flávio de carvalho

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  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 10

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 11

    1 Declarao de Lcio Costa, filmagem apresentada no documentrio Flvio de Carvalho: o Revolucionrio Romntico, Brasil, 1993.

    Ele foi uma espcie de franco-atirador, no sentido do movimento que criou a arquitetura contempornea. 1

    Lcio Costa (sobre Flvio de Carvalho)

    Este trabalho de pesquisa pretende discutir a

    atuao de Flvio de Carvalho no campo disciplinar da

    arquitetura e do urbanismo, desde a sua formao na

    Inglaterra como engenheiro civil at a sua atuao no Brasil,

    projetual e terica, como arquiteto, engenheiro civil e

    urbanista.

    A partir desta postura, a pesquisadora procura

    observ-lo com novos olhos dentro da historiografia da

    arquitetura e do urbanismo brasileiro, visto que sempre foi

    colocado na condio de marginalizado, com apenas uma

    realizao a ser comentada o primeiro projeto modernista

    no Brasil.

    Hoje, ao estudarmos a arquitetura moderna brasileira

    descobrimos diversos arquitetos, que antes eram

    desconhecidos ou colocados com pouca nfase pela

    historiografia da arquitetura brasileira. Porm, muitos

    apresentam uma relevante importncia para a compreenso

    de uma produo arquitetnica e urbanstica brasileira que

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 12

    se reflete na produo atual.

    As diversas lacunas que esto sendo observadas e

    desenvolvidas pelas pesquisas no campo da histria da

    arquitetura brasileira enriquecem uma srie de discusses e

    uma constante reconstruo da arquitetura moderna

    brasileira. A partir destas lacunas e destas constantes

    reconstrues tericas sobre a arquitetura moderna

    brasileira tornou-se pertinente o estudo da arquitetura e

    urbanismo de Flvio de Carvalho.

    A partir desta perspectiva este trabalho procura

    compreender Flvio de Carvalho sob um olhar disciplinar

    dentro da arquitetura e urbanismo. Desta forma, no aborda

    questes pessoais de sua biografia, ou mesmo da pintura,

    escultura, cenografia, figurino, dentre outras diversas

    atuaes pelas quais mais conhecido, visto j terem sido

    exaustivamente estudadas e publicadas por diversos

    pesquisadores de extrema competncia, principalmente no

    campo das artes plsticas.

    Para compreender as questes de arquitetura e

    urbanismo de Flvio de Carvalho, a pesquisa utilizou-se de

    um levantamento de textos e projetos em que foram

    abordadas estas questes iluminadas pelo contexto vivido

    por Flvio de Carvalho ao longo de sua formao (Inglaterra)

    e sua atuao profissional (Brasil). Desta forma, procurou

    delinear o campo disciplinar a partir de leituras dos textos

    publicados por Flvio de Carvalho e da atuao projetual.

    A leitura destas publicaes de Flvio de Carvalho,

    que tem como principal temtica as suas vises sobre

    cidade, arquitetura, habitao e o novo homem moderno,

    tornou-se de extrema importncia para a compreenso do

    desenvolvimento de sua produo arquitetnica. Importante

    destacar que ao longo da pesquisa foi possvel observar que

    suas abordagens sobre arquitetura e urbanismo foram mais

    presentes e polmicas nas publicaes em peridicos do

    que propriamente em suas construes, no espao da

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 13

    cidade.

    Para compreender melhor as perspectivas de Flvio

    de Carvalho apresentadas tanto em suas publicaes como

    nos projetos arquitetnicos, tornou-se necessrio um

    estudo sobre as idias que estavam em circulao, tanto no

    Brasil como na Inglaterra, para iluminar e revelar os conflitos

    percorridos ao longo da atuao de Flvio de Carvalho no

    campo disciplinar em questo.

    Atravs de um olhar crtico e detalhado, foi elaborada

    uma extensa pesquisa e seleo dos textos e declaraes

    de Flvio de Carvalho que desenvolviam temas

    interessantes para uma anlise mais profunda de seus

    projetos arquitetnicos e de suas concepes e vises

    sobre a cidade. A partir desta seleo, foi possvel

    compreender outras questes presentes em suas

    preocupaes com o desenvolvimento da cidade e da

    arquitetura, como: as mudanas da sociedade; da famlia;

    do novo homem e como essas mudanas refletem no modo

    de habitar e morar casa.

    O estudo sobre a arquitetura de Flvio de Carvalho e

    suas vises sobre a cidade permitiu uma outra perspectiva

    sobre a absoro brasileira da cultura moderna europia. O

    contato dos diferentes profissionais brasileiros,

    principalmente paulistas, que tiveram sua formao na

    Europa acabou trazendo para o Brasil diversas influncias

    culturais no incio do sculo XX, entre elas as principais

    vanguardas. Estas diferentes influncias culturais acabaram

    sendo absorvidas e apropriadas de diferentes formas em

    nossa cultura, principalmente ao estudarmos os

    modernistas da Semana de Arte Moderna. Estes artistas e

    intelectuais transitavam pelas diferentes correntes de

    vanguarda procurando agregar algumas caractersticas

    prprias de nossa cultura. Assim, algumas classificaes

    que estas produes acabam sofrendo em relao a estas

    correntes europias precisam, na verdade, ser

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 14

    2 Os trabalhos acadmicos e livros publicados sobre Flvio de Carvalho colocados e utilizados nesta pesquisa de mestrado foram: - DAHER, Luiz Carlos. Reconstituio visual de um conjunto residencial da dcada de 30. Trabalho disciplinar de Patrimnio Ambiental, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo FAU/USP 1978. - DAHER, Luiz Carlos. Arquitetura e Expressionismo: notas sobre a esttica do projeto expressionista, o modernismo e Flvio de Carvalho. Dissertao de mestrado na FAU/USP, 1979. - DAHER, Luiz Carlos. Flvio de Carvalho: Arquitetura e Expressionismo. So Paulo: Projeto Editores, 1982. - ZANINI, Walter; LEITE, Rui Moreira. Flvio de Carvalho. Catlogo da Exposio Retrospectiva na 17 Bienal de So Paulo (14 de outubro a 18 de dezembro de 1983). So Paulo: IBM do Brasil; Fundao Bienal de So Paulo, 1983. - DAHER, Luiz Carlos. Flvio de Carvalho e a volpia da forma. So Paulo: Edies K/ MWM Motores, 1984. - SOUZA, Ricardo Forjaz Christiano de. Trajetrias da Arquitetura Modernista. So Paulo: Secretaria Municipal de Cultura; Departamento de Informao e Documentao Artstica; Centro de Documentao e Informao sobre Arte Brasileira, 1982. - TELLES, Sophia S. A Arquitetura Modernista: um espao sem lugar. In. TOLIPAN, Srgio (et.al.) Sete ensaios sobre o modernismo. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1983. - SANGIRARD JR. Flvio de Carvalho: o Revolucionrio Romntico. Rio de Janeiro: Philobiblion Livros de Arte Ltda, 1985. - MORAES, Antnio Carlos Robert. Flvio de Carvalho o performtico precoce. So Paulo, Brasiliense, 1986. - LEITE, Rui Moreira. Experincia sem nmero: uma dcada marcada pela atuao de Flvio de Carvalho. So Paulo, USP, 1987. - LEITE, Rui Moreira. Flvio de Carvalho (1899-1973): entre a experincia e a experimentao. So Paulo, USP, 1994. - TOLEDO, J. Flvio de Carvalho: o comedor de emoes. So Paulo; Campinas: Brasiliense; Editora da UNICAMP, 1994. - ISHIDA, Amrico. Desenho, desejo e desgnio: na arquitetura de Flvio de Carvalho. So Paulo, FAU/USP, 1995. - MATTAR, Denise (org.). Flvio de

    compreendidas enquanto absoro brasileira e uma nova

    apropriao e desenvolvimento a partir das discusses de

    identidade nacional.

    Este mesmo processo de compreenso dos artistas,

    arquitetos e intelectuais com uma produo que representa

    uma adeso estreita a determinadas vanguardas europias

    ainda marcam muitos dos trabalhos de pesquisa

    historiogrfica neste campo, inclusive sobre o prprio Flvio

    de Carvalho 2. Por esta questo e por dificuldades de acesso

    a muitas das fontes primrias no campo da arquitetura, foi

    necessria uma leitura crtica e comparativa entre todos os

    livros e trabalhos acadmicos desenvolvidos sobre Flvio de

    Carvalho que tratassem diretamente ou indiretamente de

    assuntos de arquitetura e urbanismo. Desta forma, foi

    possvel a utilizao de dados e levantamentos existentes

    em trabalhos de terceiros, principalmente pela qualidade

    deste material.

    A disponibilidade de material sobre Flvio de

    Carvalho e a sua arquitetura desenvolvida reduzido se

    comparado a outros assuntos e arquitetos presentes na

    historiografia da arquitetura moderna brasileira. Porm, no

    to limitado como parece inicialmente. Aps o seu

    falecimento em 1973, surgiram estudos, discutindo,

    relatando e levantando a sua obra e, principalmente, a sua

    vida e trajetria pessoal.

    A maioria destes trabalhos, porm, focou muito mais

    efetivamente a sua produo nas artes plsticas e na moda,

    j que a sua produo nestes campos foi muito mais

    constante em sua trajetria. Alguns chegam a levantar

    algumas questes sobre a sua arquitetura, mas muito mais

    para mostrar a sua multiplicidade de atuaes. Mesmo

    assim, estes trabalhos foram muito importantes devido ao

    levantamento de datas e dados pertinentes sobre a sua

    formao, sua vida na Europa, sua chegada ao Brasil e

    mesmo datas de projetos.

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 15

    Carvalho: 100 anos de um revolucionrio romntico. Catlogo da exposio - curadoria Denise Mattar. Rio de Janeiro, CCBB, 1999. - OSRIO, Luiz Camillo. Flvio de Carvalho. So Paulo, Cosac & Naify, 2000. - SOUZA, Ricardo Forjaz Christiano de. O debate arquitetnico brasileiro 1925-36. Dissertao de Doutorado FFLCH/USP, So Paulo, 2004.

    Assim, esta pesquisa procura ampliar a leitura destes

    outros trabalhos, desenvolvendo uma questo ainda pouco

    discutida, que significa uma lacuna no estudo de sua

    trajetria profissional. Ou seja, mesmo que a presente

    pesquisa utilize esses outros trabalhos como suporte de

    levantamento de dados, procura uma outra interpretao

    das informaes presentes e uma outra leitura deste

    percurso de Flvio de Carvalho. Portanto, esta pesquisa

    procura lanar um olhar sobre Flvio de Carvalho apenas sob

    a perspectiva da arquitetura e do urbanismo.

    Outro ponto constatado em diversas pesquisas e

    livros, talvez a exceo seja o texto de Sophia Telles, a

    procura dos rastros das vanguardas europias na arquitetura

    de Flvio de Carvalho. Mesmo quando analisam sua pintura,

    estes trabalhos no consideram a anlise a partir de um

    contexto e uma leitura da prpria cultura brasileira e a suas

    interpretaes e apropriaes do modernismo. Outro

    trabalho que permite uma leitura diferente da obra e das

    concepes desenvolvidas por Flvio de Carvalho, a partir

    de um quadro da cultura brasileira, o trabalho de Ricardo

    Forjaz de Souza de 2004, apesar de classific-lo como uma

    arquitetura futurista.

    A partir das lacunas deixadas pelos trabalhos

    anteriores e que foram aqui levantadas, este trabalho

    procura separar a obra de Flvio de Carvalho, de seu

    personagem e de sua pessoa. Assim, considera material

    pertinente para a pesquisa a sua prpria obra, o que restou

    de sua atividade, construda ou no, em desenhos, em

    textos relevantes para a compreenso de um momento da

    arquitetura e da cultura moderna brasileira. O que

    transcende o tempo a sua obra, mas no a obra a partir de

    uma leitura restrita de sua prpria viso e interpretao do

    autor.

    Esta forma de olhar a obra de Flvio de Carvalho no

    campo da arquitetura e do urbanismo procura re-visitar

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 16

    algumas hipteses gerais j formuladas na arquitetura

    moderna brasileira, desmistificando alguns aspectos j

    consolidados das interpretaes dadas a esta obra.

    A organizao desta dissertao foi estruturada em

    trs partes, alm das Consideraes Finais e Introduo. O

    captulo 1, intitulado Inglaterra e So Paulo: formao e

    atuao, apresenta sucintamente o personagem Flvio de

    Carvalho, suas atuaes multifacetadas e as suas principais

    questes desenvolvidas ao longo de toda a sua trajetria.

    Posteriormente, so apresentadas algumas consideraes

    sobre a formao de Flvio de Carvalho como engenheiro

    civil na Inglaterra e o quadro disciplinar no campo das Belas

    Artes que ele poderia ter freqentado tambm, como

    contam em alguns levantamentos e mesmo em seu prprio

    currculo. Alm de apresentar esses dados, o captulo 1

    tambm contextualiza o perodo de sua formao na

    Inglaterra, iluminando as principais discusses sobre

    arquitetura e cidade que estavam presentes e, tambm,

    procurando compreender as principais caractersticas da

    formao em engenharia civil naquele perodo.

    Flvio de Carvalho retorna ao Brasil em 1922, logo

    aps se formar como engenheiro civil, mudando-se para So

    Paulo. Para compreender algumas discusses trazidas por

    Flvio por volta de 1927, foi necessria uma

    contextualizao da arquitetura, desenvolvida em So Paulo,

    na dcada de 1920, inclusive as principais mudanas

    urbanas e as caractersticas da arquitetura ecltica

    paulistana. Estas questes tambm foram necessrias para

    entender a atuao de Flvio de Carvalho nos principais

    escritrios de arquitetura e construtoras, principalmente o

    escritrio de Ramos de Azevedo.

    Outro ponto, amplamente desenvolvido neste

    primeiro captulo, foi o questionamento deste contexto

    ecltico a partir da Semana de Arte Moderna de 1922, pelos

    modernistas paulistas. Essas discusses sobre a cultura

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 17

    brasileira foram muito necessrias para a compreenso das

    divergncias entre modernistas e tradicionalistas,

    principalmente com as questes neocoloniais presentes

    naquele mesmo momento abordando as questes sobre a

    identidade nacional.

    A atuao de Flvio de Carvalho como profissional,

    primeiramente atuando apenas como engenheiro civil,

    responsvel apenas por clculos e dimensionamentos de

    estruturas e, depois como engenheiro-arquiteto, foi

    analisada e apresentada na quarta parte do capitulo 1. A

    partir da trajetria desenvolvida por Flvio de Carvalho foi

    possvel compreender a evoluo dos seus projetos, assim

    como, a evoluo da prpria arquitetura moderna brasileira.

    Concluindo o captulo 1, abordamos como a questo

    da busca do passado na arquitetura de Flvio de Carvalho

    discutida em relao s outras questes trazidas por Lcio

    Costa, principalmente a partir de 1936, com a construo do

    Ministrio da Educao no Rio de Janeiro.

    O captulo 2, intitulado Cidade, arquitetura e homem

    moderno nos textos de Flvio de Carvalho, analisa as

    principais discusses relacionadas arquitetura, trazidas por

    Flvio de Carvalho a partir de uma srie de textos de autoria

    ou de declaraes do prprio Flvio de Carvalho. Estes

    textos procuram levantar as principais questes pertinentes

    para a compreenso do desenvolvimento da arquitetura de

    Flvio de Carvalho, assim como as suas propostas de

    intervenes urbanas. Os principais pontos procurados por

    esta seleo de textos foram: a concepo de cidade; as

    discusses de circulao na metrpole; o modo de habitar a

    casa e a prpria cidade; a discusso sobre a nova casa; a

    nova concepo de famlia; sociedade e do prprio homem

    moderno.

    A segunda srie de textos procura as discusses

    sobre as intervenes reais em cidades, como So Paulo e

    Rio de Janeiro, discutindo a cidade a partir de intervenes

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 18

    como os planos de interveno de Alfred Agache e o Plano

    de Avenidas de Prestes Maia. A terceira seleo de textos,

    que finaliza o captulo, aborda a viso de Flvio de Carvalho

    sobre a arquitetura moderna. Estes textos so referentes

    aos projetos desenvolvidos pelo prprio Flvio de Carvalho.

    H tambm crticas recebidas de outros autores, como

    Mrio de Andrade, e as respostas de Flvio de Carvalho a

    elas. Apresenta tambm as crticas de Flvio de Carvalho a

    projetos desenvolvidos por outros arquitetos.

    O captulo 3, Flvio de Carvalho: arquitetura e

    urbanismo, analisa uma leitura dos projetos arquitetnicos

    de Flvio de Carvalho e as possveis relaes com as suas

    discusses, presentes nas suas publicaes. A anlise

    procura evidenciar principalmente a preocupao com a

    relao do projeto arquitetnico com a cidade, assim como

    a preocupao sobre as mudanas na sociedade e a

    habitao.

    Para organizar melhor a anlise desses dilogos com

    as discusses levantadas nos textos e declaraes de Flvio

    de Carvalho para a imprensa da poca, os projetos foram

    organizados de acordo com o programa desenvolvido. Os

    projetos foram separados em: projetos para a cidade

    (intervenes urbanas), projetos monumentais (programas

    representativos) e projetos de habitao (espaos de morar).

    Dentro desta classificao, os projetos foram reorganizados

    em ordem cronolgica, permitindo compreender as

    mudanas que as formas e as concepes arquitetnicas se

    desenvolvem a partir dos mesmos temas e do mesmo

    programa.

    No primeiro conjunto de projetos para a cidade

    de intervenes urbanas foram abordadas as propostas de

    Flvio de Carvalho para a cidade de So Paulo,

    principalmente em relao ao trnsito. Essa preocupao do

    trnsito, da circulao e da velocidade, interferindo na vida

    do homem uma discusso que ocupa mais os textos de

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 19

    Flvio de Carvalho que propriamente os seus projetos.

    J o segundo conjunto de projetos os

    monumentais de programas representativos, a maioria dos

    projetos foi elaborada por Flvio de Carvalho para a

    participao de concursos de projetos e anteprojetos

    pblicos. Enquanto o terceiro grupo de projetos aborda as

    concepes para o espao de morar projetos de habitao

    tanto no meio urbano como no meio rural. As

    preocupaes para uma residncia no campo, onde no h

    a noo de lote e nem rua, so muito diversas das

    preocupaes para um projeto na cidade, onde h a

    preocupao com a casa na cidade, na rua, no lote e no

    bairro.

    Para concluir o desenvolvimento da dissertao, a

    pesquisadora optou por no colocar um captulo conclusivo,

    mas citar algumas Consideraes Finais a partir de toda a

    anlise e levantamento organizado e discutido neste

    trabalho. Deste modo, a pesquisa aponta algumas possveis

    perspectivas sobre a obra arquitetnica de Flvio de

    Carvalho, sua relao com a cidade moderna e o seu dilogo

    com a cultura moderna brasileira, ao mesmo tempo em que

    abre a possibilidade de novas questes.

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 20

    01 So Paulo, 1924, Tarsila do Amaral. Fonte: AMARAL, 2001, p.19.

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 21

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 22

    inglaterra e so paulo: formao e

    atuao

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 23

    1.1_________________________

    02 - Foto de Flvio de Carvalho. Fonte: Decorao do Municipal: entre elogio e piche. Folha de So Paulo, 04 de janeiro de 1968.

    uma concisa apresentao deFlvio de Carvalho

    Flvio de Carvalho, nascido em Barra Mansa (RJ), em

    10 de agosto de 1899, iniciou seus estudos no Brasil, na

    Escola Americana de So Paulo. Assim como muitos filhos

    de importantes e abastadas famlias burguesas de So

    Paulo no incio do sculo XX, Flvio de Carvalho teve toda a

    sua formao intelectual na Europa, onde estudou a partir

    dos onze anos de idade.

    Aps completar a sua formao como engenheiro

    civil na Inglaterra, Flvio de Carvalho retornou ao Brasil em

    julho de 1922, aps a Semana de Arte Moderna. Esta,

    conhecida como Semana de 22 ocorreu em fevereiro do

    mesmo ano, com fortes influncias e conhecimento das

    discusses de arte e cultura moderna europia, procurando

    construir uma cultura propriamente brasileira.

    So Paulo, naquele momento, encontrava-se com a

    polmica entre os tradicionalistas e os modernistas. Alguns

    anos depois, Flvio de Carvalho acabou aproximando-se de

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 24

    03 Folder de apresentao de Flvio de Carvalho. Fonte: DAHER, L.C. 1984, p. 129.

    diversos desses intelectuais modernistas, que pensavam,

    elaboravam e questionavam o quadro cultural brasileiro.

    Atravs das correntes artsticas europias, como o

    futurismo, expressionismo, purismo, dentre outras questes

    e formas de pensar que estavam sendo discutidas durante o

    perodo de sua formao na Europa, Flvio de Carvalho

    poderia apresentar uma outra viso sobre a cultura brasileira

    ao retornar ao pas. Por ter iniciado sua formao na Europa,

    ele talvez pudesse ter desenvolvido inicialmente uma viso

    um pouco estrangeira, procurando re-estabelecer suas

    relaes com a sua prpria cultura, aps tanto tempo

    distante de suas origens.

    Logo em 1923, Flvio de Carvalho iniciou a sua

    atuao profissional como engenheiro civil no Brasil. At o

    final da dcada de 1920, atuou nos principais escritrios e

    construtoras de So Paulo. Entre 1923 e 1924, Flvio de

    Carvalho trabalhou na Construtora Barros, Oliva & Cia. como

    calculista estrutural. Posteriormente, entre 1924 e 1926,

    trabalhou tambm no clculo e dimensionamento de

    estruturas no escritrio Ramos de Azevedo/ Severo &

    Vilares. Estabeleceu o seu escritrio de arquitetura e ateli

    em 1926 e depois trabalhou ao longo de 1929 na

    Sociedade Comercial e Construtora, tambm como

    calculista estrutural.

    Responsvel pelo primeiro projeto modernista

    elaborado no Brasil, no construdo, para o concurso do

    Palcio do Governo em 1927, Flvio de Carvalho comeou a

    discutir questes de arquitetura e urbanismo em diversos

    jornais e, conseqentemente, tornou-se alvo de crticas e

    interesses diversos. A partir do concurso para o Palcio do

    Governo, com o pseudnimo Eficcia, Flvio de Carvalho

    iniciou uma srie de propostas de projetos para diferentes

    concursos, principalmente entre 1928 e 1929, que refletiram

    suas concepes de cidade e arquitetura, presentes

    tambm em alguns textos posteriores.

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 25

    04- Esboo de Le Corbusier ao longo da entrevista, em novembro de 1929. Fonte: Dirio Nacional, So Paulo, 21/11/1929. 1 Segundo relato de Ferraz em seu livro Depois de tudo. Ed. Paz e Terra: Rio de Janeiro, 1983.

    05 Capa de um pequeno catlogo dos projetos arquitetnicos de Flvio de Carvalho, com projetos de 1927 a 1929. Fonte: Foto do original, acervo pessoal de Rui Moreira Leite.

    A Cidade do Homem Nu, tese apresentada por Flvio

    de Carvalho no IV Congresso Pan-Americano de Arquitetura

    de 1930, no Rio de Janeiro, acabou significando um reflexo

    das discusses do campo artstico e cultural que efervescia

    em So Paulo entre 1922 e 1930. Essa tese apresentava o

    vnculo estreito do engenheiro-arquiteto Flvio de Carvalho

    com o Movimento Antropofgico de Oswald de Andrade.

    Essas discusses modernistas em So Paulo tinham em

    comum o desejo de ruptura com o passado, a crtica

    mimese artstica acadmica e a busca de referncias mais

    recentes da arquitetura e das artes na Europa. Desta forma,

    os modernistas buscavam um dilogo com as correntes

    artsticas como o futurismo, expressionismo, purismo, entre

    outras tendncias ideolgicas e estticas, sem representar,

    no entanto, uma adeso estrita a elas.

    A visita de Le Corbusier, em 1929, Amrica Latina

    marcou esses dilogos e circulao das idias que estavam

    acontecendo entre artistas de vanguarda brasileiros e

    europeus. Esta primeira estada de Le Corbusier no Brasil

    permite um contato direto de Flvio de Carvalho com as

    questes urbansticas discutidas por Le Corbusier nesta

    fase de sua carreira. Flvio de Carvalho e o jornalista Geraldo

    Ferraz so os nicos a realizarem uma entrevista com o

    arquiteto durante esta viagem em sua estada em So

    Paulo1. Nesta entrevista so levantados alguns pontos

    pertinentes das discusses de Le Corbusier que acabam se

    refletindo no contedo de alguns textos de Flvio de

    Carvalho, como na tese sobre a cidade do homem nu,

    quase um ano aps esse encontro entre Flvio de Carvalho

    e Le Corbusier.

    As questes sobre a cidade discutidas por Flvio de

    Carvalho esto tambm presentes em diversos textos e

    declaraes publicados em jornais da poca, ocasio em

    que ele problematiza desde intervenes urbanas em So

    Paulo de Prestes Maia como tambm discutia intervenes

    urbanas de Alfred Agache no Rio de Janeiro. Tambm

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 26

    06 Capa do livro de Flvio de Carvalho A Experincia n2. Fonte: TOLEDO, J. 1994, p. 248-P.

    07 Propaganda de Flvio de Carvalho na RASM. Fonte: Revista Anual do Salo de Maio, 1939.

    apresenta preocupaes com o trnsito de So Paulo,

    discusso sobre um transporte subterrneo e at a

    plantao de caf nos jardins pblicos.

    Em 1931, apresenta a sua Experincia n 2, que

    tornou um livro, publicado no mesmo ano com o ttulo:

    Experincia n 2 realizada sobre uma procisso de Corpus-

    Christi: uma possvel teoria e uma experincia. Essa

    experincia, segundo Flvio, uma anlise da psicologia das

    multides. Para a realizao dessa anlise, atravessou a

    procisso de Corpus-Christi no sentido contrrio usando

    chapu. Ao longo de sua travessia, Flvio deparou-se com

    diferentes pblicos, com diferentes envolvimentos com sua

    presena e com a prpria procisso, chegando a ser

    praticamente linchado pela multido. Assim, foi salvo pela

    polcia que o chamou para prestar esclarecimentos na

    delegacia, onde descobriu que estava sendo at acusado de

    ser comunista e de estar atirando bombas na procisso,

    mas fisicamente s ganhou ferimentos leves.

    Para a anlise, Flvio de Carvalho utiliza-se de

    referncias ao trabalho de Freud, discutindo idias como a

    de Deus e de ptria, totemismo, a conduta feminina, relao

    estabelecida entre a multido e a sua figura e da multido

    com o prprio Cristo. Assim, tambm discute questes de

    fetichismo, a diferente reao dos jovens e dos mais idosos,

    concluindo alguns assuntos destes com frmulas

    matemticas e a prpria pr-experincia da idia da morte,

    ao se refugiar desesperadamente em um pequeno cmodo

    em cima da leiteria, de onde foi retirado com a ajuda da

    polcia.

    As religies so pontos de refgio muito procurados pelo homem para esconder a sua inferioridade; a ptria, como idia derivada do patriarca, tem sempre ajuntando grandes grupos de homens; ultimamente porm o seu encantamento anda em perigo. A introduo de novas formas econmicas no cenrio mundial, como o advento da mquina e o interesse demonstrado pela palavra eficincia, parecem querer criar uma nova filosofia da vida, um novo

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 27

    08 Flvio de Carvalho com Oswald de Andrade, 1933. Fonte: TOLEDO, J. 1994, p. 248-A.

    09 Abaporu, pintura de Tarsila do Amaral, smbolo do Movimento Antropofgico, 1928. Fonte: AMARAL, 2003, p. XI.

    mundo ideolgico que orientar os laos afetivos do homem para um internacionalismo mais intenso, aumentando a viso de cada um. A ptria a imagem sagrada nacionalista (...). Tem a fora religiosa de criar submisso e de implantar o tradicional na rotina. Todos os patriotas so iguais como na religio todos (...) so tidos como iguais; ela a imagem encantada que recebe a adorao de todos os iguais, colocando todos em segurana; a sua santidade mantida pelo sentimento de insegurana do homem quando em contato agressivo com outros povos; ela em conseqncia desse contato, vem como uma defensiva, como a astcia da nao (CARVALHO, 1931, p. 157).

    O seu vnculo com a Antropofagia est presente

    tambm nesse texto, principalmente por questionar essa

    relao do homem moderno com a religio e a idia de

    Cristo ao discutir a idia de totemismo e da forma como e

    por que o homem se aproxima da idia de Deus. Assim, ele

    analisa o processo de contato de submisso do homem

    com a religio:

    Cada indivduo se sente com direitos sobre o personagem divino e o grande conforto da religio consiste em nivelar a ele, em ficar parecido com ele. Da o hbito de devorar periodicamente o Cristo na comunho da missa. (...) Quando o catlico engole o corpo de Cristo e s vezes bebe o seu sangue em forma de vinho, ele pretende por esse ato absorver as qualidades de Cristo. Ficar sendo igual de Cristo. (...) O contato provoca nivelamento. (CARVALHO, 1931, pp. 50-51).

    E conclui o livro, discutindo essas relaes da

    religio e da ptria com o homem moderno dentro das

    questes elaboradas pelo Manifesto Antropfago e de sua

    tese A cidade do homem nu:

    Para satisfazer ao instinto gregrio do homem moderno, do homem que comea a nascer com as novas foras econmicas, preciso alguma coisa mais que um mero boneco com o cu feito sob medida. (CARVALHO, 1931, p. 163).

    No ano seguinte a esta experincia, alm de

    combater na Revoluo constitucionalista, de 1932, em que

    atuou como capito-engenheiro na construo de fortes de

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 28

    10 Apresentao do Teatro O Bailado do Deus Morto Fonte: MATTAR, D. 1999, p. 59.

    11 Estudo do cenrio e do figurino do teatro O Bailado do Deus Morto Fonte: ZANINI, W; LEITE, R.M. 1983, p. 62.

    12 Ficha de inscrio para o clube dos Artistas Moernos. Fonte: ZANINI, W; LEITE, R.M. 1983, p. 64. 2 Declarao de Flvio de Carvalho sobre o CAM ao Dirio da Noite, 24/12/1932. Publicado por DAHER, L.C., 1982, pp. 44-45.

    barreiras de estratgia, tambm liderou grupos de soldados,

    defendendo o governo paulista do governo getulista. No

    mesmo ano, aps o domnio das tropas federais sobre os

    paulistas, Flvio de Carvalho retorna a So Paulo e funda o

    Clube dos Artistas Modernos (CAM), junto com Di

    Cavalcanti, Carlos Prado e Antnio Gomide. No CAM,

    organizou diversas exposies e conferncias, tornando-se

    um dos principais locais de discusses de assuntos

    artstico-culturais e polticos, dividindo parte dos artistas

    modernistas, assim como, a Sociedade Pr-Arte Moderna

    (SPAM), que teve, praticamente, a mesma durao, at

    1933.

    O CAM foi fechado aps algumas apresentaes do

    Teatro da Experincia, elaborado por Flvio de Carvalho,

    com a encenao da pea O Bailado do Deus Morto, escrito

    e montado por ele mesmo. Esta pea sofreu algumas

    censuras da polcia, principalmente a partir de crticas

    diversas da sociedade em relao a este clube, ao ter

    apresentado palestras e exposies que permitiram

    discusses de assuntos como as idias comunistas ou

    mesmo sobre a arte sovitica.

    Este clube no tem limites dentro destas paredes claras. Viemos no mundo, e num mundo hoje estreitamente ligado pela radiotelefonia, pelo telefone, pela aviao, pela Graf Zepelin. Embora o Brasil seja um dos pases mais longques da terra (...) ns decidimos centralizar em So Paulo, neste clube, um intercambio de informao e de realizaes com todos os meios cultos e universais, com os seus intelectuais e artistas. (CARVALHO, 1932) 2

    Em 1936, publica o seu segundo livro - Os Ossos do

    Mundo - a partir de anotaes de sua viagem de 1934 para a

    Europa, ao participar dos Congressos de Filosofia e

    Psicotcnico realizado em Praga. Nesse livro, Flvio de

    Carvalho discute, a partir de sua viagem a diversos pases da

    Europa, a questo da forma de pensar a histria e o ponto

    de vista para a sua elaborao, o distanciamento do tempo

    para a anlise do objeto, para v-lo em sua amplitude, suas

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 29

    13 Capa do livro Os ossos do mundo, 1936. Fonte: TOLEDO, J. 1994, p. 248-P.

    15 Cadeiras desenhadas por Flvio de Carvalho aproximadamente na dcada de 1940. Fonte: Revista Design & Interiores, n24, maio- junho 1991, p. 97.

    16 Anncio das persianas de alumnio na RASM. Fonte: Revista Anual do Salo de Maio, 1939.

    circunstncias e suas relaes.

    O valor da poca no perceptivo dentro da poca porque no h ponto de vista, no h contraste, falta comparao, e sem contraste no pode haver julgamento (CARVALHO, 1936, p.42.).

    Essa reflexo sobre o objeto analisado e pesquisado

    ao longo da histria, na verdade, seriam esses ossos do

    mundo, vestgios e distncia necessria entre o pesquisador

    e o objeto. Mas at chegar a discutir essas abordagens

    sobre a reflexo do passado, Flvio de Carvalho elabora

    alguns temas pensados por ele ao longo da viagem, desde

    sua partida de So Paulo. Uma destas questes que nos

    chama a ateno por sua relao com o relato de Le

    Corbusier sobre a viso area para um urbanista, em

    Precises, o relato de Flvio de Carvalho sobre a sua viso

    a partir do avio sobre as cidades, do homem em vo:

    Tinha a impresso que teria um arquelogo que passando a sua vida na reconstruo de uma civilizao, de um momento para o outro encontra o seu trabalho pronto: todos os pedaos da cidade e todos os detalhes eram visualizados ao mesmo tempo. (...) A viso do homem em vo adquire mais uma dimenso sobre a viso do habitante da superfcie; ele capaz de prever e calcular o destino do habitante da superfcie, o seu ponto de vista percorre o presente, o passado e o futuro desse personagem, porque ele enxerga a predisposio para receber e para entregar de um dado personagem. (...) A vista area parecia multiplicar enormemente a nossa sensibilidade, englobar o mundo dos homens num pequeno esforo mental; com um golpe de vista fazamos um levantamento geral e simultneo de todos os afazeres da cidade, o que seria impossvel colocado num dos compartimentos da cidade, onde nossa viso e sensibilidade seriam apenas a do pequeno mundo oriundo desse compartimento (CARVALHO, 1936, p.15-16).

    Flvio de Carvalho apresenta sua viso sobre as

    cidades visitadas, como o barroco da igreja de So

    Francisco em Salvador, os coqueiros de Aracaju at o

    barroco de Praga. curioso ao apresentar a postura dos

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 30

    17 Carto de apresentao das persianas de alumnio Tropicalumnio Fonte: Foto do original pertencente ao acervo do CEDAE/Unicamp.

    18 Carto comercial da cermica de Flvio de Carvalho. Fonte: TOLEDO, J. 1994, p. 664-i.

    19 Carto do estabelecimento comercial A Vaca, onde Flvio de Carvalho vendia produtos da Fazenda Capuava. Fonte: ZANINI, W.; LEITE, R.M. 1983, p. 122.

    14 projeto de traje para a expedio dos gafanhotos, no final da dcada de 1930. Fonte: ZANINI; LEITE, 1983, p. 72.

    alemes no congresso de Praga, antes da Segunda Guerra

    Mundial, discutindo a superioridade da raa alem. Ele

    analisa as diferenas culturais e, ao mesmo tempo, algumas

    influncias da religiosidade, como na Itlia. Tambm discute

    a alimentao em diversos pontos da Europa, inclusive

    questes de higiene, at mesmo a qualidade do papel

    higinico.

    Outro ponto muito importante desse livro o

    prefcio escrito por Gilberto Freyre, que utiliza o termo ps-

    modernista por aparecer aps o modernismo e com outra

    mensagem, para compreender Flvio de Carvalho. Ele

    intensamente moderno, mas despreocupado com o

    modernismo literrio. Esse ps-modernista seria no sentido

    de ir alm do prprio modernismo ou at mesmo

    modernismo brasileira.

    Participa dos Sales de maio de 1937, 1938 e 1939,

    neste ltimo responsvel pela Revista Anual do Salo de

    Maio (RASM) publicado com uma capa de alumnio,

    contendo diversos textos de sua autoria.

    Em 1938, Flvio consegue realizar os dois nicos

    projetos construdos de sua carreira: as dezessete casas da

    Alameda Lorena (So Paulo) e a sua casa sede da Fazenda

    Capuava, ambos em terrenos da famlia. Mas continua

    participando de concursos de obras arquitetnicas e

    discusses sobre as intervenes na cidade de So Paulo.

    Alm de escrever para diversos jornais e apresentar

    declaraes sobre diferentes assuntos de seu interesse ao

    longo de toda carreira, Flvio tambm projeta, produz e

    comercializa persianas verticais de alumnio a

    Tropicalumnio. Alm deste negcio, Flvio comercializou

    produtos cultivados em sua fazenda, com sua marca A Vaca

    e chegou a produzir em sua fazenda tijolos cermicos,

    tambm comercializados por ele. Porm nenhum desses

    negcios foi muito duradouro.

    Ao longo de sua trajetria, Flvio de Carvalho projeta

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 31

    3 O agrnomo Oliveira Filho, de acordo com Sangirard Jr., que escrevia para O Estado de So Paulo afirmava que o bero dos gafanhotos sul-americano localizava-se no Mato Grosso. Neste local, de acordo com o raciocnio de Flvio de Carvalho a flora no lhes serviria de alimento, dado importante para o problema das devastaes dos gafanhotos em plantaes. A partir desta constatao Flvio de Carvalho organizou uma expedio, que contava com a adeso de Tarsila do Amaral, com a finalidade de localizar este bero dos gafanhotos. Porm, mesmo com vrios levantamentos geolgicos para a expedio ela nunca chegou a ser realizada. (SANGIRARD, 1985, pp. 63-65)

    20 - Decorao do Teatro Municipal de So Paulo do Baile de Carnaval de 1934. Fonte: MATTAR, 1999, p. 19.

    21 - Foto do canrio e figurino de Flvio de Carvalho para a Sinfonia de Camargo Guarnieri 1951. Fonte: OSRIO, L.C. 2000, P. 25.

    22 - Desenho do canrio e figurino de Flvio de Carvalho para a Sinfonia de Camargo Guarnieri 1951. Fonte: ZANINI, W; LEITE, R.M. 1983, p. 62.

    ainda cenrios e figurinos para teatros e bals, como

    tambm para festas de carnaval. Entre estes esto: Traje

    para a expedio dos gafanhotos 3 (dcada de 1930),

    figurino e cenografia do Bailado do Deus Morto (1933),

    decorao para o baile de carnaval do Teatro Municipal de

    So Paulo (1934), decorao do Baile de carnaval do

    Clubinho (1951), figurino e cenografia de Sinfonia de

    Camargo Guarnieri (1951), figurino e cenografia de Ritmos

    (1952), decorao do Baile de carnaval do Clubinho (1954),

    Traje tropical new look (1956), figurino e cenografia de

    Calgula (1959), figurino e cenografia para o bal Tempo

    (1965) e projetos para decorao do Teatro Municipal (1966),

    dentre outros.

    Destes trabalhos, destacou-se na imprensa e ao

    longo de sua carreira, o Traje tropical New Look (1956) que

    Flvio de Carvalho desfilou pelo centro de So Paulo e

    intitulou de Experincia n 3. Esse traje provm de uma

    srie de estudos sobre as questes da moda ao longo da

    histria, publicadas numa srie de artigos para o Dirio de

    So Paulo, entre maro e outubro de 1956. O traje,

    projetado para o clima tropical do pas, tem a preocupao

    com a circulao de ar pela roupa: constituda por uma

    saia, uma sandlia, meia de malha e uma blusa com mangas

    abertas, tudo pensado de acordo com o clima tropical,

    segundo o autor.

    A ventilao bem estudada, atravs do sistema de pregas e mangas abertas, proporciona rpida evaporao do vapor de gua do suor evitando a sensao de calor devido ao empastamento do tecido e efeitos desagradveis que disso discorrem. Mantm-se assim o corpo sempre limpo e adquire-se, devido constante circulao do ar entre o tecido e o corpo, maior resistncia aos resfriados (...) e outras doenas. (CARVALHO, 1956)

    O ltimo livro que edita, pouco antes de seu

    falecimento, referente aos seus estudos iniciados em

    1933, com o Teatro da Experincia. Seu livro A Origem

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 32

    23 Flvio de Carvalho entre os ndios Xirians, Alto Amazonas, em 1958. Fonte: TOLEDO, J. 1994, p. 664-D.

    24 Flvio de Carvalho desfilando o traje pelo centro de So Paulo 1956. Fonte: OSRIO, L.C. 2000, p. 9.

    Animal de Deus e o Bailado do Deus Morto (1973), na

    verdade, so dois textos que se completam em um nico

    volume. Na primeira parte: A Origem Animal de Deus, Flvio

    de Carvalho discute a relao do homem com um ser divino

    e, como esta relao se estabelece, principalmente no

    passado da evoluo humana, em que a idia de um deus

    era vinculada presena ou figura de animais, por isso ele

    discute essa origem animal de Deus. Procura descobrir de

    onde surgiu a religio atual nos seus estudos e nos

    caminhos percorridos por ela. Para tanto apresenta trs

    temas: a fome, o medo e o sexo e a inveno da alma.

    pela fome que o homem entra em contato com o mundo animal e vegetal que ele devora e o ato de devorar a primeira religio. (...) Apetite religio. Motivo porque as razes da religio so to fortes. As rezas de todos os povos de todos os tempos se referem ao alimento (CARVALHO, 1973, p. 11).

    Assim como nos dois livros anteriores, Flvio de

    Carvalho apresenta uma postura e questes ainda

    vinculadas Antropofagia. As questes da religio e a

    procura de um homem primitivo e essa relao direta

    estabelecida pela devorao da idia de deus so discutidas

    desde seu primeiro livro, em 1931.

    pelo intestino e pelo sexo que o homem entra em contato ntimo com a natureza: devorando a natureza ele perpetua-se. O sexo assegura a continuao da espcie enquanto que o alimento assegura a continuao do indivduo. (CARVALHO, 1973, p. 11).

    Essa idia de antropofagia em relao ao indivduo e

    a sua religio, assim como a prpria continuidade de

    desenvolvimento do homem, est presente ao longo de

    todo este livro. Estas questes antropfagas no homem e

    em sua religio tambm esto presentes na segunda parte

    do livro de Flvio de Carvalho, onde apresenta o texto dos

    atos da pea O Bailado do Deus Morto, exibido em 1933.

    Esta parte ainda inclui o programa distribudo na estria da

    mesma pea.

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 33

    25- Esquema de raciocnio do desenvolvimento do traje, 1956. Fonte: MATTAR, D. 1999, p. 55.

    26 Capa do livro A origem animal de Deus e o Bailado do Deus morto. Fonte: CARVALHO, F. de. 1973, capa.

    27 Flvio de Carvalho em uma de suas expedies. Fonte: SANGIRARD Jr. 1985, p. 54.

    Nesta pea, O Bailado do Deus Morto, defende a

    ausncia da religio e a independncia da figura de Deus

    para que o homem consiga estabelecer seu raciocnio livre

    na construo de um novo mundo, para assim, permitir o

    progresso do prprio homem.

    A mulher inferior explica ao mundo porque ela seduziu o monstro mitolgico e pacato de entre os animais e colocou-o como Deus entre os homens. Uma profunda saudade marca a entonao e a sua ira contra o homem inferior. Os homens do mundo imploram em vo um Deus calado e desaparecido, perplexos, eles decidem e controlam os destinos do pensamento, marcam e especificam o fim do Deus e como usar os resduos no novo mundo. (CARVALHO, 1973, p. 98).

    Participou de diversos eventos no campo das artes

    plsticas ao longo de toda a sua carreira, principalmente

    exposies individuais no Brasil e no exterior, assim como,

    bienais de So Paulo e tambm de Veneza. Projetou ainda

    diversos monumentos, mas os nicos construdos so os da

    Universidade Internacional de Msica e Arte Cnica (1955) e

    a homenagem a Garcia Lorca (1968).

    No incio dos anos de 1970, Flvio de Carvalho

    participa do Seminrio de Tropicologia, da Universidade

    Federal de Pernambuco, organizado pelo socilogo Gilberto

    Freyre. Neste seminrio, Flvio apresentou o seu estudo

    sobre a moda e o trpico, iniciado em 1956, publicado em

    uma srie de artigos no Dirio de So Paulo. Neste

    seminrio, Flvio participa de discusses sobre a

    conscincia brasileira da relao de sua cultura com os

    trpicos e a busca de uma modernizao brasileira que no

    negue os seus vnculos com o passado e tenha vnculos

    com este espao tropical.

    At o final de sua trajetria de vida, em 1973, Flvio

    de Carvalho continuou participando de diversos concursos

    de projetos arquitetnicos no Brasil e no exterior. Esses

    projetos tambm atuavam como verdadeiras manifestaes

    de suas idias modernistas e seu questionamento da cultura

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 34

    28-Flvio de Carvalho entre Lcio Costa e Gregori Warchavchik. Fonte: COSTA, 1995, p. 200.

    brasileira. Porm, Flvio expe suas questes em diferentes

    suportes e atuaes.

    A obra de Flvio de Carvalho tem uma produo

    multifacetada por atuar em diversos campos, como a

    arquitetura, urbanismo, teatro, figurino, cenografia, moda,

    engenharia civil, artes plsticas e questionamentos da

    psicologia humana. A participao do arquiteto em vrias

    bienais de artes e o distanciamento de sua produo

    arquitetnica da principal produo dos arquitetos cariocas,

    que formaram o ncleo principal da arquitetura moderna

    brasileira, caracterizam as abordagens sobre Flvio de

    Carvalho como uma atuao mais presente nas artes e

    apenas pontual na historiografia da arquitetura brasileira.

    1.2_________________________ 4 A Universidade de Durham foi fundada em 1832 em Durham e Newcastle. Inicialmente, at incio do sculo XX era pequeno o nmero de estudantes que ingressavam na universidade. Mas houve algumas junes e acordos com outras universidades inglesas, o que permitiu uma expanso da universidade e de seus cursos. Porm, a engenharia pertence aos cursos da universidade desde o incio. O material sobre a histria da universidade foi pesquisado no site oficial da Universidade de Durham: http://www.dur.ac.uk.

    29 Reestruturao das vias do entorno do mercado, perspectiva vo de pssaro. Desenho de T.H. Mawson. Fonte: CALABI, 1979, p. 287 F.

    inglaterra: contexto e percurso

    da formao profissional

    Casas isoladas, subrbios, valorizao da paisagem, elementos pitorescos, programas habitacionais econmicos, vilas e estncias balnerias so todos aspectos do quadro de mudanas nas cidades e na arquitetura promovidos pelas transformaes aceleradas da sociedade moderna e que ocorreram com intensidade no sculo XIX. (WOLFF, 2001, p. 43)

    Flvio de Carvalho concluiu seus estudos na Europa,

    inicialmente na Frana e posteriormente na Inglaterra, onde,

    ao estar viajando a passeio, ficou impedido de sair para

    retornar Frana devido Primeira Guerra Mundial. Por esta

    questo, realizou toda a sua formao para Engenheiro Civil

    no Armstrong College da Universidade de Durham, em New

    Castle, Inglaterra. 4

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 35

    5 No sculo XIX Londres era a maior cidade do mundo, com mais de um milho de habitantes. Em 1901 chega a atingir quatro milhes e meio de habitantes, num total de 30.000 hectares, fora os aglomerados com mais dois milhes de habitantes. Em 1921 chega a atingir um total de sete milhes e meio de habitantes com os aglomerados. (BENEVOLO, 2005, p. 672)

    30 Braso do Royal Institute of British Architects (RIBA) com a data de fundao e de incorporao. Fonte: CALABI, 1979, p. 128 H.

    31 Objetivos, finalidades e modalidades da inscrio da Garden City Association. Fonte: CALABI, 1979, p. 128-B.

    Nesse perodo, primeiras dcadas do sculo XX, a

    Inglaterra era o primeiro pas a passar por diversas

    transformaes geradas pelo processo de desenvolvimento

    tcnico e industrial. A velha estrutura da cidade estava

    sendo contraposta pela grande concentrao dos trabalhos

    nas fbricas, transformando o cotidiano da cidade atravs

    dos operrios, que passaram a sobrecarregar a estrutura

    urbana. Esta migrao da populao rural para a cidade no

    correspondia vazo dos postos de trabalho e nem com as

    vias de comunicao disponveis. Esta concentrao

    populacional 5 nos principais centros urbanos gera uma srie

    de problemticas na estrutura e organizao da cidade,

    como: deficincia e insuficincia nos meios de transporte,

    nas pssimas condies de higiene sanitrias e alimentares,

    assim como o abastecimento de gua.

    A partir desta srie de problemas que as cidades no

    estavam estruturadas para absorver, inicia-se uma srie de

    debates na Inglaterra, cujo principal tema era as

    intervenes urbanas. Esse processo de transformao

    urbana, imposto pela grande concentrao populacional e

    transformaes da vida cotidiana, relacionadas com o

    advento da mquina, gera uma nova leitura e novas

    solues de projeto muito diferente dos propostos

    anteriormente.

    Outro assunto que passa a ser abordado na

    elaborao destas novas intervenes so os novos

    conflitos sociais gerados pelas pssimas condies de

    moradia de grande parte da populao, ao mesmo tempo

    em que as fbricas geravam muita riqueza para as cidades,

    reforavam as diferenas sociais.

    A principal diferena das novas questes impostas

    pelas novas condies de vida, principalmente pelo

    progresso tcnico e da mecanizao do trabalho, a escala

    da cidade. A escala para se pensar e reorganizar as reformas

    da cidade muito superior s preocupaes anteriormente

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 36

    6 PEREIRA, Armando de Arruda. So Paulo, bero da engenharia nacional. In Revista do Arquivo Municipal CXLIII. So Paulo, junho de 1952, pp. 7-22. 7 O programa definido por Raymond Unwin para o curso de Civic Design e Town Planning na Faculdade de Engenharia Civil da Universidade de Birmingham, em 1912,era organizado em partes. A parte 1 discutia Unidade da qual composta o plano (o problema da casa, conforto, dimenso mnima, aspectos da habitao em relao rua, largura das ruas nos diferentes casos e aspectos, dimenses do lote, dimenses do edifcio, custo do terreno, densidade, higiene publica, bem estar social, beleza do ambiente, trabalho e indstria, relao destes com a habitao, servios pblicos e privados, condies de localizao e acessos, reas livres, escoamento de gua, esgoto, plano de zonas, formas de agrupamento dos edifcios e residncias, influencia da arquitetura no plano de zonas, custo do desenvolvimento imobilirio) e Parte 2 Plano Urbanstico Geral ( necessidade de ampliao de zonas e de um plano urbanstico, estudo da cidade existente, estudo topogrfico da regio, das ferrovias existentes, canais, vias de comunicao, drenagem, energia, luz, gua; elemento de projeto aplicado ao plano urbanstico geral, ritmo, composio, repetio, proporo; importncia arquitetnica, econmica e social do centro cvico; a rede viria principal, probabilidade de trfego, as relaes com as vias secundrias; estudo de diversos tipos de planos urbanos, com exemplos de outros lugares; a teoria das Cidades-Jardins, e outros estudos de ampliao urbana; influencia da Legislao nos planos urbanos; e trabalhos em atelier para desenvolver questes tericas com a prtica). CALABI, 1979, pp. 168-170.

    8 Civic Design, segundo prospecto de D. Adshead, do Departamento de Civic Design de Liverpool, em 1910, responsvel pela qualificao do arquiteto, engenheiro e outros tcnicos para serem capazes de elaborarem planos urbanos, pensando na organizao das ruas suficientemente espaosas, parques, avenidas bem dispostas entre outros aspectos da cidade naquele momento. Alm da

    colocadas pela cidade medieval ou renascentista. H a

    necessidade de prever as expanses da cidade, que

    tambm no mais limitada pelo campo. A indstria est

    presente em toda a cidade, tanto no centro como na

    periferia. No h como intervir na cidade pensando-se

    somente no centro. O raciocnio tem que englobar tudo que

    interfira na vida urbana.

    A presena das indstrias transforma tambm os

    meios de transporte, que passa a depender da ferrovia,

    tanto para o escoamento da produo destas indstrias e

    seu fornecimento de matria prima, como tambm para a

    circulao dos seus operrios.

    A partir desta srie de problemas que a cidade passa

    a enfrentar, as primeiras medidas de interveno colocadas

    pelos engenheiros civis e municipais so as questes

    higienistas e de salubridade. Esta necessidade de

    profissionais aptos para as intervenes e melhorias

    urbanas favorece uma formao dos engenheiros muito

    mais voltada para a prtica no espao da cidade,

    principalmente, diante das necessidades colocadas pelas

    prprias deficincias sanitrias e pelo inchao populacional.

    O perfil da engenharia civil na Inglaterra se

    desenvolveu a partir da prtica na Revoluo Industrial e nas

    transformaes das cidades, e posteriormente, ela

    desenvolveu-se na teoria, na academia. Portanto, na

    engenharia inglesa marcante a preocupao com a prtica

    e o domnio no assunto, segundo Pereira (1952) 6. Alm de

    lembrar que a Associao Britnica de Engenheiros de

    Londres, que foi fundada em 1818, a mais antiga do

    gnero.

    Outro ponto que marca a formao inglesa dos

    engenheiros civis a preocupao com a Town Planning 7

    e o Civic Design 8, segundo Calabi (1979) 9 em seus

    estudos sobre o urbanismo, como disciplina, nas

    universidades de Liverpool, Birmingham e Londres, desde o

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 37

    planta com as diretrizes do plano, desenvolve-se alguns edifcios arquitetnicos importantes. Desta forma, o Civic Design procura no apenas desenvolver o saber da prtica de um plano urbano, mas tambm desenvolver os aspectos estticos da cidade e das reas suburbanas. O curso desenvolve as aulas na teoria e na prtica de ateli, a partir das seguintes disciplinas: Desenvolvimento Urbano, Engenharia, Legislao, Arquitetura, Decorao e Projeto da Paisagem. (in CALABI, 1979, pp. 149-153).

    9 Este estudo levanta principalmente os reflexos das questes urbansticas nas instituies de ensino de arquitetura e de engenharia inglesas e os focos desta disciplina no incio do sculo XX. 10 O Town Planning Institute era uma instituio, iniciada em 1913, formada por diversos profissionais como arquitetos, engenheiros e topgrafos, que procuravam discutir as necessidades do profissional responsvel pelas obras e intervenes urbanas, assim como, a elaborao de planos urbansticos. Uma das principais atuaes deste instituto foi a formao da disciplina Civic Design em universidades como a de Liverpool, em 1909, e a de Birmingham, em 1911. Esta disciplina procurava suprir as necessidades profissionais do Town Planner. Outra atuao importante deste instituto era a constante discusso e formao de congressos que abordavam as intervenes urbanas, os profissionais da rea, as exigncias destes profissionais e questes ticas do urbanismo e dos planos urbanos. (CALABI, 2000, p. 146-147)

    inicio do sculo XX.

    Neste perodo em que Flvio de Carvalho reside na

    Inglaterra, entre 1914 e 1922, diversas questes sobre a

    cidade e a idia de planos urbansticos estavam em

    discusso na Inglaterra, principalmente a partir do

    Congresso Internacional do Royal Institute of British

    Architects (R.I.B.A.) de 1910. Este congresso, reflexo de

    diversos outros debates sobre a prtica do urbanismo e

    seus profissionais competentes j estava sendo abordado

    na Inglaterra, principalmente, a partir de diversas instituies

    de profissionais como: o Institute of Civil Engineers (I.C.E.),

    Town Planning Institute 10, Association of Municipal and

    Sanitary Engineers, Garden City and Town Planning

    Association, entre outras.

    O resultado desta Conferncia Internacional de

    Urbanismo do RIBA, 1910, uma tentativa significante de

    encontrar uma forma correta e arquitetnica ao Town

    Planning, cujo termo procurava tornar pblico, alm de

    acrescentar maior interesse pela arquitetura e pela cidade.

    Desta forma, enfatizava os arquitetos como sendo os

    principais profissionais capazes de se responsabilizarem

    pela profisso urbanstica.

    A partir da Primeira Guerra Mundial intensificam-se

    estas discusses em relao s construes de casas,

    principalmente para operrios, conseqncia tambm das

    destruies causadas pela Guerra. Outra questo que se

    intensifica a necessidade de planos de reconstruo ou

    mesmo de interveno em diversas cidades.

    Com esta atuao mais intensa dos urbanistas, o

    Town Planning Institute comea a se preocupar com a

    formao destes urbanistas, sendo eles engenheiros ou

    arquitetos, e inicia-se uma relao com este departamento

    universitrio.

    Entre as exigncias que o instituto estabelece esto:

    a necessidade da prtica, mesmo em um estdio;

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 38

    11 Segundo estudos de Donatella Calabi, 1979, p. 130. 12 Escola de Arquitetura, Universidade de Liverpool. 13 Newcastle pode estar se referindo a Universidade de Durham, em Newcastle, onde Flvio de Carvalho teve a sua formao como engenheiro civil e tambm freqentou aulas do Departamento de Artes, entre 1918 e 1922. 14 Assimilavam as idias de Ebenezer Howard de cidade-jardim. Este modelo de interveno urbana, discutida na Inglaterra a partir de 1898, propunha uma nova tipologia urbana baseada na descentralizao da metrpole segundo uma unidade autnoma e com a utilizao de edifcios uni - familiares. Howard procurava a questo da cidade com o campo, unindo as vantagens de ambos em um tipo de modelo, uma frmula mista: a cidade-jardim. Este modelo tambm procurava resolver os conflitos sociais atravs da ordem espacial, resolvendo os problemas de congestionamento. Funcionava com uma colnia da metrpole, onde se localizaria melhor os elementos da vida intelectual e econmica da vida contempornea, unindo o trabalho intelectual, a agricultura, a produo manufatureira e a administrao seriam coletivas, independentemente do governo da metrpole. Este modelo foi adotado em vrios lugares como uma forma de crescimento da metrpole para a sua periferia. (CALABI, 2000, pp. 41-46)

    conhecimento em histria do urbanismo; prtica

    urbanstica; urbanstica em relao a trs aspectos

    particulares arquitetura e decoro; engenharia e relevo;

    legislao. 11

    Essas exigncias, em relao ao estudo do

    urbanismo, eram uma pratica at a dcada de 1930 em

    instituies como o Departamento de Liverpool. 12 A partir

    desta formao completa testada e avaliada o formando

    poderia integrar como membro do Town Planning Institute.

    Dentre as escolas que passam a absorver esses pontos

    discutidos na formao do urbanista, integrando-as, esto

    as instituies de ensino de Liverpool, Newcastle 13, Leeds,

    Edimburgo. Manchester e de Londres. (CALABI, 1979, p.

    131).

    Ao longo deste desenvolvimento das questes sobre

    a cidade na Inglaterra ocorre tambm uma afirmao

    progressiva deste movimento urbanstico na gradual

    profissionalizao do urbanista na Inglaterra. Esta

    transformao na formao destes profissionais constitui o

    Instituto de Urbanstica, incluindo os diversos profissionais

    que atuavam na discusso sobre as reformas urbanas,

    como: engenheiros sanitaristas, arquitetos paisagistas,

    engenheiros civis, arquitetos, mdicos e socilogos. Essa

    instituio procurava englobar todas essas diferentes vises

    na profissionalizao tcnica do urbanista.

    Com este instituto tambm estavam associadas a

    Garden-City Association 14 e a National Housing Reform

    Council. Estas instituies e seus eventos do incio do

    sculo XX procuravam discutir o papel do Estado e suas

    responsabilidades urbansticas, incluindo analogia dos

    modos de comportamento, aes em relao s reformas

    necessrias nas casas, aprovaes de leis, planos nas reas

    centrais e rurais.

    A Garden-City Association era uma instituio que

    divulgava os princpios da Cidade-Jardim, muito importante

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 39

    15 Barry Parker, assim como Raymond Unwim eram arquitetos que trabalharam junto com Howard em Letchworth (1904) e em Hampstead (1907).

    16 Texto traduzido do original em italiano por Nora Cappello. Town Planning come principio de progettazione o come funzione di governo locale. Le icomprensioni concettuali pongono in forse lidentit e quindi la leadership delle associazioni, ma soprattutto sottolineano lamguit tra pianificazione della citt e pianificazione dap arte della citt (Planning of the Town e Planning by the Town) come punti estremi tra I quail si muove la construzione dellurbanistica, come termini compresenti nelle finalit delle sue organizzazioni professionali. (CALABI, 1979, p. 97)

    17 Town planner era o termo especifico para o profissional com conhecimento tcnico e terico para propor planos de interveno ou reforma urbana. De acordo com CALABI (2000) este profissional fazia um levantamento do local em todos os seus aspectos: natureza, aspectos geogrficos, suas comunicaes, e o limite da zona urbana com a zona rural. Era tambm necessrio o levantamento de outros aspectos capazes de evidenciar a potencialidade local como: indstrias, agricultura, histria do lugar, a sua comunidade e os modos de vida desta populao. A anlise e conhecimento destas questes colocadas pelo estudo do urbanismo so questes importantes para este profissional responsvel. Era preciso que este profissional tivesse capacidade tambm de coordenar as aes projetuais, sabendo agir de acordo com o seu diagnstico do local, saber trabalhar com a legislao e orientar as transformaes deste territrio. (CALABI, 2000)

    18 Texto traduzido do original em italiano por Nora Cappello. Larte di piegare le grandi forze della natura alluso e all convenienza delluomo, riducendo a mezzi di produzione e di traffico nei diversi stati per il commercio interno ed etsero; per la costruzione di strade, ponti, acquedotti, canali, fiumi, porti per scambi e traffici interni; per la costruzione di porti, banchine, moli, fari per larte della navigazione commerciale a vapore; per la costruzione e ladeguamento do macchinari relativi a sistemi di drenaggio di centri e citt. (CALABI, 1979, p. 98)

    na disseminao deste modelo urbano por toda Europa,

    mesmo aqui no Brasil, com a vinda de Barry Parker 15 em

    So Paulo. Ainda que esse modelo sofra diversas alteraes

    ao longo de sua divulgao, que acabava modificando seus

    princpios, foi largamente utilizado como modelo urbano no

    sculo XX. A Garden-City Association tornava as questes

    apresentadas por Howard um assunto permanente nas

    intervenes urbanas e mesmo nos congressos ingleses

    que discutiam a Town Planning.

    Com a Town Planning, a partir de 1909, outras

    questes passam a fazer parte deste debate sobre o

    urbanismo, principalmente a distino do mtodo projetual

    e o conjunto de tcnicas de urbanizao e administrao,

    alm da gesto do governo.

    Town Planning como princpio de projeto ou como funo de governo local. As incompreenses conceituais colocam em cheque a identidade e portanto a liderana das associaes, mas sobretudo sublinham a ambigidade entre planejamento da cidade e planejamento por parte da cidade (Planning of the Town e Planning by the Town) como pontos extremos entre os quais se move a construo do urbanismo, como termos co-presentes nas finalidade das suas organizaes profissionais. (CALABI, 1979, p.97) 16

    Os diferentes profissionais arquitetos, engenheiros

    civis, calculistas, engenheiros municipais passam a

    reivindicar a sua competncia particular para atuar como

    town planner17. Segundo uma carta do Institute of Civil

    Engineers (I.C.E.) a definio da atuao dos engenheiros

    civis era:

    A arte de dobrar as grandes foras da natureza ao uso e convenincia do homem, reduzindo a meios de produo e de trfego nos diferentes estados para o comrcio interior e exterior; para a construo de estradas, pontes, aquedutos, canais, rios, portos para trocas e trfegos internos; para a construo de portos, cais, faris para a arte da navegao comercial a vapor; para a construo e adequao dos maquinrios referentes a sistemas de drenagem de centros e cidades. (CALABI, 1979, p. 98) 18

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 40

    32 Braso do Town Planning Institute, com sua data de fundao 1914. No braso aparecem os smbolos do agrimensor, do arquiteto e das leis. Fonte: CALABI, 1979, p. 128 K.

    19 Incluindo implantao do abastecimento hdrico, de energia, de esgoto, ruas, portos, entre outros procedimentos tcnicos que envolvem a organizao da cidade, so atuaes de responsabilidade dos engenheiros. Estas questes no so consideradas urbansticas na ao do plano, mas faz parte nas questes de expanso desta cidade. CALABI, 1979, p. 107. 20 Portanto o engenheiro ocupa-se com o desenvolvimento urbano alm do ponto de vista terico: a questo da ruptura do limite o muro torna-se questo do modelo urbano, seus aspectos higinico-sanitrios inevitavelmente se reportam ao debate de reestruturao. CALABI, 1979, p. 107.

    Os arquitetos utilizavam os congressos da RIBA e

    suas publicaes para defender a supremacia do arquiteto

    em matria de atividade municipal e de servio pblico. O

    urbanismo era ainda visto por muitos arquitetos como um

    modo de pensar arquitetura, mas em escala maior e pouco

    discutem a prpria especificidade da qualificao a respeito

    da Town Planning.

    De acordo com os levantamentos de CALABI (1979)

    sobre a formao dos engenheiros civis na Inglaterra no

    incio do sculo XX, o curso de engenharia passa por uma

    gradativa transformao, acentuando cada vez mais a

    competncia tcnica que lhe so atribudas

    profissionalmente em relao s intervenes na cidade,

    como: planejamento de ruas, canalizaes, pontes,

    ferrovias, abastecimento de gua, planejamento dos

    esgotos e das vazes se guas pluviais. Enquanto que os

    arquitetos eram cobrados apenas pela competncia

    artstica, mais do pano de fundo cotidiano do que as

    funes necessrias para este novo modo de vida urbana.

    Desta forma, o engenheiro progressivamente refora e

    acentua a histria da tecnologia; j o arquiteto se identifica

    com uma tradio herdada pela histria da arte.

    A formao do engenheiro passa a agregar mais as

    questes das cincias, tecnologias e mesmo

    administrativas, acompanhando as mudanas e evolues

    dessas reas nestas primeiras dcadas do sculo XX. Desta

    forma, eram responsveis pelas implantaes das novas

    tecnologias e das necessidades sanitaristas nas cidades. Ao

    longo destas transformaes nas cidades, cujos

    profissionais responsveis so os engenheiros civis, a

    formao destes profissionais passa a abordar as demandas

    da cidade seguindo, principalmente, trs princpios lgicos:

    assuntos do servio urbano 19, demolies de fortificaes e

    a realizao de uma rede de esgoto 20, alm de realizaes

    para particulares que so solicitados e impostos

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 41

    21 Estas realizaes incluem construes de canais, implantao de ferrovias, construo de pontes. Estas construes alteram e transformam algumas especificidades da cidade e suas relaes espaciais. 22 Traduzida pela autora.

    33 - Cartaz da Conferencia de 1910 do RIBA (frente). Fonte: CALABI, 1979, p. 32 (52).

    34 Cartaz da Conferencia de 1910 do RIBA (atrs). Fonte: CALABI, 1979, p. 32 (52).

    inevitavelmente competncia tcnica especfica 21.

    De acordo com a declarao de Newland,

    engenheiro da Civic Corporation de Liverpool:

    Toda a expanso urbana deve ocorrer conforme um plano pr-estabelecido, cuja base de melhoramento na direo e na largura da rua, mas o plano constitui-se somente de uma pequena parte de seu relatrio, cujas caractersticas incluem tambm de esgoto, de abastecimento hdrico, de pavimentao de ruas, de ventilao, de condies higinicas, de parques pblicos, de densidade fundiria nas reas residenciais operrias. (in CALABI, 1979, p. 107) 22

    No incio do sculo XX, a formao do engenheiro

    civil em relao as planos urbanos aparecia, de fato,

    dominada pelo tema da higiene. De acordo com CALABI

    (1979), sua base de atuao era: controle, qualidade de

    acessibilidade, densidade, ventilao, de insolao,

    circulao, largura das ruas, quantidade de espaos abertos

    ou de servios. Essa atuao reformadora procurava

    controlar as expanses urbanas e suburbanas. Esta questo

    de controle muito diversa de uma atuao de plano

    urbanstico.

    A partir dessa compreenso sobre a atuao do

    engenheiro civil na cidade, percebe-se que a histria

    assume um peso menor do que para o arquiteto. Era uma

    viso mais prtica e que visava implantao de novas

    tecnologias e de inovaes na cidade.

    A principal diferena entre as atuaes e

    preocupaes dos arquitetos e engenheiros civis nas

    questes urbanas que o engenheiro considera essenciais

    as novas formas de ruas, a circulao, o trfego da cidade;

    j os arquitetos preocupavam-se essencialmente com os

    aspectos pitorescos da cidade.

    O engenheiro civil que trabalhava como funcionrio

    pblico municipal no final do sculo XIX era visto como um

    profissional responsvel pela organizao e resoluo de

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 42

    23 Segundo consta a pesquisa de Rui Moreira Leite, baseado em dados do CREA Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia. 24 As informaes sobre as disciplinas e a grade curricular da formao de Flvio de Carvalho foram coletadas a partir do material cedido pelo arquiteto e pesquisador Dr. Rui Moreira Leite pesquisadora. As diferentes publicaes analisadas foram: Armstrong College Calendar for 1920-21 (sobre o curso do Departamento de Belas Artes), Armstrong College Calendar for 1921-22 (sobre o curso do Departamento de Belas Artes), Prospectus of day courses for 1917-1918, Prospectus of day courses for 1918-1919, Prospectus of day courses for 1919- 1920, Armstrong College Calendar for 1917-22 (sobre o curso de Engenharia civil), Day courses prospectus for 1917 1922 ( sobre o curso de Engenharia civil). Estas informaes auxiliaram na compreenso da formao de Flvio de Carvalho como engenheiro-arquiteto atuando no Brasil. 25 Desenho Mecnico era dividido em Jnior e Snior. A primeira abordava: Geometria Prtica, Plana e Descritiva; Elementos do Desenho da Mquina e Design. A Segunda, Desenho Mecnico Snior j era responsvel pelo seguinte contedo: Design da Mquina, Interseco de Superfcies, Clculos Grficos. 26 Esta disciplina procurava subsidiar a aplicao dos principais elementos para os problemas da Engenharia Civil. O contedo de Engenharia Civil Jnior abordava: Alvenaria e Vedao com Tijolos, Meios de Comunicao ( estradas e vias pblicas, canais, estradas de ferro, etc.), Engenharia Ferroviria, Estruturas armadas (tetos e pontes), Agrimensura Hidrogrfica. 27 Esta disciplina Engenharia Jnior abordava os seguintes aspectos: Esttica, Dinmica, Hidrulica, Cinemtica de maquinrio, Elementos termodinmicos.

    problemas urbanos concretos e imediatos. Essa postura

    prtica, como Calabi (1979) aborda, no chega a influenciar

    completamente o desempenho dos engenheiros civis em

    relao s atuaes urbanas no inicio do sculo XX, que

    visavam muito mais, a partir de um movimento de reforma,

    o melhoramento geral do ambiente fsico como finalidade.

    Pensava-se a partir de um plano e no apenas resolues

    imediatas que seriam vlidas por um curto perodo.

    A presena das questes administrativas na

    formao do engenheiro civil no s move os interesses

    cientficos, tecnolgicos e construtivos, mas tambm

    aborda uma filosofia de igualitarismo social.

    A compreenso de que as questes sobre o

    urbanismo eram muito presentes na formao do

    engenheiro civil, assim como na do arquiteto, na Inglaterra,

    um fato de extrema importncia para analisar a formao

    de Flvio de Carvalho na Universidade de Durham, em

    Newcastle.

    A formao de Flvio de Carvalho como Engenheiro

    Civil durou aproximadamente quatro anos, tendo iniciado

    em 1918 e concludo em 24 de junho de 1922. 23 Segundo

    consta, 24 a formao como engenheiro civil nesta

    universidade apresentava, inicialmente, disciplinas comuns

    engenharia mecnica, que era no mesmo departamento

    da universidade, no primeiro ano Matemtica Jnior, Fsica

    e Fsica Prtica Jnior, Qumica e Qumica Prtica Jnior,

    Aplicaes Mecnicas e Desenho Mecnico 25.

    O segundo ano de formao como engenheiro civil

    envolvia as mesmas disciplinas com um nvel acima, alm

    de disciplinas mais especficas da rea: Engenharia Civil

    Jnior 26, Engenharia Jnior 27, Laboratrio de Engenharia

    Jnior, Geologia Jnior, Agrimensura, Matemtica Snior,

    Fsica Snior, Fsica Prtica Snior, Desenho Mecnico.

    Concluindo o curso, no terceiro ano, Flvio de

    Carvalho estudou as disciplinas: Geologia Prtica,

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 43

    28 Esta disciplina abordava: Triangulao de reas, Taqueomtrica, Determinao de Meridiano por altitudes iguais, Alinhamento e rotas curvas de estradas de ferro, reas circulares, Uso de instrumentos de Agrimensura. 29 Engenharia Civil Snior era constituda pelo seguinte contedo: Teoria das Estruturas, Anlise dos solos e Fundaes, Alvenaria, Engenharia Hidrulica, Atracadouros (docks) e Portos. 30 Engenharia Snior abordava o seguinte contedo: Resistncia e Rigidez de materiais de construo, Aquecimento a vapor, Vapor, Tipos de motores, Teoria das Estruturas, Elasticidade dos Materiais. 31 Esta disciplina era dividida em duas frentes a Matemtica Pura e a Matemtica Aplicada. A primeira abordava: Geometria Analtica de duas e trs dimenses, Clculo diferencial e integral e Equaes diferenciais. J a Aplicada abordava: Estatstica, Dinmica e Hidrosttica. 32 Os professores do Departamento de Engenharia Civil, Mecnica e Marinha, ao que consta nos anais eram: R. L. Weighton, John Morrow, E. M. den, James Hall e J. T. Dixon. Porm, no constam os nomes de outros professores ou mesmo a rea que cada um era responsvel no ensino, apenas que eram mestres em artes, cincias ou em engenharia.

    Agrimensura 28, Agrimensura Prtica, Desenhos Especiais,

    Clculos, Engenharia Civil Snior 29, Engenharia Snior 30,

    Laboratrio de Engenharia Snior, Matemticas Especiais 31.

    No levantamento do contedo programtico e

    disciplinar da Universidade, 32 no perodo que Flvio de

    Carvalho cursou, no h evidncias de disciplinas

    responsveis pela abordagem das questes da cidade, de

    reforma urbana ou mesmo de histria urbana, propostas

    pelo Town Planning Institute, como as disciplinas Civic

    Design e Town Planning. Porm, as disciplinas que, de certa

    forma, faziam parte das responsabilidades tcnicas dos

    engenheiros civis nas transformaes da cidade estavam

    presentes ao abordarem: as construes de atracadouros e

    portos, topografia do solo e hidrogrfica, ferrovias,

    demolies de fortificaes, pontes, canais, estradas, e

    diversos clculos da circulao de meios de comunicao e

    acessibilidade.

    Os alunos comeavam a trabalhar ainda na

    universidade, pois esta possua acordos com empresas na

    rea para empregar os alunos e, desta forma, ter um retorno

    da prtica para a universidade, que mudaria alguns focos do

    contedo disciplinar de acordo com as necessidades destas

    empresas, escritrios ou mesmo dos alunos. Desta forma

    fica clara a preocupao com a estreita relao entre teoria

    e prtica na formao do engenheiro civil.

    A nfase de toda a formao tcnica, tanto nos

    aspectos da construo civil, como no conhecimento

    mecnico da mquina, seus aspectos qumicos, fsicos e

    funcionais.

    O tempo de formao do aluno, de trs anos,

    poderia ser alterado de acordo com os exames. Segundo

    consta no material consultado, Flvio de Carvalho estava na

    lista de exames no ano de 1920 e 1921, o que ajuda a

    confirmar a sua passagem pelo perodo colocado

    anteriormente, entre 1918 e 1922.

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 44

    33 Currculo de Flvio de Carvalho, sem data, presente em seu acervo particular, hoje sob responsabilidade do CEDAE/ Unicamp.

    34 O material apresenta dados do Departamento de Artes entre 1918 e 1922, perodo em que Flvio de Carvalho estava cursando Engenharia Civil na mesma universidade.

    35 Plano de trfego da cidade de Liverpool, 1910, de J. Brodie. Corte do tipo de largura da Queens Drive. Fonte: CALABI, 1979, p. 287 B.

    36 Exemplos de densidade e extenses de alguns tipos de cidade, em corte. De cima para baixo: Tpica cidade inglesa, Cidade-jardim, Berlim, Cidade do futuro. Desenhos de P. Abercrombie. Fonte: CALABI, 1979, p. 287 H.

    37 Plano de Re-sistematizao, desenho de T.H. Mawson, do novo boulevard e do museu. Fonte: CALABI, 1979, p. 287 F.

    Segundo outros levantamentos e o prprio currculo33

    de Flvio de Carvalho, este freqentou aulas do curso

    noturno na King Edward the Seventh School of Fine Arts,

    nesta mesma universidade, onde iniciou seus estudos no

    Departamento de Artes. Os dados sobre as aulas confirmam

    a possibilidade de o aluno poder assisti-las no perodo

    noturno, independentemente de matrcula em todo o curso,

    sem disciplinas pr-requisitadas, podendo participar de

    outros cursos independentemente, de acordo com os

    interesses do prprio aluno. Porm, no h nenhum registro

    confirmando a passagem de Flvio de Carvalho.

    Mesmo sem confirmaes neste material

    pesquisado sobre a passagem de Flvio de Carvalho por

    este Departamento, seus relatos em currculo e

    depoimentos em palestras, alm de outros textos

    publicados em jornais, tais informaes constam

    regularmente. Desta forma, esta pesquisa procurou saber

    qual era o campo disciplinar oferecido por este

    departamento no perodo noturno, j que o curso de

    Engenharia Civil era perodo integral, manh e tarde.

    De acordo com os Anais da Universidade 34 foi

    levantado o seguinte corpo disciplinar e seus respectivos

    docentes: Belas Artes (Prof. Richard George Hatton), Pintura

    (Ralph Bullock), Design Industrial, Design (Robert J. S.

    Bertram), Escultura (John M. W. Reid), Joalheria e

    Encadernao (Miss Louisa M. Dickson), Processos de

    Gravao e Estampa (A. Heslop), Trabalho em Metal (John S.

    Longstaff), Bordado e Encadernao (Miss Ellen Blagburn),

    Joalheria (J.P. Watt), Decorao de casas, Design de

    Arquitetura e Arquitetura (Frederick N. Weightman).

    A partir desses cursos foi verificada a probabilidade

    de Flvio de Carvalho ter realmente freqentado as aulas de

    Arquitetura, ou mesmo de Decorao de casas e Design de

    Arquitetura. A sua atuao mltipla, ao chegar ao Brasil,

    atuando como pintor, escultor e outros meios, permite-nos

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 45

    38 Cartaz Voc tem uma casa de caa? um manifesto de Haddock em 1912, abprdava as mudanas das funes da casa. Fonte: CALABI, 1982, p. 59.

    39 Diagrama de Unwin relativo a: possibilidade de reduzir a presso da populao ao centro de Londres; distribuio da populao com um incremento muito rpido da distancia media do centro da cidade. Fonte: CALABI, 1979, p. 287 L.

    ampliar muito este quadro disciplinar freqentado por ele.

    Fato que refora a possibilidade de sua freqncia neste

    departamento.

    Mesmo com a possibilidade de ampliar as possveis

    disciplinas cursadas por Flvio de Carvalho no

    Departamento de Artes, o foco da pesquisa procura

    entender as suas questes em relao apenas arquitetura

    e urbanismo. Portanto, a partir deste material e da leitura

    dos textos de Flvio de Carvalho, foi possvel confirmar esta

    participao nos Departamento de Artes, principalmente ao

    analisar a aproximao de Flvio de Carvalho em assuntos

    sobre arquitetura e decorao que ele desenvolve tanto em

    seus textos como em suas atuaes to diversas ao longo

    de sua trajetria, ao retornar para o Brasil.

    Segundo os anais desta Universidade, o curso de

    Arquitetura tinha o estudo baseado nas exigncias do Royal

    Institute of British Architects (RIBA). O curso abordava tanto

    o estudo das formas arquitetnicas como a histria e o

    desenvolvimento da arquitetura. Os alunos que cursassem

    outras disciplinas ministradas pelo professor responsvel,

    Mr. Weightman, poderiam desenvolver os exerccios sob

    sua superviso e concluir o curso em apenas um ano.

    Para absorver melhor o contexto de sua formao e o

    ambiente urbano vivenciado por Flvio de Carvalho, alm de,

    compreender os modelos de arquitetura ensinados neste

    curso da King Edward the Seventh School of Fine Arts, foi

    pertinente entender e levantar a arquitetura desenvolvida na

    Inglaterra entre 1918 e 1922.

    Segundo alguns tericos, a arquitetura inglesa

    desenvolvida nas duas primeiras dcadas do sculo XX,

    aproximadamente at 1923, tem a prtica fortemente ligada

    aos modelos tradicionais, ao mesmo tempo em que h um

    interesse pelas novidades tericas da arquitetura europia.

    Principalmente a partir de 1925, diversos arquitetos

    estrangeiros, em sua maioria alem, tm a oportunidade de

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 46

    35 Arts & Crafts foi um movimento iniciado na Inglaterra na segunda metade do sculo XIX e prosseguiu at o incio do sculo XX. Foi um movimento em reao a industrializao, valorizando o artesanato tradicional, prezando a qualidade e no quantidade da produo. O principal representante deste movimento foi William Morris, que desenvolveu o conceito de que a arte deveria ser ao mesmo tempo bela e funcional.

    36 Cottages ingleses refere-se a manses do campo, isoladas e cercadas por vegetao, tipo chals. Segundo WOLFF, 2001, p.43.

    37 Segundo estudo e levantamento de Silvia Ferreira Santos Wolff, em seu livro Jardim Amrica: o primeiro bairro-jardim de So Paulo e sua arquitetura, 2001, p. 37. 38 WOLFF, op. cit., p. 39.

    40 Sala de visitas de uma residncia de Letchworth, de C. Harrison Townsend, publicada em The Studio Year Book. 1908. Fonte: CALABI, 1982, p. 37.

    41 Barry Parker Quarto de uma residncia em Letchworth. Publicada em The Studio Year Book, 1917. Fonte: CALABI, 1982, p. 38.

    trabalhar na Inglaterra, devido s hostilidades vividas por

    muitos, na Alemanha ps-guerra. Antes deste perodo,

    marcado pela atuao de estrangeiros, na arquitetura, a

    Inglaterra vivia um momento de arquitetura tradicional,

    mesmo com diversas discusses sobre a cidade e as

    transformaes urbanas necessrias para os novos modos

    de vida, a partir das marcantes mudanas e das novas

    tecnologias e avanos cientficos.

    Os principais arquitetos do perodo anterior a

    Primeira Guerra Mundial, apresentavam um vnculo muito

    estreito com o Arts & Crafts 35, como o prprio Howard ao

    desenvolver seu modelo urbano de Cidade-Jardim.

    Os arquitetos co-responsveis pela construo das

    primeiras cidades-jardins, de Letchworth e Hampstead,

    Raymond Unwin e Barry Parker, apresentavam nestes

    primeiros anos do sculo XX diversos projetos de cottages 36

    e apartamentos para o subrbio, para vilas industriais e

    subrbios. Estes projetos para moradia apresentavam, em

    sua maioria, uma tipologia derivada dos movimentos

    romnticos de valorizao da arquitetura vernacular e rural

    inglesa e daquela produzida pelo movimento Arts & Crafts. 37

    Os problemas estruturais discutidos nos planos

    urbanos influenciam diretamente a arquitetura desenvolvida

    neste perodo, que, para suprir todas as implantaes de

    subrbios acaba dedicando-se com maior nfase no

    desenvolvimento de projetos habitacionais, como os

    primeiros exemplos citados de Letchworth e Hampstead.

    A arquitetura desenvolvida para estes bairros

    aparecia como experincias arquitetnicas que procuravam

    articular uma arquitetura tradicional com processos

    construtivos simplificados e econmicos. 38

    Para a simplificao das construes e a economia

    de materiais, alm do tipo de cottages isoladas, as casas

    tambm passam a ser freqentemente agrupadas,

    conformando ruas de casas geminadas, duas a duas, ou at

  • Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 47

    39 WOLFF, op. cit., p. 43.

    40 As anlises citadas so referentes a WOLFF (2001) e ZUCCONI, Guido. Dalla fase eroica alla standardizzazione: primi esiti dellarchitettura domestica. In. CALABI, 1982, pp. 39-47.

    41 Esta regulamentao restringia e tambm ajudava a definir a arquitetura desenvolvida nas habitaes inglesas deste perodo, alm de fazer parte da histria da habitao.

    42 Vista do interior de uma quadra com uso interno, 1909. Fonte: CALABI, 1982, p. 65.

    43 Projeto de A. Mitchell para uma Cottage em Great Baddow, 1913. Fonte: CALABI, 1982, p. 58.

    mesmo a cada quatro, em edifcios de dois pavimentos ou

    trreos, mas buscava-se a aparncia de uma casa isolada. 39

    Este processo de economia de matrias tambm

    acaba repercutindo na arquitetura na forma de

    sistematizao racional dos espaos internos das casas,

    como possvel ver em diversas anlises da arquitetura

    desenvolvida por Raymond Unwin. 40

    Ao longo da Primeira Guerra Mundial Unwin

    participou de uma comisso de estudos para a regularizao

    das construes de habitaes, intitulada Tudor Walters

    Report, 41 de 1917-1918. Segundo WOLFF (2001, p. 41) este

    foi o ato normativo britnico que passou a regular, desde a

    escolha de locais para construes at recomendaes de

    materiais, passando por agenciamento, largura e orientao

    de ruas, ajardinamentos, tipos habitacionais, dimenso e

    orientao dos cmodos, regras de economia e mais todas

    as etapas concernentes edificao d