florestan fernandes

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UNIVERSIDADE GAMA FILHO UGF CURSO DOCÊNCIA SUPERIOR FLORESTAN FERNANDES: UMA ANÁLISE SOBRE O ENSINO SUPERIOR NO BRASIL BRUNO GERALDO GUIMARÃES GONÇALVES RIO DE JANEIRO 2010

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Page 1: Florestan Fernandes

UNIVERSIDADE GAMA FILHO – UGF

CURSO DOCÊNCIA SUPERIOR

FLORESTAN FERNANDES: UMA ANÁLISE SOBRE O ENSINO SUPERIOR NO BRASIL

BRUNO GERALDO GUIMARÃES GONÇALVES

RIO DE JANEIRO

2010

Page 2: Florestan Fernandes

BRUNO GERALDO GUIMARÃES GONÇALVES

FLORESTAN FERNANDES: UMA ANÁLISE SOBRE O ENSINO SUPERIOR NO BRASIL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao Curso de Docência Superior do Programa

de Pós-graduação em Educação da

Universidade Gama Filho – UGF, como

requisito parcial à obtenção do título de

Especialista em Docência Superior.

Orientadora: Prof. Dr. Rogério Alvarenga

Rio de janeiro

2010

Page 3: Florestan Fernandes

Dedico este trabalho final aos meus pais,

Bete e Luiz, meus irmãos Felipe e Gustavo,

todos eles me apoiaram sempre nos meus

estudos.

Page 4: Florestan Fernandes

“Dizem que os acadêmicos e intelectuais devem ser neutros, mas não há neutralidade no pensamento”.

Florestan Fernandes

Page 5: Florestan Fernandes

Agradecimentos

Mas um momento especial em minha vida esta sendo concretizada, a

especialização, uma etapa na qual esta sendo muito gratificante, e somente tenho

que agradecer as pessoas que estiveram presentes em mais uma conquista minha

no espaço acadêmico, e que foram de certa forma muito importantes para a

realização deste sonho.

Gostaria de agradecer primeiramente a Deus, pois sem a sua presença não

estaria aqui conquistando mais esta vitória. É preciso mencionar pessoas como o

meu irmão Felipe, que me ajudou ao longo da desse trabalho, no qual ele realizou

toda a revisão ortográfica desde projeto de pesquisa até a conclusão.

A minha orientadora a professora Julianna pela compreensão e pelo auxílio,

ao longo da elaboração desse estudo. E todos os outros professores que estiveram

comigo ao longo do curso, a eles só tenho que agradecer.

Também tenho que agradecer os meus familiares, minha mãe por sempre me

apoiar nos meus estudos, o meu pai pelo exemplo de determinação e coragem, os

meus irmãos Felipe e Gustavo pela compreensão, a minha Tia Ana que me ajudou

muito no inicio da minha graduação.

Há também uma pessoa que tenho que mencionar neste agradecimento, que

em um determinado dia entrou em minha vida e ficou para sempre, sendo uma

amiga, companheira em todos os momentos, na qual poderia ter certeza que estava

disposta a mim ouvir, a me dar sempre uma palavra amiga, e assim ela transformou-

se muito especial para mim. Uma pessoa pela qual criei uma admiração, um

sentimento e um carinho grandioso e sincero, esta pessoa chama-se Amanda

Soares Chaves, ou simplesmente “Guria”, que sempre será muito especial para mim,

sempre será o meu anjo. Há todos muito obrigado.

Bruno G.G. Gonçalves

Page 6: Florestan Fernandes

Sumário

Introdução........................................................................................................................................ 07

Título................................................................................................................................................ 08

Tema............................................................................................................................................... 08

Objetivos.......................................................................................................................................... 08

Geral........................................................................................................................................... 08

Específicos................................................................................................................................. 08

Problematização.............................................................................................................................. 09

Justificativa...................................................................................................................................... 09

Referencial Teórico......................................................................................................................... 11

Metodologia..................................................................................................................................... 14

1 – O Brasil do Golpe ao governo Médici........................................................................................ 15

2 – Florestan Fernandes: Dedicação e superação.......................................................................... 23

2.1 – A infância de Florestan...................................................................................................... 23

2.2 – Do curso de madureza a USP........................................................................................... 24

2.3 – O intelectual Florestan Fernandes.................................................................................... 26

3 – Universidade no Brasil............................................................................................................... 32

3.1 – Breve histórico do ensino superior no Brasil..................................................................... 38

3.2 – Reforma universitária de 1968.......................................................................................... 38

3.3 – Florestan Fernandes e a Universidade Brasileira............................................................. 42

3.5 – Ensino Superior no Brasil: Reforma ou Revolução........................................................... 45

Conclusão........................................................................................................................................ 50

Bibliografia....................................................................................................................................... 52

Page 7: Florestan Fernandes

7

Introdução

Este trabalho consiste em uma pesquisa bibliografia que tem como principal objetivo

compreender a realidade do ensino superior no Brasil, tendo como referência principal a

obra “Universidade Brasileira: Reforma ou Revolução”, do sociólogo e professor da

Faculdade de Filosofia e Ciências da USP, Florestan Fernandes.

Florestan Fernandes é um dos nomes mais importantes das Ciências Sociais e da

sociedade acadêmica brasileira, possuiu uma trajetória de vida que serve de exemplo para

todos.

O professor Florestan propôs uma reforma ou até mesmo uma revolução no ensino

superior no Brasil, após uma reforma realizada pelos militares no ano de 1968. Desta

maneira o questionamento realizado por ele, principalmente na década de 70, será

analisado voltando-se para os dias atuais. Diante disso, o ensino superior no Brasil

atualmente necessita de uma reforma ou de uma revolução?

O trabalho está dividido em três momentos primeiro constitui-se em uma

contextualização histórica do Brasil durante o Regime Militar, o segundo momento refere-se

em uma breve biografia de Florestan Fernandes, e o último consiste numa análise sucinta

do Ensino Superior no Brasil, desde sua origem histórica, passando pelo contexto da

reforma de 1968, será concluído com o ponto de vista de Florestan Fernandes sobre o

ensino superior no Brasil, mostrando como que o seu pensamento pode ser interpretado no

que diz respeito à Universidade no Brasil hoje.

Através de uma pesquisa bibliográfica, com a realização de uma revisão de leitura

será construída esta pesquisa e ao seu final serão fornecido todas as fontes que foram

pesquisadas ao longo de seu desenvolvimento.

Page 8: Florestan Fernandes

8

Título

FLORESTAN FERNANDES: UMA ANÁLISE SOBRE O ENSINO SUPERIOR NO BRASIL.

Tema

Florestan Fernandes é um dos nomes mais importantes das Ciências Sociais no

Brasil. Sua trajetória de vida é algo que deve ser levado de exemplo para todos. Pela sua

dedicação, o levou até a Universidade de São Paulo. Um jovem engraxate ingressou no

curso de madureza e logo depois chegou a uma das mais importantes universidades

brasileiras construiu onde uma vida acadêmica riquíssima.

Assim, transformou-se em um dos nomes mais importantes do Brasil nas ciências

sociais e humanas, publicando obras que tornaram-se referência em todo meio acadêmico

tanto no país, bem como em outras universidades espalhadas pelo mundo.

Objetivos

Geral

Trabalhar os estudos sobre ensino superior, do sociólogo e professor do

departamento de sociologia da USP, Florestan Fernandes, e assim, realizar uma analise

sobre a situação do ensino superior no Brasil atualmente.

As idéias de Florestan Fernandes irão ser trabalhada numa forma de análise,

mostrando que idéias sugeridas pelo sociólogo na década de 70, período pelo qual o ensino

superior acabava de passar uma reforma imposta pelo governo do militares.

Page 9: Florestan Fernandes

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Específicos

Criar num primeiro momento uma contextualização histórica do período que foi

realizada a reforma universitária.

Num segundo momento, mostrar um pouco da vida social e acadêmica de Florestan

Fernandes, desde o inicio de sua vida até o momento que ele torna-se um dos nomes mais

importantes da academia brasileira.

E por fim, trabalhar as idéias de Florestan sobre o ensino superior, sendo que nesse

momento do trabalho buscar mostrar contexto do ensino superior desde sua origem no

Brasil, analisando a reforma universitária de 1968, tendo sempre como referência teóricas

as obras de Florestan Fernandes que trabalham o tema.

No final mostrar como que as obras de Florestan podem ser trabalhadas no sistema

universitário brasileiro atual.

Problematização

Quando refletimos sobre a atual situação do ensino superior no Brasil sempre vêm

em nossa mente todos os problemas que essa modalidade de ensino no Brasil passa,

apesar de um grande progresso ao longo dos anos, ainda, encontramos algumas

instituições que possuem uma mera modalidade de ensino que não necessita de

investimento no meio acadêmico, como na extensão universitária e na pesquisa.

Motivos pelos quais de pesquisar e principalmente analisar as obras de Florestan

Fernandes, sobre o Ensino Superior no Brasil é de extrema importância.

Quando Florestan escreveu sobre o ensino superior, ele propôs uma reforma ou uma

revolução no ensino superior no Brasil. Assim faço o mesmo questionamento que Florestan

realizou nos anos 70. Será que o ensino superior no Brasil hoje está precisando de uma

reforma ou de uma revolução?

Este é o problema a ser analisado ao longo deste trabalho, baseado nas obras de

Florestan, buscando responder a questão que foi levantada por ele e que continua presente

no sistema universitário brasileiro atual.

Justificativa

Quando fala-se em ensino superior no Brasil, num primeiro momento tem-se uma

ideia de que este foi criado apenas para as classes mais favorecidas da sociedade, em que

poucas pessoas de um nível social mais baixo conseguem ingressar.

Page 10: Florestan Fernandes

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Florestan Fernandes é um exemplo de que pessoas de baixa renda conseguem

ingressar no curso superior e destacar-se dentro do meio acadêmico e até mesmo tornar-se

professor referência de uma das mais importantes universidades do Brasil, a USP.

É partir daí, que venho elaborar este trabalho, tendo como exemplo e referência o

professor Florestan, que como sociólogo trabalhou temas diversos, entre eles a educação

superior no Brasil, defendendo que essa modalidade de ensino no Brasil precisaria passar

por mudanças.

Uma destas mudanças que defendia Florestan era acabar com a imagem de que a

universidade no Brasil era algo feito pela elite e para a elite. Uma das obras de maior

importância de Florestan que toca diretamente nesse tema,foi Universidade Brasileira:

Reforma ou Revolução?

Obra esta que foi publicada na década de 70, e pode-se dizer que situação continua

a mesma, pois é possível perceber que apenas uma pequena parte da sociedade brasileira

tem acesso ao ensino superior.

O mesmo questionamento levantado por Florestan, será nesse trabalho refeito. A

universidade Brasileira está necessitando de uma reforma ou de uma revolução?

Referencial Teórico

Quando relata-se em sociologia, política e ensino superior no Brasil, um dos nomes

mais lembrados é do professor e sociólogo Florestan Fernandes, professor do departamento

de sociologia da Universidade de São Paulo.

Florestan Fernandes é um caso raríssimo, pois viveu toda a sua vida dentro do

contexto de uma classe social menos favorecida na sociedade brasileira e conseguiu chegar

a um patamar acadêmico de alto nível.

Um dos principais sociólogos brasileiros, Florestan Fernandes nasceu no dia 22 de

julho de 1920, no bairro paulista do Brás, filho de D. Maria Fernandes uma empregada

doméstica que veio de Portugal para o Brasil em busca de uma vida melhor, um dos fatos

mais marcantes da infância de Florestan foi quando a sua mãe escolheu a sua então patroa

para ser a madrinha da criança, surgindo uma curiosidade sobre o próprio nome de

Florestan, pois a sua madrinha tinha o costume de chama-lo quando menino de Vicente, já

que para patroa, Florestan não era nome que encaixaria a uma criança de origem humilde.

(Cerqueira, 2004).

Page 11: Florestan Fernandes

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Ainda menino abandonou os estudos para ajudar nas despesas da família. Aos seis

anos de idade começou a trabalhar como engraxate, auxiliar de marcenaria, balconista de

bar, entre outros. Devido a dificuldade de compartilhar os estudos com o trabalho, Florestan

dedicou-se somente ao trabalho. Neste momento estudava no Grupo Escolar Maria José,

localizado no bairro de Bela Vista em São Paulo, no entanto ele nunca desistiu do sonho de

um dia chegar ao curso superior e proporcionar a sua família uma vida melhor.

Ao completar dezessete anos Florestan voltou a estudar num supletivo no Colégio

Riachuelo entre os anos de 1938 a 1940. Segundo o historiador José Carlos Reis, Florestan

teve que fazer um curso de madureza porque não pôde cursar o secundário e que, apesar

desta vida pessoal e familiar difícil e da formação básica precária, e talvez por causa disso

mesmo chegasse a universidade aos 21 anos. (Reis, 2003)

A volta de Florestan à escola foi graças à insistência dos fregueses de um bar no

qual o jovem trabalhava na Rua Líbero Badaró, onde estes fregueses viam no jovem

Florestan Fernandes uma inteligência incomum, mesmo com pouca instrução sabia

comentar e debater assuntos relacionados a temas diversos.

A partir do momento que Florestan volta a estudar a sua vida começa a mudar.

Quando terminou o curso de madureza não pensou em parar e mesmo trabalhando como

vendedor de produtos farmacêuticos, o jovem Florestan ingressou na Faculdade de Filosofia

e Letras da Universidade de São Paulo no curso de licenciatura em Ciências Sociais. (Reis,

2003)

Segundo Reis, Florestan Fernandes de 1940 a 1951 fez licenciatura e bacharelado

em ciências sociais, na USP, o mestrado e o doutorado em sociologia e antropologia na

Escola Livre de Sociologia e Política, sendo assim, onze anos regulares e concentrados de

formação superior assentados sobre uma irregular e tumultuada formação básica. (Reis,

2003)

Estava provado que um jovem de família humilde que com muito esforço conseguiu

conquistar uma formação superior de qualidade, estudo este que deu um suporte à aquele

jovem vendedor de produtos farmacêuticos um status de membro mais destacado da

sociedade acadêmico brasileira, ou como o próprio Florestan dizia: que a partir do momento

que ingressara ao curso superior o “Vicente” estava morrendo e passara a nascer o então

Florestan. (Cerqueira, 2004)

Assim, Florestan Fernandes foi conseguindo destacar-se dentro do mundo

acadêmico, mesmo tendo uma formação básica prejudicada pelos empecilhos da vida ele

Page 12: Florestan Fernandes

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conseguiu conquistar e ingressar no curso superior e em pouco prazo ele foi mais longe e

conquistou o título de um dos principais professores da Universidade de São Paulo.

A partir do momento que Florestan tornou-se um dos principais docentes da USP, ele

colocou-se dentro de um ideal em relação ao ensino público no país transformando-se em

um dos ícones na luta por uma educação pública de qualidade, independente da

modalidade de ensino, defendendo que educação pública deve ser de qualidade do primário

até o ensino superior.

Percebe-se que

A radicalidade com que Florestan Fernandes

assumiu a condição humana o levou a assumir

também radicalmente as atividades em que

empenhou-se ai incluída a ação docente.

Nesse contexto, em lugar de se constituir

simplesmente como um professor – sem

dúvida séria, consistente e responsável,

ministrando um ensino de qualidade a

sucessivas turmas de alunos conforme a

expectativa social e institucional estabelecida

foi levado e converter a cadeira de Sociologia I

da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras

da USP. (Cerqueira, 2004)

Um dos primeiros questionamentos realizados por Florestan na USP foi sobre a sua

própria formação, no curso de graduação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da

USP e no curso de mestrado na Escola Livre de Sociologia e Política, ele concluiu que em

ambas as escolas os cursos monográficos eram de escolha arbitrária dos professores, o que

era ótimo para simplificar as tarefas docentes, mas péssimo em termos daquilo que deve

aprender um estudante de ciências sociais. (Cerqueira, 2004)

Ao longo de toda a sua carreira acadêmica Florestan sempre buscou fazer

questionamentos para buscar sempre o único ideal, constituir um ensino público de

qualidade no Brasil.

Assim, uma das propostas de Florestan Fernandes para o ensino superior, mesmo

sendo uma análise ligada ao socialismo, era criar:

Page 13: Florestan Fernandes

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(...) uma universidade à altura das exigências

educacionais da civilização baseada na ciência e

na tecnologia cientifica (...) uma universidade

totalmente nova educacionalmente criadora,

intelectual critica e socialmente atuante, aberta

ao povo e capaz de exprimir politicamente os

seus anseios mais profundos. (Fernandes, 1975)

Desta forma, Florestan com essa nova ideia a universidade, não seria mais apenas

um local de desenvolvimento tecnológico e científico, passaria a ter um caráter social, pois

seria aberta para todo o povo que tivesse o interesse de vir a exprimir as suas idéias

políticas em relação ao país.

Metodologia

O presente trabalho parte de uma proposta de criar uma pesquisa descritiva, que irá

mostrar um pouco da vida de um dos maiores intelectuais do Brasil, Florestan Fernandes.

No entanto o objetivo principal desse trabalho não é apenas fazer uma biografia de

Florestan.

Tem como objeto de estudo também a análise de obras do sociólogo Florestan como

referência, passa ser a respeito do ensino superior no Brasil. Em especial Universidade

Brasileira: Reforma ou Revolução?, obra que apesar de publicada na década de 70 ainda

pode-se dizer que encontra-se atual e possui certa relevância, pois chegado século XXI,

ainda podemos fazer o mesmo questionamento que Florestan realizou nesse período, será

que o ensino superior no Brasil está precisando de uma reforma ou de uma revolução?

Para chegar a esta resposta será feita uma pesquisa bibliográfica nas obras que

falam sobre a questão do ensino superior no Brasil.

E por fim, será feira uma outra análise, mas desta vez dos estudos de Florestan e

sobre essas análises será levantada a problematização do trabalho, fazendo o mesmo

questionamento no contexto do ensino superior no Brasil atual, ou seja, será que esta

modalidade de ensino no Brasil está necessitando de uma reforma ou de uma revolução?

Page 14: Florestan Fernandes

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1 – O Brasil do Golpe ao governo Médici

O Brasil durante os anos de 1964 a 1985 viveu um período conhecido como “anos de

chumbo”, iniciado no momento em que os militares assumiram o poder do nosso país, e

instaurou o Regime Militar através de um golpe de Estado no ano de 1964, derrubando o

então presidente João Goulart.

Esse período em que os militares estiveram no poder, foi marcado por um

autoritarismo muito forte, supressão dos direitos constitucionais, perseguição política

policial, prisão e tortura a opositores do regime e censura prévia aos meios de comunicação

e expressão artísticas.

Mas, a ascensão dos militares ao poder não foi algo que ocorreu de repente, houve

todo um movimento anterior que veio culminar com o golpe de 1964.

O golpe de 1964 começou a ser construído no ano de 1961 quando o então presidente da

república Jânio Quadros renunciou, assumindo o poder o seu vice João Goulart. Este, aliás,

não possuía apoio total das forças políticas do Brasil; membros das forças armadas e de

uma ala dos empresários brasileiros não enxergavam com bons olhos a chegada de Goulart

à presidência, pelo fato dele ser responsável por uma proposta como explica Mary Del

Priore e Renato Venâncio, de “aumento de 100% do salário mínimo e de identificar – se

como integrante de uma força política denominada república dos sindicalistas, e ainda de

ser um nacionalista ferrenho” (DEL PRIORE E VENÂNCIO, 2001, p.345).

Essa posição de Goulart era visto pelos militares e outras lideranças políticas como

uma forma de retrocesso da política nacional e fizeram de tudo para evitar a posse dele,

mas João Goulart assume a presidência graças à constituição que lhe dava o direito de ser

empossado como presidente pelo fato dele ter sido eleito pelo povo através do voto direto.

Ele toma posse com apoio de uma ala mais conservadora do exército e de políticos

como Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul que segundo Del Priore e

Venâncio (2001, p.345) “criou a Cadeia de Legalidade lançada através de meios de

comunicação de massa, uma campanha nacional pela posse do presidente”.

Assim, João Goulart assume a presidência mesmo com todas as pressões feita

contra a sua posse, mas para consolidar-se no poder foi preciso realizar algumas manobras

políticas que não foram bem sucedidas, como a adoção do regime parlamentarista no Brasil,

que durou pouco, voltando o país adotar o regime presidencialista no ano de 1963, através

de um plebiscito.

Page 15: Florestan Fernandes

15

Apesar de toda manobra de Goulart a situação após o plebiscito começará a ficar

insustentável, ficando ainda pior quando ele busca uma aproximação com o Partido

Comunista Brasileiro ligado ao governo soviético, como afirma Skidmore (1988, p. 205) “que

a partir da aproximação com o PCB, percebe-se que Goulart não tem mais uma unidade

política de governo”.

Desta forma, ações contra o governo federal vão aumentando, e pressionado pela

ala legalista do exercito o presidente vê-se sem saída. Como cita Del Priore e Venâncio

(2001, p. 348), “Goulart tentou instaurar um estado de sitio, mas vem a ser prejudicado pelo

seu próprio partido perdendo o pouco do prestigio que lhe restava com uma ala dos

militares”.

A situação fica pior quando o presidente da república como uma forma de buscar

apoio de outras classes quebra a hierarquia militar, este o fator que faltava para a reação

definitiva agora de todas as alas das forças armadas.

Essa ascensão dos militares ao poder e a derrubada de Goulart, ocorre com apoio

de civis, como é o caso de então presidente do senado Auro Moura Andrade, que declara no

dia 02 de abril de 1964 o cargo de presidente do Brasil vago.

Nesse sentido segundo Skidmore (1988, p. 209)

(...) esta manobra política realizada pelo

presidente do senado veio a ser uma exigência

dos militares para ser uma forma de deixar o

caminho limpo para eles empossaram um militar

como novo presidente do Brasil.

Dessa forma, Goulart foi destituído do cargo de presidente, assumindo a presidência

como previa a Constituição, o presidente da câmara Ranieri Mazzilli, de caráter provisório,

pois de acordo com a Constituição vigente ele tinha trinta dias para realizar uma outra

eleição.

Mazzilli foi pressionado pelos militares e por outras lideranças políticas do país para

que estas eleições fossem realizadas no prazo de dois dias. Foi o que aconteceu as

eleições foram realizadas e o vencedor foi o General Humberto de Alencar Castelo Branco

que possuía total apoio dos militares, mesmo aqueles pertencentes a chamada linha dura.

Page 16: Florestan Fernandes

16

Com a posse de Castelo Branco inicia o período em que os militares teriam todo o

poder. Castelo foi empossado e lhe foi concedido poderes absolutos como de “cassar

direitos políticos e afastar militares identificados ao governo deposto”. (DEL PRIORE E

VENÂNCIO, 2001, p. 352)

Esse poder foi dado ao presidente com estabelecimento do Ato Institucional Nº 01,

que dentre seus artigos e parágrafos o artigo número dez diz o seguinte:

No interesse da paz e da honra nacional, e sem

limitações previstas na constituição, os

comandantes em chefe, que editam o presente

ato, poderão suspender os direitos políticos pelo

prazo de 10 anos e cassar mandatos legislativos

federais, estaduais e municipais excluídos a

apreciação judicial desses atos. (Ato Institucional

Nº01 de 09 de Abril de 1964).

Atrav

és, deste Ato Institucional, os militares iniciaram, uma operação de limpeza, pois, os

militares tinham o temor de que com a tomada do poder e ascensão de Castelo Branco,

iniciasse no Brasil uma luta entre militares e pessoas que eram contra o golpe de 64.

Desta forma, os militares agiram com rapidez e milhares de pessoas foram pressas e

como relata Skidmore (1988, p. 212)

(...)inclusive membros de organizações católicas,

como o Movimento de Educação de Base (MEB),

a Juventude Universitária Católica (JUC),

partidos políticos da esquerda também foram

atingidos, como o pró-Moscou (PCB), o maoísta

(PC do B).

Skidmore (1988, p. 213) ainda cita que políticos de nomes também sofreram com a luta dos

militares

Page 17: Florestan Fernandes

17

(...) possuíam uma lista com mais de 500 mil

nomes de políticos e serem cassados, entre eles

o ex-presidente Juscelino Kubitscheck, que na

época era senador pelo Estado de Goiás e

presidente de honra do PSD, e provável

canditado a presidência da república em 1965,

teve o seu mandato cassado e seus direitos

políticos foram suspeitos por um tempo de dez

anos.

Outro fator importante do governo de Castelo Branco foi a aproximação política com

a UDN de Carlos Lacerda, já que Congresso Nacional elegeu para ser vice – presidente de

Castelo Branco o mineiro e partidário do PSD José Maria Alckmin.

No entanto os membros da UDN não poderiam ficar insatisfeitos com a escolha de

Alckimin para vice – presidente, pois nas eleições para a Câmara dos Deputados e para o

Senado sairiam vencedores iniciando a partir deste momento uma aproximação definitiva

com o governo de Castelo, que nomeia para cargos ministeriais políticos da UDN como o

advogado mineiro Milton Campos, que assumiu o Ministério da Justiça.

Apesar de todas as manobras políticas e a aproximação com a UDN, o governo de

Castelo Branco sofreu uma derrota muito significativa nas eleições estaduais em 1965,

principalmente nos principais estados da federação, como Minas Gerais e da Guanabara,

sendo consideradas estas derrotas como um teste de suma importância para o governo,

deixando seus membros furiosos com as derrotas.

Militares da linha mais dura do exército chegaram a dizer que para continuidade de

Castelo no poder deveria vetar a posse dos canditados de oposição que saíram vencedores

em Minas Gerais e na Guanabara.

A solução encontrada por Castelo foi instauração de um segundo Ato Institucional;

seguindo as exigências da linha dura, este ato segundo Skidmore (1988, p. 216) dava ao

Presidente da República o direito “de abolir os partidos existentes e transformar em indiretas

as futuras eleições para presidente, vice-presidente e governador”.

Desta maneira os partidos que até então existiam foram extintos e o Brasil passou a

ter um bipartidarismo, composto pela ARENA (Aliança Renovadora Nacional) sendo este

partido ligado ao governo integrando políticos dos extintos PSD e UDN.

Page 18: Florestan Fernandes

18

A oposição ficou a cargo do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), que recebeu

partidários do antigo PTB e mais tarde do PSD, que desligaram da ala governamental.

No ano de 1967 começavam a planejar a sucessão presidencial, o grupo ligado ao

Presidente Castelo Branco não conseguiu selecionar um nome do chamado grupo castelista

do exército para concorrer à presidência, sendo escolhido pelos militares, um membro da

linha dura do exército o General Artur da Costa e Silva e como vice – presidente o civil e

mineiro Pedro Aleixo.

O General Costa e Silva tinha como sua principal marca pessoal, ser um militar da

linha dura, e ao contrário do seu antecessor não se interessava por leituras difíceis sobre

estratégia militar. O que realmente caracteriza Costa e Silva era a prática, ou seja, colocar

em prática todos os ensinamentos militares que aprendera nos Estados Unidos no período

que foi comandante do IV destacamento do exército brasileiro durante os anos que o Brasil

foi governado por João Goulart.

Desta forma, Costa e Silva representaria as esperanças do grupo da linha dura de ter

um governo forte e repressor a quem se opusesse à ditadura. Assim, durante o seu governo

iniciou-se o momento mais duro da ditadura militar no Brasil.

É no governo de Costa e Silva que os movimentos de oposição fortaleceram, como

por exemplo movimentos ligados a Igreja Católica e aos estudantes representados pela

UNE – União Nacional dos Estudantes.

Esta oposição também aumenta no caráter político, onde houve a aproximação de

políticos que até então eram inimigos; como é o caso de Carlos Lacerda e JK que juntos

criaram à chamada Frente Ampla, que tinha o objetivo, segundo Boris Fausto (1995, p. 403)

de “lutar pela redemocratização do país e a afirmação dos direitos dos trabalhadores”.

Essas manifestações ocorreram por todo o país em forma de greves, como ocorreu

em Contagem, cidade da região metropolitana de Belo Horizonte e em Osasco na grande

São Paulo. Houve também passeatas como a dos Cem Mil, manifestação que levou cerca

de 100 mil estudantes para as ruas do Rio de Janeiro.

O estopim para a passeata do Cem Mil na concepção de Boris Fausto (1995, p.407),

“foi a morte de um estudante secundarista de nome Edson Luís, morto pela polícia militar

durante um pequeno protesto no Rio de Janeiro”.

Todas essas manifestações durante o governo de Costa e Silva não ficaram presas a

grupos de estudantes, também sugiram nesse período os chamados grupos de guerrilhas,

Page 19: Florestan Fernandes

19

que espalharam-se por todo o país com o único objetivo de lutar pelo fim da ditadura militar

no Brasil.

Essas guerrilhas caracterizavam-se por serem grupos muitas vezes formados por ex-

partidários do PCB, que após a sua extinção tomou uma postura que não satisfez todos os

seus integrantes como é o caso de Carlos Marighella, que abandonou o partido para liderar

um dos grupos de maior destaque da época: a ALN – Aliança de Libertadora Nacional.

Outras guerrilhas surgiram com o tempo, como por exemplo o MR-8 – Movimento

Revolucionário Oito de Outubro e a VPR – Vanguarda Popular Revolucionária, que tiveram

como seus principais membros e lideres, militares afastados como Carlos Lamarca.

Os grupos guerrilheiros não foram algo exclusivo do meio urbano. No campo também

foi possível perceber a formação de algum, é o caso da guerrilha do Araguaia que instaurou-

se na região do Rio Araguaia.

Uma das primeiras ações destas guerrilhas foi o atentado a bomba na sede do

consulado dos Estados Unidos na cidade de São Paulo. Os assaltos a bancos, também foi

uma marca das guerrilhas, que era um meio encontrado pelos líderes de estarem buscando

recursos financeiros para própria manutenção dos movimentos, estes assaltos resultaram

segundo Del Priore e Venâncio (2001, p. 372) “em cerca de trezentas instituições atacadas,

com a apropriação de mais de dois milhões de dólares”.

Com todos esses movimentos que estavam ocorrendo em todo o país, o governo de

Costa e Silva buscou algumas medidas para combatê-los. Uma destas medidas tomadas

pelo governo foi promulgação de um outro Ato Institucional, o AI-5, sendo este considerado

a medida mais repressiva que ocorreu no Brasil durante todo o período militar.

O AI-5, um dos mecanismos políticos mais cruéis criado pelso militares segundo

Fausto (1995, p.413)

(...) foi uma forma de o regime mostrar-se

incapaz de ceder as pressões sociais e de

reformar-se, levando cada vez mais ao país a

uma ditadura brutal que estender-se-ia até o

inicio do processo de abertura.

Costa e Silva não chegaou ao fim de seu mandato, devido a um derrame que lhe

deixou impossibilitado de continuar no cargo. Dessa forma, para assumir o seu lugar foi

Page 20: Florestan Fernandes

20

composta uma Junta Militar pelos ministros Lira Tavares, do Exército, Augusto Rademarker,

da Marinha e Márcio de Souza e Melo, da Aeronáutica, que através de mais um Ato

Institucional, assumem o poder provisório do país, desrespeitando a constituição de 1967,

que estabelecia que o então vice – presidente da república deveria assumir o cargo, neste

caso Pedro Aleixo.

A Junta Militar comandou o país até a eleição de Médici e manteve as bases políticas

do governo de Costa e Silva continuou com censura e repressão da mesma forma.

No entanto o Ato Institucional criado pela Junta Militar, instalou algumas medidas que

combateu os atos de rebeldia e oposição, deixando a situação mais dura quando a Junta

Militar deixa o poder. Assume presidência do país o General Emilio Garrastazu Médici.

Assim que assume, umas das suas primeiras medidas segundo Fausto (1995, p.418)

foi “dividir o seu governo em áreas administrativas, a militar, a econômica e a política”,

designando para os cargos administrativos políticos importantes como Delfin Neto que

ficaria responsável pelo setor econômico, na pasta do Ministério da Fazenda, e também

nomeou militares respeitados como o irmão do futuro presidente Geisel, Orlando Geisel para

administrar as Forças Armadas.

O novo governo inicia colocando em prática uma política repressiva, com o objetivo

de acabar com as guerrilhas. O governo Médici é considerado o período mais repressivo da

história brasileira. Devido a grande onda de mortes, sumiços misteriosos que estavam

ocorrendo por todo o país.

Este combate às guerrilhas urbanas foi ganhando êxito, e forças do governo

conseguiram chegar aos líderes das guerrilhas através de depoimentos de membros destas,

que eram presos e torturados. Dessa forma os militares conseguiram capturar o líder da

ALN, Carlos Marighella que foi morto em uma emboscada policial.

Outro líder das guerrilhas morto durante o governo de Médici foi Carlos Lamarca,

líder da VPR, que após vários deslocamentos pelo Brasil com seu grupo, foi encontrado no

sertão do Bahia e foi assassinado pelas forças de repressão do regime.

O governo Médici não foi apenas marcado por ser considerado o período mais duro

do regime. No seu governo a economia brasileira alcançou números excelentes fato que

ficou conhecido como o “Milagre Econômico”.

Foi o período em que o país procurou investimentos estrangeiros para dar condições

de atender o mercado mundial, trazendo empresas multinacionais e investimento em obras

faraônicas por todo o país, como a construção da Transamazônica e da Ponte Rio – Niterói.

Page 21: Florestan Fernandes

21

Apesar de possuir um contexto de desenvolvimento muito concreto na análise de

Fausto (1995, p.423) pode-se perceber que

(...) este milagre tinha os seus pontos fracos,

como a execessiva dependência do sistema

financeiro internacional e a presença cada vez

maior de produtos importados, como é o caso do

petróleo, desta forma o que o milagre brasileiro

provocou realmente foi o aumento da dívida

externa do país.

Outro fato importante de ressaltar do governo de Médici é a questão da política

ufanista utilizada pelo presidente. Num dos momentos mais eufóricos para os brasileiros,

durante a Copa do Mundo de futebol no ano de 1970, foram vinculadas músicas e frases

sempre com o intuito de mostrar que o Brasil estaria constituindo – se como um país forte.

Este foi o cenário que Médici construiu e deixou à presidência. Sendo ele

considerado “Carrasco” deixou o país com uma dívida externa enorme. É com esta situação

que assume a presidência após o fim do mandato de Médici um militar da chamada linha

castelista do exército, o General Ernesto Geisel que ficaria encarregado de iniciar um

processo de abertura política gradual.

Page 22: Florestan Fernandes

22

2 - Florestan Fernandes – Dedicação e superação.

Florestan Fernandes nasceu em São Paulo na década de 20, filho de uma imigrante

portuguesa que trabalhava como empregada doméstica, viu –se obrigado a largar os

estudos aos 9 anos de idade para trabalhar e ajudar a mãe nas despesas de casa. Neste

período trabalhou como engraxate, ajudante de mercenária e outras funções.

Com esta pequena e simples trajetória, não imaginava-se que este menino que veio

a ganhar um outro nome de sua madrinha e, passsou a ser chamado de Vicente e pouco

tempo depois, tornava-se o nome mais importante da sociologia brasileira. Esse menino

voltava a ser conhecido por todos e em todas as partes do mundo como Florestan

Fernandes.

A história de Florestan inicia-se no dia 22 de julho do ano de 1920, na cidade de São

Paulo. Filho de uma paixão entre uma jovem imigrante portuguesa e um rapaz que

trabalhava na mesma casa que sua mãe, e que Florestan conheceu e foi abandonado pelo

pai, no entanto, sua mãe encontrou uma amizade verdadeira um apoio para encarar e levar

a vida em frente.

Essa amizade foi com um motorista alemão que ela conhecera e que chamava-se

Florestan, em homenagem a uma das obras de Betowenn.

Graças, essa amizade, a mãe de Florestan encontrou carinho, afeto e força para

criar seu filho e pôde batalhar para buscar uma vida melhor para ambos, Numa forma de

retribuir toda esta amizade, deu-se o nome ao jovem recém-nascido de Florestan

Fernandes.

2.1 – A infância de Florestan

A história de Florestan começou a ser construída a partir do romance entre sua mãe

com um colega de serviço. No momento que Dona Maria Fernandes soube que estava

grávida, ela segundo Lourez Cerqueira (2004, p.11) “preferiu desaparecer da cidade a

procura de um novo emprego e ter o seu filho longe da tortura da maledicência”.

Foi a partir dessa decisão que a vida deles ganhou um novo rumo, pois, nesse

momento Dona Maria Fernandes conseguiu um novo emprego e conquistou novas

Page 23: Florestan Fernandes

23

amizades ajudou-a muito na criação de Florestan. Este novo emprego, foi na casa de uma

das famílias mais tradicionais de São Paulo, a família Bresser.

Com o nascimento de Florestan, Dona Maria convida a sua então patroa para ser a

madrinha de batismo. A patroa aceita o convite e dizia que a chegada do filho de Dona

Maria seria uma forma de a felicidade chegar na casa dos Bresser.

O nome de Florestan foi algo questionado pela sua madrinha, já que, para ela, o

nome Florestan era um nome para gente de classe social mais elevada. Sendo assim, a sua

madrinha passaria a chamar o menino de Vicente que era um nome mais apropriado para

classe social da qual ele viera.

Com o passar dos anos o agora “Vicente” foi crescendo e quando completou seis

anos de idade viu a sua vida mudar drasticamente. Sua mãe passava por problemas

financeiros e viu-se obrigada, em um determinado momento, a deixar o seu filho sobre os

cuidados da madrinha.

Cuidados que foram por um período temporário até o momento que ela pudesse criar

o seu menino novamente sozinha.

Assim, o jovem Florestan viveu dos seis aos sete anos com a sua madrinha, sendo

esse momento o seu primeiro contato com os estudos, algo que ao passar dos anos tornou-

se diário em sua vida.

A sua madrinha o matriculou em uma escola, mas ele viu a sua vida mudar

novamente quando à sua madrinha pediu a sua mãe que passasse Florestan para ela

definitivamente, “Dona Maria ficou profundamente ofendida com o que ouviu, mirou nos

olhos da outra e indignada, deu-lhe uma resposta, não se dá filho, o que se dá são cães”.

(CERQUEIRA, 2004, p.14).

A partir deste episódio Florestan voltou a viver com a sua mãe e continuou a

frequentar a escola. Aos nove anos ele teve de abandonar os estudos para ajudar nas

despesas familiares, trabalhou em várias funções e deixou os estudos temporariamente de

lado.

2.2 – Do curso de madureza à USP.

Florestan, após a decisão de sua mãe de levá-lo da casa de sua madrinha viveu em

condições muito difíceis. Vendo sua mãe passar por dificuldades financeiras desistiu dos

estudos e começou a trabalhar.

Page 24: Florestan Fernandes

24

Assim, o menino Florestan começou a trabalhar em vários pequenos empregos no

qual segundo Cerqueira (2004, p.16), “ora engraxava sapatos, encerava casas no bairro,

ajudava numa fábrica de colchões, ora entregava compras de feiras em domicílios”.

Foram esses pequenos ofícios que lhe rendia um dinheiro suficiente para ajudar a

sua mãe nas despesas familiares.

Apesar de estar longe da escola e trabalhando, Florestan nunca deixou de se

interessar pelos livros. É verdade que seus estudos básicos não aconteceram de forma

regular, mas ele nunca desanimou e sempre pensava que num determinado dia poderia ter

uma vida melhor, e que esta melhora de vida seria alcançada através dos estudos.

As portas da educação abriram novamente para Florestan, quando já adolescente

trabalhava num bar de São Paulo, denominado de Bar Bidu. Esse bar era diariamente

freqüentado por importantes intelectuais e jornalistas da cidade.

Florestan então começou a chamar a atenção dessas pessoas com toda a sua

desenvoltura ao falar de temas complexos como política, sociedade e história.

Veja como Cerqueira relata esta capacidade do jovem Florestan:

Florestan devia ter catorze ou quinze anos,

estava numa fase de inquietude, questionava

tudo, não dispensava numa boa discussão sobre

qualquer assunto, quando a conversa entre os

clientes era sobre temas da história ou

acontecimentos políticos do momento, ele dava

um jeito de participar e demonstrava um

conhecimento incomum, os fregueses ficavam

impressionados com aquele simples garçom.

(CERQUEIRA, 2004, p. 26)

Muitos desses fregueses se perguntavam como um jovem poderá ter todo aquele

conhecimento. O que eles não sabiam que Florestan, apesar de ter abandonado os estudos

aos nove anos, nunca abandonou a vontade de aprender e adquirir conhecimento, por isso

era possível sempre ver Florestan lendo um bom livro e mais importante é que ele teve uma

educação familiar coesa e ao mesmo tempo rígida.

Page 25: Florestan Fernandes

25

Tal educação fez com que Florestan tivesse a consciência de que era preciso ter

certa bagagem de conhecimento para conseguir no futuro uma condição de vida melhor, isto

independentemente da sua classe social.

Foi num destes debates com os fregueses do bar Bidu, que o jovem Florestan

conheceu um jornalista que o chamou para conversar, e nesses poucos minutos de

conversa o jornalista convenceu a voltar estudar.

Florestan foi até o Colégio Riachuelo e matriculou-se no curso de madureza. E

quando chegou em casa disse à sua mãe que tinha decidido voltar a estudar. E Com os

olhos marejados Dona Maria disse a ele “que não concordava com a decisão do filho porque

tinha medo de ser abandonada caso fizesse uma carreira profissional expressiva”.

(CERQUEIRA, 2004, p.27)

Dona Maria mal sabia que naquele momento Florestan veio tomou uma decisão que

mudaria a sua vida para sempre, pois estava iniciando naquele momento uma trajetória

acadêmica que marcaria a história de uma das mais importantes universidades do país, a

Universidade de São Paulo.

Ao longo do curso de madureza ele foi destacando-se por sua aplicação, e

consequentemente veio crescendo o interesse de ir cada vez mais adiante. Ao formar-se no

Colégio Riachuelo, inscreveu-se para o processo seletivo do vestibular da Universidade de

São Paulo, no curso de Ciências Sociais. Apesar dessa vida pessoal e familiar difícil e da

formação básica precária segundo Reis (2003, p.204), “chegou a Universidade de São

Paulo, aos 21 anos, e partir deste momento foram 11 anos regulares e concentrados de

formação superior assentados sobre uma irregular e tumultuada formação básica”.

2.3 – O intelectual Florestan Fernandes

Foram longos anos percorridos pelo jovem garçom do Bar Bidu, até concluir o curso

de madureza e chegar a um local que foi erguido para ser reduto intelectual da elite

paulistana, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.

Florestan como em toda a sua vida dedicou-se e foi beneficiado por toda esta

dedicação como afirma Reis (2003, p. 205), “foram 11 anos como discente da USP, de 1940

a 1951 cursou a licenciatura e o bacharelado em Ciências Sociais e o mestrado e doutorado

em Sociologia e Antropologia na Escola Livre de Sociologia e Política”.

Page 26: Florestan Fernandes

26

A trajetória acadêmica de Florestan começa a ganhar notoriedade no momento que

ele torna-se aluno do professor de Sociologia I, Antônio Cândido, que além de professor da

Universidade de São Paulo escrevia semanalmente para o Jornal Folha de São Paulo, e é

neste contexto que o professor o convida para ocupar a cadeira de professor assistente na

disciplina que lecionava.

A partir deste momento Florestan já chamava a atenção de Antônio Cândido e

também já conseguia chamar atenção de nomes importantes da USP, como do professor

francês Roger Bastide. Desta maneira, pode-se considerar através de todo este destaque

acadêmico que Florestan Fernandes na concepção de Reis (2003, p.204) “foi um dos

primeiros frutos das missões estrangeiras que vieram para o Brasil para fundar a

Universidade de São Paulo nos anos 30”.

Toda a dedicação de Florestan podia ser percebida em debates, e nos seminários

temáticos.

Graças a esse empenho, assumiu a cadeira de professor assistente de Sociologia,

tendo a indicação de Antônio Cândido, cadeira que até então era comandada por Roger

Bastide, que seria orientador de Florestan no mestrado e no doutorado.

A partir daí, ao assumir esta cadeira de professor assistente e mais tarde como

professor titular estava iniciando definitivamente a construção da sociologia moderna no

Brasil.

Segundo Reis nas obras de Florestan sobre o Brasil é possível perceber:

(...) movimentos sociais, a ação dos índios e

negros imigrantes, escravos, trabalhadores rurais

e urbanos, percebe-se também a sociedade

como uma rede de relações sociais. (REIS,

2003, P.205)

Construindo assim um pensamento que na visão de José Carlos Reis pode ser

considerado

(...) um pensamento eclético e marxista

basicamente, mas com uma sólida formação

sociológica clássica, absorvendo de forma

Page 27: Florestan Fernandes

27

especial as influências de Weber e Mennhein,

que o tornaram um marxista mais sofisticado

teoricamente. (REIS, p. 205)

Todo esse foco temático construído por Florestan deu-se sobre uma influência

clássica do pensamento marxista. Estava efetivando a construção definitiva de uma

sociologia que marcaria todo um pensamento sociológico brasileiro e que iria influenciar

outros grandes teóricos brasileiros como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que

foi aluno de Florestan na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.

Uma das primeiras produções acadêmicas de relevância de Florestan foi a sua

dissertação de mestrado, na qual Florestan buscou analisar o modo de vida dos índios

Tupinambás integrando-os a sociedade brasileira.

Esta produção contribuiu para que Florestan fosse participar do concurso para livre

docente da Cadeira de Sociologia da USP, que pertencia a Roger Bastide, que havia

retornado para França. Saído o resultado final do concurso, Florestan classificou-se e foi

nomeado, tornando-se professor titular de sociologia.

Com a efetivação no cargo de professor titular, Florestan consolida-se no cenário

acadêmico brasileiro, como professor e sociólogo de uma das principais instituições do país,

e agora passava a influenciar outras pessoas dentro da USP, como Fernando Henrique

Cardoso segundo Cerqueira (2004, p.36), “que após sua decisão de estudar sociologia,

Florestan passou a ser a sua mais importante referência em sua carreira acadêmica”.

A influencia de Florestan na vida acadêmica de Fernando Henrique Cardoso foi mais

além, pois, quando Florestan assumiu a cadeira de sociologia, nomeou Fernando Henrique

para ser seu primeiro assistente, uma posição logo abaixo de seu posto.

Florestan foi construiu a sua carreira acadêmica com uma proximidade muito forte do

pensamento marxista lutando por uma mudança social na sociedade brasileira. Mudança

esta que seria denominada por Florestan como a Revolução Burguesa no Brasil.

O pensamento de mudança social idealizado por Florestan seria na visão de Reis

(2003, p.206) “um pensamento tenso, que articula as paixões e aspirações do cidadão,

reunindo na medida do possível, intervenção política, movida por interesses de classes”.

De acordo com Reis, o pensamento de Florestan Fernandes poderia ser denominado

sobre um conceito fundamental, este conceito sociológico seria o de padrões.

Page 28: Florestan Fernandes

28

Padrões, no que ele busca caracterizar formas

de organização e regularidades dinâmicas,

reconstrutiveis, discerníveis, identificáveis e

apreendidas em seu modo próprio de

articulações, ou ainda estes seriam estruturas

sociais que limitam a ação dos sujeitos sociais,

que os impedem de implantar na realidade a sua

vontade e os seus sonhos. (REIS, 2003, p.208)

Outro conceito sociológico que é utilizado por Florestan como afirma Reis, é o do

“dilemas” que passa a idéia de

(...) condições geradas pela dinâmica dos

padrões que opõem obstáculos à realização das

possibilidades postas por eles, e assim também

pode ser a constituição das decisões produzidas

por sujeitos históricos em certas possibilidades

objetivas de ação, que podem ou não ser

aproveitadas. (REIS, 2003, p. 208)

Desta maneira, este pensamento sociológico criado por Florestan passava a ser

denominado como salienta Cerqueira um estudo de:

Fundamentos empíricos da explicação

sociológica, no qual buscava resolver uma

questão que perturbava todos naquele momento:

compartilhar as concepções de Emile Durkhein,

Max Weber e Karl Marx, de forma que esses

pensamentos aparentemente incompatíveis

tivessem e consistência. (CERQUEIRA, 2004, p.

50)

Outro tema debatido por Florestan foi a integração do negro na sociedade brasileira,

tendo como objeto de estudo a questão da escravidão, com este trabalho ele realizou uma

Page 29: Florestan Fernandes

29

discussão sobre a obra de Gilberto Freyre, “Casa Grande & Senzala”, que para o sociólogo

era uma obra que possuía uma visão amena e conservadora.

Segundo Reis (2003, p.210) Florestan realiza uma análise partindo do pressuposto

que Gilberto Freyre cria uma visão distorcida da realidade do negro, sendo esta uma visão

(...) visão suave e muito cruel, onde os escravos

não eram colocados como cidadãos, moravam

em quase prisões, trabalhavam sob coerção,

repressão e violência, eram castigados, ou seja

falar em suavidade e ternura nas relações

senhor e escravo é ir cinicamente contra os

fatos.

Essa era a visão de Bastide que foi o grande mestre de Florestan na USP, e ao

longo dos estudos despertou esse interesse em seu discípulo que continuou o trabalho de

Bastide analisando friamente a friamente a obra referência de Gilberto Freyre.

Florestan então ao analisar a obra de Freyre e a escravidão do negro na sociedade

brasileira relata que a obra segundo Cerqueira (2003, p. 53) “coloca em evidência a

violência, o preconceito e a segregação contra os negros como elementos fundamentais na

formação da sociedade Brasileira”.

Tocando também na imagem da “Casa Grande & Senzala” na sociedade colonial

remetendo este estereotipo para a realidade brasileira, Florestan concluiu que apesar de

Freyre trabalhar este fator como uma forma de miscigenação introdutora da democracia

racial, com isto a ligação existente entre senzala e casa grande deve ser explicado de

maneira de opressão, sendo que segundo Reis (2003, p. 211) “o negro sinônimo de

subalterno, inferior, dominado, ou seja, o negro não poderia ter ambições políticas”.

Outro assunto presente nos estudos de Florestan foi a questão da autonomia

econômica do Brasil, para ele antes de compreender o sistema econômico brasileiro, era

preciso distinguir e analisar a dinâmica do capitalismo dentro da realidade brasileira.

Somente após a compreensão do capitalismo pôde-se concluir que para alcançar

autonomia nacional, deve-se acabar primeiramente com a imagem de dependência

econômica que floresce no Brasil deste do seu descobrimento, assim como afirma Reis

Page 30: Florestan Fernandes

30

(2003, p.212) “não há proposta nacionalista que possa amortecer a luta de classes e

diminuir a exploração da burguesia dependente”.

Desta maneira, segundo o próprio Reis (2003, p.212) na concepção de Florestan

autonomia brasileira se “um dia for possível, ela não era dentro do sistema capitalista,

deveria orientar-se, então contra o sistema capitalista internacional e não por irrealizável

capitalismo nacional”.

Esta

ideia de emancipação brasileira foi um dos pontos de divergência entre Florestan e seu

discípulo mais próximo Fernando Henrique, pois enquanto Florestan era contra a

dependência junto ao capitalismo internacional, Fernando Henrique era um dos teóricos que

defendia esta dependência, já que para ele o Brasil somente iria alcançar sua autonomia

definitiva com a participação ativa do capital estrangeiro na economia brasileira, e que este

seria o responsável pelo desenvolvimento do Brasil.

É possível perceber que as teorias criadas por Florestan

(...) conseguiu juntar a disciplina, o talento, a

inteligência, manifestada precocemente, o

desejo de superação das carências de sua

infância e juventude, a busca incansável das

raízes dos problemas e a percepção da

importância daquele núcleo de estudos.

(CERQUEIRA, p, 54)

Mostr

ando que apesar de todas as dificuldades passadas ao longo de sua juventude, Florestan

absorveu estas e trouxe para o campo cientifico todo o seu espírito de superação e

dedicação o que lhe fez tornar no grande responsável pela construção da sociologia

brasileira, e consequentemente em um dos nomes mais importantes das Ciências Sociais,

tanto no Brasil, como no exterior.

Page 31: Florestan Fernandes

31

3 – Universidade no Brasil

3.1 – Breve histórico do Ensino Superior no Brasil

O ensino superior no Brasil é uma modalidade de ensino que iniciou sua construção

no momento que os portugueses chegaram ao Brasil com o objetivo de colonizar. A partir

deste momento foi dado o primeiro passo para o estabelecimento desta modalidade de

ensino no país, e ao longo dos anos passou por um processo de desenvolvimento até

chegar ao status que possui atualmente.

É importante salientar que o início da construção do ensino superior no Brasil foi algo

que enfrentou certa resistência por determinadas partes interessadas. Portugal acreditava

que não era viável a criação de institutos superiores de ensino no Brasil, devido a sua

política de colonização, que era voltada para a questão da exploração.

Do outro lado encontrava-se os interesses dos colonos que viviam no Brasil que não

viam justificativa alguma para a implantação do ensino superior na colônia, já que

consideravam mais vantajoso que os filhos da elite colonial voltasse a Europa para

realizarem seus estudos superiores.

E o exemplo disto é que:

“(...) os alunos graduados nos colégios jesuítas iam

para a Universidade de Coimbra, ou para outras

universidades européias, a fim de completar seus

estudos”.(FAVERO, 2006, p. 39)

Desta maneira, pode-se considerar que a primeira universidade brasileira na

realidade encontrava-se do outro lado do oceano atlântico, em terras portuguesas, esta

instituição foi a Universidade de Coimbra, criada no ano de 1290, após a assinatura do

documento Scientiae Thesauros Mirabilis por D. Diniz.

Com isto, não seria exagero citar que Portugal ao longo de todo o período colonial

exerceu grande influência não somente no contexto político-administrativo da colônia, mas,

também foi o grande responsável pela formação acadêmica da elite colonial brasileira.

Page 32: Florestan Fernandes

32

A realidade do ensino superior no Brasil começou a tomar um novo rumo em num

dos momentos mais importantes da história brasileira, quando a Família Real Portuguesa

deixou Lisboa, fugindo do Imperador francês Napoleão Bonaparte em novembro de 1807,

chegando a terras brasileiras em janeiro de 1808.

É nesse momento que se percebe uma grande iniciativa por parte do Príncipe

Regente D. João VI em criar uma estrutura e dar início a construção de cursos superiores no

Brasil, com isto a partir de 1808:

(...) são criados cursos e academias destinadas

a formar, sobretudo, profissionais para o Estado,

assim, como especialistas na produção de seus

símbolos, e um plano, talvez, secundário

profissionais de nível superior. (CUNHA, 1980, p.

201).

Através da iniciativa de D. João VI percebe-se o desenvolvimento dos cursos

superiores no Brasil, entre os anos de 1810 a 1828, e foram criados vários centros de

ensino superiores no Brasil.

Como a Academia Real Militar, os cursos

jurídicos em Olinda e São Paulo, alias, pode-se

considerar esses cursos como algo de grande

influência na formação da elite e também na

mentalidade política do império. (MOREIRA,

1960, p. 60).

Após a proclamação da independência do Brasil por D. Pedro I, o processo de

desenvolvimento do ensino superior no país continuou florescendo e ganhando cada vez

mais espaço sobre a sociedade brasileira, e outras escolas voltadas para o ensino superior

foram criadas em todo país como, a Escola de Farmácia de Ouro Preto criada no ano de

1839, durante a Regência de Araújo Lima e a Escola de Minas de Ouro Preto criada no ano

de 1876. No governo de D. Pedro II, essas duas escolas servirão de base para a criação da

Universidade Federal de Ouro Preto.

Page 33: Florestan Fernandes

33

Nas primeiras décadas do período republicano foi criada a Universidade do Rio de

Janeiro a primeira universidade brasileira nos moldes das grandes universidades européias.

Criada pelo então Presidente Epitácio Pessoa, que determinou a união das três unidades de

caráter profissional do Rio de Janeiro, assegurando-as autonomias didática e administrativa.

Desta maneira segundo Fávero (2006, p.45)

A primeira universidade oficial é criada,

resultando da justificativa de três escolas

tradicionais, sem maior integração entre elas e

cada uma conservando suas características.

A partir da criação da Universidade do Rio de Janeiro foi possível delimitar alguns

debates que contribuíram para a concretização do ensino superior no Brasil. Surgindo várias

outras instituições seguindo o exemplo da Universidade do Rio de Janeiro, como a

Universidade de Minas Gerais criada em 1927, a partir da união de quatro escolas isoladas

de ensino superior.

Esses debates contribuiu com questionamentos ligados às funções e o papel da

universidade diante a sociedade, tendo duas correntes de pensamento divergentes, no qual

segundo Fávero (2006, p. 43) existiam os que:

(...) defendem como funções básicas a de

desenvolver a pesquisa cientifica, além de

formar profissionais, e os que consideram ser

prioridade a formação profissional.

No ano de 1930, o Brasil assistiu ao fim do período em que chamados “coronéis” de

Minas e São Paulo governaram o país. Nesse instante chegava ao poder através de

movimento revolucionário o gaúcho, Getulio Vargas, dando início um período da história que

ficou conhecido como a “Era Vargas”, no qual Getulio governou o Brasil entre os anos de

1930 a 1945, distribuídos em três fases, o governo provisório, governo constitucional e a

ditadura do Estado Novo.

Page 34: Florestan Fernandes

34

Getulio Vargas foi um dos grandes responsáveis pela concretização do ensino no

Brasil em todos os níveis, tendo como braço direito nesse desenvolvimento o então Ministro

da Educação e Saúde Pública, Gustavo Capanema, um dos nomes mais importantes da

área educacional no Brasil. Ele assumiu o ministério no ano de 1934 e foi o responsável

pela formação de um grupo estratégico que ficaria responsável pela reestruturação da

Universidade do Rio de Janeiro, que passaria a ser denominada de Universidade do Brasil.

Apesar desse desenvolvimento de Capanema, houve certo momento como salienta

Simon Schwartzman (1984, p. 127) que

Capanema jamais se decide de maneira

totalmente explícita, mas o peso da influência,

sendo que opôs-se à criação da Universidade do

Distrito Federal (UDF), concebida por Anísio

Teixeira durante a gestão de Pedro Ernesto na

prefeitura da capital da República.

Sobre esse contexto político da Era Vargas foi inaugurada uma das principais

instituições de ensino superior no país, a Universidade de São Paulo (USP), instituição da

qual Florestan Fernandes tornou-se um dos nomes mais importantes das Ciências Sociais

no Brasil.

A ideia inicial para a criação da USP, deu-se logo após a derrota das tropas de São

Paulo na Revolução Constitucionalista de 1932, momento no qual a sociedade paulistana

viu na necessidade de buscar um novo meio para proporcionar um ensino de qualidade à

elite. Diante disso, um grupo de empresários criou a Escola Livre de Sociologia e Política no

ano de 1933.

No ano seguinte, o então representante do governo federal no Estado de São Paulo,

o governador Armando de Salles Oliveira inaugura a Universidade de São Paulo.

A USP, seguiu o modelo das demais instituições que estavam surgindo no país,

através da união das Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Escola Politécnica de São

Paulo, Faculdade de Medicina e Direito surgi a Universidade de São Paulo.

Existe um diferencial entre USP e as demais universidades que eram criadas nos

principais centros do país, a USP buscou não somente seguir um modelo estrangeiro em

Page 35: Florestan Fernandes

35

sua estrutura pedagógica. A instituição trouxe uma missão de professores estrangeiros com

o propósito de transformar a USP em uma das principais universidades da América Latina.

Nomes como de Claude Lévi – Strauss, Fernand Braudel e Roger Bastide

participaram efetivamente da formação da universidade e principalmente na formação de

grandes nomes da academia brasileira, como do próprio Florestan que foi aluno de Bastide

no curso de Sociologia e que mais tarde ocupou a cadeira de Sociologia I que era ocupada

até então pelo próprio Bastide.

De São Paulo não sairão mais guerras civis

anárquicas, e sim uma revolução intelectual e

cientifica suscetível de mudar as concepções

econômicas e sociais dos brasileiros1

Passados os quinze anos da Era Vargas o país alcança uma estabilidade política ao

retornar para o processo democrático. A história denomina esse período como populista, em

que o povo brasileiro ganhou novamente o direito de escolher os seus representantes

políticos.

Nesta fase populista em nosso país foi possível de perceber a inserção um ideal

nacionalista muito coeso, exceto, quando o Brasil foi governado por Juscelino Kubitscheck,

o seu governo foi caracterizado por uma política nacional voltada para o desenvolvimento

com participação ativa do capital estrangeiro.

A Universidade no Brasil durante este período populista foi marcado por um legado

deixado pelos anos que Vargas encontrou-se no poder, e principalmente o que foi deixado

pelo Estado Novo. principalmente no quesito pesquisa cientifica.

Porém, a situação em relação à produção cientifica nos anos 50, não é muito

relevante durante a Era Vargas, já que segundo Antônio Paim (1982, p. 130)

(...) o impulso original que a pesquisa cientifica

veio alcançar entre 1935 a 1945 leva a uma

grande frustração na década de 50. Tornando

1 http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_Universidade_de_S%C3%A3o_Paulo

Page 36: Florestan Fernandes

36

instrumento de consolidação da universidade,

que fora recusada sistematicamente ao longo de

mais de um século, a pesquisa cientifica não

chega, contudo a assumir igualmente feição

acabada.

Esta questão problemática da Universidade no Brasil só foi melhorar na década de

60 pois, foi buscado um novo modelo para esta modalidade de ensino país, principalmente

em relação a usa função perante a sociedade, já que durante os anos 50, o que percebe-se

é a criação de inúmeras universidades voltadas para formação profissional.

Assim, seguindo o modelo que estava sendo implantado no contexto da

modernidade do então Presidente JK, segui-se num surgimento de uma proposta para que

esse contexto da modernidade alcançasse o meio acadêmico, dessa forma no ano de 1961

é criada a Universidade de Brasília (UnB) que na visão de Fávero (2006, p. 73) a instituição

surgiu:

(...) não apenas como a mais moderna

universidade do país naquele período, mas como

um divisor de águas na história das instituições

universitária, quer por suas finalidades, que por

sua organização institucional, como o foram a

USP e a UDF (Universidade do Distrito Federal)

nos anos 30.

A criação da UnB deu-se graças ao processo de ascensão do ensino superior, é

concretizado a partir do momento que foi iniciado um plano para reforma geral no sistema

acadêmico brasileiro. Esta reforma pode ser considerada a continuação que a LDB previa.

Dentro desta nova concepção proposta por esta reforma foi a UnB

No qual surgiu dentro de um projeto em que

colaborara a elite do magistério nacional e seu

modelo refletia soluções a que chegara a

consciência critica desses magistérios, no

Page 37: Florestan Fernandes

37

qualtinha de mais novo, o seu corpo de cientista

físicos e sociais.2

Este modelo da UnB serviu de exemplo para que em todo o território nacional como

a Universidade Federal de Minas Gerais em 1965 e a Universidade Federal de Ouro Preto

em 1969.

3.2 – Reforma Universitária de 1968

Por outro lado os militares continuaram, os processos de desenvolvimento do ensino

superior no Brasil. É possível verificar esta continuidade na proposta de um reforma

universitária durante o governo do General Costa e Silva.

Os militares tinham motivos relevantes para a concretização dessa reforma no

ensino superior, pois essa modalidade de ensino no país passava por um momento crítico,

com a existência de uma crise educacional devido ao aumento social da educação, existia

um grande número de pessoas que estavam-se preparando para ingressar no curso

superior, no entanto, as vagas nestes cursos não eram suficientes para demanda que

estava sendo construída.

Esse fato se deu graças ao um aumento industrial que passava o país e também ao

rompimento dos mecanismos tradicionais de fortalecimento da classe média.

Outro ponto para realização dessa reforma, é que o Estado tinha o objetivo de

buscar um novo padrão de desenvolvimento com a intenção de criar um processo

expansionista seguindo o ritmo do crescimento econômico nacional.

Dessa forma, o governo brasileiro busca uma qualificação de mão–de –obra, estaria

diretamente ligada ao processo educacional, daí a importância de modernizar e ampliar o

número de vagas no ensino superior.

A partir desse momento o Ministério da Educação inicia a elaboração de um plano de

reforma do sistema universitário no Brasil, que ficaria estabelecido em dois pontos

essenciais para sua elaboração.

2 http://www.unb.br/sobre/principais_capitulos/criacao

Page 38: Florestan Fernandes

38

O primeiro é que no período de grande agitação do movimento estudantil, devido a

repressão imposta aos estudantes com a ascensão dos militares ao poder, eles buscavam

posicionar–se politicamente diante a sociedade. Em assembléias e manifestações

reivindicavam mudanças no processo educacional superior no país.

Com as reivindicações do movimento estudantil foram surgindo propostas para a

reforma universitária.

Dessa forma em relação ao contexto da reforma universitária a União Nacional dos

Estudantes (UNE), citava em seus eventos e debates que a grande questão da universidade

no Brasil era segundo Fávero (2006, p. 81)

(...) sempre o problema da articulação da

universidade com as reformas de base e

questões políticas mais globais. (...) as

discussões no movimento estudantil passam a

contrar-se neste momento me dois pontos

fundamentais, a renovação dos acordos entre o

MEC/USAID e a revogação da Lei Suplicy (Lei nº

4464 de 09/11/1964) pela qual a UNE foi

substituída pelo diretório Nacional dos

Estudantes.

Outro ponto relacionado a questão da reforma universitária era os acordos que

estavam sendo firmados entre o Ministério da Educação com a United States Agency for

International Development. Eram os acordos MEC-USAID, que na visão de Fazenda (1985,

p. 63) esses acordos:

(...) embora de forma implícita, constituíram-se

em modelos para remodelação do Ensino.

Entretanto esses modelos, por utilizarem a

tecnologia pela tecnologia, acabaram por isolar a

educação do contexto global da sociedade,

embotando todo o sistema educacional já que

ele estava amarrado e financeiramente,

Page 39: Florestan Fernandes

39

dilapidado pelos gastos advindos do

cumprimento dos acordos.

Em relação a esses acordos entre o MEC e USAID, nas visões de Silveira e Paim

(2005, p. 121), o USAID possuía uma estratégia que “centrava-se no discurso de ajuda aos

países em desenvolvimento através de sua experiência e recursos financeiros atuando junto

a órgãos educacionais”.

Ou seja, este órgão do governo norte-americano utilizou da sua experiência e de sua

potencialidade financeira para poder realizar um desenvolvimento educacional no Brasil,

para realizar um desenvolvimento de estratégias pertinentes.

Dentro deste contexto da estratégia Romanelli (1988, p. 210) analisa que

(...) essas estratégias, embora não explicitasse

uma ação direta, planejadora e organizadora,

incluía (...) um tipo de ação que implicava na

doutrinação e treinamento de órgãos e pessoas

intermediárias brasileiras, com vistas obviamente

a uma intervenção na formulação de estratégia

que a própria AIO pretendia que fosse adotada

pelos dirigentes, órgãos e instituições

educacionais.

Com isso, essa reforma no ensino superior no ano de 1968 teve uma

inspiração muito forte com as movimentos estudantis e uma contribuição constante

de órgãos ligados ao governo dos Estados Unidos, que ofereceu uma ajuda

internacional de suma importância para efetivação dessa modernização do sistema

universitário brasileiro.

Com base em algumas reivindicações do movimento estudantil da época e do

auxilio do USAID, os militares realizaram essa reforma universitária. Nesse

momento, o governo expulsou vários nomes importantes das universidades do país.

Aproveitando disso fizeram uma reforma em que iria beneficiar somente a eles, já

que estavam realizando uma reforma com base nas idéias dos próprios estudantes.

Page 40: Florestan Fernandes

40

Essa reforma do ensino no ano de 1968 entre outros pontos propôs como

salienta Martins (2002, p. 68) institucionalizou:

(...) o departamento com unidade máxima de

ensino, criação de institutos básicos,

organização do currículo em ciclos básicos e

profissionalizantes, alteração do exame de

vestibular, abolição da cátedra, tomada de

decisões mais democráticas, institucionalização

da pesquisa nas universidades, centralização

das decisões em órgãos federais.

E para Martins (2002, p. 68) essa reforma universitária tinha como uma das

suas propostas criar:

Modificações decorrentes de toda essa

legislação, alterações profundas dos moldes

anteriores de ensino, tais como a supressão da

cátedra, a implantação dos departamentos, o

estabelecimento de um sistema de órgão ou

autoridades de coordenação e controle da

universidade. (...) reorganização dos

mecanismos de decisão das universidades,

divisão de áreas de trabalho do nível das

autoridades centrais, uma nova composição das

escolas, faculdades e institutos por

departamentos, um novo status e uma nova

carreira do professor, uma nova distribuição

deles por departamentos, uma nova composição

dos cursos por disciplinas distribuídas por

diferentes departamentos(...).

Com isto, pode-se dizer que a Reforma realizada pelos militares no ano de 1968,

buscou criar mecanismos que de certa maneira criou condições para que o Ensino Superior

no Brasil enquadra-se dentro da concepção de ensino direcionado a questão da pesquisa

cientifica.

Page 41: Florestan Fernandes

41

Dessa maneira, percebe-se que a reforma universitária segundo Silveira e Paim

(2005, p. 130) é uma

(...) atuação da USAID, que, utilizando-se dos

principais centros de administração educacional,

conseguiu promover programas a todos os níveis

de ensino, seguindo as propostas da ajuda

internacional e enfatizando não ser incumbência

da Universidade desempenhar um papel

inovador ou revolucionários, apenas

modernizador, o discurso de modernização será

empregado também na Educação, na qual para

o desenvolvimento de um país, seriam

necessários também investimentos no plano

educacional para o desenvolvimento do Estado.

Mostrando que os acordos entre o MEC e USAID conseguiu promover uma reforma

que alcançou de certo modo todos os níveis de ensino, dando a Universidade à função de

ser o mecanismo que extrema importância para ao desenvolvimento do país.

3.3 – Florestan Fernandes e a Universidade Brasileira.

Quando é analisado o ensino superior no Brasil, o nome do professor Florestan

Fernandes é sempre lembrado, devido a sua trajetória na Faculdade de Filosofia, Ciências e

Letras da USP, e por sua militância em defesa do ensino de qualidade e gratuito ao alcance

de todos.

Sobre essa militância, de Florestan, ganha grande destaque no período da Ditadura

Militar, com a realização da reforma universitária de 1968, que culminou com a promulgação

de acordos entre o MEC-USAID.

Acordos estes fizeram com que Florestan Fernandes segundo Cerqueira (2004,

p.100)

(...) Florestan havia tornando-se uma liderança

destacada da resistência às mudanças

pretendidas pelo governo. Ele combatia de peito

Page 42: Florestan Fernandes

42

aberto o acordo MEC-USAID, (...) a

reestruturação estava na contramão da luta que

ele e seus aliados desenvolviam em prol da

democratização do ensino superior, com garantia

da igualdade de oportunidades para todos, e a

institucionalização da pesquisa cientifica e do

ensino competente na universidade.

Foi devido esse posicionamento de Florestan em relação ao ensino superior no

Brasil, ele e mais dezenas de professores universitários foram presos no ano de 1964.

Florestan Fernandes foi preso e expulso da USP e ainda exilado no Canadá.

A militância de Florestan em relação ao ensino superior é anterior ao golpe militar e a

reforma de 1968. Tudo começou quando ele iniciou um trabalho ligando a sociologia e a

educação, que culminou com um texto publicado no Jornal de São Paulo em 1946, intitulado

de “A educação no interior do Brasil”, o professor Florestan aplicou o conceito sociológico de

demora cultural, para analisar o atraso educacional no Brasil, assim Florestan (1960, p. 121)

dizia que somente “sairemos do marasmo econômico e político sem transformações, de

maneira profunda e geral, em nosso sistema de ensino”.

Com a aplicação deste conceito fica claro perceber o posicionamento de Florestan

em relação questão educacional no país, relacionando esse ponto com a situação atual que

passava o país. Foi diante da situação do sistema educacional no Brasil que Florestan no

ano de 1966 publica “Educação e sociedade no Brasil”, escrito através de textos criados a

partir de estudos realizados pelo próprio professor entre os anos de 1946 a 1962.

Retornando a questão do ensino superior, sobre a concepção do mestre Florestan

essa modalidade de ensino deveria ter três pilares para que este tornasse de suma

importância para sociedade. Esses pilares eram: ensino, extensão e pesquisa, pois era

preciso produzir cientificamente para que o ensino superior ganhasse certo respaldo perante

a sociedade.

Dessa maneira Florestan Fernandes em relação aos pilares do ensino superior

segundo Saviani (2005, p. 79)

Page 43: Florestan Fernandes

43

(...) a produção de conhecimentos e da sua

transmissão através do ensino institucionalizado,

não descurou de sua difusão, da forma a mais

ampla possível, para o conjunto da sociedade.

Dir-se-ia que ele cumpriu magistralmente e em

sentido critico e revolucionário aquilo que se

define corretamente como as três grandes

funções da universidade: a pesquisa, o ensino e

a extensão.

Em “Dilemas do Ensino Superior”, no capítulo “Educação e sociedade no Brasil”, é

analisado o destino das universidades diante da nova sociedade que estava surgindo.

Outros pontos analisados foram a questão da presença dos professores estrangeiros

nas universidades brasileiras, algo que foi de suma importância para a construção e

redefinição do ensino superior no Brasil. Foi analisado também os aspectos estruturais e as

lições pedagógicas das instituições de ensino superior no Brasil.

Dessa maneira, todas essas análises e questionamentos em relação ao ensino

superior, Florestan torna-se um dos nomes mais importantes no país.

No momento que os militares iniciaram o processo de reforma universitária em 1968,

Florestan mesmo afastado de suas funções não deixou de criticar essa reforma proposta

pelos militares.

Com isso dentro desse contexto sócio histórico por qual passava o país Florestan

Fernandes já falava:

(...) da necessidade de uma outra premissa, a da

rebelião intelectual do universitário, da expansão

dos dinamismos culturais do pensamento critico

independente e da politização explicita através

dos valores fundamentais da universidade livre e

democrática. Fala-se aqui de uma profunda

revolução democrática da sociedade, e não de

uma reforma universitária. (FERNANDES, 1975,

p. 241)

Page 44: Florestan Fernandes

44

A reforma universitária de 1968, no ponto de vista de Florestan pode ser classificada

como uma anti-reforma, pois tratava-se de um momento de não publicar a negação

completa das reformas como um movimento social anti-sistêmico, mas de afirmar uma

mistificação criada pelo governo.

E essa posição a respeito a reforma e 1968 surgiu efeito segundo Cerqueira que:

“A medida que se intensificavam as pressões do

governo para implantação da política

educacional proposta no acordo MEC-USAID,

fez crescer uma onda de relação dentro das

universidades contra a reforma conservadora

proposta pelos militares” (CERQUEIRA, 2004,

p.106)

Nesse ponto essa reforma, foi um prolongamento da crise no sistema do ensino

superior, sendo que para Florestan este foi o pior momento que passou o ensino superior

desde de sua formação, enfatizado em sua obra “Universidade Brasileira: Reforma ou

Revolução”.

Sob a pressão constante de tendências

modernizadoras que partiam do interior do país,

dos Estados Unidos e de organismos

econômicos, educacionais e culturais

internacionais, e sob o desafio crescente da

rebelião estudantil, a reação conservadora

preferiu tomar a liderança política da reforma

universitária. (FERNANDES, 1975, p. 253)

3.4 – Ensino superior no Brasil: Reforma ou Revolução?

Nos últimos anos percebe-se um investimento muito forte do governo brasileiro no

ensino superior no país. A criação de programas governamentais direcionados a essa

questão como o PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação, que é um plano

educacional criado pelo governo com o objetivo de modernizar e qualificar a educação em

todas as modalidades de ensino.

Page 45: Florestan Fernandes

45

Também neste atual governo o Ministério da Educação criou o Programa de Apoio

ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI. O objetivo

principal desse plano é expandir, de forma significativa as vagas para estudantes de

graduação nas universidades federais, visando dessa forma, dotar para o sistema federal de

ensino condições necessárias para ampliação do acesso e a permanência do aluno na

educação superior.

No entanto, o governo não criou medidas voltadas apenas para o sistema federal de

ensino superior. Foi criando também um programa de bolsas de estudos para facilitar o

acesso às universidades privadas, o PROUNI – Programa Universidade Para Todos.

O PROUNI foi criado em 2004 e tem como finalidade conceder bolsas de estudos,

seja integral ou parcial a estudantes de cursos de graduação ou seqüências em instituições

privadas de ensino superior.

Como pode-se perceber com a criação PROUNI e do REUNI, o governo federal

buscou ampliar de forma concreta o número de vagas no ensino superior, facilitando assim,

o seu acesso. Como define uma das metas do Plano Nacional de Educação, que estabelece

que até 2011, um percentual de cerca de 30% dos jovens de 18 a 24 anos tenham acesso a

esta modalidade de ensino.

Há um questionamento que no passado que foi levantado por Florestan e que hoje

ainda pode ser questionado. Será que apenas aumentando o número de vagas em

universidades pode-se considerar como um grande avanço para educação superior no país?

Aos cursos, a qualidade de ensino, a estrutura física e pedagógica das instituições, o

investimento em pesquisa e extensão como será?

Mesmo com todo esse investimento no ensino superior no Brasil, hoje este necessita

de uma reforma ou de revolução? Para torna-se verdadeiramente algo de respaldo diante a

sociedade brasileira.

Atual

mente todas as medidas criadas pelo governo brasileiro em relação ao ensino superior

baseia-se nesses dois projetos o PROUNI e REUNI, possuindo certa similaridade com a

reforma universitária de 1968 no chamado MEC-USAID, já que ambos os projetos

estabelecem objetivos comuns que é alcançar a democratização do ensino superior no

Brasil.

Page 46: Florestan Fernandes

46

Em relação ao PROUNI, desde sua criação percebe-se que esse programa provocou

medições qualitativas no contexto do ingresso ao ensino superior, pois permitiu que os

atores sociais envolvidos tivessem uma maior nitidez em suas percepções.

O PROUNI tornou-se um programa acadêmico–social com uma conotação política

que gerou certo impacto sobre o meio acadêmico, administrativo, financeiro e psicossocial

das instituições privadas de ensino superior.

Neste sentido o PROUNI como uma política de acesso ao ensino superior segundo

José Carmelo de Carvalho (2007, p.12) pode ser considerado

Como medida que possuiu uma eficácia

momentânea, mas que de certa forma garante o

acesso ao ensino superior, servindo de medida

ampliadora de acesso ao ensino superior

privado, permitindo assim o ingresso de alunos

da rede pública de ensino superior de forma

mais democrática.

Essa ideia do PROUNI voltado para o ensino superior privado, contradiz com o

pensamento de Florestan Fernandes, que ao longo de todos os seus trabalhos relacionados

ao ensino superior sempre defendeu que todos tivessem acesso a universidade gratuita e

que estas voltassem a sua ideologia mais para o contexto social, criando oportunidades

para o acesso de mais alunos oriundos de classes menos favorecidas da sociedade.

Para Florestan haveria a inclusão social destes alunos não somente à sociedade

acadêmica, mas na sociedade como um todo, criando igualdade de direitos e possibilitando

oportunidades de ascensão profissional e cultural do jovem através do ensino superior.

De acordo com essa ideia de ensino gratuito proposto por Florestan pode–se

considerar que o governo busca um avanço neste sentido, com um programa voltado para

as universidades federais. Essa iniciativa do governo acontece através do REUNI.

Já que há muito tempo acontece uma luta de todos os setores da sociedade para

ampliação da oferta de vagas nas universidades federais, que sempre passou a imagem de

ser um local público criado somente para membros da classe mais favorecida da sociedade.

Page 47: Florestan Fernandes

47

Entretanto, a ampliação da oferta de vagas em instituições de ensino superior pública

deve ocorrer dentro de parâmetros pré-estabelecidos que permitam a manutenção do

padrão da qualidade de ensino.

É a partir desse ponto de qualidade do ensino que o REUNI gera maiores

dificuldades segundo Martinez e Tonegutti professores da Universidade Federal do Paraná.

O REUNI possui metas incompatíveis com os

padrões de qualidade de ensino, já que

aprofunda a precarização do trabalho docente e

na concepção, fere a autonomia universitária ao

impor padrões que são da competência

acadêmica das universidades3

O REUNI gerou uma facilidade de ingresso as universidades públicas, que passou a

oferecer mais vagas através de criação de novos cursos e de novas universidades.

Não é somente aumentando vagas que a questão da universidade pública torna-se

viável. É preciso pensar no contexto pedagógico e didático dos cursos oferecidos por essas

universidades, já que muitas vezes o nível do ensino encontra-se com qualidade duvidosa.

Um outro ponto contra as idéias de Florestan Fernandes, que tornou–se um militante

incansável na defesa de uma educação publicista que fosse capaz de criar uma sociedade

que atendesse as exigências mínimas do viver com dignidade, isso somente seria

concretizado a partir da universalização da educação de qualidade.

Ainda, nesse contexto dos programas atuais voltados para educação superior há

uma outra dicotomia entre estes programas e o pensamento de reforma universitária de

Florestan, e encontra-se naquilo que Florestan denominou como pesquisa, o ensino e a

extensão.

Para Florestan Fernandes essas funções da universidade

Consiste numa verdade prática, internamente

incorporada como uma espécie de segunda

natureza, levando em consideração o

3 http://www.apufpr.org.br/artigos/2007/20070914_artigo.pdf

Page 48: Florestan Fernandes

48

pensamento de Gramsci segundo o qual criar

uma nova cultura não significa apenas fazer

individualmente descobertas originais significa,

também e, sobretudo, difundir criticamente

verdades já descobertas, socializa-las por assim

dizer, transforma-las, portanto em base de ações

vitais, em elemento de coordenação e de ordem

intelectual e moral. (FERNANDES, p. 263)

O REUNI como um programa voltado para um contexto de aumento de vagas no

ensino público pode a vir a gerar uma perda da qualidade de ensino e a conseqüência disto

e a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

Isso transformará em um grande problema, pois acarretará consequemente na perda

da credibilidade e de legitimidade das universidades públicas.

É possível dizer que apesar de todo o investimento realizado pelo governo brasileiro

no ensino superior este ainda não alcançou o patamar desejado pela sociedade acadêmica.

Mostrando que é preciso realizar ainda muito investimento neste setor educacional. Hoje a

economia brasileira passa por um momento único de desenvolvimento, sendo possível

verificar esse desenvolvimento econômico em seus índices anuais.

Com todo esse desenvolvimento da economia brasileira faz-se necessário um

investimento maior na educação superior, não somente abrindo mais vagas e criando novas

universidades públicas, é preciso investir desde acesso a universidade ao desenvolvimento

da pesquisa.

Com isto pode-se considerar que é preciso realizar uma reforma no sistema

universitário brasileiro, e uma reforma no sentido literal de mudança, gerando desta forma

uma revolução no contexto do ensino superior no Brasil.

Revolução voltada para mais investimento no processo pedagógico, dos cursos de

graduação e de pós–graduação. Um investimento no corpo docente oferecendo melhores

condições de trabalho para os professores dando–lhes possibilidades maiores.

Investiu no desenvolvimento de pesquisa principalmente em programas de iniciação

científica, independentemente da instituição, seja esta privada ou pública.

Nesse sentido reforma e revolução possui o mesmo contexto em relação ao ensino

superior, pois é uma série de mudanças que devem ser realizadas para alcançar

Page 49: Florestan Fernandes

49

definitivamente o patamar desejado, e isto deixando claro que apesar de todos os

problemas ainda existentes.

No momento atual o ensino superior brasileiro passa por um progresso qualitativo,

mas que ainda é pequeno pela grandeza e pela importância do Ensino Superior com a

sociedade.

Page 50: Florestan Fernandes

50

Conclusão

Ao termino deste estudo tendo como foco principal a realização de uma analise

sobre o ensino superior no Brasil em cima das idéias criadas pelo professor de sociologia da

Universidade de São Paulo, Florestan Fernandes sobre a questão do ensino superior no

contexto de uma reforma ou de uma revolução, pode-se chegar a conclusão que a

universidade brasileira vem passando por um processo continuo de desenvolvimento.

Sempre na história da educação brasileira o que percebe-se é um inicio tardio de

todo um processo educacional em nosso país, devido toda questão envolvendo o processo

de colonização utilizado pelos portugueses no Brasil, isto voltou-se para a educação

superior no país, que somente começou a ver o surgimento dos primeiros centros de ensino

superior em território brasileiro três séculos após a chegada dos primeiros portugueses por

aqui.

E esta situação refletiu em todo o processo de desenvolvimento do ensino superior,

que durante o século XX pode alcançar um progresso razoável, mas que encontra-se em

um processo continuo de desenvolvimento nos dias atuais.

E foi sobre esta óptica que Florestan Fernandes analisa a questão do ensino superior

no Brasil, vindo a defesa de uma educação de qualidade e gratuita para todos os cidadãos

brasileiros.

Esta militância de Florestan ganhar maior ênfase na década de 60, que ficou

marcada pela instalação de uma ditadura militar no Brasil e criação de uma reforma

universitária no ano de 1968, reforma que ficou conhecida como acordos MEC-USAID.

E após a criação desta reforma Florestan Fernandes enfatiza a sua militância pelo

ensino superior gratuito, e que este necessitava passar por um processo de reorganização

voltado pra as três principais funções da universidade que é oferecer a sociedade, ensino,

extensão e pesquisa.

E é sobre esta questão das funções do ensino superior que pode-se voltar a este

contexto de reforma universitária nos dias atuais.

Se observar o desenvolvimento do ensino superior promovido pelo atual governo

brasileiro nota-se que este esbarra em algumas idéias de Florestan, programas como o

PROUNI e o REUNI foram implantando nos últimos anos como uma forma de buscar o

desenvolvimento do ensino superior, voltando-se para a questão da expansão de vagas em

universidades, seja esta privada ou pública.

Page 51: Florestan Fernandes

51

Mas, isto afeta um ponto da educação superior dentro do que Florestan sempre

defendeu, pois o PROUNI volta-se para abrir a oportunidade em instituições privadas,

oferecendo bolsas de estudos de forma parcial ou integral, ou seja, a questão do ensino

público não é algo que é planejado por este programa do governo, que voltou-se para a

questão do ensino superior privado.

Já o REUNI é um programa de expansão de vagas nas universidades federais, esta

expansão é concretizada através de criação de novos cursos de graduação e em criação de

novas universidades federais pelo país.

Mas, esta expansão prejudica a universidade no que diz respeito a qualidade de

ensino que muitas vezes verifica-se a queda do rendimento nos cursos de graduação destas

universidades federais, e principalmente também afeta nas funções diretas da universidade;

ensino, pesquisa e extensão.

Desta forma, verifica-se que apesar de todo desenvolvimento da universidade no

Brasil, esta modalidade de ensino necessita de um investimento voltado para questões

pedagógicas, didática, administrativa e ainda na questão da extensão universitária e da

pesquisa.

A partir de uma “reforma” e de uma “revolução” continua nestes pontos citados o

ensino superior no Brasil alcançara o patamar que foi desejado por Florestan Fernandes e

ganhará o respaldo diante a sociedade brasileira.

Page 52: Florestan Fernandes

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