fotografia digital e manipulação

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Título: Fotografia digital e manipulação A contribuição de Walter Benjamin para a era da reprodutibilidade de verossimilhanças Autor: Gabriel Collares Barbosa* Doutor em Comunicação e Cultura e professor adjunto I da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Endereço para correspondência e telefone: Rua República do Peru, 310/704 – Copacabana – Rio de Janeiro. Cep: 22021-040. Telefone: (21) 22566498. E- mail: [email protected] Resumo Temático O “sistema digital” na manipulação de verossimilhança(s) pela indústria cultural e os desafios a serem enfrentados como a perda da memória, a (re)produtibilidade de acontecimentos como mero valor de troca (e não como valor de uso) e os infindáveis recursos digitais que afastam o produtor do objeto numa espécie de alienação/censura por mecanismo de catarse. Breve digressão que visa mostrar o uso desse dispositivo, a fotografia analógica e digital, e seus diversos empregos. A ação da imprensa em transmitir certa(s) realidade(s), a cobertura da mídia a um determinado evento — e a percepção desta presença pelos atores sociais — interferindo no

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Walter Benjamin destaca que ainda nos primeiros anos da inveno do Daguerretipo j se vislumbrava a possibilidade de utiliza

Ttulo: Fotografia digital e manipulao

A contribuio de Walter Benjamin para a era da reprodutibilidade de verossimilhanas

Autor: Gabriel Collares Barbosa*

Doutor em Comunicao e Cultura e professor adjunto I da Escola de Comunicao da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Endereo para correspondncia e telefone: Rua Repblica do Peru, 310/704 Copacabana Rio de Janeiro. Cep: 22021-040. Telefone: (21) 22566498. E-mail: [email protected] Temtico

O sistema digital na manipulao de verossimilhana(s) pela indstria cultural e os desafios a serem enfrentados como a perda da memria, a (re)produtibilidade de acontecimentos como mero valor de troca (e no como valor de uso) e os infindveis recursos digitais que afastam o produtor do objeto numa espcie de alienao/censura por mecanismo de catarse.

Breve digresso que visa mostrar o uso desse dispositivo, a fotografia analgica e digital, e seus diversos empregos.

A ao da imprensa em transmitir certa(s) realidade(s), a cobertura da mdia a um determinado evento e a percepo desta presena pelos atores sociais interferindo no ambiente e, portanto, modificando o prprio evento, que passa a ser encenado em funo de sua veiculao.

Palavras-chave

Indstria cultural; Escola de Frankfurt; Manipulao; Jornalismo e Histria do Cotidiano; Fotografia Digital.

Fotografia digital e manipulao

A contribuio de Walter Benjamin para a era da reprodutibilidade de verossimilhanas

Walter Benjamin destacou que logo nos primeiros anos da inveno do Daguerretipo j se vislumbrava a possibilidade de utilizar a tcnica fotogrfica com fins lucrativos. Destarte h fenmenos que hodiernamente se impem avassaladores e merecem anlise que v alm daquela que estuda as tcnicas empregadas pelos publicitrios na vulgarizao dos daguerretipos da contemporaneidade: o sistema digital na manipulao de verossimilhana(s) pela indstria cultural e os desafios a serem enfrentados como a perda da memria, a (re)produtibilidade de acontecimentos como mero valor de troca (e no como valor de uso) e os infindveis recursos digitais que afastam o produtor do objeto numa espcie de alienao por mecanismo de telerrealidade.

O legado de Benjamin sugere ainda que devemos ir alm do maniquesmo que est a aprisionar o debate num incuo binmio: a arte como fotografia ou a fotografia como arte que cisma em nortear os trabalhos acadmicos. Enquanto uns advertem sobre o sacrilgio em querer fixar efmeras imagens de espelho como Deus outros decretam a superao da pintura realista pela fotografia:

(...) o Leipziger Anzeiger, um jornal chauvinista, para combater a inveno diablica de alm Reno sentenciava que o homem foi feito semelhana de Deus, e a imagem de Deus no pode ser fixada por nenhum mecanismo humano. No mximo o prprio artista divino, movido por uma inspirao celeste, poderia atrever-se a reproduzir esses traos ao mesmo tempo divinos e humanos, num momento de suprema solenidade, obedecendo s diretrizes superiores de seu gnio, e sem qualquer artifcio mecnico (1)

A fotografia est substituindo a pintura. As possibilidades criadoras (...) atravs de velhas formas, velhos instrumentos, no fundo j foram liquidados com o aparecimento do novo (2)

Rotular a essncia da imagem fotogrfica faz-se empreitada deletria uma vez que o enquadramento conceitual parece muito mais lembrar Ssifo do que indicar o verdadeiro alcance deste meio-mensagem. Como deixamos assente, h muito mais que se ver na hibridizao do que na fixao do corpus do objeto de estudo nos plos, aparentemente antagnicos, do binmio arte-fotografia.

Ademais, como poderamos ento qualificar os trabalhos de Sebastio Salgado? Fotografia engajada? Obras de arte monocromtica? Fotojornalismo quando trabalhou para as agncias Sygma ou Magnum? Como situar a clebre mostra xodos e a captura (ou seria reflexo?) por suas lentes das novas tecnologias na transformao dos meios de produo?

Para se entender a contento a tese proposta neste artigo, cabe uma breve digresso que visa mostrar o uso desse dispositivo e seus diversos empregos. Em meados do sculo XIX os retratistas passaram a utilizar a fotografia como mediadora entre o olhar do pintor e a natureza. Assim, em vez de uma observao in loco de determinada paisagem para o seu registro pictrico, optou-se pela pintura a partir de cartes postais:

Utrillo produziu suas vistas fascinantes de casas nos arredores de Paris no a partir da natureza, mas por meio de postais. David Octavius Hill, famoso retratista, comps seu afresco sobre o primeiro snodo geral da igreja escocesa, em 1843, a partir de uma srie de fotografias (3)

Salutar, portanto, estudar a fotografia como instrumento de mediao primria, isto , aquela que se interpe entre o homem e a natureza, e que labuta como alicerce incipiente de Telerrealidade, ou seja, da construo da viso de mundo a partir de lentes que esto a servio das corporaes miditicas.

Se o que causou espanto na sociedade europia h quase dois sculos foi a impressionante capacidade daquele dispositivo de capturar fragmentos do cotidiano, hoje motivo de apreenso o poder de atestar credibilidade que as imagens adquiriram.

(...) um aparelho que podia rapidamente gerar uma imagem do mundo visvel, com um aspecto to vivo e to verdico como a prpria natureza. (...) As pessoas no ousavam a princpio olhar por muito tempo as imagens por ele produzidas. A nitidez das fisionomias assustava, e tinha-se a impresso de que os pequenos rostos humanos que apareciam na imagem eram capazes de ver-nos, to surpreendente era para todos a nitidez inslita dos primeiros daguerretipos (4)

Expliquemos melhor: tornaram-se as imagens capazes de corroborar o real. como se no houvesse mais a distino entre o que visvel-capturado e o que real. A mxima que indicava a incredulidade do apstolo Tom, para quem era preciso ver para crer, adquiriu tal dimenso com as novas tecnologias que acabou por ter seu sentido deturpado. Assim, para o senso comum recebe alto grau de confiabilidade tudo aquilo que se possa ver.

como se no quisssemos lembrar dos efeitos de trucagem nos filmes de George Mlis, da envolvente e clere encenao de Houdin atravs da arte ilusria, na farsa da propaganda ideolgica nazista dos Ufa-Wachenschau ou ainda no conluio das mdias americana e inglesa para silenciar sobre a falta de evidncias que justificassem a interveno militar no Iraque em 2003.

O terceiro setor precisa fixar limites para a atuao dos meios de comunicao de massa a fim de que marcos reguladores sejam definidos assim como necessrio promover auditorias nas propagandas estatais. No se trata de censura prvia tampouco liberdade vigiada. O que se pretende, face s novas tecnologias, dotar a sociedade de recursos, sobretudo jurdicos, que impeam a perpetrao de insidiosas tcnicas de persuaso da opinio pblica. Alm de a legislao nacional no ter acompanhado a incorporao desses meios tecnolgicos pela mdia, a tentativa de se estabelecer determinado pensamento hegemnico sempre existiu. Assim, nosso alerta que essas novas tecnologias podero atuar de maneira escamoteada, isto , valendo-se de recursos onde a manipulao da realidade exercida subliminarmente.

Deste modo, estamos a propor a questo em um patamar que vai alm do consumismo. At porque no deixa de ser um disfarce sutil sugerir aos crticos de mdia que voltem seu olhar para o manifesto fenmeno da massificao das cmaras fotogrficas digitais e o relegar das analgicas ao passado. Urge, portanto, propor um olhar enviesado que contemple, sobretudo, a indstria cultural cujo intento no apenas vender e, sim, controlar-nos atravs desse panptico contemporneo.

Por conseguinte, urge destacar que parte do que divulgado, inclusive as imagens mais rotineiras, deve ser visto como resultado das interferncias ideolgicas dos emissores que detm o monoplio da fala.

Os meios de comunicao, portanto, atuam como aparelho a garantir hegemonia de grupos atravs do uso de tcnicas que englobam tanto a persuaso atravs de linguagem especfica como dispositivos eletro-eletrnicos que possibilitem atingir vasta audincia. Alguns autores tm trabalhado no sentido de mostrarem como as interpretaes dos acontecimentos pela mdia podem alterar as interpretaes da realidade pelo pblico. Logo, se as instituies que ajudavam na construo de significado de mundo foram substitudas pela indstria noticiosa assentada em bases capitalistas, h de se convir que os meios de comunicao de massa funcionam como dispositivos ideolgicos.

Os media transformam em atos aquilo que no teria sido seno palavra no ar, do ao discurso, declarao, conferncia de imprensa a solene eficcia do gesto irreversvel. (5)

O moderno fenmeno da cultura de massa s se tornou possvel com o desenvolvimento do sistema de comunicao por dispositivos tecnolgicos, ou seja, com o progresso e a multiplicao assombrosa dos veculos de massa mdia impressa e audiovisual. Isto acaba nos remetendo, invariavelmente, para o tema da construo da realidade pelos meios de comunicao. A utilizao da mdia como aparelho ideolgico de Estado pde ser constatado no episdio da recruta norte-americana que se tornou um cone da Guerra no Iraque. Alm da construo de uma celebridade calcada em uma pretensa coragem, seu resgate pelas foras especiais americanas foi revelada como retumbante fraude. A tradio contempornea ocidental delegava ao historiador a legitimao do acontecimento. O historiador Pierre Nora afirma que cabe agora mdia este papel onde somente por intermdio dela que o fato se concretiza:

Acontecimentos capitais podem ter lugar sem que se fale deles. O fato de terem acontecido no os torna histricos. Para que haja acontecimento necessrio que seja conhecido (6)

A teoria construcionista trabalha nesta linha. Segundo ela, a condio de existncia dos acontecimentos a sua construo na mdia, ou melhor, s reconhecido como existente aquilo que construdo como realidade pelas empresas miditicas. Em contrapartida, queda privado de existir tudo o que relegado a ficar de fora da agenda setting, ou seja, da pauta de cobertura. Isso curioso porque, desta forma, os acontecimentos perdem sua autonomia e passam a ser regulados em funo da imprensa.

Nas sociedades de consumo, o sistema tende a alimentar a chamada fome de acontecimentos. Pierre Nora coloca que (...) prprio do acontecimento moderno encontrar-se numa cena imediatamente pblica, em no estar jamais sem reprter-espectador nem espectador-reprter (7). Temos diante de ns um mecanismo que se retroalimenta. Se tpica da sociedade de consumo a fome de acontecimento, a Imprensa vai justamente oferecer ao receptor aquilo que ela julgou ser digno de configurar-se como histria.

Pode-se argumentar, portanto, que as empresas jornalsticas apresentam um discurso no s pretensioso como tambm dissuasrio onde as notcias por elas veiculadas representam a inteira realidade fenomnica dos fatos. Mister esclarecer que os acontecimentos vistos pela mdia como noticiveis se submetem a regras de produo que visam a atender aos ditames do mercado por vezes do pblico em se tratando de meios de comunicao com outro intento e as idiossincrasias daqueles que detm os meios de produo.

Contudo, um parntese se faz oportuno no sentido de alertar que nosso objetivo no restringir o acesso s novas tecnologias como recurso para minimizar a manipulao. Isto seria to ingnuo como foram os proto-sindicalistas que puseram em prtica os ensinamentos de Ludt. Ou ainda isto se configuraria como vil poltica demaggica tal qual o Blut und Boden nazista. A responsabilidade pelo uso das ferramentas miditicas deve recair exatamente sobre quem detm esses meios de produo, desde que se configure haver desvio na conduta. Porm, sabido que, devido a transitoriedade das novas tecnologias, no haver interdito capaz de responder simultaneamente ao processo de obsolescncia que se dar por conseguinte. No estamos a apontar a anomia como situao inexorvel do progresso. Qui to relevante quanto dotar a sociedade de um arcabouo jurdico que a resguarde, est no despertar do senso crtico e no estabelecimento de uma poltica educacional que restabelea a cultura humanstica, no conceito de Erich Fromm, como prioridade.

Ao contrrio dos "Estudos de recepo", as anlises dos filsofos da Escola de Frankfurt esto ancoradas na idia de que os produtos da Indstria Cultural tm a indelvel capacidade de manipular a audincia. Uma das conseqncias mais danosas do processo industrial da cultura contribuir para a perda da autonomia do indivduo, j que expropria dele a iniciativa de articulao crtica das impresses que recebe:

"Estorvado pela contrafao de um sentido coerente que a indstria cultural teima em acrescentar a seus produtos e de que ela, ao mesmo tempo, abusa espertamente como um mero pretexto para a apario dos astros. Biografias e outras fbulas remendam os retalhos do absurdo de modo a constituir um enredo cretino. No so os guizos da carapua do bufo que se pem a tilintar, mas o molho de chaves da razo capitalista (...)" (8)

Os frankfurtianos temiam um futuro onde o controle social fosse to eficaz que os membros da sociedade viveriam como escravos felizes, contentes com suas cadeias, beijando os grilhes que os aprisionam, na expresso de Marcuse.

Mas voltando ao tema sobre a ao da imprensa em transmitir certa(s) realidade(s), a cobertura da mdia a um determinado evento e a percepo desta presena pelos atores sociais interfere no ambiente e, portanto, modifica o prprio evento, que passa a ser encenado em funo de sua veiculao. Como exemplo podemos citar o jogo a que se sujeitavam todos aqueles que posavam para fotografias. Walter Benjamin destaca:

O prprio procedimento tcnico levava o modelo a viver no ao sabor do instante, mas dentro dele; durante a longa durao da pose, eles por assim dizer cresciam dentro da imagem, diferentemente do instantneo (...). Tudo nas primeiras imagens era organizado para durar; (...) os grupos incomparveis formados quando as pessoas se reuniam, e cujo desaparecimento talvez seja um dos sintomas mais precisos do que ocorreu na sociedade a partir da segunda metade do sculo (9)Ali, a performance descolava o instante capturado do Real, onde a fragmentao, ou melhor, o recorte daquela imagem comprometia o trao de verossimilhana com a realidade. Ao solicitar aos modelos que olhassem para o dispositivo e, sobretudo, congelassem seus movimentos nos conduz a uma tentativa de re(a)presentao do cotidiano. Nada se sabe dos retratados, do contexto em que viviam ou ainda do propsito daquela encenao. Ainda que as cmeras da poca tivessem os recursos das atuais como, por exemplo, lentes que permitem capturar parte do extracampo, mesmo assim no poderamos deixar de apreender com parcimnia a cena.

Ser que o registro fotogrfico performtico pode ento ser instrumento confivel para se documentar determinada poca? Acreditamos que no. Contudo, poderia ser de bom alvitre sugerir os flagrantes obtidos por fotgrafos profissionais e amadores em oposio s encenaes performticas como registro histrico imparcial. Nestes termos, poderamos acabar agindo de maneira aodada ao aceitar aquela argumentao a priori satisfatria. Contudo, o debate enseja ainda outros desdobramentos a fim de questionarmos tambm os flagrantes do fotojornalismo como retratos fidedignos dos eventos histricos. Primeiramente, havemos de mencionar os paparazzis. Esses, em particular, a quem o professor e pesquisador Carlos Alberto di Franco chama de pragmticos profissionais do subjornalismo, so agentes de um tipo especfico de imprensa. Como violar a vida privada pauta recorrente dos paparazzis, as fotografias obtidas por eles acabam inscritas em outra retrica: a do sensacional, do espetculo miditico. Entretanto, restar-nos-ia ainda argir sobre os flagrantes conseguidos por fotojornalistas da grande imprensa, cujas imagens tm de fato servido como referncia material da histria. Cabe, outrossim, contra-argumentar. Embora vlidas, essas imagens ainda necessitam de texto-legenda, contextualizao, determinada disposio grfica o que, portanto, s no vai caracterizar um tipo especfico de manipulao como tambm persiste a evidncia de, aquelas fotografias, serem um recorte de um dado acontecimento com tempo, lugar e agentes sociais especficos.

Essa discusso sobre as imagens obtidas atravs de dispositivos digitais ganha novos contornos quando agregamos ainda outro elemento: hodiernamente o ter sobrepujou o ser de tal forma que o instrumento de aferio dos homens elege a posse e a ostentao de bens materiais como escopo. Logo, regidos pelo slogan bom possuir, todos somos intimados a disparar nossas mquinas levados ainda que por um inconsciente desejo de apropriao um flagrante, um momento que se procura eternizar atravs da revelao da cena em papel.

Mas fazer as coisas se aproximarem de ns, ou antes, das massas, uma tendncia to apaixonada do homem contemporneo quanto a superao do carter nico das coisas, em casa situao, atravs da sua reproduo. Cada dia fica mais irresistvel a necessidade de possuir o objeto de to perto quanto possvel, na imagem, ou melhor, na sua reproduo. E cada dia fica mais ntida a diferena entre a reproduo, como ela nos oferecida pelos jornais ilustrados e pelas atualidades cinematogrficas, e a imagem. Nesta, a unicidade e a durabilidade se associam to intimamente como, na reproduo, a transitoriedade e a reprodutibilidade (10)E a repetio mecnica deste gesto nos conduz ao armazenamento de uma centena de imagens capturadas. Contudo, apresenta-se o paradoxo da quantidade de informao disponvel (ainda que acessvel apenas a ns mesmos) e o aproveitamento que se far dela. Embora potencialmente encerre a possibilidade de servir como parte do registro de nossas memrias, o destino dessas imagens ser o desterro eterno em algum ponto do hard disk do desktop domstico. preciso promover um debate a fim de que se perceba que o frenesi em capturar imagens de forma sucessiva acaba por levar ao detrimento do sentido e at mesmo da memria como fonte para o conhecimento:

Nela se desmascara a atitude de uma fotografia capaz de realizar infinitas montagens com uma luta de conservas, mas incapaz de compreender um nico dos contextos humanos em que ela aparece. Essa fotografia est mais a servio do valor de venda de suas criaes, por mais onricas que sejam, que a servio do conhecimento. Mas, se a verdadeira face dessa criatividade fotogrfica o reclame ou a associao, sua contrapartida legtima o desmascaramento ou a construo. Com efeito, diz Brecht, a situao se complica pelo fato de que menos que nunca a simples reproduo da realidade consegue dizer algo sobre a realidade. (11)Se ao menos na era da revelao as pessoas tinham registradas em papel fotogrfico aquelas imagens, hoje so raras as que gastam suas economias a fim de registrar as cenas flagradas por suas cmeras digitais no velho suporte de papel. A fim de fugir da pecha de dmod, os indivduos compraram a idia de que o grande negcio pressionar o boto que dispara o mecanismo de captura com sofreguido. Tm-se cada vez mais fotos. Registre-se tambm que as poucas fotos escolhidas que sero reveladas em papel fotogrfico e dispostas em algum lbum passaram antes pelo crivo da performance, isto , preferencialmente as que atenderem aos ditames do que foi esteticamente estabelecido como belo que sero preservadas.

Uma situao pitoresca freqentemente ocorre quando um indivduo levado a conhecer pessoalmente uma imagem caracterstica de uma cidade, como o porto de Brandemburg, em Berlim, o Kremlin e a Praa Vermelha na antiga URSS ou ainda o Taj Mahal, na ndia. O comentrio quase sempre o mesmo: engraado, mas essas paisagens pareciam mais belas nas fotografias!. Ora, a reproduo atingiu um nvel tal que as coisas apresentadas sob o signo do telerreal nos parecem irremediavelmente mais reais. como disse Benjamin:

Cada um de ns pode observar que uma imagem, uma escultura e principalmente um edifcio so mais facilmente visveis na fotografia que na realidade. A tentao grande de atribuir a responsabilidade por esse fenmeno decadncia do gosto artstico ou ao fracasso dos nossos contemporneos. Porm somos forados a reconhecer que a concepo das grandes obras se modificou simultaneamente com o aperfeioamento das tcnicas de reproduo (12)O pensador Jean-Paul Curnier afirma, com efeito, que a fotografia reverenciada como suporte fidedigno de determinada realidade deve ser relativizado uma vez que pairam como marcas indelveis ao processo a singularidade do olhar do fotgrafo somada temporalidade do gesto. No obstante, as idiossincrasias, as contingncias do meio, o prprio equipamento utilizado, a decodificao pelos receptores, enfim, corroboram a fragilidade argumentativa da fotografia como imagem exata de certa realidade. Contudo, feitas as devidas ressalvas, podemos conceb-la como um fracionamento, um recorte, uma classe particular de representao, ou na linguagem tcnica do prprio meio, uma dada perspectiva:

Eu gostaria de propor uma hiptese um tanto inusitada, que se refere de maneira ampla s relaes entre fotografia e memria. A fotografia, embora constitua um vestgio real de alguma coisa que realmente existiu, no pode ser vista como imagem exata dessa coisa. (...) Seu modo de existncia seria, portanto, assimilvel ao da iluso. (13)Conforme destacado por ns ao longo do trabalho, a manipulao da imagem quer de forma inconsciente ou deliberada, nos sugere uma sensao de estranhamento, de contradio. Cai por terra a imagem como paradigma irrefutvel incredulidade. Justamente na era da propalada sociedade do olhar, as imagens como provas cabais do real carregam no seu bojo a impossibilidade, a impotncia de realizarem a passagem como ilusoriamente proposto do virtual para o real. Logo, a fotografia como simulacro o que melhor nos aprouve.

Estranhamente, diante do retrato dessa ou daquela pessoa, a questo que se coloca no saber como ela era antes, nos segundos, dias ou anos precedentes, nem como ser depois, quais sero seus movimentos imediatos exatamente aps a foto. Tudo isso se dilui em proveito da evidncia da prpria fotografia. (...) A fotografia existe como algo articulado a um conjunto de referentes supostos mas inacessveis. Seu efeito de verdade depende da relao que ela suscita entre a autenticao do que dado a ver e a impossibilidade de ver a coisa, sem que se faa referncia a um antes e depois. (...) nesse sentido que se considera a fotografia como sendo, antes de tudo, a paralisao ou estabilizao de um movimento que somos levados a inventar (14) Mister recordar Plato e o conceito de mmesis. Para ele, a representao artstica carrega um sentido conotativo pejorativo, ou seja, as obras de arte so tidas como mera imitao. A imagem mimtica no mais do que cpia, simulacro.

Ora, crs que, se um homem fosse capaz de fazer indiferentemente o objeto a imitar e a imagem, optaria por consagrar a sua atividade ao fabrico das imagens, e poria esta ocupao no primeiro plano de sua vida, como se para ele nada houvesse de melhor? No, por certo. Mas se fosse realmente versado no conhecimento das coisas que imita, suponho que se aplicaria muito mais a criar do que a imitar, que procuraria deixar atrs de si grande nmero de belas obras, como outros tantos monumentos, e que desejaria muito mais ser louvado do que louvar outros. Assim o creio - respondeu pois no h, nesses dois papis, igual honra e proveito. (15) Indo alm dessa viso, cabe inferir como contraponto que obras artsticas extraordinrias podem ser executadas sem qualquer paralelo com o real, trazendo uma colaborao natureza daquilo que foi concebido a partir da subjetividade do artista. O carter inovador est muito alm do mero impulso mimtico. Alis, na Potica, Aristteles trata dessa questo reabilitando a mmesis como ferramenta do conhecimento. Segundo ele por imitao que as crianas apreendem os valores do mundo. Ao descrever esse ganho de conhecimento, Aristteles insiste na sua caracterstica de reconhecimento. Os homens olham para as imagens e reconhecem nelas uma representao do real.

Contudo, uma coisa conceber a imagem fotogrfica, por exemplo, como representao e, portanto, com todas as suas limitaes. Outra conferir-lhe carter irrefutvel de verossimilhana. Em tempos de tecnologia digital, o que no dizer da potencialidade maqunica de manipulao do real sugerindo ao indivduo no um mundo traado a partir de certa condio paradigmtica, mas de algo nunca visto. Teramos a uma outra categoria, alm da verossimilhana e do simulacro, que o fantstico.

Na Dialtica do Esclarecimento, Adorno retoma a crtica platnica da passividade do sujeito na mmesis ao descrever o engendramento de um processo social de identificao perversa atravs da indstria cultura. E como um projeto poltico-ideolgico bem articulado pela indstria cultural, a catarse da decorrente adquire sentido contrrio ao da purificao pela imitao de atos virtuosos ou pela criao artstica pensado por Aristteles: mesmo a distrao do homem pelo olhar, da satisfao simblica pela usufruio de uma telerrealidade representativa.

J Benjamin, assim como Aristteles na Potica, enfatiza na atividade mimtica o movimento no apenas de reconhecer mas, tambm, de produzir semelhanas. O ser humano capaz de produzir semelhanas porque reage, segundo Walter Benjamin, s semelhanas j existentes no mundo. E essas semelhanas so mutveis, isto , esto sujeitas ao jogo da histria. Portanto, o estudo das imagens advindas das novas tecnologias digitais corrobora a teoria benjaminiana onde as semelhanas no so eternas, mas descobertas e inventadas pelo conhecimento humano.

Consideraes

De tudo o que foi exposto, conclumos que a fotografia se no representao do real tambm no pode ser concebida como mera cpia, imitao ou mmesis. Ela no tem esse alcance. uma mediao simblica, uma reproduo que traz semelhanas com o acontecido. E a que se inscreve, portanto, a fotografia seja ela analgica ou digital como espcie de mediao manipulada e manipuladora.

O passado, como diz Proust, perdido, ele no volta enquanto tal, mas s pode ressurgir, diferente de si mesmo e, no entanto, semelhante, abrindo um caminho inesperado nas camadas do esquecimento. Se h uma retomada do passado, este nunca volta como era, na repetio de um passado idntico: ao ressurgir no presente, ele no o mesmo, ele se mostra como perdido e, ao mesmo tempo, transformado por esse ressurgir; o passado outro, mas, no entanto, semelhante a si mesmo (16)

Por fim, sobre a temtica da memria, fundamental pensar no seguinte: na retrica da notcia, outra maneira de se trabalhar com o real submeter alguns acontecimentos a uma exposio excessiva.

Tudo o que demasiadamente mostrado se queima. Despotencia-se, esvazia-se o fato, o novo, o estranho, pelo excesso. No jornalismo a superexposio de pessoas, fatos, acontecimentos, provoca o processo social de queima na medida em que as notcias excessivamente veiculadas tornam-se incuas, no provocam mais nenhum efeito. Conduzem ao seu total esquecimento onde o excesso a forma mais insidiosa de extermnio da cosia e de seu total apagamento da memria. (17)

Tirar uma fotografia exige muito menos conhecimento tcnico do que outrora. Era preciso utilizar um fotmetro, escolher a sensibilidade ASA do filme, adequar a velocidade do obturador, ajustar o foco etc. Hoje, a menos que se deseje regular manualmente estes dispositivos, basta o apertar de um boto. Se por um lado isso contribuiu para popularizar as cmeras, por outro relegou a uma minoria de profissionais o saber tcnico. Destarte, a capacidade operativa do homem comea a ser substituda por mecanismos autmatos e entra em cena, portanto, o fenmeno da alienao. Vejamos, contudo, que luz dessa ontologia da alienao, o processo de abstrao no se limita aos fotgrafos profissionais, mas se estende tambm aos usurios leigos.

Como deixamos assente em pargrafos anteriores, a produo cada vez maior e sistemtica de informaes segmentadas vai afastando paulatinamente o produtor de seu produto. Nesse padro industrial de fabricao e consumo massivo, so tantas as imagens que recebemos que no temos, sequer, tempo hbil para apreend-las.

Baudrillard destaca que a distino entre realidades e referentes foi apagada. Assim, ele considera que, com o advento das formas de simulaes ps-industriais, que para ele no significam iluses da realidade mas sim modelos de um real sem origem, um hiper-real, as diferenas entre conceitos ou representaes e realidade se dissolvem. O real torna-se cada vez mais no tanto aquilo que pode ser reproduzido, mas sim aquilo que sempre j reproduzido. O hiper-real nos conduz a uma alucinao esttica da realidade.

Neste cenrio, resta pouco espao para a experimentao ou para o uso humanstico das mquinas digitais. Os clichs sobrepujaram as reais potencialidades do meio e o homem se colocou em um estado catrtico, apoplctico, onde no perceber a teia engendrada para captur-lo s no ainda mais grave do que no querer romp-la.

O senso crtico parece ser nesse momento a labrys que vai despedaar o n Grdio da nossa letargia. Como advertia Walter Benjamin:

J se disse que o analfabeto do futuro no ser quem no sabe escrever, e sim quem no sabe fotografar. Mas um fotgrafo que no sabe ler suas prprias imagens no pior que um analfabeto? (18)NOTAS BIBLIOGRFICAS

1) BENJAMIN, Walter. Pequena Histria da Fotografia IN Magia e Tcnica, Arte e Poltica: ensaios sobre literatura e histria da cultura. Obras Escolhidas, volume II. So Paulo: editora Brasiliense, 1993. Pg. 92

2) Idem, ibidem. Pg. 104

3) Idem, ibidem. Pg. 93

4) Idem, ibidem. Pg. 95

5) NORA, Pierre. O retorno do fato IN Histria: novos problemas. Rio de Janeiro: editora Francisco Alves. Pg. 182

6) Idem, ibidem. Pg. 181

7) Idem, ibidem. Pg. 182

8) ADORNO, Theodor W., HORKHEIMER, Max. A Indstria Cultural: o esclarecimento como mistificao das massas IN Dialtica do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985. Pg. 133

9) BENJAMIN, Walter. Pequena Histria da Fotografia IN Magia e Tcnica, Arte e Poltica: ensaios sobre literatura e histria da cultura. Obras Escolhidas, volume II. So Paulo: editora Brasiliense, 1993. Pg. 96

10) Idem, ibidem. Pg. 101

11) Idem, ibidem. Pg. 106

12) Idem, ibidem. Pg. 104

13) REVISTA IMAGENS. Editora da Unicamp. Nmero 3, dezembro de 1994. Pg. 103

14) Idem. Pg. 104

15) Plato. Repblica, vol. 2. Traduo de J. Guinsburg, So Paulo: Difuso Europia do Livro, 1965. Pg.219-223

16) GAGNEBIN, Jeanne Marie. Do conceito de Mmesis no pensamento de Adorno e Benjamin IN Sete aulas sobre linguagem, memria e histria. Rio de Janeiro: Imago, 1997. Pg. 102

17) MARCONDES FILHO, Ciro. A saga dos ces perdidos. So Paulo: editora Hacker, 2000. Pg. 19

18) BENJAMIN, Walter. Pequena Histria da Fotografia IN Magia e Tcnica, Arte e Poltica: ensaios sobre literatura e histria da cultura. Obras Escolhidas, volume II. So Paulo: editora Brasiliense, 1993. Pg. 107

BIBLIOGRAFIA

ADORNO, T.W. Teoria Esttica. Trad. Artur Mouro. So Paulo: Martins Fontes, 1982

ADORNO, Theodor W. e HORKHEIMER, Max. A Indstria Cultural: o esclarecimento como mistificao das massas IN Dialtica do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985

ADORNO, Theodor W. e HORKHEIMER, Max. Dialtica do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985

ARISTTELES. Potica. So Paulo: Abril Cultural, 1979

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BENJAMIN, W. Pequena histria da fotografia IN Magia e Tcnica, Arte e Poltica: ensaios sobre literatura e histria da cultura. Obras Escolhidas, volume II. So Paulo: Brasiliense, 1993

CURNIER, Jean-Paul. Memria de Runas IN Revista Imagens. Editora da Unicamp, nmero 3, dezembro de 1994

DUBOIS, Phillipe. O ato fotogrfico e outros ensaios. Campinas: editora Papirus, 1994

FREUD, S. Alm do princpio do prazer. Rio de Janeiro: Imago, 1975

FROMM, Erich. Anlise do Homem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1974

GAGNEBIN, Jeanne Marie. Do conceito de Mmesis no pensamento de Adorno e Benjamin IN Sete aulas sobre linguagem, memria e histria. Rio de Janeiro: Imago, 1997

LEVY, Pierre. O que virtual. So Paulo: editora 34, 1996

MARCONDES FILHO, Ciro. A saga dos ces perdidos. So Paulo: editora Hacker, 2000

NORA, Pierre. O retorno do fato IN Le Goff, J. e Nora, Pierre. Histria: novos problemas. Rio de Janeiro: editora Francisco Alves, 1979

PLATO. Repblica, vol. 2. Traduo de J. Guinsburg, So Paulo: Difuso Europia do Livro, 1965

O francs Louis Daguerre foi quem primeiro produziu uma imagem fixa pela ao direta da luz. Em 1835, em seu laboratrio, Daguerre estava manipulando uma chapa revestida com prata e sensibilizada com iodeto de prata que no apresentava nenhum vestgio de imagem. No dia seguinte, a chapa, misteriosamente, revelava formas difusas. Ele concluiu que o vapor de mercrio proveniente de um termmetro quebrado teria sido o misterioso agente revelador. Daguerre aprimorou o processo passando a utilizar chapas de cobre sensibilizadas com prata e tratadas com vapores de iodo. O revelador era o mesmo mercrio aquecido e o fixador, uma soluo de sal de cozinha. O processo de Daguerre foi apresentado em 19 de agosto de 1839 perante uma sesso da Academia Francesa de Cincia e Belas Artes pelo astrnomo e deputado Franois Arag (1786-1853). Ao tornar o invento de domnio pblico, o governo francs concedeu uma penso de 6.000 francos a Daguerre.

Muniz Sodr, quando emprega o termo telerrealidade em sua acepo mais ampla, est se referindo ao transporte do fato de seu ambiente para outro. H a mediao tcnica e humana onde o fato ento apresentado ao pblico como realidade mediatizada.

Ssifo foi o fundador e primeiro Rei de Corinto. Mestre da malcia e dos truques, ele entrou para a tradio como um dos maiores ofensores dos deuses. Banido para o Hades, Ssifo recebeu de Zeus um castigo imenso pela sua ousadia: por toda a eternidade haveria derolar uma grande pedra de mrmore com suas mos at o cume de uma montanha, sendo que toda vez que ele estava quase alcanando o topo, a pedra rolava novamente montanha abaixo at o ponto de partida por meio de uma fora irresistvel.

Membro da Magnum Photos, uma cooperativa internacional de fotgrafos, permaneceu na organizao de 1979 a 1994. L Salgado cobriu as guerras em Angola e no Saara espanhol, o seqestro de israelitas em Entebbe e o atentado contra o presidente norte-americano Ronald Reagan ocorrido em maro de 1981.

Documentrios exibidos semanalmente nos cinemas da Alemanha para abastecer o pblico com as informaes oficiais do Partido Nacional Socialista sobre fatos ocorridos no mundo.

O mercado, como apangio de tudo, tem-se revelado um modelo crudelssimo onde o homem se converte em mero consumidor de bens durveis e/ou culturais. Caso ele no tenha condies de satisfazer esse falso sentido para sua vida, queda excludo at mesmo da participao comunitria. A autenticidade do indivduo, o direito ao exerccio da cidadania fica vinculado exibio daqueles atributos que so reconhecidos na economia de mercado. Nestor Canclini quem procura explicar porque as identidades se organizam hoje a partir dos smbolos produzidos pela indstria da mdia. Assim, ele defende dois pontos principais: o global no representa um substituto para o local e o modo neoliberal de globalizar no e o nico possvel. Canclini ressalta que a contradio explode principalmente nos pases perifricos, onde a globalizao "seletiva" exclui desocupados e imigrantes dos direitos a sade, educao, moradia e trabalho. As novidades modernas aparecem assim para muitos como objetos de consumo, e para a maioria como mero espetculo. O direito de decidir, como cidado, como esses bens sero produzidos, distribudos e utilizados se restringe as elites.

Um dos pioneiros foi Walter Lippmann, autor do livro Public Opinion, de 1922. Nesta obra ele demonstra como as pessoas agem no baseadas no que realmente est se passando ou que tenha ocorrido, mas naquilo que imaginam seja a situao real conseguida de descries fornecidas pela mdia significados e interpretaes que amide tm apenas limitada correspondncia com o que se passou (DE FLEUR, Melvin e BALL-ROKEACH, Sandra. Teorias da Comunicao de Massa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993. Pg. 279)

A histria de Jessica Lynch um dos mais impressionantes casos de manipulao j arquitetados. Ela foi capturada na cidade iraquiana de Nassyriah depois que seu comboio sofreu uma emboscada. A recruta Lynch estava ferida e foi levada para um hospital. Oito dias depois, foras especiais dos Estados Unidos atacaram o hospital com armas e balas de festim, em meio ao som de exploses sem, no entanto, deixar de registrar os "dramticos" momentos em uma cmera com viso noturna. A performance tinha objetivo claro. Os militares iraquianos haviam fugido um dia antes de os americanos terem invadido o hospital.

Adolf Hitler lanou um programa de gerao de emprego que nada mais era do que um reacionrio projeto de ruralizao e desmecanizao da Alemanha onde nos campos no haveria uma mquina sequer.

Erich Fromm, um dos expoentes da Escola de Frankfurt, discute a responsabilidade e o papel do homem moderno em uma sociedade cujo interesse principal est calcado na mercantilizao da vida: o homem sente-se inquieto e cada vez mais perplexo. Ele labuta e lida, mas tem uma vaga conscincia da futilidade de seus esforos. Enquanto cresce seu poder sobre a matria, sente-se impotente em sua vida individual e em sociedade. Embora tenha criado maneiras novas e melhores de dominar a Natureza, tornou-se enleado em uma teia desses meios e perdeu de vista o fim que lhe d significado o prprio homem. (...) Resumindo, na tica humanista o bem a afirmao da vida, o desenvolvimento das capacidades do homem. A virtude consiste em assumir-se a responsabilidade por sua prpria existncia. O mal constitui a mutilao das capacidades do homem; o vcio reside na irresponsabilidade perante si mesmo (FROMM, ERICH. Anlise do Homem. Pgs. 14 e 27)

Na premiada obra cinematogrfica La Dulce Vita o diretor Federico Fellini acabou cunhando o termo paparazzi. Vale lembrar que o amigo do protagonista do filme se chama Paparazzo cujo ofcio era justamente perseguir celebridades.

Pierre Lvy retoma a diferenciao aristotlica entre potncia e ato. O virtual se aproxima da potncia onde foras esto em interrelao, podendo advir um determinado ato. O mundo virtual seria, deste modo, o mundo das potencialidades de onde, a partir do jogo de foras, pode cair uma forma concreta.

No incio do livro X de A Repblica, Plato expe que a mimesis pode representar apenas um aspecto, seja ele frontal ou lateral de um objeto, e nunca o objeto como o todo. Sendo assim, a mimesis est ligada do mltiplo sensvel, e no ao ser. portanto contrria cincia, pois trata do oposto do que .

O processo de alienao do trabalhador no se limita, entretanto, ao seu alheamento em relao ao produto do seu trabalho, ao elo direto de sua interao com a natureza. No modo capitalista, o alheamento se d tambm em relao sua prpria atividade de trabalho. A alienao ocorre no ato propriamente dito da produo. Finalmente o homem se aliena em relao ao prprio homem. Se as condies de produo de sua existncia esto alienadas a ponto de o homem alienar-se de si mesmo, conseqentemente est alienado do outro homem. (MIRANDA, Anivaldo de. Alienao, a nova cara da informao. Pg. 32)

Dentro das corporaes miditicas, o processo de construo da informao-mercadoria alienada no se d apenas pelo tratamento que sofre a imagem atravs do processo de edio mas ocorre antes, ou seja, na determinao de uma pauta em consonncia com a linha editorial do veculo.

Labrys em grego significa dupla acha, dupla lmina, machado duplo.