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ESTRATÉGIAS COMPETITIVAS E COMPETÊNCIAS ESSENCIAIS: PERSPECTIVAS PARA A INTERNACIONALIZAÇÃO DA INDÚSTRIA NO BRASIL Afonso C. C. Fleury Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP, av. Almeida Padro, 531, CEP 05508, São Paulo, e-mail: [email protected] Maria Tereza Leme Fleury Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, Av. Professor Luciano Gualberto, 908, CEP 05508, São Paulo, e-mail: [email protected] Recebido em 7/8/2002 Aceito em 29/4/2003 v.10, n.2, p.129-144, ago. 2003 Resumo Uma das principais características da nova economia é a transição da eficiência individual para a eficiência coletiva. A competitividade é, e será cada vez mais, relacionada ao desempenho de redes interorganizacionais e não de empresas isoladas. Ao mesmo tempo, a formação dessas redes tem forte dimensão locacional, associada ao movimento de internacionalização das operações das grandes corporações transnacionais. Do ponto de vista de economias emergentes como a brasileira, importantes mudanças estão tendo lugar, como conseqüência do posicionamento de suas empresas nessas novas redes interorganizacionais internacionais. Este é o foco deste estudo. Um modelo analítico foi desenvolvido para a avaliação de quais setores industriais apresentam potencial para se tornarem competitivos internacionalmente, por demonstrarem possuir as competências organizacionais necessárias. O referencial conceitual foi construído a partir da idéia de que a participação numa rede interorganizacional depende das competências organizacionais desenvolvidas pela empresa e que essa participação vai implicar mudanças na definição de sua estratégia competitiva. A aplicação do modelo foi operacionalizada em um amplo survey da indústria no país. Os resultados permitem realizar uma primeira identificação do posicionamento das empresas em redes internacionais assim como avaliar a competitividade em seus diferentes setores industriais. Palavras-chave: estratégias competitivas, gestão de competências, manufatura internacional, cadeias de fornecimento, redes interorganizacionais, indústria brasileira.

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Page 1: Fleury e Fleury(2003)

ESTRATÉGIAS COMPETITIVAS ECOMPETÊNCIAS ESSENCIAIS:

PERSPECTIVAS PARA AINTERNACIONALIZAÇÃO DA

INDÚSTRIA NO BRASIL

Afonso C. C. FleuryDepartamento de Engenharia de Produção

da Escola Politécnica da USP, av. Almeida Padro, 531,CEP 05508, São Paulo, e-mail: [email protected]

Maria Tereza Leme FleuryFaculdade de Economia e Administração da Universidade de

São Paulo, Av. Professor Luciano Gualberto, 908,CEP 05508, São Paulo, e-mail: [email protected]

Recebido em 7/8/2002

Aceito em 29/4/2003v.10, n.2, p.129-144, ago. 2003

Resumo

Uma das principais características da nova economia é a transição da eficiência individual para aeficiência coletiva. A competitividade é, e será cada vez mais, relacionada ao desempenho de redesinterorganizacionais e não de empresas isoladas. Ao mesmo tempo, a formação dessas redes tem fortedimensão locacional, associada ao movimento de internacionalização das operações das grandescorporações transnacionais. Do ponto de vista de economias emergentes como a brasileira, importantesmudanças estão tendo lugar, como conseqüência do posicionamento de suas empresas nessas novasredes interorganizacionais internacionais. Este é o foco deste estudo. Um modelo analítico foi desenvolvidopara a avaliação de quais setores industriais apresentam potencial para se tornarem competitivosinternacionalmente, por demonstrarem possuir as competências organizacionais necessárias. Oreferencial conceitual foi construído a partir da idéia de que a participação numa rede interorganizacionaldepende das competências organizacionais desenvolvidas pela empresa e que essa participação vaiimplicar mudanças na definição de sua estratégia competitiva. A aplicação do modelo foi operacionalizadaem um amplo survey da indústria no país. Os resultados permitem realizar uma primeira identificaçãodo posicionamento das empresas em redes internacionais assim como avaliar a competitividade em seusdiferentes setores industriais.

Palavras-chave: estratégias competitivas, gestão de competências, manufatura internacional, cadeiasde fornecimento, redes interorganizacionais, indústria brasileira.

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1. Apresentação

Oprocesso de globalização dos negócios estáacelerando o ritmo de mudanças em termos

de como a produção de bens e serviços está sendoprojetada e implementada. Após a concepçãouniversalista e hegemônica de fábricas tayloristas-fordistas de grande escala, altamente integradas,observa-se a emergência de um complexo sistemade novos conceitos e fórmulas para a organizaçãodos negócios em geral e para a função Produçãoou Operações em particular. Empresas globaisestão não só se reestruturando segundo umaperspectiva de integração internacional (Bartlett& Ghoshal, 1989; Prahalad & Lieberthal, 1998;entre outros), mas também estão redefinindo suasrelações com as empresas em outros países. Temascomo Global Operations Management (Flaherty,1996), International Manufacturing (Shi &Gregory, 1998) e International Supply ChainManagement (Akkermans et al., 1999; Motwaniet al., 1999) surgem como novas áreas de pesquisa.

O ponto que se pretende levantar neste artigodiz respeito ao posicionamento das empresas e dopaís nesse novo contexto, caracterizado por redesinterorganizacionais internacionais. Para isso,partimos da idéia de que o mais importante fatorna estruturação dessas redes são as competênciasorganizacionais: a participação e a posição de cadaempresa é função de suas competências. A posiçãona rede e a forma pela qual as competências sãoadministradas vão, por sua vez, influenciar asestratégias competitivas.

Partimos das seguintes considerações:

l no intenso e profundo processo de reestru-turação das empresas e de seus negócios,a competitividade exige eficiência coletiva;empresas terão de focar suas competênciasessenciais (core competences) e procurarparcerias para complementar recursos erealizar seus objetivos;

l diferentes tipos de redes interorganiza-cionais estão sendo observadas; essesarranjos são resultados de processoshistóricos e decisões empresariais atuais;

l a participação de uma empresa em umarede interorganizacional requer mudançassignificativas no modo pelo qual a empresatoma decisões e opera.

Para responder à questão principal: “Em umnível agregado (por exemplo, regional ounacional), como podemos analisar a dinâmica deredes interorganizacionais internacionais e suasconseqüências, utilizando os conceitos de Gestãode Produção e Operações?”, tivemos, primeiro,de trabalhar em dois outros níveis:

l Para uma empresa, o que acontece quandoela se torna membro de um arranjo interor-ganizacional? Quais as conseqüências paraa formulação de estratégias e para o desenvol-vimento de competências?

l Numa rede interorganizacional, como sepode compreender as questões de alinha-mento estratégico e de formação coletiva decompetências?

Visando responder a essas perguntas, elabo-ramos, de início, um modelo relacionando estratégiae competências no plano de empresa individual. Emseguida, fizemos um estudo das novas formas dearranjos interorganizacionais com o objetivo decaracterizar a lógica da formulação de estratégiase da formação de competências, nas situações emque a interdependência organizacional écaracterística competitiva. Esse referencialconceitual serviu para a preparação de um surveysobre a indústria brasileira: enviamos cerca de 1.600questionários e obtivemos 470 respostas emcondições de serem processadas.

A aplicação dessa metodologia resultou emvisão panorâmica da articulação da indústria localno contexto internacional e no delineamento de umanova arquitetura da indústria globalizada com focono Brasil. A partir daí foram tratadas as conse-qüências do processo de internacionalização, omodo adotado por empresas transnacionais e suassubsidiárias para moldar suas redes, o novo espaçoe escopo para a formulação de estratégias no casodas empresas brasileiras e o novo perfil dascompetências requeridas.

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2. O que torna uma empresacompetitiva?

Os debates sobre os fatores que determinama competitividade das empresas têm sido enrique-cidos nos últimos anos com novas abordagens.

A abordagem clássica é a “análise da indús-tria” ou do “posicionamento estratégico”, quetem em Michael Porter seu maior protagonista.Esta abordagem prioriza a análise dos mercadose da competição e o entendimento da posiçãorelativa de cada empresa em sua indústria ousegmento produtivo como elementos primordiaisno processo de formulação da estratégia (Porter,1980, 1996). Os principais focos de análise sãoprodutos, consumidores e competidores, e aestratégia da empresa deve ser resultante daidentificação de tendências e de oportunidades.Nesse sentido, é considerada uma abordagem “defora para dentro”.

Os instrumentos básicos para o posicio-namento estratégico incluem uma estruturaanalítica relativamente simples mas extre-mamente poderosa baseada em “cinco forças” euma matriz dois por dois, em função da qual secaracterizam as estratégias competitivas genéri-cas. Essa abordagem, proposta por MichaelPorter em 1980, em Vantagem Competitiva, foiposteriormente aperfeiçoada. O próprio Porter,em 1985, já ampliava seu foco com o conceitode cadeia de valor e sistema de valor,reconhecendo “as atividades da empresa” comobase da vantagem competitiva: “Os drivers paraa redução de custos ou para a diferenciação serãoidentificados a partir das atividades e das ligaçõesentre elas” (Proença, 1999). Como coloca opróprio Porter, “as escolhas de posicionamentodeterminam não somente quais atividades aempresa desempenhará e como essas atividadesserão configuradas, mas também como essasatividades estarão relacionadas entre si” (Porter,1996). Em outras palavras, ao incorporarquestões ligadas à organização interna daempresa, a abordagem do posicionamento

competitivo mantém e reforça a perspectiva “defora para dentro”.

Com o tempo, as críticas à análise do posicio-namento estratégico vêm se avolumando. Amaior delas diz respeito a sua naturezaestritamente estática. Para Proença (1999), osframeworks não dão resposta às questões maiscruciais para o tomador de decisão: por que certasfirmas foram capazes de construir posições devantagem e sustentá-las ou falharam na tentativa?O autor comenta que, “na visão jocosa dosprofissionais da área, trata-se de um excelentemétodo para saber por que os outros estão, nestemomento, se dando bem e você não”. Tambémno plano acadêmico as críticas são severas. Porexemplo, D’Aveni (1995), assim como Day &Reibstein (1998), da Wharton Business School,argumentam que “(...) estratégia é crescentementedinâmica e complexa”. Usando as metáforas daimitação e da erosão das vantagens competitivasno tempo, os autores advertem que “não é maispossível esperar pelo competidor para agir oureagir”.

Uma abordagem alternativa está sendoconstruída a partir da “visão da empresa baseadaem recursos” (Resources Based View of the Firm).Essa abordagem procura ampliar e refinar o quadrode referência dos tomadores de decisão. Consideraque toda empresa possui um portfolio de recursos:físicos, financeiros, intangíveis (marca, imagem),organizacionais (cultura organizacional, sistemasadministrativos) e recursos humanos. É a partirdesse portfolio que a empresa pode criar vantagenscompetitivas. Para os defensores dessa abordagem(Prahalad & Hamel, 1990; Krogh & Ross, 1995),a definição das estratégias competitivas deve partirde uma perfeita compreensão das possibilidadesestratégicas passíveis de serem operacionalizadase sustentadas por tais recursos. Isto caracteriza essaabordagem como primordialmente “de dentro parafora”.

“A VBR postula que as empresas com pessoas,estruturas e sistemas superiores são mais lucrativas,não porque invistam em barreiras de entrada para

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outras empresas ou porque ofereçam produtosdiferenciados, mas sim porque elas se apropriamdas rendas de recursos específicos da firma. (...)Como já afirmava Teece, em 1982, a diversifi-cação é menos uma resposta às imperfeiçõesestruturais dos mercados e mais um mecanismoorganizacional para capturar rendimentos que sãotornados viáveis pelos ativos específicos daempresa” (Proença, 1999). Em outras palavras,diferenciação é uma visão e uma decisão dedentro para fora mais do que uma informação defora para dentro; são os recursos da empresa,consubstanciados em competências e capacita-ções que criam e exploram lucrativamente umpotencial de diferenciação latente nos mercados.

Outra premissa básica da VBR é de que asfirmas diferem de forma fundamental em seusmodos de operar porque cada uma delas possuiráum agrupamento singular de recursos – seusativos, competências e capacitações específicas.Dosi & Coriat (2002) observam que “(...) firmastêm formas diferentes de fazer as coisas: se elassão heterogêneas até no modo de realizar tarefassimilares, o que não dizer das distinções degrande escala que separam as empresas químicasdas automobilísticas, das empresas varejistas, doshospitais”.

Tidd et al. (1998) classificam a abordagem daanálise da indústria como racionalista e a VisãoBaseada em Recursos como incrementalista: aprimeira seria “fortemente influenciada pelaexperiência militar” e inadequada para ambientescomplexos e de mudanças rápidas. Eles recomen-dam a adoção da segunda, “a qual deve serencarada como uma forma de aprendizagem eexperiência corporativa em termos de combinarmaior eficiência com complexidade e mudan-ças”. Dosi & Coriat (2002) assumem que “o queestá ocorrendo é o tradicional movimento pendu-lar: o foco sobre as competências e os recursos

segue o período no qual as pesquisas sobreestratégia empresarial foi reenergizada porconceitos econômicos retirados da EconomiaIndustrial e que focalizava primordialmente arelação da empresa com o seu ambientecompetitivo: esta [nova] perspectiva sobreorganizações e aprendizagem organizacional,claramente, retira o foco da análise tanto doposicionamento competitivo do produto quantoda ‘estratégia esperta’ e o recoloca sobre (...)estratégias de aprimoramento das competências”.

Como seria esperado, os defensores doPosicionamento Estratégico reagem: “Emempresas competitivas pode ser enganosoexplicar o sucesso a partir da identificação deseus específicos pontos fortes, competênciasessenciais ou recursos críticos” (Porter, 1996).Não obstante, o mesmo autor, ao criticar a buscadesenfreada por crescimento, pede serenidadenessa decisão e dá um conselho que parecederivar da VBR: “Uma alternativa é buscarextensões da estratégia que alavanquem o sistemade atividades existentes de maneira a criarserviços ou especificações que os rivais consi-derem ser impossível combater em basesindividiais” (Porter, 1996).

Em síntese, a nosso ver, está havendoconvergência entre as abordagens, não obstanteuma distinção entre pressupostos (de fora paradentro versus de dentro para fora) ainda marqueo campo de disputa entre autores.1

Entre as duas, optamos pela abordagem apartir da Visão Baseada em Recursos. A maiorcrítica a essa abordagem está na dificuldade paraa criação do framework analítico (Gilgeous &Parveen, 2001). Para enfrentar esse problema,criamos uma abordagem que procura combinarestratégia competitiva, aprendizagem e formaçãode competências num modelo dinâmico, comoo apresentado na Figura 1.

1. Parece-nos relevante observar que nessa disputa estão envolvidos grandes interesses econômicos; não é apenasuma discussão acadêmica. Para outros detalhes veja Cole (1989) e Miyake (1995).

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A formulação da estratégia competitiva devebuscar potencializar a competência na qual aempresa é mais forte. A constante evolução dascompetências da empresa permite o sistemáticorefinamento e reformulação da estratégia compe-titiva e, a partir desta, são identificadas novasorientações para a formação de competências. Amanutenção da relação dinâmica entre estratégiae competência é o principal objetivo dos pro-cessos de aprendizagem.

2.1 Construindo uma tipologia decompetências organizacionais

O termo competência essencial (corecompetence) ganhou importância no cenárioadministrativo a partir do artigo “The core compe-tence of the corporation”, de Prahalad & Hamel,em 1990. De acordo com os autores, competênciasessenciais são recursos intangíveis que (a) emrelação aos concorrentes são difíceis de serimitados, (b) em relação a mercados e clientes sãoos recursos essenciais para que a empresa possaprover produtos/serviços diferenciados e (c) emrelação ao processo de mudança e evolução daprópria empresa são o fator fundamental da maior

flexibilidade que permite a exploração dediferentes mercados. As competências essenciaisnão estão estritamente relacionadas à tecnologia:elas podem estar localizadas em qualquer funçãoadministrativa. Além disso, para desenvolvercompetência essencial a longo prazo, a companhianecessita de um processo sistemático deaprendizagem e inovação organizacional.

Procurando avançar nessa discussão e cons-truir uma tipologia que dê sustentação aomodelo de estratégia e formação de com-petências, remetemos inicialmente ao trabalhode Woodward (1965). Seguindo a abordagemutilizada por essa autora em seu estudo clássico,Industrial Organisation: theory and practice,consideramos que toda empresa possui, em dife-rentes proporções, competências relacionadas atrês diferentes funções: Operações (Produção eLogística), Desenvolvimento de Produto eComercialização (Vendas & Marketing).

Em sua extensa pesquisa em empresas britâ-nicas, Woodward constatou que, dependendo dotipo de produto/mercado, uma das funções vai sermais importante e “ter mais poder” do que asoutras, na medida em que exercerá um papel decoordenação geral entre as funções.

Figura 1 – O ciclo de estratégia: competência.

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Para a construção de nossa abordagem issosignifica que, para a realização da estratégia daempresa, as competências acumuladas nessa funçãocrítica constituem “a competência essencial da em-presa”; ela é a mais importante para a realizaçãoda estratégia competitiva da empresa. As outrasduas funções são funções de apoio. O mesmodizemos para essas competências.

Não queremos com isso afirmar que a em-presa deve se concentrar em apenas uma das trêscompetências e abandonar as outras duas. Oponto que queremos destacar é que não éinteressante para qualquer empresa assumir queé, ou deveria ser, igualmente competente emtodas as funções. Para o desempenho competitivoda empresa, uma das competências vai ser maisrelevante que as outras. A competitividade serámaximizada quando houver alinhamento corretoentre competência essencial e estratégiacompetitiva. As demais competências devemsempre ser desenvolvidas tendo em vista reforçara competência essencial. Tudo é questão depriorização e equilíbrio entre as três compe-tências. Este ponto será mais detalhado a seguir.

2.2 Estratégias competitivas e competências organizacionais

Consideraremos que qualquer estratégia com-petitiva, independentemente de suas característicasmais específicas, pode ser classificada em uma detrês categorias: Excelência Operacional, Inovaçãoem Produto e Relação com o Cliente. Essatipologia, fortemente baseada em Treacy &Wiersema (1995) e em Porter (1996), é elaboradaa seguir.

2.2.1 Excelência Operacional

A estratégia de Excelência Operacional éaplicada pelas empresas que competem emmercados nos quais a relação qualidade/preço é amaior determinante da competitividade de produtosou serviços.

É nesses casos que encontramos as “estratégiasbaseadas em operações”, como descritas por

Hayes & Upton (1998): “Eficiência operacionalsuperior fortalece a posição competitiva daempresa e, quando baseada nas capacidades dosseus recursos humanos e nos seus processosoperacionais, dificulta a imitação pelos con-correntes. Por essa razão, pode prover a base parauma vantagem competitiva sustentável, mesmoque a companhia adote a mesma posição compe-titiva de uma ou mais concorrentes”.

Exemplo típico de Excelência Operacional éo das empresas automobilísticas, com destaquepara a Ford no passado e a Toyota atualmente.No mercado de computadores, Compaq e Dellsão os maiores exemplos. No setor de serviços,McDonalds e WalMart, entre outras, são casosde renome internacional.

A estratégia de Excelência Operacional implicadesenvolver e colocar no mercado produtos/serviços que otimizem a relação qualidade/preço.A lucratividade da empresa é função direta damargem por produto e da escala de produção.

A função crítica para o sucesso da companhiaé Operações, incluindo todo o ciclo logístico:suprimento, produção e distribuição. É nessa funçãoque reside a competência essencial, aquela que deveser priorizada para que a empresa seja competitiva.Na indústria, o modelo da lean production tem sidoconsiderado como o “ideal” a ser alcançado.

Como mencionado anteriormente, a construçãode competências nas duas outras áreas, Desen-volvimento de Produto/Serviços e Vendas/Marketing (S&M), deve visar ao aumento decompetitividade da empresa, por intermédio deOperações.

Na área de desenvolvimento, a empresa busca,prioritariamente, inovações incrementais emprodutos e serviços. Do ponto de vista dacompetitividade da empresa, mudanças em pro-cessos podem ter impacto tão grande ou maiorque inovações em produto/serviço. Exemplo inte-ressante é dado pelo recente desenvolvimento,pela Honda, de um novo tipo único de plataformaque permite a montagem de veículos de diferentesmodelos e tamanhos, evitando a necessidade deum tipo específico de plataforma para cadatamanho de veículo. Isso tem profundo impacto

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nos custos de manufatura. Outro exemplo notávelé o da Dell, que revolucionou a indústria decomputadores com um novo conceito deadministração da cadeia de fornecimento.

Na relação com os mercados, dado o grandevolume de consumidores, por mais que as empresastentem identificar seus traços e segmentá-los, arelação é altamente impessoal. Além disso, essasempresas têm conhecimento de que a diversidadeprecisa ser controlada para não prejudicar aeficiência. Assim, a famosa frase de Ford (“Ocliente pode ter um carro de qualquer cor, desde queseja preta”) continua tendo certo sentido. Portanto,o papel das Vendas e Marketing é “convencer osclientes e adaptá-los ao modo operacionalmenteexcelente de a empresa fazer negócios” (Treacy &Wieserma, 1995).

2.2.2 Inovação em Produto

As companhias que competem com umaestratégia de Inovação em Produto estãocontinuamente investindo para criar conceitos deproduto radicalmente novos para clientes esegmentos de mercado definidos. A funçãocrítica é Pesquisa & Desenvolvimento &Engenharia (P&D&E).

Exemplos de indústrias nas quais a compe-titividade é regulada pela Inovação em Produto sãoas indústrias de Tecnologia da Informação (TI),Telecomunicações, Computação e Internet. Omesmo padrão é encontrado na indústria Biomédica(Ciências da Vida). Porém, há inovadores nomercado de consumo, como a Sony e a 3M.

Tais empresas garantem seu sucesso econô-mico com a alta lucratividade que alcançam noperíodo em que usufruem a posição de monopó-lio de mercado. O que é crítico para esse tipo decompanhia é a rápida concepção de novosprodutos e de seus respectivos processos deprodução, que evoluem de escala laboratorialpara escala industrial.

A função Vendas/Marketing apresentacaracterísticas diferentes em relação ao casoanterior, uma vez que, em geral, a empresaprecisa “negociar” o lançamento de novos

produtos no mercado com clientes potenciaisantes que investimentos mais substanciais sejamfeitos. Isto implica identificar os clientes maispropensos à inovação e discutir com eles asvantagens da adoção de produtos inovadores.

2.2.3 Orientada para Cliente

As empresas que adotam a estratégia Orientadapara Cliente são voltadas para as necessidades declientes específicos e procuram se especializar nodesenvolvimento de produtos, sistemas e soluçõesque atendam a suas demandas atuais e futuras.Para isso, tais companhias priorizam o desenvol-vimento do conhecimento sobre cada cliente e seunegócio: Vendas & Marketing torna-se a funçãocrítica, impulsionando os esforços de Pesquisa,Desenvolvimento e Engenharia, e também deOperações.

A IBM era considerada o exemplo dessa estra-tégia (Wheelwright & Hayes, 1985). A Caterpillaré considerada como um caso de “intimidade como cliente” (Treacy & Wieserma, 1995).

A indústria de embalagens representa um casointeressante. Apesar de as embalagens ganharemcada vez mais importância no sucesso de umproduto, os produtores finais, em geral, não estãointeressados em montar infra-estrutura própria oudesenvolver competências dentro da própriaempresa para a produção de embalagens. Portanto,o relacionamento com uma empresa deembalagens envolve mais que a entrega de umproduto. A orientação estratégica das empresas deembalagem implica a identificação e o desen-volvimento de soluções específicas e sistemas deembalagem que maximizem o valor do produtofinal, alavancando a competitividade da empresacliente em função das expectativas de mercado.

O forte relacionamento com os clientes(Intimidade com o Cliente, segundo Treacy &Wiersema, 1995), sobre os quais a função Vendasé responsável, orienta Pesquisa & Desen-volvimento & Engenharia e Operações nodesenvolvimento de soluções específicas em ummodo pró-ativo. Em casos como esses,Operações precisa dar respostas e ser flexível às

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necessidades dos clientes, e não necessariamenteatender a padrões de classe mundial. Precisa serflexível para atender às demandas dos clientesda melhor maneira possível. É por esta razão queempresas que adotam a estratégia Orientada paraCliente estabelecem in-house plants ou assumematividades relativas ao estoque dos clientes. Osistema de Operações tem de ser ágil, nãonecessariamente enxuto.

2.3 Alinhando a estratégia competitivaà gestão de competências

Consideramos assim que no processo decriação de vantagens competitivas é necessárioalinhar a estratégia competitiva e a competênciaessencial.

À escolha de uma estratégia se associa umacompetência na qual a empresa precisa ser “maisexcelente que seus competidores”; as outras duascompetências devem sustentar a primeira. ATabela 1 sintetiza esta tipologia de estratégias ecompetências.

Em suma, uma empresa, para ser competitiva,precisa realmente compreender como se articulamcompetência essencial e estratégia empresarial.

3. As redes interorganizacionais

O modelo Competências–Aprendizagem–Estratégia, apresentado anteriormente para o casode empresas consideradas isoladamente, sofremudanças quando se trata de redes interor-ganizacionais. Ou seja, na medida em que hábusca de eficiência coletiva por intermédio desistemas de empresas, a questão da formação decompetências e da escolha de estratégias assumecaracterísticas específicas.

Embora seja fenômeno recente, as redesinterempresariais já dispõem de considerávelcorpo de conhecimento. Diversos aspectosmereceram discussão, como, por exemplo, osdeterminantes para uma organização vir aestabelecer uma rede (Oliver, 1990), o impactoda estrutura de uma rede na capacidade deinovação de uma firma (Ahuja, 2000), ainfluência das relações de uma organização emsua capacidade de formar novas alianças (Gulati,1999), as peculiaridades de redes de PMEs(Human & Provan, 1997) e a centralidade dacolaboração entre empresas para a inovação emsetores de rápido desenvolvimento tecnológico(Powell et al., 1996).

Função Estratégia

competitiva Operações Desenvolvimento de produto Vendas/Marketing

Excelência Operacional

Manufatura classe mundial/produção

enxuta Inovações incrementais

Convencer o mercado de que a relação qualidade/preço dos produtos/serviços

oferecidos é ótima

Inovação em Produto

Scale up e produção primária

Inovações radicais (breakthrough)

Preparar o mercado e educar os clientes potenciais para a adoção da inovação

Orientada para Cliente Manufatura ágil

Desenvolvimento de sistemas

(produtos/serviços) específicos

Desenvolver relações com clientes específicos para compreender

necessidades e vender soluções

Observação: foram sublinhadas as competências essenciais para cada estratégia.

Tabela 1 – Tipos de estratégia e competências essenciais.

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Esses estudos, assim como outros sobre oassunto, discutem principalmente aspectos deredes interempresariais, nas quais há relaçõeshorizontais. Porém, no que diz respeito espe-cificamente a redes (ou cadeias) de suprimentos,em que a relação é essencialmente vertical, osestudos são principalmente descritivos efocalizados nas grandes corporações (Harland etal., 2001).

No caso de relações horizontais, as empresastêm relações simétricas, recíprocas; duascompanhias formam uma aliança de negócios(business alliance), ou mesmo criam uma aliançaestratégica, porque têm recursos, especialmentecompetências, complementares e a associaçãovisa a criar sinergias que alavanquem o potencialcompetitivo de ambas.

Para o estudo de redes de relações verticaishá diferentes enfoques. No campo da Gestão deOperações, a abordagem é do tipo Gestão daCadeia de Suprimentos, inspirado inicialmentepelo modelo japonês de gestão e na estrutura dokeiretsu desenvolvido na indústria japonesa(Fruin, 1993). Seguindo essa tendência, “(...) aliteratura de Gestão de Operações tem seconcentrado principalmente nas relaçõesgenéricas de cooperação entre cliente efornecedor em duas áreas específicas: cooperaçãoem Operações (logística, planejamento daprodução, controle e qualidade) e co-design”(Spina & Zotteri, 2001).

O segundo enfoque “(...) foi construído apartir da Teoria da Organização Industrial e daNova Economia Institucional, na vertenterepresentada pela Teoria dos Custos deTransação” (Farina, 1999). Segundo essa autora,o conceito nuclear se deve a Coase, queintroduziu a idéia da “firma como um nexo decontratos”. Assim, “a microteoria das institui-ções, que trata das estruturas de governança e daanatomia das organizações, foi desenvolvida paracompreender a firma e contratos específicos,enquanto a macroteoria lida com o ambienteinstitucional geral (...). Governar a transaçãosignifica incentivar o comportamento desejado

e, ao mesmo tempo, monitorá-lo. Essagovernança pode ser obtida por meio de sistemade preços [ou] pode exigir a elaboração decontratos em que sejam predefinidos instru-mentos de incentivo e controle, tais como multas,auditorias ou prêmios por resultados” (Farina,1999). Portanto, a formação das cadeias desuprimentos seria uma escolha racional e objetivados vários participantes do processo de produção.É importante para tal escolha uma análise dosdiferentes aspectos do relacionamento e os trade-offs entre eles (Spina & Zotteri, 2001).

Um terceiro enfoque joga luz sobre asrelações de comando e poder na cadeia. Essadimensão é particularmente elaborada pelosestudos desenvolvidos por Gereffi (1994) arespeito da formação de cadeias de commoditiesglobais. Por exemplo, em seus estudos nasindústrias de vestuário e calçados, mostrou comoo comando da cadeia concentra-se nas grandesempresas de distribuição e naquelas que detêmas griffes. Essa questão torna-se crucial para com-preender quais empresas podem governar acadeia, estabelecer as regras e procedimentospara a sua operação conjunta, e assumir ocomando das atividades mais lucrativas.

Harland et al. (2001), comentando textoanterior de Grandori & Soda, assumem a distinçãoentre redes entre pares (parity based) e redescentralizadas, destacando que “isso tem clararelevância em termos do modo pelo qual ascompanhias focais podem gerenciar suas redes defornecimento dependendo de seu poder relativo”.No modelo por eles proposto, o conceito de poderé operacionalizado por intermédio de uma variáveldenominada influência.

Para se tornarem membros de arranjos interor-ganizacionais, as firmas devem negociar seusrecursos: infra-estrutura, bens intangíveis ecompetências organizacionais. A questão básicade pesquisa seria, então: a posição relativa dedeterminada empresa na rede interorganizacional –líder ou seguidora, relações de paridade ou desubordinação –; seria uma função da importânciarelativa de sua competência distintiva para o

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desempenho de toda a rede. Isso implicaria adistribuição e complementaridade de competên-cias entre as empresas participantes de deter-minado arranjo interorganizacional. Evidente-mente, haveria também impactos em termos dasescolhas estratégicas das empresas.

4. Pesquisa de campo: aspectosmetodológicos

Na construção de nosso modelo, primeira-mente consideramos que, quando uma empresadecide autonomamente sobre sua estratégiacompetitiva, há três escolhas ótimas: ExcelênciaOperacional, Inovação em Produto e Orientadapara Cliente. A hierarquização das competênciase sua gestão deveria, então, seguir o que foiproposto na Tabela 1.

Depois, vimos que a inserção em uma redeinterorganizacional influencia a escolha daestratégia e a formação de competências. Emoutras palavras, a escolha da estratégia écondicionada pela posição da empresa na rede; aomesmo tempo, esse posicionamento é função daimportância relativa das competências que aempresa aporta para o desempenho competitivode toda a rede.

Esse modelo foi então aplicado para a realizaçãode diagnóstico abrangente da indústria brasileira,vivendo intenso processo de internacionalização.Isso condicionou as opções metodológicas emtermos de definição do universo e da amostra.

O universo escolhido para a aplicação domodelo foi aquele das empresas certificadas pelafamília de normas NBR ISO 9000. Essasempresas, motivadas em atender aos padrões dequalidade estabelecidos internacionalmente,realizaram as mudanças necessárias paraestabelecer procedimentos de gestão queatendessem aos quesitos para certificação.Partimos assim da hipótese de que o universo decompanhias com certificado ISO 9000 é umgrupo de elite que já realizou as mudanças mais

imediatas para atender às pressões pelacompetitividade internacional.

No Brasil, o universo das companhias indus-triais que possuem certificação de acordo comas normas ISO 9001 e 9002 é constituído deaproximadamente 1.600 empresas. Em 1999,foram enviados 1.516 questionários para diretoresindustriais dessas companhias. Foram respon-didos 490, e destes 470 foram consideradosválidos para os fins deste estudo.

Os principais tópicos do questionário foram:a) Características gerais da empresa.b) Fatores determinantes de mercado para

a formulação estratégica.c) Função crítica de sucesso.

d) Posição da empresa no ciclo de vida doproduto.

e) Relacionamentos a montante, a jusante elateralmente.

f) As competências desenvolvidas pela empre-sa tendo em vista as diferentes fases do ciclode vida do produto.

g) Investimentos em treinamentos e educaçãode Recursos Humanos.

A Tabela 2 demonstra que a amostra é razoa-velmente representativa do segmento de empresasindustriais brasileiras que está se integrando aodesafio de uma economia globalizada, pois:

l inclui não só o grupo das maiores empresasbrasileiras (nacionais e subsidiárias), mastambém parcela significativa de pequenase médias empresas;

l apresenta distribuição em termos de origeme controle do capital que reflete a realidadebrasileira no momento em que foi realizadaa pesquisa.

As empresas selecionadas para o estudooperavam nos seguintes mercados: Automotivo,Químico, Eletrônico, Máquinas e Equipamentos,Borrachas e Plásticos, Siderurgia e Metalurgia.

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5. Análise de dados e resultados

O primeiro aspecto abordado no questionárioprocurava identificar a estratégia competitiva daempresa pesquisada. Para isso foi adotado oesquema proposto por Bolwijn & Kumpe (1990),perguntando: Quais seriam as características demercado mais importantes a serem consideradasna definição da estratégia competitiva? As respos-tas coletadas são apresentadas na Tabela 3.

A análise da tabela revela que os três fatoresmais importantes para essas empresas compe-tirem nos mercados são: preço, qualidade eentrega, configurando a estratégia de ExcelênciaOperacional.

Por outro lado, também foi solicitado que asempresas classificassem quais seriam as funçõesorganizacionais mais importantes para o alcancede seus objetivos. Cinco funções foram apre-sentadas: Manufatura, Logística, Pesquisa & Desen-volvimento & Engenharia e Vendas/Marketing. Asrespostas são apresentadas na Tabela 4.

É importante mencionar que essa foi a únicaunanimidade encontrada no processamento dosdados: para as companhias da amostra, indepen-dente de tamanho ou origem, a função Vendas/Marketing sempre foi considerada a mais impor-tante para o cumprimento da estratégiacompetitiva. A segunda função mais importantefoi Produção.

Preço Qualidade Entrega Inovação Diversidade

Indicadores de Excelência Operacional Produto Relação com o cliente

Média amostral 4,69 4,68 4,41 3,77 3,52

*As respostas foram dadas em uma escala de 1 a 5.

Manufatura Logística P&D&E Vendas e Marketing

Competência essencial Operações Desenvolvimento de produto Vendas e

Marketing

Média amostral

4,41 4,12 4,14 4,63

Tabela 3 – Fator mais importante para a empresa competir no mercado.*

Tabela 4 – Funções críticas para realização dos objetivos estratégicos.

Pequenas (n < 99)

Médias (100 < n < 499)

Grandes (500 < n < 999)

Muito grandes (n > 1000)

Total

Empresa nacional* 23,8% 30,2% 6,4% 9,8% 70,2%

Empresa subsidiária 2,5% 14,0% 6,4% 6,8%

29,8%

n = número de empregados. *Empresa nacional: empresa com capital majoritariamente brasileiro.

Tabela 2 – Distribuição da amostra em termos de tamanho e origem do capital.

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Com isto, se considerarmos a relação entreestratégia e competência essencial, como apre-sentado na Tabela 1, notaremos certo “desa-linhamento”: apesar de a maioria das empresasdeclarar estar competindo com estratégia deExcelência Operacional, a função (e acompetência) mais importante seria Vendas/Marketing. Uma possível explicação para essaresposta seria o efeito da participação em redesinterorganizacionais sobre a formação decompetências e sobre o campo de escolhasestratégicas das empresas.

No questionário solicitamos aos respondentesque considerassem duas fases no Ciclo de Vidado Produto: a fase de inovação e desen-volvimento e a fase de manufatura e operações.Na primeira fase solicitamos que considerassemtrês atividades: A. P&D e scaling up (P&D&E);B. Projeto de Processo e Produto; e C. Adaptaçãode Processo e Produto. Na segunda pedimos queconsiderassem: D. Gestão da Qualidade; E.Gestão da Cadeia de Fornecimento; e F. Logística(gestão dos fluxos físicos e de informações).

Solicitou-se, então, que se identificassem osresponsáveis pela execução de tais atividades.Foram apresentadas as seguintes alternativas:somente a empresa (auto-suficiência), a empresae o(s) cliente(s) (casos de co-design ou cooperação

em Operações), a empresa e a matriz ou somentea matriz (no caso das subsidiárias), a firma e olicenciador (casos de transferência de tecnologia)ou ainda apenas os clientes (casos de subcon-tratação pura). Mesmo nas atividades não desen-volvidas pela própria empresa, os respondentesmarcaram quem estaria com a responsabilidade.

Na análise, consideramos primeiramente secada uma das empresas declarava manter ou nãoalguma relação com outras empresas para odesempenho de pelo menos uma dessasatividades. Com isso, foi possível classificar asempresas que operavam em total isolamento eaquelas que estavam de alguma forma conectadasa outras. Cerca de 30% das empresas brasileirasdeclararam atuar de forma isolada. Somente umadas subsidiárias declarou que operavaindependentemente da matriz e que não estavaligada a nenhuma empresa local.

Para as empresas que participavam de algumtipo de rede, analisamos as respostas de acordocom o perfil de suas atividades e assumimos quea empresa possuía as competências na área emque ela declarava exercer alguma atividade.Dependendo do conjunto de competências quecada empresa podia desenvolver, criamos catego-rias para caracterizar sua posição relativa na redeinterempresarial, como mostra a Tabela 5.

Atividades desenvolvidas na empresa como indicadores de competências organizacionais

Empresas participantes de redes

Empresas isoladas

P&D&E Sim Não Não

Desenvolvimento de produto-processo

Sim Sim Não

Adaptação de produto-processo Sim Sim Sim

Operações Sim Sim Sim

Estes casos não foram analisados

Posição mais provável na rede

Líder ou aliança de negócios

Primeiro nível

Segundo nível

Empresas isoladas

Tabela 5 – Categorização das empresas de acordo com as competências informadas.

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Finalmente, analisamos os dados em termosdos setores industriais nos quais operam asempresas. Os resultados são apresentados naTabela 6.

O primeiro resultado é uma visão panorâmicados tipos de redes interorganizacionais que estãosendo estabelecidos. De certa maneira, pode-seconsiderar um retrato grosseiro da novaarquitetura da indústria no Brasil.

O segundo ponto se refere à posição relativadas empresas nessas redes. De acordo com oapresentado na Tabela 7, há certa desproporçãoem termos de “quem está no comando?”:claramente, há muito mais empresas estrangeirasem posições de liderança do que nacionais. Mas,para chegar a conclusões mais esclarecedoras a

esse respeito, as informações dessa tabela devemser combinadas com as da Tabela 6.

A Tabela 6 apresenta o tipo de arranjo que épredominante em distintos tipos de indústrias.Inicialmente, constatamos que a grande maioriadas empresas nacionais ou faz parte de redes defornecimento nas quais o relacionamento évertical, assimétrico e hierárquico, ou então sãoempresas isoladas, competindo apenas com seusrecursos próprios. Ou seja, a maior parte dasempresas nacionais ocupa posições de menorimportância ou influência na estratégia e nodesempenho da rede a que pertence. Istosinalizaria que provavelmente essas empresas nãochegaram a acumular competências que permi-tissem negociar melhor colocação nas redes.

Tipo de rede Proporção Setor industrial Características das empresas

Aliança

4,8% Químico Máquinas

Eletrônicos

Principalmente empresas muito grandes Nacionais > Subsidiárias

Líder Grandes e muito grandes Subsidiárias > Nacionais

1o nível Médias e grandes

Subsidiárias = Nacionais

Rede de fornecimento

73,4% Automotivo

Borracha e plástico Metais e aço

2o nível Pequenas e médias

Nacionais >> Subsidiárias

Indústria no Brasil

Isoladas 21,8%

Todas Maior participação:

máquinas Menor: automotivo

Todos os tamanhos Subsidiárias = Nacionais

Tabela 6 – Posicionamento das empresas pesquisadas em diferentes arranjos empresariais.

Posição provável no arranjo

Líder de rede ou aliança

Primeiro nível

Segundo nível

Empresas isoladas

Subsidiárias 60,0% 33,0% 6,0% 1,0%

Empresas nacionais 4,5% 20,5% 45,7% 29,3%

Tabela 7 – Posição mais provável das empresas de acordo com sua origem.

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Observamos também que as empresasnacionais que criaram relações horizontais porintermédio de alianças estratégicas estão concen-tradas em três áreas: Química, Equipamentos/Máquinas e Eletrônica. Este resultado seriaindicativo de que, mesmo em campos de maiorintensidade tecnológica, se o país tem empresascom competências internacionalmente reconhe-cidas, há a possibilidade de buscar relações nasquais haja intercâmbio com ganhos para ambasas partes.

A amostra incluía grandes empresas nacionaispertencentes às indústrias siderúrgica e me-talúrgica. Entretanto, as informações obtidascaracterizam suas posições como de fornecedorasem cadeias de suprimento. Podemos aventar aidéia de que, pelo fato de ocuparem posições amontante nas cadeias produtivas, elas enfrentamdificuldades para exercer influência sobre asdemais participantes das redes.

Já a maioria das empresas de Borracha,Plástico e de Metalurgia participantes da amostrasão parte das cadeias de suprimento dos setoresQuímico, Eletrônico e Automotivo. Esse tipo deempresa geralmente concentra suas competênciasna área de Operações e opera de acordo compadrões locais – baixo custo –, o que nãonecessariamente é sinal de Excelência Opera-cional (Fleury, 1995). O fato de que a maioriadessas empresas identificou Vendas/Marketingcomo função mais importante pode ser umindicador de que a empresa ocupa posição devenda de serviços de manufatura: para produzirprecisa “vender” as competências e os recursosrelativos a Operações para os demais partici-pantes da rede.

É interessante observar que a presençainesperada, porém significativa, de pequenas emédias subsidiárias é mais uma indicação dedeslocamento de empresas nacionais que nãooferecem as competências requeridas pelas líderes.

Finalmente, temos as empresas isoladas quenão são capazes de participar das redes. Elas seconcentram em produção de maquinaria,

suprindo provavelmente mercados locais commodelos específicos.

Em síntese, parece lícito concluir que onúmero de empresas nacionais capazes de ocuparposições de liderança em redes interorgani-zacionais internacionais é limitado e concentradoem alguns nichos. A admissão de tal situação écrucial para, entre outros fins, compreendermelhor a competitividade do país e para a criaçãode subsídios para eventual proposição de políticaindustrial.

6. Comentários finais

O objetivo deste estudo foi analisar as conse-quências da formação de redes interorganiza-cionais internacionais, que são pré-requisito paraa consecução de metas de eficiência coletiva.Para isso, criamos um referencial conceitual noqual questões que são tradicionalmenteanalisadas a partir de abordagens de OrganizaçãoIndustrial poderiam ser tratadas pelo uso deconceitos e modelos de Gestão de Operações.

Utilizando esse referencial, as questões depesquisa podem ser respondidas como se segue.Na formação de redes interorganizacionais, aposição a que uma empresa pode aspirar dependedas competências que ela acumulou e daimportância relativa dessas competências para odesempenho da rede como um todo.

Num nível mais agregado, a aplicação domodelo traz evidências que auxiliam na avaliaçãodo potencial do país para se tornar membro ativode redes internacionais. Assim, podemosidentificar as questões de governance e asconseqüências, em termos de tomada de decisão,nos planos da empresa, das regiões e do país.Dependendo da posição relativa que as empresasde determinado país ocupam nas redes, podehaver questões de vulnerabilidade a seremconsideradas e possíveis investimentos paraincrementar a competitividade podem serdesprovidos de sustentação a médio e longoprazos.

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Por último, é importante salientar que nocenário atual de economia globalizada, dereconfiguração das empresas globais na busca daeficiência coletiva, procurar compreender adinâmica do processo de reestruturação do tecidoindustrial de um país como o Brasil é como tentar

montar um quebra-cabeça caleidoscópico: cadavez que uma figura se forma, uma das peças semexe, alterando a figura desenhada. Acontribuição deste texto é tentar fornecer algunsconceitos teóricos e evidências empíricas queajudem a melhor compreender esse caleidoscópio.

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COMPETITIVE STRATEGIES AND CORE COMPETENCIES:PERSPECTIVES FOR THE INTERNATIONALIZATION OF

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Abstract

One of the key features of the new economy is the change from individual to collective efficiency. Themain determinant of the successful delivery of the goods and services demanded by global or regionalmarkets is the joint performance of firms networked as strategic alliances, production or value chains orindustrial clusters. The starting point for the development of this study was the idea that participation inan entrepreneurial network influences the conditions for the establishment of the firms’ strategies andthe formation of competencies. Searching for empirical evidences for that argument, we developed asurvey (490 respondents) about the recent evolution of industry in Brazil to see how local firms areredefining their strategies, organization and building relationships to survive and compete in a globalisedand networked economy. The outcomes of the research reinforce the importance of networks as a basicconcept for the analysis of competitiveness at firm and aggregate levels. Regarding the new organizationalarchitecture of the Brazilian industry, what was observed was the widespread alignment of local firmsinto value chains led by TNC’s and their subsidiaries, a limited number of strategic alliances, and asignificant number of isolated firms, unable to respond to the demands of the new competition.

Key words: international manufacturing, supply chains, interorganizational networks, brazilianindustry.