falta plano de ação às metas de energia

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TWITTER RIO+20 SITE RÁDIO @estadao topicos.estadao.com.br/rio-20 estadão.com.br radio.estadao.com.br PLANETA “O problema é que os humanos se tornaram uma força geológica” José Goldemberg, sobre o aquecimento global TV Estadão. Acompanhe o debate sobre energia http://tv.estadao.com.br/videos estadão.com.br GIOVANA GIRARDI/AE Falta plano de ação às metas de energia Debate sobre o tema na Rio+20 alerta que texto do documento precisa ser mais incisivo nessa questão “É como abrir churrascaria onde todo mundo está virando vegetariano” Sérgio Leitão, sobre o investimento no pré-sal No rascunho zero, texto que lan- çou as bases do que deve ser o documento final da Conferência das Nações Unidas para o Desen- volvimento Sustentável, a Rio+20, entre muitos temas con- siderados mais genéricos, houve uma menção mais específica aos desafios energéticos. O texto propõe que, até 2030, todos de- vem ter acesso a serviços moder- nos de energia, que se duplique a taxa de eficiência energética e a fatia de energia renovável da ma- triz energética global. Sobre este tema, a rádio Esta- dão ESPN organizou anteontem um debate com o professor da USP José Goldemberg, que era o então secretário de Ambiente du- rante a Rio-92, e Sergio Leitão, diretor de campanhas do Green- peace, sob mediação de Aron Be- linky, coordenador de Processos Internacionais do Instituto Vi- tae Civilis. A seguir, destacamos alguns dos principais assuntos abordados no evento. Energia Goldemberg – (É importante dis- cutir o tema na conferência por- que) serve como um indicador de utilização dos recursos natu- rais. As conferências, tanto a de 92 quanto essa que marca seu 20.º aniversário, são dedicadas a discutir a maneira pela qual esta- mos utilizando os recursos natu- rais. O que se aprendeu em 92 é que se os recursos não forem usa- dos adequadamente, vamos ter uma série muito grande de pro- blemas. Dizer que a Rio+20 não é uma conferência sobre mudan- ças climáticas, porque o tema já está sendo tratado pelo caminho de Durban (onde foi realizada a conferência do clima, no ano pas- sado), é simplesmente jogar o problema para fora. Não é que a gente queira discutir agora se as geleiras estão derretendo mais ou menos, mas há um processo em marcha que é a utilização exa- gerada de recursos naturais e que está causando uma porção de problemas, até mesmo de mu- danças climáticas. Com isso, acho que estamos caminhando para uma Rio+20 que não tem fo- co. No item energia, por exem- plo, fala de metas para 2030, mas falta trazer instruções que indi- quem como isso deve ser feito. Leitão – É hora de pensar os in- vestimentos e as escolhas do Bra- sil nessa área. Nosso Plano Na- cional de Energia prevê o investi- mento de R$ 1 trilhão até 2020. Desses, R$ 660 bilhões é para tor- nar viável a exploração do pré- sal, de um combustível que mui- tos dizem que é preciso abando- nar e num momento em que exis- te uma corrida tecnológica para que se busque substitutos ener- géticos. A pergunta é: do ponto de vista do investimento estraté- gico do País, faz sentido colocar 70% do valor num combustível que pode ser o do passado? É abrir uma churrascaria numa rua onde todo mundo está viran- do vegetariano. E o Brasil insiste num modelo antigo de nos chan- tagear com a visão de que para cada unidade de PIB é preciso ge- rar uma unidade de energia. Quando a discussão que existe no mundo hoje é como fazer pa- ra que cada unidade de PIB seja produzida com a menor quanti- dade possível de energia. Fica- mos presos a um planejamento que é feito nas bases dos anos 70, quando se tinha de construir so- mente grandes hidrelétricas, e se perde a possibilidade de apro- veitar o pré-sol e o pré-vento. Clima Sobre a evolução no rascunho do documento da conferência, que, na versão 1, que está sendo discutida nesta semana em Nova York, traz uma menção às mudanças climáti- cas e de apoio ao que foi decidido no ano passado na conferência do cli- ma em Durban, a COP-17. Goldemberg – O fato de a versão 1 do documento da Rio+20 trazer agora uma menção às mudanças climáticasé positiva. Issonãoapa- recia no draft zero. Apesar de es- tarnalinha dasexortações “apela- mos, concordamos, reafirma- mos”, linguagem desse tipo. De todo modo, reforçar os entendi- mentos que resultaram de Dur- ban para que até 2015 se chegue a um acordo que seja melhor que a Convenção do Clima e o Protoco- lo de Kyoto é uma coisa positiva porque efetivamenteera necessá- rio mostrar aos negociadores que o problema climático não tinha desaparecido só porque tem uma conferência própria. E a decisão de Durban é importante por en- volver China e EUA nos esforços globais detentar evitar as mudan- ças climáticas. Momento atual Leitão – Pela primeira vez ouvi- mos falar que não falta emprego no Brasil, falta mão de obra. E esse momento oportuno, rico, grandioso, coloca o País diante de um encontro com a verdade, em que a gente vai definir a verda- deira estatura, profundidade e al- cance da legislação ambiental. É fácil fazer legislação ambiental quando não se tem os recursos necessários para implementar seus desejos. Ora, se eu não pos- so destruir, construir, edificar, por que eu hei de ser contra uma legislação ambiental? Ela não me afeta. Mas na hora em que o País recupera essa capacidade de investimento e precisa de in- fraestrutura, temos de pergun- tar como fazer para que isso que é necessário não se torne inimi- go daquilo que também é impor- tante e necessário, que é ter uma ótima relação com o meio am- biente. Como juntar essas duas oportunidades e não tornar o óti- mo inimigo do bom. O Brasil tem excelente oportunidade de lançar as bases para que façamos uma conversa que finalmente es- tabeleça a ponte entre o ambien- tal e o social. E não aquilo que a gente está vendo na discussão do Código Florestal: um Brasil que não consegue partir das suas conquistas para estabelecer pon- tes para o futuro. O foco, apesar de diferente da Rio-92, pode ter ganhado outras dimensões. Três pilares Sobre as críticas de que a conferên- cia, ao pregar a igualdade entre as três dimensões do desenvolvimento sustentável – social, econômico e ambiental – está na deixando as questões ambientais de escanteio. Goldemberg – O problema é que pela primeira vez na história os seres humanos acabaram se tornando uma força geológica. Isso significa o seguinte: erup- ções vulcânicas, maremotos, ter- remotos, as forças geológicas movimentam cerca de 50 bi- lhões de toneladas de materiais de um lugar para o outro por ano. Como temos 7 bilhões de habitantes no mundo, isso signi- fica aproximadamente 7 tonela- das por pessoa. Mas cada um de nós também movimenta hoje cerca de 7 toneladas de material de um lugar para o outro. Só em gasolina ou álcool nós gastamos 1 tonelada por ano, 20 litros por semana dá mil litros de combus- tível por ano. Assim, a ação con- junta dos seres humanos acabou se tornando uma força de pro- porções geológicas e está mudan- do a natureza, cria problemas se- riíssimos. A utilização de com- bustíveis fósseis foi maravilhosa enquanto durou. Por isso, voltan- do aos três pilares. Quem vê as- sim é empresa. Um país não é uma empresa. Tem de olhar a mé- dio e a longo prazo. Se destruir- mos as condições que nós tive- mos para criar o progresso que temos hoje, não vai ter nem so- cial nem ambiental. É isso que a Rio-92 tentou fazer. Ela teve um sucesso moderado, mas se espe- rava da Rio+20 um aprofunda- mento da Rio-92 e não um des- vio do foco. Dilma Sobre as declarações da presidente Dilma Rousseff em reunião do Fó- rum de Mudanças Climáticas de que a Rio+20 não é espaço para fan- tasia e que com energia eólica não é possível iluminar o planeta. Leitão – Foi uma fala desastro- sa. É como o dono da festa que diz que a festa não vai ser muito legal. Ela fez o anticonvite. E fez o contrário do que aconteceu em 92, quando havia muito menos para mostrar (e o então presidente Fernando Collor lançou seus em- baixadores em forte campanha pe- lo mundo para conseguir trazer os chefes de Estado para a conferên- cia). Mas de lá para cá fizemos coisas boas, apesar de temos pro- blemas. Podemos cobrar da nos- sa presidenta, com todo respeito e carinho que devemos ter por um chefe de Estado, que ela te- nha uma atitude mais responsá- vel, que suas visões possam ficar diminuídas por conta dos inte- resses do País. Vista aérea. Árvores flutuam em canal próximo a Altamira (PA), onde está sendo construída a usina hidrelétrica de Belo Monte; Greenpeace sobrevoou área para avaliar o impacto ambiental DANIEL BELTRA/GREENPEACE/REUTERS – 12/2/2012 Foco na Rio+20. O mediador Aron Belinky (à esq.) com os debatedores José Goldemberg (centro) e Sergio Leitão PLANETA NA WEB EFICIÊNCIA VERDE H2 Especial QUARTA-FEIRA, 25 DE ABRIL DE 2012 O ESTADO DE S. PAULO

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PLANETA

“O problemaé que oshumanosse tornaramuma forçageológica”José Goldemberg, sobreo aquecimento global

TV Estadão. Acompanhe odebate sobre energia

http://tv.estadao.com.br/videos

estadão.com.br

GIOVANA GIRARDI/AE

Falta planode ação àsmetas deenergiaDebate sobre o tema na Rio+20 alerta que texto dodocumento precisa ser mais incisivo nessa questão

“É como abrirchurrascariaonde todomundo estávirandovegetariano”Sérgio Leitão, sobre oinvestimento no pré-sal

No rascunho zero, texto que lan-çou as bases do que deve ser odocumento final da Conferênciadas Nações Unidas para o Desen-volvimento Sustentável, aRio+20, entre muitos temas con-siderados mais genéricos, houveuma menção mais específica aosdesafios energéticos. O textopropõe que, até 2030, todos de-vem ter acesso a serviços moder-nos de energia, que se duplique ataxa de eficiência energética e afatia de energia renovável da ma-triz energética global.

Sobre este tema, a rádio Esta-dão ESPN organizou anteontemum debate com o professor daUSP José Goldemberg, que era oentão secretário de Ambiente du-rante a Rio-92, e Sergio Leitão,diretor de campanhas do Green-peace, sob mediação de Aron Be-linky, coordenador de ProcessosInternacionais do Instituto Vi-tae Civilis. A seguir, destacamosalguns dos principais assuntosabordados no evento.

EnergiaGoldemberg – (É importante dis-cutir o tema na conferência por-que) serve como um indicadorde utilização dos recursos natu-rais. As conferências, tanto a de92 quanto essa que marca seu20.º aniversário, são dedicadas adiscutir a maneira pela qual esta-mos utilizando os recursos natu-rais. O que se aprendeu em 92 é

que se os recursos não forem usa-dos adequadamente, vamos teruma série muito grande de pro-blemas. Dizer que a Rio+20 não éuma conferência sobre mudan-ças climáticas, porque o tema jáestá sendo tratado pelo caminhode Durban (onde foi realizada aconferência do clima, no ano pas-sado), é simplesmente jogar oproblema para fora. Não é que agente queira discutir agora se asgeleiras estão derretendo maisou menos, mas há um processoem marcha que é a utilização exa-gerada de recursos naturais eque está causando uma porçãode problemas, até mesmo de mu-danças climáticas. Com isso,acho que estamos caminhandopara uma Rio+20 que não tem fo-co. No item energia, por exem-plo, fala de metas para 2030, masfalta trazer instruções que indi-quem como isso deve ser feito.

Leitão – É hora de pensar os in-vestimentos e as escolhas do Bra-sil nessa área. Nosso Plano Na-cional de Energia prevê o investi-mento de R$ 1 trilhão até 2020.Desses, R$ 660 bilhões é para tor-nar viável a exploração do pré-sal, de um combustível que mui-tos dizem que é preciso abando-nar e num momento em que exis-te uma corrida tecnológica paraque se busque substitutos ener-géticos. A pergunta é: do pontode vista do investimento estraté-gico do País, faz sentido colocar70% do valor num combustívelque pode ser o do passado? Éabrir uma churrascaria numarua onde todo mundo está viran-do vegetariano. E o Brasil insistenum modelo antigo de nos chan-tagear com a visão de que paracada unidade de PIB é preciso ge-rar uma unidade de energia.Quando a discussão que existeno mundo hoje é como fazer pa-

ra que cada unidade de PIB sejaproduzida com a menor quanti-dade possível de energia. Fica-mos presos a um planejamentoque é feito nas bases dos anos 70,quando se tinha de construir so-mente grandes hidrelétricas, ese perde a possibilidade de apro-veitar o pré-sol e o pré-vento.

ClimaSobre a evolução no rascunho dodocumento da conferência, que, naversão 1, que está sendo discutidanesta semana em Nova York, trazuma menção às mudanças climáti-cas e de apoio ao que foi decidido noano passado na conferência do cli-ma em Durban, a COP-17.Goldemberg – O fato de a versão1 do documento da Rio+20 trazeragora uma menção às mudançasclimáticasépositiva.Issonãoapa-recia no draft zero. Apesar de es-tarnalinha dasexortações “apela-mos, concordamos, reafirma-mos”, linguagem desse tipo. Detodo modo, reforçar os entendi-mentos que resultaram de Dur-ban para que até 2015 se chegue aum acordo que seja melhor que aConvenção doClima eo Protoco-lo de Kyoto é uma coisa positivaporqueefetivamenteeranecessá-rio mostrar aos negociadores queo problema climático não tinhadesaparecido só porque tem umaconferência própria. E a decisãode Durban é importante por en-volver China e EUA nos esforçosglobais detentar evitar as mudan-ças climáticas.

Momento atualLeitão – Pela primeira vez ouvi-mos falar que não falta empregono Brasil, falta mão de obra. Eesse momento oportuno, rico,grandioso, coloca o País diantede um encontro com a verdade,em que a gente vai definir a verda-deira estatura, profundidade e al-

cance da legislação ambiental. Éfácil fazer legislação ambientalquando não se tem os recursosnecessários para implementarseus desejos. Ora, se eu não pos-so destruir, construir, edificar,por que eu hei de ser contra umalegislação ambiental? Ela nãome afeta. Mas na hora em que oPaís recupera essa capacidadede investimento e precisa de in-fraestrutura, temos de pergun-tar como fazer para que isso queé necessário não se torne inimi-go daquilo que também é impor-tante e necessário, que é ter umaótima relação com o meio am-biente. Como juntar essas duasoportunidades e não tornar o óti-mo inimigo do bom. O Brasiltem excelente oportunidade delançar as bases para que façamosuma conversa que finalmente es-tabeleça a ponte entre o ambien-tal e o social. E não aquilo que agente está vendo na discussãodo Código Florestal: um Brasilque não consegue partir das suasconquistas para estabelecer pon-tes para o futuro. O foco, apesarde diferente da Rio-92, pode terganhado outras dimensões.

Três pilaresSobre as críticas de que a conferên-cia, ao pregar a igualdade entre astrês dimensões do desenvolvimentosustentável – social, econômico eambiental – está na deixando asquestões ambientais de escanteio.Goldemberg – O problema éque pela primeira vez na históriaos seres humanos acabaram setornando uma força geológica.Isso significa o seguinte: erup-ções vulcânicas, maremotos, ter-remotos, as forças geológicasmovimentam cerca de 50 bi-lhões de toneladas de materiaisde um lugar para o outro porano. Como temos 7 bilhões dehabitantes no mundo, isso signi-

fica aproximadamente 7 tonela-das por pessoa. Mas cada um denós também movimenta hojecerca de 7 toneladas de materialde um lugar para o outro. Só emgasolina ou álcool nós gastamos1 tonelada por ano, 20 litros porsemana dá mil litros de combus-tível por ano. Assim, a ação con-junta dos seres humanos acabouse tornando uma força de pro-porções geológicas e está mudan-do a natureza, cria problemas se-riíssimos. A utilização de com-bustíveis fósseis foi maravilhosaenquanto durou. Por isso, voltan-do aos três pilares. Quem vê as-sim é empresa. Um país não éumaempresa. Tem de olhar a mé-dio e a longo prazo. Se destruir-mos as condições que nós tive-mos para criar o progresso quetemos hoje, não vai ter nem so-cial nem ambiental. É isso que aRio-92 tentou fazer. Ela teve umsucesso moderado, mas se espe-rava da Rio+20 um aprofunda-mento da Rio-92 e não um des-vio do foco.

DilmaSobre as declarações da presidenteDilma Rousseff em reunião do Fó-

rum de Mudanças Climáticas deque a Rio+20 não é espaço para fan-tasia e que com energia eólica não épossível iluminar o planeta.Leitão – Foi uma fala desastro-sa. É como o dono da festa quediz que a festa não vai ser muitolegal. Ela fez o anticonvite. E fezo contrário do que aconteceu em92, quando havia muito menospara mostrar (e o então presidenteFernando Collor lançou seus em-baixadores em forte campanha pe-lo mundo para conseguir trazer oschefes de Estado para a conferên-cia). Mas de lá para cá fizemoscoisas boas, apesar de temos pro-blemas. Podemos cobrar da nos-sa presidenta, com todo respeitoe carinho que devemos ter porum chefe de Estado, que ela te-nha uma atitude mais responsá-vel, que suas visões possam ficardiminuídas por conta dos inte-resses do País.

Vista aérea. Árvores flutuam em canal próximo a Altamira (PA), onde está sendo construída a usina hidrelétrica de Belo Monte; Greenpeace sobrevoou área para avaliar o impacto ambiental

DANIEL BELTRA/GREENPEACE/REUTERS – 12/2/2012

Foco na Rio+20. O mediador Aron Belinky (à esq.) com os debatedores José Goldemberg (centro) e Sergio Leitão

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