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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO KATIA FEIJÓ DA SILVA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES EM SERVIÇO COMO GESTÃO DEMOCRÁTICA DA FORMAÇÃO DOCENTE: UMA POSSIBILIDADE DE EMANCIPAÇÃO? VITÓRIA 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

KATIA FEIJÓ DA SILVA

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES EM

SERVIÇO COMO GESTÃO DEMOCRÁTICA DA

FORMAÇÃO DOCENTE: UMA POSSIBILIDADE DE

EMANCIPAÇÃO?

VITÓRIA 2008

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KATIA FEIJÓ DA SILVA

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES EM SERVIÇO

COMO GESTÃO DEMOCRÁTICA DA FORMAÇÃO DOCENTE:

UMA POSSIBILIDADE DE EMANCIPAÇÃO?

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Educação. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Janete Magalhães Carvalho.

VITÓRIA 2008

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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

Silva, Kátia Feijó da, 1963- S586f Formação continuada de professores em serviço como gestão

democrática da formação docente : uma possibilidade de emancipação? / Kátia Feijó da Silva. – 2008.

265 f. Orientador: Janete Magalhães Carvalho. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito

Santo, Centro de Educação. 1. Professores - Formação. 2. Gestão democrática. 3.

Comunidades interpretativas. I. Carvalho, Janete Magalhães. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação. III. Título.

CDU: 37

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AGRADECIMENTOS

À Professora Doutora Janete Magalhães Carvalho, minha professora

orientadora, por ter caminhado comigo durante o tempo que eu precisei.

Aos Professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES, em

especial a Carlos Eduardo Ferraço e Regina Helena Silva Simões, pelo carinho

e apoio e por me terem ajudado a caminhar nessa experiência de formação

sempre contínua.

Ao meu esposo, Jailson, meu patrocinador, minha agência financiadora, meu

companheiro, por torcer por mim em todos os momentos.

Aos meus filhos, Conrado e Mariana, pelo amor e compreensão, por terem

agüentado meu “stress”.

Aos meus pais, Jorge e Catarina, pelo apoio e pela educação que me deram.

Às minhas amigas irmãs, Mônica, Doris e Magda.

Aos parentes e amigos, por terem tido paciência de me ouvir sempre falando

desse mestrado.

Às minhas amigas Nicéia e Kelen, pelo companheirismo e amizade.

À minha comadre Vera e à Dôra, minhas primeiras “orientadoras”.

Às minhas amigas do “Agenor de Souza Lé” e aos professores estaduais.

À Professora Doutora Eliza Bartolozzi Ferreira, cujo trabalho na SEDU me

inspirou a investigar a formação continuada de professores em serviço.

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“[...] podemos pensar a formação continuada nesse movimento de tessitura e ampliação das redes de saberesfazeres dos educadores e, por conseqüência, dos alunos, tendo como ponto de partida e chegada o cotidiano vivido por esses sujeitos encarnados e complexos. Com isso, defendemos um processo de formação continuada que aconteça em meio às redes cotidianas, evocando questões específicas, mas que não se reduzem ao local, e assumindo o cotidiano vivido enquanto espaçotempo de análise da complexidade da educação”.

Carlos Eduardo Ferraço.

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RESUMO

Este estudo investiga, numa abordagem bibliográfica documental, dentro de

um quadro que se forma em torno das questões da formação continuada de

professores e da gestão democrática da escola, as condições e as

possibilidades epistemológicas e políticas de a formação continuada de

professores em serviço configurar-se como um processo de gestão

democrática da formação docente, contribuindo para a autonomia e

emancipação desses profissionais. Considera que a gestão democrática deve

trabalhar para a ampliação da democracia e para a superação de

autoritarismos na busca por transformar as relações de poder em relações de

autoridade partilhada; que a formação continuada de professores em serviço é

uma modalidade de formação que, quando desenvolvida a partir de grupos de

estudo e para a solução de problemas, tendo em vista projetos locais, por meio

da solidariedade e da argumentação entre seus membros, se aproxima da

noção de comunidades interpretativas (SANTOS, 2005a), sendo, portanto,

potencialmente produtora de conhecimento-emancipação; as noções de

sujeitos praticantes, em Certeau (2005), e de subjetividades rebeldes, em

Santos (2005a), se aproximam na ação inconformista e na luta por diminuir ou

eliminar os processos de dominação. Nesse sentido, volta-se para a pesquisa

acadêmica, para a legislação brasileira, para as propostas de formação

continuada de professores em serviço e de gestão democrática de escola, no

período de redemocratização no Brasil, na busca por evidências que apontem

a correlação entre esses processos. Conclui que os princípios orientadores do

ensino no Brasil têm contribuído para pensar em processos alternativos de

formação de professores que instituem o docente como sujeito atuante e gestor

de sua formação, e que é válida a proposta de pensar a formação continuada

de professores em serviço como processo de gestão democrática da formação

docente.

Palavras-chave: Formação continuada de professores em serviço. Gestão

democrática. Comunidades interpretativas. Emancipação.

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ABSTRACT

This paper investigates, in a documented bibliographic approach, within a

context that gathers around questions about the continual training of teachers

and the democratic management of the school, the conditions and

epistemological and political possibilities of configuring the continual on-the-job

training of teachers as a process of democratic management of training,

contributing to the autonomy and emancipation of these professionals. It

considers that democratic management must work for the enlargement of

democracy and to overcome authoritarianism in search of transforming

relationships of power into relationships of shared authority; that the continual

on-the-job training of teachers is a modality of training that, when developed

based on study groups and towards the solution of problems, aiming at local

projects, by means of the solidarity and discussion among its members, it

comes close to the notion of interpretative community (SANTOS, 2005a),

being, therefore, a potential producer of knowledge-emancipation; the notions

of training subjects, in Certeau (2005), and of rebellious subjectivities, in Santos

(2005a), are similar in the nonconformist action and in the struggle to diminish

or eliminate domination processes. In this aspect, one turns to academic

research, to the Brazilian legislation, to proposals of continual on-the-job

training for teachers and democratic school management, during the

redemocratization period in Brazil, in search for evidence that point to a

correlation between these processes. It concludes that the orienting principles

of teaching in Brazil have contributed to thoughts of alternative processes for

the training of teachers that institute the teaching staff as acting subject and

manager of its own training, and that the proposal of accepting continual on-the-

job training of teachers as a process of democratic management of training is

valid.

Key words: Continual on-the-job training of teachers. Democratic management.

Interpretative communities. Emancipation.

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 9

1.1 COMPONDO A PESQUISA .......................................................................16

2 A QUESTÃO DA DEMOCRACIA: DAS CONDIÇÕES PARA A

PARTICIPAÇÃO CIDADÃ EM BUSCA DA EMANCIPAÇÃO SOCIAL .... 25

2.1 A DEMOCRACIA E AS CONDIÇÕES PARA A PARTICIPAÇÃO

CIDADÃ ...................................................................................................... 26

2.2 PENSANDO A POSSIBILIDADE DE EMANCIPAÇÃO: FORMAS DE

CONHECIMENTO E GESTÃO .................................................................. 38

2.2.1 A questão do conhecimento na transição paradigmática

segundo Santos ............................................................................... 39

2.2.2 O conhecimento-emancipação e a democratização do

conhecimento nas comunidades interpretativas .......................... 58

2.2.3 Gestão democrática, conhecimento e emancipação.................... 71

3 FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES EM SERVIÇO COMO

PROCESSO DE GESTÃO DEMOCRÁTICA DA FORMAÇÃO

DOCENTE................................................................................................... 94

3.1 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES COMO UM

PROCESSO............................................................................................... 95

3.2 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES E A FORMAÇÃO

DE SUBJETIVIDADES ............................................................................. 97

3.3 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES COMO GESTÃO

DEMOCRÁTICA DA FORMAÇÃO DOCENTE ........................................ 100

3.4 USO, TÁTICA, ESTRATÉGIA, SUJEITOS PRATICANTES: UMA

POSSÍVEL AÇÃO POLÍTICA DOS PROFESSORES NOS ESPAÇOS

TEMPOS DO COTIDIANO ESCOLAR .....................................................103

4 A ANÁLISE BIBLIOGRÁFICA DOCUMENTAL NO PERÍODO DE

REDEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL......................................................118

4.1 CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO E POLÍTICO ..................................... 118

4.2 O PROCESSO DE REDEMOCRATIZAÇÃO NACIONAL NA DÉCADA

DE 1980 E A EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 .......................120

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4.3 A DÉCADA DE 1990 E A GESTÃO DEMOCRÁTICA NA LDB ................127

4.4 A POLÍTICA DE FORMAÇÃO E VALORIZAÇÃO DOCENTE

A PARTIR DA LDB ...................................................................................143

4.5 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES EM SERVIÇO

E O PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO ...............................................148

4.6 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES EM SERVIÇO

E A REDE NACIONAL DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE

PROFESSORES DE EDUCAÇÃO BÁSICA ..............................................165

5 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES EM SERVIÇO NA

PESQUISA ACADÊMICA BRASILEIRA ...................................................192

5.1 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES EM SERVIÇO E

O “ESTADO DA ARTE DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO

BRASIL (1990–1998)”................................................................................192

5.2 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES EM SERVIÇO E

A “FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO (1997– 2002)”....206

6 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES EM SERVIÇO NA

POLÍTICA PÚBLICA EDUCACIONAL DO ESTADO DO ESPÍRITO

SANTO .......................................................................................................224

6.1 O DOCUMENTO BASE “POLÍTICA EDUCACIONAL DO ESTADO

DO ESPÍRITO SANTO – A EDUCAÇÃO É UM DIREITO” ...................... 227

6.1.1 A formação continuada e a valorização do magistério no

Documento Base .................................................................................... 229

6.2 O LIVRO COLETÂNEA DE TEXTOS “POLÍTICA EDUCACIONAL

DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO – A EDUCAÇÃO É UM

DIREITO” ................................................................................................. 236

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 251

8 REFERÊNCIAS .......................................................................................... 256

ANEXO A .................................................................................................... 262

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1 INTRODUÇÃO

A formação continuada de professores em serviço foi um tema que surgiu em

nossa caminhada quando, num curso de especialização, estagiando em uma

Superintendência Estadual de Educação, em Vila Velha- ES, cidade em que

residimos e atuamos como Supervisora Escolar da Rede Estadual de Ensino,

nos deparamos com o Documento Base “Política Educacional do Estado do

Espírito Santo – A Educação é um Direito” (ESPÍRITO SANTO, 2003).

Esse documento serviu de base para debates e seminários que se realizaram

com a participação de um grande número de professores estaduais e de uma

variedade de instituições educacionais e entidades, tais como sindicatos e

outros membros da comunidade escolar, sob a iniciativa da Secretaria de

Estado de Educação e Esportes do estado do Espírito Santo (SEDU/ES).

Desse processo originaram-se várias diretrizes e ações para a política

educacional de nosso Estado, entre elas a formação continuada de professores

em serviço. Mas, o que seria “formação em serviço”? Foi em busca de

respostas que começamos nossa caminhada nesse campo.

Podemos dizer que esta pesquisa retrata essa caminhada e investiga a

formação continuada de professores em serviço buscando ampliar cada vez

mais a compreensão sobre o tema e as inúmeras relações que se foram

estabelecendo a partir daí. É certo, no entanto, que não temos a pretensão de

abarcar todos os fios que foram puxados, até porque isso, não seria possível

dentro de uma dissertação e, nem desejável. Nesse sentido, é preciso dizer

que pretendemos abordar o tema dentro de um quadro que se forma em torno

das questões da formação continuada de professores em serviço e das

questões da gestão democrática da escola, em um período pós-ditadura militar

e de redemocratização pelo qual vem passando o Brasil, de forma a

estabelecer correlação entre esses dois processos.

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Esse foi um período marcado por grande influência dos movimentos sociais em

que a democracia se constituiu, dentro de um projeto de emancipação social,

como um princípio necessário para a superação da lógica capitalista

excludente e do ideário tecnoburocrático e repressor que se instalou dentro das

escolas e de outras instituições, um ideal a ser alcançado em todos os campos

sociais, entre eles o da educação.

A democratização da escola e do ensino, instituída na Lei de Diretrizes e Base

da Educação Nacional (LDB n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996), toma

como base princípios democráticos para ministrar o ensino, tais como

igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; liberdade de

aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o

saber; acato ao pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas; respeito à

liberdade e apreço à tolerância; coexistência de instituições públicas e privadas

de ensino; valorização da experiência extra-escolar; vinculação entre a

educação escolar, o trabalho e as práticas sociais; gestão democrática do

ensino público, na forma da lei e da legislação dos sistemas de ensino. Esses

princípios têm-se revertido em objetivos a serem alcançados pelas propostas

educacionais. Outros, ainda, reafirmam a educação como direito: a gratuidade

do ensino público em estabelecimentos oficiais, a valorização do profissional

da educação escolar e a garantia do padrão de qualidade de ensino.

Embora caiba à União a coordenação da política nacional de educação quando

exerce função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais

instâncias educacionais, os sistemas de ensino têm liberdade de organização

para elaborar e executar políticas e planos educacionais, em consonância com

as diretrizes e planos nacionais de educação, integrando e coordenando as

suas ações nos termos da lei (Lei nº 9.394/96).

Algumas das tentativas para a democratização da escola são exemplificadas

na proliferação de órgãos colegiados, que permite que certas decisões possam

ser tomadas nos vários níveis e sistemas, inclusive na unidade escolar,

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descentralizando ações e responsabilidades, prevendo a participação da

comunidade escolar, regulada e incentivada pelo Poder Público, nos conselhos

escolares, municipais, estaduais e outros; bem como a participação dos

profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola.

No campo da formação e da valorização docente, a LDB prevê que os

sistemas de ensino devem assegurar, inclusive nos termos dos estatutos e dos

planos de carreira do magistério público, o ingresso exclusivamente por

concurso público de provas e títulos; o aperfeiçoamento profissional

continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim;

piso salarial profissional; progressão funcional baseada na titulação ou

habilitação, e na avaliação do desempenho; período reservado a estudos,

planejamento e avaliação incluído na carga de trabalho; condições adequadas

de trabalho. Além disso, estabelece a experiência docente como pré-requisito

para o exercício profissional de quaisquer outras funções de magistério, nos

termos das normas de cada sistema de ensino.

No campo da formação continuada de professores mais especificamente,

observamos várias ações de iniciativa do Poder Público no sentido de habilitar

os professores que ainda não possuíam o grau de formação exigido em lei

para o exercício de suas funções. Essas ações, em sua maioria,

caracterizavam-se pela implantação de cursos de formação continuada a

distância e de processos muitas vezes acelerados de formação, tendo em vista

o aumento da demanda de professores habilitados devido à recente conquista

de nosso País, qual seja, a de atingir, quase em sua totalidade, a

universalização das matrículas do ensino fundamental.

Voltamos nosso olhar para a formação continuada de professores em serviço

porque, a nosso ver, essa modalidade de formação representou uma inovação

em termos de processo de formação que estávamos acostumados a ver, como

cursos de especialização, seminários, capacitação, reciclagens, encontros e

tantos outros que aconteciam espaçadamente, fora do local de trabalho, longe

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de nossos pares, e que, embora proporcionassem crescimento e trocas de

experiências, não se debruçavam sobre os problemas do cotidiano nem sobre

a singularidade que cada escola, cada professor, cada turma de alunos ou

cada aluno. Eram cursos planejados e elaborados a priori, por grupos de

especialistas, sem a participação direta do professor.

De modo geral, a proposta da formação continuada em serviço não se

apresenta com a oferta de cursos pontuais do tipo reciclagem ou capacitação,

mas propõe, em tempo espaço garantido dentro da escola, a formação de

grupos de estudos, em torno de temas e problemas do cotidiano. Enfim, é uma

proposta de formação comprometida com as necessidades e projetos locais,

que leva em consideração os problemas, as dificuldades e as potencialidades

da escola, dos alunos e dos professores, assim como proporciona de forma

mais efetiva a formação de laços de solidariedade entre os professores como

membros de cada comunidade escolar. Sendo assim, podemos supor que

esses processos de formação, com o auxílio do princípio da descentralização

participativa, chave de todo processo democrático, é um caminho que nos “[...]

convida ao exercício de uma responsabilidade decisória, criadora e

compartilhada por aqueles que constituem o corpo permanente do Estado”

(LINHARES, 2006, p. 29), e contribui para a autonomia e emancipação desses

profissionais da educação.

No entanto, muitas são as dificuldades a serem superadas para a implantação

de políticas públicas democratizantes na escola. Avaliando o período que

sucedeu a aprovação da LDB e de outras leis, como a que instituiu o Fundo de

Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do

Magistério (FUNDEF), por exemplo, Mendonça (2000, p. 81) argumenta que o

mesmo Estado que expandiu enormemente o acesso à escola pública

brasileira, permitiu que ela se degradasse ao longo do tempo, não aplicando

recursos financeiros adequados à manutenção da rede física e ao

desenvolvimento do ensino, não investindo na formação, na capacitação e na

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condigna remuneração dos docentes, reduzindo os profissionais da educação

a condição aviltante.

Problematizando ainda mais essa situação, trazemos o alerta que nos faz

Santos (2005a) sobre a impossibilidade, dentro de uma nova teoria da

democracia, de se determinarem os rumos dos processos de transformação

social, o que nos leva a pensar que, mesmo que conseguíssemos implantar

políticas democráticas na escola, por exemplo, como uma solução

emancipatória, isso, por si só, não seria garantia de emancipação.

O autor parte do pressuposto de que sabemos muito mais o que não queremos

e pouco daquilo que queremos. Então, em vista dos riscos e catástrofes e da

negatividade de que a emancipação pode ser investida, é preciso levar em

conta que “[...] a emancipação não é mais que um conjunto de lutas

processuais, sem fim definido. O que a distingue de outros conjuntos de lutas é

o sentido político da processualidade das lutas” (SANTOS, 2005b, p. 277). O

autor sugere que, para que a emancipação se complete como uma solução

“verdadeiramente” emancipatória, isto é, distante da negatividade de que pode

estar investida, as soluções emancipatórias devem estar acompanhadas não

só do pensamento emancipatório, mas também da vontade de emancipação,

como em subjetividades rebeldes, aptas a lutar pela diminuição/extinção de

processos de dominação e para aprofundarem as lutas democráticas em todos

os espaços estruturais da prática social.

A nosso ver, trabalhar nessa linha de pensamento que liga conhecimento,

subjetividade, democracia e emancipação, presente nas teses de Santos

(2005a) e citadas por Oliveira (2006), quanto à democracia e às suas

condições, e à necessária democratização dos conhecimentos e das

subjetividades, das relações e práticas sociais, permite-nos estabelecer uma

relação entre dois importantes processos: 1 – os processos de gestão

democrática, como aqueles em que a democracia se instala como princípio

organizador das relações e práticas sociais, na busca por diminuir

autoritarismos e constituir relações de autoridade partilhada, já que a

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democracia depende da democratização das práticas e relações sociais, assim

como dos saberes em todos os espaços estruturais; 2 – os processos de

formação, como aqueles voltados para a formação de subjetividades

inconformistas, rebeldes, no sentido de lutar pela emancipação social, já que a

democratização das relações requer a democratização dos saberes e é

condição para a democratização das subjetividades.

Daí a importância de, no campo da educação, de se democratizarem os

processos de formação de professores, assim como a gestão na e da escola,

de forma a contribuir para a autonomia e a emancipação social. É nesse

sentido que ressaltamos a importância de se pensar a formação continuada de

professores como um processo de gestão democrática da formação docente,

de modo a promover a autonomia dos sujeitos em formação e contribuir para

que processos de emancipação se realizem nesse campo.

Essa seria uma das formas de pensar a escola como um campo social

privilegiado para a formação de cidadãos, espaço tempo de construção e

disseminação de conhecimentos e de práticas sociais democráticas, de

inclusão, trabalhando para ampliar a participação dos membros da comunidade

escolar nos processos decisórios, proporcionando, assim, maiores

possibilidades de emancipação dos sujeitos. Acrescentamos, ainda, a

necessidade de se pensar a escola como espaço tempo de formação não só

de alunos, mas também de professores, a fim de contribuir para que sejam

subjetividades democráticas. Essa busca por minimizar diferenças, no sentido

de lutar para que não impeçam a participação efetiva e cidadã, configura-se

como um processo de gestão democrática e pode configurar-se também como

um processo que estimula e forma subjetividades democráticas, necessárias

para o sustento de processos de decisão e de autoridade partilhada.

Para Oliveira (2006), as questões que têm sido colocadas para a educação

nessas reflexões vão ao sentido de se saber de que modo ela pode contribuir

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para a formação de subjetividades democráticas, para a democratização das

práticas sociais e do conhecimento, também democratizado.

Considerando esse quadro epistemológico e político que se forma em

torno das questões da formação continuada de professores em serviço e

da gestão democrática da escola, propomos, numa abordagem

bibliográfica documental, investigar a legislação educacional, os

documentos de pesquisa acadêmica e propostas que abordam o tema na

busca por evidências que nos permitam configurar a formação

continuada de professores em serviço como um processo de gestão

democrática da formação docente, tendo, por isso, grande potencial

emancipador.

Nessa pretensão, consideramos que o professor é sujeito de sua própria

formação; o processo de gestão democrática possibilita a horizontalização das

relações e o desenvolvimento de práticas de autoridade partilhada contribuindo

para que o professor atue ativamente, individual ou coletivamente, com seus

pares e no ambiente escolar; os processos de gestão democrática devem

trabalhar para a ampliação da democracia na educação e na escola, o que

implica a superação de autoritarismos na busca por transformar as relações de

poder em relações de autoridade partilhada. Também consideramos a

possibilidade de aproximação entre as noções de sujeitos praticantes, em

Certeau (2005), e de subjetividades rebeldes, em Santos (2005a), na ação

inconformista e na luta por diminuir ou eliminar os processos de dominação,

proporcionando maior ou menor grau de autonomia e emancipação dos

sujeitos e da escola em relação ao sistema em que se inserem. Além disso,

consideramos que a formação continuada de professores em serviço é uma

modalidade de formação que, quando desenvolvida em grupos de estudo para

a solução de problemas tendo em vista projetos locais, por meio da

solidariedade e da argumentação entre seus membros, se aproxima da noção

de comunidades interpretativas (SANTOS, 2005a). É, portanto, potencialmente

produtora e/ou articuladora de conhecimento-emancipação, assumindo, assim,

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uma relevância nos processos tanto de formação docente como nos de gestão

democrática da escola. Consideramos, ainda, que propostas feitas para a

formação continuada de professores tendem a ter mais sucesso quando

consideradas as redes de subjetividades que somos e as que se formam no

cotidiano escolar, e o projeto educacional local, com suas necessidades,

dificuldades e potencialidades.

Nesse sentido, nossa investigação volta-se para o campo educacional da

gestão democrática e da formação continuada de professores em serviço, na

busca por evidências que nos permita correlacionar esses processos na

legislação educacional, na pesquisa acadêmica e nas propostas de formação

continuada de professores em serviço.

1.2 COMPONDO A PESQUISA

Nesta pesquisa, procuramos investir na análise das noções de democracia,

gestão democrática, formação de professores em serviço, emancipação, dentro

de um referencial teórico que nos permitisse correlacioná-las buscando

evidências dessa correlação na legislação educacional brasileira, em

documentos acadêmicos e oficiais que abordam a questão da formação

docente no Brasil, nas propostas para formação continuada de professores e

gestão democrática da escola, de forma a compor o estudo numa abordagem

bibliográfica documental.

Dentro desse referencial, podemos citar Boaventura de Souza Santos (2005a,

2005b e 2007), Oliveira (1999, 2003, 2006) e Chaui (2006) por suas

contribuições para a formulação de uma concepção mais ampliada de

democracia, de sociedade democrática, para, então, pensarmos a questão da

gestão democrática na educação, em especial, na formação de professores.

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Baseando-nos nos estudos de Carvalho (2002) sobre as diferentes

perspectivas da profissão docente na atualidade, nas importantes noções de

Certeau (2005), tais como as de sujeitos praticantes, uso, táticas e estratégias,

cotidiano, e em outros autores, como Ferraço (2002a, 2002b, 2005), Barros

(2005), Oliveira (2003, 2005), ampliamos um pouco mais a questão da

formação de professores, com contribuições no campo da pesquisa no/do

cotidiano.

Iniciamos a investigação bibliográfica documental procurando documentos que

nos servissem de fontes relativas aos aspectos históricos, políticos e sociais

mais significativos sobre o tema no e para o Brasil, situados no período de

redemocratização pelo qual vem passando o nosso País após o fim da ditadura

militar. Documentos podem ser considerados “[...] quaisquer materiais escritos

que possam ser usados como fonte de informação sobre o comportamento

humano” (PHILIPS, 1974, apud LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 38), os quais, no

caso desta pesquisa, incluíram as leis, documentos acadêmicos e propostas

oficiais para formação de professores. Os documentos que utilizamos em

nossa pesquisa foram:

1. a Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988);

2. a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e

Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996);

3. a Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001, que aprova Plano Nacional de

Educação (PNE) e dá outras providências (BRASIL, 2001);

4. o documento Rede Nacional de Formação Continuada de Professores da

Educação Básica (BRASIL, 2006);

5. o n° 6 da série Estado do Conhecimento, intitulado “Formação de

professores no Brasil (1990 – 1998)” (ANDRÉ; ROMANOWSKI, 2002);

6. o nº 10 da série Estado do Conhecimento, intitulado “Formação de

profissionais da educação (1997 – 2002)”; (BRZEZINSKI; GARRIDO, 2006);

7. o documento-base intitulado “Política Educacional para o Estado do Espírito

Santo: A Educação é um Direito”. (ESPÍRITO SANTO, 2003);

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8. a coletânea de textos denominada “Política Educacional para o Estado do

Espírito Santo: A Educação é um Direito” (ESPÍRITO SANTO, 2004).

Esses materiais foram assim agrupados: grupo A – leis e documentos

nacionais que abordam a educação, de modo geral, e/ou, especialmente, a

formação docente e a gestão democrática da escola, os quais se apresentam

nos itens de número 1, 2, 3, e 4 da lista; grupo B – documentos

acadêmicos/oficiais, que nos auxiliaram na compreensão do que seja formação

continuada de professores na pesquisa acadêmica no Brasil, documentos

esses que estão representados pelos números 5 e 6; grupo C – propostas

oficiais educacionais que abordam a formação docente e a gestão democrática

da escola no estado do Espírito Santo, os quais constam nos itens 7 e 8.

Na análise da legislação, abordada no grupo A, buscamos apreender o

conceito de gestão democrática da escola, que se firmou como princípio

constitucional, e a questão da formação e valorização do magistério. Por isso,

nossa reflexão se ateve aos aspectos referentes à educação, buscando

observar a existência de harmonia entre as legislações quanto aos princípios

democráticos e de valorização do magistério, a forma de organização proposta

para o trabalho na escola, a gestão democrática, as atribuições dos docentes,

o que se previa para a formação e valorização do magistério. Também

buscamos evidências que nos permitissem correlacionar os processos de

formação continuada de professores em serviço com os de gestão democrática

da formação docente.

No grupo B, que se constitui num panorama da pesquisa sobre formação

docente no Brasil, buscamos ampliar nossa percepção do que seja a formação

continuada em serviço no pensamento dos pesquisadores, e qual a reflexão

que têm feito sobre o assunto, suas implicações para a gestão democrática da

escola e as políticas públicas educacionais, e as possibilidades de a formação

continuada em serviço se configurar como gestão democrática da formação

docente.

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A análise do grupo C levou em consideração a proposta para formação

continuada de professores em serviço no estado do Espírito Santo, buscando,

como nos outros grupos, por princípios organizadores, concepções de

formação docente e formação continuada em serviço em sua possível

correlação com a gestão democrática da formação docente.

Assim, passamos a apresentar a composição final de nossa pesquisa pelo

Capítulo 2 – “A questão da democracia: das condições para a

participação cidadã em busca da emancipação social”, em que

ponderaremos sobre democracia e suas condições com base no pensamento

de Santos (2001, 2005a, 2005b e 2007) e de autores afins, de modo a

abranger as condições epistemológicas e políticas para a participação cidadã,

a democratização das relações e do conhecimento na transição paradigmática,

e as possíveis contribuições de um processo de gestão democrática para a

emancipação social.

A reflexão se faz sobre o regime democrático como uma tendência que se tem

consolidado na maior parte dos países, mas que, quando adotado estritamente

como um sistema político, no seu aspecto formal, muitas vezes se sustenta

sobre formas de exclusão, de discriminação e de dominação ampliadas.

Para Santos (2005a, 2007), essa é uma situação de democracia de baixa

intensidade, de cidadania bloqueada, em que não se garantem as condições

materiais de participação, entre elas a condição de sobrevivência (fome); a

liberdade (ameaças) e o acesso à informação. A falta dessas condições, que

são tanto políticas quanto epistemológicas, faz com que participemos cada vez

mais do que é menos importante e banal para a reprodução do poder, sem

poder para discutir as regras de participação.

Baseando-nos no pensamento dos autores e na interligação entre as teses de

Santos de que não há democracia sem condições, a democratização das

relações sociais depende da democratização dos saberes é condição para a

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democratização das subjetividades, concluímos que a democracia social

pressupõe um equilíbrio entre liberdade e igualdade e envolve a participação

individual e coletiva dos sujeitos em sociedade nos processos de decisão que

dizem respeito à vida cotidiana. Por conseguinte, “[...] uma determinada

sociedade será tão mais democrática quanto mais intensos e efetivos forem os

mecanismos e processos decisórios sobre os quais se funda” (OLIVEIRA,

2003, p. 16).

Também tratamos da questão do conhecimento na transição paradigmática, do

conhecimento-emancipação e a democratização do conhecimento nas

comunidades interpretativas e da relação entre gestão democrática,

conhecimento e emancipação.

A sociedade democrática depende do sucesso que obtiver para garantir que as

condições necessárias à democracia se estendam a toda sociedade. Nesse

sentido, é de extrema importância que a busca por sustentar a democracia

como princípio regulador das relações sociais nos espaços constitutivos das

redes de subjetividades, saberes e práticas reais que tecemos e nos tecem,

alcance a educação, a escola e os processos de formação como possibilidade

de autonomia e emancipação docente.

No Capítulo 3 – “A formação continuada de professores em serviço como

processo de gestão democrática da formação docente”, procuramos

correlacionar gestão democrática e processos de formação continuada de

professores em serviço, a fim de analisar as possibilidades de a formação

continuada de professores em serviço se configurar como processo de gestão

democrática da formação docente, proporcionando condições de emancipação

e autonomia desses profissionais.

Nesse sentido, começamos a compor a noção de formação continuada de

professores em serviço como processo contínuo que se realiza em diversos e

complexos contextos de formação identitária, em que as subjetividades

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individuais e coletivas são formadas, ao incorporarem tanto “saberes” formais e

cotidianos quanto valores e crenças com os quais entramos em contato,

definindo as possibilidades de ação dos sujeitos sobre e no mundo (OLIVEIRA,

2006, p. 117). Conseqüentemente, dentro de um projeto pedagógico

emancipatório, esse processo deve desenvolver-se buscando torná-las mais

aptas a lutar pela emancipação social e pela democracia.

Esse também é um processo que resiste a prescrições, que cria redes de

cooperação, e se desenvolve a partir do “[...] debate de normas, gestão do

instante e, implica escolhas que se situam no plano dos valores que não pode

ser deduzida de uma generalização científica objetiva” (BARROS, 2005, p. 78).

Sendo assim, a formação continuada de professores em serviço configurar-se-

ia como um processo de gestão democrática.

Por fim, chegamos à noção de formação continuada de professores em serviço

como um processo de contínuas aprendizagens que se realizam na

formação/gestão de redes de subjetividades compartilhadas por sujeitos

praticantes no cotidiano escolar, o qual, adotado como um processo

democrático, possui grande potencial emancipador.

“A análise bibliográfica documental no período de redemocratização do

Brasil” constitui o Capítulo 4, no qual procuramos contextualizar o período em

que foram elaboradas as leis e os documentos nacionais analisados, buscando

evidências que nos permitissem correlacionar os processos de formação

continuada e os de gestão democrática, configurando a formação continuada

de professores em serviço como um processo democrático de formação de

professores que contribui para a emancipação desses profissionais.

A Constituição de 1988 incorpora princípios democráticos para a organização

do ensino e da educação assumida como direito de todos. Dentre esses

princípios destacamos a valorização dos profissionais do ensino, garantidas na

forma da lei, planos de carreiras para o magistério público, com piso salarial

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profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos,

e a gestão democrática do ensino público também na forma da lei. Mas nada

prescreveu sobre a formação continuada de professores.

A LDB adota os princípios constitucionais de gestão democrática na

organização do ensino realizado nas escolas públicas prevendo a participação

dos professores na elaboração da proposta pedagógica e a participação da

comunidade escolar em órgãos colegiados, conselhos ou similares. Aborda a

questão da formação de professores em exercício, inclusive por meio do

recurso da educação “a distância” como uma de suas possibilidades. Também

aborda os processos de estudo, planejamento e avaliação com tempo previsto

em calendário e horário escolar separados do processo de “aperfeiçoamento

contínuo”. Porém não fecha questão sobre a impossibilidade de conciliá-los, o

que seria interessante para a proposta de se considerar a formação de

professores em serviço como processos de gestão democrática, unindo assim

dois princípios de gestão democrática da escola e conferindo a eles grande

potencial emancipatório. Mas, diante da sobrecarga de incumbências, da

descentralização de responsabilidades e da falta de algumas condições de

trabalho, questiona-se a possibilidade de o princípio de gestão democrática

efetivar-se na prática.

O PNE preocupa-se em manter os princípios democráticos e destaca a

valorização dos profissionais da educação como uma de suas prioridades, à

qual prevê dar particular atenção, discriminando a importância de se interligar a

formação profissional inicial, as condições de trabalho, salário e carreira e a

formação continuada.

Faz referência a “curso de qualificação em serviço”, mas ainda não discorre

sobre a possibilidade de essa formação realizar-se dentro do espaço tempo da

escola e fora do formato de curso. Usa o termo “formação em serviço”, prevê

destinar entre 20 a 25% da carga horária dos professores para preparação de

aulas, avaliações e reuniões pedagógicas e faz menção ao compromisso social

e político do magistério para a consecução das metas previstas. Também

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propõe princípios para a elaboração de propostas de formação docente que

nos permitem correlacionar a formação de professores em serviço com o

processo de gestão democrática da formação. Quanto à possibilidade de isso

acontecer na prática, dependeria de elaboração e aprovação de um programa

de formação continuada de professores em serviço.

Sobre a Rede Nacional de Formação Continuada de Professores da Educação

Básica (BRASIL, 2006), podemos dizer que se concretiza numa parceria entre

o Ministério da Educação (MEC) e algumas de suas secretarias, tais como a

Secretaria de Educação Básica (SEB), o Departamento de Políticas de

Educação Infantil e Ensino Fundamental (COPFOR). Constitui-se a partir daí

convênios entre o MEC e as universidades credenciadas para institucionalizar

a formação docente, articular a formação continuada com a pesquisa e com a

produção acadêmica das universidades em conformidade com o sistema

federativo brasileiro, propondo adesão dos sistemas de ensino a essa

modalidade de formação.

De modo geral, nota-se a preocupação dos colaboradores em refletirem

criticamente sobre a participação dos educadores brasileiros e do Poder

Público na proposição de soluções para os problemas educacionais, sobre a

situação educacional no Brasil atual, e sobre a necessidade de se criar uma

rede nacional de formação continuada para professores. Esse documento

caracteriza-se, portanto, por essa proposta: a formação de uma rede nacional

de formação continuada de professores como resultado de um esforço coletivo

e com o objetivo de melhorar a qualidade da educação, de forma integrada

com as universidades, os sistemas de ensino e MEC.

Talvez pela grandiosidade do desafio que é elevar a qualidade da educação no

Brasil, tendo a melhoria da formação dos professores como uma das

estratégias para se alcançar o sucesso, a necessidade de flexibilidade que tal

empreitada exige diante de realidades tão diversas no contexto nacional, a

vantagem que as novas tecnologias nos permitem alcançar como um

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instrumento potencializador na formação de redes, a proposição dos cursos a

distância tenha sido colocada, não como a única solução, mas com a única

proposta, embora o próprio documento considere que não seja a única opção

para a formação continuada de professores. Porém, a discussão que se

estabeleceu sobre os princípios organizadores para a formação dessa Rede

revelou-se um campo fértil para discussões que abarcam outras propostas

para a formação continuada de professores em serviço e para a criação e

fortalecimento de novas redes que se podem formar nessas experiências.

Finalmente, no Capítulo 5 – “A formação continuada de professores em

serviço na política pública educacional do Estado do Espírito Santo”, para

analisar os aspectos concernentes ao tema consideremos dois importantes

documentos que resumem uma proposta para a política pública educacional

estadual, estabelecida a partir dos debates com a comunidade escolar nos

anos de 2003 e 2004: o documento base “Política Educacional do Estado do

Espírito Santo – A Educação é um Direito” (ESPIRITO SANTO, 2003) e o

volume 1 da Coletânea de Textos “Política Educacional do Estado do Espírito

Santo: A Educação é um Direito” (ESPÍRITO SANTO, 2004).

Deles procuramos destacar os aspectos relevantes para o tema pesquisado e

evidenciar possibilidades de correlacionar os processos de formação

continuada de professores em serviço e de gestão democrática da formação

docente de modo a potencializar e emancipação do professores.

Nas Considerações Finais, chegamos à conclusão de que há evidências nas

leis e propostas que nos permitem configurar a formação continuada de

professores em serviço como um processo de gestão democrática da formação

docente.

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2 A QUESTÃO DA DEMOCRACIA: DAS CONDIÇÕES PARA A

PARTICIPAÇÃO CIDADÃ EM BUSCA DA EMANCIPAÇÃO SOCIAL

“A democracia não é apenas um sistema político ou uma forma de

organização do Estado. Uma sociedade democrática não é, portanto,

aquela na qual os governantes são eleitos pelo voto. A democracia

pressupõe uma possibilidade de participação do conjunto dos membros

da sociedade em todos os processos decisórios que dizem respeito à sua

vida cotidiana, sejam eles vinculados ao poder do Estado ou a processos

interativos cotidianos, ou seja, em casa, na escola, no bairro etc.”

Inês Barbosa de Oliveira.

Nosso País constitui-se como um Estado Democrático de Direito (Art. 1° da

Constituição Federal, 1988) que tem como fundamentos a soberania, a

cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da

livre iniciativa, o pluralismo político, onde todo poder emana do povo, que o

exerce diretamente ou por meio de representantes eleitos, nos termos da Lei

(BRASIL, 1988).

São objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil conforme

estabelece o Art. 3º da Constituição: I – construir uma sociedade livre, justa e

solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a

marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o

bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer

outras formas de discriminação (BRASIL, 1988).

Nesse sentido, vivemos em um país de regime democrático, regime que se tem

consolidado na maior parte dos países. A democracia formal, porém, quando

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adotada estritamente como um sistema político, muitas vezes se sustenta

sobre formas ampliadas de exclusão, discriminação e dominação.

Oliveira (2006), ao comentar a obra de Santos (2005a) fala de algumas idéias

desse autor sobre a democracia e sobre a possibilidade de considerarmos a

indissociabilidade entre as teses: a) não há democracia sem condições de

democracia; b) há necessidade de democratização das relações sociais em

todos os espaços estruturais; c) a democracia das práticas sociais não é

suficiente se o conhecimento que as orienta não é democrático.

Nesse sentido, buscamos pensar o conceito de democracia a partir dessas

reflexões de modo a abranger as condições epistemológicas e políticas para

participação cidadã, a democratização das relações e do conhecimento na

transição paradigmática, e as possíveis contribuições desse processo para a

emancipação social.

2.1 A DEMOCRACIA E AS CONDIÇÕES PARA A PARTICIPAÇÃO CIDADÃ

Santos (2007) observa que, nos anos de 1960, havia vários modelos de

democracia, entre eles os de democracia representativa liberal, democracia

popular, democracia participativa, democracia de países que se desenvolviam

a partir do colonialismo. Na discussão que envolvia a questão das condições

políticas, sociais e econômicas para a existência da democracia, percebia-se

que ela só se fazia possível em um pequeno pedaço do mundo. No entanto,

segundo o autor, havia uma tensão criativa entre democracia e capitalismo,

porque a democracia era um processo que, por meio da metáfora do contrato

social e seus dois grandes princípios, igualdade e liberdade, lutava por uma

inclusão mais ampla, por alguma forma de redistribuição.

Para o autor, esse modelo entrou em uma crise enorme nos últimos vinte anos

porque a tensão entre democracia e capitalismo desapareceu, passando a

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existir um regime que, em vez de produzir redistribuição, a destruía, fazendo

com que só restasse um modelo de democracia: a democracia liberal

representativa. Essa é uma forma de democracia de modelo neoliberal,

imposto pelo Consenso de Washington, que não promove a redistribuição

social e que não se opõe ao capitalismo, ao contrário, o legitima. Nesse

sentido, “[...] perdemos “demodiversidade”: perdemos a diversidade de formas

democráticas alternativas em que o jogo, a competição entre elas de alguma

maneira dava força à teoria democrática” (SANTOS, 2007, p. 87).

Para Santos (2007), essa é uma situação de cidadania bloqueada, isto é, não

se garantem as condições materiais de participação, entre elas: a condição de

sobrevivência (fome), a liberdade (ameaças) e o acesso à informação. A falta

dessas condições faz com que participemos cada vez mais do que é menos

importante e banal para a reprodução do poder, assim como participarmos sem

poder para discutir as regras de participação. Santos (2005a) tem-se referido a

essas democracias contemporâneas como democracias de baixa intensidade.

Para Chaui (2006), a peculiaridade liberal está em tomar a democracia

estritamente como um sistema político que repousa sobre os postulados

institucionais como condições sociais da democracia:

1) A legitimidade do poder é assegurada pelo fato de os dirigentes serem obtidos pela consulta popular periódica, onde a ênfase recai sobre a vontade majoritária. As condições aqui postuladas são, pois, a cidadania e a eleição.

2) A eleição pressupõe a competição entre posições diversas, sejam elas de homens, grupos ou partidos. A condição aqui postulada é a existência de associações cuja forma privilegiada é o partido.

3) A competição pressupõe a publicidade das opiniões e liberdade de expressão. A condição aqui postulada é a existência da opinião pública como fator de criação da vontade geral.

4) A repetição da consulta em intervalos regulares visa proteger a minoria garantindo sua participação em assembléias onde se decidem as questões de interesse público, e visa proteger a maioria contra o risco de perpetuação de um grupo no poder. As condições aqui postuladas são a existência de divisões sociais (maioria/minoria) e de parlamentos.

5) A potência política é limitada pelo judiciário, que não só garante a integridade do cidadão face aos governantes, como ainda garante a integridade do sistema contra a tirania, submetendo o

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próprio poder do direito público e privado, a lei como defesa contra a tirania e, por conseguinte, a defesa da liberdade dos cidadãos (CHAUI, 2006, p. 147-148, grifos nossos).

A autora ainda pondera que esses critérios políticos e sociais configuram a

democracia como uma forma de vida social que se manifesta apenas no

processo eleitoral, na mobilidade do poder e, sobretudo, em seu caráter

representativo. Dessa forma, destaca o que diz a crítica marxista quanto ao

fato da a democracia, modelada sobre o mercado e sobre a desigualdade

socioeconômica, ser uma farsa bem sucedida, visto que os mecanismos por

ela acionados se destinam apenas a conservar a impossibilidade efetiva da

democracia, tornando-se óbvia sua fragilidade no capitalismo.

Santos (2007) argumenta que a manutenção da democracia representativa

sem redistribuição social faz com que vivamos em sociedades politicamente

democráticas, mas socialmente fascistas, e, ainda, que a facilidade de se

passar de um sistema de desigualdade para um sistema de exclusão está

produzindo uma situação nova de brutais desigualdades sociais que são

invisíveis, aceitas e naturalizadas, embora mantenham a idéia de Estado

democrático.

Nesse sentido, como nos alerta Oliveira (1999), para considerarmos uma

determinada formação social como democrática é preciso refletir sobre as

relações e práticas desenvolvidas em todas as instâncias de inserção de seus

membros nessa mesma sociedade, tendo a escola como uma de suas

instituições, trazendo consigo a questão da educação de qualidade e o seu

possível papel para a emancipação social. Existem para isso condições e

princípios gerais que podem servir de guia para pensar a construção da

democracia como uma utopia possível.

A autora é de opinião que os conceitos de igualdade e liberdade, chave nas

concepções democráticas, nunca puderam formar um par real em função tanto

da falta de liberdade nos sistemas sociais socialistas quanto da ausência de

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igualdade nas democracias ocidentais. Ocorre, também, que a liberdade nas

democracias ocidentais e a igualdade nos países comunistas não estavam

presentes como se queria fazer crer. Conseqüentemente, as sociedades que

conhecemos estão mais distantes dos ideais democráticos do que o desejável.

Nesse sentido, a autora propõe a oposição dos dois termos, igualdade e

liberdade, em sua reflexão:

Quando se defende uma sociedade mais igualitária, na qual as oportunidades e direitos sejam os mesmos para todos, não se está considerando que uma sociedade democrática é aquela na qual as pessoas levam uma mesma vida. A igualdade de oportunidades não significa identidade nos caminhos trilhados, nem nas escolhas políticas, profissionais, ou pessoais. A igualdade pretendida é a de possibilidades de se escolher um caminho de vida próprio, de poder ser respeitado nessas escolhas e de poder se viver de modo digno e satisfatório em qualquer alternativa, de acordo com as próprias aptidões, desejos e valores. Concebendo-se a igualdade deste modo, não se pode aceitar a modelização da vida e o cerceamento da liberdade de escolha vivida nos regimes comunistas, nem as desigualdades nas oportunidades e direitos das sociedades capitalistas atuais, e nem, finalmente, a valorização excessiva de determinadas escolhas e talentos em detrimento do valor de outras (OLIVEIRA, 1999, p. 17).

A conclusão a que se chega é de que para que haja igualdade é necessário

haver respeito à diferença. Para a autora, embora seja claro que todas as

pessoas e os grupos sociais são diferentes, o tratamento desigual que as

sociedades capitalistas lhes têm dispensado, em função de suas escolhas e de

suas histórias, pode ser entendido como uma redução significativa do direito à

diferença. Algumas características culturais, físicas ou intelectuais, ou mesmo

comportamentos são considerados superiores a outros, e a diferença se

estabelece com base na criação de modelos que causam perdas, prejuízos

diretos vinculados ao caráter antidemocrático quanto às desigualdades e

“indiretos” quanto à diferença. O preço a pagar por ser diferente é

excessivamente alto. “Cabe, ainda, ressaltar: racismos e preconceitos outros

com os quais convivemos cotidianamente, se fundamentam precisamente no

entendimento da diferença/diversidade como desigualdade” (OLIVEIRA, 1999,

p. 18). Dessa forma, seja naturalizando as diferenças, seja igualando pela

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identidade, os sistemas acabam afastando-se da construção de uma sociedade

igualitária e democrática.

Chaui (2006) também levanta, resumidamente, algumas condições para que a

democracia possa consolidar-se. No âmbito econômico, por exemplo, a

igualdade socioeconômica. Essa obviedade teórica pode dissimular um risco

histórico inscrito na noção de igualdade: a homogeneidade coletiva sob o

império de certas “racionalidades” imprescindíveis ao “bom” funcionamento da

economia (planejamento da organização, dirigismo e burocracia). Assim,

defende que recolocar a economia como condição social da democracia

passaria pelo questionamento da racionalidade econômica (maximizar os

ganhos e minimizar as perdas) e seus efeitos e soluções. É preciso perguntar o

que é, como, por que, e o que maximizar. Se a resposta a essas perguntas

ignorar a exploração da mais-valia, a tendência será de encontrar soluções nos

mecanismos empresariais de organização, que perpassam, paulatinamente, a

organização social em seu todo. Sem se questionar a qualidade das perdas e

dos ganhos, a igualdade socioeconômica fica reduzida à noção de uma

organização racional da produção e da distribuição.

Oliveira (1999) reflete sobre o pensamento marxista clássico, que via nas

questões de ordem econômica o principal problema social a ser resolvido para

a democratização da sociedade: a abolição da propriedade privada dos meios

de produção seria a questão central na construção da democratização social.

Por outro lado, nas sociedades capitalistas, a democratização se daria pelo

sufrágio universal. Nesse sentido, a autora posiciona-se dizendo que, se

podemos ainda supor que a socialização dos meios de produção seja

importante para a construção de uma sociedade democrática, é sob a condição

de que esta seja concebida como uma redistribuição mais igualitária desses

meios entre aqueles que trabalham e produzem. No entanto, a detenção mais

importante estaria sobre os meios de decisão e controle da atividade produtiva.

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No que se refere ao sufrágio universal, Oliveira (1999) defende que é preciso

levar em consideração uma série de fatores que influenciam o “jogo” eleitoral,

tais como a eqüidade representativa na esfera parlamentar, acesso dos

segmentos às discussões antes das eleições; as desigualdades quanto ao

acesso às informações e peso político dos diversos grupos sociais; a

manipulação midiática e papel desempenhado pelo poder econômico, e outros.

“Em poucas palavras, esquece-se que a dominação pode ser legitimada

eleitoralmente, mesmo que seja uma dominação da maioria sobre a minoria – o

que com freqüência é confundido com democracia” (OLIVEIRA, 1999, p. 21).

Na esfera político-institucional, Chaui (2006) também levanta a questão do

pluralismo, da democracia como uma forma política aberta aos conflitos, com

capacidade de conviver com eles e acolhê-los, legitimando-os pela

institucionalização dos partidos e pela eleição. Seu questionamento se dá

justamente porque se omite, levando-se em consideração a esfera econômica,

a questão da qualidade: o elogio ao pluralismo como essência da democracia

pode dissimular o fato de que um partido, seja ele qual for, carrega dentro de si

a sociedade como um todo, exprimindo-a dentro de um ponto de vista

determinado (uma classe, uma fração de classe, um grupo).

A defesa dessa multiplicidade de posições como um signo da democracia não

significa a efetividade democrática: pode não haver na organização dos

partidos uma democracia interna. Nesse sentido, na medida em que as

desigualdades econômicas são transportadas para dentro dos partidos, é

preciso questionar como se dão as relações de autoridade internamente,

distinguindo seus membros quanto ao poder, ao saber e à informação.

Também é preciso saber em que medida os objetivos manifestos no plano

político (tomar o poder ou pressioná-lo), social (reunir e organizar setores

determinados da população) e ideológico (um teoria, um programa para a

maioria dos cidadãos) se coadunam com os objetivos latentes (tomar o poder e

redistribuí-lo clientelística, hierárquica e igualmente), verificando-se se seus

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militantes vêem essas relações como provisórias ou como protótipo de uma

nova sociedade democrática.

Oliveira (1999) considera importante destacar que, na medida em que se

consideram legítimas e democráticas as decisões tomadas pelos governantes

eleitos, se fecha a porta para as discussões políticas, sociais e éticas que

poderiam justificar ou questionar tais decisões, pois adquirem legitimidade

imediata, visto que decorrem de discussões “democráticas”, e a legalidade

deixa de ser conseqüência da legitimidade. Nesse sentido, legalidade também

pode servir de dominação.

A autora leva seu pensamento sobre legitimidade e legalidade ao ponto de

rever a idéia de direitos individuais e direitos coletivos diante de equívocos com

que têm sido tratados: questiona a legitimidade de alguns direitos individuais

como privilégios. Para ela, a hipertrofia dessa noção nas sociedades ocidentais

contemporâneas tem levado a um crescente afastamento das noções de

solidariedade, cooperação, coletividade, porque as pessoas têm trabalhado

para garantir seus próprios direitos, sem considerar a validade social ou ética

intrínseca, provocando o desrespeito ao outro, legitimando poderosos,

prejudicando a democracia. Do ponto de vista dos direitos coletivos, existe a

mesma lógica, pela qual o direito à livre associação tem legitimado toda sorte

de associacionismo corporativista na ausência de discussão sobre a

legitimidade das reivindicações de diversos grupos legais. Nesse sentido,

tornam-se direitos de autodefesa de interesses, que, legitimados a priori,

asseguram a dominação de grupos de pressão mais bem situados em relação

a outros.

Dessa maneira, alerta para o risco que corre o pluralismo, cada vez mais

neutralizado pela modelização de idéias e parâmetros dominantes. “O

pluralismo verdadeiro pressupõe e exige liberdade e autonomia de ação e

pensamento e, principalmente, respeito mútuo das diferenças [...]” (OLIVEIRA,

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1999, p. 24), o que, segundo a autora, não tem sido regra das sociedades

ocidentais contemporâneas.

Para Chaui (2006), uma das condições mais prementes da democracia é o

direito ao saber, à informação, porque incide sobre as outras

Seja qual for o estatuto econômico, a posição dentro de um sistema global de dependências sociais, um indivíduo participa da vida social em proporção ao volume e à qualidade das informações que possui, mas, especialmente, em função de sua possibilidade de acesso às fontes de informação, de suas possibilidades de aproveitá-las e, sobretudo, de sua possibilidade de nelas intervir como produtor do saber. Isso significa que nas discussões acerca das condições sociais da democracia algumas questões merecem ser focalizadas: a) Como os indivíduos recebem a informação? b) Quais as informações que lhes são dadas? c) Quando são? d) Quem as dá? e) Com que fim as recebem – para serem fixados em certos pontos determinados do sistema social ou para dar-lhes liberdade de trânsito entre um setor e outro? f) Podem os indivíduos tirar igual partido das mesmas informações, ou a homogeneidade serve apenas para ocultar uma desigualdade social e econômica reforçada pela própria “igualdade” de informações, aceita como algo de que nem todos poderão tirar frutos? (CHAUI, 2006, p. 153).

A autora continua sua análise, dizendo que, em sociedades não democráticas

uma fórmula rege o processo da informação e poder: “[...] não é qualquer um

que pode dizer qualquer coisa a qualquer outro em qualquer lugar sob qualquer

circunstância. Há, portanto, regras de interdição quanto ao emissor, ao

receptor, à mensagem, seu tempo e seu lugar” (CHAUI, 2006, p. 153).

Chaui (2006) questiona a noção de competência em sociedades que

desenvolveram a idéia de cultura de massa, criando duas poderosas

abstrações gêmeas: o discurso competente (a fala do saber do especialista) e

a massa (o agregado amorfo e sem fisionomia dos receptores do

conhecimento).

A noção de competência tem a função precisa de marcar a desigualdade numa esfera que não é mais aquela tradicional da ideologia burguesa (a desigualdade natural das capacidades e talentos), mas uma outra, produzida pela sociedade planificada e organizada: a desigualdade entre os detentores do saber e os despossuídos. Todavia, este aspecto não seria tão poderosamente

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conservado não fosse compensado por um outro: a magia dos meios de comunicação que prometem a todos a possibilidade de alcançar e deter esse saber. O efeito desse procedimento consiste, na verdade, em recriar novas barreiras e desigualdades, porém muito mais sutis: agora, as barreiras e distâncias são erguidas entre cada indivíduo e sua própria experiência. Com efeito, a noção de competência invade toda a sociedade” (CHAUI, 2006, p. 154).

Na visão da autora, a noção de competência acrescenta à regra da interdição,

que pesa sobre o saber, a regra da exclusão. Dessa forma, entre o professor e

o aluno, por exemplo, interpõe-se o saber pedagógico; entre o indivíduo e seu

corpo, o discurso sexológico; entre a mãe e a criança, a puericultura e a

pediatria... Revistas de divulgação cultural, a televisão “educativa”, os livros de

“ciência” não só reforçam a idéia de competência como intimidam

violentamente a “massa” dos incompetentes, pois ser não-competente é ser

mais do que “menor”, é ser a-social. Acrescenta-se a essas duas regras, uma

terceira: o monopólio da informação e, conseqüentemente, do saber e sua

manipulação. Sua gravidade anuncia a possibilidade de uma caricatura de

democracia no plano da cultura: a cultura popular, sua manipulação

demagógica, que exibe a criatividade das “ordens inferiores” fazendo delas um

repositório das “tradições nacionais”; a cultura como coisa pública e fazer do

coletivo, como algo a que todos têm acesso, todos comunicando-se com todos.

Assim, Chaui (2006) conclui que, se pudéssemos resumir a questão das

condições sociais da democracia, talvez devêssemos recuperar o conceito de

alienação e reificação, reabrindo a discussão sobre a divisão social do trabalho

como divisão de classe para e pela exploração da mais-valia, realizada não

pelo Estado, mas através do Estado. Para a autora, de um lado das

discussões, reduz-se a democracia à esfera estrita político-institucional e se

fixam transformações do aparelho de Estado, feitas “pelo alto”, sob a lente dos

dominantes. Do lado socialista, o foco no econômico parece fazer com que a

discussão se realize “de baixo”, enfatize a igualdade, contrapondo-se a

discussão liberal que enfatiza a liberdade, em termos estritamente históricos.

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Nos dois casos, a liberdade defendida por uns e a igualdade defendida por

outros, deixam de fora a questão do poder.

Nesse sentido, Oliveira (1999), ao trabalhar o conceito de liberdade real

estabelece uma relação entre liberdade e poder de participação nos processos

decisórios.

A liberdade pode ser concebida como uma aquisição efetiva do poder de autodeterminação da própria existência, em tudo que esta comporta. Neste caso, ela só pode ser efetiva se todo indivíduo livre puder intervir nos processos decisórios relacionados a todos os aspectos de sua vida pessoal e social. Esta liberdade só é possível numa organização social na qual as relações socais sejam construídas a partir de discussões abertas a todos os interessados e, na qual, as normas de interação social sejam estabelecidas por meio de um acordo real entre os participantes, sem nenhum tipo de coerção. A validade destas discussões requer que os indivíduos que delas participam estejam conscientes das questões em jogo, das regras da discussão e dos diferentes interesses dos participantes. É preciso, ainda, que todos possam agir de modo autônomo, o que exige a ausência de mecanismos coercitivos e de dependência pessoal: política, social, psíquica ou intelectual entre uns e outros. Se é assim, a liberdade não pode ser confundida com um conjunto de direitos proclamados na legislação. Além disso, esses direitos proclamados precisam ser efetivamente exercidos pelo conjunto dos membros e grupos sociais da sociedade e outros, atualmente negligenciados, precisam passar a integrar a legislação. Cabe ainda dizer que a liberdade não deve ser confundida com suas “expressões físicas” como a liberdade de ir e vir etc. Ter liberdade é, antes de mais nada, dispor de possibilidades pessoais de autodeterminação da própria existência. A sua efetivação supõe, portanto, a formação de uma vontade de autodeterminação que possa encontrar na realidade uma possibilidade de concretização, tanto no nível material, quanto sob os aspectos intelectual, político e psicológico. Essa liberdade só pode ser construída se as condições materiais de vida forem minimamente satisfatórias, se o sistema político assegurar as liberdades formais e estiver aberto à realização de discussões a respeito de questões relacionadas à vida cotidiana da população, e, finalmente, se a educação e as condições sociais de seu desenvolvimento favorecerem o desenvolvimento das capacidades intelectuais, interativas e subjetivas dos indivíduos. Cabe ressaltar que tudo isso não se pode restringir a alguns segmentos da população – como é o caso na maior parte dos países ditos desenvolvidos – mas precisa se estender a toda a população (OLIVEIRA, 1999, p. 25-26).

Para que a democracia se realize toda a população deve ser contemplada com

as condições necessárias a que ela se efetive como fruto de conquistas

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históricas em que a idéia de liberdade sempre caminha ao lado da idéia de

democracia e de autonomia, no sentido de autodeterminação. Assim, Oliveira

(1999) concluí que a democracia além de ser um sistema estatal, incorpora-se

à lógica cotidiana de indivíduos e grupos sociais em interação na sociedade.

A democracia é, portanto, um sistema de vida no qual a organização e a regulamentação dos processos de integração social são fundamentados no princípio da liberdade, entendida como direito à autodeterminação. É um sistema de vida, um modo cotidiano de efetivação das interações interpessoais que guia e orienta o conjunto das atividades de uma determinada comunidade. Deste modo, a construção da democracia exige não apenas a socialização dos meios de produção econômica como também a dos meios de decisão política, além da democratização dos sistemas de autoridade em todas as esferas da vida social. Subentende-se aqui que as condições de realização de uma democracia efetiva são dadas em função das possibilidades de participação autônoma dos diversos segmentos da sociedade nos processos decisórios e interativos. Entretanto, para interagir de modo autônomo, é preciso que os membros desses diversos grupos sociais possam ter desenvolvido alguma autonomia como indivíduos, o que torna o processo de construção da democracia uma espiral crescente – embora não linear – na qual as conquistas individuais vão potencializar novas conquistas coletivas e vice-versa (OLIVEIRA, 1999, p. 27).

Nesse sentido, Oliveira argumenta que a democracia pressupõe uma

possibilidade de participação ativa dos cidadãos “[...] no conjunto dos

processos decisórios que dizem respeito à sua vida cotidiana, sejam eles

vinculados ao poder do Estado ou a processos interativos nos demais espaços

estruturais nos quais estamos inseridos” (OLIVEIRA, 2003, p. 16).

Fechando a discussão sobre as condições da democracia tendo em vista os

objetivos de uma nova teoria de democracia sob o ponto de vista de Santos

(2005b), Oliveira resume como sendo os seguintes:

[...] alargar e aprofundar o campo político em todos os espaços estruturais da interação social, considerando que isso requer uma imaginação social que inclua novos exercícios de democracia, e novos critérios democráticos para avaliar as diferentes formas de participação política. A necessidade de ampliação do conceito de cidadania para além do princípio da reciprocidade e simetria entre direitos e deveres (p. 276) está também subentendida nesse processo. A cidadania passa a ser identificada não só como obrigação política vertical entre cidadãos e Estado mas também como

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uma obrigação política horizontal entre cidadãos, o leva à revalorização do princípio de comunidade e, com ele, a idéia de igualdade sem mesmidade, a idéia de autonomia e a idéia de solidariedade (p. 278). Mais do que isso, a idéia de obrigação política horizontal é presente em todos os processos de interação social nos diferentes espaços estruturais pode ser considerada como uma das bases da construção da democracia social (OLIVEIRA, 2006, p. 69, grifos da autora).

Concluímos que a democracia social pressupõe um equilíbrio entre liberdade e

igualdade, e envolve a participação individual e coletiva dos sujeitos em

sociedade nos processos de decisão que dizem respeito à vida cotidiana. Por

conseguinte, “[...] uma determinada sociedade será tão mais democrática

quanto mais intensos e efetivos forem os mecanismos e processos decisórios

sobre os quais se funda” (OLIVEIRA, 2003, p. 16). O autora completa dizendo

que

A utopia da democracia como sistema social pressupõe o alargamento da eqüidade em todos os domínios da vida, o que torna necessária a repolitização global das práticas sociais para o seu desenvolvimento, entendendo-se que politizar significa identificar relações de poder e imaginar formas práticas de as transformar em relações de autoridade partilhada (SANTOS, 1995, p. 271). É nesse sentido que a luta em todos os espaços estruturais nos quais estamos inseridos se impõe como condição de construção democrática (OLIVEIRA, 2006, p. 137, grifos da autora).

Tendo em vista a reflexão feita com base no pensamento desses autores e a

indissociabilidade entre as teses de Santos de que não há democracia sem

condições democráticas, a democratização das práticas sociais requer a

democratização dos saberes e é condição para a democratização das

subjetividades, podemos concluir que as condições para a existência de uma

democracia mais democrática e participativa são, portanto, políticas e

epistemológicas. A sociedade democrática, assim como a participação cidadã,

depende do sucesso que obtiver para garantir que essas condições se

estendam a toda sociedade, na busca por sustentar a democracia como

princípio regulador das relações sociais nos espaços constitutivos de nossas

redes de subjetividades, saberes e práticas reais, que tecemos e nos tecem,

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sendo de extrema importância que os processos de gestão democrática

alcancem a educação, a escola e a formação como uma alternativa para

promover a emancipação social.

2.2 PENSANDO A POSSIBILIDADE DE EMANCIPAÇÃO: FORMAS DE

CONHECIMENTO E GESTÃO

A nova teoria de democracia proposta por Santos (2005b, p. 271), em que “[...]

politizar significa identificar relações de poder e imaginar formas práticas de

transformá-las em relações de autoridade partilhada”, envolve, portanto, uma

repolitização global da prática social, tornando claras novas formas de

opressão e de dominação e cria novas oportunidades para o exercício da

democracia, da cidadania, e para a emancipação social.

Mas a possibilidade de se pensar uma nova teoria de democracia deve

considerar a impossibilidade de se determinar os rumos dos processos de

transformação social. É preciso levar em conta que “[...] a emancipação não é

mais que um conjunto de lutas processuais, sem fim definido. O que a

distingue de outros conjuntos de lutas é o sentido político da processualidade

das lutas” (SANTOS, 2005b, p. 277).

Então, o autor, ao mesmo tempo em que defende que as práticas sociais

alternativas gerarão formas de conhecimento alternativas, também defende

que, a fim de contribuírem para a ampliação da democracia, da cidadania e a

emancipação social, as soluções emancipatórias devem estar acompanhadas

não só do pensamento emancipatório, mas também da vontade de

emancipação, como em subjetividades rebeldes na luta contra os processos de

dominação e para que se aprofundem as lutas democráticas em todos os

espaços estruturais da prática social. Nesse sentido, emancipação envolve a

luta por diminuição/extinção de processos de dominação.

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Essa é a ligação que se faz entre conhecimento e subjetividade: o conflito

epistemológico desdobra-se num conflito psicológico, o e que nos leva a

pensar que, se as alternativas existem, não devemos ater-nos somente às

condições objetivas que nos conduzem à desmoralização da vontade de

transformação, mas investir para fazer com que a vontade permaneça forte

como em subjetividades rebeldes. A ampliação da democracia implica a

superação de autoritarismos na busca por transformar as relações de poder em

relações de autoridade partilhada. Para que esses processos promovam a

emancipação social, devem ser protagonizados por subjetividades que

busquem a emancipação de uma forma processualmente democratizada.

Poderíamos dizer que, para Santos (2005a), a utopia da democracia social e,

por conseguinte, da emancipação social se assenta em duas condições: uma

nova epistemologia que recusa o fechamento de horizontes de expectativas e

possibilidades e cria alternativas, e uma nova psicologia que recusa

subjetividades conformistas e cria a vontade de lutar por alternativas.

Consideramos que essa linha de pensamento liga subjetividade, democracia,

gestão democrática e emancipação, e dois processos se destacam: o processo

de formação e o processo de gestão democrática. Nesse sentido, buscamos

explorar o pensamento de Santos (2001, 2005a, 2005b, 2007) e de outros

autores, com o intuito de abordar a questão da democratização das relações e

do conhecimento na transição paradigmática como condição para a

democratização e a emancipação social e suas implicações para a correlação

entre os processos de formação continuada de professores e de gestão

democrática da formação docente.

2.2.1 A questão do conhecimento na transição paradigmática segundo

Santos

O autor argumenta que estamos a passar por uma transição entre um

paradigma, que chama de dominante, moderno, advogando em favor de um

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novo paradigma, o paradigma emergente, designado como “paradigma do

conhecimento prudente para uma vida decente”. Para essa compreensão,

sugere darmos continuidade às reflexões empreendidas pelos movimentos

sociais, entre eles os dos anos de 1960 sessenta, que representaram um dos

primeiros movimentos a questionar os excessos de regulação da modernidade

por meio de uma nova equação entre subjetividade, cidadania e emancipação.

Ao se concentrar na questão da democracia e suas características sob a

perspectiva da teoria crítica, Santos (2007, p. 17) argumenta que o problema

da emancipação social, como conceito absolutamente central da modernidade

ocidental, está no fato de ela ter sido organizada por meio de uma tensão entre

regulação e emancipação social. O autor faz uma crítica à epistemologia

dominante, dizendo:

[...] o que mais nitidamente caracteriza a condição sócio-cultural deste fim de século é a absorção do pilar da emancipação pelo da regulação, fruto da gestão reconstrutiva dos défices e dos excessos da modernidade confiada à ciência moderna e, em segundo lugar, ao direito moderno (SANTOS, 2005a, p. 55).

O desenvolvimento do pensamento de Santos (2005a) caminha no sentido de

considerar que a modernidade é sustentada por dois pilares: o pilar da

emancipação e o pilar da regulação, que deveriam funcionar em perfeito

equilíbrio e harmonia para a solução dos problemas que surgissem no decorrer

do desenvolvimento da sociedade moderna. O pilar da emancipação é

subdividido em três racionalidades: a racionalidade cognitivo-instrumental

(representada pela ciência), a racionalidade estético-expressiva

(representada pela arte e pela literatura) e a racionalidade moral-prática

(representada pela ética e pelo direito). O pilar da regulação é composto por

três princípios: o princípio do Estado (como pensado por Hobbes), que

consiste na obrigação vertical entre cidadãos e Estado; o princípio do Mercado

(como pensado por Locke), que consiste na obrigação horizontal individualista

e antagônica entre os parceiros do mercado; e o princípio da Comunidade

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(como pensado por Rosseau), que consiste na obrigação política horizontal

solidária entre membros da comunidade e entre associações.

No entanto, segundo Santos (2005a), a racionalidade cognitivo-instrumental

gradualmente colonizou as outras duas (as racionalidades estético-expressiva

e a moral-prática), e, por sua vez, foi colonizada pelo princípio regulador do

mercado. A ciência tornou-se a principal força produtiva da sociedade

capitalista, levando a emancipação moderna a render-se à regulação, que não

promoveu a emancipação. Como conseqüência disso, segundo o autor,

encontramo-nos na situação de expandir nossa capacidade de agir, mas não

de prever as conseqüências de nossos atos, “[...] e, por isso, a previsão das

conseqüências da acção científica é necessariamente muito menos científica

do que a acção científica em si mesma” (SANTOS, 2005a, p. 58).

Para o autor, existem duas leituras dessa situação: 1) a ciência como “défice”,

visão que prevaleceu até agora, defendendo que nossa capacidade de prever

é deficitária diante da capacidade de produzir, por isso é preciso mais

progresso científico; 2) a ciência como “excesso”, uma leitura ainda marginal,

mas que tende a ganhar credibilidade, que põe em causa a noção de

progresso científico, em que a capacidade de agir é excessiva em relação à

capacidade de prever as conseqüências. Diante dessas duas leituras se

pergunta: Qual estaria certa? Porém responde a si mesmo que ambas e

nenhuma. Essa seria a ambigüidade da situação presente.

Seguindo em seu raciocínio, afirma que estamos de novo perplexos, diante da

perda de confiança epistemológica no potencial da ciência para resolução dos

problemas da humanidade. Nesse sentido, o autor propõe questionar as

contribuições positivas e negativas da ciência e a sua relação com a virtude,

pois é urgente darmos respostas a perguntas simples, como as de Rosseau,

que são capazes de lançar luz nova à nossa perplexidade. É preciso

questionar o valor do conhecimento dito ordinário ou vulgar, que nós, sujeitos

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individuais e coletivos, criamos para dar sentido às nossas práticas e que a

ciência teima em considerar irrelevante, ilusório e falso.

Na visão de Santos (2001 e 2005a), o paradigma dominante ou moderno está

alicerçado no modelo de racionalidade da ciência moderna, constituída a partir

da revolução científica do século XVI, e foi desenvolvido nos séculos seguintes

basicamente no domínio das ciências naturais. Quando esse modelo de

racionalidade se estendeu às ciências sociais emergentes, então se passou a

falar de um modelo global (isto é, ocidental) de racionalidade científica que

admite variedade interna, mas que se defende ostensivamente de duas formas

de conhecimento não científico: o senso comum e as chamadas humanidades

ou estudos humanísticos (em que se incluiriam, entre outros, os estudos

históricos, filológicos, jurídicos, literários, filosóficos e teológicos).

Como um modelo global, a nova racionalidade científica “[...] é também um

modelo totalitário, na medida em que nega o caráter racional a todas as formas

de conhecimento que se não pautarem pelos seus princípios epistemológicos e

pelas suas regras metodológicas” (SANTOS, 2005a, p. 61). Esse é um

paradigma que admite só uma forma de conhecimento verdadeiro e revela uma

extrema e serena arrogância na atitude mental de seus protagonistas, em sua

confiança epistemológica, que os conduz a lutas contra todas as formas de

dogmatismo e de autoridade. Essa visão do mundo e da vida distingue

conhecimento científico de senso comum, homem de natureza e configura-se

como o que Santos (2005a) chamou de Primeira Ruptura (entre conhecimento

científico e senso comum).

Em seus pressupostos, a ciência moderna desconfia sistematicamente das

evidências, e o conhecimento científico opõe a razão entregue a si mesma à

razão da experiência ordenada. As idéias que resistem são as idéias

matemáticas, e o que não é quantificável é cientificamente irrelevante. O

método científico assenta-se na redução da complexidade: conhecer é dividir e

classificar para depois estabelecer relações sistemáticas entre as partes. O

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conhecimento gerado é causal. Leis são criadas para prever o futuro, a

começar da observação de regularidades, partindo-se do pressuposto de

posição e tempo absolutos. Esse determinismo mecanicista é a base de um

conhecimento que se pretende utilitário e funcional, reconhecido mais pela

capacidade de dominar e transformar do que de compreender profundamente o

real.

O prestígio de Newton e das leis simples, que reduziam a complexidade da

ordem cósmica, converteu a ciência no modelo de racionalidade hegemônica,

transpassando os estudos das leis da natureza para o estudo das leis da

sociedade. Essas leis determinariam a evolução das sociedades e tornariam

possível prever os resultados das ações coletivas. “A consciência filosófica da

ciência moderna, que tivera no racionalismo cartesiano e no empirismo

baconiano as suas primeiras formulações, veio a condensar-se no positivismo

oitocentista” (SANTOS, 2005a, p. 65).

Daí a divisão do conhecimento científico em duas formas: a lógica matemática

e as ciências empíricas, de acordo com as quais, segundo o modelo das

ciências naturais, em sua vertente dominante, as ciências sociais nasceram

para ser empíricas, aplicando-se a elas os princípios epistemológicos e

metodológicos daquelas. Para Santos (2005a), há, no entanto, uma vertente

marginal cada vez mais seguida, que reivindica para as ciências sociais um

estatuto epistemológico e metodológico próprio, com base na especificidade

humana e na sua distinção radical em relação à natureza. Para o autor,

embora essas vertentes tenham sido consideradas antagônicas, uma sob o

jugo do positivismo e outra que dele se liberta, ambas reivindicam o monopólio

do conhecimento científico-social.

Porém Santos (2005a) apresenta uma leitura diferente dessas duas vertentes:

a primeira, representada pelos estudos científicos da sociedade sob o ponto de

vista epistemológico da “Física Social”, parte do pressuposto de que as

ciências naturais são uma aplicação de um modelo de conhecimento

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universalmente válido, o único válido. Reconhece-se a diferença entre os

fenômenos naturais e os sociais, sendo necessária a redução dos fatos sociais

às dimensões externas, observáveis e mensuráveis. Assim, por maiores que

sejam as diferenças entre os fenômenos naturais e os fenômenos sociais, seria

sempre possível estudar os últimos como se fossem os primeiros, pois não

haveria diferenças qualitativas no processo científico. No entanto, esse

processo não é fácil, existindo ainda um longo caminho a percorrer para se

compatibilizar com os critérios das ciências naturais. Nasce daí a idéia de

atraso das ciências sociais em relação às ciências naturais, que pode ser

vencida com tempo e dinheiro.

Na segunda vertente, as ciências sociais reivindicam para si um estatuto

metodológico próprio, pois os obstáculos entre as duas ciências seriam

intransponíveis. Seu argumento central é que a ação humana é radicalmente

subjetiva, e o comportamento humano não pode ser descrito e explicado com

base nas suas características exteriores e objetiváveis. Um mesmo ato externo

pode corresponder a sentidos de ação muito diferentes. O conhecimento a que

se chega é intersubjetivo, descritivo e compreensível e seu método, é

qualitativo.

Para Santos (2005a), no entanto, embora a segunda vertente assuma uma

postura antipositivista e sua tradição filosófica seja fenomenológica, as duas

vertentes compartilham a distinção natureza/ser humano, visão mecanicista da

natureza, subsidiária das ciências naturais, que mais tarde se sobrepôs como

distinção entre natureza/cultura, a distinção homem/animal, o que deixa revelar

a prioridade cognitiva das ciências naturais, pois, “[...] se por um lado, se

recusam as condicionantes biológicas do comportamento humano, pelo outro

usam-se argumentos biológicos para fixar a especificidade do ser humano”

(SANTOS, 2005a, p. 67). Conclui-se que ambas pertencem ao paradigma da

ciência moderna (o paradigma dominante), mesmo que a segunda vertente

contenha componentes da transição paradigmática que estamos a viver.

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O autor descreve a crise do paradigma dominante como resultado de uma

pluralidade de condições sociais e teóricas, em que o próprio aprimoramento

do conhecimento permitiu ver a fragilidade dos pilares em que se funda. Esses

pilares começaram a ser abalados em virtude de quatro condições teóricas, a

começar pelo primeiro rombo, representado pela teoria da relatividade de

Einstein, que revolucionou nossas concepções de espaço e de tempo,

revelando que não há simultaneidade universal. O tempo e o espaço absolutos

de Newton deixaram de existir, influenciando as leis da Física e da Geometria,

que se baseiam em medições locais. Dessa forma, o autor destaca que o rigor

da medição é posto em causa pela Mecânica Quântica, resvalando no rigor do

veículo formal em que a medição é expressa, isto é, a Matemática.

O segundo rombo está relacionado ao princípio da incerteza de Heisenberg,

quando diz que “[...] não conhecemos o real senão o que nele introduzimos, ou

seja, que conhecemos do real senão a nossa intervenção nele” (SANTOS,

2005a, p. 69). Assim, existe uma interferência estrutural do sujeito no objeto

observado.

Oliveira (2006) destaca três idéias que emergem do princípio heisenberguiano:

Em primeiro lugar, se o rigor do conhecimento é estruturalmente limitado, os resultados a que se pode chegar serão sempre aproximados, levando à conclusão de que as leis da Física são apenas probabilísticas. Em segundo lugar, devido ao fato de que a totalidade do real não se reduz à soma das partes em que ela foi dividida para ser observada e medida, a hipótese do determinismo mecanicista é inviabilizada. Finalmente, aprende-se que a distinção sujeito/objeto é muito mais complexa do que parecia à primeira vista (OLIVEIRA, 2006, p. 21-22).

O terceiro rombo surge a partir daí e de outras inovações teóricas, quando foi

possível questionar o rigor da Matemática como também “[...] redefini-lo

enquanto forma de rigor que se opõe às outras formas de rigor alternativo, uma

forma de rigor cujas condições de êxito na ciência moderna não podem

continuar a ser consideradas como naturais e óbvias” (SANTOS, 2005, p. 70).

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A quarta condição teórica é constituída pelos movimentos científicos que, junto

com as inovações teóricas, proporcionaram uma profunda reflexão

epistemológica sobre o conhecimento científico que enfocou seu conteúdo e

sua forma.

Particularmente relevante é o trabalho de Ilya Prigogine, segundo o qual, em sistemas abertos, que funcionam nas margens da estabilidade, a evolução se explica por flutuações de energia, que, em momentos nunca inteiramente imprevisíveis, desencadeiam reações, por via de mecanismos não-lineares, que transformam irreversivelmente o sistema anterior através de uma lógica de auto-organização. Assim, essa irreversibilidade indica que os sistemas abertos são produto de sua história (OLIVEIRA, 2006, p. 23).

Oliveira (2006) resume que a imprevisibilidade do comportamento do sistema,

os mecanismos não-lineares que presidem sua transformação e a

irreversibilidade desta última são três fortes argumentos para a formação de

um novo paradigma científico, menos cientificista e mais adequado às

realidades sociais, educativas e escolares. Para autora, essas idéias

ressaltadas na obra de Santos (2001, 2005a) têm grande possibilidade de

aproveitamento para a educação, na medida em que permitem recolocar em

debate os modos de pesquisar a escola e produzir conhecimentos sobre as

práticas e saberes que lhe são específicos:

A substituição da idéia de lei universalmente válida pela idéia da probabilidade [...] permite conceber possibilidades de práticas para além daquilo que os modelos fechados podem explicar e considerar. A idéia de que a realidade é mais do que a soma das partes em que foi/é dividida para fins analíticos implica a consideração não só dos elementos perceptíveis e organizáveis para se pensar o real, mas também das relações entre eles. [...] Fragmentar o real e tentar entendê-lo mediante a compreensão de suas partes é, portanto, procedimento impróprio para captar a complexidade da realidade social e, portanto, escolar. Finalmente, a impossibilidade da cisão absoluta entre sujeito e objeto põe em questão a própria idéia do pesquisador/observador neutro da realidade e o coloca dentro daquilo que pesquisa, voluntariamente ou não, impossibilitando, portanto, de tecer conhecimentos totalmente neutros e objetivos a serem validados em virtude dessas supostas características (OLIVEIRA, 2006, p. 22).

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A análise de Santos (2005a) sobre o conhecimento científico na modernidade

questiona o conceito de lei e de causalidade que lhe está associado e aponta a

impossibilidade de separar, de modo perfeito e inequívoco, as condições

iniciais que dão origem aos fenômenos. Nesse sentido, é possível dizer que

todo conhecimento é imperfeito.

No que diz respeito ao conteúdo desse conhecimento, o autor conclui que,

porque se fecha a outros saberes, esse é um conhecimento desencantado e

triste, quantificador e aviltante da natureza e do próprio cientista, um ser

humano. Além disso, a simplicidade das leis “[...] constitui uma simplificação

arbitrária da realidade que nos confina a um horizonte mínimo para além do

qual outros conhecimentos da natureza, provavelmente mais ricos e com

interesse humano, ficam por conhecer” (SANTOS, 2001, p. 32). É um

conhecimento que ganha rigor, mas perde em riqueza, ou seja,

[...] ao conceder todo o poder ao investigador, considerando seu campo de ação como objeto apenas, o rigor científico de inspiração matemática e quantitativa retira das práticas sociais toda a sua riqueza e politicidade, visto ser impossível quantificar a intencionalidade política (OLIVEIRA, 2006, p. 27, grifos nossos).

Decorre daí a idéia de que a precisão do conhecimento é precária, porque nem

os limites qualitativos nem os quantitativos são superáveis, visto que a precisão

é estruturalmente limitada por diversas razões, não sendo possível superá-las

nem por maiores quantidades de investigação, nem por maior precisão que os

instrumentos de medida consigam alcançar: a experiência rigorosa seria

irrealizável.

Segundo Santos (2001), a precariedade do conhecimento científico também se

evidencia no caráter “distorcivo” do conhecimento centrado na observação das

partes: se o conhecimento só sabe avançar pela via da progressiva

parcelização do objeto, bem representada nas crescentes especializações da

ciência, é também por essa via que se confirma a irredutibilidade das

totalidades às partes que as constituem. As fronteiras entre sujeito e objeto e

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os fatos observados têm escapado ao regime prisional a que a ciência os

sujeita, sendo possível pensar, segundo Oliveira (2006), numa teia complexa

de relações entre objetos, às vezes mais importantes do que o objeto em si.

O autor caracteriza a situação intelectual do tempo presente dizendo:

Depois da euforia cientista do século XIX e da consequente aversão à reflexão filosófica, bem simbolizada pelo positivismo, chegamos a finais do século XX possuídos pelo desejo quase desesperado de complementarmos o conhecimento das coisas com o conhecimento de nosso conhecimento das coisas, isto é, com o conhecimento de nós próprios. A segunda faceta desta reflexão é que ela abrange questões que antes eram deixadas aos sociólogos. A análise das condições sociais, dos contextos culturais, dos modelos organizacionais da investigação científica, antes acantonada no campo separado e estanque da sociologia da ciência, passou a ocupar papel de relevo na reflexão epistemológica (SANTOS, 2005a, p. 71).

Em seu parecer, esse é um cenário de crise paradigmática que está longe de

ser um pântano cinzento, mas acena com a possibilidade de um paradigma

emergente trazer consigo um otimismo e uma racionalidade mais plural. Nesse

sentido, advoga em favor de um novo paradigma: o paradigma de um

conhecimento prudente para uma vida decente. Mas, como o próprio autor

afirma, isso só pode ser obtido por via especulativa.

Eu falarei do paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente. Com esta designação, quero simplificar que a natureza da revolução científica que atravessamos é estruturalmente diferente da que ocorreu no século XVI. Sendo uma revolução científica que ocorre numa sociedade ela própria revolucionada pela ciência, o paradigma a emergir dela não pode ser apenas um paradigma científico (o paradigma de um conhecimento prudente), tem de ser também um paradigma social (o paradigma de uma vida decente) (SANTOS, 2005a, p. 74).

Para maior compreensão do conhecimento no novo paradigma proposto por

Santos (2001, 2005a), trataremos dos dois tipos de conhecimento identificados

pelo autor no paradigma moderno ou dominante.

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Embora o autor sustente que “[...] não há um conhecimento geral; tampouco há

uma ignorância geral. Somos ignorantes de certo conhecimento, mas não de

todos” (SANTOS, 2007, p. 52) e que, sendo assim, “[...] todo saber é saber

sobre uma certa ignorância e, vice-versa, toda ignorância é ignorância de um

certo saber” (SANTOS, 2005a, p. 78), ele nos fala sobre a existência, na matriz

da modernidade, de dois tipos de conhecimento: o conhecimento-regulação e o

conhecimento-emancipação. Eles diferenciam-se entre si pela trajetória que

perfazem entre um ponto A, designado por ignorância, para um ponto ou

estado B, designado por saber.

O conhecimento emancipação é a trajectória entre um estado de ignorância que designo por colonialismo e um estado de saber que designo por solidariedade. O conhecimento-regulação é uma trajetória entre um estado de ignorância que designo por caos e um estado de saber que designo por ordem (SANTOS, 2005a, p. 78, grifos nossos).

Se o primeiro modelo de conhecimento progride do colonialismo para a

solidariedade, o segundo progride do caos para a ordem.

O colonialismo consiste na ignorância da reciprocidade e na incapacidade de conceber o outro a não ser como objecto. A solidariedade é o conhecimento obtido no processo, sempre inacabado, de nos tornamos capazes de reciprocidade através da construção e do reconhecimento da intersubjectividade. A ênfase na solidariedade converte a comunidade no campo privilegiado do conhecimento emancipatório (SANTOS, 2005a, p. 81, grifos nossos).

Nos termos do paradigma da modernidade, a vinculação recíproca entre o pilar

da regulação e o pilar da emancipação implica que esses dois modelos de

conhecimento se articulem em equilíbrio dinâmico. Isso significa que o poder

cognitivo da ordem alimenta o poder cognitivo da solidariedade, e vice-versa.

Porém, quando a racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e da

tecnologia foi-se impondo às demais, esse equilíbrio foi quebrado. O

conhecimento-regulação conquistou primazia sobre o conhecimento-

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emancipação: a ordem transformou-se na forma hegemônica de saber e o

caos, na forma hegemônica de ignorância. A solidariedade foi recodificada

como caos (estado de ignorância), e o colonialismo foi recodificado como

ordem (estado de saber).

Para sair dessa situação, Santos (2005a) diz ser preciso reavaliar o

conhecimento-emancipação e conceder-lhe primazia sobre o conhecimento-

regulação. Veremos, no entanto, que isso implica, de um lado, que se

transforme a solidariedade numa forma hegemônica de saber, e de outro lado,

que se reafirme o caos como uma forma de saber e não de ignorância.

O autor apresenta-nos o paradigma emergente como um paradigma de um

conhecimento prudente para uma vida decente através de quatro teses:

1ª tese – Todo conhecimento científico-natural é científico-social. A

distinção dicotômica entre as ciências naturais e as ciências sociais deixou de

ter utilidade e sentido. O conhecimento do paradigma emergente é não-

dualista, “[...] fundado na superação das distinções entre natureza e cultura,

natural e artificial, vivo e inanimado, mente e matéria, observador e observado,

sujeito e objeto, coletivo e individual, animal e pessoa” (OLIVEIRA, 2006, p.

29). O reconhecimento do colapso dessa dicotomia repercute nas disciplinas

científicas que sobre ela se fundavam e revaloriza o papel do sujeito na

produção do conhecimento, assim como aproxima as ciências naturais das

sociais.

Santos (2001) observa uma crescente apropriação dos modelos explicativos

das ciências sociais por parte das ciências naturais, o que poderia caracterizar

que essa transição se dá sob a égide da primeira. No entanto, isso não seria

suficiente para caracterizar o conhecimento no paradigma emergente, porque

não basta apontar a tendência para tal superação. É preciso conhecer o

conteúdo e o sentido dessa superação.

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No contexto desse novo paradigma, os estudos humanísticos emergem desde

que sejam transformados, pois resistiram à separação entre sujeito e objeto,

preferindo a compreensão do mundo ao invés da sua manipulação. Oliveira

(2006) acentua que a nova concepção humanística dos conhecimentos sociais,

para ser catalisadora da progressiva fusão entre ciências naturais e ciências

sociais, “[...] precisa colocar, além da pessoa no centro do conhecimento, a

natureza dentro da pessoa” (OLIVEIRA, 2006, p. 31).

2ª tese – Todo conhecimento é local e total. No paradigma emergente, o

conhecimento é total, porque tem como horizonte a totalidade. Seu rigor não se

assenta na separação arbitrária que espartilha o real, como proposto pela

ciência moderna, em que o aumento do rigor do conhecimento caminha

paralelamente à crescente arbitrariedade e à necessidade de proteção e

controle das fronteiras entre os diferentes conhecimentos. Esse conhecimento

é disciplinar e disciplinado na medida em “[...] que segrega uma organização

do saber orientada para policiar as fronteiras entre as disciplinas e reprimir os

que quiserem transpor” (SANTOS, 2001, p. 46). A excessiva especialização e

disciplinarização do conhecimento acaba por tornar o cientista um ignorante

especializado.

O conhecimento, sendo total, também é local, pois “[...] constitui-se a partir de

temas que em dado momento são adoptados por grupos sociais concretos

como projectos de vida locais [...]” (SANTOS, 2001, p. 47). Nesse sentido, no

paradigma emergente, a fragmentação do conhecimento é temática e não

disciplinar, como se os temas fossem galerias por onde os conhecimentos

progridem ao encontro dos outros. “Desse modo, entender-se-á que o

conhecimento avança à medida que o seu objeto se amplia, pela diferenciação

e pelo alastramento de raízes em busca de novas e mais variadas interfaces”

(OLIVEIRA, 2006, p. 32-33).

Sendo local, o conhecimento “[...] é também total porque reconstitui os

projectos cognitivos locais, salientando-lhes a sua exemplaridade, e por essa

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via transforma-os em pensamento total ilustrado” (SANTOS, 2001, p. 48). Isso

se dá porque, para Santos (2001), a ciência no paradigma emergente é

análoga e tradutora, ou seja, “[...] incentiva os conceitos e as teorias

desenvolvidos localmente a emigrarem para outros lugares cognitivos, de

modo a poderem ser utilizados fora do seu contexto de origem” (SANTOS,

2001, p. 48). Diferente do conhecimento científico moderno, que concebe pela

operacionalização e generaliza pela quantificação, o conhecimento pós-

moderno concebe pela imaginação e generaliza pela qualidade e pela

exemplaridade. O autor destaca:

O conhecimento pós-moderno sendo total, não é determinista e, sendo local, não é descritivista. É um conhecimento sobre as condições das possibilidades da acção humana projectada a partir de um espaço-tempo local. Um conhecimento deste tipo é relativamente imetódico, constitui-se a partir de uma pluralidade metodológica. Cada método é uma linguagem e a realidade responde na língua em que é perguntada. Só uma constelação de métodos pode captar o silêncio que persiste entre cada língua que pergunta. Numa fase de revolução científica como a que atravessamos, essa pluralidade de métodos só é possível mediante transgressão metodológica (SANTOS, 2001, p. 48 – 49, grifos nossos).

Essa transgressão metodológica assim como a tolerância discursiva na ciência

pós-moderna já se encontram em sinais visíveis no estilo, critério e imaginação

pessoal do cientista.

3ª tese – Todo conhecimento é autoconhecimento. Santos (2001), no

decorrer de sua análise, defende a idéia de que o ato e o produto do

conhecimento são inseparáveis. “Todo conhecimento é auto-conhecimento. É

criação, e não descoberta. Assim, os pressupostos metafísicos e sistemas de

crenças e valores não vêm antes nem depois da explicação científica; são

parte integrante dela” (OLIVEIRA, 2006, p. 36).

Para o autor, a ciência moderna consagrou o homem como sujeito epistêmico

e o expulsou como sujeito empírico, pois, um conhecimento dito objetivo e

rigoroso não toleraria a interferência de particularidades humanas. Foi nessa

base que se consolidou a separação sujeito/objeto e que têm implicações e

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contradições ocultas pela sua linearidade. No entanto, essa distinção nunca foi

pacífica nas ciências sociais. A distinção epistemológica e a distinção empírica

tiveram que se articular metodologicamente, e, com a consolidação de uma

nova dignidade da natureza, em que se percebeu que a exploração da

natureza era também a exploração do homem, o desconforto sentido nas

ciências sociais, provocado pela distinção sujeito/objeto, propaga-se às

ciências naturais e sujeito regressa na veste de objeto.

Santos (2001) completa seu pensamento dizendo que hoje nada há de

científico em privilegiarmos uma forma de conhecimento que se assente na

previsão e no controle dos fenômenos naturais e considerarmos a ciência

como a única forma de explicação. Para o autor, isso é um juízo de valor. “A

explicação científica dos fenómenos é autojustificação da ciência enquanto

fenómeno central da nossa contemporaneidade. A ciência é, assim,

autobiográfica” (SANTOS, 2001, p. 52). Ela está estreitamente ligada à

trajetória de vida do cientista e da comunidade científica que produz os

trabalhos científicos. Ela legou-nos um conhecimento funcional que alargou

extraordinariamente as nossas perspectivas de sobrevivência, mas, hoje,

precisamos de um conhecimento compreensivo e íntimo, que não nos separe,

mas nos una àquilo que estudamos.

A incerteza do conhecimento, vista antes como uma limitação da ciência,

convida-nos à prudência diante de um mundo que, embora domesticado, nos

mostra a precariedade do sentido de nossa vida. Assim sendo, a ciência

emergente é mais contemplativa do que ativa; sua qualidade afere-se menos

pelo que controla ou faz funcionar do que pela satisfação pessoal que dá a

quem a ela acede ou com ela partilha; a criação do cientista no paradigma

emergente assemelha-se à criação artística, porque pretende que a dimensão

ativa da transformação do real seja subordinada à contemplação do resultado

da obra.

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Essa dimensão estética do conhecimento também aproxima o discurso da

ciência do discurso da crítica literária, que anuncia a subversão da relação

sujeito/objeto. Para Santos (2001), na crítica literária, o autor é o objeto de

estudo diante do qual o crítico não passa de um sujeito secundário. Ao tentar

sobressair no confronto com o autor estudado, pode-se falar de uma batalha

entre sujeitos, e não entre um sujeito e um objeto. Um é a tradução do outro e

ambos são criadores de textos escritos em línguas distintas, mas conhecidas e

necessárias para aprender a gostar das palavras e do mundo, como um

conhecimento nos ensina a viver e traduz-se num saber prático.

4ª tese – Todo conhecimento científico visa constituir-se em senso

comum. O autor reafirma que a ciência produz conhecimentos e

desconhecimentos, transforma o cientista em um ignorante especializado e o

cidadão comum em um ignorante generalizado. Mas “[...] a ciência pós-

moderna sabe que nenhuma forma de conhecimento é, em si mesma, racional;

só a configuração de todas elas é racional” (SANTOS, 2001, p. 55). Por isso

tenta dialogar com outras formas e se deixa penetrar por elas, principalmente

pelo senso comum.

O senso comum é tido pelo autor como a mais importante de todas as formas

de conhecimento, pois, sendo prático e vulgar, é o que orienta as nossas ações

e dá sentido à nossa vida no cotidiano. Oliveira (2006) acrescenta que para

Santos, o senso comum é “[...] o menor denominador comum daquilo em que

um grupo ou um povo colectivamente acredita, ele tem, por isso, uma vocação

solidarista e transclassista” (SANTOS, 1989, p. 40, apud OLIVEIRA, 2006, p.

44). Nesse sentido, a ciência é que se torna conservadora, quando se

apresenta como a única forma de conhecimento válida. Além disso, é preciso

levar em consideração que as sociedades produzem diferentes sensos

comuns, dependendo dos contextos em que são produzidos (se democráticos

ou não, se mais ou menos democráticos, classistas, solidários, entre outros).

Essa noção permite ver o senso comum para além da oposição que propôs a

ciência moderna (racionalidade, ciência/irracionalidade, senso comum).

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Embora o senso comum tenha sido considerado superficial, ilusório e falso pela

ciência moderna e tenda a ser um conhecimento mistificado, mistificador, e

conservador, a ciência pós-moderna procura reabilitá-lo por suas virtualidades

que enriquecem nossa relação com o mundo. Ele “[...] tem uma dimensão

utópica e libertadora que pode ser ampliada através do diálogo com o

conhecimento científico. Essa dimensão aflora em algumas das características

do conhecimento do senso comum” (SANTOS, 2001, p. 56). São elas:

O senso comum faz coincidir causa e intenção; subjaz-lhe uma visão do mundo assente na acção e no princípio da criatividade e da responsabilidade individuais. O senso comum é prático e pragmático; reproduz-se colado às trajetórias e às existências de vida e de um dado grupo social e nessa correspondência se afirma fiável e securizante. O senso comum é transparente e evidente; desconfia da opacidade dos objectivos tecnológicos e do esoterismo do conhecimento em nome do princípio da igualdade do acesso ao discurso, à competência cognitiva e à competência lingüística. O senso comum é superficial porque desdenha das estruturas que estão para além da consciência, mas, por isso mesmo, é exímio em captar a profundidade horizontal das relações conscientes entre pessoas e entre pessoas e coisas. O senso comum é indisciplinar e imetódico; não resulta de uma prática especificamente orientada no suceder quotidiano da vida. O senso comum aceita o que existe tal como existe; privilegia a acção que não produza rupturas significativas no real. Por último, o senso comum é retórico e metafórico; não ensina, persuade (SANTOS, 2001, p. 56, grifos nossos).

Santos (2001) argumenta que essas são características do senso comum que

servem para pensarmos a sua potencialidade libertadora. Seguindo o

pensamento do autor, Oliveira (2006) aponta que o próximo passo a ser dado é

na direção da promoção da dupla ruptura epistemológica “[...] que reaproxime,

pela sensocomunicação da ciência, o conhecimento científico do conhecimento

do senso comum e, portanto, do cidadão comum” (OLIVEIRA, 2006, p. 41-42).

Essa seria uma compreensão ampliada da ciência como prática social de

conhecimento.

À luz do que ficou para trás sobre o paradigma emergente, o senso comum

interpretado pelo conhecimento científico pode estar na origem de uma nova

racionalidade feita de racionalidades. O rompimento como a primeira ruptura,

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que permitiu à ciência moderna separa-ser do senso comum é o que Santos

(2005a) chama de dupla ruptura, isto é, um segundo ato epistemológico

importante a fazer a fim de transformar o conhecimento científico num novo

senso comum.

Na ciência moderna a ruptura epistemológica simboliza o salto qualitativo do conhecimento do senso comum para o conhecimento científico; na ciência pós-moderna o salto mais importante é o que é dado do conhecimento científico para o senso comum. O conhecimento pós-moderno só se realiza enquanto tal na medida em que se converte em senso comum. [...] A ciência pós-moderna, ao sensocomunicar-se, não despreza o conhecimento científico que produz tecnologia, mas entende que, tal como o conhecimento se deve traduzir em autoconhecimento, o desenvolvimento tecnológico deve traduzir-se em sabedoria. A prudência é a insegurança assumida e controlada (SANTOS, 2001, p. 57).

Para o autor, o conhecimento-emancipação “[...] tem de romper com o senso

comum conservador, mistificador, não para criar uma forma autónoma e

isolada de conhecimento superior, mas para se transformar a si mesmo num

senso comum novo e emancipatório” (SANTOS, 2005a, p. 107), pois o

conhecimento-emancipação só se constitui enquanto tal na medida em que se

converte em senso comum. Ao tornar-se senso comum, “[...] não despreza o

conhecimento que produz tecnologia, mas entende que tal como o

conhecimento deve traduzir-se em autoconhecimento, o desenvolvimento

tecnológico deve traduzir-se em sabedoria de vida” (SANTOS, 2005a, p. 108).

É importante destacar que o senso comum emancipatório é um senso comum

“[...] discriminatório (ou desigualmente comum, se preferirmos), construído para

ser apropriado privilegiadamente pelos grupos oprimidos, marginalizados ou

excluídos, e, de facto, alimentado pela prática emancipatória destes”

(SANTOS, 2005a, p. 109).

Isso implica transformar a solidariedade numa forma hegemônica de saber, a

reafirmação do caos como uma forma de saber e não de ignorância. Assim,

“[...] a solidariedade enquanto forma de conhecimento é a condição necessária

da solidariedade enquanto prática política” (SANTOS, 2005a, p. 108).

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As ponderações do autor sobre a reinvenção do senso comum vão no sentido

de considerá-la como incontornável, dado o potencial dessa forma de

conhecimento para enriquecer a nossa relação com o mundo. Nesse sentido,

para Oliveira (2006), a ciência pós-moderna faz-se necessária para transformar

a ciência em algo mais próximo e familiar e, mesmo não falando a língua de

todos os dias, é capaz de nos comunicar as suas valências, seus limites e

objetivos que se realizam aquém ou além deles, isto é, para além da

consciência ingênua ou oficial (dos cientistas ou das instituições científicas),

com o objetivo de aprofundar o diálogo entre as diversas práticas de

conhecimento que se tecem na sociedade.

Considerando a necessidade de atribuir sentido aos conteúdos escolares para que ocorra aprendizagem efetiva, parece evidente que o diálogo entre os conhecimentos do educando e os conhecimentos escolares – os primeiros associáveis, mas não idênticos ao senso comum, e os segundos, ao conhecimento científico – a possibilidade de atribuir sentidos aos últimos depende do seu próprio potencial de diálogo com os primeiros, o que, aliás, já sabia Paulo Freire (OLIVEIRA, 2006, p. 39).

A potencialidade do diálogo e da interpenetração entre diferentes formas de

conhecimento pode servir para pensarmos a educação, a escola, assim como

a formação de professores ou a ação pedagógica. Nessa reflexão, é preciso

levar em conta que o conhecimento pós-moderno se constitui a partir de temas

que são adotados por grupos sociais concretos, como projetos de vida local, e

que progridem ao encontro de outros conhecimentos na busca por novas e

variadas interfaces. Seus conceitos e teorias produzidos localmente são

incentivados a ser utilizados fora do seu contexto original, generalizados

através da qualidade e da exemplaridade, com destaque para o caráter

tradutor da ciência pós-moderna. Esses grupos são representados pelas

comunidades interpretativas, os auditórios relevantes, locais de produção do

conhecimento-emancipação. Sendo assim, à semelhança da comunidade

interpretativa, a escola, com seus professores e alunos, pode produzir

conhecimento-emancipação.

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Nesse novo modo de produção de conhecimento, destacam-se os aspectos: o

local e o retórico dos conhecimentos; a não dualidade dos conhecimentos, já

que todo conhecimento científico-natural é científico-social, com a

revalorização do papel do sujeito na produção do saber, não o separando de

seu objeto; a consideração de que todo conhecimento é autoconhecimento, e o

ato e o produto do conhecimento são inseparáveis, num processo de criação

em que as crenças e valores são parte integrante da explicação científica.

Com base em Santos podemos entender que as condições para a existência

da democracia são epistemológicas e políticas. Essas condições envolveriam a

compreensão ampliada da ciência como prática social de conhecimento (a

dupla ruptura que transforma o senso comum num novo senso comum pela

sensocomunicação da ciência) e a solidariedade (como forma de conhecimento

e prática política).

2.2.2 O conhecimento-emancipação e a democratização do conhecimento

nas comunidades interpretativas

Para restabelecer as energias emancipatórias, o autor sugere que é preciso um

novo desequilíbrio, que penda a favor da emancipação e que explore as

representações inacabadas ou abertas da modernidade: no domínio da

regulação, o princípio da comunidade, e, no domínio da emancipação, a

racionalidade estético-expressiva. Conforme o autor, essas são as

representações mais negligenciadas pela regulação, e, por isso, capazes de

estabelecer uma dialética com o pilar da emancipação. Assim, não se busca

um novo equilíbrio entre regulação e emancipação, pois isso seria uma solução

moderna, cuja falência intelectual é hoje evidente. A esse posicionamento o

autor chamou de pós-modernidade de oposição.

Nesse sentido, é possível superar a modernidade a partir da própria

modernidade:

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[...] em cada um dos espaços estruturais, o paradigma emergente constrói-se a partir de si mesmo através de uma tripla transformação: a transformação do poder em autoridade compartilhada; a transformação do direito despótico em direito democrático; a transformação do conhecimento-regulação em conhecimento-emancipação (SANTOS, 2005a, p. 334).

A aceitação e a revalorização do caos são uma das duas estratégias

epistemológicas que tornam possível desequilibrar o conhecimento a favor da

emancipação. Isso já começa a acontecer em teorias do caos, no seio da

própria ciência moderna: em vez de transcender o caos, a ordem coexiste com

ele numa relação mais ou menos tensa. Para Santos (2005a), a revalorização

do caos (teorias do caos) é uma das estratégias que possibilitam perceber a

complexidade da realidade em que vivemos, onde o caos deixa de ser algo

vazio, informe e negativo para ter uma positividade em relação à ordem. Essas

teorias levam-nos a ver a discrepância entre a capacidade de ação e a

capacidade de previsão, ao considerarem a idéia da não-linearidade, isto é, a

possibilidade de as ações terem conseqüências para além das intencionais

(lineares), revelando a falta de controle absoluto. Para o autor, “[...] o controlo

das causas, sendo absoluto, é absolutamente precário (SANTOS, 2005ª, p.

80).

Segundo o autor, as teorias do caos põem à prova a idéia de transparência

entre causa e conseqüência e nos convidam à prudência, a um conhecimento

prudente, fazendo-nos uma dupla exigência: primeiro, diante dos limites da

nossa capacidade de prever, devemos perscrutar as conseqüências negativas

em detrimento das positivas, não como um comportamento pessimista, mas,

em decorrência de um virtualismo utópico tecnológico, hoje sabemos melhor o

que não queremos, sendo de bom senso concentrar nosso conhecimento

emancipatório nas conseqüências negativas, ou seja, naquelas que não

queremos; segundo, devemos ter as conseqüências duvidosas, mas possíveis,

como certas. Assim, “[...] quando está em risco a sobrevivência da humanidade

tal como a conhecemos, não ter medo é a atitude mais conservadora. Em

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suma, é preciso construir uma teoria da personalidade assente na coragem de

ter medo” (SANTOS, 2005a, p. 81).

A outra estratégia reveste-se da revalorização da solidariedade como forma de

saber que se conquista sobre o colonialismo (incapacidade de ver o outro a

não ser como objeto) e nos torna cada vez mais capazes de reciprocidades. A

solidariedade caminha por meio da construção e do reconhecimento da

intersubjetivade e converte a comunidade num campo privilegiado do

conhecimento-emancipção.

A noção de comunidade interpretativa e de conhecimento-emancipação é

importante se pensarmos as escolas como espaço tempo de formação

continuada de professores por meio de grupos de estudo de professores

reunidos em torno de temas e/ou para pensarem sobre os problemas

cotidianos da escola, sobre os planos político-pedagógicos; para planejarem

ações e uma série de atividades que envolvem o estudo, o planejamento, a

resolução de problemas em processos decisórios dentro do ambiente escolar

de uma forma democratizada. Essas noções ajudam-nos a pensar a formação

continuada de professores em serviço como uma forma de gestão democrática

da formação docente, já que os processos de decisão nessas comunidades

interpretativas se fundam em virtualidades, tais como a argumentação, a

participação e a solidariedade, sendo, por isso, potencialmente produtora de

conhecimento-emancipação.

O princípio da comunidade foi negligenciado e não foi totalmente cooptado pela

ciência moderna é, por isso, um “[...] princípio menos obstruído por

determinações e, portanto, o mais bem colocado para instaurar uma dialética

positiva com o pilar da emancipação (SANTOS, 2005, p. 75).

Porque é uma representação aberta e incompleta, a comunidade é ela própria dificilmente representável – ou é-o apenas vagamente – e os seus elementos constitutivos, também eles abertos e inacabados, furtam-se a enumerações exaustivas. Têm, contudo, uma característica comum: todos resistiram à especialização e à diferenciação técnico-científica através das quais a racionalidade

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cognitivo-instrumental da ciência moderna colonizou os outros dois princípios modernos de regulação: o mercado e o Estado. Ao contrário dos dois últimos, o princípio da comunidade resistiu a ser totalmente cooptado pelo utopismo automático da ciência e, por isso, pagou duramente com sua marginalização e esquecimento. Mas, pelo facto de ter ficado afastado, o princípio da comunidade manteve-se diferente, aberto a novos contextos em que a sua diferença pode ter importância (SANTOS, 2005a, p. 75).

Entre as virtudes epistemológicas do princípio da comunidade que não foram

totalmente colonizadas, o autor cita a participação e a solidariedade. Quanto à

participação, “[...] a colonização deu-se no contexto do que a teoria liberal

definiu, de forma bastante rígida, como sendo a esfera política (cidadania e

democracia representativa) [...]” (SANTOS, 2005a, p. 75), pelo voto e pela

eleição, ficando ainda alguns outros domínios da vida social em que a

participação continuou a ser uma competência não especializada e

indiferenciada da comunidade. No caso da solidariedade, a colonização

também se deu de forma incompleta, nos países desenvolvidos, por meio das

políticas sociais do Estado-Providência.

Já a respeito do pilar da emancipação, Santos (2005) defende que a

racionalidade estético-expressiva foi a que melhor resistiu à cooptação total da

racionalidade cognitivo-instrumental e performática-utilitária da ciência, sendo

“[...] por ‘natureza’, tão permeável e inacabada como a própria obra de arte e,

por isso, não pode ser encerrada na prisão flexível do automatismo técnico-

científico” (SANTOS, 2005a, p.76). No entender do autor, o caráter inacabado

da racionalidade estético-expressiva reside nos conceitos de prazer, autoria e

artefactualidade discursiva.

A colonização do prazer na modernidade, segundo Santos (2005a), deu-se

pela industrialização do lazer nos tempos livres, pelas indústrias culturais e

pela ideologia e prática do consumismo. Mas resistiu ao enclausuramento e

difunde o jogo entre os seres humanos, mantendo a irredutível individualidade

intersubjetiva do homo ludens.

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Santos (2005) problematiza o conceito de autor como aquele que suscita a

noção de iniciativa, autonomia, criatividade, autoridade, autenticidade e

originalidade que se desenvolveu, sobretudo no domínio artístico e literário,

particularmente a partir do Romantismo, em que o autor era entendido como o

“oposto” da vida vulgar, o criador autônomo capaz de inventar novos mundos

culturais libertos do contexto material circundante, mas que, no entanto,

também está ligado à noção, igualmente moderna, de sujeito autônomo, que,

no pilar da regulação, se desenvolveu como cidadão e como agente do

mercado e, em ambos os casos, como microunidade na criação cotidiana e

normal da nova ordem das coisas.

Enquanto a autonomia do sujeito se baseia no desempenho de acções normativamente reguladas de acordo com os contextos, as limitações e as possibilidades criadas pela repetição de acções anteriores semelhantes, a autonomia do autor assenta na diferença irredutível entre a acção e as condições do seu desempenho. Estes dois tipos de autonomia são ambos precários, embora por razões diferentes: a autonomia do sujeito corre o risco de não se distinguir das condições que a tornam possível (alienação); a autonomia do autor corre o risco de se tornar irrelevante quando separada das condições que a tornam possível (marginalização) (SANTOS, 2005a, p. 77).

No entanto, Santos (2005a) diz que, graças ao caráter da diferença e da

descontinuidade, o autor se manteve como representação inacabada da

modernidade, resistindo à colonização. Ele questiona a morte do autor

anunciada pelo estruturalismo e pelo pós-estruturalismo pelo fato de desvendar

a repetição oculta que subjaz a discursos aparentemente “irrepetíveis” (o autor

mais como efeito do que como causa das formas institucionalizadas,

constantemente repetidas e normativamente reguladas): isso não representaria

toda a verdade porque “[...] nenhum autor pode ser efeito sem nunca ter sido

causa (a causa da própria produção artística ou literária)” (SANTOS, 2005a, p.

77). Mais à frente, ao falar sobre a distinção entre sujeito e objeto

convencionada na modernidade, vai sustentar que “[...] o conceito de autoria

resiste à distinção entre sujeito e objeto sem renunciar à dimensão activa do

sujeito. O autor é o originador, por muito discutível e secundária que a sua

originalidade possa ser” (SANTOS, 2005a, p. 92-93).

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Como membro de uma comunidade interpretativa, podemos pensar o professor

resguardado na sua dimensão de autoria, de sujeito como autor.

O outro conceito organizador do domínio artístico e literário a ser trabalhado é

o de artefactualidade discursiva, que todas as obras de arte têm ao serem

criadas, construídas como ato construtivo, intencional.

A natureza, a qualidade, a importância e a adequação dessa intenção e dessa construção são estabelecidas por meio de um discurso argumentativo dirigido a um público alvo (as pessoas e as instituições que constituem o domínio artístico e literário). Como essa argumentação é potencialmente interminável, os momentos de fixação (o cânone, a tradição estética, as instituições de consagração e os prémios) são sempre precários porque os argumentos que os apóiam não mantêm o seu poder retórico por muito tempo. Entendida nestes termos, a racionalidade estético-expressiva une o que a racionalidade científica separa (a causa e intenção) e legitima a qualidade e a importância (em vez da verdade) através de uma forma de conhecimento que a ciência moderna desprezou e tentou fazer esquecer, o conhecimento retórico (SANTOS, 2005a, p. 77-78).

Então, a racionalidade estético-expressiva destaca-se por estar intimamente

ligada aos conceitos de prazer, autoria e artefactualidade discursiva, que, por

sua vez, estão relacionados à dimensão criativa, de autoridade, de autoria, de

autenticidade e de autonomia do autor e da obra de arte. Mesmo quando

“atacados” pelas indústrias culturais, pela ideologia e pela prática do

consumismo, resistiram e continuaram a difundir a individualidade

intersubjetiva entre os homens. Assim, ainda seriam capazes, segundo o

autor, de criar mundos libertos, mas não alienados, dos contextos materiais

circundantes.

As virtudes epistemológicas contidas no princípio da comunidade e na

racionalidade estético-expressiva, tais como a solidariedade, a participação, a

artefactualidade discursiva, o prazer, a autoria, a arte e a retórica, fazem com

que Santos (2005a) defenda a possibilidade de as comunidades interpretativas

funcionarem como espaços tempos na criação cotidiana de uma nova ordem

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das coisas, reinventando a emancipação social, produzindo o conhecimento-

emancipação. Nessa linha de pensamento, é possível dizer que

[...] o conhecimento-emancipação é um conhecimento local criado e disseminado através do discurso argumentativo. Estas duas características (o caráter local e o caráter argumentativo) são inseparáveis, visto que só pode haver discurso argumentativo dentro de comunidades interpretativas, os auditórios relevantes da retórica (SANTOS, 2005a, p. 95).

Sendo assim, daremos enfoque ao conhecimento-emancipação e a algumas

estratégias defendidas pelo autor para a sua possível democratização, ou seja,

estratégias que contribuem para que o conhecimento-emancipação deixe de

ser uma epistemologia marginalizada.

Nesta forma de conhecimento a ignorância é o colonialismo e o colonialismo é a concepção do outro como objecto e consequentemente o não reconhecimento do outro como sujeito. Nesta forma de conhecimento conhecer é progredir no sentido de elevar o outro da condição de objecto à condição de sujeito. Esse conhecimento-reconhecimento é o que designo por solidariedade (SANTOS, 2005a, p. 30).

Como defende Santos (2005), essas comunidades interpretativas seriam

terrenos privilegiados na produção de conhecimento-emancipação, como um

conhecimento local criado e disseminado através do discurso argumentativo,

sendo essas características inseparáveis, visto que só há discurso

argumentativo em comunidades interpretativas.

Enquanto produto de comunidades interpretativas, o conhecimento emancipatório pós-moderno é retórico. Aí reside a sua proximidade com a racionalidade estético-expressiva. Enquanto a ciência moderna visa naturalizar o conhecimento através de verdades objectivas, de descrições e de regularidades, o conhecimento emancipatório pós-moderno assume a sua artefactualidade discursiva. Para essa forma de conhecimento, a verdade é retórica, uma pausa mítica numa batalha argumentativa contínua e interminável travada entre vários discursos de verdade; é o resultado sempre provisório de uma negociação de sentido realizada num auditório relevante que, na idade moderna, foi a comunidade científica ou, melhor dizendo, uma pluralidade de comunidades científicas. As regularidades são enclaves precários de caos latente em áreas onde existe um grande consenso sobre o que deve ser considerado anormal ou irrelevante (SANTOS, 2005a, p. 96).

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Daí decorre a necessidade de se rever a noção de senso comum, já que

existem, potencialmente, tantos sensos comuns quantos são os domínios

tópicos. Como o domínio tópico é a matriz do senso comum de uma

comunidade retórica, haverá tantos domínios tópicos quantas forem as

comunidades interpretativas ou retóricas. E é por isso que, para que a

comunidade seja esse campo emancipatório, é necessário que não se limite a

ser a territoriedade própria do espaço contíguo (local) e a temporalidade

própria do tempo miúdo (o imediato), mas transforme o local numa forma de

percepção do global, e o imediato numa forma de percepção do futuro. O que

se pretende é, pois, “[...] uma concorrência epistemológica leal entre

conhecimentos como processo de reinventar as alternativas de prática social

de que carecemos ou que afinal apenas ignoramos ou não ousamos desejar”

(SANTOS, 2005b, p. 329).

O princípio da comunidade “[...] é um bem relativo, cujo valor depende da

profundidade e do alcance do conhecimento emancipatório que se consegue

produzir, ou seja, da medida em que elimina o colonialismo e constrói a

solidariedade” (SANTOS, 2005a, 95–96).

Este ponto de chegada depende do processo argumentativo no interior das comunidades interpretativas. O conhecimento do novo paradigma não é validável por princípios demonstrativos de verdades intemporais. É, pelo contrário, um conhecimento retórico cuja validade depende do poder de convicção dos argumentos em que é traduzido. Daí que o novo paradigma preste particular atenção à constituição das comunidades interpretativas e considere seu objectivo principal garantir e expandir a democracidade interna dessas comunidades, isto é, a igualdade do acesso ao discurso argumentativo (SANTOS, 2005b, p. 330, grifos nossos).

Nesse sentido, é preciso considerar, em primeiro lugar, que “[...] no sistema

mundial capitalista a realidade social não pode reduzir-se à argumentação e ao

discurso; em segundo lugar, [...] que a retórica não é libertadora por natureza”

(SANTOS, 2005a, p. 106).

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Para além da argumentação e do discurso, há também trabalho e produção, silêncio e silenciamento, violência e destruição. Sem ter em conta a dialética entre momentos argumentativos e não-argumentativos é impossível entender a construção e a destruição sociais de auditórios e comunidades. Além disso, no sistema mundial capitalista, os auditórios e as comunidades possuem uma dimensão translocal que permite a interpenetração de conflitos e consensos mundiais com conflitos e consensos locais. No plano do discurso argumentativo, essa interpenetração é fruto da constante alteração de posições na polaridade orador-auditório, bem como da permanente questionação das premissas da argumentação (SANTOS, 2005a, p. 106).

Esses processos muitas vezes acarretam a destruição da comunidade, porque

o processo de emancipação social que parte da colonização para a

solidariedade emerge da tensão dialética entre o comunitarismo (que domina

nas relações intracomunitárias) e o contratualismo (que domina nas relações

intercomunitárias), ocorrendo, então, a reinvenção da comunidade. Isso quer

dizer que nesse processo se deve levar em conta não só as interações

solidárias (intracomunitárias), mas também as relações (intercomunitárias) e a

colonização que quase sempre as domina. Nesse sentido, uma comunidade

pode vir a colonizar outras comunidades, que, por sua vez, resistirão ou não a

essa investida, e assim por diante. O autor considera que os espaços

estruturais são as matrizes das principais comunidades interpretativas que

existem na sociedade; são terrenos em que se travam lutas sociais e entre

conhecimentos, numa constante tensão política e epistemológica, e onde, na

prática social, a retórica regulatória se confronta com a retórica emancipatória.

Dessa forma, o conhecimento-emancipação como fruto de um comunidade

interpretativa é aquele que não compactua com o silêncio e a diferença que

marginalizam e calam; que não se impõe como forma objetiva, neutra e

descontextualizada de saber, mas, como uma subjetividade rebelde, não se

conforma com as determinações que nos impedem de pensar num horizonte

de possibilidades emancipadoras. Ou seja, a questão do conhecimento e a sua

democratização estão intimamente ligadas às relações sociais que se

estabelecem entre os membros de uma comunidade interpretativa e à sua

capacidade de produzir conhecimento-emancipção.

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Essas relações devem configurar-se como práticas de solidariedade

reconhecendo o outro como produtor de saber, que, como membro da

comunidade, participa do poder sempre compartilhado tanto na concepção,

quanto na articulação, e na aplicação do conhecimento. Não há, portanto,

espaço para imposições e coerções de um direito despótico ou de uma lógica

produtivista própria da colonização. A coerção e a produtividade legítimas são

o resultado de uma razoabilidade dos argumentos e do consenso.

Nesse sentido, as comunidades interpretativas dariam vazão ao princípio de

descentralização participativa (LINHARES, 2006), chave de todo processo

democrático, como um caminho que nos convidada ao exercício de uma

responsabilidade decisória, criadora e compartilhada por aqueles que, como

professores, se constituem membros da comunidade escolar, na contramão de

um processo avassalador de desqualificação dos servidores públicos, elo

importante na manutenção da governabilidade democrática.

Na opinião de Linhares (2006), o prestígio social dos professores, assim como

o de outras categorias profissionais, encontra-se numa situação de queda livre.

Essa situação agrava-se com o acúmulo de tarefas que se sobrepõem no

cotidiano das escolas, revelando-se nos pedidos de licenças, nas exonerações,

nos problemas de saúde que desafiam a gestão escolar; repercutindo

perversamente na sala de aula, com o desânimo do professor e dos

estudantes; obstruindo caminhos de aprendizagem e de ensino. Esse é um

quadro de desamparo e isolamento social do professor e de sua abrupta

desfiliação do Estado, revelado em pesquisas feitas nas ciências políticas, na

sociologia do trabalho, sobre a formação continuada de professores,

demonstrando a premência por constituir-se em comunidades escolares, onde

possa conviver com companheiros para enfrentar os riscos de embates

inéditos.

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No entanto, é possível notar movimentos instituintes no sentido de ações

políticas produzidas historicamente, endereçadas a uma outra educação e

cultura, marcadas pela construção permanente de uma

[...] maior includência da vida, uma dignificação permanente do humano em sua pluralidade político-ética, uma afirmação intransigente da igualdade humana, em suas dimensões educacionais e escolares, políticas, econômicas, sociais e culturais (LINHARES, 2006, p. 33).

Tais movimentos têm surgido, e muitas vezes se estabelecido, tanto no

discurso acadêmico quanto em ações empreendidas por algumas secretarias

de educação, com compromissos populares, que assumem o caráter de

esgotamento das políticas centralizadoras e promovem a gestão participativa

intensa e extensa de seus profissionais, como uma espécie de tradução

desses processos instituintes no campo educacional.

É necessário que essas iniciativas que revelam “[...] o interesse permanente

em compartilhar ações e avanços, em institucionalizar aperfeiçoamentos, em

discutir outras possibilidades viáveis para garantir uma melhoria da escola”

(LINHARES, 2006, p. 33) não permaneçam inócuas ou como artefatos

retóricos e assim se traduzam em estruturas materializadas e culturais de

funcionamento. É preciso que vigorem como expansão da includência e

cooperação, alimentando ações compartilhadas, ainda que permeadas de

conflitos.

Nesse sentido, essas experiências estão sempre em devir, “[...] pisando em

terrenos movediços, sem certezas e comprovações da história, mas sempre

enfrentando e infiltrando-se nas tramas instituídas, para aproveitar frestas e

contradições e, assim, afirmar outridade” (LINHARES, 2006, p. 34). A autora

completa que, a despeito de profetas e agoureiros, a escola pode ser outra,

assim como outra pode ser a sociedade, as políticas e as racionalidades que a

organizam. No intuito de esclarecer a noção do que sejam “experiências

instituintes” como forma de conhecer e atuar na vida, respeitando o cosmo, os

viventes, incluindo pluralidades e contrapondo-se a desigualdades na

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sociedade, que cada vez mais enriquecerá com includências de todas e todos

inteiros, a autora dispõe sobre elas alertando que não se limitam a acréscimos,

mas

• supõem subtrações, de formas opressivas de pensar; • rompem com binarismos do tipo: sujeito X objeto; certo X errado;

indivíduo X sociedade; matéria X espírito; verdade X mentira; • interligando múltiplas linguagens, espaços, tempos e formas de

subjetivação e singularização de modo a potencializar sujeitos; • [nutre] aprendizagens participantes, amorosas e solidárias; • [inclui] com os processos de autonomização a abertura para

acolher probabilidades, surpresas e, sobretudo, movimentos de curiosidade, compartilhamento de vida e esperança nela, não nos dando tréguas no empenho e no prazer de reinventá-la (LINHARES, 2006, p. 34).

Reforçando esse posicionamento, Oliveria (2006) destaca a importância e a

necessidade da reflexão argumentativa no coletivo do nosso caminhar

democrático, em função da idéia de que

[...] pensamos e agimos melhor, mais de acordo com o que temos como projeto de emancipação se, além de nos confrontarmos conosco na busca de ações mais democráticas, [pudermos] ser confrontados e alertados pelos demais sobre os desvios e as incoerências do nosso comportamento. Além disso, se entendemos a democracia como um sistema no qual as relações sociais se fundam em relações de autoridade compartilhada, é preciso que desenvolvamos práticas adequadas, ou seja, que pratiquemos, tanto quanto possível relações desse tipo (OLIVEIRA, 2006, p. 145).

Borba (1987, apud SANTOS, 2005a, p. 96), nos seus comentários sobre o

grande número de práticas político-culturais, afirma que a reinvenção

comunitária através de um conhecimento emancipatório visa habilitar os

membros de comunidade “[...] a resistir ao colonialismo e construir a

solidariedade pelo exercício de novas práticas sociais, que conduzirão a

formas novas e mais ricas de cidadania individual e coletiva”.

Nesse sentido, Santos (2005a) propõe a proliferação das comunidades

interpretativas, pois o potencial emancipatório da retórica se assenta na criação

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de processos analíticos que permitem descobrir por que é que, em

determinadas circunstâncias, certos motivos parecem ser melhores, e certos

argumentos mais poderosos do que outros. Continuando, diz:

[...] a política epistemológica emancipatória consiste no desenvolvimento de uma tópica de emancipação nas diferentes comunidades interpretativas e nas redes que entre elas se estabelecem. Haverá senso comum emancipatório quando os topoi emancipatórios desenvolvidos numa dada comunidade interpretativa encontrarem tradução adequada nos topoi de outras comunidades e se converterem, assim, em topoi gerais. [...] Sublinhar a necessidade de uma tópica de emancipação significa que só pode haver emancipação através de significações partilhadas, através da invenção convincente de novos topoi emancipatórios. A única vanguarda legítima é o senso comum de vanguarda. É inerente ao discurso argumentativo o facto de essa invenção nunca ser completa e nunca atingir um ponto de irreversibilidade (SANTOS, 2005a, p. 110-111).

E completa:

O conhecimento emancipatório pós-moderno parte do princípio de que só haverá emancipação se, nestes domínios tópicos básicos, os topoi que exprimem as relações sociais dominantes forem substituídos por outros que exprimam a aspiração de relações sociais emancipatórias, assentes simultaneamente em políticas de reconhecimento (identidade) em políticas de redistribuição (igualdade). Não pode haver emancipação sem um tópica de emancipação (SANTOS, 2005a, p. 110).

Essas comunidades interpretativas têm um caráter político, portanto, torna-se

importante observar os processos pelos quais emergem, se desenvolvem e

morrem: por serem comunidades retóricas não existem isoladas, mas

constituem redes de comunidades, e os topoi gerais constituem os pontos de

vista compartilhados por comunidades da mesma rede; as comunidades não

existem aleatoriamente, assim como as redes a que se integram não são

fortuitas. Nesse sentido, a sua institucionalização, ou seja, a sua “legalização”

e, por conseqüência, o apoio estrutural por parte do Poder Público para que se

formem em nossas escolas não são, em si, garantia para que realmente

aconteçam. Entretanto, diante de tantos desafios e necessidades, isso já é um

bom começo.

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Não temos dúvidas de que para ensinar e aprender nas escolas é indispensável que circule entre os professores o alento de uma confiança legitimada, com capacidade criadora que encontre condições de vicejar apoiada em tempos e espaços de convivência institucionalizados, onde os professores sejam estimulados a exercícios de teorização permanentes, sempre atentos para conectarem o local com o universal, os movimentos instituintes da escola com as forças progressivas da sociedade (LINHARES, 2006, p. 31).

Daí a importância de se pensar a formação de grupos de estudo

institucionalizados, no sentido de lhes reconhecer a importância e lhes

proporcionar condições de funcionamento na escola, em processos de

formação continuada de professores em serviço como uma oportunidade para

a criação dessas comunidades interpretativas. Elas trazem em si as

potencialidades para a construção de conhecimento-emancipação, que

encaminham possibilidades inéditas, “[...] revertendo estruturas teóricas e

libertando relações de alta complexidade, capazes de fortalecer novas lógicas

e concepções de racionalidade e de política, permeadas pela amorosidade e

pela includência” (LINHARES, 2006, p. 32). Essas comunidades interpretativas

também são capazes de proporcionar a autonomia docente e a valorização do

professor, que faz de sua atuação diária na escola uma fonte de

aprendizagem, implicando tanto o respeito e o reconhecimento do potencial

humano e social próprios, quanto no de seus alunos e dos estudantes. Assim,

devem revestir-se de um processo democrático e pedagógico de reflexão e

pesquisa sobre a problemática da escola.

2.2.3 A gestão democrática, conhecimento e emancipação

Como nesta pesquisa estamos trabalhando com a possibilidade de a formação

continuada de professores em serviço configurar-se como um processo de

gestão democrática da formação docente, que promova a autonomia e a

emancipação dos professores, faz-se necessário analisar o processo de gestão

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democrática e suas possíveis contribuições para a emancipação social e assim

relacioná-lo aos processos de formação em serviço.

Até o momento, já introduzimos vários pensamentos sobre o que possa ser a

gestão democrática: aquela que se utiliza da democracia como princípio

regulador das relações, das práticas sociais, dos saberes e das redes de

subjetividades que tecemos e que nos tecem nos diversos espaços estruturais;

um processo que busca minimizar diferenças que impedem a participação

efetiva e cidadã; uma forma de gestão que se sustenta em processos

democráticos de autoridade partilhada.

Juntamente com essas noções, também mencionamos a impossibilidade de

controle absoluto sobre os processos de transformação social; daí a

necessidade de se realizarem, como margem de segurança, de forma

processualmente democratizada. Os processos de gestão democrática, a

exemplo da democracia, constituem-se a partir de condições epistemológicas e

políticas, e se deparam com a realidade e com a ação concreta dos sujeitos no

mundo. Para promoverem emancipação, precisam ser protagonizados por

subjetividades democráticas, rebeldes diante das condições que a realidade

lhes impõe como determinantes, ao mesmo tempo em que, não se deixando

abater pelos desafios, não desconsiderem o contexto em que se realiza a ação

proposta. Significa reconhecer, como diria Paulo Freire (2002, p. 21), que “[...]

somos seres condicionados mas não determinados. Reconhecer que a História

é tempo de possibilidade e não de determinismo, que o futuro [...] é

problemático e não inexorável [...]” e assim romper com o discurso neoliberal,

fatalista e imobilizante que “anda” pelo mundo.

Ao se aliar a Wallerstein no seu apelo a uma redução das pretensões

deterministas, por uma superação dos limites da teoria do sistema mundial tal

como ela se apresenta atualmente, Santos (2005a) propõe uma concepção

que vai mais longe no enfraquecimento da determinação estrutural com foco

nos horizontes e não nos mapas de determinação. Ao invés de basear-se

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numa só macroestrutura e na divisão mundial do trabalho econômico, propõe

uma constelação de seis espaços estruturais para analisar a sociedade e o

sistema mundial capitalista, dos quais o espaço mundial é apenas um. Entre

esses espaços não há hierarquias, assimetrias ou primados que possam ser

estabelecidos como naturais ou normais. “Dentro de um tal horizonte, a

contingência e a criatividade são, simultaneamente, experiências vividas e

condições de inteligibilidade do que acontece às pessoas e do que elas fazem

acontecer” (SANTOS, 2005a, p. 312).

Então, para pensarmos a possibilidade de superação de processos de

dominação e de cerceamento da participação democrática, seguiremos a

sugestão dada por Santos (2005a), de fazermos um trabalho dobrado: por um

lado, tentar ver se os instrumentos hegemônicos podem ser utilizados de

maneira contra-hegemônica e se podemos desenvolver um conceito contra-

hegemônico de legalidade, de direitos humanos e de democracia; por outro

lado, ver se nas culturas e nas formas políticas que foram marginalizadas e

oprimidas pela modernidade ocidental podemos encontrar embriões, sementes

de coisas novas. Na opinião do autor, o caminho para essa superação deve

começar por conhecer bem a tradição e ao mesmo tempo contestá-la,

enfrentá-la e inovar a partir da teoria da tradução.

Santos (2005a, p. 273), ainda diz que, nos seis espaços estruturais das

sociedades capitalistas (o espaço doméstico, o espaço da produção, o espaço

de mercado, o espaço da comunidade, o espaço da cidadania e o espaço

mundial), se desenvolvem seis modos de produção de prática social, um

conjunto de relações sociais complexas cujas contradições internas lhe

conferem uma dinâmica endógena específica. Os espaços estruturais são

espaços tempos, formas de sociabilidade que implicam lugares, mas também

temporalidades, duração, ritmos. Segundo o autor, “[...] a especificidade de

cada um dos espaços estruturais reside no tipo de troca desigual que marca as

relações socais que nele se estabelecem” (SANTOS, 2005a, p. 277).

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Essa lógica, embora específica e endógena, não está, enclausurada em si

mesma já que as relações sociais “[...] são tão determinadas pela sua

localização estrutural como pelas suas articulações (combinações,

interferências mútuas, interfaces e interpenetrações) com relações sociais

noutras localizações estruturais” (SANTOS, 2005a, p. 277). Acrescenta que,

em termos fenomenológico, essa é uma hibridização que não é nem arbitrária

nem infinita, porque os espaços são limitados em número e particulares quanto

à especificação interna.

É importante pensar sobre a idéia de mapa em Santos (2005a) e sobre suas

reflexões, pois, para o autor, os mapas são uma das formas de imaginar e

representar o espaço por meio de distorções reguladas da realidade. Os

mapas criam ilusões credíveis de correspondência, sendo, por isso, capazes

de instituir orientações por meio de mecanismos e operações determinados e

determináveis (a escala, a projeção e o simbolismo). Nesse sentido, Santos

(2005a) reflete que “[...] os mapas são sempre ‘uma versão miniatuarizada’

(Keates, 1982: 73) da realidade e, por isso, envolvem sempre uma decisão

sobre os detalhes mais significativos e suas características mais relevantes”

(SANTOS, 2005a, p. 202). Nesse sentido, destacamos que implicam decisão,

processos de gestão, na forma como interpretamos a realidade.

O autor diz que “[...] a principal característica estrutural dos mapas reside em

que, para desempenharem adequadamente as suas funções, têm

inevitavelmente de distorcer a realidade.” (SANTOS, 2005a, p. 200). Para o

mapa ser prático, a realidade não pode coincidir ponto por ponto. No entanto,

para que a distorção da realidade não seja arbitrária, são utilizados

mecanismos conhecidos e controlados: a escala, a projeção e a simbolização,

que são autônomos, envolvem procedimentos distintos e exigem decisões

específicas. Mas são também interdependentes. No entanto, aqui daremos

destaque apenas ao mecanismo da escala

A escala é o primeiro grande mecanismo de representação/distorção da realidade. A escala é “a relação entre a distância no mapa e a

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correspondência no terreno” (Monmonier, 1981: 41) e, como tal, implica uma decisão sobre o grau de pormenorização da representação. Os mapas de grande escala têm um grau mais elevado de pormenorização que os mapas de pequena escala porque cobrem uma área inferior à que é coberta, no mesmo espaço de desenho, pelos mapas de pequena escala (SANTOS, 2005a, p. 201-202).

O autor afirma:

Porque medeia entre intenção e acção, o mecanismo da escala também se aplica à acção social. Os urbanistas e os chefes militares, tal como os administradores e os legisladores, definem as estratégias em pequena escala e decidem a actuação quotidiana em grande escala. O poder tende a representar a realidade social e física numa escala escolhida pela virtualidade para criar os fenômenos que maximizam as condições de reprodução do poder. A representação/distorção da realidade é um pressuposto do exercício do poder (SANTOS, 2005a, p. 202).

Assim, “[...] um mapa desenhado em pequena escala nos mostra pouco de

uma área grande, enquanto, ao contrário, um mapa de grande escala divulga

muito de uma pequena área selecionada” (OLIVEIRA, 2005, p. 90).

Aparentemente, a diferença entre as escalas é apenas quantitativa, mas, na

realidade é qualitativa, já que influencia na representação de certos fenômenos

que só são perceptíveis em determinada escala. Sendo assim, “[...] mudar a

escala implica em mudar o fenômeno” (SANTOS, 2005a, p. 202). Por isso seu

uso deve ser coerente para evitar falácias advindas de sobreposições de

fenômenos, como ocorre em certas correntes na Geografia.

Santos (2005a) alerta-nos quanto ao perigo da falsa equivalência de escalas,

no que se refere ao planejamento de ações, portanto, na forma como se

pretende gerir situações ou agir sobre elas. Esse processo consiste em “[...]

produzir e ocultar um desequilíbrio de escala entre a acção técnica e as

consequências técnicas. Por via desse desequilíbrio, a grande escala da acção

é posta em paralelo com a pequena escala das consequências” (SANTOS,

2005a, p. 31). Nesse sentido, a operacionalidade ou aplicação de um certo

conhecimento ou técnica é feita de forma descontextualizada, isto é,

independente das condições de aplicação.

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Dado que a ciência moderna desenvolveu grande capacidade de agir, mas não

de prever, esse desequilíbrio entre as escalas torna-se essencial para o

desenvolvimento da ação, quando oculta e torna possível o heroísmo técnico

do cientista e a idéia da existência de uma escala dominante. Historicamente,

essa escala tem tido dois nomes: universalismo e, agora, globalização.

Segundo Santos (2007), o universalismo é toda idéia ou entidade que é válida

independentemente do contexto no qual ocorre. O que não é universal é

particular. Aliada a isso está a idéia de que sua aplicação independe

igualmente de todas as condições que não sejam necessárias para garantir a

operacionalidade técnica da aplicação.

A outra escala dominante é definida pelo autor como globalização, que é “[...]

uma identidade que se expande no mundo e, ao se expandir, adquire a

prerrogativa de nomear como locais as entidades ou realidades rivais”

(SANTOS, 2007, p. 31). Essas são formas de tornar invisíveis, descartáveis,

desprezíveis as experiências sociais locais em relação ao universal e ao global

que se apresentam como hegemônicos.

Levando em consideração o mapa estrutural elaborado por Santos (2005a),

podemos dizer que as formações sociais capitalistas são constituídas de seis

conjuntos de relações sociais que produzem seis formas de conhecimento, a

saber: no espaço doméstico, o familiarismo e a cultura familiar; no espaço da

produção, o produtivismo, o tecnologismo, a formação profissional e a cultura

empresarial; no espaço do mercado, o consumismo e a cultura de massas; no

espaço da comunidade, o conhecimento local, a cultura da comunidade e a

tradição; no espaço da cidadania, o nacionalismo educacional e cultural e a

cultura cívica; no espaço mundial, a ciência, o progresso universalístico, a

cultura global.

O autor aponta que a ciência moderna consolidou sua hegemonia como forma

de saber com a ajuda do Estado, a ponto de se transformar em conhecimento

oficial ensinado no sistema educativo público e desenvolvido em instituições de

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investigação criadas ou financiadas, sendo legítimo pensar a ciência como

forma de conhecimento do espaço da cidadania. Por outro lado, a ciência

também serviu como força estratégica do Estado para acumulação, como

discurso da verdade, do bem-estar e da lealdade, nas estratégias de

hegemonia, e como recurso nacional (social e estatal), nas estratégias de

confiança. E desde a Revolução Industrial vem transformando-se em força

produtiva por excelência, como forma epistemológica do espaço da produção.

Nesse sentido, o autor prefere conceber a ciência moderna como forma

epistemológica do espaço mundial, como o mais bem sucedido dos localismos

globalizados da modernidade ocidental, ou seja, “[...] são modos culturais

próprios daqueles que têm o poder de se impor ao restante do planeta [...]”

(OLIVEIRA, 2006, p. 79), mas não se deixam reduzir nem a uma força

produtiva, nem a um saber oficial.

A visão da ciência moderna como forma epistemológica do espaço mundial

permite-nos, segundo o autor, apreender tanto a extensão de seu auditório

quanto os processos que utiliza para reforçar as hierarquias do sistema

mundial. No entanto, destaca que, em todas as formações do conhecimento, a

ciência é a componente dos contextos culturais cega ao contexto, residindo aí

as raízes mais profundas do seu funcionamento cósmico. Para Santos (2005a),

essa “[...] cegueira em relação ao contexto só se pode afirmar credivelmente

em contextos culturais específicos, é, ela própria, necessariamente

contextualizada pelos conhecimentos caósmicos com que a ciência se

constela” (SANTOS, 2005a, p. 307). À luz da crítica epistemológica desse

autor, no entanto, fica claro que a única exigência normativa específica que a

ciência faz é a pretensão de não fazer exigências normativas. Assim, como sua

verdade não é mais que um discurso da verdade,

[...] a ciência funciona cosmicamente por ser um conhecimento organizado, especializado e profissionalizado, susceptível de ser produzido ad infinitum em ambientes aparentemente alheios ao contexto, de acordo com metodologias formalizadas e reprodutíveis. Trata-se de uma forma de conhecimento capaz de intervenções poderosas e drásticas na natureza e na sociedade, mediante as quais

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a sua operacionalidade instrumental é, por seu turno, reforçada e dramatizada (SANTOS, 2005a, p. 306).

Santos (2001) argumenta que algumas das condições sociais da crise

paradigmática da ciência moderna estão relacionadas à perda progressiva do

poder de auto-regulação diante do fenômeno global da industrialização da

ciência, principalmente nas décadas de 1930 e 1940. Para o autor, isso “[...]

acarretou o compromisso desta com os centros de poder económico, social e

político, os quais passaram a ter um papel decisivo na definição das

prioridades científicas” (SANTOS, 2001, p. 34). Completando resumidamente

esse quadro, Oliveira acrescenta:

Essa industrialização provocou, ainda, dois efeitos. Por um lado, a comunidade científica estratificou-se, as relações de poder entre cientistas tornaram-se mais autoritárias e desiguais, gerando a proletarização de muitos no interior dos laboratórios e centros de pesquisa. Por outro lado, o acesso ao grande capital e aos equipamentos que ele permite comprar aprofunda o fosso dos diferentes níveis de desenvolvimento tecnológico entre os países centrais e os países periféricos (OLIVEIRA, 2006, p. 28).

Para Santos (2005a), vivemos um novo universalismo ou internacionalismo da

globalização neoliberal, de movimentos de desnacionalização do Estado; o fato

de que cada vez mais políticas internas parecem ser imposições externas; a

desestatização da regulação social, em que ocorre a substituição da regulação

centrada no Estado por uma outra, em que o Estado passa a ser um sócio. “A

debilidade do Estado é produzida por um Estado suficientemente forte para

produzir sua própria debilidade” (SANTOS, 2007, p. 67).

O Estado deixa de ter o controle da regulação social, criam-se institutos para isso, e o Estado passa a ser apenas um sócio, não tem o monopólio da regulação social. Por isso vamos ter o problema da relação entre reguladores e não-regulados, e freqüentemente os regulados são reféns dos reguladores [...] a emergência de um constitucionalismo global das empresas multinacionais que prevalece sobre as leis nacionais e as viola freqüentemente, mas tem prioridade sobre elas como antes a lei constitucional tinha prioridade sobre as leis ordinárias. E disso tudo resulta o que chamo uma democracia de

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baixa intensidade: vivemos em sociedades de democracia de baixa intensidade (SANTOS, 2007, p. 89-90).

Esse é um problema que também atinge o Brasil assim como outros países da

América Latina, que têm cada vez mais sofrido influências de regulamentações

de órgãos internacionais, tais como o Banco Mundial e Fundo Monetário

Internacional (FMI), e de processos de gestão de empresas multinacionais que

“ameaçam” a soberania nacional. Mas essa situação agrava-se quando, como

argumenta Linhares,

O espaço instituído se orgulha de sua organização, instalada mediante percursos que vêm de um passado vencedor, que em algum momento prevalecem lampejos instituintes que se cristalizaram. Por isso mesmo, eles participam de um “cortejo triunfalista”, creditando a si mesmo o mérito de tantas vitórias. Sustentam conhecer o que pode dar certo e tributam aos movimentos instituintes ameaças de colocar a perder uma civilização que até agora deu certo. Deu certo? (LINHARES, 2006, p. 33).

Então, partindo do conceito de gestão democrática como o ato de gerir

democraticamente, ou como aquela gestão que atende aos requisitos de um

processo democrático, é que elevamos essa perspectiva à uma democracia de

alta intensidade,

[...] na qual a participação seja ampliada e o ideal democrático da igualdade se faça acompanhar do direito à diferença, condição para a construção de relações sociais que considerem e reconheçam as diferenças culturais, sem criar, a partir delas, uma hierarquia entre as diversas culturas. No que diz respeito ao exercício da cidadania, Santos (2001) a define como um encargo, uma missão pública, uma prioridade do serviço à comunidade, para além da cidadania passiva, reduzida a um conjunto de direitos pelos quais se luta (OLIVEIRA, 2003, p. 15 -16).

Chegaremos assim à conclusão relativamente óbvia de que a gestão

democrática dentro do paradigma emergente difere da proposta pelo

paradigma moderno, no sentido de que a gestão, neste último, é muito mais

técnica e “científica” do que propriamente democrática, contando, para isso,

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com a proteção do direito. A lógica do paradigma moderno julgava ser possível

o equilíbrio harmonioso entre os pilares da regulação e da emancipação e

pretendia ver esse desenvolvimento traduzido na completa racionalização da

vida coletiva e individual. Via na ciência e na gestão científica da sociedade a

forma mais eficiente para alcançar as promessas e soluções dos problemas

modernos, separando a ação técnica da ação política.

Para o autor,

[...] a política se transformou num campo social de caráter provisório com soluções insatisfatórias para problemas que só poderiam ser convenientemente resolvidos se fossem convertidos em problemas científicos ou técnicos: a célebre transformação saint-simoniana da administração de pessoas numa administração de coisas [...] a gestão científica da sociedade teve de ser protegida contra eventuais oposições através da integração normativa e da força coerciva fornecida pelo direito. Por outras palavras, a despolitização científica da vida social foi conseguida através da despolitização jurídica do conflito e da revolta (SANTOS, 2005a, p. 51).

A gestão científica ou técnica da sociedade torna-se possível com a

despolitização dos problemas e soluções, caindo, então, naquela forma de

pensar que separa as ações técnicas das conseqüências técnicas, resultante

da falsa equivalência de escalas (Santos, 2005a), processo esse que é capaz

de ocultar o desequilíbrio entre a grande escala da ação e a pequena escala

das conseqüências; facilita a aplicação descontextualizada, ou independente

das condições de aplicação, de um certo conhecimento ou técnica.

No paradigma emergente, a ação de gerir desenvolve-se intimamente ligada à

ação política. Não é, portanto, apenas uma forma técnica ou científica de

gestão. Então, diante da impossibilidade de se determinarem os rumos dos

processos de transformação social e do pressuposto de que não há receitas

prontas para controle das ações, os processos de gestão democrática devem

desenvolver-se para promover a democracia em seu sentido amplo. Isto é,

para a ampliação da participação cidadã nos processos decisórios, tanto na

esfera do Estado quanto na esfera da vida cotidiana, “[...] ao mesmo tempo em

que se insurge contra os processos de dominação cultural sobre os quais se

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erguem a exclusão social, a discriminação e, nesse sentido, a permanência da

lógica da dominação” (OLIVEIRA, 2003, p. 16). Seu objetivo último é a

emancipação social, por meio do diálogo, do consenso, da horizontalidade das

relações, da solidariedade, da prudência, ou seja, da democratização das

relações, do conhecimento e da ação de subjetividades democráticas.

Como já argumentamos anteriormente, o sucesso das sociedades

democráticas dependerá da garantia dessas condições epistemológicas e

políticas, sendo de extrema importância que os processos de gestão

democrática alcancem a educação, a escola e a formação como um dos mais

importantes espaços constitutivos de nossas redes de subjetividades, de

saberes e de práticas reais que tecemos e nos tecem.

Dessa forma, é preciso entender que as escolhas de visibilidade não

anulam a existência daquilo que se torna invisível; é a utilização

simultânea de diferentes escalas que vai “[...] permitir a superação da

invisibilidade do local e do particular. A importância dessa ecologia das

trans-escalas se manifesta na possibilidade que ela favorece de se pensar

a globalização contra-hegemônica” (OLIVEIRA, 2006, p. 90-91) e é de

extrema importância para a formulação de propostas democráticas e

democratizantes em todos os campos sociais, principalmente no interior

das políticas públicas e na educação. É importante também para

pensarmos na possibilidade de a formação continuada de professores em

serviço configurar-se como uma gestão democrática da formação

docente, em que o professor seria o gestor de sua formação. Nesse

sentido, é preciso que também conheça e leia os “mapas” e pense em

possibilidades de ação e emancipação.

Decorre daí que, quando pensamos na gestão de forma descontextualizada,

isto é, deixando de considerar uma série de “particularidades” aparentemente

invisíveis e descartáveis, estamos contribuindo não para a solução dos

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problemas, mas para o seu agravamento, já que as soluções encontradas

passam a ser únicas para realidades diferentes, globalizadas e hegemônicas.

Diante desse novo internacionalismo em que vivemos e do despreparo de

nossas teorias sociais para o enfrentamento dos desafios daí decorrentes, o

autor sugere que produzamos teorias e práticas transescalares, ou seja,

que trabalhemos com a possibilidade de articular nossos projetos de

forma que as escalas locais se articulem com as nacionais e com as

globais, constituindo-se na possibilidade de ver no que o hegemônico

pode ser contra-hegemônico e entrar em conflito com o internacionalismo

da globalização neoliberal.

Essa noção é importante no trabalho de Santos (2007) que se concentra no

desenvolvimento de uma teoria política nova, de uma democracia de alta

intensidade, que ocorrerá, segundo o autor, com a democratização de todos os

espaços onde a democracia signifique: “[...] substituir relações de poder por

relações de autoridade compartilhada” (SANTOS, 2007, p. 62).

Para Oliveira (2006, p. 143), esse entendimento do autor, de que todas as

formas de poder têm caráter político, conduz à idéia de que a luta pela

transformação das relações de poder em relação à autoridade partilhada se

situa não apenas no campo especificamente reconhecido como político, mas

se estende a todos os espaços tempos estruturais, na luta pela emancipação

social. Ela deixa de restringir-se ao espaço tempo da cidadania para ser

pensada e tecida em todas as dimensões da vida, assim como a questão da

democracia deixa de estar restrita ao embate político em torno do Estado e do

controle da atividade estatal, mas passa a abranger o conjunto das relações

sociais nos diversos espaços estruturais.

Além disso, “[...] a horizontalização do conjunto das relações sociais e a sua

reformulação em processos de interação, e não mais nas hierarquias

apriorísticas seriam processos privilegiados de construção dessa democracia

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[...]” (OLIVEIRA, 2006, p. 143), isto é, da democracia social. Essa

horizontalização entre diferentes incluiria a discussão a respeito das formas de

conhecimento existentes no mundo e o diálogo entre elas. Nesse sentido, “[...]

a luta política emancipatória pela transformação das relações entre as formas

de conhecimento [...] precisa assumir como fundamento ‘o caráter

epistemológico de todas as formas de conhecimento [...]” (OLIVEIRA, 2006, p.

144), já que a ciência não seria a única forma de saber. Assim, Santos (2005a,

p. 309) conclui que a prática social é sempre uma constelação de algumas ou

de todas as diferentes formas de ação, sendo impossível avaliar em abstrato

quais as constelações de prática social mais disseminadas e mais

determinantes. Por um lado, a ciência,

[...] na sua pulsão hegemônica, aspira a rejeitar e a substituir inteiramente os conhecimentos locais; a própria ideia de “comunidade cientifica” sugere que a ciência se considera o único valor indentitário moderno sobre a base do qual podem floresce os ideais comunitários. Por outro lado, sempre que a ciência opera em campos sociais concretos (que não seja a comunidade científica), recorre a outros conhecimentos locais para superar os conflitos, facilitar as intervenções, diminuir os custos, etc. Quando essa complementaridade não chega a acontecer, a constelação torna-se conflitual e o conhecimento científico pode ser confrontado, obstruído ou subvertido pelo conhecimento próprio do espaço da comunidade. Estas articulações são particularmente visíveis, e, por vezes dramáticas, à medida que nos deslocamos do centro para a periferia do sistema mundial, habitada por formas de conhecimentos não ocidental-cêntricos muito disseminados e respeitados (SANTOS, 2005a, p. 306).

Seguindo nessa linha de pensamento, Santos argumenta que “[...] quando a

ciência se constela com outros conhecimentos, é também transformada por

eles [...]” (SANTOS, 2005a, p. 307) e, mediante processos espontâneos,

intersticiais e relativamente caóticos, a ciência se deixa penetrar pela cultura de

massas, como forma epistemológica do espaço do mercado (a ciência popular,

a ficção científica) e no espaço da comunidade, o sentimento de comunidade

entre grupos de cientistas, a criação de tradições e identidades científicas.

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O autor realça nos espaços estruturais, a exemplo das comunidades

interpretativas, o caráter retórico e local do conhecimento, pois considera os

seis campos estruturais como campos tópicos, círculos argumentativos e

auditórios unidos por conjuntos de topoi locais.

Cada espaço estrutural é um conjunto de argumentos, contra-argumentos e premissas de argumentação amplamente partilhadas, através dos quais as linhas de acção e as interacções definem a sua pertença e a sua adequação dentro de um determinado campo tópico. A coerência, a sequência e a articulação reticular dos argumentos, de par com as polaridades específicas entre oradores e auditórios, configuram uma retórica local, um estilo próprio de raciocínio, de persuasão e convencimento (SANTOS, 2005a, p. 303).

Podemos pensar, dessa forma, os espaços estruturais como grandes

comunidades interpretativas, e as questões da democratização dos

conhecimentos, das relações, do poder e do direito, como intimamente ligadas

às relações sociais que se estabelecem entre os membros de uma comunidade

interpretativa e a sua capacidade de produzir conhecimento-emancipação.

Como já sabemos, nessa trajetória as relações devem configurar-se como

práticas de solidariedade e não de colonização, em que se reconhece o

outro como membro da comunidade, produtor de saber, que participa do

poder sempre compartilhado, não havendo, portanto, espaço para

imposições e coerções de um direito despótico ou de uma lógica

produtivista, que não sejam o resultado de uma razoabilidade dos

argumentos e do consenso que eles tornam possível como produtividade

e coerção legítima.

O papel da teoria crítica pós-moderna é, segundo Santos (2005a) o de criar a

emergência de topoi e de argumentos emancipatórios, ou de sensos comuns

contra-hegmônicos para se expandirem a par dos auditórios argumentativos, a

fim de se tornarem conhecimento-emancipação. Para o autor, tal como o

conhecimento-regulação o conhecimento-emancipação só funciona em

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constelações de conhecimentos. “Negligenciar este facto equivale a correr o

risco de a retórica emancipatória, conquistada numa das formas

epistemológicas, se constelar ‘ingenuamente’ com a retórica regulatória de

outra forma epistemológica” (SANTOS, 2005a, p. 308). Assim,

[...] o êxito das lutas anti-capitalistas e anti-sistémicas depende da capacidade que tenham de se organizar em constelações de práticas sociais emancipatórias, isto é, em constelações de trocas iguais contra constelações de poder, em constelações de juridicidade democráticas radicais contra constelações de juridicidade autoritárias, em constelações de conhecimentos emancipatórios contra constelações de conhecimentos regulatórios. Para fazer jus a tal programa, as reconstruções teóricas devem ser muito mais exigentes e inovadoras, e a prática social a que fazem apelo deverá ser muito mais criativa e complexa (tão consciente dos limites como das possibilidades), menos dogmática, dada a natureza parcial de todas as formas relevantes de acção, predisposta a alianças para superar a incompletude e, por último, epistemologicamente mais tolerante face aos vários conhecimentos parciais e locais e aos vários sensos comuns nela investidos (SANTOS, 2005a, p. 314).

Toda essa reflexão feita pelo autor pode ser transportada para a realidade

escolar e educacional, se pensarmos na leitura que essa realidade exige e nas

propostas que são impostas ou construídas democraticamente, materializadas

nas políticas públicas educacionais.

Podemos, também, questionar se os processos de gestão democrática, como

processos que envolvem o poder de gerir democraticamente as trocas sociais,

conseguiriam dar conta tanto da distribuição quanto da capacitação dos

sujeitos que se inserem em uma determinada comunidade, em uma escola, em

sociedades capitalistas, como a brasileira, com tamanha desigualdade social,

de acesso à informação, e com preconceitos diversos, já que, como sabemos,

as condições epistemológicas e políticas para a existência da democracia

precisam alcançar toda a sociedade.

Acrescente-se ainda que é preciso considerar que não somos capazes de

controlar totalmente os rumos das transformações sociais. No entanto, o

processo de emancipação precisa caminhar na busca por diminuir ou mesmo

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extinguir processos de dominação. Essa busca por emancipação social, porém,

não deve instituir outros processos de dominação; deve pautar-se no respeito à

igualdade na diferença, na prudência diante dos desafios e do que queremos e

não queremos. Dessa forma, a gestão democrática, em seu sentido mais

amplo, tem-se apresentado como uma das melhores alternativas.

Cabe ainda destacar a escola como um importante espaço tempo de

transformação social. No Brasil, por exemplo, a escola recebeu principalmente

no período de redemocratização, com a promulgação da Constituição de 1988

e da LDB Lei n° 9.393/96, como instituição privilegiada para o desenvolvimento

do educando, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de

solidariedade humana, a incumbência legal de preparar o educando para o

exercício da cidadania. Torna-se importante pensá-la, também, como um

espaço tempo de luta política emancipatória na formação de nossas redes de

subjetividades.

Assim, podemos considerar as leis e as políticas públicas como tentativas do

Governo em organizar as relações e a prática social, apoiado no poder legal

que lhe é atribuído. No entanto, diante da falta de controle sobre os processos

de transformação social, essas tentativas encontrarão tanto resistências quanto

adesão na medida em que forem tomadas como forma de prescrição que todos

devem seguir, sem questionamentos, ou na medida em que traduzirem formas

de organização legítimas e legitimadas pelos membros da sociedade.

Nesse sentido, essas tentativas para a organização são tentativas de exercício

do poder legalizado, cujas possibilidades de ação sobre a realidade todos

devem conhecer, para que caminhem, como um exercício democrático e

solidário do poder, no sentido de ampliar o seu potencial emancipatório.

Para Linhares (2006), podemos pensar nas experiências instituintes como ação

política alternativa endereçada a um outra educação e a uma outra cultura na

construção permanente de includências. A esse respeito nos diz

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O primeiro alerta que precisamos acender é que as experiências instituintes não se encontram sob nenhum tipo de redoma que as pudessem separar do que está instituído. Pelo contrário. Umas e outros estão ora juntas, ora em litígios, buscando expandir-se, ou seja, penetrar no espaço e tempo em confronto. Assim, se as experiências instituintes procuram desdobrar-se em movimentos criadores e estremecer o que já foi organizado pela história, o instituído também procura incorporar, o que ainda está se processando, ou seja, o instituinte (LINHARES, 2006, p. 33).

Como resultado da reflexão epistemológica e teórica no estudo de alternativas

produzidas por movimentos de luta contra a globalização neoliberal e o

capitalismo, Santos (2005a) nos fala da necessidade de se perceber que a

experiência social é mais ampla e variada do que aquela que a tradição

científica ou filosófica ocidental conhece e considera importante, que essa

experiência está sendo desperdiçada e que, para combater o desperdício, é

preciso um novo modo de racionalidade.

Dentre os vários desafios a serem vencidos pelo conhecimento-emancipação,

destaca:

O primeiro desafio é passar do monoculturalismo para o multiculturalismo, já

que a solidariedade é reconhecer o outro como produtor do conhecimento.

Conseqüentemente, terá que enfrentar duas dificuldades: a diferença e o

silêncio. A produção de um conhecimento multicultural tem no silêncio e na

diferença suas principais dificuldades, advindas do domínio global da ciência

moderna como conhecimento-regulação, que acarretou a destruição de muitas

formas de saber, sobretudo daquelas próprias dos povos que foram objeto do

colonialismo ocidental. “Tal destruição produziu silêncios que tornaram

impronunciáveis as necessidades de povos e grupos que foram objecto de

destruição” (SANTOS, 2005a, p. 30). Sob a “capa” de valores universais foi

imposta a razão de uma “raça”, de um sexo e de uma classe social.

O segundo desafio a ser vencido pelo conhecimento-emancipação é passar da

peritagem heróica ao conhecimento edificante, em que a falsa equivalência de

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escalas, que oculta tanto o desequilíbrio entre ação técnica e conseqüências

técnicas quanto o heroísmo técnico do cientista e que permite a

descontextualização do conhecimento, tornando-o absoluto, deve ser

enfrentada a partir da distinção entre objetividade e neutralidade.

O terceiro desafio que o conhecimento-emancipação deve vencer é passar da

ação conformista para ação rebelde, pois devemos concentrar-nos no

horizonte de possibilidades como uma forma de nos libertar de uma maneira

preguiçosa de pensar quer na transformação social, quer na impossibilidade

desta, superando a determinação e a indeterminação como conceitos

filosóficos a fim de pensarmos as ações e as subjetividades para além da

determinação/contingência. Esses desafios estão entrelaçados, assim como as

alternativas propostas pelo autor.

Como, para Santos (2005a), a teoria crítica não tem conseguido responder a

esses desafios, é necessário investir em alternativas às alternativas. Aliado a

isso, as críticas do autor vão no sentido de considerar a ciência moderna como

uma razão indolente que se manifesta de duas formas: a razão metonímica e a

razão proléptica.

A razão metonímica é uma figura da teoria literária e da retórica que significa tomar a parte pelo todo. E essa é uma racionalidade que facilmente toma a parte pelo todo, porque tem um conceito de totalidade feito de partes homogêneas, e nada do que fica fora dessa totalidade interessa” (SANTOS, 2007, p. 25-26).

Assim, o desperdício se dá com a contração do presente, deixa invisíveis

muitas experiências.

A razão proléptica é a segunda forma. Prolepse é uma figura literária bastante encontrada em romances, nos quais o narrador sugere claramente a idéia de que conhece bem o fim mas não vai contá-lo. É conhecer no presente a história futura. Nossa razão ocidental é muito proléptica, no sentido de que já sabemos qual é o futuro: o progresso, o desenvolvimento econômico, é um tempo ideal linear que de alguma maneira permite uma coisa espantosa: o futuro é infinito. A meu ver, expande demais o futuro (SANTOS, 2007, p. 26).

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Essas seriam duas características da razão indolente: contrair o presente e

expandir o futuro, para as quais o autor vai propor uma estratégia oposta:

ampliar o presente para incluir nele muito mais experiência, e contrair o futuro

para prepará-lo.

A razão metonímica traz em si a idéia de totalidade, que é muito reducionista

porque contrai o presente desperdiçando muita realidade. Baseia-se em duas

idéias: a hierarquia e a simetria dicotômica, tais como: homem/mulher,

norte/sul, cultura/natureza, branco/negro. Apesar de parecerem simétricas,

estas idéias escondem sempre uma hierarquia. A questão que se coloca é que

existem racionalidades mais complexas, daí que a idéia de transformação do

real sem a compreensão do real traz em si um problema: o transformar sem

compreender leva-nos a situações de desastre. Embora não seja fácil pensar

fora dessas totalidades de redução, Santos (2007) questiona: Como realizar

um diálogo multicultural quando algumas culturas foram reduzidas ao silêncio e

as suas formas de ver e conhecer o mundo se tornaram impronunciáveis? Ou,

como fazer falar o silêncio sem que ele fale necessariamente a linguagem

hegemônica que pretende fazê-lo falar?

Santos conclui: “[...] o silêncio é, pois, uma construção que se afirma como

sintoma de um bloqueio, de uma potencialidade que não pode ser

desenvolvida [...]” (SANTOS, 2005a, p. 30), e essa construção só pode ser

captada por uma Sociologia das Ausências, que compare os discursos

hegemônicos com os contra-hegemônicos.

A Sociologia das Ausências é um procedimento transgressivo, uma sociologia insurgente para tentar mostrar que o que não existe é produzido ativamente como não-existente, como uma alternativa não-crível, como uma alternativa descartável, invisível à realidade hegemônica do mundo. E é isso que produz a contradição do presente, o que diminui a riqueza do presente (SANTOS, 2007, p. 28-29).

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Continuando, Santos passa a tratar da crítica à razão proléptica, feita pela

Sociologia das Emergências que “[...] é a que permite abandonar essa idéia de

um futuro sem limites e substituí-la pela de um futuro concreto, baseado

nessas emergências: por aí vamos construindo o futuro” (SANTOS, 2007, p.

38). O autor alerta-nos sobre não se tratar de um futuro abstrato, mas de um

futuro do qual temos pistas e sinais. Nesse sentido, “[...] a Sociologia das

Emergências produz experiências possíveis, que não estão dadas porque não

existem alternativas para isso, mas são possíveis e já existem como

emergência” (SANTOS, 2007, p. 38). O autor propõe um duplo procedimento:

ampliar o presente e contrair o futuro por meio de ferramentas já discutidas,

tais como a ecologia das transescalas e outras.

Para Santos (2007), a inversão dessa situação, que é produtora de ausências,

se dá pela substituição das monoculturas pelas ecologias que não

desperdiçam experiências. Resumidamente são a inversão: a) da monocultura

do saber para a ecologia dos saberes (que trabalha a idéia de ciência em

diálogo com outros conhecimentos); b) da monocultura do tempo linear para a

ecologia das temporalidades (que trabalha a idéia de história e progresso e a

existência de outros tempos além do linear); c) da naturalização das diferenças

para a ecologia do reconhecimento (que pensa as diferenças com igualdades,

rejeitando hierarquias que inferiorizam); d) da monocultura da escala

dominante para a ecologia da “transescala” (que trabalha com a possibilidade

de articulação, em nossos projetos, das escalas locais, nacionais e globais); e)

da monocultura do produtivismo capitalista para a ecologia das produtividades

(que trabalha na contramão da lógica produtiva, em que tudo o que não é

produtivo é estéril).

Nesse domínio, a Sociologia das Ausências

[...] consiste na recuperação e valorização dos sistemas alternativos de produção, das organizações econômicas populares, das cooperativas operárias, das empresas autogestionadas, da economia solidária etc., que a ortodoxia produtivista capitalista ocultou ou desacreditou (SANTOS, 2007, p. 36).

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Então, diante dessa quantidade de qualidades que não “existiam” antes e que

foram “criadas” pela Sociologia das Ausências e pela Sociologia das

Emergências, diante dessa realidade mais rica, mais fragmentada, mais

caótica, e diante da nossa impossibilidade de permanecer com uma

fragmentação total, é preciso criar inteligibilidade recíproca no interior da

pluralidade, sem reduzir a heterogeneidade à homogeneidade. Para não

cairmos novamente numa totalidade que deixa de fora muitas outras coisas,

temos que criar uma nova maneira de entender e articular conhecimentos,

práticas, ações coletivas, articulando sujeitos coletivos. É nesse sentido que o

autor propõe o procedimento da tradução.

A tradução é um processo intercultural, intersocial. Utilizamos uma metáfora transgressora da tradução lingüística: traduzir saberes em outro saberes, traduzir práticas e sujeitos de uns aos outros, é buscar inteligibilidade sem “canibalização”, sem homogeinização. Nesse sentido, trata-se de fazer tradução ao revés da tradução lingüística [...] Esse procedimento de tradução é um processo pelo qual vamos criando sentido a um mundo que não tem realmente um sentido único, porque é um sentido de todos nós; não pode ser um sentido que seja distribuído, criado, desenhado, concebido no Norte e imposto ao restante do mundo, onde estão três quartos das pessoas. É um processo distinto, e por isso o chamo a Epistemologia do Sul, que tem conseqüências políticas – e naturalmente teóricas – para criar uma nova concepção de dignidade humana e de consciência humana (SANTOS, 2007, p. 39-41).

Trata-se de saber o que é comum entre os movimentos, onde há

distinções e semelhanças, e criar a inteligibilidade sem destruir a

diversidade. Assim, o procedimento de tradução pode atuar sobre a diferença,

que é a segunda dificuldade do conhecimento multicultural.

Só existe conhecimento e, portanto, solidariedade nas diferenças e a diferença sem inteligibilidade conduz à incomensurabilidade e, em última instância, à indiferença. Daí a necessidade da teoria da tradução como parte integrante da teoria crítica pós-moderna. É por via da tradução e do que eu designo por hermenêutica diatópica que uma necessidade, uma aspiração, uma prática numa dada cultura pode ser tornada compreensível e inteligível para outra cultura. O conhecimento-emancipação não aspira a uma grande teoria, aspira sim a uma teoria da tradução que sirva de suporte epistemológico às

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práticas emancipatórias, todas finitas e incompletas e, por isso, apenas sustentáveis quando ligadas em rede (SANTOS, 2005a, p. 30–31).

Santos continua:

É necessário não preferir uma palavra a outra, mas traduzir dignidade e respeito por emancipação ou por lutas de classes, ver quais são as diferenças e quais as semelhanças. Por quê? Porque há muitas linguagens para falar da dignidade humana, para falar de um futuro melhor, de uma sociedade mais justa. Cremos que esse é o princípio fundamental da epistemologia do Sul, que se baseia nesta idéia central: não há justiça social global sem justiça cognitiva global, ou seja, sem justiça entre os sem conhecimentos. Portanto é preciso tentar uma maneira nova de relacionar conhecimentos; é por isso que lhes proponho o procedimento da tradução (SANTOS, 2007, p. 40).

O autor conclui que, num mundo em que não há uma cultura que seja

completa, é preciso fazer tradução para ver a diversidade sem relativismos,

pois, como cientistas sociais comprometidos, não podemos ser relativistas.

“Mas é preciso captar toda a riqueza para não desperdiçar a experiência, já

que só sobre a base de uma experiência rica não desperdiçada podemos

realmente pensar em uma sociedade mais justa” (SANTOS, 2007, p. 41).

Seguindo essa linha de pensamento, Oliveira (2006) ainda aponta que as

possibilidades de se chegar a essas condições dependem da democratização

do conjunto de práticas sociais, vinculadas e orientadas por saberes mais

democráticos e democratizados. Nesse sentido, conclui: “[...] a subjetividade

democrática é, portanto, uma subjetividade que se tece interativamente em

processos de troca que devemos lutar para que se tornem sempre mais

horizontalizados” (OLIVEIRA, 2006, p. 145).

Concluímos, então, como sugerem Santos (2005) e tantos outros autores que

nos auxiliarem nesta reflexão, que nessa busca por emancipação não nos

devemos ater tanto na estrutura de determinação, mas, no horizonte de

possibilidades, para além das fronteiras externas da limitação. Embora o

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resultado seja incerto, no sentido da falta de controle sobre os processos de

transformação social, essa busca se faz no caminho da democratização das

subjetividades, dos saberes, das relações em todos os espaços estruturais.

Esse é um percurso que não se perfaz sozinho, daí a importância de nos

manter abertos ao diálogo e à multiplicidade de redes possíveis na combinação

dos processos de inserção social. É preciso ter cuidado para não cairmos em

processos de competição e de não-reconhecimento do outro, que nos levam à

solidão, à colonização, mas que, por isso, devem ser processos

democratizados, comunitários e solidários, tornando conhecidas as alternativas

locais e através de uma teoria da tradução criar inteligibilidades e

cumplicidades recíprocas. Nesse sentido, a emancipação pode ser uma “utopia

realista”, como iniciativa de “[...] grupos oprimidos que, num mundo onde

parece ter desaparecido a alternativa, vão construindo, um pouco por toda

parte, alternativas locais que tornam possível uma vida digna e decente [...]”

(Santos, 2005a, p. 36), num caminho em que é preciso ter cuidado sempre.

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3 FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES EM SERVIÇO COMO

PROCESSO DE GESTÃO DEMOCRÁTICA DA FORMAÇÃO DOCENTE

“Redefinir o conceito de democracia, ampliando-o ao conjunto da vida social,

permite redefinir, politicamente, as ações sociais que podem favorecer a sua

construção enquanto sistema social fundado em ações democráticas em todas

as esferas da vida social. Assim sendo, essas ações, desenvolvidas por

subjetividades democráticas, supõem que estas últimas sejam tecidas através de

processos reais de aprendizagem, formais e cotidianos, de saberes e valores

democráticos”.

Inês Barbosa de Oliveira

A questão da formação continuada de professores é complexa e exige reflexão

sobre sua caracterização, significado e alcance. Ela tem-se estabelecido como

um tipo de formação docente que vem cada vez mais consolidando-se nas

propostas oficiais brasileiras como uma das alternativas às demandas por

profissionais habilitados a contribuir para a melhoria da qualidade da educação,

a autonomia e a gestão democrática da escola diante dos desafios de nosso

tempo. Esse também é um debate que envolve uma discussão paradigmática

da educação e das tendências teórico-práticas que fundamentam as propostas

dirigidas a essa formação e que não podem ficar à margem da análise desses

profissionais como se fossem meros consumidores do que lhes é oferecido.

Nesse capítulo, buscaremos correlacionar processos de gestão democrática e

de formação continuada de professores em serviço, a fim de analisar as

possibilidades de essa modalidade de formação configurar-se como processo

de gestão democrática da formação docente, proporcionando, assim,

condições para a emancipação e a autonomia desses profissionais.

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3.1 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES COMO UM

PROCESSO

Começaremos nossa reflexão pela idéia de formação continuada docente

como processo. De um modo geral, podemos dizer que os processos de

formação docente começam antes da chamada formação inicial, ou seja, antes

do ingresso nos cursos de preparação para o magistério, e prossegue durante

o exercício da prática profissional. Os professores, antes disso, tiveram,

durante sua experiência escolar como alunos, condição de refletir sobre o

papel dos docentes, a escola, suas tarefas e funções. Depois disso, como

professores, também continuaram a vivenciar esse processo, ampliando suas

redes de saberes fazeres no cotidiano escolar e em outros espaços tempos de

formação.

Podemos ainda dizer que esses são processos dinâmicos que dizem respeito

aos chamados saberes práticos e da experiência, conhecimentos e habilidades

que o professor vai adquirindo, construindo, filtrando, gestando, de um modo

contínuo. Eles podem ser desencadeados por iniciativa própria, pessoal, do

grupo de professores ou do professor, em busca de respostas a situações da

vida profissional. Como exemplo de uma iniciativa pessoal de caráter

individual, podemos citar a iniciativa de um professor que busca cursos de

especialização por conta própria, fora do horário de trabalho. Como exemplo

de uma iniciativa pessoal coletiva, citamos a de um grupo de professores que

resolvem estudar em grupo um determinado tema com o objetivo de solucionar

problemas na sala de aula, às vezes com a ajuda de um especialista, um

profissional para dar acessoria técnica ou não. Nesses casos, ambas foram

iniciativas próprias.

O processo de formação continuada também pode desencadear-se a partir da

iniciativa institucional. Um exemplo dessa tentativa são os programas de

formação continuada de professores propostos pelo MEC, assim como os

propostos pelos diversos sistemas de ensino no Brasil. Nesses casos, cabe à

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instituição a responsabilidade de financiar, organizar os espaços tempos de

formação, tais como os horários e locais específicos para estudo, as

modalidades e as estratégias de estudo, ou seja, cabe providenciar as

condições para que os processos de formação aconteçam.

Nesse sentido, Alves (2002) vem auxiliar-nos destacando alguns dos

importantes contextos em que se realizam os processos de formação docente.

A partir deles, analisaremos a possibilidade de ampliação desse conceito no

nosso estudo:

a) o da formação acadêmica, que se desenvolve nos diversos cursos existentes;

b) o das propostas oficiais, que não pode ser confundido com o anterior, pois o institucional muda, necessariamente, em cada espaçotempo concreto, a proposta feita e desenvolvida;

c) o das práticas pedagógicas cotidianas, no qual cada dia com uma ou muitas turmas vai (vão) ensinando a cada profissional a ser professor/professora e a cada aluno/aluna as possibilidades de sê-lo;

d) o das culturas vividas, entre as quais referências especiais devem ser feitas às práticas políticas coletivas, de variadas articulações, nas quais cada um/uma aprende a ser cidadão/cidadã, e aos contatos com as tecnologias – sempre presentes e tão variadas – mas pouco compreendidas até hoje;

e) o das pesquisas em educação que, cada vez mais acessível a professoras e alunos/alunas, por um claro esforço de extensão dos sujeitos da universidade, questionam os diversos contextos, inclusive o seu próprio, ouvindo os sujeitos dos tantos contextos e buscando compreender suas relações e fazendo-as públicas, com crescente freqüência (ALVES, 2002, p. 18, grifos da autora).

Como se observa, a autora não classifica a formação docente como inicial ou

continuada, permanente ou final, mas desloca sua atenção para o sujeito

dessa formação e para a formação como um continuum. Sendo assim, o

sujeito da formação está em constante processo de formação, ao se inserir

nesses vários contextos. Resumidamente, formação é um processo de

aprendizagens contínuas que se realizam durante toda nossa vida.

Em nosso estudo, estamos concentrando-nos na formação continuada de

professores em serviço, ou seja, naqueles processos de formação que ocorrem

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em situação de trabalho e predominam no ambiente escolar, nas práticas

pedagógicas cotidianas, propostos pela iniciativa institucional e a serem

desenvolvidos coletivamente. Essas iniciativas são mais fáceis de investigar,

porque são de domínio público, de interesse dos professores e da sociedade,

no sentido de acompanharmos os passos que são dados na busca pela

melhoria da qualidade da educação e pela valorização do magistério.

No entanto, mesmo que as iniciativas sejam tomadas pelas instituições

públicas de educação, o que as torna responsáveis por providenciar as

condições para que esses processos aconteçam, os processos de formação

continuada de professores em serviço não estão sob total controle nem das

instituições, nem dos professores, já que não existe controle absoluto sobre os

rumos dos processos de transformação social. O que propomos, nesse caso,

a exemplo de Santos (2005a), é que esses processos sejam processualmente

democratizados, e possam contribuir para a existência de emancipação dos

sujeitos em formação, para a produção de conhecimento-emancipação. Nesse

sentido, a formação continuada de professores em serviço constitui-se em

processo de contínuas aprendizagens que se realizam na formação/gestão de

redes de subjetividades compartilhadas por sujeitos praticantes, no cotidiano

escolar, e que, se adotado como um processo de gestão democrática da

formação docente, apresenta grande potencial emancipador.

3.2 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES E A FORMAÇÃO DE

SUBJETIVIDADES

Vimos conduzindo uma linha de pensamento sobre a possibilidade de uma

democracia mais democrática, sob a perspectiva que une as três teses de

Santos de que não há democracia sem condições de democracia; há

necessidade de democratização das relações em todos os espaços estruturais;

a democracia das práticas sociais não é suficiente, se o conhecimento que as

orienta não é democrático. A discussão sobre a indissociabilidade entre essas

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três teses, como sugere Oliveira (2006, p. 140), além de revelar que as

condições que se exigem são tanto políticas quanto epistemológicas, também

torna relevante pensar a questão da educação e de sua intervenção sobre a

formação das subjetividades individuais e coletivas mais democráticas.

Algumas dessas possibilidades podem ser pensadas com base na idéia de

Santos sobre a rede de sujeitos que somos

[...] em termos gerais, todos nós, cada um de nós, é uma rede de sujeitos em que se combinam várias subjectividades correspondentes às várias formas básicas de poder que circulam na sociedade. Somos um arquipélago de subjectividades que se combinam diferentemente sob múltiplas circunstâncias pessoais e colectivas (SANTOS, 2005b, p. 107).

Nesse sentido, a formação das subjetividades individuais e coletivas envolve

complexos processos de formação identitária, ao incorporar tanto “[...] os

‘saberes’ formais e cotidianos quanto valores e crenças com os quais entramos

em contato [...]” (OLIVEIRA, 2006, p. 117), definindo as possibilidades de ação

dos sujeitos sobre e no mundo. Conseqüentemente, dentro de um projeto

pedagógico emancipatório, esses processos devem desenvolver-se buscando

torná-las mais aptas a lutar pela emancipação social e pela democracia.

Segundo Oliveira (2006, p. 137), uma das teses de Boaventura de Souza

Santos para o fortalecimento da democracia e para a formação de

subjetividades mais democráticas aborda

[...] a formação de subjetividades mais ou menos democráticas como processos de enredamento e de negociação de sentidos entre as várias experiências vividas pelos sujeitos individuais e coletivos e as possibilidades de ação mais ou menos democráticas como resultado dessas negociações que – embora comportem e incluam um vasto conjunto de possibilidades, em função do imenso número de combinatórias existentes – permitem supor que determinados tipos de experiências práticas e cognitivas tendem a favorecer a formação de subjetividades mais democráticas, enquanto outros tipos de experiências tendem a dificultá-la. Isso porque, apesar da sua incontrolabilidade, esses processos obedecem a uma lógica cuja complexidade cria um leque amplo de possibilidades, mas que não é caótica (OLIVEIRA, 2006, p. 137-138).

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Essa é uma possibilidade que assume a democracia como princípio regulador

das relações sociais nos espaços constitutivos de nossas redes de

subjetividades que, com o conjunto de saberes e de práticas reais que tecemos

e nos tecem, possibilitam pensar modos de intervenção sobre os processos de

aprendizagem com os quais convivemos e aos quais estamos submetidos.

Essa tarefa exige a compreensão ampliada de como isso ocorre dentro e fora

da escola.

É preciso deixar claro que a democratização dos saberes não é apenas a democratização do acesso a determinados saberes sistematizados e estruturados numa ordem reconhecida, que podem funcionar como auxiliares tanto na compreensão da realidade social como na respeitabilidade sócia, em função do valor que é socialmente atribuído a esses saberes, mas também, e sobretudo, a democratização das relações entre os diversos saberes numa perspectiva de revalorização social dos saberes chamados “não-formais”, “cotidianos” ou do “senso-comum” que integram nossas competências de ação social e que podem nos permitir pensar processos de tessitura do conhecimento-emancipação, ligado à idéia de solidariedade e a formas de relacionamento social fundadas não na ordem e na hierarquia, mas em possibilidades de criação de uma “ordem” social auto-organizada, a partir de processos de negociação mediados por relações de autoridade partilhada (OLIVEIRA, 2006, p. 150).

Para a autora, devemos reconhecer os limites de nossas subjetividades,

menos democráticas do que gostaríamos que fossem em termos de

competência para ação democrática, pela dificuldade de nos libertarmos de

alguns processos formadores das redes de subjetividades que somos. Esses

processos de aprendizagem social, pelos quais internalizamos valores e

práticas pouco democráticos durante nossas vidas, nem sempre são claros e

explícitos. É preciso avançar na criação de modos de ruptura com esses

valores insuficientemente democráticos, considerando duas suposições:

A primeira é que incorporamos os valores dominantes através das práticas sociais com as quais convivemos e dos “saberes” que nos chegam através de experiências da vida cotidiana ou de processos formais de aprendizagem, sob tutela da sociedade de dominação em que vivemos. A segunda repousa sobre a idéia de que agimos em função das possibilidades que essas aprendizagens nos proporcionam na medida em que formam nossas subjetividades (OLIVEIRA, 2006, p. 151).

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A conclusão a que a autora chega é de que, se essas suposições são válidas,

também é válido vislumbrar a possibilidade de se criarem formas de

desenvolvimento desse mesmo tipo de processo no sentido da

democratização. Sendo assim, pensar na formação de subjetividades mais

democráticas, fundadas em saberes mais democráticos, que podem

desenvolver ações sociais mais democráticas, requer compreender o

enredamento da ação com a realidade mais ou menos democrática dos

diversos espaços tempos nos quais se inscreve, de modo que se

compreendam e se valorizem as reflexões e as ações daqueles que estão

envolvidos na circunstância e que pensaram suas possibilidades de ação em

diálogo com os limites e as possibilidades específicos dessa ação sobre essa

realidade. Assim, torna-se importante considerar a sua relação com um modelo

sociopolítico e econômico em que predominar o capitalismo neoliberal do

mundo globalizado.

3.3 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES EM SERVIÇO COMO

GESTÃO DEMOCRÁTICA DA FORMAÇÃO DOCENTE

Assim como Barros (2005), acreditamos em caminhos alternativos que se

abrem para forças comprometidas com a democracia e com a cidadania ativa,

na utopia de relações sociais e humanas de caráter solidário. A autora destaca

a importância de se introduzir a análise do currículo real e do trabalho real que

se forjam nas complexas redes do dia-a-dia da escola nos programas de

formação docente. Segundo Barros (2005, p. 74), essa análise “[...] não faz

parte dos processos de formação docente em suas diferentes dimensões,

priorizando-se o que está prescrito para o desempenho dos educadores/as e

os saberes formais/institucionalizados”.

É preciso levar em conta, como Ferraço (2002a), que, no ambiente escolar,

são tecidos diferentes currículos reais, fruto da diversidade de ações,

superações e ressignificações produzidas e compartilhadas por sujeitos

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praticantes nos cotidianos escolares, que permitem processos de formação

continuada e que produzem subjetividades. Assim, é necessário considerar

que, em toda atividade humana há um “[...] debate de normas, gestão do

instante e, implica escolhas que se situam no plano dos valores que não pode

ser deduzida de uma generalização científica objetiva” (BARROS, 2005, p. 78).

A tentativa de prescrição esbarra nas histórias e valores, nas escolhas e

arbitragens de professores e alunos, uma vez que o trabalho na escola não se

reduz ao prescrito, ao realizado, envolvendo também “[...] o possível e o

impossível, a criação de normas de funcionamento coletivo, as atividades

suspensas, contrariadas, impedidas, ou seja, implica concepção e redefinição

da tarefa pelo docente” (BARROS, 2005, p. 74).

O trabalho real, assim como a “formação real”, resiste às prescrições, que

embora sejam importantes, não conseguem dar conta da sua complexidade.

“As situações de trabalho implicam, portanto, mobilização subjetiva para lidar

com coisas que não funcionam, para achar caminhos e, em função dos

fracassos, chegar a encontrar soluções” (BARROS, 2005, p. 87). Para isso, é

preciso que as pessoas que trabalham na escola e a fazem funcionar, não

apenas conheçam

[...] os procedimentos, os regulamentos, ou seja, as prescrições elaboradas pelas instâncias que administram as políticas públicas educacionais, mas que elas também os subvertam em algumas situações, que usem sua ‘inteligência prática’, que trabalhem com sua engenhosidade, que façam o sistema educacional beneficiar-se de sua potência de criação e que inventem, em suas relações cotidianas, a cooperação, uma vez que essa última não prescreve (BARROS, 2005, p. 87).

Nesse sentido, trabalhar, formar e gerir confunde-se com o próprio processo de

criação de si, em que “[...] trabalhar é gerir modos de si e de mundo, é

fabricação de determinadas formas-subjetividades. A gestão do trabalho abre a

possibilidade de produção de outros modos de subjetivação [...]” (BARROS,

2005, p. 80) que rompem com o instituído e com a prescrição, em consonância

com o processo vital e o fruto do trabalho vivo, que criam redes de cooperação

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que se atualizam e que resistem às estratégias da gerência verticalizada e

tecnicista da educação no contemporâneo. Assim, podemos concluir que a

formação continuada de professores em serviço é um processo de contínuas

aprendizagens que se realiza privilegiadamente no cotidiano escolar e envolve

a formação identitária desse profissional da educação e a gestão criativa das

redes de subjetividades que somos.

Nossa pretensão de fazer uma correlação entre a formação continuada em

serviço e os processos de gestão democrática da escola desenha-se, então, da

seguinte forma: a formação continuada de professores em serviço é um

processo de contínuas aprendizagens que se realiza na formação/gestão de

redes de subjetividades compartilhadas por sujeitos praticantes, no cotidiano

escolar. É também uma modalidade de formação que, quando desenvolvida a

partir da formação de grupos de estudo e para a solução de problemas por

meio da solidariedade e da argumentação entre seus membros tendo em vista

projetos locais, se aproxima da noção de comunidades interpretativas

(SANTOS, 2005a). Nesse sentido, esses grupos são potencialmente

produtores e/ou articuladores de conhecimento-emancipação, que progride da

colonização para a solidariedade, assumindo, assim, uma relevância nos

processos tanto de formação docente como de gestão democrática da escola.

Para que esse processo de formação de professores se estabeleça como um

processo de gestão democrática da formação docente, precisa adotar a

democracia como princípio organizador de suas relações. Por sua vez, a

democratização exige condições epistemológicas e políticas para seu

funcionamento, relacionadas à democratização das relações, dos saberes e

das subjetividades. Se levarmos em consideração essas questões dentro de

um quadro de transição paradigmática, com o proposto por Santos (2005a),

veremos que elas estão relacionadas à sensocomunicação da ciência como

condição epistemológica e à solidariedade como condição política, modificando

a visão de gestão para além da gestão “cientifica”. O sucesso que esses

grupos terão ou não como alternativa democrática de formação docente

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dependerá do sucesso que obtiverem em manter essas condições tanto

internamente quanto externamente ao grupo. Esses grupos são comunidades

interpretativas (SANTOS, 2005a).

É preciso considerar que esses grupos de estudo estão inseridos num contexto

social e político que os tenta regular, seja por meio de políticas públicas

educacionais seja por outras formas de regulação não formais que contribuem

ou não para a maior ou menor autonomia dos sujeitos em formação e

influenciam e sofrem influências no seu desenvolvimento.

3.4 USO, TÁTICA, ESTRATÉGIA, SUJEITOS PRATICANTES: UMA

POSSÍVEL AÇÃO POLÍTICA DOS PROFESSORES NOS ESPAÇOS TEMPOS

DO COTIDIANO ESCOLAR

Trazendo essa discussão para o campo da formação de professores,

introduzimos o pensamento de Carvalho (2002), para quem “[...] o professor

como qualquer dos cidadãos de uma comunidade, está inserido numa

formação histórico-social que ele engendra, mas é, também, engendrado”. A

autora completa seu raciocínio defendendo que “[...] ressuscitar ou deixar

morrer a sabedoria, a criação, o projeto, a alegria na escola envolve a omissão

à vivência participativa do professor e, em qualquer dos casos, à sua ação

política” (CARVALHO, 2002, p. 27).

A autora busca em Castoriadis (1982) o argumento de que qualquer

transformação ou possibilidade de instauração de uma prática inovadora não é

possível em si mesma nem compreensível a nós, se não for colocada em

relação ao magma de significações imaginárias sociais que o sistema

sociopolítico, econômico e cultural gera e que faz com que permaneça em nós.

Para Castoriadis, a sociedade se estabelece e se institui (instituições) sobre as dimensões do econômico-funcional, mas também pela dimensão do simbólico. Assim, o real, o racional e o simbólico se entrecruzam e interpenetram na formação do imaginário social que

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fornece identidade a dada sociedade pelo magma de significações (CARVALHO, 2002, p. 28).

Carvalho (2002) acrescenta que o sistema de representações traduz um

sistema de crenças e valores que, em última instância, legitima a ordem social

vigente, numa complexa rede de sentidos, na luta pela hegemonia. Esse poder

hegemônico manifesta-se na forma como a sociedade se institui, pela natureza

de suas instituições. No entanto, no caso da escola e da prática pedagógica

dominante, por exemplo, “[...] o uso, a presença e a articulação de uma

representação (ensinada por pregadores, vulgarizadores ou educadores) não

indicariam, de modo algum, o que ela é para os seus usuários” (CARVALHO,

2002, p. 28). Isso porque, ao chegarem à escola, o professor e o aluno não

abandonam os mitos, crenças e idéias próprias. Eles carregam consigo

processos de subjetivação instituídos a partir de um sistema sociopolítico,

econômico e cultural, sendo então possível dizer da existência não da Escola,

mas de escolas, pela multiplicidade de representações e significações.

A autora conclui que, para investigar o imaginário, é preciso adentrar pelas vias

da linguagem, dos ritos, dos mitos, e admiti-lo como algo que se institui,

instituindo sentido à vida humana e social. Faz-se então necessário analisar a

manipulação da representação (seu uso) pelos fabricantes, que não a fabricam

para apreciar a diferença entre a produção primária e secundária que se

esconde nos processos de sua utilização.

À medida que os professores deixam de ser responsáveis pela produção dos objetivos, conteúdos, métodos de seu trabalho (transferidos para equipes técnicas, livros didáticos e outros), ocorre um estranhamento entre os professores e a sua produção/trabalho, com conseqüências evidentes para o uso por parte dos alunos. Nesse processo, tanto professores como alunos tendem a ser consumidores e/ou usuários de saberes e lógicas alienígenas para eles. Isso, porém, não ocorre de modo sempre passivo. Muitas vezes, alunos fazem das ações rituais, representações ou leis que lhes são impostas outra coisa que não aquela que o doutrinador julgava obter. Os alunos as subvertem, não as rejeitando diretamente, mas pela sua maneira de usá-las para fins e em função de referências estranhas ao sistema do qual não podem fugir. O mesmo pode acontecer em relação ao professor e à tecnoburocracia escolar. Supõe-se, assim, que os usuários “[...] façam uma bricolagem com e na economia

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cultural dominante, usando inúmeras e infinitesimais metamorfoses da lei, segundo seus interesses próprios e suas próprias regras [...]. Desta atividade de formigas é mister descobrir os procedimentos, as bases, os efeitos, as possibilidades” (CERTEAU, 2001) (CARVALHO, 2002, p. 29).

Nessa reflexão, Carvalho (2002) utiliza-se de noções de Certeau (2005) que

são fundamentais para se compreender a gestão como um processo criativo,

ligado às maneiras de uso para fins e “em função de”, isto é, uso criativo,

gestão criativa feita por sujeitos praticantes, numa possível ação política que

pode ser exercida pelo professor.

As noções de Certeau (2005) tiveram grande repercussão internacional no

campo dos estudos culturais, especialmente os que se referem ao cotidiano, à

sociedade de consumo e aos usos midiático-culturais. Sua obra amplia o

entendimento sobre a relação individual das pessoas com as tecnologias;

possibilita a análise sobre o tempo e as dinâmicas das aprendizagens como

fator essencial da apropriação e estabilização dos usos nos hábitos e/ou nas

rotinas; e, especialmente, destaca o caráter fundamentalmente imprevisível e

criativo das pessoas comuns com as “artes de fazer” e nas “maneiras de fazer”

uso dos produtos que lhe são impostos, apropriando-se deles para inventarem

diariamente seu cotidiano.

Então, essas noções tornam-se importantes em relação a todas as propostas

que são feitas para a educação, se considerarmos os professores como seus

usuários. Observamos que a noção de uso se distancia da noção de consumo

passivo, mas aposta na reelaboração/subversão, na gestão dessas propostas

por esses sujeitos praticantes; também especulamos que a ação desses

sujeitos pode aproximar-se da noção de subjetividades rebeldes (SANTOS,

2005a), na luta contra a dominação, em prol da emancipação.

Nas palavras de Ferraço (2002b, p. 125), Certeau

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[...] advoga a favor de uma antidisciplina articulada por redes de astúcias, táticas, maneiras e artes de fazer que, entre outras coisas, subvertem a ordem imposta através de microdiferenças, desvios sutis e criações anônimas, que irrompem com vivacidade o dia-a-dia e não se capitalizam. Nesta abordagem, por efeito, o conceito de consumo que denota uma certa passividade por parte de quem consome, seria substituído pelo conceito de uso, que implica numa ação mais consciente e ativa.

Podemos perceber Michel de Certeau um elã otimista, uma generosidade da

inteligência e uma confiança depositada no outro, de sorte que nenhuma

situação lhe parece a priori fixa ou desesperadora. Sua posição resume-se

numa tira que se deve levar a sério:

“Sempre é bom recordar que não se devem tomar os outros por idiota”. Nesta confiança posta na inteligência e na inventividade do mais fraco, na atenção extrema à sua mobilidade tática, no respeito dado ao fraco, sem eira nem beira, móvel por ser assim desarmado em face das estratégias do forte, dono do teatro de operações, se esboça uma concepção política do agir e das relações não igualitárias entre um poder qualquer e seus súditos (GIARD, apud CERTEAU, 2005, p. 19-20).

O autor reconhece a capacidade dos indivíduos para a autonomia e a liberdade

perante ao universo construído pelas indústrias tecnológicas e de consumo

cultural e busca compreender os mecanismos pelos quais, em um conjunto

muito grande de práticas da vida cotidiana, eles manifestam suas capacidades

criativas, “astúcias” e “engenhosidades”, para caminhar de maneira própria,

seja transformando, seja se distanciando-se dos serviços e tecnologias que

lhes são propostos. Nesse sentido, o autor tenta mostrar como as práticas dos

usuários marcam um fosso, uma diferença, nesses programas que as

tecnocracias e as indústrias culturais tentam impor. Para Certeau (2005), os

sujeitos comuns, os usuários, manifestam uma forma de resistência moral e

política ao fazer “bricolagens”, “caças furtivas”, colocando em ação um jogo

sutil de táticas pelo controle do tempo, das oportunidades de se opor às

estratégias das grandes instituições assegurados por sua colocação no

espaço.

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Uma de suas idéias centrais é a de cotidiano:

O cotidiano é aquilo que nos é dado cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão do presente. Todo dia, pela manhã, aquilo que assumimos, ao despertar, é o peso da vida, a dificuldade de viver, ou de viver nesta ou noutra condição, com esta fadiga, com este desejo. O cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior. É uma história a meio-caminho de nós mesmos, quase em retirada, às vezes velada. Não se deve esquecer este “mundo memória”, segundo a expressão de Péguy. É um mundo que amamos profundamente, memória olfativa, memória dos lugares da infância, memórias do corpo, dos gestos da infância, dos prazeres. Talvez não seja inútil sublinhar a importância do domínio desta história “irracional”, ou desta “não-história”, como diz ainda A. Dupront. O que interessa ao historiador do cotidiano é o Invisível [...] (LEUILLIOT, apud CERTEAU; GIARD; MAYOL, 2003, p. 31).

É importante destacar que examinar essas práticas cotidianas não implica um

regresso dos indivíduos ao atomismo social, que serviu de postulado histórico

para a análise da sociedade durante o período da Idade Moderna, quando o

indivíduo era visto como uma unidade elementar a partir da qual seriam

compostos os grupos e à qual sempre seria possível reduzi-los. Isso implica

mostrar que a relação social determina seus termos e que cada individualidade

é o lugar onde atua uma pluralidade incoerente e contraditória de

determinações relacionais.

Para Certeau (2005, p. 41) “[...] essas ‘maneiras de fazer’ constituem as mil

práticas pelas quais usuários se reapropriam do espaço organizado pelas

técnicas da produção sócio-cultural [...]”, alterando o seu funcionamento. Ao

procurar viver da melhor forma possível, com astúcias anônimas das artes de

fazer, o homem ordinário (FREUD, apud CERTEAU, 2005, p. 63) vai criando,

inventando o cotidiano, escapando silenciosamente ao lugar que lhe é

atribuído. Esse homem ordinário remete-nos à idéia de sujeitos praticantes,

pessoas comuns. Nos espaços tempos escolares, professores e alunos fazem

da escola um lugar praticado, ou seja, não são consumidores passivos de uma

gama de propostas que lhes são endereçadas, mas usuários delas, num

constante criar do cotidiano.

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Ampliando ainda mais o pensamento de Certeau (2005), é preciso introduzir

outras idéias: espaço e lugar, tática e estratégia. A idéia de lugar e espaço tem

como possibilidade definir um campo específico, entendendo o cotidiano como

esse espaço praticado pelos sujeitos.

Um lugar é a ordem (seja qual for) segundo a qual se distribuem elementos nas relações de coexistência. Aí se acha, portanto excluída a possibilidade, para duas coisas, de ocuparem o mesmo lugar. Aí impera a lei do “próprio”: os elementos considerados se acham uns ao lado dos outros, cada um situado num lugar “próprio” e distinto que define. Um lugar é portanto uma configuração instantânea de posições. Implica uma indicação de estabilidade. Existe espaço sempre que se tomam em conta os vetores de direção, quantidades de velocidade e a variável tempo. O espaço é um cruzamento de móveis. É de certo modo animado pelo conjunto dos movimentos que aí se desdobram. Espaço é o efeito produzido pelas operações que o orientam, o circunstanciam, o temporalizam e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflituais, ou de proximidades contratuais (CERTEAU, 2005, p. 201-203, grifos nossos).

Nesse contexto discutido pelo autor, o espaço é modificado pelas

transformações devidas a proximidades sucessivas. Não tem, portanto, nem a

univocidade nem a estabilidade de um lugar. Dessa forma, espaço é o lugar

praticado: a rua, o aeroporto, uma praça ou uma escola são transformadas em

espaço pelas pessoas (pedestres, viajantes, alunos, e outros) que nele

circulam e a ele dão vida. São as ações dos sujeitos que definem os espaços.

Já os lugares estão ali, estáticos, na inércia.

Examinando as práticas do dia-a-dia a partir da experiência de oposição entre

lugar e espaço, Certeau (2005) remete-nos aos relatos como possibilidades de

transformar lugares em espaços ou espaços em lugares. Nos relatos há duas

espécies de determinações: uma, por objetos estanques, fixos, outra, por

operações que, atribuídas a um objeto, especificam os espaços pelas ações

dos sujeitos históricos.

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Carvalho (2002), ao considerar os espaços como ações de sujeitos históricos,

vê que a escola, geométrica e arquitetonicamente definida, é transformada em

espaço pelos professores, alunos e outros agentes, por meio de práticas

discursivas que transformam incessantemente lugares em espaços e espaços

em lugares. Passamos a pensar e entender a escola como espaço, portanto,

como lugar praticado onde os sujeitos cotidianos inventam o dia-a-dia, criam

formas novas de lidar com situações e dão vida aos lugares. São os sujeitos

professores, alunos, serventes, merendeiras, pais, que fazem da escola um

lugar onde a vida pulsa e as invenções e criações podem ser percebidas.

Seguindo nessa discussão sobre o pensamento de Certeau (2005),

destacamos a distinção entre táticas e estratégias. Para esse autor, na vida

cotidiana estamos o tempo todo envolvidos com essas artimanhas e burlas. É

através delas e por elas que lidamos com as situações complexas do cotidiano

e são elas que nos fazem enfrentar o movimento da vida.

O autor define estratégia da seguinte forma:

Chamo de estratégia o cálculo (ou a manipulação) das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder (uma empresa, um exército, uma cidade, uma instituição cientifica) pode ser isolado. A estratégia postula um lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio a ser a base de onde se podem gerir as relações com uma exterioridade de alvos ou ameaças (os clientes ou os concorrentes, os inimigos, o campo em torno da cidade, os objetivos e objetos da pesquisa etc.). Como na administração de empresas, toda racionalização “estratégica” procura em primeiro lugar distinguir de um “ambiente” um “próprio”, isto é, o lugar do poder e do querer próprios. Gesto cartesiano, quem sabe: circunscrever um próprio num mundo enfeitiçado pelos poderes invisíveis do Outro. Gesto da modernidade científica, política ou militar (CERTEAU, 2005, p. 99).

Nesse sentido, coloca em evidência como a estratégia é vinculada ao poder

hegemônico e dominante, um gesto cartesiano da modernidade que tentou

dominar usando a estratégia como forma de convencimento, de argumentação

e de intimidação dos fortes sobre os fracos. Os que usam as estratégias são

aqueles que dominam o tempo para conquistar e preparar expansões e obter,

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assim, uma independência em relação ao outro; aqueles que dominam os

lugares a partir da observação e medida para melhor controlar, prever e

antecipar leituras do espaço; finalmente, aqueles que definem o poder do saber

por essa capacidade de transformar as incertezas da história em espaços

legíveis. A estratégia é aqui comparada à gestão de relações com uma

exterioridade de alvos ou ameaças; à administração de uma empresa. Pode,

também, ser transportada para a realidade escolar como gestão escolar e da

educação, abrangendo as políticas educacionais de formação, por exemplo.

De acordo com Certeau (2005, p. 101), “[...] a tática é a arte do fraco”. Ela é

determinada pela ausência de poder, ao contrário da estratégia que está ligada

ao poder. Na tática, quanto menor o poder, maior a possibilidade de produzir

efeitos de astúcia. Assim, para Certeau (2005, p. 101), citando Clausewitz

(1955, p. 212-213): “Quanto mais fracas as forças submetidas à direção

estratégica, tanto mais esta estará sujeita à astúcia”.

Sobre o conceito de tática o autor ainda diz:

Chamo de táticas a ação calculada que é determinada pela ausência de um próprio. [...] A tática não tem por lugar senão a do outro. E por isso deve jogar com o terreno que lhe é imposto tal como o organiza a lei de uma força estranha. Não tem meios para se manter em si mesma, à distância, numa posição recuada, de previsão e de convocação própria: a tática é movimento “dentro do campo de visão do inimigo”, [...] e no espaço por ele controlado. Ela não tem portanto a possibilidade de dar a si mesma um projeto global nem de totalizar o adversário num espaço distinto, visível e objetivável. Ela opera golpe por golpe, lance por lance. Aproveita as “ocasiões” e delas depende, sem base para estocar benefícios, aumentar a propriedade e prever saídas (CERTEAU, 2005, p. 100).

Seguindo o pensamento de Certeau (2005), vemos que o autor relaciona a

tática à arte de “dar um golpe”, que se introduz por surpresa, pelo senso de

ocasião, estabelecendo uma relação entre estratégia e tática com a sofística e

a retórica, em que a palavra destaca a relação de forças que está no princípio

de uma criatividade intelectual tão “[...] tenaz como sutil, incansável, mobilizada

à espera de qualquer ocasião, espalhada nos terrenos da ordem dominante,

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estranha às regras próprias da racionalidade e que esta impõe com base no

direito adquirido de um próprio” (CERTEAU, 2005, p. 102). Portanto, as

estratégias são ações que, “[...] graças ao postulado de um lugar de poder (a

propriedade de um próprio), elaboram lugares teóricos (sistemas e discursos

totalizantes), capazes de articular um conjunto de lugares físicos onde as

forças se distribuem” (CERTEAU, 2005, p. 102).

As táticas são procedimentos que valem pela pertinência que dão ao tempo - às circunstâncias que o instante preciso de uma intervenção transforma em situação favorável, à rapidez de movimentos que mudam a organização do espaço, às relações entre momentos sucessivos de um “golpe”, aos cruzamentos possíveis de durações e ritmos heterogêneos etc. [...] As estratégias apontam para a resistência que o estabelecimento de um lugar oferece ao gasto do tempo; as táticas apontam para uma hábil utilização do tempo, das ocasiões que apresenta e também dos jogos que introduz nas fundações de poder. Ainda que os métodos praticados pela arte da guerra cotidiana jamais se apresentem sob uma forma tão nítida, nem por isso é menos certo que apostas feitas no lugar ou no tempo distinguem as maneiras de agir (CERTEAU, 2005, p. 102, grifos nossos).

No entanto, táticas e estratégias em Certeau (2005) apontam lugares

diferentes que os sujeitos praticantes ocupam na relação cotidiana: ora lugares

de poder, ora lugares de ausência de poder, porém, em nenhum momento

apontam a submissão desses sujeitos, pelo contrário, a todo tempo os sujeitos

praticantes estão criando formas de burlar o poder estabelecido e fazer valer

suas vontades, desejos e sentimentos.

Oliveira (2003) faz uma importante observação ao refletir sobre a complexa

relação entre as propostas curriculares (que aqui também podem ser

entendidas como propostas oficiais para a educação, de modo geral, voltadas

para a gestão da escola e para a formação docente) e as práticas reais dos

professores no cotidiano:

Lamentavelmente, é comum, entre pesquisadores “progressistas” em educação, entender as propostas ditas inovadoras como emancipatórias e atribuir a sua não-efetivação nas escolas à incapacidade e desinteresse dos professores, supostamente

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“resistentes” à novidade por estarem, na sua infinita ignorância teórica e repetitividade prática, irremediavelmente vinculados à regulação dos chamados “currículos tradicionais” e dos valores dominantes. Por outro lado, e de modo igualmente parcial e dicotomizante, outros pesquisadores louvam os professores que estão nas salas de aula como os “verdadeiros lutadores” pela emancipação, que buscam sempre reduzir o caráter regulatório das propostas curriculares através de práticas emancipatórias que desenvolvem em seus cotidianos. Ambas as posturas partem de um parti pris, favorável ao saber formal e às grandes propostas no primeiro caso, e à criatividade e comprometimento docente no segundo, ambos desconsiderando a complexidade que envolve tanto os processos de formulação de propostas curriculares e políticas educacionais como o desenvolvimento das práticas docentes (OLIVEIRA, 2003, p. 80–81).

Para a autora, é preciso ver que

[...] os professores tecem suas práticas cotidianas a partir de redes, muitas vezes contraditórias, de convicções e crenças, de possibilidades e limites, de regulação e emancipação. Do mesmo modo, as propostas curriculares formais que chegam às escolas são formuladas no seio das mesmas contradições, assumindo um caráter mais ou menos regulatório ou emancipatório em suas diferentes proposições (OLIVEIRA, 2003, p. 81).

Oliveira acrescenta, ainda, que, na visão de Boaventura de Souza Santos, a

busca pela emancipação se dá pela busca de superação da dominação por

meio do estabelecimento de relações mais igualitárias.

Nessa busca por superar dicotomias hierarquizantes fundamentadas na

redução do real a modelos de comportamento monolíticos, Oliveira (2003)

considera que não há nem propostas nem práticas que possam ser

inequivocadamente identificadas com a regulação ou com a emancipação, e

propõe que

[...] o preto e o branco não são as cores que nos permitem captar a complexidade e a riqueza desses processos. Em primeiro lugar, porque propostas de inspiração emancipatórias não implicam necessariamente práticas regulatórias. Em segundo lugar porque a tensão entre regulação e emancipação não representa uma dicotomia, nem mesmo uma gradação linear. São apenas pólos

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analiticamente estabelecidos para nos auxiliar na tarefa de busca de práticas e de saberes mais emancipatórios do que aqueles que hoje se apresentam como dominantes. A regulação e a emancipação devem, portanto, ser entendidas como formulações modelares e não como dados absolutizados de uma realidade qualquer (OLIVEIRA, 2003, p.82-83).

Podemos argumentar que a formulação tanto dos processos de gestão quanto

das propostas político-pedagógicas, englobando aí as propostas para formação

docente endereçadas à escola, aos professores e aos alunos, pode ser

portadora de um potencial emancipatório se e quando for fundamentada “[...]

em uma epistemologia crítica e suficientemente flexível para manterem abertas

as possibilidades reais dos professores que a utilizarão, respeitando-lhes os

saberes e subjetividades, bem como a de seus alunos [...]” (OLIVEIRA, 2003,

p. 83), considerando, desse modo, o potencial desse homem ordinário que

escapa silenciosamente a essa conformação com as suas artes de fazer,

inventando o cotidiano.

As idéias de Certeau (2005) trazidas para o campo da pesquisa educacional

apontam para o cotidiano escolar como espaço/lugar de invenção e

criatividade. Os estudos podem revelar pistas, possibilidades e alternativas

para pensarmos uma educação emancipatória e transformadora, descrevendo

esse espaço a partir dos sujeitos praticantes.

Há um modo de fazer e de criar conhecimentos no cotidiano, diferente daquele aprendido na modernidade, especialmente, mas não só, com a ciência. Para poder estudar estes modos diferentes e variados de fazerpensar, nos quais se misturam agir, pensar, lembrar, criar e dizer, em um movimento a que podemos denominar práticateoriaprática, é preciso nos dedicarmos a questionar os caminhos já sabidos e a indicar a possibilidade de traçar novos caminhos (ALVES; GARCIA, 1997, p. 257).

Carvalho (2002) afirma que a pesquisa das práticas alternativas tecidas no

cotidiano das escolas por professores e alunos pode apontar a intensa

atividade cultural dos “não” produtores de cultura e tirá-los da marginalidade.

Ou seja, pode dar visibilidade ao movimento de criação e inventividade de

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professores e alunos que, embora inscritos num “coletivo anônimo”, fazem da

escola um espaço praticado e de cultura.

Nesse sentido, a autora discute a formação docente considerando as

estratégias e as táticas como possibilidades de ação política dentro de um

projeto de profissionalização dos professores – como profissionais necessários

aos espaços tempos da escola pública brasileira. Afirma que, nas escolas, as

estruturas tecnocráticas são alteradas por “maneiras de fazer” e/ou por

multiplicidade de “táticas” disseminadas no “miudinho” do cotidiano, com

formas operacionais quase invisíveis, que são assumidas por professores e

alunos em grupos ou individualmente. Nessas operações existem lógicas com

regras e formalidades que precisam ser captadas para análise.

Ainda baseada em Certeau (2005), Carvalho (2002) provoca-nos, instiga-nos a

pensar a escola como um espaço tempo ocupado por estratégias (lugares de

poder, lugares teóricos, lugares físicos, onde as forças se distribuem) e táticas

(hábil utilização do tempo, ocasiões que se apresentam e jogos que introduzem

nas fundações de um poder/saber), observando que o “[...] estudo de algumas

das táticas cotidianas presentes não deve, no entanto, esquecer o horizonte de

onde vêm e, no outro extremo, nem o horizonte para onde deveriam ir”

(CERTEAU, 2001, apud CARVALHO, 2002, p. 38-39). Daí a necessidade de se

observar a estreita relação entre estratégias e táticas quando se pensa “[...] um

projeto estratégico/tático de criação coletiva contextualizada e problematizada,

enfim, enraizada no princípio da comunidade” (CARVALHO, 2002, p. 36-38).

nas discussões sobre a formação docente, Oliveira (2005, p. 43) aproxima as

noções de Certeau (2005) ao campo escolar, ressaltando que a prática

docente não é uma mera repetição de fazeres previstos e/ou planejados de

fora da sala de aula e que a reflexão sobre a prática cotidiana representa uma

instância de autoformação continuada potencializadora de diferentes currículos

praticados tanto na formação quanto no cotidiano do exercício da docência.

Assim, serve-se do pensamento de Certeau (2005) para entender que as

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inovações produzidas cotidianamente, embora não caracterizem uma grande

inovação, representam uma horizontalização das relações entre aqueles que,

histórica e socialmente, por meio de “táticas desviacionistas” e de “astúcias

cotidianas”, produzem saberes e desfrutam do direito de ser reconhecidos

como seus produtores.

Michel de Certeau estuda essa produção cotidiana de saberes e de formas de sobrevivência dos grupos sociais subalternizados buscando evidenciar os processos pelos quais os “participantes da vida cotidiana” burlam e usam de modo “não-autorizado” as regras e produtos que os poderosos lhes impõem. É com esses grupos subalternizados que vamos identificar nossos educadores e educadoras que estão nas escolas, sendo criticados e desvalorizados tanto pela maior parte dos acadêmicos e pesquisadores quanto pelas chamadas “autoridades educacionais”. Criando “maneiras de fazer” (caminhar, ler, produzir, falar), “maneiras de utilizar”, tecendo redes de ações reais, que não são e não poderiam ser meras repetições de uma ordem social/de uma proposta curricular ou de formação preestabelecidas e explicativas no abstrato, os educadores e educadoras que estão nas escolas tecem redes de práticas pedagógicas que, através de ‘usos e táticas’ de participantes que são, inserem na estrutura social/curricular criatividade e pluralidade, modificadores das regras e das relações entre o poder instituído e a vida dos que a ele estão, supostamente, submetidos (OLIVEIRA, 2005, p. 44-45).

Desse modo, a autora propõe-nos ir além do que foi aprendido na

modernidade, questionando a razão técnica ou científica que acredita saber

como organizar do melhor modo possível as pessoas e coisas, atribuindo-lhes

um lugar, um papel e produtos a consumir. Torna-se importante confrontá-la

com o argumento de que

[...] eliminar o imprevisto ou expulsá-lo do cálculo como acidente ilegítimo e perturbador da racionalidade, é interdizer a possibilidade de uma prática viva e “mítica” da cidade. Seria deixar a seus habitantes apenas os pedaços de uma programação feita pelo poder do outro e alterada pelo acontecimento (CERTEAU, 2005, p. 311-312).

A esse respeito, Oliveira (1999, p. 30) alerta sobre a luta atual contra

processos de dominação muitas vezes legitimados na escola:

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A principal forma de legitimação do sistema de dominação da sociedade atual é a criação e legitimação de regras e mecanismos de interação supostamente consensuais, mas que permitem e perpetuam a dominação, na medida em que produzem e difundem a idéia de que o sistema é democrático. A escola é uma das instituições da sociedade destinada a assegurar a manutenção desse consenso e a conseqüente reprodução do sistema sendo, deste modo, um lugar onde as relações e práticas sociais dominantes excluem determinados segmentos da comunidade dos processos decisórios internos. É, portanto, pela efetivação de discussões e debates abertos a todos os segmentos da escola, a respeito das formas de interação e de inserção de cada um nelas, bem como dos processos de trabalho internos que se pode agir em prol da ruptura desta forma de dominação. Não negligenciando os mecanismos e instrumentos de repressão existentes na escola, a ação política democratizante prioriza a luta pelo questionamento e transformação dos processos decisórios excludentes e pela criação de condições institucionais e individuais de participação efetiva nesses processos renovados, por ser este tipo de mudança democratizante em si mesma.

Ainda segundo a autora, para que haja o “[...] alvorecer de novas relações

sociais baseadas na participação efetiva e equânime de todos os atores

sociais na escola na busca de um verdadeiro consenso em torno das

regras de integração sobre as quais se erguem essas relações [...]”

(OLIVEIRA, 1999, p. 30-31), é preciso que haja a democratização das

práticas sociais e, portanto, a transformação da ação pedagógica e

metodológica em forma de ações concretas que revalorizem as relações

interpessoais de solidariedade e de cooperação, que reconheçam o

caráter coletivo dos processos de tessitura de conhecimentos e de

construção de identidades, priorizando o desenvolvimento da autonomia

intelectual, psíquica e social.

Desse modo, encontramos mais evidências que nos levam a ponderar sobre a

viabilidade de os processos de formação em serviço funcionarem como

processos de gestão democrática da formação docente no cotidiano escolar,

fruto da ação de sujeitos praticantes, “gestores”/criadores usuários de suas e

de quaisquer outras propostas de formação.

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Destacamos ainda que pensar a formação continuada em serviço como um

processo de gestão democrática da formação docente também contribui para

que a ação política democratizante no interior da escola ocorra

[...] pela transformação das práticas sociais reais que se desenvolvem em seu interior, tendo em vista a necessidade de se ampliar os espaços de participação, de se ampliar os debates respeitando-se as diferenças de interesse entre os diversos sujeitos e grupos em interação, e criando condições para uma participação autônoma dos diversos segmentos, viabilizando, neste processo, a horizontalização das relações de força entre eles (OLIVEIRA, 1999, p. 31).

As perspectivas para a democratização das relações no interior da escola

apontam para maior participação de todos os envolvidos nos processos de

formação, aumentando, assim, o poder de voz dos que quase se calam,

abrindo espaço para debates, promovendo a autonomia (individual e coletiva)

para decidir, criando espaços para o exercício da cidadania dentro de

princípios e valores democráticos, prezando pelo respeito à diversidade, à

tolerância, à cooperação e pela horizontalização de forças existentes em toda

relação pedagógica, num verdadeiro diálogo que amplia a ação política e

emancipa os sujeitos.

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4 A ANÁLISE BIBLIOGRÁFICA DOCUMENTAL NO PERÍODO DE

REDEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL

“O professor, como profissional da educação, a quem compete participar da elaboração da proposta pedagógica da escola, zelar pela

aprendizagem dos alunos, participar efetivamente do planejamento e das avaliações das atividades escolares e de articulação com

a comunidade, deve também ser sujeito de seu próprio desenvolvimento profissional. Isto é,

compete a este profissional participar ativamente dos programas, projetos e ações de

formação continuada que visam qualificar o trabalho docente. Para garantir o cumprimento

a essas orientações legais, compete aos sistemas de ensino instituir políticas voltadas à

garantia das condições de trabalho dos profissionais da educação”.

(BRASIL, 2006, p.17)

Neste capítulo buscamos analisar os documentos e propostas oficiais e as leis

nacionais que abordam a formação continuada de professores em serviço e a

gestão democrática da escola, a fim de identificar seus fundamentos políticos e

epistemológicos e as possibilidades de essa modalidade de formação

estabelecer-se como um processo de gestão democrática da formação para

uma possível emancipação docente.

Tendo em vista que as propostas e as política públicas educacionais que

pretendemos abordar foram geradas no período de redemocratização do

Brasil, procuramos fazer uma retrospectiva do contexto sócio-histórico e

político nacional relativo a esse passado recente.

4.1 CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO E POLÍTICO

Os processos de redemocratização do Brasil desenvolveram-se com o fim da

ditadura militar (1964 – 1985), caracterizando uma época em que havia a

possibilidade de se efetivar a eleição direta para presidente. O

desencadeamento dos fatos culminou com a promulgação da Constituição

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Nacional de 1988. Conseqüentemente, houve uma reação em cadeia de

reelaborações legais harmonizadoras em relação à nova Lei Maior. Ocorreu,

então, a promulgação das várias constituições estaduais.

Essa época caracterizou-se, assim, por um sentimento de esperança de

emancipação política, social e cultural que, no entanto, esbarrava em muitos

desafios e limites impostos à implantação de políticas públicas

verdadeiramente democratizantes, fossem elas educacionais ou não. Levando-

se em conta a realidade brasileira, podemos citar algumas dificuldades quanto

aos recursos públicos federais, estaduais e municipais para a implantação de

uma política unitária, porém descentralizada, que transformasse nossa

realidade educacional de forma a garantir uma educação de qualidade a todos;

à vontade política de nossos governantes, já que uma política nesse nível se

estenderia por mais de um mandato; ao apoio de toda a sociedade, incluindo

os educadores, os partidos políticos, os Poderes Executivo, Legislativo e

Judiciário, os movimentos sociais e organizações não governamentais, entre

outros, em torno de metas educacionais, no combate à corrupção que desvia

verbas públicas da educação.

Com relação à realidade externa (internacional), podemos citar limites que

envolvem nossas relações com outros países; a globalização da economia e as

políticas de cunho neoliberal e financiamento da educação adotadas por

instituições, como o Banco Mundial e o FMI, baseadas no desenvolvimento do

“capital humano”, e que muitas vezes desprezam ou desconhecem os recursos

naturais, materiais, culturais das diversas localidades onde se encontram

nossas escolas; além de situações particulares, não desvinculadas das

realidades anteriores, que influenciam o resultado final de nossas ações.

Ainda podemos acrescentar que temos cada vez mais sofrido influências

externas e sido submetidos a processos de regulamentação desses órgãos

internacionais (Banco Mundial e FMI) e de empresas multinacionais, que

“ameaçam” a soberania nacional ao imprimir sua forma de gestão nos diversos

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campos, entre eles o educacional. Esses são processos a que Santos (2007)

tem chamado de “desnacionalização do Estado” e “desestatização da

regulação social”:

[...] a desnacionalização do Estado, por um lado – ou seja, o Estado cada vez mais gerindo as pressões globais –, e a desestatização da regulação social, por outro lado. O Estado deixa de ter o controle da regulação social, criam-se institutos para isso, e o Estado passa a ser apenas um sócio, não tem o monopólio da regulação social. Por isso vamos ter o problema da relação entre reguladores e não-regulados, e freqüentemente os regulados são reféns dos reguladores [...] a emergência de um constitucionalismo global das empresas multinacionais que prevalece sobre as leis nacionais e as viola freqüentemente, mas tem prioridade sobre elas como antes a lei constitucional tinha prioridade sobre as leis ordinárias. E disso tudo resulta o que chamo uma democracia de baixa intensidade: vivemos em sociedades de democracia de baixa intensidade (SANTOS, 2007, p. 89-90).

O autor conclui que é necessário fazer um esforço muito grande e conjunto,

nesse momento de transição em que nos encontramos, para reinventarmos a

emancipação social assim como as soluções que realmente nos levem a isso.

Então, destaca-se a importância da participação social como um mecanismo

materializador, um fenômeno essencial nos processos de gestão democrática

nos diversos campos sociais, que, decisivamente, pode alterar o quadro

educacional, e da gestão democrática da escola, de seus processos decisórios,

não só por aqueles que, por força dos deveres profissionais, são atuantes, mas

também para que se incluam os que ainda são deixados de lado por diversos

argumentos.

4. 2 O PROCESSO DE REDEMOCRATIZAÇÃO NACIONAL NA DÉCADA DE

1980 E A EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Iniciando nosso caminhar nos anos 1980, podemos dizer que nessa época o

Brasil “sonhava” com eleições diretas para a presidência do País. Porém, em

1985, manobras políticas frustraram a expectativa da grande maioria, e

Tancredo Neves, acabou sendo eleito indiretamente. Com o falecimento de

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Tancredo Neves, em 21 de abril desse mesmo ano, tomou posse, então, como

presidente da República José Sarney para governar no período de 1985 –

1990, assumindo os compromissos políticos de Tancredo Neves.

O presidente Sarney encontrou o País envolto em grandes problemas sociais

referentes às condições de saúde, de moradia, e com uma altíssima inflação,

que, segundo os economistas, precisava ser controlada, sob pena de nenhuma

política social dar bons resultados. As tentativas para solucionar o problema

vieram por meio de planos econômicos: Cruzado, Cruzado II, Bresser e Verão,

apesar das críticas de alguns parlamentares, como as do Partido dos

Trabalhadores. A euforia vivenciada pela população brasileira causada pelo

congelamento de preços durou pouco e acabou por minar-se pela falta de

mercadorias, pelas longas filas na compra de produtos essenciais, pela

cobrança de ágio e pelo sumiço de mercadorias das prateleiras dos

supermercados e lojas por parte de empresários.

No âmbito político, o compromisso de Sarney referia-se à criação de uma

Assembléia Nacional Constituinte, que foi instalada em 1º de fevereiro de 1987,

para elaborar uma nova Constituição brasileira.

Na educação, destacou-se a influência dos movimentos sociais ligados à área,

ocorridos no final da década de 1970 e década de 1980, principalmente após o

fim do regime militar. Houve a construção de novos referenciais para a

administração escolar e para a reformulação de políticas educacionais que

apontavam a gestão democrática como um princípio necessário à superação

da lógica capitalista excludente e do ideário tecnoburocrático e repressor,

instalado nas escolas brasileiras durante a ditadura.

Esses movimentos, que contribuíram para a existência de um terreno mais fértil

para a implantação de políticas baseadas na gestão democrática, tinham, em

sua maioria, três eixos comuns: a questão salarial, a qualidade de ensino e a

democratização da estrutura de poder no interior do sistema escolar.

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Para Mendonça (2000), essa foi uma época de experiências administrativas

municipais que incluíram mecanismos de participação e descentralização na

gestão educacional, como os de Boa Esperança – ES, Lages e Blumenau –

SC, Piracicaba – SP, por exemplo, e experiências estaduais, como as do Rio

de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Paraná, que ocorreram entre 1977 e

1987.

Data, dessa época, a formação do Fórum de Secretários Estaduais de

Educação, com o apoio dos governadores eleitos em 1982, transformado

depois em Conselhos Estaduais de Educação. Esse processo acabou por

provocar uma espécie de renovação do quadro de conselheiros aparentemente

compromissados com a gestão democrática e fazendo frente a algumas

imposições do MEC.

Paralelamente, os educadores organizaram-se em sindicatos e associações

acadêmico-científicas, em função do processo de redemocratização do País e

em torno de lutas específicas dos profissionais da educação. Entidades

representadas pela Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em

Educação (ANPEd), fundada em 1977, pelo Centro de Estudos Educação &

Sociedade (CEDES), fundado em 1978, e pela Associação Nacional de

Educação (ANDE), fundada em 1979, dedicaram-se à luta pela escola pública

de qualidade aberta a todos, principalmente para as camadas não dirigentes,

voltando-se para a produção acadêmica e científica e para a proposição e

análise de políticas públicas. Já a Confederação Nacional dos Trabalhadores

da Educação (CNTE) e a Associação Nacional de Docentes do Ensino

Superior (ANDES) expressavam preocupações com o caráter sindical.

Mais adiante, em 1980, 1982, 1984, 1986, 1988 e 1991, aconteceram as

Conferências Brasileiras de Educação (CBEs), organizadas pelas três

primeiras entidades acima citadas. Essas conferências aglutinaram educadores

de todo o Brasil, organizando politicamente a democratização da educação. A

IV CBE (1986) foi a que mais produziu efeito sociopolítico, pois tinha o objetivo

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de “[...] chamar à participação e explicitar convergências e divergências para

estabelecer consensos e organizar a energia política para o exercício

democrático de pressão aos constituintes [...]” (MENDONÇA, 2000, p. 86), com

a aprovação da Carta de Goiânia. Essa carta tratava

[...] de pontos que foram identificados com a democratização da gestão da educação: o funcionamento autônomo e democrático das universidades; a garantia de controle da política educacional em todos os níveis pela sociedade civil, por meio de organismos colegiados democraticamente constituídos; formas democráticas de participação garantidas pelo Estado para controle social efetivo das obrigações referentes à educação pública, gratuita e de boa qualidade (MENDONÇA, 2000, p. 86).

O processo constituinte foi organizado em comissões temáticas. A Comissão nº

8 dedicou-se a Família, Educação, Cultura, Esportes, Ciência, Tecnologia e

Comunicação, subdividiu-se em três, uma das quais aglutinou Educação,

Cultura e Esportes. De acordo com Silva (2004), os diferentes projetos

apresentados à educação nacional no processo constituinte foram propostos

por dois grupos principais: os que buscavam mobilizar a sociedade civil e os

parlamentares, em torno das bandeiras de defesa da educação pública, crítica,

laica, democrática e de qualidade, em todos os níveis; e os que buscavam

defender o ensino privado, que, mesmo apresentando divergências internas,

pregavam a liberdade de ensino e o apoio do poder público para suas

iniciativas no campo educativo. Foi do confronto entre esses diferentes projetos

na sociedade brasileira que ocorreu no Congresso Constituinte a aprovação do

texto constitucional.

Assim, a ANDES propôs que as entidades se juntassem em torno de uma

posição comum para o capítulo da Constituição sobre Educação e Cultura, o

que fez surgir o Fórum Nacional da Educação na Constituinte em Defesa do

Ensino Público e Gratuito. As primeiras dificuldades dessa ação coletiva

estavam ligadas à falta de princípios explícitos dessas entidades, a não ser os

relativos à gratuidade, à laicidade, à qualidade da escola pública em todos os

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níveis, e ao consenso sobre o dever do Estado com a educação e às

divergências quanto à questão de verbas públicas para que ela se efetivasse.

Além das dificuldades previsíveis nos encaminhamentos de trabalhos com

entidades de diferentes pontos do País, das pressões do Congresso Nacional,

e da falta de quorum para se aprovarem as propostas por parte dos

representantes das entidades, que nem sempre atribuíam importância

suficiente ao momento das votações, também houve uma reação no interior do

Parlamento, representada por um grupo autodenominado “Centrão”, que julgou

o projeto apresentado ao plenário demasiadamente socializante e conseguiu

uma mudança regimental.

A emenda do Centrão conseguiu livrar as escolas privadas de ter que se submeter a alguns avanços reclamados pelas entidades de educação, tais como planos de carreira e piso salarial para o magistério e a própria gestão democrática. O Centrão minimizou o princípio da gestão democrática reconhecendo-o para o ensino público e substituindo-o pela expressão “função participativa dos mestres, pais e comunidade”. No entanto, a despeito da emenda coletiva do Centrão a expurgar a expressão gestão democrática do ensino, o texto final aprovado acabou por incorporá-la, ainda que com restrições ao seu campo de atuação, limitando-a ao ensino público (MENDONÇA, 2000, p. 104).

Dessa forma, após vinte meses de debates e discussões, a Carta Magna de

1988 foi promulgada, estabelecendo para a educação uma série de princípios,

entre eles o de gestão democrática, constando em seu Título VII, Da Ordem

Social, Capítulo III, referente à educação, à cultura e ao desporto, a concepção

de educação como direito de todos:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988, grifos nossos).

Como direito de todos e dever do Estado e da Família, a educação deveria ser

garantida pelo Estado, com acesso obrigatório e gratuito ao ensino

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fundamental, inclusive para os que não haviam tido oportunidade na idade

própria, e pela extensão da obrigatoriedade e gratuidade gradativa ao ensino

médio. A Carta Constitucional também diz:

Art. 206. O ensino será ministrado com base em princípios: I – igualdade de condições para acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender e ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, com a coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais do ensino, garantidos na forma da lei, planos de carreiras para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII – garantia de padrão de qualidade (BRASIL, 1988, grifos nossos).

Esses são, portanto, princípios democráticos que se estabeleceram como

norteadores para as leis subseqüentes. Os princípios relativos à valorização do

magistério prevêem o piso salarial e o ingresso por concurso público, mas não

abordam a formação de professores, embora seja esta uma questão implícita

na valorização docente. Já o princípio da gestão democrática foi abordado na

LDB (Lei n° 9.394/96). No entanto, se unirmos os dois artigos (205 e 206),

podemos inferir que a formação docente em ambiente escolar é direito do

professor, visto ser ele também um cidadão.

A Constituição Federal trata ainda da irregularidade na oferta do ensino

obrigatório pelo Poder Público, que passou a importar em responsabilidade

para a autoridade competente. Por sua vez, o Art. 214 da Constituição Federal

dispõe sobre a criação em lei do Plano Nacional de Educação.

Ao refletir sobre o tema em estudos realizados sobre a realidade escolar, após

a promulgação da Constituição de 1988, Mendonça (2000) diz que a Carta

Magna inovou, incluindo o princípio de gestão democrática no ensino público, o

que já ocorria em alguns sistemas de ensino municipais e estaduais, inclusive

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com o apoio legal de suas respectivas Assembléias Legislativas, numa espécie

de adaptação à realidade social.

O autor afirma que a gestão democrática tratada na Constituição Federal de

1988 trouxe consigo conteúdos implícitos tanto de caráter formal, pois

inscreveu-se num sistema normativo-institucional, passando a ser uma

determinação a que todos os sistemas de ensino deveriam submeter-se, no

poder Executivo, Legislativo e Judiciário e nos diversos níveis federal, estadual

e municipal (inclusive no domínio particular), quanto de caráter material, já que

é o resultado de uma luta política precedente, numa lógica congruente com a

vontade expressa pela sociedade brasileira.

No entanto, embora essas conquistas legais tenham sido positivas, Mendonça

reflete sobre o grau de atraso da democratização da educação no País, pela

demora de cerca de sessenta anos de luta para incorporar a educação pública

como direito de todos, aliados a uma desmobilização política da sociedade, já

que, em outros países, essas bandeiras sociais, tais como a universalização de

matrículas, a ampliação da rede física escolar, a distribuição de material e

merenda, já foram superadas. Apesar perceber que, no Brasil, democratizar a

educação tenha significado, e ainda pode significar, permitir o acesso universal

à escola para todas as crianças, o autor diz:

Compreendeu-se, então, que não bastava apenas a universalização das matrículas no ensino fundamental pois o mesmo Estado que expandiu enormemente o acesso à escola pública brasileira, permitiu que ela se degradasse ao longo do tempo, não aplicando recursos financeiros adequados à manutenção da rede física e ao desenvolvimento do ensino e, particularmente, não investindo na formação, na capacitação e na condigna remuneração dos docentes, reduzindo os profissionais da educação a condição aviltante (MENDONÇA, 2000, p. 81).

Concluindo sua reflexão, Mendonça (2000, p. 82) assevera:

O insucesso da escola pública brasileira na tarefa de ofertar ensino de qualidade para todos ampliou o espectro do significado da democratização da educação, incluindo em sua pauta de discussão a

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necessidade de alterar a estrutura de poder no interior das escolas e dos sistemas de ensino pela incorporação de mecanismos de democratização da gestão escolar.

A Constituição Federal, nesse sentido, cumpre um caráter prescritivo de

princípios organizadores do ensino, ao estabelecer o princípio da gestão

democrática, mas ainda não toca na questão da formação continuada de

professores. Dessa forma, sua contribuição maior para evidenciar a

possibilidade da correlação que estamos investigando está apenas no fato de

ter prescrito princípios democráticos.

4.3 A DÉCADA DE 1990 E A GESTÃO DEMOCRÁTICA NA LDB

A década de 1990 inaugurou uma nova era na história dos brasileiros, que

passaram quase trinta anos sem poder participar de eleições diretas para

presidente da República. Nessa década, Fernando Collor de Mello, do PRN, foi

eleito presidente (em primeiro e segundo turnos), deixando o candidato do PT,

Luiz Inácio Lula da Silva, em segundo lugar.

O Governo Collor (1990 – 1992) “[...] tinha como programa de governo

privatizar empresas estatais, combater os monopólios, abrir o país à

concorrência internacional e desburocratizar as regulamentações econômicas,

entre outras propostas” (COUTRIN, 2002, p. 573). Nessa linha, implantou o

Plano Collor, que causou grande impacto social ao bloquear contas e

aplicações financeiras nos bancos, confiscando cerca de 80% do dinheiro

circulante no País, inclusive de cadernetas de poupança, e mudando a moeda

vigente, restabelecendo o Cruzeiro.

Entretanto, Collor envolcu-se em denúncias de corrupção que resultaram num

processo de “impeachment”, amplamente apoiado pela população na figura

dos “caras pintadas”. Assumiu então, a presidência o vice, Itamar Franco, para

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governar no período de 1992 a 1994, período que teve de enfrentar os velhos

problemas socioeconômicos de nosso País. O presidente Itamar Franco

[...] convidou para compor seu ministério figuras de várias tendências ideológicas, vindas de diversos partidos políticos, como o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e o Partido da Frente Liberal (PFL). Entre esses políticos estava o senador Fernando Henrique Cardoso, nomeado ministro das Relações Exteriores e, meses depois, ministro da Fazenda (COUTRIN, 2002, p. 574).

Nesse cargo, Fernando Henrique iniciou o Plano Real que tinha como objetivo

acabar com a inflação e estabilizar a economia, e fez entrar em vigor no País

uma nova moeda, o Real. Embora os brasileiros tivessem recebido o Plano

com desconfiança, aos poucos os resultados positivos fizeram com que a

população o apoiasse. Nessa oportunidade, Fernando Henrique candidatou-se

a presidente do Brasil, ganhando em primeiro turno, deixando, mais uma vez, o

candidato Luiz Inácio Lula da Silva em segundo lugar.

O plano de governo de Fernando Henrique (1995 – 2002) envolvia reformas na

Previdência Social, na administração pública, e pregava a privatização

econômica, esta última muito criticada pelos partidos políticos, como o PT, o

PDT e o PSB.

No cenário educacional, dava-se a discussão sobre a nova lei de diretrizes e

bases da educação nacional, já que a Constituição de 1988 fixava a

competência da União em legislar sobre elas. Essa foi a oportunidade de se

reformular a legislação brasileira educacional, que na época, era regida por

“[...] quatro legislações educacionais, originadas em períodos distintos da

história brasileira – antes e durante a ditadura militar – que tratavam a

educação de forma fragmentada, desconsiderando a idéia de sistema nacional

de educação (SNE)” (ZANETTI, 1997).

Nesse âmbito, o contexto sócio-histórico e político da década de 1990

caracterizou-se pela consolidação da gestão democrática como princípio na

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LDB e pela incidência de várias reformas educacionais influenciadas por ideais

neoliberais.

Apesar dos estudos realizados antes da promulgação da nova Constituição nas

X e XI Reuniões da ANPEd (1987 e 1988), que tiveram como temática a

“Educação Brasileira, dos Dispositivos Constitucionais às Diretrizes e Bases” e

“Por Novas Bases e Diretrizes da Educação Nacional”, respectivamente, e na V

CBE, em 1988, com o tema “LDB”, foi apresentado, por iniciativa do deputado

Octávio Elísio (PSDB – MG), um projeto de lei sobre a educação nacional com

base em estudos de Dermeval Saviani, publicados na Revista da ANDE (1988).

Esse processo de tramitação da nova LDB, iniciado na Câmara Federal em

dezembro de 1988, quebrava a estratégia dos educadores progressistas de

não partir de um documento já elaborado, mas de convocar os representantes

da comunidade educacional para redigirem um esboço de projeto a ser

aprovado pela Comissão de Educação e Cultura, fazendo com que o

Congresso Nacional se transformasse em espaço de convergência dos vários

segmentos interessados no tema.

Nesse projeto em andamento, foram considerados como desafios a serem

vencidos: a universalização da educação básica e a construção de um sistema

nacional de educação unificado e de qualidade para a superação das

desigualdades. Não havia, no entanto, nenhuma referência à gestão

democrática, mesmo depois de a nova Constituição prescrevê-la como um

princípio para o ensino público. Essa lacuna teria raiz no artigo de Saviani, que

não abordava o princípio, embora baseasse sua argumentação na necessidade

de uma nova LDB progressista sobre as relações da educação com a

sociedade, reconhecendo que, numa sociedade burguesa marcada por

desigualdades estruturais, também existiria uma escolarização desigual.

No entanto, apesar dessa lacuna, o projeto trazia seis artigos que falavam

sobre a administração da educação e dos conselhos de educação, em que o

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Conselho Federal de Educação atuaria como órgão normativo em nível federal,

prevendo autonomia econômica, financeira e administrativa, sobre os

processos de indicação dos membros pelo MEC, pela Câmara Federal e pelas

entidades representativas do magistério, e sobre os Conselhos Municipais

como órgãos normativos dos respectivos sistemas de ensino, organizados

pelas leis estaduais.

O processo de ampla participação na elaboração da LDB foi reativado com a

mesma sistemática da constituinte; no entanto, foi desenvolvido em meio a

impasses advindos dos embates de grupos que queriam boicotá-lo. Daí a

importância que assume a continuidade da mobilização da comunidade

educacional por meio do Fórum em Defesa da Escola Pública.

Em 28 de junho de 1990, o substitutivo, que ficou conhecido como substitutivo

Jorge Hage, foi aprovado por unanimidade. Sobre ele, comenta Mendonça:

Todo um capítulo é dedicado aos princípios da educação escolar, dentre os quais o da gestão democrática. Mantendo a criação de um Sistema Nacional de Educação concebido no projeto original, adotou como instância de consulta e articulação com a sociedade o Fórum Nacional de Educação, institucionalizando na lei o que, na prática já vinha ocorrendo desde a Constituinte. Coordenado pelo Conselho Nacional de Educação enquanto órgão normativo, o Fórum Nacional, sempre que possível precedido de fóruns locais e regionais, reunir-se-ia qüinqüenalmente para preparação do Plano Nacional de Educação ou sempre que motivo relevante o justificasse. Prevendo maior grau de liberdade às unidades escolares, estabeleceu o substitutivo que os órgãos normativos dos sistemas de ensino deveriam assegurar a autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira, incluindo, nesta, a competência para o ordenamento e a execução de gastos de manutenção e custeio, excetuados os de pessoal, além de determinar que os sistemas de ensino deveriam descentralizar as decisões e os controles de caráter pedagógico, administrativo e financeiro (MENDONÇA, 2000, p. 110).

Tudo isso revelou as resistências entre os setores conservadores e privados e

o movimento de mobilização do Fórum, na busca de caminhos regimentais

para instituir o processo de construção participativa na LDB.

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No entanto, uma nova correlação de forças instalou-se a partir de 1991, tendo

em vista a não-eleição de alguns parlamentares e os novos mandatos. Então,

assumiu a relatoria a deputada Angela Amin (PPR-SC), que submeteu seu

relatório a um Fórum de Partido, do qual participavam representantes de todos

os partidos e membros constantes do Fórum Nacional em Defesa da Escola

Pública. Desse relatório resultou o projeto que foi ao Plenário e retornou às

Comissões da Câmara. Embora não contemplasse totalmente as propostas

dos diferentes segmentos que integravam o Fórum Nacional em Defesa da

Escola Pública, foi aprovado, em maio de 1993, o Projeto da Câmara, sob o n°

1.258/88, e encaminhado depois ao Senado para aprovação.

Nessa luta, os educadores enfrentaram entraves que iam desde a possibilidade

de arquivamento, por decurso de prazo, de relatórios da comissões, até a

apresentação surpresa de um substitutivo, levado ao Senado pelo senador

Darcy Ribeiro (PDT-RJ), antes da aprovação do Projeto da Câmara. Esse

projeto, que acomodava os interesses dos empresários do ensino, foi

apreciado e aprovado pela Comissão de Educação do Senado.

O projeto do senador Darcy Ribeiro não fazia menção ao Sistema Nacional de

Educação e ao Conselho Nacional de Educação, e ainda reduzia a educação

básica à velha estrutura de primário e ginásio, com cinco anos para cada nível

de ensino. Esse projeto, diferentemente do projeto da Câmara, que se formulou

a partir de uma concepção de gestão participativa, compartilhando decisões

com autoridades governamentais e da comunidade escolar organizada, teve

por base a gestão representativa limitada à escolha dos “governantes” por

meio do voto.

Por força regimentar, esse documento deveria ser apreciado juntamente com o

Projeto da Câmara. O Senado, então, incumbiu-se de analisar o projeto

aprovado pelo Plenário da Câmara Federal e o originado na própria casa,

ficando como relator dos dois o senador Cid Saboya que, voltando ao processo

de consultas, inclusive ao Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública,

apresentou o substitutivo que foi aprovado em novembro de 1994. Este, no

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entanto, foi apreciado em um outro período de exercício do Poder Legislativo.

Porém, em manobra regimental, pediu-se o retorno do substitutivo Cid Saboya

à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, assumindo como relator o

senador Darcy Ribeiro que apresentou um substitutivo próprio, o qual foi

aprovado, apesar de manifestações desfavoráveis dos organismos de defesa

do ensino público.

Zanetti (1997) argumenta que houve grande indignação, por parte de alguns

parlamentares e das entidades do Fórum Nacional, por tamanho desrespeito a

um processo de seis anos, de ampla e democrática construção de uma LDB.

“Atos públicos, caravanas, visitas aos gabinetes de parlamentares, dentre

outras ações, foram envidados, demonstrando o desacordo da sociedade para

com a LDB-DR que retornou à Câmara, após ter sido aprovada no Plenário do

Senado” (ZANETTI, 1997). Segundo a autora, iniciou-se, então a luta das

entidades integrantes do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, não

mais pela "aprovação imediata da LDB", mas pela "rejeição ao Substitutivo

Darcy Ribeiro" e pela "aprovação do Substitutivo Cid Sabóia".

Aos poucos, incorporaram-se emendas atenuadoras das resistências

instaladas, e a última versão foi aprovada no Plenário do Senado em fevereiro

de 1996, voltando à Câmara Federal onde recebeu pequenas alterações.

Assim, a nova LDB (Lei n.º 9.394) foi sancionada pelo presidente da República

e promulgada em 20 de dezembro de 1996. Essa lei estabelece, em seu Art.

1º:

Art. 1° - A educação abrange processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais (BRASIL, 1996, p. 1, grifos nossos).

Os §§ 1º e 2º desse artigo delimitam a abrangência dessa Lei aos processos

formativos da educação escolar, predominantemente do ensino em instituições,

vinculada ao mundo do trabalho e à prática social. Como um de seus primeiros

princípios, destacamos em seu Art. 2°:

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Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1996, p. 1).

Percebe-se aí uma inversão nos termos Estado e família em relação à

Constituição Federal, que traz o Estado antes da família no que diz respeito ao

dever para com a educação. Embora a educação, de modo geral, seja um

processo que começa antes da escolarização, não podemos descuidar do

direito à educação, garantido pela Constituição como dever do Estado no que

se refere à educação escolar.

A LDB dispõe em seu Art. 3º:

Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas; IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância; V – coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII – valorização do profissional da educação escolar; VIII – gestão democrática do ensino público, na forma desta lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX – garantia de padrão de qualidade; X – valorização da experiência extra-escolar; XI – vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais (BRASIL, 1996, p. 1-2, grifos nossos).

Ao interligarmos os três primeiros princípios da LDB, destacamos duas noções

importantes que envolvem os processos de formação continuada de

professores em serviço e gestão democrática da escola: a educação como um

processo que se desenvolve em vários contextos formativos de nossas

redes de subjetividades (na família, no trabalho, na convivência humana, nos

movimentos sociais, nas manifestações culturais, na escola); e a educação

como processo que deve desenvolver-se de acordo com princípios

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democráticos (liberdade e solidariedade humana) que vão organizar o ensino

nos diversos níveis e instâncias.

A interligação entre essas noções, ou seja, processos formativos organizados

por princípios democráticos, leva-nos a pensar em gestão democrática da

escola. Por sua vez, gerir democraticamente, dentro dos princípios de

liberdade e solidariedade humana, leva-nos a relacionar essa gestão aos

processos que produzem conhecimento-emancipação nas comunidades

interpretativas (SANTOS, 2005a). Desse modo, há possibilidade de

considerarmos a comunidade escolar como uma comunidade interpretativa,

assim como os grupos de formação continuada em serviço, que se formam

com o intuito de pensar modos de intervenção sobre os processos de

aprendizagem com os quais convivemos e aos quais estamos submetidos.

Nesse sentido, esses processos formativos desenvolveriam o educando (o

professor) no exercício da cidadania (já que a escola se apresenta como

ambiente formativo não só para o aluno cidadão, mas também, para o

professor cidadão), “qualificando-o” para o trabalho.

A LDB prescreve, no seu Título IV, da Organização da Educação:

Art. 8º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de colaboração, os respectivos sistemas de ensino. § 1º - caberá à União a coordenação da política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas e exercendo função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais. § 2º Os sistemas de ensino terão liberdade de organização nos termos desta lei (BRASIL, 1996, p. 3, grifos nossos).

Por outro lado, prescreve como incumbência dos Estados, do Distrito Federal e

dos Municípios:

Art. 10. Os Estados incumbir-se-ão de: I – organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino;

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II – definir, com os Municípios, formas de colaboração na oferta do ensino fundamental, as quais devem assegurar a distribuição proporcional das responsabilidades, de acordo com a população a ser atendida e os recursos financeiros disponíveis em cada uma dessas esferas do Poder Público; III – elaborar e executar políticas e planos educacionais, em consonância com as diretrizes e planos nacionais de educação, integrando e coordenando as suas ações e as dos seus Municípios; IV – autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de educação superior e estabelecimentos do seu sistema de ensino; V – baixar normas complementares para o seu sistema de ensino; VI – assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino médio. Parágro Único – Ao Distrito Federal aplicar-se-ão as competências referentes aos Estados e aos Municípios. Art. 11 – Os Municípios incumbir-se-ão de: I – organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino, integrando-os às políticas e planos educacionais da União e dos Estados; II – exercer ação redistributiva em relação às suas escolas; III – baixar normas complementares para o seu sistema de ensino; IV – autorizar, credenciar e supervisionar o estabelecimento dos seus sistemas de ensino; V – oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino. Parágrafo Único – Os Municípios poderão optar, ainda, por se integrar ao sistema estadual de ensino ou compor com ele um sistema único de educação básica (BRASIL, 1996, p. 4-5).

Nesse sentido, os Estados e Municípios têm liberdade relativa à União e às

diretrizes constantes no Plano Nacional de Educação para elaborar e executar

planos e políticas públicas educacionais.

Segundo Zanetti (1997), a estrutura fragmentária apresentada na Lei n.º

9.394/96 inviabiliza a idéia de sistema nacional de educação, pois, nela, as

diretrizes não são contempladas. A articulação e coordenação entre os

sistemas de ensino, que seriam exercidas pelo Conselho Nacional de

Educação, enquanto órgão normativo, e pelo Ministério, como órgão executivo

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e de coordenação, ficam restritas ao Poder Executivo, impossibilitando a

participação dos segmentos organizados da sociedade civil.

Zanetti prossegue em sua crítica, dizendo que o caráter que se buscava atribuir

à gestão da educação brasileira, na perspectiva da valorização do ensino

público, a partir da articulação entre Ministério da Educação, Conselho

Nacional de Educação, Fórum Nacional de Educação, com funções avaliativa e

propositiva, foi substituído pela centralização das decisões no MEC e pela

descentralização da execução. Nesse sentido, caberia ao MEC o papel

político-estratégico, aos estados e municípios, atuar no nível estratégico-

gerencial, e à escola, no nível gerencial-operacional. Segundo a autora, o MEC

teria elaborado um documento chamado Planejamento Político-Estratégico,

expressando que é na escola que estão os problemas e é na escola que está a

solução. A isso o MEC chamaria, nesse mesmo documento, de "modernização

gerencial em todos os níveis e modalidades de ensino e nos órgãos de

gestão".

Segundo Penin e Vieira (2002), a LDB de 1996 é a primeira de nossas leis que

estabelece atribuições para os estabelecimentos de ensino. Nela percebe-se a

escola vista como um todo responsável pelo cumprimento de uma série de

atribuições, conforme o artigo abaixo:

Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: I – elaborar e executar sua proposta pedagógica; II – administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros; III – assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidas; IV – velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente; V – prover meios para a recuperação de alunos de menor rendimento; VI – articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola; VII – informar os pais e responsáveis sobre a freqüência e o rendimento dos alunos, bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica (BRASIL, 1996, p. 5-6).

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Isso nos leva a pensá-la como um corpo, uma comunidade formada por seus

diversos membros, entre eles os professores, que deverão trabalhar

conjuntamente para obter sucesso em suas incumbências. E assim, mais

adiante, encontramos as atribuições dos professores no Art. 13 da LDB:

Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de: I – participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; II – elaborar e cumprir o plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; III – zelar pela aprendizagem dos alunos; IV – estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento; V – ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional; VI – colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade (BRASIL, 1996, p. 6).

No entanto, todo esse processo exige condições técnicas, pedagógicas e

administrativas, tais como tempo, disposição e um planejamento conjunto, uma

articulação, uma definição e distribuição de tarefas.

O que estamos acolhendo é a idéia de que, para se cumprir tantas

incumbências, é preciso que a comunidade escolar tenha condições de

discutir, planejar, estudar soluções, de forma a materializar a gestão

democrática da escola. Se não há esse tempo determinado em calendários

escolares, como usufruir o tempo sem ferir os direitos uns dos outros? É

preciso considerar que os horários de planejamento não sejam suficientes para

responder a todas as expectativas quanto ao desempenho da unidade escolar

e do professor. Nesse sentido, há uma lacuna a preencher como condição de

trabalho: a determinação de tempo e espaço para o cumprimento de uma série

de incumbências que foram distribuídas e endereçadas à escola e ao

professor. Até porque a escola e o professor podem ser penalizados se essas

incumbências não forem cumpridas.

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Destacamos, então, os Arts. 14 e 15 da LDB, que tratam da definição de

normas para a gestão democrática, levando em consideração que todas as

incumbências contidas no Arts. 12 e 13 da LDB deverão segui-las:

Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público, na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I – participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II – participação das comunidades, escolar e local, em conselhos ou equivalentes. Art. 15. Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público (BRASIL, 1996, p. 6, grifos nossos).

A participação dos professores e da comunidade escolar na gestão

democrática da escola, tal como prevista nessa lei, fica concentrada na

elaboração do projeto político-pedagógico e na participação em conselhos, que

com a direção escolar e mediante progressivos graus de autonomia

pedagógica e administrativa, procederão à gestão financeira da escola, o que,

no entanto, não deve caracterizar abandono por parte do Poder Público, já que

há uma gama de problemas que chegam à escola os quais não estão no seu

âmbito de solução, ou pelo menos exigiriam uma contrapartida do Poder

Público, uma parceria com outras instituições para isso. Além disso, é preciso

observar que os ideais a serem alcançados em cada unidade escolar são,

também, ideais nacionais, o que implica a responsabilidade de todos.

Podemos ponderar sobre o prejuízo que causa a falta de um tempo previsto

em calendário e no horário escolar para a participação do professor no

planejamento da proposta pedagógica da escola, que é um dos mecanismos

de gestão democrática previsto com atuação do professor. Como cumprir essa

incumbência sem prejudicar o direito do aluno quanto à sua carga horária e

dias letivos? Como agrupar a comunidade escolar para participar dessa

elaboração, já que a proposta é para a escola? Dentro de um princípio de

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participação democrática não se deve admitir uma proposta pedagógica sem a

participação da comunidade escolar a que ela se destina.

Nesse sentido, é possível questionar se a lei, que trouxe avanços no que diz

respeito à participação dos membros da comunidade escolar nos processos

decisórios, deixou de sustentar esses avanços com uma série de lacunas que

serão preenchidas com soluções improvisadas e de efeito duvidoso quanto à

promoção desse princípio. Um exemplo disso configura-se em escolas que

contrataram especialistas para planejarem seus projetos político-pedagógicos.

Qual foi a participação da comunidade escolar nesse processo? Apenas o

prestar informações? Outro exemplo está na adesão dos membros do conselho

de escola, nem sempre escolhidos por seu engajamento nas questões político-

pedagógicas, mas por sua disponibilidade de tempo. Como garantir essa

qualidade na participação? Então, para que a escola possa construir sua

proposta pedagógica e mesmo um regimento escolar adequados à sua

realidade, é necessário condições técnicas, administrativas e pedagógicas. É

neste sentido: a escola como uma utopia, mas como uma realidade

democrática e de qualidade, organizada e equipada para atender as

diferenças, onde os princípios de participação, da descentralização e da

administração participativa saiam do papel.

Todo esse debate atinge em cheio uma outra característica da LDB, que é a

flexibilidade prevista no que se refere às formas de organização escolar,

permitindo que se atenda às peculiaridades regionais e locais, às diferentes

clientelas e necessidades do processo de aprendizagem (Art. 23); às formas de

progressão parcial (Art. 24, inciso III); à aceleração de estudos para alunos

com atraso escolar, aproveitamento de estudos e recuperação (Art. 24, inciso

V, b, d, e e). Essa característica da LDB permite-nos pensar que sendo comum

a finalidade da escola “[...] promover o pleno desenvolvimento da pessoa –

cada unidade pode ter características e formas de organização próprias,

dependendo de sua localização geográfica, clientela e outros aspectos”

(PENIN; VIEIRA, 2002, p. 21).

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Isso significaria dizer que o que está em jogo é a possibilidade de a escola

investir e vislumbrar o desenvolvimento e a formação de subjetividades mais

democráticas, fundadas em saberes mais democráticos, que podem

desenvolver ações sociais mais democráticas. Essa é uma questão crucial, que

requer compreender o enredamento da ação com a realidade nos diversos

espaços tempos nos quais se inscreve. Essa flexibilidade permite que se

compreendam e valorizem as reflexões e as ações daqueles que estão

envolvidos na circunstância, e que pensaram suas possibilidades de ação em

diálogo com os limites e as possibilidades específicos dessa ação sobre essa

realidade. Ela recupera, assim, a multiplicidade de redes possíveis na

combinação dos processos de inserção social, nos quais é preciso ter o

cuidado de sempre se manter o diálogo entre os diferentes, não se admitindo

processos de competição e de não-reconhecimento do outro, como na maior

parte das realidades.

Dessa forma, analisando a questão da gestão democrática na LDB, concluímos

que ela se baseia no princípio da descentralização participativa (LINHARES,

2006, p. 29), chave de todo processo democrático e de gestão democrática da

escola. Mas se, de um lado, esse é um caminho que nos convida ao exercício

de uma responsabilidade decisória, criadora e compartilhada por aqueles que

constituem o corpo permanente do Estado, os professores em especial, e que

contribui para a autonomia e emancipação desses profissionais da educação,

de outro lado, devemos estar alerta, ao papel da legislação que tem sido

exercido de forma marcante no cenário educacional brasileiro, tanto no sentido

de promover reformas necessárias quanto num processo de desorganização

do sistema escolar. E assim, mesmo que a democracia seja um consenso

entre os brasileiros, sendo um valor reafirmado pela Constituição de 1988 e

pela legislação educacional, expressa-se por sua vez, como valor e como

processo. “Ou seja, de um lado, afirma ideais, intenções e desejos – aquilo que

se quer – de outro, requer formas de manifestação que a concretizem – aquilo

que se pratica” (PENIN; VIEIRA, 2002, p. 32).

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Apesar de a escola ser um espaço por excelência para o exercício da

democracia como valor e processo, isso não significa dizer que a luta está

terminada, pois, assim como a democracia potencializa a emancipação, a

gestão democrática implica possibilidades de conflitos de interesse, oposições,

lutas políticas entre os diversos segmentos da comunidade escolar. Essas

lutas se darão com influências dos fatores socioeconômicos e culturais de cada

realidade local, em constante relação com fatores da realidade global, podendo

resultar em avanços ou retrocessos no processo de emancipação.

A promulgação da LDB não pôs fim a mobilização dos educadores por uma

educação pública, gratuita e de qualidade. Encontramos em Mendonça o

seguinte texto do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, contidos em

seu relatório de atividades nos dias 16, 17 e 18 de dezembro de 1996:

Todo o trabalho político ao longo dos últimos oito anos na construção e tramitação democrática da LDB, principalmente na Câmara Federal foi autoritariamente desconsiderado, o que exigirá, mais do que nunca, das entidades do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública o trabalho de denúncia, resistência e organização na defesa dos princípios historicamente construídos para a Educação Brasileira (FÓRUM NACIONAL EM DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA, 1996, apud MENDONÇA, 2000, p. 115).

Podemos concluir, com auxílio desse autor, que a LDB Lei nº 9.394/96 não

incorporou as demandas apontadas na Carta de Goiânia, fruto principal da IV

CBE, que mobilizou educadores no ordenamento da educação brasileira a ser

incluído na Constituição de 1988. Nessa Carta, defendia-se a execução das

políticas educacionais pela sociedade civil nos níveis federal, estadual e

municipal, cabendo ao Estado garantir esse controle com a criação de

organismos colegiados democraticamente constituídos, além de defender

formas democráticas de participação e o controle social das obrigações do

Estado, como garantia da educação pública, gratuita e de qualidade em todos

os níveis. Isso nos faz supor que o princípio da gestão democrática não se

dará na força da lei e da legislação dos sistemas de ensino, mas por sua

aplicação na prática cotidiana, na participação ativa dos membros da

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comunidade escolar, ainda que de uma forma desfavorecida na questão de

tempo e espaço concedidos para esse fim.

De modo geral, também podemos concluir que os professores, como membros

tradicionalmente atuantes e reivindicadores dentro da comunidade escolar,

construíram sua participação em torno de suas associações, sindicatos e

movimentos de paralisação por melhoria de condições de trabalho e salariais.

Nesse sentido, sua participação foi e tem sido essencial a esse processo. Mas

é necessário ainda que outros segmentos atuem mais ativamente, sempre

cuidando para que os interesses defendidos sejam comunitários e para a

melhoria da qualidade da educação, dentro de uma estrutura de poder cada

vez mais democratizada e organizada, certamente influenciando, assim, as

políticas públicas e a gestão da educação.

Quanto aos processos que se seguiram após a aprovação da LDB,

destacamos ainda que, nesse período, o PNE foi aprovado pelo Congresso

Nacional em dezembro de 2000 e sancionado pelo Presidente da República,

em janeiro de 2001, revelando-se juntamente com o FUNDEF, criado na

Constituição Federal de 1988 e instituído pela Lei nº 9.424, de 24 de dezembro

de 1996, como importante instrumento na reforma do sistema escolar recente

no Brasil.

De volta ao cenário político, após a promulgação da LDB, os noticiários não

deixaram de registrar o trabalho de bastidores para a aprovação da Lei Darcy

Ribeiro, chegando o presidente Fernando Henrique Cardoso a falar que se

deveria chamar a “Lei do Darcy e do Renato”, referindo-se ao ministro da

Educação de seu Governo. Mas, apesar de essas declarações demonstrarem

desconsideração com relação ao esforço e às lutas travadas entre os diversos

segmentos sociais envolvidos na criação da LDB, principalmente no que se

refere aos movimentos sociais e de mobilização docente, esse fato se refletiu-

se de forma favorável aos interesses do Governo quando, em 1997, foi

aprovada pelo Congresso a Emenda Constitucional que previa a reeleição para

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presidente, governadores e prefeitos. Mesmo sob suspeita de troca de favores

por votos dos parlamentares, Fernando Henrique reelegeu-se em 1998, em

primeiro turno, com a influência positiva do triunfo contra a inflação e

estabilização da economia. Seu mandato concluiu-se em 2002.

Na eleição seguinte, José Serra, ex-ministro da Saúde de Fernando Henrique,

tentou substituí-lo. Porém, Luiz Inácio Lula da Silva, representante do Partido

dos Trabalhadores, em sua terceira tentativa à Presidência da República,

venceu em primeiro e segundo turnos. No entanto, a situação de estabilidade

econômica e o baixo índice de inflação não foram suficientes para acabar com

todas as dificuldades do País, ainda envolto em uma grande desigualdade

social.

4.4 A POLÍTICA DE FORMAÇÃO E VALORIZAÇÃO DOCENTE A PARTIR DA

LDB

Podemos dizer que, em matéria de LDB, demos maior atenção até aqui aos

processos de gestão democrática. Nesta parte, porém, buscaremos tratar da

formação de professores, mais especificamente da formação continuada.

Segundo Nóvoa (1987, apud CATANI, 2003, p. 584), “[...] a história da

profissão docente é indissociável do lugar que seus membros ocupam nas

relações de produção e do papel que desempenham na manutenção da ordem

social”. A participação dos professores na grande operação histórica da

escolarização não seria possível sem a conjugação de vários fatores de ordem

econômica e social, empreendimento em que os professores foram agentes.

Assim, ao estudar a história da formação docente em Portugal, Nóvoa

identificou quatro momentos iniciais que marcaram esse processo: a atividade

docente exercida como a principal ocupação dos que nela trabalham, o

estabelecimento de um suporte legal para o exercício da profissão, a criação

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de instituições específicas para a formação de professores e a constituição de

associações profissionais de docentes.

Esses são aspectos históricos importantes a considerar na análise das políticas

públicas que pretendem organizar o funcionamento dos sistemas educacionais

e que vão tentar regulamentar as instituições, os saberes e atividades dos

professores, a categoria do magistério, sua formação. Nesse sentido, a LDB

oferece, como suporte legal do funcionamento da educação no Brasil, muitas

“pistas” para refletirmos sobre a formação continuada de professores em

serviço e sua relação como o processo de gestão democrática da escola, se

levarmos em conta que a gestão da educação também engloba a gestão da

formação docente, seus processos, amplitude, objetivos, regras, financiamento,

modalidades, conteúdos, avaliações, entre outros.

Com relação à formação e à valorização de professores propriamente ditas, a

LDB em seu Art. 67, diz:

Art. 67 – Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público: I – ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; II – aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim; III – piso salarial profissional; IV – progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho; V – período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho; VI – condições adequadas de trabalho. Parágrafo único – A experiência docente é pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer outras funções de magistério, nos termos das normas de cada sistema de ensino (BRASIL, 1996, p. 20-21, grifos nossos).

Dentre esses aspectos gerais da formação e valorização docente que podem

influenciar diretamente na correlação entre formação continuada de

professores em serviço e a gestão democrática da escola, destacamos o que

se refere ao aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com

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licenciamento periódico remunerado para esse fim, e ao período reservado a

estudos, planejamento e avaliação incluído na carga de trabalho. Esses

destaques dão uma idéia geral da possibilidade de se instituir a formação

continuada de professores em serviço com a destinação de tempo e espaço

para isso dentro do horário e do ambiente escolar.

Podemos dizer que, em termos de prescrição, a LDB contemplou aspectos

importantes para a democratização do acesso dos professores aos cursos que

são oferecidos fora do ambiente escolar, inclusive com licenciamento periódico

remunerado para esse fim, o que se pode reverter em valorização profissional

como fruto das lutas do magistério. Mas não tratou em pormenores a formação

de professores em ambiente escolar. Institui, no entanto, programas de

capacitação a distância para professores em exercício, como está disposto, em

seu Art. 87, que cria a Década da Educação, no § 3º, inciso III, ao determinar

que cada Município e, supletivamente, o Estado e a União, deverá: “[...] III -

realizar programas de capacitação para todos os professores em

exercício, utilizando também para isto, os recursos da educação a

distância; […]” (BRASIL, 1996, p. 26, grifos nossos ).

Concluímos que o recurso da educação a distância nos programas de

capacitação de professores em exercício se apresenta como uma das

possibilidades para a formação continuada, portanto, não é a única.

Concluímos, também, que a LDB não considerou a possibilidade de “estudos,

planejamento e avaliação” no cotidiano escolar significarem “aperfeiçoamento

contínuo”, e, nesse sentido, previu “dois tempos” separados para essas

atividades, como se o aperfeiçoamento contínuo só se realizasse para além do

ambiente escolar, em cursos de mestrado, doutorado e outras experiências

que enriquecem a formação docente. No entanto, não fechou a questão sobre

a impossibilidade de, na elaboração de propostas de formação continuada de

professores, unir-se parte desses dois tempos. Essa possibilidade torna-se

importante já que as atividades de “estudos, planejamento e avaliação” podem

resultar em “aperfeiçoamento contínuo” do professor no ambiente escolar.

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Nesse sentido, é válida a idéia de se pensar um tempo espaço para a

formação em serviço exclusivo para o “desenvolvimento formativo profissional”.

Isto é, tempo para que os professores possam estudar, trocar experiências

com seus pares, pensar as soluções de problemas da escola, da

aprendizagem, de modo solidário, criativo e conjunto, a fim de cumprir da

melhor forma possível as incumbências que lhes cabem e melhorar seu

desempenho como profissional comprometido com a qualidade da educação.

Assim, não seria uma atividade a mais, mas um espaço tempo com carga

horária prevista dentro do horário de trabalho. Até porque a Lei n° 11.738, de

16 de julho de 2008, que instituiu o piso profissional nacional para os

profissionais do magistério público da educação básica, determina, em seu do

Art. 2°, § 4°, a composição da jornada de trabalho do professor:

§ 4o Na composição da jornada de trabalho, observar-se-á o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades de interação com os educandos.

Sendo assim, 1/3 dessa carga horária seria para atividades dos professores

sem interação com os educandos, mas certamente em interação com seus

pares. Constituiu-se uma oportunidade de estudo, planejamento,

aperfeiçoamento contínuo sem prejuízo para os alunos, calendários e carga

horária previstas em lei. Talvez, em algumas redes e sistemas de ensino fosse

uma questão apenas de se melhorar a qualidade desse tempo. Em outras

situações seria necessário criá-lo mesmo, pois essa situação que sobrecarrega

de atividades a escola desfavorece a participação ativa dos membros da

comunidade escolar nos processos decisórios, prejudica a possibilidade de

atuarem tanto técnica quanto politicamente, sobre sua realidade, impedindo

que se faça valer o princípio de gestão democrática para o fortalecimento da

autonomia.

Destacamos outros pontos que ainda poderão ser de grande utilidade em

nossa reflexão. De um lado, a união entre formação e valorização docente –

ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, piso salarial

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profissional (dando a entender que não é qualquer profissional que pode

exercer a função de professor); período reservado a estudos, planejamento e

avaliação incluído na carga de trabalho (levando em consideração que o

trabalho do professor não se resume ao tempo que passa ministrando suas

aulas), e condições adequadas de trabalho (desde a infra-estrutura escolar e

de sistema até a autonomia político-pedagógica para exercer sua função).

De outro lado, uma combinação, que pode ser “explosiva”, entre

aperfeiçoamento profissional continuado e exigências do mercado de trabalho

e imposições de políticas públicas de cunho neoliberal. Nesse sentido, a

formação continuada poderia ser questionada como uma estratégia que, ao

invés de contribuir para a melhoria da educação e para a valorização docente,

responderia como um mecanismo de sobrevivência dos professores aos

ditantes do mercado de trabalho, que exige aperfeiçoamento contínuo; a

progressão funcional baseada na titulação ou na habilitação poderia funcionar

apenas como um mecanismo de melhoria salarial dos professores, que têm

salários aviltantes, com a busca de diplomas e certificados que serviriam

apenas como critério de promoção e não de formação em si; a avaliação do

desempenho poderia funcionar não para melhorias no processo de formação

dos professores, mas como critério para recompensa e premiações que levam

à competição e que desfavorecem a solidariedade; e programas de

capacitação a distância que, ao invés de interligar professores em formação,

por meio de redes nacionais, estaduais, municipais, democratizando o acesso

a informações, promovendo a troca de experiências por meio de aparatos

tecnológicos, poderiam, pelo contrário, assumir um caráter “aligeirado e

massificador” diante da urgência por professores habilitados.

A todos esses riscos acrescentam-se os que decorrem de processos de

modelização promovidos pelos cursos que são oferecidos baseados em

padrões independentes das situações vividas e que ignoram a especificidade

dos saberes e as redes de subjetividade locais. Dessa forma, acabam por criar

um discurso competente que é acompanhado das regras de interdição e

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exclusão (CHAUI, 2006) que pesam sobre o saber, no sentido de interpor um

discurso competente (científico?) entre o que sabe e o que não sabe, e no de

interditar, excluir e desqualificar os sujeitos em formação. Desse modo,

interpõe-se entre o professor e o aluno, por exemplo, o saber pedagógico,

revistas de divulgação cultural, a televisão “educativa”, os livros de “ciência”, os

programas de formação em massa.

Esses são exemplos que não só reforçam a idéia de competência como

intimidam violentamente a “massa” dos incompetentes, dos imperfeitos, dos

incapazes, pois ser não-competente é ser a-social, em contraposição da

condição de autoria na construção do conhecimento-emancipação e de

autonomia no sentido de decidir sobre ele e sobre as trajetórias a seguir. Os

perigos potencializam-se quando, com o auxílio da tecnologia nas

comunicações, se acrescenta uma terceira regra: a do monopólio da

informação e, conseqüentemente, do saber e sua manipulação.

Nesse sentido, é preciso ir além do que está proposto na LDB, porque, embora

seus princípios nos levem a compreender como possível correlacionar

formação continuada de professores em serviço com processo de gestão

democrática da formação docente, como um processo potencializador da

autonomia e da emanciapação docente, pois não há uma interdição expressa,

um impedimento explícito, pelo contrário, nota-se um estímulo discursivo aos

processos formativos e democráticos, esses princípios serão mais bem

avaliados na prática proposta no PNE.

4.5 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES EM SERVIÇO E O

PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

O PNE, Lei nº 10.172/2001, foi decretado pelo Congresso Nacional e

sancionado pelo Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, em 9

de janeiro de 2001 (publicado no Diário Oficial da União em 10 de janeiro de

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2001). Projetado para durar dez anos e ser avaliado após seus quatro

primeiros anos, o PNE prevê a instituição de um Sistema de Nacional de

Avaliação e a existência de planos plurianuais da União, dos estados, do

Distrito Federal e dos municípios, elaborados de modo a dar suporte às metas

constantes do Plano e dos respectivos planos decenais. Juntamente com o

FUNDEF, revelaram-se importantes instrumentos na reforma do sistema

escolar recente no Brasil.

Este Plano Nacional de Educação define por conseguinte: . as diretrizes para a gestão e o financiamento da educação; . as diretrizes e metas para cada nível e modalidade de ensino; . as diretrizes e metas para a formação e valorização do magistério e demais profissionais da educação, nos próximos dez anos (BRASIL, 2001, p. 8-9, grifos nossos).

Nesse sentido, é um documento que se propôs estabelecer diretrizes e metas

para a educação brasileira durante os próximos dez anos que se seguiram a

partir de sua aprovação.

Em seu texto, consta um histórico que relembra o surgimento das primeiras

idéias de um plano que tratasse da educação para todo o território nacional,

desde a instalação da República no Brasil, quando a educação começava a se

impor como condição fundamental para o desenvolvimento do País. Menciona

o Manifesto dos Pioneiros da Educação em 1932, a Constituição Brasileira de

1934, e o primeiro PNE, que surgiu em 1962, elaborado já na vigência da

primeira LDB, Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Também cita algumas

modificações ocorridas em 1965, quando foram instituídas regras para a

elaboração de planos estaduais, e chega aos nossos tempos analisando como

a preocupação com a instrução, nos seus diversos níveis e modalidades e nas

várias reformas educacionais, ajudou no amadurecimento da percepção

coletiva da educação como um problema nacional.

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O documento também cita a Constituição Federal de 1988 como sendo a que

oficializa (Art. 214), após cinqüenta anos da primeira tentativa oficial, a idéia de

um plano nacional de longo prazo, com força de lei, capaz de conferir

estabilidade às iniciativas governamentais na área de educação.

Por outro lado, a Lei nº 9.394, de 1996, que "estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional", determina nos artigos 9.º e 87, respectivamente, que cabe à União, a elaboração do Plano, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e institui a Década da Educação. Estabelece ainda, que a União encaminhe o Plano ao Congresso Nacional, um ano após a publicação da citada lei, com diretrizes e metas para os dez anos posteriores, em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos (BRASIL, 2001, p. 6).

Seu discurso de introdução defende a idéia de que a construção desse Plano

atendeu aos compromissos assumidos pelo Fórum Nacional em Defesa da

Escola Pública, desde sua participação nos trabalhos da Assembléia Nacional

Constituinte; consolidou os trabalhos do I e do II Congresso Nacional de

Educação (CONED) e sistematizou contribuições advindas de diferentes

segmentos da sociedade civil. Destaca assim, a importância desse documento-

referência, pois contempla as dimensões e problemas sociais, culturais,

políticos e educacionais brasileiros, embasado nas lutas e proposições

daqueles que defendem uma sociedade mais justa e igualitária.

Além disso, assume como eixos norteadores do ponto de vista legal a

Constituição Federal de 1988, a LDB de 1996 e a Emenda Constitucional nº 14,

de 1995, que instituiu o FUNDEF, assim como considera o Plano Decenal de

Educação para Todos, preparado de acordo com as recomendações da

reunião organizada pela Organização das Nações Unidas para a educação

(UNESCO) e realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1993, e as consultas

feitas pelo MEC ao Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED)

e à União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME).

Em síntese, o Plano tem como objetivos: • a elevação global do nível de escolaridade da população;

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• a melhoria da qualidade do ensino em todos os níveis; • a redução das desigualdades sociais e regionais no tocante ao

acesso e à permanência, com sucesso, na educação pública; • a democratização da gestão do ensino público, nos

estabelecimentos oficiais, obedecendo aos princípios da participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e a participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes (BRASIL, 2001, p. 7, grifos nossos).

Os grifos já destacam o princípio de gestão democrática, revelando a

importância da participação dos profissionais da educação e da comunidade

escolar dentro de um planejamento global para a melhoria da qualidade da

educação.

As prioridades foram estabelecidas nesse Plano segundo o dever

constitucional e as necessidades sociais, considerando que os recursos

financeiros limitam a capacidade para responder ao desafio de oferecer uma

educação compatível, na extensão e na qualidade, à dos países

desenvolvidos. São elas, com destaque para o que diz respeito à valorização

dos profissionais da educação:

1. Garantia de ensino fundamental obrigatório de oito anos a todas as crianças de 7 a 14 anos, assegurando o seu ingresso e permanência na escola e a conclusão desse ensino. [...] 2. Garantia de ensino fundamental a todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria ou que não o concluíram. [...] 3. Ampliação do atendimento nos demais níveis de ensino – a educação infantil, o ensino médio e a educação superior. [...] 4. Valorização dos profissionais da educação. Particular atenção deverá ser dada à formação inicial e continuada, em especial dos professores. Faz parte dessa valorização a garantia das condições adequadas de trabalho, entre elas o tempo para estudo e preparação das aulas, salário digno, com piso salarial e carreira de magistério. [...] 5. Desenvolvimento de sistemas de informação e de avaliação em todos os níveis e modalidades de ensino. (BRASIL, 2001, p. 8, grifos nossos).

É preciso destacar que só nos concentramos no que diz respeito às prioridades

do número 4, que trata da formação e valorização do magistério. Quanto a isso

o PNE faz o seguinte diagnóstico:

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10. FORMAÇÃO DOS PROFESSORES E VALORIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO 10.1 Diagnóstico A melhoria da qualidade do ensino, que é um dos objetivos centrais do Plano Nacional de Educação, somente poderá ser alcançada se for promovida, ao mesmo tempo, a valorização do magistério. Sem esta, ficam baldados quaisquer esforços para alcançar as metas estabelecidas em cada um dos níveis e modalidades do ensino. Essa valorização só pode ser obtida por meio de uma política global de magistério, a qual implica, simultaneamente, . a formação profissional inicial; . as condições de trabalho, salário e carreira; . a formação continuada. A simultaneidade dessas três condições, mais do que uma conclusão lógica, é uma lição extraída da prática. Esforços dos sistemas de ensino e, especificamente, das instituições formadoras em qualificar e formar professores têm se tornado pouco eficazes para produzir a melhoria da qualidade do ensino por meio de formação inicial porque muitos professores se deparam com uma realidade muitas vezes desanimadora. Ano após ano, grande número de professores abandona o magistério devido aos baixos salários e às condições de trabalho nas escolas. Formar mais e melhor os profissionais do magistério é apenas uma parte da tarefa. É preciso criar condições que mantenham o entusiasmo inicial, a dedicação e a confiança nos resultados do trabalho pedagógico. É preciso que os professores possam vislumbrar perspectivas de crescimento profissional e de continuidade de seu processo de formação. Se, de um lado, há que se repensar a própria formação, em vista dos desafios presentes e das novas exigências no campo da educação, que exige profissionais cada vez mais qualificados e permanentemente atualizados, desde a educação infantil até a educação superior (e isso não é uma questão meramente técnica de oferta de maior número de cursos de formação inicial e de cursos de qualificação em serviço), por outro lado é fundamental manter na rede de ensino e com perspectivas de aperfeiçoamento constante os bons profissionais do magistério. Salário digno e carreira de magistério entram, aqui, como componentes essenciais. Avaliação de desempenho também tem importância, nesse contexto. Em coerência com esse diagnóstico, o Plano Nacional de Educação estabelece diretrizes e metas relativas à melhoria das escolas, quer no tocante aos espaços físicos, à infra-estrutura, aos instrumentos e materiais pedagógicos e de apoio, aos meios tecnológicos, etc., quer no que diz respeito à formulação das propostas pedagógicas, à participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e nos conselhos escolares, quer, ainda, quanto à formulação dos planos de carreira e de remuneração do magistério e do pessoal administrativo e de apoio (BRASIL, 2001, p. 73-74, grifos nossos).

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Aqui o PNE une formação e valorização docente e deixa claro a importância

dessa união para bom andamento de todo um planejamento em nível nacional.

Assume condições de trabalho adequadas como essenciais para a valorização

do magistério: tempo para estudo e preparação das aulas, salário digno, com

piso salarial e carreira de magistério. E faz referência a “curso de qualificação

em serviço”, mas ainda não discorre sobre a possibilidade de essa formação

se realizar dentro do espaço tempo da escola e fora do formato de curso tal

como estamos acostumados a ver (com objetivos, conteúdos, desenvolvimento

e avaliações planejadas a priori, de forma descontextualizada). No entanto,

como na LDB, eleva o nível de participação do professor para além da sala de

aula quando faz menção à elaboração de planos e propostas pedagógicas.

Ainda se pode destacar a importante lição extraída da prática: investir em

formação inicial apenas não tem garantido as melhorias almejadas. É preciso

garantir a simultaneidade das três condições: a formação profissional inicial; as

condições de trabalho, salário e carreira; a formação continuada.

O PNE coloca a qualificação docente como um dos maiores desafios a que o

Poder Público precisa dedicar-se com a implementação de políticas públicas

de formação inicial e continuada dos profissionais da educação. Essa deve ser

vista como uma condição e um meio de promover o avanço tecnológico e

científico de nossa sociedade, da qual dependem a formação de pessoas, a

qualidade de ensino da população brasileira e o pleno acesso à cidadania.

Sendo assim, a valorização do magistério tem um papel decisivo no processo

educacional e deve ser um compromisso da Nação.

A valorização do magistério deve seguir os seguintes requisitos:

* uma formação profissional que assegure o desenvolvimento da pessoa do educador enquanto cidadão e profissional, o domínio dos conhecimentos objeto de trabalho com os alunos e dos métodos pedagógicos que promovam a aprendizagem; * um sistema de educação continuada que permita ao professor um crescimento constante de seu domínio sobre a cultura letrada, dentro de uma visão crítica e da perspectiva de um novo humanismo;

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* jornada de trabalho organizada de acordo com a jornada dos alunos, concentrada num único estabelecimento de ensino e que inclua o tempo necessário para as atividades complementares ao trabalho em sala de aula; * salário condigno, competitivo, no mercado de trabalho, com outras ocupações que requerem nível equivalente de formação; * compromisso social e político do magistério (BRASIL, 2001, p. 77, grifos nossos).

Os grifos mostram que a pretensão de melhoria da qualidade da educação

passa pela valorização do professor como pessoa, educador, cidadão e

profissional, necessitando que se trate de sua formação e valorização não

apenas na dimensão técnica, no sentido de domínio e aplicação de

conhecimentos e métodos pedagógicos que provocam a aprendizagem; mas

admite-se que também é preciso investir constantemente no seu crescimento,

considerando a amplitude das redes de subjetividades que se entrecruzam na

formação do professor no campo social, ético e político. Em contrapartida e a

partir desses investimentos por parte do Poder Público na formação e

valorização do magistério, os quais também abrangem mudanças salariais e

nas condições de trabalho, espera-se que o professor corresponda com o

compromisso social e político de lutar pela melhoria da educação pública.

Poderíamos dizer que o que se busca é uma parceria.

O documento conclui:

Os quatro primeiros precisam ser supridos pelos sistemas de ensino. O quinto depende dos próprios professores: o compromisso com a aprendizagem dos alunos, o respeito a que têm direito como cidadãos em formação, interesse pelo trabalho e participação no trabalho de equipe, na escola. Assim, a valorização do magistério depende, pelo lado do Poder Público, da garantia de condições adequadas de formação, de trabalho e de remuneração e, pelo lado dos profissionais do magistério, do bom desempenho na atividade. Dessa forma, há que se prever na carreira sistemas de ingresso, promoção e afastamentos periódicos para estudos que levem em conta as condições de trabalho e de formação continuada e a avaliação do desempenho dos professores (BRASIL, 2001, p. 77, grifos nossos).

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É preciso ressaltar aqui que o investimento na formação e valorização do

magistério é um investimento de mão dupla: exige o empenho do Poder

Público e dos profissionais da educação e faz parte de um projeto maior ainda,

o de melhoria da qualidade da educação no Brasil. Além disso, diante da

imprevisibilidade de todos os processos de transformação social, destaca-se a

importância de que se estabeleçam como processos de gestão democrática e

de solidariedade, como formas de relacionamento social fundadas não na

ordem e na hierarquia, mas em possibilidades de criação de uma “ordem”

social auto-organizada, a partir de processos de negociação mediados por

relações de autoridade partilhada (OLIVEIRA, 2006, p. 150), sendo, assim,

processos potencialmente produtores de emancipação. Então, o que mais nos

chama a atenção nesse quadro é a interdependência entre os requisitos e

partes envolvidas nesse projeto que é coletivo e que exige por isso parcerias. E

parcerias se constroem com cooperação e reciprocidades. Nesse sentido, o

compromisso social e político que se exige para a construção de uma melhor

educação no Brasil é um compromisso de todos, e não só dos professores.

O PNE estabelece as seguintes diretrizes para a formação dos profissionais

da educação e sua valorização:

Os cursos de formação deverão obedecer, em quaisquer de seus níveis e modalidades, aos seguintes princípios: a) sólida formação teórica nos conteúdos específicos a serem ensinados na Educação Básica, bem como nos conteúdos especificamente pedagógicos; b) ampla formação cultural; c) atividade docente como foco formativo; d) contato com a realidade escolar desde o início até o final do curso, integrando a teoria à prática pedagógica; e) pesquisa como princípio formativo; f) domínio das novas tecnologias de comunicação e da informação e capacidade para integrá-las à prática do magistério; g) análise dos temas atuais da sociedade, da cultura e da economia; h) inclusão das questões relativas à educação dos alunos com necessidades especiais e das questões de gênero e de etnia nos programas de formação; i) trabalho coletivo interdisciplinar; j) vivência, durante o curso, de formas de gestão democrática do ensino;

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k) desenvolvimento do compromisso social e político do magistério; l) conhecimento e aplicação das diretrizes curriculares nacionais dos níveis e modalidades da educação básica (BRASIL, 2001, p. 78, grifos nossos).

Dentre as diretrizes propostas pelo PNE que nos podem servir para pensarmos

a correlação entre os processos de formação continuada de professores em

serviço e os processos de gestão democrática da escola, destacamos a que se

refere às “vivências, durante o curso, de formas de gestão democrática do

ensino”. A começar por essa diretriz, podemos dizer que o PNE admite a

possibilidade de a gestão democrática ser vivenciada como uma experiência

de formação docente. E mais, é uma prioridade que isso aconteça como a

concretização de um dos princípios organizadores da formação de professores.

Nesse sentido, ela se aproxima da correlação que estamos a investigar: a

possibilidade de a formação continuada de professores em serviço se

configurar como uma gestão democrática da formação docente.

Se relacionarmos a expressão “vivências” a “experiências” e seguirmos a tese

de Santos (2005a), de que experiências democráticas podem favorecer a

formação de subjetividades democráticas, poderemos também dizer que

vivenciar experiências de gestão democrática nos processos de formação

docente pode resultar na democratização das subjetividades que se encontram

em formação, isto é, a dos professores. Como subjetividades mais

democráticas, podem alimentar esse ciclo de formação. No entanto, é preciso

observar que a gestão democrática da formação docente não significa que

essa se dê sem um “rumo”, sem parâmetros. Significa dizer que a formação se

dará por processos decisórios a que os sujeitos em formação terão acesso

mais amplo, com mais autonomia para decidir sobre as trajetórias que

implementarão nesse percurso.

Daí a importância de considerar as outras diretrizes nesta reflexão: “atividade

docente como foco formativo”, “contato com a realidade escolar desde o início

até o final do curso, integrando a teoria à prática pedagógica”, “pesquisa como

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princípio formativo”. Poderíamos dizer que a formação continuada de

professores em serviço é um processo formativo que se dedica a pesquisar a

prática docente em contato permanente com a realidade escolar, unindo a

teoria e a prática pedagógica, a partir da formação de grupos de estudo no

cotidiano escolar.

Podemos ainda combinar outras diretrizes assim: a formação continuada de

professores em serviço realiza-se por meio do “trabalho coletivo

interdisciplinar”, que ocorre em grupos de professores que se reúnem em

ambiente escolar com o objetivo de alcançar uma “ampla formação cultural” e

promover uma “sólida formação teórica nos conteúdos específicos a serem

ensinados na educação básica, bem como nos conteúdos especificamente

pedagógicos” por meio da “análise dos temas atuais da sociedade, da cultura e

da economia”, tais como o “domínio das novas tecnologias de comunicação e

da informação e a capacidade para integrá-las à prática do magistério”; a

“inclusão das questões relativas à educação dos alunos com necessidades

especiais e das questões de gênero e de etnia nos programas de formação”;

“conhecimento e aplicação das diretrizes curriculares nacionais dos níveis e

modalidades da educação básica”; e outros eleitos democraticamente pelo

grupo em vista de seus projetos locais, propiciando, assim, maior

“desenvolvimento do compromisso social e político do magistério”.

Ressaltamos que não se trata de uma “brincadeira” entre as concepções de

formação continuada e as diretrizes eleitas no PNE para a formação de

professores, mas, de realçar que essas diretrizes nos permitem correlacionar a

formação continuada de professores em serviço com processos de gestão

democrática da formação docente, assim como pensar em processos que

conduzam à emancipação e autonomia dos professores sujeitos dessa

formação.

Quanto às necessidades de formação, o PNE prevê que sejam analisadas as

especificidades ou/e etapas (pré-escola, alfabetização, séries iniciais e finais

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do ensino fundamental, educação indígena, educação especial, ensino médio,

educação de jovens e adultos, e outros) em cada Estado para que seja feito

um plano com o objetivo de se alcançar o exigido nas metas nele fixadas.

O documento ainda destaca que, na formação inicial, é preciso superar a

dicotomia entre teoria e prática e entre formação pedagógica e formação nos

campos de conhecimentos específicos. A formação inicial dos profissionais da

educação básica deve ser responsabilidade principalmente das instituições de

ensino superior, nos termos do Art. 62 da LDB, onde as funções de pesquisa,

ensino e extensão e a relação entre teoria e prática podem garantir o patamar

de qualidade social, política e pedagógica que se considera necessário.

Quanto à formação continuada, o documento defende que é preciso

reconhecer sua particular importância diante dos avanços tecnológicos e

científicos, que exigem um nível de conhecimentos sempre mais amplo e

profundo na sociedade moderna. A esse respeito, argumentamos que também

é indispensável que a remuneração dos docentes corresponda aos níveis mais

elevados de qualificação profissional e de desempenho que lhes são cobrados,

mesmo porque os professores também precisam ter acesso às novas

tecnologias (computadores e seus equipamentos periféricos) como meios para

melhor desempenhar sua profissão. E aqui destacamos como o PNE trata a

questão da formação permanente (em serviço) dos profissionais da educação.

A formação continuada do magistério é parte essencial da estratégia de melhoria permanente da qualidade da educação, e visará à abertura de novos horizontes na atuação profissional. Quando feita na modalidade de educação a distância, sua realização incluirá sempre uma parte presencial, constituída, entre outras formas, de encontros coletivos, organizados a partir das necessidades expressas pelos professores. Essa formação terá como finalidade a reflexão sobre a prática educacional e a busca de seu aperfeiçoamento técnico, ético e político. A formação continuada dos profissionais da educação pública deverá ser garantida pelas secretarias estaduais e municipais de educação, cuja atuação incluirá a coordenação, o financiamento e a manutenção dos programas como ação permanente e a busca de parceria com universidades e instituições de ensino superior. Aquela relativa aos professores que atuam na esfera privada será de

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responsabilidade das respectivas instituições (BRASIL, 2001, p. 78-79, grifos nossos).

O PNE prevê uma especial atenção à formação continuada como uma das

estratégias essenciais à melhoria permanente da educação. Destacamos a

expressão entre parêntese “em serviço” que se segue a “formação

permanente”, utilizada pela primeira vez no texto legal do documento original.

Destacamos, também, a previsão de cursos a distância como uma das

estratégias possíveis de formação permanente, sempre ligada à revolução e à

necessária introdução das tecnologias nas práticas docentes em tempos de

avanços tecnológicos.

No entanto, ressaltamos, assim como o próprio documento, que esses cursos

(que não são a única alternativa de formação continuada de professores) têm

de manter uma carga horária presencial, a fim de promover encontros coletivos

a partir das necessidades expressas pelos professores, revelando a

necessidade de uma interação para além daquela possível por meio de

computadores e de outras tecnologias. Nesse sentido, a formação continuada

de professores em serviço pressupõe a reflexão sobre a prática e o

crescimento não só técnico, mas também ético e político, não sendo

necessário que isso ocorra apenas nos cursos de formação a distância, mas

apesar deles. Isto é, estamos aqui a defender a existência de outras

possibilidades de formação que não sejam apenas na modalidade a distância,

visto que a formação continuada de professores em serviço é justamente esse

encontro interativo, intersubjetivo que envolve a reflexão, a gestão democrática

e a construção social e solidária do conhecimento, tendo em vista as

necessidades locais, como ocorre nas comunidades interpretativas (SANTOS,

2005a).

O que questionamos aqui é como atender as necessidades locais com a

implantação de cursos a distância, planejados de forma descontextualizada, ou

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seja, de forma tão “distante” das realidades locais “receptoras” dos programas

de formação.

Ainda dentro da parte que trata da valorização e formação do professor e no

que se refere à remuneração, o PNE faz a seguinte avaliação:

No campo da remuneração, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério está fazendo uma extraordinária mudança naqueles Estados e Municípios onde o professor recebia salários muito baixos, inferiores ao salário mínimo. Devem ser aplicados, obrigatoriamente, pelo menos 60% dos recursos do FUNDEF na remuneração do pessoal de magistério em efetivo exercício de suas atividades no ensino fundamental público (Lei 9.429/96, art. 7.º). Nos Estados e Municípios onde o salário já era mais alto do que o possibilitado pelo FUNDEF, não houve melhoria para os professores, antes, dificuldades adicionais para certos Municípios manter o padrão anterior de remuneração. A avaliação do FUNDEF vem apontando as falhas e sugerindo revisões com vistas a solucionar os problemas que vêm ocorrendo. Em alguns lugares, os professores de educação infantil, de jovens e adultos e de ensino médio, ficaram prejudicados. Se os 10% dos mínimos constitucionalmente vinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino não postos no FUNDEF forem efetivamente destinados, nos Municípios, à educação infantil e, nos Estados, ao ensino médio, os problemas ficarão em parte minimizados (BRASIL, 2001, p. 76).

É possível notar avanços e retrocessos nesse campo. Quanto aos planos de

carreira do magistério, o PNE diz ainda que estão sendo reformulados em

cumprimento à LDB na expectativa de que isso constitua um passo para a

valorização do magistério.

Retornando à nossa análise, o PNE estabelece 28 objetivos e metas que, em

resumo, têm como previsão:

- garantir a implantação, já a partir do primeiro ano, dos planos de carreira

para o magistério, elaborados e aprovados de acordo com as

determinações da Lei nº 9.424/96, e a criação de novos planos, segundo

aquela lei, bem como os novos níveis de remuneração em todos os

sistemas de ensino, com piso salarial próprio, de acordo com as diretrizes

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estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação, assegurando a promoção

por mérito;

- estabelecer diretrizes e parâmetros curriculares para os cursos superiores

de formação de professores e de profissionais da educação para os diferentes

níveis e modalidades de ensino, definir diretrizes e estabelecer padrões

nacionais para orientar os processos de credenciamento das instituições

formadoras, bem como a certificação, o desenvolvimento das competências

profissionais e a avaliação da formação inicial e continuada dos professores;

- incluir, nos currículos e programas dos cursos de formação de profissionais

da educação, temas específicos da história, da cultura, dos conhecimentos,

das manifestações artísticas e religiosas do segmento afro-brasileiro, das

sociedades indígenas e dos trabalhadores rurais e sua contribuição na

sociedade brasileira, assim como incluir conhecimentos sobre educação das

pessoas com necessidades especiais, na perspectiva da integração social;

- a partir do PNE, somente admitir professores e demais profissionais de

educação que possuam as qualificações mínimas exigidas no Art. 62 da

LDB;

- identificar e mapear, nos sistemas de ensino, as necessidades de

formação inicial e continuada do pessoal técnico e administrativo,

elaborando programas de formação dando início à respectiva implementação,

no prazo de três anos a partir da vigência do PNE;

- generalizar, nas instituições de ensino superior públicas, cursos regulares

noturnos e cursos modulares de licenciatura plena, assim como incentivar as

universidades e demais instituições formadoras a oferecer, no interior

dos estados, cursos de formação de professores, no mesmo padrão dos

cursos oferecidos na sede, de modo a atender à demanda local e regional

por profissionais do magistério graduados em nível superior nas diversas áreas

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de ensino e, em particular, mas de educação especial, gestão escolar,

formação de jovens e adultos e educação infantil;

- onde ainda não existam condições para formação em nível superior de

todos os profissionais necessários para o atendimento das necessidades

do ensino, oferecer cursos de nível médio, em instituições específicas, que

observem os princípios definidos e preparem pessoal qualificado para a

educação infantil, a educação de jovens e adultos e as séries iniciais do ensino

fundamental, prevendo a continuidade dos estudos desses profissionais

em nível superior;

- criar, no prazo de dois anos, cursos profissionalizantes de nível médio

destinados à formação de pessoal de apoio para as áreas de

administração escolar, multimeios e manutenção de infra-estruturas

escolares;

- identificar e mapear portadores de diplomas de licenciatura e de

habilitação de nível médio para o magistério, que se encontrem fora do

sistema de ensino, com vistas a seu possível aproveitamento, nos Municípios

onde a necessidade de novos professores é elevada e é grande o número

de professores leigos.

Na prática profissional:

- implementar, gradualmente, uma jornada de trabalho de tempo integral,

quando conveniente, cumprida em um único estabelecimento escolar, e

destinar entre 20 e 25% da carga horária dos professores para preparação

de aulas, avaliações e reuniões pedagógicas;

- garantir que, no prazo de dez anos, todos os professores de ensino médio

tenham formação específica de nível superior;

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- garantir que, no prazo de cinco anos, todos os professores em exercício na

educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental,

inclusive nas modalidades de educação especial e de jovens e adultos,

tenham, no mínimo, habilitação de nível médio (modalidade normal), específica

e adequada às características e necessidades de aprendizagem dos alunos.

Quanto à formação continuada e em serviço:

- ampliar, a partir da colaboração da União, dos Estados e dos Municípios, os

programas de formação em serviço que assegurem a todos os professores a

possibilidade de adquirir a qualificação mínima exigida pela LDB, observando

as diretrizes e os parâmetros curriculares, assim como promover a avaliação

periódica da qualidade de atuação dos professores como subsídio à

definição de necessidades e características dos cursos de formação

continuada;

- desenvolver programas de educação a distância que possam ser utilizados

também em cursos semipresenciais modulares, de forma a tornar possível o

cumprimento da meta anterior;

- garantir, já no primeiro ano de vigência do Plano, que os sistemas estaduais e

municipais de ensino mantenham programas de formação continuada de

professores alfabetizadores, contando com a parceria das instituições de

ensino superior sediadas nas respectivas áreas geográficas;

- ampliar a oferta de cursos de mestrado e doutorado na área educacional

desenvolver a pesquisa neste campo e criar programas de pós-graduação

e pesquisa nessa área como centros irradiadores da formação profissional em

educação, para todos os níveis e modalidades de ensino.

Quanto ao acompanhamento e à avaliação, o PNE diz:

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Será preciso, de imediato, iniciar a elaboração dos planos estaduais em consonância com o Plano Nacional e, em seguida, dos planos municipais, também coerentes com o plano do respectivo Estado. Os três documentos deverão compor um conjunto integrado e articulado. Integrado quanto aos objetivos, prioridades, diretrizes e metas aqui estabelecidos. E articulado nas ações, de sorte que, na soma dos esforços das três esferas, de todos os Estados e Municípios mais a União, chegue-se às metas aqui estabelecidas (BRASIL, 2001, p. 97).

E faz a seguinte observação:

Os objetivos e as metas deste plano somente poderão ser alcançados se ele for concebido e acolhido como Plano de Estado, mais do que Plano de Governo e, por isso, assumido como um compromisso da sociedade para consigo mesma. Sua aprovação pelo Congresso Nacional, num contexto de expressiva participação social, o acompanhamento e a avaliação pelas instituições governamentais e da sociedade civil e a conseqüente cobrança das metas nele propostas, são fatores decisivos para que a educação produza a grande mudança, no panorama do desenvolvimento, da inclusão social, da produção científica e tecnológica e da cidadania do povo brasileiro (BRASIL, 2001, p. 98).

De modo geral, o PNE caracteriza-se como um plano que traça objetivos,

metas e diretrizes com a intenção de providenciar uma formação inicial e

continuada de professores em nível nacional, tentando atender as

necessidades locais, dentro das diretrizes e parâmetros curriculares, e de

promover avaliações periódicas e estabelecer padrões nacionais, que

orientem os processos de credenciamento das instituições formadoras, o

desenvolvimento das competências profissionais, bem como a certificação

de desempenho docente.

Então, o que se percebe em relação à formação continuada de professores é

que as diretrizes que continham uma proposta ampla e aberta foram

direcionadas a uma aplicação estreita e fechada a cursos de qualificação

profissional oferecidos por instituições credenciadas para o desenvolvimento

de competências profissionais e certificação do desempenho docente. Não se

observam nem impedimentos nem incentivos para que se realizem fora da

estrutura de cursos regulares e em ambiente escolar, a não ser pelo fato de em

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nenhum momento ser mencionada uma forma alternativa ao que foi

constantemente proposto.

Nesse sentido e em nosso humilde entendimento, permanece a possibilidade

legal de que aconteçam processos de formação continuada de professores em

serviço fora da estrutura de cursos regulares planejados a priori, como um

caminho evidente. Não se pode negar que o ambiente escolar seja um dos

contextos de formação de professores no exercício de sua função e que os

processos de formação ultrapassam a estrutura de cursos, antes, porém, são

percursos, dos quais os cursos fazem apenas parte, como um caminho

alternativo, em relação ao proposto constantemente pelo PNE.

No entanto, se existirem propostas alternativas de formação em serviço sendo

implantadas, geridas, democraticamente praticadas pelos sujeitos praticantes,

professores em suas diferentes escolas e realidades, essas propostas sempre

serão alvo de processos de regulação e da tentativa de submetê-las à

regulação dos sistemas de ensino, na busca por enquadrá-las como programas

de formação. Resta-nos saber se esse enquadramento permitirá a existência

de, como defende Oliveira (2003, p. 83), “[...] uma epistemologia crítica e

suficientemente flexível para manterem abertas as possibilidades reais dos

professores que a utilizarão, respeitando-lhes os saberes e subjetividades, bem

como a de seus alunos [...]” assim como as realidades locais e seus projetos,

considerando o potencial desse homem ordinário, sujeito praticante que

escapa silenciosamente a essa conformação com as suas artes de fazer,

inventando o cotidiano na luta por resistir aos processos de dominação.

4.6 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES EM SERVIÇO E A

REDE NACIONAL DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE

EDUCAÇÃO BÁSICA

Segundo a apresentação desse documento, a Rede Nacional de Formação

Continuada de Professores de Educação Básica, constituída em julho de 2004,

surgiu como resposta à necessidade de articular a pesquisa, a produção

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acadêmica à formação dos educadores, processo que não se completa por

ocasião do término de seus estudos em cursos superiores. Houve para isso a

concretização de uma parceria entre a SEB/MEC, o DPE e a COPFOR que

promoveu diversos cursos, e a produção de múltiplos materiais destinados aos

educadores em salas de aula do ensino fundamental e da educação infantil,

divulgados e publicados em março de 2005, no “Catálogo 2005”.

A Rede Nacional de Formação Continuada constituiu-se por meio da celebração de convênios com Universidades selecionadas nos termos do Edital 01/2003/MEC. Segundo o convênio firmado, a execução será gerenciada pelo MEC e acompanhada, em cada Centro, por um Comitê Gestor constituído por três membros: o coordenador do Centro, um representante da Universidade indicado pelo Reitor e um representante da SEB/ MEC (BRASIL, 2006, p. 29).

Sendo o convênio um ato administrativo firmado entre diferentes

representantes do poder público, presume-se que seja legítimo e legal, assim

como válidas as intenções nele manifestadas.

Essa parceria foi mantida em 2006, resultando no “Catálogo 2006”, documento

que enfocaremos e que sofreu algumas alterações quanto às universidades

conveniadas e aos produtos oferecidos, como resultado de avaliação do

trabalho já realizado. Como na etapa anterior, esse documento tornou pública a

Rede Nacional de Formação Continuada aos sistemas estaduais e municipais

de ensino, às universidades, aos professores e a todos os envolvidos no

processo de formação de profissionais da educação no País, visando divulgá-la

e buscando a adesão de Secretarias Municipais e Estaduais de Educação.

O presente documento trata das diretrizes, ações e processo de implementação da política e do sistema de formação continuada que vem sendo desenvolvido pelo MEC/SEB desde 2003. Nesse sentido, foi instituída a Rede Nacional de Formação Continuada de Professores da Educação Básica com a finalidade precípua de contribuir com a qualidade do ensino e com a melhoria do aprendizado dos estudantes por meio de um amplo processo de articulação dos órgãos gestores, dos sistemas de ensino e das instituições de formação, sobretudo, as universidades públicas e comunitárias. A Rede é formada pelo MEC, Sistemas de Ensino e os Centros de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação, que são

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parceiros no desenvolvimento e oferta de programas de formação continuada, bem como na implementação de novas tecnologias de ensino e gestão em unidades escolares e sistemas estaduais e municipais (BRASIL, 2006, p. 9, grifos nossos).

Nesse sentido, com suas orientações, o MEC pretende institucionalizar a

formação docente, articulando a formação continuada à pesquisa e à

produção acadêmica desenvolvida nas universidades e em conformidade

com o sistema federativo brasileiro, propondo a adesão dos sistemas de

ensino a essa formação, visto que a formação continuada no mundo atual

passa a ter papel central na atividade profissional: o educador necessita

constantemente repensar e aperfeiçoar sua prática docente.

Com relação aos princípios, diz o texto:

A atual política parte dos seguintes princípios: a formação do educador deve ser permanente e não apenas pontual; formação continuada não é correção de um curso porventura precário, mas necessária reflexão permanente do professor; a formação deve articular a prática docente com a formação inicial e a produção acadêmica desenvolvidas na Universidade; a formação deve ser realizada também no cotidiano da escola em horários específicos para isso, e contar pontos na carreira dos professores (BRASIL, 2006, p. 1).

Além de destacar a pretensão de considerar os professores como sujeitos de

formação e ressaltar que a formação no cotidiano da escola deve ser realizada

em horários específicos, o documento reforça:

A Rede busca, portanto, contribuir com os sistemas de ensino e, particularmente, com a formação dos professores como sujeitos do processo educativo. Tal compreensão, pautada em uma concepção de formação de professores, inicial e continuada, que contemple a tematização de saberes e práticas num contexto de desenvolvimento profissional permanente, implica em considerar os estudantes como sujeitos nesse processo (BRASIL, 2006, p. 10, grifos nossos).

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Destacamos, ainda, a noção de formação permanente em contraposição à de

formação pontual. Seria uma idéia que caminha na tentativa de superar a

concepção de cursos como uma experiência pontual? Em complemento a essa

idéia, destacamos o importantíssimo princípio que traz esse documento para a

possibilidade da correlação que estamos a investigar: “[...] a formação deve

ser realizada também no cotidiano da escola em horários específicos para

isso, e contar pontos na carreira dos professores”. Seria essa idéia o

reconhecimento, por parte do MEC e de seus parceiros, de que é totalmente

(legal e legitimamente) possível que a formação aconteça fora dos limites de

um curso (pontual), dentro do horário e ambiente escolar e de trabalho do

professor (não o sobrecarregando como uma tarefa a mais, mas como uma

atividade prevista dentro de sua carga horária de trabalho), elevando essa

experiência à categoria “oficial” de formação a ponto de ser considerada para

pontuação na carreira dos professores?

Continuando, vemos que o documento se encontra estruturado nos seguintes

itens: A Formação Docente no Passado Recente: Concepções e Práticas; Base

Legal para Institucionalização da Formação Continuada; A Política da

SEB/MEC, a Rede Nacional de Formação Continuada e os Sistemas Públicos

de Ensino; A Rede Nacional de Formação Continuada; Leitura Complementar;

Equipe - Colaboradores; Catálogo e Contatos.

Quanto ao primeiro item “A Formação Docente no Passado Recente:

Concepções e Práticas”, consideramos importante destacar a reflexão crítica

(ou seria uma autocrítica?) sobre o próprio desempenho do Governo Federal e

do MEC a partir da década de 1980, na condução de políticas públicas

educacionais pautadas em critérios individualistas e imediatistas, sintetizadas

na área de formação docente pela adoção de um modelo curricular por

competências. Dessa forma, não teceremos muitos comentários, apenas

destacaremos algumas palavras ou frases.

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O documento parte de uma reconstituição histórica do que representou a

década de 1980 para o Brasil, na busca por romper com o pensamento

tecnicista que até então dominava a educação. Retrata, também, a busca por

estabelecer, na prática, uma concepção emancipadora de educação e de

formação docente ligada aos movimentos dos educadores, até o

desencadear da Constituição de 1988 e a aprovação da LDB n° 9.394/96, que

assumidamente não contemplou plenamente os ideários críticos que

norteavam os debates da época.

No âmbito do movimento dos educadores, o debate produziu e evidenciou concepções sobre formação do professor, profissional da área de educação dos diversos campos do conhecimento, destacando o caráter sócio-histórico dessa formação, a necessidade de formação de um profissional com ampla compreensão da realidade de seu tempo, portador de uma postura crítica e propositiva que lhe permitisse interferir na transformação das condições da escola, da educação e da sociedade e com ela contribuir. Com esta concepção emancipadora de educação e formação, o movimento avançou no sentido de buscar superar as dicotomias presentes na formação acadêmica entre professores e especialistas, pedagogia e licenciaturas, especialistas e generalistas, acompanhando a escola na busca da democratização das relações de poder em seu interior e na construção de novos projetos coletivos. Como parte importante desta construção teórica, a partir das transformações concretas no âmbito da escola, emergiu a concepção de profissional da educação que tem na docência e no trabalho pedagógico a sua particularidade e especificidade. Nessa perspectiva, foram implementadas no país experiências significativas e inovadoras no campo da formação docente, ao mesmo tempo em que os professores, juntamente com outras categorias de trabalhadores, intensificavam sua participação, de modo organizado, nos debates e movimentos que culminaram com a promulgação da nova Constituição Brasileira de 1988 e com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996. É oportuno ressaltar, no entanto, que dimensões importantes do ideário crítico que norteava a proposição de um projeto nacional de educação, de acordo com os debates e experiências em curso no país, não foram plenamente contempladas na LDB (BRASIL, 2006, p. 11, grifos nossos).

Nesse caminhar histórico, o documento ressalta a ação do Governo Federal,

que, seguindo a tendência das reformas “liberalizantes” que se estendiam para

toda a América Latina, buscou adequar as políticas educacionais às exigências

da reforma do Estado e redefiniu o sistema educacional, tendo como referência

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central a pedagogia das competências para a empregabilidade, assumindo o

ideário do mercado como perspectiva geral prática. Destaca que essa

perspectiva,

[...] de caráter individualista e imediatista em relação ao mercado de trabalho, norteou também as iniciativas no plano da formação inicial e da formação continuada e em serviço, no âmbito da reforma educacional que então se efetivava no país (BRASIL, 2006, p. 12).

Sendo a formação de professores da educação básica considerada pelos

reformadores como estratégica para os fins pretendidos dessa reforma, foram

delineadas mudanças na organização acadêmica do sistema de ensino

superior com a criação de novas instâncias para a formação de professores,

como o Instituto Superior de Educação (ISE) e o Curso Normal Superior,

introduzindo-se novas concepções quanto à identidade do professor e sua

formação, privilegiando como base curricular o modelo de competências

profissionais.

Nesse sentido, os ISEs foram regulamentados pela Resolução nº 01/99, do

Conselho Nacional de Educação (CNE), vindo a integrar o conjunto de

alterações no ensino superior brasileiro formuladas no âmbito do Governo,

configurando-se como locus privilegiado para a formação de professores, que

passou a ser oferecida, preferencialmente, em instituições de ensino superior

não universitárias, não requerendo “[...] padrão universitário de pesquisa e de

produção de conhecimento. Dessa forma, fica em um segundo plano o ideário

do movimento de educadores de ter a formação universitária como o horizonte

de formação dos professores” (BRASIL, 2006, p. 13).

Destaque-se, ainda, que essas iniciativas encontraram resistência de parte das

entidades acadêmicas e sindicais do campo educacional que, mobilizadas,

tentaram influir na definição das Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Formação de Professores da Educação Básica, em Nível Superior, Curso de

Licenciatura, de Graduação Plena, aprovadas em 2002 (Resolução CNE/CP nº

1/2002), tendo por base o Parecer do CNE/CP nº 009/2001.

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Assim, o documento conclui que, situando a formação inicial

[...] nesses parâmetros e associando-a às condições de precariedade ainda vigentes no sistema educacional no que toca ao ambiente de trabalho e remuneração dos profissionais da educação, não há de causar espécie, as dificuldades e os desafios encontrados nos processos de formação continuada (BRASIL, 2006, p.13).

A partir disso, o documento defende que a proposição de políticas efetivas

para a formação de professores implica

- garantir a articulação entre formação inicial, formação continuada e

profissionalização, o que significa que as políticas e as instituições envolvidas

devem atuar de modo articulado no sentido de melhor qualificar a profissão e o

exercício da docência nos diferentes níveis e modalidades da educação básica,

visando à garantia de um processo ensino-aprendizagem de qualidade

socialmente referenciada;

- a compreensão de que os saberes pedagógicos também são

desenvolvidos ao longo do processo de construção e constituição da

identidade e do exercício profissional do professor, uma vez que a

natureza do trabalho pedagógico requer domínio de saberes específicos das

diferentes áreas do conhecimento, bem como aqueles relativos às

metodologias e à compreensão dos processos presentes no planejamento,

organização curricular, avaliação e gestão da educação escolar;

- a compreensão de que o contexto da formação inicial e continuada requer

uma ampla articulação entre os agentes envolvidos (Ministério da

Educação, Conselhos de Educação, Universidades, Secretarias de

Educação, Escolas etc.), no sentido de efetivar um sistema nacional de

formação que possa colaborar efetivamente na melhoria da

aprendizagem, de modo a redimensionar os indicadores atuais de

desempenho.

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Quanto à base legal para a institucionalização da rede de formação

continuada, o documento cita:

1 – A LDB (Lei nº 9.394/96),

- em relação à formação inicial – que no Art. 87, § 4º, institui a “Década da

Educação” estabelece a necessidade de habilitação ou formação por

treinamento em serviço e a exigência de cursos superiores de licenciatura

plena para os professores da educação básica, o que fez com que os cursos

de formação desses profissionais se expandissem significativamente a partir da

segunda metade da década de 1990.

Sobre isso, o documento questiona a qualidade de alguns cursos de formação

que desqualificam a formação inicial, “[...] o que pode vir a ocasionar uma

deformação da concepção de formação continuada, considerando-a uma forma

de corrigir problemas da má formação inicial” (BRASIL, 2006, p. 14). O

posicionamento que se assume é que “[...] é preciso pensar a formação

docente (inicial e continuada) como momentos de um processo contínuo

de construção de uma prática docente qualificada e de afirmação da

identidade, da profissionalidade e da profissionalização do professor”

(BRASIL, 2006, p. 15).

- em relação à formação continuada - que no inciso III, do Art. 63, define que as

instituições formativas deverão manter “programas de formação

continuada para os profissionais de educação dos diversos níveis”, e

estabelece, no inciso II, Art. 67, “que os sistemas de ensino deverão promover

aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico

remunerado para esse fim”. Tal perspectiva amplia o alcance da formação

continuada, incluindo os cursos de pós-graduação em nível de mestrado

e doutorado.

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2 – A Lei nº 9.424/96,

- que institui o FUNDEF e estabelece 60% dos recursos subvinculados para

o ensino fundamental deveriam ser aplicados na remuneração e

capacitação de professores, sobretudo nos cinco primeiros anos de vigência

do Fundo. Essa lei exigiu a criação de planos de carreira e de remuneração do

magistério em todos os sistemas de ensino e alertou para o fato de que um

padrão de qualidade do ensino no que tange à definição de custo aluno

inclui a “capacitação permanente dos profissionais da educação”.

3 – A Resolução nº 03/97, do Conselho Nacional de Educação,

- que define, no Art. 5º, que os sistemas de ensino “envidarão esforços para

implementar programas de desenvolvimento profissional dos docentes

em exercício, incluída a formação em nível superior em instituições

credenciadas, bem como em programas de aperfeiçoamento em serviço”.

Desse modo, os planos de carreira deveriam incentivar a progressão, por meio

da qualificação inicial e continuada dos trabalhadores da educação.

4 – O Plano Nacional de Educação – PNE- (Lei n° 10.172/2001),

- que, ao estabelecer os objetivos e metas para a formação inicial e continuada

dos professores e demais servidores da educação, enfatiza que se faz

necessário criar programas articulados entre as instituições públicas de

ensino superior e as secretarias de educação, de modo a elevar o “padrão

mínimo de qualidade de ensino”.

Nesse sentido, o documento caracteriza a importância da ação do Poder

Público tanto para a articulação quanto para as garantias de condições de

trabalho e de recursos necessários à implementação de políticas na área

da formação docente, e, ainda, no caso da Rede Nacional de Formação,

ressalta a necessidade de esforço integrado e colaborativo que objetive

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institucionalizar a formação continuada de professores e demais profissionais

da educação.

O documento afirma:

A União desempenha papel fundamental nesse processo, uma vez que deve coordenar a “política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas e exercendo função normativa, redistributiva e supletiva, em relação às demais instâncias educacionais” (Art. 8º da LDB – Lei nº 9.394/96). No entanto, a mesma lei atribui aos Estados e Municípios a responsabilidade pela organização dos respectivos sistemas de educação (Art. 10 e 11) e, às instituições escolares a incumbência de elaborar sua própria proposta pedagógica (Art. 12), na qual os docentes deverão ter participação ativa (Art. 13). Nesse sentido, o professor, como profissional da educação, faz jus a um plano de carreira, condições de trabalho e formação inicial e continuada, objetivando a produção de uma educação de qualidade. Além disso, a mesma Lei estabelece normas para a “gestão democrática do ensino público na educação básica” e, no artigo 15, determina que os sistemas de ensino assegurem “às unidades escolares públicas de educação básica que os integram, progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais do direito financeiro público” (BRASIL, 2006, p. 16–17).

De outro lado, não se pode deixar de destacar a importância da ação e do

comprometimento do professor com a causa educacional, que, assim, fica

caracterizada como uma ação de mão dupla: investimento do e no professor.

A ação do MEC, ao estabelecer uma política nacional de formação continuada

em regime de colaboração com as secretarias de Estados e Municípios, tem,

segundo o documento, a intenção de promover uma articulação efetiva entre

esses parceiros e as universidades, de modo a possibilitar maior interação

entre estas instituições para redimensionar a formação inicial e continuada do

professor e demais profissionais da educação e dar a ela maior ogranicidade.

Quanto às universidades, o documento aponta a estrutura criada a partir da

reforma universitária proposta pelo MEC em dezembro de 2004, que define

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que a educação superior compreenderá os cursos de graduação, abrangendo

licenciaturas, bacharelados e cursos superiores de tecnologia; os programas

de pós-graduação, envolvendo cursos de mestrado e doutorado; os programas

e atividades de extensão; os programas de formação continuada, abertos a

candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições de

educação superior. Estes últimos, abrangendo: a) cursos de estudos

superiores posteriores ao ensino médio ou equivalente, que não configurem

graduação; b) cursos seqüenciais por campo do saber, de diferentes níveis de

abrangência; c) cursos de especialização, destinados a graduados; d) cursos

de aperfeiçoamento e de treinamento, destinados a graduados.

Segundo o documento, toda essa estrutura advinda da base legal

constituída aponta para um amplo sistema nacional de formação

continuada de professores, que poderá colaborar para a qualificação

pedagógica da ação docente, tendo em vista garantir uma aprendizagem

efetiva condizente com os fins da educação escolar e com o efetivo

direito à educação e à escola de qualidade.

A terceira parte do documento trata da política da SEB/MEC, sua relação com

a Rede Nacional de Formação Continuada e os Sistemas Públicos de Ensino.

Nela o MEC caracteriza a sua atuação:

O Ministério da Educação (MEC) vem investindo na Educação Básica, elegendo a qualidade como parâmetro de suas diretrizes, metas e ações e conferindo a essa qualidade uma dimensão sócio-histórico-política e, portanto, inclusiva. Nesse sentido, o Ministério assume o compromisso com a qualidade social da educação, o que implica assegurar-lhe eficiência, eficácia e efetividade social, de modo a contribuir efetivamente com a aprendizagem dos educandos e com a melhoria das condições de vida e bem-estar da população (BRASIL, 2006, p. 18).

Para a execução de políticas prioritárias para o Governo Federal e o MEC, a

SEB destaca quatro eixos principais de atuação: redefinição e ampliação do

financiamento da educação básica; inclusão social; democratização da

gestão; e formação inicial e continuada dos profissionais da educação.

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O documento aponta que o MEC vem redimensionando a questão do

financiamento da educação escolar considerando a centralidade e articulação

dos processos de organização e gestão da educação básica à política de

financiamento. Para a ampliação do financiamento da Educação Básica são

citados o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de

Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) em substituição ao atual

FUNDEF, o que deverá prover um aporte de recursos condizente com a

progressiva universalização do ensino aliada ao incremento da sua qualidade.

Outro eixo prioritário de atuação compreende a democratização da gestão

“[...] entendida como um processo político-pedagógico e administrativo

por meio do qual se orienta, organiza e viabiliza a prática social da

educação, devendo ser, portanto, compartilhado por todos os que

compõem a comunidade local e escolar [...]” (BRASIL, 2006, p. 19), assim

como se entende que há uma vinculação orgânica entre a gestão e a

melhoria da qualidade da educação.

Esse eixo organizador aproxima-se da correlação que investigamos no sentido

de que a formação continuada de professores em serviço pautada pelo

princípio da gestão democrática da formação acaba por se configurar em

processos político-pedagógicos e “administrativos” com que todos que

compõem a comunidade local devem compartilhar, tal qual em comunidades

interpretativas (SANTOS, 2005a).

Nesse processo, o documento aponta dois programas que a SEB/MEC vem

desenvolvendo, voltados para a participação popular na gestão e o controle

social das políticas educacionais desenvolvidas no âmbito dos municípios e

das escolas: o Programa de Capacitação de Conselheiros Municipais da

Educação – Pró-Conselho e o Programa de Fortalecimento dos Conselhos

Escolares.

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No entanto, não se faz menção à eleição direta para os diretores de escola, em

que a participação da comunidade poderia ser intensificada, numa relação

direta entre eleitores e eleito, na qual a competição entre diversas propostas de

gestão poderia contribuir para maior grau de reflexão da comunidade escolar,

contribuindo assim para seu “amadurecimento” democrático, ao invés de essa

decisão ser tomada por meio de indicações de governadores estaduais,

secretários estaduais e outros, distanciando a comunidade dos meios de

decisão e participação.

Continuando na exploração do documento, encontramos a formação inicial e

continuada dos profissionais da educação como o último eixo norteador das

políticas do MEC para a melhoria da qualidade da educação. Segundo o

posicionamento assumido no documento, trata-se de um desafio que não pode

ser enfrentado sem a qualificação dos professores e demais trabalhadores em

educação, o que implica uma política que envolva parcerias com as instituições

que atuam na formação docente. Além de uma educação de qualidade dos

profissionais da educação, fruto da formação inicial e continuada de qualidade,

faz-se necessário que haja planos de cargos e salários que promovam maior

profissionalização.

Para promover a formação inicial de professores em exercício, sem habilitação

exigida, estão sendo desenvolvidos os programas: PROINFANTIL,

PROFORMAÇÃO e PRÓ-LICENCIATURA. Destacamos a característica de

curso a distância comum aos três programas. Eles são assim definidos:

O PROINFANTIL é um programa de formação a distância de professores, oferecido em nível médio, modalidade normal, com habilitação em Educação Infantil, e duração de dois anos. Destina-se aos professores que atuam em creches e pré-escolas e que não possuem a formação exigida pela legislação vigente. Seu objetivo é aprimorar a prática pedagógica e elevar o nível do conhecimento dos que atuam nesse segmento, contribuindo para a qualidade social da educação oferecida nas instituições de educação infantil. O PROFORMAÇÃO é um programa de formação de professores a distância, oferecido em nível médio, com habilitação ao magistério. É realizado pelo MEC em parceria com estados e municípios. Destina-se a professores que ainda não possuem habilitação e que

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atuam nos anos iniciais do ensino fundamental, classes de alfabetização ou na educação de jovens e adultos das redes públicas de ensino do país. O MEC está estendendo sua abrangência para todas as regiões, uma vez que até 2003 eram atendidos apenas professores das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O PRÓ-LICENCIATURA é um programa de formação de professores a distância, oferecido a profissionais que exerçam a função docente nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio e que não possuam habilitação específica na área de atuação (licenciatura) (BRASIL, 2006, p. 20-21, grifos nossos).

Segundo o documento, essa Rede conta com a participação dos Centros de

Pesquisa e Desenvolvimento da Educação, com os sistemas de ensino público

e a participação e coordenação da SEB/MEC. Esses Centros, atualmente

situados em dezenove universidades no País, articulados entre si e com outras

IES, produzirão materiais instrucionais e orientação para cursos a distância,

semipresenciais, atuando em rede para atender as necessidades e demandas

dos sistemas de ensino. O MEC coordena o desenvolvimento desse programa,

implementado por adesão, em regime de colaboração, pelos estados,

municípios e Distrito Federal, oferecendo suporte técnico e financeiro.

Como objetivos apresenta:

4.1. Objetivos São objetivos da Rede Nacional de Formação Continuada: • Institucionalizar o atendimento da demanda de formação continuada. • Desenvolver uma concepção de sistema de formação em que a autonomia se construa pela colaboração, e a flexibilidade encontre seus contornos na articulação e na interação. • Contribuir com a qualificação da ação docente no sentido de garantir uma aprendizagem efetiva e uma escola de qualidade para todos. • Contribuir com o desenvolvimento da autonomia intelectual e profissional dos docentes. • Desencadear uma dinâmica de interação entre os saberes pedagógicos produzidos pelos Centros, no desenvolvimento da formação docente, e pelos professores dos sistemas de ensino, em sua prática docente. • Subsidiar a reflexão permanente na e sobre a prática docente, com o exercício da crítica do sentido e da gênese da sociedade, da cultura, da educação e do conhecimento, e o aprofundamento da

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articulação entre os componentes curriculares e a realidade sócio-histórica. • Institucionalizar e fortalecer o trabalho coletivo como meio de reflexão teórica e construção da prática pedagógica (BRASIL, 2006, p. 22, grifos nossos).

Para isso, propõe organizar as ações a partir de alguns princípios e diretrizes

adotados pelo MEC para implementar a Rede Nacional de Formação

Continuada:

a) A formação continuada é exigência da atividade profissional no mundo atual.

A formação inicial exigida para a habilitação ao exercício da profissão, estruturada por meio de uma sólida formação teórico-prática, se complementa com saberes construídos na reflexão do cotidiano. O conhecimento adquirido na formação acadêmica se reelabora e especifica, entre outros, na atividade profissional para atender a mobilidade, a complexidade e a diversidade das situações que solicitam intervenções diversas. A formação de professores há de observar a adequação às diversidades que caracterizam o país. A comunidade indígena é atendida de forma mais adequada por professores índios que deverão ter acesso a cursos de formação inicial e continuada, especialmente planejados para o trato com as comunidades indígenas. As comunidades Quilombolas possuem dimensões significativas que devem ser resgatadas na formação de professores. Além disso, é preciso pensar no atendimento das necessidades especiais dos estudantes, criando uma cultura de respeito em contraposição ao estigma do preconceito. Portanto, é preciso pensar a formação docente (inicial e continuada) como momentos de um processo de construção de uma prática qualificada e de afirmação da identidade e profissionalização do professor. Exigência do mundo atual, a formação continuada não pode ser reduzida a paliativo compensatório de uma formação inicial aligeirada (BRASIL, 2006, p. 23, grifos nossos).

Esse é um princípio que relaciona formação docente a processos de formação,

afirmação de identidade e profissionalização do professor, que podemos

entender como processos de formação de subjetividades. Nesse sentido, esse

princípio orientador para a implementação da Rede não desconsidera as

dimensões pessoais e profissionais e aspectos concernentes à subjetividade,

que permitem aos professores a apropriação, a construção de saberes ao

longo de um percurso de formação, num processo contínuo que envolve a

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reelaboração teórico-crítica da prática cotidiana. Se a essa noção

acrescentarmos a noção dialógica e interativa entre as redes de subjetividades

e de diferentes saberes, podemos aproximar esse princípio do princípio da

comunidade interpretativa (SANTOS, 2005a), potencialmente produtora de

conhecimento-emancipação.

b) A formação continuada deve ter como referência a prática docente e o

conhecimento teórico.

A articulação teoria e prática, necessária na formação inicial, é fundamental na formação continuada, pois favorece a retroalimentação do conhecimento consagrado com observações do cotidiano escolar, levando à construção de novos saberes. Assim, a prática passa de mero campo de aplicação a campo de produção do conhecimento, à medida que a atividade profissional envolve aprendizagens que vão além da simples aplicação do que foi estudado e os saberes construídos no fazer passam a ser objeto de valorização sistemática. A formação continuada deve voltar-se para a atividade reflexiva e investigativa, incorporando aspectos da diversidade e o compromisso social com a educação e a formação socialmente referenciada dos estudantes (BRASIL, 2006, p. 22).

Esse princípio orientador para a implementação da Rede aproxima-SE da

noção de um novo senso comum (SANTOS, 2002, 2005), que revaloriza os

conhecimentos produzidos no cotidiano, muitas vezes considerados pelo saber

da ciência, A exemplo do senso comum, como superficiais, ilusórios e até

falsos. Nesse sentido, esse princípio orientador possibilita reabilitar o saber

produzido pelos professores no cotidiano por meio de um diálogo com o

conhecimento consagrado como científico, enriquecendo assim a relação que

têm com o mundo. Mas o que seria torná-los objetos de valorização

sistemática? Seria reconhecer os processos de aprendizagens realizados no

cotidiano como “cursos” para sistematizá-los? E, se assim for, essa

sistematização não implicaria a destruição das redes de subjetividades que

produziram tal conhecimento? Ou a gestão democrática daria conta de

respeitar os processos, as trajetórias, a diversidade?

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c) A formação continuada vai além da oferta de cursos de atualização ou

treinamento.

Vê-se que a concepção de formação continuada tem uma dimensão relacionada à complementação da formação inicial e à reelaboração teórico-crítica da prática cotidiana, ao longo de toda a carreira profissional. [...] uma vez que o saber é construído ao longo do percurso. A noção de experiência e de construção do conhecimento mobiliza uma pedagogia interativa e dialógica, considerando os diferentes saberes e a experiência docente. Assim, a formação continuada não pode ser reduzida à atualização, menos ainda a um treinamento ou capacitação para a introdução de inovações ou compensação de deficiências da formação inicial. Devido a experiências anteriores, é comum entre os professores considerar programas institucionais como pacotes a serem executados, gerando uma atitude refratária a eles e comprometendo propostas de formação continuada. Por isso, torna-se urgente desenvolver uma cultura de formação alicerçada na reflexão crítico-teórica, considerando os determinantes sociais mais amplos e as suas implicações no cotidiano do professor e no seu processo profissional. Se a formação continuada supõe cursos, palestras, seminários, atualização de conhecimentos e técnicas, ela não se restringe a isso, mas exige um trabalho de reflexão teórica e crítica sobre as práticas e de construção permanente de uma identidade pessoal e profissional em íntima interação, como também das dimensões individual e social dos atores envolvidos no processo educativo. Deve-se considerar o professor como sujeito, valorizando suas incursões teóricas, suas experiências profissionais e seus saberes da prática, permitindo que, no processo, ele se torne um investigador capaz de rever sua prática, atribuir-lhe novos significados e compreender e enfrentar as dificuldades com as quais se depara (BRASIL, 2006, p. 24-25, grifos nossos).

Na análise desse princípio tão compatível com a nossa investigação, ficamos

só nos questionamentos: A formação continuada de professores

necessariamente supõe cursos, palestras, seminários, atualização de

conhecimento e técnicas? Ou ela pode romper com essa idéia? Se a formação

continuada não se restringe a isso, como o próprio documento defende, onde

estão as propostas alternativas? Como valorizar os sujeitos da formação sem

criar um “discurso competente”, próprio dos “pacotes”, com mais uma proposta

de curso a distância?

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d) A formação para ser continuada deve integrar-se no dia-a-dia da escola.

A dinamização da formação pedagógica, bem como a sua integração no dia-a-dia da escola requer reuniões dos professores em conjunto com o(a) diretor(a) e pessoas do apoio pedagógico da escola para realizar estudos, partilhar dúvidas, questões e saberes num processo contínuo e coletivo de reflexão sobre os problemas e as dificuldades encontradas e o encaminhamento de soluções. Para que isso ocorra são necessárias algumas condições concretas de trabalho na unidade escolar, além de uma nova interação das escolas com os órgãos dos sistemas de educação e destes com as instituições formadoras dos docentes. O envolvimento da equipe gestora tem sido apontado como um dos fatores decisivos para o bom desenvolvimento de programas de formação continuada com amplo envolvimento dos profissionais da educação. Nessa direção, o diretor e os demais componentes da equipe gestora enquanto docentes vivenciam e estimulam a participação de seus pares nos processos de formação. O fortalecimento dos conselhos escolares coloca-se como um aporte fundamental nas políticas de gestão, organização e democratização das relações no dia-a-dia da escola. Ainda, as Secretarias de Educação devem prever na carga horária do professor tempo para essas reuniões e/ou freqüência a cursos e palestras, além de respaldar as escolas em suas necessidades e apoiar e acompanhar suas atividades pedagógicas. Já as Instituições formadoras devem oferecer recursos mobilizáveis para as ações de formação continuada e de melhoria da escola à medida que conheçam as suas necessidades. Isso não significa limitar suas ações a meras demandas pontuais das escolas ou dos sistemas, mas supõe a noção de redes articuladas de parceria em que a escuta mútua e mais prolongada que a realização de um curso permita o trabalho coordenado e voltado para a efetivação do direito de todos a uma educação de qualidade. Pretende-se que, com a Rede Nacional de Formação Continuada, a necessidade de articulação entre as Universidades e os Sistemas se concretize tanto no sentido de socializar o avanço do conhecimento produzidos nas IES como no de revisitar e ampliar suas teorias, considerando, nesse processo, a profícua interlocução com os professores da rede pública de educação básica. Nesse movimento de experiências e de saberes, todos ganham e todos passam a fazer parte de uma rede maior de intercâmbio. Nesse contexto as modalidades de cursos a distância, sobretudo os semipresenciais, resguardada a garantia de qualidade social, surgem como mais uma alternativa de ampliação das ações formadoras (BRASIL, 2006, p. 25-26, grifos nossos).

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Dessa forma, mais uma vez argumentamos que, para realizar estudos, partilhar

dúvidas, questões e saberes num processo contínuo e coletivo de reflexão

sobre os problemas e as dificuldades encontradas e o encaminhamento de

soluções, não há necessidade de participarmos de cursos, ou seja, isso já é

um curso. Concordamos, no entanto, que para que isso ocorra são necessárias

algumas condições concretas de trabalho na unidade escolar, além de uma

nova interação das escolas com os órgãos dos sistemas de educação e destes

com as “instituições formadoras” dos docentes. Argumentamos a favor dessa

nova interação entre os próprios docentes no contexto escolar, ao participarem

de uma formação continuada em serviço. Assim, é preciso que as secretarias

de educação prevejam, na carga horária do professor, tempo para essas

reuniões, além de respaldar as escolas em suas necessidades e apoiar e

acompanhar suas atividades pedagógicas. Nesse contexto, concordamos que

as modalidades de cursos a distância, sobretudo os semipresenciais,

resguardada a garantia de qualidade social, surgem como mais uma alternativa

de ampliação das ações formadoras, mas não a única.

Nesse aspecto, o desenvolvimento dessa Rede na prática causa grande

expectativa e merece um estudo mais profundo quanto aos seus impactos na

realidade educacional, com o intuito de obtermos mais informações sobre o

que foi proposto e realizado, dada a dimensão do desafio que é, num país de

proporções continentais e com tanta diversidade e tamanhas desigualdades

sociais, implantar uma Rede Nacional de Formação de Professores.

e) A formação continuada é componente essencial da profissionalização

docente.

Não se pode perder de vista a articulação entre formação e profissionalização, entendendo que uma política de formação implica o encaminhamento de ações efetivas no sentido de melhorar as condições de trabalho, bem como a estruturação do trabalho pedagógico da escola. Desse modo, os planos de carreira devem incentivar a progressão por meio da qualificação inicial e continuada do trabalho docente, visando à valorização dos professores (BRASIL, 2006, p. 26).

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É necessário destacar não só a importância do aspecto de carreira, mas

também o do crescimento pessoal que se adquire no desenrolar das

aprendizagens.

Quanto ao funcionamento da Rede, pode-se dizer, resumidamente, que parte

da parceria feita por meio de convênio celebrado entre o MEC e os Centros de

Formação nas universidades, pelo qual cabe ao MEC coordenar e dar apoio

técnico-financeiro e aos Centros, produzir, entre outros, pesquisas, materiais

didático-pedagógicos impressos e multimídia, bem como softwares para a

gestão de escolas e sistemas. Também cabe às universidades, por meio de

seus Centros, fazer articulações internas e externas, como parcerias com

outras IES, organizar acordos ou outros instrumentos legais com os sistemas

estaduais e municipais de educação, bem como fazer com que seus produtos

tenham flexibilidade e possam, além de atender à demanda nacional, apoiar

pedagogicamente iniciativas voltadas para a educação indígena, a educação

especial e a educação em regiões de fronteira.

Assim, está prescrito:

A execução dos programas dar-se-á por meio da articulação dos Centros com os sistemas de educação estaduais, municipais e do Distrito Federal. Cada Sistema deverá analisar as necessidades de formação dos seus professores, elaborar um programa de formação continuada que atenda a essas necessidades e firmar convênio com os Centros de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação para a sua realização. O Programa de Formação Continuada de cada sistema de educação definirá seus objetivos, as prioridades de atendimento, o cronograma de execução, a forma e as condições de participação dos professores e as possíveis vinculações das ações de formação com os programas de valorização docente. Para que a formação continuada não se reduza a um evento, mas seja realmente um processo permanente, os sistemas de educação devem envolver os professores, assegurando-lhe: a) o tempo para formação, preferencialmente na carga horária de trabalho, sem prejuízo das 800 horas com os alunos; b) o local de realização; e, c) pessoal que se responsabilize pela articulação institucional (entre Secretaria de Educação/MEC/Centros/Escolas) e pela coordenação das atividades e a interlocução permanente com os Centros(BRASIL, 2006, p. 29-30, grifos nossos).

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Aqui destacamos a responsabilidade do sistema de educação no diagnóstico e

no planejamento e execução de um programa de formação continuada para

seus professores, levando em consideração as condições que são previstas

como necessárias para tal empreitada, como, por exemplo, o tempo para

formação dentro da carga horária de trabalho, colocadas pelo documento como

fatores condicionantes para o sucesso das ações no campo da formação de

professores em exercício:

• Existência de ambiente propício e de momentos de reflexão coletiva entre pares e construção do conhecimento a partir da articulação entre teoria e prática. • Garantia de acompanhamento, suporte e retorno sobre resultados das atividades de formação. • Vinculação do plano de formação com o projeto político pedagógico da escola. • Vinculação do programa de formação com os planos de carreira. • Condições de infra-estrutura. • Constituição e implicação de quadros locais para as atividades de formação. • Previsão de carga horária para formação. • Envolvimento dos dirigentes institucionais locais: secretários de educação e diretores de escola. • Regularidade das atividades de formação. • Medidas estimuladoras da formação que incidam sobre carreira e salário (BRASIL, 2006, p. 30-31).

O documento ainda ressalta que a gratuidade dos cursos de formação

continuada “[...] deve ser assegurada a professores, diretores e equipe gestora

por meio de recursos próprios dos sistemas e também, se necessário, contar

com apoio financeiro das transferências operadas pelo MEC” (BRASIL, 2006,

p. 30), e, ainda, que “[...] é importante não perder de vista o fortalecimento

institucional dos sistemas de ensino por meio da criação e/ou consolidação de

espaços municipais e estaduais de formação em articulação com a REDE”

(BRASIL, 2006, p. 30).

Assim são descritas as ações dos Centros apoiadas pelo MEC (item 1.9, tabela

2, do edital 01/2003-SEIF/MEC):

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1. Desenvolvimento de programas e cursos de formação continuada de professores e gestores para as redes de educação infantil e fundamental, a distância e semipresenciais, incluindo a elaboração de material didático para a formação docente (livros, vídeos, softwares). 2. Desenvolvimento de projetos de formação de tutores para os programas e cursos de formação continuada. 3. Desenvolvimento de tecnologia educacional para o ensino fundamental e a gestão de redes e unidades de educação pública. 4. Associação a instituições de ensino superior e outras organizações para a oferta de programas de formação continuada e a implantação de novas tecnologias de ensino e gestão em unidades e redes de ensino (BRASIL, 2006, p. 27).

O documento segue apresentando um mapa do Brasil apontando os dezenove

Centros de Formação instalados nos estados, assim distribuídos no “Catálogo

2006”, com seus respectivos cursos, conforme consta na página 28.

Duas observações são feitas nesse item: 1 - Embora organizados por áreas de

formação e sediados em regiões diversas, cada Centro deverá consolidar a

sua ação visando atender à demanda nacional em sua área de formação e à

demanda da diversidade das áreas em sua região, criando formas de relação

com os demais Centros e com outras IES. Nessa malha de articulações é que

se vai tecendo a capilaridade que o SEB/MEC espera da Rede Nacional de

Formação Continuada. 2 - Para acionar os Centros, é importante que o

sistema de ensino e as escolas definam um programa de formação

articulado e coerente, que contemple a diversidade do conhecimento

exigido para a função docente. Independentemente da localização

geográfica, os sistemas de ensino poderão solicitar programas de formação em

todas as áreas, recorrendo a qualquer um dos Centros.

Segundo o documento, visando assegurar tais condições, a Rede supõe

responsabilidades a serem assumidas em cada uma das instâncias envolvidas:

a) Sistemas de Ensino – A realização do programa depende da adesão do

sistema de ensino, dentro do regime de colaboração, com a decisão de garantir

a seu pessoal, entre outros, um ARTICULADOR INSTITUCIONAL e um

COORDENADOR DE ATIVIDADES, denominado tutor no edital.

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ARTICULADOR INSTITUCIONAL é o profissional indicado pela Secretaria de Educação para tomar decisões com implicações administrativas, financeiras e logísticas. Cabe-lhe garantir condições materiais e institucionais necessárias para o desenvolvimento do programa. É importante que esse profissional tenha vínculos com a secretaria de educação e boas relações com as unidades escolares. TUTOR ou COORDENADOR DE ATIVIDADES é o profissional da área de formação, cabendo-lhe organizar e coordenar os grupos de estudo. É importante que seja uma pessoa com reconhecimento profissional, receba orientação programada pelos Centros e com eles mantenha contato permanente. Sua atuação é no sentido de dinamizar a discussão nos grupos de estudo, incentivar a participação e garantir a interlocução com os Centros sobre questões de fundamentos/conteúdo ou organização das atividades. Sua atuação é formativa e não pode ser confundida com o de um repassador de conteúdo ou multiplicador de cursos (BRASIL, 2006, p. 31, grifos nossos).

Muito importante aqui é destacar o caráter da participação ativa do professor

que se deseja implantar nesse processo de formação, que não se caracterize

na figura do “multiplicador” dentro de um programa que realmente esteja

comprometido com a valorização do professor.

b) Centros de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação (Universidade) – o

Centro é vinculado a uma universidade, tem um coordenador que organiza os

trabalhos com uma equipe de professores e colaboradores e é gerido por um

Comitê Gestor. Sua função é desenvolver pesquisas, articular-se com outras

universidades e com as secretarias de educação, produzir materiais didáticos

para cursos de formação semipresenciais, preparar/orientar o coordenador de

atividades de cada Secretaria.

c) SEB/MEC - no MEC, a Coordenação Geral de Política de Formação

COPFOR/DPE/SEB é constituída pelo coordenador e pela equipe técnica e

pedagógica, que deve acompanhar a execução do convênio, estabelecer

diretrizes, sistematizar dados e fazer o acompanhamento técnico-financeiro, o

pedagógico e o da efetividade do processo de implementação. Também fica

definido no documento que as questões omissas serão encaminhadas e

coordenadas pela SEB, por meio da COPFOR/DPE/SEB/MEC (BRASIL, 2006,

p. 32).

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O acompanhamento do funcionamento da Rede é definido como um

instrumento indispensável de gestão de políticas, que permite uma visão dos

processos, resultados e impactos da implementação, a quem cabe reforçar as

“[...] capacidades institucionais de avaliar as condições de êxito da ação

planejada, examinar a curto e médio prazo seus avanços, bem como analisar a

necessidade de correção no curso do processo de sua implementação”

(BRASIL, 2006, p. 32-33). São três as dimensões consideradas interligadas

nesse acompanhamento:

• Acompanhamento físico-financeiro que consiste no monitoramento clássico de produtos e recursos (eficiência). Os Comitês gestores previstos no convênio atendem a tal especificação. • Acompanhamento pedagógico que visa assegurar qualidade e fidelidade dos materiais aos objetivos a que se propõem (eficácia). Especialistas da área e de Educação a distância estarão analisando os produtos entregues e realizando seminários por área de formação. • Acompanhamento do processo que consiste no monitoramento do efetivo cumprimento dos objetivos (efetividade), por meio de instrumentos encaminhados aos atores envolvidos (Universidades, sistemas de ensino, escolas) e visitas, por amostragem, analisando o impacto na ação pedagógica e conseqüentemente na qualidade de ensino (BRASIL, 2006, p. 33, grifos nossos).

Destacamos aqui o uso dos termos eficiência, eficácia e efetividade e a

importância de eles não serem usados pela lógica de mercado, em que os

fatores financeiros se sobrepõem aos demais e têm grande impacto sobre os

objetivos pretendidos em qualquer projeto educacional.

O documento ainda traz uma lista com sugestões de leitura complementar

assim como identifica seus colaboradores. De modo geral, nota-se a

preocupação dos colaboradores em refletirem criticamente sobre a participação

dos educadores brasileiros e do Poder Público na proposição de soluções para

os problemas educacionais, sobre a situação educacional no Brasil atual; e

sobre a necessidade de se criar uma rede nacional de formação continuada

para professores. Esse documento caracteriza-se, portanto, por essa

proposição: a formação de uma rede nacional de formação continuada de

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professores como o resultado de um esforço coletivo com o objetivo de

melhorar a qualidade da educação, de forma integrada com as universidades,

sistemas de ensino e MEC.

Nesse sentido, essa reflexão não se esgota na definição de responsabilidades,

o que já seria um avanço, tendo em vista as dificuldades para se estabelecer a

competência de ação no campo de políticas públicas educacionais, mas

avança e propõe a modalidade de formação em serviço como uma das formas

de se alcançarem tais objetivos, num país continental e com alto índice de

desigualdades, como o Brasil.

No entanto, talvez pela grandiosidade do desafio que é elevar a qualidade da

educação no Brasil, tendo a melhoria da formação dos professores como uma

das estratégias para se alcançar o sucesso, e a necessidade da flexibilidade

que tal empreitada exige, diante de realidades tão diversas no contexto

nacional, e a vantagem que as novas tecnologias nos permitem alcançar como

um instrumento potencializador na formação de redes, a proposição dos cursos

a distância tenha sido colocada não como a única solução, mas com a única

proposição, embora o próprio documento considere que não seja a única

opção para a formação continuada de professores.

O documento não aborda iniciativas locais de formação em serviço dentro da

própria escola que não estejam dentro dos cursos oferecidos pelos Centros de

Formação e, assim, também não prevê uma série de providências que

facilitariam ou mesmo seriam essenciais para que essas iniciativas fossem bem

sucedidas, como condições de trabalho e funcionamento (tempo e espaço no

ambiente escolar e dentro do horário de trabalho), recursos, acompanhamento

e avaliação, assim como o reconhecimento oficial (diplomas, certificados), a

exemplo dos que são previstos nessa proposição para os cursos a distância.

Porém, a discussão que se estabeleceu sobre os princípios organizadores para

a formação das Redes revelou-se um campo fértil para outras discussões que

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abarquem outras propostas para a formação continuada de professores em

serviço e para a criação e fortalecimento de redes que se podem formar

nessas experiências.

O documento propõe-se a adotar princípios que nos levem a compreender a

formação continuada de professores em serviço como uma formação

permanente e não apenas pontual, que se realiza na necessária reflexão

permanente do professor sobre sua prática no cotidiano escolar e na

articulação entre a prática e a teoria, entre o local e o universal, promovendo

diálogos com outros saberes e realidades. Além disso, deixa expressa a

necessidade de os sistemas de ensino providenciarem condições (com o

auxílio necessário da União) para que isso aconteça no cotidiano da escola,

em horários específicos, dentro da carga horária de trabalho do professor, sem

prejuízo para os alunos, e considerar essa atividade como válida para

contagem de pontos na carreira dos professores (BRASIL, 2006, p. 2).

Essa proposição é acrescida do princípio da gestão democrática como

princípio organizador e como prioritário de atuação, que compreende a

democratização da gestão como “[...] um processo político-pedagógico e

administrativo por meio do qual se orienta, organiza e viabiliza a prática social

da educação, devendo ser, portanto, compartilhado por todos os que compõem

a comunidade local e escolar [...]” (BRASIL, 2006, p. 19), que entende que há

uma vinculação orgânica entre a gestão e a melhoria da qualidade da

educação e que nos coloca diante de uma proposição de princípios que

reúnem a possibilidade de a formação de professores em serviço configurar-se

como um processo de gestão democrática da escola. Além disso, essa

proposição também contempla a idéia de comunidade interpretativa, de

formação de redes de subjetividades, que, na autonomia dos sujeitos em

formação, pode produzir conhecimento-emancipação.

Dessa forma, a implantação de uma Rede Nacional de Formação Continuada

de Professores deve levar em conta que as experiências de aprendizagem

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docente no contexto escolar acontecem apesar dos cursos e da estrutura de

cursos “regulares” tal qual conhecemos. Isso pode significar conflito e a

destruição das redes de subjetividades, das comunidades interpretativas que já

se encontram formadas e se formando no contexto escolar. Esses processos,

que envolvem a reinvenção das comunidades, requerem levarmos em conta

não só as interações solidárias intracomunitárias, mas também as relações

intercomunitárias a fim de evitarmos a colonização que quase sempre as

domina. Nesse sentido, é preciso estar atentos aos processos de silenciamento

que restringem o acesso ao poder argumentativo que permite a “[...] constante

alteração de posições na polaridade orador-auditório, bem como da

permanente questionação das premissas da argumentação [...]” (SANTOS,

2005, p. 106), e que acaba por empobrecer as possibilidades de ação e de

emancipação docente.

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5 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES EM SERVIÇO NA

PESQUISA ACADÊMICA BRASILEIRA

A formação docente, tão importante para a consecução dos objetivos

propostos em diversas políticas educacionais, apresenta-se como uma questão

complexa, necessitando ser compreendida em seus múltiplos contextos, entre

eles o da pesquisa acadêmica.

Neste capítulo, buscaremos apreender o conceito de formação continuada em

serviço dentro de um panorama da pesquisa brasileira, com a finalidade de

buscar evidências que nos permitam correlacionar o processo de formação de

professores em serviço com o processo de gestão democrática da escola.

Sendo assim, dentre tantos estudos, destacamos, por sua relevância e

abrangência, dois grandes trabalhos de pesquisa intitulados:

1 – “Estado da arte da formação de professores no Brasil (1990 – 1998)” –

organizado por Marli André (2002), que analisou a produção acadêmica do

período de 1990 a 1998; 2 – “Formação de Profissionais da Educação (1997-

2002)”, sob a coordenação e organização de Iria Brzezinski (2006) com a

colaboração de Elsa Garrido.

5.1 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES EM SERVIÇO E O

“ESTADO DA ARTE DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL (1990

– 1998)”

Esse trabalho de pesquisa intitulado “Estado da arte da formação de

professores no Brasil (1990 – 1998)” organizado por Marli André (2002) inclui a

análise do conteúdo de 115 artigos, publicados em dez periódicos nacionais,

sob a responsabilidade das professoras doutoras Janete Magalhães Carvalho

e Regina Helena Simões do Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); de 284 dissertações e teses

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produzidas nos programas de pós-graduação em educação, sob a

responsabilidade da professora Marli André, da Faculdade de Educação da

Universidade de São Paulo (FEUSP) e da professora Joana Paulin

Romanowski, da Universidade do Paraná (UFPR), e doutoranda na FEUSP; e

de 70 trabalhos apresentados no Grupo de Trabalho Formação de Professores

da ANPED, na década de 1990, sob a responsabilidade da professora Iria

Brzezinski, titular da Universidade Católica de Goiás (UCG), e da professora

Elza Garrido, titular da UCG, oferecendo-nos um panorama nacional sobre as

pesquisas na área da formação de professores. Para efeito de consulta, os

trabalhos acadêmicos aqui citados e analisados pelas autoras estão

referenciados no ANEXO A.

Esse trabalho de pesquisa foi divido em três partes. Na primeira parte, faz-se a

análise de 284 resumos das teses e dissertações do período de 1990 – 1996.

Nele, a distribuição da produção discente foi feita segundo os três temas mais

enfatizados nos trabalhos: formação inicial, formação continuada e identidade e

profissionalização docente. O primeiro grupo reúne os estudos que focalizam a

Licenciatura, a Escola Normal e o curso de Pedagogia. O segundo grupo

compreende os estudos que abordam as propostas, programas e cursos de

formação dos docentes em serviço. O terceiro grupo inclui os estudos sobre

condições de trabalho do professor, sindicalização e organização profissional,

identidade, questões de gênero e competências, saberes e práticas culturais.

Carvalho e Simões (2002) puderam constatar que os estudos sobre formação

continuada analisam propostas de governo ou de secretarias de educação

(43%), programas ou cursos de formação (21%), processos de formação em

serviço (21%) e questões da prática pedagógica (14%). Argumentam que

embora o número de estudos sobre formação continuada seja relativamente

pequeno, abrangendo 14,8% do total de trabalhos sobre formação docente, os

aspectos focalizados são bastante variados, incluindo diferentes níveis de

ensino (infantil, fundamental, adultos), contextos diversos (rural, noturno, a

distância e especial), meios e materiais diversificados (rádio, televisão, textos

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pedagógicos, módulos, informática), revelando dimensões bastante ricas e

significativas dessa modalidade de formação.

No entanto, André e Romanowski (2002) chamam a atenção para temas pouco

abordados e aspectos silenciados

A formação política do professor, suas condições de trabalho, formas de associação profissional, questões salariais e de carreira são conteúdos muito pouco investigados. A formação de professores para atuar em movimentos sociais e com crianças em situações de risco é totalmente silenciada. Ainda que se encontre algumas pesquisas sobre a formação do professor para o ensino superior e para cursos profissionalizantes, para atuar junto aos portadores de dificuldades especiais e no ensino rural, é evidente que estes conteúdos mereceriam muito mais atenção nas pesquisas. A educação a distância na formação continuada também é outro conteúdo pouquíssimo pesquisado. A relação do professor com as práticas culturais é outro conteúdo quase esquecido (ANDRÉ; ROMANOWSKI, 2002, p. 31).

Advertem para o fato de que conhecer propostas, programas e cursos de

formação em serviço, avaliar seu impacto e identificar seus pontos positivos e

suas falhas são tarefas extremamente importantes para o fortalecimento da

área e para a orientação de ações e de políticas públicas.

Também identificam temas emergentes, como a identidade e a

profissionalização docente, abrindo perspectivas para questões de grande

interesse e atualidade, como a busca da identidade profissional do docente, a

relação do professor com as práticas culturais, questões de carreira,

organização profissional e sindical, e questões de gênero.

No campo metodológico, o estudo apontou que, de modo geral, utiliza-se o

estudo de caso, seja de um curso, uma disciplina, uma turma, seja de um

professor. Dessa forma, está voltado para um aspecto muito particular da

formação docente. Também aparecem com freqüência a análise de

depoimentos, em que o pesquisador faz levantamento de dados com

questionário ou entrevista, visando conhecer opiniões, pontos de vista ou

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representações dos informantes, e os relatos de experiência. Em menor

número, aparecem os estudos teóricos, as pesquisas históricas, a pesquisa-

ação e as análises da prática pedagógica. Muito raros são os estudos do tipo

survey, a pesquisa experimental, os estudos de validação de material e os

estudos longitudinais.

Numa visão geral dos conteúdos abordados pelas pesquisas dos discentes, os

estudos se concentram em análises pontuais de um curso, de uma disciplina,

de um programa ou de uma proposta específica de formação. Outros se voltam

para a avaliação do currículo desses cursos ou para seu funcionamento, e

coletam opiniões e pontos de vista de diferentes agentes, por meio de

questionários e entrevistas. Entretanto, defendem as autoras, como são

estudos voltados ao conhecimento de realidades locais, baseados em opiniões

de um grupo restrito de sujeitos, deixam abertas muitas indagações sobre

aspectos abrangentes da formação docente, como, por exemplo, que

processos e práticas de formação seriam mais efetivos no contexto atual da

educação brasileira e que políticas deveriam ser formuladas para aperfeiçoar

cada vez mais tais práticas e processos.

A segunda parte desse estudo realiza a análise dos artigos publicados em

periódicos. Na categoria formação continuada, estão incluídos os textos que

abordam a atuação do professor nas escolas de ensino fundamental e médio;

os conceitos e significados atribuídos à formação continuada; o uso da

tecnologia de comunicação; a educação continuada e o desenvolvimento

social; o levantamento da produção científica sobre o tema; o ensino superior;

o papel da pesquisa na formação; e as políticas públicas.

Nessa categoria, os conteúdos dos textos giram em torno de três aspectos: a

concepção de formação continuada, propostas dirigidas ao processo de

formação continuada e o papel dos professores e da pesquisa nesse processo.

Segundo as autoras, não se podem notar distinções marcantes no que se

refere aos pressupostos assumidos com relação ao processo de formação

continuada e às ações propostas, mas percebe-se a ênfase na necessidade de

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se valorizar e implementar a cooperação e a integração entre o mundo

acadêmico e as escolas, no desenvolvimento de parcerias.

Os artigos conceituam predominantemente a formação continuada como um

processo crítico-reflexivo sobre o saber docente em suas múltiplas

determinações e apresentam propostas ricas e abrangentes, indo além da

prática reflexiva, envolvendo o enfoque político-emancipatório ou crítico-

dialético. Neles, o professor aparece como centro do processo de formação

continuada, atuante como sujeito individual e coletivo do saber docente e

participante da pesquisa sobre a própria prática.

De modo geral, os autores dos diferentes artigos tendem a recusar o conceito de formação continuada significando treinamento, cursos, seminários, palestras, etc., assumindo a concepção de formação continuada como processo. Alguns a definem como prática reflexiva no âmbito da escola, e outros, como uma prática reflexiva que abrange a vida cotidiana da escola e os saberes derivados da experiência docente; estes a concebem como uma prática reflexiva articulada com as dimensões sociopolíticas mais amplas, abrangendo da organização profissional à definição, execução e avaliação de políticas educacionais (CARVALHO; SIMÕES, 2002, p.172, grifo nosso).

Há, também, o grupo que conceitua a formação continuada como aquisição de

informações e/ou competências, advogando o uso da telemática (teleducação,

educação a distância, etc.) e vislumbrando a possibilidade de utilização desses

recursos para a capacitação através do ensino por módulos ou de outras

modalidades.

No entanto, para as autoras existem os que, como Kramer (1989), argumentam

contra os “pacotes de treinamento”, baseados na concepção do “efeito

multiplicador” ou “efeito de repasse” através de instâncias intermediárias

(especialistas que repassam aos professores), e que têm acarretado baixa ou

nula compreensão das propostas, aversão à inovação, entre outros problemas,

assim como contra os chamados “encontros de vivência”, que, centrando-se

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em aspectos socioafetivos, se revelam superficiais e aligeirados no tempo

espaço para produzir novas atitudes docentes.

Para Carvalho e Simões (2002), entre os que defendem a necessidade de se

problematizar a expressão “capacitação de recursos humanos”, encontram-se

Fusari e Rios (1995), já que não consideram o ser humano como um recurso,

mas como um possuidor e criador de recursos. Nessa linha de pensamento,

Marin (1995) enfatiza a exigência de uma análise permanente de termos como

reciclagem, treinamento, aperfeiçoamento, capacitação, educação permanente

e formação continuada, argumentando que

1) o termo reciclagem revela implicações derivadas do sentido descartável atribuído à atualização dos conhecimentos, com opção para cursos rápidos, descontextualizados e superficiais; 2) o treinamento volta-se para a modelagem de comportamentos, embora a metáfora dos moldes (algo prefixado) seja incompatível com a atividade educacional; 3) o aperfeiçoamento pode significar tornar capaz, habilitar ou convencer, persuadir, combinando o primeiro significado com a idéia de educação continuada, rompendo, inclusive, com a idéia de vocação nata para o magistério, mas o segundo, não; 4) a educação permanente e a formação continuada são tomadas como componentes de um conjunto de ações caracterizadas pela valorização do conhecimento docente e pela proposição de dinâmicas institucionais. Ressalta, ainda, os avanços derivados da concepção de educação continuada, principalmente quando aponta o local de trabalho como a base do processo, levando em conta as vivências e os saberes profissionais presentes no cotidiano escolar, o que possibilita a compreensão da educação como prática social mobilizadora (MARIN apud CARVALHO; SIMÕES, 2002, p. 172 - 173).

Assim, as autoras consideram, como Pereira (1993), que os costumeiros

cursos esporádicos e/ou sessões de estudo ocasionais refletem uma visão

limitada, centrada mais no produto que no processo de formação contínua, que

compreenderia duas fases: 1) educação durante o curso de formação; e 2)

educação em serviço. Para esse autor, a educação em serviço é aquela que

concerne às atividades planejadas e estruturadas em direção ao crescimento

pessoal e coletivo do profissional da educação visto como agente ativo de sua

formação e da melhoria educacional.

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Segundo as autoras, os estudos realizados por Reale e outros (1995) apontam

o caráter voluntário dos cursos, com diferentes durações e estruturação em

torno de temáticas específicas e destinados a professores de diversas

instituições, como características dos programas de formação continuada

realizados na América Latina. Citam duas questões que emergem desse tipo

de ação: o professor definindo o currículo da sua própria capacitação,

individualmente, muitas vezes interessado em recompensas funcionais, e o

professor permanecendo individualmente responsável pela transposição

didática do que foi supostamente aprendido.

Existem, no entanto, argumentações que defendem a conceituação de

formação continuada como prática reflexiva e de formação continuada para

além da prática reflexiva.

Caravalho e Simões (2002) defendem que nos estudos de André (1994),

baseandos em Nóvoa (1992), se identificam três eixos centrais ao processo de

formação continuada: 1) a pessoa e a experiência do professor; 2) a profissão

e seus saberes; 3) a escola e seus projetos, onde se incluem a dimensão

social mais ampla e o conceito de formação continuada como prática reflexiva,

apoiado em referencial da fenomenologia, do pragmatismo e do construtivismo

piagetiano.

Carvalho e Simões (2002) destacam que a importância das dimensões

individual e coletiva na construção da prática pedagógica é levantada por

Chakur (1995b), cujo estudo aponta o exercício profissional coletivo, fruto da

intersubjetividade compartilhada, como o principal fator de desenvolvimento

profissional, entendido como autoconstrução e construção permanente da

realidade, tendo a prática refletida no ponto de chegada.

Identificam em Darsie e Carvalho (1996), que a formação do professor deve

passar pela reflexão sobre seu saber e seu saber fazer. Assim, esses estudos,

que se apóiam em Schön (1992ª, 1992b), Perrenoud (1993), Zeichner (1992,

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1993), Nóvoa (1992), Garcia (1988, 1992, 1995), Perez Gómez (1992), entre

outros, destacam a importância da reflexão sobre e na prática em programas

de formação de professores. As autoras concluem:

De modo geral, na literatura visitada, esses são os autores que fornecem a base para o conceito de formação continuada como prática reflexiva, destacando-se a obra de Schön, que distingue três conceitos que integram o pensamento prático reflexivo: 1) o conhecimento-na ação (tácito); 2) a reflexão-na-ação (pensar sobre a ação); 3) a reflexão sobre a ação e sobre a reflexão-na-ação, que pressupõe um conhecimento de terceira ordem, pois analisa os anteriores em situações problemáticas do contexto (CARVALHO; SIMÕES, 2002, p. 174, grifos nossos).

Assim, segundo as autoras, Reale e outros (1995) definem formação

continuada como um processo nucleado na própria escola, dentro da espiral

ação-reflexão-ação, que contempla: 1) a articulação com o projeto da escola;

2) a valorização da experiência profissional dos participantes; 3) as

potencialidades da comunidade escolar e as especificidades da instituição e do

trabalho desenvolvido; 4) as formas de trabalho coletivo e a ação autônoma

das escolas.

Mais à frente, as autoras destacam que

[...] o conceito de formação continuada para além da prática reflexiva inclui os pressupostos acima destacados, mas procura visualizá-los em integração com o contexto sócio-políticoeconômico-cultural mais amplo. Essa perspectiva, apoiada em referencial de análise emancipatório político e/ou em autores como Castoriadis (1982), Giroux (1986), Giroux e Maclaren (1994), Apple (1991), entre outros, predomina nos artigos analisados (CARVALHO; SIMÕES, 2002, p.173, grifos nossos).

Para Carvalho e Simões (2002), autores como Alarcão (1996) apontam a

tendência pragmatista da proposta de Schön, que não contempla a análise dos

pressupostos ético-políticos que envolvem o próprio conceito de educação.

Caminhando nesse sentido, outros autores, como Alves (1995), afirmam que o

conceito de capacitação, além de contemplar a socialização do conhecimento

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produzido pela humanidade, as diferentes áreas de atuação, a relação ação-

reflexão-ação, o envolvimento do professor em planos sistemáticos de estudo

individual ou coletivo, as necessidades concretas da escola e dos seus

profissionais, a valorização da experiência do profissional, também deve

integrar a continuidade e a amplitude das ações empreendidas, a explicitação

das diferentes políticas para a educação pública, o compromisso com a

mudança, o trabalho coletivo, a associação com a pesquisa científica

desenvolvida em diferentes campos do saber.

As autoras seguem dizendo que pesquisadores como Barbieri e outros (1995)

argumentam que o fazer pedagógico, por estar no domínio da práxis, é por

natureza histórico e inacabado, dependendo, portanto, de investigação crítica

permanente. Para além do aperfeiçoamento da prática docente, Demo (1992)

indica a necessidade de recriação da própria profissão docente e da educação

como processo emancipatório, visto que o processo educativo se incorpora ao

mundo produtivo como parte do dinamismo econômico, na confluência

estabelecida entre a capacidade de participar (cidadania) e de produzir

(trabalho).

Chamando a atenção para a articulação entre o individual e o coletivo, as

autoras destacam Fusari e Rios (1995), que apontam como fundamental

assumir o educador brasileiro como cidadão concreto, considerando o conjunto

de fatores estruturais e conjunturais que agem sobre sua prática, delimitando

seu espaço real de possibilidades; articular o intra-escolar à realidade social

mais ampla; considerar a participação efetiva dos professores e seus

problemas como ponto de partida e de chegada do processo, garantindo-se

uma reflexão alicerçada em sólida fundamentação teórica.

Diante da necessidade de se superarem os aspectos burocráticos da ação

docente, as autoras identificam em Mediano (1992) um estudo que propõe um

trabalho conjunto que discuta a prática pedagógica e busque soluções para os

problemas a partir da adoção de três princípios básicos: converter as próprias

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experiências em situações de aprendizagem, fazer uma reflexão crítica da

própria prática, e orientar a análise e o estudo de problemas diagnosticados na

escola, considerada em sua inserção no contexto social mais amplo.

Nos estudos feitos, Carvalho e Simões (2002) enfatizam a opinião de André

(1994) que considera que a formação continuada deve incentivar a apropriação

dos saberes pelos professores, rumo à autonomia profissional contextualizada

e interativa, levando em conta o contexto institucional e a organização

profissional.

Com base nessas perspectivas, as autoras concluem que o conceito de

formação continuada predominante nos artigos de periódicos analisados é o de

um processo crítico-reflexivo sobre o fazer docente em suas múltiplas

determinações.

Fazendo uma síntese das propostas para formação continuada de cada grupo,

as autoras destacam que os autores inseridos no primeiro grupo, o da

conceituação da formação continuada comoo aquisição de

informações/competências, advogam o uso de tecnologia educacional para

cursos, treinamento, seminários, palestras, e outras modalidades. Nessa

perspectiva, o uso de tecnologia permitiria o desenvolvimento cognitivo e

garantiria acesso educacional a um maior número de pessoas. O processo de

capacitação e atualização de docentes por meio da teleducação é destacado

pelo aspecto dinamizador e multiplicador, que ampliaria as oportunidades de

formação, atualização e oferta de possibilidades ao professor, para,

concomitantemente ao seu trabalho, discutir suas dúvidas com outros docentes

do País, em rede nacional, compartilhar problemas e buscar soluções

alternativas. No entanto, a capacitação docente através da educação a

distância se dá pela utilização de metodologia de estudo individualizado, em

módulos de ensino, juntamente com o auxílio do tutor e de encontros

pedagógicos.

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Afirmam ainda as autoras:

Os autores identificados com o segundo grupo (conceito de Formação Continuada como prática reflexiva) e com o terceiro grupo (para além da prática reflexiva) apresentam pontos básicos de convergência, distinguindo-se pela perspectiva e/ou visão da necessidade de um “olhar ampliado” para além do docente, da sala de aula e da escola. Assim, temos que ambos partem da necessidade de uma formação continuada mais crítica e reflexiva, baseando-se em conceitos-chave, como: a) saberes docentes; b) conhecimento-na-ação; c) reflexão-na-ação; d) reflexão sobre a reflexão-na-ação; e) reflexão dialogante entre o observado, o vivido e o sabido; f) construção ativa do conhecimento segundo uma metodologia do aprender a fazer fazendo e/ou da pesquisa da própria prática (CARVALHO; SIMÕES, 2002, p. 175).

Porém destacam que a grande maioria das propostas nos artigos analisados

se situa no grupo que define a formação continuada para além da prática

reflexiva, trazendo propostas muito ricas e abrangentes, permeadas pelo

enfoque emancipatório-político ou crítico-dialético.

Na conceituação da formação continuada como prática reflexiva e da formação

continuada para além da prática reflexiva, são predominantes os discursos que

desqualificam estratégias de formação continuada propostas de forma vertical,

como cursos, seminários, vivências, e outras.

De acordo com as autoras, os aspectos mais valorizados para a formação

continuada ressaltam a formação em serviço a partir das práticas pedagógicas

dos professores e da problematização da realidade, numa prática coletiva

(MEDIANO, 1992); a colaboração e parceria entre professores e pesquisadores

(MATTOS,1995); a pesquisa etnográfica crítica para o estudo e a compreensão

da prática docente (ANDRÉ, 1994); o resgate da dimensão coletiva,

institucional, do trabalho desenvolvido na escola numa proposta que alia

pesquisa e formação continuada (COLLARES e MOYSÉS, 1995); a

consideração da prática social, como ponto de partida e de chegada, e da

ressignificação dos saberes na formação de professores, a pesquisa da própria

prática como princípio formativo na docência, a formação de professores como

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um continuum de formação inicial e continuada, a formação como

autoformação e processo coletivo de troca de experiências e práticas

(PIMENTA, 1996); a perspectiva dialética entre conhecimento e prática,

passando pela reflexão conjunta e pelo aprofundamento teórico a partir de

questões-base, em que é preciso, segundo Kramer (1989), em primeiro lugar,

haver decisão política, delineamento de prioridades e destinação de recursos

financeiros, em segundo, a formação de uma rede de formadores, ou seja, o

fortalecimento dos níveis intermediários, mas situados na escola e trabalhando

com os professores, em terceiro, a elaboração e concretização de políticas de

acesso à escrita, de modo que o professor seja produtor e consumidor do

conhecimento escrito.

Sendo assim, apontam a visão de Fusari e Rios (1995), os quais afirmam que

os processos de formação continuada dos profissionais do ensino devem ser

sempre planejados como ações coletivas, com decisões compartilhadas;

ressaltam a dimensão utópica de um projeto como Idea, no sentido de algo

ainda não realizado, e destacam que a elaboração de projetos de formação

continuada demandam a consideração crítica dos limites e possibilidades do

contexto de trabalho, a definição dos princípios norteadores, estratégias e

avaliação contínua. Mencionam também Pereira (1993), para quem a

educação em serviço precisa ter pelo menos três objetivos, a saber: a)

implementar atividades que promovam a melhoria da educação dirigida para as

necessidades específicas dos alunos; b) aperfeiçoar os objetivos de

desenvolvimento profissional de modo a levá-los a níveis mais altos de

instrução; c) alcançar os próprios objetivos de crescimento pessoal. Dentro

dessa perspectiva, a educação em serviço para o professor deve motivá-lo a

participar da pesquisa de sua própria prática pedagógica, como agente, visto

que o ensino é, também, um exercício de gestão.

Continuando, as autoras ainda destacam o posicionamento de Pereira (1995) e

Alves (1995), para quem a educação em serviço deve ser descentralizada e,

para isso, devem ser criados Núcleos de Estudos Pedagógicos, aos quais

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competem a elaboração, a execução e a avaliação de programas de educação

em serviço, numa ação conjunta com os docentes, enfatizando sua

responsabilidade no seu próprio desenvolvimento pessoal e profissional e no

desenvolvimento da sociedade. Ressaltam o trabalho de Pereira (1994) sobre

a formação em serviço: a) os programas de educação em serviço nos quais os

professores compartilham experiências e prestam assistência mútua têm maior

possibilidade de alcançar seus objetivos do que aqueles nos quais o professor

trabalha isoladamente; b) os professores são mais beneficiados pelas

atividades de educação em serviço que estão ligadas ao esforço conjunto da

escola do que pelos programas esporádicos que não fazem parte do plano

geral de desenvolvimento do pessoal da escola; c) a educação em serviço

deve ser descentralizada, com ênfase nos problemas reais da escola, nas suas

metas, necessidades e planos, devendo ser conduzida, sempre que viável, nas

instalações da escola.

As autoras concluem que, de maneira geral, o discurso dos periódicos é

bastante ideologizado e politizado, abrangendo aspectos amplos e variados da

formação docente, definindo concepções, práticas e políticas de formação.

Neles ficou evidenciada a importância do professor como centro do processo

de formação continuada – atuando como sujeito individual e coletivo do saber

docente de experiência feito em sua relação com o saber científico, e, neste,

do saber pedagógico – assim como a importância da pesquisa nesse processo.

Outro destaque é a valorização da participação de professores na pesquisa da

sua própria prática, nos últimos anos, ganhando o professor voz sobre o que

deve ser pesquisado, exercendo o papel de ator social nas investigações.

Dizem as autoras

Entretanto, a ação reflexiva dos professores pesquisadores sobre a prática e a colaboração entre professores e pesquisadores, ainda que fundamentais para a transformação consciente e deliberada da realidade escolar, oferecem grandes desafios. Por um lado, deve-se ter clareza de que não se pode esperar que a pesquisa solucione problemas pedagógicos; na perspectiva dos pesquisadores, trata-se de reconhecer os limites explicativos da pesquisa da sala-de-aula e/ou da escola, tendo em vista a complexidade e abrangência do fenômeno educacional. Outro desafio diz respeito às negociações necessárias no dia-a-dia do trabalho investigativo, no desenrolar das

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relações estabelecidas entre professores e pesquisadores e/ou entre o professor-reflexivo e o professor pesquisador, marcadas pelo diálogo, pela confiança e pelo risco (CARVALHO; SIMÕES, 2002, p. 180).

Alguns conceitos-chave predominantes são destacados no discurso expresso

nos periódicos analisados: a articulação dos saberes docentes; o processo de

conhecimento-na-ação, a reflexão-na-ação e a reflexão sobre a reflexão-na-

ação; a pesquisa da própria prática docente; a relação entre os níveis da

prática na sala de aula, na escola e no contexto sócio-histórico mais amplo.

Segundo as autoras, eles sugerem a complexidade de uma tarefa que, não

sendo simples e demandando competência, constitui desafio para o qual se

apresentam inúmeras propostas convergentes.

A terceira desse estudo faz a análise de 70 trabalhos apresentados no GT

Formação de Professores da ANPEd, no período 1992-98, que fazem

referência a resultados de pesquisas teóricas ou empíricas, evidenciando

elaboração teórica e rigor conceitual de análise. As autoras observam que a

formação continuada é concebida como formação em serviço,

enfatizando o papel do professor como profissional e estimulando-o a

desenvolver novos meios de realizar seu trabalho pedagógico com base

na reflexão sobre a própria prática. Sendo assim, os estudos argumentam

que a formação deve estender-se ao longo da carreira e desenvolver-se,

preferencialmente, na instituição escolar.

Finalmente, as autoras concluem que seus estudos identificam uma

significativa preocupação com o preparo do professor para atuar nas séries

iniciais do ensino fundamental; evidenciam o silêncio quase total em relação à

formação do professor para o ensino superior, para a educação de jovens e

adultos, o ensino técnico e rural, bem como para atuar nos movimentos sociais

e com crianças em situação de risco; mostrando que raros são os trabalhos

que focalizam o papel das tecnologias de comunicação, dos multimeios ou da

informática no processo de formação, e que mais raros ainda são os que

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investigam o papel da escola no atendimento às diferenças e à diversidade

cultural.

Além disso, argumentam que, embora os trabalhos da ANPEd enfatizem a

necessidade de articulação entre teoria e prática, tomando o trabalho

pedagógico como núcleo fundamental desse processo, a análise das

pesquisas revelou um tratamento isolado das disciplinas específicas e

pedagógicas, dos cursos de formação e da práxis, da formação inicial e da

continuada. Dessa forma, as fontes analisadas mostraram um excesso de

discurso sobre o tema da formação docente e uma escassez de dados

empíricos para referenciar práticas e políticas educacionais.

5.2 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES EM SERVIÇO E A

“FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO (1997 – 2002)

Partindo para análise do segundo documento, organizado por Iria Brzezinski

(2006), em colaboração com a professora Elsa Garrido, observamos que esse

trabalho buscou dar continuidade ao trabalho realizado anteriormente,

resultando no volume 10 da série Estado do Conhecimento do Instituto

Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP/MEC).

Nele são apresentados os primeiros resultados da pesquisa “Estado do

Conhecimento sobre a Formação de Profissionais da Educação”, que consistiu

do mapeamento e de um balanço crítico (metanálise) da produção científica

discente, “teses e dissertações” defendidas no período 1997-2002, em

programas de pós-graduação em educação credenciados pela Fundação

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e

Sócios Institucionais da ANPEd.

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207

Segundo a organizadora, esse processo contínuo permitiu estabelecer

relações e fazer comparações relevantes com a pesquisa anterior, sobretudo

porque foram mantidas algumas categorias de análise comuns aos dois

períodos, 1990-1996 e 1997-2002, embora se tenha clareza de que os

momentos históricos sejam diferentes. O movimento evolutivo da ciência é

ininterrupto e a produção discente dos programas de pós-graduação reflete os

paradigmas científicos, as tendências da área da Educação, os referenciais

teóricos e metodológicos predominantemente utilizados no período histórico

em que as teses e dissertações foram elaboradas.

Assim, diante da abrangência da investigação realizada em 2004, foi

necessário congregar um grupo de pesquisadores e de bolsistas de iniciação

científica para fazer o levantamento do material empírico, a leitura integral das

teses e dissertações e a elaboração dos resumos expandidos de acordo com o

Modelo da Red Latinoamericana de Información y Documentación en

Educación (Reduc), executando-se um balanço crítico decorrente da análise de

cada produção discente que compôs a amostra de 742 trabalhos.

O detalhado relatório de pesquisa está configurado em um artigo de autoria da

organizadora e de sua colaboradora, em dois anexos. O primeiro consiste de

um Quadro Geral das teses e dissertações por título, nível de formação do

discente, autores e pertencimento ao programa de pós-graduação. O outro,

Anexo 2, trata da publicação em CD-ROM dos 742 Resumos Analíticos, como

parte integrante desse volume 10.

As autoras esclarecem que, apesar de seguirem as tradicionais convenções de

comunicação de resultados de pesquisa, os resultados foram apresentados na

condição de “primeiros”, pois deverão suscitar outros, à medida que a riqueza

do material empírico coletado for analisada em outra perspectiva, permitindo a

emergência de novas e diversificadas categorias de análise, assim como

poderão servir de base para a continuidade a outro Estado do Conhecimento

da mesma natureza, mas em período subseqüente ao de 1997-2002.

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208

Na primeira parte do estudo, as autoras fazem aproximações conceituais entre

as concepções de formação de profissionais da educação e de formação de

professores e destacam que o campo da investigação sobre “Formação dos

Profissionais da Educação no Brasil” no período (1997-2002) se alarga, tanto

quantitativa quanto qualitativamente, quando comparado ao período anterior

(1990-1996).

Nesse sentido, a própria denominação “Formação de Profissionais da

Educação” é mais abrangente do que “Formação de Professores”, e a definição

encontrada na Resolução CNE nº 3, de 8 de outubro de 1997, que “fixa

diretrizes para os novos planos de carreira e de remuneração para o magistério

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”, é bastante esclarecedora,

pois nela os profissionais da educação são identificados como “os profissionais

que exercem atividades de docência e os que oferecem suporte pedagógico

direto a tais atividades, incluídas as de direção e administração escolar,

planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional” (Art. 2º).

Sendo assim, os enfoques e linhas teóricas sobre a temática diversificaram-se

nos estudos, cobrindo

a) novas demandas da educação e a reforma do ensino superior, bem como do campo da formação dos profissionais da educação, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394), em vigor desde 20.12.1996; b) políticas de formação de professores, a concepção de base comum nacional de formação e valorização do magistério e a articulação entre os loci de formação – Centros/Núcleos/Faculdades/Departamentos de Educação, os Institutos e Centros de Conteúdos Específicos das disciplinas da educação básica (licenciaturas), Institutos Superiores de Educação – e os sistemas da educação básica; c) diretrizes curriculares nacionais dos cursos de formação de professores e dos demais profissionais da educação; d) perspectivas curriculares alternativas em desenvolvimento para a formação inicial e continuada de professores em cursos presenciais, semipresenciais e a distância; e) práxis pedagógica e organização do trabalho docente em todos os níveis de ensino, incluindo a pós-graduação lato e stricto sensu; f) identidade e profissionalização do profissional da educação (BRZEZINSKI; GARRIDO, 2006, p. 11).

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209

Segundo as autoras, os processos de mudança e seus efeitos nas

experiências formativas espelham as profundas e rápidas mutações culturais

da sociedade do conhecimento, da ciência, da educação, das tecnologias, do

setor produtivo, do mundo do trabalho e das formas de poder e de saber

ocorridas neste momento histórico. Nesse sentido, afirmam:

Tais transformações na sociedade implicam mudanças radicais nas organizações educativas e nos sistemas de formação. São mudanças de toda ordem na área da educação: políticas educacionais neoliberais de formação de profissionais de educação induzem reformas institucionais; novas diretrizes requerem reformulações curriculares; surgem loci, e propostas alternativas de formação, particularmente em cursos semipresenciais ou em cursos a distância, alcançam êxito. Essas reformulações redesenham os espaços e as concepções de formação docente, delineiam a criação de novos saberes e novas competências profissionais, configurando outras “identidades”, ou uma “pluralização de identidades” (Hall, 2004), bem como provocam transformações no paradigma de ciência e nas práticas pedagógicas, desnudando a complexidade do trabalho docente (BRZEZINSKI; GARRIDO, 2006, p. 12).

A pesquisa realizou-se em três etapas: a) levantamento documental: teve por

objetivo localizar os resumos das dissertações e teses sobre a temática em tela

nos 50 Programas objeto de estudo; b) leitura integral de uma amostra da

produção discente acima levantada e elaboração de Resumos Analíticos no

Modelo Reduc1 sobre cada uma delas; c) mapeamento dos resumos analíticos

segundo categorias e subcategorias, de modo a oferecer uma visão geral

organizada da produção, possibilitando o registro de tendências ou lacunas nas

temáticas investigadas e da tipologia de pesquisas, permitindo fazer

comparações com a produção no período 1990-1996.

Ao percorrerem as etapas buscando obedecer a critérios e vencer as

dificuldades encontradas, das 50 Instituições e Programas apenas 23 foram

selecionados; e das 755 obras, de início consideradas pertinentes à Formação

de Profissionais da Educação, foram eliminadas 13, por não focalizarem o

tema da investigação, mencionando-o em um ou outro momento, ou apenas

nas conclusões.

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Dentro da terceira etapa, a análise de conteúdo resultou na seguinte

categorização da temática: a) Concepções de Docência e de Formação de

Professores; b) Políticas e Propostas de Formação de Professores; c)

Formação Inicial; d) Formação Continuada; e) Trabalho Docente; f) Identidade

e Profissionalização Docente; g) Revisão de Literatura.

As autoras ressaltam a relatividade das comparações entre resultados de

pesquisas pertencentes a períodos diferentes, pois, embora tais comparações

sejam relevantes para dar uma visão geral sobre o movimento, os avanços e

as tendências da pesquisa em uma determinada área do conhecimento, é

preciso ter clareza de que as categorias usadas em diferentes estudos e

momentos não têm o mesmo significado, ainda que tenham mantido a mesma

denominação. Como exemplos, citam o entendimento e a extensão do campo

denominado “formação continuada”, “prática docente” e “trabalho docente”,

pois eles têm sentidos diversos daqueles apresentados em estudos conduzidos

em períodos anteriores ou realizados em diferentes sociedades.

Com relação às concepções de Docência e de Formação de Professores,

observam-se que durante o período 1997-2002 o sistema educacional

brasileiro foi marcado por profundas mudanças.

Por um lado, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, acarretou um amplo conjunto de reformas políticas visando modificar substancialmente o sistema brasileiro de educação, a concepção de práticas pedagógicas e, em decorrência, a formação dos professores. Por outro lado, o próprio movimento da pesquisa sobre a docência e o trabalho docente colocou em cheque o paradigma da racionalidade técnica que caracterizava a formação inicial e continuada do professor. Essas transformações exigiam, por isso, um profundo repensar sobre as Concepções de Docência e de Formação de Professores, categoria que engloba 47 autores no conjunto de 742 dissertações que empreenderam o estudo da questão. Parte deles considerou os fundamentos antropológicos, epistemológicos, filosóficos ou sociológicos da docência; a outra parte dos investigadores discentes buscou examinar a contribuição da literatura sobre os aspectos didático-metodológicos para o exercício da docência nas diferentes disciplinas da educação básica e suas implicações na formação do futuro professor. No primeiro grupo, um número expressivo de dissertações e teses apresenta análises acerca do novo papel e o novo perfil do professor nas sociedades

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contemporâneas; a maioria desses trabalhos, entretanto, tratou dos pressupostos do novo paradigma da racionalidade prática e suas conseqüências para a formação de professores. Apesar dos diferentes enfoques, houve concordância sobre a valorização e complexidade do trabalho docente, a respeito da qualificação da formação de professores a ser realizada em nível superior e sobre a necessidade de formação contínua. Nesses trabalhos foram considerados como indicadores de qualificação dos cursos de licenciatura os seguintes aspectos: a) efetiva articulação entre teoria e prática; b) formação do professor pesquisador capaz de refletir e pesquisar sua prática, de investigar as dificuldades de aprendizagem e de propor alternativas; c) preparo político-pedagógico para a compreensão crítica e questionadora de projetos políticos para a educação e para a construção de projetos político-pedagógicos institucionais e/ou de cursos de formação comprometidos com a participação e inclusão (BRZEZINSKI; GARRIDO, 2006, p. 28-29, grifos nossos).

Mais especificamente, relatam a dificuldade para distinguir as categorias

Formação Inicial e Formação Continuada na produção docente examinada e

na concepção vigente na LDB (Lei n.º 9.394/96), já que se acentua a unidade

do processo de desenvolvimento profissional do professor. Dessa forma,

formação inicial e formação continuada seriam consideradas etapas que

se sucedem em um continuum (desenvolvimento profissional) e em um

processo de configuração de identidades docentes.

Outra questão que se colocou para essas categorizações

[...] diz respeito à polêmica interpretação dos gestores de políticas educacionais diante das propostas de formação emergencial, que desconsideraram as organizações curriculares e os níveis de ensino convencionalmente aceitos e que foram reconhecidas pelos órgãos oficiais como propostas alternativas de formação de profissionais da educação. Para o Ministério da Educação, proponente convicto da certificação, os professores atuantes nos sistemas de ensino que iniciavam sua primeira formação não deveriam ser identificados como “leigos”, pois, consoante as políticas educacionais, eram portadores de “saberes tácitos” adquiridos pela experiência em sala de aula e no convívio institucional. Essa concepção é contestada pelas associações científicas e políticas da área educacional (ANPEd e Anfope 3, entre outras) que não admitem o ingresso e permanência de professores leigos nos sistemas de ensino e, por isso, não reconhecem vários programas e experiências de formação continuada desenvolvidos por Secretarias de Educação, de forma bastante aligeirada, em “módulos especiais”. Os embates ideológicos da

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área introduzem contradições na tentativa de categorizar tal produção (BRZEZINSKI; GARRIDO, 2006, p. 18, grifos nossos).

Na categoria Políticas e Propostas de Formação de Professores foram

computados 64 trabalhos dos discentes da pós-graduação. Na opinião das

pesquisadoras, tal recorrência tem sentido porque, como já foi adiantado,

vivemos no Brasil um período intenso de redefinição de políticas educacionais,

de reformas em todos os níveis de ensino, de reformulações curriculares dos

cursos do ensino superior, de criação de novos espaços institucionais e virtuais

de formação de professores, mudanças impulsionadas notadamente pela

implantação da nova LDB/1996 e pelo processo de reforma universitária que se

arrasta por quase uma década (1996-2006). A esse respeito dizem:

É lícito lembrar que essas políticas educacionais não resultam somente de decisões internas ao País. Ao contrário, o movimento reformista na esfera educacional faz parte de um projeto global de universalização do capitalismo atingindo toda a América Latina. Em todo o continente as reformas guardam semelhanças, porque capitaneadas pelo órgão financiador, o Fundo Monetário Internacional, sob a tutela dos Estados Unidos da América (BRZEZINSKI; GARRIDO, 2006, p. 30).

Segundo as autoras, nessa categoria a dispersão temática foi grande,

dificultando o agrupamento das pesquisas na matriz analítica. As autoras

observaram que as análises do impacto dos programas, projetos e propostas

de formação de profissionais da educação nos diversos níveis de formação ou

por segmentos de professores ofereceram argumentos para defender ações

governamentais com vistas a responder às exigências dos financiadores

externos, e em relação à necessidade de aumento quantitativo de professores

capacitados e certificados, nas regiões periféricas do País, embora algumas

dessas dissertações e teses tenham feito uma análise crítica em relação a

essas mesmas decisões políticas. Em razão dessas políticas, foram definidos

novos loci de formação, como os Centros Universitários, os Institutos

Superiores de Educação e as Escolas Normais Superiores, estudados em sete

(10,9%) trabalhos. São também emergentes os estudos sobre desenhos

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curriculares inovadores traçados em diferentes cursos de formação de

professores.

As autoras sinalizam a continuidade da elaboração de trabalhos críticos sobre

políticas de valorização dos profissionais da educação, iniciados nos anos

1980, e afirmam que nesses trabalhos são enfatizados os programas de

formação inicial e continuada de professores, articulando-os à

profissionalização docente, melhoria das condições de trabalho,

desenvolvimento da carreira do magistério e reivindicação de salários dignos.

Também há os trabalhos que se dedicam ao estudo das novas diretrizes

curriculares para a formação de professores, processo que vem sendo

implantado no ensino superior desde 1997, e investigações que têm como

tema a importância das políticas de educação a distância, com a utilização das

tecnologias de informação e comunicação (TIC) e o aperfeiçoamento do uso do

computador como recurso didático em ambientes formativos de professores.

Com relação à categoria “Formação Continuada”, foram classificados 115

teses e dissertações, expressas em uma multiplicidade de sete subcategorias,

número bastante superior aos das 36 pesquisas sobre formação continuada

registradas no período 1990-1996. Como concepção de “Formação

Continuada”, as autoras assumiram o entendimento das associações que

congregam profissionais da educação, que, de modo geral, vêm adotando o

que se definiu no VIII Encontro Nacional da ANFOPE para essa modalidade de

formação. Para esses educadores, a formação continuada

[...] deva proporcionar novas reflexões sobre a ação profissional e novos meios para o desenvolvimento do trabalho pedagógico, considerado que o conhecimento produzido e adquirido na formação inicial, na vivência pessoal e no saber da experiência docente, deve ser repensado e desenvolvido na carreira profissional (ANFOPE, 1996, apud BRZEZINSKI; GARRIDO, 2006, p. 34).

As autoras caracterizam o período 1997-2002 como marcado pelo investimento

nas políticas educacionais e em programas de formação continuada,

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envolvendo grande número de professores da escola básica, desenvolvidos

pelas secretarias estaduais e municipais de educação, por sindicatos ou por

meio de parcerias entre Centros de Formação e secretarias de educação, e

projetos de pesquisa de caráter colaborativo centrados na escola.

Nestes casos, o processo de reflexão sobre as práticas docentes e de mudança da cultura escolar contou com a assessoria de pesquisadores. Houve ainda parcerias pontuais entre pesquisadores e professores da rede pública. Em geral, este último grupo de projetos foi constituído por pesquisadores e professores de uma mesma disciplina, e os encontros se deram no Centro de Ensino Superior. Nos últimos anos do período surgiu um novo tipo de parceria entre pesquisadores, em que um deles exerceu o papel de colaborador da formação continuada de seu colega de ensino superior. Esse conjunto de ações, desenvolvidas para promover a formação continuada nas mais diferentes modalidades de qualificação de professores, foi objeto de estudo da produção discente dos cursos de pós-graduação stricto sensu no período 1997-2002 (BRZEZINSKI; GARRIDO, 2006, p. 34-35).

O estudo também assinala a importância da mudança de paradigma que

fundamentou os programas de formação continuada no final dos anos 1990.

Enquanto no primeiro Estado do Conhecimento, que abrange o período 1990-1996, dominou o paradigma da racionalidade técnica, operacionalizado por meio de programas de curta duração, em forma de “treinamento” ou cursos de atualização, neste segundo Estado do Conhecimento, que cobriu o período 1997-2002, registramos o predomínio do paradigma da complexa relação entre Educação, Universidade, Sociedade do Conhecimento e Mundo do Trabalho, caminhando pela lógica da reflexão, como fundamento para a grande maioria dos programas em que os Centros Formadores, em particular, e as Universidades atuaram como parceiros ou colaboradores (BRZEZINSKI; GARRIDO, 2006, p. 35).

Outra mudança registrada deu-se no modus faciendi da educação continuada

de profissionais da educação,

[...] pois se antes era indispensável o professor se afastar do lugar de trabalho para dar continuidade à sua profissionalização em cursos de capacitação e aperfeiçoamento, alternativa relevante para conhecer novas propostas de ensino e melhorar sua prática, na atualidade penetra na literatura e nas práticas pedagógicas o conceito de professor reflexivo e, por analogia, de escola reflexiva, que estimula a

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formação continuada no próprio ambiente de trabalho. Não são poucos os autores que defendem a formação continuada em situações de trabalho dimensionada pela lógica da reflexibilidade e não pela lógica da “reciclagem”. Sob a lógica da reflexibilidade são criadas “condições de interação fecunda entre uma via simbólica [conhecimento] e uma via experiencial de aprendizagem [saberes], emergem de forma concomitante, os conceitos de trajetória profissional e de percurso de formação” (CANÁRIO, 1997, apud BRZEZINSKI; GARRIDO, 2006, p. 35).

Para a professora Brzezinski essa nova prática de formação docente se dá

[...] no momento atual de implementação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) em que a escola, e em particular cada escola pública, deve ter como objetivo a construção de seu projeto político-pedagógico-curricular e o exercício de sua autonomia, mesmo que relativa, cabe a ela buscar condições para qualificar melhor seus profissionais. A prescrição em lei de formação continuada dos professores abriu caminhos para a organização escolar promover a formação de profissionais em situação de trabalho. Essa modalidade de qualificação que não retira o professor de seu locus profissional coincide com as preocupações já mencionadas por Alarcão (2001a) sobre a escola que está em permanente avaliação e formação: a escola reflexiva e qualificante onde professores ensinam e aprendem (BRZEZINSKI, 2001, apud BRZEZINSKI; GARRIDO, 2006, p. 35).

No estudo de Brzezinski e Garrido (2006), a Tabela 8 mostra dados da

categoria “Formação Continuada” e expressa a variedade e a freqüência dos

diferentes enfoques examinados, apontando que, dos 115 trabalhos, 42

(36,5%) são dedicados a analisar e divulgar pesquisas colaborativas entre

investigadores voluntários e professores da educação básica; 25 (22%) das

investigações examinam projetos desenvolvidos em parceria entre instituições

formadoras e secretarias de educação municipais ou estaduais; e um

expressivo número de 40 trabalhos (35%) acompanha mudanças surgidas nas

práticas pedagógicas e na cultura escolar, resultantes de experiências de

formação continuada em serviço com o uso da metodologia de avaliação de

impacto desses programas na melhoria do ensino e da aprendizagem.

Como iniciativa ainda tímida dos discentes de pós-graduação estão as teses e

dissertações que focalizam a Formação de Formadores (apenas 8), realizadas

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em instituições de ensino superior, fruto da parceria entre pares da própria

instituição. Configura-se como temática emergente a avaliação de impacto dos

programas de formação a distância com uso de novas tecnologias (19

trabalhos realizados na década de 2000).

Assim, também, foi possível, para as autoras, identificar que os programas de

formação continuada com pesquisa colaborativa voluntária entre

pesquisadores e professores se destinaram quase que exclusivamente aos

profissionais que atuam no ensino fundamental, abrangendo doze (10,5%)

dissertações e teses, deles sobressaindo seis (50%) estudos inovadores que

enfocam a escola rural. Dizem ainda as autoras:

Relatos de formação continuada centrada na escola básica que optam pela continuidade da formação em situação de trabalho aconteceram sobretudo nos últimos anos do período. Por serem projetos mais complexos e com tempo de duração mais longo foram menos freqüentes, mas abrangeram 10,5% dos 115 trabalhos que se abrigam nesta categoria. O impacto desses programas e dessas parcerias sobre a qualidade do ensino e da aprendizagem ainda está pouco investigado. As primeiras avaliações têm levantado a percepção dos professores cursistas sobre o curso de formação que tiveram. As pesquisas colaborativas e aquelas centradas na escola têm sido consideradas altamente necessárias pelos participantes (BRZEZINSKI, GARRIDO, 2006, p. 37).

Também se constatou, no fim do período, o surgimento de pesquisas

envolvendo professores de nível superior em projetos colaborativos de

formação continuada voltados para a melhoria do ensino superior. Segundo as

autoras, essa nova linha de pesquisa revela preocupação com a qualidade da

docência, até recentemente pouco valorizada nos ambientes universitários,

tendo baixa credibilidade o movimento do professor reflexivo, investigador de

sua prática no meio acadêmico e da escola reflexiva.

As autoras acabam concluindo que é grande o leque de aspectos a serem

cobertos pela pesquisa sobre formação continuada para de fato esclarecer as

complexas exigências de qualificação profissional com vista ao exercício da

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docência e ao tempo que uma formação qualificada exige. Assim, apesar de o

número de pesquisas sobre a questão ter aumentado significativamente em

relação ao período anterior, ainda é imprescindível investir nesse campo.

Em suas considerações finais sobre o estudo realizado, as autoras fazem

algumas comparações como o Estado do Conhecimento sobre o tema no

período 1990-1996:

a) houve uma mudança de eixo nos objetos pesquisados, pois a produção

discente sobre a categoria Trabalho Docente foi muito maior do que a

que se refere à Formação Inicial;

b) pode-se afirmar que os discursos sobre a prática dão lugar a reflexões,

análises e avaliações do trabalho docente com vistas a redimensionar

as práticas pedagógicas, tentando oferecer respostas às limitações

detectadas;

c) houve uma quebra de silêncio nos trabalhos acerca do uso de novas

tecnologias, embora, ao avaliar os cursos de formação, alguns autores

denunciem que a prática pedagógica permanece tradicional;

d) emergem estudos sobre formação de professores a distância e sobre a

formação de profissionais da educação infantil;

e) no que tange à formação pedagógica do professor do ensino superior,

ainda permanecem caladas as vozes dos pesquisadores em relação a

essa temática, “campo minado” notadamente para a área de formação

de professores das ciências exatas, apesar de as autoras reconhecerem

que algumas experiências já constam dos trabalhos do atual momento,

inclusive com propostas de formação de formadores, o que pode inspirar

os legisladores para que se instale no País uma política nacional de

formação de formadores que atuem no ensino superior;

f) parece ser mais intenso, neste período do que no anterior, o silêncio

sobre a formação do profissional da educação para os ensinos

profissionalizante e médio, assim como, desafortunadamente, o silêncio

quase que total dos trabalhos em relação à violência na escola e ao

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preparo do profissional da educação para lidar com situações de risco

que invadem o espaço escolar.

Assim, terminam anunciando a emergência de uma cultura de pesquisa na

modalidade de Estado do Conhecimento ou da Arte, sendo importante destacar

que, no conjunto dos 742 trabalhos estudados, um bom número revela o

compromisso dos autores com a investigação, com referencial teórico

densamente tecido e com objeto de pesquisa bem definido, ainda que seja

surpreendente, em alguns trabalhos, a dificuldade que os autores têm para

descrever com clareza o método de pesquisa e a modalidade da investigação

utilizada em seus estudos.

Fazendo uma análise do conceito de formação continuada nos dois

documentos, podemos notar que o primeiro estudo demonstrou que os

pesquisadores rejeitavam a idéia de formação continuada com o conceito de

treinamento, cursos, seminários, palestras, por exemplo, assumindo a

concepção de formação continuada como processo. Alguns a definem como

prática reflexiva no âmbito da escola, e outros, como uma prática reflexiva que

abrange a vida cotidiana da escola e os saberes derivados da experiência

docente; estes a concebem como uma prática reflexiva articulada com as

dimensões sociopolíticas mais amplas, abrangendo da organização profissional

à definição, execução e avaliação de políticas educacionais (CARVALHO;

SIMÕES, 2002, p.172).

Quanto à formação continuada em serviço, as pesquisas giravam em torno dos

conceitos e significados atribuídos à formação continuada, ao uso da

tecnologia de comunicação, à educação continuada e ao desenvolvimento

social, à produção científica sobre o tema, ao ensino superior, ao papel da

pesquisa na formação, e as políticas públicas, não se notando distinções

marcantes entre os pressupostos assumidos para as propostas de formação

continuada e as ações propostas, mas percebe-se a ênfase na necessidade de

se valorizar e implementar a cooperação e a integração entre o mundo

acadêmico e as escolas no desenvolvimento de parcerias.

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Nessa pesquisa, pudemos encontrar uma concepção de formação

continuada em serviço como aquela que enfatiza o papel do professor

como profissional e o estimula a desenvolver novos meios de realizar seu

trabalho pedagógico com base na reflexão sobre a própria prática. Os

estudos argumentam que a formação deve estender-se ao longo da carreira

e desenvolver-se, preferencialmente, na instituição escolar.

As autoras concluem que os artigos conceituam a formação continuada como

um processo crítico-reflexivo sobre o fazer docente em suas múltiplas

determinações e apresentam propostas ricas e abrangentes, indo além da

prática reflexiva, envolvendo o enfoque político-emancipatório ou crítico-

dialético. Neles, o professor aparece como centro do processo de

formação continuada, atuante como sujeito individual e coletivo do saber

docente e participante da pesquisa sobre a própria prática.

Destacamos alguns aspectos importantes relativos à pesquisa acadêmica para

a análise que estamos a fazer sobre a formação continuada de professores em

serviço em sua correlação com os processos de gestão democrática:

- a recusa do conceito de formação continuada significando treinamento,

cursos, seminários, palestras, entre outros significados;

- a argumentação contra os “pacotes de treinamento”, baseados na concepção

do “efeito multiplicador”, ou “efeito de repasse”, e contra os chamados

“encontros de vivência”, que, centrando-se em aspectos socioafetivos, se

revelam superficiais e aligeirados no tempo espaço para produzir novas

atitudes docentes;

- a problematização da expressão “capacitação de recursos humanos”

(humano como um recurso);

- a análise de termos como reciclagem (ligado ao descartável); treinamento

(ligado à modelagem de algo pré-fixado); aperfeiçoamento; capacitação;

- o questionamento da “capacitação” individual com vistas a recompensas;

- a concepção de educação continuada que aponta o local de trabalho como a

base do processo, levando em conta as vivências e os saberes profissionais

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presentes no cotidiano escolar, o que possibilita a compreensão da educação

como prática social mobilizadora;

- a conceituação da formação continuada como um processo de formação para

além da prática reflexiva, que contempla a articulação com o projeto da escola,

a valorização da experiência profissional dos participantes, as potencialidades

da comunidade escolar e as especificidades da instituição e do trabalho

desenvolvido, as formas de trabalho coletivo e a ação autônoma das escolas,

uma visão que integra o contexto sociopolítico-econômico e cultural mais

amplo, apoiada em referencial de análise político-emancipatório;

- a elaboração de projetos de formação continuada que consideram

criticamente os limites e possibilidades do contexto de trabalho, a definição dos

princípios norteadores, estratégias e avaliação contínua.

- os processos de formação continuada planejados como ações coletivas, com

decisões compartilhadas, que ressaltam a dimensão utópica de um projeto

como ideal e no sentido de algo ainda não realizado.

Percebe-se então, que as pesquisas vão questionando as propostas

pragmáticas que não unem a prática reflexiva à continuidade e à amplitude das

ações empreendidas; à explicitação das diferentes políticas para a educação

pública; ao compromisso com a mudança; ao trabalho coletivo; à associação

com a pesquisa científica desenvolvida em diferentes campos do saber, que

nos levam a separar a práxis do contexto e que poderiam servir de base para

se pensar a recriação da própria profissão docente e da educação como

processo emancipatório, uma vez que o processo educativo se incorpora ao

mundo produtivo como parte do dinamismo econômico, na confluência

estabelecida entre a capacidade de participar (cidadania) e de produzir

(trabalho).

O educador brasileiro é realçado como cidadão concreto, devendo-se

considerar o conjunto de fatores estruturais e conjunturais que agem sobre sua

prática, delimitando seu espaço real de possibilidades, articular o intra-escolar

à realidade social mais ampla, considerar a participação efetiva dos

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professores e seus problemas como ponto de partida e de chegada do

processo, garantindo-se uma reflexão alicerçada em sólida fundamentação

teórica.

Ressaltamos também as conclusões que Brzezinski e Garrido destacam em

Pereira (1994) sobre a formação em serviço: a) os programas de educação em

serviço nos quais os professores compartilham experiências e prestam

assistência mútua têm mais possibilidade de alcançar seus objetivos do que

aqueles nos quais o professor trabalha isoladamente; b) os professores são

mais beneficiados pelas atividades de educação em serviço que estão ligadas

ao esforço conjunto da escola do que pelos programas esporádicos que não

fazem parte do plano geral de desenvolvimento do pessoal dessa instituição; c)

a educação em serviço deve ser descentralizada, com ênfase nos problemas

reais da escola, nas suas metas, necessidades e planos, devendo ser

conduzida, sempre que viável, nas instalações escolares.

No segundo trabalho de pesquisa, nota-se a influência dos processos de

mudanças culturais da sociedade do conhecimento e as profundas e rápidas

mutações da ciência, da educação, das tecnologias, do setor produtivo, do

mundo do trabalho e das formas de poder e de saber ocorridas nesse

momento histórico e seus efeitos nas experiências formativas, alcançando as

organizações educativas e os sistemas de formação. Nesse sentido, destaca-

se, no Brasil, a aprovação da nova LDB de 1996, e o amplo conjunto de

reformas políticas que visaram modificar substancialmente o sistema brasileiro

de educação, a concepção de práticas pedagógicas e a formação dos

professores.

Os debates desse período envolveram a influência das políticas neoliberais na

educação e que induzem reformas institucionais na formação de profissionais

da educação; as novas diretrizes curriculares; o surgimento de novos loci de

formação e propostas alternativas de formação (a distância), reformulações

dos espaços e das concepções de formação docente, a criação de novos

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saberes e novas competências profissionais. Por outro lado, o próprio

movimento da pesquisa sobre a docência e o trabalho docente colocou em

xeque o paradigma da racionalidade técnica que caracterizava a formação

inicial e continuada do professor, desnudando a complexidade do trabalho

docente. Essas transformações exigiam, por isso, um profundo repensar sobre

as concepções de docência e de formação de professores.

A comparação entre os dois trabalhos demonstrou que, no primeiro Estado do

Conhecimento (1990–1996) as pesquisas estavam relacionadas

predominantemente ao paradigma da racionalidade técnica, operacionalizado

por meio de programas de curta duração, em forma de “treinamento” ou cursos

de atualização; e que, no segundo Estado do Conhecimento (1997-2002),

houve predomínio do paradigma da complexa relação entre Educação,

Universidade, Sociedade do Conhecimento e Mundo do Trabalho, caminhando

pela lógica da reflexão, como fundamento para a grande maioria dos

programas em que os Centros Formadores, em particular, e as universidades

atuaram como parceiros ou colaboradores (BRZEZINSKI; GARRIDO, 2006, p.

35).

Essas mudanças refletiram no modus faciendi da educação continuada de

profissionais da educação influenciados pela concepção de professor reflexivo

e de escola reflexiva, não sendo indispensável que o professor se afastasse do

lugar de trabalho para dar continuidade à sua profissionalização em cursos de

capacitação e aperfeiçoamento. Essa proposta estimulava a formação

continuada no próprio ambiente de trabalho, sob a lógica da reflexibilidade em

que são criadas “[...] condições de interação fecunda entre uma via simbólica

[conhecimento] e uma via experiencial de aprendizagem [saberes], emergem

de forma concomitante, os conceitos de trajetória profissional e de percurso

de formação” (CANÁRIO, 1997, apud BRZEZINSKI; GARRIDO, 2006, p. 35).

As autoras dessa pesquisa afirmam que a prescrição em lei da formação

continuada dos professores abriu caminhos para a organização escolar

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promover a formação de profissionais em situação de trabalho. Embora o

impacto desses programas e dessas parcerias sobre a qualidade do ensino e

da aprendizagem ainda seja pouco investigado, as primeiras avaliações dos

professores “cursistas” sobre a formação que tiveram em pesquisas

colaborativas e naquelas centradas na escola demonstram que estas têm sido

consideradas altamente necessárias pelos participantes (BRZEZINSKI;

GARRIDO, 2006, p. 37) o que confirma o posicionamento favorável do estudo

anterior sobre a formação continuada que se realiza coletivamente no contexto

escolar.

Por fim, podemos dizer que as concepções de formação continuada como

formação para além da prática reflexiva sobre o fazer docente em suas

múltiplas determinações, envolvendo o enfoque político-emancipatório ou

crítico-dialético, em que o professor aparece como centro do processo de

formação continuada, atuante como sujeito individual e coletivo do saber

docente e participante da pesquisa sobre a própria prática, tem contemplado a

possibilidade de a formação continuada em serviço realizar-se no contexto

escolar, num processo de contínuas aprendizagens que se realizam na

formação/gestão de redes de subjetividades compartilhadas por sujeitos

praticantes no cotidiano escolar, o qual, se adotado como um processo de

gestão democrática da formação docente, apresenta grande potencial

emamcipador.

A pesquisa acadêmica tem contribuído para uma visão de formação continuada

de professores em serviço como uma modalidade de formação que institui a

pessoa do professor como um profissional capaz de refletir criticamente e

pesquisar sua prática, as dificuldades de aprendizagem, e de propor

alternativas, assim como capaz de assumir um posicionamento crítico e

questionador sobre os projetos políticos que são propostos para a educação e

para a construção de projetos político-pedagógicos institucionais e/ou de

cursos de formação, que se desejam, comprometidos com a participação e

inclusão (BRZEZINSKI; GARRIDO, 2006, p. 29).

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6 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES EM SERVIÇO NA

POLÍTICA PÚBLICA EDUCACIONAL DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

Neste capítulo, buscaremos analisar a proposta para a política pública

educacional estadual em seus aspectos relevantes para a formação continuada

de professores em serviço e para a gestão democrática da escola, a fim de

evidenciar as possibilidades que esses documentos oferecem de

correlacionarmos os processos de formação continuada de professores em

serviço e os processos de gestão democrática da formação docente, de modo

a potencializar e emancipação dos professores.

Antes, porém, de começarmos a análise em si, faremos alguns comentários

sobre a Constituição Estadual de 1989, promulgada em 5 de outubro de 1989,

um ano após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e sete anos

antes da aprovação da LDB n° 9.394/96, que dedica o Capítulo III, Seção I, à

educação. Nela é reforçada a educação como direito em vários artigos, assim

como a educação para a cidadania e para a qualificação para o trabalho (Art.

168 e 169). Os princípios estabelecidos na Constituição Federal, em seu Art.

206, são garantidos conforme consta no Art. 170 da Constituição Estadual:

Art. 170. O ensino será ministrado com obediência aos princípios estabelecidos no art. 206 da Constituição Federal e aos seguintes: I - flexibilidade da organização e do funcionamento do ensino para atendimento às peculiaridades locais; II - valorização dos profissionais do magistério, garantido o aperfeiçoamento periódico e sistemático; III - respeito às condições peculiares e inerentes ao educando trabalhador, com oferta de ensino regular noturno, ao portador de deficiência e ao superdotado; IV - valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; V - remuneração dos profissionais do magistério público, fixada de acordo com a maior habilitação adquirida, independentemente do grau de ensino em que atue; VI - efetiva participação, em todos os níveis, dos profissionais de magistério, dos alunos, dos pais ou responsáveis, na gestão administrativo-pedagógica da escola; VII - liberdade e autonomia para organização estudantil; VIII - instituição de órgão colegiado nas unidades de ensino em todos os níveis, como instância máxima das suas decisões, com

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o objetivo de fiscalizar e avaliar o planejamento e a execução da ação educacional nos estabelecimentos de ensino (ESPIRITO SANTO, 1989, p. 44, grifos nossos).

Esses princípios ressaltam a importância da autonomia para gerir, por meio de

órgãos colegiados, com participação da comunidade escolar na gestão

democrática da escola, a valorização do magistério por meio de

remuneração digna e plano de cargos e salários e pelo aperfeiçoamento

periódico e sistemático para a categoria.

Também podemos dizer que, embora a Constituição Estadual de 1989 tenha

sido promulgada antes da LDB, se encontra harmonizada quanto ao que é

previsto no Art.10 desta Lei sobre as incumbências determinadas aos Estados:

organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus

sistemas de ensino; definir, com os Municípios, formas de colaboração na

oferta do ensino fundamental, as quais devem assegurar a distribuição

proporcional das responsabilidades, de acordo com a população a ser atendida

e os recursos financeiros disponíveis em cada uma dessas esferas do Poder

Público; elaborar e executar políticas e planos educacionais, em

consonância com as diretrizes e planos nacionais de educação,

integrando e coordenando as suas ações e as dos seus Municípios;

autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os

cursos das instituições de educação superior e estabelecimentos do seu

sistema de ensino; baixar normas complementares para o seu sistema de

ensino; assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino

médio. A esse respeito, diz a Constituição Estadual:

Art. 179. A lei estabelecerá o plano estadual de educação, de duração plurianual, compatibilizado com os diagnósticos e necessidades apontadas nos planos municipais de educação, respeitadas as diretrizes e normas gerais estabelecidas pelo plano nacional de educação. Parágrafo único. Fica assegurada, na elaboração do plano estadual de educação, a participação da comunidade científica e docente, de estudantes, pais de alunos e servidores técnico-administrativos da rede escolar.

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Art. 180. Será garantido o caráter democrático na formulação da política do órgão colegiado responsável pela avaliação e encaminhamento de questões fundamentais da educação estadual e pela autorização e fiscalização do funcionamento das unidades escolares que ministram o pré-escolar e os ensinos fundamental e médio, com a representação paritária entre a administração pública, a comunidade científica e entidades da sociedade civil representativas de alunos, pais de alunos, sindicatos e associações de profissionais do ensino público e privado, na forma da lei; Parágrafo único. Os Municípios instituirão, na forma da lei, órgão colegiado para a formulação e o planejamento da política de educação (ESPÍRITO SANTO, 1989, p. 46, grifos nossos).

Destacamos aqui o aspecto fiscalizador “acrescentado” pela Constituição

Estadual de 1989 ao que prevê o Art. 14 da LDB, que prescreve a criação de

conselhos escolares ou equivalentes, já que a Lei Nacional não lhes atribui

função fiscalizadora. Importa pensar se esse acréscimo pode desviar a atenção

dos órgãos colegiados de seu potencial político de atuação, uma vez de que

esse potencial supera em muito a função fiscalizadora, já que abarca a

participação, o diagnóstico da realidade escolar e comunitária, o planejamento

e a execução de ações no campo político-educacional estadual e nos

estabelecimentos de ensino.

Destacamos ainda a revogação do Art. 177 pela Emenda Constitucional nº

19/99, que tratava da eleição de diretores de escolas por meio do voto direto

da comunidade escolar. É válido destacar que essa revogação se deu em meio

ao protesto de toda a comunidade escolar estadual, demonstrando que,

naquele momento político, a voz do povo não foi a voz ouvida e respeitada por

nossas autoridades parlamentares. Esse fato acabou por significar um

retrocesso nesse processo de redemocratização em que o Brasil estava

mergulhado, no qual o Espírito Santo figurava entre os mais avançados.

De modo geral, podemos dizer que a Constituição Estadual de 1989 incorporou

os princípios constitucionais federais, tratando de maneira ampla tanto a

questão da gestão democrática no que se refere à participação da comunidade

escolar por meio de órgãos colegiados e à autonomia para gerir

democraticamente a escola dentro dos padrões legais, quanto a formação e

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valorização do magistério, ao prever a garantia do aperfeiçoamento periódico e

sistemático, piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso

público de provas e títulos. Os princípios organizadores contidos no Art. 170

também nos permitem pensar a formação continuada de professores como um

processo de gestão democrática da formação docente, e, ainda a possibilidade

da formação de grupos de estudo por professores, que podem garantir o

aperfeiçoamento periódico e sistemático desses profissionais e a sua efetiva

participação, em todos os níveis, nas decisões, planejamento e execução da

ação educacional nos estabelecimentos de ensino, configurando-se, assim,

como um processo de gestão administrativo-pedagógica da escola, tendo em

vista o atendimento às peculiaridades locais e a valorização desses

profissionais. Mais uma vez, se acrescentarmos a esses princípios o princípio

da gestão democrática como organizador desses processos, podemos

vislumbrar a possibilidade de que se estabeleçam processos emancipatórios.

Nesse sentido, como a Constituição Estadual cumpre a função de prescrever

princípios, buscaremos trazer para o enriquecimento desta reflexão a iniciativa

da SEDU/ES em propor uma nova política pública educacional para o nosso

Estado, por meio de um amplo debate que estabeleceu com a comunidade

escolar sobre o Documento Base “Política Pública Educacional para o Estado

do Espírito Santo: A Educação é um Direito” (ESPÍRITO SANTO, 2003).

6.1 O DOCUMENTO BASE “POLÍTICA EDUCACIONAL DO ESTADO DO

ESPÍRITO SANTO – A EDUCAÇÃO É UM DIREITO”

Esse importante documento sobre políticas públicas educacionais de nosso

Estado foi elaborado e implementado nos anos de 2003 e 2004, por iniciativa

do Governo Estadual, com a ativa participação da comunidade escolar.

Conforme expresso na apresentação desse documento, após um primeiro

esforço de organização das escolas estaduais, a nova administração, iniciada

em janeiro de 2003, acreditou ser a hora de se criar um movimento de

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definição de políticas públicas que contemplassem as aspirações e as

necessidades da população do estado do Espírito Santo. E para que se

estabelecesse um debate com a comunidade escolar, a Secretaria de

Educação Estadual elaborou um Documento Base citado, com estratégias

básicas e as intenções pretendidas para a política pública na educação da rede

estadual.

O Documento Base vem apresentado e assinado pelo Secretário de Educação

e reforça em seu discurso a educação como direito. Traz a democracia como

valor fundamental para a garantia da pessoa humana e o exercício da

cidadania, ressalta a importância de um trabalho coletivo no fortalecimento da

educação e para a criação de um futuro Plano Estadual de Educação, e

contém diretrizes e metas políticas educacionais.

De modo geral, o documento faz um breve histórico sobre o estabelecimento

da educação como direito, um panorama da educação no Estado,

apresentando os seguintes princípios e compromissos gerais, retirados, cada

um, das páginas 27, 36 e 60, respectivamente:

- o compromisso em viabilizar condições técnicas, políticas e financeiras para uma educação pública de qualidade; [...] - formação continuada e valorização do magistério no sentido do fortalecimento da autonomia escolar; [...] - gestão democrática dos sistemas de ensino e das unidades escolares (ESPÍRITO SANTO, 2003, p. 27, 36 e 60).

Esses princípios subsidiam os textos que vêm devidamente acompanhados de

referências bibliográficas, de sugestões e diretrizes, relacionados a seguir: 1 –

Projetos Sócioeducacionais: a necessária (re)significação da educação frente

às demandas sociais; 2 – Gestão Democrática; 3 – Gestão Compartilhada; 4 –

Formação e Valorização do Magistério; 5 – O Currículo Escolar; 6 – Educação

de Jovens e Adultos; 7 – Educação do Campo; 8 – Educação Especial e

Educação Inclusiva: do que estamos falando?; 9 – Avaliação Escolar; 10 –

Educação Profissional.

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O conjunto de princípios, diretrizes e sugestões contidos no Documento Base

estão entrelaçados. A intenção expressa em suas páginas aponta interesse em

resgatar a educação como práxis, apoiando-se em estratégias práticas e

metodológicas alternativas e inovadoras, defendendo a pluralidade de idéias e

a diversidade cultural, a consolidação da gestão democrática por meio da

participação da comunidade escolar em órgãos colegiados, e outras ações que

visavam melhorar a educação oferecida. No entanto, gostaríamos de voltar

nossa atenção, dentro do possível, apenas aos itens que se referem

especificamente à promoção da valorização do magistério através da formação

continuada e em serviço com o objetivo de alcançar uma autonomia escolar.

6.1.1 A formação continuada e a valorização do magistério no Documento

Base

É possível ver, no Documento Base, a formação continuada e a valorização do

magistério no sentido do fortalecimento da autonomia escolar colocadas como

um dos três princípios gerais para as políticas traçadas. Nela encontramos o

seguinte texto:

PRINCIPÍCIOS GERAIS • Formação continuada e valorização do magistério no sentido do

fortalecimento da autonomia escolar;

A autonomia, assim como a qualidade, é um termo de muitos significados. Se falarmos de autonomia na lógica do mercado, a concepção de questão democrática subjacente é aquela que se esgota na institucionalização das regras do jogo, visando à maior eficácia administrativa, ou seja, a democracia tem um caráter formal instrumental, é somente uma estratégia, um meio. Dessa forma, persiste o grande obstáculo à democracia substantiva que é a separação entre as esferas de decisão e execução, porquanto pais, alunos e profissionais da escola são desconsiderados enquanto sujeitos históricos, são tidos como meros objetos manipuláveis para se atingir as finalidades dos órgãos centrais e do diretor, tomado como preposto desses órgãos (COSTA, 1997). Nesse caso, a democracia é reduzida ao agrupamento de pessoas para a execução de tarefas triviais do cotidiano escolar que, fetichizada pelo discurso “da ação, da dinâmica, capaz de operar mudanças” em contraposição ao debate “improdutivo, moroso e gerador de conflitos”, faz com que o imediatismo das necessidades se transforme no projeto pedagógico da escola. Assim, o coletivo visto como somatório (cada qual fazendo

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sua parte) se torna responsável pela operacionalização de um projeto decidido fora da unidade escolar e pelo qual será avaliada na dimensão da concorrência com outras unidades escolares (COSATA, 1997). A formação continuada de professores que defendemos parte da idéia que autonomia é resultado da organização e participação dos trabalhadores da escola, dos pais e dos alunos, considerados atores e autores coletivos da construção do projeto político-pedagógico. Dessa forma, a formação continuada dos professores que o Governo do Estado do Espírito Santo propõe ao mesmo tempo que seria articulada e formulada democraticamente, estaria, também, baseada nas especificidades, necessidades, contradições, dificuldades e problemas das instituições escolares a fim de superá-los (ESPÍRITO SANTO, 2003, p. 36, grifos nossos).

Fechando essa parte introdutória, encontramos a proposta assumida pelo

Governo do Estado do Espírito Santo, por meio da SEDU, de articular e

promover a formação continuada dos professores democraticamente, além de

baseá-la nas especificidades, necessidades, contradições, dificuldades e

problemas das instituições escolares a fim de superá-los. Então, até aqui já

encontramos muito pontos em comum com nossa proposta de correlacionar os

processos de formação continuada de professores em serviço e de gestão

democrática da formação docente: processos de participação ativa e

democrática dos sujeitos individuais e coletivos na tomada de decisões, no

planejamento do projeto político-pedagógico da escola, configurando-se como

um processo de gestão democrática no exercício da autonomia escolar dos

profissionais da educação.

Introduzindo a parte específica sobre a formação e a valorização do magistério

(páginas 37 a 40), são apresentadas algumas formas genéricas de formação

continuada que, grosso modo, são usadas em diversos países e no Estado,

como cursos de curta duração no interior da escola ou fora dos seus espaços,

ou cursos não-presenciais de curta ou longa duração. O Programa de

Capacitação de Professores (PROCAP), o Programa de Formação de

Alfabetizadores (PROFA) e o processo de formação para a implementação dos

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) são exemplos de programas

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federais oferecidos como cursos pela rede estadual aos professores nos

últimos anos.

Numa breve avaliação, essa metodologia adotada foi considerada como uma

forma compartimentada de trabalho, com equipes executoras dos programas

utilizando o princípio metodológico de multiplicação de conteúdos para

profissionais, localizados em Superintendências Regionais ou escolas, em

horários extra-escolares, sem a necessária interlocução entre os programas.

Nesse sistema, programas são planejados de forma centralizada, sem a

participação da equipe técnico-pedagógica da SEDU. Assim, “[...] como

resultado desse processo, a escola, como locus de formação do cidadão, tem

sido o lugar da reprodução dos modos de fazer e pensar a educação, na

perspectiva da racionalidade técnico-instrumental” (ESPÍRITO SANTO, 2003,

p. 37).

Na seqüência da análise, o documento ainda “diz”:

A análise empreendida pela gestão atual da Secretaria de Educação entende a formação continuada dos educadores como fundamental no processo de garantia do direito à educação e na sua melhoria. Mas entende a formação continuada como uma das dimensões importantes dentro da política global de formação em serviço dos educadores, concebendo a educação como práxis social que conduz à emancipação dos profissionais, proporcionando maiores e aprofundadas reflexões sobre o campo de ação social, político e pedagógico imanente à instituição educacional. Em outras palavras, isso significa garantir, no tempo e espaço escolar, a formação dos educadores em sua coletividade, a partir de sua realidade e sem perder de vista a universalidade do contexto que está inserida, condições de estudo, diálogos, dúvidas perpassadas pela complexidade que remete a educação escolar (ESPÍRITO SANTO, 2003, p. 37, grifos nossos).

Nesse discurso, a SEDU acaba por assumir a formação dos educadores como

uma das dimensões importantes de uma política educacional, concebendo a

educação como práxis social que conduz à emancipação dos profissionais.

Também assume o compromisso de garantir tempo e espaço para formação

dentro do ambiente escolar, sob o nome de formação em serviço. E isso se

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revelou uma grande novidade na rede estadual, um verdadeiro avanço nas

antigas reivindicações da categoria, no que se refere a formação e valorização

do magistério e às melhorias de condições de trabalho, assim como para os

processos de autonomia e emancipação docente. Diante desse

posicionamento da SEDU com relação à formação e à valorização do

magistério, fica fácil entender o nosso interesse nesse Documento Base e os

motivos que nos levaram a procurar aprofundar nosso entendimento sobre a

formação continuada de professores em serviço, pois trata-se de uma proposta

emancipatória no sentido de considerar a necessidade de, diante dos enormes

desafios que se apresentavam na realidade escolar de nosso Estado e diante

da impossibilidade de resolvê-los sozinho, na falta de uma “receita pronta” que

desse conta dessa complexidade, resolveu-se democratizar os processos,

buscar alianças e dialogar com a comunidade escolar.

Mais à frente, o texto trata das transformações no mundo do trabalho e das

concorrências entre racionalidades sociais, das novas tecnologias e suas

implicações na educação e no perfil dos profissionais. Levanta questões

importantíssimas, tais como: Que formação devemos implementar? Que

professores queremos formar? O que deve subsidiar o debate sobre o tema da

formação de professores no cenário político-educacional?

De maneira clara, o texto dispara:

Pensamos a formação na sua ampla dimensão, em sua relação com o tempo, que exige paciência no processo e, progressivamente, introduz o profissional no passado de sua cultura, despertando-o para a realidade presente. Enfim, a formação pressupõe o desenvolvimento de uma obra apreendida pela interrogação, pela reflexão, pela crítica radical (no sentido de ir à raiz do problema) e de conjunto. Portanto, não podemos mais conceber a formação dos educadores de forma fragmentada, distribuídas em “pacotes” entregues de forma centralizada. Ao contrário, os processos de formação inicial e continuada devem centrar-se em um desenvolvimento profissional que envolva a construção e a valorização de uma identidade epistemológica (que legitima a docência como campo de conhecimentos específicos) e uma identidade profissional (campo de intervenção profissional) para que o trabalho docente seja avaliado política e socialmente, de modo a contribuir para o desenvolvimento e transformações das práticas pedagógicas, das condições de trabalho e do desenvolvimento

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pessoal e profissional do professor (ESPÍRITO SANTO, 2003, p. 38, grifos nossos).

O documento assume a posição defendida pela pesquisa acadêmica quanto à

rejeição da idéia de cursos pontuais para a formação docente, já que não se

resume aos pacotes entregues de forma centralizada, planejados de forma

descontextualizada e que a fragmentam. Nesse documento, a formação de

professores é abordada como um processo de reflexão de dimensão individual

e coletiva que deve centrar-se no desenvolvimento profissional, exigindo tempo

e paciência na construção de identidades (epistemológica e profissional).

No tocante à situação brasileira, o Documento Base traz alguns aspectos

resultantes do processo de reforma desenvolvido na década de 1990. Dentre

os muitos paradigmas que dominam os debates acadêmicos e a prática

educativa, destaca-se a importância de quatro perspectivas, conforme o

trabalho desenvolvido por Carvalho (2002), que intermedeiam a prática

docente, muitas vezes sem um conhecimento sobre suas implicações sociais e

pedagógicas. As perspectivas são as seguintes: 1) o professor como

profissional competente; 2) o professor como profissional reflexivo; 3) o

professor como profissional orgânico-crítico; e 4) o professor como profissional

pós-crítico. Passa-se, então, a discorrer sobre cada perspectiva.

Assim, o Documento Base segue afirmando a necessidade de se conhecerem

as tendências que pensam o professor como um profissional em formação,

para o encaminhamento de uma proposta política de formação que valorize os

sujeitos nela envolvidos: o educador e o aluno. Outra necessidade é discutir o

modelo sociopolítico e econômico adotado no Brasil afirma:

O professor, como qualquer dos cidadãos de uma comunidade, está inserido numa formação histórico-social que ele engendra, mas é, também, por ela engendrado. Ressuscitar ou deixar morrer a sabedoria, a criação, o projeto, a alegria na escola envolve a omissão à vivência participativa do professor e, em qualquer dos casos, à sua ação política (CARVALHO, 2002, apud ESPÍRITO SANTO, 2003, p. 39).

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Então, além de lembrar que a formação inicial de professores no Espírito Santo

ainda é um desafio, o Documento Base reafirma o professor como um

profissional em desenvolvimento, exigindo, dessa forma, um investimento do e

no sujeito docente, com direito ao trabalho responsável e consciente, sendo

necessário entender a identidade profissional como um processo permeado por

conflitos e por construções individuais e coletivas, e a escola como um centro

de formação para todos os que nela convivem, incluindo os professores. Para

isso, a escola deve ser vista como um tempo a não desperdiçar, tempo de

curiosidade, a desenvolver capacidades, como a memória, a observação, a

convivência e a cooperação, organizada de forma a viver em conjunto o seu

projeto de formação e o enfrentamento dos desafios historicamente

estabelecidos.

Essas são as sugestões e diretrizes, contidas na página 40 do Documento

Base, com relação à formação e valorização do magistério:

• Garantia e valorização do espaço e tempo no interior da escola para a prática da formação em serviço;

• Difundir a relação professor-professor, isto é, incentivar o trabalho coletivo de forma que os professores adotem um perfil de gestores escolares;

• Utilizar materiais como do PROCAP, PCN, PROFA, PAA, TV ESCOLA para formação em serviço dos professores;

• Formação continuada para intercâmbio de experiências coletivas e individuais;

• Incentivo ao desenvolvimento de pesquisa; • Estabelecer parceria com a Universidade Federal do Espírito

Santo para desenvolvimento de formação dos professores; • Difundir as inovações tecnológicas como ferramenta para o

desenvolvimento do trabalho docente; • Ampliar e melhorar a qualidade das bibliotecas escolares como

mecanismo de desenvolvimento da pesquisa e da leitura; • Concurso público em 2004. (ESPÍRITO SANTO, 2003, p. 40,

grifos nossos).

Diante do exposto, podemos destacar algumas impressões sobre os

pressupostos em que se firmam o texto e as sugestões e diretrizes com

relação à formação e à valorização do magistério no Documento Base que

podem auxiliar-nos para pensar a correlação entre a formação continuada de

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professores em serviço e os processos de gestão democrática da formação

docente:

• “formação e valorização do magistério”, como idéias interligadas

intimamente, numa complementaridade de ações, onde a formação

inicial e continuada devem centrar-se em um desenvolvimento

profissional que envolva a construção e a valorização de uma identidade

epistemológica (que legitima a docência como campo de conhecimentos

específicos) e uma identidade profissional (campo de intervenção

profissional);

• a formação continuada como uma das dimensões importantes dentro

da política global de formação em serviço dos educadores, concebendo

a educação como práxis social que conduz à emancipação dos

profissionais, proporcionando maiores e aprofundadas reflexões sobre o

campo de ação social, político e pedagógico imanente à instituição

educacional;

• comunidade escolar formada por sujeitos históricos com autonomia para

organizar e participar das decisões, não sendo considerados apenas

meros executores de planos elaborados fora do ambiente escolar;

• construção coletiva e democrática do projeto político-pedagógico da

escola pelos membros da comunidade escolar, observando-se as

especificidades, necessidades, contradições, dificuldades e problemas

das instituições escolares a fim de superá-los;

• professores e alunos como sujeitos praticantes de sua própria formação;

• escola como locus de formação de professores e alunos;

• ampliação da idéia de formação como processo e desenvolvimento de

uma obra apreendida pela interrogação, pela reflexão, pela crítica

radical (no sentido de ir à raiz do problema) e de conjunto;

• a necessidade de investimento no e do sujeito em formação;

• formação docente para autonomia escolar.

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O Documento Base caminha na direção de reconhecer que a formação do

professor tem uma dimensão político-pedagógica e instituir o professor como

um profissional capaz de atuar, decidir, intervir, gerir os processos de

formação. Nesse sentido, os processos de formação são, também, processos

de formação/gestão de subjetividades individuais e coletivas, que, dentro de

um projeto emancipatório, requer sejam “rebeldes” (SANTOS, 2005a), que

lutem contra a dominação, isto é, que caminhem na trajetória da colonização

para a solidariedade, que produzam conhecimento-emancipação, contribuindo,

assim, para o desenvolvimento e as transformações desejadas no campo

educacional de nosso Estado.

Pode-se dizer que, em termos de proposição, o Documento Base possibilita a

correlação entre a formação continuada em serviço e o processo de gestão

democrática da formação docente, sendo assim potencialmente emancipador

como proposta.

6.2 LIVRO COLETÂNEA DE TEXTOS “POLÍTICA EDUCACIONAL DO

ESTADO DO ESPÍRITO SANTO – A EDUCAÇÃO É UM DIREITO”

Esse segundo documento denominado Livro de Coletânea de Textos “Política

Educacional do Estado do Espírito Santo: A Educação é um Direito”

(ESPÍRITO SANTO, 2004, v. 1) resultou da sistematização das idéias

debatidas pelos professores e outros membros da comunidade escolar nos

seminários, em especial no Seminário Estadual, realizado no Teatro da UFES,

em Vitória-ES, em setembro de 2003.

Foi elaborado após a realização dos Seminários Regionais (Norte e Sul) e do

Seminário Estadual (Vitória-ES) e agrupou dez artigos correspondentes à

sistematização das discussões de cada GT, das quais abordaremos apenas a

referente à Formação e Valorização do Magistério, que se encontra na página

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55. Esse GT foi coordenado pela professora doutora Janete Magalhães

Carvalho, que é, também, a autora do artigo.

O artigo começa explicando a participação dos professores no GT de

Formação e Valorização do Magistério que envolveu inicialmente 60

delegados. Esse número, no entanto, aumentou para 330 participantes, dos

quais 297 estavam inscritos. O GT foi constituído por pedagogos, diretores,

professores de vários níveis e áreas de conhecimento, representantes do

sindicato dos professores, professores universitários, superintendentes e

técnicos da SEDU/ES. Logo após, explicita a metodologia e o objetivo do artigo

produzido:

Visando a sistematizar, aprofundar e complementar a discussão a partir do Documento-Base (Espírito Santo, 2003) e das propostas apresentadas nos Seminários Regionais, a metodologia envolveu a condução dos trabalhos, buscando dar voz aos educadores e, nesse sentido, entremeando a fala da coordenação dos trabalhos com a fala dos participantes em três momentos: apresentação de pressupostos político-epistemológicos sobre a temática; síntese comparativa das propostas dos Seminários Regionais, considerando os três espaços/tempos em que foram realizados; síntese dos posicionamentos no Seminário Estadual (CARVALHO, 2004, p. 56).

O artigo estruturou-se em três movimentos. No “1º Movimento: Dos

Pressupostos Político-Pedagógicos”, a autora fala da enorme pressão social

sobre a educação e sobre os professores, atribuindo-lhes uma

responsabilidade e um papel central na dinâmica da sociedade tecnocrática

competitiva, cobrando-lhes a formação de pessoas para se integrar às

exigências dessa sociedade. Acrescenta ainda que, no Brasil, esse sentido e

significado devem ser dados pelo compromisso com os milhões de crianças

que se encontram fora da escola, que evadem, assim como os jovens e adultos

que não tiveram escolarização formal ou foram excluídos da escola.

Continua sua exposição, apresentando dados oficiais diversos de um quadro

educacional no Brasil, declarando que

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[...] qualquer proposição de formação e valorização do magistério, para não soar ingênua, passa pela discussão do modelo sociopolítico e econômico adotado em sua interface com o capitalismo neoliberal do mundo globalizado, assim como envolve a discussão paradigmática da educação em sua interface com as tendências e/ou perspectivas teórico-práticas que fundamentam as propostas dirigidas à formação e valorização do profissional da educação (CARVALHO, 2004. p. 58).

Também retoma a discussão sobre as diferentes perspectivas da profissão

docente na atualidade e reafirma que à medida que os professores deixam de

ser “[...] responsáveis pela produção dos objetivos, conteúdos, métodos de seu

trabalho (transferindo para equipes técnicas, livros didáticos e outros), ocorre

um estranhamento entre os professores e a sua produção/trabalho”

(CARVALHO, 2004, p. 64). Como conseqüência desses processos, tanto

professores quanto alunos tendem a ser consumidores e/ou usuários de

saberes e lógicas alienígenas para eles.

Mas, como isso não ocorre de modo sempre passivo, supõe-se que os

professores e alunos, como usuários dessa tecnocracia escolar, a subvertam

por meio de processos de bricolagem, não a rejeitando diretamente, mas

utilizando-a para outros fins segundo seus interesses próprios e suas próprias

regras. É importante que se descubra os procedimentos, as bases, os efeitos,

as possibilidades (CERTEAU, 2005, p. 40), não para se estabelecerem novos

processos de dominação, mas para que as proposições contribuam para a

emancipação dos que as utilizam.

No entanto, ainda segundo a autora, a escola moderna assumiu uma forma de

organização que, mesmo não sendo a única, foi a que historicamente lhe foi

dada: baseada em ritos, exercícios, invocação de autoridade, silêncio e

imobilidade, relações impessoais, formais e burocráticas que despersonalizam

os papéis e/os atores sociais, produzindo alienação do professor e do aluno

com relação aos fins de seu trabalho.

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Some-se a isso a competição que é estimulada entre professores por títulos;

entre alunos, por notas; havendo uma socialização escolar baseada

sistematicamente no individualismo, na competição e na falta de solidariedade,

o que implica uma especialização estreita do acadêmico-profissional como um

obstáculo quase intransponível para a percepção e compreensão do conjunto

dos processos sociais e produtivos.

Outro ponto levantado pela autora refere-se ao papel da escola como lugar de

cisão entre trabalho mental e manual, teoria e prática; entre planejamento e

execução, seriação e compartimentação do conhecimento em disciplinas

estanques; ausência de interdisciplinaridade, transversalidades entre saberes;

falso generalismo da formação de professores (soma de fragmentos);

individualismo no trabalho e outros, evidenciando que a escola da modernidade

se efetiva na dicotomia entre lugares da criação e os espaços/tempos da

criação e da ação política.

A autora destaca que, mesmo em face de um atomismo social (o indivíduo

como unidade elementar da sociedade), que durante três séculos serviu como

postulado para a análise da sociedade, a escola estranhamente consegue não

levar em consideração o indivíduo, mas o corpo social anônimo. Assim, “[...]

professores são tratados e tratam seus alunos a partir não de uma

individualidade e/ou características próprias (‘lugar próprio’), mas a partir de um

coletivo anônimo e/ou da abstração de um aluno ‘idealizado’” (CARVALHO,

2004, p. 66).

Porém, essa situação começa a ser alterada quando o “homem ordinário” se torna o narrador (voz), quando redefine o lugar (comum) do discurso e o espaço (anônimo) de seu desenvolvimento. Dessa forma, se o lugar-comum remete para um espaço anônimo, o “lugar próprio” de criação/autonomia individualizada deve remeter aos espaços/tempos de criação coletiva/autonomia política. [...] A dicotomia entre o fazer e o pensar deve, portanto, ser substituída pela função assumida pelo professor de pensar e fazer coletivamente o cotidiano escolar (CARVALHO, 2004, p. 67).

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Segundo a autora, estes seriam alguns dos pressupostos subjacentes a essa

análise:

• a relação entre prática e teoria, teoria e prática; • a superação das sombras que encobrem as condições sociais

concretas de produção do conhecimento da escola e da docência;

• o fazer dialogar conhecimentos formais e atividades acadêmico-científicas com a experiência do trabalho educativo produzido nas escolas de ensino fundamental e médio;

• o confronto, porque igualmente fundadas em razão social, da visões de mundo de professores das escolas de ensino fundamental e médio e da produção acadêmico-científica na área;

• a superação da dificuldade representada pela visão pré-formada da escola nas disciplinas dos cursos de formação de educadores, calcada nos modelos teóricos explicativos dominantes sobre a realidade escolar e/ou uma ‘[...] compreensão pré-construída’ (CERTEAU, 2001a);

• a busca na prática do princípio de que, na vivência das relações sociais “com” os sujeitos do cotidiano escolar, significados e sentidos sobre o trabalho docente vão sendo construídos pelos educadores em formação, bem como saberes conjecturais, nascidos do fazer, vão sendo apreendidos e reelaborados à luz da formação teórica e da formação técnica;

• a reflexão coletiva sobre os lugares sociais ocupados nas relações que se produzem no cotidiano escolar;

• o questionamento do não-lugar ocupado pelos educadores (AUGÉ, 1994) e a busca de construção desse “lugar” nas relações de que deverão participar;

• a problematização, no coletivo escolar, das trajetórias dos educadores nesse processo de construção de “algum lugar” para “espaços/tempos” coletivamente compartilhados;

• a visão de que trabalhar na escola implica usar estratégias/táticas de negociação de um lugar e a consideração que ocupar algum lugar implica enxergar a possibilidade dos percursos que nele se efetuaram;

• a percepção de que a leitura não idealizada da escola, alicerçada em formação dos fundamentos do conhecimento, em sua relação com o ensino e a pesquisa, juntamente com a negociação dos espaços e dos modos de participação, têm auxiliado na transformação do cotidiano escolar (CARVALHO, 2004, p. 67-69).

Podemos dizer que esses pressupostos, de uma maneira geral, são

compatíveis com a correlação que estamos investigando, porque falam da

possibilidade de uma reflexão crítica, coletiva e compartilhada pelos

professores no cotidiano escolar sobre suas práticas e trajetórias, e que

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relacionam a teoria e a prática e o local com o global. Nesse sentido, falam da

possibilidade de ação política dos professores sobre sua ação e formação, num

processo de gestão que, se estabelecido como democrático, tem grande

potencial emancipador.

A autora conclui nesse primeiro movimento:

Evidentemente, os pressupostos destacados implicam uma forma de representar o conhecimento, a prática pedagógica e o processo de formação e valorização do magistério que se traduz nos discursos práticos de educadores em sua relação com complexas redes socais, econômicas e culturais e/ou com as condições concretas de trabalho e remuneração. Segundo Nunes (2002), a perspectiva de formação e valorização do professor equivale ao processo de ressignificação do conhecimento e das práticas de formação, a partir das condições dos contextos específicos de sua realização, de um conhecimento situado nos espaços/tempos de formação inicial, formação continuada e de prática profissional. Assim, a perspectiva de formação e valorização do magistério fundamenta-se, sobretudo, numa dimensão política e epistemológica que propõe a ressignificação de formas de poderes e saberes. Isso quer dizer da necessidade de que o educador, como coletivo organizado, se assuma como agente pedagógico e político. Para Santos (1989), esse campo de possibilidade caracteriza-se por determinações teórico-científicas e pela incessante interrogação sobre a relação entre as condições teórico-científicas e as condições culturais, sociais e econômicas da formação e valorização do magistério como tal (CARVALHO, 2004, p. 69).

O “2º Movimento: Das Vozes dos Educadores” compreendeu as falas dos

educadores e a sistematização delas em grupos temáticos a partir das

sugestões/diretrizes apresentadas no Documento Base (ESPÍRITO SANTO,

2003, p. 40). Notamos que transcrevê-las na íntegra no corpo do trabalho

resultaria em uma citação de tamanho gigantesco. Por isso, optamos por

relatar algumas conclusões da autora sobre as falas nesse movimento. Uma

delas diz que se observou um entrelaçamento entre propostas relativas às

condições consideradas necessárias para desencadear os processos de

formação e propostas dirigidas aos modos de efetivar essa formação.

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Apesar do agrupamento em unidades e subunidades temáticas básicas, elas não se apresentaram com características de uma categorização mutuamente exclusiva. Pelo contrário, as propostas relativas à política salarial e às condições de trabalho foram recorrentes, não deixando, porém, de fora dois pontos básicos: a) a importância e a necessidade de processos formativos; b) a indicação da perspectiva de processos de formação continuada combinada com processos de reflexão e pesquisa, coletivamente orientados, envolvendo multimeios e/ou multiplicidade de formas e tendo como lócus privilegiado o espaço e tempo escolar (CARVALHO, 2004, p. 77-78, grifos nossos).

Essas conclusões são totalmente compatíveis com a nossa investigação,

sendo necessário apenas transcrevê-las.

Carvalho (2004) destaca que, no debate coletivo do GT “Formação e

Valorização do Magistério”, ficou clara a centralidade da dimensão política, isto

é, “[...] as discussões e as propostas decorrentes pareceram implicar a

subordinação da questão pedagógica à política ou, dito de outra forma, da

questão da formação à questão da política de valorização do magistério”

(CARVALHO, 2004, p. 78). Elas foram enfocadas em três vertentes: 1 –

condições de trabalho; 2 – carreira; 3 – política de gestão da educação.

Com relação às condições de trabalho, foram apresentadas as seguintes

propostas:

• diminuição do número de alunos em sala de aula; • ampliação da carga horária para planejamento e formação

continuada; • manutenção do regime de 25 horas semanais, com 16 horas-

aula, 3 horas para planejamento e 4 horas para formação continuada do/no cotidiano escolar;

• implementação de espaços/tempos para debates e reflexões dos profissionais da educação;

• superação das dificuldades para o trabalho coletivo do/no cotidiano escolar, removendo as exigências burocráticas do sistema educacional – ‘É preciso haver uma modificação do Sistema em relação às cobranças que são feitas ao professor [...] (ESPÍRITO SANTO, 2003, apud CARVALHO, 2004, p. 78-79, grifos nossos).

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Nesse sentido, é possível concluir que, embora a proposição tenha sido feita

por iniciativa da SEDU, era também desejo do professor estabelecer condições

de trabalho que favorecessem as reuniões de formação continuada em serviço,

dada a relevância dos processos formativos de que se tem necessidade.

Também fica clara a necessidade de a SEDU, como órgão propositor e

coordenador da política educacional, providenciar as devidas condições para

que aconteçam.

Com respeito à carreira, as propostas foram estas:

• valorização do magistério como forma de melhorar a auto- estima do professor;

• inclusão do plano de carreira e de outras formas de avanço, com destaque para a valorização do processo de atualização do professor;

• oferta de formação continuada para todos os profissionais da educação;

• oferta de licença remunerada e bolsa de estudos para realização de cursos de mestrado e doutorado (CARVALHO, 2004, p. 79-80, grifos nossos).

Os professores reafirmam a necessidade e a vontade de participarem de

processos de “atualização” e de formação continuada. Poderíamos concluir

que esse posicionamento traduz a postura ética e política a que se referia o

PNE como um compromisso que se espera do professor na parceria para a

melhoria da qualidade da educação?

Com relação à política de gestão de educação, as propostas foram as

seguintes:

• concurso público de imediato e promoção permanente de

concurso público; • chamada imediata dos aprovados no concurso de 2002; • facilitação do acesso do sindicato à SEDU em audiências com o

Secretário de Educação; • valorização do diálogo entre Secretário de Educação e o

Conselho do Fundo (FUNDEF), visando à garantia e ao respeito às leis do Fundo;

• discussão com o sindicato para definição da correção das perdas salariais;

• apresentação com urgência do cronograma de pagamento dos atrasados, enquadramento e mudança de nível desde 1999;

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• discussão com o sindicato sobre o resultado/qualidade dos programas de formação continuada já implementados pela SEDU – PROCAP, PROGESTÃO, PROFA, etc.;

• diminuição do autoritarismo de alguns superintendentes municipais que inviabilizam a possibilidade de diálogo entre os professores;

• eliminação da política partidária na educação para melhoria da implementação da política da educação do Estado (CARVALHO, 2004, p. 78-80, grifos nossos).

Outras falas foram registradas quanto à desvalorização do magistério. De

modo geral, expressam insatisfação com relação ao sucateamento das escolas

e às condições precárias de trabalho; fragilidade emocional de alguns

professores em decorrência da violência e do “stress” da jornada tripla de

trabalho; baixos salários; desprestígio como cidadão crítico e atuante na

sociedade, conseqüência de como são tratadas as questões da educação;

descontentamento com o comportamento de autoridades que não dão

continuidade à política de valorização da classe docente.

É preciso mencionar o desabafo dos professores ao responsabilizar a

administração pública pela descontinuidade nos processos de gestão

democrática e no desenvolvimento de políticas públicas na educação. O

percurso que temos feito até aqui nos tem permitido perceber possibilidades de

gestão mais e menos democráticas da educação, o que revela a importância

de conhecermos, como profissionais da educação, os “mapas” e as

possibilidades de ação democrática sobre a realidade, sempre na busca por

emancipação, sem ferir a lei e os direitos dos outros, em especial os dos

alunos, com muitas condições para o estabelecimento de processos

democráticos de formação continuada.

Na parte referente ao “3º Movimento: Da Tessitura entre os Pressupostos e as

Vozes dos Educadores”, a autora faz um trabalho de articulação entre os

pressupostos e as vozes dos educadores, começando por uma rápida análise

do momento atual de transformações em nível mundial representadas pela

globalização e pelo projeto neoliberal, que provocam reconfigurações no

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campo educacional em busca de sua hegemonia sobre outras ideologias. Isso

se dá em um movimento contraditório que enaltece o potencial da educação e,

ao mesmo temo, retira de seu campo e dos educadores as condições

concretas de seu potencial transformador.

No entanto, como a globalização não é um movimento acabado, mas em

curso, ressalte-se a importância desse momento vivido no estado do Espírito

Santo, em que a vez e a voz dos atores sociais, no caso dos professores da

rede, puderam intervir na lógica que pretende determinar as políticas

educacionais. Torna-se importante que haja novos estudos, debates,

articulações, negociações que visem a uma proposição para formação e

valorização do magistério e conseqüente melhoria da educação pública do

Estado.

Destacam-se, nessa análise, com respeito à atual discussão paradigmática do professor como profissional, as vozes dos educadores dirigidas predominantemente ao professor como intelectual orgânico-crítico, visto seus enunciados remeterem à perspectiva da necessidade do desenvolvimento de uma linguagem pública voltada para o desenvolvimento de uma política de luta democrática (ocupando os espaços e os tempos e apontando alternativas) que vá além da crítica, redefinindo-se, propositivamente, dentro e fora das escolas, em união com os movimentos sociais organizados ou em organização (CARVALHO, 2004, p. 84-85).

A autora, no entanto, aponta algumas contradições:

a) Quanto ao perfil dos professores como gestores:

[...] as falas dos educadores, ao mesmo tempo em que afirmam a necessidade de incentivação do trabalho coletivo de forma que os professores adotem um perfil de gestores escolares e a necessidade de valorização do professor e de sua autonomia, transferem esse potencial de ação para o outro, no caso, o pedagogo e o especialista [...] a questão da autonomia política e pedagógica aparece ao mesmo tempo como um reivindicação e uma contradição, ou seja, ainda posta em xeque, visto que permanece na dependência de agentes formativos externos que propiciem aos professores instrumentos teóricos e práticos, pedagógicos e políticos, para o seu saber, fazer e poder (CARVALHO, 2004, p. 85).

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Podemos supor, pela conclusão da autora, que, embora os professores

almejem assumir um perfil de gestor de sua própria prática e formação ainda

não conseguem visualizar-se assim e acabam por “perder de vista” a condição

de agentes formadores de si próprios. Além disso, não percebem a dimensão

ativa que têm sobre os próprios processos de formação.

b) Quanto à utilização de materiais e/ou pacotes de ensino direcionados à

formação continuada:

[...] também parecem transferir para as equipes técnicas a responsabilidade pela produção dos objetivos, conteúdos e métodos de seu trabalho, ou seja, parecem considerar positivo o uso de materiais e a manipulação da representação expressa nos pacotes de ensino posicionando como consumidores [...] Não o fazem, porém, de modo inteiramente passivo, visto que acrescem à qualidade do “pedagogicamente rico” a necessidade de serem contextualizados, ampliados a associados a outras fontes e/ou materiais pedagógicos (CARVALHO, 2004, p. 86).

Continuando nossa reflexão sobre as conclusões da autora, argumentamos

que, como não se vêem na condição de autores que teorizam suas

práticas/teorias no cotidiano escolar, os professores “necessitam” ser

intermediados por um “discurso competente” (científico?) para a solução de

seus problemas. Essas soluções estariam nos “profissionais competentes” que

elaboram propostas, cursos a priori e descontextualizados, no sentido de terem

sido planejadas apesar da realidade, projetos, dificuldades e potencialidades

locais. É sempre necessário ressaltar a condição de usuários desses sujeitos

praticantes do cotidiano escolar.

c) Quanto à forma de organização da escola moderna:

As falas conduzem, ainda, de forma intensa, ao “não-lugar” praticado e ao individualismo do “lugar’ da autoria marcada, assim como à dicotomia entre os lugares marcados e os espaços e tempos da criação e ação coletiva. [...] Como dito, a visão de especialização estreita e restrita ao acadêmico confere ao conjunto das vozes dos profissionais da educação uma visão estratificada sobre a instituição escolar com cisão entre teoria e prática, adoção de linguagens distintas e especializadas, com possíveis repercussões entre

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planejamento e execução. Por outro lado, a este atomismo que produz um coletivo anônimo, porquanto individualizado, contrapõe-se a visão da necessidade da ultrapassagem do espaço anônimo ou de autoria marcada para espaços e tempos de criação coletiva e autonomia política, por meio de proposições que reivindicam garantia de espaço e tempo para o trabalho coletivo, com centralidade dos processos desenvolvidos na formação em serviço e/ou no espaço escolar; incentivação à participação de todos os professores nos processos formativos; promoção de formação continuada para intercâmbio de experiências coletivas, etc. (CARVALHO, 2004, p. 87-88).

Como não conseguem manter firme a visão de que são sujeitos praticantes

desse cotidiano, admite-se o discurso competente (científico?) e

descontextualizado como guia inquestionável para a solução de problemas e

proposição de ações, em que os professores são os executores, assim como

se mantém a noção científica da gestão da escola como lugar de execução.

Nesse sentido, são processos que contribuem para a desmobilização da ação

política e coletiva desses autores sobre suas trajetórias formativas e de gestão

criativa e coletiva de suas subjetividades.

A autora inicia sua conclusão dizendo que, de modo geral, “[...] sobressai nas

vozes a importância de o “homem ordinário” recuperar a voz, redefinir o seu

lugar, o espaço e tempo de seu desenvolvimento inserido no coletivo dos

profissionais da educação” (CARVALHO, 2004, p. 88).

Ela também enfatiza a necessidade de maior compromisso das autoridades em

dar continuidade às ações que buscam superar as sombras que encobrem as

condições de produção do conhecimento nas escolas. Também destaca as

propostas dirigidas ao incremento do diálogo entre conhecimentos formais e

atividades acadêmico-científicas com o saber prático dos educadores, como

registro de atividades escolares, realização de congressos e resguardo da

memória das experiências pedagógicas do Estado.

Chega, então a importantes conclusões:

No conjunto das proposições, observa-se, apesar das contradições apontadas, a predominância de uma perspectiva que enfatiza a

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preocupação com o fomento do diálogo entre as representações e/ou visões de mundo dos professores e a produção acadêmico-científica na área; o princípio de que é na vivência das relações sociais que saberes experienciais são reelaborados à luz de formação teórico-técnica; a importância da reflexão coletiva sobre os lugares sociais ocupados nas relações que se produzem no coletivo escolar; o questionamento do “não-lugar” ocupado pelos educadores; a necessidade de construção coletiva de “algum lugar” com evolução para espaços e tempos coletivamente compartilhados; a visão de que uma leitura não idealizada da escola combinada com tática/estratégias de negociação associada a uma formação ampliada são vitais para a transformação da realidade escolar; a clareza de que a formação do profissional da educação não se dá no vazio, mas no âmbito das condições concretas de trabalho e remuneração, e que formar o magistério significa valorizá-lo em termos de carreira, condições de trabalho e gestão coletiva da educação pública estadual (CARVALHO, 2004, p. 89)

A autora encerra o artigo com uma fala que parabeniza a iniciativa de se abrir

espaço para debate e reflexão, e destaca a presença de um princípio básico ao

longo do trabalho, que parece traduzir-se em quatro eixos, a saber:

Valorizar o magistério possibilitando sua participação no processo de gestão política do sistema estadual de educação e garantindo espaço e tempo para sua formação continuada por meio da oferta adequada de condições de trabalho e remuneração. Como eixos do processo, destacam-se: • geração, pelos educadores, de processos de reflexão, ação e

expressão no coletivo do cotidiano escolar em sua concreticidade (projetos e ações de desenvolvimento profissional e de qualidade do ensinar/aprender);

• criação de pólos de apoio aos profissionais da educação; • criação de uma comunidade em rede, entre educadores, para

troca e disseminação de conhecimentos; • criação de parceria SEDU/UFES e/ou ... para formação

continuada dos profissionais da educação, com objetivos e metodologia voltados por escola, assim como a seleção dos participantes (programa/s de formação continuada com inserção por escola e por representação das áreas de ciências humanas, ciências naturais e matemática, linguagens e códigos) (CARVALHO, 2004, p. 90, grifos nossos).

A conclusão a que chegamos, ao analisar esses importantes documentos que

propõem políticas públicas educacionais para a formação de professores em

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nosso Estado, está relacionada às teses de Santos quanto às experiências

democráticas e a formação de subjetividades democráticas. Como esse autor

defende, os processos formativos englobam a formação de nossas redes de

subjetividades. Suas teses levam-nos a supor que subjetividades democráticas

têm mais chances de se formarem em contato com experiências e práticas

mais democráticas. Nesse sentido, faz-se necessário, como propõe Oliveira

(2006), que exercitemos cada vez mais a democracia como princípio

organizador de nossas práticas individuais e coletivas nos diversos espaços

tempos formativos de nossas redes de subjetividades, dentre eles a escola, a

educação.

As falas dos professores, sistematizadas pela autora, revelam contradições

que possivelmente só serão superadas com contínuos processos de gestão

democrática na educação, ou seja, com o contínuo contato com políticas

públicas educacionais mais democráticas e democratizantes de nossas redes

de subjetividades.

A proposta de formação continuada de professores em serviço, com a

formação de grupos de professores, comunidade em rede, entre educadores,

para troca e disseminação de conhecimentos, com a geração de processos de

reflexão, ação e expressão no coletivo do cotidiano escolar, com objetivos e

metodologia voltados por escola e em torno de projetos, problemas e soluções

locais, aproxima-se, portanto, dessa proposição, no sentido de caminhar para a

formação de comunidades interpretativas, que são potencialmente produtoras

do conhecimento-emancipação. Nesse sentido, é um espaço tempo propício ao

exercício da democracia, da solidariedade, da crítica, das relações entre o local

e o global, enfim, espaço tempo de autonomia e emancipação docente. Nessa

proposição política para a implementação de políticas públicas educacionais,

encontramos várias evidências que nos permitem correlacionar a formação

continuada de professores em serviço com processos de gestão democrática

da formação docente.

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No entanto, se não há democracia sem condições de democracia, isso nos

remete à necessidade de democratização das relações sociais em todos os

espaços estruturais e, se a democratização das práticas sociais não é

suficiente, se o conhecimento que as orienta não é democrático, e essas teses

de Santos caminham num círculo contínuo, torna-se importante concentrar

nossos esforços na busca por condições que sustentem essas alternativas

mais democráticas de formação. Como temos visto, essas condições são

epistemológicas e políticas. Assim, para que as políticas educacionais de

formação de professores sejam mais democráticas e democratizantes, é

necessário que nossos esforços sejam conjuntos, recíprocos, cuidadosos e

éticos, para que possamos permanecer em caminhos cada vez mais

democráticos e democratizados, que mantenham abertas as possibilidades

reais dos professores que as utilizarão, respeitando-lhes saberes e

subjetividades, de modo a se movimentarem na trajetória da colonização para

a solidariedade, tal qual em comunidades interpretativas (SANTOS, 2005a),

argumentativas, de diálogo entre os diferentes na horizontalidade de relações

que buscam emancipação, que nos levem com mais segurança e respeito ao

outro, como propõe esse autor, a um conhecimento prudente e uma vida

decente.

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7 CONSIDERAÇÃOES FINAIS

Ao final dessa caminhada iniciada em 2003, na busca por melhor compreender

o que significaria a formação continuada de professores em serviço, e agora

acrescentando a ela a suposição de que se pode configurar como um processo

de gestão democrática da formação docente, chegamos cansados, mas

contentes. Cansados porque, como diz José Pacheco (2008), educador

português, “[...] é fácil conceber e começar projectos. Difícil é mantê-los sem

que degradem”. Continuando seu raciocínio, esse educador vai dizer que, por

isso, todos os projetos estão no “ano zero”, no tempo de recomeçar, porque o

projeto humano é sempre um ato coletivo. E essa é a angústia daqueles que

querem sempre acertar e que acreditam em possibilidades sempre melhores

de se pensar em escolas que a todos garantam o acesso e as condições de

sucesso, dentre eles ao professor.

Construir uma escola democrática será sempre preciso, visto que não são

muitos os caminhos para a emancipação social. E porque os processos de

dominação se reinventam, também é preciso pensar a reinvenção da

emancipação, como nos convida Boaventura de Souza Santos. Consideramos,

nesse sentido, que são válidas as “[...] táticas emancipatórias que trazem para

o cotidiano usos astuciosos das regras estabelecidas, reorganizando-as de

acordo com as possibilidades inscritas em cada situação” (OLIVEIRA, 2006, p.

147). Esses usos, no entanto, precisam ganhar contorno coletivo como forma

de proteção até contra nós mesmos, no reanimar um, no chamar a atenção de

outro, no confortar e nos confrontarmos cordialmente, num caminhar que não

se faz sozinho, de nos formar e formarmos democraticamente.

Nesse sentido, não é pensar a escola como redentora, como aquela que vai

resolver todos os problemas de nossa sociedade desigual e diversa; é pensar

que ela pode ser um ponto de encontro de diálogos solidários e compartilhados

entre os saberes e os fazeres, entre o local e o global, entre os diversos

espaços tempos que influenciam a formação de nossas subjetividades, num

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projeto coletivo, que rompe com a solidão que às vezes assola o professor. É

pensarmos a escola como espaço tempo formativo também do professor, que

se forma no cotidiano apesar dos cursos e percursos, pois a aprendizagem não

se prende em lugar algum. Pensar a escola assim é pensar em democratizar o

saber, as relações, as subjetividades, é pensar a possibilidade de que nela se

estabeleçam comunidades interpretativas, potencialmente produtoras do

conhecimento-emancipação, se considerarmos que o professor pode se utilizar

delas para encontros, estudos, trocas de experiências, de planejamentos e

lazer. Basta ter condição.

No entanto, se não há democracia sem condições de democracia, a

democratização das relações e das práticas sociais em todos os espaços

estruturais não é suficiente, se o conhecimento que as orienta não é

democrático, e se essas teses de Santos caminham num círculo contínuo,

torna-se importante concentrar nossos esforços na busca por condições que

sustentem essas alternativas mais democráticas de formação.

No que se refere ao proposto para formação continuada em serviço, chegamos

a uma conclusão relacionada às teses de Santos quanto às experiências

democráticas e a formação de subjetividades democráticas. Como esse autor

defende, os processos formativos englobam a formação de nossas redes de

subjetividades. Suas teses levam-nos a supor que subjetividades democráticas

têm mais chances de se formarem em contato com experiências e práticas

mais democráticas. Nesse sentido, faz-se necessário, como propõe Oliveira

(2006) que exercitemos cada vez mais a democracia como princípio

organizador de nossas práticas individuais e coletivas nos diversos espaços

tempos formativos de nossas redes de subjetividades, dentre eles a escola, a

educação.

Como temos visto, essas condições são epistemológicas e políticas. Nesse

sentido, ao propormos políticas educacionais de formação de professores mais

democráticas e democratizantes, é necessário conhecermos os “mapas”, as

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oportunidades de ação, as possibilidades legais e contra-hegemônicas; é

preciso concentrar nossos esforços para que sejam conjuntos, recíprocos,

cuidadosos e éticos, no sentido de permanecermos em caminhos cada vez

mais democráticos e democratizados, que mantenham abertas as

possibilidades reais dos professores que as utilizarão. Assim, é preciso

respeitarmos saberes e subjetividades, de modo a se movimentarem na

trajetória da colonização para a solidariedade, tal qual em comunidades

interpretativas (SANTOS, 2005a), argumentativas, de diálogo entre os

diferentes na horizontalidade de relações, que buscam emancipação, que nos

levem com mais segurança e respeito ao outro, como propõe esse autor, a um

conhecimento prudente e uma vida decente.

A partir da análise documental, observamos que o movimento dos educadores

brasileiros enfrentou dificuldades internas e externas relacionadas à resistência

oferecida pelos setores conservadores e neoliberais quanto à defesa de seus

interesses; à falta de princípios explícitos e em comum entre as diversas

entidades educacionais envolvidas; à falta de domínio sobre estratégias

políticas importantes para a garantia da educação de qualidade para todos.

Mas, apesar dessas dificuldades, a Constituição de 1988 adotou princípios

democráticos orientadores para a organização do ensino no País, dos quais

destacamos a “valorização dos profissionais do ensino”, garantidos na forma

da lei, em planos de carreira para o magistério público, com piso salarial

profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos,

bem como a “gestão democrática” do ensino público, atendendo assim, aos

anseios democráticos.

Por sua vez, a nova LDB, Lei n° 9.394/96, reafirma princípios democráticos

instituídos pela Constituição de 1988, tais como a valorização do profissional

da educação escolar e a gestão democrática do ensino público, na forma da lei

e da legislação dos sistemas de ensino. Traz uma interessante concepção de

educação em seu Art. 1° expressando que a educação abrange processos

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formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no

trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e

organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. Se

acrescentarmos a isso os princípios do seu Art. 2°, veremos que a educação,

dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais

de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do

educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o

trabalho (LDB/96). Esse educando também é o professor no seu processo de

contínuas aprendizagens.

Destacamos, de um lado, uma abertura à gestão democrática da escola na

importância dada ao princípio da participação (a participação dos profissionais

da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e a participação

das comunidades escolar e local em conselhos ou equivalentes), de outro lado,

destacamos a sobrecarga de atividades que foi endereçada à escola e ao

professor, a abrangência das incumbências e a descentralização da gestão

administrativa, pedagógica e financeira da escola. Somos levados a questionar

a viabilidade de a gestão democrática ser exercida em termos ideais. Ou seja,

essa é uma situação contraditória e de desequilíbrio entre as intenções e as

condições para a formação e valorização do magistério, que não colabora para

a valorização das reflexões e das ações daqueles que estão envolvidos na

circunstância, que pensaram suas possibilidades de ação em diálogo com os

limites e as possibilidades específicos dessa ação sobre essa realidade; e que

recupera a multiplicidade de redes possíveis na combinação dos processos de

inserção social, de forma solidária e contra os processos de dominação. Nesse

sentido, há uma lacuna a preencher: a determinação de tempo espaço para o

cumprimento de uma série de incumbências dentro do horário escolar, como

condição que favorece, reconhece e viabiliza a formação continuada de

professores no desenvolvimento de seu trabalho no cotidiano escolar, como

sujeito de sua própria formação.

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255

Com relação à formação e à valorização do magistério, destacamos que a LDB

não considerou a possibilidade de os “estudos, planejamento e avaliação” no

cotidiano escolar significarem “aperfeiçoamento contínuo”, prevendo dois

“tempos” para cada um desses itens. Mas, não impossibilita a elaboração de

propostas de formação continuada de professores que unam parte desses dois

tempos. Institui, também, programas de formação a distância como uma das

possibilidades para formação de professores. No entanto, se essa modalidade

for adotada como única proposta de formação continuada acarretará o

empobrecimento das possibilidades de formação desses profissionais.

O PNE, que tem como objetivo a melhoria da qualidade do ensino, estabeleceu

uma série de metas educacionais que, se bem-sucedidas, provocariam uma

verdadeira transformação da educação brasileira em dez anos. Essa melhoria

se efetivaria com uma política global de valorização do magistério que

promovesse simultaneamente a formação profissional inicial, as condições de

trabalho, salário e carreira, e a formação continuada. Levou-se em

consideração uma lição extraída da prática e da pouca eficácia de outras

iniciativas em qualificar professores, bem como da realidade muitas vezes

desanimadora com que os professores se deparam, tornando a formação

docente apenas uma parte da tarefa de criar condições para manter o

entusiasmo inicial, a dedicação e a confiança nos resultados do trabalho

pedagógico. Outros aspectos foram considerados: a necessidade de os

professores vislumbrarem perspectivas de crescimento profissional e de

continuidade de seu processo de formação; a instituição de um Sistema de

Nacional de Avaliação; a existência de planos plurianuais da União, dos

Estados, do Distrito Federal e Municípios, elaborados de modo a dar suporte

às suas metas e às dos respectivos planos decenais.

A formação do magistério deveria ser assumida como compromisso da Nação

em assegurar o desenvolvimento da pessoa do educador como cidadão e

profissional; o crescimento constante no domínio da cultura letrada e de uma

visão crítica; a jornada de trabalho de acordo com a jornada dos alunos, num

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256

único estabelecimento de ensino e com tempo previsto para atividades

complementares ao trabalho de sala de aula; um salário condigno e

competitivo no mercado com outras ocupações de nível equivalente; o

compromisso social e político do magistério. Pode-se resumir em investimento

no e do professor.

Dessa forma, podemos perceber que, ao mesmo tempo em que essas

iniciativas destacam a formação continuada de professores em serviço como

uma das principais estratégias de mudança no panorama educacional,

apresentam, como única proposição, a modalidade a distância. Além disso,

atribuem aos municípios e estados, por meio de suas secretarias, a

responsabilidade por sua garantia, incluindo financiamento, coordenação,

busca por parcerias com universidades e a manutenção de programas

permanentes.

Nesse sentido, a responsabilidade sobre a formação docente apregoada como

compromisso da Nação é redistribuída pelo MEC para estados e municípios. O

que aparentemente poderia possibilitar na valorização das iniciativas locais

pode, no entanto, não resultar em avanços se o processo de avaliação se der

apenas com base em um padrão nacional de formação de professores

estabelecido em avaliações periódicas nacionais para o credenciamento das

instituições formadoras; para a certificação do desempenho docente de forma

meritocrática, tendo como critérios o atendimento às diretrizes e parâmetros

curriculares e o desenvolvimento de competências profissionais.

No entanto, é importantes dizer que, neste estudo, de modo geral, não

encontramos evidências que nos proibissem a criação de grupos de estudo de

professores, que funcionassem como comunidades interpretativas, com a

finalidade de promover o desenvolvimento político-pedagógico desses

profissionais da educação. Ao contrário, os princípios orientadores do ensino

no Brasil têm contribuído para pensarmos em processos alternativos aos

cursos, vivências, seminários, capacitações, aperfeiçoamentos, e tantos outros

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257

títulos, que muitas vezes desqualificam ou não instituem o professor como

gestor de sua formação.

A iniciativa do Estado, ao propor políticas educacionais com a participação

ativa da comunidade escolar, demonstra uma das possibilidades de se buscar

democratizar as relações que se estabelecem entre os membros de uma

comunidade que têm o mesmo objetivo: melhorar a educação oferecida aos

alunos capixabas, valorizando seus profissionais, os professores, que estão,

juntamente como seus alunos, no processo de se formar no ambiente escolar.

Nesse sentido, estamos contentes de pensar que não estamos

desacompanhados; outros nos acompanham nessa caminhada por

estabelecermos processos de emancipação na solidariedade. Assim, fazemo-

nos acompanhar de Cecília Meireles, para quem “[...] aprender é sempre

adquirir uma força para outras vitórias, na sucessão interminável da vida”.

Como os projetos são todos coletivos, é válido que argumentemos a favor de

que pensar e buscar realizar o processo de formação continuada em serviço

como um processo de gestão democrática da formação docente.

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9 REFERÊNCIAS

1 ALVES, Nilda. A experiência da diversidade no cotidiano e suas conseqüências na formação de professoras. In. VICTORIO FILHO, Aldo; MONTEIRO, Solange (Org.). Cultura e conhecimento de professores. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p.13–30.

2 ______. A necessidade da orientação coletiva nos estudos sobre o

cotidiano: duas experiências. In: GARCIA, Regina Leite; ALVES, Nilda. A Bússola do escrever. Rio de Janeiro: DP&A, 1997, p. 255-295.

3 ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de; LÜDKE, Menga. Pesquisa em

educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. 4 ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de; ROMANOWSKI, Joana Paulin. O

tema formação de professores nas dissertações e teses (1990-1996). In: ANDRÉ, Marli Dalmazo Afonso de. (Org.). Formação de professores no Brasil (1990 – 1998). Brasília: INEP/ANPED/COMPED, 2002 (Série Estado do Conhecimento n.º 6). p.17-34.

5 BARROS, Maria Elizabeth Barros de. Formação de professores/as e os

desafios para a (re)invenção da escola. In: FERRAÇO, Carlos Eduardo (Org.). Cotidiano escolar, formação de professores(as) e currículo. São Paulo: Cortez, 2005. p. 68–93.

6 BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do

Brasil. Brasília: Senado, 1988. 7 ______. Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes

e Bases da Educação Nacional. Brasília. Ministério da Educação. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/ lei9394.pdf>. Acesso em: 28 fev. 2005.

8 ______. Lei n.º 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova Plano Nacional de

Educação (PNE) e dá outras providências. Brasília. Ministério da Educação. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/pne.pdf>. Acesso em: 22 maio 2008.

9 ______. Ministério da Educação. Rede nacional de formação continuada

de professores de educação básica, 2006, Brasília, 2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Rede/catalg_rede_06.pdf>. Acesso em: 29 out. 2008.

10 ______. Lei 11.738, de 16 de julho de 2008. Regulamenta a alínea “e” do

inciso III do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica. Diário Oficial [da]

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259

República Federativa do Brasil, Brasília, 16 jul. 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11738.htm>.

Acesso em: 29 out. 2008. 11 BRZEZINSKI, Iria (Org.); GARRIDO, Selma. Formação de profissionais

da educação (1997 – 2002). Brasília: INEP/ANPED/COMPED, 2006. (Série Estado do Conhecimento n.º 10).

12 CARVALHO, Janete Magalhães; SIMÕES, Regina Helena Silva. O

processo de formação continuada de professores: uma construção estratégico-conceitual expressa nos periódicos. In: ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. (Org.). Formação de professores no Brasil (1990 – 1998). Brasília: INEP/ANPED/COMPED, 2002 (Série Estado do Conhecimento n.º 6), p. 171-201.

13 CARVALHO, Janete Magalhães; SIMÕES, Regina Helena Silva. A prática

pedagógica como forma social ou conteúdo institucionalizado: o que dizem os periódicos brasileiros. In: ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. (Org.). Formação de professores no Brasil (1990 – 1998). Brasília: INEP/ANPED/COMPED, 2002 (Série Estado do Conhecimento n.º 6), p. 205-214.

14 CARVALHO, Janete Magalhães. Do projeto às estratégias/táticas dos

professores como profissionais necessários aos espaços/tempos da escola pública brasileira. ______. (Org.). Diferentes perspectivas da profissão docente na atualidade. Vitória: EDUFES, 2002, p. 10-45.

15 ______. Formação e valorização do magistério. In: ESPÍRITO SANTO.

Secretaria de Estado da Educação e Esportes. Subsecretaria de Educação Básica e Profissional. Política Educacional do Estado do Espírito Santo: A Educação é um Direito. Vitória: SEDU/ES, 2004. (Livro Coletânea de Textos, volume 1, p. 55-91).

16 ______. O não-lugar dos professores nos entrelugares de formação

continuada. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 28, p. 96-107, jan./abr. 2005.

17 CATANI, Denice Bárbara. Estudos de história da profissão docente. In:

LOPES, Eliane Marta Teixeira; FILHO, Luciano Mendes Faria; VEIGA, Cynthia Greive. (Org.) 500 anos de educação no Brasil. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 585–599.

18 CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano 1: artes de fazer. 11.

ed. Petrópolis: Vozes, 2005. 19 CERTEAU, Michel de; GIARD, Luce; MAYOL, Pierre. A invenção do

cotidiano 2: morar, cozinhar. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

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20 CHAUI, Marilena. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2006.

21 COUTRIN, Gilberto. História global: Brasil e geral. 6. ed. São Paulo:

Saraiva, 2002. 22 ESPÍRITO SANTO (Estado). Constituição [do] Estado do Espírito Santo

1989. Vitória: Assembléia Legislativa, 1989. 23 ______. Secretaria de Estado da Educação e Esportes. Subsecretaria de

Educação Básica e Profissional. Política educacional para o estado do Espírito Santo: a educação é um direito. Vitória: SEDU/ES, 2003. (Documento Base).

24 ______. Secretaria de Estado da Educação e Esportes. Subsecretaria de

Educação Básica e Profissional. Política educacional para o estado do Espírito Santo: a educação é um direito. Vitória: SEDU/ES, 2004. (Livro de Coletânea de Textos, v. 1).

25 FERRAÇO, Carlos Eduardo. Currículo Real, formação continuada e

cotidiano escolar: questões para debate. PPGE/UFES/CNEp, Cadernos de textos do projeto Programa de Formação em Saúde e Trabalho. 2002a. (mimeo).

26 ______. Currículos e conhecimento em redes: as artes de dizer e escrever

sobre a arte de fazer. In: ALVES, Nilda; GARCIA, Regina Leite. (Org.). O sentido da escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2002b. p. 122-150.

27 ______Currículo, formação continuada de professores e cotidiano escolar:

fragmentos de complexidade das redes vividas. In: _______(Org.). Cotidiano escolar, formação de professores (as) e currículo. São Paulo: Cortez Editora, 2005. p. 15–42.

28 FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática

educativa. 24. ed. São Paulo: Paz & Terra, 2002. 29 LINHARES, Célia. Políticas hegemônicas: implicações à formação docente.

In: X SEMINÁRIO CAPIXABA DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA, 2006, Vitória. Anais. Vitória: UFES, 2006. p. 24–34.

30 MENDONÇA, Erasto Fortes. A regra e o jogo: democracia e

patrimonialismo na educação brasileira. Campinas: FE/UNICAMP, 2000. 31 OLIVEIRA, Inês Barbosa. Sobre a democracia. In: ______. (Org). A

democracia no cotidiano da escola. Rio de Janeiro: DP&A, 1999. p. 11-33.

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32 ______. Currículos praticados: entre a regulação e a emancipação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

33 ______. Criação curricular, autoformação e formação continuada no

cotidiano escolar. In: FERRAÇO, Carlos Eduardo (Org.). Cotidiano escolar, formação de professores(as) e currículo. São Paulo: Cortez, 2005. p 43-67.

34 _______. Boaventura e a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. 35 PACHECO, José. Ano zero. Revista Educação, São Paulo, ano 12, n° 139,

p. 22, nov. 2008. 36 PENIN, Sônia Sousa; VIEIRA, Sofia Lerche. Refletindo sobre a função

social da escola. In: VIEIRA, Sofia Lerche (Org.). Gestão da escola: desafios a enfrentar. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p. 13-43.

37 SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. 12. ed.

Porto: Afrontamento, 2001. 38 ______ . A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência.

5. ed. São Paulo: Cortez, 2005a. 39 ________. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade.

10ª ed. São Paulo: Cortez, 2005b. 40 ______. Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social. São

Paulo: Boitempo, 2007. 41 SILVA, Andréia Ferreira da. A formação de professores para a educação

básica no Brasil: projetos em disputa. 2004. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal Fluminense. Niterói-RJ. Disponível em: < htto://www.uf.br/pos-educacao/joomla/stories/Teses/andreiaf04.pdf>. Acesso em: 04 nov. 2008.

42 ZANETTI, Maria Aparecida. Política Educacional e LDB: algumas

reflexões. Trabalho apresentado no Ciclo de Palestras Encontrovérsia, Curitiba, 1997. Disponível em: <http://www.ifil.org/Biblioteca/zanetti.htm>. Acesso em: 04 nov. 2008.

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ANEXO

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ANEXO A

REFERÊNCIAS UTILIZADAS PELOS AUTORES DO ESTADO DO

CONHECIMENTO N° 6 E CITADAS NESSE TRABALHO

1 ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Formação de professores em serviço: um diálogo com vários textos. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 89, p. 72-25, maio 1994.

2 ALARCÃO, Isabel. Reflexão crítica sobre o pensamento de Donald Schön e

os programas de formação de professores. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 11-42, jul./dez. 1996.

3 ALVES, Maria Leila. A política de capacitação SEE/FDE. Cadernos

Cedes, Campinas, n. 36, p. 57-64, 1995. 4 BARBIERI, Marisa Ramos et al. Formação continuada dos profissionais de

ensino: algumas considerações. Cadernos Cedes, Campinas, n. 36, p. 29-35, 1995.

5 CHAKUR, Cilene Ribeiro de Sá Leite. Profissionalização docente: uma

leitura piagetiana de sua construção. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 76, n. 184, p. 635-664, set./dez. 1995b.

6 COLLARES, Cecília Azevedo Lima; MOYSÉS, Maria Aparecida Affonso.

Construindo o sucesso na escola: uma experiência de formação continuada com professores da rede pública. Cadernos Cedes, Campinas, n. 36, p. 95-111, 1995.

7 DEMO, Pedro. Formação de formadores básicos. Em Aberto, Brasília, v.

12, n. 54, p. 23-42, abr./jul. 1992. 8 DARSIE, Marta Maria Pontin; CARVALHO, Anna Maria Pessoa de. O início

da formação do professor reflexivo. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 90-108, jul./dez. 1996.

9 FUSARI, José Cerchi; RIOS, Terezinha Azerêdo. Formação continuada dos

profissionais do ensino. Cadernos Cedes, Campinas, n. 36, p. 37-46, 1995.

10 GARCIA, C. Marcelo. A formação de professores: novas perspectivas

baseadas na investigação sobre o pensamento. In: NÓVOA, António (Coord.). Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992. p. 51-76.

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264

11 KRAMER, Sônia. Melhoria da qualidade do ensino: o desafio da formação de professores em serviço. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 70, n. 165, p. 189-207, maio/ago. 1989.

12 MATTOS, Carmen Lúcia Guimarães de. Etnografia crítica de sala de aula:

o professor pesquisador e o pesquisador professor em colaboração. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 76, n. 182/183, p. 98-116, jan./ago. 1995.

13 MARIN, Alda Junqueira. Educação continuada: introdução a uma análise

de termos e concepções. Cadernos Cedes, Campinas, n. 36, p. 13-20, 1995.

14 MEDIANO, Zélia Domingues. A formação em serviço do professor a

partir da pesquisa e da prática pedagógica. Tecnologia Educacional, Rio de Janeiro, v. 21, n. 105/106, p. 31-36, mar./jun. 1992.

15 NÓVOA, António (Coord.). Os professores e sua formação. Lisboa: Dom

Quixote, 1992. 16 PEREIRA, Ruth da Cunha. Educação em serviço para o professor:

conceitos e propósitos. Tecnologia Educacional, Rio de Janeiro, v. 22, n. 110/111, p. 37-41, jan./abr. 1993.

17 ______. Educação em serviço para o professor: dimensões de sua

estrutura operacional. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 75, n. 179/180/181, p. 33-63, jan./dez. 1994.

18 PEREZ GÓMEZ, A. O pensamento prático do professor: a formação do

professor como prático reflexivo. In: NÓVOA, Antônio. (Coord.). Os professores e sua formação. Lisboa: D. Quixote, 1992. p. 93-114.

19 PIMENTA, Selma Garrido. Formação de professores: os saberes da

docência e a identidade do professor. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 72-89, jul./dez. 1996.

20 REALE, Aline M. et al. O desenvolvimento de um modelo “construtivo-

colaborativo” de formação continuada centrado na escola: relato de uma experiência. Cadernos Cedes, Campinas, n. 36, p. 65-76, 1995.

21 SCHÖN, Donald. Formar professores como profissionais reflexivos. In:

NÓVOA, Antôino. (Coord.). Os professores e sua formação. Lisboa: D. Quixote, 1992a.

22 ______. La formación de profesionales reflexivos: hacia un nuevo

diseño de la enseñanza u el aprendizaje en las profesiones. Barcelona: Paidós, 1992b.

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23 ZEICHNER, L. Formação reflexiva de professores. Lisboa: Educa, 1993. 24 ______. Novos caminhos para o practicum: uma perspectiva para os anos

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