flávio de carvalho
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Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 10
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Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 11
1 Declarao de Lcio Costa, filmagem apresentada no documentrio Flvio de Carvalho: o Revolucionrio Romntico, Brasil, 1993.
Ele foi uma espcie de franco-atirador, no sentido do movimento que criou a arquitetura contempornea. 1
Lcio Costa (sobre Flvio de Carvalho)
Este trabalho de pesquisa pretende discutir a
atuao de Flvio de Carvalho no campo disciplinar da
arquitetura e do urbanismo, desde a sua formao na
Inglaterra como engenheiro civil at a sua atuao no Brasil,
projetual e terica, como arquiteto, engenheiro civil e
urbanista.
A partir desta postura, a pesquisadora procura
observ-lo com novos olhos dentro da historiografia da
arquitetura e do urbanismo brasileiro, visto que sempre foi
colocado na condio de marginalizado, com apenas uma
realizao a ser comentada o primeiro projeto modernista
no Brasil.
Hoje, ao estudarmos a arquitetura moderna brasileira
descobrimos diversos arquitetos, que antes eram
desconhecidos ou colocados com pouca nfase pela
historiografia da arquitetura brasileira. Porm, muitos
apresentam uma relevante importncia para a compreenso
de uma produo arquitetnica e urbanstica brasileira que
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se reflete na produo atual.
As diversas lacunas que esto sendo observadas e
desenvolvidas pelas pesquisas no campo da histria da
arquitetura brasileira enriquecem uma srie de discusses e
uma constante reconstruo da arquitetura moderna
brasileira. A partir destas lacunas e destas constantes
reconstrues tericas sobre a arquitetura moderna
brasileira tornou-se pertinente o estudo da arquitetura e
urbanismo de Flvio de Carvalho.
A partir desta perspectiva este trabalho procura
compreender Flvio de Carvalho sob um olhar disciplinar
dentro da arquitetura e urbanismo. Desta forma, no aborda
questes pessoais de sua biografia, ou mesmo da pintura,
escultura, cenografia, figurino, dentre outras diversas
atuaes pelas quais mais conhecido, visto j terem sido
exaustivamente estudadas e publicadas por diversos
pesquisadores de extrema competncia, principalmente no
campo das artes plsticas.
Para compreender as questes de arquitetura e
urbanismo de Flvio de Carvalho, a pesquisa utilizou-se de
um levantamento de textos e projetos em que foram
abordadas estas questes iluminadas pelo contexto vivido
por Flvio de Carvalho ao longo de sua formao (Inglaterra)
e sua atuao profissional (Brasil). Desta forma, procurou
delinear o campo disciplinar a partir de leituras dos textos
publicados por Flvio de Carvalho e da atuao projetual.
A leitura destas publicaes de Flvio de Carvalho,
que tem como principal temtica as suas vises sobre
cidade, arquitetura, habitao e o novo homem moderno,
tornou-se de extrema importncia para a compreenso do
desenvolvimento de sua produo arquitetnica. Importante
destacar que ao longo da pesquisa foi possvel observar que
suas abordagens sobre arquitetura e urbanismo foram mais
presentes e polmicas nas publicaes em peridicos do
que propriamente em suas construes, no espao da
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cidade.
Para compreender melhor as perspectivas de Flvio
de Carvalho apresentadas tanto em suas publicaes como
nos projetos arquitetnicos, tornou-se necessrio um
estudo sobre as idias que estavam em circulao, tanto no
Brasil como na Inglaterra, para iluminar e revelar os conflitos
percorridos ao longo da atuao de Flvio de Carvalho no
campo disciplinar em questo.
Atravs de um olhar crtico e detalhado, foi elaborada
uma extensa pesquisa e seleo dos textos e declaraes
de Flvio de Carvalho que desenvolviam temas
interessantes para uma anlise mais profunda de seus
projetos arquitetnicos e de suas concepes e vises
sobre a cidade. A partir desta seleo, foi possvel
compreender outras questes presentes em suas
preocupaes com o desenvolvimento da cidade e da
arquitetura, como: as mudanas da sociedade; da famlia;
do novo homem e como essas mudanas refletem no modo
de habitar e morar casa.
O estudo sobre a arquitetura de Flvio de Carvalho e
suas vises sobre a cidade permitiu uma outra perspectiva
sobre a absoro brasileira da cultura moderna europia. O
contato dos diferentes profissionais brasileiros,
principalmente paulistas, que tiveram sua formao na
Europa acabou trazendo para o Brasil diversas influncias
culturais no incio do sculo XX, entre elas as principais
vanguardas. Estas diferentes influncias culturais acabaram
sendo absorvidas e apropriadas de diferentes formas em
nossa cultura, principalmente ao estudarmos os
modernistas da Semana de Arte Moderna. Estes artistas e
intelectuais transitavam pelas diferentes correntes de
vanguarda procurando agregar algumas caractersticas
prprias de nossa cultura. Assim, algumas classificaes
que estas produes acabam sofrendo em relao a estas
correntes europias precisam, na verdade, ser
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2 Os trabalhos acadmicos e livros publicados sobre Flvio de Carvalho colocados e utilizados nesta pesquisa de mestrado foram: - DAHER, Luiz Carlos. Reconstituio visual de um conjunto residencial da dcada de 30. Trabalho disciplinar de Patrimnio Ambiental, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo FAU/USP 1978. - DAHER, Luiz Carlos. Arquitetura e Expressionismo: notas sobre a esttica do projeto expressionista, o modernismo e Flvio de Carvalho. Dissertao de mestrado na FAU/USP, 1979. - DAHER, Luiz Carlos. Flvio de Carvalho: Arquitetura e Expressionismo. So Paulo: Projeto Editores, 1982. - ZANINI, Walter; LEITE, Rui Moreira. Flvio de Carvalho. Catlogo da Exposio Retrospectiva na 17 Bienal de So Paulo (14 de outubro a 18 de dezembro de 1983). So Paulo: IBM do Brasil; Fundao Bienal de So Paulo, 1983. - DAHER, Luiz Carlos. Flvio de Carvalho e a volpia da forma. So Paulo: Edies K/ MWM Motores, 1984. - SOUZA, Ricardo Forjaz Christiano de. Trajetrias da Arquitetura Modernista. So Paulo: Secretaria Municipal de Cultura; Departamento de Informao e Documentao Artstica; Centro de Documentao e Informao sobre Arte Brasileira, 1982. - TELLES, Sophia S. A Arquitetura Modernista: um espao sem lugar. In. TOLIPAN, Srgio (et.al.) Sete ensaios sobre o modernismo. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1983. - SANGIRARD JR. Flvio de Carvalho: o Revolucionrio Romntico. Rio de Janeiro: Philobiblion Livros de Arte Ltda, 1985. - MORAES, Antnio Carlos Robert. Flvio de Carvalho o performtico precoce. So Paulo, Brasiliense, 1986. - LEITE, Rui Moreira. Experincia sem nmero: uma dcada marcada pela atuao de Flvio de Carvalho. So Paulo, USP, 1987. - LEITE, Rui Moreira. Flvio de Carvalho (1899-1973): entre a experincia e a experimentao. So Paulo, USP, 1994. - TOLEDO, J. Flvio de Carvalho: o comedor de emoes. So Paulo; Campinas: Brasiliense; Editora da UNICAMP, 1994. - ISHIDA, Amrico. Desenho, desejo e desgnio: na arquitetura de Flvio de Carvalho. So Paulo, FAU/USP, 1995. - MATTAR, Denise (org.). Flvio de
compreendidas enquanto absoro brasileira e uma nova
apropriao e desenvolvimento a partir das discusses de
identidade nacional.
Este mesmo processo de compreenso dos artistas,
arquitetos e intelectuais com uma produo que representa
uma adeso estreita a determinadas vanguardas europias
ainda marcam muitos dos trabalhos de pesquisa
historiogrfica neste campo, inclusive sobre o prprio Flvio
de Carvalho 2. Por esta questo e por dificuldades de acesso
a muitas das fontes primrias no campo da arquitetura, foi
necessria uma leitura crtica e comparativa entre todos os
livros e trabalhos acadmicos desenvolvidos sobre Flvio de
Carvalho que tratassem diretamente ou indiretamente de
assuntos de arquitetura e urbanismo. Desta forma, foi
possvel a utilizao de dados e levantamentos existentes
em trabalhos de terceiros, principalmente pela qualidade
deste material.
A disponibilidade de material sobre Flvio de
Carvalho e a sua arquitetura desenvolvida reduzido se
comparado a outros assuntos e arquitetos presentes na
historiografia da arquitetura moderna brasileira. Porm, no
to limitado como parece inicialmente. Aps o seu
falecimento em 1973, surgiram estudos, discutindo,
relatando e levantando a sua obra e, principalmente, a sua
vida e trajetria pessoal.
A maioria destes trabalhos, porm, focou muito mais
efetivamente a sua produo nas artes plsticas e na moda,
j que a sua produo nestes campos foi muito mais
constante em sua trajetria. Alguns chegam a levantar
algumas questes sobre a sua arquitetura, mas muito mais
para mostrar a sua multiplicidade de atuaes. Mesmo
assim, estes trabalhos foram muito importantes devido ao
levantamento de datas e dados pertinentes sobre a sua
formao, sua vida na Europa, sua chegada ao Brasil e
mesmo datas de projetos.
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Carvalho: 100 anos de um revolucionrio romntico. Catlogo da exposio - curadoria Denise Mattar. Rio de Janeiro, CCBB, 1999. - OSRIO, Luiz Camillo. Flvio de Carvalho. So Paulo, Cosac & Naify, 2000. - SOUZA, Ricardo Forjaz Christiano de. O debate arquitetnico brasileiro 1925-36. Dissertao de Doutorado FFLCH/USP, So Paulo, 2004.
Assim, esta pesquisa procura ampliar a leitura destes
outros trabalhos, desenvolvendo uma questo ainda pouco
discutida, que significa uma lacuna no estudo de sua
trajetria profissional. Ou seja, mesmo que a presente
pesquisa utilize esses outros trabalhos como suporte de
levantamento de dados, procura uma outra interpretao
das informaes presentes e uma outra leitura deste
percurso de Flvio de Carvalho. Portanto, esta pesquisa
procura lanar um olhar sobre Flvio de Carvalho apenas sob
a perspectiva da arquitetura e do urbanismo.
Outro ponto constatado em diversas pesquisas e
livros, talvez a exceo seja o texto de Sophia Telles, a
procura dos rastros das vanguardas europias na arquitetura
de Flvio de Carvalho. Mesmo quando analisam sua pintura,
estes trabalhos no consideram a anlise a partir de um
contexto e uma leitura da prpria cultura brasileira e a suas
interpretaes e apropriaes do modernismo. Outro
trabalho que permite uma leitura diferente da obra e das
concepes desenvolvidas por Flvio de Carvalho, a partir
de um quadro da cultura brasileira, o trabalho de Ricardo
Forjaz de Souza de 2004, apesar de classific-lo como uma
arquitetura futurista.
A partir das lacunas deixadas pelos trabalhos
anteriores e que foram aqui levantadas, este trabalho
procura separar a obra de Flvio de Carvalho, de seu
personagem e de sua pessoa. Assim, considera material
pertinente para a pesquisa a sua prpria obra, o que restou
de sua atividade, construda ou no, em desenhos, em
textos relevantes para a compreenso de um momento da
arquitetura e da cultura moderna brasileira. O que
transcende o tempo a sua obra, mas no a obra a partir de
uma leitura restrita de sua prpria viso e interpretao do
autor.
Esta forma de olhar a obra de Flvio de Carvalho no
campo da arquitetura e do urbanismo procura re-visitar
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algumas hipteses gerais j formuladas na arquitetura
moderna brasileira, desmistificando alguns aspectos j
consolidados das interpretaes dadas a esta obra.
A organizao desta dissertao foi estruturada em
trs partes, alm das Consideraes Finais e Introduo. O
captulo 1, intitulado Inglaterra e So Paulo: formao e
atuao, apresenta sucintamente o personagem Flvio de
Carvalho, suas atuaes multifacetadas e as suas principais
questes desenvolvidas ao longo de toda a sua trajetria.
Posteriormente, so apresentadas algumas consideraes
sobre a formao de Flvio de Carvalho como engenheiro
civil na Inglaterra e o quadro disciplinar no campo das Belas
Artes que ele poderia ter freqentado tambm, como
contam em alguns levantamentos e mesmo em seu prprio
currculo. Alm de apresentar esses dados, o captulo 1
tambm contextualiza o perodo de sua formao na
Inglaterra, iluminando as principais discusses sobre
arquitetura e cidade que estavam presentes e, tambm,
procurando compreender as principais caractersticas da
formao em engenharia civil naquele perodo.
Flvio de Carvalho retorna ao Brasil em 1922, logo
aps se formar como engenheiro civil, mudando-se para So
Paulo. Para compreender algumas discusses trazidas por
Flvio por volta de 1927, foi necessria uma
contextualizao da arquitetura, desenvolvida em So Paulo,
na dcada de 1920, inclusive as principais mudanas
urbanas e as caractersticas da arquitetura ecltica
paulistana. Estas questes tambm foram necessrias para
entender a atuao de Flvio de Carvalho nos principais
escritrios de arquitetura e construtoras, principalmente o
escritrio de Ramos de Azevedo.
Outro ponto, amplamente desenvolvido neste
primeiro captulo, foi o questionamento deste contexto
ecltico a partir da Semana de Arte Moderna de 1922, pelos
modernistas paulistas. Essas discusses sobre a cultura
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brasileira foram muito necessrias para a compreenso das
divergncias entre modernistas e tradicionalistas,
principalmente com as questes neocoloniais presentes
naquele mesmo momento abordando as questes sobre a
identidade nacional.
A atuao de Flvio de Carvalho como profissional,
primeiramente atuando apenas como engenheiro civil,
responsvel apenas por clculos e dimensionamentos de
estruturas e, depois como engenheiro-arquiteto, foi
analisada e apresentada na quarta parte do capitulo 1. A
partir da trajetria desenvolvida por Flvio de Carvalho foi
possvel compreender a evoluo dos seus projetos, assim
como, a evoluo da prpria arquitetura moderna brasileira.
Concluindo o captulo 1, abordamos como a questo
da busca do passado na arquitetura de Flvio de Carvalho
discutida em relao s outras questes trazidas por Lcio
Costa, principalmente a partir de 1936, com a construo do
Ministrio da Educao no Rio de Janeiro.
O captulo 2, intitulado Cidade, arquitetura e homem
moderno nos textos de Flvio de Carvalho, analisa as
principais discusses relacionadas arquitetura, trazidas por
Flvio de Carvalho a partir de uma srie de textos de autoria
ou de declaraes do prprio Flvio de Carvalho. Estes
textos procuram levantar as principais questes pertinentes
para a compreenso do desenvolvimento da arquitetura de
Flvio de Carvalho, assim como as suas propostas de
intervenes urbanas. Os principais pontos procurados por
esta seleo de textos foram: a concepo de cidade; as
discusses de circulao na metrpole; o modo de habitar a
casa e a prpria cidade; a discusso sobre a nova casa; a
nova concepo de famlia; sociedade e do prprio homem
moderno.
A segunda srie de textos procura as discusses
sobre as intervenes reais em cidades, como So Paulo e
Rio de Janeiro, discutindo a cidade a partir de intervenes
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como os planos de interveno de Alfred Agache e o Plano
de Avenidas de Prestes Maia. A terceira seleo de textos,
que finaliza o captulo, aborda a viso de Flvio de Carvalho
sobre a arquitetura moderna. Estes textos so referentes
aos projetos desenvolvidos pelo prprio Flvio de Carvalho.
H tambm crticas recebidas de outros autores, como
Mrio de Andrade, e as respostas de Flvio de Carvalho a
elas. Apresenta tambm as crticas de Flvio de Carvalho a
projetos desenvolvidos por outros arquitetos.
O captulo 3, Flvio de Carvalho: arquitetura e
urbanismo, analisa uma leitura dos projetos arquitetnicos
de Flvio de Carvalho e as possveis relaes com as suas
discusses, presentes nas suas publicaes. A anlise
procura evidenciar principalmente a preocupao com a
relao do projeto arquitetnico com a cidade, assim como
a preocupao sobre as mudanas na sociedade e a
habitao.
Para organizar melhor a anlise desses dilogos com
as discusses levantadas nos textos e declaraes de Flvio
de Carvalho para a imprensa da poca, os projetos foram
organizados de acordo com o programa desenvolvido. Os
projetos foram separados em: projetos para a cidade
(intervenes urbanas), projetos monumentais (programas
representativos) e projetos de habitao (espaos de morar).
Dentro desta classificao, os projetos foram reorganizados
em ordem cronolgica, permitindo compreender as
mudanas que as formas e as concepes arquitetnicas se
desenvolvem a partir dos mesmos temas e do mesmo
programa.
No primeiro conjunto de projetos para a cidade
de intervenes urbanas foram abordadas as propostas de
Flvio de Carvalho para a cidade de So Paulo,
principalmente em relao ao trnsito. Essa preocupao do
trnsito, da circulao e da velocidade, interferindo na vida
do homem uma discusso que ocupa mais os textos de
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Flvio de Carvalho que propriamente os seus projetos.
J o segundo conjunto de projetos os
monumentais de programas representativos, a maioria dos
projetos foi elaborada por Flvio de Carvalho para a
participao de concursos de projetos e anteprojetos
pblicos. Enquanto o terceiro grupo de projetos aborda as
concepes para o espao de morar projetos de habitao
tanto no meio urbano como no meio rural. As
preocupaes para uma residncia no campo, onde no h
a noo de lote e nem rua, so muito diversas das
preocupaes para um projeto na cidade, onde h a
preocupao com a casa na cidade, na rua, no lote e no
bairro.
Para concluir o desenvolvimento da dissertao, a
pesquisadora optou por no colocar um captulo conclusivo,
mas citar algumas Consideraes Finais a partir de toda a
anlise e levantamento organizado e discutido neste
trabalho. Deste modo, a pesquisa aponta algumas possveis
perspectivas sobre a obra arquitetnica de Flvio de
Carvalho, sua relao com a cidade moderna e o seu dilogo
com a cultura moderna brasileira, ao mesmo tempo em que
abre a possibilidade de novas questes.
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01 So Paulo, 1924, Tarsila do Amaral. Fonte: AMARAL, 2001, p.19.
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inglaterra e so paulo: formao e
atuao
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1.1_________________________
02 - Foto de Flvio de Carvalho. Fonte: Decorao do Municipal: entre elogio e piche. Folha de So Paulo, 04 de janeiro de 1968.
uma concisa apresentao deFlvio de Carvalho
Flvio de Carvalho, nascido em Barra Mansa (RJ), em
10 de agosto de 1899, iniciou seus estudos no Brasil, na
Escola Americana de So Paulo. Assim como muitos filhos
de importantes e abastadas famlias burguesas de So
Paulo no incio do sculo XX, Flvio de Carvalho teve toda a
sua formao intelectual na Europa, onde estudou a partir
dos onze anos de idade.
Aps completar a sua formao como engenheiro
civil na Inglaterra, Flvio de Carvalho retornou ao Brasil em
julho de 1922, aps a Semana de Arte Moderna. Esta,
conhecida como Semana de 22 ocorreu em fevereiro do
mesmo ano, com fortes influncias e conhecimento das
discusses de arte e cultura moderna europia, procurando
construir uma cultura propriamente brasileira.
So Paulo, naquele momento, encontrava-se com a
polmica entre os tradicionalistas e os modernistas. Alguns
anos depois, Flvio de Carvalho acabou aproximando-se de
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03 Folder de apresentao de Flvio de Carvalho. Fonte: DAHER, L.C. 1984, p. 129.
diversos desses intelectuais modernistas, que pensavam,
elaboravam e questionavam o quadro cultural brasileiro.
Atravs das correntes artsticas europias, como o
futurismo, expressionismo, purismo, dentre outras questes
e formas de pensar que estavam sendo discutidas durante o
perodo de sua formao na Europa, Flvio de Carvalho
poderia apresentar uma outra viso sobre a cultura brasileira
ao retornar ao pas. Por ter iniciado sua formao na Europa,
ele talvez pudesse ter desenvolvido inicialmente uma viso
um pouco estrangeira, procurando re-estabelecer suas
relaes com a sua prpria cultura, aps tanto tempo
distante de suas origens.
Logo em 1923, Flvio de Carvalho iniciou a sua
atuao profissional como engenheiro civil no Brasil. At o
final da dcada de 1920, atuou nos principais escritrios e
construtoras de So Paulo. Entre 1923 e 1924, Flvio de
Carvalho trabalhou na Construtora Barros, Oliva & Cia. como
calculista estrutural. Posteriormente, entre 1924 e 1926,
trabalhou tambm no clculo e dimensionamento de
estruturas no escritrio Ramos de Azevedo/ Severo &
Vilares. Estabeleceu o seu escritrio de arquitetura e ateli
em 1926 e depois trabalhou ao longo de 1929 na
Sociedade Comercial e Construtora, tambm como
calculista estrutural.
Responsvel pelo primeiro projeto modernista
elaborado no Brasil, no construdo, para o concurso do
Palcio do Governo em 1927, Flvio de Carvalho comeou a
discutir questes de arquitetura e urbanismo em diversos
jornais e, conseqentemente, tornou-se alvo de crticas e
interesses diversos. A partir do concurso para o Palcio do
Governo, com o pseudnimo Eficcia, Flvio de Carvalho
iniciou uma srie de propostas de projetos para diferentes
concursos, principalmente entre 1928 e 1929, que refletiram
suas concepes de cidade e arquitetura, presentes
tambm em alguns textos posteriores.
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04- Esboo de Le Corbusier ao longo da entrevista, em novembro de 1929. Fonte: Dirio Nacional, So Paulo, 21/11/1929. 1 Segundo relato de Ferraz em seu livro Depois de tudo. Ed. Paz e Terra: Rio de Janeiro, 1983.
05 Capa de um pequeno catlogo dos projetos arquitetnicos de Flvio de Carvalho, com projetos de 1927 a 1929. Fonte: Foto do original, acervo pessoal de Rui Moreira Leite.
A Cidade do Homem Nu, tese apresentada por Flvio
de Carvalho no IV Congresso Pan-Americano de Arquitetura
de 1930, no Rio de Janeiro, acabou significando um reflexo
das discusses do campo artstico e cultural que efervescia
em So Paulo entre 1922 e 1930. Essa tese apresentava o
vnculo estreito do engenheiro-arquiteto Flvio de Carvalho
com o Movimento Antropofgico de Oswald de Andrade.
Essas discusses modernistas em So Paulo tinham em
comum o desejo de ruptura com o passado, a crtica
mimese artstica acadmica e a busca de referncias mais
recentes da arquitetura e das artes na Europa. Desta forma,
os modernistas buscavam um dilogo com as correntes
artsticas como o futurismo, expressionismo, purismo, entre
outras tendncias ideolgicas e estticas, sem representar,
no entanto, uma adeso estrita a elas.
A visita de Le Corbusier, em 1929, Amrica Latina
marcou esses dilogos e circulao das idias que estavam
acontecendo entre artistas de vanguarda brasileiros e
europeus. Esta primeira estada de Le Corbusier no Brasil
permite um contato direto de Flvio de Carvalho com as
questes urbansticas discutidas por Le Corbusier nesta
fase de sua carreira. Flvio de Carvalho e o jornalista Geraldo
Ferraz so os nicos a realizarem uma entrevista com o
arquiteto durante esta viagem em sua estada em So
Paulo1. Nesta entrevista so levantados alguns pontos
pertinentes das discusses de Le Corbusier que acabam se
refletindo no contedo de alguns textos de Flvio de
Carvalho, como na tese sobre a cidade do homem nu,
quase um ano aps esse encontro entre Flvio de Carvalho
e Le Corbusier.
As questes sobre a cidade discutidas por Flvio de
Carvalho esto tambm presentes em diversos textos e
declaraes publicados em jornais da poca, ocasio em
que ele problematiza desde intervenes urbanas em So
Paulo de Prestes Maia como tambm discutia intervenes
urbanas de Alfred Agache no Rio de Janeiro. Tambm
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06 Capa do livro de Flvio de Carvalho A Experincia n2. Fonte: TOLEDO, J. 1994, p. 248-P.
07 Propaganda de Flvio de Carvalho na RASM. Fonte: Revista Anual do Salo de Maio, 1939.
apresenta preocupaes com o trnsito de So Paulo,
discusso sobre um transporte subterrneo e at a
plantao de caf nos jardins pblicos.
Em 1931, apresenta a sua Experincia n 2, que
tornou um livro, publicado no mesmo ano com o ttulo:
Experincia n 2 realizada sobre uma procisso de Corpus-
Christi: uma possvel teoria e uma experincia. Essa
experincia, segundo Flvio, uma anlise da psicologia das
multides. Para a realizao dessa anlise, atravessou a
procisso de Corpus-Christi no sentido contrrio usando
chapu. Ao longo de sua travessia, Flvio deparou-se com
diferentes pblicos, com diferentes envolvimentos com sua
presena e com a prpria procisso, chegando a ser
praticamente linchado pela multido. Assim, foi salvo pela
polcia que o chamou para prestar esclarecimentos na
delegacia, onde descobriu que estava sendo at acusado de
ser comunista e de estar atirando bombas na procisso,
mas fisicamente s ganhou ferimentos leves.
Para a anlise, Flvio de Carvalho utiliza-se de
referncias ao trabalho de Freud, discutindo idias como a
de Deus e de ptria, totemismo, a conduta feminina, relao
estabelecida entre a multido e a sua figura e da multido
com o prprio Cristo. Assim, tambm discute questes de
fetichismo, a diferente reao dos jovens e dos mais idosos,
concluindo alguns assuntos destes com frmulas
matemticas e a prpria pr-experincia da idia da morte,
ao se refugiar desesperadamente em um pequeno cmodo
em cima da leiteria, de onde foi retirado com a ajuda da
polcia.
As religies so pontos de refgio muito procurados pelo homem para esconder a sua inferioridade; a ptria, como idia derivada do patriarca, tem sempre ajuntando grandes grupos de homens; ultimamente porm o seu encantamento anda em perigo. A introduo de novas formas econmicas no cenrio mundial, como o advento da mquina e o interesse demonstrado pela palavra eficincia, parecem querer criar uma nova filosofia da vida, um novo
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Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 27
08 Flvio de Carvalho com Oswald de Andrade, 1933. Fonte: TOLEDO, J. 1994, p. 248-A.
09 Abaporu, pintura de Tarsila do Amaral, smbolo do Movimento Antropofgico, 1928. Fonte: AMARAL, 2003, p. XI.
mundo ideolgico que orientar os laos afetivos do homem para um internacionalismo mais intenso, aumentando a viso de cada um. A ptria a imagem sagrada nacionalista (...). Tem a fora religiosa de criar submisso e de implantar o tradicional na rotina. Todos os patriotas so iguais como na religio todos (...) so tidos como iguais; ela a imagem encantada que recebe a adorao de todos os iguais, colocando todos em segurana; a sua santidade mantida pelo sentimento de insegurana do homem quando em contato agressivo com outros povos; ela em conseqncia desse contato, vem como uma defensiva, como a astcia da nao (CARVALHO, 1931, p. 157).
O seu vnculo com a Antropofagia est presente
tambm nesse texto, principalmente por questionar essa
relao do homem moderno com a religio e a idia de
Cristo ao discutir a idia de totemismo e da forma como e
por que o homem se aproxima da idia de Deus. Assim, ele
analisa o processo de contato de submisso do homem
com a religio:
Cada indivduo se sente com direitos sobre o personagem divino e o grande conforto da religio consiste em nivelar a ele, em ficar parecido com ele. Da o hbito de devorar periodicamente o Cristo na comunho da missa. (...) Quando o catlico engole o corpo de Cristo e s vezes bebe o seu sangue em forma de vinho, ele pretende por esse ato absorver as qualidades de Cristo. Ficar sendo igual de Cristo. (...) O contato provoca nivelamento. (CARVALHO, 1931, pp. 50-51).
E conclui o livro, discutindo essas relaes da
religio e da ptria com o homem moderno dentro das
questes elaboradas pelo Manifesto Antropfago e de sua
tese A cidade do homem nu:
Para satisfazer ao instinto gregrio do homem moderno, do homem que comea a nascer com as novas foras econmicas, preciso alguma coisa mais que um mero boneco com o cu feito sob medida. (CARVALHO, 1931, p. 163).
No ano seguinte a esta experincia, alm de
combater na Revoluo constitucionalista, de 1932, em que
atuou como capito-engenheiro na construo de fortes de
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Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 28
10 Apresentao do Teatro O Bailado do Deus Morto Fonte: MATTAR, D. 1999, p. 59.
11 Estudo do cenrio e do figurino do teatro O Bailado do Deus Morto Fonte: ZANINI, W; LEITE, R.M. 1983, p. 62.
12 Ficha de inscrio para o clube dos Artistas Moernos. Fonte: ZANINI, W; LEITE, R.M. 1983, p. 64. 2 Declarao de Flvio de Carvalho sobre o CAM ao Dirio da Noite, 24/12/1932. Publicado por DAHER, L.C., 1982, pp. 44-45.
barreiras de estratgia, tambm liderou grupos de soldados,
defendendo o governo paulista do governo getulista. No
mesmo ano, aps o domnio das tropas federais sobre os
paulistas, Flvio de Carvalho retorna a So Paulo e funda o
Clube dos Artistas Modernos (CAM), junto com Di
Cavalcanti, Carlos Prado e Antnio Gomide. No CAM,
organizou diversas exposies e conferncias, tornando-se
um dos principais locais de discusses de assuntos
artstico-culturais e polticos, dividindo parte dos artistas
modernistas, assim como, a Sociedade Pr-Arte Moderna
(SPAM), que teve, praticamente, a mesma durao, at
1933.
O CAM foi fechado aps algumas apresentaes do
Teatro da Experincia, elaborado por Flvio de Carvalho,
com a encenao da pea O Bailado do Deus Morto, escrito
e montado por ele mesmo. Esta pea sofreu algumas
censuras da polcia, principalmente a partir de crticas
diversas da sociedade em relao a este clube, ao ter
apresentado palestras e exposies que permitiram
discusses de assuntos como as idias comunistas ou
mesmo sobre a arte sovitica.
Este clube no tem limites dentro destas paredes claras. Viemos no mundo, e num mundo hoje estreitamente ligado pela radiotelefonia, pelo telefone, pela aviao, pela Graf Zepelin. Embora o Brasil seja um dos pases mais longques da terra (...) ns decidimos centralizar em So Paulo, neste clube, um intercambio de informao e de realizaes com todos os meios cultos e universais, com os seus intelectuais e artistas. (CARVALHO, 1932) 2
Em 1936, publica o seu segundo livro - Os Ossos do
Mundo - a partir de anotaes de sua viagem de 1934 para a
Europa, ao participar dos Congressos de Filosofia e
Psicotcnico realizado em Praga. Nesse livro, Flvio de
Carvalho discute, a partir de sua viagem a diversos pases da
Europa, a questo da forma de pensar a histria e o ponto
de vista para a sua elaborao, o distanciamento do tempo
para a anlise do objeto, para v-lo em sua amplitude, suas
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Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 29
13 Capa do livro Os ossos do mundo, 1936. Fonte: TOLEDO, J. 1994, p. 248-P.
15 Cadeiras desenhadas por Flvio de Carvalho aproximadamente na dcada de 1940. Fonte: Revista Design & Interiores, n24, maio- junho 1991, p. 97.
16 Anncio das persianas de alumnio na RASM. Fonte: Revista Anual do Salo de Maio, 1939.
circunstncias e suas relaes.
O valor da poca no perceptivo dentro da poca porque no h ponto de vista, no h contraste, falta comparao, e sem contraste no pode haver julgamento (CARVALHO, 1936, p.42.).
Essa reflexo sobre o objeto analisado e pesquisado
ao longo da histria, na verdade, seriam esses ossos do
mundo, vestgios e distncia necessria entre o pesquisador
e o objeto. Mas at chegar a discutir essas abordagens
sobre a reflexo do passado, Flvio de Carvalho elabora
alguns temas pensados por ele ao longo da viagem, desde
sua partida de So Paulo. Uma destas questes que nos
chama a ateno por sua relao com o relato de Le
Corbusier sobre a viso area para um urbanista, em
Precises, o relato de Flvio de Carvalho sobre a sua viso
a partir do avio sobre as cidades, do homem em vo:
Tinha a impresso que teria um arquelogo que passando a sua vida na reconstruo de uma civilizao, de um momento para o outro encontra o seu trabalho pronto: todos os pedaos da cidade e todos os detalhes eram visualizados ao mesmo tempo. (...) A viso do homem em vo adquire mais uma dimenso sobre a viso do habitante da superfcie; ele capaz de prever e calcular o destino do habitante da superfcie, o seu ponto de vista percorre o presente, o passado e o futuro desse personagem, porque ele enxerga a predisposio para receber e para entregar de um dado personagem. (...) A vista area parecia multiplicar enormemente a nossa sensibilidade, englobar o mundo dos homens num pequeno esforo mental; com um golpe de vista fazamos um levantamento geral e simultneo de todos os afazeres da cidade, o que seria impossvel colocado num dos compartimentos da cidade, onde nossa viso e sensibilidade seriam apenas a do pequeno mundo oriundo desse compartimento (CARVALHO, 1936, p.15-16).
Flvio de Carvalho apresenta sua viso sobre as
cidades visitadas, como o barroco da igreja de So
Francisco em Salvador, os coqueiros de Aracaju at o
barroco de Praga. curioso ao apresentar a postura dos
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Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 30
17 Carto de apresentao das persianas de alumnio Tropicalumnio Fonte: Foto do original pertencente ao acervo do CEDAE/Unicamp.
18 Carto comercial da cermica de Flvio de Carvalho. Fonte: TOLEDO, J. 1994, p. 664-i.
19 Carto do estabelecimento comercial A Vaca, onde Flvio de Carvalho vendia produtos da Fazenda Capuava. Fonte: ZANINI, W.; LEITE, R.M. 1983, p. 122.
14 projeto de traje para a expedio dos gafanhotos, no final da dcada de 1930. Fonte: ZANINI; LEITE, 1983, p. 72.
alemes no congresso de Praga, antes da Segunda Guerra
Mundial, discutindo a superioridade da raa alem. Ele
analisa as diferenas culturais e, ao mesmo tempo, algumas
influncias da religiosidade, como na Itlia. Tambm discute
a alimentao em diversos pontos da Europa, inclusive
questes de higiene, at mesmo a qualidade do papel
higinico.
Outro ponto muito importante desse livro o
prefcio escrito por Gilberto Freyre, que utiliza o termo ps-
modernista por aparecer aps o modernismo e com outra
mensagem, para compreender Flvio de Carvalho. Ele
intensamente moderno, mas despreocupado com o
modernismo literrio. Esse ps-modernista seria no sentido
de ir alm do prprio modernismo ou at mesmo
modernismo brasileira.
Participa dos Sales de maio de 1937, 1938 e 1939,
neste ltimo responsvel pela Revista Anual do Salo de
Maio (RASM) publicado com uma capa de alumnio,
contendo diversos textos de sua autoria.
Em 1938, Flvio consegue realizar os dois nicos
projetos construdos de sua carreira: as dezessete casas da
Alameda Lorena (So Paulo) e a sua casa sede da Fazenda
Capuava, ambos em terrenos da famlia. Mas continua
participando de concursos de obras arquitetnicas e
discusses sobre as intervenes na cidade de So Paulo.
Alm de escrever para diversos jornais e apresentar
declaraes sobre diferentes assuntos de seu interesse ao
longo de toda carreira, Flvio tambm projeta, produz e
comercializa persianas verticais de alumnio a
Tropicalumnio. Alm deste negcio, Flvio comercializou
produtos cultivados em sua fazenda, com sua marca A Vaca
e chegou a produzir em sua fazenda tijolos cermicos,
tambm comercializados por ele. Porm nenhum desses
negcios foi muito duradouro.
Ao longo de sua trajetria, Flvio de Carvalho projeta
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Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 31
3 O agrnomo Oliveira Filho, de acordo com Sangirard Jr., que escrevia para O Estado de So Paulo afirmava que o bero dos gafanhotos sul-americano localizava-se no Mato Grosso. Neste local, de acordo com o raciocnio de Flvio de Carvalho a flora no lhes serviria de alimento, dado importante para o problema das devastaes dos gafanhotos em plantaes. A partir desta constatao Flvio de Carvalho organizou uma expedio, que contava com a adeso de Tarsila do Amaral, com a finalidade de localizar este bero dos gafanhotos. Porm, mesmo com vrios levantamentos geolgicos para a expedio ela nunca chegou a ser realizada. (SANGIRARD, 1985, pp. 63-65)
20 - Decorao do Teatro Municipal de So Paulo do Baile de Carnaval de 1934. Fonte: MATTAR, 1999, p. 19.
21 - Foto do canrio e figurino de Flvio de Carvalho para a Sinfonia de Camargo Guarnieri 1951. Fonte: OSRIO, L.C. 2000, P. 25.
22 - Desenho do canrio e figurino de Flvio de Carvalho para a Sinfonia de Camargo Guarnieri 1951. Fonte: ZANINI, W; LEITE, R.M. 1983, p. 62.
ainda cenrios e figurinos para teatros e bals, como
tambm para festas de carnaval. Entre estes esto: Traje
para a expedio dos gafanhotos 3 (dcada de 1930),
figurino e cenografia do Bailado do Deus Morto (1933),
decorao para o baile de carnaval do Teatro Municipal de
So Paulo (1934), decorao do Baile de carnaval do
Clubinho (1951), figurino e cenografia de Sinfonia de
Camargo Guarnieri (1951), figurino e cenografia de Ritmos
(1952), decorao do Baile de carnaval do Clubinho (1954),
Traje tropical new look (1956), figurino e cenografia de
Calgula (1959), figurino e cenografia para o bal Tempo
(1965) e projetos para decorao do Teatro Municipal (1966),
dentre outros.
Destes trabalhos, destacou-se na imprensa e ao
longo de sua carreira, o Traje tropical New Look (1956) que
Flvio de Carvalho desfilou pelo centro de So Paulo e
intitulou de Experincia n 3. Esse traje provm de uma
srie de estudos sobre as questes da moda ao longo da
histria, publicadas numa srie de artigos para o Dirio de
So Paulo, entre maro e outubro de 1956. O traje,
projetado para o clima tropical do pas, tem a preocupao
com a circulao de ar pela roupa: constituda por uma
saia, uma sandlia, meia de malha e uma blusa com mangas
abertas, tudo pensado de acordo com o clima tropical,
segundo o autor.
A ventilao bem estudada, atravs do sistema de pregas e mangas abertas, proporciona rpida evaporao do vapor de gua do suor evitando a sensao de calor devido ao empastamento do tecido e efeitos desagradveis que disso discorrem. Mantm-se assim o corpo sempre limpo e adquire-se, devido constante circulao do ar entre o tecido e o corpo, maior resistncia aos resfriados (...) e outras doenas. (CARVALHO, 1956)
O ltimo livro que edita, pouco antes de seu
falecimento, referente aos seus estudos iniciados em
1933, com o Teatro da Experincia. Seu livro A Origem
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Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 32
23 Flvio de Carvalho entre os ndios Xirians, Alto Amazonas, em 1958. Fonte: TOLEDO, J. 1994, p. 664-D.
24 Flvio de Carvalho desfilando o traje pelo centro de So Paulo 1956. Fonte: OSRIO, L.C. 2000, p. 9.
Animal de Deus e o Bailado do Deus Morto (1973), na
verdade, so dois textos que se completam em um nico
volume. Na primeira parte: A Origem Animal de Deus, Flvio
de Carvalho discute a relao do homem com um ser divino
e, como esta relao se estabelece, principalmente no
passado da evoluo humana, em que a idia de um deus
era vinculada presena ou figura de animais, por isso ele
discute essa origem animal de Deus. Procura descobrir de
onde surgiu a religio atual nos seus estudos e nos
caminhos percorridos por ela. Para tanto apresenta trs
temas: a fome, o medo e o sexo e a inveno da alma.
pela fome que o homem entra em contato com o mundo animal e vegetal que ele devora e o ato de devorar a primeira religio. (...) Apetite religio. Motivo porque as razes da religio so to fortes. As rezas de todos os povos de todos os tempos se referem ao alimento (CARVALHO, 1973, p. 11).
Assim como nos dois livros anteriores, Flvio de
Carvalho apresenta uma postura e questes ainda
vinculadas Antropofagia. As questes da religio e a
procura de um homem primitivo e essa relao direta
estabelecida pela devorao da idia de deus so discutidas
desde seu primeiro livro, em 1931.
pelo intestino e pelo sexo que o homem entra em contato ntimo com a natureza: devorando a natureza ele perpetua-se. O sexo assegura a continuao da espcie enquanto que o alimento assegura a continuao do indivduo. (CARVALHO, 1973, p. 11).
Essa idia de antropofagia em relao ao indivduo e
a sua religio, assim como a prpria continuidade de
desenvolvimento do homem, est presente ao longo de
todo este livro. Estas questes antropfagas no homem e
em sua religio tambm esto presentes na segunda parte
do livro de Flvio de Carvalho, onde apresenta o texto dos
atos da pea O Bailado do Deus Morto, exibido em 1933.
Esta parte ainda inclui o programa distribudo na estria da
mesma pea.
-
Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 33
25- Esquema de raciocnio do desenvolvimento do traje, 1956. Fonte: MATTAR, D. 1999, p. 55.
26 Capa do livro A origem animal de Deus e o Bailado do Deus morto. Fonte: CARVALHO, F. de. 1973, capa.
27 Flvio de Carvalho em uma de suas expedies. Fonte: SANGIRARD Jr. 1985, p. 54.
Nesta pea, O Bailado do Deus Morto, defende a
ausncia da religio e a independncia da figura de Deus
para que o homem consiga estabelecer seu raciocnio livre
na construo de um novo mundo, para assim, permitir o
progresso do prprio homem.
A mulher inferior explica ao mundo porque ela seduziu o monstro mitolgico e pacato de entre os animais e colocou-o como Deus entre os homens. Uma profunda saudade marca a entonao e a sua ira contra o homem inferior. Os homens do mundo imploram em vo um Deus calado e desaparecido, perplexos, eles decidem e controlam os destinos do pensamento, marcam e especificam o fim do Deus e como usar os resduos no novo mundo. (CARVALHO, 1973, p. 98).
Participou de diversos eventos no campo das artes
plsticas ao longo de toda a sua carreira, principalmente
exposies individuais no Brasil e no exterior, assim como,
bienais de So Paulo e tambm de Veneza. Projetou ainda
diversos monumentos, mas os nicos construdos so os da
Universidade Internacional de Msica e Arte Cnica (1955) e
a homenagem a Garcia Lorca (1968).
No incio dos anos de 1970, Flvio de Carvalho
participa do Seminrio de Tropicologia, da Universidade
Federal de Pernambuco, organizado pelo socilogo Gilberto
Freyre. Neste seminrio, Flvio apresentou o seu estudo
sobre a moda e o trpico, iniciado em 1956, publicado em
uma srie de artigos no Dirio de So Paulo. Neste
seminrio, Flvio participa de discusses sobre a
conscincia brasileira da relao de sua cultura com os
trpicos e a busca de uma modernizao brasileira que no
negue os seus vnculos com o passado e tenha vnculos
com este espao tropical.
At o final de sua trajetria de vida, em 1973, Flvio
de Carvalho continuou participando de diversos concursos
de projetos arquitetnicos no Brasil e no exterior. Esses
projetos tambm atuavam como verdadeiras manifestaes
de suas idias modernistas e seu questionamento da cultura
-
Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 34
28-Flvio de Carvalho entre Lcio Costa e Gregori Warchavchik. Fonte: COSTA, 1995, p. 200.
brasileira. Porm, Flvio expe suas questes em diferentes
suportes e atuaes.
A obra de Flvio de Carvalho tem uma produo
multifacetada por atuar em diversos campos, como a
arquitetura, urbanismo, teatro, figurino, cenografia, moda,
engenharia civil, artes plsticas e questionamentos da
psicologia humana. A participao do arquiteto em vrias
bienais de artes e o distanciamento de sua produo
arquitetnica da principal produo dos arquitetos cariocas,
que formaram o ncleo principal da arquitetura moderna
brasileira, caracterizam as abordagens sobre Flvio de
Carvalho como uma atuao mais presente nas artes e
apenas pontual na historiografia da arquitetura brasileira.
1.2_________________________ 4 A Universidade de Durham foi fundada em 1832 em Durham e Newcastle. Inicialmente, at incio do sculo XX era pequeno o nmero de estudantes que ingressavam na universidade. Mas houve algumas junes e acordos com outras universidades inglesas, o que permitiu uma expanso da universidade e de seus cursos. Porm, a engenharia pertence aos cursos da universidade desde o incio. O material sobre a histria da universidade foi pesquisado no site oficial da Universidade de Durham: http://www.dur.ac.uk.
29 Reestruturao das vias do entorno do mercado, perspectiva vo de pssaro. Desenho de T.H. Mawson. Fonte: CALABI, 1979, p. 287 F.
inglaterra: contexto e percurso
da formao profissional
Casas isoladas, subrbios, valorizao da paisagem, elementos pitorescos, programas habitacionais econmicos, vilas e estncias balnerias so todos aspectos do quadro de mudanas nas cidades e na arquitetura promovidos pelas transformaes aceleradas da sociedade moderna e que ocorreram com intensidade no sculo XIX. (WOLFF, 2001, p. 43)
Flvio de Carvalho concluiu seus estudos na Europa,
inicialmente na Frana e posteriormente na Inglaterra, onde,
ao estar viajando a passeio, ficou impedido de sair para
retornar Frana devido Primeira Guerra Mundial. Por esta
questo, realizou toda a sua formao para Engenheiro Civil
no Armstrong College da Universidade de Durham, em New
Castle, Inglaterra. 4
-
Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 35
5 No sculo XIX Londres era a maior cidade do mundo, com mais de um milho de habitantes. Em 1901 chega a atingir quatro milhes e meio de habitantes, num total de 30.000 hectares, fora os aglomerados com mais dois milhes de habitantes. Em 1921 chega a atingir um total de sete milhes e meio de habitantes com os aglomerados. (BENEVOLO, 2005, p. 672)
30 Braso do Royal Institute of British Architects (RIBA) com a data de fundao e de incorporao. Fonte: CALABI, 1979, p. 128 H.
31 Objetivos, finalidades e modalidades da inscrio da Garden City Association. Fonte: CALABI, 1979, p. 128-B.
Nesse perodo, primeiras dcadas do sculo XX, a
Inglaterra era o primeiro pas a passar por diversas
transformaes geradas pelo processo de desenvolvimento
tcnico e industrial. A velha estrutura da cidade estava
sendo contraposta pela grande concentrao dos trabalhos
nas fbricas, transformando o cotidiano da cidade atravs
dos operrios, que passaram a sobrecarregar a estrutura
urbana. Esta migrao da populao rural para a cidade no
correspondia vazo dos postos de trabalho e nem com as
vias de comunicao disponveis. Esta concentrao
populacional 5 nos principais centros urbanos gera uma srie
de problemticas na estrutura e organizao da cidade,
como: deficincia e insuficincia nos meios de transporte,
nas pssimas condies de higiene sanitrias e alimentares,
assim como o abastecimento de gua.
A partir desta srie de problemas que as cidades no
estavam estruturadas para absorver, inicia-se uma srie de
debates na Inglaterra, cujo principal tema era as
intervenes urbanas. Esse processo de transformao
urbana, imposto pela grande concentrao populacional e
transformaes da vida cotidiana, relacionadas com o
advento da mquina, gera uma nova leitura e novas
solues de projeto muito diferente dos propostos
anteriormente.
Outro assunto que passa a ser abordado na
elaborao destas novas intervenes so os novos
conflitos sociais gerados pelas pssimas condies de
moradia de grande parte da populao, ao mesmo tempo
em que as fbricas geravam muita riqueza para as cidades,
reforavam as diferenas sociais.
A principal diferena das novas questes impostas
pelas novas condies de vida, principalmente pelo
progresso tcnico e da mecanizao do trabalho, a escala
da cidade. A escala para se pensar e reorganizar as reformas
da cidade muito superior s preocupaes anteriormente
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Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 36
6 PEREIRA, Armando de Arruda. So Paulo, bero da engenharia nacional. In Revista do Arquivo Municipal CXLIII. So Paulo, junho de 1952, pp. 7-22. 7 O programa definido por Raymond Unwin para o curso de Civic Design e Town Planning na Faculdade de Engenharia Civil da Universidade de Birmingham, em 1912,era organizado em partes. A parte 1 discutia Unidade da qual composta o plano (o problema da casa, conforto, dimenso mnima, aspectos da habitao em relao rua, largura das ruas nos diferentes casos e aspectos, dimenses do lote, dimenses do edifcio, custo do terreno, densidade, higiene publica, bem estar social, beleza do ambiente, trabalho e indstria, relao destes com a habitao, servios pblicos e privados, condies de localizao e acessos, reas livres, escoamento de gua, esgoto, plano de zonas, formas de agrupamento dos edifcios e residncias, influencia da arquitetura no plano de zonas, custo do desenvolvimento imobilirio) e Parte 2 Plano Urbanstico Geral ( necessidade de ampliao de zonas e de um plano urbanstico, estudo da cidade existente, estudo topogrfico da regio, das ferrovias existentes, canais, vias de comunicao, drenagem, energia, luz, gua; elemento de projeto aplicado ao plano urbanstico geral, ritmo, composio, repetio, proporo; importncia arquitetnica, econmica e social do centro cvico; a rede viria principal, probabilidade de trfego, as relaes com as vias secundrias; estudo de diversos tipos de planos urbanos, com exemplos de outros lugares; a teoria das Cidades-Jardins, e outros estudos de ampliao urbana; influencia da Legislao nos planos urbanos; e trabalhos em atelier para desenvolver questes tericas com a prtica). CALABI, 1979, pp. 168-170.
8 Civic Design, segundo prospecto de D. Adshead, do Departamento de Civic Design de Liverpool, em 1910, responsvel pela qualificao do arquiteto, engenheiro e outros tcnicos para serem capazes de elaborarem planos urbanos, pensando na organizao das ruas suficientemente espaosas, parques, avenidas bem dispostas entre outros aspectos da cidade naquele momento. Alm da
colocadas pela cidade medieval ou renascentista. H a
necessidade de prever as expanses da cidade, que
tambm no mais limitada pelo campo. A indstria est
presente em toda a cidade, tanto no centro como na
periferia. No h como intervir na cidade pensando-se
somente no centro. O raciocnio tem que englobar tudo que
interfira na vida urbana.
A presena das indstrias transforma tambm os
meios de transporte, que passa a depender da ferrovia,
tanto para o escoamento da produo destas indstrias e
seu fornecimento de matria prima, como tambm para a
circulao dos seus operrios.
A partir desta srie de problemas que a cidade passa
a enfrentar, as primeiras medidas de interveno colocadas
pelos engenheiros civis e municipais so as questes
higienistas e de salubridade. Esta necessidade de
profissionais aptos para as intervenes e melhorias
urbanas favorece uma formao dos engenheiros muito
mais voltada para a prtica no espao da cidade,
principalmente, diante das necessidades colocadas pelas
prprias deficincias sanitrias e pelo inchao populacional.
O perfil da engenharia civil na Inglaterra se
desenvolveu a partir da prtica na Revoluo Industrial e nas
transformaes das cidades, e posteriormente, ela
desenvolveu-se na teoria, na academia. Portanto, na
engenharia inglesa marcante a preocupao com a prtica
e o domnio no assunto, segundo Pereira (1952) 6. Alm de
lembrar que a Associao Britnica de Engenheiros de
Londres, que foi fundada em 1818, a mais antiga do
gnero.
Outro ponto que marca a formao inglesa dos
engenheiros civis a preocupao com a Town Planning 7
e o Civic Design 8, segundo Calabi (1979) 9 em seus
estudos sobre o urbanismo, como disciplina, nas
universidades de Liverpool, Birmingham e Londres, desde o
-
Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 37
planta com as diretrizes do plano, desenvolve-se alguns edifcios arquitetnicos importantes. Desta forma, o Civic Design procura no apenas desenvolver o saber da prtica de um plano urbano, mas tambm desenvolver os aspectos estticos da cidade e das reas suburbanas. O curso desenvolve as aulas na teoria e na prtica de ateli, a partir das seguintes disciplinas: Desenvolvimento Urbano, Engenharia, Legislao, Arquitetura, Decorao e Projeto da Paisagem. (in CALABI, 1979, pp. 149-153).
9 Este estudo levanta principalmente os reflexos das questes urbansticas nas instituies de ensino de arquitetura e de engenharia inglesas e os focos desta disciplina no incio do sculo XX. 10 O Town Planning Institute era uma instituio, iniciada em 1913, formada por diversos profissionais como arquitetos, engenheiros e topgrafos, que procuravam discutir as necessidades do profissional responsvel pelas obras e intervenes urbanas, assim como, a elaborao de planos urbansticos. Uma das principais atuaes deste instituto foi a formao da disciplina Civic Design em universidades como a de Liverpool, em 1909, e a de Birmingham, em 1911. Esta disciplina procurava suprir as necessidades profissionais do Town Planner. Outra atuao importante deste instituto era a constante discusso e formao de congressos que abordavam as intervenes urbanas, os profissionais da rea, as exigncias destes profissionais e questes ticas do urbanismo e dos planos urbanos. (CALABI, 2000, p. 146-147)
inicio do sculo XX.
Neste perodo em que Flvio de Carvalho reside na
Inglaterra, entre 1914 e 1922, diversas questes sobre a
cidade e a idia de planos urbansticos estavam em
discusso na Inglaterra, principalmente a partir do
Congresso Internacional do Royal Institute of British
Architects (R.I.B.A.) de 1910. Este congresso, reflexo de
diversos outros debates sobre a prtica do urbanismo e
seus profissionais competentes j estava sendo abordado
na Inglaterra, principalmente, a partir de diversas instituies
de profissionais como: o Institute of Civil Engineers (I.C.E.),
Town Planning Institute 10, Association of Municipal and
Sanitary Engineers, Garden City and Town Planning
Association, entre outras.
O resultado desta Conferncia Internacional de
Urbanismo do RIBA, 1910, uma tentativa significante de
encontrar uma forma correta e arquitetnica ao Town
Planning, cujo termo procurava tornar pblico, alm de
acrescentar maior interesse pela arquitetura e pela cidade.
Desta forma, enfatizava os arquitetos como sendo os
principais profissionais capazes de se responsabilizarem
pela profisso urbanstica.
A partir da Primeira Guerra Mundial intensificam-se
estas discusses em relao s construes de casas,
principalmente para operrios, conseqncia tambm das
destruies causadas pela Guerra. Outra questo que se
intensifica a necessidade de planos de reconstruo ou
mesmo de interveno em diversas cidades.
Com esta atuao mais intensa dos urbanistas, o
Town Planning Institute comea a se preocupar com a
formao destes urbanistas, sendo eles engenheiros ou
arquitetos, e inicia-se uma relao com este departamento
universitrio.
Entre as exigncias que o instituto estabelece esto:
a necessidade da prtica, mesmo em um estdio;
-
Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 38
11 Segundo estudos de Donatella Calabi, 1979, p. 130. 12 Escola de Arquitetura, Universidade de Liverpool. 13 Newcastle pode estar se referindo a Universidade de Durham, em Newcastle, onde Flvio de Carvalho teve a sua formao como engenheiro civil e tambm freqentou aulas do Departamento de Artes, entre 1918 e 1922. 14 Assimilavam as idias de Ebenezer Howard de cidade-jardim. Este modelo de interveno urbana, discutida na Inglaterra a partir de 1898, propunha uma nova tipologia urbana baseada na descentralizao da metrpole segundo uma unidade autnoma e com a utilizao de edifcios uni - familiares. Howard procurava a questo da cidade com o campo, unindo as vantagens de ambos em um tipo de modelo, uma frmula mista: a cidade-jardim. Este modelo tambm procurava resolver os conflitos sociais atravs da ordem espacial, resolvendo os problemas de congestionamento. Funcionava com uma colnia da metrpole, onde se localizaria melhor os elementos da vida intelectual e econmica da vida contempornea, unindo o trabalho intelectual, a agricultura, a produo manufatureira e a administrao seriam coletivas, independentemente do governo da metrpole. Este modelo foi adotado em vrios lugares como uma forma de crescimento da metrpole para a sua periferia. (CALABI, 2000, pp. 41-46)
conhecimento em histria do urbanismo; prtica
urbanstica; urbanstica em relao a trs aspectos
particulares arquitetura e decoro; engenharia e relevo;
legislao. 11
Essas exigncias, em relao ao estudo do
urbanismo, eram uma pratica at a dcada de 1930 em
instituies como o Departamento de Liverpool. 12 A partir
desta formao completa testada e avaliada o formando
poderia integrar como membro do Town Planning Institute.
Dentre as escolas que passam a absorver esses pontos
discutidos na formao do urbanista, integrando-as, esto
as instituies de ensino de Liverpool, Newcastle 13, Leeds,
Edimburgo. Manchester e de Londres. (CALABI, 1979, p.
131).
Ao longo deste desenvolvimento das questes sobre
a cidade na Inglaterra ocorre tambm uma afirmao
progressiva deste movimento urbanstico na gradual
profissionalizao do urbanista na Inglaterra. Esta
transformao na formao destes profissionais constitui o
Instituto de Urbanstica, incluindo os diversos profissionais
que atuavam na discusso sobre as reformas urbanas,
como: engenheiros sanitaristas, arquitetos paisagistas,
engenheiros civis, arquitetos, mdicos e socilogos. Essa
instituio procurava englobar todas essas diferentes vises
na profissionalizao tcnica do urbanista.
Com este instituto tambm estavam associadas a
Garden-City Association 14 e a National Housing Reform
Council. Estas instituies e seus eventos do incio do
sculo XX procuravam discutir o papel do Estado e suas
responsabilidades urbansticas, incluindo analogia dos
modos de comportamento, aes em relao s reformas
necessrias nas casas, aprovaes de leis, planos nas reas
centrais e rurais.
A Garden-City Association era uma instituio que
divulgava os princpios da Cidade-Jardim, muito importante
-
Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 39
15 Barry Parker, assim como Raymond Unwim eram arquitetos que trabalharam junto com Howard em Letchworth (1904) e em Hampstead (1907).
16 Texto traduzido do original em italiano por Nora Cappello. Town Planning come principio de progettazione o come funzione di governo locale. Le icomprensioni concettuali pongono in forse lidentit e quindi la leadership delle associazioni, ma soprattutto sottolineano lamguit tra pianificazione della citt e pianificazione dap arte della citt (Planning of the Town e Planning by the Town) come punti estremi tra I quail si muove la construzione dellurbanistica, come termini compresenti nelle finalit delle sue organizzazioni professionali. (CALABI, 1979, p. 97)
17 Town planner era o termo especifico para o profissional com conhecimento tcnico e terico para propor planos de interveno ou reforma urbana. De acordo com CALABI (2000) este profissional fazia um levantamento do local em todos os seus aspectos: natureza, aspectos geogrficos, suas comunicaes, e o limite da zona urbana com a zona rural. Era tambm necessrio o levantamento de outros aspectos capazes de evidenciar a potencialidade local como: indstrias, agricultura, histria do lugar, a sua comunidade e os modos de vida desta populao. A anlise e conhecimento destas questes colocadas pelo estudo do urbanismo so questes importantes para este profissional responsvel. Era preciso que este profissional tivesse capacidade tambm de coordenar as aes projetuais, sabendo agir de acordo com o seu diagnstico do local, saber trabalhar com a legislao e orientar as transformaes deste territrio. (CALABI, 2000)
18 Texto traduzido do original em italiano por Nora Cappello. Larte di piegare le grandi forze della natura alluso e all convenienza delluomo, riducendo a mezzi di produzione e di traffico nei diversi stati per il commercio interno ed etsero; per la costruzione di strade, ponti, acquedotti, canali, fiumi, porti per scambi e traffici interni; per la costruzione di porti, banchine, moli, fari per larte della navigazione commerciale a vapore; per la costruzione e ladeguamento do macchinari relativi a sistemi di drenaggio di centri e citt. (CALABI, 1979, p. 98)
na disseminao deste modelo urbano por toda Europa,
mesmo aqui no Brasil, com a vinda de Barry Parker 15 em
So Paulo. Ainda que esse modelo sofra diversas alteraes
ao longo de sua divulgao, que acabava modificando seus
princpios, foi largamente utilizado como modelo urbano no
sculo XX. A Garden-City Association tornava as questes
apresentadas por Howard um assunto permanente nas
intervenes urbanas e mesmo nos congressos ingleses
que discutiam a Town Planning.
Com a Town Planning, a partir de 1909, outras
questes passam a fazer parte deste debate sobre o
urbanismo, principalmente a distino do mtodo projetual
e o conjunto de tcnicas de urbanizao e administrao,
alm da gesto do governo.
Town Planning como princpio de projeto ou como funo de governo local. As incompreenses conceituais colocam em cheque a identidade e portanto a liderana das associaes, mas sobretudo sublinham a ambigidade entre planejamento da cidade e planejamento por parte da cidade (Planning of the Town e Planning by the Town) como pontos extremos entre os quais se move a construo do urbanismo, como termos co-presentes nas finalidade das suas organizaes profissionais. (CALABI, 1979, p.97) 16
Os diferentes profissionais arquitetos, engenheiros
civis, calculistas, engenheiros municipais passam a
reivindicar a sua competncia particular para atuar como
town planner17. Segundo uma carta do Institute of Civil
Engineers (I.C.E.) a definio da atuao dos engenheiros
civis era:
A arte de dobrar as grandes foras da natureza ao uso e convenincia do homem, reduzindo a meios de produo e de trfego nos diferentes estados para o comrcio interior e exterior; para a construo de estradas, pontes, aquedutos, canais, rios, portos para trocas e trfegos internos; para a construo de portos, cais, faris para a arte da navegao comercial a vapor; para a construo e adequao dos maquinrios referentes a sistemas de drenagem de centros e cidades. (CALABI, 1979, p. 98) 18
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Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 40
32 Braso do Town Planning Institute, com sua data de fundao 1914. No braso aparecem os smbolos do agrimensor, do arquiteto e das leis. Fonte: CALABI, 1979, p. 128 K.
19 Incluindo implantao do abastecimento hdrico, de energia, de esgoto, ruas, portos, entre outros procedimentos tcnicos que envolvem a organizao da cidade, so atuaes de responsabilidade dos engenheiros. Estas questes no so consideradas urbansticas na ao do plano, mas faz parte nas questes de expanso desta cidade. CALABI, 1979, p. 107. 20 Portanto o engenheiro ocupa-se com o desenvolvimento urbano alm do ponto de vista terico: a questo da ruptura do limite o muro torna-se questo do modelo urbano, seus aspectos higinico-sanitrios inevitavelmente se reportam ao debate de reestruturao. CALABI, 1979, p. 107.
Os arquitetos utilizavam os congressos da RIBA e
suas publicaes para defender a supremacia do arquiteto
em matria de atividade municipal e de servio pblico. O
urbanismo era ainda visto por muitos arquitetos como um
modo de pensar arquitetura, mas em escala maior e pouco
discutem a prpria especificidade da qualificao a respeito
da Town Planning.
De acordo com os levantamentos de CALABI (1979)
sobre a formao dos engenheiros civis na Inglaterra no
incio do sculo XX, o curso de engenharia passa por uma
gradativa transformao, acentuando cada vez mais a
competncia tcnica que lhe so atribudas
profissionalmente em relao s intervenes na cidade,
como: planejamento de ruas, canalizaes, pontes,
ferrovias, abastecimento de gua, planejamento dos
esgotos e das vazes se guas pluviais. Enquanto que os
arquitetos eram cobrados apenas pela competncia
artstica, mais do pano de fundo cotidiano do que as
funes necessrias para este novo modo de vida urbana.
Desta forma, o engenheiro progressivamente refora e
acentua a histria da tecnologia; j o arquiteto se identifica
com uma tradio herdada pela histria da arte.
A formao do engenheiro passa a agregar mais as
questes das cincias, tecnologias e mesmo
administrativas, acompanhando as mudanas e evolues
dessas reas nestas primeiras dcadas do sculo XX. Desta
forma, eram responsveis pelas implantaes das novas
tecnologias e das necessidades sanitaristas nas cidades. Ao
longo destas transformaes nas cidades, cujos
profissionais responsveis so os engenheiros civis, a
formao destes profissionais passa a abordar as demandas
da cidade seguindo, principalmente, trs princpios lgicos:
assuntos do servio urbano 19, demolies de fortificaes e
a realizao de uma rede de esgoto 20, alm de realizaes
para particulares que so solicitados e impostos
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Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 41
21 Estas realizaes incluem construes de canais, implantao de ferrovias, construo de pontes. Estas construes alteram e transformam algumas especificidades da cidade e suas relaes espaciais. 22 Traduzida pela autora.
33 - Cartaz da Conferencia de 1910 do RIBA (frente). Fonte: CALABI, 1979, p. 32 (52).
34 Cartaz da Conferencia de 1910 do RIBA (atrs). Fonte: CALABI, 1979, p. 32 (52).
inevitavelmente competncia tcnica especfica 21.
De acordo com a declarao de Newland,
engenheiro da Civic Corporation de Liverpool:
Toda a expanso urbana deve ocorrer conforme um plano pr-estabelecido, cuja base de melhoramento na direo e na largura da rua, mas o plano constitui-se somente de uma pequena parte de seu relatrio, cujas caractersticas incluem tambm de esgoto, de abastecimento hdrico, de pavimentao de ruas, de ventilao, de condies higinicas, de parques pblicos, de densidade fundiria nas reas residenciais operrias. (in CALABI, 1979, p. 107) 22
No incio do sculo XX, a formao do engenheiro
civil em relao as planos urbanos aparecia, de fato,
dominada pelo tema da higiene. De acordo com CALABI
(1979), sua base de atuao era: controle, qualidade de
acessibilidade, densidade, ventilao, de insolao,
circulao, largura das ruas, quantidade de espaos abertos
ou de servios. Essa atuao reformadora procurava
controlar as expanses urbanas e suburbanas. Esta questo
de controle muito diversa de uma atuao de plano
urbanstico.
A partir dessa compreenso sobre a atuao do
engenheiro civil na cidade, percebe-se que a histria
assume um peso menor do que para o arquiteto. Era uma
viso mais prtica e que visava implantao de novas
tecnologias e de inovaes na cidade.
A principal diferena entre as atuaes e
preocupaes dos arquitetos e engenheiros civis nas
questes urbanas que o engenheiro considera essenciais
as novas formas de ruas, a circulao, o trfego da cidade;
j os arquitetos preocupavam-se essencialmente com os
aspectos pitorescos da cidade.
O engenheiro civil que trabalhava como funcionrio
pblico municipal no final do sculo XIX era visto como um
profissional responsvel pela organizao e resoluo de
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Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 42
23 Segundo consta a pesquisa de Rui Moreira Leite, baseado em dados do CREA Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia. 24 As informaes sobre as disciplinas e a grade curricular da formao de Flvio de Carvalho foram coletadas a partir do material cedido pelo arquiteto e pesquisador Dr. Rui Moreira Leite pesquisadora. As diferentes publicaes analisadas foram: Armstrong College Calendar for 1920-21 (sobre o curso do Departamento de Belas Artes), Armstrong College Calendar for 1921-22 (sobre o curso do Departamento de Belas Artes), Prospectus of day courses for 1917-1918, Prospectus of day courses for 1918-1919, Prospectus of day courses for 1919- 1920, Armstrong College Calendar for 1917-22 (sobre o curso de Engenharia civil), Day courses prospectus for 1917 1922 ( sobre o curso de Engenharia civil). Estas informaes auxiliaram na compreenso da formao de Flvio de Carvalho como engenheiro-arquiteto atuando no Brasil. 25 Desenho Mecnico era dividido em Jnior e Snior. A primeira abordava: Geometria Prtica, Plana e Descritiva; Elementos do Desenho da Mquina e Design. A Segunda, Desenho Mecnico Snior j era responsvel pelo seguinte contedo: Design da Mquina, Interseco de Superfcies, Clculos Grficos. 26 Esta disciplina procurava subsidiar a aplicao dos principais elementos para os problemas da Engenharia Civil. O contedo de Engenharia Civil Jnior abordava: Alvenaria e Vedao com Tijolos, Meios de Comunicao ( estradas e vias pblicas, canais, estradas de ferro, etc.), Engenharia Ferroviria, Estruturas armadas (tetos e pontes), Agrimensura Hidrogrfica. 27 Esta disciplina Engenharia Jnior abordava os seguintes aspectos: Esttica, Dinmica, Hidrulica, Cinemtica de maquinrio, Elementos termodinmicos.
problemas urbanos concretos e imediatos. Essa postura
prtica, como Calabi (1979) aborda, no chega a influenciar
completamente o desempenho dos engenheiros civis em
relao s atuaes urbanas no inicio do sculo XX, que
visavam muito mais, a partir de um movimento de reforma,
o melhoramento geral do ambiente fsico como finalidade.
Pensava-se a partir de um plano e no apenas resolues
imediatas que seriam vlidas por um curto perodo.
A presena das questes administrativas na
formao do engenheiro civil no s move os interesses
cientficos, tecnolgicos e construtivos, mas tambm
aborda uma filosofia de igualitarismo social.
A compreenso de que as questes sobre o
urbanismo eram muito presentes na formao do
engenheiro civil, assim como na do arquiteto, na Inglaterra,
um fato de extrema importncia para analisar a formao
de Flvio de Carvalho na Universidade de Durham, em
Newcastle.
A formao de Flvio de Carvalho como Engenheiro
Civil durou aproximadamente quatro anos, tendo iniciado
em 1918 e concludo em 24 de junho de 1922. 23 Segundo
consta, 24 a formao como engenheiro civil nesta
universidade apresentava, inicialmente, disciplinas comuns
engenharia mecnica, que era no mesmo departamento
da universidade, no primeiro ano Matemtica Jnior, Fsica
e Fsica Prtica Jnior, Qumica e Qumica Prtica Jnior,
Aplicaes Mecnicas e Desenho Mecnico 25.
O segundo ano de formao como engenheiro civil
envolvia as mesmas disciplinas com um nvel acima, alm
de disciplinas mais especficas da rea: Engenharia Civil
Jnior 26, Engenharia Jnior 27, Laboratrio de Engenharia
Jnior, Geologia Jnior, Agrimensura, Matemtica Snior,
Fsica Snior, Fsica Prtica Snior, Desenho Mecnico.
Concluindo o curso, no terceiro ano, Flvio de
Carvalho estudou as disciplinas: Geologia Prtica,
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Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 43
28 Esta disciplina abordava: Triangulao de reas, Taqueomtrica, Determinao de Meridiano por altitudes iguais, Alinhamento e rotas curvas de estradas de ferro, reas circulares, Uso de instrumentos de Agrimensura. 29 Engenharia Civil Snior era constituda pelo seguinte contedo: Teoria das Estruturas, Anlise dos solos e Fundaes, Alvenaria, Engenharia Hidrulica, Atracadouros (docks) e Portos. 30 Engenharia Snior abordava o seguinte contedo: Resistncia e Rigidez de materiais de construo, Aquecimento a vapor, Vapor, Tipos de motores, Teoria das Estruturas, Elasticidade dos Materiais. 31 Esta disciplina era dividida em duas frentes a Matemtica Pura e a Matemtica Aplicada. A primeira abordava: Geometria Analtica de duas e trs dimenses, Clculo diferencial e integral e Equaes diferenciais. J a Aplicada abordava: Estatstica, Dinmica e Hidrosttica. 32 Os professores do Departamento de Engenharia Civil, Mecnica e Marinha, ao que consta nos anais eram: R. L. Weighton, John Morrow, E. M. den, James Hall e J. T. Dixon. Porm, no constam os nomes de outros professores ou mesmo a rea que cada um era responsvel no ensino, apenas que eram mestres em artes, cincias ou em engenharia.
Agrimensura 28, Agrimensura Prtica, Desenhos Especiais,
Clculos, Engenharia Civil Snior 29, Engenharia Snior 30,
Laboratrio de Engenharia Snior, Matemticas Especiais 31.
No levantamento do contedo programtico e
disciplinar da Universidade, 32 no perodo que Flvio de
Carvalho cursou, no h evidncias de disciplinas
responsveis pela abordagem das questes da cidade, de
reforma urbana ou mesmo de histria urbana, propostas
pelo Town Planning Institute, como as disciplinas Civic
Design e Town Planning. Porm, as disciplinas que, de certa
forma, faziam parte das responsabilidades tcnicas dos
engenheiros civis nas transformaes da cidade estavam
presentes ao abordarem: as construes de atracadouros e
portos, topografia do solo e hidrogrfica, ferrovias,
demolies de fortificaes, pontes, canais, estradas, e
diversos clculos da circulao de meios de comunicao e
acessibilidade.
Os alunos comeavam a trabalhar ainda na
universidade, pois esta possua acordos com empresas na
rea para empregar os alunos e, desta forma, ter um retorno
da prtica para a universidade, que mudaria alguns focos do
contedo disciplinar de acordo com as necessidades destas
empresas, escritrios ou mesmo dos alunos. Desta forma
fica clara a preocupao com a estreita relao entre teoria
e prtica na formao do engenheiro civil.
A nfase de toda a formao tcnica, tanto nos
aspectos da construo civil, como no conhecimento
mecnico da mquina, seus aspectos qumicos, fsicos e
funcionais.
O tempo de formao do aluno, de trs anos,
poderia ser alterado de acordo com os exames. Segundo
consta no material consultado, Flvio de Carvalho estava na
lista de exames no ano de 1920 e 1921, o que ajuda a
confirmar a sua passagem pelo perodo colocado
anteriormente, entre 1918 e 1922.
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Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 44
33 Currculo de Flvio de Carvalho, sem data, presente em seu acervo particular, hoje sob responsabilidade do CEDAE/ Unicamp.
34 O material apresenta dados do Departamento de Artes entre 1918 e 1922, perodo em que Flvio de Carvalho estava cursando Engenharia Civil na mesma universidade.
35 Plano de trfego da cidade de Liverpool, 1910, de J. Brodie. Corte do tipo de largura da Queens Drive. Fonte: CALABI, 1979, p. 287 B.
36 Exemplos de densidade e extenses de alguns tipos de cidade, em corte. De cima para baixo: Tpica cidade inglesa, Cidade-jardim, Berlim, Cidade do futuro. Desenhos de P. Abercrombie. Fonte: CALABI, 1979, p. 287 H.
37 Plano de Re-sistematizao, desenho de T.H. Mawson, do novo boulevard e do museu. Fonte: CALABI, 1979, p. 287 F.
Segundo outros levantamentos e o prprio currculo33
de Flvio de Carvalho, este freqentou aulas do curso
noturno na King Edward the Seventh School of Fine Arts,
nesta mesma universidade, onde iniciou seus estudos no
Departamento de Artes. Os dados sobre as aulas confirmam
a possibilidade de o aluno poder assisti-las no perodo
noturno, independentemente de matrcula em todo o curso,
sem disciplinas pr-requisitadas, podendo participar de
outros cursos independentemente, de acordo com os
interesses do prprio aluno. Porm, no h nenhum registro
confirmando a passagem de Flvio de Carvalho.
Mesmo sem confirmaes neste material
pesquisado sobre a passagem de Flvio de Carvalho por
este Departamento, seus relatos em currculo e
depoimentos em palestras, alm de outros textos
publicados em jornais, tais informaes constam
regularmente. Desta forma, esta pesquisa procurou saber
qual era o campo disciplinar oferecido por este
departamento no perodo noturno, j que o curso de
Engenharia Civil era perodo integral, manh e tarde.
De acordo com os Anais da Universidade 34 foi
levantado o seguinte corpo disciplinar e seus respectivos
docentes: Belas Artes (Prof. Richard George Hatton), Pintura
(Ralph Bullock), Design Industrial, Design (Robert J. S.
Bertram), Escultura (John M. W. Reid), Joalheria e
Encadernao (Miss Louisa M. Dickson), Processos de
Gravao e Estampa (A. Heslop), Trabalho em Metal (John S.
Longstaff), Bordado e Encadernao (Miss Ellen Blagburn),
Joalheria (J.P. Watt), Decorao de casas, Design de
Arquitetura e Arquitetura (Frederick N. Weightman).
A partir desses cursos foi verificada a probabilidade
de Flvio de Carvalho ter realmente freqentado as aulas de
Arquitetura, ou mesmo de Decorao de casas e Design de
Arquitetura. A sua atuao mltipla, ao chegar ao Brasil,
atuando como pintor, escultor e outros meios, permite-nos
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Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 45
38 Cartaz Voc tem uma casa de caa? um manifesto de Haddock em 1912, abprdava as mudanas das funes da casa. Fonte: CALABI, 1982, p. 59.
39 Diagrama de Unwin relativo a: possibilidade de reduzir a presso da populao ao centro de Londres; distribuio da populao com um incremento muito rpido da distancia media do centro da cidade. Fonte: CALABI, 1979, p. 287 L.
ampliar muito este quadro disciplinar freqentado por ele.
Fato que refora a possibilidade de sua freqncia neste
departamento.
Mesmo com a possibilidade de ampliar as possveis
disciplinas cursadas por Flvio de Carvalho no
Departamento de Artes, o foco da pesquisa procura
entender as suas questes em relao apenas arquitetura
e urbanismo. Portanto, a partir deste material e da leitura
dos textos de Flvio de Carvalho, foi possvel confirmar esta
participao nos Departamento de Artes, principalmente ao
analisar a aproximao de Flvio de Carvalho em assuntos
sobre arquitetura e decorao que ele desenvolve tanto em
seus textos como em suas atuaes to diversas ao longo
de sua trajetria, ao retornar para o Brasil.
Segundo os anais desta Universidade, o curso de
Arquitetura tinha o estudo baseado nas exigncias do Royal
Institute of British Architects (RIBA). O curso abordava tanto
o estudo das formas arquitetnicas como a histria e o
desenvolvimento da arquitetura. Os alunos que cursassem
outras disciplinas ministradas pelo professor responsvel,
Mr. Weightman, poderiam desenvolver os exerccios sob
sua superviso e concluir o curso em apenas um ano.
Para absorver melhor o contexto de sua formao e o
ambiente urbano vivenciado por Flvio de Carvalho, alm de,
compreender os modelos de arquitetura ensinados neste
curso da King Edward the Seventh School of Fine Arts, foi
pertinente entender e levantar a arquitetura desenvolvida na
Inglaterra entre 1918 e 1922.
Segundo alguns tericos, a arquitetura inglesa
desenvolvida nas duas primeiras dcadas do sculo XX,
aproximadamente at 1923, tem a prtica fortemente ligada
aos modelos tradicionais, ao mesmo tempo em que h um
interesse pelas novidades tericas da arquitetura europia.
Principalmente a partir de 1925, diversos arquitetos
estrangeiros, em sua maioria alem, tm a oportunidade de
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Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 46
35 Arts & Crafts foi um movimento iniciado na Inglaterra na segunda metade do sculo XIX e prosseguiu at o incio do sculo XX. Foi um movimento em reao a industrializao, valorizando o artesanato tradicional, prezando a qualidade e no quantidade da produo. O principal representante deste movimento foi William Morris, que desenvolveu o conceito de que a arte deveria ser ao mesmo tempo bela e funcional.
36 Cottages ingleses refere-se a manses do campo, isoladas e cercadas por vegetao, tipo chals. Segundo WOLFF, 2001, p.43.
37 Segundo estudo e levantamento de Silvia Ferreira Santos Wolff, em seu livro Jardim Amrica: o primeiro bairro-jardim de So Paulo e sua arquitetura, 2001, p. 37. 38 WOLFF, op. cit., p. 39.
40 Sala de visitas de uma residncia de Letchworth, de C. Harrison Townsend, publicada em The Studio Year Book. 1908. Fonte: CALABI, 1982, p. 37.
41 Barry Parker Quarto de uma residncia em Letchworth. Publicada em The Studio Year Book, 1917. Fonte: CALABI, 1982, p. 38.
trabalhar na Inglaterra, devido s hostilidades vividas por
muitos, na Alemanha ps-guerra. Antes deste perodo,
marcado pela atuao de estrangeiros, na arquitetura, a
Inglaterra vivia um momento de arquitetura tradicional,
mesmo com diversas discusses sobre a cidade e as
transformaes urbanas necessrias para os novos modos
de vida, a partir das marcantes mudanas e das novas
tecnologias e avanos cientficos.
Os principais arquitetos do perodo anterior a
Primeira Guerra Mundial, apresentavam um vnculo muito
estreito com o Arts & Crafts 35, como o prprio Howard ao
desenvolver seu modelo urbano de Cidade-Jardim.
Os arquitetos co-responsveis pela construo das
primeiras cidades-jardins, de Letchworth e Hampstead,
Raymond Unwin e Barry Parker, apresentavam nestes
primeiros anos do sculo XX diversos projetos de cottages 36
e apartamentos para o subrbio, para vilas industriais e
subrbios. Estes projetos para moradia apresentavam, em
sua maioria, uma tipologia derivada dos movimentos
romnticos de valorizao da arquitetura vernacular e rural
inglesa e daquela produzida pelo movimento Arts & Crafts. 37
Os problemas estruturais discutidos nos planos
urbanos influenciam diretamente a arquitetura desenvolvida
neste perodo, que, para suprir todas as implantaes de
subrbios acaba dedicando-se com maior nfase no
desenvolvimento de projetos habitacionais, como os
primeiros exemplos citados de Letchworth e Hampstead.
A arquitetura desenvolvida para estes bairros
aparecia como experincias arquitetnicas que procuravam
articular uma arquitetura tradicional com processos
construtivos simplificados e econmicos. 38
Para a simplificao das construes e a economia
de materiais, alm do tipo de cottages isoladas, as casas
tambm passam a ser freqentemente agrupadas,
conformando ruas de casas geminadas, duas a duas, ou at
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Flvio de Carvalho: questes de arquitetura e urbanismo 47
39 WOLFF, op. cit., p. 43.
40 As anlises citadas so referentes a WOLFF (2001) e ZUCCONI, Guido. Dalla fase eroica alla standardizzazione: primi esiti dellarchitettura domestica. In. CALABI, 1982, pp. 39-47.
41 Esta regulamentao restringia e tambm ajudava a definir a arquitetura desenvolvida nas habitaes inglesas deste perodo, alm de fazer parte da histria da habitao.
42 Vista do interior de uma quadra com uso interno, 1909. Fonte: CALABI, 1982, p. 65.
43 Projeto de A. Mitchell para uma Cottage em Great Baddow, 1913. Fonte: CALABI, 1982, p. 58.
mesmo a cada quatro, em edifcios de dois pavimentos ou
trreos, mas buscava-se a aparncia de uma casa isolada. 39
Este processo de economia de matrias tambm
acaba repercutindo na arquitetura na forma de
sistematizao racional dos espaos internos das casas,
como possvel ver em diversas anlises da arquitetura
desenvolvida por Raymond Unwin. 40
Ao longo da Primeira Guerra Mundial Unwin
participou de uma comisso de estudos para a regularizao
das construes de habitaes, intitulada Tudor Walters
Report, 41 de 1917-1918. Segundo WOLFF (2001, p. 41) este
foi o ato normativo britnico que passou a regular, desde a
escolha de locais para construes at recomendaes de
materiais, passando por agenciamento, largura e orientao
de ruas, ajardinamentos, tipos habitacionais, dimenso e
orientao dos cmodos, regras de economia e mais todas
as etapas concernentes edificao d