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1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO FORO CENTRAL DA COMARCA DE SÃO PAULO/SP “O futuro da proteção internacional dos direitos humanos depende em grande parte da adoção e do aperfeiçoamento das medidas nacionais de implementação.” (Cançado Trindade) PROCESSO Nº 1016019-71.2014.8.26.0053 AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONECTAS DIREITOS HUMANOS, associação civil sem fins lucrativos, qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, inscrita no CNPJ sob o n. 04.706.954/0001-75, com sede na Av. Paulista, 575, 19º andar, CEP 01311-000, São Paulo-SP (doc. 1), neste ato representada por sua Diretora Executiva Lucia Nader (doc. 2) através de seus procuradores (doc. 3), vem respeitosamente à presença de V. Exa. manifestar-se na qualidade de AMICUS CURIAE na ação em epígrafe proposta pela DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, em face do ESTADO DE SÃO PAULO, pelas razões a seguir articuladas.

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Page 1: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

1

EXCELENTIacuteSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ordf VARA DA

FAZENDA PUacuteBLICA DO FORO CENTRAL DA COMARCA DE SAtildeO

PAULOSP

ldquoO futuro da proteccedilatildeo internacional

dos direitos humanos depende em

grande parte da adoccedilatildeo e do

aperfeiccediloamento das medidas

nacionais de implementaccedilatildeordquo

(Canccedilado Trindade)

PROCESSO Nordm 1016019-7120148260053

ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA

CONECTAS DIREITOS HUMANOS associaccedilatildeo civil sem fins lucrativos qualificada

como Organizaccedilatildeo da Sociedade Civil de Interesse Puacuteblico ndash OSCIP inscrita no CNPJ sob

o n 047069540001-75 com sede na Av Paulista 575 19ordm andar CEP 01311-000 Satildeo

Paulo-SP (doc 1) neste ato representada por sua Diretora Executiva Lucia Nader (doc 2)

atraveacutes de seus procuradores (doc 3) vem respeitosamente agrave presenccedila de V Exa

manifestar-se na qualidade de

AMICUS CURIAE

na accedilatildeo em epiacutegrafe proposta pela DEFENSORIA PUacuteBLICA DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

em face do ESTADO DE SAtildeO PAULO pelas razotildees a seguir articuladas

2

1) DA POSSIBILIDADE DE MANIFESTACcedilAtildeO COMO AMICUS CURIAE EM ACcedilAtildeO CIVIL

PUacuteBLICA

A presente accedilatildeo civil puacuteblica tem por objeto o cumprimento de garantias e

direitos fundamentais expressos na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica por parte do Estado de Satildeo

Paulo no controle da atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em manifestaccedilotildees

puacuteblicas

A relevacircncia social desta demanda envolve discussatildeo que diz respeito ao direito de

reuniatildeo ao direito ao lazer ao direito agrave cidade agrave liberdade de expressatildeo e ao livre exerciacutecio

profissional de jornalistas Observa-se que o seu niacutetido caraacuteter paradigmaacutetico tem

repercussatildeo direta na garantia de direitos difusos coletivos e individuais homogecircneos

O debate aqui travado envolve para aleacutem dos interesses meramente individuais

aqueles referentes agrave preservaccedilatildeo da harmonia e agrave realizaccedilatildeo dos objetivos constitucionais da

sociedade e da comunidade Assim reconhece-se de pronto que trata-se de um litiacutegio

de interesse puacuteblico

Nesse sentido a accedilatildeo civil puacuteblica como medida judicial apta para buscar

provimento jurisdicional capaz de resolver uma situaccedilatildeo juriacutedica coletiva natildeo pode deixar

de ser cenaacuterio da pluralizaccedilatildeo do debate fundamental para que o magistrado

disponha de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para a

resoluccedilatildeo da controveacutersia coletiva

Portanto a participaccedilatildeo de entidades e instituiccedilotildees que efetivamente representem

os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes da

sociedade abrem a possibilidade de intervenccedilatildeo do amicus curiae como justificativa de

aprimoramento da tutela jurisdicional coletiva

3

Fredie Didier Jr e Hermes Zaneti Jr1 corroborando com o entendimento da

doutrina de Caacutessio Scarpinella Bueno defendem a intervenccedilatildeo de amicus curiae em

qualquer accedilatildeo coletiva desde que se respeitem algumas condiccedilotildees

ldquoHaacute uma tendecircncia doutrinaacuteria e jurisprudencial poreacutem de admitir-se

a intervenccedilatildeo de amicus curiae em qualquer accedilatildeo coletiva desde que

a causa tenha relevacircncia (que em se tratando de accedilatildeo coletiva estaacute

quase sempre in re ipsa) e o possiacutevel amicus curiae tenha condiccedilotildees

de auxiliar o trabalho do magistrado contribuindo com informaccedilotildees e

anaacutelises para o melhor julgamento da demanda Seria uma intervenccedilatildeo atiacutepica

de amicus curiae ideia que nos parece louvaacutevel tendo em vista a finalidade da

participaccedilatildeo deste especial auxiliar do juiacutezo legitimar ainda mais a

decisatildeo do oacutergatildeo jurisdicional em um processo de evidente interesse

puacuteblicordquo

Ora eacute inegaacutevel que a presente demanda trata de interesse puacuteblico Tanto eacute que

em outra causa de relevacircncia o eg Tribunal de Justiccedila do Estado de Satildeo Paulo

reconheceu a intervenccedilatildeo de amicus curiae em accedilatildeo civil puacuteblica que discutia a

proibiccedilatildeo do recolhimento e da custoacutedia de presos definitivamente condenados nas Cadeias

Puacuteblicas dos Distritos Policiais e das Delegacias Especializadas da Capital

Com efeito ao julgar os embargos infringentes nordm 9092747-4520028260000 a

Terceira Cacircmara de Direito Puacuteblico deixou claro que mesmo que natildeo haja previsatildeo

expressa de intervenccedilatildeo de amicus curiae na accedilatildeo civil puacuteblica ela deve ser aceita como

medida a auxiliar no julgamento quando a demanda tiver relevacircncia social inquestionaacutevel

Veja-se trecho do v acoacuterdatildeo

ldquoDe outro lado era perfeitamente possiacutevel a intervenccedilatildeo da ldquoConectas

Direitos Humanosrdquo na qualidade de ldquoamicus curiaerdquo

Ensina Caacutessio Scarpinella Bueno que ao contraacuterio do largamente

ministrado a figura do ldquoamicus curiaerdquo ou o ldquoamigo da Cuacuteriardquo surgiu no

seacuteculo XVI na Inglaterra e de laacute seguiu para os Estados Unidos da Ameacuterica

mas de forma diversa adaptando-se agraves regras utilizadas pela ldquoCommon

1 Curso de Direito Processual Civil Vol 4 Processo Coletivo 9ordm ediccedilatildeo 2014 Ed Jus Podium p231

4

Lawrdquo (ldquoO Amicus Curiaerdquo nos Tribunais Brasileiros ndash palestra proferida na

Escola Paulista de Magistratura em 13092011)

Esta figura tinha por missatildeo o auxiacutelio dos sacerdotes na soluccedilatildeo de lides que

a eles eram trazidas em um eacutepoca histoacuterica em que as decisotildees judicias eram

primeiramente proferidas pelo clero e apoacutes referendadas pela nobreza

governante

Embora natildeo haja lei que defina expressamente o ldquoamicus curiaerdquo haacute uma

seacuterie de diplomas legislativos que trazem indiretamente essa figura Entre

elas podemos citar

- Art 31 da Lei nordm 638676 ndash Mercado de Capitais

- Art 89 da Lei nordm 888494 ndash lei antitruste

- Art 49 da Lei nordm 890694 ndash Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil

- Art 5ordm da Lei nordm 946997 ndash que estabelece prerrogativas da faz Puacuteblica

- Art 97 da Constituiccedilatildeo Federal Incidente de Inconstitucionalidade

Haacute tambeacutem leis mais recentes que chama o ldquoamicus curiaerdquo de ldquoterceirosrdquo

- Lei nordm 986899 ndash Lei da ADIn e ADc Neste caso haacute previsatildeo expressa da

intervenccedilatildeo de terceiros

- Lei nordm 988299 ndash Lei da ADPF ndash tambeacutem da mesma forma

- Lei nordm 1141806 ndash Lei de Repercussatildeo Geral

Assim diante da legislaccedilatildeo paacutetria a funccedilatildeo atual do ldquoamicus curiaerdquo eacute de

ajudar o juiz a proferir uma decisatildeo quando por dois motivos a decisatildeo

afetara outras pessoas e aquela pessoa que na sua imparcialidade traz provas

ao juiz para auxiliar o juiz

Portanto mesmo sem lei eacute possiacutevel e necessaacuterio generalizar o

ldquoamicus curiaerdquo quando houver um processo paradigmaacutetico ou em

natildeo sendo deva ter um conteuacutedo valorativo muito forte

Dessa forma era possiacutevel considerar a utilidade das argumentaccedilotildees trazidas

pela Conectas que serviriam para corroborar a decisatildeo ora proferidardquo

Assim fica demonstrada a possibilidade juriacutedica da manifestaccedilatildeo da requerente

como amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

5

2) DA LEGITIMIDADE DA REQUERENTE PARA SE MANIFESTAR COMO AMICUS CURIAE

Demonstrada a possibilidade da intervenccedilatildeo de amicus curiae e da relevacircncia social

que a demanda envolve faz-se necessaacuterio analisar a representatividade da requerente a fim

de reconhecer a sua legitimidade para se manifestar como amicus curiae

No caso eacute importante destacar que a organizaccedilatildeo tem como uma de suas missotildees

a efetivaccedilatildeo dos fundamentos da Repuacuteblica Federativa do Brasil especialmente no que

tange agrave cidadania e agrave dignidade da pessoa humana Veja-se

ldquoConectas Direitos Humanos foi fundada em 2001 com a missatildeo de

fortalecer e promover o respeito aos direitos humanos no Brasil e no

hemisfeacuterio Sul dedicando-se para tanto agrave educaccedilatildeo em direitos humanos agrave

advocacia estrateacutegica e agrave promoccedilatildeo do diaacutelogo entre sociedade civil

universidades e agecircncias internacionais envolvidas na defesa destes direitos

Conectas promove advocacia estrateacutegica em direitos humanos em

acircmbito nacional e internacional com o objetivo de alterar as praacuteticas

institucionais e sociais que desencadeiam sistemaacuteticas violaccedilotildees de

direitos humanos Desde 2006 tem status consultivo junto ao Conselho

de Direitos Humanos das Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) e desde

2009 dispotildee de status de observador na Comissatildeo Africana de Direitos

Humanos e dos Povos2

A requerente eacute hoje a organizaccedilatildeo natildeo governamental com maior nuacutemero de amici

curiae perante o Supremo Tribunal Federal jaacute tendo ingressado com 42 (quarenta e dois)

desde a sua fundaccedilatildeo

Atuar em accedilotildees e processos destinados agrave efetivaccedilatildeo dos direitos humanos inclui a

busca continua pela efetivaccedilatildeo dos fundamentos da Repuacuteblica Federativa do Brasil

especialmente no que tange agrave cidadania e agrave dignidade da pessoa humana que satildeo

fundamentais para todo e qualquer serviccedilo prestado pelo Estado

2 wwwconectasorg

6

Com relaccedilatildeo aos fins institucionais da associaccedilatildeo autora vale transcrever o

inciso VI do artigo 3ordm e o paraacutegrafo 1ordm item ldquodrdquo do mesmo artigo de seu Estatuto (doc

01) in verbis

Artigo 3ordm - A ASSOCIACcedilAtildeO seraacute regida nos termos da Lei 979099 e

teraacute por finalidade promover apoiar monitorar e avaliar projetos em

direitos humanos em niacutevel nacional e internacional em especial

[]

VI ndash promoccedilatildeo e defesa dos direitos humanos em acircmbito judicial

Paraacutegrafo 1ordm - A ASSOCIACcedilAtildeO pode para consecuccedilatildeo de seus

objetivos institucionais utilizar todos os meios permitidos na lei

especialmente para

[]

g) Promover accedilotildees judiciais visando agrave efetivaccedilatildeo dos direitos

humanos

Restam desde modo devidamente demonstrados os requisitos necessaacuterios para a

admissatildeo da presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae quais sejam relevacircncia da

mateacuteria discutida a representatividade do postulante e sua legitimidade

3) OBJETO DA PRESENTE DEMANDA

A presente accedilatildeo civil puacuteblica fundamenta-se em 8 fatos que demonstram a

violaccedilatildeo sistemaacutetica que o Estado de Satildeo Paulo promove em face dos direitos das pessoas

reunirem-se independentemente de autorizaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo de atos manifestaccedilotildees e

protestos em locais puacuteblicos na Cidade de Satildeo Paulo

A demanda tem como objeto aleacutem da tutela reparatoacuteria a determinaccedilatildeo de

obrigaccedilatildeo de fazer e de natildeo fazer ao Estado de Satildeo Paulo no que tange agrave atuaccedilatildeo de sua

Policia Militar em manifestaccedilotildees puacuteblicas a fim de cumprir com garantias e direitos

fundamentais expressos na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica como o direito de reuniatildeo o direito

7

ao lazer o direito agrave cidade a liberdade de expressatildeo e o livre exerciacutecio profissional de

jornalistas

Argumenta-se que o procedimento adotado pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo

Paulo em cada uma das 8 situaccedilotildees narradas trouxe danos irreversiacuteveis para as pessoas que

tiveram direitos suprimidos pela atividade repressiva e danos sociais para a coletividade

diante da grave violaccedilatildeo de preceitos fundamentais do Estado Democraacutetico de Direito

A autora requer a condenaccedilatildeo do reacuteu para que expeccedila ato normativo definindo

paracircmetros de atuaccedilatildeo da PMESP em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se

abstenha de impor condiccedilotildees ou limites de tempo e lugar agraves reuniotildees e manifestaccedilotildees

puacuteblicas de portar arma de fogo de utilizar gaacutes lacrimogecircneo e bombas de efeito moral

para dissolver aglomeraccedilotildees antes de comunicar os manifestantes em tempo haacutebil para sua

compreensatildeo e acatamento de postar a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de

Satildeo Paulo em manifestaccedilotildees paciacuteficas e de impedir qualquer cidadatildeo de captar imagem e

som de seus agentes em atuaccedilatildeo para identificar adequadamente todos os policiais atuando

em acompanhamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para indicar negociador civil e para ser

responsabilizado pelos danos sofridos pela coletividade ou individualmente

Tendo em vista que o tema eacute de extrema relevacircncia a organizaccedilatildeo CONECTAS

DIREITOS HUMANOS que ora se manifesta na qualidade de amicus curiae oferece nesta

oportunidade argumentos em favor da concessatildeo antecipada dos efeitos da tutela

pretendida e do julgamento pela TOTAL PROCEDEcircNCIA da presente Accedilatildeo Civil

Puacuteblica pelas razotildees a seguir expostas

4) PROMOCcedilAtildeO E PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO DE PROTESTOS

SOCIAIS

A ndash INTRODUCcedilAtildeO

Ao longo da histoacuteria protestos e outros meios de participaccedilatildeo social formaram

um elemento essencial de vibrantes sociedades democraacuteticas Embora a palavra ldquoprotestordquo

natildeo apareccedila no texto de tratados internacionais o sistema internacional de proteccedilatildeo dos

8

direitos humanos inegavelmente protege o direito de protestar em reconhecimento aos

direitos de reuniatildeo liberdade de expressatildeo de opiniatildeo e de associaccedilatildeo

Entretanto nos uacuteltimos anos o crescente nuacutemero de manifestaccedilotildees populares

pelo mundo vem se deparando com reaccedilotildees violentas das autoridades do Estado - em

regra os proacuteprios contestados nas manifestaccedilotildees Nesse sentido governos optam por

impor restriccedilotildees ao direito de reuniatildeo natildeo soacute ilegais mas contraacuterias ao proacuteprio conceito de

Estado Democraacutetico

Eacute nesse contexto que a presente demanda se insere e que a CONECTAS DIREITOS

HUMANOS viu-se compelida a se manifestar como amicus curiae para oferecer um breve

panorama dos principais paracircmetros internacionais que regulam o comportamento

da poliacutecia e particularmente o uso da forccedila no contexto de manifestaccedilotildees

populares

B ndash PRINCIPAIS NORMAS INTERNACIONAIS QUE REGULAM O USO DA FORCcedilA PELA

POLIacuteCIA

A niacutevel global existem 2 conjuntos de documentos que tratam especificamente da

regulaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia o Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19793 (doc 4) com as diretrizes para sua efetiva

implementaccedilatildeo4 e os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19905 (doc 5)

Amplamente tidas como declaraccedilotildees oficiais de direito internacional6 esses

instrumentos satildeo frequentemente mencionados pelos mecanismos regionais de direitos

3 Adotado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo nordm 34169 4 Adotado pelo Resoluccedilatildeo Conselho Social e Econocircmico da ONU nordm 198661 5 Adotado pela Conferecircncia de Crime das Naccedilotildees Unidas 6 Relatoacuterio apresentado na Assembleia Geral em 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on

9

humanos e tecircm sido repetidamente referenciados por vaacuterios oacutergatildeos da ONU7 como

expressatildeo dos princiacutepios da proporcionalidade e da estrita necessidade do uso da forccedila

policial destacando ainda que o uso de potencial forccedila letal deve ser sempre excepcional

A preocupaccedilatildeo da comunidade internacional com a efetividade dos direitos

universais de livre expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo fez com que fosse criada no

acircmbito da ONU a figura do Relator Especial sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo

Aleacutem disso haacute de ser destacado que em maio de 2011 o Relator Especial da

ONU sobre Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias ou Arbitraacuterias apresentou um

estudo ao Conselho de Direitos Humanos da organizaccedilatildeo concluindo que os sistemas

legais de muitos paiacuteses ainda natildeo aderiram aos padrotildees internacionais miacutenimos

relacionados ao uso da forccedila policial8

61 A princiacutepio disparar indiscriminadamente contra uma multidatildeo natildeo eacute

permitido e soacute pode se voltar ao indiviacuteduo ou grupo que constitui ameaccedila

de morte ou ferimentos graves O uso de armas de fogo natildeo pode ser

justificado apenas porque uma reuniatildeo eacute ilegal que tenha deva ser

dispersada ou para se proteger a propriedade Isso muitas vezes natildeo estaacute

refletido nas leis do paiacutes

62 Nos termos do Coacutedigo de Conduta e dos Princiacutepios Baacutesicos a norma a

respeito do uso intencional de forccedila letal eacute a mesma em todas as

circunstacircncias mesmo em auto-defesa prisatildeo contenccedilatildeo de revolta popular

the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 7 Entre outros Resoluccedilotildees do Conselho de Direitos Humanos observaccedilotildees finais de vaacuterios corpos de tratados como o Comitecirc de Direitos Humanos e o Comitecirc Contra a Tortura aleacutem dos relatos de procedimentos especiais 8 Relatoacuterio do Relator Especial sobre execuccedilotildees extrajudicias sumaacuterias ou arbitraacuterias apresentado agrave Assembleia Geral em 23052011 (AHRC1728) paraacutegrafos 61 e 62 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf

10

ou em quaisquer outras circunstacircncias ou seja somente em proteccedilatildeo da

vida9

No acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos (CIDH) por meio do Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos

Humanos (2009) (doc 7) e do Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo dos Defensores dos

Direitos Humanos nas Ameacutericas (2012) (doc 8) definiu paracircmetros concretos para

regular o policiamento de protestos que inclui nomeadamente a proibiccedilatildeo do uso de

forccedila letal a necessidade de treinamento adequado para o policiamento durante

manifestaccedilotildees de massa e a exigecircncia de identificaccedilatildeo clara e individual dos policiais

Nota-se que os paracircmetros da CIDH tambeacutem reforccedilam os princiacutepios da

proporcionalidade e da estrita necessidade aleacutem de reconhecer que o direito de protestar eacute

uma forma de expressatildeo coletiva que deve ser garantida10

Natildeo eacute demais destacar que na Europa estaacute vigente um Coacutedigo Europeu de Eacutetica

Policial que conteacutem uma seccedilatildeo inteira dedicada ao policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas

que incluem obrigaccedilotildees processuais e materiais sobre as forccedilas de seguranccedila antes durante

e apoacutes as manifestaccedilotildees acontecerem aleacutem de um foco especial sobre as obrigaccedilotildees da

poliacutecia quando as forccedilas de seguranccedila tomam medidas para dispersar a multidatildeo11

9 Traduccedilatildeo livre de 61 In principle shooting indiscriminately into a crowd is not allowed and may only be targeted at the person or persons constituting the threat of death or serious injury The use of firearms cannot be justified merely because a particular gathering is illegal and has to be dispersed or to protect property This is often not reflected in domestic laws 62 In terms of the Code and the Basic Principles the norm in respect of the intentional use of lethal force is the same under all circumstances whether in self-defence arrest quelling a riot or any other circumstances namely protection of life 10 ldquoComo a jurisprudecircncia do sistema interamericano explicou em numerosas ocasiotildees a liberdade de expressatildeo eacute um direito que tem duas dimensotildees uma dimensatildeo individual que consiste no direito de cada pessoa para expressar seus pensamentos ideias e informaccedilotildees e uma dimensatildeo coletiva ou social que consiste no direito da sociedade de obter e receber todas as informaccedilotildees para saber os pensamentos ideias e informaccedilotildees de outras pessoas para estarem bem informadosrdquo CIDH Escritoacuterio do Relator Especial pela Liberdade de Expressatildeo The inter-American legal framework regarding the right to freedom of expression (OEA SerLVII CIDHRELEINF (2009) par 13 Traduccedilatildeo livre de ldquoAs the case law of the inter-American system has explained on numerous occasions freedom of expression is a right that has two dimensions an individual dimension consisting of the right of each person to express her own thoughts ideas and information and a collective or social dimension consisting of societyrsquos right to obtain and receive any information to know the thoughts ideas and information of others and to be well-informedrdquo 11 Paraacutegrafo 176 da Segunda Ediccedilatildeo das Diretrizes da OSCE Detalhando por exemplo a obrigaccedilatildeo de estabelecer procedimentos de descontaminaccedilatildeo de produtos quiacutemicos irritantes utilizados em

11

A Corte Europeia de Direitos Humanos inclusive jaacute adotou posicionamentos

importantes sobre o tema como a presunccedilatildeo em favor do caraacuteter paciacutefico de todas as

manifestaccedilotildees12 a legitimidade das manifestaccedilotildees de uso do espaccedilo puacuteblico ainda que

causem um certo grau de perturbaccedilatildeo na vida cotidiana13 a necessidade de avaliar o

comportamento do indiviacuteduo separadamente do da multidatildeo14 e o ocircnus da prova de

manifestantes com intenccedilotildees ou accedilotildees violentas que recai sobre as autoridades15

Com o que seraacute esmiuccedilado a seguir este mm Juiacutezo teraacute condiccedilotildees de

observar que o Estado de Satildeo Paulo em sua competecircncia de regulamentar e

controlar a atividade de sua poliacutecia militar aleacutem de desrespeitar a proacutepria

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil viola absolutamente TODAS AS

NORMAS INTERNACIONAIS jaacute estabelecidas para o uso da forccedila policial

5) DO USO DA FORCcedilA PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO NO DIA 13 DE

JUNHO DE 2013

Em 13 de junho de 2013 uma das situaccedilotildees de fato trazidas agrave demanda a Poliacutecia

realizava em Satildeo Paulo uma das mais violentas repressotildees a manifestaccedilotildees desde o fim da

ditadura militar Numa noite de horror coletivo raramente vista milhares de pessoas que

manifestantes a proibiccedilatildeo de utilizar a forccedila contra manifestantes paciacuteficos que satildeo incapazes de dispersar o dever de manter registros detalhados sobre o tipo de forccedila utilizada e a obrigaccedilatildeo de investigar a causa de mortes ou ferimentos entre outros 12 Uma assembleacuteia seraacute considerada paciacutefica enquanto os participantes estiverem paciacuteficos mesmo que os organizadores natildeo cumpram com todos os requisitos legais necessaacuterios para o desenvolvimento da manifestaccedilatildeo Oya Ataman v Turkey no 7455201 ECHR 2006 e Cisse v France no 5134699 sect 37 ECHR 2002 Traduccedilatildeo livre de ldquoAn assembly will be deemed peaceful as long as the participants remain peaceful even if the organizers have not complied with all legal requirements prior to the assemblyrdquo 13 Patyi and Others v Hungary no 552905 sectsect 42-43 ECHR 2008 Balccedilik and Others v Turkey no 2502 sect 52 ECHR 2007 Ashughyan v Armenia no 3326803 sect 90 ECHR 2008 14 ldquouma pessoa natildeo deixa de gozar do direito de reuniatildeo paciacutefica em casos de violecircncia esporaacutedica ou outros atos puniacuteveis cometidos por outras no curso da manifestaccedilatildeo se permanece tranquilo em suas proacuteprias intenccedilotildees ou comportamentosrdquo Ziliberberg v Moldova (dec) no 6182100 ECHR 2004 Traduccedilatildeo livre de ldquoan individual does not cease to enjoy the right to peaceful assembly as a result of sporadic violence or other punishable acts committed by others in the course of the demonstration if the individual in question remains peaceful in his or her own intentions or behaviourrdquo 15 Christian Democratic Peoplersquos Party v Moldova (No 2) no 2519604 sect 23 ECHR 2010

12

participavam de um protesto paciacutefico no centro da cidade se viram cercadas por tropas

policiais em um labirinto violento que atravessou a noite e cujas traacutegicas consequecircncias se

fazem sentir ainda hoje especialmente para os que carregaratildeo sequelas fiacutesicas e emocionais

Esse caso mostra evidente que os procedimentos adotados pela seguranccedila puacuteblica

paulista natildeo respeitaram os protocolos internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila

aleacutem de descumprir tratados e convenccedilotildees internacionais que o Brasil eacute signataacuterio e natildeo

seguir as recomendaccedilotildees das organizaccedilotildees internacionais das quais o Brasil eacute parte

Satildeo numerosos os relatos e evidecircncias de violecircncia fiacutesica contra os manifestantes

em 13 de junho de 2013 inclusive em desfavor de pessoas rendidas deitadas desarmadas e

desprovidas de qualquer acircnimo de resistecircncia Muitas destas pessoas foram espancadas e

atingidas por disparos de balas de borracha

Foram relatados ainda atos de violecircncia contra pessoas que natildeo estavam

participando dos protestos inclusive idosos e crianccedilas16 Foram registradas cenas onde a

Poliacutecia invadiu ateacute mesmo hospitais a fim de localizar pessoas que teriam participado dos

protestos17 Aleacutem disso apoacutes o grande nuacutemero de manifestantes jaacute ter sido dispersado

foram registradas cenas onde a Poliacutecia invadiu estabelecimentos comerciais supostamente

em busca dos manifestantes e agrediu pessoas18 Segundo relatos dos organizadores do

evento mais de 100 pessoas ficaram feridas19 em decorrecircncia da accedilatildeo truculenta da Poliacutecia

naquele dia

16 Ver por exemplo PORTAL DE NOTIacuteCIAS TERRA ldquoBomba de gaacutes lacrimogecircneo atinge carro de um idoso que estava de passagemrdquo viacutedeo publicado no 14 de junho de 2013 13h50 disponiacutevel no link httpterratvterracombrvideosNoticiasBrasilCidades4828-474261Bomba-de-gas-lacrimogeneo-cai-dentro-de-carro-em-protesto-em-SPhtm 17 Ver depoimento no site do Coletivo Antiproibicionista de Satildeo Paulo ldquoPM retira feridos a forccedila de hospital e impede atendimentordquo 14 de junho de 2013 disponiacutevel no link httpcoletivodarorg201306pm-retira-feridos-a-forca-de-hospital-e-impede-atendimento

18Ver por exemplo JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoApoacutes confronto casal eacute agredido por PMs na regiatildeo da Paulistardquo 14 de junho de 2013 00h52 disponiacutevel em httpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294916-apos-confronto-casal-e-agredido-por-pms-na-regiao-da-paulistashtml 19

Os dados finais sobre o numero de feridos ainda estatildeo sendo organizados pelo MPL e pela Defensoria

Puacuteblica de Satildeo Paulo Para uma estimativa ver infograacutefico JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoDos 235

detidos em protesto 231 satildeo liberados apoacutes prestar depoimentordquo 14 de junho 2013 07h25 disponiacutevel

emhttpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294960-dos-235-detidos-em-protesto-231-sao-

liberados-apos-prestar-depoimentoshtml

13

Abaixo demonstra-se detalhadamente cada norma dos protocolos internacionais

para a utilizaccedilatildeo da forccedila que foram descumpridas pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo

Paulo contribuindo-se para o livre convencimento deste mm Juiacutezo a dar total procedecircncia

agrave presente accedilatildeo civil puacuteblica

i - DA INTERRUPCcedilAtildeO DA REUNIAtildeO PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Um dia que ficaria para a histoacuteria como a maior expressatildeo do exerciacutecio do direito

constitucional de reuniatildeo da liberdade de expressatildeo e de locomoccedilatildeo na verdade tornou-se

a maior expressatildeo da restriccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Observa-

se que a justificativa de se liberar o traacutefego de veiacuteculos para garantir a manutenccedilatildeo da

ordem puacuteblica foi a causa que deu iniacutecio agrave accedilatildeo ilegal e truculenta da Poliacutecia Militar do

Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

Nota-se das paacuteginas 21 e 22 da exordial que as proacuteprias forccedilas de seguranccedila

tomaram a iniciativa de encerrar o ato que reuniu cerca de 15 mil pessoas que caminhavam

pelas ruas de Satildeo Paulo

Ocorre que aleacutem de ilegal e inconstitucional essa medida ofende diretamente a

Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica)

incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 68792

Eacute o que diz a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos no Marco Juriacutedico

Interamericano Sobre o Direito agrave Liberdade de Expressatildeo20 onde seu paraacutegrafo 82

assevera

20 Apresentado pela Relatoria para a Liberdade de Expressatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos 2010 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhexpresiondocspublicacionesMARCO20JURIDICO20INTERAMERICANO20DEL20DERECHO20A20LA20LIBERTAD20DE20EXPRESION20ESP20FINAL20portadadocpdf (acessado em 04062014)

14

ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar

a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente

verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma

perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o

funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21

Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial

natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da

Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela

ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica

Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima

ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre

eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas

de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem

claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais

ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e

restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da

ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22

Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram

relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando

que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas

manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou

21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo

15

Veja-se o depoimento de uma delas

A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo

onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a

movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios

manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com

dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer

Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em

frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda

Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes

formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que

os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []

Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do

estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me

recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns

policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com

absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs

policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava

proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da

voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar

naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista

que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer

16

Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo

paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de

15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo

de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente

23

Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam

pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de

reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os

posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de

reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos

Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se

ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no

nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a

reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo

da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude

da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas

democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar

limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja

23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)

17

absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas

devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das

manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da

necessidade e da proporcionalidaderdquo25

A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua

proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da

Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo

Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos

Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo

Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse

direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias

de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por

escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua

escolha

Artigo 15 - Direito de reuniatildeo

Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse

direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam

necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila

nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a

moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas

25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo

18

Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios

garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da

conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27

Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime

e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para

assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da

Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que

ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos

no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao

conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de

outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico

advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do

puacuteblico em geralrdquo

Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por

Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees

Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo

por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma

manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta

26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

19

29

A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12

que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os

princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos

Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila

e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14

Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que

claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre

expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da

proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial

Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo

13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for

possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio

14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute

poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros

meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de

fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9

29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg

20

Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia

deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees

narradas na inicial

Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de

se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e

internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas

para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo

ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE

GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em

vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram

milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas

de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial

de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o

trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes

21

22

Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas

crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma

agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois

de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a

dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou

cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego

Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que

sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)

Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me

atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel

Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti

naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha

paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante

e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo

que eu tive

Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de

vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve

promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)

23

Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia

respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr

mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei

correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo

mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a

Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou

encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta

na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem

Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo

dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele

momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo

Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a

princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu

corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou

melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o

impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles

estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei

ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as

pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles

continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes

dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de

borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e

virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio

Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte

profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei

muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma

sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo

tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de

borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse

estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia

me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele

se assustou e deixou entrar

24

Esta eacute a lesatildeo de que relato trata

Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees

menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas

contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia

O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo

teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado

minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos

O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo

da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17

de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem

puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas

30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

25

Seu artigo 3ordm dispotildee

Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a

forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida

exigida para o cumprimento do seu dever

Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila

independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o

estritamente necessaacuterio

Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979

possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos

Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm

ldquoComentaacuterio

a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional

Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a

forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como

necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime

ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos

qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido

b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio

da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais

de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta

disposiccedilatildeo

A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no

sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o

legiacutetimo objetivo a atingir

c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem

fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de

31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661

26

fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se

armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou

quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja

suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que

uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as

autoridades competentesrdquo

Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos

Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito

da ONU a qual o Brasil estaacute submetido

32

Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o

paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se

32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 2: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

2

1) DA POSSIBILIDADE DE MANIFESTACcedilAtildeO COMO AMICUS CURIAE EM ACcedilAtildeO CIVIL

PUacuteBLICA

A presente accedilatildeo civil puacuteblica tem por objeto o cumprimento de garantias e

direitos fundamentais expressos na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica por parte do Estado de Satildeo

Paulo no controle da atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em manifestaccedilotildees

puacuteblicas

A relevacircncia social desta demanda envolve discussatildeo que diz respeito ao direito de

reuniatildeo ao direito ao lazer ao direito agrave cidade agrave liberdade de expressatildeo e ao livre exerciacutecio

profissional de jornalistas Observa-se que o seu niacutetido caraacuteter paradigmaacutetico tem

repercussatildeo direta na garantia de direitos difusos coletivos e individuais homogecircneos

O debate aqui travado envolve para aleacutem dos interesses meramente individuais

aqueles referentes agrave preservaccedilatildeo da harmonia e agrave realizaccedilatildeo dos objetivos constitucionais da

sociedade e da comunidade Assim reconhece-se de pronto que trata-se de um litiacutegio

de interesse puacuteblico

Nesse sentido a accedilatildeo civil puacuteblica como medida judicial apta para buscar

provimento jurisdicional capaz de resolver uma situaccedilatildeo juriacutedica coletiva natildeo pode deixar

de ser cenaacuterio da pluralizaccedilatildeo do debate fundamental para que o magistrado

disponha de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para a

resoluccedilatildeo da controveacutersia coletiva

Portanto a participaccedilatildeo de entidades e instituiccedilotildees que efetivamente representem

os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes da

sociedade abrem a possibilidade de intervenccedilatildeo do amicus curiae como justificativa de

aprimoramento da tutela jurisdicional coletiva

3

Fredie Didier Jr e Hermes Zaneti Jr1 corroborando com o entendimento da

doutrina de Caacutessio Scarpinella Bueno defendem a intervenccedilatildeo de amicus curiae em

qualquer accedilatildeo coletiva desde que se respeitem algumas condiccedilotildees

ldquoHaacute uma tendecircncia doutrinaacuteria e jurisprudencial poreacutem de admitir-se

a intervenccedilatildeo de amicus curiae em qualquer accedilatildeo coletiva desde que

a causa tenha relevacircncia (que em se tratando de accedilatildeo coletiva estaacute

quase sempre in re ipsa) e o possiacutevel amicus curiae tenha condiccedilotildees

de auxiliar o trabalho do magistrado contribuindo com informaccedilotildees e

anaacutelises para o melhor julgamento da demanda Seria uma intervenccedilatildeo atiacutepica

de amicus curiae ideia que nos parece louvaacutevel tendo em vista a finalidade da

participaccedilatildeo deste especial auxiliar do juiacutezo legitimar ainda mais a

decisatildeo do oacutergatildeo jurisdicional em um processo de evidente interesse

puacuteblicordquo

Ora eacute inegaacutevel que a presente demanda trata de interesse puacuteblico Tanto eacute que

em outra causa de relevacircncia o eg Tribunal de Justiccedila do Estado de Satildeo Paulo

reconheceu a intervenccedilatildeo de amicus curiae em accedilatildeo civil puacuteblica que discutia a

proibiccedilatildeo do recolhimento e da custoacutedia de presos definitivamente condenados nas Cadeias

Puacuteblicas dos Distritos Policiais e das Delegacias Especializadas da Capital

Com efeito ao julgar os embargos infringentes nordm 9092747-4520028260000 a

Terceira Cacircmara de Direito Puacuteblico deixou claro que mesmo que natildeo haja previsatildeo

expressa de intervenccedilatildeo de amicus curiae na accedilatildeo civil puacuteblica ela deve ser aceita como

medida a auxiliar no julgamento quando a demanda tiver relevacircncia social inquestionaacutevel

Veja-se trecho do v acoacuterdatildeo

ldquoDe outro lado era perfeitamente possiacutevel a intervenccedilatildeo da ldquoConectas

Direitos Humanosrdquo na qualidade de ldquoamicus curiaerdquo

Ensina Caacutessio Scarpinella Bueno que ao contraacuterio do largamente

ministrado a figura do ldquoamicus curiaerdquo ou o ldquoamigo da Cuacuteriardquo surgiu no

seacuteculo XVI na Inglaterra e de laacute seguiu para os Estados Unidos da Ameacuterica

mas de forma diversa adaptando-se agraves regras utilizadas pela ldquoCommon

1 Curso de Direito Processual Civil Vol 4 Processo Coletivo 9ordm ediccedilatildeo 2014 Ed Jus Podium p231

4

Lawrdquo (ldquoO Amicus Curiaerdquo nos Tribunais Brasileiros ndash palestra proferida na

Escola Paulista de Magistratura em 13092011)

Esta figura tinha por missatildeo o auxiacutelio dos sacerdotes na soluccedilatildeo de lides que

a eles eram trazidas em um eacutepoca histoacuterica em que as decisotildees judicias eram

primeiramente proferidas pelo clero e apoacutes referendadas pela nobreza

governante

Embora natildeo haja lei que defina expressamente o ldquoamicus curiaerdquo haacute uma

seacuterie de diplomas legislativos que trazem indiretamente essa figura Entre

elas podemos citar

- Art 31 da Lei nordm 638676 ndash Mercado de Capitais

- Art 89 da Lei nordm 888494 ndash lei antitruste

- Art 49 da Lei nordm 890694 ndash Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil

- Art 5ordm da Lei nordm 946997 ndash que estabelece prerrogativas da faz Puacuteblica

- Art 97 da Constituiccedilatildeo Federal Incidente de Inconstitucionalidade

Haacute tambeacutem leis mais recentes que chama o ldquoamicus curiaerdquo de ldquoterceirosrdquo

- Lei nordm 986899 ndash Lei da ADIn e ADc Neste caso haacute previsatildeo expressa da

intervenccedilatildeo de terceiros

- Lei nordm 988299 ndash Lei da ADPF ndash tambeacutem da mesma forma

- Lei nordm 1141806 ndash Lei de Repercussatildeo Geral

Assim diante da legislaccedilatildeo paacutetria a funccedilatildeo atual do ldquoamicus curiaerdquo eacute de

ajudar o juiz a proferir uma decisatildeo quando por dois motivos a decisatildeo

afetara outras pessoas e aquela pessoa que na sua imparcialidade traz provas

ao juiz para auxiliar o juiz

Portanto mesmo sem lei eacute possiacutevel e necessaacuterio generalizar o

ldquoamicus curiaerdquo quando houver um processo paradigmaacutetico ou em

natildeo sendo deva ter um conteuacutedo valorativo muito forte

Dessa forma era possiacutevel considerar a utilidade das argumentaccedilotildees trazidas

pela Conectas que serviriam para corroborar a decisatildeo ora proferidardquo

Assim fica demonstrada a possibilidade juriacutedica da manifestaccedilatildeo da requerente

como amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

5

2) DA LEGITIMIDADE DA REQUERENTE PARA SE MANIFESTAR COMO AMICUS CURIAE

Demonstrada a possibilidade da intervenccedilatildeo de amicus curiae e da relevacircncia social

que a demanda envolve faz-se necessaacuterio analisar a representatividade da requerente a fim

de reconhecer a sua legitimidade para se manifestar como amicus curiae

No caso eacute importante destacar que a organizaccedilatildeo tem como uma de suas missotildees

a efetivaccedilatildeo dos fundamentos da Repuacuteblica Federativa do Brasil especialmente no que

tange agrave cidadania e agrave dignidade da pessoa humana Veja-se

ldquoConectas Direitos Humanos foi fundada em 2001 com a missatildeo de

fortalecer e promover o respeito aos direitos humanos no Brasil e no

hemisfeacuterio Sul dedicando-se para tanto agrave educaccedilatildeo em direitos humanos agrave

advocacia estrateacutegica e agrave promoccedilatildeo do diaacutelogo entre sociedade civil

universidades e agecircncias internacionais envolvidas na defesa destes direitos

Conectas promove advocacia estrateacutegica em direitos humanos em

acircmbito nacional e internacional com o objetivo de alterar as praacuteticas

institucionais e sociais que desencadeiam sistemaacuteticas violaccedilotildees de

direitos humanos Desde 2006 tem status consultivo junto ao Conselho

de Direitos Humanos das Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) e desde

2009 dispotildee de status de observador na Comissatildeo Africana de Direitos

Humanos e dos Povos2

A requerente eacute hoje a organizaccedilatildeo natildeo governamental com maior nuacutemero de amici

curiae perante o Supremo Tribunal Federal jaacute tendo ingressado com 42 (quarenta e dois)

desde a sua fundaccedilatildeo

Atuar em accedilotildees e processos destinados agrave efetivaccedilatildeo dos direitos humanos inclui a

busca continua pela efetivaccedilatildeo dos fundamentos da Repuacuteblica Federativa do Brasil

especialmente no que tange agrave cidadania e agrave dignidade da pessoa humana que satildeo

fundamentais para todo e qualquer serviccedilo prestado pelo Estado

2 wwwconectasorg

6

Com relaccedilatildeo aos fins institucionais da associaccedilatildeo autora vale transcrever o

inciso VI do artigo 3ordm e o paraacutegrafo 1ordm item ldquodrdquo do mesmo artigo de seu Estatuto (doc

01) in verbis

Artigo 3ordm - A ASSOCIACcedilAtildeO seraacute regida nos termos da Lei 979099 e

teraacute por finalidade promover apoiar monitorar e avaliar projetos em

direitos humanos em niacutevel nacional e internacional em especial

[]

VI ndash promoccedilatildeo e defesa dos direitos humanos em acircmbito judicial

Paraacutegrafo 1ordm - A ASSOCIACcedilAtildeO pode para consecuccedilatildeo de seus

objetivos institucionais utilizar todos os meios permitidos na lei

especialmente para

[]

g) Promover accedilotildees judiciais visando agrave efetivaccedilatildeo dos direitos

humanos

Restam desde modo devidamente demonstrados os requisitos necessaacuterios para a

admissatildeo da presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae quais sejam relevacircncia da

mateacuteria discutida a representatividade do postulante e sua legitimidade

3) OBJETO DA PRESENTE DEMANDA

A presente accedilatildeo civil puacuteblica fundamenta-se em 8 fatos que demonstram a

violaccedilatildeo sistemaacutetica que o Estado de Satildeo Paulo promove em face dos direitos das pessoas

reunirem-se independentemente de autorizaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo de atos manifestaccedilotildees e

protestos em locais puacuteblicos na Cidade de Satildeo Paulo

A demanda tem como objeto aleacutem da tutela reparatoacuteria a determinaccedilatildeo de

obrigaccedilatildeo de fazer e de natildeo fazer ao Estado de Satildeo Paulo no que tange agrave atuaccedilatildeo de sua

Policia Militar em manifestaccedilotildees puacuteblicas a fim de cumprir com garantias e direitos

fundamentais expressos na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica como o direito de reuniatildeo o direito

7

ao lazer o direito agrave cidade a liberdade de expressatildeo e o livre exerciacutecio profissional de

jornalistas

Argumenta-se que o procedimento adotado pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo

Paulo em cada uma das 8 situaccedilotildees narradas trouxe danos irreversiacuteveis para as pessoas que

tiveram direitos suprimidos pela atividade repressiva e danos sociais para a coletividade

diante da grave violaccedilatildeo de preceitos fundamentais do Estado Democraacutetico de Direito

A autora requer a condenaccedilatildeo do reacuteu para que expeccedila ato normativo definindo

paracircmetros de atuaccedilatildeo da PMESP em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se

abstenha de impor condiccedilotildees ou limites de tempo e lugar agraves reuniotildees e manifestaccedilotildees

puacuteblicas de portar arma de fogo de utilizar gaacutes lacrimogecircneo e bombas de efeito moral

para dissolver aglomeraccedilotildees antes de comunicar os manifestantes em tempo haacutebil para sua

compreensatildeo e acatamento de postar a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de

Satildeo Paulo em manifestaccedilotildees paciacuteficas e de impedir qualquer cidadatildeo de captar imagem e

som de seus agentes em atuaccedilatildeo para identificar adequadamente todos os policiais atuando

em acompanhamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para indicar negociador civil e para ser

responsabilizado pelos danos sofridos pela coletividade ou individualmente

Tendo em vista que o tema eacute de extrema relevacircncia a organizaccedilatildeo CONECTAS

DIREITOS HUMANOS que ora se manifesta na qualidade de amicus curiae oferece nesta

oportunidade argumentos em favor da concessatildeo antecipada dos efeitos da tutela

pretendida e do julgamento pela TOTAL PROCEDEcircNCIA da presente Accedilatildeo Civil

Puacuteblica pelas razotildees a seguir expostas

4) PROMOCcedilAtildeO E PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO DE PROTESTOS

SOCIAIS

A ndash INTRODUCcedilAtildeO

Ao longo da histoacuteria protestos e outros meios de participaccedilatildeo social formaram

um elemento essencial de vibrantes sociedades democraacuteticas Embora a palavra ldquoprotestordquo

natildeo apareccedila no texto de tratados internacionais o sistema internacional de proteccedilatildeo dos

8

direitos humanos inegavelmente protege o direito de protestar em reconhecimento aos

direitos de reuniatildeo liberdade de expressatildeo de opiniatildeo e de associaccedilatildeo

Entretanto nos uacuteltimos anos o crescente nuacutemero de manifestaccedilotildees populares

pelo mundo vem se deparando com reaccedilotildees violentas das autoridades do Estado - em

regra os proacuteprios contestados nas manifestaccedilotildees Nesse sentido governos optam por

impor restriccedilotildees ao direito de reuniatildeo natildeo soacute ilegais mas contraacuterias ao proacuteprio conceito de

Estado Democraacutetico

Eacute nesse contexto que a presente demanda se insere e que a CONECTAS DIREITOS

HUMANOS viu-se compelida a se manifestar como amicus curiae para oferecer um breve

panorama dos principais paracircmetros internacionais que regulam o comportamento

da poliacutecia e particularmente o uso da forccedila no contexto de manifestaccedilotildees

populares

B ndash PRINCIPAIS NORMAS INTERNACIONAIS QUE REGULAM O USO DA FORCcedilA PELA

POLIacuteCIA

A niacutevel global existem 2 conjuntos de documentos que tratam especificamente da

regulaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia o Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19793 (doc 4) com as diretrizes para sua efetiva

implementaccedilatildeo4 e os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19905 (doc 5)

Amplamente tidas como declaraccedilotildees oficiais de direito internacional6 esses

instrumentos satildeo frequentemente mencionados pelos mecanismos regionais de direitos

3 Adotado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo nordm 34169 4 Adotado pelo Resoluccedilatildeo Conselho Social e Econocircmico da ONU nordm 198661 5 Adotado pela Conferecircncia de Crime das Naccedilotildees Unidas 6 Relatoacuterio apresentado na Assembleia Geral em 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on

9

humanos e tecircm sido repetidamente referenciados por vaacuterios oacutergatildeos da ONU7 como

expressatildeo dos princiacutepios da proporcionalidade e da estrita necessidade do uso da forccedila

policial destacando ainda que o uso de potencial forccedila letal deve ser sempre excepcional

A preocupaccedilatildeo da comunidade internacional com a efetividade dos direitos

universais de livre expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo fez com que fosse criada no

acircmbito da ONU a figura do Relator Especial sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo

Aleacutem disso haacute de ser destacado que em maio de 2011 o Relator Especial da

ONU sobre Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias ou Arbitraacuterias apresentou um

estudo ao Conselho de Direitos Humanos da organizaccedilatildeo concluindo que os sistemas

legais de muitos paiacuteses ainda natildeo aderiram aos padrotildees internacionais miacutenimos

relacionados ao uso da forccedila policial8

61 A princiacutepio disparar indiscriminadamente contra uma multidatildeo natildeo eacute

permitido e soacute pode se voltar ao indiviacuteduo ou grupo que constitui ameaccedila

de morte ou ferimentos graves O uso de armas de fogo natildeo pode ser

justificado apenas porque uma reuniatildeo eacute ilegal que tenha deva ser

dispersada ou para se proteger a propriedade Isso muitas vezes natildeo estaacute

refletido nas leis do paiacutes

62 Nos termos do Coacutedigo de Conduta e dos Princiacutepios Baacutesicos a norma a

respeito do uso intencional de forccedila letal eacute a mesma em todas as

circunstacircncias mesmo em auto-defesa prisatildeo contenccedilatildeo de revolta popular

the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 7 Entre outros Resoluccedilotildees do Conselho de Direitos Humanos observaccedilotildees finais de vaacuterios corpos de tratados como o Comitecirc de Direitos Humanos e o Comitecirc Contra a Tortura aleacutem dos relatos de procedimentos especiais 8 Relatoacuterio do Relator Especial sobre execuccedilotildees extrajudicias sumaacuterias ou arbitraacuterias apresentado agrave Assembleia Geral em 23052011 (AHRC1728) paraacutegrafos 61 e 62 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf

10

ou em quaisquer outras circunstacircncias ou seja somente em proteccedilatildeo da

vida9

No acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos (CIDH) por meio do Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos

Humanos (2009) (doc 7) e do Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo dos Defensores dos

Direitos Humanos nas Ameacutericas (2012) (doc 8) definiu paracircmetros concretos para

regular o policiamento de protestos que inclui nomeadamente a proibiccedilatildeo do uso de

forccedila letal a necessidade de treinamento adequado para o policiamento durante

manifestaccedilotildees de massa e a exigecircncia de identificaccedilatildeo clara e individual dos policiais

Nota-se que os paracircmetros da CIDH tambeacutem reforccedilam os princiacutepios da

proporcionalidade e da estrita necessidade aleacutem de reconhecer que o direito de protestar eacute

uma forma de expressatildeo coletiva que deve ser garantida10

Natildeo eacute demais destacar que na Europa estaacute vigente um Coacutedigo Europeu de Eacutetica

Policial que conteacutem uma seccedilatildeo inteira dedicada ao policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas

que incluem obrigaccedilotildees processuais e materiais sobre as forccedilas de seguranccedila antes durante

e apoacutes as manifestaccedilotildees acontecerem aleacutem de um foco especial sobre as obrigaccedilotildees da

poliacutecia quando as forccedilas de seguranccedila tomam medidas para dispersar a multidatildeo11

9 Traduccedilatildeo livre de 61 In principle shooting indiscriminately into a crowd is not allowed and may only be targeted at the person or persons constituting the threat of death or serious injury The use of firearms cannot be justified merely because a particular gathering is illegal and has to be dispersed or to protect property This is often not reflected in domestic laws 62 In terms of the Code and the Basic Principles the norm in respect of the intentional use of lethal force is the same under all circumstances whether in self-defence arrest quelling a riot or any other circumstances namely protection of life 10 ldquoComo a jurisprudecircncia do sistema interamericano explicou em numerosas ocasiotildees a liberdade de expressatildeo eacute um direito que tem duas dimensotildees uma dimensatildeo individual que consiste no direito de cada pessoa para expressar seus pensamentos ideias e informaccedilotildees e uma dimensatildeo coletiva ou social que consiste no direito da sociedade de obter e receber todas as informaccedilotildees para saber os pensamentos ideias e informaccedilotildees de outras pessoas para estarem bem informadosrdquo CIDH Escritoacuterio do Relator Especial pela Liberdade de Expressatildeo The inter-American legal framework regarding the right to freedom of expression (OEA SerLVII CIDHRELEINF (2009) par 13 Traduccedilatildeo livre de ldquoAs the case law of the inter-American system has explained on numerous occasions freedom of expression is a right that has two dimensions an individual dimension consisting of the right of each person to express her own thoughts ideas and information and a collective or social dimension consisting of societyrsquos right to obtain and receive any information to know the thoughts ideas and information of others and to be well-informedrdquo 11 Paraacutegrafo 176 da Segunda Ediccedilatildeo das Diretrizes da OSCE Detalhando por exemplo a obrigaccedilatildeo de estabelecer procedimentos de descontaminaccedilatildeo de produtos quiacutemicos irritantes utilizados em

11

A Corte Europeia de Direitos Humanos inclusive jaacute adotou posicionamentos

importantes sobre o tema como a presunccedilatildeo em favor do caraacuteter paciacutefico de todas as

manifestaccedilotildees12 a legitimidade das manifestaccedilotildees de uso do espaccedilo puacuteblico ainda que

causem um certo grau de perturbaccedilatildeo na vida cotidiana13 a necessidade de avaliar o

comportamento do indiviacuteduo separadamente do da multidatildeo14 e o ocircnus da prova de

manifestantes com intenccedilotildees ou accedilotildees violentas que recai sobre as autoridades15

Com o que seraacute esmiuccedilado a seguir este mm Juiacutezo teraacute condiccedilotildees de

observar que o Estado de Satildeo Paulo em sua competecircncia de regulamentar e

controlar a atividade de sua poliacutecia militar aleacutem de desrespeitar a proacutepria

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil viola absolutamente TODAS AS

NORMAS INTERNACIONAIS jaacute estabelecidas para o uso da forccedila policial

5) DO USO DA FORCcedilA PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO NO DIA 13 DE

JUNHO DE 2013

Em 13 de junho de 2013 uma das situaccedilotildees de fato trazidas agrave demanda a Poliacutecia

realizava em Satildeo Paulo uma das mais violentas repressotildees a manifestaccedilotildees desde o fim da

ditadura militar Numa noite de horror coletivo raramente vista milhares de pessoas que

manifestantes a proibiccedilatildeo de utilizar a forccedila contra manifestantes paciacuteficos que satildeo incapazes de dispersar o dever de manter registros detalhados sobre o tipo de forccedila utilizada e a obrigaccedilatildeo de investigar a causa de mortes ou ferimentos entre outros 12 Uma assembleacuteia seraacute considerada paciacutefica enquanto os participantes estiverem paciacuteficos mesmo que os organizadores natildeo cumpram com todos os requisitos legais necessaacuterios para o desenvolvimento da manifestaccedilatildeo Oya Ataman v Turkey no 7455201 ECHR 2006 e Cisse v France no 5134699 sect 37 ECHR 2002 Traduccedilatildeo livre de ldquoAn assembly will be deemed peaceful as long as the participants remain peaceful even if the organizers have not complied with all legal requirements prior to the assemblyrdquo 13 Patyi and Others v Hungary no 552905 sectsect 42-43 ECHR 2008 Balccedilik and Others v Turkey no 2502 sect 52 ECHR 2007 Ashughyan v Armenia no 3326803 sect 90 ECHR 2008 14 ldquouma pessoa natildeo deixa de gozar do direito de reuniatildeo paciacutefica em casos de violecircncia esporaacutedica ou outros atos puniacuteveis cometidos por outras no curso da manifestaccedilatildeo se permanece tranquilo em suas proacuteprias intenccedilotildees ou comportamentosrdquo Ziliberberg v Moldova (dec) no 6182100 ECHR 2004 Traduccedilatildeo livre de ldquoan individual does not cease to enjoy the right to peaceful assembly as a result of sporadic violence or other punishable acts committed by others in the course of the demonstration if the individual in question remains peaceful in his or her own intentions or behaviourrdquo 15 Christian Democratic Peoplersquos Party v Moldova (No 2) no 2519604 sect 23 ECHR 2010

12

participavam de um protesto paciacutefico no centro da cidade se viram cercadas por tropas

policiais em um labirinto violento que atravessou a noite e cujas traacutegicas consequecircncias se

fazem sentir ainda hoje especialmente para os que carregaratildeo sequelas fiacutesicas e emocionais

Esse caso mostra evidente que os procedimentos adotados pela seguranccedila puacuteblica

paulista natildeo respeitaram os protocolos internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila

aleacutem de descumprir tratados e convenccedilotildees internacionais que o Brasil eacute signataacuterio e natildeo

seguir as recomendaccedilotildees das organizaccedilotildees internacionais das quais o Brasil eacute parte

Satildeo numerosos os relatos e evidecircncias de violecircncia fiacutesica contra os manifestantes

em 13 de junho de 2013 inclusive em desfavor de pessoas rendidas deitadas desarmadas e

desprovidas de qualquer acircnimo de resistecircncia Muitas destas pessoas foram espancadas e

atingidas por disparos de balas de borracha

Foram relatados ainda atos de violecircncia contra pessoas que natildeo estavam

participando dos protestos inclusive idosos e crianccedilas16 Foram registradas cenas onde a

Poliacutecia invadiu ateacute mesmo hospitais a fim de localizar pessoas que teriam participado dos

protestos17 Aleacutem disso apoacutes o grande nuacutemero de manifestantes jaacute ter sido dispersado

foram registradas cenas onde a Poliacutecia invadiu estabelecimentos comerciais supostamente

em busca dos manifestantes e agrediu pessoas18 Segundo relatos dos organizadores do

evento mais de 100 pessoas ficaram feridas19 em decorrecircncia da accedilatildeo truculenta da Poliacutecia

naquele dia

16 Ver por exemplo PORTAL DE NOTIacuteCIAS TERRA ldquoBomba de gaacutes lacrimogecircneo atinge carro de um idoso que estava de passagemrdquo viacutedeo publicado no 14 de junho de 2013 13h50 disponiacutevel no link httpterratvterracombrvideosNoticiasBrasilCidades4828-474261Bomba-de-gas-lacrimogeneo-cai-dentro-de-carro-em-protesto-em-SPhtm 17 Ver depoimento no site do Coletivo Antiproibicionista de Satildeo Paulo ldquoPM retira feridos a forccedila de hospital e impede atendimentordquo 14 de junho de 2013 disponiacutevel no link httpcoletivodarorg201306pm-retira-feridos-a-forca-de-hospital-e-impede-atendimento

18Ver por exemplo JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoApoacutes confronto casal eacute agredido por PMs na regiatildeo da Paulistardquo 14 de junho de 2013 00h52 disponiacutevel em httpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294916-apos-confronto-casal-e-agredido-por-pms-na-regiao-da-paulistashtml 19

Os dados finais sobre o numero de feridos ainda estatildeo sendo organizados pelo MPL e pela Defensoria

Puacuteblica de Satildeo Paulo Para uma estimativa ver infograacutefico JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoDos 235

detidos em protesto 231 satildeo liberados apoacutes prestar depoimentordquo 14 de junho 2013 07h25 disponiacutevel

emhttpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294960-dos-235-detidos-em-protesto-231-sao-

liberados-apos-prestar-depoimentoshtml

13

Abaixo demonstra-se detalhadamente cada norma dos protocolos internacionais

para a utilizaccedilatildeo da forccedila que foram descumpridas pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo

Paulo contribuindo-se para o livre convencimento deste mm Juiacutezo a dar total procedecircncia

agrave presente accedilatildeo civil puacuteblica

i - DA INTERRUPCcedilAtildeO DA REUNIAtildeO PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Um dia que ficaria para a histoacuteria como a maior expressatildeo do exerciacutecio do direito

constitucional de reuniatildeo da liberdade de expressatildeo e de locomoccedilatildeo na verdade tornou-se

a maior expressatildeo da restriccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Observa-

se que a justificativa de se liberar o traacutefego de veiacuteculos para garantir a manutenccedilatildeo da

ordem puacuteblica foi a causa que deu iniacutecio agrave accedilatildeo ilegal e truculenta da Poliacutecia Militar do

Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

Nota-se das paacuteginas 21 e 22 da exordial que as proacuteprias forccedilas de seguranccedila

tomaram a iniciativa de encerrar o ato que reuniu cerca de 15 mil pessoas que caminhavam

pelas ruas de Satildeo Paulo

Ocorre que aleacutem de ilegal e inconstitucional essa medida ofende diretamente a

Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica)

incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 68792

Eacute o que diz a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos no Marco Juriacutedico

Interamericano Sobre o Direito agrave Liberdade de Expressatildeo20 onde seu paraacutegrafo 82

assevera

20 Apresentado pela Relatoria para a Liberdade de Expressatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos 2010 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhexpresiondocspublicacionesMARCO20JURIDICO20INTERAMERICANO20DEL20DERECHO20A20LA20LIBERTAD20DE20EXPRESION20ESP20FINAL20portadadocpdf (acessado em 04062014)

14

ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar

a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente

verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma

perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o

funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21

Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial

natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da

Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela

ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica

Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima

ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre

eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas

de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem

claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais

ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e

restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da

ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22

Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram

relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando

que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas

manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou

21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo

15

Veja-se o depoimento de uma delas

A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo

onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a

movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios

manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com

dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer

Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em

frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda

Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes

formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que

os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []

Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do

estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me

recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns

policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com

absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs

policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava

proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da

voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar

naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista

que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer

16

Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo

paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de

15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo

de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente

23

Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam

pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de

reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os

posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de

reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos

Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se

ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no

nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a

reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo

da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude

da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas

democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar

limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja

23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)

17

absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas

devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das

manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da

necessidade e da proporcionalidaderdquo25

A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua

proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da

Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo

Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos

Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo

Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse

direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias

de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por

escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua

escolha

Artigo 15 - Direito de reuniatildeo

Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse

direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam

necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila

nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a

moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas

25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo

18

Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios

garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da

conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27

Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime

e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para

assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da

Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que

ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos

no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao

conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de

outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico

advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do

puacuteblico em geralrdquo

Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por

Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees

Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo

por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma

manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta

26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

19

29

A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12

que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os

princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos

Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila

e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14

Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que

claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre

expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da

proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial

Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo

13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for

possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio

14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute

poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros

meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de

fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9

29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg

20

Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia

deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees

narradas na inicial

Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de

se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e

internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas

para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo

ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE

GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em

vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram

milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas

de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial

de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o

trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes

21

22

Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas

crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma

agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois

de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a

dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou

cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego

Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que

sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)

Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me

atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel

Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti

naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha

paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante

e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo

que eu tive

Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de

vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve

promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)

23

Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia

respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr

mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei

correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo

mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a

Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou

encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta

na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem

Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo

dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele

momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo

Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a

princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu

corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou

melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o

impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles

estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei

ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as

pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles

continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes

dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de

borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e

virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio

Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte

profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei

muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma

sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo

tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de

borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse

estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia

me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele

se assustou e deixou entrar

24

Esta eacute a lesatildeo de que relato trata

Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees

menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas

contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia

O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo

teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado

minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos

O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo

da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17

de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem

puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas

30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

25

Seu artigo 3ordm dispotildee

Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a

forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida

exigida para o cumprimento do seu dever

Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila

independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o

estritamente necessaacuterio

Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979

possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos

Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm

ldquoComentaacuterio

a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional

Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a

forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como

necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime

ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos

qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido

b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio

da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais

de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta

disposiccedilatildeo

A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no

sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o

legiacutetimo objetivo a atingir

c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem

fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de

31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661

26

fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se

armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou

quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja

suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que

uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as

autoridades competentesrdquo

Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos

Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito

da ONU a qual o Brasil estaacute submetido

32

Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o

paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se

32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 3: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

3

Fredie Didier Jr e Hermes Zaneti Jr1 corroborando com o entendimento da

doutrina de Caacutessio Scarpinella Bueno defendem a intervenccedilatildeo de amicus curiae em

qualquer accedilatildeo coletiva desde que se respeitem algumas condiccedilotildees

ldquoHaacute uma tendecircncia doutrinaacuteria e jurisprudencial poreacutem de admitir-se

a intervenccedilatildeo de amicus curiae em qualquer accedilatildeo coletiva desde que

a causa tenha relevacircncia (que em se tratando de accedilatildeo coletiva estaacute

quase sempre in re ipsa) e o possiacutevel amicus curiae tenha condiccedilotildees

de auxiliar o trabalho do magistrado contribuindo com informaccedilotildees e

anaacutelises para o melhor julgamento da demanda Seria uma intervenccedilatildeo atiacutepica

de amicus curiae ideia que nos parece louvaacutevel tendo em vista a finalidade da

participaccedilatildeo deste especial auxiliar do juiacutezo legitimar ainda mais a

decisatildeo do oacutergatildeo jurisdicional em um processo de evidente interesse

puacuteblicordquo

Ora eacute inegaacutevel que a presente demanda trata de interesse puacuteblico Tanto eacute que

em outra causa de relevacircncia o eg Tribunal de Justiccedila do Estado de Satildeo Paulo

reconheceu a intervenccedilatildeo de amicus curiae em accedilatildeo civil puacuteblica que discutia a

proibiccedilatildeo do recolhimento e da custoacutedia de presos definitivamente condenados nas Cadeias

Puacuteblicas dos Distritos Policiais e das Delegacias Especializadas da Capital

Com efeito ao julgar os embargos infringentes nordm 9092747-4520028260000 a

Terceira Cacircmara de Direito Puacuteblico deixou claro que mesmo que natildeo haja previsatildeo

expressa de intervenccedilatildeo de amicus curiae na accedilatildeo civil puacuteblica ela deve ser aceita como

medida a auxiliar no julgamento quando a demanda tiver relevacircncia social inquestionaacutevel

Veja-se trecho do v acoacuterdatildeo

ldquoDe outro lado era perfeitamente possiacutevel a intervenccedilatildeo da ldquoConectas

Direitos Humanosrdquo na qualidade de ldquoamicus curiaerdquo

Ensina Caacutessio Scarpinella Bueno que ao contraacuterio do largamente

ministrado a figura do ldquoamicus curiaerdquo ou o ldquoamigo da Cuacuteriardquo surgiu no

seacuteculo XVI na Inglaterra e de laacute seguiu para os Estados Unidos da Ameacuterica

mas de forma diversa adaptando-se agraves regras utilizadas pela ldquoCommon

1 Curso de Direito Processual Civil Vol 4 Processo Coletivo 9ordm ediccedilatildeo 2014 Ed Jus Podium p231

4

Lawrdquo (ldquoO Amicus Curiaerdquo nos Tribunais Brasileiros ndash palestra proferida na

Escola Paulista de Magistratura em 13092011)

Esta figura tinha por missatildeo o auxiacutelio dos sacerdotes na soluccedilatildeo de lides que

a eles eram trazidas em um eacutepoca histoacuterica em que as decisotildees judicias eram

primeiramente proferidas pelo clero e apoacutes referendadas pela nobreza

governante

Embora natildeo haja lei que defina expressamente o ldquoamicus curiaerdquo haacute uma

seacuterie de diplomas legislativos que trazem indiretamente essa figura Entre

elas podemos citar

- Art 31 da Lei nordm 638676 ndash Mercado de Capitais

- Art 89 da Lei nordm 888494 ndash lei antitruste

- Art 49 da Lei nordm 890694 ndash Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil

- Art 5ordm da Lei nordm 946997 ndash que estabelece prerrogativas da faz Puacuteblica

- Art 97 da Constituiccedilatildeo Federal Incidente de Inconstitucionalidade

Haacute tambeacutem leis mais recentes que chama o ldquoamicus curiaerdquo de ldquoterceirosrdquo

- Lei nordm 986899 ndash Lei da ADIn e ADc Neste caso haacute previsatildeo expressa da

intervenccedilatildeo de terceiros

- Lei nordm 988299 ndash Lei da ADPF ndash tambeacutem da mesma forma

- Lei nordm 1141806 ndash Lei de Repercussatildeo Geral

Assim diante da legislaccedilatildeo paacutetria a funccedilatildeo atual do ldquoamicus curiaerdquo eacute de

ajudar o juiz a proferir uma decisatildeo quando por dois motivos a decisatildeo

afetara outras pessoas e aquela pessoa que na sua imparcialidade traz provas

ao juiz para auxiliar o juiz

Portanto mesmo sem lei eacute possiacutevel e necessaacuterio generalizar o

ldquoamicus curiaerdquo quando houver um processo paradigmaacutetico ou em

natildeo sendo deva ter um conteuacutedo valorativo muito forte

Dessa forma era possiacutevel considerar a utilidade das argumentaccedilotildees trazidas

pela Conectas que serviriam para corroborar a decisatildeo ora proferidardquo

Assim fica demonstrada a possibilidade juriacutedica da manifestaccedilatildeo da requerente

como amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

5

2) DA LEGITIMIDADE DA REQUERENTE PARA SE MANIFESTAR COMO AMICUS CURIAE

Demonstrada a possibilidade da intervenccedilatildeo de amicus curiae e da relevacircncia social

que a demanda envolve faz-se necessaacuterio analisar a representatividade da requerente a fim

de reconhecer a sua legitimidade para se manifestar como amicus curiae

No caso eacute importante destacar que a organizaccedilatildeo tem como uma de suas missotildees

a efetivaccedilatildeo dos fundamentos da Repuacuteblica Federativa do Brasil especialmente no que

tange agrave cidadania e agrave dignidade da pessoa humana Veja-se

ldquoConectas Direitos Humanos foi fundada em 2001 com a missatildeo de

fortalecer e promover o respeito aos direitos humanos no Brasil e no

hemisfeacuterio Sul dedicando-se para tanto agrave educaccedilatildeo em direitos humanos agrave

advocacia estrateacutegica e agrave promoccedilatildeo do diaacutelogo entre sociedade civil

universidades e agecircncias internacionais envolvidas na defesa destes direitos

Conectas promove advocacia estrateacutegica em direitos humanos em

acircmbito nacional e internacional com o objetivo de alterar as praacuteticas

institucionais e sociais que desencadeiam sistemaacuteticas violaccedilotildees de

direitos humanos Desde 2006 tem status consultivo junto ao Conselho

de Direitos Humanos das Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) e desde

2009 dispotildee de status de observador na Comissatildeo Africana de Direitos

Humanos e dos Povos2

A requerente eacute hoje a organizaccedilatildeo natildeo governamental com maior nuacutemero de amici

curiae perante o Supremo Tribunal Federal jaacute tendo ingressado com 42 (quarenta e dois)

desde a sua fundaccedilatildeo

Atuar em accedilotildees e processos destinados agrave efetivaccedilatildeo dos direitos humanos inclui a

busca continua pela efetivaccedilatildeo dos fundamentos da Repuacuteblica Federativa do Brasil

especialmente no que tange agrave cidadania e agrave dignidade da pessoa humana que satildeo

fundamentais para todo e qualquer serviccedilo prestado pelo Estado

2 wwwconectasorg

6

Com relaccedilatildeo aos fins institucionais da associaccedilatildeo autora vale transcrever o

inciso VI do artigo 3ordm e o paraacutegrafo 1ordm item ldquodrdquo do mesmo artigo de seu Estatuto (doc

01) in verbis

Artigo 3ordm - A ASSOCIACcedilAtildeO seraacute regida nos termos da Lei 979099 e

teraacute por finalidade promover apoiar monitorar e avaliar projetos em

direitos humanos em niacutevel nacional e internacional em especial

[]

VI ndash promoccedilatildeo e defesa dos direitos humanos em acircmbito judicial

Paraacutegrafo 1ordm - A ASSOCIACcedilAtildeO pode para consecuccedilatildeo de seus

objetivos institucionais utilizar todos os meios permitidos na lei

especialmente para

[]

g) Promover accedilotildees judiciais visando agrave efetivaccedilatildeo dos direitos

humanos

Restam desde modo devidamente demonstrados os requisitos necessaacuterios para a

admissatildeo da presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae quais sejam relevacircncia da

mateacuteria discutida a representatividade do postulante e sua legitimidade

3) OBJETO DA PRESENTE DEMANDA

A presente accedilatildeo civil puacuteblica fundamenta-se em 8 fatos que demonstram a

violaccedilatildeo sistemaacutetica que o Estado de Satildeo Paulo promove em face dos direitos das pessoas

reunirem-se independentemente de autorizaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo de atos manifestaccedilotildees e

protestos em locais puacuteblicos na Cidade de Satildeo Paulo

A demanda tem como objeto aleacutem da tutela reparatoacuteria a determinaccedilatildeo de

obrigaccedilatildeo de fazer e de natildeo fazer ao Estado de Satildeo Paulo no que tange agrave atuaccedilatildeo de sua

Policia Militar em manifestaccedilotildees puacuteblicas a fim de cumprir com garantias e direitos

fundamentais expressos na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica como o direito de reuniatildeo o direito

7

ao lazer o direito agrave cidade a liberdade de expressatildeo e o livre exerciacutecio profissional de

jornalistas

Argumenta-se que o procedimento adotado pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo

Paulo em cada uma das 8 situaccedilotildees narradas trouxe danos irreversiacuteveis para as pessoas que

tiveram direitos suprimidos pela atividade repressiva e danos sociais para a coletividade

diante da grave violaccedilatildeo de preceitos fundamentais do Estado Democraacutetico de Direito

A autora requer a condenaccedilatildeo do reacuteu para que expeccedila ato normativo definindo

paracircmetros de atuaccedilatildeo da PMESP em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se

abstenha de impor condiccedilotildees ou limites de tempo e lugar agraves reuniotildees e manifestaccedilotildees

puacuteblicas de portar arma de fogo de utilizar gaacutes lacrimogecircneo e bombas de efeito moral

para dissolver aglomeraccedilotildees antes de comunicar os manifestantes em tempo haacutebil para sua

compreensatildeo e acatamento de postar a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de

Satildeo Paulo em manifestaccedilotildees paciacuteficas e de impedir qualquer cidadatildeo de captar imagem e

som de seus agentes em atuaccedilatildeo para identificar adequadamente todos os policiais atuando

em acompanhamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para indicar negociador civil e para ser

responsabilizado pelos danos sofridos pela coletividade ou individualmente

Tendo em vista que o tema eacute de extrema relevacircncia a organizaccedilatildeo CONECTAS

DIREITOS HUMANOS que ora se manifesta na qualidade de amicus curiae oferece nesta

oportunidade argumentos em favor da concessatildeo antecipada dos efeitos da tutela

pretendida e do julgamento pela TOTAL PROCEDEcircNCIA da presente Accedilatildeo Civil

Puacuteblica pelas razotildees a seguir expostas

4) PROMOCcedilAtildeO E PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO DE PROTESTOS

SOCIAIS

A ndash INTRODUCcedilAtildeO

Ao longo da histoacuteria protestos e outros meios de participaccedilatildeo social formaram

um elemento essencial de vibrantes sociedades democraacuteticas Embora a palavra ldquoprotestordquo

natildeo apareccedila no texto de tratados internacionais o sistema internacional de proteccedilatildeo dos

8

direitos humanos inegavelmente protege o direito de protestar em reconhecimento aos

direitos de reuniatildeo liberdade de expressatildeo de opiniatildeo e de associaccedilatildeo

Entretanto nos uacuteltimos anos o crescente nuacutemero de manifestaccedilotildees populares

pelo mundo vem se deparando com reaccedilotildees violentas das autoridades do Estado - em

regra os proacuteprios contestados nas manifestaccedilotildees Nesse sentido governos optam por

impor restriccedilotildees ao direito de reuniatildeo natildeo soacute ilegais mas contraacuterias ao proacuteprio conceito de

Estado Democraacutetico

Eacute nesse contexto que a presente demanda se insere e que a CONECTAS DIREITOS

HUMANOS viu-se compelida a se manifestar como amicus curiae para oferecer um breve

panorama dos principais paracircmetros internacionais que regulam o comportamento

da poliacutecia e particularmente o uso da forccedila no contexto de manifestaccedilotildees

populares

B ndash PRINCIPAIS NORMAS INTERNACIONAIS QUE REGULAM O USO DA FORCcedilA PELA

POLIacuteCIA

A niacutevel global existem 2 conjuntos de documentos que tratam especificamente da

regulaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia o Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19793 (doc 4) com as diretrizes para sua efetiva

implementaccedilatildeo4 e os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19905 (doc 5)

Amplamente tidas como declaraccedilotildees oficiais de direito internacional6 esses

instrumentos satildeo frequentemente mencionados pelos mecanismos regionais de direitos

3 Adotado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo nordm 34169 4 Adotado pelo Resoluccedilatildeo Conselho Social e Econocircmico da ONU nordm 198661 5 Adotado pela Conferecircncia de Crime das Naccedilotildees Unidas 6 Relatoacuterio apresentado na Assembleia Geral em 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on

9

humanos e tecircm sido repetidamente referenciados por vaacuterios oacutergatildeos da ONU7 como

expressatildeo dos princiacutepios da proporcionalidade e da estrita necessidade do uso da forccedila

policial destacando ainda que o uso de potencial forccedila letal deve ser sempre excepcional

A preocupaccedilatildeo da comunidade internacional com a efetividade dos direitos

universais de livre expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo fez com que fosse criada no

acircmbito da ONU a figura do Relator Especial sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo

Aleacutem disso haacute de ser destacado que em maio de 2011 o Relator Especial da

ONU sobre Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias ou Arbitraacuterias apresentou um

estudo ao Conselho de Direitos Humanos da organizaccedilatildeo concluindo que os sistemas

legais de muitos paiacuteses ainda natildeo aderiram aos padrotildees internacionais miacutenimos

relacionados ao uso da forccedila policial8

61 A princiacutepio disparar indiscriminadamente contra uma multidatildeo natildeo eacute

permitido e soacute pode se voltar ao indiviacuteduo ou grupo que constitui ameaccedila

de morte ou ferimentos graves O uso de armas de fogo natildeo pode ser

justificado apenas porque uma reuniatildeo eacute ilegal que tenha deva ser

dispersada ou para se proteger a propriedade Isso muitas vezes natildeo estaacute

refletido nas leis do paiacutes

62 Nos termos do Coacutedigo de Conduta e dos Princiacutepios Baacutesicos a norma a

respeito do uso intencional de forccedila letal eacute a mesma em todas as

circunstacircncias mesmo em auto-defesa prisatildeo contenccedilatildeo de revolta popular

the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 7 Entre outros Resoluccedilotildees do Conselho de Direitos Humanos observaccedilotildees finais de vaacuterios corpos de tratados como o Comitecirc de Direitos Humanos e o Comitecirc Contra a Tortura aleacutem dos relatos de procedimentos especiais 8 Relatoacuterio do Relator Especial sobre execuccedilotildees extrajudicias sumaacuterias ou arbitraacuterias apresentado agrave Assembleia Geral em 23052011 (AHRC1728) paraacutegrafos 61 e 62 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf

10

ou em quaisquer outras circunstacircncias ou seja somente em proteccedilatildeo da

vida9

No acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos (CIDH) por meio do Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos

Humanos (2009) (doc 7) e do Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo dos Defensores dos

Direitos Humanos nas Ameacutericas (2012) (doc 8) definiu paracircmetros concretos para

regular o policiamento de protestos que inclui nomeadamente a proibiccedilatildeo do uso de

forccedila letal a necessidade de treinamento adequado para o policiamento durante

manifestaccedilotildees de massa e a exigecircncia de identificaccedilatildeo clara e individual dos policiais

Nota-se que os paracircmetros da CIDH tambeacutem reforccedilam os princiacutepios da

proporcionalidade e da estrita necessidade aleacutem de reconhecer que o direito de protestar eacute

uma forma de expressatildeo coletiva que deve ser garantida10

Natildeo eacute demais destacar que na Europa estaacute vigente um Coacutedigo Europeu de Eacutetica

Policial que conteacutem uma seccedilatildeo inteira dedicada ao policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas

que incluem obrigaccedilotildees processuais e materiais sobre as forccedilas de seguranccedila antes durante

e apoacutes as manifestaccedilotildees acontecerem aleacutem de um foco especial sobre as obrigaccedilotildees da

poliacutecia quando as forccedilas de seguranccedila tomam medidas para dispersar a multidatildeo11

9 Traduccedilatildeo livre de 61 In principle shooting indiscriminately into a crowd is not allowed and may only be targeted at the person or persons constituting the threat of death or serious injury The use of firearms cannot be justified merely because a particular gathering is illegal and has to be dispersed or to protect property This is often not reflected in domestic laws 62 In terms of the Code and the Basic Principles the norm in respect of the intentional use of lethal force is the same under all circumstances whether in self-defence arrest quelling a riot or any other circumstances namely protection of life 10 ldquoComo a jurisprudecircncia do sistema interamericano explicou em numerosas ocasiotildees a liberdade de expressatildeo eacute um direito que tem duas dimensotildees uma dimensatildeo individual que consiste no direito de cada pessoa para expressar seus pensamentos ideias e informaccedilotildees e uma dimensatildeo coletiva ou social que consiste no direito da sociedade de obter e receber todas as informaccedilotildees para saber os pensamentos ideias e informaccedilotildees de outras pessoas para estarem bem informadosrdquo CIDH Escritoacuterio do Relator Especial pela Liberdade de Expressatildeo The inter-American legal framework regarding the right to freedom of expression (OEA SerLVII CIDHRELEINF (2009) par 13 Traduccedilatildeo livre de ldquoAs the case law of the inter-American system has explained on numerous occasions freedom of expression is a right that has two dimensions an individual dimension consisting of the right of each person to express her own thoughts ideas and information and a collective or social dimension consisting of societyrsquos right to obtain and receive any information to know the thoughts ideas and information of others and to be well-informedrdquo 11 Paraacutegrafo 176 da Segunda Ediccedilatildeo das Diretrizes da OSCE Detalhando por exemplo a obrigaccedilatildeo de estabelecer procedimentos de descontaminaccedilatildeo de produtos quiacutemicos irritantes utilizados em

11

A Corte Europeia de Direitos Humanos inclusive jaacute adotou posicionamentos

importantes sobre o tema como a presunccedilatildeo em favor do caraacuteter paciacutefico de todas as

manifestaccedilotildees12 a legitimidade das manifestaccedilotildees de uso do espaccedilo puacuteblico ainda que

causem um certo grau de perturbaccedilatildeo na vida cotidiana13 a necessidade de avaliar o

comportamento do indiviacuteduo separadamente do da multidatildeo14 e o ocircnus da prova de

manifestantes com intenccedilotildees ou accedilotildees violentas que recai sobre as autoridades15

Com o que seraacute esmiuccedilado a seguir este mm Juiacutezo teraacute condiccedilotildees de

observar que o Estado de Satildeo Paulo em sua competecircncia de regulamentar e

controlar a atividade de sua poliacutecia militar aleacutem de desrespeitar a proacutepria

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil viola absolutamente TODAS AS

NORMAS INTERNACIONAIS jaacute estabelecidas para o uso da forccedila policial

5) DO USO DA FORCcedilA PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO NO DIA 13 DE

JUNHO DE 2013

Em 13 de junho de 2013 uma das situaccedilotildees de fato trazidas agrave demanda a Poliacutecia

realizava em Satildeo Paulo uma das mais violentas repressotildees a manifestaccedilotildees desde o fim da

ditadura militar Numa noite de horror coletivo raramente vista milhares de pessoas que

manifestantes a proibiccedilatildeo de utilizar a forccedila contra manifestantes paciacuteficos que satildeo incapazes de dispersar o dever de manter registros detalhados sobre o tipo de forccedila utilizada e a obrigaccedilatildeo de investigar a causa de mortes ou ferimentos entre outros 12 Uma assembleacuteia seraacute considerada paciacutefica enquanto os participantes estiverem paciacuteficos mesmo que os organizadores natildeo cumpram com todos os requisitos legais necessaacuterios para o desenvolvimento da manifestaccedilatildeo Oya Ataman v Turkey no 7455201 ECHR 2006 e Cisse v France no 5134699 sect 37 ECHR 2002 Traduccedilatildeo livre de ldquoAn assembly will be deemed peaceful as long as the participants remain peaceful even if the organizers have not complied with all legal requirements prior to the assemblyrdquo 13 Patyi and Others v Hungary no 552905 sectsect 42-43 ECHR 2008 Balccedilik and Others v Turkey no 2502 sect 52 ECHR 2007 Ashughyan v Armenia no 3326803 sect 90 ECHR 2008 14 ldquouma pessoa natildeo deixa de gozar do direito de reuniatildeo paciacutefica em casos de violecircncia esporaacutedica ou outros atos puniacuteveis cometidos por outras no curso da manifestaccedilatildeo se permanece tranquilo em suas proacuteprias intenccedilotildees ou comportamentosrdquo Ziliberberg v Moldova (dec) no 6182100 ECHR 2004 Traduccedilatildeo livre de ldquoan individual does not cease to enjoy the right to peaceful assembly as a result of sporadic violence or other punishable acts committed by others in the course of the demonstration if the individual in question remains peaceful in his or her own intentions or behaviourrdquo 15 Christian Democratic Peoplersquos Party v Moldova (No 2) no 2519604 sect 23 ECHR 2010

12

participavam de um protesto paciacutefico no centro da cidade se viram cercadas por tropas

policiais em um labirinto violento que atravessou a noite e cujas traacutegicas consequecircncias se

fazem sentir ainda hoje especialmente para os que carregaratildeo sequelas fiacutesicas e emocionais

Esse caso mostra evidente que os procedimentos adotados pela seguranccedila puacuteblica

paulista natildeo respeitaram os protocolos internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila

aleacutem de descumprir tratados e convenccedilotildees internacionais que o Brasil eacute signataacuterio e natildeo

seguir as recomendaccedilotildees das organizaccedilotildees internacionais das quais o Brasil eacute parte

Satildeo numerosos os relatos e evidecircncias de violecircncia fiacutesica contra os manifestantes

em 13 de junho de 2013 inclusive em desfavor de pessoas rendidas deitadas desarmadas e

desprovidas de qualquer acircnimo de resistecircncia Muitas destas pessoas foram espancadas e

atingidas por disparos de balas de borracha

Foram relatados ainda atos de violecircncia contra pessoas que natildeo estavam

participando dos protestos inclusive idosos e crianccedilas16 Foram registradas cenas onde a

Poliacutecia invadiu ateacute mesmo hospitais a fim de localizar pessoas que teriam participado dos

protestos17 Aleacutem disso apoacutes o grande nuacutemero de manifestantes jaacute ter sido dispersado

foram registradas cenas onde a Poliacutecia invadiu estabelecimentos comerciais supostamente

em busca dos manifestantes e agrediu pessoas18 Segundo relatos dos organizadores do

evento mais de 100 pessoas ficaram feridas19 em decorrecircncia da accedilatildeo truculenta da Poliacutecia

naquele dia

16 Ver por exemplo PORTAL DE NOTIacuteCIAS TERRA ldquoBomba de gaacutes lacrimogecircneo atinge carro de um idoso que estava de passagemrdquo viacutedeo publicado no 14 de junho de 2013 13h50 disponiacutevel no link httpterratvterracombrvideosNoticiasBrasilCidades4828-474261Bomba-de-gas-lacrimogeneo-cai-dentro-de-carro-em-protesto-em-SPhtm 17 Ver depoimento no site do Coletivo Antiproibicionista de Satildeo Paulo ldquoPM retira feridos a forccedila de hospital e impede atendimentordquo 14 de junho de 2013 disponiacutevel no link httpcoletivodarorg201306pm-retira-feridos-a-forca-de-hospital-e-impede-atendimento

18Ver por exemplo JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoApoacutes confronto casal eacute agredido por PMs na regiatildeo da Paulistardquo 14 de junho de 2013 00h52 disponiacutevel em httpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294916-apos-confronto-casal-e-agredido-por-pms-na-regiao-da-paulistashtml 19

Os dados finais sobre o numero de feridos ainda estatildeo sendo organizados pelo MPL e pela Defensoria

Puacuteblica de Satildeo Paulo Para uma estimativa ver infograacutefico JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoDos 235

detidos em protesto 231 satildeo liberados apoacutes prestar depoimentordquo 14 de junho 2013 07h25 disponiacutevel

emhttpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294960-dos-235-detidos-em-protesto-231-sao-

liberados-apos-prestar-depoimentoshtml

13

Abaixo demonstra-se detalhadamente cada norma dos protocolos internacionais

para a utilizaccedilatildeo da forccedila que foram descumpridas pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo

Paulo contribuindo-se para o livre convencimento deste mm Juiacutezo a dar total procedecircncia

agrave presente accedilatildeo civil puacuteblica

i - DA INTERRUPCcedilAtildeO DA REUNIAtildeO PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Um dia que ficaria para a histoacuteria como a maior expressatildeo do exerciacutecio do direito

constitucional de reuniatildeo da liberdade de expressatildeo e de locomoccedilatildeo na verdade tornou-se

a maior expressatildeo da restriccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Observa-

se que a justificativa de se liberar o traacutefego de veiacuteculos para garantir a manutenccedilatildeo da

ordem puacuteblica foi a causa que deu iniacutecio agrave accedilatildeo ilegal e truculenta da Poliacutecia Militar do

Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

Nota-se das paacuteginas 21 e 22 da exordial que as proacuteprias forccedilas de seguranccedila

tomaram a iniciativa de encerrar o ato que reuniu cerca de 15 mil pessoas que caminhavam

pelas ruas de Satildeo Paulo

Ocorre que aleacutem de ilegal e inconstitucional essa medida ofende diretamente a

Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica)

incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 68792

Eacute o que diz a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos no Marco Juriacutedico

Interamericano Sobre o Direito agrave Liberdade de Expressatildeo20 onde seu paraacutegrafo 82

assevera

20 Apresentado pela Relatoria para a Liberdade de Expressatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos 2010 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhexpresiondocspublicacionesMARCO20JURIDICO20INTERAMERICANO20DEL20DERECHO20A20LA20LIBERTAD20DE20EXPRESION20ESP20FINAL20portadadocpdf (acessado em 04062014)

14

ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar

a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente

verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma

perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o

funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21

Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial

natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da

Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela

ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica

Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima

ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre

eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas

de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem

claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais

ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e

restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da

ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22

Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram

relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando

que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas

manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou

21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo

15

Veja-se o depoimento de uma delas

A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo

onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a

movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios

manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com

dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer

Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em

frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda

Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes

formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que

os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []

Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do

estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me

recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns

policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com

absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs

policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava

proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da

voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar

naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista

que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer

16

Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo

paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de

15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo

de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente

23

Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam

pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de

reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os

posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de

reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos

Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se

ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no

nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a

reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo

da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude

da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas

democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar

limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja

23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)

17

absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas

devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das

manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da

necessidade e da proporcionalidaderdquo25

A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua

proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da

Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo

Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos

Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo

Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse

direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias

de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por

escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua

escolha

Artigo 15 - Direito de reuniatildeo

Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse

direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam

necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila

nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a

moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas

25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo

18

Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios

garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da

conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27

Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime

e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para

assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da

Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que

ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos

no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao

conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de

outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico

advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do

puacuteblico em geralrdquo

Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por

Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees

Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo

por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma

manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta

26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

19

29

A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12

que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os

princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos

Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila

e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14

Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que

claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre

expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da

proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial

Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo

13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for

possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio

14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute

poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros

meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de

fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9

29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg

20

Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia

deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees

narradas na inicial

Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de

se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e

internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas

para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo

ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE

GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em

vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram

milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas

de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial

de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o

trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes

21

22

Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas

crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma

agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois

de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a

dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou

cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego

Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que

sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)

Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me

atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel

Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti

naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha

paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante

e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo

que eu tive

Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de

vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve

promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)

23

Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia

respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr

mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei

correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo

mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a

Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou

encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta

na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem

Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo

dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele

momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo

Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a

princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu

corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou

melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o

impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles

estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei

ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as

pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles

continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes

dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de

borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e

virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio

Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte

profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei

muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma

sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo

tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de

borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse

estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia

me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele

se assustou e deixou entrar

24

Esta eacute a lesatildeo de que relato trata

Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees

menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas

contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia

O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo

teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado

minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos

O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo

da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17

de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem

puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas

30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

25

Seu artigo 3ordm dispotildee

Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a

forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida

exigida para o cumprimento do seu dever

Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila

independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o

estritamente necessaacuterio

Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979

possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos

Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm

ldquoComentaacuterio

a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional

Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a

forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como

necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime

ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos

qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido

b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio

da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais

de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta

disposiccedilatildeo

A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no

sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o

legiacutetimo objetivo a atingir

c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem

fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de

31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661

26

fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se

armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou

quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja

suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que

uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as

autoridades competentesrdquo

Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos

Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito

da ONU a qual o Brasil estaacute submetido

32

Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o

paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se

32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 4: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

4

Lawrdquo (ldquoO Amicus Curiaerdquo nos Tribunais Brasileiros ndash palestra proferida na

Escola Paulista de Magistratura em 13092011)

Esta figura tinha por missatildeo o auxiacutelio dos sacerdotes na soluccedilatildeo de lides que

a eles eram trazidas em um eacutepoca histoacuterica em que as decisotildees judicias eram

primeiramente proferidas pelo clero e apoacutes referendadas pela nobreza

governante

Embora natildeo haja lei que defina expressamente o ldquoamicus curiaerdquo haacute uma

seacuterie de diplomas legislativos que trazem indiretamente essa figura Entre

elas podemos citar

- Art 31 da Lei nordm 638676 ndash Mercado de Capitais

- Art 89 da Lei nordm 888494 ndash lei antitruste

- Art 49 da Lei nordm 890694 ndash Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil

- Art 5ordm da Lei nordm 946997 ndash que estabelece prerrogativas da faz Puacuteblica

- Art 97 da Constituiccedilatildeo Federal Incidente de Inconstitucionalidade

Haacute tambeacutem leis mais recentes que chama o ldquoamicus curiaerdquo de ldquoterceirosrdquo

- Lei nordm 986899 ndash Lei da ADIn e ADc Neste caso haacute previsatildeo expressa da

intervenccedilatildeo de terceiros

- Lei nordm 988299 ndash Lei da ADPF ndash tambeacutem da mesma forma

- Lei nordm 1141806 ndash Lei de Repercussatildeo Geral

Assim diante da legislaccedilatildeo paacutetria a funccedilatildeo atual do ldquoamicus curiaerdquo eacute de

ajudar o juiz a proferir uma decisatildeo quando por dois motivos a decisatildeo

afetara outras pessoas e aquela pessoa que na sua imparcialidade traz provas

ao juiz para auxiliar o juiz

Portanto mesmo sem lei eacute possiacutevel e necessaacuterio generalizar o

ldquoamicus curiaerdquo quando houver um processo paradigmaacutetico ou em

natildeo sendo deva ter um conteuacutedo valorativo muito forte

Dessa forma era possiacutevel considerar a utilidade das argumentaccedilotildees trazidas

pela Conectas que serviriam para corroborar a decisatildeo ora proferidardquo

Assim fica demonstrada a possibilidade juriacutedica da manifestaccedilatildeo da requerente

como amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

5

2) DA LEGITIMIDADE DA REQUERENTE PARA SE MANIFESTAR COMO AMICUS CURIAE

Demonstrada a possibilidade da intervenccedilatildeo de amicus curiae e da relevacircncia social

que a demanda envolve faz-se necessaacuterio analisar a representatividade da requerente a fim

de reconhecer a sua legitimidade para se manifestar como amicus curiae

No caso eacute importante destacar que a organizaccedilatildeo tem como uma de suas missotildees

a efetivaccedilatildeo dos fundamentos da Repuacuteblica Federativa do Brasil especialmente no que

tange agrave cidadania e agrave dignidade da pessoa humana Veja-se

ldquoConectas Direitos Humanos foi fundada em 2001 com a missatildeo de

fortalecer e promover o respeito aos direitos humanos no Brasil e no

hemisfeacuterio Sul dedicando-se para tanto agrave educaccedilatildeo em direitos humanos agrave

advocacia estrateacutegica e agrave promoccedilatildeo do diaacutelogo entre sociedade civil

universidades e agecircncias internacionais envolvidas na defesa destes direitos

Conectas promove advocacia estrateacutegica em direitos humanos em

acircmbito nacional e internacional com o objetivo de alterar as praacuteticas

institucionais e sociais que desencadeiam sistemaacuteticas violaccedilotildees de

direitos humanos Desde 2006 tem status consultivo junto ao Conselho

de Direitos Humanos das Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) e desde

2009 dispotildee de status de observador na Comissatildeo Africana de Direitos

Humanos e dos Povos2

A requerente eacute hoje a organizaccedilatildeo natildeo governamental com maior nuacutemero de amici

curiae perante o Supremo Tribunal Federal jaacute tendo ingressado com 42 (quarenta e dois)

desde a sua fundaccedilatildeo

Atuar em accedilotildees e processos destinados agrave efetivaccedilatildeo dos direitos humanos inclui a

busca continua pela efetivaccedilatildeo dos fundamentos da Repuacuteblica Federativa do Brasil

especialmente no que tange agrave cidadania e agrave dignidade da pessoa humana que satildeo

fundamentais para todo e qualquer serviccedilo prestado pelo Estado

2 wwwconectasorg

6

Com relaccedilatildeo aos fins institucionais da associaccedilatildeo autora vale transcrever o

inciso VI do artigo 3ordm e o paraacutegrafo 1ordm item ldquodrdquo do mesmo artigo de seu Estatuto (doc

01) in verbis

Artigo 3ordm - A ASSOCIACcedilAtildeO seraacute regida nos termos da Lei 979099 e

teraacute por finalidade promover apoiar monitorar e avaliar projetos em

direitos humanos em niacutevel nacional e internacional em especial

[]

VI ndash promoccedilatildeo e defesa dos direitos humanos em acircmbito judicial

Paraacutegrafo 1ordm - A ASSOCIACcedilAtildeO pode para consecuccedilatildeo de seus

objetivos institucionais utilizar todos os meios permitidos na lei

especialmente para

[]

g) Promover accedilotildees judiciais visando agrave efetivaccedilatildeo dos direitos

humanos

Restam desde modo devidamente demonstrados os requisitos necessaacuterios para a

admissatildeo da presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae quais sejam relevacircncia da

mateacuteria discutida a representatividade do postulante e sua legitimidade

3) OBJETO DA PRESENTE DEMANDA

A presente accedilatildeo civil puacuteblica fundamenta-se em 8 fatos que demonstram a

violaccedilatildeo sistemaacutetica que o Estado de Satildeo Paulo promove em face dos direitos das pessoas

reunirem-se independentemente de autorizaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo de atos manifestaccedilotildees e

protestos em locais puacuteblicos na Cidade de Satildeo Paulo

A demanda tem como objeto aleacutem da tutela reparatoacuteria a determinaccedilatildeo de

obrigaccedilatildeo de fazer e de natildeo fazer ao Estado de Satildeo Paulo no que tange agrave atuaccedilatildeo de sua

Policia Militar em manifestaccedilotildees puacuteblicas a fim de cumprir com garantias e direitos

fundamentais expressos na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica como o direito de reuniatildeo o direito

7

ao lazer o direito agrave cidade a liberdade de expressatildeo e o livre exerciacutecio profissional de

jornalistas

Argumenta-se que o procedimento adotado pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo

Paulo em cada uma das 8 situaccedilotildees narradas trouxe danos irreversiacuteveis para as pessoas que

tiveram direitos suprimidos pela atividade repressiva e danos sociais para a coletividade

diante da grave violaccedilatildeo de preceitos fundamentais do Estado Democraacutetico de Direito

A autora requer a condenaccedilatildeo do reacuteu para que expeccedila ato normativo definindo

paracircmetros de atuaccedilatildeo da PMESP em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se

abstenha de impor condiccedilotildees ou limites de tempo e lugar agraves reuniotildees e manifestaccedilotildees

puacuteblicas de portar arma de fogo de utilizar gaacutes lacrimogecircneo e bombas de efeito moral

para dissolver aglomeraccedilotildees antes de comunicar os manifestantes em tempo haacutebil para sua

compreensatildeo e acatamento de postar a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de

Satildeo Paulo em manifestaccedilotildees paciacuteficas e de impedir qualquer cidadatildeo de captar imagem e

som de seus agentes em atuaccedilatildeo para identificar adequadamente todos os policiais atuando

em acompanhamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para indicar negociador civil e para ser

responsabilizado pelos danos sofridos pela coletividade ou individualmente

Tendo em vista que o tema eacute de extrema relevacircncia a organizaccedilatildeo CONECTAS

DIREITOS HUMANOS que ora se manifesta na qualidade de amicus curiae oferece nesta

oportunidade argumentos em favor da concessatildeo antecipada dos efeitos da tutela

pretendida e do julgamento pela TOTAL PROCEDEcircNCIA da presente Accedilatildeo Civil

Puacuteblica pelas razotildees a seguir expostas

4) PROMOCcedilAtildeO E PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO DE PROTESTOS

SOCIAIS

A ndash INTRODUCcedilAtildeO

Ao longo da histoacuteria protestos e outros meios de participaccedilatildeo social formaram

um elemento essencial de vibrantes sociedades democraacuteticas Embora a palavra ldquoprotestordquo

natildeo apareccedila no texto de tratados internacionais o sistema internacional de proteccedilatildeo dos

8

direitos humanos inegavelmente protege o direito de protestar em reconhecimento aos

direitos de reuniatildeo liberdade de expressatildeo de opiniatildeo e de associaccedilatildeo

Entretanto nos uacuteltimos anos o crescente nuacutemero de manifestaccedilotildees populares

pelo mundo vem se deparando com reaccedilotildees violentas das autoridades do Estado - em

regra os proacuteprios contestados nas manifestaccedilotildees Nesse sentido governos optam por

impor restriccedilotildees ao direito de reuniatildeo natildeo soacute ilegais mas contraacuterias ao proacuteprio conceito de

Estado Democraacutetico

Eacute nesse contexto que a presente demanda se insere e que a CONECTAS DIREITOS

HUMANOS viu-se compelida a se manifestar como amicus curiae para oferecer um breve

panorama dos principais paracircmetros internacionais que regulam o comportamento

da poliacutecia e particularmente o uso da forccedila no contexto de manifestaccedilotildees

populares

B ndash PRINCIPAIS NORMAS INTERNACIONAIS QUE REGULAM O USO DA FORCcedilA PELA

POLIacuteCIA

A niacutevel global existem 2 conjuntos de documentos que tratam especificamente da

regulaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia o Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19793 (doc 4) com as diretrizes para sua efetiva

implementaccedilatildeo4 e os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19905 (doc 5)

Amplamente tidas como declaraccedilotildees oficiais de direito internacional6 esses

instrumentos satildeo frequentemente mencionados pelos mecanismos regionais de direitos

3 Adotado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo nordm 34169 4 Adotado pelo Resoluccedilatildeo Conselho Social e Econocircmico da ONU nordm 198661 5 Adotado pela Conferecircncia de Crime das Naccedilotildees Unidas 6 Relatoacuterio apresentado na Assembleia Geral em 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on

9

humanos e tecircm sido repetidamente referenciados por vaacuterios oacutergatildeos da ONU7 como

expressatildeo dos princiacutepios da proporcionalidade e da estrita necessidade do uso da forccedila

policial destacando ainda que o uso de potencial forccedila letal deve ser sempre excepcional

A preocupaccedilatildeo da comunidade internacional com a efetividade dos direitos

universais de livre expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo fez com que fosse criada no

acircmbito da ONU a figura do Relator Especial sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo

Aleacutem disso haacute de ser destacado que em maio de 2011 o Relator Especial da

ONU sobre Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias ou Arbitraacuterias apresentou um

estudo ao Conselho de Direitos Humanos da organizaccedilatildeo concluindo que os sistemas

legais de muitos paiacuteses ainda natildeo aderiram aos padrotildees internacionais miacutenimos

relacionados ao uso da forccedila policial8

61 A princiacutepio disparar indiscriminadamente contra uma multidatildeo natildeo eacute

permitido e soacute pode se voltar ao indiviacuteduo ou grupo que constitui ameaccedila

de morte ou ferimentos graves O uso de armas de fogo natildeo pode ser

justificado apenas porque uma reuniatildeo eacute ilegal que tenha deva ser

dispersada ou para se proteger a propriedade Isso muitas vezes natildeo estaacute

refletido nas leis do paiacutes

62 Nos termos do Coacutedigo de Conduta e dos Princiacutepios Baacutesicos a norma a

respeito do uso intencional de forccedila letal eacute a mesma em todas as

circunstacircncias mesmo em auto-defesa prisatildeo contenccedilatildeo de revolta popular

the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 7 Entre outros Resoluccedilotildees do Conselho de Direitos Humanos observaccedilotildees finais de vaacuterios corpos de tratados como o Comitecirc de Direitos Humanos e o Comitecirc Contra a Tortura aleacutem dos relatos de procedimentos especiais 8 Relatoacuterio do Relator Especial sobre execuccedilotildees extrajudicias sumaacuterias ou arbitraacuterias apresentado agrave Assembleia Geral em 23052011 (AHRC1728) paraacutegrafos 61 e 62 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf

10

ou em quaisquer outras circunstacircncias ou seja somente em proteccedilatildeo da

vida9

No acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos (CIDH) por meio do Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos

Humanos (2009) (doc 7) e do Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo dos Defensores dos

Direitos Humanos nas Ameacutericas (2012) (doc 8) definiu paracircmetros concretos para

regular o policiamento de protestos que inclui nomeadamente a proibiccedilatildeo do uso de

forccedila letal a necessidade de treinamento adequado para o policiamento durante

manifestaccedilotildees de massa e a exigecircncia de identificaccedilatildeo clara e individual dos policiais

Nota-se que os paracircmetros da CIDH tambeacutem reforccedilam os princiacutepios da

proporcionalidade e da estrita necessidade aleacutem de reconhecer que o direito de protestar eacute

uma forma de expressatildeo coletiva que deve ser garantida10

Natildeo eacute demais destacar que na Europa estaacute vigente um Coacutedigo Europeu de Eacutetica

Policial que conteacutem uma seccedilatildeo inteira dedicada ao policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas

que incluem obrigaccedilotildees processuais e materiais sobre as forccedilas de seguranccedila antes durante

e apoacutes as manifestaccedilotildees acontecerem aleacutem de um foco especial sobre as obrigaccedilotildees da

poliacutecia quando as forccedilas de seguranccedila tomam medidas para dispersar a multidatildeo11

9 Traduccedilatildeo livre de 61 In principle shooting indiscriminately into a crowd is not allowed and may only be targeted at the person or persons constituting the threat of death or serious injury The use of firearms cannot be justified merely because a particular gathering is illegal and has to be dispersed or to protect property This is often not reflected in domestic laws 62 In terms of the Code and the Basic Principles the norm in respect of the intentional use of lethal force is the same under all circumstances whether in self-defence arrest quelling a riot or any other circumstances namely protection of life 10 ldquoComo a jurisprudecircncia do sistema interamericano explicou em numerosas ocasiotildees a liberdade de expressatildeo eacute um direito que tem duas dimensotildees uma dimensatildeo individual que consiste no direito de cada pessoa para expressar seus pensamentos ideias e informaccedilotildees e uma dimensatildeo coletiva ou social que consiste no direito da sociedade de obter e receber todas as informaccedilotildees para saber os pensamentos ideias e informaccedilotildees de outras pessoas para estarem bem informadosrdquo CIDH Escritoacuterio do Relator Especial pela Liberdade de Expressatildeo The inter-American legal framework regarding the right to freedom of expression (OEA SerLVII CIDHRELEINF (2009) par 13 Traduccedilatildeo livre de ldquoAs the case law of the inter-American system has explained on numerous occasions freedom of expression is a right that has two dimensions an individual dimension consisting of the right of each person to express her own thoughts ideas and information and a collective or social dimension consisting of societyrsquos right to obtain and receive any information to know the thoughts ideas and information of others and to be well-informedrdquo 11 Paraacutegrafo 176 da Segunda Ediccedilatildeo das Diretrizes da OSCE Detalhando por exemplo a obrigaccedilatildeo de estabelecer procedimentos de descontaminaccedilatildeo de produtos quiacutemicos irritantes utilizados em

11

A Corte Europeia de Direitos Humanos inclusive jaacute adotou posicionamentos

importantes sobre o tema como a presunccedilatildeo em favor do caraacuteter paciacutefico de todas as

manifestaccedilotildees12 a legitimidade das manifestaccedilotildees de uso do espaccedilo puacuteblico ainda que

causem um certo grau de perturbaccedilatildeo na vida cotidiana13 a necessidade de avaliar o

comportamento do indiviacuteduo separadamente do da multidatildeo14 e o ocircnus da prova de

manifestantes com intenccedilotildees ou accedilotildees violentas que recai sobre as autoridades15

Com o que seraacute esmiuccedilado a seguir este mm Juiacutezo teraacute condiccedilotildees de

observar que o Estado de Satildeo Paulo em sua competecircncia de regulamentar e

controlar a atividade de sua poliacutecia militar aleacutem de desrespeitar a proacutepria

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil viola absolutamente TODAS AS

NORMAS INTERNACIONAIS jaacute estabelecidas para o uso da forccedila policial

5) DO USO DA FORCcedilA PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO NO DIA 13 DE

JUNHO DE 2013

Em 13 de junho de 2013 uma das situaccedilotildees de fato trazidas agrave demanda a Poliacutecia

realizava em Satildeo Paulo uma das mais violentas repressotildees a manifestaccedilotildees desde o fim da

ditadura militar Numa noite de horror coletivo raramente vista milhares de pessoas que

manifestantes a proibiccedilatildeo de utilizar a forccedila contra manifestantes paciacuteficos que satildeo incapazes de dispersar o dever de manter registros detalhados sobre o tipo de forccedila utilizada e a obrigaccedilatildeo de investigar a causa de mortes ou ferimentos entre outros 12 Uma assembleacuteia seraacute considerada paciacutefica enquanto os participantes estiverem paciacuteficos mesmo que os organizadores natildeo cumpram com todos os requisitos legais necessaacuterios para o desenvolvimento da manifestaccedilatildeo Oya Ataman v Turkey no 7455201 ECHR 2006 e Cisse v France no 5134699 sect 37 ECHR 2002 Traduccedilatildeo livre de ldquoAn assembly will be deemed peaceful as long as the participants remain peaceful even if the organizers have not complied with all legal requirements prior to the assemblyrdquo 13 Patyi and Others v Hungary no 552905 sectsect 42-43 ECHR 2008 Balccedilik and Others v Turkey no 2502 sect 52 ECHR 2007 Ashughyan v Armenia no 3326803 sect 90 ECHR 2008 14 ldquouma pessoa natildeo deixa de gozar do direito de reuniatildeo paciacutefica em casos de violecircncia esporaacutedica ou outros atos puniacuteveis cometidos por outras no curso da manifestaccedilatildeo se permanece tranquilo em suas proacuteprias intenccedilotildees ou comportamentosrdquo Ziliberberg v Moldova (dec) no 6182100 ECHR 2004 Traduccedilatildeo livre de ldquoan individual does not cease to enjoy the right to peaceful assembly as a result of sporadic violence or other punishable acts committed by others in the course of the demonstration if the individual in question remains peaceful in his or her own intentions or behaviourrdquo 15 Christian Democratic Peoplersquos Party v Moldova (No 2) no 2519604 sect 23 ECHR 2010

12

participavam de um protesto paciacutefico no centro da cidade se viram cercadas por tropas

policiais em um labirinto violento que atravessou a noite e cujas traacutegicas consequecircncias se

fazem sentir ainda hoje especialmente para os que carregaratildeo sequelas fiacutesicas e emocionais

Esse caso mostra evidente que os procedimentos adotados pela seguranccedila puacuteblica

paulista natildeo respeitaram os protocolos internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila

aleacutem de descumprir tratados e convenccedilotildees internacionais que o Brasil eacute signataacuterio e natildeo

seguir as recomendaccedilotildees das organizaccedilotildees internacionais das quais o Brasil eacute parte

Satildeo numerosos os relatos e evidecircncias de violecircncia fiacutesica contra os manifestantes

em 13 de junho de 2013 inclusive em desfavor de pessoas rendidas deitadas desarmadas e

desprovidas de qualquer acircnimo de resistecircncia Muitas destas pessoas foram espancadas e

atingidas por disparos de balas de borracha

Foram relatados ainda atos de violecircncia contra pessoas que natildeo estavam

participando dos protestos inclusive idosos e crianccedilas16 Foram registradas cenas onde a

Poliacutecia invadiu ateacute mesmo hospitais a fim de localizar pessoas que teriam participado dos

protestos17 Aleacutem disso apoacutes o grande nuacutemero de manifestantes jaacute ter sido dispersado

foram registradas cenas onde a Poliacutecia invadiu estabelecimentos comerciais supostamente

em busca dos manifestantes e agrediu pessoas18 Segundo relatos dos organizadores do

evento mais de 100 pessoas ficaram feridas19 em decorrecircncia da accedilatildeo truculenta da Poliacutecia

naquele dia

16 Ver por exemplo PORTAL DE NOTIacuteCIAS TERRA ldquoBomba de gaacutes lacrimogecircneo atinge carro de um idoso que estava de passagemrdquo viacutedeo publicado no 14 de junho de 2013 13h50 disponiacutevel no link httpterratvterracombrvideosNoticiasBrasilCidades4828-474261Bomba-de-gas-lacrimogeneo-cai-dentro-de-carro-em-protesto-em-SPhtm 17 Ver depoimento no site do Coletivo Antiproibicionista de Satildeo Paulo ldquoPM retira feridos a forccedila de hospital e impede atendimentordquo 14 de junho de 2013 disponiacutevel no link httpcoletivodarorg201306pm-retira-feridos-a-forca-de-hospital-e-impede-atendimento

18Ver por exemplo JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoApoacutes confronto casal eacute agredido por PMs na regiatildeo da Paulistardquo 14 de junho de 2013 00h52 disponiacutevel em httpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294916-apos-confronto-casal-e-agredido-por-pms-na-regiao-da-paulistashtml 19

Os dados finais sobre o numero de feridos ainda estatildeo sendo organizados pelo MPL e pela Defensoria

Puacuteblica de Satildeo Paulo Para uma estimativa ver infograacutefico JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoDos 235

detidos em protesto 231 satildeo liberados apoacutes prestar depoimentordquo 14 de junho 2013 07h25 disponiacutevel

emhttpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294960-dos-235-detidos-em-protesto-231-sao-

liberados-apos-prestar-depoimentoshtml

13

Abaixo demonstra-se detalhadamente cada norma dos protocolos internacionais

para a utilizaccedilatildeo da forccedila que foram descumpridas pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo

Paulo contribuindo-se para o livre convencimento deste mm Juiacutezo a dar total procedecircncia

agrave presente accedilatildeo civil puacuteblica

i - DA INTERRUPCcedilAtildeO DA REUNIAtildeO PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Um dia que ficaria para a histoacuteria como a maior expressatildeo do exerciacutecio do direito

constitucional de reuniatildeo da liberdade de expressatildeo e de locomoccedilatildeo na verdade tornou-se

a maior expressatildeo da restriccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Observa-

se que a justificativa de se liberar o traacutefego de veiacuteculos para garantir a manutenccedilatildeo da

ordem puacuteblica foi a causa que deu iniacutecio agrave accedilatildeo ilegal e truculenta da Poliacutecia Militar do

Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

Nota-se das paacuteginas 21 e 22 da exordial que as proacuteprias forccedilas de seguranccedila

tomaram a iniciativa de encerrar o ato que reuniu cerca de 15 mil pessoas que caminhavam

pelas ruas de Satildeo Paulo

Ocorre que aleacutem de ilegal e inconstitucional essa medida ofende diretamente a

Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica)

incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 68792

Eacute o que diz a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos no Marco Juriacutedico

Interamericano Sobre o Direito agrave Liberdade de Expressatildeo20 onde seu paraacutegrafo 82

assevera

20 Apresentado pela Relatoria para a Liberdade de Expressatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos 2010 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhexpresiondocspublicacionesMARCO20JURIDICO20INTERAMERICANO20DEL20DERECHO20A20LA20LIBERTAD20DE20EXPRESION20ESP20FINAL20portadadocpdf (acessado em 04062014)

14

ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar

a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente

verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma

perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o

funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21

Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial

natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da

Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela

ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica

Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima

ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre

eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas

de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem

claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais

ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e

restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da

ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22

Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram

relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando

que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas

manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou

21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo

15

Veja-se o depoimento de uma delas

A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo

onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a

movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios

manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com

dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer

Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em

frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda

Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes

formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que

os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []

Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do

estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me

recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns

policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com

absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs

policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava

proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da

voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar

naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista

que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer

16

Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo

paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de

15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo

de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente

23

Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam

pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de

reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os

posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de

reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos

Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se

ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no

nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a

reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo

da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude

da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas

democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar

limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja

23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)

17

absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas

devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das

manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da

necessidade e da proporcionalidaderdquo25

A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua

proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da

Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo

Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos

Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo

Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse

direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias

de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por

escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua

escolha

Artigo 15 - Direito de reuniatildeo

Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse

direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam

necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila

nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a

moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas

25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo

18

Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios

garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da

conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27

Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime

e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para

assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da

Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que

ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos

no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao

conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de

outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico

advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do

puacuteblico em geralrdquo

Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por

Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees

Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo

por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma

manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta

26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

19

29

A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12

que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os

princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos

Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila

e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14

Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que

claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre

expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da

proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial

Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo

13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for

possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio

14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute

poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros

meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de

fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9

29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg

20

Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia

deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees

narradas na inicial

Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de

se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e

internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas

para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo

ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE

GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em

vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram

milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas

de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial

de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o

trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes

21

22

Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas

crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma

agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois

de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a

dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou

cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego

Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que

sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)

Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me

atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel

Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti

naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha

paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante

e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo

que eu tive

Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de

vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve

promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)

23

Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia

respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr

mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei

correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo

mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a

Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou

encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta

na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem

Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo

dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele

momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo

Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a

princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu

corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou

melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o

impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles

estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei

ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as

pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles

continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes

dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de

borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e

virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio

Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte

profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei

muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma

sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo

tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de

borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse

estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia

me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele

se assustou e deixou entrar

24

Esta eacute a lesatildeo de que relato trata

Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees

menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas

contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia

O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo

teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado

minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos

O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo

da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17

de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem

puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas

30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

25

Seu artigo 3ordm dispotildee

Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a

forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida

exigida para o cumprimento do seu dever

Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila

independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o

estritamente necessaacuterio

Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979

possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos

Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm

ldquoComentaacuterio

a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional

Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a

forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como

necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime

ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos

qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido

b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio

da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais

de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta

disposiccedilatildeo

A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no

sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o

legiacutetimo objetivo a atingir

c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem

fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de

31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661

26

fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se

armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou

quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja

suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que

uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as

autoridades competentesrdquo

Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos

Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito

da ONU a qual o Brasil estaacute submetido

32

Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o

paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se

32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 5: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

5

2) DA LEGITIMIDADE DA REQUERENTE PARA SE MANIFESTAR COMO AMICUS CURIAE

Demonstrada a possibilidade da intervenccedilatildeo de amicus curiae e da relevacircncia social

que a demanda envolve faz-se necessaacuterio analisar a representatividade da requerente a fim

de reconhecer a sua legitimidade para se manifestar como amicus curiae

No caso eacute importante destacar que a organizaccedilatildeo tem como uma de suas missotildees

a efetivaccedilatildeo dos fundamentos da Repuacuteblica Federativa do Brasil especialmente no que

tange agrave cidadania e agrave dignidade da pessoa humana Veja-se

ldquoConectas Direitos Humanos foi fundada em 2001 com a missatildeo de

fortalecer e promover o respeito aos direitos humanos no Brasil e no

hemisfeacuterio Sul dedicando-se para tanto agrave educaccedilatildeo em direitos humanos agrave

advocacia estrateacutegica e agrave promoccedilatildeo do diaacutelogo entre sociedade civil

universidades e agecircncias internacionais envolvidas na defesa destes direitos

Conectas promove advocacia estrateacutegica em direitos humanos em

acircmbito nacional e internacional com o objetivo de alterar as praacuteticas

institucionais e sociais que desencadeiam sistemaacuteticas violaccedilotildees de

direitos humanos Desde 2006 tem status consultivo junto ao Conselho

de Direitos Humanos das Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) e desde

2009 dispotildee de status de observador na Comissatildeo Africana de Direitos

Humanos e dos Povos2

A requerente eacute hoje a organizaccedilatildeo natildeo governamental com maior nuacutemero de amici

curiae perante o Supremo Tribunal Federal jaacute tendo ingressado com 42 (quarenta e dois)

desde a sua fundaccedilatildeo

Atuar em accedilotildees e processos destinados agrave efetivaccedilatildeo dos direitos humanos inclui a

busca continua pela efetivaccedilatildeo dos fundamentos da Repuacuteblica Federativa do Brasil

especialmente no que tange agrave cidadania e agrave dignidade da pessoa humana que satildeo

fundamentais para todo e qualquer serviccedilo prestado pelo Estado

2 wwwconectasorg

6

Com relaccedilatildeo aos fins institucionais da associaccedilatildeo autora vale transcrever o

inciso VI do artigo 3ordm e o paraacutegrafo 1ordm item ldquodrdquo do mesmo artigo de seu Estatuto (doc

01) in verbis

Artigo 3ordm - A ASSOCIACcedilAtildeO seraacute regida nos termos da Lei 979099 e

teraacute por finalidade promover apoiar monitorar e avaliar projetos em

direitos humanos em niacutevel nacional e internacional em especial

[]

VI ndash promoccedilatildeo e defesa dos direitos humanos em acircmbito judicial

Paraacutegrafo 1ordm - A ASSOCIACcedilAtildeO pode para consecuccedilatildeo de seus

objetivos institucionais utilizar todos os meios permitidos na lei

especialmente para

[]

g) Promover accedilotildees judiciais visando agrave efetivaccedilatildeo dos direitos

humanos

Restam desde modo devidamente demonstrados os requisitos necessaacuterios para a

admissatildeo da presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae quais sejam relevacircncia da

mateacuteria discutida a representatividade do postulante e sua legitimidade

3) OBJETO DA PRESENTE DEMANDA

A presente accedilatildeo civil puacuteblica fundamenta-se em 8 fatos que demonstram a

violaccedilatildeo sistemaacutetica que o Estado de Satildeo Paulo promove em face dos direitos das pessoas

reunirem-se independentemente de autorizaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo de atos manifestaccedilotildees e

protestos em locais puacuteblicos na Cidade de Satildeo Paulo

A demanda tem como objeto aleacutem da tutela reparatoacuteria a determinaccedilatildeo de

obrigaccedilatildeo de fazer e de natildeo fazer ao Estado de Satildeo Paulo no que tange agrave atuaccedilatildeo de sua

Policia Militar em manifestaccedilotildees puacuteblicas a fim de cumprir com garantias e direitos

fundamentais expressos na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica como o direito de reuniatildeo o direito

7

ao lazer o direito agrave cidade a liberdade de expressatildeo e o livre exerciacutecio profissional de

jornalistas

Argumenta-se que o procedimento adotado pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo

Paulo em cada uma das 8 situaccedilotildees narradas trouxe danos irreversiacuteveis para as pessoas que

tiveram direitos suprimidos pela atividade repressiva e danos sociais para a coletividade

diante da grave violaccedilatildeo de preceitos fundamentais do Estado Democraacutetico de Direito

A autora requer a condenaccedilatildeo do reacuteu para que expeccedila ato normativo definindo

paracircmetros de atuaccedilatildeo da PMESP em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se

abstenha de impor condiccedilotildees ou limites de tempo e lugar agraves reuniotildees e manifestaccedilotildees

puacuteblicas de portar arma de fogo de utilizar gaacutes lacrimogecircneo e bombas de efeito moral

para dissolver aglomeraccedilotildees antes de comunicar os manifestantes em tempo haacutebil para sua

compreensatildeo e acatamento de postar a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de

Satildeo Paulo em manifestaccedilotildees paciacuteficas e de impedir qualquer cidadatildeo de captar imagem e

som de seus agentes em atuaccedilatildeo para identificar adequadamente todos os policiais atuando

em acompanhamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para indicar negociador civil e para ser

responsabilizado pelos danos sofridos pela coletividade ou individualmente

Tendo em vista que o tema eacute de extrema relevacircncia a organizaccedilatildeo CONECTAS

DIREITOS HUMANOS que ora se manifesta na qualidade de amicus curiae oferece nesta

oportunidade argumentos em favor da concessatildeo antecipada dos efeitos da tutela

pretendida e do julgamento pela TOTAL PROCEDEcircNCIA da presente Accedilatildeo Civil

Puacuteblica pelas razotildees a seguir expostas

4) PROMOCcedilAtildeO E PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO DE PROTESTOS

SOCIAIS

A ndash INTRODUCcedilAtildeO

Ao longo da histoacuteria protestos e outros meios de participaccedilatildeo social formaram

um elemento essencial de vibrantes sociedades democraacuteticas Embora a palavra ldquoprotestordquo

natildeo apareccedila no texto de tratados internacionais o sistema internacional de proteccedilatildeo dos

8

direitos humanos inegavelmente protege o direito de protestar em reconhecimento aos

direitos de reuniatildeo liberdade de expressatildeo de opiniatildeo e de associaccedilatildeo

Entretanto nos uacuteltimos anos o crescente nuacutemero de manifestaccedilotildees populares

pelo mundo vem se deparando com reaccedilotildees violentas das autoridades do Estado - em

regra os proacuteprios contestados nas manifestaccedilotildees Nesse sentido governos optam por

impor restriccedilotildees ao direito de reuniatildeo natildeo soacute ilegais mas contraacuterias ao proacuteprio conceito de

Estado Democraacutetico

Eacute nesse contexto que a presente demanda se insere e que a CONECTAS DIREITOS

HUMANOS viu-se compelida a se manifestar como amicus curiae para oferecer um breve

panorama dos principais paracircmetros internacionais que regulam o comportamento

da poliacutecia e particularmente o uso da forccedila no contexto de manifestaccedilotildees

populares

B ndash PRINCIPAIS NORMAS INTERNACIONAIS QUE REGULAM O USO DA FORCcedilA PELA

POLIacuteCIA

A niacutevel global existem 2 conjuntos de documentos que tratam especificamente da

regulaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia o Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19793 (doc 4) com as diretrizes para sua efetiva

implementaccedilatildeo4 e os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19905 (doc 5)

Amplamente tidas como declaraccedilotildees oficiais de direito internacional6 esses

instrumentos satildeo frequentemente mencionados pelos mecanismos regionais de direitos

3 Adotado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo nordm 34169 4 Adotado pelo Resoluccedilatildeo Conselho Social e Econocircmico da ONU nordm 198661 5 Adotado pela Conferecircncia de Crime das Naccedilotildees Unidas 6 Relatoacuterio apresentado na Assembleia Geral em 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on

9

humanos e tecircm sido repetidamente referenciados por vaacuterios oacutergatildeos da ONU7 como

expressatildeo dos princiacutepios da proporcionalidade e da estrita necessidade do uso da forccedila

policial destacando ainda que o uso de potencial forccedila letal deve ser sempre excepcional

A preocupaccedilatildeo da comunidade internacional com a efetividade dos direitos

universais de livre expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo fez com que fosse criada no

acircmbito da ONU a figura do Relator Especial sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo

Aleacutem disso haacute de ser destacado que em maio de 2011 o Relator Especial da

ONU sobre Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias ou Arbitraacuterias apresentou um

estudo ao Conselho de Direitos Humanos da organizaccedilatildeo concluindo que os sistemas

legais de muitos paiacuteses ainda natildeo aderiram aos padrotildees internacionais miacutenimos

relacionados ao uso da forccedila policial8

61 A princiacutepio disparar indiscriminadamente contra uma multidatildeo natildeo eacute

permitido e soacute pode se voltar ao indiviacuteduo ou grupo que constitui ameaccedila

de morte ou ferimentos graves O uso de armas de fogo natildeo pode ser

justificado apenas porque uma reuniatildeo eacute ilegal que tenha deva ser

dispersada ou para se proteger a propriedade Isso muitas vezes natildeo estaacute

refletido nas leis do paiacutes

62 Nos termos do Coacutedigo de Conduta e dos Princiacutepios Baacutesicos a norma a

respeito do uso intencional de forccedila letal eacute a mesma em todas as

circunstacircncias mesmo em auto-defesa prisatildeo contenccedilatildeo de revolta popular

the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 7 Entre outros Resoluccedilotildees do Conselho de Direitos Humanos observaccedilotildees finais de vaacuterios corpos de tratados como o Comitecirc de Direitos Humanos e o Comitecirc Contra a Tortura aleacutem dos relatos de procedimentos especiais 8 Relatoacuterio do Relator Especial sobre execuccedilotildees extrajudicias sumaacuterias ou arbitraacuterias apresentado agrave Assembleia Geral em 23052011 (AHRC1728) paraacutegrafos 61 e 62 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf

10

ou em quaisquer outras circunstacircncias ou seja somente em proteccedilatildeo da

vida9

No acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos (CIDH) por meio do Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos

Humanos (2009) (doc 7) e do Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo dos Defensores dos

Direitos Humanos nas Ameacutericas (2012) (doc 8) definiu paracircmetros concretos para

regular o policiamento de protestos que inclui nomeadamente a proibiccedilatildeo do uso de

forccedila letal a necessidade de treinamento adequado para o policiamento durante

manifestaccedilotildees de massa e a exigecircncia de identificaccedilatildeo clara e individual dos policiais

Nota-se que os paracircmetros da CIDH tambeacutem reforccedilam os princiacutepios da

proporcionalidade e da estrita necessidade aleacutem de reconhecer que o direito de protestar eacute

uma forma de expressatildeo coletiva que deve ser garantida10

Natildeo eacute demais destacar que na Europa estaacute vigente um Coacutedigo Europeu de Eacutetica

Policial que conteacutem uma seccedilatildeo inteira dedicada ao policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas

que incluem obrigaccedilotildees processuais e materiais sobre as forccedilas de seguranccedila antes durante

e apoacutes as manifestaccedilotildees acontecerem aleacutem de um foco especial sobre as obrigaccedilotildees da

poliacutecia quando as forccedilas de seguranccedila tomam medidas para dispersar a multidatildeo11

9 Traduccedilatildeo livre de 61 In principle shooting indiscriminately into a crowd is not allowed and may only be targeted at the person or persons constituting the threat of death or serious injury The use of firearms cannot be justified merely because a particular gathering is illegal and has to be dispersed or to protect property This is often not reflected in domestic laws 62 In terms of the Code and the Basic Principles the norm in respect of the intentional use of lethal force is the same under all circumstances whether in self-defence arrest quelling a riot or any other circumstances namely protection of life 10 ldquoComo a jurisprudecircncia do sistema interamericano explicou em numerosas ocasiotildees a liberdade de expressatildeo eacute um direito que tem duas dimensotildees uma dimensatildeo individual que consiste no direito de cada pessoa para expressar seus pensamentos ideias e informaccedilotildees e uma dimensatildeo coletiva ou social que consiste no direito da sociedade de obter e receber todas as informaccedilotildees para saber os pensamentos ideias e informaccedilotildees de outras pessoas para estarem bem informadosrdquo CIDH Escritoacuterio do Relator Especial pela Liberdade de Expressatildeo The inter-American legal framework regarding the right to freedom of expression (OEA SerLVII CIDHRELEINF (2009) par 13 Traduccedilatildeo livre de ldquoAs the case law of the inter-American system has explained on numerous occasions freedom of expression is a right that has two dimensions an individual dimension consisting of the right of each person to express her own thoughts ideas and information and a collective or social dimension consisting of societyrsquos right to obtain and receive any information to know the thoughts ideas and information of others and to be well-informedrdquo 11 Paraacutegrafo 176 da Segunda Ediccedilatildeo das Diretrizes da OSCE Detalhando por exemplo a obrigaccedilatildeo de estabelecer procedimentos de descontaminaccedilatildeo de produtos quiacutemicos irritantes utilizados em

11

A Corte Europeia de Direitos Humanos inclusive jaacute adotou posicionamentos

importantes sobre o tema como a presunccedilatildeo em favor do caraacuteter paciacutefico de todas as

manifestaccedilotildees12 a legitimidade das manifestaccedilotildees de uso do espaccedilo puacuteblico ainda que

causem um certo grau de perturbaccedilatildeo na vida cotidiana13 a necessidade de avaliar o

comportamento do indiviacuteduo separadamente do da multidatildeo14 e o ocircnus da prova de

manifestantes com intenccedilotildees ou accedilotildees violentas que recai sobre as autoridades15

Com o que seraacute esmiuccedilado a seguir este mm Juiacutezo teraacute condiccedilotildees de

observar que o Estado de Satildeo Paulo em sua competecircncia de regulamentar e

controlar a atividade de sua poliacutecia militar aleacutem de desrespeitar a proacutepria

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil viola absolutamente TODAS AS

NORMAS INTERNACIONAIS jaacute estabelecidas para o uso da forccedila policial

5) DO USO DA FORCcedilA PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO NO DIA 13 DE

JUNHO DE 2013

Em 13 de junho de 2013 uma das situaccedilotildees de fato trazidas agrave demanda a Poliacutecia

realizava em Satildeo Paulo uma das mais violentas repressotildees a manifestaccedilotildees desde o fim da

ditadura militar Numa noite de horror coletivo raramente vista milhares de pessoas que

manifestantes a proibiccedilatildeo de utilizar a forccedila contra manifestantes paciacuteficos que satildeo incapazes de dispersar o dever de manter registros detalhados sobre o tipo de forccedila utilizada e a obrigaccedilatildeo de investigar a causa de mortes ou ferimentos entre outros 12 Uma assembleacuteia seraacute considerada paciacutefica enquanto os participantes estiverem paciacuteficos mesmo que os organizadores natildeo cumpram com todos os requisitos legais necessaacuterios para o desenvolvimento da manifestaccedilatildeo Oya Ataman v Turkey no 7455201 ECHR 2006 e Cisse v France no 5134699 sect 37 ECHR 2002 Traduccedilatildeo livre de ldquoAn assembly will be deemed peaceful as long as the participants remain peaceful even if the organizers have not complied with all legal requirements prior to the assemblyrdquo 13 Patyi and Others v Hungary no 552905 sectsect 42-43 ECHR 2008 Balccedilik and Others v Turkey no 2502 sect 52 ECHR 2007 Ashughyan v Armenia no 3326803 sect 90 ECHR 2008 14 ldquouma pessoa natildeo deixa de gozar do direito de reuniatildeo paciacutefica em casos de violecircncia esporaacutedica ou outros atos puniacuteveis cometidos por outras no curso da manifestaccedilatildeo se permanece tranquilo em suas proacuteprias intenccedilotildees ou comportamentosrdquo Ziliberberg v Moldova (dec) no 6182100 ECHR 2004 Traduccedilatildeo livre de ldquoan individual does not cease to enjoy the right to peaceful assembly as a result of sporadic violence or other punishable acts committed by others in the course of the demonstration if the individual in question remains peaceful in his or her own intentions or behaviourrdquo 15 Christian Democratic Peoplersquos Party v Moldova (No 2) no 2519604 sect 23 ECHR 2010

12

participavam de um protesto paciacutefico no centro da cidade se viram cercadas por tropas

policiais em um labirinto violento que atravessou a noite e cujas traacutegicas consequecircncias se

fazem sentir ainda hoje especialmente para os que carregaratildeo sequelas fiacutesicas e emocionais

Esse caso mostra evidente que os procedimentos adotados pela seguranccedila puacuteblica

paulista natildeo respeitaram os protocolos internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila

aleacutem de descumprir tratados e convenccedilotildees internacionais que o Brasil eacute signataacuterio e natildeo

seguir as recomendaccedilotildees das organizaccedilotildees internacionais das quais o Brasil eacute parte

Satildeo numerosos os relatos e evidecircncias de violecircncia fiacutesica contra os manifestantes

em 13 de junho de 2013 inclusive em desfavor de pessoas rendidas deitadas desarmadas e

desprovidas de qualquer acircnimo de resistecircncia Muitas destas pessoas foram espancadas e

atingidas por disparos de balas de borracha

Foram relatados ainda atos de violecircncia contra pessoas que natildeo estavam

participando dos protestos inclusive idosos e crianccedilas16 Foram registradas cenas onde a

Poliacutecia invadiu ateacute mesmo hospitais a fim de localizar pessoas que teriam participado dos

protestos17 Aleacutem disso apoacutes o grande nuacutemero de manifestantes jaacute ter sido dispersado

foram registradas cenas onde a Poliacutecia invadiu estabelecimentos comerciais supostamente

em busca dos manifestantes e agrediu pessoas18 Segundo relatos dos organizadores do

evento mais de 100 pessoas ficaram feridas19 em decorrecircncia da accedilatildeo truculenta da Poliacutecia

naquele dia

16 Ver por exemplo PORTAL DE NOTIacuteCIAS TERRA ldquoBomba de gaacutes lacrimogecircneo atinge carro de um idoso que estava de passagemrdquo viacutedeo publicado no 14 de junho de 2013 13h50 disponiacutevel no link httpterratvterracombrvideosNoticiasBrasilCidades4828-474261Bomba-de-gas-lacrimogeneo-cai-dentro-de-carro-em-protesto-em-SPhtm 17 Ver depoimento no site do Coletivo Antiproibicionista de Satildeo Paulo ldquoPM retira feridos a forccedila de hospital e impede atendimentordquo 14 de junho de 2013 disponiacutevel no link httpcoletivodarorg201306pm-retira-feridos-a-forca-de-hospital-e-impede-atendimento

18Ver por exemplo JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoApoacutes confronto casal eacute agredido por PMs na regiatildeo da Paulistardquo 14 de junho de 2013 00h52 disponiacutevel em httpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294916-apos-confronto-casal-e-agredido-por-pms-na-regiao-da-paulistashtml 19

Os dados finais sobre o numero de feridos ainda estatildeo sendo organizados pelo MPL e pela Defensoria

Puacuteblica de Satildeo Paulo Para uma estimativa ver infograacutefico JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoDos 235

detidos em protesto 231 satildeo liberados apoacutes prestar depoimentordquo 14 de junho 2013 07h25 disponiacutevel

emhttpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294960-dos-235-detidos-em-protesto-231-sao-

liberados-apos-prestar-depoimentoshtml

13

Abaixo demonstra-se detalhadamente cada norma dos protocolos internacionais

para a utilizaccedilatildeo da forccedila que foram descumpridas pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo

Paulo contribuindo-se para o livre convencimento deste mm Juiacutezo a dar total procedecircncia

agrave presente accedilatildeo civil puacuteblica

i - DA INTERRUPCcedilAtildeO DA REUNIAtildeO PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Um dia que ficaria para a histoacuteria como a maior expressatildeo do exerciacutecio do direito

constitucional de reuniatildeo da liberdade de expressatildeo e de locomoccedilatildeo na verdade tornou-se

a maior expressatildeo da restriccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Observa-

se que a justificativa de se liberar o traacutefego de veiacuteculos para garantir a manutenccedilatildeo da

ordem puacuteblica foi a causa que deu iniacutecio agrave accedilatildeo ilegal e truculenta da Poliacutecia Militar do

Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

Nota-se das paacuteginas 21 e 22 da exordial que as proacuteprias forccedilas de seguranccedila

tomaram a iniciativa de encerrar o ato que reuniu cerca de 15 mil pessoas que caminhavam

pelas ruas de Satildeo Paulo

Ocorre que aleacutem de ilegal e inconstitucional essa medida ofende diretamente a

Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica)

incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 68792

Eacute o que diz a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos no Marco Juriacutedico

Interamericano Sobre o Direito agrave Liberdade de Expressatildeo20 onde seu paraacutegrafo 82

assevera

20 Apresentado pela Relatoria para a Liberdade de Expressatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos 2010 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhexpresiondocspublicacionesMARCO20JURIDICO20INTERAMERICANO20DEL20DERECHO20A20LA20LIBERTAD20DE20EXPRESION20ESP20FINAL20portadadocpdf (acessado em 04062014)

14

ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar

a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente

verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma

perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o

funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21

Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial

natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da

Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela

ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica

Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima

ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre

eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas

de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem

claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais

ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e

restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da

ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22

Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram

relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando

que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas

manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou

21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo

15

Veja-se o depoimento de uma delas

A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo

onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a

movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios

manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com

dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer

Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em

frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda

Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes

formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que

os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []

Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do

estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me

recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns

policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com

absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs

policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava

proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da

voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar

naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista

que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer

16

Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo

paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de

15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo

de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente

23

Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam

pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de

reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os

posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de

reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos

Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se

ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no

nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a

reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo

da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude

da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas

democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar

limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja

23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)

17

absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas

devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das

manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da

necessidade e da proporcionalidaderdquo25

A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua

proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da

Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo

Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos

Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo

Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse

direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias

de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por

escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua

escolha

Artigo 15 - Direito de reuniatildeo

Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse

direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam

necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila

nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a

moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas

25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo

18

Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios

garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da

conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27

Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime

e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para

assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da

Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que

ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos

no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao

conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de

outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico

advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do

puacuteblico em geralrdquo

Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por

Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees

Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo

por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma

manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta

26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

19

29

A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12

que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os

princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos

Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila

e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14

Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que

claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre

expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da

proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial

Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo

13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for

possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio

14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute

poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros

meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de

fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9

29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg

20

Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia

deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees

narradas na inicial

Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de

se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e

internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas

para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo

ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE

GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em

vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram

milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas

de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial

de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o

trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes

21

22

Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas

crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma

agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois

de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a

dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou

cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego

Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que

sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)

Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me

atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel

Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti

naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha

paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante

e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo

que eu tive

Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de

vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve

promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)

23

Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia

respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr

mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei

correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo

mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a

Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou

encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta

na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem

Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo

dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele

momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo

Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a

princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu

corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou

melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o

impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles

estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei

ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as

pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles

continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes

dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de

borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e

virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio

Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte

profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei

muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma

sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo

tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de

borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse

estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia

me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele

se assustou e deixou entrar

24

Esta eacute a lesatildeo de que relato trata

Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees

menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas

contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia

O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo

teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado

minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos

O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo

da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17

de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem

puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas

30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

25

Seu artigo 3ordm dispotildee

Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a

forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida

exigida para o cumprimento do seu dever

Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila

independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o

estritamente necessaacuterio

Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979

possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos

Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm

ldquoComentaacuterio

a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional

Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a

forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como

necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime

ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos

qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido

b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio

da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais

de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta

disposiccedilatildeo

A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no

sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o

legiacutetimo objetivo a atingir

c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem

fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de

31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661

26

fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se

armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou

quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja

suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que

uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as

autoridades competentesrdquo

Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos

Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito

da ONU a qual o Brasil estaacute submetido

32

Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o

paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se

32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 6: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

6

Com relaccedilatildeo aos fins institucionais da associaccedilatildeo autora vale transcrever o

inciso VI do artigo 3ordm e o paraacutegrafo 1ordm item ldquodrdquo do mesmo artigo de seu Estatuto (doc

01) in verbis

Artigo 3ordm - A ASSOCIACcedilAtildeO seraacute regida nos termos da Lei 979099 e

teraacute por finalidade promover apoiar monitorar e avaliar projetos em

direitos humanos em niacutevel nacional e internacional em especial

[]

VI ndash promoccedilatildeo e defesa dos direitos humanos em acircmbito judicial

Paraacutegrafo 1ordm - A ASSOCIACcedilAtildeO pode para consecuccedilatildeo de seus

objetivos institucionais utilizar todos os meios permitidos na lei

especialmente para

[]

g) Promover accedilotildees judiciais visando agrave efetivaccedilatildeo dos direitos

humanos

Restam desde modo devidamente demonstrados os requisitos necessaacuterios para a

admissatildeo da presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae quais sejam relevacircncia da

mateacuteria discutida a representatividade do postulante e sua legitimidade

3) OBJETO DA PRESENTE DEMANDA

A presente accedilatildeo civil puacuteblica fundamenta-se em 8 fatos que demonstram a

violaccedilatildeo sistemaacutetica que o Estado de Satildeo Paulo promove em face dos direitos das pessoas

reunirem-se independentemente de autorizaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo de atos manifestaccedilotildees e

protestos em locais puacuteblicos na Cidade de Satildeo Paulo

A demanda tem como objeto aleacutem da tutela reparatoacuteria a determinaccedilatildeo de

obrigaccedilatildeo de fazer e de natildeo fazer ao Estado de Satildeo Paulo no que tange agrave atuaccedilatildeo de sua

Policia Militar em manifestaccedilotildees puacuteblicas a fim de cumprir com garantias e direitos

fundamentais expressos na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica como o direito de reuniatildeo o direito

7

ao lazer o direito agrave cidade a liberdade de expressatildeo e o livre exerciacutecio profissional de

jornalistas

Argumenta-se que o procedimento adotado pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo

Paulo em cada uma das 8 situaccedilotildees narradas trouxe danos irreversiacuteveis para as pessoas que

tiveram direitos suprimidos pela atividade repressiva e danos sociais para a coletividade

diante da grave violaccedilatildeo de preceitos fundamentais do Estado Democraacutetico de Direito

A autora requer a condenaccedilatildeo do reacuteu para que expeccedila ato normativo definindo

paracircmetros de atuaccedilatildeo da PMESP em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se

abstenha de impor condiccedilotildees ou limites de tempo e lugar agraves reuniotildees e manifestaccedilotildees

puacuteblicas de portar arma de fogo de utilizar gaacutes lacrimogecircneo e bombas de efeito moral

para dissolver aglomeraccedilotildees antes de comunicar os manifestantes em tempo haacutebil para sua

compreensatildeo e acatamento de postar a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de

Satildeo Paulo em manifestaccedilotildees paciacuteficas e de impedir qualquer cidadatildeo de captar imagem e

som de seus agentes em atuaccedilatildeo para identificar adequadamente todos os policiais atuando

em acompanhamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para indicar negociador civil e para ser

responsabilizado pelos danos sofridos pela coletividade ou individualmente

Tendo em vista que o tema eacute de extrema relevacircncia a organizaccedilatildeo CONECTAS

DIREITOS HUMANOS que ora se manifesta na qualidade de amicus curiae oferece nesta

oportunidade argumentos em favor da concessatildeo antecipada dos efeitos da tutela

pretendida e do julgamento pela TOTAL PROCEDEcircNCIA da presente Accedilatildeo Civil

Puacuteblica pelas razotildees a seguir expostas

4) PROMOCcedilAtildeO E PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO DE PROTESTOS

SOCIAIS

A ndash INTRODUCcedilAtildeO

Ao longo da histoacuteria protestos e outros meios de participaccedilatildeo social formaram

um elemento essencial de vibrantes sociedades democraacuteticas Embora a palavra ldquoprotestordquo

natildeo apareccedila no texto de tratados internacionais o sistema internacional de proteccedilatildeo dos

8

direitos humanos inegavelmente protege o direito de protestar em reconhecimento aos

direitos de reuniatildeo liberdade de expressatildeo de opiniatildeo e de associaccedilatildeo

Entretanto nos uacuteltimos anos o crescente nuacutemero de manifestaccedilotildees populares

pelo mundo vem se deparando com reaccedilotildees violentas das autoridades do Estado - em

regra os proacuteprios contestados nas manifestaccedilotildees Nesse sentido governos optam por

impor restriccedilotildees ao direito de reuniatildeo natildeo soacute ilegais mas contraacuterias ao proacuteprio conceito de

Estado Democraacutetico

Eacute nesse contexto que a presente demanda se insere e que a CONECTAS DIREITOS

HUMANOS viu-se compelida a se manifestar como amicus curiae para oferecer um breve

panorama dos principais paracircmetros internacionais que regulam o comportamento

da poliacutecia e particularmente o uso da forccedila no contexto de manifestaccedilotildees

populares

B ndash PRINCIPAIS NORMAS INTERNACIONAIS QUE REGULAM O USO DA FORCcedilA PELA

POLIacuteCIA

A niacutevel global existem 2 conjuntos de documentos que tratam especificamente da

regulaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia o Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19793 (doc 4) com as diretrizes para sua efetiva

implementaccedilatildeo4 e os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19905 (doc 5)

Amplamente tidas como declaraccedilotildees oficiais de direito internacional6 esses

instrumentos satildeo frequentemente mencionados pelos mecanismos regionais de direitos

3 Adotado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo nordm 34169 4 Adotado pelo Resoluccedilatildeo Conselho Social e Econocircmico da ONU nordm 198661 5 Adotado pela Conferecircncia de Crime das Naccedilotildees Unidas 6 Relatoacuterio apresentado na Assembleia Geral em 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on

9

humanos e tecircm sido repetidamente referenciados por vaacuterios oacutergatildeos da ONU7 como

expressatildeo dos princiacutepios da proporcionalidade e da estrita necessidade do uso da forccedila

policial destacando ainda que o uso de potencial forccedila letal deve ser sempre excepcional

A preocupaccedilatildeo da comunidade internacional com a efetividade dos direitos

universais de livre expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo fez com que fosse criada no

acircmbito da ONU a figura do Relator Especial sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo

Aleacutem disso haacute de ser destacado que em maio de 2011 o Relator Especial da

ONU sobre Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias ou Arbitraacuterias apresentou um

estudo ao Conselho de Direitos Humanos da organizaccedilatildeo concluindo que os sistemas

legais de muitos paiacuteses ainda natildeo aderiram aos padrotildees internacionais miacutenimos

relacionados ao uso da forccedila policial8

61 A princiacutepio disparar indiscriminadamente contra uma multidatildeo natildeo eacute

permitido e soacute pode se voltar ao indiviacuteduo ou grupo que constitui ameaccedila

de morte ou ferimentos graves O uso de armas de fogo natildeo pode ser

justificado apenas porque uma reuniatildeo eacute ilegal que tenha deva ser

dispersada ou para se proteger a propriedade Isso muitas vezes natildeo estaacute

refletido nas leis do paiacutes

62 Nos termos do Coacutedigo de Conduta e dos Princiacutepios Baacutesicos a norma a

respeito do uso intencional de forccedila letal eacute a mesma em todas as

circunstacircncias mesmo em auto-defesa prisatildeo contenccedilatildeo de revolta popular

the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 7 Entre outros Resoluccedilotildees do Conselho de Direitos Humanos observaccedilotildees finais de vaacuterios corpos de tratados como o Comitecirc de Direitos Humanos e o Comitecirc Contra a Tortura aleacutem dos relatos de procedimentos especiais 8 Relatoacuterio do Relator Especial sobre execuccedilotildees extrajudicias sumaacuterias ou arbitraacuterias apresentado agrave Assembleia Geral em 23052011 (AHRC1728) paraacutegrafos 61 e 62 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf

10

ou em quaisquer outras circunstacircncias ou seja somente em proteccedilatildeo da

vida9

No acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos (CIDH) por meio do Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos

Humanos (2009) (doc 7) e do Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo dos Defensores dos

Direitos Humanos nas Ameacutericas (2012) (doc 8) definiu paracircmetros concretos para

regular o policiamento de protestos que inclui nomeadamente a proibiccedilatildeo do uso de

forccedila letal a necessidade de treinamento adequado para o policiamento durante

manifestaccedilotildees de massa e a exigecircncia de identificaccedilatildeo clara e individual dos policiais

Nota-se que os paracircmetros da CIDH tambeacutem reforccedilam os princiacutepios da

proporcionalidade e da estrita necessidade aleacutem de reconhecer que o direito de protestar eacute

uma forma de expressatildeo coletiva que deve ser garantida10

Natildeo eacute demais destacar que na Europa estaacute vigente um Coacutedigo Europeu de Eacutetica

Policial que conteacutem uma seccedilatildeo inteira dedicada ao policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas

que incluem obrigaccedilotildees processuais e materiais sobre as forccedilas de seguranccedila antes durante

e apoacutes as manifestaccedilotildees acontecerem aleacutem de um foco especial sobre as obrigaccedilotildees da

poliacutecia quando as forccedilas de seguranccedila tomam medidas para dispersar a multidatildeo11

9 Traduccedilatildeo livre de 61 In principle shooting indiscriminately into a crowd is not allowed and may only be targeted at the person or persons constituting the threat of death or serious injury The use of firearms cannot be justified merely because a particular gathering is illegal and has to be dispersed or to protect property This is often not reflected in domestic laws 62 In terms of the Code and the Basic Principles the norm in respect of the intentional use of lethal force is the same under all circumstances whether in self-defence arrest quelling a riot or any other circumstances namely protection of life 10 ldquoComo a jurisprudecircncia do sistema interamericano explicou em numerosas ocasiotildees a liberdade de expressatildeo eacute um direito que tem duas dimensotildees uma dimensatildeo individual que consiste no direito de cada pessoa para expressar seus pensamentos ideias e informaccedilotildees e uma dimensatildeo coletiva ou social que consiste no direito da sociedade de obter e receber todas as informaccedilotildees para saber os pensamentos ideias e informaccedilotildees de outras pessoas para estarem bem informadosrdquo CIDH Escritoacuterio do Relator Especial pela Liberdade de Expressatildeo The inter-American legal framework regarding the right to freedom of expression (OEA SerLVII CIDHRELEINF (2009) par 13 Traduccedilatildeo livre de ldquoAs the case law of the inter-American system has explained on numerous occasions freedom of expression is a right that has two dimensions an individual dimension consisting of the right of each person to express her own thoughts ideas and information and a collective or social dimension consisting of societyrsquos right to obtain and receive any information to know the thoughts ideas and information of others and to be well-informedrdquo 11 Paraacutegrafo 176 da Segunda Ediccedilatildeo das Diretrizes da OSCE Detalhando por exemplo a obrigaccedilatildeo de estabelecer procedimentos de descontaminaccedilatildeo de produtos quiacutemicos irritantes utilizados em

11

A Corte Europeia de Direitos Humanos inclusive jaacute adotou posicionamentos

importantes sobre o tema como a presunccedilatildeo em favor do caraacuteter paciacutefico de todas as

manifestaccedilotildees12 a legitimidade das manifestaccedilotildees de uso do espaccedilo puacuteblico ainda que

causem um certo grau de perturbaccedilatildeo na vida cotidiana13 a necessidade de avaliar o

comportamento do indiviacuteduo separadamente do da multidatildeo14 e o ocircnus da prova de

manifestantes com intenccedilotildees ou accedilotildees violentas que recai sobre as autoridades15

Com o que seraacute esmiuccedilado a seguir este mm Juiacutezo teraacute condiccedilotildees de

observar que o Estado de Satildeo Paulo em sua competecircncia de regulamentar e

controlar a atividade de sua poliacutecia militar aleacutem de desrespeitar a proacutepria

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil viola absolutamente TODAS AS

NORMAS INTERNACIONAIS jaacute estabelecidas para o uso da forccedila policial

5) DO USO DA FORCcedilA PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO NO DIA 13 DE

JUNHO DE 2013

Em 13 de junho de 2013 uma das situaccedilotildees de fato trazidas agrave demanda a Poliacutecia

realizava em Satildeo Paulo uma das mais violentas repressotildees a manifestaccedilotildees desde o fim da

ditadura militar Numa noite de horror coletivo raramente vista milhares de pessoas que

manifestantes a proibiccedilatildeo de utilizar a forccedila contra manifestantes paciacuteficos que satildeo incapazes de dispersar o dever de manter registros detalhados sobre o tipo de forccedila utilizada e a obrigaccedilatildeo de investigar a causa de mortes ou ferimentos entre outros 12 Uma assembleacuteia seraacute considerada paciacutefica enquanto os participantes estiverem paciacuteficos mesmo que os organizadores natildeo cumpram com todos os requisitos legais necessaacuterios para o desenvolvimento da manifestaccedilatildeo Oya Ataman v Turkey no 7455201 ECHR 2006 e Cisse v France no 5134699 sect 37 ECHR 2002 Traduccedilatildeo livre de ldquoAn assembly will be deemed peaceful as long as the participants remain peaceful even if the organizers have not complied with all legal requirements prior to the assemblyrdquo 13 Patyi and Others v Hungary no 552905 sectsect 42-43 ECHR 2008 Balccedilik and Others v Turkey no 2502 sect 52 ECHR 2007 Ashughyan v Armenia no 3326803 sect 90 ECHR 2008 14 ldquouma pessoa natildeo deixa de gozar do direito de reuniatildeo paciacutefica em casos de violecircncia esporaacutedica ou outros atos puniacuteveis cometidos por outras no curso da manifestaccedilatildeo se permanece tranquilo em suas proacuteprias intenccedilotildees ou comportamentosrdquo Ziliberberg v Moldova (dec) no 6182100 ECHR 2004 Traduccedilatildeo livre de ldquoan individual does not cease to enjoy the right to peaceful assembly as a result of sporadic violence or other punishable acts committed by others in the course of the demonstration if the individual in question remains peaceful in his or her own intentions or behaviourrdquo 15 Christian Democratic Peoplersquos Party v Moldova (No 2) no 2519604 sect 23 ECHR 2010

12

participavam de um protesto paciacutefico no centro da cidade se viram cercadas por tropas

policiais em um labirinto violento que atravessou a noite e cujas traacutegicas consequecircncias se

fazem sentir ainda hoje especialmente para os que carregaratildeo sequelas fiacutesicas e emocionais

Esse caso mostra evidente que os procedimentos adotados pela seguranccedila puacuteblica

paulista natildeo respeitaram os protocolos internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila

aleacutem de descumprir tratados e convenccedilotildees internacionais que o Brasil eacute signataacuterio e natildeo

seguir as recomendaccedilotildees das organizaccedilotildees internacionais das quais o Brasil eacute parte

Satildeo numerosos os relatos e evidecircncias de violecircncia fiacutesica contra os manifestantes

em 13 de junho de 2013 inclusive em desfavor de pessoas rendidas deitadas desarmadas e

desprovidas de qualquer acircnimo de resistecircncia Muitas destas pessoas foram espancadas e

atingidas por disparos de balas de borracha

Foram relatados ainda atos de violecircncia contra pessoas que natildeo estavam

participando dos protestos inclusive idosos e crianccedilas16 Foram registradas cenas onde a

Poliacutecia invadiu ateacute mesmo hospitais a fim de localizar pessoas que teriam participado dos

protestos17 Aleacutem disso apoacutes o grande nuacutemero de manifestantes jaacute ter sido dispersado

foram registradas cenas onde a Poliacutecia invadiu estabelecimentos comerciais supostamente

em busca dos manifestantes e agrediu pessoas18 Segundo relatos dos organizadores do

evento mais de 100 pessoas ficaram feridas19 em decorrecircncia da accedilatildeo truculenta da Poliacutecia

naquele dia

16 Ver por exemplo PORTAL DE NOTIacuteCIAS TERRA ldquoBomba de gaacutes lacrimogecircneo atinge carro de um idoso que estava de passagemrdquo viacutedeo publicado no 14 de junho de 2013 13h50 disponiacutevel no link httpterratvterracombrvideosNoticiasBrasilCidades4828-474261Bomba-de-gas-lacrimogeneo-cai-dentro-de-carro-em-protesto-em-SPhtm 17 Ver depoimento no site do Coletivo Antiproibicionista de Satildeo Paulo ldquoPM retira feridos a forccedila de hospital e impede atendimentordquo 14 de junho de 2013 disponiacutevel no link httpcoletivodarorg201306pm-retira-feridos-a-forca-de-hospital-e-impede-atendimento

18Ver por exemplo JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoApoacutes confronto casal eacute agredido por PMs na regiatildeo da Paulistardquo 14 de junho de 2013 00h52 disponiacutevel em httpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294916-apos-confronto-casal-e-agredido-por-pms-na-regiao-da-paulistashtml 19

Os dados finais sobre o numero de feridos ainda estatildeo sendo organizados pelo MPL e pela Defensoria

Puacuteblica de Satildeo Paulo Para uma estimativa ver infograacutefico JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoDos 235

detidos em protesto 231 satildeo liberados apoacutes prestar depoimentordquo 14 de junho 2013 07h25 disponiacutevel

emhttpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294960-dos-235-detidos-em-protesto-231-sao-

liberados-apos-prestar-depoimentoshtml

13

Abaixo demonstra-se detalhadamente cada norma dos protocolos internacionais

para a utilizaccedilatildeo da forccedila que foram descumpridas pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo

Paulo contribuindo-se para o livre convencimento deste mm Juiacutezo a dar total procedecircncia

agrave presente accedilatildeo civil puacuteblica

i - DA INTERRUPCcedilAtildeO DA REUNIAtildeO PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Um dia que ficaria para a histoacuteria como a maior expressatildeo do exerciacutecio do direito

constitucional de reuniatildeo da liberdade de expressatildeo e de locomoccedilatildeo na verdade tornou-se

a maior expressatildeo da restriccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Observa-

se que a justificativa de se liberar o traacutefego de veiacuteculos para garantir a manutenccedilatildeo da

ordem puacuteblica foi a causa que deu iniacutecio agrave accedilatildeo ilegal e truculenta da Poliacutecia Militar do

Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

Nota-se das paacuteginas 21 e 22 da exordial que as proacuteprias forccedilas de seguranccedila

tomaram a iniciativa de encerrar o ato que reuniu cerca de 15 mil pessoas que caminhavam

pelas ruas de Satildeo Paulo

Ocorre que aleacutem de ilegal e inconstitucional essa medida ofende diretamente a

Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica)

incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 68792

Eacute o que diz a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos no Marco Juriacutedico

Interamericano Sobre o Direito agrave Liberdade de Expressatildeo20 onde seu paraacutegrafo 82

assevera

20 Apresentado pela Relatoria para a Liberdade de Expressatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos 2010 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhexpresiondocspublicacionesMARCO20JURIDICO20INTERAMERICANO20DEL20DERECHO20A20LA20LIBERTAD20DE20EXPRESION20ESP20FINAL20portadadocpdf (acessado em 04062014)

14

ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar

a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente

verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma

perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o

funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21

Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial

natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da

Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela

ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica

Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima

ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre

eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas

de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem

claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais

ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e

restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da

ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22

Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram

relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando

que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas

manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou

21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo

15

Veja-se o depoimento de uma delas

A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo

onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a

movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios

manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com

dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer

Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em

frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda

Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes

formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que

os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []

Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do

estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me

recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns

policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com

absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs

policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava

proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da

voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar

naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista

que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer

16

Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo

paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de

15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo

de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente

23

Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam

pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de

reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os

posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de

reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos

Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se

ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no

nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a

reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo

da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude

da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas

democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar

limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja

23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)

17

absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas

devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das

manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da

necessidade e da proporcionalidaderdquo25

A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua

proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da

Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo

Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos

Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo

Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse

direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias

de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por

escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua

escolha

Artigo 15 - Direito de reuniatildeo

Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse

direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam

necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila

nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a

moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas

25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo

18

Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios

garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da

conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27

Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime

e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para

assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da

Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que

ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos

no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao

conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de

outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico

advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do

puacuteblico em geralrdquo

Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por

Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees

Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo

por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma

manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta

26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

19

29

A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12

que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os

princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos

Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila

e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14

Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que

claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre

expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da

proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial

Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo

13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for

possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio

14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute

poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros

meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de

fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9

29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg

20

Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia

deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees

narradas na inicial

Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de

se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e

internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas

para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo

ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE

GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em

vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram

milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas

de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial

de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o

trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes

21

22

Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas

crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma

agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois

de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a

dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou

cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego

Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que

sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)

Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me

atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel

Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti

naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha

paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante

e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo

que eu tive

Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de

vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve

promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)

23

Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia

respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr

mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei

correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo

mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a

Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou

encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta

na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem

Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo

dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele

momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo

Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a

princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu

corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou

melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o

impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles

estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei

ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as

pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles

continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes

dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de

borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e

virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio

Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte

profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei

muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma

sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo

tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de

borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse

estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia

me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele

se assustou e deixou entrar

24

Esta eacute a lesatildeo de que relato trata

Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees

menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas

contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia

O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo

teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado

minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos

O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo

da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17

de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem

puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas

30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

25

Seu artigo 3ordm dispotildee

Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a

forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida

exigida para o cumprimento do seu dever

Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila

independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o

estritamente necessaacuterio

Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979

possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos

Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm

ldquoComentaacuterio

a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional

Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a

forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como

necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime

ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos

qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido

b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio

da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais

de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta

disposiccedilatildeo

A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no

sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o

legiacutetimo objetivo a atingir

c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem

fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de

31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661

26

fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se

armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou

quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja

suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que

uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as

autoridades competentesrdquo

Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos

Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito

da ONU a qual o Brasil estaacute submetido

32

Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o

paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se

32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 7: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

7

ao lazer o direito agrave cidade a liberdade de expressatildeo e o livre exerciacutecio profissional de

jornalistas

Argumenta-se que o procedimento adotado pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo

Paulo em cada uma das 8 situaccedilotildees narradas trouxe danos irreversiacuteveis para as pessoas que

tiveram direitos suprimidos pela atividade repressiva e danos sociais para a coletividade

diante da grave violaccedilatildeo de preceitos fundamentais do Estado Democraacutetico de Direito

A autora requer a condenaccedilatildeo do reacuteu para que expeccedila ato normativo definindo

paracircmetros de atuaccedilatildeo da PMESP em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se

abstenha de impor condiccedilotildees ou limites de tempo e lugar agraves reuniotildees e manifestaccedilotildees

puacuteblicas de portar arma de fogo de utilizar gaacutes lacrimogecircneo e bombas de efeito moral

para dissolver aglomeraccedilotildees antes de comunicar os manifestantes em tempo haacutebil para sua

compreensatildeo e acatamento de postar a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de

Satildeo Paulo em manifestaccedilotildees paciacuteficas e de impedir qualquer cidadatildeo de captar imagem e

som de seus agentes em atuaccedilatildeo para identificar adequadamente todos os policiais atuando

em acompanhamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para indicar negociador civil e para ser

responsabilizado pelos danos sofridos pela coletividade ou individualmente

Tendo em vista que o tema eacute de extrema relevacircncia a organizaccedilatildeo CONECTAS

DIREITOS HUMANOS que ora se manifesta na qualidade de amicus curiae oferece nesta

oportunidade argumentos em favor da concessatildeo antecipada dos efeitos da tutela

pretendida e do julgamento pela TOTAL PROCEDEcircNCIA da presente Accedilatildeo Civil

Puacuteblica pelas razotildees a seguir expostas

4) PROMOCcedilAtildeO E PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO DE PROTESTOS

SOCIAIS

A ndash INTRODUCcedilAtildeO

Ao longo da histoacuteria protestos e outros meios de participaccedilatildeo social formaram

um elemento essencial de vibrantes sociedades democraacuteticas Embora a palavra ldquoprotestordquo

natildeo apareccedila no texto de tratados internacionais o sistema internacional de proteccedilatildeo dos

8

direitos humanos inegavelmente protege o direito de protestar em reconhecimento aos

direitos de reuniatildeo liberdade de expressatildeo de opiniatildeo e de associaccedilatildeo

Entretanto nos uacuteltimos anos o crescente nuacutemero de manifestaccedilotildees populares

pelo mundo vem se deparando com reaccedilotildees violentas das autoridades do Estado - em

regra os proacuteprios contestados nas manifestaccedilotildees Nesse sentido governos optam por

impor restriccedilotildees ao direito de reuniatildeo natildeo soacute ilegais mas contraacuterias ao proacuteprio conceito de

Estado Democraacutetico

Eacute nesse contexto que a presente demanda se insere e que a CONECTAS DIREITOS

HUMANOS viu-se compelida a se manifestar como amicus curiae para oferecer um breve

panorama dos principais paracircmetros internacionais que regulam o comportamento

da poliacutecia e particularmente o uso da forccedila no contexto de manifestaccedilotildees

populares

B ndash PRINCIPAIS NORMAS INTERNACIONAIS QUE REGULAM O USO DA FORCcedilA PELA

POLIacuteCIA

A niacutevel global existem 2 conjuntos de documentos que tratam especificamente da

regulaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia o Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19793 (doc 4) com as diretrizes para sua efetiva

implementaccedilatildeo4 e os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19905 (doc 5)

Amplamente tidas como declaraccedilotildees oficiais de direito internacional6 esses

instrumentos satildeo frequentemente mencionados pelos mecanismos regionais de direitos

3 Adotado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo nordm 34169 4 Adotado pelo Resoluccedilatildeo Conselho Social e Econocircmico da ONU nordm 198661 5 Adotado pela Conferecircncia de Crime das Naccedilotildees Unidas 6 Relatoacuterio apresentado na Assembleia Geral em 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on

9

humanos e tecircm sido repetidamente referenciados por vaacuterios oacutergatildeos da ONU7 como

expressatildeo dos princiacutepios da proporcionalidade e da estrita necessidade do uso da forccedila

policial destacando ainda que o uso de potencial forccedila letal deve ser sempre excepcional

A preocupaccedilatildeo da comunidade internacional com a efetividade dos direitos

universais de livre expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo fez com que fosse criada no

acircmbito da ONU a figura do Relator Especial sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo

Aleacutem disso haacute de ser destacado que em maio de 2011 o Relator Especial da

ONU sobre Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias ou Arbitraacuterias apresentou um

estudo ao Conselho de Direitos Humanos da organizaccedilatildeo concluindo que os sistemas

legais de muitos paiacuteses ainda natildeo aderiram aos padrotildees internacionais miacutenimos

relacionados ao uso da forccedila policial8

61 A princiacutepio disparar indiscriminadamente contra uma multidatildeo natildeo eacute

permitido e soacute pode se voltar ao indiviacuteduo ou grupo que constitui ameaccedila

de morte ou ferimentos graves O uso de armas de fogo natildeo pode ser

justificado apenas porque uma reuniatildeo eacute ilegal que tenha deva ser

dispersada ou para se proteger a propriedade Isso muitas vezes natildeo estaacute

refletido nas leis do paiacutes

62 Nos termos do Coacutedigo de Conduta e dos Princiacutepios Baacutesicos a norma a

respeito do uso intencional de forccedila letal eacute a mesma em todas as

circunstacircncias mesmo em auto-defesa prisatildeo contenccedilatildeo de revolta popular

the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 7 Entre outros Resoluccedilotildees do Conselho de Direitos Humanos observaccedilotildees finais de vaacuterios corpos de tratados como o Comitecirc de Direitos Humanos e o Comitecirc Contra a Tortura aleacutem dos relatos de procedimentos especiais 8 Relatoacuterio do Relator Especial sobre execuccedilotildees extrajudicias sumaacuterias ou arbitraacuterias apresentado agrave Assembleia Geral em 23052011 (AHRC1728) paraacutegrafos 61 e 62 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf

10

ou em quaisquer outras circunstacircncias ou seja somente em proteccedilatildeo da

vida9

No acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos (CIDH) por meio do Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos

Humanos (2009) (doc 7) e do Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo dos Defensores dos

Direitos Humanos nas Ameacutericas (2012) (doc 8) definiu paracircmetros concretos para

regular o policiamento de protestos que inclui nomeadamente a proibiccedilatildeo do uso de

forccedila letal a necessidade de treinamento adequado para o policiamento durante

manifestaccedilotildees de massa e a exigecircncia de identificaccedilatildeo clara e individual dos policiais

Nota-se que os paracircmetros da CIDH tambeacutem reforccedilam os princiacutepios da

proporcionalidade e da estrita necessidade aleacutem de reconhecer que o direito de protestar eacute

uma forma de expressatildeo coletiva que deve ser garantida10

Natildeo eacute demais destacar que na Europa estaacute vigente um Coacutedigo Europeu de Eacutetica

Policial que conteacutem uma seccedilatildeo inteira dedicada ao policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas

que incluem obrigaccedilotildees processuais e materiais sobre as forccedilas de seguranccedila antes durante

e apoacutes as manifestaccedilotildees acontecerem aleacutem de um foco especial sobre as obrigaccedilotildees da

poliacutecia quando as forccedilas de seguranccedila tomam medidas para dispersar a multidatildeo11

9 Traduccedilatildeo livre de 61 In principle shooting indiscriminately into a crowd is not allowed and may only be targeted at the person or persons constituting the threat of death or serious injury The use of firearms cannot be justified merely because a particular gathering is illegal and has to be dispersed or to protect property This is often not reflected in domestic laws 62 In terms of the Code and the Basic Principles the norm in respect of the intentional use of lethal force is the same under all circumstances whether in self-defence arrest quelling a riot or any other circumstances namely protection of life 10 ldquoComo a jurisprudecircncia do sistema interamericano explicou em numerosas ocasiotildees a liberdade de expressatildeo eacute um direito que tem duas dimensotildees uma dimensatildeo individual que consiste no direito de cada pessoa para expressar seus pensamentos ideias e informaccedilotildees e uma dimensatildeo coletiva ou social que consiste no direito da sociedade de obter e receber todas as informaccedilotildees para saber os pensamentos ideias e informaccedilotildees de outras pessoas para estarem bem informadosrdquo CIDH Escritoacuterio do Relator Especial pela Liberdade de Expressatildeo The inter-American legal framework regarding the right to freedom of expression (OEA SerLVII CIDHRELEINF (2009) par 13 Traduccedilatildeo livre de ldquoAs the case law of the inter-American system has explained on numerous occasions freedom of expression is a right that has two dimensions an individual dimension consisting of the right of each person to express her own thoughts ideas and information and a collective or social dimension consisting of societyrsquos right to obtain and receive any information to know the thoughts ideas and information of others and to be well-informedrdquo 11 Paraacutegrafo 176 da Segunda Ediccedilatildeo das Diretrizes da OSCE Detalhando por exemplo a obrigaccedilatildeo de estabelecer procedimentos de descontaminaccedilatildeo de produtos quiacutemicos irritantes utilizados em

11

A Corte Europeia de Direitos Humanos inclusive jaacute adotou posicionamentos

importantes sobre o tema como a presunccedilatildeo em favor do caraacuteter paciacutefico de todas as

manifestaccedilotildees12 a legitimidade das manifestaccedilotildees de uso do espaccedilo puacuteblico ainda que

causem um certo grau de perturbaccedilatildeo na vida cotidiana13 a necessidade de avaliar o

comportamento do indiviacuteduo separadamente do da multidatildeo14 e o ocircnus da prova de

manifestantes com intenccedilotildees ou accedilotildees violentas que recai sobre as autoridades15

Com o que seraacute esmiuccedilado a seguir este mm Juiacutezo teraacute condiccedilotildees de

observar que o Estado de Satildeo Paulo em sua competecircncia de regulamentar e

controlar a atividade de sua poliacutecia militar aleacutem de desrespeitar a proacutepria

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil viola absolutamente TODAS AS

NORMAS INTERNACIONAIS jaacute estabelecidas para o uso da forccedila policial

5) DO USO DA FORCcedilA PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO NO DIA 13 DE

JUNHO DE 2013

Em 13 de junho de 2013 uma das situaccedilotildees de fato trazidas agrave demanda a Poliacutecia

realizava em Satildeo Paulo uma das mais violentas repressotildees a manifestaccedilotildees desde o fim da

ditadura militar Numa noite de horror coletivo raramente vista milhares de pessoas que

manifestantes a proibiccedilatildeo de utilizar a forccedila contra manifestantes paciacuteficos que satildeo incapazes de dispersar o dever de manter registros detalhados sobre o tipo de forccedila utilizada e a obrigaccedilatildeo de investigar a causa de mortes ou ferimentos entre outros 12 Uma assembleacuteia seraacute considerada paciacutefica enquanto os participantes estiverem paciacuteficos mesmo que os organizadores natildeo cumpram com todos os requisitos legais necessaacuterios para o desenvolvimento da manifestaccedilatildeo Oya Ataman v Turkey no 7455201 ECHR 2006 e Cisse v France no 5134699 sect 37 ECHR 2002 Traduccedilatildeo livre de ldquoAn assembly will be deemed peaceful as long as the participants remain peaceful even if the organizers have not complied with all legal requirements prior to the assemblyrdquo 13 Patyi and Others v Hungary no 552905 sectsect 42-43 ECHR 2008 Balccedilik and Others v Turkey no 2502 sect 52 ECHR 2007 Ashughyan v Armenia no 3326803 sect 90 ECHR 2008 14 ldquouma pessoa natildeo deixa de gozar do direito de reuniatildeo paciacutefica em casos de violecircncia esporaacutedica ou outros atos puniacuteveis cometidos por outras no curso da manifestaccedilatildeo se permanece tranquilo em suas proacuteprias intenccedilotildees ou comportamentosrdquo Ziliberberg v Moldova (dec) no 6182100 ECHR 2004 Traduccedilatildeo livre de ldquoan individual does not cease to enjoy the right to peaceful assembly as a result of sporadic violence or other punishable acts committed by others in the course of the demonstration if the individual in question remains peaceful in his or her own intentions or behaviourrdquo 15 Christian Democratic Peoplersquos Party v Moldova (No 2) no 2519604 sect 23 ECHR 2010

12

participavam de um protesto paciacutefico no centro da cidade se viram cercadas por tropas

policiais em um labirinto violento que atravessou a noite e cujas traacutegicas consequecircncias se

fazem sentir ainda hoje especialmente para os que carregaratildeo sequelas fiacutesicas e emocionais

Esse caso mostra evidente que os procedimentos adotados pela seguranccedila puacuteblica

paulista natildeo respeitaram os protocolos internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila

aleacutem de descumprir tratados e convenccedilotildees internacionais que o Brasil eacute signataacuterio e natildeo

seguir as recomendaccedilotildees das organizaccedilotildees internacionais das quais o Brasil eacute parte

Satildeo numerosos os relatos e evidecircncias de violecircncia fiacutesica contra os manifestantes

em 13 de junho de 2013 inclusive em desfavor de pessoas rendidas deitadas desarmadas e

desprovidas de qualquer acircnimo de resistecircncia Muitas destas pessoas foram espancadas e

atingidas por disparos de balas de borracha

Foram relatados ainda atos de violecircncia contra pessoas que natildeo estavam

participando dos protestos inclusive idosos e crianccedilas16 Foram registradas cenas onde a

Poliacutecia invadiu ateacute mesmo hospitais a fim de localizar pessoas que teriam participado dos

protestos17 Aleacutem disso apoacutes o grande nuacutemero de manifestantes jaacute ter sido dispersado

foram registradas cenas onde a Poliacutecia invadiu estabelecimentos comerciais supostamente

em busca dos manifestantes e agrediu pessoas18 Segundo relatos dos organizadores do

evento mais de 100 pessoas ficaram feridas19 em decorrecircncia da accedilatildeo truculenta da Poliacutecia

naquele dia

16 Ver por exemplo PORTAL DE NOTIacuteCIAS TERRA ldquoBomba de gaacutes lacrimogecircneo atinge carro de um idoso que estava de passagemrdquo viacutedeo publicado no 14 de junho de 2013 13h50 disponiacutevel no link httpterratvterracombrvideosNoticiasBrasilCidades4828-474261Bomba-de-gas-lacrimogeneo-cai-dentro-de-carro-em-protesto-em-SPhtm 17 Ver depoimento no site do Coletivo Antiproibicionista de Satildeo Paulo ldquoPM retira feridos a forccedila de hospital e impede atendimentordquo 14 de junho de 2013 disponiacutevel no link httpcoletivodarorg201306pm-retira-feridos-a-forca-de-hospital-e-impede-atendimento

18Ver por exemplo JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoApoacutes confronto casal eacute agredido por PMs na regiatildeo da Paulistardquo 14 de junho de 2013 00h52 disponiacutevel em httpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294916-apos-confronto-casal-e-agredido-por-pms-na-regiao-da-paulistashtml 19

Os dados finais sobre o numero de feridos ainda estatildeo sendo organizados pelo MPL e pela Defensoria

Puacuteblica de Satildeo Paulo Para uma estimativa ver infograacutefico JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoDos 235

detidos em protesto 231 satildeo liberados apoacutes prestar depoimentordquo 14 de junho 2013 07h25 disponiacutevel

emhttpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294960-dos-235-detidos-em-protesto-231-sao-

liberados-apos-prestar-depoimentoshtml

13

Abaixo demonstra-se detalhadamente cada norma dos protocolos internacionais

para a utilizaccedilatildeo da forccedila que foram descumpridas pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo

Paulo contribuindo-se para o livre convencimento deste mm Juiacutezo a dar total procedecircncia

agrave presente accedilatildeo civil puacuteblica

i - DA INTERRUPCcedilAtildeO DA REUNIAtildeO PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Um dia que ficaria para a histoacuteria como a maior expressatildeo do exerciacutecio do direito

constitucional de reuniatildeo da liberdade de expressatildeo e de locomoccedilatildeo na verdade tornou-se

a maior expressatildeo da restriccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Observa-

se que a justificativa de se liberar o traacutefego de veiacuteculos para garantir a manutenccedilatildeo da

ordem puacuteblica foi a causa que deu iniacutecio agrave accedilatildeo ilegal e truculenta da Poliacutecia Militar do

Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

Nota-se das paacuteginas 21 e 22 da exordial que as proacuteprias forccedilas de seguranccedila

tomaram a iniciativa de encerrar o ato que reuniu cerca de 15 mil pessoas que caminhavam

pelas ruas de Satildeo Paulo

Ocorre que aleacutem de ilegal e inconstitucional essa medida ofende diretamente a

Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica)

incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 68792

Eacute o que diz a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos no Marco Juriacutedico

Interamericano Sobre o Direito agrave Liberdade de Expressatildeo20 onde seu paraacutegrafo 82

assevera

20 Apresentado pela Relatoria para a Liberdade de Expressatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos 2010 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhexpresiondocspublicacionesMARCO20JURIDICO20INTERAMERICANO20DEL20DERECHO20A20LA20LIBERTAD20DE20EXPRESION20ESP20FINAL20portadadocpdf (acessado em 04062014)

14

ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar

a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente

verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma

perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o

funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21

Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial

natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da

Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela

ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica

Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima

ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre

eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas

de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem

claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais

ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e

restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da

ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22

Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram

relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando

que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas

manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou

21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo

15

Veja-se o depoimento de uma delas

A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo

onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a

movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios

manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com

dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer

Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em

frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda

Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes

formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que

os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []

Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do

estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me

recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns

policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com

absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs

policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava

proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da

voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar

naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista

que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer

16

Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo

paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de

15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo

de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente

23

Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam

pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de

reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os

posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de

reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos

Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se

ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no

nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a

reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo

da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude

da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas

democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar

limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja

23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)

17

absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas

devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das

manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da

necessidade e da proporcionalidaderdquo25

A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua

proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da

Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo

Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos

Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo

Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse

direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias

de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por

escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua

escolha

Artigo 15 - Direito de reuniatildeo

Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse

direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam

necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila

nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a

moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas

25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo

18

Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios

garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da

conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27

Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime

e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para

assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da

Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que

ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos

no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao

conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de

outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico

advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do

puacuteblico em geralrdquo

Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por

Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees

Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo

por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma

manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta

26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

19

29

A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12

que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os

princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos

Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila

e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14

Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que

claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre

expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da

proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial

Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo

13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for

possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio

14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute

poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros

meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de

fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9

29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg

20

Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia

deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees

narradas na inicial

Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de

se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e

internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas

para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo

ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE

GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em

vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram

milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas

de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial

de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o

trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes

21

22

Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas

crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma

agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois

de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a

dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou

cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego

Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que

sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)

Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me

atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel

Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti

naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha

paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante

e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo

que eu tive

Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de

vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve

promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)

23

Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia

respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr

mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei

correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo

mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a

Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou

encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta

na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem

Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo

dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele

momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo

Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a

princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu

corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou

melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o

impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles

estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei

ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as

pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles

continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes

dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de

borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e

virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio

Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte

profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei

muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma

sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo

tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de

borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse

estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia

me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele

se assustou e deixou entrar

24

Esta eacute a lesatildeo de que relato trata

Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees

menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas

contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia

O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo

teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado

minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos

O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo

da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17

de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem

puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas

30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

25

Seu artigo 3ordm dispotildee

Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a

forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida

exigida para o cumprimento do seu dever

Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila

independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o

estritamente necessaacuterio

Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979

possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos

Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm

ldquoComentaacuterio

a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional

Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a

forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como

necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime

ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos

qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido

b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio

da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais

de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta

disposiccedilatildeo

A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no

sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o

legiacutetimo objetivo a atingir

c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem

fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de

31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661

26

fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se

armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou

quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja

suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que

uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as

autoridades competentesrdquo

Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos

Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito

da ONU a qual o Brasil estaacute submetido

32

Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o

paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se

32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 8: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

8

direitos humanos inegavelmente protege o direito de protestar em reconhecimento aos

direitos de reuniatildeo liberdade de expressatildeo de opiniatildeo e de associaccedilatildeo

Entretanto nos uacuteltimos anos o crescente nuacutemero de manifestaccedilotildees populares

pelo mundo vem se deparando com reaccedilotildees violentas das autoridades do Estado - em

regra os proacuteprios contestados nas manifestaccedilotildees Nesse sentido governos optam por

impor restriccedilotildees ao direito de reuniatildeo natildeo soacute ilegais mas contraacuterias ao proacuteprio conceito de

Estado Democraacutetico

Eacute nesse contexto que a presente demanda se insere e que a CONECTAS DIREITOS

HUMANOS viu-se compelida a se manifestar como amicus curiae para oferecer um breve

panorama dos principais paracircmetros internacionais que regulam o comportamento

da poliacutecia e particularmente o uso da forccedila no contexto de manifestaccedilotildees

populares

B ndash PRINCIPAIS NORMAS INTERNACIONAIS QUE REGULAM O USO DA FORCcedilA PELA

POLIacuteCIA

A niacutevel global existem 2 conjuntos de documentos que tratam especificamente da

regulaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia o Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19793 (doc 4) com as diretrizes para sua efetiva

implementaccedilatildeo4 e os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19905 (doc 5)

Amplamente tidas como declaraccedilotildees oficiais de direito internacional6 esses

instrumentos satildeo frequentemente mencionados pelos mecanismos regionais de direitos

3 Adotado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo nordm 34169 4 Adotado pelo Resoluccedilatildeo Conselho Social e Econocircmico da ONU nordm 198661 5 Adotado pela Conferecircncia de Crime das Naccedilotildees Unidas 6 Relatoacuterio apresentado na Assembleia Geral em 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on

9

humanos e tecircm sido repetidamente referenciados por vaacuterios oacutergatildeos da ONU7 como

expressatildeo dos princiacutepios da proporcionalidade e da estrita necessidade do uso da forccedila

policial destacando ainda que o uso de potencial forccedila letal deve ser sempre excepcional

A preocupaccedilatildeo da comunidade internacional com a efetividade dos direitos

universais de livre expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo fez com que fosse criada no

acircmbito da ONU a figura do Relator Especial sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo

Aleacutem disso haacute de ser destacado que em maio de 2011 o Relator Especial da

ONU sobre Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias ou Arbitraacuterias apresentou um

estudo ao Conselho de Direitos Humanos da organizaccedilatildeo concluindo que os sistemas

legais de muitos paiacuteses ainda natildeo aderiram aos padrotildees internacionais miacutenimos

relacionados ao uso da forccedila policial8

61 A princiacutepio disparar indiscriminadamente contra uma multidatildeo natildeo eacute

permitido e soacute pode se voltar ao indiviacuteduo ou grupo que constitui ameaccedila

de morte ou ferimentos graves O uso de armas de fogo natildeo pode ser

justificado apenas porque uma reuniatildeo eacute ilegal que tenha deva ser

dispersada ou para se proteger a propriedade Isso muitas vezes natildeo estaacute

refletido nas leis do paiacutes

62 Nos termos do Coacutedigo de Conduta e dos Princiacutepios Baacutesicos a norma a

respeito do uso intencional de forccedila letal eacute a mesma em todas as

circunstacircncias mesmo em auto-defesa prisatildeo contenccedilatildeo de revolta popular

the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 7 Entre outros Resoluccedilotildees do Conselho de Direitos Humanos observaccedilotildees finais de vaacuterios corpos de tratados como o Comitecirc de Direitos Humanos e o Comitecirc Contra a Tortura aleacutem dos relatos de procedimentos especiais 8 Relatoacuterio do Relator Especial sobre execuccedilotildees extrajudicias sumaacuterias ou arbitraacuterias apresentado agrave Assembleia Geral em 23052011 (AHRC1728) paraacutegrafos 61 e 62 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf

10

ou em quaisquer outras circunstacircncias ou seja somente em proteccedilatildeo da

vida9

No acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos (CIDH) por meio do Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos

Humanos (2009) (doc 7) e do Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo dos Defensores dos

Direitos Humanos nas Ameacutericas (2012) (doc 8) definiu paracircmetros concretos para

regular o policiamento de protestos que inclui nomeadamente a proibiccedilatildeo do uso de

forccedila letal a necessidade de treinamento adequado para o policiamento durante

manifestaccedilotildees de massa e a exigecircncia de identificaccedilatildeo clara e individual dos policiais

Nota-se que os paracircmetros da CIDH tambeacutem reforccedilam os princiacutepios da

proporcionalidade e da estrita necessidade aleacutem de reconhecer que o direito de protestar eacute

uma forma de expressatildeo coletiva que deve ser garantida10

Natildeo eacute demais destacar que na Europa estaacute vigente um Coacutedigo Europeu de Eacutetica

Policial que conteacutem uma seccedilatildeo inteira dedicada ao policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas

que incluem obrigaccedilotildees processuais e materiais sobre as forccedilas de seguranccedila antes durante

e apoacutes as manifestaccedilotildees acontecerem aleacutem de um foco especial sobre as obrigaccedilotildees da

poliacutecia quando as forccedilas de seguranccedila tomam medidas para dispersar a multidatildeo11

9 Traduccedilatildeo livre de 61 In principle shooting indiscriminately into a crowd is not allowed and may only be targeted at the person or persons constituting the threat of death or serious injury The use of firearms cannot be justified merely because a particular gathering is illegal and has to be dispersed or to protect property This is often not reflected in domestic laws 62 In terms of the Code and the Basic Principles the norm in respect of the intentional use of lethal force is the same under all circumstances whether in self-defence arrest quelling a riot or any other circumstances namely protection of life 10 ldquoComo a jurisprudecircncia do sistema interamericano explicou em numerosas ocasiotildees a liberdade de expressatildeo eacute um direito que tem duas dimensotildees uma dimensatildeo individual que consiste no direito de cada pessoa para expressar seus pensamentos ideias e informaccedilotildees e uma dimensatildeo coletiva ou social que consiste no direito da sociedade de obter e receber todas as informaccedilotildees para saber os pensamentos ideias e informaccedilotildees de outras pessoas para estarem bem informadosrdquo CIDH Escritoacuterio do Relator Especial pela Liberdade de Expressatildeo The inter-American legal framework regarding the right to freedom of expression (OEA SerLVII CIDHRELEINF (2009) par 13 Traduccedilatildeo livre de ldquoAs the case law of the inter-American system has explained on numerous occasions freedom of expression is a right that has two dimensions an individual dimension consisting of the right of each person to express her own thoughts ideas and information and a collective or social dimension consisting of societyrsquos right to obtain and receive any information to know the thoughts ideas and information of others and to be well-informedrdquo 11 Paraacutegrafo 176 da Segunda Ediccedilatildeo das Diretrizes da OSCE Detalhando por exemplo a obrigaccedilatildeo de estabelecer procedimentos de descontaminaccedilatildeo de produtos quiacutemicos irritantes utilizados em

11

A Corte Europeia de Direitos Humanos inclusive jaacute adotou posicionamentos

importantes sobre o tema como a presunccedilatildeo em favor do caraacuteter paciacutefico de todas as

manifestaccedilotildees12 a legitimidade das manifestaccedilotildees de uso do espaccedilo puacuteblico ainda que

causem um certo grau de perturbaccedilatildeo na vida cotidiana13 a necessidade de avaliar o

comportamento do indiviacuteduo separadamente do da multidatildeo14 e o ocircnus da prova de

manifestantes com intenccedilotildees ou accedilotildees violentas que recai sobre as autoridades15

Com o que seraacute esmiuccedilado a seguir este mm Juiacutezo teraacute condiccedilotildees de

observar que o Estado de Satildeo Paulo em sua competecircncia de regulamentar e

controlar a atividade de sua poliacutecia militar aleacutem de desrespeitar a proacutepria

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil viola absolutamente TODAS AS

NORMAS INTERNACIONAIS jaacute estabelecidas para o uso da forccedila policial

5) DO USO DA FORCcedilA PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO NO DIA 13 DE

JUNHO DE 2013

Em 13 de junho de 2013 uma das situaccedilotildees de fato trazidas agrave demanda a Poliacutecia

realizava em Satildeo Paulo uma das mais violentas repressotildees a manifestaccedilotildees desde o fim da

ditadura militar Numa noite de horror coletivo raramente vista milhares de pessoas que

manifestantes a proibiccedilatildeo de utilizar a forccedila contra manifestantes paciacuteficos que satildeo incapazes de dispersar o dever de manter registros detalhados sobre o tipo de forccedila utilizada e a obrigaccedilatildeo de investigar a causa de mortes ou ferimentos entre outros 12 Uma assembleacuteia seraacute considerada paciacutefica enquanto os participantes estiverem paciacuteficos mesmo que os organizadores natildeo cumpram com todos os requisitos legais necessaacuterios para o desenvolvimento da manifestaccedilatildeo Oya Ataman v Turkey no 7455201 ECHR 2006 e Cisse v France no 5134699 sect 37 ECHR 2002 Traduccedilatildeo livre de ldquoAn assembly will be deemed peaceful as long as the participants remain peaceful even if the organizers have not complied with all legal requirements prior to the assemblyrdquo 13 Patyi and Others v Hungary no 552905 sectsect 42-43 ECHR 2008 Balccedilik and Others v Turkey no 2502 sect 52 ECHR 2007 Ashughyan v Armenia no 3326803 sect 90 ECHR 2008 14 ldquouma pessoa natildeo deixa de gozar do direito de reuniatildeo paciacutefica em casos de violecircncia esporaacutedica ou outros atos puniacuteveis cometidos por outras no curso da manifestaccedilatildeo se permanece tranquilo em suas proacuteprias intenccedilotildees ou comportamentosrdquo Ziliberberg v Moldova (dec) no 6182100 ECHR 2004 Traduccedilatildeo livre de ldquoan individual does not cease to enjoy the right to peaceful assembly as a result of sporadic violence or other punishable acts committed by others in the course of the demonstration if the individual in question remains peaceful in his or her own intentions or behaviourrdquo 15 Christian Democratic Peoplersquos Party v Moldova (No 2) no 2519604 sect 23 ECHR 2010

12

participavam de um protesto paciacutefico no centro da cidade se viram cercadas por tropas

policiais em um labirinto violento que atravessou a noite e cujas traacutegicas consequecircncias se

fazem sentir ainda hoje especialmente para os que carregaratildeo sequelas fiacutesicas e emocionais

Esse caso mostra evidente que os procedimentos adotados pela seguranccedila puacuteblica

paulista natildeo respeitaram os protocolos internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila

aleacutem de descumprir tratados e convenccedilotildees internacionais que o Brasil eacute signataacuterio e natildeo

seguir as recomendaccedilotildees das organizaccedilotildees internacionais das quais o Brasil eacute parte

Satildeo numerosos os relatos e evidecircncias de violecircncia fiacutesica contra os manifestantes

em 13 de junho de 2013 inclusive em desfavor de pessoas rendidas deitadas desarmadas e

desprovidas de qualquer acircnimo de resistecircncia Muitas destas pessoas foram espancadas e

atingidas por disparos de balas de borracha

Foram relatados ainda atos de violecircncia contra pessoas que natildeo estavam

participando dos protestos inclusive idosos e crianccedilas16 Foram registradas cenas onde a

Poliacutecia invadiu ateacute mesmo hospitais a fim de localizar pessoas que teriam participado dos

protestos17 Aleacutem disso apoacutes o grande nuacutemero de manifestantes jaacute ter sido dispersado

foram registradas cenas onde a Poliacutecia invadiu estabelecimentos comerciais supostamente

em busca dos manifestantes e agrediu pessoas18 Segundo relatos dos organizadores do

evento mais de 100 pessoas ficaram feridas19 em decorrecircncia da accedilatildeo truculenta da Poliacutecia

naquele dia

16 Ver por exemplo PORTAL DE NOTIacuteCIAS TERRA ldquoBomba de gaacutes lacrimogecircneo atinge carro de um idoso que estava de passagemrdquo viacutedeo publicado no 14 de junho de 2013 13h50 disponiacutevel no link httpterratvterracombrvideosNoticiasBrasilCidades4828-474261Bomba-de-gas-lacrimogeneo-cai-dentro-de-carro-em-protesto-em-SPhtm 17 Ver depoimento no site do Coletivo Antiproibicionista de Satildeo Paulo ldquoPM retira feridos a forccedila de hospital e impede atendimentordquo 14 de junho de 2013 disponiacutevel no link httpcoletivodarorg201306pm-retira-feridos-a-forca-de-hospital-e-impede-atendimento

18Ver por exemplo JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoApoacutes confronto casal eacute agredido por PMs na regiatildeo da Paulistardquo 14 de junho de 2013 00h52 disponiacutevel em httpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294916-apos-confronto-casal-e-agredido-por-pms-na-regiao-da-paulistashtml 19

Os dados finais sobre o numero de feridos ainda estatildeo sendo organizados pelo MPL e pela Defensoria

Puacuteblica de Satildeo Paulo Para uma estimativa ver infograacutefico JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoDos 235

detidos em protesto 231 satildeo liberados apoacutes prestar depoimentordquo 14 de junho 2013 07h25 disponiacutevel

emhttpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294960-dos-235-detidos-em-protesto-231-sao-

liberados-apos-prestar-depoimentoshtml

13

Abaixo demonstra-se detalhadamente cada norma dos protocolos internacionais

para a utilizaccedilatildeo da forccedila que foram descumpridas pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo

Paulo contribuindo-se para o livre convencimento deste mm Juiacutezo a dar total procedecircncia

agrave presente accedilatildeo civil puacuteblica

i - DA INTERRUPCcedilAtildeO DA REUNIAtildeO PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Um dia que ficaria para a histoacuteria como a maior expressatildeo do exerciacutecio do direito

constitucional de reuniatildeo da liberdade de expressatildeo e de locomoccedilatildeo na verdade tornou-se

a maior expressatildeo da restriccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Observa-

se que a justificativa de se liberar o traacutefego de veiacuteculos para garantir a manutenccedilatildeo da

ordem puacuteblica foi a causa que deu iniacutecio agrave accedilatildeo ilegal e truculenta da Poliacutecia Militar do

Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

Nota-se das paacuteginas 21 e 22 da exordial que as proacuteprias forccedilas de seguranccedila

tomaram a iniciativa de encerrar o ato que reuniu cerca de 15 mil pessoas que caminhavam

pelas ruas de Satildeo Paulo

Ocorre que aleacutem de ilegal e inconstitucional essa medida ofende diretamente a

Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica)

incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 68792

Eacute o que diz a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos no Marco Juriacutedico

Interamericano Sobre o Direito agrave Liberdade de Expressatildeo20 onde seu paraacutegrafo 82

assevera

20 Apresentado pela Relatoria para a Liberdade de Expressatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos 2010 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhexpresiondocspublicacionesMARCO20JURIDICO20INTERAMERICANO20DEL20DERECHO20A20LA20LIBERTAD20DE20EXPRESION20ESP20FINAL20portadadocpdf (acessado em 04062014)

14

ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar

a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente

verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma

perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o

funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21

Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial

natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da

Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela

ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica

Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima

ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre

eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas

de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem

claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais

ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e

restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da

ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22

Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram

relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando

que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas

manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou

21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo

15

Veja-se o depoimento de uma delas

A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo

onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a

movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios

manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com

dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer

Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em

frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda

Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes

formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que

os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []

Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do

estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me

recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns

policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com

absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs

policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava

proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da

voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar

naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista

que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer

16

Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo

paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de

15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo

de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente

23

Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam

pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de

reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os

posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de

reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos

Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se

ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no

nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a

reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo

da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude

da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas

democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar

limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja

23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)

17

absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas

devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das

manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da

necessidade e da proporcionalidaderdquo25

A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua

proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da

Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo

Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos

Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo

Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse

direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias

de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por

escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua

escolha

Artigo 15 - Direito de reuniatildeo

Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse

direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam

necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila

nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a

moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas

25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo

18

Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios

garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da

conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27

Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime

e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para

assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da

Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que

ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos

no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao

conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de

outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico

advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do

puacuteblico em geralrdquo

Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por

Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees

Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo

por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma

manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta

26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

19

29

A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12

que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os

princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos

Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila

e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14

Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que

claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre

expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da

proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial

Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo

13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for

possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio

14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute

poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros

meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de

fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9

29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg

20

Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia

deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees

narradas na inicial

Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de

se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e

internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas

para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo

ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE

GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em

vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram

milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas

de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial

de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o

trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes

21

22

Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas

crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma

agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois

de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a

dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou

cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego

Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que

sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)

Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me

atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel

Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti

naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha

paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante

e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo

que eu tive

Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de

vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve

promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)

23

Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia

respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr

mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei

correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo

mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a

Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou

encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta

na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem

Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo

dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele

momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo

Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a

princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu

corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou

melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o

impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles

estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei

ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as

pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles

continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes

dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de

borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e

virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio

Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte

profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei

muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma

sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo

tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de

borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse

estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia

me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele

se assustou e deixou entrar

24

Esta eacute a lesatildeo de que relato trata

Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees

menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas

contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia

O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo

teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado

minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos

O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo

da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17

de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem

puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas

30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

25

Seu artigo 3ordm dispotildee

Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a

forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida

exigida para o cumprimento do seu dever

Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila

independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o

estritamente necessaacuterio

Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979

possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos

Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm

ldquoComentaacuterio

a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional

Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a

forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como

necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime

ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos

qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido

b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio

da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais

de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta

disposiccedilatildeo

A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no

sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o

legiacutetimo objetivo a atingir

c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem

fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de

31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661

26

fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se

armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou

quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja

suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que

uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as

autoridades competentesrdquo

Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos

Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito

da ONU a qual o Brasil estaacute submetido

32

Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o

paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se

32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 9: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

9

humanos e tecircm sido repetidamente referenciados por vaacuterios oacutergatildeos da ONU7 como

expressatildeo dos princiacutepios da proporcionalidade e da estrita necessidade do uso da forccedila

policial destacando ainda que o uso de potencial forccedila letal deve ser sempre excepcional

A preocupaccedilatildeo da comunidade internacional com a efetividade dos direitos

universais de livre expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo fez com que fosse criada no

acircmbito da ONU a figura do Relator Especial sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo

Aleacutem disso haacute de ser destacado que em maio de 2011 o Relator Especial da

ONU sobre Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias ou Arbitraacuterias apresentou um

estudo ao Conselho de Direitos Humanos da organizaccedilatildeo concluindo que os sistemas

legais de muitos paiacuteses ainda natildeo aderiram aos padrotildees internacionais miacutenimos

relacionados ao uso da forccedila policial8

61 A princiacutepio disparar indiscriminadamente contra uma multidatildeo natildeo eacute

permitido e soacute pode se voltar ao indiviacuteduo ou grupo que constitui ameaccedila

de morte ou ferimentos graves O uso de armas de fogo natildeo pode ser

justificado apenas porque uma reuniatildeo eacute ilegal que tenha deva ser

dispersada ou para se proteger a propriedade Isso muitas vezes natildeo estaacute

refletido nas leis do paiacutes

62 Nos termos do Coacutedigo de Conduta e dos Princiacutepios Baacutesicos a norma a

respeito do uso intencional de forccedila letal eacute a mesma em todas as

circunstacircncias mesmo em auto-defesa prisatildeo contenccedilatildeo de revolta popular

the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 7 Entre outros Resoluccedilotildees do Conselho de Direitos Humanos observaccedilotildees finais de vaacuterios corpos de tratados como o Comitecirc de Direitos Humanos e o Comitecirc Contra a Tortura aleacutem dos relatos de procedimentos especiais 8 Relatoacuterio do Relator Especial sobre execuccedilotildees extrajudicias sumaacuterias ou arbitraacuterias apresentado agrave Assembleia Geral em 23052011 (AHRC1728) paraacutegrafos 61 e 62 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf

10

ou em quaisquer outras circunstacircncias ou seja somente em proteccedilatildeo da

vida9

No acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos (CIDH) por meio do Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos

Humanos (2009) (doc 7) e do Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo dos Defensores dos

Direitos Humanos nas Ameacutericas (2012) (doc 8) definiu paracircmetros concretos para

regular o policiamento de protestos que inclui nomeadamente a proibiccedilatildeo do uso de

forccedila letal a necessidade de treinamento adequado para o policiamento durante

manifestaccedilotildees de massa e a exigecircncia de identificaccedilatildeo clara e individual dos policiais

Nota-se que os paracircmetros da CIDH tambeacutem reforccedilam os princiacutepios da

proporcionalidade e da estrita necessidade aleacutem de reconhecer que o direito de protestar eacute

uma forma de expressatildeo coletiva que deve ser garantida10

Natildeo eacute demais destacar que na Europa estaacute vigente um Coacutedigo Europeu de Eacutetica

Policial que conteacutem uma seccedilatildeo inteira dedicada ao policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas

que incluem obrigaccedilotildees processuais e materiais sobre as forccedilas de seguranccedila antes durante

e apoacutes as manifestaccedilotildees acontecerem aleacutem de um foco especial sobre as obrigaccedilotildees da

poliacutecia quando as forccedilas de seguranccedila tomam medidas para dispersar a multidatildeo11

9 Traduccedilatildeo livre de 61 In principle shooting indiscriminately into a crowd is not allowed and may only be targeted at the person or persons constituting the threat of death or serious injury The use of firearms cannot be justified merely because a particular gathering is illegal and has to be dispersed or to protect property This is often not reflected in domestic laws 62 In terms of the Code and the Basic Principles the norm in respect of the intentional use of lethal force is the same under all circumstances whether in self-defence arrest quelling a riot or any other circumstances namely protection of life 10 ldquoComo a jurisprudecircncia do sistema interamericano explicou em numerosas ocasiotildees a liberdade de expressatildeo eacute um direito que tem duas dimensotildees uma dimensatildeo individual que consiste no direito de cada pessoa para expressar seus pensamentos ideias e informaccedilotildees e uma dimensatildeo coletiva ou social que consiste no direito da sociedade de obter e receber todas as informaccedilotildees para saber os pensamentos ideias e informaccedilotildees de outras pessoas para estarem bem informadosrdquo CIDH Escritoacuterio do Relator Especial pela Liberdade de Expressatildeo The inter-American legal framework regarding the right to freedom of expression (OEA SerLVII CIDHRELEINF (2009) par 13 Traduccedilatildeo livre de ldquoAs the case law of the inter-American system has explained on numerous occasions freedom of expression is a right that has two dimensions an individual dimension consisting of the right of each person to express her own thoughts ideas and information and a collective or social dimension consisting of societyrsquos right to obtain and receive any information to know the thoughts ideas and information of others and to be well-informedrdquo 11 Paraacutegrafo 176 da Segunda Ediccedilatildeo das Diretrizes da OSCE Detalhando por exemplo a obrigaccedilatildeo de estabelecer procedimentos de descontaminaccedilatildeo de produtos quiacutemicos irritantes utilizados em

11

A Corte Europeia de Direitos Humanos inclusive jaacute adotou posicionamentos

importantes sobre o tema como a presunccedilatildeo em favor do caraacuteter paciacutefico de todas as

manifestaccedilotildees12 a legitimidade das manifestaccedilotildees de uso do espaccedilo puacuteblico ainda que

causem um certo grau de perturbaccedilatildeo na vida cotidiana13 a necessidade de avaliar o

comportamento do indiviacuteduo separadamente do da multidatildeo14 e o ocircnus da prova de

manifestantes com intenccedilotildees ou accedilotildees violentas que recai sobre as autoridades15

Com o que seraacute esmiuccedilado a seguir este mm Juiacutezo teraacute condiccedilotildees de

observar que o Estado de Satildeo Paulo em sua competecircncia de regulamentar e

controlar a atividade de sua poliacutecia militar aleacutem de desrespeitar a proacutepria

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil viola absolutamente TODAS AS

NORMAS INTERNACIONAIS jaacute estabelecidas para o uso da forccedila policial

5) DO USO DA FORCcedilA PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO NO DIA 13 DE

JUNHO DE 2013

Em 13 de junho de 2013 uma das situaccedilotildees de fato trazidas agrave demanda a Poliacutecia

realizava em Satildeo Paulo uma das mais violentas repressotildees a manifestaccedilotildees desde o fim da

ditadura militar Numa noite de horror coletivo raramente vista milhares de pessoas que

manifestantes a proibiccedilatildeo de utilizar a forccedila contra manifestantes paciacuteficos que satildeo incapazes de dispersar o dever de manter registros detalhados sobre o tipo de forccedila utilizada e a obrigaccedilatildeo de investigar a causa de mortes ou ferimentos entre outros 12 Uma assembleacuteia seraacute considerada paciacutefica enquanto os participantes estiverem paciacuteficos mesmo que os organizadores natildeo cumpram com todos os requisitos legais necessaacuterios para o desenvolvimento da manifestaccedilatildeo Oya Ataman v Turkey no 7455201 ECHR 2006 e Cisse v France no 5134699 sect 37 ECHR 2002 Traduccedilatildeo livre de ldquoAn assembly will be deemed peaceful as long as the participants remain peaceful even if the organizers have not complied with all legal requirements prior to the assemblyrdquo 13 Patyi and Others v Hungary no 552905 sectsect 42-43 ECHR 2008 Balccedilik and Others v Turkey no 2502 sect 52 ECHR 2007 Ashughyan v Armenia no 3326803 sect 90 ECHR 2008 14 ldquouma pessoa natildeo deixa de gozar do direito de reuniatildeo paciacutefica em casos de violecircncia esporaacutedica ou outros atos puniacuteveis cometidos por outras no curso da manifestaccedilatildeo se permanece tranquilo em suas proacuteprias intenccedilotildees ou comportamentosrdquo Ziliberberg v Moldova (dec) no 6182100 ECHR 2004 Traduccedilatildeo livre de ldquoan individual does not cease to enjoy the right to peaceful assembly as a result of sporadic violence or other punishable acts committed by others in the course of the demonstration if the individual in question remains peaceful in his or her own intentions or behaviourrdquo 15 Christian Democratic Peoplersquos Party v Moldova (No 2) no 2519604 sect 23 ECHR 2010

12

participavam de um protesto paciacutefico no centro da cidade se viram cercadas por tropas

policiais em um labirinto violento que atravessou a noite e cujas traacutegicas consequecircncias se

fazem sentir ainda hoje especialmente para os que carregaratildeo sequelas fiacutesicas e emocionais

Esse caso mostra evidente que os procedimentos adotados pela seguranccedila puacuteblica

paulista natildeo respeitaram os protocolos internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila

aleacutem de descumprir tratados e convenccedilotildees internacionais que o Brasil eacute signataacuterio e natildeo

seguir as recomendaccedilotildees das organizaccedilotildees internacionais das quais o Brasil eacute parte

Satildeo numerosos os relatos e evidecircncias de violecircncia fiacutesica contra os manifestantes

em 13 de junho de 2013 inclusive em desfavor de pessoas rendidas deitadas desarmadas e

desprovidas de qualquer acircnimo de resistecircncia Muitas destas pessoas foram espancadas e

atingidas por disparos de balas de borracha

Foram relatados ainda atos de violecircncia contra pessoas que natildeo estavam

participando dos protestos inclusive idosos e crianccedilas16 Foram registradas cenas onde a

Poliacutecia invadiu ateacute mesmo hospitais a fim de localizar pessoas que teriam participado dos

protestos17 Aleacutem disso apoacutes o grande nuacutemero de manifestantes jaacute ter sido dispersado

foram registradas cenas onde a Poliacutecia invadiu estabelecimentos comerciais supostamente

em busca dos manifestantes e agrediu pessoas18 Segundo relatos dos organizadores do

evento mais de 100 pessoas ficaram feridas19 em decorrecircncia da accedilatildeo truculenta da Poliacutecia

naquele dia

16 Ver por exemplo PORTAL DE NOTIacuteCIAS TERRA ldquoBomba de gaacutes lacrimogecircneo atinge carro de um idoso que estava de passagemrdquo viacutedeo publicado no 14 de junho de 2013 13h50 disponiacutevel no link httpterratvterracombrvideosNoticiasBrasilCidades4828-474261Bomba-de-gas-lacrimogeneo-cai-dentro-de-carro-em-protesto-em-SPhtm 17 Ver depoimento no site do Coletivo Antiproibicionista de Satildeo Paulo ldquoPM retira feridos a forccedila de hospital e impede atendimentordquo 14 de junho de 2013 disponiacutevel no link httpcoletivodarorg201306pm-retira-feridos-a-forca-de-hospital-e-impede-atendimento

18Ver por exemplo JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoApoacutes confronto casal eacute agredido por PMs na regiatildeo da Paulistardquo 14 de junho de 2013 00h52 disponiacutevel em httpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294916-apos-confronto-casal-e-agredido-por-pms-na-regiao-da-paulistashtml 19

Os dados finais sobre o numero de feridos ainda estatildeo sendo organizados pelo MPL e pela Defensoria

Puacuteblica de Satildeo Paulo Para uma estimativa ver infograacutefico JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoDos 235

detidos em protesto 231 satildeo liberados apoacutes prestar depoimentordquo 14 de junho 2013 07h25 disponiacutevel

emhttpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294960-dos-235-detidos-em-protesto-231-sao-

liberados-apos-prestar-depoimentoshtml

13

Abaixo demonstra-se detalhadamente cada norma dos protocolos internacionais

para a utilizaccedilatildeo da forccedila que foram descumpridas pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo

Paulo contribuindo-se para o livre convencimento deste mm Juiacutezo a dar total procedecircncia

agrave presente accedilatildeo civil puacuteblica

i - DA INTERRUPCcedilAtildeO DA REUNIAtildeO PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Um dia que ficaria para a histoacuteria como a maior expressatildeo do exerciacutecio do direito

constitucional de reuniatildeo da liberdade de expressatildeo e de locomoccedilatildeo na verdade tornou-se

a maior expressatildeo da restriccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Observa-

se que a justificativa de se liberar o traacutefego de veiacuteculos para garantir a manutenccedilatildeo da

ordem puacuteblica foi a causa que deu iniacutecio agrave accedilatildeo ilegal e truculenta da Poliacutecia Militar do

Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

Nota-se das paacuteginas 21 e 22 da exordial que as proacuteprias forccedilas de seguranccedila

tomaram a iniciativa de encerrar o ato que reuniu cerca de 15 mil pessoas que caminhavam

pelas ruas de Satildeo Paulo

Ocorre que aleacutem de ilegal e inconstitucional essa medida ofende diretamente a

Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica)

incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 68792

Eacute o que diz a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos no Marco Juriacutedico

Interamericano Sobre o Direito agrave Liberdade de Expressatildeo20 onde seu paraacutegrafo 82

assevera

20 Apresentado pela Relatoria para a Liberdade de Expressatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos 2010 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhexpresiondocspublicacionesMARCO20JURIDICO20INTERAMERICANO20DEL20DERECHO20A20LA20LIBERTAD20DE20EXPRESION20ESP20FINAL20portadadocpdf (acessado em 04062014)

14

ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar

a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente

verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma

perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o

funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21

Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial

natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da

Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela

ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica

Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima

ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre

eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas

de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem

claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais

ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e

restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da

ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22

Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram

relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando

que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas

manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou

21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo

15

Veja-se o depoimento de uma delas

A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo

onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a

movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios

manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com

dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer

Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em

frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda

Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes

formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que

os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []

Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do

estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me

recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns

policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com

absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs

policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava

proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da

voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar

naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista

que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer

16

Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo

paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de

15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo

de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente

23

Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam

pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de

reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os

posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de

reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos

Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se

ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no

nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a

reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo

da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude

da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas

democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar

limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja

23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)

17

absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas

devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das

manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da

necessidade e da proporcionalidaderdquo25

A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua

proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da

Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo

Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos

Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo

Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse

direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias

de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por

escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua

escolha

Artigo 15 - Direito de reuniatildeo

Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse

direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam

necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila

nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a

moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas

25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo

18

Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios

garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da

conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27

Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime

e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para

assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da

Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que

ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos

no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao

conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de

outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico

advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do

puacuteblico em geralrdquo

Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por

Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees

Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo

por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma

manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta

26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

19

29

A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12

que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os

princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos

Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila

e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14

Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que

claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre

expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da

proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial

Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo

13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for

possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio

14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute

poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros

meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de

fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9

29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg

20

Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia

deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees

narradas na inicial

Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de

se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e

internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas

para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo

ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE

GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em

vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram

milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas

de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial

de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o

trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes

21

22

Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas

crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma

agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois

de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a

dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou

cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego

Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que

sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)

Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me

atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel

Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti

naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha

paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante

e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo

que eu tive

Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de

vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve

promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)

23

Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia

respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr

mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei

correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo

mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a

Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou

encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta

na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem

Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo

dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele

momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo

Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a

princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu

corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou

melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o

impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles

estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei

ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as

pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles

continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes

dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de

borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e

virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio

Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte

profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei

muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma

sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo

tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de

borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse

estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia

me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele

se assustou e deixou entrar

24

Esta eacute a lesatildeo de que relato trata

Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees

menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas

contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia

O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo

teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado

minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos

O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo

da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17

de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem

puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas

30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

25

Seu artigo 3ordm dispotildee

Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a

forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida

exigida para o cumprimento do seu dever

Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila

independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o

estritamente necessaacuterio

Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979

possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos

Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm

ldquoComentaacuterio

a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional

Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a

forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como

necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime

ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos

qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido

b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio

da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais

de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta

disposiccedilatildeo

A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no

sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o

legiacutetimo objetivo a atingir

c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem

fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de

31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661

26

fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se

armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou

quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja

suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que

uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as

autoridades competentesrdquo

Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos

Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito

da ONU a qual o Brasil estaacute submetido

32

Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o

paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se

32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 10: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

10

ou em quaisquer outras circunstacircncias ou seja somente em proteccedilatildeo da

vida9

No acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos (CIDH) por meio do Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos

Humanos (2009) (doc 7) e do Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo dos Defensores dos

Direitos Humanos nas Ameacutericas (2012) (doc 8) definiu paracircmetros concretos para

regular o policiamento de protestos que inclui nomeadamente a proibiccedilatildeo do uso de

forccedila letal a necessidade de treinamento adequado para o policiamento durante

manifestaccedilotildees de massa e a exigecircncia de identificaccedilatildeo clara e individual dos policiais

Nota-se que os paracircmetros da CIDH tambeacutem reforccedilam os princiacutepios da

proporcionalidade e da estrita necessidade aleacutem de reconhecer que o direito de protestar eacute

uma forma de expressatildeo coletiva que deve ser garantida10

Natildeo eacute demais destacar que na Europa estaacute vigente um Coacutedigo Europeu de Eacutetica

Policial que conteacutem uma seccedilatildeo inteira dedicada ao policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas

que incluem obrigaccedilotildees processuais e materiais sobre as forccedilas de seguranccedila antes durante

e apoacutes as manifestaccedilotildees acontecerem aleacutem de um foco especial sobre as obrigaccedilotildees da

poliacutecia quando as forccedilas de seguranccedila tomam medidas para dispersar a multidatildeo11

9 Traduccedilatildeo livre de 61 In principle shooting indiscriminately into a crowd is not allowed and may only be targeted at the person or persons constituting the threat of death or serious injury The use of firearms cannot be justified merely because a particular gathering is illegal and has to be dispersed or to protect property This is often not reflected in domestic laws 62 In terms of the Code and the Basic Principles the norm in respect of the intentional use of lethal force is the same under all circumstances whether in self-defence arrest quelling a riot or any other circumstances namely protection of life 10 ldquoComo a jurisprudecircncia do sistema interamericano explicou em numerosas ocasiotildees a liberdade de expressatildeo eacute um direito que tem duas dimensotildees uma dimensatildeo individual que consiste no direito de cada pessoa para expressar seus pensamentos ideias e informaccedilotildees e uma dimensatildeo coletiva ou social que consiste no direito da sociedade de obter e receber todas as informaccedilotildees para saber os pensamentos ideias e informaccedilotildees de outras pessoas para estarem bem informadosrdquo CIDH Escritoacuterio do Relator Especial pela Liberdade de Expressatildeo The inter-American legal framework regarding the right to freedom of expression (OEA SerLVII CIDHRELEINF (2009) par 13 Traduccedilatildeo livre de ldquoAs the case law of the inter-American system has explained on numerous occasions freedom of expression is a right that has two dimensions an individual dimension consisting of the right of each person to express her own thoughts ideas and information and a collective or social dimension consisting of societyrsquos right to obtain and receive any information to know the thoughts ideas and information of others and to be well-informedrdquo 11 Paraacutegrafo 176 da Segunda Ediccedilatildeo das Diretrizes da OSCE Detalhando por exemplo a obrigaccedilatildeo de estabelecer procedimentos de descontaminaccedilatildeo de produtos quiacutemicos irritantes utilizados em

11

A Corte Europeia de Direitos Humanos inclusive jaacute adotou posicionamentos

importantes sobre o tema como a presunccedilatildeo em favor do caraacuteter paciacutefico de todas as

manifestaccedilotildees12 a legitimidade das manifestaccedilotildees de uso do espaccedilo puacuteblico ainda que

causem um certo grau de perturbaccedilatildeo na vida cotidiana13 a necessidade de avaliar o

comportamento do indiviacuteduo separadamente do da multidatildeo14 e o ocircnus da prova de

manifestantes com intenccedilotildees ou accedilotildees violentas que recai sobre as autoridades15

Com o que seraacute esmiuccedilado a seguir este mm Juiacutezo teraacute condiccedilotildees de

observar que o Estado de Satildeo Paulo em sua competecircncia de regulamentar e

controlar a atividade de sua poliacutecia militar aleacutem de desrespeitar a proacutepria

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil viola absolutamente TODAS AS

NORMAS INTERNACIONAIS jaacute estabelecidas para o uso da forccedila policial

5) DO USO DA FORCcedilA PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO NO DIA 13 DE

JUNHO DE 2013

Em 13 de junho de 2013 uma das situaccedilotildees de fato trazidas agrave demanda a Poliacutecia

realizava em Satildeo Paulo uma das mais violentas repressotildees a manifestaccedilotildees desde o fim da

ditadura militar Numa noite de horror coletivo raramente vista milhares de pessoas que

manifestantes a proibiccedilatildeo de utilizar a forccedila contra manifestantes paciacuteficos que satildeo incapazes de dispersar o dever de manter registros detalhados sobre o tipo de forccedila utilizada e a obrigaccedilatildeo de investigar a causa de mortes ou ferimentos entre outros 12 Uma assembleacuteia seraacute considerada paciacutefica enquanto os participantes estiverem paciacuteficos mesmo que os organizadores natildeo cumpram com todos os requisitos legais necessaacuterios para o desenvolvimento da manifestaccedilatildeo Oya Ataman v Turkey no 7455201 ECHR 2006 e Cisse v France no 5134699 sect 37 ECHR 2002 Traduccedilatildeo livre de ldquoAn assembly will be deemed peaceful as long as the participants remain peaceful even if the organizers have not complied with all legal requirements prior to the assemblyrdquo 13 Patyi and Others v Hungary no 552905 sectsect 42-43 ECHR 2008 Balccedilik and Others v Turkey no 2502 sect 52 ECHR 2007 Ashughyan v Armenia no 3326803 sect 90 ECHR 2008 14 ldquouma pessoa natildeo deixa de gozar do direito de reuniatildeo paciacutefica em casos de violecircncia esporaacutedica ou outros atos puniacuteveis cometidos por outras no curso da manifestaccedilatildeo se permanece tranquilo em suas proacuteprias intenccedilotildees ou comportamentosrdquo Ziliberberg v Moldova (dec) no 6182100 ECHR 2004 Traduccedilatildeo livre de ldquoan individual does not cease to enjoy the right to peaceful assembly as a result of sporadic violence or other punishable acts committed by others in the course of the demonstration if the individual in question remains peaceful in his or her own intentions or behaviourrdquo 15 Christian Democratic Peoplersquos Party v Moldova (No 2) no 2519604 sect 23 ECHR 2010

12

participavam de um protesto paciacutefico no centro da cidade se viram cercadas por tropas

policiais em um labirinto violento que atravessou a noite e cujas traacutegicas consequecircncias se

fazem sentir ainda hoje especialmente para os que carregaratildeo sequelas fiacutesicas e emocionais

Esse caso mostra evidente que os procedimentos adotados pela seguranccedila puacuteblica

paulista natildeo respeitaram os protocolos internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila

aleacutem de descumprir tratados e convenccedilotildees internacionais que o Brasil eacute signataacuterio e natildeo

seguir as recomendaccedilotildees das organizaccedilotildees internacionais das quais o Brasil eacute parte

Satildeo numerosos os relatos e evidecircncias de violecircncia fiacutesica contra os manifestantes

em 13 de junho de 2013 inclusive em desfavor de pessoas rendidas deitadas desarmadas e

desprovidas de qualquer acircnimo de resistecircncia Muitas destas pessoas foram espancadas e

atingidas por disparos de balas de borracha

Foram relatados ainda atos de violecircncia contra pessoas que natildeo estavam

participando dos protestos inclusive idosos e crianccedilas16 Foram registradas cenas onde a

Poliacutecia invadiu ateacute mesmo hospitais a fim de localizar pessoas que teriam participado dos

protestos17 Aleacutem disso apoacutes o grande nuacutemero de manifestantes jaacute ter sido dispersado

foram registradas cenas onde a Poliacutecia invadiu estabelecimentos comerciais supostamente

em busca dos manifestantes e agrediu pessoas18 Segundo relatos dos organizadores do

evento mais de 100 pessoas ficaram feridas19 em decorrecircncia da accedilatildeo truculenta da Poliacutecia

naquele dia

16 Ver por exemplo PORTAL DE NOTIacuteCIAS TERRA ldquoBomba de gaacutes lacrimogecircneo atinge carro de um idoso que estava de passagemrdquo viacutedeo publicado no 14 de junho de 2013 13h50 disponiacutevel no link httpterratvterracombrvideosNoticiasBrasilCidades4828-474261Bomba-de-gas-lacrimogeneo-cai-dentro-de-carro-em-protesto-em-SPhtm 17 Ver depoimento no site do Coletivo Antiproibicionista de Satildeo Paulo ldquoPM retira feridos a forccedila de hospital e impede atendimentordquo 14 de junho de 2013 disponiacutevel no link httpcoletivodarorg201306pm-retira-feridos-a-forca-de-hospital-e-impede-atendimento

18Ver por exemplo JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoApoacutes confronto casal eacute agredido por PMs na regiatildeo da Paulistardquo 14 de junho de 2013 00h52 disponiacutevel em httpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294916-apos-confronto-casal-e-agredido-por-pms-na-regiao-da-paulistashtml 19

Os dados finais sobre o numero de feridos ainda estatildeo sendo organizados pelo MPL e pela Defensoria

Puacuteblica de Satildeo Paulo Para uma estimativa ver infograacutefico JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoDos 235

detidos em protesto 231 satildeo liberados apoacutes prestar depoimentordquo 14 de junho 2013 07h25 disponiacutevel

emhttpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294960-dos-235-detidos-em-protesto-231-sao-

liberados-apos-prestar-depoimentoshtml

13

Abaixo demonstra-se detalhadamente cada norma dos protocolos internacionais

para a utilizaccedilatildeo da forccedila que foram descumpridas pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo

Paulo contribuindo-se para o livre convencimento deste mm Juiacutezo a dar total procedecircncia

agrave presente accedilatildeo civil puacuteblica

i - DA INTERRUPCcedilAtildeO DA REUNIAtildeO PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Um dia que ficaria para a histoacuteria como a maior expressatildeo do exerciacutecio do direito

constitucional de reuniatildeo da liberdade de expressatildeo e de locomoccedilatildeo na verdade tornou-se

a maior expressatildeo da restriccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Observa-

se que a justificativa de se liberar o traacutefego de veiacuteculos para garantir a manutenccedilatildeo da

ordem puacuteblica foi a causa que deu iniacutecio agrave accedilatildeo ilegal e truculenta da Poliacutecia Militar do

Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

Nota-se das paacuteginas 21 e 22 da exordial que as proacuteprias forccedilas de seguranccedila

tomaram a iniciativa de encerrar o ato que reuniu cerca de 15 mil pessoas que caminhavam

pelas ruas de Satildeo Paulo

Ocorre que aleacutem de ilegal e inconstitucional essa medida ofende diretamente a

Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica)

incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 68792

Eacute o que diz a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos no Marco Juriacutedico

Interamericano Sobre o Direito agrave Liberdade de Expressatildeo20 onde seu paraacutegrafo 82

assevera

20 Apresentado pela Relatoria para a Liberdade de Expressatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos 2010 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhexpresiondocspublicacionesMARCO20JURIDICO20INTERAMERICANO20DEL20DERECHO20A20LA20LIBERTAD20DE20EXPRESION20ESP20FINAL20portadadocpdf (acessado em 04062014)

14

ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar

a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente

verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma

perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o

funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21

Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial

natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da

Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela

ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica

Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima

ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre

eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas

de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem

claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais

ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e

restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da

ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22

Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram

relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando

que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas

manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou

21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo

15

Veja-se o depoimento de uma delas

A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo

onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a

movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios

manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com

dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer

Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em

frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda

Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes

formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que

os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []

Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do

estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me

recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns

policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com

absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs

policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava

proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da

voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar

naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista

que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer

16

Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo

paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de

15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo

de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente

23

Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam

pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de

reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os

posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de

reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos

Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se

ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no

nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a

reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo

da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude

da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas

democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar

limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja

23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)

17

absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas

devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das

manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da

necessidade e da proporcionalidaderdquo25

A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua

proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da

Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo

Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos

Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo

Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse

direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias

de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por

escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua

escolha

Artigo 15 - Direito de reuniatildeo

Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse

direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam

necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila

nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a

moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas

25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo

18

Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios

garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da

conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27

Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime

e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para

assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da

Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que

ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos

no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao

conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de

outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico

advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do

puacuteblico em geralrdquo

Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por

Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees

Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo

por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma

manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta

26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

19

29

A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12

que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os

princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos

Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila

e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14

Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que

claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre

expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da

proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial

Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo

13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for

possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio

14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute

poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros

meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de

fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9

29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg

20

Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia

deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees

narradas na inicial

Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de

se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e

internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas

para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo

ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE

GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em

vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram

milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas

de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial

de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o

trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes

21

22

Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas

crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma

agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois

de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a

dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou

cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego

Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que

sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)

Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me

atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel

Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti

naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha

paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante

e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo

que eu tive

Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de

vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve

promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)

23

Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia

respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr

mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei

correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo

mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a

Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou

encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta

na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem

Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo

dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele

momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo

Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a

princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu

corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou

melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o

impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles

estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei

ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as

pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles

continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes

dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de

borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e

virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio

Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte

profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei

muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma

sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo

tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de

borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse

estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia

me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele

se assustou e deixou entrar

24

Esta eacute a lesatildeo de que relato trata

Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees

menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas

contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia

O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo

teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado

minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos

O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo

da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17

de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem

puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas

30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

25

Seu artigo 3ordm dispotildee

Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a

forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida

exigida para o cumprimento do seu dever

Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila

independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o

estritamente necessaacuterio

Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979

possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos

Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm

ldquoComentaacuterio

a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional

Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a

forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como

necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime

ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos

qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido

b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio

da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais

de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta

disposiccedilatildeo

A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no

sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o

legiacutetimo objetivo a atingir

c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem

fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de

31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661

26

fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se

armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou

quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja

suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que

uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as

autoridades competentesrdquo

Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos

Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito

da ONU a qual o Brasil estaacute submetido

32

Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o

paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se

32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 11: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

11

A Corte Europeia de Direitos Humanos inclusive jaacute adotou posicionamentos

importantes sobre o tema como a presunccedilatildeo em favor do caraacuteter paciacutefico de todas as

manifestaccedilotildees12 a legitimidade das manifestaccedilotildees de uso do espaccedilo puacuteblico ainda que

causem um certo grau de perturbaccedilatildeo na vida cotidiana13 a necessidade de avaliar o

comportamento do indiviacuteduo separadamente do da multidatildeo14 e o ocircnus da prova de

manifestantes com intenccedilotildees ou accedilotildees violentas que recai sobre as autoridades15

Com o que seraacute esmiuccedilado a seguir este mm Juiacutezo teraacute condiccedilotildees de

observar que o Estado de Satildeo Paulo em sua competecircncia de regulamentar e

controlar a atividade de sua poliacutecia militar aleacutem de desrespeitar a proacutepria

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil viola absolutamente TODAS AS

NORMAS INTERNACIONAIS jaacute estabelecidas para o uso da forccedila policial

5) DO USO DA FORCcedilA PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO NO DIA 13 DE

JUNHO DE 2013

Em 13 de junho de 2013 uma das situaccedilotildees de fato trazidas agrave demanda a Poliacutecia

realizava em Satildeo Paulo uma das mais violentas repressotildees a manifestaccedilotildees desde o fim da

ditadura militar Numa noite de horror coletivo raramente vista milhares de pessoas que

manifestantes a proibiccedilatildeo de utilizar a forccedila contra manifestantes paciacuteficos que satildeo incapazes de dispersar o dever de manter registros detalhados sobre o tipo de forccedila utilizada e a obrigaccedilatildeo de investigar a causa de mortes ou ferimentos entre outros 12 Uma assembleacuteia seraacute considerada paciacutefica enquanto os participantes estiverem paciacuteficos mesmo que os organizadores natildeo cumpram com todos os requisitos legais necessaacuterios para o desenvolvimento da manifestaccedilatildeo Oya Ataman v Turkey no 7455201 ECHR 2006 e Cisse v France no 5134699 sect 37 ECHR 2002 Traduccedilatildeo livre de ldquoAn assembly will be deemed peaceful as long as the participants remain peaceful even if the organizers have not complied with all legal requirements prior to the assemblyrdquo 13 Patyi and Others v Hungary no 552905 sectsect 42-43 ECHR 2008 Balccedilik and Others v Turkey no 2502 sect 52 ECHR 2007 Ashughyan v Armenia no 3326803 sect 90 ECHR 2008 14 ldquouma pessoa natildeo deixa de gozar do direito de reuniatildeo paciacutefica em casos de violecircncia esporaacutedica ou outros atos puniacuteveis cometidos por outras no curso da manifestaccedilatildeo se permanece tranquilo em suas proacuteprias intenccedilotildees ou comportamentosrdquo Ziliberberg v Moldova (dec) no 6182100 ECHR 2004 Traduccedilatildeo livre de ldquoan individual does not cease to enjoy the right to peaceful assembly as a result of sporadic violence or other punishable acts committed by others in the course of the demonstration if the individual in question remains peaceful in his or her own intentions or behaviourrdquo 15 Christian Democratic Peoplersquos Party v Moldova (No 2) no 2519604 sect 23 ECHR 2010

12

participavam de um protesto paciacutefico no centro da cidade se viram cercadas por tropas

policiais em um labirinto violento que atravessou a noite e cujas traacutegicas consequecircncias se

fazem sentir ainda hoje especialmente para os que carregaratildeo sequelas fiacutesicas e emocionais

Esse caso mostra evidente que os procedimentos adotados pela seguranccedila puacuteblica

paulista natildeo respeitaram os protocolos internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila

aleacutem de descumprir tratados e convenccedilotildees internacionais que o Brasil eacute signataacuterio e natildeo

seguir as recomendaccedilotildees das organizaccedilotildees internacionais das quais o Brasil eacute parte

Satildeo numerosos os relatos e evidecircncias de violecircncia fiacutesica contra os manifestantes

em 13 de junho de 2013 inclusive em desfavor de pessoas rendidas deitadas desarmadas e

desprovidas de qualquer acircnimo de resistecircncia Muitas destas pessoas foram espancadas e

atingidas por disparos de balas de borracha

Foram relatados ainda atos de violecircncia contra pessoas que natildeo estavam

participando dos protestos inclusive idosos e crianccedilas16 Foram registradas cenas onde a

Poliacutecia invadiu ateacute mesmo hospitais a fim de localizar pessoas que teriam participado dos

protestos17 Aleacutem disso apoacutes o grande nuacutemero de manifestantes jaacute ter sido dispersado

foram registradas cenas onde a Poliacutecia invadiu estabelecimentos comerciais supostamente

em busca dos manifestantes e agrediu pessoas18 Segundo relatos dos organizadores do

evento mais de 100 pessoas ficaram feridas19 em decorrecircncia da accedilatildeo truculenta da Poliacutecia

naquele dia

16 Ver por exemplo PORTAL DE NOTIacuteCIAS TERRA ldquoBomba de gaacutes lacrimogecircneo atinge carro de um idoso que estava de passagemrdquo viacutedeo publicado no 14 de junho de 2013 13h50 disponiacutevel no link httpterratvterracombrvideosNoticiasBrasilCidades4828-474261Bomba-de-gas-lacrimogeneo-cai-dentro-de-carro-em-protesto-em-SPhtm 17 Ver depoimento no site do Coletivo Antiproibicionista de Satildeo Paulo ldquoPM retira feridos a forccedila de hospital e impede atendimentordquo 14 de junho de 2013 disponiacutevel no link httpcoletivodarorg201306pm-retira-feridos-a-forca-de-hospital-e-impede-atendimento

18Ver por exemplo JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoApoacutes confronto casal eacute agredido por PMs na regiatildeo da Paulistardquo 14 de junho de 2013 00h52 disponiacutevel em httpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294916-apos-confronto-casal-e-agredido-por-pms-na-regiao-da-paulistashtml 19

Os dados finais sobre o numero de feridos ainda estatildeo sendo organizados pelo MPL e pela Defensoria

Puacuteblica de Satildeo Paulo Para uma estimativa ver infograacutefico JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoDos 235

detidos em protesto 231 satildeo liberados apoacutes prestar depoimentordquo 14 de junho 2013 07h25 disponiacutevel

emhttpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294960-dos-235-detidos-em-protesto-231-sao-

liberados-apos-prestar-depoimentoshtml

13

Abaixo demonstra-se detalhadamente cada norma dos protocolos internacionais

para a utilizaccedilatildeo da forccedila que foram descumpridas pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo

Paulo contribuindo-se para o livre convencimento deste mm Juiacutezo a dar total procedecircncia

agrave presente accedilatildeo civil puacuteblica

i - DA INTERRUPCcedilAtildeO DA REUNIAtildeO PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Um dia que ficaria para a histoacuteria como a maior expressatildeo do exerciacutecio do direito

constitucional de reuniatildeo da liberdade de expressatildeo e de locomoccedilatildeo na verdade tornou-se

a maior expressatildeo da restriccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Observa-

se que a justificativa de se liberar o traacutefego de veiacuteculos para garantir a manutenccedilatildeo da

ordem puacuteblica foi a causa que deu iniacutecio agrave accedilatildeo ilegal e truculenta da Poliacutecia Militar do

Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

Nota-se das paacuteginas 21 e 22 da exordial que as proacuteprias forccedilas de seguranccedila

tomaram a iniciativa de encerrar o ato que reuniu cerca de 15 mil pessoas que caminhavam

pelas ruas de Satildeo Paulo

Ocorre que aleacutem de ilegal e inconstitucional essa medida ofende diretamente a

Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica)

incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 68792

Eacute o que diz a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos no Marco Juriacutedico

Interamericano Sobre o Direito agrave Liberdade de Expressatildeo20 onde seu paraacutegrafo 82

assevera

20 Apresentado pela Relatoria para a Liberdade de Expressatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos 2010 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhexpresiondocspublicacionesMARCO20JURIDICO20INTERAMERICANO20DEL20DERECHO20A20LA20LIBERTAD20DE20EXPRESION20ESP20FINAL20portadadocpdf (acessado em 04062014)

14

ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar

a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente

verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma

perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o

funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21

Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial

natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da

Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela

ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica

Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima

ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre

eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas

de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem

claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais

ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e

restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da

ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22

Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram

relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando

que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas

manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou

21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo

15

Veja-se o depoimento de uma delas

A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo

onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a

movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios

manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com

dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer

Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em

frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda

Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes

formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que

os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []

Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do

estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me

recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns

policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com

absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs

policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava

proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da

voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar

naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista

que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer

16

Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo

paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de

15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo

de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente

23

Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam

pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de

reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os

posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de

reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos

Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se

ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no

nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a

reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo

da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude

da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas

democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar

limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja

23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)

17

absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas

devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das

manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da

necessidade e da proporcionalidaderdquo25

A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua

proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da

Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo

Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos

Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo

Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse

direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias

de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por

escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua

escolha

Artigo 15 - Direito de reuniatildeo

Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse

direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam

necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila

nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a

moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas

25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo

18

Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios

garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da

conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27

Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime

e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para

assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da

Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que

ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos

no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao

conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de

outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico

advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do

puacuteblico em geralrdquo

Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por

Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees

Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo

por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma

manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta

26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

19

29

A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12

que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os

princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos

Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila

e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14

Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que

claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre

expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da

proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial

Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo

13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for

possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio

14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute

poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros

meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de

fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9

29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg

20

Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia

deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees

narradas na inicial

Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de

se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e

internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas

para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo

ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE

GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em

vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram

milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas

de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial

de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o

trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes

21

22

Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas

crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma

agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois

de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a

dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou

cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego

Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que

sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)

Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me

atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel

Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti

naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha

paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante

e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo

que eu tive

Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de

vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve

promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)

23

Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia

respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr

mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei

correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo

mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a

Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou

encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta

na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem

Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo

dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele

momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo

Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a

princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu

corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou

melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o

impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles

estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei

ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as

pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles

continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes

dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de

borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e

virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio

Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte

profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei

muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma

sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo

tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de

borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse

estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia

me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele

se assustou e deixou entrar

24

Esta eacute a lesatildeo de que relato trata

Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees

menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas

contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia

O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo

teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado

minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos

O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo

da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17

de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem

puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas

30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

25

Seu artigo 3ordm dispotildee

Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a

forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida

exigida para o cumprimento do seu dever

Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila

independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o

estritamente necessaacuterio

Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979

possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos

Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm

ldquoComentaacuterio

a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional

Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a

forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como

necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime

ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos

qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido

b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio

da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais

de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta

disposiccedilatildeo

A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no

sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o

legiacutetimo objetivo a atingir

c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem

fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de

31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661

26

fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se

armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou

quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja

suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que

uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as

autoridades competentesrdquo

Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos

Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito

da ONU a qual o Brasil estaacute submetido

32

Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o

paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se

32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 12: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

12

participavam de um protesto paciacutefico no centro da cidade se viram cercadas por tropas

policiais em um labirinto violento que atravessou a noite e cujas traacutegicas consequecircncias se

fazem sentir ainda hoje especialmente para os que carregaratildeo sequelas fiacutesicas e emocionais

Esse caso mostra evidente que os procedimentos adotados pela seguranccedila puacuteblica

paulista natildeo respeitaram os protocolos internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila

aleacutem de descumprir tratados e convenccedilotildees internacionais que o Brasil eacute signataacuterio e natildeo

seguir as recomendaccedilotildees das organizaccedilotildees internacionais das quais o Brasil eacute parte

Satildeo numerosos os relatos e evidecircncias de violecircncia fiacutesica contra os manifestantes

em 13 de junho de 2013 inclusive em desfavor de pessoas rendidas deitadas desarmadas e

desprovidas de qualquer acircnimo de resistecircncia Muitas destas pessoas foram espancadas e

atingidas por disparos de balas de borracha

Foram relatados ainda atos de violecircncia contra pessoas que natildeo estavam

participando dos protestos inclusive idosos e crianccedilas16 Foram registradas cenas onde a

Poliacutecia invadiu ateacute mesmo hospitais a fim de localizar pessoas que teriam participado dos

protestos17 Aleacutem disso apoacutes o grande nuacutemero de manifestantes jaacute ter sido dispersado

foram registradas cenas onde a Poliacutecia invadiu estabelecimentos comerciais supostamente

em busca dos manifestantes e agrediu pessoas18 Segundo relatos dos organizadores do

evento mais de 100 pessoas ficaram feridas19 em decorrecircncia da accedilatildeo truculenta da Poliacutecia

naquele dia

16 Ver por exemplo PORTAL DE NOTIacuteCIAS TERRA ldquoBomba de gaacutes lacrimogecircneo atinge carro de um idoso que estava de passagemrdquo viacutedeo publicado no 14 de junho de 2013 13h50 disponiacutevel no link httpterratvterracombrvideosNoticiasBrasilCidades4828-474261Bomba-de-gas-lacrimogeneo-cai-dentro-de-carro-em-protesto-em-SPhtm 17 Ver depoimento no site do Coletivo Antiproibicionista de Satildeo Paulo ldquoPM retira feridos a forccedila de hospital e impede atendimentordquo 14 de junho de 2013 disponiacutevel no link httpcoletivodarorg201306pm-retira-feridos-a-forca-de-hospital-e-impede-atendimento

18Ver por exemplo JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoApoacutes confronto casal eacute agredido por PMs na regiatildeo da Paulistardquo 14 de junho de 2013 00h52 disponiacutevel em httpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294916-apos-confronto-casal-e-agredido-por-pms-na-regiao-da-paulistashtml 19

Os dados finais sobre o numero de feridos ainda estatildeo sendo organizados pelo MPL e pela Defensoria

Puacuteblica de Satildeo Paulo Para uma estimativa ver infograacutefico JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoDos 235

detidos em protesto 231 satildeo liberados apoacutes prestar depoimentordquo 14 de junho 2013 07h25 disponiacutevel

emhttpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294960-dos-235-detidos-em-protesto-231-sao-

liberados-apos-prestar-depoimentoshtml

13

Abaixo demonstra-se detalhadamente cada norma dos protocolos internacionais

para a utilizaccedilatildeo da forccedila que foram descumpridas pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo

Paulo contribuindo-se para o livre convencimento deste mm Juiacutezo a dar total procedecircncia

agrave presente accedilatildeo civil puacuteblica

i - DA INTERRUPCcedilAtildeO DA REUNIAtildeO PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Um dia que ficaria para a histoacuteria como a maior expressatildeo do exerciacutecio do direito

constitucional de reuniatildeo da liberdade de expressatildeo e de locomoccedilatildeo na verdade tornou-se

a maior expressatildeo da restriccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Observa-

se que a justificativa de se liberar o traacutefego de veiacuteculos para garantir a manutenccedilatildeo da

ordem puacuteblica foi a causa que deu iniacutecio agrave accedilatildeo ilegal e truculenta da Poliacutecia Militar do

Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

Nota-se das paacuteginas 21 e 22 da exordial que as proacuteprias forccedilas de seguranccedila

tomaram a iniciativa de encerrar o ato que reuniu cerca de 15 mil pessoas que caminhavam

pelas ruas de Satildeo Paulo

Ocorre que aleacutem de ilegal e inconstitucional essa medida ofende diretamente a

Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica)

incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 68792

Eacute o que diz a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos no Marco Juriacutedico

Interamericano Sobre o Direito agrave Liberdade de Expressatildeo20 onde seu paraacutegrafo 82

assevera

20 Apresentado pela Relatoria para a Liberdade de Expressatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos 2010 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhexpresiondocspublicacionesMARCO20JURIDICO20INTERAMERICANO20DEL20DERECHO20A20LA20LIBERTAD20DE20EXPRESION20ESP20FINAL20portadadocpdf (acessado em 04062014)

14

ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar

a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente

verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma

perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o

funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21

Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial

natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da

Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela

ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica

Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima

ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre

eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas

de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem

claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais

ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e

restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da

ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22

Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram

relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando

que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas

manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou

21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo

15

Veja-se o depoimento de uma delas

A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo

onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a

movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios

manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com

dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer

Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em

frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda

Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes

formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que

os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []

Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do

estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me

recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns

policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com

absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs

policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava

proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da

voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar

naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista

que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer

16

Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo

paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de

15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo

de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente

23

Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam

pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de

reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os

posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de

reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos

Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se

ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no

nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a

reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo

da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude

da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas

democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar

limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja

23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)

17

absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas

devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das

manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da

necessidade e da proporcionalidaderdquo25

A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua

proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da

Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo

Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos

Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo

Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse

direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias

de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por

escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua

escolha

Artigo 15 - Direito de reuniatildeo

Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse

direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam

necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila

nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a

moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas

25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo

18

Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios

garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da

conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27

Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime

e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para

assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da

Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que

ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos

no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao

conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de

outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico

advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do

puacuteblico em geralrdquo

Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por

Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees

Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo

por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma

manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta

26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

19

29

A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12

que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os

princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos

Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila

e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14

Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que

claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre

expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da

proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial

Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo

13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for

possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio

14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute

poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros

meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de

fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9

29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg

20

Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia

deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees

narradas na inicial

Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de

se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e

internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas

para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo

ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE

GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em

vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram

milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas

de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial

de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o

trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes

21

22

Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas

crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma

agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois

de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a

dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou

cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego

Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que

sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)

Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me

atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel

Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti

naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha

paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante

e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo

que eu tive

Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de

vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve

promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)

23

Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia

respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr

mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei

correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo

mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a

Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou

encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta

na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem

Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo

dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele

momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo

Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a

princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu

corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou

melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o

impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles

estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei

ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as

pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles

continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes

dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de

borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e

virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio

Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte

profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei

muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma

sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo

tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de

borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse

estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia

me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele

se assustou e deixou entrar

24

Esta eacute a lesatildeo de que relato trata

Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees

menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas

contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia

O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo

teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado

minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos

O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo

da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17

de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem

puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas

30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

25

Seu artigo 3ordm dispotildee

Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a

forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida

exigida para o cumprimento do seu dever

Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila

independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o

estritamente necessaacuterio

Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979

possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos

Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm

ldquoComentaacuterio

a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional

Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a

forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como

necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime

ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos

qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido

b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio

da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais

de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta

disposiccedilatildeo

A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no

sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o

legiacutetimo objetivo a atingir

c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem

fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de

31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661

26

fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se

armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou

quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja

suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que

uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as

autoridades competentesrdquo

Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos

Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito

da ONU a qual o Brasil estaacute submetido

32

Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o

paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se

32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 13: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

13

Abaixo demonstra-se detalhadamente cada norma dos protocolos internacionais

para a utilizaccedilatildeo da forccedila que foram descumpridas pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo

Paulo contribuindo-se para o livre convencimento deste mm Juiacutezo a dar total procedecircncia

agrave presente accedilatildeo civil puacuteblica

i - DA INTERRUPCcedilAtildeO DA REUNIAtildeO PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Um dia que ficaria para a histoacuteria como a maior expressatildeo do exerciacutecio do direito

constitucional de reuniatildeo da liberdade de expressatildeo e de locomoccedilatildeo na verdade tornou-se

a maior expressatildeo da restriccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Observa-

se que a justificativa de se liberar o traacutefego de veiacuteculos para garantir a manutenccedilatildeo da

ordem puacuteblica foi a causa que deu iniacutecio agrave accedilatildeo ilegal e truculenta da Poliacutecia Militar do

Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

Nota-se das paacuteginas 21 e 22 da exordial que as proacuteprias forccedilas de seguranccedila

tomaram a iniciativa de encerrar o ato que reuniu cerca de 15 mil pessoas que caminhavam

pelas ruas de Satildeo Paulo

Ocorre que aleacutem de ilegal e inconstitucional essa medida ofende diretamente a

Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica)

incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 68792

Eacute o que diz a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos no Marco Juriacutedico

Interamericano Sobre o Direito agrave Liberdade de Expressatildeo20 onde seu paraacutegrafo 82

assevera

20 Apresentado pela Relatoria para a Liberdade de Expressatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos 2010 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhexpresiondocspublicacionesMARCO20JURIDICO20INTERAMERICANO20DEL20DERECHO20A20LA20LIBERTAD20DE20EXPRESION20ESP20FINAL20portadadocpdf (acessado em 04062014)

14

ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar

a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente

verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma

perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o

funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21

Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial

natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da

Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela

ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica

Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima

ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre

eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas

de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem

claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais

ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e

restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da

ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22

Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram

relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando

que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas

manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou

21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo

15

Veja-se o depoimento de uma delas

A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo

onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a

movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios

manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com

dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer

Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em

frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda

Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes

formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que

os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []

Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do

estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me

recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns

policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com

absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs

policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava

proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da

voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar

naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista

que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer

16

Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo

paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de

15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo

de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente

23

Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam

pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de

reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os

posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de

reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos

Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se

ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no

nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a

reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo

da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude

da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas

democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar

limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja

23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)

17

absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas

devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das

manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da

necessidade e da proporcionalidaderdquo25

A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua

proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da

Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo

Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos

Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo

Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse

direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias

de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por

escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua

escolha

Artigo 15 - Direito de reuniatildeo

Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse

direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam

necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila

nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a

moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas

25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo

18

Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios

garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da

conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27

Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime

e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para

assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da

Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que

ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos

no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao

conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de

outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico

advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do

puacuteblico em geralrdquo

Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por

Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees

Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo

por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma

manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta

26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

19

29

A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12

que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os

princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos

Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila

e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14

Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que

claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre

expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da

proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial

Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo

13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for

possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio

14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute

poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros

meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de

fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9

29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg

20

Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia

deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees

narradas na inicial

Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de

se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e

internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas

para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo

ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE

GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em

vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram

milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas

de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial

de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o

trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes

21

22

Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas

crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma

agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois

de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a

dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou

cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego

Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que

sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)

Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me

atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel

Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti

naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha

paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante

e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo

que eu tive

Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de

vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve

promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)

23

Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia

respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr

mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei

correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo

mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a

Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou

encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta

na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem

Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo

dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele

momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo

Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a

princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu

corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou

melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o

impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles

estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei

ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as

pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles

continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes

dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de

borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e

virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio

Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte

profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei

muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma

sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo

tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de

borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse

estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia

me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele

se assustou e deixou entrar

24

Esta eacute a lesatildeo de que relato trata

Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees

menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas

contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia

O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo

teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado

minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos

O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo

da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17

de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem

puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas

30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

25

Seu artigo 3ordm dispotildee

Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a

forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida

exigida para o cumprimento do seu dever

Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila

independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o

estritamente necessaacuterio

Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979

possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos

Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm

ldquoComentaacuterio

a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional

Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a

forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como

necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime

ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos

qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido

b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio

da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais

de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta

disposiccedilatildeo

A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no

sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o

legiacutetimo objetivo a atingir

c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem

fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de

31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661

26

fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se

armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou

quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja

suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que

uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as

autoridades competentesrdquo

Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos

Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito

da ONU a qual o Brasil estaacute submetido

32

Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o

paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se

32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 14: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

14

ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar

a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente

verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma

perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o

funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21

Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial

natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da

Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela

ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica

Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima

ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre

eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas

de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem

claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais

ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e

restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da

ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22

Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram

relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando

que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas

manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou

21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo

15

Veja-se o depoimento de uma delas

A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo

onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a

movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios

manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com

dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer

Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em

frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda

Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes

formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que

os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []

Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do

estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me

recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns

policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com

absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs

policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava

proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da

voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar

naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista

que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer

16

Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo

paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de

15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo

de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente

23

Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam

pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de

reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os

posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de

reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos

Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se

ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no

nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a

reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo

da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude

da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas

democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar

limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja

23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)

17

absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas

devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das

manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da

necessidade e da proporcionalidaderdquo25

A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua

proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da

Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo

Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos

Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo

Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse

direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias

de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por

escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua

escolha

Artigo 15 - Direito de reuniatildeo

Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse

direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam

necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila

nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a

moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas

25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo

18

Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios

garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da

conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27

Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime

e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para

assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da

Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que

ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos

no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao

conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de

outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico

advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do

puacuteblico em geralrdquo

Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por

Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees

Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo

por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma

manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta

26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

19

29

A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12

que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os

princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos

Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila

e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14

Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que

claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre

expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da

proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial

Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo

13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for

possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio

14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute

poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros

meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de

fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9

29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg

20

Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia

deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees

narradas na inicial

Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de

se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e

internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas

para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo

ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE

GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em

vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram

milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas

de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial

de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o

trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes

21

22

Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas

crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma

agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois

de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a

dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou

cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego

Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que

sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)

Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me

atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel

Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti

naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha

paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante

e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo

que eu tive

Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de

vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve

promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)

23

Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia

respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr

mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei

correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo

mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a

Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou

encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta

na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem

Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo

dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele

momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo

Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a

princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu

corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou

melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o

impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles

estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei

ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as

pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles

continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes

dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de

borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e

virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio

Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte

profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei

muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma

sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo

tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de

borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse

estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia

me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele

se assustou e deixou entrar

24

Esta eacute a lesatildeo de que relato trata

Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees

menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas

contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia

O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo

teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado

minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos

O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo

da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17

de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem

puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas

30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

25

Seu artigo 3ordm dispotildee

Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a

forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida

exigida para o cumprimento do seu dever

Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila

independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o

estritamente necessaacuterio

Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979

possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos

Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm

ldquoComentaacuterio

a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional

Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a

forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como

necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime

ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos

qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido

b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio

da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais

de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta

disposiccedilatildeo

A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no

sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o

legiacutetimo objetivo a atingir

c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem

fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de

31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661

26

fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se

armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou

quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja

suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que

uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as

autoridades competentesrdquo

Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos

Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito

da ONU a qual o Brasil estaacute submetido

32

Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o

paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se

32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 15: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

15

Veja-se o depoimento de uma delas

A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo

onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a

movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios

manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com

dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer

Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em

frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda

Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes

formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que

os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []

Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do

estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me

recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns

policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com

absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs

policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava

proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da

voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar

naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista

que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer

16

Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo

paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de

15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo

de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente

23

Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam

pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de

reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os

posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de

reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos

Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se

ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no

nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a

reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo

da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude

da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas

democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar

limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja

23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)

17

absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas

devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das

manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da

necessidade e da proporcionalidaderdquo25

A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua

proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da

Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo

Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos

Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo

Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse

direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias

de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por

escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua

escolha

Artigo 15 - Direito de reuniatildeo

Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse

direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam

necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila

nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a

moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas

25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo

18

Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios

garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da

conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27

Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime

e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para

assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da

Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que

ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos

no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao

conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de

outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico

advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do

puacuteblico em geralrdquo

Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por

Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees

Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo

por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma

manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta

26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

19

29

A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12

que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os

princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos

Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila

e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14

Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que

claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre

expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da

proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial

Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo

13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for

possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio

14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute

poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros

meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de

fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9

29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg

20

Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia

deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees

narradas na inicial

Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de

se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e

internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas

para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo

ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE

GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em

vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram

milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas

de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial

de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o

trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes

21

22

Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas

crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma

agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois

de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a

dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou

cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego

Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que

sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)

Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me

atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel

Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti

naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha

paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante

e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo

que eu tive

Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de

vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve

promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)

23

Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia

respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr

mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei

correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo

mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a

Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou

encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta

na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem

Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo

dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele

momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo

Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a

princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu

corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou

melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o

impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles

estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei

ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as

pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles

continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes

dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de

borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e

virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio

Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte

profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei

muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma

sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo

tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de

borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse

estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia

me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele

se assustou e deixou entrar

24

Esta eacute a lesatildeo de que relato trata

Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees

menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas

contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia

O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo

teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado

minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos

O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo

da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17

de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem

puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas

30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

25

Seu artigo 3ordm dispotildee

Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a

forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida

exigida para o cumprimento do seu dever

Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila

independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o

estritamente necessaacuterio

Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979

possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos

Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm

ldquoComentaacuterio

a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional

Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a

forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como

necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime

ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos

qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido

b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio

da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais

de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta

disposiccedilatildeo

A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no

sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o

legiacutetimo objetivo a atingir

c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem

fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de

31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661

26

fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se

armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou

quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja

suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que

uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as

autoridades competentesrdquo

Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos

Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito

da ONU a qual o Brasil estaacute submetido

32

Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o

paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se

32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 16: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

16

Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo

paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de

15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo

de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente

23

Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam

pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de

reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os

posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de

reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos

Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se

ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no

nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a

reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo

da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude

da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas

democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar

limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja

23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)

17

absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas

devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das

manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da

necessidade e da proporcionalidaderdquo25

A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua

proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da

Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo

Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos

Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo

Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse

direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias

de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por

escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua

escolha

Artigo 15 - Direito de reuniatildeo

Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse

direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam

necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila

nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a

moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas

25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo

18

Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios

garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da

conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27

Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime

e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para

assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da

Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que

ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos

no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao

conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de

outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico

advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do

puacuteblico em geralrdquo

Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por

Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees

Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo

por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma

manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta

26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

19

29

A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12

que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os

princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos

Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila

e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14

Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que

claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre

expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da

proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial

Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo

13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for

possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio

14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute

poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros

meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de

fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9

29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg

20

Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia

deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees

narradas na inicial

Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de

se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e

internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas

para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo

ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE

GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em

vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram

milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas

de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial

de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o

trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes

21

22

Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas

crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma

agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois

de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a

dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou

cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego

Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que

sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)

Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me

atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel

Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti

naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha

paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante

e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo

que eu tive

Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de

vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve

promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)

23

Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia

respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr

mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei

correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo

mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a

Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou

encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta

na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem

Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo

dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele

momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo

Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a

princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu

corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou

melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o

impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles

estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei

ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as

pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles

continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes

dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de

borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e

virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio

Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte

profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei

muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma

sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo

tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de

borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse

estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia

me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele

se assustou e deixou entrar

24

Esta eacute a lesatildeo de que relato trata

Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees

menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas

contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia

O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo

teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado

minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos

O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo

da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17

de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem

puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas

30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

25

Seu artigo 3ordm dispotildee

Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a

forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida

exigida para o cumprimento do seu dever

Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila

independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o

estritamente necessaacuterio

Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979

possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos

Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm

ldquoComentaacuterio

a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional

Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a

forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como

necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime

ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos

qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido

b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio

da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais

de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta

disposiccedilatildeo

A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no

sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o

legiacutetimo objetivo a atingir

c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem

fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de

31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661

26

fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se

armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou

quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja

suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que

uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as

autoridades competentesrdquo

Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos

Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito

da ONU a qual o Brasil estaacute submetido

32

Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o

paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se

32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 17: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

17

absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas

devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das

manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da

necessidade e da proporcionalidaderdquo25

A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua

proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da

Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo

Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos

Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo

Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse

direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias

de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por

escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua

escolha

Artigo 15 - Direito de reuniatildeo

Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse

direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam

necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila

nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a

moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas

25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo

18

Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios

garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da

conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27

Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime

e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para

assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da

Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que

ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos

no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao

conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de

outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico

advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do

puacuteblico em geralrdquo

Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por

Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees

Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo

por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma

manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta

26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

19

29

A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12

que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os

princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos

Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila

e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14

Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que

claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre

expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da

proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial

Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo

13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for

possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio

14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute

poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros

meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de

fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9

29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg

20

Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia

deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees

narradas na inicial

Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de

se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e

internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas

para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo

ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE

GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em

vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram

milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas

de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial

de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o

trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes

21

22

Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas

crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma

agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois

de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a

dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou

cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego

Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que

sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)

Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me

atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel

Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti

naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha

paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante

e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo

que eu tive

Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de

vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve

promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)

23

Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia

respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr

mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei

correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo

mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a

Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou

encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta

na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem

Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo

dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele

momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo

Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a

princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu

corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou

melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o

impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles

estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei

ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as

pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles

continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes

dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de

borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e

virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio

Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte

profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei

muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma

sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo

tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de

borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse

estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia

me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele

se assustou e deixou entrar

24

Esta eacute a lesatildeo de que relato trata

Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees

menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas

contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia

O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo

teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado

minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos

O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo

da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17

de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem

puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas

30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

25

Seu artigo 3ordm dispotildee

Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a

forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida

exigida para o cumprimento do seu dever

Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila

independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o

estritamente necessaacuterio

Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979

possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos

Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm

ldquoComentaacuterio

a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional

Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a

forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como

necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime

ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos

qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido

b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio

da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais

de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta

disposiccedilatildeo

A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no

sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o

legiacutetimo objetivo a atingir

c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem

fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de

31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661

26

fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se

armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou

quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja

suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que

uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as

autoridades competentesrdquo

Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos

Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito

da ONU a qual o Brasil estaacute submetido

32

Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o

paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se

32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 18: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

18

Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios

garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da

conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27

Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime

e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para

assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da

Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que

ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos

no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao

conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de

outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico

advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do

puacuteblico em geralrdquo

Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por

Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees

Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo

por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma

manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta

26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

19

29

A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12

que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os

princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos

Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila

e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14

Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que

claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre

expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da

proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial

Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo

13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for

possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio

14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute

poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros

meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de

fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9

29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg

20

Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia

deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees

narradas na inicial

Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de

se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e

internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas

para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo

ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE

GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em

vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram

milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas

de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial

de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o

trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes

21

22

Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas

crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma

agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois

de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a

dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou

cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego

Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que

sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)

Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me

atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel

Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti

naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha

paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante

e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo

que eu tive

Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de

vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve

promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)

23

Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia

respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr

mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei

correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo

mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a

Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou

encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta

na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem

Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo

dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele

momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo

Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a

princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu

corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou

melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o

impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles

estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei

ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as

pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles

continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes

dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de

borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e

virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio

Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte

profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei

muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma

sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo

tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de

borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse

estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia

me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele

se assustou e deixou entrar

24

Esta eacute a lesatildeo de que relato trata

Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees

menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas

contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia

O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo

teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado

minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos

O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo

da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17

de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem

puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas

30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

25

Seu artigo 3ordm dispotildee

Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a

forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida

exigida para o cumprimento do seu dever

Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila

independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o

estritamente necessaacuterio

Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979

possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos

Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm

ldquoComentaacuterio

a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional

Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a

forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como

necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime

ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos

qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido

b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio

da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais

de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta

disposiccedilatildeo

A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no

sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o

legiacutetimo objetivo a atingir

c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem

fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de

31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661

26

fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se

armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou

quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja

suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que

uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as

autoridades competentesrdquo

Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos

Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito

da ONU a qual o Brasil estaacute submetido

32

Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o

paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se

32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 19: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

19

29

A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12

que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os

princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos

Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila

e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14

Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que

claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre

expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da

proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial

Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo

13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for

possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio

14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute

poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros

meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de

fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9

29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg

20

Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia

deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees

narradas na inicial

Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de

se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e

internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas

para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo

ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE

GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em

vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram

milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas

de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial

de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o

trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes

21

22

Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas

crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma

agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois

de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a

dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou

cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego

Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que

sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)

Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me

atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel

Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti

naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha

paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante

e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo

que eu tive

Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de

vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve

promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)

23

Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia

respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr

mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei

correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo

mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a

Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou

encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta

na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem

Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo

dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele

momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo

Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a

princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu

corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou

melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o

impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles

estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei

ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as

pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles

continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes

dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de

borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e

virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio

Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte

profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei

muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma

sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo

tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de

borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse

estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia

me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele

se assustou e deixou entrar

24

Esta eacute a lesatildeo de que relato trata

Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees

menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas

contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia

O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo

teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado

minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos

O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo

da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17

de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem

puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas

30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

25

Seu artigo 3ordm dispotildee

Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a

forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida

exigida para o cumprimento do seu dever

Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila

independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o

estritamente necessaacuterio

Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979

possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos

Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm

ldquoComentaacuterio

a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional

Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a

forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como

necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime

ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos

qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido

b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio

da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais

de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta

disposiccedilatildeo

A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no

sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o

legiacutetimo objetivo a atingir

c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem

fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de

31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661

26

fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se

armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou

quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja

suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que

uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as

autoridades competentesrdquo

Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos

Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito

da ONU a qual o Brasil estaacute submetido

32

Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o

paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se

32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 20: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

20

Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia

deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees

narradas na inicial

Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de

se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e

internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas

para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo

ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE

GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO

VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS

Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em

vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram

milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas

de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial

de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o

trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes

21

22

Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas

crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma

agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois

de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a

dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou

cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego

Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que

sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)

Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me

atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel

Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti

naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha

paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante

e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo

que eu tive

Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de

vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve

promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)

23

Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia

respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr

mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei

correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo

mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a

Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou

encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta

na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem

Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo

dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele

momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo

Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a

princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu

corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou

melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o

impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles

estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei

ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as

pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles

continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes

dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de

borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e

virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio

Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte

profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei

muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma

sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo

tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de

borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse

estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia

me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele

se assustou e deixou entrar

24

Esta eacute a lesatildeo de que relato trata

Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees

menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas

contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia

O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo

teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado

minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos

O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo

da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17

de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem

puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas

30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

25

Seu artigo 3ordm dispotildee

Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a

forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida

exigida para o cumprimento do seu dever

Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila

independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o

estritamente necessaacuterio

Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979

possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos

Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm

ldquoComentaacuterio

a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional

Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a

forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como

necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime

ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos

qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido

b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio

da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais

de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta

disposiccedilatildeo

A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no

sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o

legiacutetimo objetivo a atingir

c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem

fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de

31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661

26

fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se

armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou

quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja

suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que

uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as

autoridades competentesrdquo

Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos

Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito

da ONU a qual o Brasil estaacute submetido

32

Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o

paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se

32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 21: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

21

22

Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas

crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma

agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois

de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a

dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou

cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego

Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que

sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)

Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me

atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel

Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti

naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha

paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante

e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo

que eu tive

Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de

vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve

promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)

23

Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia

respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr

mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei

correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo

mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a

Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou

encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta

na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem

Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo

dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele

momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo

Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a

princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu

corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou

melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o

impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles

estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei

ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as

pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles

continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes

dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de

borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e

virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio

Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte

profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei

muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma

sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo

tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de

borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse

estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia

me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele

se assustou e deixou entrar

24

Esta eacute a lesatildeo de que relato trata

Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees

menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas

contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia

O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo

teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado

minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos

O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo

da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17

de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem

puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas

30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

25

Seu artigo 3ordm dispotildee

Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a

forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida

exigida para o cumprimento do seu dever

Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila

independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o

estritamente necessaacuterio

Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979

possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos

Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm

ldquoComentaacuterio

a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional

Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a

forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como

necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime

ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos

qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido

b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio

da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais

de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta

disposiccedilatildeo

A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no

sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o

legiacutetimo objetivo a atingir

c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem

fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de

31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661

26

fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se

armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou

quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja

suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que

uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as

autoridades competentesrdquo

Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos

Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito

da ONU a qual o Brasil estaacute submetido

32

Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o

paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se

32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 22: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

22

Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas

crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma

agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois

de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a

dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou

cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego

Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que

sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)

Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me

atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel

Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti

naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha

paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante

e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo

que eu tive

Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de

vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve

promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)

23

Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia

respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr

mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei

correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo

mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a

Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou

encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta

na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem

Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo

dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele

momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo

Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a

princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu

corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou

melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o

impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles

estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei

ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as

pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles

continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes

dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de

borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e

virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio

Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte

profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei

muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma

sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo

tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de

borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse

estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia

me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele

se assustou e deixou entrar

24

Esta eacute a lesatildeo de que relato trata

Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees

menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas

contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia

O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo

teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado

minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos

O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo

da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17

de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem

puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas

30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

25

Seu artigo 3ordm dispotildee

Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a

forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida

exigida para o cumprimento do seu dever

Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila

independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o

estritamente necessaacuterio

Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979

possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos

Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm

ldquoComentaacuterio

a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional

Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a

forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como

necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime

ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos

qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido

b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio

da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais

de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta

disposiccedilatildeo

A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no

sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o

legiacutetimo objetivo a atingir

c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem

fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de

31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661

26

fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se

armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou

quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja

suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que

uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as

autoridades competentesrdquo

Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos

Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito

da ONU a qual o Brasil estaacute submetido

32

Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o

paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se

32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 23: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

23

Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia

respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr

mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei

correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo

mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a

Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou

encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta

na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem

Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo

dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele

momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo

Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a

princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu

corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou

melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o

impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles

estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei

ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as

pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles

continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes

dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de

borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e

virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio

Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte

profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei

muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma

sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo

tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de

borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse

estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia

me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele

se assustou e deixou entrar

24

Esta eacute a lesatildeo de que relato trata

Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees

menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas

contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia

O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo

teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado

minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos

O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo

da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17

de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem

puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas

30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

25

Seu artigo 3ordm dispotildee

Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a

forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida

exigida para o cumprimento do seu dever

Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila

independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o

estritamente necessaacuterio

Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979

possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos

Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm

ldquoComentaacuterio

a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional

Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a

forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como

necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime

ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos

qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido

b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio

da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais

de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta

disposiccedilatildeo

A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no

sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o

legiacutetimo objetivo a atingir

c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem

fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de

31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661

26

fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se

armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou

quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja

suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que

uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as

autoridades competentesrdquo

Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos

Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito

da ONU a qual o Brasil estaacute submetido

32

Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o

paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se

32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 24: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

24

Esta eacute a lesatildeo de que relato trata

Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees

menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas

contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia

O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo

teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado

minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos

O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo

da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17

de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem

puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas

30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)

25

Seu artigo 3ordm dispotildee

Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a

forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida

exigida para o cumprimento do seu dever

Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila

independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o

estritamente necessaacuterio

Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979

possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos

Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm

ldquoComentaacuterio

a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional

Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a

forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como

necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime

ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos

qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido

b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio

da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais

de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta

disposiccedilatildeo

A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no

sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o

legiacutetimo objetivo a atingir

c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem

fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de

31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661

26

fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se

armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou

quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja

suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que

uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as

autoridades competentesrdquo

Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos

Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito

da ONU a qual o Brasil estaacute submetido

32

Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o

paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se

32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 25: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

25

Seu artigo 3ordm dispotildee

Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a

forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida

exigida para o cumprimento do seu dever

Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila

independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o

estritamente necessaacuterio

Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979

possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos

Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm

ldquoComentaacuterio

a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional

Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a

forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como

necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime

ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos

qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido

b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos

funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio

da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais

de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta

disposiccedilatildeo

A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no

sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o

legiacutetimo objetivo a atingir

c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem

fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de

31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661

26

fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se

armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou

quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja

suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que

uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as

autoridades competentesrdquo

Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos

Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito

da ONU a qual o Brasil estaacute submetido

32

Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o

paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se

32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 26: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

26

fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se

armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou

quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja

suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que

uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as

autoridades competentesrdquo

Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos

Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios

Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito

da ONU a qual o Brasil estaacute submetido

32

Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o

paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se

32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 27: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

27

ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel

os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da

gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado

(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana

(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e

cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel

(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada

sejam notificados o mais depressa possiacutevel

Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da

forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da

forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados

meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata

notificaccedilatildeo dos feridos

A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees

Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel

identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo

jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8

casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14

dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e

violentas

Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com

municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam

absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para

o uso da forccedila

33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 28: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

28

Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais

mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito

internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de

proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade

Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser

sempre a uacuteltima opccedilatildeo

O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias

ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no

sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida

74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo

da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um

contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente

treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo

contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente

quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis

Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente

controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave

forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro

juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo

34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre

Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 29: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

29

iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia

de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma

confiaacutevel36

Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da

liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX

que ora transcreve-se

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito

inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e

transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras

Artigo XX

1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas

2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo

Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre

Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem

assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o

relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de

controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto

identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees

36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 30: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

30

administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo

das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas

investigaccedilotildees

Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho

de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma

das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de

maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila

de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel

abuso da forccedila

Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas

administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em

manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente

necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de

planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso

abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo

recomendou as seguintes medidas

a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da

forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas

b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees

c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para

verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores

A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao

Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde

partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de

comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela

PMESP no dia 13 de junho de 2014

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 31: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

31

Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que

um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem

de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros

internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em

qualquer outra manifestaccedilatildeo popular

iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO

DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO

Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo

em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de

direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)

ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi

realizada de forma violenta e ilegal

Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem

evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De

acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude

adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia

perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois

A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de

gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a

Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como

pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era

como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e

violecircncia

Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na

direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria

Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos

os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da

Silva)

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 32: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

32

ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um

cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a

ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha

muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais

lanccedilavam bomba por nada para todos os lados

Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as

pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva

[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se

acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas

entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]

quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para

deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos

Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando

com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta

velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo

tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas

pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 33: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

33

pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas

que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair

de laacute

Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o

traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato

mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da

accedilatildeo repressiva

A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava

dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na

Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []

Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente

rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais

comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como

eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para

dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no

chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 34: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

34

Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante

recorrentes

Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um

ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial

mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua

patricinha vagabundarsquo ele me dizia

[]

Vai embora sua prostituta

A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer

seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente

sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral

Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo

Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes

puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz

que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 35: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

35

sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo

utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer

forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou

deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades

competentes

No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de

Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma

de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de

armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal

aviso deve ser feito de forma clara e adequada

Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento

10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente

a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo

suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando

tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela

aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave

ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso

Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a

utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo

de armas de fogo

Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a

grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade

policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma

sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 36: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

36

manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos

princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38

Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de

Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)

manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de

proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo

com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado

ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever

de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e

menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas

deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme

os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo

A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa

de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila

Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do

Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas

envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para

que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio

ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se

identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza

as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila

outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude

exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 37: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

37

[]

A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica

implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto

proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com

proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de

reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O

grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja

considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do

que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de

maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se

encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o

uso da forccedila resulta desproporcionado

Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da

aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute

internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado

internacional de direitos humanos

Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com

documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema

necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas

de seguranccedila

iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE

POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES

Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a

de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de

identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria

responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)

41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 38: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

38

ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo

ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem

os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na

Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo

onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam

muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito

desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada

um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e

depois soltarrdquo

Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume

havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as

normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo

usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento

Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute

tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma

Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por

parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em

particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo

identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de

2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos

gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de

3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se

SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou

nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto

de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os

rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido

possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante

42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 39: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

39

agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da

corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos

A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)

que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o

Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica

informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de

identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou

crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas

pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e

ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento

Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento

feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -

organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo

com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a

manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da

Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois

se espalharam pelo centro

Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se

determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular

Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito

interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a

atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu

Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta

manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial

em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes

policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees

O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo

em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 40: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

40

No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas

de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado

de se identificarem previamente como tais no momento de advertir

com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a

forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua

atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave

integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais

Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees

estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e

adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se

f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de

seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas

ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever

potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim

de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no

terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e

comportamento policial

Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a

identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que

cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e

ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se

g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as

forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de

abusos ou atos de violecircncia

h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou

judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas

operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos

no curso das mesmas

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 41: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

41

Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos

cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013

em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos

A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou

que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem

disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes

em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que

confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns

trechos da mateacuteria

Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes

sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas

delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo

Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo

investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute

abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi

concluiacuteda e nenhum policial foi punido

A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute

os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1

de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014

Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de

Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum

policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21

policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato

Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e

tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e

ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades

43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 42: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

42

v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS

CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES

Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do

Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa

atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute

de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila

Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em

manifestaccedilotildees futuras

Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute

imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo

temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de

confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo

Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a

negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A

proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o

Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da

Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que

Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os

governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar

atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos

especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da

forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a

compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de

persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos

destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados

da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e

procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 43: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

43

Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de

Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um

negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se

evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio

sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se

e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves

manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes

para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e

protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de

conflito

Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na

Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos

publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72

daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue

72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no

uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a

resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das

multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como

meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45

Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de

Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia

da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se

44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 44: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

44

38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um

verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades

policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da

manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico

Suiacuteccedila e outros paiacuteses47

Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os

documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador

civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco

de conflito social

vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa

de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na

dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila

notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas

O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar

Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre

recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo

Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem

alguns trechos

No comando do choque eu soacute recebi precircmios

47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 45: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

45

Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe

pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de

Satildeo Paulo

ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de

protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo

A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho

quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e

pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo

foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do

centro saqueadas

Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da

Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui

ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou

A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v

Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de

dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute

o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte

ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar

seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito

negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50

Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando

preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa

policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre

expressatildeo

49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 46: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

46

ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees

razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento

paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem

violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da

legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento

de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo

manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma

manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das

pessoasrdquo52

Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho

de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante

da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo

A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava

subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e

um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas

patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de

brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo

tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha

bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa

assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou

brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo

[]

Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos

policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles

ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar

sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E

todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado

52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas

47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

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47

do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo

para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo

[]

Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu

encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de

gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba

nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para

os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de

novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me

lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de

Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo

mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da

poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo

estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e

nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo

[]

A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes

Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a

gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem

Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o

pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes

lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila

Roosevelt

[]

O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da

Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava

que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente

ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima

tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali

natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando

bomba em cima da gente

O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da

Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e

intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso

desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 48: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

48

agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de

Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se

ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees

policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso

indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o

membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para

proteger seus companheiros ali presentesrdquo54

Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave

determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve

permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo

administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes

vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A

ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS

Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica

do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em

manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e

internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo

puacuteblico

Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da

forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a

formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas

53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo

49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

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49

Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que

ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo

adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e

de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na

elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e

minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e

de armas de fogordquo

Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para

determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila

deveriam seguir Aqui estatildeo elas

11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que

(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo

da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os

tipos de armas e municcedilotildees permitidas

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias

apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio

(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos

injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis

(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas

de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas

armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas

(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de

armas de fogo

50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

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50

(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os

responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no

desempenho das suas funccedilotildees

Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila

e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia

da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece

as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila

Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como

aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos

agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento

dessas diretrizes

1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar

nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e

deveraacute considerar primordialmente

a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela

Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na

sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979

b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de

Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados

pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo

198961 de 24 de maio de 1989

c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos

Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo

Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o

Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto

a 7 de setembro de 1999

d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis

Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees

Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de

1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 51: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

51

Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade

resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a

necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna

ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial

Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao

Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da

Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que

tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria

9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos

disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo

objetivamente

a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas

b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao

ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no

evento

c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo

perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento

d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees

desnecessaacuterias e risco injustificado e

e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente

de seguranccedila puacuteblica

Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do

Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de

Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que

regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees

Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se

natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como

a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de

manifestaccedilotildees e reuniotildees populares

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 52: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

52

Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro

miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos

que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e

sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE

DIREITOS HUMANOS

O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado

por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica

contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso

internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados

no que tange agrave dignidade humana

De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados

natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a

dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados

podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros

Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos

que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos

internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos

Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas

Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo

terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua

responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos

internacionalmente admitidos

55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf

53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

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53

Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56

apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute

um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees

como prova para outro procedimento de julgamento internacional do

Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura

ignorada

Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados

no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos

normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo

Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina

se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses

oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o

jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi

distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda

externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados

ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos

constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os

paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o

respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil

continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos

nacionalmente57

Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da

presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o

que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada

56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355

54

7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

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7) CONCLUSAtildeO

A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm

Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para

resoluccedilatildeo da presente controveacutersia

Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e

histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma

expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo

se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do

Estado de Satildeo Paulo

Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a

atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa

padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia

O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo

Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos

Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que

expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e

que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente

demanda

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588

Page 55: EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ª … - Inicial ACP... · 3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr1, corroborando com o entendimento da doutrina de Cássio Scarpinella

55

8) PEDIDO

Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como

amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica

Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae

requer-se seu recebimento como memoriais

Termos em que

Pede deferimento

Satildeo Paulo 17 de julho de 2014

Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs

OABSP 262284 OABSP 101663

Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni

OABSP 284930 OABSP 286871

Sheila Santana de Carvalho

OABSP 343588