João IV, chamado dos seus regalos e pra-zeres de Vila Viçosa, para os cuidados do reino.

Ao cabo de um período de lutas ferrenhas, arestauração se consolida na batalha de Montijo e agrande nação do Ocidente prossegue em seu laborabençoado por Jesus, na formação da Pátria doCruzeiro.

Sob a orientação do mundo invisível, Portugal

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estabelece tratados comerciais, entre eles, algunscomo o de Methuen, que mais tarde se verificou serruinoso para a indústria portuguesa, mas colocavao Brasil a salvo de lutas com o poderio da Inglaterra.

Toda uma ação espiritual se conjuga, harmo-niosamente, nessa época, e as falanges de Ismael ede Helil buscam, no silêncio e na obscuridade, ogrande coração de Antônio Vieira, que se constituiupoderoso organismo mediúnico para as revelaçõesde suas verdades.

Vieira toma posição ascendente na corte deD. João IV e, daí a algum tempo, contra a vontadedo soberano, que desejava conservar a sua palavrade sabedoria e de amor junto do seu coração, ogrande missionário embarca para o Brasil.

Sua voz, saturada de suave magnetismo, ilumi-na todas as consciências, esclarecendo todos os co-rações. Em momento de sagrada eloqüência, exclamaele: — No Evangelho de Jesus, ofereceu o demôniotodos os seus reinos pela posse de uma alma; mas,no Maranhão, não é necessário ao demônio tantabolsa, para comprá-las todas. Basta acenar o diabocom um tijupar de pindoba e dois tapuias para queseja adorado com ambos os joelhos.

E não foram poucos os senhores que, tocadosdessas claridades divinas, cuja origem profunda es-tava nas lições de Ismael e de seus abnegados men-sageiros, correram às suas propriedades, envergo-nhados do crime de manter escravos os seus irmãos,e devolveram para sempre, aos pobres cativos, aliberdade.

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AS BANDEIRAS

No desdobramento da ação espiritual que de-veria restaurar a pátria portuguesa, Ismael congre-gou os espíritos que chegavam aos espaços depoisdo primeiro contacto com a vida de Piratininga, a fimde elaborar novos projetos de trabalho naquele setorda Pátria do Evangelho.

Almas decididas e heróicas, postas ali para aconstrução da grande obra, apesar dos seus caracte-rísticos de bondade e de energia, necessitavam re-gressar à luta terrestre, em seu próprio benefício.

O mensageiro divino as reuniu em grandes cír-culos, de onde lhe ouviram a palavra amiga e escla-recedora.

— Meus irmãos — disse ele — regressareisdentro de breves dias aos núcleos de trabalho esta-belecidos no planalto piratiningano. Prosseguireisatuando no mesmo campo de labor e liberdade comque caracterizastes as primeiras iniciativas aí desen-volvidas. Agora, levareis mais longe a vossa cora-gem e o vosso heroísmo. Penetrareis o coração daterra do Cruzeiro, rasgando as sombras de suas flo-restas imensuráveis. Com a vossa dedicação, novasatividades serão descobertas e novas possibilidadeshão de felicitar a existência dos colonizadores dopaís, onde nos desvelaremos pela conservação dabandeira de Jesus, desfraldada lá sobre todas asfrontes e sobre todos os corações. Até hoje, têm-semultiplicado as tristes caçadas humanas em que osíndios misérrimos são colhidos de surpresa, na sua

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simplicidade, para os penosos trabalhos do cativei-ro; desvendareis, agora, as fontes de riqueza dosvastos latifúndios do Brasil, interessando a coloni-zação e fazendo desabrochar com mais intensidadeos núcleos valorosos desse movimento de intensifi-cação dos órgãos de progresso da pátria e do seupovo. Muitos de vós conhecereis a penúria e o sofri-mento; sacrificareis a fortuna e os afetos maissantos da família, para construirdes a base do porvircom as lágrimas abençoadas dos vossos martírios edas vossas renúncias exemplares. Vossa tarefaserá rasgar as selvas remotas, patenteando o ourodepositado no seio da terra generosa.

Houve um interregno na sua alocução.Ali se encontravam as entidades que seriam,

mais tarde, entre muitos outros, Antônio RodriguesArzão, Marcos de Azeredo, Bartolomeu Bueno eFernão Dias Paes. Este último, quebrando o silêncioda grande assembléia, exclamou, provocando geralinteresse:

— Anjo bom, que faremos com o ouro da terra,se no mundo ele é a causa sinistra de todas as lutase o demônio de todas as ambições? Aqui, na vidaespiritual, compreendemos semelhantes realidades;mas, no orbe das sombras, a nossa consciência mer-gulha nas mais aflitivas perturbações e bem sabeisque a água mais pura, misturando-se com a terra,se reduz quase sempre a um punhado de lama.

Ismael não se demorou para esclarecer:— A Terra é a escola abençoada, onde aplica-

mos todos os elevados conhecimentos adquiridos no

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Infinito. É nesse vasto campo experimental que de-vemos aprender a ciência do bem e aliá-la à suadivina prática. Nos nevoeiros da carne, todas astrevas serão desfeitas pelos nossos próprios esfor-ços individuais; dentro delas, o nosso espírito an-dará esquecido de seu passado obscuro, para quetodas as nossas iniciativas se valorizem. Precisamosentender essas brandas disposições das leis divinas,para que o determinismo do amor e da fraternidadeconstitua a lei da existência de todas as coisas e detodos os seres. Quanto ao ouro escondido no seio daterra exuberante, sua existência não significa senãoum estímulo à ilusão dos homens, ainda muito dis-tantes da concepção da verdadeira fraternidade, afim de que as criaturas possam buscar os tesourosespirituais pelo trabalho fecundante da evolução domundo. Procurando a grandeza ilusória do ouro, edi-ficareis as cidades novas, fomentareis a pecuária ea agricultura, desbravando caminhos inóspitos emfavor de outras almas. Um mundo novo se erguerásobre os vossos ombros dilacerados nas disciplinasausteras, ao sol causticaste das caminhadas peno-sas; mas, o futuro se voltará para os vossos esfor-ços, com as suas bênçãos de agradecimento.

Dirigindo-se mais particularmente a FernãoDias, Ismael sentenciou:

— Serás o chefe da expedição mais difícil detodas; porém, da tua coragem há de surgir um ca-minho novo para todos os espíritos. Muitas vezesserás compelido a exercer a mais rigorosa justiça,despendendo todas as tuas reservas de energia; mas,

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é preciso não esqueças a misericórdia divina, semexorbitar das funções que te forem confiadas, entre-gando a Jesus os teus trabalhos de cada dia.

O grande bandeirante recebeu submisso a de-terminação do divino emissário. Daí a alguns anos,nos dois últimos quartéis do século XVH, as bandeiraspaulistas se espalharam por todas as regiões daterra virgem. Através das selvas bravias, marcham,como se o fizessem ao longo de largos e desconheci-dos oceanos. As noites estreladas lhes servem deorientação e de bússola. A cruz do Cristo vai, comoum símbolo, à frente de todos os expedicionários dasnovas tentativas de conquista. De Sorocaba, sobempor Goiás até ao Amazonas longínquo; e de Taubatédemandam a Paraíba do Norte. Em 1672, FernãoDias Paes organiza, com todos os elementos de suafortuna, a mais célebre das expedições saídas deSão Paulo. Caçando as esmeraldas, que constituíamobjeto das lendas de muitos aventureiros, visitatodas as regiões auríferas de Minas Gerais. Rebe-liões e discórdias são dominadas pela sua energiaconstante e severa. Para fortalecer a disciplina, obandeirante audacioso manda enforcar o própriofilho, que participara da rebeldia geral, como escar-mento aos companheiros, próximo à povoação doSumidouro. As jóias da mulher e das filhas sãoempregadas no seu arrojado empreendimento, arrui-nando-se a família inteira. Fernão Dias, porém,segue um roteiro luminoso. Por onde passa com assuas caravanas, florescem povoações asseadas e ale-gres. Seus pontos de contacto com a terra paulista

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são os arraiais prósperos e fartos, que vai edifican-do nos caminhos desertos. As esmeraldas do seusonho nunca foram encontradas e as pedras verdesque entregou ao genro no instante da agonia, comoúnica expressão da sua fortuna, representavam, decerto, o símbolo suave das esperanças do seu labore das suas lágrimas na terra do Evangelho. Próxi-mo do local onde mandara enforcar o filho, nasmargens do Rio das Velhas, o seu espírito de lutadorse desprendeu igualmente do corpo exausto, e quan-do, no íntimo do seu coração, implorava a miseri-córdia do Altíssimo para o delito, com que exorbi-tara de suas funções na Terra, a voz de Ismaelfalou-lhe do Infinito:

— Irmão, as quedas, com as suas experiênciassombrias, constituirão os degraus do teu caminhopara as mais gloriosas ascensões espirituais. Atrásdos teus passos florescem cidades valorosas no co-ração das matas virgens, e os que recebem os teusbenefícios abençoam o teu esforço e a tua energiaperseverante. A essas mesmas paragens, onde tur-vaste a consciência por um instante, levado pelosrigores da disciplina, voltarás com teu filho, sob asasas cariciosas da fraternidade e do amor, a fim dereparares o passado cheio de tribulações e lutasincontáveis, porque, no coração misericordioso deDeus, repousam, eternamente, as luminosas esme-raldas da esperança e do amor, que procuraste avida inteira.

Fernão Dias Paes abre os olhos materiais, pelaúltima vez. Uma lágrima pesada e branca lhe corre

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pelas faces emagrecidas; mas, sobre o seu coraçãopaira a bênção cariciosa da terra dourada das minas,e, sentindo-se na posse das verdadeiras esmeraldasdo seu grande sonho, o ínclito batalhador regressade novo à vida do Infinito.

OS MOVIMENTOS NATIVISTAS

A procura do ouro constituía a ansiedade incen-tivadora de todos os espíritos. Entretanto, desde oprincípio do século, o governo espanhol havia pro-videnciado quanto à organização do Código Mineiropara o Brasil e, desde 1608 a 1617, quando a direçãoda colônia se achava repartida entre as cidades deSalvador e do Rio de Janeiro, já D. Francisco deSousa guardava o título pomposo de Governador eIntendente das Minas.

Contudo, somente mais tarde as bandeiras auda-ciosas, iniciadas com a coragem paulista, rasgaram osvéus espessos do cipoal da mata virgem, desco-brindo os vastos lençóis de uma infinita riqueza.Muitos lustros decorreram sem que nada mais seobservasse, senão os movimentos espantosos das cor-rentes migratórias através dos sertões, procurandoo ouro da terra desconhecida e encontrando, muitasvezes,.nos seus caminhos a aflição, a angústia e amorte. O próprio Conselho Ultramarino, em Lisboa,expunha mais tarde à autoridade da Coroa a necessi-dade de se reprimirem os excessos dessas migraçõesincessantes, para que o próprio reino não se despo-voasse.

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Por essa época, multiplicavam-se as emboscadase a sede da posse turvava todas as consciências. Cida-des futurosas se levantavam ao longo das estradasdesertas e ermas; mas, seus alicerces, a maior partedas vezes, se constituíam com o sangue e com a mor-te. Em toda a colônia, pairam ameaças de confusãoe desordem. A lenda dos tesouros fabulosos, guarda-dos no coração das selvas imensas, incendiava todosos ânimos e enfraquecia o ascendente da lei em todosos espíritos. Os índios experimentam, amargurada-mente, a atuação dessas forças contrárias à sua paz,que se concentravam à procura das riquezas da terra,e é com inauditos esforços de perseverança e de pa-ciência que os caridosos jesuítas juntam suas aldeiasao Norte, com doçura fraterna, conquistando todo oAmazonas para a comunidade dos portugueses.

A esse tempo, no extremo norte convulsiona-seo Maranhão, sob os ímpetos revolucionários de Ma-nuel Beckman, contra a Companhia de Comércio,que monopolizara os negócios da importação e expor-tação da capitania, e contra os jesuítas, cujo espí-rito de fraternidade se interpunha entre os coloni-zadores e os índios, no sentido de se manterem estesúltimos dentro da liberdade que lhes competia. Osamotinados prendem todos os elementos do governoe, organizando uma junta com elementos do clero,da nobreza e do povo, consideram extinto o mono-pólio e providenciam o imediato banimento dos pro-tetores dos indígenas. Festas extraordinárias assi-nalam, no Maranhão, semelhantes feitos, inclusiveTe-Deum na Catedral de São Luís. A notícia de tão

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singulares quão inesperados episódios provoca asapreensões da corte de Lisboa, que não desconheceas pretensões da França no tocante ao vale do Ama-zonas, nem ignora o ascendente moral dos francesessobre os elementos indígenas. A expedição que de-verá restaurar a lei na capitania não se faz esperare a Gomes Freire de Andrada, estadista notável peloseu talento militar e político, cabe a direção do mo-vimento restaurador. As providências da contra-re-volução no extremonorte são adotadas sem difi-culdade. Gomes Freire procede com magnanimidadepara com os revoltosos, sem, contudo, poder agircom a mesma liberalidade para com Manuel Beck-man, que foi preso e sentenciado à morte. Sua for-tuna teve-a ele confiscada, mas o grande oficial quecomandara a expedição, dentro das tradições da ge-nerosidade portuguesa, arrematou todos os bens doinfeliz, em hasta pública, e os doou à viúva e aosórfãos do revolucionário.

Em 1683, a Bahia se conflagra, depois de assas-sinar o alcaide-mor da colônia, Francisco Teles deMenezes, que excitara as antipatias dos habitantesdo Salvador. E os derradeiros anos do século XVIItestemunham as atividades da colônia, nesse períodode transição dos movimentos nativistas. A sede doouro penetra o século seguinte, que, mais intensa-mente, ia acender a febre da ambição em todas ascidades. Em 1710, as lutas se fixam na capitania dePernambuco, que fazia questão de cultivar o senti-mento de sua autonomia, desde os tempos da ocupa-ção holandesa, com a qual fizera novas aquisi-

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ções no que se referia aos patrimônios de sua inde-pendência. Os brasileiros de Olinda abrem luta comos portugueses de Recife, em razão das rivalidadesentre as duas grandes cidades pernambucanas, quenão se toleravam politicamente. As emboscadas oca-sionam ali dolorosas cenas de sangue. Um ano in-teiro de choques e sobressaltos assinala o períododa guerra dos mascates. Antes, porém, desses movi-mentos revolucionários em Pernambuco, os paulistase os emboabas lutavam na região aurífera dos ser-tões de Minas Gerais, disputando-se a posse do ouro,que abrasava a imaginação do país inteiro. A feloniae a traição constituem o código dessas criaturasinsuladas nas matas desconhecidas e inóspitas.

Pela mesma época, a França, que sempre custoua resignar-se com a influência portuguesa no Brasil,envia Du Clerc para investir o porto do Rio de Ja-neiro com mil homens de combate. A metrópole por-tuguesa não podia proteger, de pronto, a cidade, eo Governador Francisco de Castro Morais, deixan-do-se dominar pela timidez, permitiu o desembarquedas forças francesas, que, todavia, foram rechaça-das pela população carioca. Estudantes e populareslutaram contra o invasor. Algumas dezenas de fran-ceses foram barbaramente trucidados. Fizeram-seali mais de quinhentos prisioneiros e o Capitão DuClerc acabou assassinado em trágicas circunstâncias.O governo do Rio não providenciou quanto ao pro-cesso dos criminosos, a fim de punir os culpados edefinir as responsabilidades pessoais, provocandocom isso a reação dos franceses, que voltaram a

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assediar a maior cidade brasileira.Duguay-Trouin vem à Baía de Guanabara acom-

panhado de cerca de cinco mil combatentes. O go-vernador foge com quase todos os elementos da po-pulação, deixando o Rio à mercê do corsário que seüustrara sob a proteção de Luís XIV. Depois dosaque, que absorve muitos milhões de cruzados dafortuna particular, paga ainda a cidade fabulosoresgate.

Enquanto se desenrolavam os últimos aconteci-mentos, governava em Portugal D. João V, o Magnâ-nimo, em cujo reinado ia o Brasil espalhar pelaEuropa os seus fabulosos tesouros. Nunca houve, ali,um soberano que mostrasse tamanho descaso pelaspossibilidades econômicas do povo. O ouro e os dia-mantes do Brasil iam acender no seu trono as estre-las efêmeras do seu fastígio e da sua glória. A for-tuna amontoada pela ambição e pela cobiça ia serespalhada pelas mãos insensatas do rei, imprevidentee incapaz da autoridade de um trono. Dentro doluxo assombroso da sua corte, o Convento de Mafrase ergue ao preço de cento e vinte milhões de cruza-dos. Mais de duzentos milhões seguiriam para asarcas do Vaticano, dados pelo monarca egoísta, quedesejava forçar as portas do céu com o ouro iníquoda terra. Em vez de auxiliar a evolução da indústriae da agricultura de sua terra, D. João V levantaigrejas e mosteiros, com extrema prodigalidade, e,enquanto todas as cortes da Europa felicitavam o reiperdulário pelo descobrimento dos diamantes na suaafortunada colônia e se celebram Te-Dewns em Lis-

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boa, em homenagem ao auspicioso acontecimento,pelo Brasil todo se alastravam movimentos nativis-tas, exaltando os sentimentos generosos da liberdadee preparando, assim, sob a inspiração de Ismael e desuas falanges devotadas, o futuro glorioso dos seusfilhos.

NO TEMPO DOS VICE-REIS

A ação espiritual das falanges de Ismael, reuni-das ao esforço dos elevados espíritos que recons-truíam as energias portuguesas, intensifica-se cadavez mais no coração das duas pátrias irmãs.

Pelo tratado de Methuen, assinado em 1703, aInglaterra, cujo poderio marítimo se consolidavadepois dos grandes feitos das armadas de Portugal,da Espanha e da Holanda, passaria a amontoar oouro do Brasil, como principal fornecedora do pri-meiro e de suas colônias. No capítulo financeiro, oBrasil era, de fato, uma das suas fontes de riqueza,POIS que todas as suas reservas se escoavam para otesouro inglês. Uma sábia disposição do mundo invi-sível regulamentara a questão dessa forma, adotan-do essas providências para que a Pátria do Evange-lho fosse colocada a cavaleiro de novos choques deambição, nos seus territórios. A combinação deMethuen era ruinosa para a indústria portuguesa;mas, nos grandes jogos dos interesses internacionais,semelhantes acordos se faziam necessários. A Ingla-terra ficaria com o ouro tangível, enquanto Portugalguardaria o ouro imperecível dos corações, dilatan-

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do a sua f é e as suas fronteiras, eternizando o patri-mônio das suas tradições e das suas esperanças, notempo e no espaço.

Nessa época, o Rio de Janeiro já eclipsava todasas cidades do Brasil. Aí, ao lado das águas claras epuras do rio da Carioca, onde os Tamoios encontra-vam sagradas virtudes para a beleza de suas mulhe-res e para a voz dos seus cantores, já se erguia ocasario imenso, a descer do cume dos morros parao lençol arenoso das praias.

Aí, sob o céu azul que cobre a paisagem tran-qüila, os governadores podem fazer, com serenidadeimperturbável, seus longos expedientes para a metró-pole e os padres podem rezar beatificamente, nosseus breviários, entre as paredes coloniais do Con-vento de Santo Antônio.

A sociedade tratava de aprender as regras debem viver, de civilidade, nos livros encomendadosespecialmente do reino.

Ao entardecer, não se cuidava de outra coisaque não fosse a iluminação dos oratórios das esqui-nas, únicos pontos onde, às vezes, se concentravamalguns transeuntes retardatários, que afrontavamsem receio os capoeiras ocultos no silêncio das ruasermas. De qualquer modo, porém, às oito horas danoite não se encontrava mais ninguém pelas vielasescuras, com exceção dos dias de grande gala, emque o governador comparecia pessoalmente às festaspopulares, tendo todos o cuidado de ir a esses folgue-dos de rua com os elementos precisos para a ilumi-nação do caminho, no regresso a casa.

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O Rio de então, como as demais cidades não sódo Brasil, mas também de Portugal, não primavapela higiene e pela limpeza. Os igarapés que conheci,ainda em princípios deste século, em algumas pe-quenas cidades do Norte brasileiro, onde se viam,em pleno dia, homens e crianças acertando contascom a natureza, se localizavam então nos recantosmais afastados das ruas, em grandes valas dentrodas quais os pobres escravos depositavam, todas astardes, o conteúdo malcheiroso dos largos potes debarro, carregados à cabeça.

Alguns forasteiros ilustres, que nos visitaramnaquela época, arquivaram tristes impressões doBrasil dos vice-reis, cheio dos mais espantosos qua-dros de imundície. Todavia, um dos espetáculos maisdolorosos e comovedores ofereciam-no os mercadosde escravos, como o do Valongo, onde os miseráveis seamontoavam aos magotes, esperando o compradorque lhes examinava os pulsos e os dentes, selecio-nando os mais fortes para os duros trabalhos dasfazendas. Ali, encontravam-se representantes dosnegros de Guiné, de Cabinda e de Benguela, queeram separados dos pais e das mães, dos irmãos edos filhos, nos sucessivos martirológios da raçanegra, na qual os próprios padres de Portugal nãoviam irmãos em humanidade, mas os amaldiçoadosdescendentes de Cam. Até há pouco tempo, podia-sever na Luanda a cadeira de pedra do bispo, de ondeum prelado português abençoava os navios negrei-ros, prontos para se fazerem ao mar largo, com apesada carga de desgraçados cativos. A bênção reli-

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giosa visava conservá-los vivos até aos portos dodestino, a fim de que os mais fartos lucros compen-sassem o trabalho dos hediondos mercadores. Estesúltimos, no entanto, além da bênção, adotavam outrasprecauções, amontoando os desditosos africanos nosporões infectos, onde viajavam como animais fero-zes, trancafiados na prisão, para que não vissem,pela última vez, os horizontes do berço ingrato emque haviam nascido, vacinando-se contra as doressupremas da desesperação, que os arrastaria paraos abismos do oceano.

Ismael, com as suas hostes do mundo invisível,consegue harmonizar lentamente os interesses espi-rituais de quantos se haviam estabelecido na Pátriado Cruzeiro. Sob a sua inspiração, a igreja torna-se

a protetora necessária da mentalidade infantil da-quela época. Os templos da colônia abrem as portaspara todos os infelizes e para todos os tristes. Osreineis organizam festanças periódicas, missas e pro-cissões da fé, bem como folganças profanas, quaisas da "Serração da Velha".

Sob as vistas condescendentes da igreja, osmensageiros do espaço se fazem sentir mais forte-mente junto dos senhores, amenizando a situaçãoamargurada dos míseros cativos. Sob as suas in-fluências indiretas, organizam-se correntes de filan-tropia, do mais elevado alcance. Costumes fraternossurgem espontaneamente no seio da população detodas as cidades brasileiras. O hábito de apadrinharos negros faltosos, ou fugitivos, nunca é desrespei-tado pelo senhor. Reconhece-se o direito de proprie-

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dade aos escravos, e o costume de ceder um dia oudois aos trabalhos dos cativos é confirmado por lei,em 1700. Alastra-se o precioso movimento das alfor-rias na pia batismal, onde, com um óbolo insignifi-cante, são declarados livres os filhos dos escravos.As associações dos negros nas grandes cidades dopaís, para realização das suas festas de saudade daspaisagens africanas, são numerosas, com permissãode todas as autoridades. Os festejos originais do Reido Congo se levam a efeito com brilho, a expensasdos senhores.

A igreja, no Brasil, abre o seu culto a São Be-nedito e a Nossa Senhora do Rosário, tornando-seum refúgio de doce consolação para os pobres afri-canos. As ordens religiosas possuíam os seus pretos,que eram bem tratados e jamais poderiam ser ven-didos. Nas fazendas, agrupavam-se eles em famílias,que, as mais das vezes, eram plenamente alforriadasem testamento dos proprietários. Todos os hábitosem voga, na época, dão testemunho da liberdadebrasileira, porquanto, em nosso país, nunca a eman-cipação foi impedida por lei, como em outras nações.A filantropia dos brasileiros cedo começou o movi-mento abolicionista, e a prova da profunda assistên-cia espiritual que acompanhava essas ações na Pátriado Evangelho é que nunca teve o Brasil um códigonegro, à maneira da França e da Inglaterra. E averdade espiritual, que paira acima das considera-ções de todos os historiadores, é que Ismael preparouaqui a oficina da fraternidade, onde os negros in-compreendidos vinham erguer a pátria da sua des-

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cendência. Se sofreram nas mãos de alguns escra-vocratas impiedosos, seus prantos e sacrifícios iamflorescer ao tênue rocio das bênçãos do céu, na terrado Evangelho, clarificando-lhes, mais tarde, os ca-minhos, quando seus corações resignados e sofre-dores se dilatassem, na alma fraterna dos filhos edos netos.

POMBAL E OS JESUÍTAS

Após o reinado de esbanjamento de D. João V,sobe ao trono de Portugal D. José I, como o quintorei da dinastia bragantina. O soberano escolhe paraseu primeiro ministro a Sebastião José de Carvalhoe Melo, depois Conde de Oeiras e, mais tarde, Mar-quês de Pombal.

As falanges espirituais, desvelando-se pela evo-lução portuguesa, haviam escolhido previamente essehomem, para a reconstrução das energias da pátria,após os desvarios de D. João V, o monarca esban-jador e arbitrário, que nunca reuniu as cortes parauma consulta, necessária aos interesses do povo. O escolhido, porém, não soube corresponder inte-gralmente às sagradas expectativas dos gênios espi-rituais da terra portuguesa. Se construiu, cometeugraves injustiças com a sua ditadura renovadora.

Pombal ascendera à posição de ministro depoisde absorver as idéias novas que percorriam os seto-res de todas as atividades do Velho Mundo, ao soprodos enciclopedistas. O campo diplomático já lhe dera

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a conhecer a técnica política de um Roberto Walpolee, enquanto a sua pátria se algemava aos tribunaisda Inquisição, com sérios prejuízos para a educaçãonacional, o cérebro se lhe povoava de planos audazese reformadores.

Elevando-se ao trono em 1750, D. José I esco-lhe-o, imediatamente, para chefe supremo do seugoverno e, quando em 1755 foi Lisboa parcialmentedestruída por um terremoto, o ministro renovadorteve oportunidade de demonstrar a sua capacidadecriadora, reedificando a cidade, que renasceu dosseus esforços mais engrandecida e mais bela.

O Marquês de Pombal, todavia, desde os primór-dios de sua ação no governo, não tolerava os jesuítasque, nas cortes européias, se intrometiam em todosos negócios da política do século, com a pretensãode imunizar o mundo inteiro das correntes de pensa-mento da Reforma.

Os missionários humildes da célebre Companhia,radicados no Brasil, diga-se em honra da verdade,estavam muito longe das criminosas disputas em quese empenhavam seus irmãos no outro lado do Atlân-tico; mas, sofreram com eles a incessante perse-guição, tão logo se apossou do governo o famosoministro.

Surge, afinal, o atentado contra a vida de DomJosé I, em 1758. No dia 3 de setembro desse ano,quando regressava de uma entrevista ao Palácio daAjuda, o soberano foi alvejado a tiros de bacamarte,partidos de um grupo de pessoas desconhecidas. Assuspeitas recaíram no Marquês de Távora e seus

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filhos, no Conde de Atouguia e no Duque de Aveiro.Conquanto fosse este último um dos implicados nomovimento regicida, o mesmo não acontecia aos Tá-voras, inocentes daquele delito. Instaurou-se um pro-cesso que terminou, apesar de todas as suas clamo-rosas irregularidades, com a sentença de morte paratodos os implicados. Em vão, procuram os portu-gueses influentes na corte modificar a decisão doministro. Os condenados sofrem os mais horrorosossuplícios em Belém e a própria D. Leonor Tomásia,Marquesa de Távora, foi decapitada.

Pombal aproveita o ensejo que se lhe oferecepara justificar a expulsão dos jesuítas, apontando-oscomo autores indiretos do atentado e D. José I, ainstâncias do seu valido, assina sem hesitar o de-creto de banimento.

Esse ato de Pombal se reflete largamente navida do Brasil. Todo o movimento de organizaçãosocial se devia, na colônia, aos esforços dos dedica-dos missionários. O clero comum possuía escravosnumerosos e chegava a defender o suposto direitodos escravagistas, incentivando a caça aos índios eabençoando a carga misérrima dos navios negreiros.Os jesuítas, porém, sempre trabalharam, no início daorganização brasileira, dentro dos mais amplos sen-timentos de humanidade. Aldeavam os índios, apren-diam a "língua geral", a fim de influenciarem maisdiretamente no ânimo deles, trazendo as tabas rús-ticas às comunidades da civilização e foram, talvez,naqueles tempos longínquos, os únicos refletores dosensinamentos do Alto, advogando o seu verbo inspi-

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rado a causa de todos os infelizes. A sua expulsãodo Brasil retardou de muito tempo a educação dasclasses desfavorecidas e, se o ministro de D. José Iestendeu algumas vezes o seu dinamismo renovadoraté à Pátria do Evangelho, sua ação poucas vezesultrapassou o terreno material, tanto que, mesmoalguns melhoramentos introduzidos no Rio de Ja-neiro pelo Conde de Bobadela, que levantou aí a pri-meira oficina tipográfica do país, foram por ele des-truídos, à força de decretos que constituíam sériosobstáculos à facilidade de educação no território dacolônia.

A esse tempo, observando a anulação dos seusesforços, os missionários humildes da cruz procura-ram Ismael com instantes apelos. Seus trabalhoseram abandonados, por força das determinações doministro arbitrário. Suas intenções ficavam incom-preendidas, suas ações baldadas, no sentido de espa-lharem entre os sofredores as claridades consoladorasdo ensino de Jesus. Mas, o generoso mensageiro pon-dera bondosamente aos seus dedicados colaboradores:— Irmãos — diz ele — muitas vezes, os própriosespíritos que escolhemos para determinados laboresterrestres não resistem à sedução do dinheiro e daautoridade. Sentem-se traídos em suas próprias for-ças e se entregam, sem resistência, ao inimigo ocultoque lhes envenena o coração. Deixai aos déspotas daTerra a liberdade de agir sob o império da sua pre-potência. Por mais que operem dentro das suas pos-sibilidades no plano físico, a vitória pertencerá sem-pre a Jesus, que é a luminosidade tocante de todos

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os corações. Temos, porém, de considerar, a par datirania política que tenta destruir a nossa ação, olamentável desvio dos nossos irmãos incumbidos develar pelo patrimônio do Evangelho, no mundo eu-ropeu. Infelizmente, não têm eles procurado levar aluz espiritual às almas aflitas e sofredoras, clareandoa estrada dos ignorantes e abençoando o rude labordos simples; ao contrário, buscam influenciar os prín-cipes do planeta, disputando os mais altos lugares dedomínio no banquete dos poderes temporais, em to-dos os países onde milita a igreja do Ocidente. Peca-mos a Jesus pelos tiranos e pelos nossos companhei-ros desviados da consciência retilínea. Se termina-mos, agora, uma etapa da nossa tarefa, em que apro-veitamos os elementos que nos oferecia a disciplinada Companhia fundada por Loiola, prosseguiremoso nosso trabalho dentro de novas modalidades. Dei-xemos aos mortos o cuidado de enterrar seus mortos,como ensinou o Divino Mestre em suas lições subli-mes. Vossos irmãos, transformando a cruz do Cristonum símbolo de opressão e despotismo, nos tribunaismalditos da Inquisição, cavam a sepultura moral desuas almas, que se amoldam ao sacrilégio e à igno-mínia. Quanto aos políticos, esses têm uma órbita deação que não lhes é possível ultrapassar; o tempoe a experiência, com a dor, eterna aliada de ambos,ensinarão às suas consciências a lei de fraternidadee de amor, que esqueceram nos dias do fastígio e daglória efêmera sobre a face do mundo. Oremos poreles e que Jesus, na sua bondade infinita, nos acolhaos corações sob o manto da sua misericórdia.

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Enquanto oravam, gotas suaves de luz se derra-mavam do céu sobre os caminhos tenebrosos da Terrae a palavra profética de Ismael teve, em breve, a suaconfirmação.

A Companhia de Jesus foi suprimida pelo pró-prio Papa Clemente XIV, em 1773, para reaparecersomente em 1814, com Pio VII. Nunca mais, todavia,puderam os jesuítas readquirir o imenso prestígioque possuíram no Ocidente. Quanto ao Marquês dePombal, conheceu no silêncio a lição do abandono edo olvido dos homens. No dia em que agonizavaD. José I, o cardeal de Lisboa, D. João Cosme daCunha, que devia ao famoso ministro a altura da suaposição eclesiástica, lhe declara no aposento do mo-ribundo: — "V. Ex.a já nada mais tem que aquifazer", testemunhando-lhe venenosa ingratidão. Daía algum tempo, em subindo ao trono, D. Maria Idestituía o marquês de todas as suas funções noreino, banindo-o da corte após rumoroso processo,em que procurou fundamentar a sua condenação.Retirando-se para a Vila de Pombal, desprendeu-sedo mundo em 1782, humilhado e esquecido, sob ojugo dos mais pungentes desgostos.

A INCONFIDÊNCIA MINEIRA

Por morte de D. José, ascendeu ao trono suafilha, D. Maria I, a Piedosa, a cuja autoridade fica-riam afetas as grandes responsabilidades do trono,naquela época em que um sopro de vida nova modi-ficava todas as disposições políticas e sociais do

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Velho Mundo.No seu reinado, Portugal sente esvaírem-se-lhe

as forças poderosas e se encaminha com rapidez paraa decadência e para a ruína. Não fossem as notáveisinfluências de um Martinho de Melo ou de um Duquede Lafões, talvez fosse ainda mais desastroso o reina-do de D. Maria, escravizada ao fanatismo dotempo e às opiniões dos seus confessores.

Por esse tempo, o Brasil sofria o máximo devexames, no que se referia ao problema da sua liber-dade. A capitania de Minas Gerais, que se criara edesenvolvera sob a carinhosa atenção dos paulistas,era então o maior centro de riquezas da colônia, comas suas minas inesgotáveis de ouro e diamantes.A sede de tesouros edificara Vila Rica nos cumesenevoados e frios das montanhas, reunindo-se aliuma plêiade de poetas e escritores que sentiriam, demais perto, as humilhações infligidas pela metrópoleportuguesa à pátria que nascia. A verdade é que emMinas se sentia, mais que em toda parte, o despo-tismo e a tirania. O clero, a magistratura e o fisco,juntos aos ambiciosos que aí se estabeleceram, apos-savam-se de todas as possibilidades econômicas,presas de criminosa ânsia de fortuna. Os padresqueriam todo o ouro das minas, para a edificaçãodas suas igrejas suntuosas; os membros da magis-tratura consideravam de necessidade enriquecer-se,antes de regressarem a Portugal, com opulentas aqui-sições; os agentes do fisco executavam as determi-nações da corte de Lisboa, árvore farta e maravi-lhosa, onde todos os parasitas da nobreza iam sugar

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a seiva de pensões extraordinárias e fabulosas.Eram então numerosos na Europa os estudan-

tes brasileiros, os quais de lá voltavam ao país satu-rados dos princípios filosóficos de Rousseau e dosenciclopedistas. A independência da América doNorte e a constituição democrática de Filadélfia ani-mam aqueles espíritos, insulados nas montanhas dis-tantes. Por toda a capitania mais rica da colônia,desdobram-se quadros dolorosos da miséria do povo,esmagado pelos impostos de toda natureza. As cole-tividades de trabalhadores, conduzidas à ruína pelomalogro das minerações, não conseguiriam suportarpor mais tempo semelhantes vexames. Em Minas,porém, uma elite de brasileiros considera a gravi-dade da situação. Intelectuais distintos se sentemcompenetrados da maioridade da pátria, que, ao seuver, poderia tomar as rédeas dos seus própriosdestinos.

Iniciam-se os esboços da conspiração. Depois dealgumas conversações em Vila Rica, das quais, entremuitos outros, participaram Inácio de Alvarenga,Joaquim José da Silva Xavier, Cláudio Manuel daCosta e Tomás Gonzaga, conversações em que foramadotadas as primeiras providências, a infiltração dasidéias libertárias começou a fazer-se através de todosos elementos da capitania, no que ela possuía de maisrepresentativo. José Joaquim da Maia é enviado àEuropa para sondar o pensamento de Jefferson, em-baixador da América do Norte em Paris, e angariara simpatia dos brasileiros espalhados no Velho Mun-do, para o movimento libertador. Outros estudantes,

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apaixonados pela emancipação da colônia, os cons-piradores mandam a S. Paulo e a Pernambuco, queformavam os dois centros mais importantes do país,com o objetivo de conquistar a adesão de ambos aomovimento. Todavia, nem Joaquim da Maia conse-guiu o auxílio de Jefferson, que apenas chegou a seinteressar moralmente pelo projeto, nem os seuscompanheiros obtiveram o compromisso formal dascapitanias mencionadas, para se articular o movi-mento revolucionário. Pernambuco estava refazendoas suas economias, depois das lutas penosas de Re-cife e Olinda, e São Paulo se encontrava desiludido,depois da guerra dos emboabas, na qual, muitasvezes, fora vítima da felonia e da traição. A conju-ração de Minas, contudo, prossegue na propaganda,sem esmorecimentos.

Embriagados pela concepção da liberdade polí-tica, mas, dentro dos seus triunfes literários, afas-tados das realidades práticas da vida comum, osintelectuais mineiros não descansaram. Idealizarama república, organizaram seus símbolos, multiplica-ram prosélitos das suas idéias de liberdade; porém,no momento psicológico da ação, os delatores, a cujafrente se encontrava a personalidade de Silvério dosReis, português de Leiria, levaram todo o plano aoVisconde de Barbacena, então Governador de MinasGerais. O governador age com prudência, a fim desufocar a rebelião nas suas origens, e, expedindoinformes para que o Vice-Rei Luís de Vasconcelosefetuasse a prisão do Tiradentes no Rio de Janeiro,prende todos os elementos da conspiração em Vila

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Rica, depois de avisar secretamente aos seus amigosdo peito, simpatizantes da conjuração, quanto àadoção de tais providências, para que não fossemigualmente implicados.

Aberta a devassa e terminado o vagaroso pro-cesso, são condenados à morte todos os chefes jápresos.

Os historiadores falam do grande pavor daque-les onze homens que se ajuntavam, andrajosos edesesperados, na sala do Oratório, para ouvirem asentença da sua condenação, após três longos anosde separação, em que haviam ficado incomunicáveisnos diversos presídios da época. A leitura da peçacondenatória, pelo Desembargador Francisco Alvesda Rocha, levou quase duas horas. Depois de conhe-cerem os seus termos, os infelizes conjurados passa-ram às mais dolorosas e recíprocas recriminações.Os mais tristes quadros de fraqueza moral se paten-teavam naqueles corações desiludidos e desampara-dos; mas, no dia seguinte, a dura sentença era modi-ficada. D. Maria I havia comutado anteriormente aspenas de morte em perpétuo degredo nas desoladasregiões africanas, com exceção do Tiradentes, queteria de morrer na forca, conservando-se o cadáverinsepulto e esquartejado, para escarmento de quan-tos urdissem novas traições à coroa portuguesa.

O mártir da inconfidência, depois de haver apre-ciado, angustiadamente, a defecção dos companhei-ros, reveste-se de supremo heroísmo. Seu coraçãosente uma alegria sincera pela expiação cruel quesomente a ele fora reservada, já que seus irmãos de

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ideal continuariam na posse do sagrado tesouro davida. As falanges de Ismael lhe cercam a alma leale forte, inundando-a de santas consolações.

Tiradentes entrega o espírito a Deus, nos suplí-cios da forca, a 21 de abril de 1792. Um arrepio deaflitiva ansiedade percorre a multidão, no instanteem que o seu corpo balança, pendente das travesdo cadafalso, no Campo da Lampadosa.

Mas, nesse momento, Ismael recebia em seusbraços carinhosos e fraternais a alma edificada domártir.

— Irmão querido — exclama ele — resgatashoje os delitos cruéis que cometeste quando teocupavas do nefando mister de inquisidor, nos tem-pos passados. Redimiste o pretérito obscuro e crimi-noso, com as lágrimas do teu sacrifício em favor daPátria do Evangelho de Jesus. Pássaras a ser umsímbolo para a posteridade, com o teu heroísmo re-signado nos sofrimentos purificadores. Qual novogênio surges, para espargir bênçãos sobre a terrado Cruzeiro, em todos os séculos do seu futuro. Re-gozija-te no Senhor pelo desfecho dos teus sonhosde liberdade, porque cada um será justiçado deacordo com as suas obras. Se o Brasil se aproximada sua maioridade como nação, ao influxo do amordivino, será o próprio Portugal quem virá trazer,até ele, todos os elementos da sua emancipação poli-tica, sem o êxito incerto das revoluções feitas à custado sangue fraterno, para multiplicar os órfãos e asviúvas na face sombria da Terra...

Um sulco luminoso desenhou-se nos espaços, à

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passagem das gloriosas entidades que vieram acom-panhar o espírito iluminado do mártir, que nãochegou a contemplar o hediondo espetáculo do es-quartejamento.

Daí a alguns dias, a piedosa rainha portuguesaenlouquecia, ferida de morte na sua consciência pelosremorsos pungentes que a dilaceravam e, consoanteas profecias de Ismael, daí a alguns anos era opróprio Portugal que vinha trazer, com D. João VI,a independência do Brasil, sem o êxito incerto dasrevoluções fratricidas, cujos resultados invariáveissão sempre a multiplicação dos sofrimentos das cria-turas, dilaceradas pelas provações e pelas dores,entre as pesadas sombras da vida terrestre.

A REVOLUÇÃO FRANCESA

Em 1792, D. João assumia a direção de todos osnegócios do trono português, em virtude da pertur-bação mental de sua mãe, D. Maria L Época de pro-fundas transições em todos os setores políticos doOcidente, a regência se caracterizou por inúmerosdesastres, no capítulo da administração.

Em 1789, estalara a Revolução Francesa, modi-ficando a estrutura de todos os governos da Europa.Depois da sua reunião em Versalhes, no dia 5 demaio de 1789, os Estados Gerais se transformaramem Assembléia Constituinte e, a 14 de julho domesmo ano, o povo, oprimido e dilacerado pelas flage-lações e pelos impostos, derrubava a Bastilha, esfa-celando o símbolo do despotismo da realeza. Luís XVI

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é guilhotinado a 21 de janeiro de 1793. Instala-se arepública francesa sobre um pedestal de sangue,que corre abundantemente nas praças de Paris.A guilhotina decepa todas as cabeças da nobreza.Após a Declaração dos Direitos do Homem e do Ci-dadão, as coletividades da França se haviam entre-gado àqueles anos de embriaguez no morticínio.Esses movimentos invadem todos os departamentosdas atividades políticas da Europa. Todos os tronosse unem, então, para o extermínio da república nas-cente. Mas, os revolucionários não esmorecem na suaencarniçada resistência. Todas as pessoas suspeitassão decapitadas. O período do Terror é a grandeameaça ao mundo inteiro. Esse período, porém, seencerra com a morte de Maximiliano Robespierre,no cadafalso para o qual os seus excessos de auto-ridade haviam mandado inúmeras vítimas.

Instala-se, em 1795, o Diretório, que NapoleãoBonaparte faz derrubar em 1799, arvorando-se emprimeiro cônsul. As casas imperiais européias obser-vam semelhantes acontecimentos, aguardando umensejo próprio à restauração do trono que a famíliados Bourbons havia perdido. A França, após os des-perdícios de força na luta fratricida, caíra nas mãosdo ditador inteligente e implacável, que a conduziriaao caminho de todas as aventuras. De simples oficialde artilharia, Bonaparte chegara, mediante golpes deEstado, ao cargo supremo do país, fazendo-seproclamar imperador em 1804. Sob a sua direçãoaudaciosa, todas as conquistas militares se empre-endem. A Europa inteira apresta-se para a campa-

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nha, ao tinido sinistro das armas. Pela estratégiados generais franceses, caem todas as praças deguerra e o imperador vai catalogando o número as-cendente das suas vitórias.

A esse tempo, todos os gênios espirituais doOcidente se reúnem nas esferas próximas do planeta,implorando a proteção divina para os seus irmãosda humanidade. Emissários de Jesus descem com asua palavra magnânima, a instruir os trabalhadoresdo Bem, levantando-lhes as energias para os bonscombates.

— Irmãos — elucidam eles — ordena o Senhorque espalhemos a sua luz e o seu amor infinito sobretodos os corações que sofrem na Terra. As forçasdas sombras intensificam a miséria e o sofrimentoem todos os recantos do planeta. As ondas revolu-cionárias enchem de sangue todas as estradas doglobo terrestre e as trombetas da guerra se fazemouvir, entoando as notas horríveis da destruição eda morte. Levantemos o espírito geral das coletivi-dades oprimidas, renovando a concepção de liberdadena face do mundo...

Anjo amigo — interpelou um dos operáriosda luz naquela augusta assembléia — estarão en-quadrados na lei divina os trágicos acontecimentosque se desenrolam na Terra? Os tribunais se insta-lam para julgamentos sumários, que terminam sem-pre por sentenças de morte. As preces das viúvase dos órfãos elevam-se até nós, nos mais dolorososapelos, e, enquanto procuramos amparar esses irmãoscom os nossos braços fraternos, o banquete da guerra,

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presidido pelos ditadores, prossegue sempre, como seobedecesse a uma fatalidade terrível dos destinosdo mundo.

— Irmãos — explica o mensageiro — o planodivino é o da evolução e dentro dele todas as formasde progresso das criaturas se verificariam sem oconcurso desses movimentos lamentáveis, que ates-tam a pobreza moral da consciência do mundo. A re-volução e a guerra não obedecem ao sagrado deter-minismo das leis de Deus; traduzem o atrito tene-broso das correntes do mal, que conduzem o barcoda vida humana ao mar encapelado das dores expia-tórias. Os pensadores terrestres poderão objetarque das ações revolucionárias nascem novas moda-lidades evolutivas no planeta e que múltiplos bene-fícios se originam das suas atividades destruidoras;nós, porém, não compreendemos outras transforma-ções que não sejam as que se verificam no íntimodos homens, no augusto silêncio do seu mundo inte-rior, conduzindo-os aos mais altos planos do conhe-cimento superior. Se, após os movimentos revolucio-nários, surgem no orbe novos aspectos de progressogeral, é que o bem é o único determinismo divinodentro do Universo, determinismo que absorve todasas ações humanas, para as assinalar com o sineteda fraternidade, da experiência e do amor. Os Es-píritos das trevas se reúnem para a chacina e paraa destruição, como acontece atualmente na Terra.Aliando-se às tendências e às fraquezas das criatu-ras humanas, levam a mentalidade geral a todos osdesvarios. Eles julgam estabelecer o império das

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sombras no plano moral do globo terrestre; mas, averdade é que todos os triunfos pertencem a Jesus,e as correntes da luz e do bem absorvem todas asatividades, anulando os resultados porventura de-correntes da expansão limitada das trevas. É essaa razão por que, mesmo depois dessas ações destrui-doras, florescerão outros núcleos valiosos de civili-zação. Até que a fraternidade deixe de ser uma fi-gura mitológica no coração das criaturas humanas,até que estejam extintas as vaidades patrióticas,para que prevaleçam um só rebanho e um só pastor,que é Jesus-Cristo, os seres das sombras terão opoder de arrastar o homem da terra às lutas fratri-cidas. Mas, ai daqueles que fomentarem semelhantesdelitos. Para as suas almas, a noite dos séculos émais sombria e mais dolorosa. Infelizes de quantostentarem fechar a porta ao progresso dos seusirmãos, porque acima da justiça subornável dos ho-mens há um tribunal onde impera a eqüidade invio-lável. A Têmis Divina conhece todos os traidores dahumanidade, que passam pelo mundo glorificadospela História; a condenação lhes marca a fronte eaos seus ouvidos ecoam, incessantemente, as pala-vras dolorosas: — "Caim, Caim, que fizeste dos teusirmãos, maldito?" Somente as lágrimas, no círculodoloroso das reencarnações tenebrosas, lhes abremuma vereda para a reabilitação, nas estradas eternasdo tempo!

Dissolvida a assembléia do infinito, os amigos dosinfortunados espalharam-se pelas sendas terrestres, areerguerem seus irmãos nas lutas redentoras.

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Napoleão prosseguia, deixando em toda parte umrastro de lágrimas e de sangue. Suas incursões,em todos os países, lhe granjeavam o espólio mise-rável das posições e das coroas, que o ditador iadistribuindo pelos seus familiares e amigos.

O século XIX começava a viver embalado pelofragor das armas, em todas as direções.

Portugal alia-se à Inglaterra, resistindo àsordens supremas do conquistador. Bonaparte assinaum tratado com a Espanha, que já se havia dobradoàs suas determinações, e ordena a invasão imediata

de Portugal.A Inglaterra, com a sua prudência, sugere à

Casa de Bragança a retirada para o Brasil. D. João VIhesita, antes de adotar semelhante resolução. Ogrande príncipe, tão generoso e tão infeliz, é en-contrado, nas vésperas da partida, a chorar convul-sivamente em um dos aposentos privados do palácio;mas, aquela decisão era necessária e inadiável.

A frota real velejou do Tejo a 29 de novembro de1807, a caminho da colônia e, mal havia desaparecidonas águas pesadas do Atlântico, já os soldados deJunot se apoderavam de Lisboa e de suas fortalezas,com ordem de riscar Portugal da carta geográficaeuropéia.

Contudo, os gênios espirituais velavam pelosvencidos e pelos humilhados.

D. João VI chega ao Brasil em janeiro de 1808, de-pois de uma viagem cheia de acidentes e contrariedades.

O bondoso príncipe encontraria, na terra doEvangelho, a hospitalidade que os reis de Castela

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não encontraram nas suas colônias da América doSul, quando acossados pelas mãos de ferro do dita-dor. A Casa de Bragança ia dilatar até aqui os limi-tes do seu reino, reconhecida e feliz por encontrarno Brasil a compreensão e a bondade, o acolhimentoe o amor.

D. JOÃO VI NO BRASIL

Enquanto as falanges espirituais de Henrique de Sa-gres se reuniam em Portugal, revigorando as forçaslusitanas para a escola de energia, que foi a guerrapeninsular, o exército de Ismael voltava-se para o Bra-sil, a fim de inspirar o primeiro soberano do VelhoMundo que pisava as terras americanas.

Á esses esclarecidos agrupamentos do mundo invi-sível, aliava-se agora a personalidade do Tira-dentes,que se transformara em gênio inspirador de todos osbrasileiros. Ismael reúne os seus colaboradores e falaassim aos devotados mensageiros:

— Amigos, um novo período surgirá agora para asnossas atividades na terra do Evangelho. Ao sopro dasinspirações divinas, reformar-se-á toda a vida políticada pátria onde edificaremos, mais tarde, a obra deJesus. Procuremos inspirar a quantos se conservam àfrente dos interesses do povo, iluminando-lhes o cami-nho com as idéias generosas e fraternas da liberdade.Sobre os nossos esforços há de pairar a direção do Se-nhor, que se desvela amorosamente pelo cultivo da ár-vore sagrada dos ensinamentos, transplantada da Pales-

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tina para o coração do Brasil.Aquela caravana de abnegados espalha-se então, por

todos os recantos da pátria, distribuindo com os seusesforços fraternais as sementes de uma vida nova.

A 22 de janeiro de 1808, aporta na Bahia a maiorparte das embarcações que constituíam a frota real. Opovo baiano recebe o príncipe-regente e sua comitivacom as mais carinhosas demonstrações de amizade.Clarins e bandeiras anunciam, sob um sol quente eamigo, a presença da família real nas terras do Cruzei-ro. A cidade do Salvador julga-se de novo nos seusgrandes dias, contando com a honra de ser outra vez acapital da colônia; mas, os navios descem ao longo dacosta para o Rio de Janeiro.

Logo, porém, ao seu primeiro contacto com o Brasil,sob o influxo das falanges do Infinito, o príncipegeneroso sente-se tocado da mais alta simpatia paracom a Pátria do Evangelho.

Ainda na Bahia, graças às suas relações com o Con-de de Aguiar, ministro de D. João VI, José da SilvaLisboa, mais tarde Visconde de Cairu, consegue dosoberano a abertura de todos os portos da colônia aocomércio universal. E note-se que semelhante provi-dência, a base primordial da autonomia brasileira, teveseus antecedentes, indiscutivelmente, na atuação dasforças espirituais que presidiam aos movimentos inici-ais da emancipação, porque, na convenção secreta deLondres, em 22 de outubro de 1807, um dos pontosessenciais que deveriam ser observados, em troca daproteção de Jorge III à Casa de Bragança, no sentido desua fuga para a colônia distante, era o da abertura dos

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portos do Brasil à livre concorrência da Inglaterra, re-servando-se tal direito somente aos interesses britâni-cos. O soberano e seus ministros conheciam essas esti-pulações, através de Lorde Strangford; mas, com o au-xílio das influências salutares do plano invisível, recon-sideraram a tempo o absurdo de semelhantes exigênciase cuidaram de realizar as primeiras aspirações dos pa-triotas brasileiros.

A maravilha dos céus americanos deslumbra osolhos de D. João, que se entusiasma com a beleza natu-ral da paisagem magnífica.

Acompanhado de numeroso séquito de fidalgos,onde se destacavam o Visconde de Anadia, elegante daépoca, inimigo implacável de todas as feições indígenasda colônia, o Marquês de Belas, o Marquês de Angeja,o Duque de Cadaval e toda uma comitiva enorme devassalos e nobres, de guardas e criados, o soberanoaportou ao Rio de Janeiro, num ambiente de geral ale-gria.

Nos seus novos paços, sentia-se o rei confortado esatisfeito com a magnificência do panorama e com afartura da terra. Apenas D. Carlota Joaquina, com a suaeducação deficiente, a sua megalomania e apego aosprazeres requintados da época, não se conformava coma situação, protestando contra todos os elementos, de-monstrando aridez de espírito e lamentável agressivida-de.

As caravanas do infinito não descansaram junto dasautoridades supremas da política administrativa. Todasas possibilidades foram aproveitadas pela sua operosi-dade infatigável. A 1.° de abril de 1808, levantava-se a

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proibição que incidia sobre as indústrias nacionais, queforam declaradas livres, o que facilitou a colaboraçãodos estrangeiros estabelecidos nas costas marítimas daPátria do Cruzeiro, surgindo um novo período de tra-balho, construtivo do país, prestes a celebrar suasnupcias com a liberdade.

O Rio de Janeiro, sob a direção do bondoso príncipeque, debaixo das influências poderosas do Alto, adotaraum regime muito mais liberal do que as formas de go-verno existentes em Lisboa, enche-se de obras notáveis.Grandes instituições se fundam na cidade da mais ma-ravilhosa baía do mundo. Surgem a Escola de Medici-na, o Real Teatro São João, o Banco do Brasil; organi-zam-se os primordios da Escola de Belas-Artes, cria-sea Academia de Marinha, o Conselho Militar, a Biblio-teca Real; desenha-se o Jardim Botânico, como novoencanto da cidade, e, sobretudo, inicia-se, com a Im-prensa Regia, a vida do jornalismo na Terra de SantaCruz.

Entidades benevolentes e sábias, sob a direção deIsmael, espalham claridades novas em todos os espíri-tos e, sob os seus generosos e imponderáveis impulsos,as grandes realizações do progresso brasileiro se avo-lumam por toda parte, nas mais elevadas demonstraçõesevolutivas.

O príncipe, contudo, não soube manter-se cons-tantemente dentro das linhas de sua autoridade. Com assuas liberalidades na América, criava-se em derredor dasua corte toda uma sociedade de parasitas e de inúteis.Os reineis abastados do Rio de Janeiro e das outrasgrandes cidades coloniais receberam títulos e condeco-

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rações de toda natureza. As cartas honoríficas eramexpedidas quase que diariamente. Por toda parte, haviacomendadores da Ordem do Cristo e cavaleiros de SãoTiago dando lugar a um grande menosprezo pelas ins-tituições. Os nobres da época eram os novos ricos domundo moderno. Conquistados os títulos, sentiam-se nodireito de viver colados ao orçamento da despesa, apo-drecendo longe do trabalho. Só os gastos da despensada corte, dos quais vivia a multidão dos criados, no Riode Janeiro, ao tempo de D. João VI, se aproximavam darespeitável importância de mais de quinze mil contos deréis! O alojamento dos fidalgos e de suas famílias exi-giu, por vezes a fio, as mais enérgicas providências daautoridade, no capítulo das expropriações. A chamadalei das aposentadorias obrigava todos os inquilinos eproprietários a cederem suas casas de residência aosfavoritos e aos fâmulos reais. Bastava que qualquerfidalgote desejasse este ou aquele prédio, para que oJuiz Aposentador efetuasse a necessária intimação, afim de que fosse imediatamente desocupado. Ao oficialde justiça, incumbido desse trabalho, bastava escreverna porta de entrada as letras "P. R.", que se subentendi-am por "Príncipe Regente", inscrição que a malícia ca-rioca traduzia como significando — "Ponha-se na rua".

Moreira de Azevedo conta em suas páginas queAgostinho Petra Bittencourt era um dos juizes apo-sentadores ao tempo de D. João VI, quando lhe apa-receu um fidalgo da corte, exigindo pela segunda vezuma residência confortável, apesar de já se encontrarmuito bem instalado. Decorridos alguns dias, o mesmohomem requer a mobília e, daí a algum tempo, solicita

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escravos. Recebendo a terceira solicitação, o juiz, in-dignado em face dos excessos da corte do Rio, exclamapara a esposa, gritando para um dos apartamentos dacasa:

— Prepare-se, D. Joaquina, porque por pouco tem-po poderemos estar juntos.

E, indicando à mulher, que viera correndo atender aochamado, o fidalgo que ali esperava a decisão, concluiucom ironia:

— Este senhor já por duas vezes exigiu casa; depoispediu-me mobília e agora vem pedir criados. Dentro embreve, desejará também uma mulher e, como não tenhooutra senão a senhora, serei forçado a entregá-la.

Todavia, a despeito de todos os absurdos e de todosos dispendios, que seriam de muito excedidos nos odio-sos processos revolucionários, caso o país fosse obriga-do a exigir pelas armas a sua emancipação, a corte deD. João VI ia prestar ao Brasil os mais inestimáveisserviços, no capítulo de sua autonomia e de sua liber-dade, sem os abusos criminosos das lutas fratricidas.

PRIMORDIOS .DA EMANCIPAÇÃO

Em 1815, passara a colônia a ser o Reino do Brasil,em carta de lei de D. João VI. O Rio de Janeiro tornou-se, desse modo, a sede da monarquia portuguesa.

O soberano, reconhecido à terra que o asilara, dis-pensava ao Brasil os mais altos privilégios.

O progresso econômico da nação, alentado pelasforças estrangeiras aí estabelecidas com as garantias dalei, avançava em todos os setores da comunidade bra-

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sileira. Todo o país se rejubila com a nova era de pros-peridade geral.

No Rio, porém, o generoso príncipe sofria os maisacerbos desgostos, no ambiente da família. Foi talvezem razão desses dissabores que jamais se viu D. JoãoVI perfeitamente integrado nas suas respeitáveis fun-ções, no mundo oficial daquele tempo. São conhecidoso apego do soberano aos seus almoços solitários, semas etiquetas da época; seu retraimento e desleixo quantoàs pequeninas formalidades que constituem o problemada elegância de um século. Com as roupas desabotoa-das, mal contendo o corpo nas suas dobras em desali-nho, muitas vezes foi ele visto alheio às sérias preocu-pações da sua autoridade suprema, como se o seu espí-rito vagasse na paisagem de outros mundos. D. João seacostumara à maravilhosa beleza do sítio da Guanabarae se tomara de amor pela pátria que os seus valorososantepassados haviam edificado. Enquanto NapoleãoBonaparte lia o Eclesiastes em meio dos seus infor-túnios na ilha solitária de Santa Helena, para se con-vencer de que todas as glórias humanas não passam devaidades e alucinação de espírito, o príncipe regentepreferia fazer os seus passeios pelos arredores do Paçode São Cristóvão, esquecido das mentiras sociais dacorte de Lisboa. Aqui, no Brasil, ao menos o inéditodos céus sempre azuis e das encantadoras perspectivasdos morros verdoengos e floridos representavam umanestésico para o seu coração dilacerado de filho, deesposo e de pai. Suas preocupações se dividiam entre amãe demente, a esposa desleal e incompreensível, e ofilho perdulário e estróina. No seu cérebro não havia

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lugar para considerações em torno das transformaçõespolíticas da época e a antiga metrópole portuguesa con-tinuava sob a orientação dos homens públicos da In-glaterra. Em 1816, desprende-se do corpo enfermo eenvelhecido o espírito de D. Maria L A rainha experi-mentara algo de lucidez nos seus derradeiros dias desupremas tribulações. Por muito tempo, contudo, esteveapegada às ilusões do seu trono, perseguida pelo voze-rio das entidades desencarnadas em virtude de rigorosassentenças de morte, por insinuação dos seus confesso-res e dos seus ministros. As torturas da Terra acompa-nham no Além aqueles que as semearam na face domundo, pelo que o calvário da infeliz soberana nãoterminou com os seus últimos dias no orbe terrestre.

No ano seguinte, casou-se o Príncipe D. Pedro com aArquiduquesa Leopoldina da Áustria. Alma sensível edelicada, essa princesa européia foi trazida ao Brasil deacordo com as determinações do mundo invisível, paracolaborar na realização dos elevados projetos de Ismaele dos seus mensageiros. Somente o seu coração, doce esubmisso, poderia suportar resignadamente as estroini-ces do esposo, em um dos períodos mais delicados dasua vida, sem provocar escândalos que acarretariamatraso na marcha dos acontecimentos previstos.

A esse tempo, em todas as cortes da Europa, soprafortemente o vento do liberalismo, pressagiando o fimdo poder absoluto. A República francesa havia desferi-do tremendos golpes em todos os preconceitos do san-gue e da autoridade. As constituições moldadas na cé-lebre Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadãosurgiam em todos os países, dando ensejo à renovação

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das liberdades políticas.Depois da morte de D. Maria I, Portugal não se resi-

gna à situação de subalternidade a que o conduzira acaprichosa vontade de D. João VI, perseverando empermanecer no Brasil, e prepara todos os elementospara a insurreição contra a ditadura despótica de Beres-ford, em cujas mãos inábeis de administrador se en-contrava o poder. A Maçonaria que, em todos os tem-pos, defendeu os princípios da liberdade e da fraterni-dade humanas, solicitada por elementos de Lisboa e dePernambuco, não hesita em estender o seu concursoà independência do Brasil, que constituía assunto desomenos importância para os portugueses, desde que osoberano regressasse imediatamente à Europa, colocan-do-se à frente dos negócios do trono. A verdade, toda-via, é que os pernambucanos exaltados não esperam asolução pelos processos pacíficos e, exacerbados osantigos ódios entre brasileiros e portugueses, que jáhaviam levado Recife e Olinda à guerra fratricida, pro-moveram a revolução de 1817, na qual se sacrificaramtantas vidas. Foi quando apareceu em todo o Norte dopaís o famoso "Preciso", redigido por Luís de Mendon-ça, que se viu ameaçado de fuzilamento. As comissõesmilitares, designadas para reprimir o movimento, orde-naram morticínio e crueldades que consternaram o co-ração do próprio rei, induzindo-o a mandar suspendê-las sem perda de tempo, a fim de que cessassem as ar-bitrariedades dos executores das ordens do Conde dosArcos. A 6 de fevereiro de 1818, dia da sua coroação, osoberano concedeu anistia a todos os implicados.

Ismael e seus emissários conseguiram, com a prote-

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ção de Jesus, fazer desabrochar por toda parte osalbores da paz, lançando os alicerces da emancipaçãodo Brasil.

Em 1820, rebenta em Lisboa e no Porto a revoluçãoconstitucionalista. Portugal, reduzido a condição decolônia, desde a ocupação de Junot, reclamava a voltaimediata da família real à metrópole portuguesa e oregime da constituição para a sua vida política. As pró-prias tropas, que estacionavam no Pará e na Bahia, ade-riram ao movimento da Pátria. D. João VI busca pro-crastinar as suas decisões. Promete enviar o Príncipe D.Pedro para examinar a situação, mas todos ou quasetodos os portugueses do Brasil protestam contra as ati-tudes tergiversantes do monarca. As tropas, aderindo aomovimento do reino, se reúnem no Largo do Róssio. Omomento era dos mais delicados.

Os colaboradores invisíveis, no entanto, desdobramsuas atividades conciliadoras junto de todos os ele-mentos políticos presentes na cidade e D. Pedro, depoisde algumas combinações necessárias e rápidas, corre aoPaço de São Cristóvão, de onde traz um decretoantedatado, com a assinatura do soberano, declarandoque aceita e mandará cumprir a constituição da JuntaRevolucionária de Lisboa.

Os militares e a população entregam-se então asmais ruidosas manifestações de alegria. Girândolas ebandeiras celebram nas ruas cariocas o acontecimento.

Entram, porém, em jogo os interesses de Portugal edo Brasil. A 7 de março de 1821, D. João VI torna co-nhecida a sua resolução de regressar a Lisboa. Logo osfavoritos da sua corte lhe insinuam a supressão de todas

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as liberdades que ele havia outorgado à Pátria do Evan-gelho; mas, a mentalidade brasileira protesta pela vozdos seus homens mais eminentes.

O generoso soberano, cujo reinado transcorria numdos períodos mais críticos da História do mundo, foiobrigado a deixar no Brasil o filho, como príncipe re-gente.

No momento das despedidas profere ele a famosarecomendação:

— Pedro, se o Brasil se separar de Portugal, antesseja para ti, que me respeitarás, do que para algum des-ses aventureiros.

NO LIMIAR DA INDEPENDÊNCIA

Novamente em Portugal, D. João VI se deixa levarao sabor das circunstâncias.

Lisboa vivia então sob grande terror, devido aos jul-gamentos sumários que se haviam verificado contratodos os implicados no movimento que visava depor aditadura de Beresford. Inúmeros fuzilamentos se exe-cutaram, sem que as sentenças de morte fossem bafeja-das pela sanção regia, constituindo verdadeiros assassí-nios, com os mais hediondos requintes de crueldade.

O soberano, que trazia constantemente na memória afigura de Luís XVI colada à guilhotina, sujeita-se atodas as imposições dos revolucionários. Jura a Cons-tituição portuguesa, sem o assentimento da Rainha D.Carlota, que é exilada para a Quinta do Ramalhão, ondeficará com o filho D. Miguel, urdindo novos planosinspirados pela sua desmesurada ambição.

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Os portugueses influentes consideram o perigo daindependência brasileira. A mais preciosa gema que seengastara à coroa da Casa de Bragança estava prestes adesprender-se, para sempre. Todas as providênciascontrárias à pretensão dos brasileiros são adotadas ime-diatamente. Um período agitado surge na política daépoca, entre os pólos antagônicos do absolutismo e dademocracia. As cortes portuguesas, com 130 deputados,impunham a sua vontade despótica aos 72 deputadosbrasileiros, que assistiam, com verdadeiro heroísmo, aodesenvolvimento dos projetos de franca hostilidade àdireção do príncipe regente do Brasil, que, aos poucos,se ia inflamando ao calor das idéias liberais. Aquelespoucos deputados apresentam um projeto criando naAmérica um congresso independente das câmaras orga-nizadas na Europa, projeto que é recebido pelos portu-gueses como um insulto à dignidade nacional. Declaraum dos parlamentares que D. Pedro deveria abandonaro Paço de São Cristóvão, onde respirava a peçonha da'bajulação dos inimigos do regime, e voltar a Lisboa, afim de aprimorar a sua educação em viagens pela Euro-pa. As agitações se intensificam num crescendo espan-toso. Alguns deputados brasileiros, como Araújo Limae Antônio Carlos, agredidos pela população, se vêemcoagidos a emigrar para a Inglaterra.

A caravana de Ismael desvela-se pelo cultivo dasidéias liberais no coração da pátria e, através de proces-sos indiretos, procura espalhar por todos os setores daterra do Cruzeiro as sementes da fraternidade e doamor.

Ê então que a personalidade espiritual daquele que

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fora o Tiradentes procura o mensageiro de Jesus, soli-citando-lhe o conselho esclarecido, quanto à solução doproblema da independência:

— Anjo amigo — inquire ele — não será agora oinstante decisivo para nossa atuação? Por toda parte háuma exaltação patriótica nos ânimos. As possibilidadesestão dispersas, mas poderíamos reunir todas as for-ças, para o fim de derrubar as últimas muralhas que seopõem à liberdade da Pátria do Evangelho.— Meu irmão, pondera Ismael sabiamente — o mo-mento da emancipação brasileira não tardará no hori-zonte de nossa atividade; todavia, precisamos articulartodos os movimentos dentro da ordem construtiva, afim de que não se percam as finalidades do nosso tra-balho. O problema da liberdade é sempre uma questãodelicada para todas as criaturas, porque todos os direi-tos adquiridos se fazem acompanhar de uma série deobrigações que lhes são correlatas. Cumpre considerarque toda elevação requer a plena consciência do dever acumprir; daí a delicadeza da nossa missão, no sentidode repartir as responsabilidades. Precisamos difundir aeducação individual e coletiva, dentro das nossas possi-bilidades, formando os espíritos antes das obras. Noproblema em causa, temos de aproveitar a autoridadede um príncipe do mundo, para levar a efeito a separa-ção das duas pátrias com o mínimo de lutas, sem man-char a nossa bandeira de redenção e de paz com o pun-gente espetáculo das lutas fratricidas. Cerquemos ocoração desse príncipe das claridades fraternas da nossaassistência espiritual. Povoemos as suas noites de so-nhos de amor à liberdade, desenvolvendo-lhe no espí-

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rito as noções da solidariedade humana. Individual-mente considerado, não representa ele o tipo ideal, ne-cessário à realização dos nossos projetos; voluntariosoe doente, não tem, para nós outros, um cérebro recepti-vo que facilite o nosso trabalho; mas, ele encarna oprincípio da autoridade e temos de mobilizar todos oselementos ao nosso alcance, para evitar os desvarioscriminosos de uma guerra civil. Trabalhemos mais umpouco, junto ao seu coração irrequieto, procurando,simultaneamente, abrir caminho novo à educação geral.Em breves dias, poderemos concentrar as forças disper-sas, para a proclamação da independência e, após se-melhante realização, enviaremos nosso apelo ao cora-ção misericordioso de Jesus, implorando das suas bên-çãos novo rumo para nossa tarefa, a fim de que a liber-dade, bem aproveitada e bem dirigida, não constituaelemento de destruição na pátria dos seus sublimes en-sinamentos.

As sábias ponderações de Ismael foram rigoro-samente observadas por seus abnegados companheirosde ação espiritual.

Os emissários invisíveis buscam, piedosamente, dis-tribuir os elementos de paz e de concórdia geral, har-monizando todos os pensamentos para a edificação dosmonumentos da liberdade.

As agitações, porém, se avolumam em movimentosespantosos, empolgando a nação inteira. De-balde Por-tugal procurava reprimir a idéia da independência, quese firmara em todos os corações.

Assim, enquanto os brasileiros discutiam e cons-piravam secretamente, a frota do Vice-Almirante Fran-

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cisco Maximiano de Sousa, sob o comando do CoronelAntônio Joaquim Rosado, com 1.200 homens, partia deLisboa para o Rio de Janeiro, com ordem terminante derepatriar o Príncipe D. Pedro.

A INDEPENDÊNCIA

O movimento da emancipação percorria todos osdepartamentos de atividades políticas da pátria; mas,por disposição natural, era no Rio de Janeiro, cérebrodo país, que fervilhavam as idéias libertárias, incendi-ando todos os espíritos. Os mensageiros invisíveis des-dobravam sua ação junto de todos os elementos, prepa-rando a fase final do trabalho da independência, atravésdos processos pacíficos.

Os patriotas enxergavam no Príncipe D. Pedro a fi-gura máxima, que deveria encarnar o papel de liberta-dor do reino do Brasil. O príncipe, porém, considerandoas tradições e laços de família, hesitava ainda em optarpela decisão suprema de se separar, em caráter definiti-vo, da direção da metrópole.

Conhecendo as ordens rigorosas das Cortes de Lis-boa, que determinavam o imediato regresso de D. Pedroa Portugal, reúnem-se os cariocas para tomarem as pro-vidências de possível execução e uma representaçãocom mais de oito mil assinaturas é levada ao prínciperegente, pelo Senado da Câmara, acompanhado de nu-merosa multidão, a 9 de janeiro de 1822. D. Pedro, di-ante da massa de povo, sente a assistência espiritual dos

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companheiros de Ismael, que o incitam a completar aobra da emancipação política da Pátria do Evangelho,recordando-lhe, simultaneamente, as palavras do pai noinstante das despedidas. Aquele povo já possuía a cons-ciência da sua maioridade e nunca mais suportaria oretrocesso à vida colonial, integrado que se achava nopatrimônio das suas conquistas e das suas liberdades.Em face da realidade positiva, após alguns minutos deangustiosa expectativa, o povo carioca recebia, por in-termédio de José Clemente Pereira, a promessa formaldo príncipe de que ficaria no Brasil, contra todas asdeterminações das Cortes de Lisboa, para o bem dacoletividade e para a felicidade geral da nação. Estava,assim, proclamada a independência do Brasil, com asua audaciosa desobediência às determinações da me-trópole portuguesa.

Todo o Rio de Janeiro se enche de esperança e dealegria. Mas, as tropas fiéis a Lisboa resolvem normali-zar a situação, ameaçando abrir luta com os brasileiros,a fim de se fazer cumprirem as ordens da Coroa. Jorgede Avilez, comandante da divisão, faz constar, imedia-tamente, os seus propósitos, e, a 11 de janeiro, as tropasportuguesas ocupam o Morro do Castelo, que ficava acavaleiro da cidade. Ameaçado de bombardeio, o povocarioca reúne as multidões de milicianos, incorpora-osàs tropas brasileiras e se posta contra o inimigo noCampo de Santana. O perigo iminente faz tremer o co-ração fraterno da cidade. Não fosse o auxílio do Alto,todos os propósitos de paz se teriam malogrado numapavorosa maré de ruína e de sangue. Ismael açode aoapelo das mães desveladas e sofredoras e, com o seu

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coração angélico e santificado, penetra as fortificaçõesde Avilez e lhe faz sentir o caráter odioso das suasameaças à população. A verdade é que, sem um tiro, ochefe português obedeceu, com humildade, à inti-mação do Príncipe D. Pedro, capitulando a 13 de janei-ro e retirando-se com as suas tropas para a outra mar-gem da Guanabara, até que pudesse regressar com elas,para Lisboa.

Os patriotas, daí por diante, já não pensam noutracoisa que não seja a organização política do Brasil. To-das as câmaras e núcleos culturais do país se dirigem aD. Pedro em termos encomiásticos, louvando-lhe a ge-nerosidade e exaltando-lhe os méritos. Os homens emi-nentes da época, a cuja frente somos forçados a colocara figura de José Bonifácio, como a expressão culmi-nante dos Andradas, auxiliam o príncipe regente, suge-rindo-lhe medidas e providências necessárias. Chegan-do ao Rio por ocasião do grande triunfo do povo, após amemorável resolução do "Fico", José Bonifácio foifeito ministro do reino do Brasil e dos Negócios Es-trangeiros. O patriarca da independência adota as medi-das políticas que a situação exigia, inspirando, comêxito, o príncipe regente nos seus delicados encargos degoverno.

Gonçalves Ledo, Frei Sampaio e José Gemente Pe-reira, paladinos da imprensa da época, foram igual-mente grandes propulsores do movimento da opinião,concentrando as energias nacionais para a supremaafirmação da liberdade da pátria.

Todavia, se a ação desses abnegados condutores dopovo se fazia sentir desde Minas Gerais até o'Rio Gran-

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de do Sul, o predomínio dos portugueses, desde a Bahiaaté o Amazonas, representava sério obstáculo ao incre-mento e consolidação do ideal emanci-pacionista. Ogoverno resolve contratar os serviços das tropas merce-nárias de Lorde Cochrane, o cavaleiro andante da liber-dade da América Latina. Muitas lutas se travam nascostas baianas e verdadeiros sacrifícios se impõem osmensageiros de Ismael, que se multiplicam em todos ossetores com o objetivo de conciliar seus irmãos encar-nados, dentro da harmonia e da paz, sempre com a fi-nalidade de preservar a unidade territorial do Brasil,para que se não fragmentasse o coração geográfico domundo.

José Bonifácio aconselha a D. Pedro uma viagem aMinas Gerais, a fim de unificar o sentimento geral emfavor da independência e serenar a luta acerba dos par-tidarismos. Em seguida, outra viagem, com os mesmosobjetivos, realiza o príncipe regente a São Paulo. Osbandeirantes, que no Brasil sempre caminharam navanguarda da emancipação e da autonomia, recebem-no, com o entusiasmo da sua paixão libertária e com aalegria da sua generosa hospitalidade e, enquanto hámúsica e flores nos teatros e nas ruas paulistas, come-morando o acontecimento, as falanges invisíveis sereúnem no Colégio de Piratininga. O conclave espiritu-al se realiza sob a direção de Ismael, que deixa irradiara luz misericordiosa do seu coração. Ali se encontramheróis das lutas maranhenses e pernambucanas, mi-neiros e paulistas, ouvindo-lhe a palavra cheia de pon-deração e de ensinamentos. Terminando a sua alocuçãopontilhada de grande sabedoria, o mensageiro de Jesus

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sentenciou:— A independência do Brasil, meus irmãos, já se en-contra definitivamente proclamada. Desde 1808, nin-guém lhe podia negar ou retirar essa liberdade. Aemancipação da Pátria do Evangelho consolidou-se,porém, com os fatos verificados nestes últimos dias e,para não quebrarmos a força dos costumes terrenos,escolheremos agora uma data que assinale aos pósterosessa liberdade indestrutível.

Dirigindo-se ao Tiradentes, que se encontrava pre-sente, rematou:

— O nosso irmão, martirizado há alguns anos pelagrande causa, acompanhará D. Pedro em seu regressoao Rio e, ainda na terra generosa de São Paulo, auxilia-rá o seu coração no grito supremo da liberdade. Unire-mos assim, mais uma vez, as duas grandes oficinas doprogresso da pátria, para que sejam as registradoras doinesquecível acontecimento nos fastos da história. Ogrito da emancipação partiu das montanhas e deveráencontrar aqui o seu eco realizador. Agora, todos nósque aqui nos reunimos, no sagrado Colégio de Pirati-ninga, elevemos a Deus o nosso coração em prece, pelobem do Brasil.

Dali, do âmbito silencioso daquelas paredes res-peitáveis, saiu uma vibração nova de fraternidade e deamor.

Tiradentes acompanhou o príncipe nos seus diasfaustosos, de volta ao Rio de Janeiro. Um correio pro-videncial leva ao conhecimento de D. Pedro as novasimposições das Cortes de Lisboa e ali mesmo, nas mar-gens do Ipiranga, quando ninguém contava com essa

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última declaração sua, ele deixa escapar o grito de "In-dependência ou Morte!", sem suspeitar de que era dócilinstrumento de um emissário invisível, que velava pelagrandeza da pátria.

Eis por que o 7 de Setembro, com escassos co-mentários da história oficial que considerava a inde-pendência já realizada nas proclamações de 1.° deagosto de 1822, passou à memória da nacionalidadeinteira como o Dia da Pátria e data inolvidável da sualiberdade.

Esse fato, despercebido da maioria dos estudiosos,representa a adesão intuitiva do povo aos elevados de-sígnios do mundo espiritual.

D. PEDRO II

Definitivamente proclamada a independência doBrasil, Ismael leva ao Divino Mestre o relato de todasas conquistas verificadas, solicitando o amparo do seucoração compassivo e misericordioso para a organiza-ção política e social da Pátria do Evangelho.

Corriam os primeiros meses de 1824, encontrando-se a emancipação do país mais ou menos consolidadaperante a metrópole portuguesa. As últimas tropas rea-cionárias já se haviam recolhido a Lisboa, sob a pressãoda esquadra brasileira nas águas baianas.

No Rio de Janeiro, transbordavam esperanças emtodos os corações; mas, os estadistas topavam com difi-culdades para a organização estatal da terra do Cruzei-ro. A Constituição, depois de calorosos debates e dosfamosos incidentes dos Andradas, incidentes que havi-

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am terminado com a dissolução da Assembléia Consti-tuinte e com o exílio desses notáveis brasileiros, só foraaclamada e jurada, justamente naquela época, a 25 demarço de 1824. Nesse dia, findava a mais difícil detodas as etapas da independência e o coração inquietodo primeiro imperador podia gabar-se de haver refleti-do, muitas vezes, naqueles dias turbulentos, os ditamesdos emissários invisíveis, que revestiram as suas ener-gias de novas claridades, para o formal desempenho dasua tarefa nos primeiros anos de liberdade da pátria.

Recebendo as confidencias de Ismael, que apelavapara a sua misericórdia infinita, considerou o Senhor anecessidade de polarizar as atividades do Brasil numcentro de exemplos e de virtudes, para modelo geral detodos. Chamando Longinus à sua presença, falou combondade:— Longinus, entre as nações do orbe terrestre, organi-zei o Brasil como o coração do mundo. Minha assistên-cia misericordiosa tem velado constantemente pelosseus destinos e, inspirando a Ismael e seus companhei-ros do Infinito, consegui evitar que a pilhagem das na-ções ricas e poderosas fragmentasse o seu vasto territó-rio, cuja configuração geográfica representa o órgão dosentimento no planeta, como um coração que deverápulsar pela paz indestrutível e pela solidariedade coleti-va e cuja evolução terá de dispensar, logicamente, apresença contínua dos meus emissários para a soluçãodos seus problemas de ordem geral. Bem sabes que ospovos têm a sua maioridade, como os indivíduos, e sebem não os percam de vista os gênios tutelares domundo espiritual, faz-se mister se lhes outorgue toda a

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liberdade de ação, a fim de aferirmos o aproveitamentodas lições que lhes foram prodigalizadas.

"Sente-se o teu coração com a necessária fortalezapara cumprir uma grande missão na Pátria do Evange-lho?"— Senhor — respondeu Longinus, num misto de ex-pectativa angustiosa e de refletida esperança — bemconheceis o meu elevado propósito de aprender as vos-sas lições divinas e de servir à causa das vossas verda-des sublimes, na face triste da Terra. Muitas existênciasde dor tenho voluntariamente experimentado, para gra-var no íntimo do meu espírito a compreensão do vossoamor infinito, que não pude entender ao pé da cruz dosvossos martírios no Calvário, em razão dos espinhos davaidade e da impenitência, que sufocavam, naqueletempo, a minha alma. Assim, é com indizível alegria,Senhor, que receberei vossa incumbência para trabalharna terra generosa, onde se encontra a árvore magnâni-ma da vossa inesgotável misericórdia. Seja qual for ogênero de serviços que me forem confiados, acolhereias vossas determinações como um sagrado ministério.— Pois bem — redargüiu Jesus com grande piedade— essa missão, se for bem cumprida por ti, constituiráa tua última romagem pelo planeta escuro da dor e doesquecimento. A tua tarefa será daquelas que requeremo máximo de renúncias e devotamentos. Serás impera-dor do Brasil, até que ele atinja a sua perfeita maiorida-de, como nação. Concentrarás o poder e a autoridadepara beneficiar a todos os seus filhos. Não é precisoencarecer aos teus olhos a delicadeza e sublimidadedesse mandato, porque os reis terrestres, quando bem

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compenetrados das suas elevadas obrigações diante dasleis divinas, sentem nas suas coroas efêmeras um pesomaior que o das algemas dos forçados. A autoridade,como a riqueza, é um patrimônio terrível para os espí-ritos inconscientes dos seus grandes deveres. Dos teusesforços se exigirá mais de meio século de lutas e dedi-cações permanentes. Inspirarei as tuas atividades; mas,considera sempre a responsabilidade que permaneceránas tuas mãos. Ampara os fracos e os desvalidos, corri-ge as leis despóticas e inaugura um novo período deprogresso moral para o povo das terras do Cruzeiro.Institui, por toda parte, o regime do respeito e da paz,no continente, e lembra-te da prudência e da fraternida-de que deverá manter o país nas suas relações com asnacionalidades vizinhas. Nas lutas internacionais, guar-da a tua espada na bainha e espera o pronunciamento daminha justiça, que surgirá sempre, no momento opor-tuno. Fisicamente consideradas, todas as nações cons-tituem o patrimônio comum da humanidade e, se algumdia for o Brasil menosprezado, saberei providenciarpara que sejam devidamente restabelecidos os princípi-os da justiça e da fraternidade universal. Procura aliviaros padecimentos daqueles que sofrem nos martírios docativeiro, cuja abolição se verificará nos últimos tem-pos do teu reinado. Tuas lides terminarão ao fim desteséculo, e não deves esperar a gratidão dos teus contem-porâneos; ao fim delas, serás alijado da tua posição poraqueles mesmos a quem proporcionares os elementosde cultura e liberdade. As mãos aduladoras, que busca-rem a proteção das tuas, voltarão aos teus palácios tran-sitórios, para assinar o decreto da tua expulsão do solo

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abençoado, onde semearás o respeito e a honra, o amore o dever, com as lágrimas redentoras dos teus sacrifí-cios. Contudo, amparar-te-ei o coração nosangustiosos transes do teu último resgate, no planetadas sombras. Nos dias da amargura final, minha luzdescerá sobre os teus cabelos brancos, santificando atua morte. Conserva as tuas esperanças na minha mise-ricórdia, porque, se observares as minhas recomenda-ções, não cairá uma gota de sangue no instante amargoem que experimentares o teu coracão igualmente tres-passado pelo gládio da ingratidão. A posteridade, po-rém, saberá descobrir as marcas dos teus passos na Ter-ra, para se firmar no roteiro da paz e da missão evangé-lica do Brasil.

Longinus recebeu com humildade a designação deJesus, implorando o socorro de suas inspirações divinaspara a grande tarefa do trono.

Ele nasceria no ramo enfermo da família dos Bra-ganças; mas, todas as enfermidades têm na alma as suasraízes profundas. Se muitas vezes parece permanecer aherança psicológica, é que o sagrado instituto da famí-lia, dentro da lei das afinidades, freqüentemente se per-petua no infinito do tempo. Os antepassados e seus des-cendentes, espiritualmente considerados, são, às vezes,as mesmas figuras sob nomes vários, na árvoregenealógica, obedecendo aos sábios dispositivos da leide reencarnação. Foi assim que Longinus preparou asua volta à Terra, depois de outras existências tecidasde abnegações edificantes em favor da humanidade, e,no dia 2 de dezembro de 1825, no Rio de Janeiro, nas-cia de D. Leopoldina, a virtuosa esposa de D. Pedro,

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aquele que seria no Brasil o grande imperador e que, naexpressão dos seus próprios adversários, seria o maiorde todos os republicanos de sua pátria.

FIM DO PRIMEIRO REINADO

Um dos traços característicos do povo brasileiro é oseu profundo amor à liberdade. A largueza da terra e oinfinito dos horizontes dilataram os sentimentos deemancipação em todas as almas chamadas a viver sob aluz do Cruzeiro. Desde que se esboçaram os primeirosmovimentos nativistas, a mentalidade geral do Brasilobedeceu a esse nobre imperativo de independência e,ainda hoje, todas as ações revolucionárias que se verifi-cam no país, lamentavelmente embora, trazem no fundoesse anseio de liberdade como o seu móvel essencial.

A atitude de D. Pedro I, ordenando a dissolução daConstituinte, em 1823, tivera funda repercussão no es-pírito geral.

Se bem ignorasse o que vinha a ser uma constituiçãoboa e justa, o povo a reclamava, dentro do seu conhe-cimento intuitivo, acerca da transformação dos tempos.

O imperador, apesar das suas paixões tumultuarias edas suas fraquezas como homem, possuía notável acui-dade, em se tratando de psicologia política. Os estudio-sos, que viram na sua personalidade somente o amorosoinsaciável, muitas vezes não lhe reconhecem o espíritoempreendedor na direção das coisas públicas, inaugu-rando a era constitucional do Brasil e Portugal, com assuas valorosas iniciativas. São de lamentar os seustransviamentos amorosos e a tragédia da sua vida con-

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jugai, quando a seu lado tinha uma nobre mulher, cujasrenúncias e dedicações se elevavam ao heroísmo su-premo; mas, nos instantes em que seu coração se tocavadas idéias generosas, criando-lhe no íntimo um estadoreceptivo propício às inspirações do mundo invisível, asfalanges de Ismael aproveitavam o minuto psicológicopara auxiliá-lo na tarefa de consolidação da liberdadeda Pátria do Evangelho. Foi assim que muitos decretossaíram de suas mãos, objetivando, inegavelmente, atranqüilidade geral.

Como dizíamos, a sua resolução extrema de dis-solver a Assembléia e exilar os Andradas cavara umabismo entre ele e a opinião pública, intransigente-mente apaixonada pela emancipação do país. As lutasisoladas se multiplicavam assustadoramente. No Rio enas províncias, tudo era um clamor surdo de protestoscontra os atos de D. Pedro, que, aliás, não poderiamanter outra atitude em face do ambiente confuso dopaís.

A Província de Pernambuco, onde se plantaram, ini-cialmente, as balizas dos grandes sentimentos da liber-dade e da democracia sob a influência de Maurício deNassau, alimentava, mais que nunca, o sentimento deindependência e de autonomia. Todas as grandes idéiasencontravam, no Recife, o clima apropriado ao seu des-envolvimento e foi justamente aí que as deliberações deD. Pedro feriram mais fundo. A 24 de julho de 1824estalam, na terra pernambucana, os primeiros movi-mentos da Confederação do Equador, que se ramificavapor toda a região do Norte a proclamar as generosasidéias republicanas. Paes de Andrade coloca-se à frente

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da ação revolucionária, com o fim de agir contraria-mente ao imperador, a quem se atribuía o propósito dereunir as coroas do Brasil e de Portugal, reintegrando-se o primeiro na vida colonial. Mas, o governo centralprovidencia energicamente. Lorde Cochrane e Lima eSilva são enviados com urgência para extinguir a insur-reição. Em Pernambuco, o futuro Marquês do Recife,com todo o seu prestígio entre os lavradores, inicia adefesa do governo imperial e prestigia as tropas envia-das, que sufocam o movimento. Os republicanos sãovencidos e presos. Paes de Andrade refugia-se numnavio inglês, conseguindo escapar à ação repressiva doImpério; mas João Ratcliff e Frei Caneca pagam com avida o sonho republicano. Executados militarmente, sãoeles o doloroso escarmento para os companheiros. Am-bos iam, porém, associar-se aos trabalhos do Infinito,sob a direção de Ismael, cuja misericórdia alentava asenergias da pátria brasileira.

Não terminaram, com o desaparecimento da Confe-deração do Equador, as agitações intestinas. Os reinóis,espalhados por todos os recantos do país, esperavamum golpe de unificação das duas pátrias, sonhando como regresso à vida colonial, em benefício dos seus inte-resses econômicos. Os brasileiros, todavia, entravamem luta com os portugueses, constituindo esses movi-mentos uma ameaça constante à paz coletiva, durantevários anos.

O mundo invisível, porém, atua de maneira sensívelentre os gabinetes políticos, para que a Província Cis-platina fosse reintegrada em sua liberdade, após a ane-xação indébita, levada a efeito pelas forças armadas de

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D. João VI, em 1821, por inspiração de D. CarlotaJoaquina. A imposição para submetê-la era francamenteimpopular, porquanto, desde o início da civilizaçãobrasileira, os mensageiros de Jesus difundiram o maislargo conceito de fraternidade dentro da Pátria do Cru-zeiro, onde todo o povo guarda a tradição da solidarie-dade e da autonomia. A realidade é que Ismael triunfasempre. Apesar das primeiras vitórias das armas brasi-leiras, a Província Cisplatina, que não era produto ela-borado pela Pátria do Evangelho nem fruto de trabalhodos portugueses, se separava definitivamente do cora-ção geográfico do mundo, graças à mediação pacíficada Inglaterra, para formar o território que veio a cons-tituir a República Oriental do Uruguai.

Enquanto se desenrolavam esses acontecimentos, aopinião pública do Brasil não abandonava a crítica atodos os atos e deliberações do imperador. D. Pedro,senhor da psicologia dos tempos novos, não ignoravaquanta decisão reclamavam os afazeres penosos dogoverno. Seus ministérios, no Rio de Janeiro, se orga-nizavam para se desfazerem em curtos períodos detempo. O país andava agitado e apreensivo, temendo-lhe as resoluções e espreitando-lhe os menores gestos.As suas aventuras amorosas eram pérfidamente co-mentadas pelas anedotas da malícia carioca. O povo,conhecendo alguma coisa da sua conduta particular, seencarregou de elaborar a maior parte de todas as histó-rias ridículas em torno da sua personalidade, que, serude e sensual, não era diferente da generalidade doshomens da época e tinha, não raras vezes, rasgos gene-rosos, que alcançavam os mais altos cumes do senti-

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mento.A imprensa instituída pelo Conde de Linhares, em

1808, sob a proteção de D. João VI, no casarão da Ruado Passeio, não o abandonou, transformando-se emsentinela dos seus menores pensamentos.

O imperador era acusado de proteger, crimino-samente, os interesses portugueses, a despeito das suasações em contrário.

Muitas vezes, em momentos de meditação, no Paçode São Cristóvão, já ao tempo de suas segundasnupcias, deixava ele vagar o espírito pelo mundo ricodas suas experiências, acerca dos homens e da vida,para reconhecer que todo aquele ódio gratuito lhe advi-nha da condição de português nato. O Brasil era reco-nhecido ao seu feito, no que se referia à independênciapolítica, mas não tolerava a origem do seu imperador,em se tratando dos problemas da sua autonomia.

Dias após as "noites das garrafadas", em que os par-tidos políticos se engalfinharam na praça pública, de 12a 14 de março de 1831, D. Pedro compareceu a um Te-Deum na igreja de São Francisco, sendo recebido, de-pois da cerimônia religiosa, pelo povo que o rodeou,com algumas demonstrações de desagrado.

Para aplacar os ânimos exaltados do partidarismo, D.Pedro organiza novo ministério, todo composto de ho-mens de sua absoluta confiança. O povo, entretanto,divisando dentro do novo gabinete ministerial somenteos que ele considerava os palacianos de São Cristóvão,reuniu-se no Campo de Santana, capitaneado por de-magogos e, em poucos minutos, a revolução se alastra-va pela cidade inteira. Deputações populares são envia-

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das ao imperador, que as recebe com serenidade e indi-ferença. Entre os revoltosos estão os seus melhoresamigos. Os senhores da situação eram os mesmos aquem o imperador havia amparado na véspera. O pró-prio exército, que organizara com imenso desvelo, sevoltava contra ele naquela noite memorável. D. Pedro,depois de ouvir à meia-noite as explicações do MajorMiguel de Frias, que viera a palácio em busca da suadecisão quanto às exigências do povo, que lhe impunhao antigo ministério, mandou chamar o chefe da guardado regimento de artilharia, aquartelado em São Cristó-vão, e lhe ordenou, com serena nobreza, que se reunissecom os seus homens às tropas revoltadas, acrescentan-do generosamente:

— Não quero que ninguém se sacrifique por minhacausa.

Depois da meia-noite, preferiu ficar só, na quietudedo seu gabinete. Ali, atentou no patrimônio das suasexperiências. Através do silêncio e da sombra, a voz deseu pai, já na vida livre dos espaços, lhe falava branda-mente ao coração. Os mensageiros de Ismael auxiliam-lhe o cérebro esgotado na solução do grande problemae, às duas horas da madrugada de 7 de abril de 1831,sem ouvir sequer os. seus ministros e conselheiros, ab-dicava na pessoa do filho, D. Pedro de Alcântara, quecontava então cinco anos, e ficaria sob a esclarecidatutela de José Bonifácio.

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BEZERRA DE MENEZES

O século XIX, que surgira com as últimas agitaçõesprovocadas no mundo pela Revolução Francesa, estavadestinado a presenciar extraordinários acontecimentos.

No seu transcurso, cumprir-se-ia a promessa deJesus, que, segundo os ensinamentos do seu Evangelho,derramaria as claridades divinas do seu coração sobretoda a carne, para que o Consolador reorganizasse asenergias das criaturas, a caminho das profundas transi-ções do século XX.

Mal não haviam terminado as atividades bélicas datriste missão de Bonaparte e já o espaço se movi-mentava, no sentido de renovar os surtos de progressodas coletividades. Assembléias espirituais, reunindo osgênios inspiradores de todas as pátrias do orbe, eramlevadas a efeito, nas luzes do infinito, para a designaçãode missionários das novas revelações. Em uma de taisassembléias, presidida pelo coração misericordioso eaugusto do Cordeiro, fora destacado um dos grandesdiscípulos do Senhor, para vir à Terra com a tarefa deorganizar e compilar ensinamentos que seriam revela-dos, oferecendo um método de observação a todos osestudiosos do tempo. Foi assim que Allan Kardec, a 3de outubro de 1804, via a luz da atmosfera terrestre, nacidade de Lião. Segundo os planos de trabalho do mun-do invisível, o grande missionário, no seu maravilhosoesforço de síntese, contaria com a cooperação de umaplêiade de auxiliares da sua obra, designados particular-mente para coadjuvá-lo, nas individualidades de João--Batista Roustaing, que organizaria o trabalho da fé; de

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Léon Denis, que efetuaria o desdobramento filosófico;de Gabriel Delanne, que apresentaria a estrada científi-ca e de Camille Flammarion, que abriria a cortina dosmundos, desenhando as maravilhas das paisagens ce-lestes, cooperando assim na codificação kardeciana noVelho Mundo e dilatando-a com os necessários com-plementos.

Ia resplandecer a suave luz do Espiritismo, depois decertificado o Senhor da defecção espiritual das igrejasmercenárias, que falavam no globo em seu nome.

Todas as falanges do Infinito se preparam para a jor-nada gloriosa.

As abnegadas coortes de Ismael trazem as suas ins-pirações para as grandes cidades do país do Cruzeiro,conseguindo interessar indiretamente grande número deestudiosos.

As primeiras experiências espiritistas, na Pátria doEvangelho, começaram pelo problema das curas. Em1818, já o Brasil possuía um grande círculo ho-meopático, sob a direção do mundo invisível. O próprioJosé Bonifácio se correspondia com Frederico Hahne-mann. Nos tempos do segundo reinado, os mentoresinvisíveis conseguem criar, na Bahia, no Pará e no Riode Janeiro, alguns grupos particulares, que projetavamenormes claridades no movimento neo-espiritualista docontinente, talvez o primeiro da América do Sul.

Antes dessa época, quando prestes a findar o primei-ro reinado, Ismael reúne no espaço os seus dedicadoscompanheiros de luta e, organizada a ve-nerável as-sembléia, o grande mensageiro do Senhor esclarece atodos sobre os seus elevados objetivos.

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— Irmãos, expôs ele, o século atual, como sabéis,vai ser assinalado pelo advento do Consolador à face daTerra. Nestes cem anos se efetuarão os grandes movi-mentos preparatorios dos outros cem anos que hão devir. As rajadas de morticínio e de dor avassalarão aalma da humanidade, no século próximo, dentro dosimperativos das transições necessárias, que serão o si-nal do fim da civilização precária do Ocidente. Faz-semister amparemos o coração atormentado dos homensnessas grandes amarguras, preparando-lhes o caminhoda purificação espiritual, através das sendas penosas. Épreciso, pois, preparemos o terreno para a sua estabili-dade moral nesses instantes decisivos dos seus destinos.Numerosas fileiras de missionários encontram-se dis-seminadas entre as nações da Terra, com o fim de le-vantar a palavra da Boa-Nova do Senhor, esclarecendoos postulados científicos que surgirão neste século, noscírculos da cultura terrestre. Uma verdadeira renascen-ça das filosofias e das ciências se verificará no trans-curso destes anos, a fim de que o século XX seja devi-damente esclarecido, como elemento de ligação entre acivilização em vias de desaparecer e a civilização dofuturo, que assentará na fraternidade e na justiça, por-que a morte do mundo, prevista na Lei e nos Profetas,não se verificará por enquanto, com referência à cons-tituição física do globo, mas quanto às suas expressõesmorais, sociais e políticas. A civilização armada terá deperecer, para que os homens se amem como irmãos.Concentraremos, agora, os nossos esforços na terra doEvangelho, para que possamos plantar no coração deseus filhos as sementes benditas que, mais tarde, frutifi-

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carão no solo abençoado do Cruzeiro. Se as verdadesnovas devem surgir primeiramente, segundo os impe-rativos da lei natural, nos centros culturais do VelhoMundo, é na Pátria do Evangelho que lhes vamos darvida, aplicando-as na edificação dos monumentos triun-fais do Salvador. Alguns dos nossos auxiliares já seencontram na Terra, esperando o toque de reunir denossas falanges de trabalhadores devotados, sob a dire-ção compassiva e misericordiosa do Divino Mestre.

Houve na alocução de Ismael uma breve pausa.Depois, encaminhando-se para um dos dedicados e

fiéis discípulos, falou-lhe assim:— Desceras às lutas terrestres com o objetivo de

concentrar as nossas energias no país do Cruzeiro, diri-gindo-as para o alvo sagrado dos nossos esforços.Arregimentarás todos os elementos dispersos, com asdedicações do teu espírito, a fim de que possamos criaro nosso núcleo de atividades espirituais, dentro doselevados propósitos de reforma e regeneração. Nãoprecisamos encarecer aos teus olhos a delicadeza dessamissão; mas, com a plena observância do código deJesus e com a nossa assistência espiritual, pulverizarástodos os obstáculos, à força de perseverança e de hu-mildade, consolidando os primordios de nossa obra,que é a de Jesus, no seio da pátria do seu Evangelho. Sea luta vai ser grande, considera que não será menor acompensação do Senhor, que é o caminho, a verdade ea vida.

Havia em toda a assembléia espiritual um divino si-lêncio. O discípulo escolhido nada pudera responder,com o coração palpitante de doces e esperançosas emo-

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ções, mas as lágrimas de reconhecimento lhe caíamcopiosamente dos olhos.

Ismael desfraldara a sua bandeira à luz gloriosa doInfinito, salientando-se a sua inscrição divina, que pa-recia constituir-se de sóis infinitésimos. Urna vibraçãode esperança e de fé fazia pulsar todos os corações,quando uma voz, terna e compassiva, exclamou dascúpulas radiosas do Ilimitado:

— Glória a Deus nas Alturas e paz na terra aos tra-balhadores de boa-vontade!

Relâmpagos de luminosidade estranha e mise-ricordiosa clareavam o pensamento de quantos assis-tiam ao maravilhoso espetáculo, enquanto uma chuvade aromas inundava a atmosfera de perfumes bal-sámicos e suavíssimos.

Sob aquela bênção maravilhosa, a grande assembléiados operários do Bem se dissolveu.

Daí a algum tempo, no dia 29 de agosto de 1831, emRiacho do Sangue, no Estado do Ceará, nascia AdolfoBezerra de Menezes, o grande discípulo de Ismael, quevinha cumprir no Brasil uma elevada missão.

A OBRA DE ISMAEL

O grande movimento preparatório do Espiritismo emtodo o mundo tinha, no Brasil, a sua repercussão, comoera natural.

Por volta de 1840, ao influxo das falanges de Ismael,chegavam dois médicos humanitários ao Brasil. EramBento Mure e Vicente Martins, que fariam da medicinahomeopática verdadeiro apostolado. Muito antes da

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codificação kardeciana, conheciam ambos os transesmediúnicos e o elevado alcance da aplicação do mag-netismo espiritual. Introduziram vários serviços de be-neficência no Brasil e traziam por lema, dentro da suamaravilhosa intuição, a mesma inscrição divina da ban-deira de Ismael — "Deus, Cristo e Caridade". Indescri-tível foi o devotamente de ambos à coletividade brasi-leira, à qual se haviam incorporado, sob os altos desíg-nios do mundo espiritual.

Nas suas luminosas pegadas, seguiram, mais tarde,outros pioneiros da homeopatía e do Espiritismo, naPátria do Evangelho. Foram eles, os médicoshomeópatas, que iniciaram aqui os passes magnéticos,como imediato auxílio das curas. Hahnemann conheciaa fonte infinita de recursos do magnetismo espiritual erecomendava esses processos psicoterápicos aos seusseguidores.

Os primeiros fenômenos de Hydesville, na Américado Norte, em 1848, não passaram despercebidos à cortedo segundo reinado. A febre de experimentações que selhes seguiu, nas grandes cidades européias, incendiou,igualmente, no Rio de Janeiro, alguns cérebros maisdestacados no meio social. Em 1853, a cidade já pos-suía um pequeno grupo de estudiosos, entre os quais sepodia notar a presença do Marquês de Olinda e do Vis-conde de Uberaba. Em Salvador, esses núcleos de expe-rimentação também existiam, em idênticas circunstân-cias. Em 1860 surgem as primeiras publicaçõesespiritistas. Em 1865, o Dr. Luís Olímpio Teles de Me-nezes, com alguns colegas, replicava pelo "Diário daBahia" a um artigo algo irônico de um cientista francês,

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desfavorável ao Espiritismo, publicado na GazetteMedícale e transcrito no jornal referido. As publicaçõesbrasileiras não passaram despercebidas ao próprio Al-lan Kardec, que delas teve conhecimento, com a maisjusta satisfação íntima.

A doutrina seguia marcha vitoriosa, através de todosos ambientes cultos da Europa e da América, quando ogrande codificador se desprendeu dos laços que o reti-nham à vida material, em 1869. Justamente nesse anosurgira o primeiro periódico espírita brasileiro — "OEco de Além-Túmulo". O desaparecimento do mestredeixara algo desorientado o campo geral da doutrina emorganização. Em Paris, como nos grandes centros mun-diais, quiseram inutilmente substituir-lhe a autoridade.As falanges de Ismael estavam vigilantes.

Sugeriram aos espiritistas brasileiros a necessidadede criar, no Rio, um núcleo central das atividades, queficasse como o órgão orientador de todos os movimen-tos da doutrina no Brasil. Um dos emissários de Ismael,que dispunha de maiores elementos no terreno das afi-nidades mediúnicas, para se comunicar nos grupos par-ticulares organizados na cidade, adotou o pseudônimode Confúcio, sob o qual transmitia instrutivas mensa-gens e valiosos ensinamentos. Em 1873 fundava-se,com estatutos impressos e demais formalidades exigi-das, o "Grupo Confúcio", que constituiria a base daobra tangível e determinada de Ismael, na terra brasilei-ra. Por esse grupo passaram, na época, todos ossimpatizantes da doutrina e, se efêmera foi a suaexistencia como sociedade organizada, memoráveisforam os seus trabalhos, aos quais compareceu pesso-

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almente o próprio Ismael, pela primeira vez, esclare-cendo os grandes objetivos da sua elevada missão nopaís do Cruzeiro.

Nem todos os espiritistas modernos conhecem o fe-cundo labor daqueles humildes arroteadores dos terre-nos inférteis da sociedade humana. A realidade é queeles lutaram denodadamente contra a opinião hostil dotempo, contra o anatema, o insulto e o ridículo e, so-bretudo, contra as ondas reacionárias das trevas domundo invisível, para levantarem bem alto a bandeirade Ismael, como manancial de luz para todos os espíri-tos e de conforto para todos os corações. As entidadesda sombra trouxeram a obra ingrata da oposição aotrabalho produtivo da edificação evangélica no Brasil.Bem sabemos que, assim como Aquiles possuía umponto vulnerável no seu calcanhar, o homem em si,pela sua vaidade e fraqueza, também tem um pontovulnerável em todos os escaninhos da sua personalida-de espiritual, e os seres das trevas, se não conseguiramvencer totalmente os trabalhadores, conseguiram desu-ni-los no plano dos seus serviços à grande causa. O"Grupo Confúcio" teve uma existência de três anosrápidos.

Os mensageiros de Ismael, triunfando da discórdiaque destruía o grande núcleo nascente, fundavam sobreele, em 1876, a "Sociedade de Estudos Espíritas Deus,Cristo e Caridade", sob a direção esclarecida de Fran-cisco Leite de Bittencourt Sampaio, grande discípulo doemissário de Jesus, que, juntamente com Bezerra, tiveraa sua tarefa previamente determinada no Alto. A ele sereuniu Antônio Luiz Sayão, em 1878, para as grandes

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vitórias do Evangelho nas terras do Cruzeiro. O traba-lho maléfico das trevas, no plano invisível, é arrojado eperseverante. No seio desse redil de almas humildes esimples, esclarecidas à luz dos princípios cristãos, ondemilitavam espíritas lúcidos e sábios como BittencourtSampaio, que abandonara os fulgores enganosos da suaelevada posição na literatura e na política para se ape-gar às claridades do ideal cristão, as entidades tenebro-sas conseguem encontrar um médium, pronto para adolorosa tarefa de fomentar a desarmonia e, estabeleci-da de novo a discórdia, os mensageiros de Ismael reor-ganizam as energias existentes, para fundarem, em1880, a "Sociedade Espírita Fraternidade", com a qualse carregava em triunfo o bendito lema do suave estan-darte do emissário do Divino Mestre. Em 1883, Au-gusto Elias da Silva, na sua posição humilde, lançava o"Reformador", coadjuvado por alguns companheiros ecom o apoio das hostes invisíveis. As mesmas reuniõesdo grupo humilde de Antônio Sayão e Bittencourt Sam-paio continuam. Uma plêiade de médiuns curadores,notáveis pela abnegação, iniciam, no Rio, o seu penosoapostolado. Elias da Silva e seus companheiros notam,entretanto, que a situação se ia tornando difícil com aspolêmicas esterilizadoras. A esse tempo, os emissáriosdo Alto prescrevem categoricamente aos seus camara-das do mundo tangível:

— Chamem agora Bezerra de Menezes ao seuapostolado!

Elias bate, então, à porta generosa do mestre venerá-vel, o que não era preciso, porque seu grande coração jáse encontrava a postos, no sagrado serviço da Seara de

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Jesus, na face da Terra.Bezerra de Menezes traz consigo a palma da harmo-

nia, serenando todos os conflitos. Estabelece a prudên-cia e a discrição entre os temperamentos mais veemen-tes e combativos.

A obra de Ismael, no que se referia às luzes sublimesdo Consolador, estava definitivamente instalada na Pá-tria do Cruzeiro, apesar da precariedade do concursodos homens. As divergências foram atenuadas, para quea tranqüilidade voltasse a todos os centros de experi-mentação e de estudo. Os operários espalhavam-se peloRio, cada qual com a sua ferramenta, dentro do grandeplano da unificação e da paz, nos ambientes da doutri-na, plano esse que eles conseguiram relativamente rea-lizar, mais tarde, organizando o aparelho central de suasdiretrizes, que se consolidaria com a Federação EspíritaBrasileira, onde seria localizada a sede diretora, no pla-no tangível, dos trabalhos da obra de Ismael no Brasil.

A REGÊNCIA E O SEGUNDO REINADO

Ninguém, no Brasil, poderia supor que D. Pedro Iabandonasse o país precipitadamente, como fez a 7 deabril de 1831. As forças conservadoras desejavam so-mente que ele regenerasse o seu ambiente, afastando-sede determinadas influências políticas. O resultado dainesperada abdicação foi a desordem, que se propagoua todos os recantos, provocando descontentamentos esedições.

Alguns políticos, no entanto, obedecendo a feliz ins-piração do mundo invisível, organizaram uma regência

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que se incumbiu de manter a intangibilidade da ordem edas instituições.

Essa regência interina, com imensos sacrifícios, ini-ciou o seu trabalho de pacificação na Bahia, em Minase em Pernambuco, onde inúmeros portugueses eramassassinados, sob o pretexto de antigas desforras dosmovimentos nativistas. Os distúrbios militares prolife-ravam em toda parte, exigindo a mais alta cota de sacri-fícios e dedicações dos verdadeiros patriotas.

O exército, desde os acontecimentos de 7 de abril,caracterizava as suas atitudes pela revolta e pela indis-ciplina. O Norte do país vivia sob o regime do sangue eda morte. O povo de Pernambuco, humilhado pelasincursões da soldadesca amotinada, que lhe feriam osbrios e as tradições, veio a campo, travando-se os maisfortes combates, em que pereceram, ou foram presos,muitas centenas de indisciplinados. Esses protestos eesses exemplos, todavia, não conseguiram eliminar aluta persistente e pavorosa. A guerra civil continuou,anos a fio, à sombra das matas, estendendo-se ao Parácom o seu rastilho de miséria e de sangue. Muitos go-vernadores foram barbaramente trucidados pela carava-na sinistra da confusão e da desordem. Jamais, a Pátriado Evangelho atravessara tão perigosa situação, sob oponto de vista social e político. O partidarismo envene-nava todos os ambientes com a vasa de suas paixões de-senfreadas e, não fossem os mananciais do pensamentoe da economia, fixados por Ismael nas regiões do Riode Janeiro, de São Paulo e Minas, que asseguraram aprópria estabilidade nacional, talvez não pudesse o Bra-sil resistir ao elemento embrutecedor, que suprimiria

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para sempre a sua unidade territorial. Depois de quatroanos de experimentações e lutas incessantes, a Regên-cia é entregue a um dos homens mais enérgicos e pru-dentes da época, o eclesiástico Diogo Antônio Feijó,que iniciou a sua obra de honestidade e de civismo, soba direção das falanges esclarecidas do Infinito. O gran-de paulista, porém, não conseguiu permanecer muitotempo à frente do governo. Em 1835 rebentava o mo-vimento republicano do Rio Grande do Sul, chefiadopor Bento Gonçalves, que se propunha organizar, na-quela província, uma república separada do país. Essemovimento separatista iria consumir grande coeficientedas energias nacionais, porquanto só terminaria maistarde sob a ação pacificadora do segundo reinado.

Em 1836 funda-se o Partido Conservador, com a ali-ança dos liberais e dos restauradores, caminhando anação para o parlamentarismo. Feijó, porém, não seresignou com as providências levadas a efeito. A seuver, não era possível governar eficientemente, dentro deum regime que se lhe afigurava de excessiva liberdade.Renunciou nobremente ao cargo, chamando ao poderAraújo Lima, que era nesse tempo a autoridade supre-ma das forças oposicionistas.

Então, a imprensa brasileira já não contava com apalavra de concórdia e conciliação de Evaristo da Vei-ga, que, depois de cumprir sua tarefa no país do Cruzei-ro, regressara à pátria universal, incorporando-se àshostes esclarecidas do Infinito. A imprensa, hoje consi-derada como o sexto sentido dos povos e que, naquelestempos, mal ensaiava os primeiros passos no Brasil,não podia, portanto, ser o órgão de esclarecimento geral

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da nação e a luta prosseguiu, ensangüentando o país, aolongo de todas as suas fronteiras.

A fusão dos objetivos de liberais e conservadoresconstituiu a base da opinião livre, que embelezou oregime parlamentar no segundo reinado, estruturando-se a Câmara sob o modelo das praxes e dos costumesingleses.

Percebendo, contudo, a exaltação dos espíritos emgeral, os liberais solicitaram, em 1840, a declaração damaioridade do Imperador, que, na época, contava quin-ze anos incompletos. Semelhante acontecimento repre-sentava um golpe nos dispositivos constitucionais; mas,todos os políticos reconheciam no jovem imperante amais elevada madureza de raciocínio e as qualidadesque lhe exornavam o caráter. Uma comissão de homensinfluentes procura-o no paço imperial, obtendo o seuimediato assentimento. Dentro de poucos dias, foi D.Pedro II declarado maior, por entre as mais sãs espe-ranças do país e sob a confiança dos mentores do Alto,os quais seguiriam de perto a sua trajetória no trono.

A Regência ficava assinalada no tempo, como umadas mais belas escolas de honradez e de energia dopovo brasileiro. Vivendo numa atmosfera de francaantipatia popular, pelas medidas de repressão que lhecumpria executar; flutuando, como instrumento de con-ciliação, entre as marés bravias do separatismo no Sul,os vagalhões impetuosos da opinião partidária nas ci-dades centrais e as ondas tumultuarias das lutas aoNorte, todos aqueles homens que passaram pela Regên-cia foram compelidos aos mais elevados atos de renún-cia pelo bem coletivo, praticando com isso verdadeiro

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heroísmo, a fim de que se conservasse intacto, para asgerações do futuro, o patrimônio territorial e a escoladas instituições, na objetivação luminosa da civilizaçãodo Evangelho, sob a luz cariciosa do Cruzeiro.

No ano de 1841, foi coroado o jovem imperador.Não obstante a sua condição de adolescente, D. Pe-

dro II, assistido pelas numerosas legiões do bem, que orodeavam no plano invisível, tomava o cetro e a coroaconsciente da responsabilidade gravíssima que lhe pe-sava sobre os ombros.

A sua primeira preocupação administrativa foi paci-ficar o ambiente intoxicado de sedições e rebeldías.Prestigiando Caxias, consegue levantar a bandeirabranca da paz nas Províncias de São Paulo e Minas,após os desfechos de Venda Grande e de Santa Luzia.Daí a algum tempo, com a sua política de moderação etolerância, consegue estabelecer a tranqüilidade geralem todo o Rio Grande do Sul, com a anistia plena ecom o respeito às honras militares de todos os chefes dainsurreição.

Depois dos esgotamentos a que o país inteiro foraconduzido pela ação corrosiva dos processos revolucio-nários, o Brasil ia regenerar suas forças orgânicas den-tro de um l^argo período de paz, no qual as falangesesclarecidas de Ismael, inspirando a generosa autorida-de do Imperador, argamassa-riam as bases do pensa-mento republicano, sobre as idéias de fraternidade eliberdade, a caminho das grandes realizações do porvir.

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A GUERRA DO PARAGUAI

O segundo reinado, depois das angustiosas ex-pectativas do período revolucionário, atravessava umaépoca de paz, em que se consolidavam as suas con-quistas no terreno da ordem e da liberdade.

D. Pedro II, à medida que ia ampliando o patrimôniodas suas experiências em contacto com a vida e com oshomens, amadurecia, cada vez mais, as belas qualida-des do seu coração e da sua inteligência. Suas virtudesmorais granjearan! para a sua personalidade mais que asimpatia popular, pois o generoso imperador, de cujadotação se beneficiavam tantos pobres e se educavaminúmeros estudiosos sem recursos, vivia aureolado pelaveneração carinhosa das multidões. Dado à arte e à filo-sofia, sua notoriedade, nesse sentido, alcançou os pró-prios ambientes da cultura européia, onde seu nome seimpunha à admiração de todos os pensadores do século.No problema constitucional, todavia, o imperador mui-tas vezes se abstraía dos textos legais para consultar osinteresses gerais da nação, norteando-se muito maispela imprensa que pela opinião pessoal dos seus minis-tros, o que desgostava profundamente os políticos daépoca, que encaravam essas atitudes comoimpertinencias do monarca republicano da América,afigurando-se-lhes que ele se deixava atrair pelas reso-luções ilegais. A verdade, contudo, é que o Brasil nuncaatravessou um período de tamanha liberdade de opini-ão. Somente as nacionalidades de origem saxônia goza-vam, a esse tempo, no planeta, da mesma independên-cia e das mesmas liberdades públicas. Numerosas con-

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quistas, nesse particular, se consolidaram sob a admi-nistração do imperador generoso e liberalíssimo. Em1850 iniciava-se a plena supressão do tráfico negro,realizando-se a abolição, por etapas altamente signifi-cativas. Em 1843, Dom Pedro II desposara D. TeresaCristina Maria, princesa das Duas Sicílias, que viriapartilhar com ele, no sagrado instituto da família, damesma abnegação e amor pelo bem do Brasil.

No mundo invisível, as falanges de Ismael não sedescuravam da Pátria do Evangelho, enviando para aadministração do segundo reinado os elevados espíritosque seriam colaboradores do grande imperador na solu-ção dos relevantes problemas da abolição, da economiae da liberdade. Foi assim que, naquela época de organi-zação da pátria, apareceram homens e artistas extraor-dinários, como Rio Branco e Mauá, Castro Alves e Pe-dro Américo, que vinham com elevada missão ideoló-gica, nos quadros da evolução política e social da Pátriado Cruzeiro.

O homem, porém, terá de constituir o patrimônio doseu progresso e iluminar o caminho da sua redenção àcusta dos próprios esforços e sacrifícios, na senda pe-dregosa da experiência individual. Ora, em meio dessaslutas, o poder moderador da Coroa não conseguiu eli-minar certo fundo de vaidade, que se foi estratificandona alma nacional, fazendo-lhe sentir a sua supremaciasobre as demais nações americanas do Sul. Dentro des-sas idéias perigosas da vaidade coletiva, sentia-se oBrasil, erradamente, com o direito de interferir nos ne-gócios dos Estados vizinhos, em benefício dos nossosinteresses. É verdade que os países de colonização es-

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panhola sempre tratavam o Brasil com mal disfarçadahostilidade, desejando reviver no Novo Mundo os anta-gonismos raciais da velha península; não competia,porém, à política brasileira exorbitar das suas funções,no intuito de assumir a direção da casa dos seus vizi-nhos.

De 1849 a 1852, o Brasil interferiu nas questões daArgentina e do Uruguai, contra a influência de Rosas eOribe. O caudilho Ortiz de Rosas trazia a civilizaçãoplatina sob um regime de crueldade e tirania; diversasvezes provocara o Brasil com o seu ânimo despótico,que chegou a fazer no Prata mais de vinte mil vítimas e,irrefletidamente, o Império prestigiou a Urquiza, outrocaudilho, que governava Entre-Rios, a fim de eliminaro tirano. Pela influência dos seus militares mais dignos,as tropas brasileiras depuseram Oribe e no combate deMonte Caseros destruíram para sempre a influência dodéspota, que humilhava Buenos Aires. Enquanto asbandeiras do Brasil regressam triunfantes com o Condede Porto Alegre e o povo festeja a vitória das suas ar-mas, os países da América do Sul olham descon-fiadamente para a supremacia arrogante da política bra-sileira, no propósito de se colocarem a salvo das suasindébitas intervenções.

Após uma das festas que comemoravam os acon-tecimentos, D. Pedro II se retira silenciosamente para orecanto do seu oratório particular. Com o espírito emprece, contempla o Crucificado, cuja imagem parecefitá-lo cheia de piedade e doçura. Nas asas brandas dosono, o grande imperador é então conduzido a uma es-fera de beleza esplêndida e inenarrável. Parece-lhe co-

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nhecer as disposições particulares daquele sítio de do-ces encantamentos. Aos seus olhos atônitos surge, en-tão, o Divino Mestre, que lhe fala como nos maravilho-sos dias da ressurreição, após os martírios indizíveis doCalvário, assinalando as suas palavras com sublimebrandura: — Pedro, guarda a tua espada na bainha, poisquem com ferro fere com ferro será ferido. A tua inde-cisão e a tua incerteza lançaram a Pátria do Evangelhonuma sinistra aventura. As nações, como os indivíduos,têm a sua missão determinada e não é justo sejam coa-gidas no terreno das suas liberdades. O lamentável pre-cedente da invasão efetuada pelo Brasil no Uruguai terádolorosa repercussão para a sua vida política. Não des-canses sobre os louros da vitória, porque o céu estácheio de nuvens e deves fortificar o coração para astempestades amargas que hão de vir. Auxiliarei a tuaação, através dos mensageiros de Ismael, que se con-servam vigilantes no desenvolvimento dos trabalhossob a tua responsabilidade no país do Cruzeiro; mas,que as tristes provações gerais, em perspectiva, sejamguardadas como lição inesquecível e como roteiro deexperiência proveitosa para as tuas atividades no trono.

D. Pedro II, depois daquele sono curto, na inti-midade do oratório, sono preparado pelas forças invi-síveis que o rodeavam, recolheu-se ao leito, cheio deangústia e de ansiosa expectativa.

Os anos não tardaram a confirmar as advertências doSenhor, que é a luz misericordiosa do mundo. Em 1865,quando o Brasil procurava interferir novamente nosnegócios do Uruguai, impondo a sua vontade em Mon-tevidéu, o Paraguai se sentiu ameaçado na sua seguran-

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ça e se declarou contra o Brasil, ferindo-se então aguerra que durou cinco longos anos de martírios e der-rames de sangue fraterno.

O Paraguai, como os outros países vizinhos, viviareduzido à condição de feudo militar. A lei marcial im-perava ali sistematicamente e Solano López não receouarrastar o seu povo àquela terrível aventura. Sua perso-nalidade, como político, não era inferior à dos caudi-lhos do tempo e grandes valores poderiam ser incorpo-rados às suas tradições de chefe, muitas vezes apresen-tado como tirano cheio de crueldades nefandas, se osfreqüentes desastres das armas paraguaias e os triunfosdo Brasil não acabassem por desorientá-lo inteiramente,levando-o a queimar o último cartucho da sua amargu-rada desesperação e a perder a posição nobre que aHistória indubitavelmente lhe reservaria.

Aliando-se aos seus amigos da Argentina e do Uru-guai, o Brasil afirmou, com a vitória, a sua soberania. Opróprio imperador visitou o campo de operações bélicasem Uruguaiana, onde assistiu à rendição de seis milinimigos. Os militares brasileiros ilustram o nome dasua terra em gloriosos feitos, que ficaram inesquecíveis.Mas, o país do Evangelho sempre foi infenso às glóriassanguinolentas. Estero Belaco, Curupaiti, LomasValentinas, Tuiuti, Curuzu, Itororó, Riachuelo e tantosoutros teatros de luta e de triunfo, em verdade não pas-saram de etapas dolorosas de uma provação coletiva,que o povo brasileiro jamais poderá esquecer.

A realidade, entretanto, é que o Brasil retirou dessepatrimônio de experiências os mais altos benefíciospara a sua política externa e para a sua vida organizada,

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sem exigir um vintém dos proventos de suas vitórias. Adiplomacia brasileira encarou de mais perto o arbítrioinviolável dos países vizinhos e uma nova tradição derespeito consolidou-se na administração da terra doCruzeiro. Nunca mais o Brasil praticou uma interven-ção indevida, trazendo em testemunho da nossa afirma-tiva a primorosa organização da nacionalidade argenti-na que, apesar da inferioridade da sua posição territori-al, comparada com a extensão do Brasil, é hoje um dospaíses mais prósperos e um dos núcleos mais impor-tantes da civilização americana em face do mundo.

O MOVIMENTO ABOLICIONISTA

O Brasil prosseguia na sua marcha evolutiva sob acarinhosa direção de D. Pedro u. Estadistas notáveispelo seu amor à causa pública assistiam o imperadorem seus nobres afazeres, caracterizando as suas atitudese atos com o mais sagrado interesse pelo bem coletivo.

Haviam terminado os movimentos bélicos da guerracom o Paraguai e o país voltava a respirar os ares daesperança. Então, nessa época e nos anos posteriores,todos os espíritos cultos da pátria se levantaram comdesassombro, para amparar o movimento abolicionista.

Os gênios tutelares do mundo espiritual inspiravam atodos os políticos e escritores e, se havia fazendeirosconstituindo o mais sério sustentáculo da escravidão,dentro das classes conservadoras, inúmeros outros ele-mentos existiam, como no Amazonas e no Ceará, quealforriavam os seus servidores, nos mais belos gestosde filantropia.

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As falanges de Ismael contavam colaboradores deci-didos no movimento libertador, quais Castro Alves,Luiz Gama, Rio Branco e Patrocínio. A própria Prince-sa Isabel, cujas tradições de nobreza e bondade jamaisserão esquecidas no coração do Brasil, viera ao mundocom a sua tarefa definida no trabalho abençoado daabolição. Os espíritos em prova no cárcere da carne têma sua bagagem de sofrimentos expiatórios edepuradores, mas têm igualmente a possibilidade ne-cessária para o cumprimento de de veres meritorios, aosolhos misericordiosos do Altíssimo.

Todos os ânimos se inflamavam ao contacto dasgrandes idéias de liberdade. Publicações e discursos,com a amplitude que a opinião da crítica conquistaranos tempos do Império, exortavam as classes con-servadoras ao movimento de emancipação de todos oscativos.

D. Pedro se reconfortava com essas doutrinações dasmassas, no seu liberalismo e na sua bondade de filóso-fo. Desejaria antecipar-se ao movimento ideológico,decretando a liberdade plena de todos os escravos; mas,os terríveis exemplos da guerra civil que ensangüentaraos Estados Unidos da América do Norte durante longosanos, na campanha abolicionista, faziam-no recear aluta das multidões apaixonadas e delinqüentes. Foi,pois, com especial agrado, que acompanhou a delibera-ção de sua filha, de sancionar, a 28 de setembro de1871, a Lei do Ventre Livre que garantia no Brasil aextinção gradual do cativeiro, mediante processos pací-ficos. Seu grande coração, no âmbito das suas impres-sões divinatórias, sentia que a abolição se faria nos der-

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radeiros anos do seu governo. Com efeito, a Lei doVentre Livre não bastara aos espíritos exaltados nosentimento de amor pela abolição completa. Quase to-das as energias intelectuais da nação se encontravammobilizadas a serviço dos escravos sofredores. O ambi-ente geral era de perspectiva angustiosa e de profundastransições na ordem política. A idéia republicana seconsolidava cada vez mais no espírito da nacionalidadeinteira. O bondoso imperador nunca lhe cortara os vôosprodigiosos no coração das massas populares; aliás,alimentava-os com os seus alevantados exemplos dedemocracia.

Nos espaços, Ismael e suas falanges procuravam ori-entar os movimentos republicanos e abolicionistas, comalta serenidade e esclarecida prudência, no propósito deevitar os abomináveis derramamentos de sangue pordesvarios fratricidas.

A esse tempo, já Ismael possuía a sua célula cons-trutiva da obra do Evangelho no Brasil, célula que hojeprojeta a sua luz de dentro da Federação Espírita Bra-sileira, e de onde, espiritualmente, junto dos seus com-panheiros desvelados, procurava unir os homens nagrandiosa tarefa da evangelização. Esperando o ensejode se fixar na instituição venerável, que lhe guarda astradições e continua o seu santificado labor ao lado dascriaturas, a célula referida permanecia com AntônioLuiz Sayão e Bittencourt Sampaio, desde 24 de setem-bro de 1885, até que Bezerra de Menezes, com os seusgrandes sacrifícios e indescritíveis devotamentos, eli-minasse as mais sérias divergências e aplainasse obstá-culos, utilizando as suas inesgotáveis reservas de paci-

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ência e de humildade e consolidando a Federação paraque se formasse uma organização federativa. Enquanto,lá fora, muitos companheiros da caravana espiritual sedeixavam levar por inovações e experiências estranhasaos preceitos evangélicos, o Grupo Ismael esperavauma época de compreensão mais elevada e harmoniosapara o desdobramento de suas preciosas atividades.Todavia, nas lutas pesadas do mundo, Bezerra de Me-nezes era o impávido desbravador, no seu apostoladode preparação, fraternizando com todos os grupospara conduzi-los, suavemente, à sombra da bandeirado grande emissário de Jesus.

Ismael trazia então a sua atenção carinhosa voltadapara a solução do problema abolicionista, que deveriaresolver-se dentro da harmonia de todos os interesses eestreme do sangue das guerras civis. Confiando ao Se-nhor as suas expectativas, falou-lhe o Mestre:

— Ismael, o sonho da liberdade de todos os cativosdeverá concretizar-se agora, sem perda de tempo.Prepararás todos os corações, a fim de que as nuvenssanguinolentas não manchem o solo abençoado da regi-ão do Cruzeiro. Todos os emissários celestes deverãoconjugar esforços nesse propósito e, em breve, teremosa emancipação de todos os que sofrem os duros traba-lhos do cativeiro na terra bendita do Brasil.

O grande enviado redobrou suas atividades nos bas-tidores da política administrativa.

A estatística oficial de 1887 acusava a existência demais de setecentos e vinte mil escravos em todo o país.O ambiente geral era de apreensão em todas as classes,ante a expectativa da promulgação da lei que

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extinguiría a escravidão para sempre, o que constituiriaduro golpe na fortuna pública do Brasil. Mas, Ismaelarticula do Alto os elementos necessários à grande vitó-ria. O generoso imperador é afastado do trono, nos pri-meiros meses de 1888, sob a influência dos mentoresinvisíveis da pátria, voltando a Regência à PrincesaIsabel, que já havia sancionado a lei benéfica de 1871.Sob a inspiração do grande mensageiro do DivinoMestre, a princesa imperial encarrega o Senador JoãoAlfredo de organizar novo ministério, que veio a com-por-se de espíritos nobilíssimos do tempo. Os abolicio-nistas compreendem que lhes chegara a possibilidademaravilhosa e a 13 de maio de 1888 é apresentada àregente a proposta de lei para imediata extinção do ca-tiveiro, lei que D. Isabel, cercada de entidades angélicase misericordiosas, sanciona sem hesitar, com a nobreserenidade do seu coração de mulher.

Nesse dia inesquecível, toda uma onda de claridadescompassivas descia dos céus sobre as vastidões doNorte e do Sul da Pátria do Evangelho. Ao Rio de Ja-neiro afluem multidões de seres invisíveis, que se asso-ciam às grandiosas solenidades da abolição. Junto doespírito magnânimo da princesa, permanece Ismaelcom a bênção da sua generosa e tocante alegria. Foi porisso que Patrocínio, intuitivamente, no arrebatamentodo seu júbilo, se arrastou de joelhos até aos pés da prin-cesa piedosa e cristã. Por toda parte, espalharam-sealegrias contagiosas e comunicativas esperanças. Omarco divino da liberdade dos cativos erguia-se na es-trada da civilização brasileira, sem a maré incendiariada metralha e do sangue.

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Os negros e os mestiços do Brasil sentiram no cora-ção o prodigioso potencial de energias da sub--raça,com que realizariam gloriosos feitos de trabalho e deheroísmo, na formação de todos os patrimônios da Pá-tria do Evangelho, olhando o caminho infinito do futu-ro. E, nessa noite, enquanto se entoavam hosanas deamor no Grupo Ismael e a princesa imperial sentia, nasua grande alma, as comoções mais ternas e mais do-ces, os pobres e os sofredores, recebendo a generosadádiva do céu, iam reunir-se, nas asas cariciosas dosono, aos seus companheiros da imensidade, levando àsAlturas o preito do seu reconhecimento a Jesus que,com a sua misericórdia infinita, lhes outorgara a cartade alforria, incorporando-se, para sempre, ao organismosocial da pátria generosa dos seus sublimes ensina-mentos.

A REPÚBLICA

Se a monarquia, embora todas as liberdades públicasque desenvolvera, espíritos avançados do Brasil a con-sideravam como a derradeira recordação da influênciaportuguesa, a República era considerada pela comuni-dade brasileira como a fórmula de governo compatívelcom a evolução do país e com a posição cultural do seupovo.

Essa idéia, genuinamente nativista, alcançara todasas inteligências, e a garantia do seu êxito se patentearaaos olhos de todos, após a Lei de 13 de maio, que feriraos interesses particulares de todas as classes conserva-doras.

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Por essa razão os anos de 1888 e 1889 assinalaramos derradeiros tempos do único império das plagasamericanas. Por toda parte e em todos os ambientescivis e militares acendiam-se os fachos do idealismorepublicano, sob o palio da generosidade da Coroa.

No mundo invisível, reúne o Senhor as falangesbenditas de Ismael e dos seus dedicados colaboradorese, enquanto as luzes tênues douravam o éter da imensi-dade, que se enfeitava de luminosas flores dos jardinsdo Infinito, falou a sua voz, como no crepúsculo admi-rável do Sermão da Montanha:

— "Irmãos, a Pátria do Evangelho atinge agora asua maioridade coletiva. Profundas transições assi-nalarão a sua existência social e política. Uma naçãoque alcança a sua maioridade é a responsável legítima edireta por todos os atos comuns que pratica, no con-certo dos povos do planeta. Necessário é separemosagora o organismo político do Brasil dos alvi-tres per-manentes e constantes do mundo espiritual, para quetodos os seus empreendimentos sejam devidamentevalorizados. Ã maneira dos indivíduos, as pátrias têm,igualmente, direito à mais ampla liberdade de ação,uma vez atingido o plano dos seus raciocínios próprios.Acompanharemos, indiretamente, o Brasil, onde assementes do Evangelho foram jorradas a mancheias, afim de que o seu povo, generoso e fraternal, possa ins-crever mais tarde a sua gloriosa missão espiritual nasmais belas páginas da civilização, em o livro de ourodos progressos do mundo. Seus votos evolutivos, noque se refere às instituições sociais e políticas, serãocarinhosamente observados por nós, de maneira a não

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serem obstadas as deliberações das suas autoridadesadministrativas no plano tangível da matéria terrestre;mas, como o reino do amor integral e da verdade puraainda não é do orbe terreno, urge reformemos tambémas nossas atividades, concentrando-as na obra espiritualda evangelização de todos os espíritos localizados naregião do Cruzeiro.

"Consolidareis o templo de Ismael, para que do seunúcleo possam expandir-se, por toda a extensão territo-rial da pátria brasileira, as claridades consoladoras daminha doutrina de redenção, de piedade e de misericór-dia. Ensinareis aos meus novos discípulos encarnados apaciência e a serenidade, a humildade e o amor, a paz ea resignação, para que a luta seja vencida pela luz epela verdade. Abriréis para a caravana do Evangelho,que marcha ao longo dos caminhos da sombra, a estra-da da revolução interior, cujo objetivo único é a refor-ma de cada um, sob o fardo das provas, sem o recurso àindisciplina perante as leis estatuídas no mundo e sem oauxílio das armas homicidas.

"A Nova Revelação não é dada para que se opere aconversão compulsória de César às coisas de Deus, maspara que César esclareça o seu próprio coração, edifi-cando-se no exemplo dos seus subordinados e tornandodivina a sua imperfeita obra terrestre. Conduzireis,portanto, aos meus discípulos encarnados o estandarteda fé e da caridade, com o programa da renúncia e dodesprendimento dos bens humanos, dentro dos sagradosimperativos da sua grandiosa missão.

"A proclamação da República Brasileira, como índi-ce da maioridade coletiva da nação do Evangelho, há de

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fazer-se sem derramamento de sangue, como se opera-ram todos os grandes acontecimentos que afirmaram,perante o mundo, a Pátria do Cruzeiro, os quais se des-envolveram sob a nossa imediata atenção. Doravante, oBrasil político será entregue à sua responsabilidadeprópria. As transições se realizarão acima de todos oscultos religiosos, para que todas as conquistas se verifi-quem fora de qualquer eiva de sectarismo. Os discípu-los do Evangelho sofrerão, certamente, os efeitos dolo-rosos da borrasca em perspectiva; estaremos, porém, apostos, sustentando o Brasil espiritual, que, de ora emdiante, passará a ser o nosso precioso patrimônio. Arti-cularemos todas as possibilidades e energias em favordo Evangelho, no país inteiro, e a obra de Ismael der-ramará as bênçãos fulgurantes do céu sobre todos oscorações, na estrada de todos os felizes e de todos ostristes da Terra.

"Acordemos a alma brasileira para a luminosa alvo-rada desse novo dia!

"No capítulo das instituições humanas, os esforçosque despendemos até agora estão mais ou menos encer-rados; compete-nos, todavia, em todos os dias do por-vir, conservar e desenvolver a "melhor parte", espiritu-alizando essas mesmas instituições, dentro das grandesfinalidades de todos os labores das esferas elevadas doplano espiritual.

"Bem-aventurados todos os trabalhadores da searadivina da verdade e do amor, pois deles é o reino imor-tal da suprema ventura!"

As falanges do Infinito, sob as bondosas deter-minações do Divino Mestre preparam, então, o último

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acontecimento político, que se verificaria com o seuamparo direto e que constituiria a proclamação da Re-pública.

Todas as grandes cidades do país, com o Rio de Ja-neiro na vanguarda, se entregam à propaganda abertadas idéias republicanas. Os espíritos mais eminentes dopaís preparam o grande acontecimento. Entre os seusorganizadores, preponderam os elementos positivistas,para que as novas instituições não pecassem pelos ex-cessos da paixão sanguinolenta dos sectarismos religio-sos, e, a 15 de Novembro de 1889, com a bandeira donovo regime nas mãos de Benjamin Constant, QuintinoBocaiúva, Lopes Trovão, Serzedelo Corrêa, Rui Barbo-sa e toda uma plêiade de inteligências cultas e vigoro-sas, o Marechal Deodoro da Fonseca proclama,inopinadamente, no Rio de Janeiro, a República dosEstados Unidos do Brasil.

O grande imperador recebe a notícia com amargasurpresa. Deodoro, que era íntimo do seu coração e dasua casa, voltava-se agora contra as suas mãos genero-sas e paternais. Todos os ambientes monárquicos pesamesse ato de ingratidão clamorosa; mas, a verdade é quetodos os republicanos eram amigos íntimos de D. Pe-dro; quem não lhe devia, no Brasil, o patrimônio decultura e liberdade?

Os instantes de surpresa, contudo, foram rápidos.O nobre monarca repeliu todas as sugestões que lhe

eram oferecidas pelos espíritos apaixonados da Coroa,no sentido da reação.

Confortado pelas luzes do Alto, que o não aban-donaram em toda a vida, D. Pedro II não permitiu que

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se derramasse uma gota de sangue brasileiro, no impre-visto acontecimento. Preparou, rapidamente, sua retira-da com a família imperial para a Europa, obedecendo àsimposições dos revolucionários e, com lágrimas nosolhos, rejeita as elevadas somas de dinheiro que o Te-souro Nacional lhe oferece, para aceitar somente umtravesseiro de terra do Brasil, a fim de que o amor daPátria do Cruzeiro lhe santificasse a morte, no seu exí-lio de saudade e pranto.

Jesus, porém, consoante à sua promessa, lhe san-tificaría os cabelos brancos. Uma tranqüila paciênciacaracterizou o seu inenarrável martírio moral.

O grande imperador retirou-se do Brasil deixando,não um império perecível e transitório do mundo, masuma família ilimitada, que hoje atinge a soma de quasecinqüenta milhões de almas.

Visitado pelo Visconde de Ouro Preto, no mesmodia em que este chegava à capital portuguesa, o impe-rador lhe declara com serena humildade:

— Em suma, estou satisfeito...E, referindo-se à sua deposição, acrescenta:— fi a minha carta de alforria. Agora posso ir aonde

quiser.Naqueles amargurados dias, o generoso velhinho se

encontrava às vésperas do seu regresso à pátria da luz eda imortalidade.

No Brasil, iam ser continuadas as suas tradições deamor e de liberdade, pelas forças militares, que, a seuturno, as entregariam aos grandes presidentes paulistas.

Nunca a sua figura de chefe da família brasileira foiesquecida no altar das lembranças da Pátria do Evan-

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gelho, e não foi só o Brasil quem lhe reconheceu ainesquecível superioridade espiritual.

Conta-nos Múcio Teixeira, então Cônsul-Geral doBrasil em Caracas, que ao chegarem até lá as notíciasdos acontecimentos de 15 de Novembro, desenroladosno Rio de Janeiro, ao entrar no Palácio do Governo daRepública vizinha, ao qual, logo depois, solicitou o seuexequatur, o Dr. Rojas Paul, eminente político sul-americano, encaminhou-se ao seu encontro, exclaman-do:

— Senhor Cônsul-Geral do Brasil, peça a Deus quea sua pátria, que foi governada durante meio século porum sábio, não seja doravante levada pelo tacão do pri-meiro ditador que se lhe apresente.

E, abraçando-o, sensibilizado, concluiu:— Acabou-se a única República que existia na

América — o Império do Brasil.

A FEDERAÇÃO ESPIRITA BRASILEIRA

Logo após a proclamação da República, Ismael voltaa concentrar seu esforço na consolidação da sua obraterrestre. Seu primeiro cuidado foi examinar todos oselementos, procurando reafirmar, no seio dos ambientesespiritistas, a necessidade da obra evangélica, no senti-do de que ressurgisse a doutrina de tolerância e deamor, de piedade e perdão, do Crucificado. Todo umcampo de trabalho se desdobrava aos olhos de suasabnegadas falanges, aguardando o esforço dos arrotea-dores para a esperançosa semeadura. Seu coração an-gélico e misericordioso, sob a égide do Divino Mestre,

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já havia distribuído as noções evangélicas a todos osespíritos sedentos das claridades do Consolador e aDoutrina dos Espíritos, no Brasil, sob a sua influência,se tocava da luz divina da caridade e da crença, pressa-giando as mais sublimes edificações morais.

O abnegado mensageiro do Mestre, começando omovimento de organização nos primeiros dias de 1889,preparara o ambiente necessário para que todos oscompanheiros do Rio ouvissem a palavra póstuma deAllan Kardec, que, através do médium Frederico Júni-or, forneceu as suas instruções aos espiritistas da capitalbrasileira, exortando-os ao estudo, à caridade e à unifi-cação.

Bezerra de Menezes, que já militava ativamente noslabores doutrinários, recebeu a palavra do Alto com aalma fremente de júbilo e de esperança, e considerou,no campo de suas meditações e de suas preces, a neces-sidade de se reunir a família espiritista brasileira sob olábaro bendito de Ismael, a fim de que o mundo conhe-cesse o Cristianismo restaurado. Existiam, no Rio, soci-edades prestigiosas, mas cada qual com o seu programaparticular, descentralizando a ação renovadora que asinstruções do plano invisível traziam, logicamente, atodos os corações que militavam no sagrado labor dadoutrina.

A Federação Espírita Brasileira, fundada desde oAno-Bom de 1884, por Elias da Silva, Manuel Fer-nandes Figueira, Pinheiro Guedes e outros compa-nheiros do ideal espiritualista, no Rio de Janeiro, espe-rava, sob a proteção de Ismael, a época propícia paradesempenhar a sua elevada tarefa junto de todos os

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grupos do país, no sentido de federá-los, coordenando-lhes as atividades dentro das mais sadias expressões dadoutrina. Bezerra de Menezes, desde 1887, iniciara umasérie de trabalhos magistrais pelas colunas de "O Paiz",oferecendo a todos as mais belas e produtivas sementesdo Cristianismo. A palavra de Max, pseudônimo queele havia adotado, inundava de esperança e de f é ocoração dos seus leitores, iniciando-se, desse modo,uma das mais prodigiosas sementeiras do Espiritismono Brasil. Desde 1885, igualmente funcionava o GrupoIsmael, com Sayão e Bittencourt Sampaio, célula deevangelização, cujas claridades divinas tocariam todosos corações.

Em breve, os mensageiros do Senhor conseguiramagremiar a caravana dispersa. No templo de Ismael iamreunir-se, enfim, os operários da grande oficina doEvangelho: — Bezerra, Sayão, Bittencourt, Frederico,Filgueiras, Richard, Albano do Couto, Zeferino Cam-pos e outros elementos da vanguarda cristã.

O tempo, todavia, era de transição e de incertezas.A República, com as suas ideologias novas, filhas do

positivismo mais avançado, criara os mais sérios emba-raços ao desenvolvimento da doutrina. O novo CódigoPenal incluíra o Espiritismo nos seus textos e o ambi-ente era obscuro, sentindo todas as correntes espiritistasa necessidade imediata de união para a defesa comume, enquanto se balbuciavam protestos a medo, a Federa-ção, com a sua prudência e a sua serenidade, iniciou adefesa pacífica da doutrina, dirigindo uma "CartaAberta" ao Ministro da Justiça do Governo Provisório,em que esclarecia devidamente a situação. Os mensa-

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geiros invisíveis cuidaram, então, de organizar os novosplanos de unificação de todos os elementos.

Atendendo aos seus rogos reiterados, a palavra doMestre se faz ouvir, esclarecendo o seu emissário dile-to:

— Ismael — disse-lhe o Senhor — concentraremosagora todos os nossos esforços a fim de que se unifi-quem os meus discípulos encarnados, para a organiza-ção da obra impessoal e comum que iniciaste na Terra.Na pátria dos meus ensinamentos, o Espiritismo será oCristianismo revivido na sua primitiva pureza, e faz-semister coordenar todos os elementos da causa generosada Verdade e da Luz, para os triunfos do Evangelho.Procurarás, entre todas as agremiações da doutrina,aquela que possa reunir no seu seio todos os agrupa-mentos; colocarás ai a tua célula, a fim de que todas asmentalidades postas na direção dos trabalhos evangéli-cos estejam afinadas pelo diapasão da tua serenidade edo teu devo-taihento à minha seara. E como as ativida-des humanas constituem, em todos os tempos, um oce-ano de inquietudes, a caridade pura deverá ser a âncorada tua obra, ligada para sempre ao fundo dos corações,no mar imenso das instabilidades humanas. A caridadevalerá mais que todas as ciências e filosofias, no trans-curso das eras, e será com ela que conseguirás consoli-dar a tua Casa e a tua obra.

O abnegado mensageiro do Alto regressou ao traba-lho, cheio de coragem e segurança no seu grandiosoapostolado.

As energias dissolventes das trevas do mundo invi-sível lutaram contra ele e contra o Evangelho. Forças

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terríveis de separatividade pesaram sobre os seus esfor-ços no ano de 1893, quando o próprio Bezerra, incan-sável e abnegado missionário, foi obrigado a paralisaros seus escritos nas páginas de "O Paiz", depois de qua-se sete anos de doutrinação ininterrupta e brilhante,num apelo a Jesus, com as mais comovedoras lágrimasda sua crença e do seu sacrifício.

Ismael, porém, não abandonou os seus devotadoscolaboradores; reuniu os companheiros mais afins comas suas idéias generosas e reorganizou a sua obra.

As ordens e observações de Jesus foram por ele in-tegralmente cumpridas. Escolheu as reservas preciosasda Federação e assentou, dentro dela, a sua tenda detrabalho espiritual. Consolidou a Assistência aos Ne-cessitados, fundada em 1890, que radicou a sua obra nocoração da coletividade carioca, e a caridade foi e serásempre o inabalável esteio da venerável instituição quehoje se ergue na Avenida Passos. Com essas providên-cias, levadas a efeito numa das noites memoráveis dejulho de 1895, Bezerra de Menezes assumia a sua posi-ção de diretor de todos os trabalhos de Ismael no Brasil,coordenando os elementos para a evangelização e dei-xando a Federação como o porto luminoso de todas asesperanças, entre o Grupo Ismael, que constitui o seusantuário de ligação com os trabalhadores do Infinito, ea Assistência aos Necessitados, que a vincula, na Terra,a todos os corações infortunados e sofredores e repre-senta, de fato, até hoje, a sua âncora de conservação nomesmo programa evangélico, no seio das ideologiasnovas e das perigosas ilusões do campo social e políti-co.

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Bezerra desprendeu-se do orbe, tendo consolidado asua missão para que a obra de Ismael pudesse ser li-vremente cultivada no século XX. E essa obra prosse-gue sempre. Podem as inquietações da Terra separar,muitas vezes, os trabalhadores humanos no seu terrenode ação; mas, a sociedade benemérita, onde se ergue aflámula luminosa — "Deus, Cristo e Caridade" — per-manece no seu porto de paz e de esclarecimento. A suaorganização federativa é o programa ideal da doutrinano Brasil, quando chegar a ser integralmente compre-endido por todas as agremiações de estudos evangéli-cos, no país.

A realidade é que, considerada às vezes como exces-sivamente conservadora, pela inquietação do século, arespeitável e antiga instituição é, até hoje, a depositáriae diretora de todas as atividades evangélicas da Pátriado Cruzeiro. Todos os grupos doutrinários, ainda os quese lhe conservam infensos, ou indiferentes, estão liga-dos a ela por laços indissolúveis no mundo espiritual.Todos os espiritistas do país se lhe reúnem pelas maissacrossantas afinidades sentimentais na obra comum, eos seus ascendentes têm ligações no plano invisívelcom as mais obscuras tendas de caridade, onde entida-des humildes, de antigos africanos, procuram fazer obem aos seus semelhantes.

As forças das sombras alimentam, muitas vezes, opersonalismo e a vaidade dos homens, mesmo daquelesque se encontram reunidos nas tarefas mais sagradas;mas, a direção suprema do trabalho do Evangelho seprocessa no Alto e a Federação Espírita Brasileira,dentro da sua organização baseada nos ensinamentos do

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Mestre, está sempre segura do seu labor junto das almase dos corações, cultivando os mais belos frutos de espi-ritualidade na seara de Jesus, consciente da sua respon-sabilidade e da sua elevada missão.

O ESPIRITISMO NO BRASIL

Consolidadas as primeiras construções basilares deIsmael na Pátria do Cruzeiro, o Espiritismo derramouseus frutos sazonados e doces no coração da coletivida-de brasileira.

Em seu seio, nas grandes sociedades e nos lugarejosobscuros, a doutrina consoladora apresentou sempre asmais belas expressões de caridade e de fraternidade.

Jesus, com as suas mãos meigas e misericordiosas,fez reviver no país abençoado dos seus ensinamentos ascuras maravilhosas dos tempos apostólicos.

Abnegados médiuns curadores, desde os primordiosda organização da obra de Ismael ñas térras do Brasil,espalharam, como instrumentos da verdade, as maisfartas colheitas de bênçãos do céu, iluminando todos oscorações. Curando os enfermos, os novos discípulos doSenhor restabeleciam o espírito geral para a grandetarefa; vestindo os andrajosos, tocavam as almas deuma nova roupagem de esperança.

Enquanto na Europa a idéia espiritualista era so-mente objeto de observações e pesquisas nos labo-ratórios, ou de grandes discussões estéreis no terreno dafilosofia, não obstante os primores morais da codifica-ção kardeciana, o Espiritismo penetrava o Brasil comtodas as suas características de Cristianismo redivivo,

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levantando as almas para uma nova alvorada de fé. Aí,todas as suas instituições se alicerçavam no amor e nacaridade. As próprias agremiações científicas que, devez em quando, aparecem para cultivá-lo, na sua rotu-lagem de metapsí-quica, são absorvidas no programacristão, sob a orientação invisível e indireta dos emissá-rios do Senhor. Todas as possibilidades e energias sãopor Ismael aproveitadas para o bem comum e para atarefa de todos os trabalhadores, e é por isso que todosos grupos sinceros do Espiritismo, no país, têm as suaságuas fluidificadas, a terapêutica do magnetismo espi-ritual, os elementos da homeopatía, a cura das obses-sões, os auxílios gratuitos no serviço de assistência aosnecessitados, dentro do mais alto espírito evangélico,dando-se de graça aquilo que se recebeu como esmolado céu. Não é raro vermos caboclos, que engrolam agramática nas suas confortadoras doutrinações, mas queconhecem o segredo místico de consolar as almas, ali-viando os aflitos e os infelizes, ou, então, médiuns damais obscura condição social, e nas mais humildes pro-fissões, a se constituírem instrumentos admiráveis nasmãos piedosas dos mensageiros do Senhor.

A Europa recebeu a Nova Revelação sem conseguiraclimá-la no seu coração atormentado pelas necessida-des mais duras. As próprias sessões me-diúnicas são aligeralmente remuneradas, como se esses fenômenos seprocessassem tão-somente pelas disposições estipuladasnum contrato de representações, enquanto que, no Bra-sil, todos os espiritistas sinceros repelem o comércioamoedado, nas suas sagradas relações com o plano in-visível, conservando as intenções mais puras no hostiá-

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rio da sua fé.A obra de Ismael prossegue em sua marcha através

de todos os centros de estudo e de cultura do país. To-davia, temos de considerar que um trabalho dessa natu-reza, pelo seu caráter grandioso e sublime, não poderiadesenvolver-se sem os ataques inconscientes das forçasreacionárias do próprio mundo invisível, e, como a Ter-ra não é um paraíso e nem os homens são anjos, as en-tidades perturbadoras se aproveitam dos elementosmais acessíveis da natureza humana, para fomentar adiscórdia, o demasiado individualismo, a vaidade e aambição, desunindo as fileiras que, acima de tudo, de-veriam manter-se coesas para a grande tarefa da educa-ção dos espíritos, dentro do amor e da humildade. Aessas forças, que tentam a dissolução dos melhores es-forços de Ismael e de suas valorosas falanges do Infi-nito, deve-se o fenômeno das excessivas edificaçõesparticularistas do Espiritismo no Brasil, particularismosque descentralizam o grande labor da evangelização.Mas, examinando semelhante anomalia, somos for-çados a reconhecer que Ismael vence sempre. Cons-truídas essas obras, que se levantam com pronunciadosabor pessoal, o grande mensageiro do Divino Mestreas assinala imediatamente com o selo divino da carida-de, que, de fato, é o estandarte maravilhoso a reunirtodos os ambientes do Espiritismo no país, até que to-das as forças da doutrina, pela experiência própria epela educação, possam constituir uma frente única deespiritualidade, acima de todas as controvérsias.

É para essa grande obra de unificação que todos osemissários cooperam no plano espiritual, objetivando a

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vitória de Ismael nos corações. E os discípulos encar-nados bem poderiam atenuar o vigor das dissensõesesterilizadoras, para se unirem na tarefa impessoal ecomum, apressando a marcha redentora. Nas suas filei-ras respeitáveis, só a desunião é o grande inimigo, por-que, com referência ao Catolicismo, os padres romanos,com exceção dos padres cristãos, se conservam ondesempre estiveram, isto é, no banquete dos poderes tem-porais, incensando os príncipes do mundo e tentandoinutilizar a verdadeira obra cristã. Os espiritistas bemsabem que se eles constituem sérios empecilhos à mar-cha da luz, todos os obstáculos serão, um dia, removi-dos para sempre, do caminho ascensional do progresso.Além disso, temos de considerar que a Igreja Católicase desviou da sua obra de salvação, por um determinis-mo histórico que a compeliu a colaborar com a políticado mundo, em cujas teias perigosas a sua instituiçãoficou encarcerada e que, examinada a situação, não épossível desmontar-se a sua máquina de um dia paraoutro. Sabemos, porém, que a sua fase de renovaçãonão está muito distante. Nas suas catedrais confortáveise solitárias e nos seus conventos sombrios, novos inspi-rados da Umbría virão fundar os refúgios amenos dapiedade cristã.

Depreende-se, portanto, que a principal questão doespiritualismo é proclamar a necessidade da renovaçãointerior, educando-se o pensamento do homem noEvangelho, para que o lar possa refletir os seus subli-mados preceitos. Dentro dessa ação pacífica de educa-ção das criaturas, aliada à prática genuína do bem, re-pousam as bases da obra de Ismael, cujo objetivo não é

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a reforma inopinada das instituições, impondo abalos àNatureza, que não dá saltos; é, sim, a regeneração e olevantamento moral dos homens, a fim de que essasmesmas instituições sejam espontaneamente renovadaspara o progresso comum.

A tarefa é vagarosa, mas, de outra forma, seria adestruição e o esforço insensato. A obra da revoluçãoespiritual, no Evangelho de Jesus, não se compadececom as agitações do século. Os que desejarem impor,no seu compreensível entusiasmo de crentes, os pre-ceitos do Mestre às instituições estritamente humanas,talvez ainda não tenham ponderado que a obra cristãespera, há dois milênios, a compreensão do mundo.Todos os que lutaram por ela de armas na mão e quan-tos pretenderam utilizar-se dos processos da força paraa imposição dos seus ensinamentos, no transcurso dosséculos, tarde reconheceram a sua ilusão, redundandoseus esforços no mais franco desvirtuamento das liçõesdo Salvador, porque essas lições têm de começar nocoração, para conseguirem melhorar e regenerar o pla-neta.

É dentro dessa serenidade, sob a luz da humildade edo amor, que os espiritistas do Brasil devem reunir-se,a caminho da vitória plena de Ismael em todos os cora-ções. Está claro que a doutrina não poderá imitar asdisciplinas e os compromissos rijos da instituição ro-mana, porque, nas suas características liberais, o pen-samento livre, para o estudo e para o exame, deve reali-zar uma das suas melhores conquistas e nem é possíveldispensar, totalmente, â discussão no labor de aclara-mento geral. A liberdade não exclui a fraternidade e a

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fraternidade sincera é o primeiro passo para a edifica-ção comum.

Dentro, pois, do Brasil, a grande obra de Ismael tema sua função relevante no organismo social da Pátria doCruzeiro, vivificando a seara da educação espiritual. Enão tenhamos dúvida. Superior às funções dos transitó-rios organismos políticos, é essa obra abençoada, deeducação genuinamente cristã, o ascendente da naçãodo Evangelho e o elemento que preparará o seu povopara os tempos do porvir.

Com a República, atingiu o Brasil a sua maio-ridadecoletiva e as'falanges do Infinito, naturalmente, con-centraram as suas possibilidades e esforços no desen-volvimento da obra de Ismael no país do Cruzeiro.

Seus maiores eventos puramente políticos não deixa-ram, no entanto, de ser acompanhados pelos mensagei-ros do Bem, objetivando a tranqüilidade comum e aevolução geral.

Todavia, com o grande feito de 15 de Novembro de1889, terminamos este escorço, à guisa de história.

Outros, por certo, consultando as razões dos fatosrelacionados no tempo, poderão apresentar trabalhomais pormenorizado e melhor, no domínio dos estudostranscendentes do psicólogo e do historiador, onde seemaranham as causas profundas dos menores aconte-cimentos, englobando as atividades de quantos, aindaencarnados, se encontram em evidência no país e sãosuscetíveis de apresentar, de futuro, mais amplos escla-recimentos.

Nosso objetivo, trazendo alguns apontamentos àhistória espiritual do Brasil, foi tão-somente encarecer a

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excelência da sua missão no planeta, demonstrando,simultaneamente, que cada nação, como cada indiví-duo, tem sua tarefa a desempenhar no concerto dos po-vos. Todas elas têm seus ascendentes no mundo invisí-vel, de onde recebem a seiva espiritual necessária à suaformação e conservação. E um dos fins principais donosso escorço foi examinar, aos olhos de todos, a ne-cessidade da educação pessoal e coletiva, no desdobra-mento de todos os trabalhos do país. Porque, a realida-de é que o Brasil, na sua situação especialíssima e como seu patrimônio imenso de riquezas, não poderá insu-lar-se do resto do mundo ou acastelar-se na sua posiçãode Pátria do Evangelho, embora a época seja de autar-quias detestáveis, neste período de decadência e transi-ção de todos os sistemas sociais.

O maior problema é o da educação nacional, paraque os filhos das outras terras, necessários e indispen-sáveis ao progresso econômico da nação, não se sintamdispostos a reviver, no Brasil, as taras de suas antigasorganizações e sim, absorvidos no círculo espiritual dopaís do Evangelho, possam integrar as suas fileiras defraternidade e evolução.

Apesar da recente filosofia do "bastar-se a si mes-mo", nenhum país do mundo pode viver independenteda comunidade internacional. Toda a grandeza materialde um povo repousa na regularidade dos fenômenos datroca e todas as guerras, quase sempre, têm origem nadesarmonia do comércio entre as nações. No Brasil, achamada contribuição estrangeira é indispensável; e oúnico recurso, contra a incursão do elemento nocivo ouameaçador da estabilidade das instituições brasileiras, é

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a educação ampla do povo, em cujos labores sagradosdeveriam viver todos os programas do bom nacionalis-mo.

Se muitas escolas existem no Sul, onde somente seensina o idioma alemão, em muitos casos é porque osprofessores do Brasil não se decidiram a enfrentar assurpresas da região, a fim de zelarem pelo patrimôniointelectual dos novos operários da pátria. Se algumasdezenas de agrônomos vieram diretamente de Tóquiopara os riquíssimos vales do Amazonas, é que os agrô-nomos brasileiros não se animaram a trabalhar no ser-tão hostil, receosos do sacrifício. Entretanto, não falta-riam espíritos abnegados e corajosos, no seio do povofraterno que floresce no coração geográfico do mundo,ansiosos por participarem da grande obra construtiva deorganização cultural e econômica da terra em que sedesenvolvem numa grande tarefa de amor, se os ambi-entes universitários, com as suas habilitações oficiais,não estivessem abertos somente à aristocracia do ouro.A palavra de um mestre custa uma fortuna, apenas sus-cetível de ser remunerada pelas famílias mais abastadase mais favorecidas, e nem sempre nesses ambientesconfortáveis se encontram as almas apaixonadas pelaluta em prol do progresso comum.

Nesta época de confusão e amargura, quando, comas mais justas razões, se tem, por toda parte, a tristeorganização do homem econômico da filosofia marxis-ta, que vem destruir todo o patrimônio de tradições dosque lutaram e sofreram no pretérito da humanidade, asmedidas de repressão e de segurança devem ser toma-das a bem das coletividades e das instituições, a fim de

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que uma onda inconsciente de destruição e morticínionão elimine o altar de esperanças da pátria. Que o ca-pitalismo, visando à própria tranqüilidade coletiva, sejachamado pelas administrações ao debate, a incentivarcom os seus largos recursos a campanha do livro, dosaneamento e do trabalho, em favor da concórdia uni-versal.

Não nos deteremos a falar, depois da República, dequantos se encontram ainda no cenáculo das atividadese dos feitos do país, porquanto semelhante ação de nos-sa parte constituiria uma intervenção indébita nas inici-ativas e empreendimentos dos "vivos". Jesus, que é asuprema personificação de toda a misericórdia e de todaa justiça, auxiliará a cada qual, no desdobramento dosseus esforços para glória da nacionalidade.

O Brasil está cheio de ideologias novas, refletindo apaisagem do século; cabe aos bons operários do Evan-gelho concentrar suas atividades no esclarecimento dasalmas e na educação dos espíritos.

Todas as fórmulas humanas, dentro das concepçõesque exprimam, por mais alevantadas que se afigurem,são perecíveis e transitórias. A política sofrerá, no cursodos séculos, as alternativas do direito da força e da for-ça do direito, até que o planeta possa atingir relativaperfeição social, com a cultura generalizada. A Ciência,como a Filosofia e as escolas sectárias, viverá entredúvidas e vacilações, assentando seus feitos na areiainstável das convenções humanas. Só o legítimo idealcristão, reconhecendo que o reino de Deus ainda não édeste mundo, poderá, com a sua esperança e o seuexemplo, espiritualizar o ser humano, espalhando com

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os seus labores e sacrifícios as sementes produtivas naconstrução da sociedade do futuro.

Conhecedores dessa grande verdade, supliquemos aJesus se digne derramar do orvalho de seu amor sobreos vermes da Terra.

Que as falanges de Ismael possam, aliadas a quantosse desvelam pela sua obra divina, reunir o materialdisperso e que a Pátria do Evangelho mais ascenda eavulte no concerto dos povos, irradiando a paz e a fra-ternidade que alicerçam, indestrutivel-mente, todas astradições e todas as glorias do Brasil.

=========== XX =============

Duílio Lena Bérni BRASIL, MAIS ALÉMO propósito do autor "é passar em revista alguns dos

fatos marcantes de nossa nacionalidade, não com finspuramente especulativos (...)", mas objetivando, "sim,preponderantemente, pôr em evidência a abençoadamissão evangelizadora do Brasil".

Baseando-se sobretudo em obras mediúnicas como"A Caminho da Luz", de Emmanuel, e "Brasil, Coraçãodo Mundo, Pátria do Evangelho", de Humberto deCampos, Duílio Lena Bérni mostra a ligação da Histó-ria de nossa Pátria à de Portugal. Procura o autor evi-denciar aquela missão do Brasil, no progresso moral detodas as raças, exóticas e autóctones, brancas, negras eamarelas, com vistas à sua regeneração. E essa missãoele a considera desde sua mais remota preparação, naEspiritualidade, e, depois, já na Terra, quando em Por-tugal o Infante D. Henrique, na Escola de Sagres, con-

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duz à descoberta dos roteiros marítimos necessários aque surgisse o Brasil no cenário do mundo então co-nhecido e tomasse o seu lugar no concerto das naçõesdo Planeta.

É admirável o livro, de leitura absorvente e edifi-cante, como as próprias obras em que se baseia, dasquais faz freqüentes e extensas transcrições, procurandoressaltar o grande papel do Espiritismo na elucidaçãode muitas questões históricas que, sem a contribuiçãodas obras mediúnicas, permaneceriam obscuras e inex-pressivas.