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ESTUDOS NA

EPÍSTOLA AOS

COLOSSENSES 

Pr. M arcos Granconato  

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A EPÍSTOLA AOS COLOSSENSES - ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

A CIDADE Colossos ficava no vale do Rio Lico, na parte meridional da antiga Frígia, onde hoje é a

Turquia. Erguia-se junto a longa estrada que ia de Éfeso ao Eufrates. Hoje desabitada,Colossos teve seus dias de glória nos tempos do Império Grego. Heródoto (c. 485-420a.C.) se referiu a ela como uma grande cidade, e Xenofonte a descreveu como “umacidade populosa, tanto rica quanto grande” (430-355 a.C).A importância comercial de Colossos tinha sido, portanto, notável e sua causa fora umaforte indústria têxtil. Porém, nos tempos do Império Romano iniciou-se o declínio, deum lado por causa da expansão de cidades vizinhas como Laodicéia e Hierápolis (4.13),de outro, devido a prováveis destruições causadas por terremotos, a partir de 60 A.D.

 Nos dias de Paulo, a decadência social e comercial de Colossos mostrava que os temposde grandeza tinham ficado definitivamente para trás. Aliás, é possível que a igreja

colossense estivesse na cidade menos importante dentre todas para as quais o Apóstoloenviou suas cartas.Quanto à população, era formada por frígios e gregos. Judeus também tinham chegadoàquela região no século II a.C. Essa variedade populacional favoreceu a mistura dediferentes religiões e culturas, criando uma atmosfera de sincretismo que teve reflexosna vida da igreja.

A IGREJA A igreja de Colossos foi fundada ao tempo da Terceira Viagem Missionária de Paulo

(At 18.23-21.17). O Livro de Atos narra que durante esse empreendimento missionário,o Apóstolo se fixou em Éfeso por dois anos e três meses de forma que, a partir dali, oevangelho se espalhou “por toda a província da Ásia” (At 19.8-10; 20.31). Ora, a cidadede Colossos distava cerca de 160 quilômetros a leste de Éfeso, sendo muito provável,

 portanto, que a mensagem cristã tenha chegado ali entre os anos 53 e 56 A.D., graças aesse impacto de Paulo sobre toda a região.Em Colossos viveu Filemom e seu escravo Onésimo (4.9 cf. Fm 10). Porém, a figura demaior importância na fundação da igreja ali foi Epafras (1.7-8), um homem piedoso quese destacou por seu amor pelos crentes daquela cidade e das circunvizinhas (4.12-13).

Paulo sequer conhecia pessoalmente a maioria dos colossenses (2.1), mas quando estava preso em Roma, ouviu de Epafras, talvez prisioneiro com ele (Fm 23), acerca de umfalso ensino religioso que ameaçava aquela igreja, dando ensejo a que escrevesse suacarta.

A CARTA Colossenses foi escrita por Paulo durante o período de sua prisão domiciliar em Roma(At 28.30), por volta de 61 A.D.,[1] ou seja, num tempo em que a igreja devia ter maisou menos seis anos de existência. É provável que Tíquico tenha sido o mensageiro que alevou aos seus destinatários (4.7).

A epístola deixa transparecer quais eram os desvios religiosos que estavam seinfiltrando na igreja. Parece que se tratava de uma mistura do velho judaísmo com o

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gnosticismo nascente. De fato, em 2.8 Paulo se refere a uma falsa filosofia, certamenteuma forma embrionária de gnosticismo que defendia uma forte antítese entre o mundomaterial e o espiritual e cujos proponentes se jactavam de ter conhecimentos secretos(2.2-4). O cerimonialismo e o ascetismo estavam presentes como resultado da fusão dosensinos judaicos com a falsa filosofia (2.11, 16-17, 21-23; 3.11).A visão gnóstica propunha a existência de inúmeras emanações de Deus que eram comoos raios que emanam do sol. Essas emanações ou éões eram consideradas entidadesespirituais, isto é, eram tidas como anjos que deviam ser venerados (2.18). Cristo eravisto apenas como mais uma dessas emanações, um anjo entre muitos outros.[2] 

 Naturalmente, esse ensino depreciava a pessoa do Salvador, o que motivou Paulo aressaltar sua supremacia (1.15-20; 2.2-3, 9), conferindo à carta o propósito não só derefutar a filosofia mentirosa mostrando sua inutilidade, mas também promover devoçãoexclusiva a Cristo como perfeito e suficiente cabeça da igreja.

[1]  Outras cartas escritas por Paulo durante esse período foram Efésios, Filipenses eFilemom. A Segunda Carta a Timóteo também foi escrita em uma prisão em Roma, massomente alguns anos depois, por volta de 67 A.D., quando Paulo se encontrava noCárcere Mamertino, pouco antes de ser executado sob as ordens de Nero.[2] O autor de Hebreus, por volta do ano 68, combateu frontalmente essa doutrina logonos dois primeiros capítulos de sua carta (Hb 1.5 – 2.18).

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Colossenses 1.1-2 - Saudações Iniciais

A introdução da Carta aos Colossenses segue o modelo adotado em outras epístolas paulinas que constam de uma apresentação pessoal, a menção dos destinatários e votosde que esses destinatários recebam bênçãos de Deus.[1] A rigor, esse modelo pode ser visto nas cartas da antiguidade com bastante freqüência, porém, o Apóstolo, como erade se esperar, acrescenta elementos cristãos a ele (e.g., o termo “apóstolo” e asexpressões “Cristo Jesus” e “santos e fiéis irmãos”). Para Paulo, era importanteimprimir marcas distintamente cristãs mesmo sobre os costumes e práticas mais comunsda vida.

 No v. 1 o autor se apresenta como “Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de

 Deus”. Deve-se lembrar que a carta é dirigida a uma igreja que não conhece o ApóstoloPaulo pessoalmente (2.1) e que não havia sido fundada por ele (1.7). Por isso, ainda queem Colossos não houvesse qualquer questionamento acerca da sua autoridade apostólica

(como já havia acontecido na Galácia e em Corinto), Paulo se preocupa em mencionar oofício que ocupa, considerando que a igreja estava sendo ameaçada doutrinariamente(2.4,8) e precisava de correção e ensino derivados de alguém que tivesse alto grau deautoridade.Assim, ao se apresentar como “apóstolo de Cristo Jesus”, Paulo se distingue não só dos

 pastores comuns da igreja [2], como também dos falsos mestres. De fato, essa é a formacomo ele destaca que deve ser ouvido como figura preeminente, um “mestre daverdadeira fé” (1Tm 2.7), detentor de autoridade singular (2Co 13.10), a quem foramrevelados os mistérios de Deus (Ef 3.2-9), tendo, por isso, o direito inquestionável de

ensinar a igreja. Ele ainda realça que exercia seu ofício “pela vontade de Deus” já quenão se auto-intitulara “apóstolo” como alguns falsos mestres costumavam fazer (2Co11.13; Ap 2.2).Ainda que esteja fora de discussão que Paulo seja o autor da carta, o Apóstolo mencionaTimóteo como alguém que se une a ele nas admoestações e ensinos que estão prestes aserem expostos. Timóteo é personagem muito conhecido no NT, figurando sem dúvidacomo o amigo e cooperador mais próximo de Paulo (1Co 4.17; Fl 2.22; 1Tm 1.2, etc.).

 Nas epistolas que escreveu na sua primeira prisão em Roma (Efésios Filipenses,Colossenses e Filemom), ele só não mencionou Timóteo nas saudações iniciais deEfésios.Em 1.1, Paulo chama Timóteo de “irmão”. Isso porque talvez os colossenses oconhecessem e, ao mencioná-lo dessa forma, Paulo queria criar nos seus leitores umadisposição favorável para acolher, com apreço fraternal, o que seria ensinado. Com issoo Apóstolo também mostrava que o que tinha para expor não eram idéias que somenteele nutria, mas o pensamento comum entre crentes fiéis e de boa reputação. De fato, nãoé medida infrutífera mostrar a quem está em perigo que os alertas que lhe são dirigidosnão partem de uma pessoa só, mas é fruto de um consenso do qual participam crentesmaduros, dignos de ser ouvidos.Paulo prossegue dirigindo-se aos crentes de Colossos como “santos e fiéis irmãos em

Cristo” (2). Santo é algo separado por Deus para o seu uso. Nos escritos de Paulo, essa palavra nunca é aplicada a indivíduos em particular, mas sempre a igrejas (talvez a

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única exceção seja Ef 3.5, onde o termo a aplicado a um grupo mais restrito). É possívelque isso não ocorra por acaso, mas que Paulo tivesse em mente o fato de que acomunidade dos eleitos é um dos principais instrumentos que Deus usa para a realizaçãode seus propósitos soberanos. Isso coloca a igreja numa posição de notável importância,sendo impossível prescindir dela caso alguém queira participar da obra que o Senhor realiza na história.Paulo também descreve os colossenses como fiéis, isto é, pessoas dignas de fé. O termousado também pode ser traduzido como “crente”, ou seja, alguém que tem fé. Os doissentidos aplicam-se à igreja verdadeira. De fato, o povo de Deus se destaca por nutrir afé em Cristo. É o povo que crê; a comunidade de crentes. É pela fé que alguém passa afazer parte do grupo dos salvos e essa mesma fé deve permanecer firme no coração decada membro desse mesmo grupo. Portanto, é fácil concluir que o povo da fé é tambémo povo fiel. Ainda que sempre atacados naquilo que crêem, Deus os protege e oscapacita a perseverar (1Pe 1.3-7; 1Jo 5.4; Jd 24-25).

Assim, mesmo sabendo que os crentes de Colossos estavam sendo assediados por errosgrosseiros e mentiras danosas que podiam comprometer a existência da própria igreja,há no coração de Paulo um brilho de confiança. Ele sabe que está se dirigindo aossantos, a assembléia que Deus usa para realizar sua obra no mundo em geral e nas

 pessoas em particular. Sabe também que a fé que gerou essas pessoas e as colocou entreos salvos é uma fé que se sustenta, fazendo de quem a tem não somente um homem defé, mas também alguém digno de fé, alguém fiel. Aliás, essa firmeza podia ser vista noscrentes de Colossos (1.4,23; 2.5).Os colossenses são ainda chamados de irmãos. Mesmo sem conhecê-los pessoalmente,

o Apóstolo sabia que, desde a hora em que haviam crido, todos passaram a fazer parteda mesma família, a família de Deus (Ef 2.19). Apontando a existência de laços tãofortes, Paulo quer criar nos colossenses uma disposição favorável ao recebimento dasexortações que estão prestes a ser feitas. Dirigindo-se a eles nesses termos, ele destrói

 barreiras e desencoraja a resistência, despertando nos crentes os afetos naturais, própriosdas relações fraternas.Os crentes são irmãos “em Cristo”. Fora da relação com o Senhor não há como estar unido ao seu povo. Estar em Cristo significa estar revestido de sua justiça e santidade,incluído na sua esfera de graça, soberania e influência especiais. Obviamente, somenteos salvos estão em Cristo (2Co 5.17). Passando a estar nele, o homem se une às demais

 pessoas que se encontram na mesma condição gloriosa, e se torna parte de umairmandade que transcende as barreiras das diferenças raciais, culturais, sociais e, o que éimportante destacar na igreja moderna, denominacionais (Gl 3.26-28; Cl 3.11).A igreja para a qual Paulo escreve, além de estar em Cristo, estava também “emColossos”. Isso mostra que estar “em Cristo” não implica isolamento do mundo. Aindaque tenha sido desarraigada da presente era perversa (Gl 1.4) e transportada do impériodas trevas para o reino do Filho amado (Cl 1.13), de modo que não pertença mais a estemundo (Jo 15.19; 17.14,16), a igreja de Deus tem o dever de permanecer no mundo (Jo17.15,18), revelando em ações e pregações que está sujeita a Cristo, tendo-o como

Salvador e Mestre (Mt 5.16; Jo 17.23). Estando “em Cristo” e “em Colossos”, a igrejanão deve ficar surpresa ao encontrar severa oposição (1Pe 4.12-13; 1Jo 3.13). Antes,

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deve resistir com firmeza, sem abandonar Cristo nem tampouco “Colossos” (1Pe 5.9 -10).[3] Paulo conclui a saudação inicial com votos de que seus leitores recebam graça e paz.Trata-se de uma forma de oração ou bênção colocada em termos de ρ) é o favor que

Deus concede às suasάum bom desejo. Graça ( criaturas a despeito de suas falhas eimperfeições. A rigor, consiste da manifestação do amor incondicional do Pai. É pelagraça que o crente recebe a salvação (Ef 2.8), as bênçãos materiais (2Co 9.8), a força

 para enfrentar dificuldades (2Co 12.9), a capacitação para o serviço cristão (Rm 12.6) eo chamado para o ministério (Ef 3.7-8). Os colossenses precisavam da graça de Deus

 para que vivessem como igreja exemplar, livre, inclusive, das falsas doutrinas que seinsinuavam em seu meio (2Co 1.12).Paz é a ausência de perturbações (1Co 16.11), barreiras (Ef 2.14) e também desordens(1Co 14.33), sendo condição provada pelas pessoas tanto em seu íntimo (Fl 4.7) comoem suas relações com os homens (Rm 12.18; 14.19; 2Co 13.11), com o ambiente ao

redor (At 9.31) e com o próprio Deus (Rm 5.1). Paulo quer que os colossenses tenham paz especialmente em seus relacionamentos dentro da igreja, conforme se vê em 3.12-17. Porém, não há dúvida de que também desejava vê-los livres das perturbações que osmestres da mentira e os que se desviam da fé sempre trazem sobre os santos (Gl 5.10;6.17; Hb 12.15).Graça e paz, portanto, são expressões que abrangem a totalidade do bem. Elas só podemvir “da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo”.[4]  Somente em Deus ocrente deve buscar essas coisas, uma vez que somente ele as tem para oferecer (Tg1.17).

[1] Veja-se 1Co 1.1-3; 2Co 1.1-2; Gl 1.1-3; Ef 1.1-2, Fl 1.1-2; 1Ts 1.1; 2 Ts 1.1-2, etc. [2]  Os apóstolos formavam uma classe exclusiva na igreja primitiva. Era um grupo

 pequeno de homens (provavelmente apenas doze ou, no máximo, dezoito, cf. At 1.26;Rm 16.7; Gl 1.19; Ap 21.14) que viram Cristo ressurreto (1Co 9.1), receberamdiretamente dele o apostolado, sem a mediação de pessoas ou igrejas (Gl 1.1.Evidentemente a auto-nomeação também era inaceitável, cf. 2Co 11.13; Ap 2.2), tinhamo dever de trabalhar como missionários pioneiros, pregando principalmente em regiõesainda não alcançadas pela mensagem cristã (2Co 10.15-16), recebiam de Deusrevelações de notável valor e conteúdo doutrinários (Gl 1.11-12; Ef 3.5) e faziammilagres que comprovavam a autenticidade de seu ofício (2Co 12.12; Hb 2.3-4). Aexistência desse grupo se restringiu ao século I, quando foram lançados os alicercesdoutrinários, éticos e funcionais da igreja (Ef 2.19-21).[3]  Não é errado o cristão fugir de uma cidade onde haja feroz perseguição (Mt 10.23;2Co 11.32-33). Porém, nunca é certo o crente evitar a corrupção, os apelos e os ataquescomuns do mundo através do isolamento adotado, por exemplo, por alguns personagensligados ao movimento monástico que surgiu no século IV da era cristã.[4] A expressão “e do Senhor Jesus Cristo” não está presente em muitos manuscritos. 

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Colossenses 1.3-8 - Gratidão a Deus pelos Crentes de Colossos

Logo após saudar a igreja de Colossos, Paulo revela que sempre agradecia a Deus por ela (3). Suas orações eram dirigidas “a Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”. Oapóstolo usa essas palavras a fim de, desde o início, fazer frente ao falso ensino queameaçava os colossenses e que tendia a depreciar a pessoa de Cristo. Assim, ele não sórealça que Jesus tem o próprio Deus por Pai (o que implica ser participante de suanatureza divina, cf. Lc 22.70-71; Jo 5.18; 19.7), mas também que ele mesmo é Senhor,enfatizando dessa forma sua singular supremacia (1Co 8.6).O louvor dirigido por Paulo a Deus se baseava em informações que tinha recebido sobrea igreja. Ele ouvira falar que as três virtudes cristãs básicas, ou seja, a fé, o amor e aesperança (1Co 13.13; Gl 5.5-6; 1Ts 1.3; 5.8) eram patentes entre os colossenses (4-5).De fato, eles tinham fé em Cristo, o que lhes dera acesso à graça da justificação (Rm5.1-2). Que essa fé era genuína, podia-se comprovar pelo amor que os crentes de

colossos nutriam por todos os santos (Gl 5.6; 1Jo 3.10). Ademais, o que nutria erobustecia tanto a fé como o amor era a esperança celeste. Com os olhos fixos em suaherança futura os colossenses encontravam forças para permanecer fiéis a Cristo,mesmo num mundo hostil (1Tm 4.10; 1Pe 5.9-10). Também mergulhados na esperança,eles olhavam com afeição especial todos os que Deus tornara dignos de participar de umfuturo tão glorioso (1.12), nutrindo, assim, amor por seus irmãos.Deve-se ressaltar a esta altura que a esperança mencionada por Paulo não é merootimismo vago ou a expectativa um tanto incerta de que Deus, no final, vai acolher osque têm fé. Esperança aqui é sinônimo de certeza. É algo que se espera sabendo que de

fato virá (Rm 5.5; 8.20-21; Ef 1.18; Tt 1.2; Hb 6.18-19). Observe-se também que setrata de uma esperança “reservada nos céus” (1Co 15.19; 1Pe 1.4), ou seja, tem umconteúdo que representa o inverso do que preenche a esperança nutrida pelos incrédulose pelos crentes imaturos (1Tm 6.17). Finalmente, trata-se de uma esperança que compõea mensagem do evangelho (5 in fine). Pregar a fé cristã sem mencioná-la implicaomissão de um dos seus pontos principais.O evangelho que apresentava a esperança celeste havia alcançado Colossos, ao sul daantiga Frígia. A chegada da mensagem cristã ao vale do rio Lico mostrava que adeterminação de Jesus de que sua Palavra fosse anunciada além das fronteiras daPalestina estava se cumprindo (At 1.8). E o que era mais empolgante: Paulo pôdeconstatar já em seus dias que esse evangelho estava se expandindo “por todo o mundo”(6).De fato, a expansão da fé cristã ao tempo em que Paulo escreveu a Epístola aosColossenses (61 AD) era notável. Por esse tempo o Apóstolo já tinha concluído as trêsviagens missionárias mencionadas em Atos. Por meio daquelas viagens, toda a parteoriental do Império Romano tinha sido alcançada pela mensagem de Cristo. Tanto isso éverdade que já em 57 AD, quando escreveu a Carta aos Romanos, o Apóstolo deu aentender que considerava cumprida sua missão no oriente e que planejava então ir àcapital do império, seguindo dali para a Espanha (Rm 15.23-24).

Paulo foi preso antes de realizar esses planos e foi de sua prisão domiciliar em Romaque escreveu aos colossenses. Ao dizer agora que por todo o mundo a fé estava

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crescendo e frutificando, certamente mostra estar ciente de que, mesmo sem a suacooperação, o evangelho já havia chegado também à parte oeste do império. De fato,sabe-se que a Espanha, tão visada por Paulo, acolheu o evangelho bem cedo. Ainda quenão existam registros que informem como o cristianismo chegou à Península Ibérica[1], sabe-se que já no século II a igreja hispânica chamava a atenção de grandes lídereseclesiásticos como Irineu de Lyon († c. 202) e Tertuliano de Cartago († c. 220), dada asua firmeza doutrinária e forte presença na região.[2] Por outro lado, mesmo que o ocidente ainda não tivesse sido atingido com a pregaçãode Cristo quando Paulo escreveu aos colossenses, o uso da expressão “todo o mundo”não seria equivocado, pois é evidente que se trata de uma hipérbole (assim como asafirmações em 1.23 e Rm 1.8). Ora, é óbvio que a referida expressão não foi usada como propósito de indicar especificamente cada nação ou povo que habita o globo, mas simcom o objetivo de destacar a notável expansão do cristianismo que, de uma pequenaseita judaica, tornou-se religião mundial no breve período de trinta anos após o

Pentecoste.Deve-se observar aqui que Paulo não destacou o crescimento espantoso do cristianismo

 por amor ao sucesso ou às estatísticas. Antes, sua intenção foi certamente realçar oescopo universal do evangelho. O Apóstolo quis despertar seus leitores para o fato deque a fé cristã não era propriedade de um pequeno grupo de iniciados dotados deconhecimento especial como era o caso da doutrina ensinada pelos falsos mestres queatuavam na Frígia. Enquanto o proto-gnosticismo presente em Colossos propunha que averdade estava nas mãos de uma minoria que alegava ter conhecimentos secretos, oevangelho era conhecido e oferecido abertamente no mundo inteiro (Rm 1.5), o que

mostrava quão distante estava a fé cristã dos ensinos divulgados por aqueles quecontaminavam a igreja com sua vã filosofia (2.8).Os colossenses não precisavam percorrer o mundo para descobrir que a posse daverdade do Evangelho não era privilégio de uma minoria. Entre eles mesmos a Palavraestava frutificando e crescendo. Na própria cidade de Colossos a igreja não somente seexpandia, mas também amadurecia. Como, diante de avanços tão notáveis, aquelescrentes podiam acreditar que a verdade pertencia a um grupo restrito?Paulo informa no v. 6 que a expansão da fé vinha ocorrendo entre seus leitores desde odia em que eles ouviram a mensagem cristã. Ele também se refere a esse tempo como odia em que os colossenses “entenderam a graça de Deus em toda a sua verdade”. Aqui é

 possível perceber que a conversão consiste inclusive de um milagre no intelecto dohomem alcançado pela graça. De acordo com Paulo não há quem entenda o Evangelho(Rm 3.11; 2Co 4.4; Ef 4.17-18) e a mensagem da cruz é considerada irracional pelosdescrentes (1Co 1.18). Por isso, a conversão genuína sempre é acompanhada de umacapacitação especial para entender a verdade cristã básica. Essa capacitação advém daatuação sobrenatural de Deus no homem (Lc 24.45; At 16.14; 2Co 4.6-7; 1Jo 5.20).Os colossenses entenderam a graça de Deus em toda a sua verdade.[3]  Isso significaque, diferente da heresia cheia de mistérios propagada naquela região, a fé cristã tinhasido pregada ali em sua plenitude. É claro que os crentes de Colossos tinham que

 progredir no conhecimento espiritual das coisas que lhes haviam sido anunciadas (1.9;

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2.2-3), mas tratava-se de um progresso em verdades que estavam à sua disposição desdeo início, não da descoberta de segredos acessíveis somente a alguns (1.28).

 Note-se que a compreensão da graça de Deus “em toda a sua verdade” também aponta para o fato de que essa graça só é realmente entendida a partir de um conjunto de liçõesa ela ligado. Desprezar essas lições pode levar o homem a conclusões perigosas. Aliás,os escritores do NT tiveram que lidar com problemas decorrentes da má compreensãoda graça de Deus por parte de homens que, por ignorância ou deliberadamente,rejeitavam suas reais implicações (Rm 6.1-2; Gl 5.13; Jd 4). Com os colossenses nãotinha sido assim. Eles entenderam plenamente o significado da graça (1Co 1.5; 1Jo2.20). Se estavam sendo ameaçados agora por mentiras que deturpavam de algum modoo real sentido dela, precisavam apenas de uma palavra de alerta (2.4-8) e de umaexortação para que vivessem de acordo com o que já tinham aprendido (2.20-23).Epafras fora o missionário que apresentara o Evangelho aos colossenses (7). Paulo ochama de “amado cooperador” e “fiel ministro de Cristo”. Parece que ele próprio era de

Colossos e é certo que tinha profundo envolvimento com igrejas de cidades próximas,como Laodicéia e Hierápolis (4.12-13). Estando com Paulo em Roma, talvez como

 prisioneiro também (Fm 23), ele relatou ao Apóstolo o progresso dos colossenses,falando-lhe do amor que eles tinham no Espírito (8).O amor “no Espírito” de que fala Paulo no v. 8 é a disposição de promover o bem dooutro mesmo quando isso requer alguma dose de esforço ou implique algum grau de

 prejuízo. É chamado de amor “no Espírito” porque o Espírito Santo é a sua fonte (Gl5.22). Por isso, somente as pessoas que estão dentro da esfera de atuação especial doEspírito de Deus podem desenvolver um amor assim. Além dessas fronteiras, o homem

vive “na carne”, sendo movido pelo amor  de si mesmo e por suas vergonhosasinclinações naturais (Gl 5.19-21). Aliás, esse era o caso dos falsos mestres que atuavamem Colossos (2.23).

[1] Há tradições que ligam a origem do cristianismo na Espanha ao ministério de Paulorealizado depois de sua primeira prisão em Roma. Há também a lenda de que oevangelho chegou à península através de sete missionários enviados por Pedro. Ahistória mais popular atribui a chegada da fé cristã à Espanha ao Apóstolo Tiago que,antes de ser morto por Herodes em Jerusalém, teria visitado a região e pregado naGalícia e em Zaragoza. Depois de sua morte, seus restos mortais teriam sidosupostamente levados para a Espanha, onde agora repousam na basílica de Santiago deCompostela. Nenhuma dessas histórias, porém, são dotadas de embasamento histórico.Veja-se Justo GONZALEZ. Uma história ilustrada do cristianismo. 10 vols.  A Era dos

 Mártires, vol. 1. São Paulo: Vida Nova, 1980. p. 42-44.[2] Veja-se Boanerges R IBEIRO. A igreja na Península Hispânica antes de Constantino.In: Fides Reformata 1:2 (jul/dez). São Paulo: JURET, 1996. p. 71.[3] A NVI traduz dessa forma para resguardar o sentido do verbo grego que é “conhecer exata e completamente”. Evidentemente, ao usar esse verbo, Paulo contraria o ensino dognosticismo nascente, cujos mestres se gabavam de ser detentores de conhecimentos

ocultos. A forma substantiva encontra-se em 1.9,10 e 3.10.

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Colossenses 1.9-14 - A Oração de Paulo pelos Crentes de Colossos

 Não são somente informações indesejáveis que devem motivar os crentes a orar por seus irmãos. Paulo se animou a orar pelos colossenses ao receber boas notícias acercadeles, quando Epafras lhe falou acerca da fé e do amor que tinham. No v. 9, diz que“por essa razão” não parava de orar por eles desde o dia em soubera do seu bom estadoespiritual.O apóstolo revela o conteúdo de suas súplicas. Ele pedia que os cristãos fossem “cheiosdo pleno conhecimento da vontade de Deus”. A frase indica a detenção completa de umconhecimento amplo. Fica claro aqui o propósito de Paulo de, mais uma vez, atingir afilosofia gnóstica em formação que elitizava o acesso ao conhecimento. Desde o início,ele combate sem tréguas os falsos doutores.O objeto que o apóstolo desejava que seus leitores conhecessem plenamente era avontade de Deus. E para que os colossenses tivessem ciência dela e a assimilassem era

necessário que fossem marcados por sabedoria e entendimento espiritual (Ef 1.17-19). Nos escritos paulinos, a vontade de Deus se revela ao constituir Paulo como apóstolo(Cl 1.1), ao predestinar, resgatar e adotar um povo para si (Gl 1.4; Ef 1.5,11), aodeterminar que todo o universo seja posto sob o domínio e controle de Cristo (Ef 1.9-10), e ao ensinar o modo como os crentes devem viver (Ef 5.17; 6.6; 1Ts 4.3; 5.18).Paulo diz que a apreensão disso tudo está associada à sabedoria e ao entendimentoespiritual. Não há, pois, como aceitar essas coisas a não ser que o homem tenha suamente reestruturada espiritualmente. Aliás, em Romanos 12.2 o apóstolo mostra que oentendimento da verdadeira natureza da vontade de Deus só é possível se houver 

renovação da mente.O que se vê no v.9 é um tipo de súplica em prol dos crentes muito raro em nossos dias.As orações que os cristãos pronunciam refletem exatamente os seus valores e interesses.Quando não há suplicas para que a vontade de Deus seja acolhida por mentes renovadasisso revela que essas coisas estão recebendo pouca importância na igreja, especialmente

 por parte dos seus líderes. Decisivamente não era esse o caso de Paulo e nem de Epafras(4.12).A súplica de Paulo, uma vez atendida, teria um desdobramento prático. O “plenoconhecimento da vontade de Deus, com toda a sabedoria e entendimento espiritual” nãogeraria apenas crentes com percepções teológicas mais profundas. Antes, faria com queos cristãos de Colossos vivessem “de maneira digna do Senhor”.[1] Deus revestiu oscrentes de dignidade para serem participantes do seu Reino (1.12; 2Ts 1.4-5). É precisoagora que o cristão, com a ajuda do Senhor, ande à altura desse privilégio, de tal modoque Cristo seja glorificado em sua vida (2Ts 1.11-12). Uma descrição não muitodetalhada do modo de vida digno da vocação de Deus encontra-se em Efésios 4.1-3.[2] Em termos gerais, porém, trata-se de uma maneira de viver que em tudo agrada aoSenhor e que é marcada por uma dinâmica que Paulo descreve mencionando quatrocomponentes: frutificação, crescimento, fortalecimento e gratidão.A vida de modo digno do Senhor é aquela que segue “frutificando em toda boa obra”

(10). A figura sugerida aqui é óbvia: o homem é como uma árvore e suas obras são osfrutos. João Batista usou essa mesma figura (Mt 3.8-10) e Jesus também (Mt 7.15-20;

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12.33; Jo 15.1-6), sendo ainda uma das preferidas de Paulo (Rm 7.4-5; Gl 5.22-23; Ef 5.8-9; Fp 1.9-11).Os frutos esperados dos crentes no texto em análise são as boas obras.[3] Aliás, Deusdeterminou que o povo salvo fosse caracterizado pela prática delas (Ef 2.10; Tt 2.14;3.8), devendo tais obras se constituir no “traje” característico das mulheres crentes (1Tm2.9-10; 5.10), bem como numa área em que o pastor deve ser exemplo (Tt 2.7). Paulolembra, inclusive, que as obras do crente serão matéria de julgamento no tribunal deDeus (2Co 5.10).Tendo as boas obras tamanha importância na prática do viver cristão, é preciso defini-las com maior precisão. Ao contrário do que se pensa, a construção do conceito de boaobra não é deixado na Bíblia à mercê da intuição humana. Muito menos deve-se acolher a idéia de que toda obra é aceitável por Deus desde que feita com sinceridade. De fato,não é dado ao homem autoridade para definir o que são boas obras. Tampouco seussentimentos, mesmo os melhores, têm, a rigor, o poder de validá-las. Antes, o que a

Bíblia ensina é que foi o próprio Deus quem fixou de antemão o que se pode chamar de boas obras (Ef 2.10). Isso significa que por mais bela ou sincera que uma ação possa parecer, ela só será aceitável se estiver em harmonia com aquilo que o Senhor, em suasabedoria, elevou à categoria de bom.[4] Por isso, a Escritura é crucial tanto para a descrição como para a promoção das boasobras (2Tm 3.15-17). Nela vemos alguns exemplos das práticas que Deus eleva a essacategoria. São elas: todas as ações de Jesus (Jo 10.32), a ajuda a pessoas carentes,especialmente os irmãos na fé (At 9.36-39; Tt 3.14), a boa criação dos filhos, a práticada hospitalidade, o humilde serviço aos santos (1Tm 5.10) e a rejeição dos impulsos da

carne (1Pe 2.11-12). A Epístola de Paulo a Tito dá ênfase especial às boas obras, sendo possível detectar nela um número maior de exemplos, especialmente em 2.1-15 e 3.1-5.Esse tema ocupa espaço notável na literatura paulina porque o Apóstolo, conforme sedepreende do texto em análise, vê as boas obras como marcas do andar digno doSenhor.A vida “digna do Senhor” é marcada também pelo crescimento no “conhecimento deDeus” (v.10 in fine). Como no v. 9, Paulo usa mais uma vez a palavra “conhecimento”,com o propósito claro de desafiar o falso ensino que ameaçava a igreja [5]. Agora,

 porém, o objeto do conhecimento é o próprio Deus. Evidentemente, a infinitude doSenhor faz com que o cristão sempre tenha campo a percorrer no entendimento de quemele é. Aliás, em sua oração sacerdotal, Cristo declarou que a vida eterna consiste deconhecer a Deus e a seu Filho (Jo 17.3), o que significa não somente que é por conhecê-los que o homem entra na vida, mas também que a imensidão de suas perfeiçõesrequerem nada menos que a eternidade para serem exploradas.Os colossenses já tinham conhecido a graça de Deus quando creram (6), mas aexperiência cristã não se resume obviamente à conversão. Há uma dinâmica decrescimento que se segue. Paulo mostra que esse crescimento envolve aprender maissobre Deus.[6]  Aliás, isso é importante porque o conhecimento de Deus se constituinuma das marcas que distingue o homem piedoso dos incrédulos (Jo 8.19; 2Ts 1.8).

Estes, de fato, não conhecem a Deus ou desprezaram o conhecimento que se pode obter dele pelas vias naturais.

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Os reflexos dessa ignorância são terríveis já nesta vida. De acordo com o NT isso geraidolatria, discórdias, falhas no caráter e as mais chocantes imoralidades (Rm 1.21-31;1Ts 4.3-5; Tt 1.16). A falta do conhecimento de Deus é também a causa da perseguiçãocontra a igreja (Jo 15.21). Por isso, quanto mais os colossenses crescessem noconhecimento de Deus, mais diferentes seriam dos incrédulos que os cercavam. Alémdisso, seriam detentores de um conhecimento relevante, indispensável para o viver “demaneira digna”, diferente do conhecimento advogado pelos mestres do gnosticismonascente que tanto os perturbavam (2.23).

 No v.11, a súplica principal de Paulo é que os crentes de Colossos, mesmo em face dosfalsos ensinos que lhes eram propostos, mesmo vivendo numa cidade marcada pelosincretismo religioso e mesmo sob os ataques que sofriam em meio a uma sociedade

 pagã, fossem perseverantes e pacientes (2Co 6.4-10; 2Tm 3.10). As palavras gregas para perseverança e paciência são sinônimas. Ambas significam firmeza ou fortaleza. São asqualidades de quem não desiste, mesmo sendo prolongado o combate e demorado o

livramento.Considerando a força dos apelos e das ameaças que se apresentam continuamente diantedo crente, essas duas virtudes são, de fato, essenciais. Contudo, sua fonte não está no

 próprio cristão. Ele não é capaz de produzi-las por si mesmo. Por isso, os crentes têmque ser “fortalecidos com todo o poder”. Do contrário, não haverá firmeza (Fl 4.13). Aintensidade do poder necessário para que o crente persevere é descrita nas palavras “deacordo com a força da sua glória”. Assim como a imensa energia do sol está associadaao seu brilho indescritível, da mesma forma pode-se ter alguma noção do poder de Deusquando se pensa na glória da sua majestade. É esse poder infinito que Paulo quer que

atue nos colossenses fazendo-os perseverar. Nada menos que isso os protegeria daapostasia (2Co 13.4; 1Pe 1.4-5; Jd 24). Aliás, os crentes modernos que anseiamtestemunhar grandes manifestações do poder de Deus, fariam bem em contemplá-lo navida daqueles que, mesmo sob intensa oposição, perseveram na fé e na piedade.O modelo prático de cristianismo que Paulo ansiava ver concretizado na vida doscolossenses também era marcado pelo dar graças (12). A alegria mencionada no fim dov. 11, certamente se refere ao sentimento que deve acompanhar a gratidão. O apóstolo,

 portanto, queria que seus leitores dessem graças a Deus com júbilo. Essa gratidãodeveria ser dirigida ao Pai. Ela seria fruto do reconhecimento de que foi o Pai quemcapacitou os colossenses a terem parte na sua herança santa.

 Não se pode minimizar a relevância do v. 12 para a compreensão da origem dasalvação. Há quem diga que a eleição de Deus ocorreu quando ele, usando de sua

 presciência, anteviu quais pessoas creriam no evangelho. Vendo, assim, de antemão osque atenderiam a pregação da fé, Deus então os teria escolhido e, no tempo devido, oschamado e justificado. Geralmente esse ensino busca amparo em Romanos 8.29 e1Pedro 1.2.[7] A maior fragilidade, porém, dessa doutrina é que ela, contrariando o ensino do NovoTestamento, baseia a salvação no merecimento do homem, percebido previamente por Deus. A conclusão óbvia a que ela conduz é que a eleição não procede da graça

incondicional do Pai, sendo antes um prêmio pela virtude vista de antemão por ele emalgumas pessoas. Assim, de acordo com esse entendimento, a origem da salvação

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estaria no indivíduo, cuja disposição de fé é descoberta previamente por Deus. Esteentão o escolhe recompensando-o por aquela louvável disposição (Veja-se, contudo, Rm11.35). Trata-se assim da eleição oriunda do mérito humano visto com antecedência enão decorrente da graça divina incondicional.[8] Ora, essa maneira de explicar a eleição divina não pode ser sustentada pela revelação

 bíblica. O texto em análise, por exemplo, mostra que é o próprio Deus quem torna ohomem digno da sua herança. Assim, o Senhor não encontra uma multidão de homensdignos e então os elege. Antes, ele elege uma multidão de homens e então os tornadignos. Ademais, em Efésios 1.4-5 é ensinado que a eleição de Deus se baseouexclusivamente em sua vontade livre, misericordiosa e soberana e não em supostasvirtudes previstas (Rm 9.11-18; 2Tm 1.9; Tt 3.4-5). Como se não bastasse, vê-se aindana Bíblia que é Deus quem capacita o homem tanto a ir a Cristo (Jo 6.44,65) como acrer nele (Ef 2.8). Se é ele quem concede essas coisas ao homem, é absurda a afirmaçãode que as verifica de antemão em alguém, realizando em seguida a eleição. Portanto, é

correta a afirmação de Agostinho que diz: “A graça de Deus não descobre, pelocontrário, faz os que devam ser eleitos”.[9] A palavra usada por Paulo no v. 12 para descrever a ação de Deus sobre os colossenses,tornando-os dignos de herdar o reino significa literalmente tornar suficiente ouqualificar . De si mesmo e por si mesmo, o homem não pode colocar-se à altura deherdeiro do céu. Somente Deus pode qualificá-lo para isso, revestindo-o de dignidade.Ao crer em Cristo, os colossenses haviam sido objeto dessa ação de Deus que os tornaradignos da sua herança. Isso se constituía na razão suprema pela qual os crentes deColossos deviam alegremente dar graças ao Pai. Sua dignidade não era decorrente de

 pertencerem a uma pequena elite de indivíduos iniciados nos falsos mistérios dognosticismo nascente. Essa era a dignidade falaciosa que os mestres daquelas doutrinasvãs arrogavam para si. Não havia qualquer razão para que os colossenses anelassem

 pertencer àquela elite ilusória. Sua dignidade havia sido dada por Deus que os alçara à posição de herdeiros, tornando-os dignos dessa posição. E isso devia promover alegregratidão.Disso tudo se depreende que os crentes em geral não têm qualquer razão para buscar aadmiração que o mundo tributa a elites sociais, círculos de poder, grupos intelectuais ousociedades secretas. As grandezas e o  status que a sociedade sem Deus almeja nãodevem despertar o interesse do homem redimido nem ser alvo de seus anseios. Anobreza dos cristãos foi-lhes concedida por Deus que, ao salvá-los, os fez dignos de umreino majestoso. Não há, pois, razão para que o povo eleito se afadigue na busca dasglórias ilusórias deste mundo.O v. 12 termina mencionando a luz. No NT esse termo é usado para se referir à pureza(1Jo 1.5), ao conhecimento (2Co 4.6) ou à glória celeste (1Tm 6.16). No texto emanálise o último sentido é o mais apropriado. Há, portanto, aqui uma clara alusão àesperança escatológica do crente (Veja-se tb. 1.5, 27 e 3.4) que nunca deve perder devista onde está seu verdadeiro tesouro e a real felicidade.Se de um lado o crente espera o Reino, de outro deve ter consciência de que já faz parte

dele e desfruta, desde agora, do  status de cidadão do céu (Fp 1.27). Isso é possível porque Deus Pai o libertou do “império das trevas” (v.13), isto é, do domínio de

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Satanás, sob o qual vivia em plena escuridão, ou seja, em ignorância e pecado (At26.17-18). Observe-se que o verbo usado por Paulo aqui significa salvar, libertar ouresgatar, o que mostra a condição de escravo sob a qual o cristão vivia antes da suaconversão, bem como a triste situação em que todo incrédulo se encontra (2Co 4.4; 2Tm2.25-26).Tendo libertado o crente do reino sombrio de Satanás, o Pai o transportou para o Reinodo seu Filho amado. Assim, o crente foi removido de uma pátria para outra. Como partede um povo liberto, ele foi colocado sob o domínio de um novo império, sob o qualexperimenta liberdade, paz e segurança, nutrindo também um modo de vida diferente.Ainda que o desfrute pleno de sua pátria esteja reservado para o futuro (Fp 3.20; 1Pe2.11), ele prova desde já e em grande medida os benefícios de sua libertação (Rm14.17).

 No Filho amado de Deus, o crente encontrou a redenção, ou seja, libertação, plenolivramento (v. 14. Veja-se Ef 1.7; Hb 9.12). Esse benefício não está somente ligado à

remoção do império das trevas. A redenção também abrangeu “o perdão dos pecados”.Isso significa que além de ser liberto do domínio do diabo, o crente também ficou livrede suas culpas e, conseqüentemente, da condenação daí decorrente (Rm 8.1).

[1]  Veja-se 2Pedro 1.3-8, onde também o conhecimento de Deus é mencionado emconexão com a vida frutífera. Aliás, o conhecimento dissociado da virtude não temvalor algum dentro do cristianismo (1Co 13.2). Essa foi uma das razões pelas quais ognosticismo não pôde ser acolhido pela igreja apostólica.[2]  Essa descrição está voltada mais especificamente para o modo de vida do crente

dentro na igreja, no seu relacionamento com os irmãos.[3] Em contrapartida, é muito comum a sua total ausência nos incrédulos (Tt 1.16; Jd12).[4] A sincera devoção idólatra (1Co 12.2), a adoração a Deus dissociada da obediência(Is 1.12-15), a busca da justificação pelo esforço próprio (Gl 5.4) e a condescendênciaem face do pecado obstinado (1Co 5.1-2) estão entre as obras que as pessoasconsideram boas, mas que, à luz da Bíblia, são repugnantes diante de Deus (Is 64.6).[5] Veja-se o comentário a 1.6 e nota.[6]  Os termos “deísmo” e “agnosticismo”, embora designem sistemas de pensamentomais abrangentes, são muitas vezes usados para se referir especificamente a idéiasfilosóficas que negam a possibilidade de conhecer a Deus. No agnosticismo, a rigor, édito que é impossível até mesmo saber se Deus de fato existe. Do texto em análise,

 porém, se depreende que o Deus verdadeiro pode sim ser conhecido. Na verdade, elequer ser conhecido, tendo prazer em se revelar aos homens (Sl 25.14; Is 65.1; Jr 29.13;Jo 14.21).[7] Esses textos não ensinam que Deus viu de antemão quem creria, mas sim que eleconheceu de antemão em quem agiria, concedendo sua graça salvadora.  [8] Há um outro problema com esse ensino. Ele parte do pressuposto de que existe umfuturo fixo que Deus foi capaz de consultar. Porém, a questão que surge é: Quem fixou

esse futuro para o qual Deus olhou? Somente três opções podem ser oferecidas comoresposta a essa pergunta: ele próprio estabeleceu o futuro; um outro deus o fez; ou foi o

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destino cego. As duas últimas opções são inaceitáveis para o cristianismo. Logo, foiDeus quem fixou o futuro. Ora, se ele próprio assim fez, então não descobriu quemcreria, mas sim determinou quem receberia o evangelho.[9]  Citado por João CALVINO.  As institutas ou tratado da religião cristã. Vol. III(XXII:8). São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1989. p. 405.

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Colossenses 1.15-23 - A Supremacia de Cristo e sua Obra Reconciliadora

A menção do “Filho amado” no v. 13 cria a primeira oportunidade na epístola paraPaulo falar sobre a supremacia de Cristo. Em Colossos, os ensinos judaicos mescladosàs doutrinas propostas pelo gnosticismo em formação propunham que os crentes

 buscassem sabedoria, conhecimento e santidade em práticas cerimoniais e ascéticas enão em Cristo (2.2-4, 11, 16-17, 21-23). Ademais, a rejeição da matéria comoessencialmente má comprometia a realidade da encarnação (v. 20, 22; 2.9). Isso tudoreduzia a importância de Cristo tanto no pensamento como a prática do viver cristão.Daí a preocupação de Paulo em realçar sua supremacia, levando assim os crentes a sesujeitarem exclusivamente ao Filho de Deus.[1] Paulo começa dizendo que Cristo “é a imagem do Deus invisível” (15. Veja -se tb. 2Co4.4). A invisibilidade de Deus é ensinada já nas primeiras páginas da Bíblia, tendoservido como base para a proibição de imagens que o representassem já a partir dos

tempos do Êxodo (Dt 4.12-18). De fato, a essência de Deus é invisível (1Tm 1.17; 6.16;1Jo 4.12) e Jesus ensinou que ninguém jamais viu o Pai, exceto ele próprio (Jo 6.46).Em Cristo, porém, o homem pode ver Deus[2]  (Jo 1.14,18; 14.9; Hb 1.3). Ele é aimagem visível[3] daquele que é invisível. Imagens e ícones de ouro, prata, madeira ou

 pedra são abomináveis ao Senhor (Sl 115.3-8), mas Jesus é o ícone vivo de Deus.Basicamente, isso significa, que Cristo é Deus em forma visível.A segunda parte do v. 15 diz que Cristo é o “primogênito de toda a criação”. A

 princípio, essa expressão pode sugerir que Cristo foi o primeiro a ser criado entre todosos demais seres que compõem o universo que Deus fez.[4] Esse entendimento, porém,

nega a divindade de Jesus, não se harmonizando com a cristologia claramente expostaem todo o NT (Jo 1.1; 20.28; Rm 9.5; Hb 1.8; 1Jo 5.20). Ademais, deve ser lembradoque o propósito de Paulo, ao escrever sua Carta aos Colossenses, é ressaltar asupremacia de Cristo. Portanto, entender a expressão em análise como uma prova deque Cristo é apenas uma criatura especial, nada tendo de divino, milita contra o

 principal objetivo do apóstolo.A forma, pois, correta de entender a expressão “primogênito de toda a criação” é aseguinte: como o primogênito, no mundo dos dias de Paulo, tinha primazia sobre tudo oque pertencia ao pai, sendo seu herdeiro principal, da mesma forma Cristo tem o direitode primogênito sobre tudo o que foi criado. Tudo convergirá nele (v. 16; Ef 1.9-10), queexerce supremacia sobre o universo inteiro (v. 18; 1Co 15.27-28; Ef 1.22; Hb 2.8).Assim, a expressão usada por Paulo, está longe de dizer que Cristo foi criado primeiroque tudo. Antes, significa que ele tem direito de primogenitura sobre toda a criação deDeus, como herdeiro principal e senhor dela (Hb 1.2).Tendo tocado no tema da criação, o texto se expande apresentando as razões pelas quaisCristo tem o status de primogênito sobre o universo que Deus fez. De acordo com o v.16, “nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra”. Essa afirmação colocaCristo como agente na criação (Jo 1.3). Ora, sabe-se que o Deus-Trino criou o universo,mas a Bíblia não informa o modo específico como cada uma das três Pessoas atuou

nessa obra.[5] Assim, não é possível determinar que papel exato a Segunda Pessoa da

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Trindade exerceu quando os anjos foram criados ou quando os fundamentos do universoforam lançados.[6] Seja como for, Paulo diz expressamente que tudo o que existe, tanto o mundo materialquanto imaterial (o que, evidentemente, inclui os anjos), veio à existência pelo atocriador do Filho. E não somente “todas as coisas foram criadas por ele”, mas também“para ele”, ou seja, tudo o que foi criado convergirá um dia no Filho (Ef 1.10). Issosignifica que, no fim de tudo, todas as coisas serão postas em harmonia por ele e comele. A desordem, o caos, o sofrimento, a vaidade e a desarmonia a que o pecado lançoua criação de Deus, um dia terá fim, sob o domínio absoluto do Senhor Jesus (Rm 8.19-22).

 Não se pode perder de vista que Paulo destaca essas verdades acerca da supremacia deCristo sobre a criação com o objetivo de enfraquecer o ensino dos falsos mestres queameaçavam a igreja de Colossos. Especialmente a apresentação de Cristo como criador de tronos, soberanias, poderes e autoridades, ou seja, das diferentes ordens de anjos,

conforme o ensino judaico de então, deve ter causado forte impacto sobre o gnosticismonascente que, ao que parece, encorajava a adoração de seres angelicais (2.18).[7] 

 No v. 17, Paulo realça a preexistência de Cristo ao afirmar que “ele á entes de todas ascoisas”. Essa afirmação implica divindade, pois enfatiza que Cristo já existia antes dacriação do universo físico e dos seres espirituais (Jo 1.1-2). Ora, é óbvio que só Deus,ele próprio eterno e não criado, pode ser considerado existente desde as infindas eras da

 pré-criação. Assim, Paulo destaca novamente a divindade do Filho. Aliás, o próprioSenhor Jesus afirmou isso quando também alegou ser pré-existente (Jo 8.58). Ora,existindo antes de todas as coisas, Cristo se situa na posição de Senhor sobre a

totalidade da ordem criada.Em seguida, é dito que “nele tudo subsiste”. O verbo aqui usado significa continuar,

 permanecer, ou ainda  segurar. É dessa palavra que advém o termo  sistema. O textoensina, portanto, que Cristo é o sustentador de tudo o que há. Se o universo não entraem colapso, se a realidade consiste de um cosmos ordenado e não de um caos, se é

 possível perceber a existência de um sistema bem elaborado e em perfeitofuncionamento no mundo, se há leis físicas e forças misteriosas regendo, controlando,movendo e fazendo girar de maneira harmônica a fantástica e infinitamente complexamáquina do universo, Paulo atribui essa obra ao Deus-homem. É, de fato, pelo poder dele que as menores sementes germinam e também os astros mais gigantescos nãodesabam ou saem de suas órbitas (Hb 1.3).Em face dos ensinos gnósticos que ameaçavam a centralidade e supremacia de Cristoentre os crentes de Colossos, Paulo, no v. 18, menciona o senhorio exclusivo de Jesussobre a igreja. “Ele é a cabeça do corpo que é a igreja”, ou seja, como um organismovivo, unificado e bem estruturado (1.24; 3.15. Veja-se tb. Rm 12.4-5; 1Co 12.12-27; Ef 3.6) a igreja recebe sua força vital e o comando para as suas ações unicamente de Cristoe não de filosofias humanas (Ef 1.22-23; 4.15-16; 5.23-24, 29-30). Se for separada dele,ficará sem orientação, seguindo vozes alternativas e, por fim, morrerá ou setransformará numa outra sociedade qualquer, defendendo tradições e crenças estranhas

sob a capa de uma piedade fingida. Esse era exatamente o caso do grupo de falsosmestres que perturbavam os crentes de Colossos (2.16-19).

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Paulo também afirma no v. 18 que Cristo “é o princípio”. A idéia dominante é a de queele é o originador ou fundador de tudo. Em conexão com a realidade da igreja que acabade ser mencionada, é possível que o texto se refira não somente às origens do universo,mas também à criação do novo homem em Cristo (Ef 2.14-15). De fato, a igreja éconsiderada no NT a nova criação de Deus (2Co 5.17; Gl 6.15; Ef 2.10), algo que veio àexistência porque ele, diante das trevas em que o coração dos salvos outrora seencontrava, disse outra vez: “Haja luz!” (2Co 4.6). Em face disso, é possível que o textoaponte para Cristo como agente também na nova criação, o princípio de tudo, inclusivede uma nova raça, a raça eleita (1Pe 2.9). De fato, ele próprio disse expressamente aPedro: “... edificarei a minha igreja” (Mt 16.18). A ressurreição de Cristo foi uma espécie de prenúncio da ressurreição dos crentes emgeral (1Co 15.20-23). Por isso, o versículo 18 prossegue com a afirmação de que ele é o“primogênito dentre os mortos”. De fato, Jesus foi a primeiro a ressuscitar com ochamado corpo da ressurreição, isto é, um corpo imperecível, que não se deteriora (1Co

15.42-44). Outras pessoas ressuscitaram antes daquela manhã em que o Senhor selevantou do túmulo onde jazia (2Rs 4.35; Lc 7.15; Jo 11.44, etc), mas todas elasvoltaram à vida num corpo mortal, dando simples continuidade ao curso de suaexistência, até morrerem outra vez.Desse modo, Cristo foi o primeiro a ressuscitar definitivamente num corpo glorioso,revestido de imortalidade. Por isso, pode-se dizer que ele foi o princípio também danova criação de Deus, o inaugurador de uma nova humanidade, a humanidade formada

 por homens celestiais (1Co 15.45-49).O v. 18 termina dizendo que Cristo desempenha funções cruciais nas suas relações com

o universo e com a igreja para que tenha absoluta e total supremacia.[8] Em sua infinitasoberania, o Pai quis que o Filho tivesse plena primazia, pelo que fez dele o originador,sustentador e cabeça de tudo.Essa verdade também é exposta no v. 19. Nesse versículo Paulo ensina que Deus seagradou em fazer com que em Cristo “habitasse toda a plenitude”. Os gnósticos usavama palavra “plenitude” para se referir à soma total do poder e dos atributos de Deus. Essa

 plenitude, segundo eles, era distribuída entre agentes (emanações ou poderes angélicos)através dos quais Deus governava o mundo e revelava a sua vontade. Assim, esses seresintermediários retinham parcelas maiores ou menores da plenitude que era distribuída ediluída entre eles. Nenhum tinha toda a plenitude e é provável que os falsos mestres deColossos dissessem que Cristo era apenas mais uma dessas emanações procedentes dodivino.Paulo, porém, ensina que em Cristo habita “toda” a plenitude, destacando que tudo oque é pertinente a Deus (seus atributos, poder e autoridade) reside nele de formacompleta (2.9). Assim, o texto fala da perfeita divindade de nosso Senhor, pela qual elecriou e sustenta tudo o que há e pela qual exerce total autoridade sobre o mundo e aigreja.O v. 20 encerra o hino cristológico iniciado no v.15. O texto ensina que a vontade deDeus consistiu de fazer com que o Filho fosse o instrumento de reconciliação entre ele e

todas as coisas “tanto as que estão na terra quanto as que estão nos céus” . Essaafirmação levanta uma série de questões difíceis. Estaria Paulo ensinando que a

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inimizade com Deus um dia desaparecerá do universo? Se esse for o caso, seria certodizer que as penas do inferno são temporárias e que as almas ali lançadas um diadesfrutarão da paz com o Senhor? E mais: a reconciliação com Deus das coisas que“estão nos céus” implicaria na salvação dos seres angélicos que se rebelaram contra ele,como Satanás e os demônios?

 Na história da teologia cristã houve quem respondesse afirmativamente cada uma dessas perguntas. Orígenes de Alexandria (c.185-253) foi aparentemente o primeiro pensador cristão a propor o ensino de que Deus, no final, reconciliará consigo mesmo todos osseres criados, inclusive Satanás. Essa teoria, tecnicamente denominada apokatástasis (Lit. restauração), foi considerada um desvio da doutrina ortodoxa, sendo uma dasrazões pelas quais Orígenes não é considerado um dos pais da igreja. Seja como for,

 para ele não havia outra forma de entender textos como Salmos 110.1 e 1Coríntios15.28. O grande erudito alexandrino cria que essa era uma implicação necessária da

 bondade de Deus e do poder da Palavra, os quais impõem a necessidade de um término

 para o mal. Segundo o entender de Orígenes, se o mal, Satanás ou o inferno existirem para sempre, Deus jamais será “tudo em todos”.[9] Conforme já dito, a igreja cristã jamais acolheu esse pensamento.[10] Qual então, seriao sentido da reconciliação mencionada no texto sob análise? O palavra que o NTgeralmente usa para “reconciliação” diz respeito à restauração de um relacionamentocuja harmonia se perdeu (Rm 5.10-11; 11.15; 1Co 7.11; 2Co 5.18-19). Porém, o termousado por Paulo em Colossenses 1.20 é ligeiramente diferente e só aparece novamenteem 1.22 e Efésios 2.16. Esse termo também significa restauração da paz (1.22), masPaulo o usa ainda para indicar uma realidade unida em perfeita harmonia com Deus (Ef 

2.16).Assim, ao falar das coisas terrenas sendo reconciliadas com Deus, Paulo golpeia oconceito gnóstico de que o mundo físico é intrinsecamente mau, situando-se fora dointeresse de uma divindade que se mantém distante dele. Opondo-se a isso, o apóstolomostra que, por compor a boa criação de Deus, o universo material um dia será parte deuma realidade unificada sob seu completo domínio, desfrutando de paz e tendorestaurada a harmonia que caracterizou o seu estado inicial (Rm 8.19-22).E quanto às coisas celestiais? De fato, está fora de dúvida que Paulo tem em mente aquias realidades espirituais. Entretanto, é certo que os santos anjos não precisam dereconciliação. Também é certo que não há provisão para a restauração dos anjos caídos(Hb 2.16). Como então entender o que Paulo diz no v. 20? Diante do ensino geral do

 NT e das nuances que a palavra usada nesse texto admite, parece certo que areconciliação das coisas que estão nos céus deve ser entendida no sentido de serem

 postas em sujeição a Deus, sendo totalmente devotadas a ele.Ora, é sabido que o pecado pôs o diabo e seus demônios em franca rebelião contra oSenhor, lançando desordem no universo espiritual, desordem essa que ainda persiste (Ef 6.12). Está fora de questão que esse estado de coisas deve ser remediado e é provávelque Colossenses 1.20 aponte o modo como isso acontecerá. Considerado ao lado detextos como 1Coríntios 15.28; Efésios 1.10, Colossenses 1.16 e Hebreus 2.8, parece

certo que o texto em análise fala da reconciliação não como a restauração da harmoniaatravés do fim da inimizade, mas sim como a restauração da harmonia através da

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 subjugação de tudo ao Pai.[11] Portanto, a reconciliação de que Paulo trata aqui é ainclusão de todas as coisas numa realidade unificada posta debaixo da absolutasoberania de Deus. Nessa condição não mais existirá qualquer rebelião, desobediênciaou resistência ao governo divino. É certo que a atitude dos maus (anjos e homens

 perdidos) jamais será marcada por sujeição amorosa. Porém, haverá de sua parte a maiscompleta resignação (Ap 14.10). É nesses termos que a harmonia será reconstruída nouniverso espiritual.O v. 20 ainda diz que a restauração da paz (Lit.  fazer a paz ) foi possível graças aosangue da cruz. Isso mostra o alcance da obra de Cristo no Calvário. É por meio dessesacrifício que toda a desordem a que o pecado lançou a criação pode ser solucionada.Conclui-se, desse modo, que a cruz neutralizou todos os efeitos do pecado. Ora, aviolação da vontade divina não gerou somente culpa (Rm 5.18-19), mas tambéminimizade e desordem. Sendo assim, o sangue de Cristo não foi derramado apenas paraanular a culpa, mas também para destruir a inimizade (Rm 5.10) e pôr um fim na

desordem. Portanto, para o crente, o sangue que manchou o madeiro agiu ao tempo desua conversão, removendo a culpa e a inimizade com Deus quando ele creu (Rm 5.1);mas ainda agirá no futuro, restabelecendo a ordem no universo decaído (At 3.21).Ao falar sobre reconciliação, Paulo naturalmente se volta para o aspecto em que essarealidade se aplica aos crentes. Sendo viabilizada a reconstrução da paz através da cruz,os homens são beneficiados por ela quando respondem positivamente ao evangelho. Foio que aconteceu com os colossenses. O apóstolo descreve a condição deles antes de setornarem cristãos, dizendo que “estavam separados de Deus” (21). A palavra usada por Paulo denota alguém estranho, excluído ou separado (Ef 2.12; 4.18). De fato, antes da

conversão, os colossenses eram pessoas distantes de Deus e da salvação, separadas e banidas da comunhão com ele por causa do pecado.Os colossenses também tinham sido inimigos. Sua hostilidade contra Deus semanifestara na mente, ou seja, nos seus raciocínios e emoções. As inclinações interioresdaquelas pessoas, seus pensamentos e desejos, tinham sido outrora completamentehostis ao Senhor (Ef 2.3). A forma como essa inimizade se expressava era através do“mau procedimento”. As obras de perversidade que os colossenses praticavam nos diasda sua incredulidade eram provas da sua inimizade contra o Deus santo. Evidentemente,essa descrição do apóstolo se ajusta a todos os descrentes de qualquer lugar ou época.Os benefícios da morte de Cristo, porém, alcançaram aquelas pessoas. Os versículos 21e 22 mostram o contraste entre o “antes” e o “agora”. Paulo diz que Deus, interferindona condição deplorável dos colossenses, os reconciliou consigo (22). Isso foi possívelgraças ao milagre da encarnação. Com um corpo de carne, Cristo pôde morrer (Hb 2.14-15). Sua morte aplacou a ira de Deus (1Jo 2.2) e tornou possível a reconciliação dohomem com ele (Rm 5.10-11; Ef 2.13). Deve-se notar a ênfase de Paulo aqui na realcorporeidade de Jesus.[12]  Certamente, ao enfatizar o “corpo físico de Cristo” (Lit.corpo da sua carne), o apóstolo teve como alvo fustigar a doutrinas ensinadas pelosfalsos mestres que negavam a realidade de um corpo material em Cristo. No v. 22 elenão somente repugna esse ensino, mas também realça a necessidade da encarnação. Sem

esse fato, a morte de Cristo na cruz seria impossível e o perdão necessário àreconciliação jamais poderia ocorrer (Hb 9.22).

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 [1]  É possível que os vv. 15-20 encerrem um hino cristológico usado na igreja

 primitiva. Aliás, hinos desse tipo serviam como veículo para o ensino doutrinário e é perfeitamente possível que Paulo esteja usando esse recurso didático aqui. Outros prováveis exemplos dessa prática se encontram em Efésios 5.14; Filipenses 2.6-11 e1Timóteo 3.16.[2] Mesmo nos tempos do AT, é possível que algumas visões de Deus fossem apariçõesda Segunda Pessoa da Trindade. Talvez uma comprovação disso encontre-se em João12.41 comparado com Isaías 6.1-5.[3] É desse vocábulo grego (pronuncia-se eikon) que advém a nossa palavra “ícone”.

 Nas igrejas russa e grega, o termo é usado para se referir à representação de figurassagradas em superfície plana de madeira.[4] Ao tempo da igreja antiga, o presbítero Ário de Alexandria († c. 335) foi o maisvigoroso expoente do ensino de que Cristo, apesar de ser, de fato, o criador do mundo,

era ele mesmo uma criatura, não sendo certo crer em sua divindade. As idéias de Ário, porém, foram condenadas no Concílio de Nicéia, reunido em 325, e ele foi deportado para o Ilírico. O arianismo, contudo, se manteve vivo e, mesmo nos dias de Ário,mostrou-se vigoroso e em expansão. A igreja oficial, porém, nunca o acolheu.Atualmente, o grupo que mais se aproxima das doutrinas arianas são as Testemunhas deJeová.[5]  Não há dúvidas de que o Pai atuou na criação (Ap 4.11). Que o Filho é criador também fica claro em textos como o que está em análise. Já a atuação do Espírito Santona obra criadora é obscura e geralmente deduzida a partir de Gênesis 1.2. 

[6] O v.16 aliado a textos como João 1.3 e Hebreus 1.2 dão a entender que, na criação, oFilho atuou como agente intermediário. [7] A supremacia de Cristo sobre os anjos também é mostrada em 2.15 (Veja-se tb. Ef 1.20-21; Hb 1.5-8, 13-14).[8] Particularmente, o fato de ser o primogênito dentre os mortos coloca Cristo numa

 posição de autoridade sobre os homens (At 17.31).[9]  Veja-se HALL, Christopher A.  Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja. Traduzido por Rubens Castilho Meire Santos. Viçosa: Ultimato, 2007. p. 63.[10] Veja-se SANTO AGOSTINHO.  A Cidade de Deus. Vol. 2 (21:XVII). São Paulo:Vozes, 1990. p. 507.[11] Textos como Lucas 10.18, Colossenses 2.15 e Judas 6 mostram alguns sentidos emque essa subjugação já existe. A sujeição completa, porém, dos anjos maus ao domíniodo Senhor está reservada para o futuro (Ap 12.7-10).[12] Veja-se também Efésios 2.15.

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Colossenses 1.24-29 - A Missão de Paulo de Proclamar o Mistério do Evangelho

 Nesse parágrafo Paulo faz uma apologia do seu ministério, afirmando que recebeu amensagem que pregava do próprio Deus e que a proclamava zelosamente a todos. É

 bem provável que o apóstolo apresente essa defesa por não ser conhecido pessoalmentena igreja de Colossos (2.1). Os falsos mestres certamente tiravam proveito disso etambém do fato dele se encontrar mui distante daqueles crentes, numa prisão domiciliar em Roma (2.4-5). Ademais, é também possível que os falsos mestres estivessem pondoem dúvida a legitimidade do apostolado de Paulo, a fim de lançar sua mensagem nodescrédito e remover, com isso, qualquer obstáculo aos seus maus propósitos.[1] Em face disso tudo, o apóstolo menciona verdades sobre o seu trabalho, desejando que,tendo ciência delas, os colossenses acolham seus ensinos e admoestações.Primeiramente Paulo diz que se alegra em seus sofrimentos (24). Ele tem em mente aquios desconfortos que enfrentava em sua primeira prisão em Roma. Ainda que estivesse

numa prisão domiciliar, livre das torturas da masmorra e tendo permissão para pregar (At 28.30-31), é fato que Paulo estava sob liberdade vigiada, até certo ponto à mercê deum soldado romano (At 28.16)[2]  e impedido de realizar seu trabalho de modo maisabrangente.O sofrimento decorrente dessa situação, porém, era recebido por Paulo com alegria. Isso

 porque tais agruras eram sofridas em prol dos próprios colossenses e, num sentidoamplo, em benefício da igreja como um todo. De fato, Paulo sofria pela igreja. Suasviagens, lutas, privações e prisões tinham sempre como objetivo promover o bem, aedificação e a expansão do povo de Deus (2Co 1.6; 12.15; Ef 3.13; 2Tm 2.10). Assim,

olhando para a sua própria dor como um veículo através do qual os eleitos eramabençoados, Paulo se regozijava nela, vislumbrando seus efeitos benéficos sobre orebanho do Senhor .[3] Paulo interpretava também seus sofrimentos como uma forma de completar em seucorpo “o que resta das aflições de Cristo, em favor do seu corpo, que é a igreja”. Naliteratura paulina essa mesma idéia aparece algumas vezes (2Co 1.5; 4.10; Gl 6.17). Elaaponta para o fato de que as agruras pelas quais os servos de Deus passam no serviço doReino são também os sofrimentos de Cristo, dada a união entre o Senhor e o seu povo(At 9.4-5). Eventualmente, Paulo usa esse mesmo ensino para encorajar seus leitores,afirmando que se os crentes estão unidos a Cristo até o ponto de participar de seussofrimentos e morte, isso significa que eles também participarão de sua ressurreição eglória (Rm 8.17; Fp 3.10-11).[4] Assim, é óbvio que a intenção do apóstolo aqui não é afirmar que os sofrimentos daobra expiatória de Cristo foram incompletos (Jo 19.30; Hb 9.24-26), mas sim que as

 perseguições e dores que ele provou ao ministrar em favor do seu povo não seesgotaram e, de fato, continuam a existir, torturando agora os seus servos que tambémtrabalham em prol da igreja.

 No fim do v. 24, a igreja é qualificada como “seu corpo”, ou seja, o corpo de Cristo.Essa figura aparece inúmeras vezes nas epístolas de Paulo. O apóstolo a usa para

estimular o fim das divisões e inimizades entre o povo de Deus (Ef 2.16; 3.6; Cl 3.15), bem como para falar da unidade produtiva da igreja, realçando a importância do serviço

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de cada crente na sua comunidade local (Rm 12.4-8; 1Co 12.12-31). A figura do corpotambém ilustra a união vital da igreja com Cristo (Ef 4.15-16) e sua sujeição a ele comolíder supremo (Ef 1.22-23; 5.23).

 Na Epístola aos Colossenses, Paulo usa a figura do corpo para promover a sujeiçãoexclusiva a Cristo (1.18), algo que a doutrina gnóstica em formação, com sua ênfase na

 busca de ritualismos e mistérios (2.16-18), desestimulava. A mesma figura é usada emColossenses para mostrar que os falsos mestres que ameaçavam a igreja não pertenciama Cristo (2.19). Finalmente, Paulo usa a figura da igreja como corpo para desencorajar as discórdias entre os irmãos (3.15). Possivelmente, em Colossos essas discórdiasexistiam num certo grau devido à atuação dos falsos mestres que, com seus ensinos,afastavam os crentes de Cristo, fazendo com que o amor deles entre si esfriasse. De fato,é notável a intensidade dos desentendimentos que marcam as igrejas que sofrem a máinfluência da heresia.[5] 

 No v. 25, Paulo diz que se tornou “ministro”. O termo que emprega é o mesmo que

aparece em 1.23, isto é, diáconos e, conforme já dito, é usado para se referir a alguémque presta auxílio ou se dedica a um serviço. Em 1.23, Paulo se apresenta comoministro do evangelho. Aqui, se define como ministro da igreja. Esse seu serviço édescrito com contornos específicos.Primeiramente é um ministério com responsabilidades que lhe foram atribuídas pelo

 próprio Deus. A palavra traduzida na NVI como “responsabilidade” é o vocábulooikonomia e se refere  grosso modo à administração de uma casa ou ao gerenciamentodos bens de outrem.[6] Assim, Paulo está dizendo que recebeu de Deus a incumbênciade um administrador, a fim de cuidar de certos aspectos ligados ao funcionamento da

igreja que pertence ao Senhor (1Co 9.17; Ef 3.2). No idioma em que foi escrito o NT,aquele a quem é confiada uma oikonomia é dado o nome de oikonomo s[7], e Pauloaplica esse termo a si mesmo em 1Coríntios 4.1-2, bem como aos bispos em geral, emTito 1.7. Já para o apóstolo Pedro, cada crente em particular é um oikonomos e deveservir a Deus com isso em mente (1Pe 4.10).Em segundo lugar, o ministério de Paulo em prol da igreja era marcado pelaresponsabilidade específica de apresentar plenamente a palavra de Deus. Isso implicavatanto o dever de pregar a todos (Rm 15.19)[8]  como o de anunciar a mensagem semqualquer omissão (At 20.27; 2Co 4.2). De fato, o ministério completo é aquele que sedirige a todas as classes, sem exceção, e também prega o desígnio de Deus de forma

 plena, sem selecionar pontos da verdade de acordo com a conveniência da situação ouas preferências teológicas do intérprete.A palavra de Deus que Paulo anuncia é descrita como “o mistério que esteve ocultodurante épocas e gerações” (26). Conforme já exposto, no gnosticismo nascente asalvação consistia do conhecimento de verdades que se mantinham em segredo, sendoacessíveis apenas a um grupo seleto de pessoas privilegiadas espiritualmente. Paulo,aqui, afirma que o verdadeiro mistério é a palavra que ele anuncia. É comum o apóstolousar o termo “mistério” para se referir ao evangelho ou a verdades a ele relacionadas(Rm 11.25; 16.25; 1Co 2.1, 7; 15.51; Ef 1.9; 3.3-5, 9; 5.32; 6.19; 1Tm 3.9, 16). Sendo

assim, para o apóstolo, diferente dos falsos mestres, mistério é algo que estavaescondido, mas que agora é manifesto a todos, em cumprimento da vontade de Deus.[9] 

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 No texto em análise, Paulo afirma que o mistério de Deus foi revelado “aos seussantos”. À luz de Efésios 3.5, é certo que os “santos” aqui mencionados são osapóstolos e profetas que, sob a influência do Espírito Santo, conheceram e transmitirama Palavra de Deus aos homens nos tempos da igreja primitiva.O v. 27 diz que Deus concedeu a tais homens (aos “seus santos” e não aos proponentesdas idéias gnósticas que estavam aflorando em Colossos) o conhecimento do mistérioque é a verdade rica e gloriosa que alcança todos os povos e não somente um grupo deiniciados na suposta gnose (Ef 3.5-6). A glória dessa verdade agora revelada é, portanto,notável entre os gentios espalhados pelo mundo, sendo universalmente conhecida (Rm16.25-26).O mistério específico que Paulo tem em mente aqui e cujo benefício se vê alcançandohomens de todas as raças é a realidade da habitação de Cristo naquele que crê. Essaverdade compunha a mensagem de Paulo, sendo parte integrante do evangelho que eleanunciava (Rm 8.9). Paulo explica que a habitação de Cristo é a base para a esperança

do crente quanto à glória futura (2Co 1.21-22; Ef 1.13-14; 4.30). De acordo com oensino paulino, aqueles em quem o Senhor não faz morada neste mundo, não podemesperar entrar em suas moradas no mundo porvir.O apóstolo prossegue enfatizando que anunciava o mistério do evangelho a todas as

 pessoas sem qualquer discriminação (28). Sua ênfase se verifica no fato de que aexpressão “todo homem” aparece três vezes no texto grego do v. 28. Assim, para Pauloa oferta do evangelho era universal. O alvo das boas novas é o homem, não importandosuas origens, formação ou nível social. Qualquer grupo que, como os mestres gnósticosdos dias de Paulo, limita a participação em seus segredos a uma minoria, não é detentor 

da verdade divina, já que esta, além de ser livre de complexidades, foi revelada a fim deser universalmente conhecida. No v. 28 Paulo diz que anunciava o mistério de Deus “advertindo e ensinando a cadaum”. O verbo traduzido como “advertir” significa também admoestar ou aconselhar. Éum ato que sempre requer paciência e benignidade (Rm 15.14; 2Ts 3.15), podendo ser realizado em meio a mais profunda comoção (At 20.31). O segundo verbo significasimplesmente instruir. É a ação de quem transmite a outrem uma doutrina; o ato dequem informa e educa (At 15.35). O trabalho de Paulo como pregador é descrito

 plenamente através desses dois termos.[10] Dos textos supracitados se depreende quetanto crentes como incrédulos eram alcançados pelo conselho e ensino do apóstolocomo proclamador dos mistérios de Deus. O texto também diz que Paulo realizava essetrabalho “com toda a sabedoria”, ou seja, com a postura e o entendimento dados por Deus (Tg 3.17-18; 2Pe 3.15).O alvo do apóstolo como ministro de Deus e pregador dos seus mistérios era apresentar “todo homem perfeito em Cristo”. A palavra “perfeito” pertence ao vocabulário usado

 pela heresia que ameaçava a igreja de Colossos. Seus proponentes aplicavam esse termo para se referir às pessoas que haviam sido iniciadas nos segredos das religiões demistério. O sentido básico do termo é “completo” ou “maduro”. Paulo, portanto, estádizendo que trabalhava para que os homens alcançassem um desenvolvimento espiritual

 pleno.[11] Isso, porém, só seria possível se eles estivessem “em Cristo”, ou seja, dentroda sua esfera de atuação e poder. Ainda que os falsos mestres alegassem ter um alto

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grau de percepção e maturidade espirituais e prometessem essas coisas aos queacolhessem seus ensinos, Paulo afirma que o amadurecimento espiritual verdadeiro só

 podia ser alcançado por alguém que estivesse “em Cristo”, tendo acolhido os ensinos domistério de Deus revelado, ou seja, o evangelho.

 No v. 29, o apóstolo descreve o grau de empenho com que se dedicava ao trabalho deanunciar a verdade visando a perfeição espiritual dos homens. Ele diz que se esforça,isto é, trabalha arduamente. Também afirma que luta com todas as forças (1Co 9.25-27),mesmo em meio às mais terríveis pressões. Nesse combate, ele recebe a força de Deus,a qual atua nele de modo eficaz, capacitando-o e dando-lhe energia, resistência e vigor.Esse versículo é importante porque trata de um paradoxo muitas vezes mal entendidoentre duas realidades: a necessidade do esforço humano e a capacitação de Deus. Deacordo com o texto, um fator não anula o outro. Na verdade, ambos se completam. Defato, Paulo se esforçava no serviço o mais que podia e, segundo ele, esse esforçodecorria do poder de Deus que nele atuava. Na verdade, era o poder de Deus que dava a

medida do esforço de Paulo. Daí se conclui que é a capacitação do Senhor que habilitaseus ministros a se esforçarem além do imaginável (1Co 15.10).

[1] Paulo, alguns anos antes, tinha enfrentado esse mesmo problema, porém de formamais intensa, na Galácia (Gl 1.11-12) e em Corinto (1Co 9.1-2; 2Co 11.5-6, 23; 12.12). [2] O famoso historiador Edward Gibbon (1737-1794) informa que os soldados rasosque compunham os exércitos dos imperadores romanos eram recrutados “entre ascamadas mais baixas e com muita freqüência mais crapulosas da sociedade” (GIBBON,Edward.  Declínio e queda do Império Romano. São Paulo: Companhia das Letras,

1989. p. 36).[3] Existe também a possibilidade de Paulo ensinar aqui que o povo de Deus tem uma parcela de sofrimento a ser vivenciado antes da vinda do Messias (noção presente no judaísmo apocalíptico). Se for esse o caso, ele próprio se via como alguém quecompletava essa cota de dor no lugar do povo de Deus como um todo. Veja-seMARTIN, Ralph. Colossenses e Filemon: Introdução e Comentário. São Paulo MundoCristão e Vida Nova, 1984. p. 80-81.[4] Veja-se o mesmo raciocínio em Pedro (1Pe 4.13).[5]  No NT, uma das maiores evidências disso se encontra nas igrejas da Galácia, ondeaflorou a heresia judaizante (Gl 5.15).[6] Outras versões traduzem o termo como “dispensação”. Essa palavra é também usada

 por Paulo num sentido teocrático para se referir à administração segundo a qual o próprio Deus planejou e executou o seu projeto relativo à salvação do homem (Ef 1.10;3.9).[7] A NVI traduz como “encarregado” e a ARA como “despenseiro”. [8] Esse parece ser o sentido dominante aqui (Veja-se 1.28-29), mesmo porque os falsosmestres afirmavam que suas doutrinas pertenciam a uma classe de homensespecialmente dotados e Paulo, sem dúvida, pretende realçar a distinção que há entre oseu trabalho e o deles.

[9] Em Colossenses, além de 1.26-27, Paulo se refere ao “mistério” também em 2.2 e4.3.

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[10] Em 3.16, onde os dois verbos aparecem juntos novamente, verifica-se que advertir e ensinar são deveres de todos os crentes em face de seus irmãos. O mesmo texto mostraque, assim como Paulo, os cristãos devem cumprir essa tarefa com sabedoria.[11]  O alvo da perfeição não pode ser alcançado nesta vida. Porém, isso nãodesencorajava Paulo a realçar a importância desse ideal para os crentes (Ef 4.11-13).Aliás, ele mesmo o buscava em sua própria vida (Fp 3.12-14).

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Colossenses 2.1-5 - Os Objetivos Específicos de Paulo no Tocante às Igrejas

O capítulo 1 de Colossenses termina com Paulo mencionando a intensidade do empenhocom que se dedica ao trabalho de proclamação da fé. Ali ele aponta o alvo geral do seuministério, ou seja, todo homem. No capítulo 2, o apóstolo continua a falar dos seusesforços. Desta vez, porém, menciona alguns alvos específicos do seu labor: os próprioscolossenses, os crentes de Laodiceia e as igrejas que não tinham sido fundadasdiretamente por ele, mas sim por algum delegado apostólico, talvez por elecomissionado.A Epístola aos Colossenses, conforme é sabido (veja-se “Aspectos Introdutórios”), foiescrita enquanto Paulo estava detido em sua prisão domiciliar em Roma (At 28.30; Cl4.3,10,18). Isso poderia levar alguém a pensar erradamente que aquelas circunstânciasfaziam do apóstolo um soldado fora de combate. Ele, no entanto, repudia essa idéia. Defato, de forma veemente afirma que está lutando muito por eles e por outros crentes

(2.1).A palavra que o apóstolo usa para se referir ao seu labor, traduzida na NVI como “luta”,é um termo emprestado do contexto dos jogos gregos. Lembra o empenho dos atletas,numa competição esportiva.[1]  Paulo usa essa palavra num sentido figurado para sereferir à intensa solicitude com que, entre os mais terríveis obstáculos, se dedica aotrabalho de ensinar a verdade aos homens (1Ts 2.2; Fp 1.29-30; 2Tm 4.7). Assim,mesmo preso ele não devia ser considerado um atleta fora da corrida. A ida à prisãocuriosamente não resultara no abandono do estádio. O apóstolo, portanto, quer quesaibam que ele ainda está na competição, “suando a camisa” e nos limites do seu fôlego. 

Como, porém, estando preso, Paulo participava com tanta dedicação da corrida? Ora,sabe-se que a prisão em que Paulo se encontrava permitia que ele trabalhasse noanúncio da fé (At 28.30-31), ainda que nem todas as portas estivessem abertas para o

 pleno desempenho do seu serviço como pregador (4.3-4). O v.1, porém, diz que oapóstolo se esforçava inclusive em prol de crentes que estavam longe dele. No tocante aessas pessoas, considerando que o trabalho de Paulo abrangia especialmente tanto aadvertência quanto o ensino (1.28), Paulo tinha a possibilidade de lhes ministrar mediante a palavra escrita, o que ele fazia com grande zelo quando estava preso(4.16).[2] Além disso, o esforço de Paulo em prol dos colossenses, dos laodicenses e de todos osainda não tinham visto o seu rosto se manifestava também numa obra ininterrupta deoração. Em 2.2 ele fala que se esforçava para que aqueles irmãos fossem fortalecidos nocoração, estivessem unidos em amor e alcançassem pleno conhecimento de Cristo. Nosversículos 1.9-11, Paulo diz que orava incessantemente pelos crentes e, ao expor oconteúdo de suas orações, menciona substancialmente aquelas mesmas coisas. Issosignifica que a oração era uma das formas como Paulo lutava para produzi-las nos seusleitores. Ademais, o apóstolo deixa claro na própria epístola que orar é também umaluta, ao afirmar que Epafras estava sempre “batalhando” (o mesmo verbo grego usadoem 1.29) pelos colossenses em oração (4.12).

Já foi destacado que os alvos específicos dos esforços de Paulo mencionados no v.1 sãoos colossenses, os laodicenses e todos os que não o conheciam pessoalmente (lit. “todos

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os que não viram o meu rosto em carne”). Os próprios colossenses estavam incluídosentre os que ainda não tinham tido contato direto com Paulo, sendo certo que quem lhesanunciou o evangelho inicialmente foi Epafras (1.7-8), provavelmente enviado peloapóstolo que, à época (entre 53 e 56 AD), estava fixado em Éfeso, cerca de 160quilômetros de distância (At 19.8-10; 20.31).À forma como Paulo se expressa no v. 1 deixa transparecer que a maioria doslaodicenses também não o conhecia, exceto por ouvir falar. Porém, assim como aoscolossenses, Paulo escreveu aos crentes daquela cidade a fim de fortalecê-los também(4.16).[3] Laodiceia distava de Colossos cerca de dezoito quilômetros a oeste e a heresia proto-gnóstica, sem dúvida, havia chegado igualmente ali, pelo que Paulo se viu forçado aalertar aqueles irmãos. Apesar do cuidado do apóstolo, sabe-se que, cerca de trinta ecinco anos depois de composta a Carta aos Colossenses, João, em Patmos, recebeu doSenhor a ordem de também escrever à igreja de Laodiceia, censurando sua indiferença,

seu orgulho e sua falta de comunhão com ele (Ap 3.14-22). Certamente, o contatoanterior com falsas doutrinas embrutecera aquela igreja, tornando-a árida,espiritualmente estéril e inútil para os propósitos de Deus.

 No fim do v. 1 Paulo não especifica os outros que ainda não tinham visto seu rosto. É possível, contudo, que tivesse em mente os cristãos de Hierápolis, outra cidade vizinhade Colossos (4.13), situada a vinte três quilômetros ao norte. Os crentes de Hierápolis,certamente precisavam de muito amparo e estímulo, uma vez que aquela cidade erafamosa como grande centro de cultos pagãos.Três são os objetivos dos esforços de Paulo em prol daquelas igrejas, conforme se

depreende do v. 2. Ele trabalhava para que os crentes tivessem conforto (ou consolo) nocoração, fossem unidos através do amor e obtivessem rica e sólida compreensão domistério de Deus que é Cristo.A NVI inicia a tradução do v. 2 com as palavras   ”Esforço-me para que eles sejam

 fortalecidos em seu coração”. Trata-se de uma tentativa de transmitir com maior exatidão o verbo usado por Paulo, cujo sentido, se exposto mais amplamente, abrangeencorajar, confortar e consolar. Os crentes de Colossos, Laodiceia e Hierápolis

 precisavam de vigor em seu íntimo para permanecer de pé em meio à oposição dasociedade e os ataques dos falsos mestres. O desânimo, o cansaço e a angústia poderiamtorná-los improdutivos e fazer com que deixassem de perseverar. Paulo tomava medidas

 para que isso não acontecesse (4.7-8. Veja-se tb. Ef 6.21-22 )Paulo também trabalhava em prol da unidade deles. O verbo usado pelo apóstolo,traduzido como “estejam unidos”, poderia também ser interpretado como “sejaminstruídos”.[4]  Porém, o mesmo verbo aparece novamente em 2.19, onde o sentido éclaramente o de unidade. Assim, o que Paulo suplica a Deus é que, através do amor, sejaconstruído um vínculo perfeito entre os crentes (3.14). Essa unidade era fundamental naluta contra a heresia e no suprimento do encorajamento essencial à carreira cristã.Daqui se depreende que o crente que se distancia da unidade amorosa fica exposto aabandonar tanto a vida quanto a verdade cristã. É a unidade no amor um dos fatores que

o protegem desses desvios.

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Finalmente, os esforços de Paulo eram no sentido de que os crentes adquirissem umacompreensão mais firme da verdade teológica relativa a Cristo. Ele diz que seempenhava para que aqueles irmãos tivessem riqueza de convicção, isto é, para quetivessem certeza absoluta, estando plenamente seguros em seu entendimento daverdade. De posse de uma convicção assim inabalável eles teriam condições de adquirir compreensão mais plena do mistério revelado de Deus: Cristo.[5] O apóstolo sabia que os falsos mestres, ao lançar dúvidas sobre a supremacia doSalvador, ao abalar a certeza dos crentes acerca das verdades do evangelho, poderiamdeixá-los numa condição de paralisia mental, impedindo que crescessem na visão damagnitude do Filho de Deus e, conseqüentemente, desencorajando a devoção devida aele. A dúvida geraria a estagnação do conhecimento e, finalmente, a apatia no serviço.Por isso, Paulo se esforçava para que houvesse riqueza de convicção no entendimentodaqueles irmãos. Ele sabia que a incerteza faria os crentes estacionar na percepção daverdade e, logo em seguida, desanimar na prática da piedade. A observação da igreja

moderna, tão carente de convicções, tão rasa e indiferente na tocante à compreensãomaior do evangelho e tão longe da real devoção a Cristo, mostra quão real era o perigovislumbrado pelo apóstolo.O v.3 diz que em Cristo, o mistério que Deus revelou, “estão escondidos todos ostesouros da sabedoria e do conhecimento”. Essas palavras repr esentam um ataquefrontal ao pensamento dos mestres da doutrina gnóstica que, ao tempo da composiçãoda epístola, estava em pleno desenvolvimento.

 No século 2, quando o gnosticismo tomou forma mais sistemática e complexa, seus proponentes diziam que existiam três classes de homens: os pneumáticos, os psíquicos e

os terrenos.[6] Os pneumáticos eram os próprios gnósticos, supostamente portadores doconhecimento perfeito de Deus e dos mistérios espirituais. Estes estavam destinados auma forma de salvação que incluía sua inserção no “Pleroma”, a essência da divindade,onde viveriam como esposas dos anjos. Os pneumáticos se autodenominavam“perfeitos” e diziam desfrutar da impossibilidade absoluta de se corromper, quaisquer que fossem as obras que praticassem.[7] Os psíquicos, por sua vez, eram identificados pelos gnósticos como os cristãos comunsque, sendo ignorantes dos mistérios supremos, tinham, contudo, a possibilidade deescolher o bem. Se assim fizessem, repousariam num estado intermediário, porquenenhum psíquico jamais poderia entrar no “Pleroma”. A terceira classe de homens, osterrenos, era composta pelos que mantinham uma ligação completa e irremediável coma matéria, sendo impossível que recebessem qualquer grau de incorruptibilidade. Odestino deles seria a completa destruição.As sementes dessas idéias combatidas pela igreja cristã no século II, certamente jáexistiam nos dias do apóstolo Paulo. De fato, não há dúvida de que os falsos mestresque atuavam em Colossos no século I afirmavam ser detentores de um conhecimentoespecial, profundo e privilegiado de Deus[8], colocando-se acima dos cristãos ereduzindo a importância do conhecimento de Cristo e a conseqüente devoção e ele.Em face disso, o apóstolo afirma que somente em Cristo o homem pode encontrar a

sabedoria e o conhecimento de Deus. Estes atributos são de uma riqueza inalcançável(Rm 11.33), mas a pregação apostólica os revela aos crentes ao lhes apresentar Cristo, o

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recipiente único e completo deles. À parte de Cristo não há nada que se possaacrescentar para que o homem cresça no entendimento das coisas espirituais. Ademais,somente a sabedoria e o conhecimento verdadeiros, cujos tesouros estão “escondidos”,isto é, depositados, em Cristo, podem habilitar o crente a viver do modo digno doSenhor (1.9-10). Qualquer outro tipo de sabedoria e conhecimento ditos espirituais sãoincapazes de promover a genuína piedade na vida das pessoas (2.23)..Vale ressaltar ainda que, ao afirmar que no ser de Cristo estão armazenados todos ostesouros da sabedoria e do conhecimento, Paulo também destaca a divindade doSalvador, pois lhe confere a plenitude de atributos que, nesse grau de infinitude,

 pertencem somente a Deus (Rm 11.33-36). Nesse aspecto também é possível ver aquium ataque ao ensino dos falsos mestres que viam em Cristo apenas mais uma dasdiversas emanações de Deus, no que não se diferenciava dos anjos (2.18).A razão pela qual Paulo destaca aos colossenses o fato de Cristo ser o verdadeiroreceptáculo de toda sabedoria e conhecimento é revelada no v.4:  “Eu lhes digo isso

 para que ninguém os engane com ar  gumentos que só parecem convincentes”. É nítido ofoco nos falsos mestres aqui. Para o apóstolo o perigo que eles representavam era real,

 pois tinham grande habilidade em iludir as pessoas. O verbo traduzido como “enganar”,foi usado pelos escritores do período clássico para se referir ao procedimento de quemapresenta contas erradas com o propósito de trapacear .[9] A idéia principal, portanto, é de tentar mostrar que algo é válido através de provas que

 parecem incontestáveis, mas que, na verdade, não passam de um embuste, de umamanipulação desonesta de dados.[10]  Na atualidade, vê-se muitos falsos mestres agindoassim, quando apresentam “provas bíblicas” para seus argumentos, compondo um

mosaico no qual, usando versículos desconexos, montam qualquer doutrina que lhesseja de interesse. É precisamente esse tipo de engano, que faz uso deliberado de“cálculos” errados, que maneja hábil e maliciosamente o que é certo de maneira aconstruir uma idéia falsa; é essa forma de procedimento que confunde as pessoassimples com “provas” que parecem imbatíveis que Paulo tem em mente aqui.Isso é reforçado pelo que vem a seguir. De fato, Paulo fala de um engano que utiliza“argumentos que só parecem convincentes”. Essa expressão é a tradução de uma só

 palavra grega, o termo, cujo sentido é “fala persuasiva”. Paulo diz aqui que os falsosmestres pronunciavam discursos nos quais não faltavam argumentos aparentementefortes, mas que na verdade, conduziam as pessoas ao erro.O grande opositor do gnosticismo, Irineu de Lião († c. 202), mostra em seus escritosque esse mesmo expediente era usado pelos falsos mestres ainda nos século 2. Suadescrição dessa prática é vívida e criativa:Lêem coisas que não foram escritas e, como se costuma dizer, trançando cordas comareia, procuram acrescentar às suas palavras, outras dignas de fé, como as parábolas doSenhor, os oráculos dos profetas, ou as palavras dos apóstolos, para que as suasfantasias não se apresentem sem fundamento. Descuidam a ordem e o texto dasEscrituras e, enquanto lhes é possível, dissolvem os membros da verdade. Transferem,transformam e, fazendo de uma coisa outra, seduzem a muitos com as palavras do

Senhor atribuídas indevidamente a fantasias inventadas. É como se a um autênticoretrato do rei, realizado cuidadosamente em rico mosaico por hábil artista, alguém

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desmanchasse a figura de homem e fizesse com as pedras deslocadas e mal dispostas afigura de cão ou de raposa e depois dissesse e confirmasse que aquela era a autênticaimagem do rei feita pelo hábil artista. Mostrando aquelas mesmas pedras que, bemdispostas pelo primeiro artista, apresentavam a imagem do rei e, mal dispostas pelosegundo artista, transformavam-na em figura de cão, pelo brilho das pedras enganam ossimples que não conhecem o aspecto do rei e os convencem que a ridícula imagem daraposa é o autêntico retrato do rei. Assim, costurando fábulas de velhinhas e tomandodaqui e dali palavras, sentenças e parábolas, procuram adaptar as palavras de Deus àssuas fábulas.[11] Conforme se vê, os mesmos ardis de que faziam uso os mestres do proto-gnosticismodos dias de Paulo, ainda eram usados cerca de cem anos mais tarde pelos proponentesdesse mesmo sistema de mentiras. O fato é que tais homens perceberam facilmente quea estratégia de mesclar a verdade com o erro se constitui num dos mais eficazes meiosde desviar os homens da Sã Doutrina dada por Deus aos santos apóstolos (1Tm 6.20-

21).[12] Paulo alerta os colossenses sobre as estratégias de engano dos hereges porque se sentiaunido àqueles crentes, tendo a mente ocupada com tudo o que dizia respeito ao bemestar deles. É isso o que se depreende do v. 5. O apóstolo diz aqui que estava“fisicamente longe”. De fato, encontrava-se preso em Roma, enquanto seusdestinatários estavam na antiga Frigia, numa cidade situada na região meridional daatual Turquia, ou seja, há uma distância de quase mil e quinhentos quilômetros em linhareta da capital do Império.Mesmo tão longe, porém, Paulo afirma estar presente “em espírito”. Isso significa que

em sua alma ele se via tão ligado aos colossenses que era capaz de se incomodar com os perigos que os ameaçavam, bem como se alegrar com o bom exemplo que estavamdando.[13]  A expressão “em espírito” é usada por Paulo também em 1Coríntios 5.3,onde ele trata de um caso de excomunhão na igreja de Corinto. Ali, o apóstolo mostraque, mesmo estando fisicamente longe, sua participação no ato de disciplina era ativa edecisiva (1Co 5.4), o que sugere que, ao falar de sua presença “em espírito”, Paulo podeter em mente também seus deveres e sua autoridade que alcançam as igrejas mesmoquando ele não se encontra junto delas em corpo.Estando assim ligado aos crentes de Colossos, o apóstolo era capaz de se alegrar aoverificar que eles estavam “vivendo em ordem”, ou seja, estavam observando umaconduta regrada e disciplinada na igreja, longe de anarquia, confusão e bagunça (1Co14.23,40). Além disso, Paulo também estava contente com a firmeza na fé que aquelescrentes estavam demonstrando, mesmo sob o ataque dos falsos mestres.[14] Ao que sevê, havia naqueles cristãos notável solidez doutrinária, de modo que a heresia, mesmoestando a rodear os crentes ou mesmo influenciando talvez um ou outro círculo (2.20-22), não tinha conseguido conquistar a igreja, dado o apego dos irmãos ao ensino queaprenderam do apóstolo.É bom destacar que a parte final do v. 5 consubstancia o que há de mais desejável numaigreja cristã: ordem no funcionamento e firmeza na Sã Doutrina. A ausência de qualquer 

desses elementos favorece a propagação do erro e facilita a infiltração do inimigo noarraial do povo de Deus.

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 [1]  Veja-se o uso dessa figura em Hebreus 12.1, onde o autor exorta os crentes a

 participar da “corrida” cristã com “perseverança”. [2]  Obviamente, a própria Carta aos Colossenses é evidência disso. Como vistoanteriormente (Veja-se “Aspectos Introdutórios”) Efésios, Filipenses e Filemomtambém foram escritas quando o apóstolo estava detido em sua primeira prisão emRoma. É por isso que essas cartas recebem a designação de “Epístolas da Prisão”. [3]  Alguns críticos acreditam que essa carta de Paulo aos crentes de Laodiceia é amesma que hoje conhecemos como Epístola aos Efésios.[4] Essa é a opção de São Jerônimo, constante da Vulgata. Veja-se esse uso do verboem Atos 9.22 e 1Coríntios 2.16.[5] Veja-se a explicação do termo “mistério” no comentário a 1.26-28. [6] Para uma análise mais detalhada, veja-se IRINEU DE LIÃO. Contra as heresias.

Livro 1 (Caps. 6-8). São Paulo: Paulus, 1995. p. 47-52.

[7]  Na obra citada na nota anterior, Irineu, famoso bispo de Lião no século II, assim sereferiu ao grupo denominado pneumáticos: “Como o ouro lançado na lama não perde o

 brilho e conserva a sua natureza sem que a lama o prejudique em nada, assim, dizemeles, podem estar misturados com qualquer obra hílica [i.e., corruptível] que nãosofrerão dano nenhum, nem perderão sua substância pneumática”. (IRINEU DE LIÃO.Contra as heresias. Livro 1 [6:2]. São Paulo: Paulus, 1995. p. 48.).[8]  Basicamente, a “sabedoria e o conhecimento” dos gnósticos abrangiam doutrinasligadas à origem do mundo, à natureza do homem e das coisas (especialmente damatéria em contraposição ao que é espiritual), à forma de se dissociar do mal e se

aproximar de Deus e ao destino final do ser humano e do universo. O ensino apostólicomostra a verdade sobre cada um desses temas, interpretando-os à luz da Pessoa e obrade Cristo (1.15-22). É por isso que Paulo diz que “nele estão escondidos todos ostesouros da sabedoria e do conhecimento”. [9] O grego clássico ou arcaico foi o usado entre os séculos VIII e IV a.C.[10] Tiago mostra que é possível alguém agir assim consigo mesmo (Tg 1.22).[11] IRINEU DE LIÃO. Contra as heresias. Livro 1, 8:1. São Paulo, Paulus: 1995. p.52-53. [12] Outro método de enganar associado a esse era o uso da bajulação (Rm 16.18).[13] É possível haver aqui também a sugestão remota de um sentimento de afeto cheiode saudade (1Ts 2.17).[14]  As informações sobre a situação da igreja colossense foram certamentetransmitidas a Paulo por Epafras (Veja-se 1.7-8). 

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Colossenses 2.6-12 - Um Alerta Fundamentado na Suficiência de Cristo

Paulo disse no v. 5 que se alegrava pelo fato dos crentes de Colossos estarem firmes nafé. Conforme visto, isso significa que eles mantinham um forte apego ao evangelho quelhes fora pregado pelo apóstolo. Basicamente, os colossenses tinham crido em Cristocomo o Filho de Deus encarnado (Hb 2.14) que, vindo ao mundo, morreu pelos nossos

 pecados e ressuscitou para a nossa justificação (Rm 4.25). Era essa a mensagem a queeles estavam fortemente arraigados.O v. 6 traz em seu início a palavra “portanto”, tradução de um termo grego geralmenteusado no sentido inferencial. Assim, é como se Paulo começasse o novo parágrafo coma palavra “conseqüentemente”, ligando esse trecho ao v. 5. O apóstolo está como quedizendo: “Vocês abraçaram firmemente a fé (v. 5), conseqüentemente... (v. 6)”. Aseguir, contudo, Paulo não diz de pronto quais são as conseqüências esperadas dessa fé.Em vez disso, ele se refere a ela novamente, usando, porém, outras palavras, ou seja, ele

afirma que os seus leitores haviam recebido Cristo Jesus. Dessa forma, Paulo identificao crer com o receber , fazendo o leitor cristão moderno se lembrar fatalmente de João1.12.Essa identificação do crer  em Cristo com o receber  Cristo é fundamental para acompreensão da natureza da fé salvadora. A fé que salva não é a mera adoção de umconjunto de proposições doutrinárias. Não se constitui no simples assentimentointelectual que acolhe e repete mecanicamente as teses principais da teologia cristã.Tampouco consiste numa opinião positiva sobre Cristo e seus ensinos.[1]  Não! Crer emCristo no sentido salvífico é recebê-lo.

 Não há dúvida de que o verbo usado aqui por Paulo e traduzido como “receber” tem osentido de aceitar o que foi dito sobre Cristo.[2] Porém, é muito intensa também a idéiade unir-se a ele. Na verdade, o sentido de associação é tão forte no verbo empregadoaqui que algumas vezes ele é usado para se referir ao ato de desposar uma mulher, ouseja, “recebê-la” como esposa (Mt 1.20,24). Desse modo, o conceito de fé salvadora não se esgota numa resposta cerebral positivaao que o evangelho ensina. Ainda que isso a componha, a fé que salva vai além e semanifesta numa disposição interior de unir-se a Cristo, de entregar-se como uma esposaa ele, passando a lhe pertencer por toda a vida.Ao fim do v. 6, Paulo aponta o que deve vir logo depois do crer. O texto diz:“continuem a viver nele” ou, literalmente, “andem” nele. O sentido presente aqui denotao viver sob a autoridade e a influência de Cristo (1.10). Trata-se de uma construçãosemelhante a que se encontra em Gálatas 5.16, onde a idéia é claramente a de sujeiçãoao domínio do Espírito Santo.O crente deve andar em Cristo porque, conforme Paulo recorda no próprio texto, CristoJesus é “o Senhor”, ou seja, ele é o Deus soberano. A menção do senhorio divino deJesus aqui não é incidental. Paulo o destaca com o fim de desfazer os falsos conceitosde Cristo que estavam sendo disseminados na região de Colossos, os quais definiamJesus como mais uma das emanações de Deus, ou seja, um anjo entre outros.[3] Essa

cristologia reducionista desencorajava a fé e desmotivava a sujeição a Cristo, sendo

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necessário remover qualquer sombra dela da mente da igreja, a fim de que suaobediência e devoção ao Salvador fossem completas.

 No v. 7, o apóstolo ensina que o andar em Cristo deve ser assinalado por constânciainabalável. De fato, segundo ele os crentes deviam estar “enraizados” no Senhor, ouseja, deviam criar profundas e fortes raízes de fidelidade, dependência e sujeição a ele.Além da figura extraída do contexto agrícola, Paulo reforça a idéia de solidez usando alinguagem própria da construção civil. Ele diz: “edificados nele”. O termo usado aqui,além de sugerir a permanência firme sobre um alicerce, comporta também a noção dedinamismo, ou seja, a imagem de uma edificação que cresce (At 20.32; Jd 20-21).Assim Paulo faz nesse trecho uma referência ao crescimento espiritual que decorre dasólida comunhão com Cristo (1Pe 2.4-5).Disso tudo se depreende que o verdadeiro andar no Senhor implica perseverança ecrescimento. O crente que vive nele tem a firmeza de uma grande árvore cujas raízes

 profundas a prendem fortemente ao solo bom. Esse crente também tem sua vida

espiritual construída sobre o sólido alicerce que é Cristo, ou seja, sobre a constantecomunhão com ele. Essa comunhão promove crescimento no conhecimento da verdadee na santificação.Paulo acrescenta a isso tudo a expressão “firmados na fé”. O particípio usado aquimantém a noção de permanência presente em todo o v. 7. Trata-se de uma advertência

 para que os colossenses retivessem o conjunto de verdades doutrinárias que tinhamaprendido de Epafras (1.7,23). Isso fica claro por meio das palavras “como foramensinados”. Mais uma vez o apóstolo encoraja os seus leitores a rejeitarem o ensinonovo e fraudulento que se espalhava pelo vale do rio Lico e os admoesta a perseverar 

com vigor nas doutrinas verdadeiras que lhes foram entregues no início (1Tm 4.16; Hb13.9; 2Jo 9; Jd 3).A última cláusula do v. 7 mostra que o real andar em Cristo, com suas marcas de

 perseverança, crescimento e apego à sã doutrina, deve também ser assinalado por transbordante gratidão. Sob o senhorio de Cristo, em crescente comunhão com ele eabraçado fortemente às verdades da sua Palavra, o crente é capaz de desenvolver umanoção mais clara da imensidão da graça que lhe foi dada. Assim, ele deve se empenhar 

 para que a murmuração, as queixas e as frustrações cedam lugar à imensa gratidão quedecorre da percepção de quem Cristo realmente é, do que consistiu sua obra de salvaçãoe do privilégio que representa ter sido alcançado por ele.O verbo que Paulo usa para se referir à gratidão e traduzido aqui como transbordar aponta para algo que progride e que vai além do suficiente. O apóstolo fala, assim, deuma gratidão rica, nutrida pelo homem que conhece as riquezas de Cristo (2.3).Movido pelo desejo de que os colossenses revelassem firmeza na fé, Paulo os exorta aficarem atentos para que ninguém os escravizasse com falsos ensinos (v. 8). Ele osadmoesta para que “tenham cuidado”! O imperativo usado por Paulo aqui tem o sentidofigurado de manter os olhos da mente bem abertos, discernindo as coisas e percebendo oque é perigoso. Num mundo em que a verdade está constantemente sob ataque, essa é a

 postura que o crente deve adotar em todo o tempo.

Os falsos ensinos acerca dos quais Paulo alertava os colossenses eram “filosofias vãs eenganosas”, ou seja, tratavam-se de sistemas de pensamento vazios que, além de serem

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incapazes de produzir qualquer efeito salutar na vida das pessoas, também as confundiae ludibriava. Essas filosofias tinham como base meras “tradições humanas”, ou seja,idéias e práticas inventadas por homens e por eles entregues aos outros.[4] De fato, os mestres gnósticos, desde o início, se gabavam de serem detentores dedoutrinas e fórmulas secretas que transmitiam aos seus seguidores e iniciados. Noséculo 2, eles diziam que seus ensinos haviam sido revelados por Jesus a um círculoreduzido de discípulos e que estes receberam ordens de transmitir tais segredos somentea quem julgassem dignos. Sabe-se, porém, que os “mistérios” dos mestres gnósticos não

 passavam de imitações mal elaboradas de sistemas filosóficos helenistas, de mitos pagãos grosseiros e de histórias de comediógrafos gregos antigos como Homero.[5] Paulo percebera, já nas origens desse sistema enganoso, que ele não ia além deinvenções da mente sem Deus, transmitidas por promotores da mentira que tentavamexplorar os que lhes davam ouvidos (1Tm 6.3-5; 2Pe 2.1-3). Nesse sentido, umverdadeiro abismo se abria entre as fantasias da gnose e a doutrina cristã, pois esta não

consistia de fábulas e havia se originado no próprio Deus (1Co 2:7-13; Gl 1.11-12; Ef 3.3-5; Cl 1.26-28; 2Pe 1.16, 21).A filosofia que ameaçava os colossenses também se baseava nos “princípioselementares deste mundo”. Essa expressão é usada em Gálatas 4.3,9-10 para se referir auma forma de religiosidade que impunha a observância de regras judaicas aos crentes.Em Colossenses os “princípios elementares” também estão associados à rigorosaobediência de normas (Cf. 2.16,20-21), e é por isso que Paulo alerta seus leitores nosentido de que ninguém os escravize. Porém, é possível ir além e detectar o que subjaziaas severas exigências do sistema gnóstico.

O pensamento helenista, em várias de suas manifestações, abrigava a idéia de queinúmeros seres espirituais habitavam a atmosfera ao redor da terra. Esses seres eramconsiderados os senhores da criação, os elementos ( stoicheia) dominadores do universoque, controlando os astros, eram capazes de determinar o destino dos homens. Segundoessas concepções, para se verem livres das fatalidades impostas pelo movimento dasestrelas, as pessoas deviam honrar as divindades padroeiras dos corpos celestes. Issonão somente as salvaria de um destino mau, mas também as ajudaria a progredir no

 processo de livramento da prisão da matéria. O modo como essas entidades espirituais podiam ser honradas abrangia a adoração expressa (2.18) e o rigor ascético que tambémtraria purificação ao devoto.É bem possível que esses fatores marcavam o jovem gnosticismo que se espalhou pelovale do Lico nos dias de Paulo. Vendo, assim, que a igreja estava sendo ameaçada por mitos tão grosseiros, o apóstolo insistiu que somente Cristo é o Senhor das coisascriadas, tanto visíveis quanto invisíveis (1.15-16), devendo ele só ser honrado, o que ocristão deve fazer recusando qualquer modelo de pensamento que se baseie em fantasiasda mente humana e que não tenha como fundamento a verdade do evangelhocentralizada em Cristo.O v. 9 fornece a base para a admoestação constante do versículo precedente. Pauloexorta os crentes a fugir de filosofias não centralizadas em Cristo porque nele “habita

corporalmente toda a plenitude da divindade”.

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Esse é um dos versículos mais importantes para a cristologia do Novo Testamento. A partir dele pode-se afirmar a união das naturezas divina e humana em Cristo, doutrinaconhecida como União Hipostática. Também com base nesse texto pode-se concluir quea “corporalidade” de Jesus não foi obstáculo para sua plena divindade. Essa verdade,sem dúvida, foi a que Paulo quis transmitir especialmente aqui, pois a heresia que se

 propagava na região de Colossos a contrariava em vários aspectos.É impossível traçar os contornos específicos do gnosticismo dos dias de Paulo. Aliás,em todas as épocas essa filosofia apresentou grande variedade de formas, sendo difícildefini-la de maneira precisa e completa. Seja como for, parece certo que o gnosticismosempre ensinou a existência de um ser perfeito, eterno e ingênito, mais tarde chamadode Protopai. Esse ser, da mesma forma que o sol emite seus raios, fez emissões queforam identificadas como anjos ou “poderes” espirituais. Cada uma dessas emissões ouéões carregava em si fragmentos da divindade. Assim, o ser perfeito e as entidades queele emitira formavam em conjunto a plenitude ou o  Pleroma da essência divina. Essa

essência jamais poderia habitar em um corpo físico, pois, conforme já dito, nacosmovisão gnóstica a matéria é má, uma vez que se originou da ignorância de um éon

emitido pelo “Protopai”.É fácil perceber que o v. 9 desmantela o sistema descrito acima em cada um dos seus

 pontos. Primeiramente, ao usar a expressão “nele”, Paulo aponta a exclusividade deCristo na participação da divindade, negando que os anjos se igualassem a ele nesseaspecto. Paulo descreve essa participação usando o verbo “residir”. A habitação de quePaulo fala aqui não é a mesma de que desfrutam os crentes (Jo 14.23; 1Co 3.16). A

 própria heresia que Paulo combate fornece o pano de fundo para a compreensão correta

da natureza dessa habitação, a saber: Cristo, e não os anjos, tem substância divina.A exclusividade do Senhor Jesus na participação da essência de Deus recebe realceainda maior quando o Apóstolo usa a expressão “toda a plenitude”. Ao contrário do queensinavam os falsos mestres, o  Pleroma divino não estava fragmentado e espalhadoentre as diferentes entidades espirituais. Antes, em sua inteireza estava concentrado emCristo e nele só. A expressão que Paulo usa é enfática. Nenhuma fagulha sequer dedivindade é deixada aos poderes espirituais. Nesse ponto é preciso destacar que o que“habita” em Cristo é a essência da divindade e não apenas qualidades divinas. Paulo falaaqui do estado de ser Deus, o que vai além de afirmar simplesmente que Cristo tinhaatributos divinos.[6] 

 Novo golpe desferido contra o gnosticismo vem por meio da palavra “corporalmente”.Através desse termo, Paulo rechaça o conceito de Cristo que o definia como umaentidade espiritual travestida de um corpo aparente (2Jo 7). Sua corporeidade era real(1Jo 4.2), o que o tornou autêntico participante da natureza humana e viabilizou suaobra substitutiva (Rm 8.3; Hb 2.14-15). Ademais, seu contado máximo com aconcretude da matéria ocorrido no fato da encarnação, em nada o corrompeu,

 permanecendo a essência da divindade intacta e completa nele (Jo 1.14), o que deveestimular a devoção do crente ao seu Senhor feito carne.

 No v.10 Paulo se volta para a condição do homem que está ligado a Cristo. Os gnósticos

se jactavam entre si dizendo que pertenciam a uma classe especial de pessoas.Conforme dito acima (veja-se o comentário a 2.3), os mestres posteriores dessa heresia

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se apresentavam como perfeitos e diziam até que era impossível que se corrompessem,independentemente das obras que praticassem. Eles arrogavam para si não somente o

 privilégio de terem um conhecimento pleno dos mistérios de Deus, mas também deserem portadores de uma substância “pneumática” que os situava na mais alta classe dehomens.É bem possível que já nos dias de Paulo, os doutores da mentira dissessem coisas muitosemelhantes, apodando os crentes comuns de pessoas inferiores a quem faltavam essesaltos benefícios espirituais. O apóstolo, portanto, ataca essas idéias no v. 10. Ele negaque os conhecedores da falsa gnose sejam homens aperfeiçoados. Segundo Paulo, oscristãos é que o são. Somente os crentes “receberam a plenitude” e isso por “estaremnele”, isto é, em Cristo.Isso significa que os cristãos não são perfeitos em si (como os gnósticos diziam acercadeles próprios), mas por estarem ligados a Cristo desfrutam de salvação completa e têm,de forma plena, a totalidade dos recursos de que precisam para crescer em santidade.

Assim, eles não precisam seguir filosofias vãs, nem tradições humanas, nem tampouconormas aparentemente piedosas (v. 8), pois bebem da fonte verdadeira de sabedoria eredenção (1Co 1.30). Pelo fato de em Cristo habitar a plenitude de Deus (v. 9), e pelofato de estarem unidos a ele, tudo de que os cristãos precisam para a vida e a piedadeestá à sua disposição (2Pe1.3). Em Cristo, pois, eles desfrutam da condição perfeita desalvos e podem crescer no rumo da plena santidade (Fp 1.6). Estando “enraizados eedificados nele” (v. 7), nada lhes falta para a salvação ou para a santi ficação da vida. Énesse sentido que os crentes estão aperfeiçoados.A prova de que a totalidade dos recursos espirituais está concentrada em Cristo, em vez

de se encontrar esparsa entre anjos ou outras entidades, como diziam os falsos mestres,está no fato de que Cristo é a cabeça de todos os seres angelicais. Os termos usados por Paulo (Tb. em 1.16 e 2.15) sugerem a idéia de entidades detentoras de destacadaautoridade (pode também ser traduzido como “principado”) e poder (também vertido

 para o português como “potestade”). Cristo, porém, está acima delas (Mc 1.13; Ef 1.20-21; Hb 1.3-8,13; 1Pe 3.22), reunindo em si toda a plenitude de Deus e dispensando anecessidade do homem buscar benefícios espirituais em outros seres como faziam oshereges (2.18).Ao que tudo indica, elementos do judaísmo também compunham a heresia colossense(Veja-se 2.16 e 3.11). Geralmente os proponentes do cristianismo judaizante revelavamum forte apego á circuncisão como fator crucial até mesmo para a salvação (At 15.1-5;Gl 5.2-3,6; 6.13-15) e é bem provável que essas idéias se mesclassem com as vãsfilosofias ensinadas pelos hereges na região do Vale do Lico.Em face disso, Paulo explica a seus leitores que eles já tinham sido circuncidados (v.11;Fl 3.3). A circuncisão dos cristãos, porém, não fora realizada por homens, como era ocaso da circuncisão judaica. Antes, tratava-se de uma intervenção sobrenatural de Cristona vida dos que haviam crido nele.De que consiste a circuncisão de Cristo? Paulo ensina que ela é “o despojar do corpo dacarne”. O termo usado aqui sugere tanto despojar , no sentido de remover ou despir 

(3.9), como desarmar , isto é, espoliar um inimigo, privando-o de suas armas (2.15). Notexto, o segundo sentido é o mais adequado. O que foi espoliado foi o corpo da

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carne[7], ou seja, a natureza pecaminosa do homem que o mantém escravizado sob odomínio do pecado (Rm 6.17-22) e morto em suas transgressões (v.13; Ef 2.1-5). Essanatureza não foi inteiramente removida (Rm 7.15-24), mas sofreu um golpe violento por ocasião da conversão do crente e perdeu, assim, o domínio sobre ele (Rm 6.14; 8.7-9).Esse milagre é também chamado de circuncisão do coração (Rm 2.28-29).O fenômeno da “circuncisão de Cristo” ocorreu a partir de um momento específico navida dos crentes de Colossos. Paulo diz que isso aconteceu quando eles foramsepultados com Cristo no batismo (v.12). O batismo de que o apóstolo fala aqui é acerimônia pública de iniciação cristã a que se submete o novo discípulo do Senhor (Mt28.19). Isso não significa que o rito batismal em si é capaz de “circuncidar o coração” emuito menos salvar alguém. Aliás, o próprio Paulo, escrevendo aos coríntios, deixatransparecer a irrelevância do batismo para a salvação (1Co 1.14-17). O que ocorre éque nos dias do Novo Testamento, uma vez que o batismo era ministrado no ato daconversão (At 2.41; 8.12, 36-38; 16.33, etc.), muitas vezes o rito exterior e o milagre da

nova vida, com todas as suas implicações espirituais (inclusive o amortecimento danatureza pecaminosa), eram apresentados como realidades simultâneas e interligadas(Rm 6.3-6; 1Pe 3.21). Não se deve, porém, atribuir ao batismo o que cabe somente àfé.[8] Ademais, o próprio versículo em análise destaca a fé como o meio através do qualo crente recebe vida nova, livre do domínio da carne.Paulo diz que na conversão/batismo os crentes foram sepultados e ressuscitados. EmRomanos 6.1-4, a dinâmica morte  –  sepultamento  –  ressurreição aplicada ao homemque crê no Salvador é explicada com mais detalhes. Ali o apóstolo ensina que a morte eo sepultamento do crente ocorridos no batismo, se deram em relação ao pecado, de

modo que não é admissível que o cristão viva sob o domínio da iniquidade que outroragovernou sua vida (Rm 6.1-3,6). Ademais, depois de ter sido morto e sepultado, ocrente ressuscitou para uma nova vida, marcada pela consagração a Deus (Rm 6.4),sendo seu dever empenhar-se por ajustar sua conduta a essa nova realidade (Rm 6.11-13; Cl 3.1-3).[9] Tanto em Romanos como no texto em análise, o apóstolo afirma que o sepultamento e aressurreição dos crentes ocorreram  juntamente com Cristo. Isso aponta para a

 participação dos cristãos nos benefícios oriundos da morte e ressurreição do Senhor. Defato, quando crê no evangelho, o homem se une de tal forma a Cristo que a morte de seuSenhor passa a ser também a sua morte, e a vida dele torna-se também a sua vida (Gl2.20). Essa união do crente com Cristo em sua morte e ressurreição lhe garante tanto olivramento do pecado no presente (Rm 6.6-7; Cl 2.13) como a glorificação futura (Rm6.5,8).O v.12 termina destacando a fé como o instrumento mediante o qual Deus concedeuvida ao crente. Este ressuscitou mediante (através de) a fé que teve como objeto o poder de Deus. De fato, a aceitação do evangelho que, nos pontos principais da suamensagem, agride os olhos da razão carnal (1Co 1.18), impõe a necessidade de crer naonipotência divina. O aspecto dessa mensagem que Paulo destaca como ligado ao poder de Deus é a ressurreição do Senhor. Certamente ele aponta esse componente da

 pregação cristã a fim de repudiar o ensino dos mestres gnósticos que, reputando a

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matéria como má, rejeitavam a verdade de que Cristo havia se levantado da sepulturanum corpo físico (Lc 24.39; 1Co 15.12).

[1] As Escrituras fornecem exemplos da fé incapaz de salvar em João 2.23-25 e 12.42-43. Esse tipo de fé pode produzir algum grau de comprometimento. Isso, porém, étemporário (Lc 8.13).[2] Em João 1.12, o verbo usado é uma forma ligeiramente diferente. A forma idêntica aque Paulo usa em Colossenses 2.6, porém, está presente em João 1.11.[3] Veja-se uma forte refutação dessa heresia em Hebreus 1.5 – 2.18.[4] A palavra “tradição” tem o sentido de algo que foi entregue. [5]  Para uma análise mais precisa dessas informações, veja-se IRINEU DE LIÃO.Contra as heresias. Livro I, 25:5 e 30:14; Livro II, 14. São Paulo: Paulus, 1995.[6]  Veja-se a importante distinção entre os termos gregos apresentada em THAYER,Joseph H. Greek-English lexicon of the New Testament. Grand Rapids, Michigan: Baker 

Book House, 1984. A primeira palavra, usada em Colossenses 2.9, denota essência. Asegunda se refere a atributos ou qualidades (Rm 1.20).[7] Em Romanos, Paulo usa expressões semelhantes, ou seja, “corpo do pecado” (Rm6.6) e “corpo desta morte” (Rm 7.24). Ambas se referem à natureza pecaminosa a que oapóstolo alude no texto em análise através da expressão “corpo da carne”. [8]  A frase “Quem crer e for batizado será salvo” (Mc 16.16) pertence ao final

 prolongado de Marcos (16.9-20) e, por não constar de dois dos principais manuscritosdo NT, deve ser acolhida com cautela. Por outro lado, mesmo que esse texto sejarecebido como autêntico, não é correto entendê-lo como prova de que o batismo é

necessário à salvação. O que Marcos 16.16 ensina, na verdade, é que a fé salvadora é afé comprometida, do tipo que leva quem a tem a se batizar (Assim também em Atos2.38). É como se o texto dissesse: “Quem crer com uma fé pública, assumida ecomprometida, o que é demonstrado através do batismo, será salvo”. A Bíblia mostraque há um tipo de fé que não é assim, sendo antes marcada pela covardia, peladissimulação, pela timidez e pela ocultação. Essa “fé” não deve ser confundida com averdadeira fé salvadora (Jo 12.42-43).[9]  A prática do batismo por imersão se sustenta, entre outras coisas, sobre essaassociação que Paulo faz entre o rito e a morte/ressurreição do cristão. Os imersionistasafirmam que o mergulho total do crente na água preserva melhor o simbolismo dosepultamento, enquanto o levantar-se após a imersão transmite de modo perfeito a idéiade ressurreição também simbolizada no rito.

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Colossenses 2.13-15 - Vida, Perdão e Vitória

Descrever a nova e privilegiada condição dos crentes de Colossos foi um dos meios quePaulo usou para estimulá-los a fugir das doutrinas falsas que lhes estavam sendo

 propostas. O Apóstolo sabia que se os cristãos tivessem uma noção clara de sua realidentidade e condição, jamais se preocupariam em buscar os supostos benefíciosoferecidos pelos gnósticos aos iniciados em seus mistérios.Assim, o v. 13 apresenta uma dinâmica do tipo “antes e depois”, ressaltando a situaçãodos colossenses nos tempos da incredulidade e apontando os privilégios de que

 passaram a participar quando acolheram a mensagem do evangelho. Nos dias de suaignorância eles “estavam mortos em pecados” (Ef 2.1). A figura evoca o estadoespiritual deplorável e de crescente degeneração em que se encontra o homem separadode Deus. Ele se decompõe moralmente em meio às suas transgressões. A palavratraduzida aqui como “pecados” sugere a idéia de desvio.[1]  De fato, os incrédulos

apodrecem espiritualmente enquanto se desviam mais e mais dos caminhos que oSenhor aponta como retos e verdadeiros.A condição lastimável dos colossenses não era decorrente apenas de seus tropeços edesvios. Eles também tinham estado mortos em virtude da “incircuncisão da sua carne”.Ao mencionar os pecados deles, Paulo se referiu a atos de desobediência. Agora, elefala de um estado permanente de rebelião. Ao usar a expressão “incircuncisão da suacarne”, o Apóstolo se refere à natureza não regenerada que domina a vida dosincrédulos, determinando continuamente seus anseios, decisões e comportamento (Rm7.5).

A carne, isto é, a natureza que há no homem inclinada para o mal (Rm 8.5-8), precisaser “cincuncidada” por Cristo para que o domínio das paixões carnais sobre o ser humano tenha fim. Conforme já visto no comentário ao v. 11, essa circuncisão consistede um enfraquecimento da inclinação que o homem tem para o pecado, de tal modo queela não mais reine na vida de quem recebeu o Salvador (Rm 6.6,17-18). Os colossensestinham sido outrora incircuncisos de coração. Isso agravara ainda mais seu estado demorte, acelerando o processo de putrefação moral a que estavam sujeitos.É preciso destacar ainda que a ausência da circuncisão espiritual não significarasomente o domínio da natureza pecaminosa na vida dos colossenses. Considerando osentido da circuncisão no Antigo Testamento (Gn 17.10-14), ser incircunciso implicavaestar separado do povo de Deus, fora da aliança com ele e, consequentemente, longe das

 promessas constantes dessa mesma aliança (Ef 2.11-12). Essa condição de “estranho” para Deus também compõe o retrato do cadáver espiritual.Depois de falar sobre a deplorável condição espiritual dos cristãos de Colossos aotempo de sua incredulidade, o v. 13 menciona uma série de ações salvíficas de Deus emfavor deles. Primeiramente é dito que Deus os vivificou com Cristo. A participação docrente na vida ressurreta do Senhor já foi mencionada no v. 12 (veja-se comentário

 supra). Paulo continua destacando que, assim como Cristo superou a morte, os crentes,desde o dia em que o receberam, se uniram a ele e passaram a experimentar, desde já, o

 poder da vida ressurreta (Fp 3.10), manifesta, na prática, numa vida que não se sujeitaao domínio do pecado (Rm 6.11-12).

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A segunda ação salvífica que o Apóstolo menciona é o perdão de Cristo. No momentoda conversão foram perdoadas “todas as transgressões” dos colossenses (v. 13 in fine).Aqui aparece novamente o termo usado para descrever o pecado como desvio (Veja-se

nota 1). Paulo diz que todos os descaminhos que os colossenses trilharam receberam aabsolvição de Deus. O verbo traduzido aqui como “perdoar” encerra a noção de

 benevolência gratuita, oferecida livremente (Rm 8.32; Fp 1.29). O perdão de Cristo foi,assim, gracioso. Esse ensino paulino conflitava com as doutrinas dos falsos mestres queimpunham aos crentes um minucioso conjunto de preceitos ascéticos como meio deobtenção de pureza espiritual (2.20-23).O v. 14 fala de um terceiro ato divino em prol da salvação dos crentes. O texto diz queCristo “cancelou a escrita de dívida”. Essa expressão se refere a um documento denatureza comercial, um tipo de nota promissória, que consubstanciava a dívida quealguém tinha obrigação de pagar. A idéia óbvia presente em todo o quadro é de Deuscomo credor do homem que, diante dele, se apresenta sempre como devedor 

inadimplente.A dívida do homem para com Deus “consistia em ordenanças”. Evidentemente, Paulofaz alusão aqui à Lei Mosaica com seus rigorosos preceitos morais e cerimoniais.Consistindo a dívida de mandamentos tão rígidos, a obediência perfeita a cada um dosseus itens era a única moeda através da qual o débito do homem com Deus poderia ser saldado. É claro que um montante tão alto não podia ser pago pelo ser humano (At15.10). Daí a afirmação de Paulo de que essa escrita de dívida “nos era contrária”.

 No início do v. 14 é dito que essa dívida foi cancelada (apagar, remover ou eliminar).Em seguida, Paulo diz que o título de dívida foi removido. Desta vez, ele usa outro

verbo, cujo significado básico é tirar ou tomar algo e levá-lo embora. Em ambos oscasos, é óbvio que o ensino dominante é que a Lei foi abolida, uma doutrina comum nosescritos paulinos (1Co 9.20; Gl 3.19, 23-25; Ef 2.14-15).Existe uma viva controvérsia no meio teológico acerca de qual aspecto do CódigoMosaico foi cancelado. Esse debate tem produzido interpretações forçadas, como a quediz que a referida remoção só foi aplicada aos preceitos veterotestamentários denatureza cerimonial, sendo mantida a vigência das normas morais. O ensino de Paulo,contudo, não aponta para essas distinções. Na verdade, nos textos em que o Apóstolodiz que o crente está livre das normas mosaicas, ele dá claras evidências de que temmandamentos morais em mente. Isso se verifica em toda a Carta ao Gálatas, onde Paulofala do fim da Lei (Gl 3.23-25), fazendo constantes referências aos seus aspectos tantoéticos (e.g., Gl 3.12) quanto litúrgicos (e.g., Gl 4.10-11; 5.3). Romanos 7.6-7 e2Coríntios 3.7-11 também são textos que falam do cancelamento da Lei destacando seulado ético.O que foi dito acima pode conduzir o estudante apressado a virar as costas para a belaconduta proposta nos escritos de Moisés e em todo o Velho Testamento. Isso, porém,seria uma trágica temeridade. O cristão deve aprender que a revogação da Lei nãoimplica anomia (Rm 6.15). Na verdade, o ensino de Paulo é que, mesmo estando livreda totalidade da norma mosaica, o crente, sendo transformado por Deus em seu interior,

é induzido e capacitado pelo Espírito que nele habita a cumprir a justiça que há na Lei(Rm 8.3-4; Gl 5.18; Hb 8.10-12). Desta vez, porém, estando sob uma Nova Aliança, ele

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não fará isso como escravo, e sim como filho, com um coração inclinado à sujeição,numa obediência livre e voluntária (Rm 7.4-6; Gl 4.4-7).O quarto e último ato salvífico é mencionado por Paulo no versículo 15: Cristodespojou os poderes e as autoridades. Esses dois termos são basicamente sinônimos eapontam para alguém que ocupa um posto de comando ou um lugar de preeminência.Paulo os utiliza em suas cartas para se referir a anjos (Rm 8.38: Ef 1.20-21; 3.10),inclusive os maus (1Co 15.24; Ef 6.12), como é o caso no texto em análise.Em 1.16, o Apóstolo afirmou que Cristo é o criador dessas entidades, e em 2.10declarou sua perfeita supremacia sobre elas (Veja-se comentários  supra). Agora Pauloensina que, no tocante aos poderes e autoridades malignos, o Senhor, quando foi

 pregado na cruz, os “despojou”, isto é, removeu algo que tinham.[2]  Não há precisão notexto quanto ao objeto de que os anjos maus foram privados quando Cristo foicrucificado. Parece, contudo, óbvio que Paulo tem em mente aqui a perda do domínioque essas entidades espirituais tinham sobre as pessoas.[3] Aliás, em 1.13-14 é evidente

que a redenção realizada por Cristo em prol dos crentes implicou também na sualibertação do império das trevas.Assim, a crucificação de Cristo cujos contornos exteriores podem inspirar noções dederrota foi, na verdade, uma vitoriosa ação militar realizada no campo espiritual. Nessaação, o divino General atacou seus inimigos e de certa forma os golpeou, removendo osmuros que tornavam possível o seu domínio sobre os homens e impediam o acesso aDeus.[4]  No Calvário, portanto, ao pagar o preço do pecado humano, Cristo fez comque os principados e as potestades do mal perdessem força. De fato, a cruz foi como umaríete que abriu uma grande brecha nas muralhas do império das trevas, possibilitando

que a humanidade fugisse de seus malignos dominadores e, redimida pela fé, corresse para os braços do perdão do Pai (Hb 2.14-15).O v. 15 apresenta um quadro ainda mais vívido do magnífico impacto da cruz sobre os

 principados e potestades. Paulo diz que, além de despojá-los, Cristo “fez deles umespetáculo pú blico”. As palavras usadas pelo Apóstolo evocam o costume militar romano que consistia de conceder a um general vitorioso a glória de desfilar na capitaldo Império, conduzindo em correntes seus prisioneiros de batalha.[5] A humilhação dosinimigos é o aspecto específico do costume romano que Paulo tem em vista aqui. Écomo se a cruz tivesse sido a biga, o carro de batalha sobre o qual Cristo desfiloutriunfantemente à frente dos poderes demoníacos expostos ao vexame.Essa figura é cheia de significado. Ela indica que, ao livrar o homem por meio do seusangue, Cristo revelou que os anjos maus não eram detentores de todo poder, nemdignos de temor, adoração ou glória, nem tampouco senhores do destino humano comoos falsos mestres ensinavam em Colossos. A natureza libertadora da obra de Cristo nacruz demonstrou, assim, quão falaciosa era a crença gnóstica de que os diversos poderesespirituais tinham em suas mãos o controle de cada vida humana. De fato, ao buscar nacruz o homem perdido, Cristo tornou notória a verdade de que os espíritos maus sãoincapazes de dirigir o destino das pessoas, são fracos para se opor aos desígnios de Deuse são mentirosos quando se apresentam como deuses onipotentes que devem ser 

temidos e honrados. Vergonha, portanto, foi o que a cruz trouxe sobre eles, e o homemque foi liberto pela cruz ri das pretensões desses espíritos desmascarados, jamais

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 permitindo que o medo deles determine suas ações ou lance seu coração no labirinto dadúvida (1Jo 4.4; 5.18).

[1] A palavra também sugere a idéia de dar um passo em falso e cair para o lado. Emtodo caso, a noção que prevalece é a de alguém que está fora da vereda reta.[2] O verbo usado aqui pode significar “desarmar” ou simplesmente “despir” (3.9). Em2.11, a forma substantiva é usada no sentido de “espoliar” (Veja-se comentário supra).[3] É admissível também a idéia de que os principados e as potestades foram despojadosde qualquer honra que arrogassem para si. Sendo esse o caso, o culto gnóstico, com suaveneração aos anjos (2.18), perde completamente o sentido.[4] A derrota completa de Cristo sobre esses poderes espirituais está reservada para ofim, mais precisamente para algum momento no tempo que seguirá a ressurreição dos

 justos (1Co 15.24).[5]  A mesma figura é usada em 2Coríntios 2.14, porém com o objetivo de mostrar 

Cristo vitorioso, conduzindo o povo que conquistou para si.

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Colossenses 2.16-23 - Regras Inúteis

As ações salvíficas que Cristo realizou em prol dos crentes têm desdobramentosvivenciais. Tendo sido vivificados, perdoados e libertos tanto da dívida que constava deordenanças como do império dos anjos do mal, Paulo destaca que qualquer regralegalista imposta agora sobre os salvos não tem qualquer sentido, uma vez que sujeitá-los a tais normas seria o mesmo que colocá-los sob nova escravidão. Querendo, pois,apontar as implicações do ensino que acabou de expor, o Apóstolo, no v. 16, usa otermo “portanto”. Seu uso indica o desfecho do pensamento apresentado anteriormente,ou seja, o que decorre daquilo que acabou de dizer.Com efeito, para Paulo, em decorrência do livramento que provaram, os cristãos nãodeveriam deixar que ninguém os julgasse pelo que comiam ou bebiam, nem tampoucoem relação a festas, celebrações ou dias supostamente sagrados como o sábado. Essaadmoestação do Apóstolo mostra que, conforme já destacado na análise de 2.8, o

gnosticismo que se alastrava na região de Colossos trazia nítidos elementos do judaísmolegalista. Além disso, no v. 20, a expressão “princípios elementares deste mundo”indica que aquele sistema filosófico-religioso abrigava também idéias oriundas do

 paganismo helenista, as quais acolhiam noções de livramento por meio da purificaçãoque, segundo criam, era decorrente do rigor ascético (Veja-se comentário a 2.8. Veja-seainda Gl 4.3, 8-11).O v.16 fornece exemplos das regras que o proto-gnosticismo, com seu fundo judaico ehelenista, impunha aos seus adeptos. O texto fala inicialmente de ataques contra o usode alimentos, apontando para as restrições que os falsos mestres faziam quanto a comida

e bebida. A Lei Mosaica havia imposto limites à dieta dos judeus, proibindo vários tiposde alimento (Lv 11) e o gnosticismo embrionário, ao que se vê, recepcionou esseaspecto da Lei.[1] Quanto a bebidas, o VT não fazia nenhuma restrição, mas é possívelque os proponentes do gnosticismo nascente, com seu rigor ascético, proibissem aingestão de qualquer líquido que produzisse prazer especial para os sentidos docorpo.[2] Paulo ensina que o crente não deve permitir que o julguem pelo consumo dessas coisas.Ao usar o verbo “julgar”, o Apóstolo tem em vista aqui a conclusão de um julgamentocuja sentença é desfavorável. Assim, ele insiste com os colossenses para que eles nãoacolham qualquer palavra que os condene por consumirem o que quer que seja. De fato,estão longe da fé cristã as proibições referentes a comida e bebida (Mc 7.18-19; Rm14.1-3,17; 1Tm 4.1-5).[3] Os cristãos também não devem ouvir ou acolher qualquer censura referente a guarda dedias especiais. Paulo alude a essa prática através de três expressões:  festividade

religiosa (Lit. “dia de festa”), celebração das luas novas (ou somente “lua nova”) e dias

de sábado. Todas parecem indicar a estreita relação entre a heresia colossense e algunselementos do judaísmo. De fato, o calendário judaico fixava datas descritas exatamentenos termos usados por Paulo no versículo em análise (Nm 10.10; 2Cr 8.13; 31.3; Sl81.3-4; Is 1.13-14)[4] e, ao censurar a observância desses dias, o Apóstolo não somente

se insurgiu contra a nova heresia que se desenvolvia no Vale do Lico, mas também

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revelou a independência do cristianismo em relação aos velhos moldes religiosos judaicos (Mt 9.14-17).Paulo explica a razão pela qual os crentes não devem se preocupar com censuras quandocomerem e beberem ou quando não guardarem dias especiais. Ele afirma que a dietarestrita da Lei Mosaica e as datas sagradas do calendário judaico são apenas “sombrasdo que haveria de vir” (17). Isso significa que todos esses aspectos exteriores da AntigaAliança devem ser considerados símbolos, meras imagens de uma realidade muito maisimportante, perene, clara e sólida. De fato, como a sombra de um corpo projetada na

 parede, o cerimonialismo judaico apresentava de forma pálida alguns contornos do queum dia seria plenamente revelado. Seu valor e propósito giravam em torno disso e,assim, sua razão de ser perdeu o sentido tão logo o que prefiguravam se manifestou.O versículo 17 diz qual é a realidade para a qual todas essas coisas apontavam. Se asrestrições alimentares e os dias sagrados eram a sombra, o corpo, diz Paulo, é de Cristo.

 Nele se encontra o cumprimento das verdades para as quais, de forma simbólica, as

determinações da Lei apontavam e, evidentemente, estando o cristão agora diante darealidade palpável, não há mais razão nenhuma para ostentar suas fracas projeções.Assim como as placas em uma rodovia perdem a utilidade para o automóvel que chegaao ponto que elas indicavam, da mesma forma, as prescrições exteriores da Lei a quePaulo alude no v. 16, perderam sua utilidade tão logo Cristo, aquele para quem taisnormas apontavam, se revelou ao homem.Com efeito, o advento do Senhor trouxe à luz inúmeras realidades prefiguradas na Lei.

 No tocante às restrições alimentares, não fica claro no NT para quais aspectos dadoutrina cristã isso apontava. Talvez uma relação entre essa forma de abstinência e a

verdade trazida à luz por Cristo possa ser encontrada considerando-se a Festa dos PãesAsmos. Nessa celebração era proibida a ingestão de qualquer comida com fermento (Ex23.15). Ora, à luz de 1Coríntios é notável que Paulo vê nisso um símbolo danecessidade de pureza na igreja. Pensando nessa festa, o Apóstolo ensina que a igreja deCorinto devia purgar sua comunhão de indivíduos que vivessem no pecado, lançandofora “o velho fermento” a fim de ser uma “nova massa” (1Co 5.6-13).A Festa dos Pães Asmos é exemplo não só do simbolismo de certas restriçõesalimentares, mas também do significado dos dias festivos e especiais que a heresiacolossense inutilmente tentava preservar. Ora, como é sabido, essa festa durava sete diase era celebrada pelos judeus imediatamente após a Páscoa, sendo, portanto, a longa festado povo agora redimido, liberto do jugo opressor do Egito. Tudo isso, como ensina otexto em análise, apontava para realidades que vieram à luz com o advento de Cristo e arealização de sua obra.A Páscoa, obviamente, com o sacrifício do cordeiro, prefigurava Cristo e seu sofrimentona cruz. Sua morte foi a verdadeira Páscoa, simbolizada pela antiga festa judaica, e

 promotora da real libertação, a redenção do jugo do pecado. Os que se beneficiaramdesse sacrifício e, pela fé, se alimentaram do Cordeiro de Deus (Jo 6.48-51),

 participaram dessa Páscoa verdadeira e singular. Por isso, agora celebram a festa quesucede a Páscoa, ou seja, celebram uma contínua Festa dos Pães Asmos, na qual não

deve haver lugar para o velho fermento do pecado.

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Logo, se o sacrifício de Cristo e a salvação que disso decorre eram simbolizados pelaPáscoa judaica, a nova vida dada por ele é simbolizada pela Festa dos Pães Asmos, acelebração que se prolonga por dias a fio, marcada pelo abandono da impureza. Foi issoo que Paulo ensinou quando escreveu: “Pois Cristo, nosso Cordeiro pascal, foisacrificado. Por isso, celebremos a festa [dos Pães Asmos], não com o fermento velho,nem com o fermento da maldade e da perversidade, mas com os pães sem fermento,com os pães da sinceridade e da verdade” (1Co 5.7b-8).Ainda no tocante a guarda de dias, Paulo ensina que também o sábado guardado pelos

 judeus deve ser visto pelos crentes como uma sombra que, com a chegada do corpo queé Cristo, se desfez totalmente. Ora, é evidente que a guarda do sétimo dia era umsímbolo do descanso que Deus inaugurou ao fim da criação (Gn 2.2). Esse descanso dotrabalho criador nunca mais teve fim, pois o Senhor o iniciou quando concluiutotalmente a obra de construção do universo e nada mais havia para fazer nesseaspecto.[5] Aliás, é curioso notar que todos os dias da criação são descritos em Gênesis

como tendo tarde e manhã (Gn 1.5,8,13,19,23,31) exceto o sábado (Gn 2.2-3). Isso foidestacado por escritores antigos como um indício de que o descanso de Deus é eterno,que o dia do seu repouso não tem noite, que nele a luz brilha para sempre.[6]ˉ[7] Era para esse descanso que a Lei Mosaica apontava ao exigir a guarda do sábado.Quando Cristo se manifestou, porém, o repouso de Deus prefigurado na observância dosétimo dia tornou-se de pronto acessível ao homem. De fato, Cristo disse certa vez:“Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes dareidescanso. Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, pois sou manso ehumilde de coração, e vocês encontrarão descanso  para as suas almas” (Mt 11.28-29).

As palavras de Jesus sugerem que as delícias do descanso celeste inaugurado,abençoado e santificado por Deus depois da criação do mundo podem ser desfrutadasem boa medida desde já e que esses benefícios se tornaram disponíveis graças àmanifestação do Filho de Deus, por meio de quem, os que vivem na terra podem provar,mesmo agora e pela fé, o fim do pesado jugo legalista (Jo 1.17; At 15.10; Gl 5.1) e asalegrias futuras do sétimo dia celestial (Jo 4.13-14; 1Tm 6.12). Por isso, é certo dizer que todos os que crêem em Cristo, vivem agora num sábado constante, marcado pelorepouso em Deus e pelo desfrute prévio e substancial da bem-aventurança que osaguarda na glória.O preceito mosaico acerca do sábado, porém, não apontava somente para o descanso

 prévio que o homem experimenta quando conhece o Salvador. A guarda do sétimo diaexigida na Lei também simbolizava a entrada do crente no próprio descanso de Deus, ouseja, o seu ingresso no repouso pleno e real que, desde o término da criação do universo,nunca terminou.Esse ensino é claramente exposto em Hebreus 4.1-11. Nesse texto é ensinado que aincredulidade (também descrita como “desobediência”, cf. Hb 3.18-19) é o fator impeditivo de entrada no prometido descanso de Deus (vv.1-3, 6). A passagem deHebreus também diz que esse descanso é associado ao dia em que o Senhor repousouapós o término de sua criação (vv.3-5) e afirma em seguida que o cumprimento presente

das promessas de Deus não satisfaz de forma plena a sua grandiosa promessa dedescanso completo feita aos fiéis (vv. 7-9). Segundo o texto, há, portanto, um repouso

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futuro e perfeito ainda aguardando o povo redimido (vv.9-10 – observe-se que no v. 9 a palavra traduzida como “descanso” ou “repouso” quer dizer literalmente “descansosabático”) e somente a fé que persevera (ou não desobedece) ingressará nesse sábadosublime e perpétuo (v.11).O sábado, assim, era uma sombra dessas coisas. Tratava-se, de fato, de uma ilustraçãoou um símbolo que apontava para Cristo, mais especificamente para o repouso de quehoje se beneficiam os que crêem nele, já que tais pessoas foram aliviadas no fardolegalista e podem experimentar agora uma porção do descanso celeste. O sábadotambém simbolizava o repouso futuro e perfeito a que se pode ter acesso pela fé emCristo, o repouso celeste no qual todo crente entrará em breve. Eis a razão pela qualPaulo não vê sentido no cristão observar a guarda ritualista e mecânica do sétimo dia.Para ele, quem já tem a realidade do símbolo não precisa mais se preocupar com osímbolo da realidade.Paulo prossegue em sua exortação estimulando os crentes a não concederem espaço em

sua vida para pessoas que, separadas de Cristo, se apresentavam como mestresdetentores de grande sensibilidade espiritual. Obviamente, ele tem como alvo aqui osdoutores do gnosticismo em formação que ameaçava contaminar as igrejas da região deColossos. No v. 18, Paulo descreve o modo de proceder desses falsos líderes religiosos,traçando um perfil surpreendentemente atual de todos os proponentes de doutrinasmentirosas.Se for seguida a ordem presente no texto grego, o Apóstolo primeiramente diz que os

 pseudo-profetas eram pessoas que consideravam os crentes indignos da salvação. Aexpressão “os impeça de alcançar o prêmio”, constante na NVI, é tradução de uma

 palavra apenas, ver  bo cujo significado pode ser tanto “privar” (o adotado pela NVI)como “decidir contra” ou “condenar” (ARA). Esses dois sentidos podem ser facilmenteconjugados, pois o verbo descreve, inclusive, a atuação do árbitro de uma competiçãoque, ao decidir contra um dos participantes, declara-o indigno de receber o prêmio.Assim, é provável que os mestres sectários de Colossos estivessem declarando que oscristãos, com a fé simples que adotavam, jamais receberiam a coroa da vitória. Como

 juízes numa disputa esportiva, eles como que diziam dos crentes: “Estes são os perdedores. Como árbitros decidimos que eles não fazem jus a nenhum troféu”.Paulo diz ainda que os doutores heréticos faziam isso se deleitando em algum tipocensurável de “humildade”. O adjetivo “falsa” não consta do texto grego (nemtampouco no v. 23, onde o substantivo aparece novamente), mas é evidente que tem-seem vista aqui uma “modéstia ostensiva”. Sem dúvida, adotando um modo de vidarepleto de privações (v. 21-23), os falsos mestres pretendiam transmitir aos homens aaparência de serem pessoas desprendidas, livres de qualquer apego aos bens e prazeresdeste mundo material. Naturalmente, a própria intenção de fazer essa “humildade” ser notada era prova de sua falsidade.É possível também que o uso da palavra “humildade” por Paulo, sem qualquer qualificação ruim, signifique ainda que havia nos falsos mestres uma disposição real dese submeter, sem reservas, aos deveres ascéticos e cerimoniais da seita. Esse tipo de

humildade, contudo, por mais sincera que fosse, não recebia o aplauso do Apóstolo,

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 posto que, sendo decorrente de crenças erradas, expressava-se em práticas vazias dequalquer valor.Curiosamente, portanto, havia nos doutores gnósticos, um misto de soberba ehumildade, sendo esse paradoxo claramente percebido no texto grego do versículo 18.Se por um lado eles eram orgulhosos por se considerarem membros de uma eliteespiritual e almejarem que os homens reconhecessem isso; de outro, eram humildes,havendo neles uma disposição sincera em se curvar diante das determinações cultuais eritualistas de sua filosofia religiosa, bem como diante de normas rigorosas que negavamao corpo o desfrute de qualquer prazer. Em ambos os casos, tanto em seu orgulho comoem sua humildade, os hereges de Colossos eram alvo da justa reprovação apostólica.Outra prática na qual os primeiros gnósticos se envolviam era a “adoração de anjos”. Ocomentário a 2.8 já apontou o lugar que o culto a entidades angélicas ocupava nasreligiões de fundo helenista. Considerando que seres espirituais controlavam os astros eestes, por sua vez, influenciavam o destino dos homens, os falsos mestres promoviam

cerimônias de adoração a eles, possivelmente crendo também que receberiam, dessaforma, ajuda para se livrarem com celeridade maior da matéria à qual estavam presos

 por um ciclo de sucessivas reencarnações.Como os cristãos não praticavam a abstinência “humilde” dos hereges, nem buscavam ofavor dos seres angelicais, os mestres da mentira diziam que eles não eram dignos dereceber o prêmio da salvação. Não se sabe que destino os gnósticos do século Iapontavam para os crentes, mas sabe-se que no século II, essa forma perniciosa dereligião dizia que os cristãos que desprezassem a gnose perfeita seriam aniquilados. Jáos crentes que nutrissem uma fé simples e a boa conduta poderiam ser postos num lugar 

intermediário, abaixo do plano perfeito que chamavam de  Pleroma, este reservadosomente para os que abraçavam os ensinos gnósticos. Quanto aos corpos de todos, por ser matéria má, seriam devotados à destruição completa, sem qualquer esperança deressurreição.[8] Para conferir credibilidade aos seus ensinos, os falsos doutores também alegavam ter visões. Paulo usa aqui uma expressão que não aparece em nenhum outro lugar no NT ecujo sentido é incerto (Lit. “Entrando em visões”).[9] O significado mais provável é queos hereges narravam detalhes do que diziam ter visto em experiências de êxtase, talveznas suas cerimônias de iniciação, ou investigavam de forma acurada as minúcias dessasmesmas visões, fazendo especulações acerca da mensagem que supostamente estava por trás delas e buscando, assim, conhecimento (gnose) mais profundo dos mistériosespirituais.Paulo destaca que o problema principal dessas pessoas era a mente carnal, ou seja, adisposição interior de atender aos impulsos de sua natureza pecaminosa (Rm 8.5-8).

 Nos falsos mestres a mente carnal se comprazia na crença de que, sendo dotados de rara percepção espiritual, eram superiores aos outros homens. Segundo Paulo, porém, nãohavia motivo algum para que nutrissem esse sentimento de grandeza.A raiz de todos os males ensinados e praticados pelos falsos mestres, segundo oentender do Apóstolo, é que eles não estavam unidos a Cristo (19). Esse era o motivo

 principal pelo qual julgavam os crentes indignos de receber o prêmio final. Essatambém era a causa por que se gloriavam em seu rigor ascético, em seus rituais e

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experiências místicas, além de nutrirem sempre uma mente carnal inflada com os aresda soberba.A expressão que Paulo usa no v.19 para se referir a essa deficiência primordial pode ser traduzida como “não se apegando à cabeça”. O verbo constante nessa expressão sugerea situação de quem teve algo nas mãos, mas não foi capaz de reter, guardar ou segurar.A alusão a Cristo como a “cabeça”, por sua vez, é indicativo óbvio de sua autoridadesuprema (1Co 11.3; Ef 1.22; 4.15; 5.23; Cl 1.18; 2.10). O que Paulo está dizendo,

 portanto, é que os falsos mestres não foram capazes de reter a devida sujeição a Cristo,rejeitando por completo a sua autoridade e recusando-se a se manter debaixo dela.Vê-se assim que, possivelmente, os hereges de Colossos, em algum período anterior,tiveram um bom envolvimento com o cristianismo autêntico, aparentando obediência aoSenhor. Depois, porém, descambaram para as crendices da falsa gnose. Se foi issomesmo o que aconteceu, essa não foi a primeira vez que Paulo testemunhou osurgimento de doutores enganosos no meio do próprio rebanho de Cristo. Tampouco

seria a última.De fato, o Apóstolo havia visto essa tragédia em Corinto, por volta de 55 AD (1Co15.12) e veria o mesmo problema ao tempo em que escreveu a Timóteo a sua últimacarta, em cerca de 66 AD (2Tm 2.16-18)[10]. Na mesma época, Pedro também apontouo perigo dos mestres apóstatas (2Pe 2.1ss). Além deles, João, em sua primeira epístola,escrita aproximadamente no ano 90 AD, fez referência à mesma realidade (1Jo 2.18-19). O que se depreende disso é que, muitas vezes, conforme a história da igreja cristãtambém atesta, os doutores do erro nascem dentro da própria comunidade eclesiástica,revelando-se precisamente no momento em que se mostram inconformados e até

irritados com a verdade que ali aprendem.A alusão a Cristo como a cabeça desemboca naturalmente na figura da igreja como oseu corpo, uma imagem comum nos escritos de Paulo (Rm 12.4-5; 1Co 10.17; 12.12-27;Ef 1.22-23; 2.16; 3.6; 4.4, 12, 16, 25; 5.23, 29-30). Em Colossenses, a comunidadeeclesiástica aparece como corpo de Cristo em 1.18, 24 e 3.15, além do texto em análise.As idéias acerca da igreja que afloram em 2.19 são três: dependência, unidade ecrescimento. A dependência é obviamente da cabeça, Cristo. Desligada dele nenhumacomunidade pode experimentar o crescimento a que Apóstolo se refere aqui. Conformevisto, o indivíduo ou grupo desconectado de Cristo é aquele que recusa sua autoridade edoutrina, dispondo-se a seguir fábulas (2Tm 4.3-4). Esse era o caso dos mestres da falsagnose.Quanto à unidade, essa decorre também da cabeça, mas pela instrumentalidade de seus“ligamentos e juntas”. Paulo explora ainda mais aqui a figura do corpo, deixando poucoclaro a que correspondem as imagens dos ligamentos e juntas. Qualquer sugestão correo risco de se afastar do propósito principal da figura que é acentuar a unidade provedorada manutenção do corpo. Seja como for, é ponto pacífico que em Colossenses, Pauloaponta a habitação de Cristo em seu povo, a boa disposição para com o outro, o amor, a

 paz (veja-se especialmente Ef 4.3) e a preponderância da palavra de Cristo entre ossantos como os fatores que mantêm os crentes vinculados entre si (3.11-16). Eis aí,

talvez, os itens representados pela imagem dos “ligamentos e juntas” que sustentam eunificam a comunidade dos salvos. Privada deles a igreja desmonta, se esfacela e cai.

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Tamanha destruição fatalmente sobreviria aos colossenses caso eles seguissem as falsasdoutrinas que lhes estavam sendo propostas.O crescimento mencionado no v. 19 resulta tanto da dependência da cabeça como daunidade promovida pelos ligamentos e juntas. Qual é a natureza do crescimentodestacado aqui? Não se trata de crescimento numérico. Em Efésios 4.11-16, texto emque Paulo trata basicamente do mesmo assunto ora discutido, percebe-se claramente queo crescimento experimentado pelo corpo ligado a Cristo e unido por todas as juntas é ocrescimento “na unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus” (Ef 4.13), ou seja,é o crescimento conjunto numa só maneira de crer e num só modo de conceber a pessoade Jesus Cristo, rejeitando as alternativas heréticas dos mestres do engano.Evidentemente, esse crescimento promove firmeza doutrinária, impedindo que oscrentes sejam levados pelo ensino errado (Ef 4.14). A verdade, o amor e o serviçodominam o ambiente em que tal amadurecimento se processa (Ef 4.15-16). Deve ser destacado que, à luz de Efésios 4.13, o alvo final desse progresso é a maturidade que

 pode ser definida como o atingir “a medida da plenitude de Cristo”, expressão quedescreve o crente “preenchido” por tudo aquilo que Cristo tem e pode transmitir. Paulodestaca em 2.19 que esse crescimento vem de Deus. De fato, outras formas de progresso(numérico, econômico, intelectual, etc.) podem ser provadas por qualquer grupo, nãosendo necessariamente sinais do favor divino. O crescimento de que se trata aqui,

 porém, é bênção disponível somente à igreja verdadeiramente obediente e fiel.Seguindo na linha principal de sua argumentação, Paulo explica que não fazia sentido oscrentes de Colossos se submeterem aos “princípios elementares deste mundo” uma vezque, com Cristo, haviam morrido para o eles (20). Já foi exposto acima (2.8) o

significado da expressão “princípios elementares deste mundo”. Basta recordar emlinhas gerais que se referia a entidades espirituais que supostamente controlavam osastros, determinando assim o destino das pessoas. Segundo as concepções helenistasadotadas pelo gnosticismo incipiente, essas entidades podiam ser induzidas a atuar em

 prol do indivíduo, caso este se submetesse a certas exigências que incluíam o rigor ascético.Paulo destaca que os cristãos, no tocante a essas coisas, morreram com Cristo. Em seusescritos o Apóstolo afirma com certa frequência que o novo comportamento do crente, o

 propósito de sua vida, bem como seu conjunto distinto de convicções foram acolhidos porque o homem salvo se tornou participante da morte de Cristo (Veja-se o comentárioa 2.12). Tendo morrido com o Senhor, o crente ressuscitou para uma vida em que osvelhos padrões de conduta e pensamento não são mais cabíveis (Rm 6.1-4, 11-13; 7.4;Gl 2.20; 6.14). É por isso que o v. 20 é carregado de certa dose de indignação. O mundoé marcado por todas as formas de perversão, inclusive a religiosa. Nesse campo énotório que nele reinam inúmeras concepções mitológicas e outras grosseirassuperstições as quais impõem aos homens comportamentos tolos, inúteis e vãos (1Tm4.1-7; 2Tm 4.4; 2Pe 1.16; Hb 13.9). Ora, os colossenses, mesmo tendo morrido paraisso tudo, estavam agora, de forma surpreendente, se deixando levar de novo no rumotraçado pelos pastores da mentira.

 Na prática, os destinatários da carta estavam se submetendo a regras. Essa conduta édescrita por Paulo através de uma só palavra, o verbo, cujo sentido básico na voz

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 passiva é sujeitar-se a determinações, decretos ou regulamentos que foram ditados por alguém. Evidentemente, a censura de Paulo aqui diz respeito apenas à esfera religiosa,uma vez que seus leitores, assim como muitos crentes modernos, tendiam a crer que ocristianismo vivencial estava circunscrito à observância mecânica e artificial de normase tabus. Segundo essa concepção, a espiritualidade cristã não passaria da adoção de umconjunto de escrúpulos estéreis que tornam os homens extremamente severos no

 julgamento de coisas sem importância.A natureza das determinações que estavam sendo ensinadas aos colossenses pode ser detectada a partir do v. 21: “Não manuseie!”, “Não prove!”, “Não toque!”. É evidenteque essas proibições se relacionavam ao consumo de comida e bebida (Cf. 2.16).Porém, é também possível atribuir à primeira delas uma conotação sexual,especialmente quando se leva em conta que os proponentes da falsa gnose proibiamtambém o casamento (1Tm 4.3).[11] Paulo faz uma análise crítica de tais regras nos vv. 22-23. Segundo ele “todas essas

coisas estão destinadas a  perecer pelo uso” (22), ou seja, sendo proibições de ordem primordialmente alimentar, estavam relacionadas a elementos perecíveis que, com osimples uso, desaparecem. Ora, o próprio Senhor censurou a espiritualidade baseada emnormas dessa natureza, ensinando que a piedade cristã não pode ser construída, medidaou demonstrada a partir de coisas que se desfazem tão facilmente (Mt 15.10-20).Ademais, diz Paulo, aquelas regras eram de origem meramente humana. Esse era omotivo pelo qual se estribavam em objetos tão vãos e passageiros. Com efeito, a mentedo homem, sob o jugo do pecado, não poderia produzir uma piedade de categoriamelhor (Tt 1.13-14).

O ensino do Apóstolo nesse ponto, evoca as palavras de Isaías 29.13, citadas, inclusive, por Jesus em uma de suas censuras aos fariseus e mestres da Lei (Mt 15.1-9). Sob a luzdas palavras do Mestre, é possível vislumbrar a triste verdade de que aqueles queinventam, propõem e praticam formas fúteis de espiritualidade, repletas de preceitos etabus, são pessoas distantes de Deus, apegadas a expressões meramente mecânicas eexternas de religiosidade. Acrescente-se a isso o fato de que tais sistemas legalistas sãoextremamente eficazes na produção de hipócritas obstinados (Mt 15.7), isto é, de

 pessoas que somente fingem zelar pelo sagrado, quando, na verdade, não se dispõem acumprir nem mesmo as regras que elas próprias defendem com tanto vigor (Mt 23.4; Gl6.13).A avaliação crítica de Paulo prossegue. Ele afirma que as regras do tipo proposto pelosmestres do gnosticismo nascente tinham aparência de sabedoria (23). Os contornosdessa aparência abrangiam o caráter religioso que expunham. Paulo descreve issousando uma palavra que pode significar “culto de si mesmo” (ARA) ou, numa traduçãoque melhor expressa a idéia  presente aqui, “adoração voluntária”. O termo, na verdade,indica o tipo de culto que a pessoa fabrica arbitrária e livremente. Trata-se, pois, da

 prática de quem inventa religiões ou formas diversas de adoração. Assim, Paulo estáafirmando que a nova religião proposta pelos falsos mestres tinha sido engendrada por eles mesmos.[12]  Essa conduta é absolutamente reprovável, já que as prescrições

cultuais não podem ser fixadas a partir da livre vontade do homem, sendo aceitáveis

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somente aquelas que o próprio Deus estabeleceu. O céu e não a terra é o único berço dareligião verdadeira.A falsa religião também tinha aparência de sabedoria porque nela as pessoas viam umanítida forma de humildade, expressa em sujeição incondicional aos preceitos criados.Ademais, havia ainda a severidade com o corpo que refletia um modo admirável deauto-negação e domínio próprio. Tudo isso dava ao ensino dos falsos mestres um toquede seriedade, causando forte impressão nas pessoas comuns e nos crentes simplórios.Paulo, porém, conclui sua crítica severa dizendo que todos os rigores da devoçãognóstica não tinham valor algum para refrear os impulsos da carne. Isso significa que asinclinações pecaminosas que subjugam a natureza humana não podiam ser neutralizadas

 pelas exigências da heresia colossense. Com efeito, o ritualismo, o legalismo, asuperstição, enfim, a religião inventada pelo homem é muito fraca para inibir astendências malignas que há no próprio ser humano. Somente o viver sob o controle doEspírito pode realizar esse milagre (2.11; Rm 8.12-14; Gl 5.16). Mitos, crenças e

filosofias falsas, ao contrário, servirão somente para estimular ainda mais os impulsosdo pecado que habita no homem, incitando seu orgulho, ao fazê-lo acreditar que

 pertence a um grupo seleto de pessoas detentoras de rara percepção mística ouconhecedoras de profundos mistérios espirituais.

[1] A cultura helenista também estimulava a abstinência de alimentos, porém baseadana crença da transmigração da alma. A partir dessa noção, o ato de comer carne podiaser considerado uma forma de canibalismo.[2]  A incerteza decorre da escassez de informações detalhadas acerca das práticas

gnósticas ao tempo da formação desse modelo filosófico-religioso. Dados posteriores, porém, revelam que algumas seitas ligadas ao gnosticismo proibiam a ingestão devinho. A heresia encratita (o termo grego significa abstêmio), por exemplo, uma seitaque tomou força no século II, exigia de seus adeptos a total abstenção tanto da carnecomo do vinho. Sabe-se que na sua refeição eucarística, a água era usada no lugar dovinho, num arremedo da Ceia do Senhor. Veja-se SCHAFF, Philip. History of theChristian Church. Vol. II: Ante-Nicene Christianity (A.D. 100-325). Grand Rapids:Eerdmans, 1987. p. 494-495.[3] A falta de moderação, porém, é descrita como pecado (1Co 11.21; Gl 5.21; Ef 5.18;1Tm 3.2-3,8; Tt 2.3).[4] As festas judaicas eram nove: Páscoa, Pães Asmos, Tabernáculos, Pentecostes, Lua

 Nova, Ano Novo (ou Trombetas), Dia da Expiação, Purim (que significa “sortes”) eLuzes (ou Festa da Dedicação). A festa da lua nova, destacada por Paulo no v.16, eracelebrada pelos judeus no início de cada mês. Sua comemoração incluía a oferta desacrifícios e o som de trombetas (Nm 10.10; 28.11-15).[5] Deve-se destacar que Deus descansou definitivamente do seu trabalho criador . Notocante a outras realizações, o Senhor permanece em constante atividade (Sl 121.4; Jo5.17).[6]  Nesse sentido, veja-se AGOSTINHO DE HIPONA. Confissões. XIII:50. São Paulo:

Paulinas, 1984. p. 416-417. 

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[7] É claro que, se os dias mencionados em Genesis 1 forem considerados dias literais,conforme impõe a boa hermenêutica, então o sétimo dia teve vinte e quatro horas assimcomo os demais. É evidente, contudo, que o descanso criador de Deus iniciado naquele

 primeiro sábado nunca teve fim. É exclusivamente sob esse aspecto que se pode falar deum sábado eterno como, aliás, conforme será visto, o próprio autor de Hebreus destaca.[8] IRINEU DE LIÃO. Contra as heresias I:6-7. Coleção Patrística. São Paulo: Paulus,1995. vol. 4. p. 47-52.[9] Há uma variante textual, acolhida por um vasto número de manuscritos, que incluinessa expressão o negativo. Nesse caso, uma tradução possível seria: “Baseando -se emcoisas que não viu”. Se essa leitura for adotada (como foi pela ARC e pela KJV), Pauloestaria dizendo que os falsos mestres ensinavam coisas que Deus jamais lhes haviarevelado através dos meios pelos quais ele costumava falar aos seus profetas. Sendoassim, tudo o que os hereges afirmavam era mero resultado das projeções de sua mentecarnal.

[10] A heresia mencionada por Paulo em 1Coríntios 15.12 rejeitava de forma cabal ahipótese da alma humana, depois de separada do corpo na morte, voltar a ser novamente“aprisionada” nele. Já a heresia mencionada em 2Timóteo 2.18 propunha provavelmenteuma forma espiritual de ressurreição. Ambas se alinhavam ao gnosticismo com suaaversão à matéria. [11] O verbo constante da primeira proibição tem o sentido, na voz média, de tocar ou

 pegar , sendo praticamente sinônimo do verbo constante da terceira proibição. Em1Corintios 7.1, é usado para se referir a relações sexuais (Veja-se MARTIN, Ralph P.Colossenses e Filemom: Introdução e Comentário. São Paulo: Mundo Cristã e Vida

 Nova, 1984. p. 107.).[12]  Veja-se o comentário sobre a expressão “baseando-se em visões” (2.18),especialmente a nota 9.

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Colossenses 3.1-4 - A Vida Centrada nas Coisas do Alto

 Na Epístola aos Colossenses é muito claro o propósito de Paulo em desmascarar asfalsas filosofias que tentavam seduzir os crentes com sua ilusória profundidade eaparente devoção (2.4, 8, 18, 23). Ao apontar quão falaciosas eram aquelas doutrinasheréticas, Paulo pretende atingir um alvo ainda mais sublime que a mera defesa da fé.Ele anseia promover devoção exclusiva a Cristo como a singular cabeça da igreja (1.10,18; 3.23-24; 4.1,17), uma vez que o gnosticismo incipiente reduzia a pessoa do Salvador a apenas mais uma das diversas emanações que compunham seu sistema imaginário,negando sua real divindade (1.15-17; 2.9-10). Se acolhessem essa visão, os crentes deColossos não teriam razão nenhuma para submeter sua vida ao senhorio absoluto deJesus.Por isso, depois de demonstrar a divindade de Cristo e destacar sua supremacia, Paulo

 passa a incitar os crentes a andar em total sujeição a ele, destacando expressões visíveis

e práticas do viver assim. Ademais, o Apóstolo havia apontado a posição a que oscristãos de Colossos tinham sido alçados quando creram no Senhor, o que tambémservia de estímulo a uma vida de obediência (1.12-14, 21-23).Assim, como corolário das doutrinas que expôs de início, Paulo, ao compor o textoabrangido pelo capítulo 3 e início do capítulo 4 da Carta aos Colossenses, alistainúmeras formas de proceder que refletem a visão de que a Cristo é devida toda asubmissão. Essas formas de conduta também revelam que quem as adota temconsciência de que é participante de uma vida diferente. Com efeito, o versículo 3.1sugere essas duas realidades: “Vocês ressuscitaram com Cristo”, ou seja, os crentes têm

agora uma vida nova; e “Cristo está assentado à direita de Deus”, isto é, ele reinasoberano, sendo-lhe devida toda a honra e sujeição. É sobre essas duas vigas que oApóstolo ensina seus leitores a construir o belo edifício da verdadeira vida de piedade.O capítulo 3 traz em seu início a palavra “portanto”, indicando a conexão entre o que foidito anteriormente e o que está para ser ensinado. Paulo, na verdade, está aquiintroduzindo o desfecho do pensamento expresso em 2.20-23, em que exortou oscrentes a não se sujeitarem a regras inúteis, uma vez que “morreram com Cristo para os

 princípios elementares deste mundo”.Para Paulo era fato inegável que, quando creram no Senhor, os colossenses romperamcom o antigo sistema pagão de crenças e comportamentos. Tendo morrido para aquelascoisas, era também certo que ressuscitaram com Cristo (2.12-13; 3.3), ou seja, passarama participar da vida do Senhor, nutrida e moldada por ele só (2.6-7), uma vida que eleagora vive no céu. A implicação básica que resulta disso é o dever imposto aos cristãosde buscar as coisas que são do alto, onde Cristo está, deixando de se preocupar com areligiosidade mecânica que só se baseia em preceitos de origem humana acerca decoisas meramente terrenas que se dissolvem tão logo são usadas (2.22).Assim, procurar “as coisas que são do alto” tem, a priori, o sentido de buscar uma

 piedade fundamentada em padrões celestes, nascidos no coração de Deus e ligados avalores permanentes. Trata-se de desfrutar na terra da vida que Cristo vive no céu. De

fato, se a vida ressurreta de que o crente participa é a própria vida de Cristo; e se é certoque ele vive essa vida agora no céu, então é a piedade fundada nessa vida celeste que o

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crente deve buscar. São os contornos visíveis dessa forma de piedade que Pauloapresenta na vasta seção de orientações práticas que se estende a partir desse ponto daEpistola aos Colossenses.A expressão “coisas que são do alto” é complementada pela cláusula “onde Cristo estáassentado à direita de Deus”. No Velho Testamento, o Salmo 110.1 aponta a destra deDeus como lugar reservado ao Messias de Israel. O Senhor mesmo usou esse texto paradefender a natureza humana/divina de sua própria messianidade (Mt 22.41-45) e, na

 pregação de Pentecostes, Pedro associou o Salmo a Jesus a fim de apresentá-lo como oMessias que foi rejeitado pelo povo judeu, mas exaltado pelo Pai (At 2.34-36).[1] Tãoforte é a conexão entre o assentar-se à direita de Deus e a figura do Messias que Jesusdisse aos seus opositores que a prova de que ele era o Cristo seria apresentada quandoeles o vissem no céu, sentado à destra do Pai (Mt 26.63-64; Lc 22.67-69).

 No Novo Testamento, o ensino de que o Senhor, após ter sido assunto ao céu, seassentou ao lado de Deus aparece várias vezes.[2] Seu significado é amplo. Em alguns

contextos a menção de Cristo sentado no céu indica que sua obra remidora foiconcluída, não havendo mais nada que precise ser feito para a redenção da humanidade(Hb 1.3; 10.12). Há também na imagem de Cristo ao lado do Pai a base para o ensino deque ele intercede pelos crentes (Rm 8.34), no exercício de uma função sacerdotalrealizada não nas dependências simbólicas de um templo terreno, mas no verdadeirosantuário celeste (Hb 8.1-2).

 Na maior parte das vezes, porém, a menção de Cristo sentado à direita de Deus aponta para a exaltação que seguiu sua humilhação terrena (At 2.33; Hb 12.2), para a posiçãoelevada que ele ocupa como Príncipe e Salvador (At 5.31), para sua soberania divina e

seu senhorio absoluto sobre todo o universo (Ef 1.20-23; 1Pe 3.22).[3]  Assim, éevidente que a referência a Cristo como alguém que ocupa lugar ao lado do Pai temgeralmente o objetivo de inspirar devoção e obediência exclusiva a ele. Obviamenteesse é o caso no texto em análise, uma vez que, conforme visto, o ensino gnósticodesestimulava a sujeição a Cristo, identificando-o apenas como mais uma das diversasemanações angélicas que compunham o universo espiritual imaginário dos falsosmestres.

 No v. 2 Paulo renova a admoestação no sentido de que os colossenses tenham como prioritárias as coisas do alto. Desta vez, porém, ele realça o  pensamento dos crentes,ensinando o que deve ocupar sua mente na maior parte do tempo. É claro que, na

 prática, é impossível meditar continuamente sobre as realidades espirituais, mas o quePaulo propõe nesse ponto é que todo o universo mental dos cristãos seja ordenado sobreo pano de fundo das coisas celestes, de modo que mesmo os fatores comuns da vidaaqui sejam considerados a partir de suas relações com o mundo espiritual. Assim, deve-se lidar com os dilemas pessoais, as questões de família, os problemas profissionais e osassuntos éticos levando-se em conta a verdade de que a realidade presente, visível e

 palpável, não é a única existente. Há um mundo espiritual situado nas alturas que é tãoreal quanto este, sendo certo que a reflexão sobre seus bens e valores determina o modocomo se vive agora (Fp 3.7-9; Hb 11.24-27).

A segunda cláusula do v. 2 aponta o oposto do viver pensando nas coisas do alto. Trata-se de manter o coração centrado nas coisas terrenas. Essa expressão descreve o estilo de

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vida do incrédulo. De fato, para o ímpio, tudo o que importa é o que se pode perceber através dos sentidos corporais. Sua vida não recebe qualquer influência procedente do

 pensamento de que existe um Deus no céu, cuja vontade deve ser cumprida e que,afinal, julgará todas as ações dos homens. Tendo os olhos fixos neste mundo, tudo o quelhe importa é comer, beber e alegrar-se (Mt 24.37-39; Lc 12.13-21). O prazer ilusório eo sucesso material são seus alvos supremos, sua mais alta aspiração.Em Filipenses 3.18-21 Paulo contrasta o crente com o incrédulo descrevendo, a

 princípio, o modo de vida das pessoas que adotam a visão meramente terrena darealidade. Ele diz que tais indivíduos “vivem como inimigos da cruz de Cristo” (Fp3.18), tendo como deus o “estômago”. Essa última afirmação significa que essas

 pessoas anelam somente os deleites do corpo, deleites que, com fanática devoção, seempenham todo o tempo por satisfazer. Paulo ensina ainda que os homens desse tipodesenvolvem uma ética às avessas, passando a se orgulhar de tudo o que é vergonhoso.Finalmente, o apóstolo revela a raiz do problema. Segundo ele, essas pessoas vivem

desse modo porque “só pensam nas coisas terrenas” (Fp 3.19). No versículo em análise, portanto, ao exortar os colossenses a não fixar a mente no que pertence a este mundo, Paulo está advertindo seus leitores a não adotarem a filosofia devida própria dos incrédulos. O apóstolo sabe que o homem que em seu íntimo nutreamores e anelos somente pelas coisas do presente século, sentindo-se encantado comsuas ofertas e promessas, logo passa a viver de acordo com esses anseios, distanciando-se da conduta reta e santa ensinada por Deus. Com efeito, um fenômeno notável é queaqueles que em seu coração esvaziam o céu, bem cedo passam a viver vazios aqui naterra. Seus atos, então, tornam-se tão ocos quanto eles próprios.

Prosseguindo em sua admoestação, Paulo, no v. 3, reforça a base para a vida diferentedo cristão, destacando com certa variação o ensino já enunciado no v. 1. Mais uma vez,então, o tema da “morte” do crente aparece[4], destacando que o cristão não vive emretidão simplesmente por adotar um sistema elevado de normas éticas, mas sim pelofato de sua realidade anterior ter sido sepultada (Rm 6.1-2; 2Co 5.14-15), sendo certoque ele participa agora da vida do próprio Cristo ressurreto, uma vida que será provadade modo pleno no futuro (v. 4), mas que, desde já, pode ser exibida pelo homem salvo,

 posto que já lhe pertence.Paulo diz que a vida do cristão “está escondida com Cristo em Deus”. Alguns sentidosdistintos são possíveis aqui. O verbo “esconder”, conforme usado no texto, talvezevoque a figura do enterro de um cadáver, quando o corpo é “escondido” na terra etodas as relações deste mundo com o morto finalmente cessam. Se essa for a idéia

 presente no versículo em análise, então Paulo pretendeu realçar ainda mais o ensinoacerca do sepultamento espiritual do crente, destacando que um ponto final foi dado aovelho estilo de vida que caracterizou os tempos de incredulidade. Esse entendimento,

 porém, associado ao v. 3, criaria a imagem de um “sepultamento celeste” do cristão,algo inusitado no ensino paulino que sempre relaciona o sepultamento espiritual docrente à experiência presente de conversão e batismo (Rm 6.4; Cl 2.12).É também possível enxergar na frase de Paulo a idéia de proteção. Ao dizer que a vida

do homem redimido está escondida com Cristo, o Apóstolo estaria ensinando que aherança reservada aos salvos está sob a guarda de Deus, sendo impossível que qualquer 

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ameaça seja capaz de destruí-la ou cancelá-la. De fato, esse ensino está presente no NT(Jo 10.27-29; Rm 8.29-39; 1Pe 1.3-5). Porém, só é razoável apontá-lo aqui por inferência, sendo pouco plausível que Paulo o tivesse em mente quando escreveu oversículo em análise.Finalmente, há a possibilidade de Paulo estar falando sobre a vida gloriosa que pertenceao crente. Essa vida não pode ser vista agora em todo o seu esplendor, permanecendoescondida aos olhos de todos. O texto diz que ela está “com Cristo em Deus” porque oSalvador, estando junto ao Pai, vive na plena participação dela (Jo 17.5; Fp 2.9; 1Tm3.16; Hb 2.9).Esse entendimento harmoniza-se com o que é dito no v. 4. Ademais, seu conteúdo

 parece ajustar-se melhor ao contexto em que Paulo exorta os crentes acerca do que deveocupar o pensamento deles (vv. 1-2). Estando a falar sobre em que deveriam pensar,Paulo dá ênfase especial á vida gloriosa hoje oculta aos olhos terrenos, mas que um diase manifestará com todo o seu pujante esplendor. De fato, a conexão entre o pensar nas

coisas do alto e a vida que está oculta com Cristo é bastante evidente no texto. Paulodiz: “Mantenham o pensamento nas coisas do alto... Pois vocês morreram, e agora a suavida está escondida com Cristo em Deus”. Ora, ao usar a conjunção “pois”, Paulo deixaclara a ligação entre as coisas em que os crentes devem pensar e a vida gloriosa de queum dia desfrutarão.Se hoje a glória da vida que pertence aos crentes está escondida, essa não é umacondição definitiva. Um dia todo o seu esplendor será revelado. Esse é o ensinoconsubstanciado no v. 4. Paulo o interpõe enunciando, a princípio, as seguintes

 palavras: “Quando Cristo, que é a sua vida, for manifestado...” Aqui o Senhor é descrito

como a vida dos cristãos[5]. É verdade que ele é a fonte de toda a vida (Jo 1.4). Porém, para os que crêem, Cristo é, desde já, manancial de vida nova e abundante, sem a qual éimpossível ser feliz neste mundo (Jo 6.35; 10.10; 14.6).Cristo é também a vida dos crentes porque lhes concede vitória sobre a morte (Jo 11.25)e, afinal, lhes dará a vida eterna (Jo 3.36; 1Jo 5.11-12). Essa vida futura dos cristãos estáconectada à do Senhor, numa relação de completa dependência. De fato, é porque elevive que os crentes também viverão para sempre (Jo 14.19).Paulo ensina ainda que o Senhor um dia se manifestará. A alusão é claramente àsegunda vinda de Cristo. Nessa ocasião os cristãos “também serão manifestados com eleem glória”. Outras passagens do NT apontam para esse aspecto da doutrina cristã,lançando luz sobre o sentido do que o Apóstolo diz aqui. Romanos 8.18-23, por exemplo, relaciona a manifestação da glória dos crentes com a ressurreição e redençãodo seu corpo, algo que ocorrerá quando o Senhor voltar (1Co 15.51-57; 1Ts 4.16-17).O Apóstolo Pedro também trata desse assunto. Ele conecta a glória dos cristãos a ser manifesta na segunda vinda a uma alegria indizível (1Pe 4.12-13) e, a seguir, encorajaos ministros da igreja falando-lhes da glória de que participarão quando o “SupremoPastor” se manifestar (1Pe 5.1-4). João também alude a isso ao escrever “Amados,agora somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que havemos de ser, massabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, pois o veremos

como ele é” (1Jo 3.2). Em seguida afirma que essa esperança estimula quem a tem amanter-se puro (1Jo 3.3).

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Pode-se, pois, comparar o cristão, em sua realidade atual, ao ipê-amarelo cujas flores sóaparecem no fim do inverno. Sim, pois se hoje, na fria noite do presente século, nenhumesplendor é visto no desprezado povo de Deus, é certo que a aurora do dia de Cristo em

 breve há de raiar. Então, o ipê santo que o Senhor plantou finalmente revelará suainefável beleza e a glória da igreja genuína será enfim contemplada por todos e parasempre.

[1]  Note-se que no Salmo 110.1 o sentar-se ao lado do Pai não implica somente aexaltação do Messias. Com efeito, seu assentar-se é também associado à espera, ou seja,o Messias reina ao lado do Pai aguardando o dia em que, finalmente, esmagará seusinimigos (Sl 110.5-6; 1Co 15.24-28; Hb 10.12-13; Ap 19.15).[2] Em Atos 7.55-56 há uma descrição ligeiramente distinta. Ali o Senhor é visto por Estevão em pé, à direita de Deus. O quadro singular tem sido entendido de duas formas.A primeira delas propõe que Cristo, como bom anfitrião, levantou-se para receber seu

servo que estava prestes a chegar ao lar celeste. A segunda sugere a função de Cristocomo Advogado, defendendo a causa de Estevão junto ao Pai. Seja qual for o caso, avisão gloriosa do primeiro mártir cristão serviu para exacerbar ainda mais o ódio dos

 judeus que a entenderam como indicativa da messianidade de Jesus (vv. 57-58).[3] O ousado pedido constante de Mateus 20.20-21 revela como era considerada elevadaa posição de quem se sentasse ao lado de um soberano. Isso explica a grande indignaçãodos dez discípulos descrita no v. 24.[4] Veja-se o comentário a 2.12 e 20 supra.[5] Alguns manuscritos trazem “nossa” em vez de “vossa” ou “sua”. A NVI adotou a

segunda opção. A ARA e a ARC adotaram a primeira. 

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Colossenses 3.5-11 - O Abandono da Velha Vida

Tendo destacado que ao crente foi dado participar da vida do Cristo exaltado, devendoagora pensar nas coisas do alto e buscá-las com zelo vigoroso; e tendo ainda ensinadoque essa vida está envolta em uma glória majestosa que um dia se manifestará, Pauloinicia um novo parágrafo alistando traços da vida sem Deus que devem ser abandonados

 pelo cristão a fim de que sua conduta se harmonize de maneira mais perfeita com arealidade espiritual de que ele agora faz parte. A palavra “Assim” (Gr. pois, portanto),constante do início do v. 5, evidencia essa relação de resultado entre o que foi dito nosvv. 1-4 e o que vem a seguir.Inicialmente, Paulo emite uma admoestação ampla: “ ...façam morrer tudo o que

 pertence à natureza terrena de vocês” (5). A expressão “façam morrer” significa aqui privar de poder, destruir a força, deixar sem vitalidade ou enfraquecer .[1]  O impulsoque o cristão deve lutar para debilitar é a sua “natureza terrena”. O texto grego refere-se

a essa natureza com as palavras “os membros sobre a terra”, dando a entender que oscrentes devem se esforçar para minar o vigor das inclinações pecaminosas que atuamem seu corpo na presente realidade terrena. O corpo físico não é mau, como dizia ognosticismo incipiente, mas é um veículo através do qual a força do pecado se manifesta(Rm 7.5, 21-24).Conforme visto em 2.11, é certo que, ao tempo da conversão, a natureza pecaminosa docrente sofreu um severo golpe. Porém, não há dúvida de que ela continua viva e

 presente, pelo que o crente tem a responsabilidade de amortecê-la, ainda que isso só seja possível através da capacitação do Espírito Santo (Rm 8.13). Segundo o ensino paulino,

essa batalha não ocorre apenas no universo mental do indivíduo convertido (Rm 7.23),mas consiste também do esforço prático por manter um modelo íntegro de vida,marcado pela abstenção de qualquer conduta desonrosa (Rm 6.12-13,19; 1Ts 4.3-5).Aliás, na lista constante do v.5 (ampliada nos vv. 8-9) é muito clara a idéia de que oempenho por fazer morrer a natureza terrena abrange o afastamento e total abandono detodas as práticas próprias da velha vida. Assim, não há dúvidas de que o desviar-se doerro é um dos remédios mais eficazes para inibir o ímpeto do mal ainda presente nosfilhos de Deus.

 No v. 5, Paulo alista cinco desvios que emanam da natureza terrena. A lista, assim comono v. 8, não é exaustiva, mas apenas fornece exemplos de vícios em que os crentes

 podem cair caso não amorteçam o pecado que subsiste em seus membros.O primeiro vício mencionado é a imoralidade sexual . O termo tem sentido abrangente(1Co 6.18), sendo usado para referir-se a todo tipo de intercurso sexual ilícito eextramarital (adultério, fornicação, prostituição, etc). Relações antinaturais também sãoincluídas no significado da palavra usada aqui (1Co 5.1). Que a imoralidade é obra dacarne é expressamente ensinado em Gálatas 5.19, sendo dever do crente fugir dela (1Ts4.3-5).Como é sabido, o protognosticismo que marcou o século I cultivava total desprezo pelamatéria. Especificamente na região de Colossos, fica claro que esse desprezo se

expressava na rejeição de certos prazeres corporais (2.16, 20-23). Aliás, outros textosneotestamentários revelam que alguns proponentes do gnosticismo nascente

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censuravam inclusive os deleites do leito conjugal, chegando a proibir o casamento(1Co 7.1-5; 1Tm 4.1-3; Hb 13.4).Por outro lado, a cosmovisão que considerava o corpo físico essencialmente mau,muitas vezes desencadeava a mais chocante devassidão como forma de desprezo pelasubstância material. Ademais, essa concepção tendia a crer que a alma, em totalcontraste com a realidade palpável, era absolutamente pura, não podendo ser corrompida pelos atos do corpo (1Co 6.13[2]). Evidentemente, os desdobramentos

 práticos dessas ideias eram comportamentos assinalados pela mais completaimoralidade (2Tm 3.6-9; 2Pe 2.13-14, 17-19; Jd 1.4, 8, 12-13, 16). Ora, Paulo sabia quea falsa gnose, a despeito de sua aparente piedade, era incapaz de refrear os impulsos danatureza terrena (2.23), podendo, na verdade, até mesmo estimulá-los. Daí seu alerta aoscolossenses no sentido de que fugissem de toda forma de corrupção sexual.Os três vícios mencionados a seguir têm também conotação sexual, mas podemabranger outras esferas em que a pecaminosidade humana se manifesta.  Impureza 

refere-se a todo tipo de imundícia, tanto moral como “natural” ou física (Mt 23.27), massomente o primeiro sentido é pretendido aqui (Assim tb. em Rm 6.19; 2Co 12.21; Ef 4.19; 5.3). A impureza moral, além de envolver a luxúria (Rm 1.24), também englobamotivações sujas (1Ts 2.3). Em 1Coríntios 7.14, o termo “impuro” é aplicado a pessoasque estão fora de qualquer influência santificadora.A palavra traduzida como “paixão” é pathos e aplica-se a qualquer afeição desordenada,mas no NT, onde ocorre em apenas outros dois lugares, é usada especialmente paraaludir ao desejo sexual ardente, desonroso e depravado (Rm 1.26; 1Ts 4.5).  Pathos éuma doença espiritual que subjuga a alma tornando-a inquieta, continuamente sedenta,

sempre desejosa de satisfazer apetites impuros.A próxima expressão foi traduzida como  desejos maus. Basicamente é sinônima dotermo que a antecede. Trata-se, pois, da cobiça, da ambição, do intenso anseio por algoilícito (Rm 6.12; 13.14; Gl 5.16; 1Tm 6.9; Tt 3.3; 2Pe 3.3).A lista do v. 5 termina com a menção da ganância. A palavra usada pelo Apóstolodesigna o desejo insaciável de adquirir bens materiais (Mc 7.21-22; Rm 1.29; Ef 5.3).Esse pecado induz, às vezes, à uma generosidade anêmica, rara e forçada (2Co 9.5). Otermo também descreve o anelo desenfreado por obter aquilo que pertence a outra

 pessoa, o que induz à prática de fraude e extorsão (1Ts 2.5; 2Pe 2.3). Paulo considera aganância “idolatria” porque esse desvio faz das posses de um homem o centro da suavida, a razão de sua existência (Lc 12.15). Contaminado por esse pecado, o indivíduo setorna servo e adorador das riquezas, ficando impedido de servir a Deus (Lc 16.13-14). É

 por isso que, com justiça, os avarentos não têm parte no Reino dos Céus (Mt 13.22;19.22; Ef 5.5).Paulo encoraja os seus leitores a viverem longe dos vícios alistados no v. 5 dizendo queesses desvios são a causa pela qual a ira de Deus sobrevém aos descrentes (6). A iramencionada pelo apóstolo é o castigo pós-morte, conforme se depreende do “textogêmeo” de Efésios 5.5-6, onde é clara a conexão entre a indignação divina e acondenação eterna. Aliás, é inegável que os escritos de Paulo façam clara referência à

fúria escatológica do Senhor (Rm 2.5; 1Ts 1.10; 5.9; 2Ts 1.5-10). Deve-se aindadestacar que, à luz do ensino geral que emana de todo o Novo Testamento, essa fúria

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não tem como causa apenas o comportamento desregrado e promíscuo das pessoas(como uma leitura irrefletida de Colossenses 3.6 poderia dar a entender), mas também efundamentalmente, a incredulidade presente no coração de quem rejeita o Filho e nãoatende ao convite constante da mensagem evangélica de recebê-lo pela fé (Jo 3.36; Rm2.8; 5.8-9; 2Ts 1.8; Hb 10.29).Ainda que a ira de que fala o v. 6 seja aquela que se revelará no dia futuro ou narealidade além, é preciso lembrar que o ensino paulino mais amplo concede tambémespaço para manifestações da ira de Deus contra a impiedade humana já no presente.Romanos 1 é o texto áureo acerca desse assunto, posto que ali o Apóstolo afirmaclaramente o derramamento da cólera divina sobre os maus ainda nesta vida (Rm 1.18),explicando que essa fúria se extravasa numa “entrega” de tais homens às maisgrosseiras formas de perversão (Rm 1.24-31).[3] Vista sob esse aspecto, a ira de Deus contra o pecado não é inerte ou inoperante no

 presente. Ela atua, não só trazendo (eventualmente) grandes calamidades físicas e

materiais sobre os inimigos do Senhor (At 12.23), mas também transformando-os emmonstros assombrosos, com repugnantes deformidades de caráter. Ora, nenhumacalamidade maior pode sobrevir a alguém neste mundo do que ser portador de uma almaapodrecida, que se deleita no próprio mal que a corrói e sorri satisfeita diante de cadanovo tumor que descobre em si mesma. É, porém, precisamente com essas trevasinteriores que Deus visita os maus hoje, antes de lançá-los nas trevas exteriores aindamais densas amanhã.O versículo 6 termina classificando os incrédulos, aqueles sobre quem a ira de Deusvirá, como “filhos da desobediência”. Algumas traduções colocam toda a expressão

entre colchetes (e.g. ARA). Isso acontece devido a sua ausência em alguns manuscritosantigos importantes. Dificilmente, porém, a frase não constava do original.Primeiramente porque ela dá ao v. 6 um desfecho mais natural e esperado. Em segundolugar porque os manuscritos que a incluem são numerosos e fazem a evidência pesar emfavor da leitura mais longa.“Filhos da desobediência” é expressão que designa pessoas cujo traço principal deconduta é a rebelião contra a vontade moral de Deus (Ef 2.2-3). Tais indivíduos vivemdesobedecendo. Os caminhos que trilham são tortuosos e eles andam por essas sendascontinuamente, revelando-se incapazes de ouvir o que o Senhor ordena. Sua relaçãocom a desobediência é, portanto, tão íntima quanto a relação mãe/filho. Os laços queunem esses homens à rebelião são fortes como os laços de filiação. Na verdade, essaassociação é tão intensa que não basta dizer que o “filho da desobediência” é alguémque desobedece. Antes, é preciso descrevê-lo como um indivíduo que está sob o poder da desobediência; alguém naturalmente inclinado a desprezar o que Deus requer daconduta humana (Gn 6.5; Jr 13.23).Isso fica ainda mais evidente no v. 7, onde Paulo sugere que no passado seus leitoresforam, eles próprios, filhos da desobediência. Com efeito, o Apóstolo afirma que oscolossenses, antes da conversão, “andaram” e “viveram” nos vícios descritos no v. 5. Osverbos usados aqui (επιαηέυ e άυ) indicam a ideia de regular a vida a partir dos

desvios alistados. Paulo diz, portanto, que os colossenses tinham passado seus dias de

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incredulidade sob a orientação do pecado, ligados continuamente ao mal. Como se vê,os filhos da desobediência moram com a mãe!

 Não se pode perder de vista que, escrevendo aos colossenses, Paulo tem como um dosseus alvos atacar os inimigos da sã doutrina, ou seja, os mestres do protognosticismoque apresentavam aos crentes uma falsa filosofia, proponente de uma cristologiareducionista (2.8-9) e marcada por legalismo e religiosidade estéreis, incapazes derefrear as inclinações da natureza pecaminosa (2.16-23). Assim, ao apontar os víciosdos “filhos da desobediência” é evidente que Paulo está descrevendo, inclusive, aconduta desses mesmos falsos mestres que, conforme visto acima, eram homenschocantemente imorais (2Pe 2.13-14) e também gananciosos (2Co 2.17; 1Tm 6.3-5; 2Pe2.1-3).A nova vida inaugurada pela fé em Cristo tem como marca o sepultamento (imediato ougradual) do modo de andar característico dos “filhos da desobediência”. Isso é ensinado

 por Paulo já a partir do v. 5. Agora, porém, no v. 8, ele amplia essa ideia, destacando o

dever que o crente tem de demonstrar o contraste entre seu passado (7) e o “agora”.Esse dever consiste do abandono não só dos vícios predominantemente sexuais alistadosno v. 5, mas também dos pecados de mau gênio e do uso inescrupuloso das palavras. Overbo usado por Paulo e vertido na NVI para abandonar  é ἀοηίμι, que também podeser traduzido como renunciar, por de lado, tirar do caminho ou remover. Seu usofigurado (como é o caso aqui) refere-se ao rompimento total com alguma formareprovável de comportamento, isto é, indica o livramento definitivo de um hábito ou deum estilo de vida que desagrada a Deus (Rm 13.12; Ef 4.22,25; Hb 12.1; Tg 1.21; 1Pe2.1).

Entre os pecados de mau gênio, o primeiro mencionado é a ira (ὀπγή). O próprio textoensina que Deus se ira (6), o que mostra que essa reação, em si, não é pecado. Aliás,Paulo sugere que é possível alguém ficar irado sem desagradar a Deus (Ef 4.26). A ira,

 porém, pode deixar de ser uma reação ocasional do coração e tornar-se a disposiçãonatural da alma, um estado de mente, um componente notório do temperamento e docaráter de uma pessoa. É essa inclinação rancorosa, mal humorada, amarga e pronta aatacar que a Bíblia condena (1Tm 2.8; Tg 1.19-20).O segundo pecado alistado é a indignação, termo que traduz a palavra grega ςμόρ.Trata-se, basicamente, de um sinônimo de ira, mas é usado para se referir a acessos decólera, isto é, a fúria inflamada. Paulo tem em mente aqui as explosões de raiva, o ódiodescontrolado e cego que arrebata os homens e os precipita na violência irrefletida (Mt2.16; Lc 4.28-29; At 19.28-29; Ef 4.31). Ainda que nos dias modernos essa reação sejaconsiderada “compulsiva”, ou seja, um surto emocional pelo qual o homem não podeser responsabilizado, a Bíblia a descreve como iniqüidade, um comportamento típico dequem não conhece a Deus, um pecado que deve ser abandonado pelos que, em Cristo,estão sendo conformados à imagem do seu Criador.

 Maldade dá sequência à lista. O significado da palavra usada por Paulo (κακία) é amplo.Abrange a disposição da mente para o mal e também a prática de atos iníquos. É, assim,a maldade inerente ao coração de alguém (At 8.22; Rm 1.29), bem como as ações

 perversas que brotam a partir desse mesmo coração (1Co 5.8).

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Depois de apontar os pecados de mau gênio, o Apóstolo volta sua pena contra o usoinescrupuloso das palavras. Nesse ponto ele reprova primeiramente a maledicência. Βλαζθμία é o termo usado aqui e descreve tanto o emprego da língua para destruir a

 boa reputação de alguém (2Pe 2.10-11) como o discurso que fere a majestade de Deus(Mc 2.7; Jo 10.33).O v. 8 termina com a menção da linguagem indecente (αἰζσπολογία). Paulo trata aquido discurso sujo, das palavras baixas e chulas que saem da boca dos incrédulos. Desde ameninice é comum os ímpios proferirem obscenidades, adotando um vocabuláriosórdido sem nenhum recato. Esse discurso vil e desavergonhado é percebido tanto nouso de palavras impróprias (Ef 4.29) como em conversas vulgares ou gracejos imorais(Ef 5.3-4). Seja qual for o caso, o crente precisa reconhecer que o modo como fala deverefletir sua nova condição espiritual, sendo inaceitável que a mesma boca que confessaJesus Cristo como Senhor também propale asquerosas podridões.O último pecado ligado ao uso das palavras é a mentira. “ Não mintam uns aos outros”,

escreve o Apóstolo (9). A mentira pode assumir as mais variadas formas. Todas elas, porém, têm por pai o diabo (Jo 8.44).[4] Sendo, pois, a igreja a coluna e o sustentáculoda verdade doutrinária (1Tm 3.15), sendo ela o bastião que defende a revelação daqueleque não pode mentir (Tt 1.1-2) e tendo a igreja sua própria origem na mais pura e santaverdade (Ef 1.13; Cl 1.5-6), é inadmissível que qualquer falsidade seja tolerada,

 propalada ou propagada em seu seio.Por isso, ainda que mentir para qualquer pessoa seja pecado, a menção de “uns aosoutros” (ἀλλήλοςρ) no v. 9 reflete a preocupação de Paulo com a preservação daverdade especialmente entre os crentes da igreja local (Ef 4.25). Aliás, é significativo

que o primeiro juízo de Deus contra o pecado dentro da comunidade cristã foi aplicado precisamente a um casal que mentiu na igreja (At 5.1-11). De fato, mentir para osirmãos é tão grave que nem o próprio Pedro, líder dos apóstolos, escapou da repreensãode Paulo quando, agindo com dissimulação, tentou enganar os delegados de Jerusalémque chegaram a Antioquia (Gl 2.11-14). A divulgação de mentiras no seio da igrejacertamente era uma marca dos mestres do gnosticismo nascente em Colossos, sendotambém esse um dos motivos pelos quais Paulo condena essa prática aqui.O motivo principal pelo qual os crentes não devem trocar mentiras entre si está no fatodeles formarem uma comunidade de pessoas que se “despiram do velho homem com

 suas práticas”. A figura evocada nessa passagem é, basicamente, a de alguém que tirouas roupas velhas que o cobriam e se livrou delas. Despir-se (ἀεκδύομαι) tem, pois, aquio sentido de despojar-se, separar-se de algo[5]. Certamente, com essa ilustração, oApóstolo quer criar na mente dos seus leitores a imagem do batismo, ocasião em que ocrente se despia antes de entrar na água, cobrindo-se depois com outras vestes.[6] Sendoesse o caso, Paulo, nesta passagem, novamente conecta o batismo à conversão e aoinício de uma vida nova (Rm 6.3-4). É que, conforme exposto anteriormente (veja-secomentário a 2.12), nos tempos dos apóstolos, a conversão e o batismo ocorriam deforma quase simultânea (At 2.41; 8.12, 36-38; 16.33, etc.). Daí a forte associação entreambos (1Pe 3.21).

Os crentes se despiram do “velho homem” (αλαιὸρ ἄνπυορ). O Apóstolo usa essaexpressão somente em outros dois lugares: Romanos 6.6 e Efésios 4.22. Em todas as

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ocorrências a figura se refere, basicamente, à natureza corrupta que domina osdescendentes de Adão. Os crentes foram despojados dessa natureza quando se ligaram aCristo (2.11-12). Por isso, mesmo que a “lei do pecado” ainda se insinue em sua vida(Rm 7.23), eles não vivem mais cobertos pelos trapos ou envolvidos nos farrapos danatureza adâmica ao ponto de serem vistos como molambos ou maltrapilhos moraisiguais aos incrédulos.O “velho homem” de que Paulo fala tem “ suas práticas” (πᾶξιρ), ou seja, realiza asobras que lhe são próprias (vv. 5, 8, 9). É fora de questão que a pessoa sem Cristo temuma maneira típica de agir e de lidar com as questões comuns da vida (Rm 8.5-8). Omodo como essa pessoa “funciona” leva-a a se corromper cada vez mais, numa práticaconstante de atos que Deus reprova (Ef 4.22; 2Tm 3.13; Ap 22.11). Ao despir-se dovelho homem, o crente se libertou também desses seus feitos, sendo, portanto,inaceitável que agora novamente caminhe, trôpego, sob o fardo de uma vida de pecados.Assim como, ao ser batizado na água, o crente tirou suas vestes e se cobriu com outras,

da mesma forma, ao se associar a Cristo pela fé, o convertido se revestiu do novohomem (10). Esse novo homem é a natureza regenerada, o caráter do próprio Cristo que

 passa a envolver o cristão[7], refreando suas inclinações e incluindo-o numa novahumanidade, onde não há barreiras entre os homens, nem diferentes graus de  status espiritual, como propunham os falsos mestres que atuavam na região de Colossos (v.11. Veja-se especialmente Gl 3.27-28).Segundo Paulo, esse novo homem ainda não está pronto. Antes “está sendo renovado”.O verbo usado (ἀνακαινόυ) significa, literalmente, fazer crescer ou tornar novo. Omodo como esse verbo é usado no texto indica um processo contínuo de renovação, no

qual a forma antiga e corrupta é substituída aos poucos pela nova (Gl 4.19; Ef 4.11-13;Fp 1.6; Cl 2.19).Basicamente, conforme realça Paulo, a natureza regenerada do crente se desenvolve àmedida que caminha rumo ao “pleno conhecimento” (εἰρ ἐίγνυζιν). A heresia que se

 propagava no Vale do Lico nos dias de Paulo ensinava uma antítese entre o mundomaterial e o espiritual. Os proponentes desse falso ensino apresentavam-se comoconhecedores dos mistérios ligados a essa suposta antítese e diziam que a salvaçãodependia do conhecimento pleno desses mesmos mistérios. Para eles, portanto, asalvação pertencia a uma classe privilegiada de pessoas, detentoras de informaçõessecretas acerca de realidades insondáveis e inacessíveis aos homens comuns (1Tm6.20).Para Paulo, porém, o “pleno conhecimento” é algo disponível a qualquer indivíduo quecrê no Salvador (1Co 1.5-6). Este renova seu modo de viver, aperfeiçoando-se a cadadia, na medida que cresce rumo à essa “gnose” completa e verdadeira. O objeto desseconhecimento capaz de renovar o homem foi apontado em 2.2-3: “...a fim de

conhecerem plenamente o mistério de Deus, a saber, Cristo. Nele estão escondidos

todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento”.

Assim, não há como o crente prosseguir na renovação de seus hábitos se não crescer noconhecimento da Pessoa e da vontade de Cristo (1.9-10). À parte do conhecimento dele,

não é possível desenvolver o caráter maduro e santo do homem novo (2Pe 1.3-4, 8). Por isso, um dos alvos supremos do cristão deve ser crescer no conhecimento do Senhor,

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sabendo que isso gerará reflexos na construção de uma vida marcada por conduta evalores magistrais (Ef 1.17; Fp 3.8; 2Pe 3.18). Em Colossos, contudo, ao propor alvosfantasiosos de conhecimento, os mestres heréticos tentavam afastar os cristãos dasverdades que podiam realmente transformá-los. Por isso, Paulo realçou o valor dagenuína gnose, na qual o homem novo cresce e que é capaz de mudar esplendidamente asua vida.O alvo final da renovação experimentada aos poucos pelo homem regenerado é a“imagem do seu Criador”. É evidente aqui a alusão a Gênesis 1.27. Ao recordar essetexto, é possível que Paulo quisesse propor como pano de fundo de seu pensamento ofato de ter havido um primeiro Adão, a partir de quem teve origem o ”velho homem”,ou seja, a humanidade corrompida. Então, em meio aos tristes ecos da verdade de que a

 primeira humanidade se perdeu, o Apóstolo contrapõe o ensino exultante de que écriada agora uma nova humanidade, a humanidade regenerada a partir da obra dosegundo Adão, Cristo (Rm 5.14-19; 1Co 15.45-49). Enquanto os participantes da velha

criação se corrompem, desfigurando a imagem de Deus neles gravada, as pessoas que participam da nova criação experimentam um processo de aperfeiçoamento e renovaçãono qual a imagem daquele que as criou é formada nelas (1Co 15.49; 2Co 5.17; Ef 2.10).As duas humanidades, portanto, seguem direções opostas: enquanto uma se desfaz, aoutra se refaz; enquanto uma se corrompe, a outra se santifica (Ef 4.22-24; Ap 22.11).O crescimento em direções opostas não é, contudo, a única diferença entre as duashumanidades. Há também disparidade no modo como as pessoas são classificadasdentro de cada uma delas. Se na humanidade decaída há distinções raciais, sociais,econômicas e culturais determinando o grau de importância, o valor das pessoas e a

amizade entre elas, na nova humanidade não é assim (11). Nela esse tipo de separaçãodesaparece (Ef 2.11-16: Gl 3.26-28). De fato, na comunidade dos santos todos seigualam como filhos de Deus e membros da mesma família (Ef 2.18-19).Paulo fala do fim da distinção entre gregos e judeus, mostrando assim que na novahumanidade não existe mais nenhum abismo de separação racial. Ele também se refere aesses grupos usando as palavras “circunciso e incircunciso”. Ora, a circuncisão era osinal da aliança exclusiva que os judeus tinham firmado com Deus (Gn 17.10-11).Portanto, ao dizer que entre os homens novos não há desigualdade entre circunciso eincircunciso, Paulo ensina que na humanidade redimida não existem diferenças de

 status espirituais diante de Deus, desaparecendo assim qualquer privilégio ou vantagemdessa natureza de uns sobre outros. Isso certamente representou um severo golpe contraa heresia que ameaçava a igreja de Colossos, pois combateu tanto sua tendência

 judaizante, como seu ensino de que os detentores da  gnose formavam uma classeespecial de homens espirituais.Além de não existir na nova humanidade nenhuma barreira racial ou espiritual, nelatambém desabam os muros que separam os homens de culturas e classes sociaisdiferentes. Paulo ensina isso ao fazer referência aos bárbaros. Ora, os bárbaros eram

 pessoas incultas e não civilizadas que, em sua maior parte, viviam além das fronteirasdo Império Romano, excluídas da participação de seus ricos benefícios, tolhidas de

qualquer direito de cidadania e totalmente estranhas à sofisticada cultura grega. Mesmo

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essas pessoas, porém, podiam participar da sociedade redimida e, assim, serem postasem pé de igualdade com todos os salvos.Entre os bárbaros, os que viviam na Cítia, região situada ao norte dos mares Negro eCáspio, eram os mais rudes. Os citas eram nômades selvagens com quem nenhumhomem civilizado desejaria ter comunhão. Pela fé em Cristo, porém, até mesmo pessoasassim são aproximadas e, segundo Paulo, passam a desfrutar da posição de homensnovos diante de Deus, sem nenhuma discriminação. Tampouco distinções econômicas

 persistem diante de Deus entre os componentes da nova humanidade. De fato, escravose livres também são nivelados entre os crentes, sendo todos igualmente redimidos pelosangue da cruz e participantes da herança celeste.A doutrina paulina de que na nova humanidade não existem distinções raciais, culturais,sociais ou econômicas não se baseia na análise externa dos fatos. Na verdade, é óbvioque entre o povo de Deus há ainda ricos e pobres, bem como pessoas de diferentesculturas e realidades sociais. O fundamento, porém, para o ensino acerca da ausência de

distinções entre os homens novos é o fato de que, para o pov o salvo, “Cristo é tudo emtodos” (ARA), ou seja, somente a pessoa e presença de Cristo são importantes narealidade vivida por cada um. Qualquer detalhe fora disso é secundário e irrelevante. Énesse sentido que todos os crentes se igualam e nivelam, ainda que distinções nãoessenciais sejam ainda percebidas no tempo presente.Conforme tem sido enfatizado, o protognosticismo ensinava a existência de uma eliteespiritual que, por ser a suposta detentora de conhecimentos especiais, se situava acimadas demais pessoas. O ensino de Paulo sobre a ausência de distinções entre os homensnovos obviamente tem como alvo destruir essa pretensão. Porém, é possível que a meta

apologética do Apóstolo ultrapasse esse objetivo. Não se pode detectar os contornosespecíficos da heresia gnóstica que tomava forma nos dias de Paulo. Porém, sabe-se queformas desenvolvidas do gnosticismo, presentes em séculos posteriores, ensinavam umafutura abolição de diferenças entre as “almas esclarecidas”. O maniqueísmo, por exemplo, anelava o dia em que os espíritos despertos mergulhariam no Reino da Luz eviveriam finalmente em doce harmonia, nutridos por fortes laços de amizade espiritual elivres de todas as distinções impostas pela matéria má.[8]  Talvez alguns embriõesdessas ideias já existissem ao tempo de Paulo. Ele então destaca que a igualdade entreos homens viabilizada por Cristo não é apenas o objeto da esperança futura dos crentes,mas também uma realidade vívida e atual, desfrutada desde já pelos homens novos,gente que pouco se importa com diferenças de classe e formação, pessoas para quemhoje mesmo Cristo é tudo e o resto é resto.

[1]  O uso do mesmo verbo grego em Romanos 4.19 e Hebreus 11.12 ilustra bem osentido pretendido no versículo em análise.[2] Em 1Coríntios 6.13 fica claro que alguns coríntios pensavam que, assim como o usoirrestrito de alimentos não desagradava a Deus, da mesma forma o uso irrestrito do sexonão traria qualquer prejuízo espiritual. Paulo concorda com a primeira cláusula, masrecusa a segunda.

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[3]  Veja-se especialmente em Romanos 1 a expressão “Deus [ou ele] os entregou”, presente nos vv. 24, 26 e 28. Note-se ainda que, de acordo com o v. 27, os ímpios já“receberam em si mesmos o castigo merecido pela sua perversão”. [4]  Há episódios no VT em que a mentira parece ser uma solução aceitável,notadamente em situações em que dizer a verdade põe em risco a vida de alguém (Js2.1-6; 1Sm 20.5-6; 2Rs 6.18-20). Isso talvez indique que, havendo uma situação deconflito entre dois valores, o “maior” entre eles deve ser preservado, em detrimento dooutro. O fato, porém, dos textos mencionados não terem como propósito enunciar essecritério, faz com que sua aplicação seja questionável, até porque não há fundamentosólido para a afirmação de que a vida é um valor maior do que a verdade. [5] Em 2.15, o verbo tem o sentido de desarmar , mas esse significado é pouco provávelaqui.[6]  Essa sugestão encontra-se em MARTIN, Ralph P. Colossenses e Filemom:

introdução e comentário. Série Cultura Bíblica. Vol. 12. São Paulo: Vida Nova e Mundo

Cristão, 1984. p. 116-117.[7] Veja-se Romanos 13.14, onde Paulo evoca a mesma figura, ensinando, porém, que ocrente deve revestir-se (ἐνδύυ – o mesmo verbo usado em Cl 3.10) do Senhor Jesus

Cristo.[8] O maniqueísmo foi uma seita de natureza gnóstica fundada por Mani (216 - c. 277),um filósofo persa que se denominava o parácleto enviado pelo “Pai da Luz”. Em 1992foram encontrados diversos textos e cartas maniqueístas no Egito ocidental. Essesdocumentos revelaram o anseio dessa seita pelo livramento das diferenças que marcama realidade presente. (Veja-se BROWN, Peter. Santo Agostinho: uma biografia. Rio de

Janeiro: Record, 2006. p. 596).

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Colossenses 3.5-11 - O Abandono da Velha Vida

Tendo destacado que ao crente foi dado participar da vida do Cristo exaltado, devendoagora pensar nas coisas do alto e buscá-las com zelo vigoroso; e tendo ainda ensinadoque essa vida está envolta em uma glória majestosa que um dia se manifestará, Pauloinicia um novo parágrafo alistando traços da vida sem Deus que devem ser abandonados

 pelo cristão a fim de que sua conduta se harmonize de maneira mais perfeita com arealidade espiritual de que ele agora faz parte. A palavra “Assim” (Gr. pois, portanto),constante do início do v. 5, evidencia essa relação de resultado entre o que foi dito nosvv. 1-4 e o que vem a seguir.Inicialmente, Paulo emite uma admoestação ampla: “ ...façam morrer tudo o que

 pertence à natureza terrena de vocês” (5). A expressão “façam morrer” significa aqui privar de poder, destruir a força, deixar sem vitalidade ou enfraquecer .[1]  O impulsoque o cristão deve lutar para debilitar é a sua “natureza terrena”. O texto grego refere-se

a essa natureza com as palavras “os membros sobre a terra”, dando a entender qu e oscrentes devem se esforçar para minar o vigor das inclinações pecaminosas que atuamem seu corpo na presente realidade terrena. O corpo físico não é mau, como dizia ognosticismo incipiente, mas é um veículo através do qual a força do pecado se manifesta(Rm 7.5, 21-24).Conforme visto em 2.11, é certo que, ao tempo da conversão, a natureza pecaminosa docrente sofreu um severo golpe. Porém, não há dúvida de que ela continua viva e

 presente, pelo que o crente tem a responsabilidade de amortecê-la, ainda que isso só seja possível através da capacitação do Espírito Santo (Rm 8.13). Segundo o ensino paulino,

essa batalha não ocorre apenas no universo mental do indivíduo convertido (Rm 7.23),mas consiste também do esforço prático por manter um modelo íntegro de vida,marcado pela abstenção de qualquer conduta desonrosa (Rm 6.12-13,19; 1Ts 4.3-5).Aliás, na lista constante do v.5 (ampliada nos vv. 8-9) é muito clara a idéia de que oempenho por fazer morrer a natureza terrena abrange o afastamento e total abandono detodas as práticas próprias da velha vida. Assim, não há dúvidas de que o desviar-se doerro é um dos remédios mais eficazes para inibir o ímpeto do mal ainda presente nosfilhos de Deus.

 No v. 5, Paulo alista cinco desvios que emanam da natureza terrena. A lista, assim comono v. 8, não é exaustiva, mas apenas fornece exemplos de vícios em que os crentes

 podem cair caso não amorteçam o pecado que subsiste em seus membros.O primeiro vício mencionado é a imoralidade sexual . O termo tem sentido abrangente(1Co 6.18), sendo usado para referir-se a todo tipo de intercurso sexual ilícito eextramarital (adultério, fornicação, prostituição, etc). Relações antinaturais também sãoincluídas no significado da palavra usada aqui (1Co 5.1). Que a imoralidade é obra dacarne é expressamente ensinado em Gálatas 5.19, sendo dever do crente fugir dela (1Ts4.3-5).Como é sabido, o protognosticismo que marcou o século I cultivava total desprezo pelamatéria. Especificamente na região de Colossos, fica claro que esse desprezo se

expressava na rejeição de certos prazeres corporais (2.16, 20-23). Aliás, outros textosneotestamentários revelam que alguns proponentes do gnosticismo nascente

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censuravam inclusive os deleites do leito conjugal, chegando a proibir o casamento(1Co 7.1-5; 1Tm 4.1-3; Hb 13.4).Por outro lado, a cosmovisão que considerava o corpo físico essencialmente mau,muitas vezes desencadeava a mais chocante devassidão como forma de desprezo pelasubstância material. Ademais, essa concepção tendia a crer que a alma, em totalcontraste com a realidade palpável, era absolutamente pura, não podendo ser corrompida pelos atos do corpo (1Co 6.13[2]). Evidentemente, os desdobramentos

 práticos dessas ideias eram comportamentos assinalados pela mais completaimoralidade (2Tm 3.6-9; 2Pe 2.13-14, 17-19; Jd 1.4, 8, 12-13, 16). Ora, Paulo sabia quea falsa gnose, a despeito de sua aparente piedade, era incapaz de refrear os impulsos danatureza terrena (2.23), podendo, na verdade, até mesmo estimulá-los. Daí seu alerta aoscolossenses no sentido de que fugissem de toda forma de corrupção sexual.Os três vícios mencionados a seguir têm também conotação sexual, mas podemabranger outras esferas em que a pecaminosidade humana se manifesta.  Impureza 

refere-se a todo tipo de imundícia, tanto moral como “natural” ou física (Mt 23.27), massomente o primeiro sentido é pretendido aqui (Assim tb. em Rm 6.19; 2Co 12.21; Ef 4.19; 5.3). A impureza moral, além de envolver a luxúria (Rm 1.24), também englobamotivações sujas (1Ts 2.3). Em 1Coríntios 7.14, o termo “impuro” é aplicado a pessoasque estão fora de qualquer influência santificadora.A palavra traduzida como “paixão” é pathos e aplica-se a qualquer afeição desordenada,mas no NT, onde ocorre em apenas outros dois lugares, é usada especialmente paraaludir ao desejo sexual ardente, desonroso e depravado (Rm 1.26; 1Ts 4.5).  Pathos éuma doença espiritual que subjuga a alma tornando-a inquieta, continuamente sedenta,

sempre desejosa de satisfazer apetites impuros.A próxima expressão foi traduzida como  desejos maus. Basicamente é sinônima dotermo que a antecede. Trata-se, pois, da cobiça, da ambição, do intenso anseio por algoilícito (Rm 6.12; 13.14; Gl 5.16; 1Tm 6.9; Tt 3.3; 2Pe 3.3).A lista do v. 5 termina com a menção da ganância. A palavra usada pelo Apóstolodesigna o desejo insaciável de adquirir bens materiais (Mc 7.21-22; Rm 1.29; Ef 5.3).Esse pecado induz, às vezes, à uma generosidade anêmica, rara e forçada (2Co 9.5). Otermo também descreve o anelo desenfreado por obter aquilo que pertence a outra

 pessoa, o que induz à prática de fraude e extorsão (1Ts 2.5; 2Pe 2.3). Paulo considera aganância “idolatria” porque esse desvio faz das posses de um homem o centro da suavida, a razão de sua existência (Lc 12.15). Contaminado por esse pecado, o indivíduo setorna servo e adorador das riquezas, ficando impedido de servir a Deus (Lc 16.13-14). É

 por isso que, com justiça, os avarentos não têm parte no Reino dos Céus (Mt 13.22;19.22; Ef 5.5).Paulo encoraja os seus leitores a viverem longe dos vícios alistados no v. 5 dizendo queesses desvios são a causa pela qual a ira de Deus sobrevém aos descrentes (6). A iramencionada pelo apóstolo é o castigo pós-morte, conforme se depreende do “textogêmeo” de Efésios 5.5-6, onde é clara a conexão entre a indignação divina e acondenação eterna. Aliás, é inegável que os escritos de Paulo façam clara referência à

fúria escatológica do Senhor (Rm 2.5; 1Ts 1.10; 5.9; 2Ts 1.5-10). Deve-se aindadestacar que, à luz do ensino geral que emana de todo o Novo Testamento, essa fúria

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não tem como causa apenas o comportamento desregrado e promíscuo das pessoas(como uma leitura irrefletida de Colossenses 3.6 poderia dar a entender), mas também efundamentalmente, a incredulidade presente no coração de quem rejeita o Filho e nãoatende ao convite constante da mensagem evangélica de recebê-lo pela fé (Jo 3.36; Rm2.8; 5.8-9; 2Ts 1.8; Hb 10.29).Ainda que a ira de que fala o v. 6 seja aquela que se revelará no dia futuro ou narealidade além, é preciso lembrar que o ensino paulino mais amplo concede tambémespaço para manifestações da ira de Deus contra a impiedade humana já no presente.Romanos 1 é o texto áureo acerca desse assunto, posto que ali o Apóstolo afirmaclaramente o derramamento da cólera divina sobre os maus ainda nesta vida (Rm 1.18),explicando que essa fúria se extravasa numa “entrega” de tais homens às maisgrosseiras formas de perversão (Rm 1.24-31).[3] Vista sob esse aspecto, a ira de Deus contra o pecado não é inerte ou inoperante no

 presente. Ela atua, não só trazendo (eventualmente) grandes calamidades físicas e

materiais sobre os inimigos do Senhor (At 12.23), mas também transformando-os emmonstros assombrosos, com repugnantes deformidades de caráter. Ora, nenhumacalamidade maior pode sobrevir a alguém neste mundo do que ser portador de uma almaapodrecida, que se deleita no próprio mal que a corrói e sorri satisfeita diante de cadanovo tumor que descobre em si mesma. É, porém, precisamente com essas trevasinteriores que Deus visita os maus hoje, antes de lançá-los nas trevas exteriores aindamais densas amanhã.O versículo 6 termina classificando os incrédulos, aqueles sobre quem a ira de Deusvirá, como “filhos da desobediência”. Algumas traduções colocam toda a expressão

entre colchetes (e.g. ARA). Isso acontece devido a sua ausência em alguns manuscritosantigos importantes. Dificilmente, porém, a frase não constava do original.Primeiramente porque ela dá ao v. 6 um desfecho mais natural e esperado. Em segundolugar porque os manuscritos que a incluem são numerosos e fazem a evidência pesar emfavor da leitura mais longa.“Filhos da desobediência” é expressão que designa pessoas cujo traço principal deconduta é a rebelião contra a vontade moral de Deus (Ef 2.2-3). Tais indivíduos vivemdesobedecendo. Os caminhos que trilham são tortuosos e eles andam por essas sendascontinuamente, revelando-se incapazes de ouvir o que o Senhor ordena. Sua relaçãocom a desobediência é, portanto, tão íntima quanto a relação mãe/filho. Os laços queunem esses homens à rebelião são fortes como os laços de filiação. Na verdade, essaassociação é tão intensa que não basta dizer que o “filho da desobediência” é alguémque desobedece. Antes, é preciso descrevê-lo como um indivíduo que está sob o poder da desobediência; alguém naturalmente inclinado a desprezar o que Deus requer daconduta humana (Gn 6.5; Jr 13.23).Isso fica ainda mais evidente no v. 7, onde Paulo sugere que no passado seus leitoresforam, eles próprios, filhos da desobediência. Com efeito, o Apóstolo afirma que oscolossenses, antes da conversão, “andaram” e “viveram” nos vícios descritos no v. 5. Osverbos usados aqui (επιαηέυ e άυ) indicam a ideia de regular a vida a partir dos

desvios alistados. Paulo diz, portanto, que os colossenses tinham passado seus dias de

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incredulidade sob a orientação do pecado, ligados continuamente ao mal. Como se vê,os filhos da desobediência moram com a mãe!

 Não se pode perder de vista que, escrevendo aos colossenses, Paulo tem como um dosseus alvos atacar os inimigos da sã doutrina, ou seja, os mestres do protognosticismoque apresentavam aos crentes uma falsa filosofia, proponente de uma cristologiareducionista (2.8-9) e marcada por legalismo e religiosidade estéreis, incapazes derefrear as inclinações da natureza pecaminosa (2.16-23). Assim, ao apontar os víciosdos “filhos da desobediência” é evidente que Paulo está descrevendo, inclusive, aconduta desses mesmos falsos mestres que, conforme visto acima, eram homenschocantemente imorais (2Pe 2.13-14) e também gananciosos (2Co 2.17; 1Tm 6.3-5; 2Pe2.1-3).A nova vida inaugurada pela fé em Cristo tem como marca o sepultamento (imediato ougradual) do modo de andar característico dos “filhos da desobediência”. Isso é ensinado

 por Paulo já a partir do v. 5. Agora, porém, no v. 8, ele amplia essa ideia, destacando o

dever que o crente tem de demonstrar o contraste entre seu passado (7) e o “agora”.Esse dever consiste do abandono não só dos vícios predominantemente sexuais alistadosno v. 5, mas também dos pecados de mau gênio e do uso inescrupuloso das palavras. Overbo usado por Paulo e vertido na NVI para abandonar  é ἀοηίμι, que também podeser traduzido como renunciar, por de lado, tirar do caminho ou remover. Seu usofigurado (como é o caso aqui) refere-se ao rompimento total com alguma formareprovável de comportamento, isto é, indica o livramento definitivo de um hábito ou deum estilo de vida que desagrada a Deus (Rm 13.12; Ef 4.22,25; Hb 12.1; Tg 1.21; 1Pe2.1).

Entre os pecados de mau gênio, o primeiro mencionado é a ira (ὀπγή). O próprio textoensina que Deus se ira (6), o que mostra que essa reação, em si, não é pecado. Aliás,Paulo sugere que é possível alguém ficar irado sem desagradar a Deus (Ef 4.26). A ira,

 porém, pode deixar de ser uma reação ocasional do coração e tornar-se a disposiçãonatural da alma, um estado de mente, um componente notório do temperamento e docaráter de uma pessoa. É essa inclinação rancorosa, mal humorada, amarga e pronta aatacar que a Bíblia condena (1Tm 2.8; Tg 1.19-20).O segundo pecado alistado é a indignação, termo que traduz a palavra grega ςμόρ.Trata-se, basicamente, de um sinônimo de ira, mas é usado para se referir a acessos decólera, isto é, a fúria inflamada. Paulo tem em mente aqui as explosões de raiva, o ódiodescontrolado e cego que arrebata os homens e os precipita na violência irrefletida (Mt2.16; Lc 4.28-29; At 19.28-29; Ef 4.31). Ainda que nos dias modernos essa reação sejaconsiderada “compulsiva”, ou seja, um surto emocional pelo qual o homem não podeser responsabilizado, a Bíblia a descreve como iniqüidade, um comportamento típico dequem não conhece a Deus, um pecado que deve ser abandonado pelos que, em Cristo,estão sendo conformados à imagem do seu Criador.

 Maldade dá sequência à lista. O significado da palavra usada por Paulo (κακία) é amplo.Abrange a disposição da mente para o mal e também a prática de atos iníquos. É, assim,a maldade inerente ao coração de alguém (At 8.22; Rm 1.29), bem como as ações

 perversas que brotam a partir desse mesmo coração (1Co 5.8).

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Depois de apontar os pecados de mau gênio, o Apóstolo volta sua pena contra o usoinescrupuloso das palavras. Nesse ponto ele reprova primeiramente a maledicência. Βλαζθμία é o termo usado aqui e descreve tanto o emprego da língua para destruir a

 boa reputação de alguém (2Pe 2.10-11) como o discurso que fere a majestade de Deus(Mc 2.7; Jo 10.33).O v. 8 termina com a menção da linguagem indecente (αἰζσπολογία). Paulo trata aquido discurso sujo, das palavras baixas e chulas que saem da boca dos incrédulos. Desde ameninice é comum os ímpios proferirem obscenidades, adotando um vocabuláriosórdido sem nenhum recato. Esse discurso vil e desavergonhado é percebido tanto nouso de palavras impróprias (Ef 4.29) como em conversas vulgares ou gracejos imorais(Ef 5.3-4). Seja qual for o caso, o crente precisa reconhecer que o modo como fala deverefletir sua nova condição espiritual, sendo inaceitável que a mesma boca que confessaJesus Cristo como Senhor também propale asquerosas podridões.O último pecado ligado ao uso das palavras é a mentira. “ Não mintam uns aos outros”,

escreve o Apóstolo (9). A mentira pode assumir as mais variadas formas. Todas elas, porém, têm por pai o diabo (Jo 8.44).[4] Sendo, pois, a igreja a coluna e o sustentáculoda verdade doutrinária (1Tm 3.15), sendo ela o bastião que defende a revelação daqueleque não pode mentir (Tt 1.1-2) e tendo a igreja sua própria origem na mais pura e santaverdade (Ef 1.13; Cl 1.5-6), é inadmissível que qualquer falsidade seja tolerada,

 propalada ou propagada em seu seio.Por isso, ainda que mentir para qualquer pessoa seja pecado, a menção de “uns aosoutros” (ἀλλήλοςρ) no v. 9 reflete a preocupação de Paulo com a preservação daverdade especialmente entre os crentes da igreja local (Ef 4.25). Aliás, é significativo

que o primeiro juízo de Deus contra o pecado dentro da comunidade cristã foi aplicado precisamente a um casal que mentiu na igreja (At 5.1-11). De fato, mentir para osirmãos é tão grave que nem o próprio Pedro, líder dos apóstolos, escapou da repreensãode Paulo quando, agindo com dissimulação, tentou enganar os delegados de Jerusalémque chegaram a Antioquia (Gl 2.11-14). A divulgação de mentiras no seio da igrejacertamente era uma marca dos mestres do gnosticismo nascente em Colossos, sendotambém esse um dos motivos pelos quais Paulo condena essa prática aqui.O motivo principal pelo qual os crentes não devem trocar mentiras entre si está no fatodeles formarem uma comunidade de pessoas que se “despiram do velho homem com

 suas práticas”. A figura evocada nessa passagem é, basicamente, a de alguém que tirouas roupas velhas que o cobriam e se livrou delas. Despir-se (ἀεκδύομαι) tem, pois, aquio sentido de despojar-se, separar-se de algo[5]. Certamente, com essa ilustração, oApóstolo quer criar na mente dos seus leitores a imagem do batismo, ocasião em que ocrente se despia antes de entrar na água, cobrindo-se depois com outras vestes.[6] Sendoesse o caso, Paulo, nesta passagem, novamente conecta o batismo à conversão e aoinício de uma vida nova (Rm 6.3-4). É que, conforme exposto anteriormente (veja-secomentário a 2.12), nos tempos dos apóstolos, a conversão e o batismo ocorriam deforma quase simultânea (At 2.41; 8.12, 36-38; 16.33, etc.). Daí a forte associação entreambos (1Pe 3.21).

Os crentes se despiram do “velho homem” (αλαιὸρ ἄνπυορ). O Apóstolo usa essaexpressão somente em outros dois lugares: Romanos 6.6 e Efésios 4.22. Em todas as

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ocorrências a figura se refere, basicamente, à natureza corrupta que domina osdescendentes de Adão. Os crentes foram despojados dessa natureza quando se ligaram aCristo (2.11-12). Por isso, mesmo que a “lei do pecado” ainda se insinue em sua vida(Rm 7.23), eles não vivem mais cobertos pelos trapos ou envolvidos nos farrapos danatureza adâmica ao ponto de serem vistos como molambos ou maltrapilhos moraisiguais aos incrédulos.O “velho homem” de que Paulo fala tem “ suas práticas” (πᾶξιρ), ou seja, realiza asobras que lhe são próprias (vv. 5, 8, 9). É fora de questão que a pessoa sem Cristo temuma maneira típica de agir e de lidar com as questões comuns da vida (Rm 8.5-8). Omodo como essa pessoa “funciona” leva-a a se corromper cada vez mais, numa práticaconstante de atos que Deus reprova (Ef 4.22; 2Tm 3.13; Ap 22.11). Ao despir-se dovelho homem, o crente se libertou também desses seus feitos, sendo, portanto,inaceitável que agora novamente caminhe, trôpego, sob o fardo de uma vida de pecados.Assim como, ao ser batizado na água, o crente tirou suas vestes e se cobriu com outras,

da mesma forma, ao se associar a Cristo pela fé, o convertido se revestiu do novohomem (10). Esse novo homem é a natureza regenerada, o caráter do próprio Cristo que

 passa a envolver o cristão[7], refreando suas inclinações e incluindo-o numa novahumanidade, onde não há barreiras entre os homens, nem diferentes graus de  status espiritual, como propunham os falsos mestres que atuavam na região de Colossos (v.11. Veja-se especialmente Gl 3.27-28).Segundo Paulo, esse novo homem ainda não está pronto. Antes “está sendo renovado”.O verbo usado (ἀνακαινόυ) significa, literalmente, fazer crescer ou tornar novo. Omodo como esse verbo é usado no texto indica um processo contínuo de renovação, no

qual a forma antiga e corrupta é substituída aos poucos pela nova (Gl 4.19; Ef 4.11-13;Fp 1.6; Cl 2.19).Basicamente, conforme realça Paulo, a natureza regenerada do crente se desenvolve àmedida que caminha rumo ao “pleno conhecimento” (εἰρ ἐίγνυζιν). A heresia que se

 propagava no Vale do Lico nos dias de Paulo ensinava uma antítese entre o mundomaterial e o espiritual. Os proponentes desse falso ensino apresentavam-se comoconhecedores dos mistérios ligados a essa suposta antítese e diziam que a salvaçãodependia do conhecimento pleno desses mesmos mistérios. Para eles, portanto, asalvação pertencia a uma classe privilegiada de pessoas, detentoras de informaçõessecretas acerca de realidades insondáveis e inacessíveis aos homens comuns (1Tm6.20).Para Paulo, porém, o “pleno conhecimento” é algo disponível a qualquer indivíduo quecrê no Salvador (1Co 1.5-6). Este renova seu modo de viver, aperfeiçoando-se a cadadia, na medida que cresce rumo à essa “gnose” completa e verdadeira. O objeto desseconhecimento capaz de renovar o homem foi apontado em 2.2-3: “...a fim de

conhecerem plenamente o mistério de Deus, a saber, Cristo. Nele estão escondidos

todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento”.

Assim, não há como o crente prosseguir na renovação de seus hábitos se não crescer noconhecimento da Pessoa e da vontade de Cristo (1.9-10). À parte do conhecimento dele,

não é possível desenvolver o caráter maduro e santo do homem novo (2Pe 1.3-4, 8). Por isso, um dos alvos supremos do cristão deve ser crescer no conhecimento do Senhor,

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sabendo que isso gerará reflexos na construção de uma vida marcada por conduta evalores magistrais (Ef 1.17; Fp 3.8; 2Pe 3.18). Em Colossos, contudo, ao propor alvosfantasiosos de conhecimento, os mestres heréticos tentavam afastar os cristãos dasverdades que podiam realmente transformá-los. Por isso, Paulo realçou o valor dagenuína gnose, na qual o homem novo cresce e que é capaz de mudar esplendidamente asua vida.O alvo final da renovação experimentada aos poucos pelo homem regenerado é a“imagem do seu Criador”. É evidente aqui a alusão a Gênesis 1.27. Ao recordar essetexto, é possível que Paulo quisesse propor como pano de fundo de seu pensamento ofato de ter havido um primeiro Adão, a partir de quem teve origem o ”velho homem”,ou seja, a humanidade corrompida. Então, em meio aos tristes ecos da verdade de que a

 primeira humanidade se perdeu, o Apóstolo contrapõe o ensino exultante de que écriada agora uma nova humanidade, a humanidade regenerada a partir da obra dosegundo Adão, Cristo (Rm 5.14-19; 1Co 15.45-49). Enquanto os participantes da velha

criação se corrompem, desfigurando a imagem de Deus neles gravada, as pessoas que participam da nova criação experimentam um processo de aperfeiçoamento e renovaçãono qual a imagem daquele que as criou é formada nelas (1Co 15.49; 2Co 5.17; Ef 2.10).As duas humanidades, portanto, seguem direções opostas: enquanto uma se desfaz, aoutra se refaz; enquanto uma se corrompe, a outra se santifica (Ef 4.22-24; Ap 22.11).O crescimento em direções opostas não é, contudo, a única diferença entre as duashumanidades. Há também disparidade no modo como as pessoas são classificadasdentro de cada uma delas. Se na humanidade decaída há distinções raciais, sociais,econômicas e culturais determinando o grau de importância, o valor das pessoas e a

amizade entre elas, na nova humanidade não é assim (11). Nela esse tipo de separaçãodesaparece (Ef 2.11-16: Gl 3.26-28). De fato, na comunidade dos santos todos seigualam como filhos de Deus e membros da mesma família (Ef 2.18-19).Paulo fala do fim da distinção entre gregos e judeus, mostrando assim que na novahumanidade não existe mais nenhum abismo de separação racial. Ele também se refere aesses grupos usando as palavras “circunciso e incircunciso”. Ora, a circuncisão era osinal da aliança exclusiva que os judeus tinham firmado com Deus (Gn 17.10-11).Portanto, ao dizer que entre os homens novos não há desigualdade entre circunciso eincircunciso, Paulo ensina que na humanidade redimida não existem diferenças de

 status espirituais diante de Deus, desaparecendo assim qualquer privilégio ou vantagemdessa natureza de uns sobre outros. Isso certamente representou um severo golpe contraa heresia que ameaçava a igreja de Colossos, pois combateu tanto sua tendência

 judaizante, como seu ensino de que os detentores da  gnose formavam uma classeespecial de homens espirituais.Além de não existir na nova humanidade nenhuma barreira racial ou espiritual, nelatambém desabam os muros que separam os homens de culturas e classes sociaisdiferentes. Paulo ensina isso ao fazer referência aos bárbaros. Ora, os bárbaros eram

 pessoas incultas e não civilizadas que, em sua maior parte, viviam além das fronteirasdo Império Romano, excluídas da participação de seus ricos benefícios, tolhidas de

qualquer direito de cidadania e totalmente estranhas à sofisticada cultura grega. Mesmo

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essas pessoas, porém, podiam participar da sociedade redimida e, assim, serem postasem pé de igualdade com todos os salvos.Entre os bárbaros, os que viviam na Cítia, região situada ao norte dos mares Negro eCáspio, eram os mais rudes. Os citas eram nômades selvagens com quem nenhumhomem civilizado desejaria ter comunhão. Pela fé em Cristo, porém, até mesmo pessoasassim são aproximadas e, segundo Paulo, passam a desfrutar da posição de homensnovos diante de Deus, sem nenhuma discriminação. Tampouco distinções econômicas

 persistem diante de Deus entre os componentes da nova humanidade. De fato, escravose livres também são nivelados entre os crentes, sendo todos igualmente redimidos pelosangue da cruz e participantes da herança celeste.A doutrina paulina de que na nova humanidade não existem distinções raciais, culturais,sociais ou econômicas não se baseia na análise externa dos fatos. Na verdade, é óbvioque entre o povo de Deus há ainda ricos e pobres, bem como pessoas de diferentesculturas e realidades sociais. O fundamento, porém, para o ensino acerca da ausência de

distinções entre os homens novos é o fato de que, para o pov o salvo, “Cristo é tudo emtodos” (ARA), ou seja, somente a pessoa e presença de Cristo são importantes narealidade vivida por cada um. Qualquer detalhe fora disso é secundário e irrelevante. Énesse sentido que todos os crentes se igualam e nivelam, ainda que distinções nãoessenciais sejam ainda percebidas no tempo presente.Conforme tem sido enfatizado, o protognosticismo ensinava a existência de uma eliteespiritual que, por ser a suposta detentora de conhecimentos especiais, se situava acimadas demais pessoas. O ensino de Paulo sobre a ausência de distinções entre os homensnovos obviamente tem como alvo destruir essa pretensão. Porém, é possível que a meta

apologética do Apóstolo ultrapasse esse objetivo. Não se pode detectar os contornosespecíficos da heresia gnóstica que tomava forma nos dias de Paulo. Porém, sabe-se queformas desenvolvidas do gnosticismo, presentes em séculos posteriores, ensinavam umafutura abolição de diferenças entre as “almas esclarecidas”. O maniqueísmo, por exemplo, anelava o dia em que os espíritos despertos mergulhariam no Reino da Luz eviveriam finalmente em doce harmonia, nutridos por fortes laços de amizade espiritual elivres de todas as distinções impostas pela matéria má.[8]  Talvez alguns embriõesdessas ideias já existissem ao tempo de Paulo. Ele então destaca que a igualdade entreos homens viabilizada por Cristo não é apenas o objeto da esperança futura dos crentes,mas também uma realidade vívida e atual, desfrutada desde já pelos homens novos,gente que pouco se importa com diferenças de classe e formação, pessoas para quemhoje mesmo Cristo é tudo e o resto é resto.

[1]  O uso do mesmo verbo grego em Romanos 4.19 e Hebreus 11.12 ilustra bem osentido pretendido no versículo em análise. [2] Em 1Coríntios 6.13 fica claro que alguns coríntios pensavam que, assim como o usoirrestrito de alimentos não desagradava a Deus, da mesma forma o uso irrestrito do sexonão traria qualquer prejuízo espiritual. Paulo concorda com a primeira cláusula, masrecusa a segunda.

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[3]  Veja-se especialmente em Romanos 1 a expressão “Deus [ou ele] os entregou”, presente nos vv. 24, 26 e 28. Note-se ainda que, de acordo com o v. 27, os ímpios já“receberam em si mesmos o castigo merecido pela sua perversão”. [4]  Há episódios no VT em que a mentira parece ser uma solução aceitável,notadamente em situações em que dizer a verdade põe em risco a vida de alguém (Js2.1-6; 1Sm 20.5-6; 2Rs 6.18-20). Isso talvez indique que, havendo uma situação deconflito entre dois valores, o “maior” entre eles deve ser preservado, em detrimento dooutro. O fato, porém, dos textos mencionados não terem como propósito enunciar essecritério, faz com que sua aplicação seja questionável, até porque não há fundamentosólido para a afirmação de que a vida é um valor maior do que a verdade.[5] Em 2.15, o verbo tem o sentido de desarmar , mas esse significado é pouco provávelaqui.[6]  Essa sugestão encontra-se em MARTIN, Ralph P. Colossenses e Filemom:

introdução e comentário. Série Cultura Bíblica. Vol. 12. São Paulo: Vida Nova e Mundo

Cristão, 1984. p. 116-117.[7] Veja-se Romanos 13.14, onde Paulo evoca a mesma figura, ensinando, porém, que ocrente deve revestir-se (ἐνδύυ – o mesmo verbo usado em Cl 3.10) do Senhor Jesus

Cristo.[8] O maniqueísmo foi uma seita de natureza gnóstica fundada por Mani (216 - c. 277),um filósofo persa que se denominava o parácleto enviado pelo “Pai da Luz”. Em 1992foram encontrados diversos textos e cartas maniqueístas no Egito ocidental. Essesdocumentos revelaram o anseio dessa seita pelo livramento das diferenças que marcama realidade presente. (Veja-se BROWN, Peter. Santo Agostinho: uma biografia. Rio de

Janeiro: Record, 2006. p. 596).

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Colossenses 3.18-4.1 - A Casa dos Homens Novos

A heresia que se propagava em Colossos, com sua tônica numa suposta elite espiritual,estimulava o orgulho, a postura arrogante diante de qualquer um que não pertencesse aogrupo de homens “espirituais” e que não tivesse acesso ao pleno conhecimento do queos hereges entendiam ser os mistérios divinos. Os proponentes dessas doutrinastentavam passar uma imagem de humildade diante de todos, mas Paulo os desmascarouna Carta aos Colossenses, dizendo que sua modéstia era apenas aparente – um conjuntode práticas ascéticas que não servia para nada (2.18, 23).O fato é que, propagando desvios daquela natureza, os mestres do gnosticismo nascentecertamente estimulavam em seus seguidores um insuportável sentimento desuperioridade. Ora, é notório que pessoas que nutrem esses sentimentos são orgulhosas,não se sujeitam a ninguém, antes desprezam e humilham os outros. Especialmenteaqueles com quem convivem têm que enfrentar manifestações diárias de rebeldia e

aspereza, além de assistir constantes brigas e práticas injustas. Vê-se, assim, que daheresia nasce o orgulho e do orgulho vêm as discórdias (1Tm 6.3-5).Evidentemente, os sinais malignos da soberba são sentidos primeiramente em casa. Por isso, depois de ensinar como os crentes devem agir na igreja, no convívio com osirmãos (3.12-17), Paulo se volta para o lar cristão, admoestando esposas, maridos, filhose pais a nutrir entre si uma postura condizente com a verdade que abraçaram. Naquelesdias, a casa de um homem abrangia também seus escravos. Assim, o Apóstolo ensinaainda como deveria ser a relação entre servos e senhores, estimulando a obediência, a

 justiça e o respeito mútuo.

Voltando-se, então, para a casa do crente, Paulo dirige-se inicialmente às esposas. Asmulheres eram alvos especiais dos falsos mestres que se aproximavam delas, inclusive,na expectativa de obter favores sexuais (2Tm 3.6).[1]  Paulo sabia que se as esposasdessem ouvidos às fabulas propostas pelos hereges, elas não somente ficariam expostasaos assédios de homens lascivos, mas também olhariam para seus maridos crentes como

 pessoas inferiores, que não pertenciam à classe superior dos detentores da gnose. Isso aslevaria a desprezá-los, chegando talvez a se opor à sua liderança.Uma atitude de sujeição é então requerida das esposas cristãs. Para admoestá-las nessesentido, Paulo usa um verbo (ὑοηάζζυ) cujo sentido é obedecer [2], colocar-se sob ocontrole de outrem, acolhendo seus conselhos e direção. Isso tudo implica umadisposição voluntária em ceder e cooperar, rendendo-se ao comando de um líder. Essaordem dirigida às mulheres casadas é repetida nos mesmos termos por Paulo em Efésios5.22 e Tito 2.4-5. Também Pedro a enuncia (1Pe 3.1,5-6), sendo certo que suas raízesremontam aos tempos do Éden (Gn 3.16), jamais devendo ser entendida como umaevidência da inferioridade da mulher [3], mas como uma expressão da forma que Deusescolheu ordenar a vida em família.O Apóstolo explica que a sujeição ao marido deve existir por parte da esposa porqueisso “convém no Senhor” (ARA). A expressão constante do texto grego é ἀνῆκεν ἐνκςπίῳ. O verbo que aqui aparece (ἀνήκυ) ocorre somente mais duas vezes no Novo

Testamento (Ef 5.4; Fm 8) e significa ser conveniente, ser próprio de, combinar com ou  ser devido a alguém. O que Paulo, portanto, está dizendo é que a submissão ao marido é

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algo próprio da mulher que pertence ao Senhor, uma atitude que combina com a posiçãoespiritual ocupada por ela. Note-se que o verbo carrega também o sentido de dever. Issomostra ainda que a sujeição aqui requerida não é opcional. Trata-se de um ideal que amulher crente precisa alcançar, se quiser de fato agir como alguém que pertence aCristo.É possível que Paulo, ao mencionar nesse ponto o fato da esposa cristã estar “noSenhor”, tenha também como propósito trazer à lembrança de seus leitores a realidadede que Cristo é o Soberano supremo, estando toda a igreja dentro da esfera de suainfluência e absoluta autoridade. Como é sabido, a heresia que grassava na região deColossos reduzia Cristo a uma mera entidade angélica entre muitas outras (2.18) e,assim, desencorajava a devoção e obediência exclusivas a ele. Ao destacar que o crenteestá “no Senhor”, Paulo evoca a noção, oposta ao pensamento gnóstico, de que só Cristotem o domínio sobre o seu povo, devendo cada crente devotar-se unicamente a ele eandar, fora ou dentro de casa, como alguém que vive sob seu senhorio.

A admoestação seguinte é dirigida aos maridos. Paulo diz que eles devem amar “cadaum a sua mulher” (19). O verbo usado aqui (ἀγαάυ) está no Imperativo Ativo,denotando, assim, o dever de respeitar, estimar e considerar; tudo isso aquecido pelamais forte afeição.  Agapaō também denota a atitude compassiva e terna que deseja o

 bem do outro (Mc 10.21) e que trabalha para que esse bem seja alcançado, mesmoquando não é correspondido à altura (2Co 12.15; Ef 5.25-30). A amplitude da dimensãovivencial de agapaō pode também ser percebida quando se observa o seu uso aplicado aescravos e discípulos. Nesses casos, o verbo é usado para descrever aquele que servecom fidelidade (Mt 6.24) e permanece ao lado mesmo durante a provação (Tg 1.12).

 Note-se, desse modo, que o amor devido pelo marido crente à esposa não se perfaz noslimites da alma ou da mente. Não é um simples impulso interior ou um incertosentimento romântico desbotado pela ação do tempo e encerrado em algum canto docoração. O amor de que Paulo fala ultrapassa essas fronteiras e se perfaz no trato do dia-a-dia, numa disposição constante, desprendida, humilde e paciente de aperfeiçoar,alegrar, proteger e honrar o outro.Em Colossos, a heresia que ameaçava a igreja ia na contramão disso tudo, pois aoenvenenar os homens com a mentira de que podiam pertencer à elite dos detentores dagnose, impingia neles as sementes do orgulho e do conseqüente desprezo pelos outros,inclusive por suas esposas. É que a falsa doutrina e a apostasia não têm limites em seu

 poder de destruição. Quem as acolhe bombardeia a igreja, devasta a própria casa e,muitas vezes, se lança sobre espadas, trazendo terríveis dores para si mesmo (1Tm 6.10,in fine).O v. 19 termina com uma admoestação que destaca um dos modos como o amor devidoà esposa se comporta. Paulo diz “não a tratem com amargura”. Tratar com amargura étradução de um verbo apenas (ικπαίνυ), cujo significado básico é tornar amargo. EmApocalipse, aquilo que é tornado amargo provoca mal estar e até mata quando ingerido(Ap 8.11; 10.9-10). Ao usar esse verbo, portanto, Paulo está dizendo figurativamenteaos maridos crentes que eles não devem provocar mal estar nas esposas através da

forma como as tratam (1Pe 3.7). Ironia, aspereza, grosseria, desprezo e irritação sãoalguns ingredientes do veneno amargo que muitos homens servem à sua esposa, às

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vezes até publicamente. O uso deles, porém, é aqui vedado ao marido cristão, uma vezque compõem a antítese do amor verdadeiro.Ao concluir as considerações referentes ao que Paulo ensina sobre o relacionamentoentre maridos e esposas, cabe aqui uma breve digressão: note-se que os versos 18 e 19

 pressupõem uma relação marital monogâmica e heterossexual. Por mais óbvio que pareça, é preciso reafirmar às pessoas do mundo atual que o cristianismo só recepcionao casamento nesses moldes. Ao falar sobre o relacionamento entre os cônjuges, nenhumoutro modelo transita pela mente do Apóstolo.É interessante notar que os pares mencionados pelo Apóstolo no texto em análise sãosempre apresentados numa sequência do menor para o maior (esposa-marido; filhos-

 pais; escravos-senhores). Certamente isso não ocorre por acaso. É possível que Pauloqueira, com essa dinâmica, dar certa primazia ao tema da sujeição que era tãonegligenciado pelos falsos mestres por causa do orgulho que nutriam, uma vez que seconsideravam superiores a todos na esfera espiritual. Tomado por essa preocupação, o

Apóstolo passa agora a admoestar brevemente os filhos, ensinando-lhes a obediência(20).O dever dos filhos de obedecer aos pais é tema comum nas páginas da Bíblia. Encontra-se implícito na ordem de honrar presente em Êxodo 20.12.[4] A gravidade do desprezoa essa ordem é percebida na pena que podia ser aplicada aos infratores. Com efeito, emDeuteronômio 21.18-21 há previsão legal para punir com a morte o filho desobediente.Acrescente-se ainda que, em 1 Samuel 2.22-25, o descaso em face da repreensão do paié contado entre os terríveis pecados dos filhos de Eli. Em contrapartida, o livro deProvérbios ensina que a sabedoria de um jovem é medida por sua disposição em ouvir a

voz dos pais (Pv 1.8; 13.1), dando-lhes seu coração (Pv 23.26). De acordo com as palavras do sábio, o resultado dessa disposição será longevidade, paz e prosperidade (Pv3.1-2; 4.10; 6.20-23).

 No Novo Testamento, Lucas, anelando destacar a sabedoria e o caráter santo de Jesusdesde os tempos de sua meninice, observa que ele era um filho obediente (Lc 2.51).Paulo, por sua vez, ao relacionar os pecados cometidos pelos pagãos mais depravados e

 pelos falsos mestres que sempre resistem à verdade, insere em suas listas adesobediência aos pais (Rm 1.29-31; 2Tm 3.2,8). Essa rebeldia, segundo o ensino do

 próprio Cristo, pode chegar a graus extremos de violência nos casos de oposição por causa do evangelho (Mt 10.21). O Mestre, porém, mostra que o filho obstinado podetambém se aproveitar dos desvios de uma falsa doutrina para, sob a capa da piedadehipócrita, desprezar totalmente os seus genitores (Mc 7.9-13). Ora, sendo um pecadoque desestrutura a família, Paulo ensina que os homens que têm filhos insubordinadosnão podem exercer o ministério pastoral (Tt 1.6) já que essa tarefa, assim como a funçãodiaconal, só pode ser realizada por quem governa bem a sua própria casa, mantendo osfilhos em sujeição (1Tm 3.4,12).

 No texto em análise, Paulo ensina que os filhos devem render aos pais obediênciacompleta. Ele diz: “Filhos, obedeçam a seus pais em tudo...”. Evidentemente, o apóstolocontempla aqui a obediência integral naquilo que Deus aprova. Nenhum filho está

obrigado pela Escritura a obedecer as ordens iníquas de seus pais (Ez 20.18). Aliás,

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note-se na segunda parte do v. 20 que Paulo está f alando de uma obediência que “agradaao Senhor”.Também é preciso notar que, no texto paralelo de Efésios 6.1, o Apóstolo apresenta omesmo ensino tendo em vista possivelmente a obediência a pais crentes (cf. a expressão“pais no Senhor ” presente na maior ia dos manuscritos), de quem se espera a emissão deordens justas.[5]  Dada a grande semelhança entre as epístolas aos Colossenses e aosEfésios, é provável que esse seja também o caso aqui. Isso não significa, contudo, queos filhos crentes de pais incrédulos têm licença para desobedecê-los. Significa apenasque, no texto em análise, é possível que Paulo não tenha em mente esse tipo de relação.Seja como for, a regra geral é que todos os pais devem ser honrados e obedecidos, sendoaceitável a resistência somente nos casos em que suas ordens estejam em conflito abertocom a Palavra de Deus.[6] A próxima admoestação de Paulo é dirigida aos pais. Sua autoridade sobre os filhos nãolhes confere apenas prerrogativas e privilégios. Eles também têm sérias

responsabilidades. Paulo as resume num único comando: “Pais, não irritem seus filhos”(21). O verbo traduzido como “irritar” (ἐπείυ) aparece somente duas vezes no NT,aqui e em 2 Coríntios 9.2. Seu significado básico é “provocar” ou “incitar o rancor”. Em2 Coríntios 9.2, Paulo usa o termo num sentido positivo (estimular a ação). No texto emanálise, porém, é óbvio o emprego do verbo em seu significado mais comum deestimular a ira de alguém.

 Na prática, os pais que provocam os filhos são aqueles que os predispõem à rivalidade,criando contendas e inimizades com eles. São os pais que adotam severidade excessiva,tratam com aspereza, aplicam castigos pesados demais, tecem críticas constantes,

humilham, zombam, faltam com a palavra, mentem e agem com parcialidade, levandoos filhos a se sentirem injustiçados. São também aqueles que tratam os filhos comindiferença, que nunca os corrigem e que, assim, os fazem pensar que não sãoimportantes (Pv 13.24).[7]  Todas essas condutas e outras semelhantes provocamdecepção, mágoa e rancor. Em Efésios 6.4, o oposto disso é criar os filhos “segundo ainstrução e o conselho do Senhor”. Isso significa oferecer -lhes uma forma de educaçãomarcada pelo amor, pela paz, pela amizade, pela decência, pela justiça e pela verdade.Paulo ensina que os pais não devem nutrir ressentimentos nos filhos a fim de que eles“não desanimem”. Desanimar (ἀςμέυ) é perder o entusiasmo, a coragem ou a paixão .O filho desanimado é aquele cujo coração deixou de pulsar fortemente, aquele cujoespírito está quebrado. É a pessoa que perdeu o ímpeto e a disposição para prosseguir em tudo o que faz. É o que segue adiante, mas sem motivação ou força de vontade. Por causa dos ressentimentos que tem dos pais, da solidão que experimenta em relação aeles, do desamparo de que se sente vítima e das decepções que provou caminhadesapontado e sem ânimo algum. Nele não existe mais disposição para entender a mentedos pais. Trata-se de um filho infeliz, meio morto por dentro.[8] O último par a quem Paulo se dirige são os servos e os senhores (3.22-4.1). Nos dias do

 Novo Testamento, a escravidão fazia parte da realidade social. A existência de cerca dequatrocentos mil escravos em Roma durante o reinado de Trajano (98-117) dá indícios

de que, no século I, naquela cidade, um terço da população estava sob o jugo daservidão.[9] 

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da sociedade suplanta em muito o que qualquer revolução sangrenta já foi capaz defazer.Ora, os séculos que precederam o presente já provaram que os movimentos quetentaram mudar o mundo pelo uso da força, alvoroçando as massas com suas promessasde liberdade e justiça, serviram apenas para elevar ao poder novos ditadores que seempenharam para se perpetuar no trono, nada fazendo em prol da construção de umasociedade melhor.O cristianismo, ao contrário, sem armas, golpes, gritarias ou ameaças, mostrou sua força

 pela fé paciente, pelo testemunho notável e pela doce e ardente pregação da verdade.Com esse “arsenal” a igreja invadiu o mundo e, enquanto os impérios foram caindo uma um, os fracos e humildes seguidores de Jesus imprimiram lenta e indelevelmente, emtodas as culturas que alcançaram, os princípios de igualdade e de liberdade ensinados

 pelo Mestre, os quais serviram como fundamento teórico para as leis de todos os povoscivilizados.[11] Por isso, é certo dizer que escravos cristãos anônimos, transmitindo os

ensinos de Jesus com humildade e sujeição, fizeram, a longo prazo, muito mais pelacausa da liberdade do que os famosos líderes revolucionários que figuram nos livros dehistória.Paulo prossegue em sua admoestação aos servos crentes dizendo que eles não deviamobedecer seus senhores “somente para agradá-los quando estão observando, mas comsinceridade de coração”. A falsidade e a bajulação hipócrita eram traços dos mestres damentira (Rm 16.17-18; Gl 4.17). Eram eles que, em Colossos, se preocupavam emconstruir falsas aparências (Cl 2.23), sempre com o objetivo de obter vantagens pessoais(Jd 16).[12] 

Paulo estava convicto, portanto, que o comportamento teatral era uma das marcas dequem não conhecia a verdade, bem como de pessoas interesseiras e de mau caráter.Ademais, é possível também que se preocupasse por saber que o uso contínuo deencenações no serviço diário poderia facilmente se expandir e levar o indivíduo a

 bancar o ator em outras áreas da vida (Gl 4.18). Por isso, o Apóstolo ordena aosescravos que cultivem “sinceridade de coração” (Ef 6.5). Aqui, o termo adotado por Paulo (ἁλόηρ) descreve a mente livre de segundas intenções, a alma pura que age comfranqueza, que não esconde desejos egoístas ou sentimentos maliciosos, sendo, assim,digna de confiança.A ordem dirigida aos escravos para que a sinceridade fosse cultivada tinha umfundamento teológico: há um Senhor no céu que deve ser temido. Os segredos

 perversos do coração e as más motivações são conhecidos por ele e isso devia gerar temor e mudança de comportamento nos servos cristãos. Se, por um lado, seus senhoresterrenos nem sempre os observavam, por outro, os olhos de Deus estavamcontinuamente sobre eles, avaliando minuciosamente os esforços de seus braços e oconteúdo de seus corações.

 Na NVI, o v. 23 traz duas vezes o verbo “fazer” (assim também a ARA). Essasocorrências, contudo, são traduções de dois diferentes verbos gregos: οιέυ e ἐπγάομαι

 –  “Tudo o que fizerem (οιέυ), façam (ἐπγάομαι) de todo o coração...”. Enquanto o

 primeiro verbo se aplica a uma ação qualquer, o segundo é mais específico, denotando oato de trabalhar, ou seja, de realizar os afazeres próprios do servo. Trata-se do verbo que

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descreve a ação de quem labuta, empenhando-se na realização de uma tarefa. Paulo usaesse termo aqui para desencorajar a indolência, isto é, a atitude do ser vo que faz “corpomole” e adota, desse modo, um comportamento impróprio para alguém que participa danova vida em Cristo (Ef 4.28; 2Ts 3.10).O Apóstolo realça que os servos crentes devem se empenhar em seu labor “de todo ocoração”. A expressão que aparece aqui é, literalmente, “de alma” (ἐκ τςσῆρ). Oconceito de “alma” adotado aqui é mais abrangente do que “coração” e envolve todas asforças individuais de um homem, a sua energia vital[13] (talvez haja aqui em eco de Dt6.5). Segundo Paulo, essa atitude de total dedicação deveria ser nutrida pelos servos

 porque seu trabalho tinha que ser feito “como para o Senhor, e não para os homens” (Ef 6.6-7). Assim, os escravos crentes são exortados a laborar com empenho e sinceridadenão somente por temor ao Deus que tudo vê, mas também considerando que o serviço

 prestado por eles é, de fato, para esse mesmo Senhor Divino, isto é, em prol dos seusinteresses santos e para o enriquecimento da sua casa espiritual.

A realidade de que os escravos cristãos trabalhavam, na verdade, para o Senhor Celesteé realçada também pelo fato de que é desse Senhor que eles receberiam, no fim de tudo,a recompensa (24). O substantivo traduzido como “recompensa” (ἀνηαόδοζιρ) ocorresomente aqui no NT e refere-se a uma retribuição pelo que a pessoa fez (Ef 6.8). Podeser, portanto, uma retribuição boa ou ruim (um castigo). No texto em análise, contudo,não há dúvidas de que o Apóstolo tem em mente a retribuição no sentido positivo, o quese conclui a partir do modo como ele qualifica a recompensa. Ele a chama de“recompensa da herança”, ou seja, a recompensa que é a herança. Ora, nos escritos dePaulo, essa herança é o reino de Deus (1Co 6.9-10; Gl 5.21; Ef 5.5).

Tudo isso devia ser mais uma fonte de motivação para os servos. Certamente, muitosescravos crentes não recebiam de seus senhores nenhum tipo de reconhecimento por seus esforços. Além disso, de acordo com as leis do Império Romano, nenhum escravo

 podia herdar coisa alguma. Então, para encorajá-los, Paulo recorda que o verdadeiroSenhor para quem, de fato, trabalhavam ia recompensá-los no futuro, dando-lhes umaherança junto com os santos no reino da luz (1.12).Tem-se aqui, portanto, uma mostra de como a escatologia cristã, ao olhar para o porvir,estimula a prática e a permanência no bem desde agora! É certo, porém, que algo mais

 pode ser detectado nas palavras de Paulo em análise. Trata-se da verdade de que Cristoé o soberano juiz mesmo dos atos corriqueiros da vida. Sim, pois no Dia que fatalmentehá de vir, ele julgará tudo o que os homens fizeram “por meio do corpo” (2Co 5.10),inclusive o modo como realizaram as tarefas do seu trabalho diário, no campo, na casaou na pequena e pobre oficina.

 Na cláusula final do v. 24, Paulo repete o ensino consubstanciado no v. 23. Desta vez, porém, identifica o Senhor de modo mais preciso, dizendo ser ele o próprio Cristo.Evidentemente, há aqui um claro sinal de que Paulo, enquanto escrevia à igreja deColossos, não perdia de vista por um momento sequer sua meta apologética, isto é, seu

 propósito de destacar o senhorio absoluto de Cristo contra os ensinos do proto-gnosticismo que identificavam a figura de Jesus como apenas mais uma emanação

angélica.

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As admoestações dirigidas aos escravos caminham para o fim com a afirmação de que“quem cometer injustiça receberá de volta injustiça” (25). O público alvo dessas

 palavras é nitidamente mais amplo aqui, preparando o caminho, junto com a cláusulaseguinte, para as advertências aos senhores consubstanciadas em 4.1.Cometer injustiça (ἀδικέυ) é praticar o mal (Ap 22.11). É violar normas, quaisquer quesejam, prejudicando ou ofendendo alguém (1Co 6.8; Fm 18). O Apóstolo adverte quequem agir assim, receberá como troco algo que combine com sua conduta. Se existealgo de confortante na realidade de que o Senhor dará aos seus servos a recompensa daherança (24), há no texto em análise um contrapeso ameaçador: o mal será a paga dequem se põe a serviço do mal (2Pe 2.13). Paulo ensina, assim, que o universo, uma vezque está sob o governo divino, é um universo não somente físico, mas também moral,sendo certo que Deus fixou nele normas morais inflexíveis. Uma delas é que toda ainjustiça receberá, cedo ou tarde, algum tipo de retribuição.O v. 25 termina com a afirmação de que, nesse aspecto, “não haverá exceção para

ninguém”, ou seja, nenhuma pessoa escapará das implicações dessa norma. Aqui énotável que a advertência passa a abarcar todos, tanto servos quanto senhores. A justiçaretributiva de Deus não reconhece distinções dessa natureza. Ao destacar essa lição,Paulo usa uma palavra grega interessante, cujo significado básico é “receber a face”(ποζυολμτία). Deus, em seus atos de  juiz, não faz diferença entre os homens,reconhecendo o rosto de alguns preferidos e tratando-os com favoritismo (Rm 2.11; Ef 6.9). Não! Nem servos nem senhores jamais desfrutarão de um privilégio assim.Sendo os escravos os destinatários principais da presente admoestação, sem dúvidaPaulo tem como alvo aqui estimulá-los em duas direções: primeiro, anela esvaziá-los de

qualquer desejo de vingança contra senhores perversos, desencorajando até mesmo os pequenos e secretos atos de retaliação. Afinal, o próprio Deus daria a esses maussenhores a paga de suas ações. Em segundo lugar, o Apóstolo pretende engendrar temor no coração dos servos crentes, repisando a verdade já expressa nos versículos anteriores,de que há um Senhor temível, justo e retribuidor no céu. Seu Reino, de fato, é dadogratuitamente aos que crêem[14], mas isso não o impede de punir seus filhos, muitasvezes já nesta vida (1Pe 4.12,17), independentemente da posição que ocupam na

 presente era (1Pe 1.17).A presente seção, em virtude de um erro na divisão dos capítulos, termina em 4.1, comuma admoestação dirigida aos senhores, ensinando o modo como deviam tratar seusescravos. Ora, no mundo romano os escravos eram vistos como gado e seus donos

 podiam, a princípio, tratá-los como bem entendessem. Esse tratamento variava deacordo com o caráter e disposição de cada senhor. Entre estes, os mais cruéis puniam,torturavam e até matavam seus servos.Por causa desses excessos, o Império preocupou-se, desde o início, em inibir os maustratos. O imperador Cláudio (41-54), por exemplo, na metade do século I, decretou queescravos doentes abandonados por seus senhores fossem libertos. A  Lex Petronia (c. 61AD), por sua vez, proibia que um homem entregasse seu escravo para lutar com as ferasno anfiteatro sem a prévia autorização do magistrado competente (a autorização só era

concedida do caso de má conduta comprovada).[15]  Havia também provisão legal paraque, caso um escravo fosse vendido, sua família (esposa e filhos) o acompanhassem,

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mesmo que o senhor não reconhecesse o casamento ou a filiação. Nero (54-68), adespeito de sua fama de crueldade, criou um procedimento legal que dava aos servos a

 possibilidade de denunciar as injustiças que eventualmente sofressem da parte de seussenhores; e no fim do século I, Domiciano (81-96) proibiu, sob pesada multa, acastração de escravos.Ora, se os senhores de um império pagão revelavam noções de humanidade em favor de

 pessoas que facilmente estariam sujeitas aos caprichos maldosos dos mais fortes, o quedeveria ser esperado dos senhores cristãos? Se os poderosos deste mundo se empenhavamem promover a redução do sofrimento e da injustiça, qual devia ser a atitude dos senhorescrentes diante dessas coisas?Paulo ensina em 4.1 que os cristãos que tinham escravos deveriam dar a eles “o que é

 justo e direito”. Dar o que é justo (δίκαιορ) é o oposto do comportamento descrito em3.25. Logo, os senhores não deveriam praticar o mal contra os servos, prejudicando-osou mesmo ofendendo-os. Tampouco deveriam negar-lhes o que é “direito”. O termo que

o Apóstolo usa aqui (ἰζόηρ) significa, basicamente, igualdade (2Co 8.13-14). É bem provável, portanto, que Paulo esteja ensinando os senhores crentes a tratarem seusservos da mesma forma como deviam tratar os homens livres, não levando em conta asdiferenças sociais. Esse apelo seria ainda mais urgente no caso de ambos, senhor eescravo, serem cristãos (3.11). Com efeito, se os senhores fossem dóceis e benignos, asdiferenças seriam menos sentidas e, fatalmente, haveria equidade, outro significado parao termo adotado aqui.A verdade que serve para motivar os senhores a tratarem seus escravos com justiça eequidade é que eles também têm um Senhor nos céus. Não são, portanto, somente os

servos que devem se lembrar da existência de um soberano celeste (3.23-24), mastambém os senhores. Evidentemente, há um forte tom de ameaça aqui, desencorajandoos que detêm alguma parcela de poder sobre os homens de oprimi-los com desprezo,humilhação, abusos, enganos ou perversidades. O fato é que, se é verdade que ossenhores são merecedores de respeito e obediência sinceros da parte daqueles que lhesestão sujeitos, é também verdade que eles são devedores das mesmas coisas ao Senhor que têm nos céus, o qual impõe a todos os seus servos, grandes e pequenos, a práticazelosa da justiça, sempre mesclada de bondade, doçura e compaixão. Por isso, a forçaque têm nas mãos não pode embriagá-los ao ponto de esquecerem o Tribunal vindourono qual, diante do Juiz divino e supremo, responderão por cada gesto praticado na

 presente vida.

[1] Irineu († c. 202), expondo os traços da heresia gnóstica reinante na Gália no séculoII, informa que alguns de seus mestres seduziam e corrompiam mulheres secretamente,outros mentiam dizendo que as amantes com quem viviam eram, na verdade, irmãs desangue, outros ainda separavam algumas esposas de seus maridos, passando a conviver 

 publicamente com elas (IRINEU DE LIÃO. Contra as heresias I, 6:3).[2]  A composição dessa palavra evoca um sentido militar, com a ideia básica de“colocar -se em ordem sob alguém”, como uma tropa que se organiza sob o comando de

um general. Isso, é claro, não significa que o marido crente tem o direito de tratar aesposa como um comandante trata seus soldados. Porém, permanece clara na simples

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composição do termo a noção de hierarquia funcional tão importante para o bomdesenvolvimento de qualquer núcleo social.[3] Deve ser lembrado que o princípio da hierarquia funcional está presente no próprioDeus, cuja tri-pessoalidade se processa também numa dinâmica de sujeição (Jo 16.13-15; 1Co 11.3; 15.28).[4]  Na Bíblia, “honrar” encerra um conceito que ultrapassa o ato de obedecer. Na

 prática, o homem que honra alguém vê a pessoa honrada como merecedora de sua ajudamaterial (1Tm 5.3-4;17-18). Assim, o filho que honra os pais é aquele que, entre outrascoisas, lhes oferece provisão para a vida (Mt 15.5-6).[5]  A ordem “Filhos, obedeçam a seus pais no Senhor”, constante de Efésios 6.1,também pode significar “obedeçam seus pais porque vocês pertencem ao Senhor”. [6]  A Bíblia também não fala da idade limite para a obediência dos filhos aos pais.Textos como Deuteronômio 21.18-21 e Tito 1.6 sugerem que a sujeição filial éexigência que, em algum grau, alcança também a fase adulta. Não há dúvida, porém,

que a emancipação ocorre quando o filho se casa (Gn 2.24), ressalvado o dever perenede honrar seus genitores.[7]  Na Bíblia, a falta de correção por parte dos pais gera prejuízos ainda maiores.Geralmente, o filho sem disciplina se transforma num homem de mau caráter (1Sm3.12-13; 1Rs 1.5-6; Pv 29.15).[8] A experiência mostra que filhos assim tendem a se “vingar” dos pais inicialmenteatravés de uma secreta conduta desonrosa. Mais tarde, via de regra, a rebelião eclode deforma assumida e aberta.[9]  Para uma análise mais completa da escravidão no Império Romano no Século I,

veja-se MELICK, R. R. The New American Commentary (316):  Philippians,Colossians, Philemon. Edição eletrônica. Logos Library System. Nashville: Broadman& Holman Publishers, 2001. vol 32.[10] A Epístola a Filemom, sendo uma das epístolas da prisão, foi escrita ao mesmotempo que Efésios, Filipenses e Colossenses. Uma vez que Filemom morava emColossos (compare Fm 2 e Cl 4.17), certamente a epístola a ele endereçada foi enviada

 junto com a Epístola aos Colossenses (Cl 4.9).[11] Quem melhor reconheceu essa influência do cristianismo sobre todo o mundo foi

 precisamente seu maior oponente, Friedrich Nietzsche (1844-1900). Ele entendeuacertadamente que para Jesus os homens tinham o mesmo valor e também direitosiguais. No entanto, ironizou esses ensinos dizendo que dessa “moral de rebanho”,advinda de uma classe submissa, veio a democracia. Para Nietzsche, a democracia é má,

 pois promove a elevação de todos, impedindo o desenvolvimento dos mais fortes (osuper homem). Por isso, no entender do filósofo alemão, a democracia deve ser erradicada o quanto antes. Para isso, porém, é preciso destruir o cristianismo em suasconcepções do homem, especialmente o conceito de igualdade. Nietzsche entendeu queos homens não são iguais. Segundo ele, o processo de evolução envolve a utilização daclasse inferior pela superior, provando que a natureza abomina a igualdade. Se noçõesde igualdade forem mantidas, o caminho para uma nova raça não será aberto.

[12]  Como os escravos de confiança geralmente galgavam posições privilegiadas nacasa de seus senhores, transmitir uma falsa imagem de zelo e fidelidade podia se tornar 

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tendência comum entre os servos. Assim, como ocorria com os falsos mestres, ointeresse egoísta podia se tornar, para os escravos, um grande estímulo à hipocrisia.[13]  Veja-se essa sugestão em SPENCE-JONES, H. D. M., Org. The PulpitCommentary: Colossians. (157). Logos Research Systems, Inc.: Bellingham, WA,2004. Veja-se também DUNN, J. D. G.. The Epistles to the Colossians and to

 Philemon: A commentary on the Greek text (255). William B. Eerdmans Publishing;Paternoster Press: Grand Rapids: Carlisle, 1996, onde é dito expressamente: “A alma éo centro da vitalidade humana; enquanto o coração é a sede da experiência”. [14]  Nada do que Paulo diz no texto estudado contrasta com a sua doutrina da

 justificação somente pela fé (Rm 5.1; Ef 2.8-10). Tampouco suas admoestaçõescontradizem o ensino que ele mesmo ministra a respeito da absoluta segurança dossalvos (Rm 8.31-39). A lição que Paulo transmite aqui é que o Senhor pune a injustiçade todos, inclusive a de seus filhos queridos. Seu castigo paternal pode ser aplicadotanto na presente vida (Hb 12.5-11), quanto no dia do encontro do crente com ele (2Co

5.10). Essas punições, porém, em nada comprometerão a eterna salvação dos quecreram no Filho de Deus (1Co 3.15; 5.5).[15]  Veja-se BERGER, Adolf.  Encyclopedic Dictionary of Roman Law. Vol. 43.Philadelphia: The American Philosophical Society, 1991. p. 557.

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Colossenses 4.2-6 - As Últimas Instruções

A Epístola aos Colossenses caminha para o final com algumas instruções gerais dePaulo aos cristãos daquela cidade. Tratam-se, basicamente, de orientações acerca daoração e do modo como os crentes devem se comportar no seu relacionamento com osde fora. Essas áreas são, precisamente, aquelas em que os cristãos de todas as épocassempre precisam ser instruídos, tanto por causa de sua negligência e descuido nessescampos, como em virtude dos desvios frequentemente propostos pelos falsos mestresquando tratam desses assuntos.A primeira orientação é “dediquem-se à oração” (2).  Dedicar-se  (ποζκαπηεπέυ) étradução de um verbo cujo sentido é persistir (Rm 12.12), guardar com devoção (At2.42) ou apegar-se intensamente (At 6.4). Paulo quer, assim, que os crentes sejam fiéis

 praticantes da oração, jamais esmorecendo (Mt 7.7-11; Lc 18.1-8; Ef 6.18; 1Ts 5.17).Ora, é sabido que a heresia pregada em Colossos colocava o destino das pessoas sob a

dependência do movimento dos astros que, por sua vez, eram controlados por anjos. Por isso, os desvios doutrinários que eram ali disseminados abrangiam a adoração de anjosna esperança de que essas entidades agissem em prol dos adoradores dispondo os astrosda maneira que lhes fosse favorável.[1]  Ao estimular a firmeza na oração, porém, oApóstolo golpeia essa superstição, colocando unicamente nas mãos de Deus o controleda vida humana e ensinando que é só na sua soberana graça que o homem devedepositar a sua esperança quando almeja desfrutar qualquer forma de bem (Tg 1.17).Em seguida, Paulo diz: “estejam alerta”. O termo usado aqui (γπγοπέυ) significa,

 basicamente, manter-se acordado. Os autores do NT o empregam para ensinar o crente a

estar preparado diante da iminente volta do Senhor (Mt 24.42-43; 25.13; Mc 13.35; 1Ts5.4-6; Ap 16.15) e também para exortar o cristão a não deixar-se levar pelo desmazelonas coisas espirituais durante a sua jornada na vida presente (1Co 16.13). O NT usaainda esse termo para advertir acerca de alguma ameaça iminente ou ao redor, diante daqual o crente deve vigiar (At 20.29-31; 1Pe 5.8). Considerando o perigo do proto-gnosticismo a que estavam expostos os crentes de Colossos, talvez esse seja o caso aqui.Porém, o modo como a presente ordem é construída no grego indica mais seguramenteque a vigilância deve estar associada à oração. Paulo estaria, então, admoestando oscolossenses a estar alertas, zelando para que sua vida de oração não esmorecesse (Ef 6.18). É também possível que o Apóstolo esteja indicando aqui que a oração

 perseverante é uma forma do crente manter-se atento, como Jesus parece mostrar emMateus 26.36-41.A oração também tem que ser um meio através do qual os crentes demonstram gratidão,reconhecendo que o Senhor a quem devem devoção exclusiva administra bondosamentesua graça, provendo as necessidades de seus servos, dirigindo sabiamente suas vidas eenchendo-os muitas de vezes de alegria e satisfação.É por isso que, num contexto em que Paulo fala predominantemente sobre a oração, eleescreve “sejam agradecidos”. O termo adotado pelo Apóstolo aqui é muitas vezestraduzido como “ação de graças” (εὐσαπιζηία) que é nada menos do que uma expressão

verbal de gratidão e louvor (1Co 14.16). Essa prática é tida como oposta ao uso de palavras torpes (Ef 5.4) e deve permear o coração do crente em todas as circunstâncias,

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 boas ou más (1Ts 5.18). A oração de gratidão deve também substituir a ansiedade quemuitas vezes domina a mente do cristão (Fl 4.6). Em Colossenses, Paulo ensina que oscrentes devem crescer em ações de graça (2.7). O alvo final desse modo de vida é aglória de Deus (2Co 4.15).Tendo orientado os colossenses no tocante a vida de oração, o Apóstolo passa a expor aos leitores os seus próprios anseios[2], pedindo que eles os incluam em suas súplicas aDeus. Os pedidos de oração de Paulo se resumem, basicamente, num só: que ele realizeseu trabalho de evangelista, mesmo estando preso. Anexos a esse pedido principal,Paulo apresenta outros que, quando analisados, revelam algumas de suas concepçõessobre o ministério de proclamação da fé.Primeiro Paulo pede orações “para que Deus abra uma porta” para a mensagem (3). Écurioso que na condição de prisioneiro em que o Apóstolo se encontrava, sua primeira

 preocupação não girasse em torno de seu bem estar, de sua liberdade ou de suasegurança, ainda que pedisse orações por essas coisas também (Rm 15.30-32; Fp 1.19;

2Ts 3.1-2; Fm 22). Com efeito, para ele, o serviço de Cristo estava acima da própriavida (At 20.24). Por isso, anelava antes de tudo que Deus lhe abrisse uma porta a fim deque, passando por ela, a mensagem da salvação em Cristo se expandisse, seguindo seucurso.E expressão “abrir uma porta” era eventualmente usada por Paulo (1Co 16.9; 2Co 2.12-13) e encerra uma figura de fácil compreensão. Abrir uma porta significa, basicamente,criar uma oportunidade. A partir daí é possível concluir que, no texto em análise, oApóstolo reconhece que as oportunidades para o evangelismo dependem da vontade eda ação de Deus (At 16.6-7). É ele quem, em sua soberania e poder, “abre as portas”, ou

seja, maneja as circunstâncias e dispõe os fatos, de modo a fazer com que apareçam asocasiões propícias à pregação e até mesmo à aceitação da fé (At 14.27). No texto grego, o termo constante do v. 3 e traduzido na NVI como “mensagem” é,literalmente, “palavra” (λόγορ). Na Carta aos Colossenses, esse termo se refereindubitavelmente ao evangelho que convida o homem perdido a desfrutar de uma novaesperança preservada no céu (1.5). A “palavra” é também todo o ensino que Deusconfiou aos seus servos, os apóstolos (1.25), ensinos esses que devem ser conhecidos

 profundamente por todos os crentes e usados na instrução e no aconselhamento de cadamembro da comunidade da fé (3.16). É, pois, pela oportunidade de comunicar essascoisas que Paulo pede que os colossenses orem.O Apóstolo se refere à mensagem que proclama chamando-a de “o mistério de Cristo”.Em 1.25-27 e 2.2, ele já usou o termo “mistério” (μςζηήπιον) para aludir ao seu ensino.Conforme dito no comentário a 1.26, ao usar essa palavra, Paulo fazia frente ao própriognosticismo embrionário que se difundia na região de Colossos, já que essa falsafilosofia alegava, na pessoa de seus líderes, ser detentora de segredos espirituaisinacessíveis ao homem comum. É também provável, contudo, que a noção de mistérioque subjaz o uso de Paulo seja procedente da apocalíptica judaica mais do que dasconcepções filosóficas helenistas. Ora, na visão judaica “mistério” é, em termos gerais,o conjunto de segredos revelados por Deus acerca dos seus propósitos. Nesse sentido,

ao ser revelado, o mistério concede ao homem uma visão privilegiada de todo odesenrolar da história humana, conforme o ponto de vista divino.[3] 

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Esse uso judaico do termo em Paulo pode, de fato, ser percebido com certa clareza em1.26-27 e com nitidez maior em Romanos 11.25-26; 1Coríntios 2.7; 15.51; Efésios 1.9-10; 3.5-6. Em Colossenses 4.3, porém, “mistério” parece ter um sentido maisabrangente, abarcando toda a mensagem evangélica que Paulo anela proclamar (Ef 6.19), da qual realmente faz parte tanto o modo como Deus executa o seu plano desalvação na história, como o alvo final dessa mesma história (Ef 1.9-10). Paulo afirmano fim do v. 3 que era precisamente por proclamar essa mensagem que ele estava preso(Ef 6.20; 2Tm 2.8-9).A abertura de portas para a proclamação da fé é obra de Deus. Ele é quem cria asoportunidades, tornando possível o avanço do Evangelho. Na busca desse propósito,

 porém, a ação poderosa do Senhor não se limita à abertura de portas. Além de gerar ocasiões favoráveis à pregação, Deus também habilita seus servos de modo que possamrealizar essa obra com clareza, ousadia e coragem. É o que se depreende do v. 4.Rogando que os colossenses orem por seu ministério missionário, Paulo mostra o anseio

de que Deus lhe conceda a graça de manifestar o mistério de Cristo de modo puro etransparente, como é necessário que o servo do Senhor faça.A expressão “manifestá-lo abertamente”, constante da NVI, é tradução de um verboapenas (θανεπόυ), cujo significado básico é mostrar  ou  fazer aparecer . A noção detornar visível , claro e evidente compõe o sentido desse verbo. Assim, o Apóstolo, nemde longe pretendia apresentar sua mensagem numa linguagem hermética, cheia denarrativas de visões obscuras, como provavelmente faziam os doutores da mentira queatuavam em Colossos (2.18). Ora, sabe-se por fontes extra-bíblicas que os mestres dafalsa  gnose se deleitavam nesse tipo de linguagem e a adotavam para impressionar as

 pessoas simples.[4] Paulo, contudo, como ministro da verdade, queria ser claro em tudoo que dizia, expondo Cristo aos olhos dos seus ouvintes do modo mais límpido e nítido possível (Gl 3.1).Do texto paralelo de Efésios 6.20, conclui-se que para pregar dessa forma é precisocoragem. De fato, o termo usado por Paulo em Efésios (αππζιάομαι) significa falar de modo livre e confiante, mostrando ousadia. Em Colossenses 4.4, o Apóstolo destacaque pregar assim não lhe era opcional, mas sim um dever, algo necessário ecompulsório (δεῖ). Os diversos sermões de Paulo transcritos no livro de Atos nãodeixam dúvidas de que essa maneira de evangelizar era sempre adotada por ele (At20.26-27. Veja-se ainda 1Co 2.1-2 e 2Co 4.1-4). O notável missionário reconhecia,contudo, que a capacitação para tanto vinha somente de Deus. Por isso, pedia as oraçõesdos colossenses.

 Nos vv. 5-6, Paulo dá orientações aos seus leitores acerca do modo como deveriam secomportar em face das pessoas que não pertenciam à comunidade da fé. No

 procedimento diante delas, a marca principal do crente deveria ser a sabedoria (ζοθία).Essa palavra aparece seis vezes na epístola (1.9, 28; 2.3, 23; 3.16; 4.5). No NTgeralmente é empregada para descrever a capacidade de usar o conhecimento teórico naconstrução de um comportamento correto. O texto em análise reflete de forma precisaesse sentido ao determinar que os cristãos devem proceder (Gr.  Πεπιαηέυ, andar ou,

num sentido figurado, se comportar ) sabiamente.

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Vê-se assim que, de modo diverso dos filósofos seculares e dos falsos mestres deColossos, a sabedoria do povo de Deus não deve se restringir a discursos eloqüentes(1Co 1.17; 2.1, 4) que não servem para nada (Veja-se 2.8; 1Co 1.20; 2.6; 3.19-20).Antes, precisa ter um aspecto vivencial, podendo ser testemunhada pelas pessoas aoredor.Ainda no v. 5, Paulo se refere aos incrédulos como “os de fora” (1Co 5.12 -13) dizendoque é diante deles, especialmente, que os crentes devem se comportar de forma sensata(1Ts 4.12). Ele ensina, assim, que os cristãos devem se preocupar seriamente com omodo como se apresentam aos olhos do mundo. Isso, é claro, não significa que oscrentes devem tentar agradar os não crentes a todo custo (Gl 1.10), mas sim que

 precisam mostrar a eles que o evangelho de fato faz diferença, mudando para melhor avida de quem crê.

 No fim do v. 5 Paulo destaca uma forma em particular através da qual os salvos devemmostrar sabedoria aos perdidos. Ele diz: “aproveitem ao máximo todas as

oportunidades”. O texto grego diz precisamente “remindo o tempo”, expressão cujosignificado básico aponta para o uso diligente do tempo, numa forma de vida em quecada momento é tido como uma dádiva digna de zelo e cuidado e em que cadaoportunidade é aproveitada.Pode-se dizer, à luz do ensino geral do NT, que isso é importante no trato com osincrédulos porque o tempo da salvação está se findando e em breve a oferta de perdãoserá removida (Rm 13.11-12; 2Co 6.2). Daí a necessidade de usar cada instante comsensatez e cuidado, a fim de que os homens conheçam depressa, pela vida e pelas

 palavras do povo redimido, a salvação que Deus ainda oferece em Cristo. [5] 

Deve-se destacar ainda que, no texto paralelo de Efésios 5.15-16, Paulo faz a mesmaadmoestação (remir o tempo), dizendo que o crente deve agir assim porque “os dias sãomaus”. Isso significa que, num universo caído, em que coisas, fatos e homens carregamas marcas da malignidade do pecado, o crente deve aproveitar cada instante paraoferecer a todos um lampejo da graça e da verdade em meio à longa noite da presenteera.Outra forma de mostrar sabedoria aos não crentes é prevista no v. 6. Trata-se de umamaneira distinta de falar. Primeiramente Paulo diz que o crente deve ser agradável emsuas conversas triviais com os de fora. A palavra traduzida como “agradável” é ovocábulo grego cujo significado mais comum é “graça” (σάπιρ). Esse termo, aplicado àforma de dialogar, descreve uma conversa de bom conteúdo, graciosa, atraente, elegantee educada. O apóstolo, pois, ensina um modo de falar que traz deleite e nãoaborrecimento ou mal estar aos participantes da conversa (Ec 10.12; Lc 4.22; Ef 4.29).Prosseguindo, Paulo ilustra essa maneira de dialogar descrevendo-a de modo figurado.Ele afirma que o falar do cristão deve ser “temperado com sal”. O sentido disso ésimples: assim como o sal tempera os alimentos, tornando-os mais agradáveis ao

 paladar, as palavras dos crentes também devem ser “saborosas”, com gosto deinteligência, bom senso, brandura, amabilidade e equilíbrio.[6] Sendo os crentes o “salda terra” (Mt 5.13; Mc 9.50), é de se esperar que suas palavras reflitam essa realidade. 

Certamente, a maneira de conversar com os de fora ensinada por Paulo aqui, criariaoportunidades de testemunho para os colossenses. Usando palavras boas e agradáveis

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no trato diário com os incrédulos, estes naturalmente se sentiriam à vontade para falar sobre assuntos ligados à fé, levantando questões, discutindo opiniões ou fazendo

 perguntas. Quando isso acontecesse, os crentes tinham o dever de saber o que responder em cada caso específico, sendo sensíveis à necessidade de cada interlocutor em

 particular (1Pe 3.15-16).

[1] Veja-se comentário a 2.8 e 18.[2] O uso de “nós”, no v. 3, indica que os companheiros de Paulo mencionados em 4.7-

14 tinham os mesmos desejos que ele expõe aqui.[3]  Veja-se DUNN, J. D. G. The Epistles to the Colossians and to Philemon: A

commentary on the Greek text. William B. Eerdmans Publishing; Paternoster Press:Grand Rapids, 1996. p. 119-120.

[4]  Documentos cristãos produzidos no século 2 atestam que muitas seitas gnósticasfaziam uso de fórmulas de iniciação repletas de palavras estranhas, com termos

hebraicos e nomes de seres imaginários, tudo com o fim de impressionar seus novosadeptos e cativar os pagãos em geral ou os cristãos despreparados (Veja-se IRINEUDE LIÃO. Contra as heresias I, 11:3-4; 21:3-4).

[5]  Veja-se essa sugestão em McNAUGHTON, I. S. Opening up Colossians and 

 Philemon. Leominster: Day One Publications, 2006. p. 85-86. [6] Como nos dias de Paulo o sal era usado inclusive com o propósito de preservar os

alimentos do processo comum de deterioração, existe o parecer de que a figura usadaaqui aponta também para uma conversa livre de corrupção (Veja-se ANDERS, M.Galatians-Colossians. Holman New Testament Commentary. Holman Reference.

Broadman & Holman Publishers: Nashville, 1999. vol. 8, p. 346). É óbvio que esseentendimento não contraria a intenção do apóstolo (Cf. Ef 4.29), mas o contexto da presente passagem deixa claro que o sentido principal da figura usada por Paulo é aforma agradável de falar.

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Colossenses 4.7-9 - O Envio de Tíquico e de Onésimo

Informações e referências pessoais, assim como saudações e breves orientações geraismarcam o fim da Epístola aos Colossenses. Isso faz com que a carta transmita umanoção muito forte acerca do grau de afinidade e compromisso reinante entre osmembros da comunidade cristã primitiva. A impessoalidade e o distanciamento quehoje marcam até as relações entre os crentes de uma mesma igreja local estão totalmenteausentes aqui.Paulo começa mencionando Tíquico que, indo a Colossos, deveria dar informaçõessobre o Apóstolo aos crentes daquela cidade (7). Ele seria o mensageiro que levaria aCarta aos Colossenses, assim como a Epístola aos Efésios (Ef 6.21-22), a carta aoscrentes de Laodicéia (4.16) e a pequena missiva a Filemom.Tíquico é citado pela primeira vez no Novo Testamento em Atos 20.4, onde se lê queele e Trófimo eram de província da Ásia. No mesmo texto há a informação de que, junto

com outros irmãos, Tíquico acompanhou o Apóstolo Paulo em um trecho de sua viagem pela Macedônia.[1]  O relato de Atos diz ainda que, depois de viajarem com Paulo,Tíquico e a equipe de que fazia parte seguiram adiante e ficaram esperando peloApóstolo em Trôade, quando ele seguia para Jerusalém (At 20.1-5). Aliás, é bem

 possível que Tíquico tenha acompanhado Paulo até Jerusalém, uma vez que Trófimo,um dos membros da equipe de que Tíquico fazia parte, certamente seguiu com oApóstolo para aquela cidade (At 21.29).Sendo, assim, bem conhecido por Paulo, Tíquico é chamado por ele de “irmão amado,ministro (διάκονορ) fiel e cooperador (ζύνδοςλορ) no serviço do Senhor”. Essas

 palavras refletem o empenho, a fidelidade e o companheirismo de Tíquico que, comoera de se esperar, permaneceu ao lado de Paulo depois que ele foi liberto da prisão emRoma em que se encontrava quando escreveu a presente carta (Tt 3.12). Na verdade,Tíquico mostrou-se fiel companheiro de Paulo até o fim. Quando escreveu sua últimacarta, já prestes a ser martirizado, o velho Apóstolo citou Tíquico mais uma vez comoum servo ainda útil no serviço do Reino (2Tm 4.12).

 No v. 8, Paulo revela os dois motivos que o estimulavam a enviar Tíquico a Colossos:informar o que se passava com ele e com os irmãos que estavam ao seu lado em Roma efortalecer o coração dos colossenses.[2]  Certamente, as informações que estavam

 prestes a ser levadas por Tíquico fariam com que os crentes orassem por Paulo de modomais específico, conhecendo melhor suas lutas, problemas e anseios. Já o fortalecimentodo coração dos crentes de Colossos viria através das boas notícias nas quais Tíquicorelataria as expectativas otimistas de Paulo, sua possível libertação (Fm 22) e asvitórias que estava obtendo no anúncio do evangelho (Fp 1.12-14).Paulo diz que Tíquico iria com Onésimo (9), chamado aqui de irmão fiel (ιζηόρ)   eamado (ἀγαηόρ). Esses termos são os mesmos com que o Apóstolo descreve Tíquico(v. 7) e Epafras (1.7), ambos notáveis ministros do evangelho. Paulo diz também queOnésimo era “um de vocês”. Isso significa que ele era procedente de Colossos.Voltando para sua cidade, tinha a missão de, junto com Tíquico, informar os cristãos

colossenses acerca da situação de Paulo.

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A maior parte das informações acerca de Onésimo procede da Carta de Paulo aFilemom. A partir desse documento, sabe-se que Onésimo era um escravo que haviafugido para Roma, causando alguns prejuízos a seu senhor Filemom (Fm 1.18-19), umcristão honrado da igreja de Colossos, amigo do Apóstolo (Fm 1.1, 4-7).Por obra da providência, quando estava em Roma, Onésimo se encontrou com Pauloque, estando em prisão domiciliar, desfrutava de ampla liberdade para receber pessoasem casa (At 28.30-31). Ouvindo a pregação do apóstolo, Onésimo se converteu (Fm1.10) e, agora, ciente de seu erro, aceita o conselho de voltar a Colossos, pedir o perdãode Filemom e reassumir fielmente suas funções (Fm 1.15). Em suas mãos levará a cartade Paulo a seu senhor, em que o Apóstolo pede que Filemom trate Onésimo comindulgência e benignidade, considerando que ele agora é mais do que um escravo, tendose tornado um irmão amado (Fm 1.8-17).Onésimo não é mencionado em nenhuma outra carta de Paulo além de Colossenses eFilemom. A tradição, porém, diz que ele se tornou bispo de Éfeso, sendo a ele que

Inácio de Antioquia († c. 110) se refere em sua Carta aos Efésios, quando diz: “Foiassim, pois, que a toda vossa grande comunidade recebi em nome de Deus, na pessoa deOnésimo, homem de indizível caridade, vosso bispo segundo a carne. Rogo-vos que oameis segundo Jesus Cristo e a ele vos assemelheis.”[3] Mesmo não sendo possível afirmar com certeza que o Onésimo mencionado por Inácioé o mesmo homem de que Paulo fala em suas cartas, as informações que advêm dosescritos bíblicos são suficientes para mostrar que o escravo rebelde de Filemom foi

 protagonista de uma das mais belas histórias de transformação e de perdão que o NovoTestamento apresenta.

[1] Em Atos 20.4, a vasta maioria dos manuscritos traz a expressão “até a Ásia” depoisde “acompanharam-no”, sendo esta a melhor leitura.

[2]  Alguns manuscritos trazem no v. 8 a frase “para que vocês saibam como estão”.Uma vez que essa variante textual é vazia de sentido, copistas antigos fizeram uma

 pequena modificação no versículo e produziram a leitura “para que ele [Tíquico] saibacomo estão”. A evidência decorrente de manuscritos mais confiáveis, porém, aponta

 para a leitura adotada pela NVI e ARA. Ademais, o versículo gêmeo de Efésios 6.22corrobora o uso de “nosso estado” em vez de “vosso estado” em Colossenses 4.8. Essaleitura também se harmoniza melhor com o propósito da visita de Tíquico mencionadoem 4.7 e 9. Para mais detalhes, veja-se METZGER, B. M.  A textual commentary on

the Greek New Testament . United Bible Societies: London and New York, 1994. p.559.

[3]  INÁCIO DE ANTIOQUIA. Carta aos Efésios, 34. Em: GOMES, Cirilo Folch. Antologia dos santos padres. São Paulo: Paulinas, 1979. p.33,34.

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Colossenses 4.10-18 - Saudações e Orientações Finais

 No v. 10 iniciam-se as saudações finais registradas na Epístola aos Colossenses. Quem primeiro envia saudações é Aristarco, chamado por Paulo de “companheiro de prisão”.Aristarco é mencionado também em Filemom 1.24.As primeiras informações sobre Aristarco são encontradas em Atos 19.29, onde eleaparece como um dos companheiros de Paulo em sua Terceira Viagem Missionária.Esse texto mostra Aristarco e Gaio sendo arrastados violentamente pelos pagãos deÉfeso até o teatro, durante o grave tumulto incitado por Demétrio contra a pregaçãocristã naquela cidade (At 19.23-41). Na ocasião, Gaio e Aristarco só escaparam damorte por causa da prudente intervenção do escrivão de Éfeso (At 19.35-41).Depois daquele perigoso episódio, Aristarco seguiu viagem com Paulo (At 20.4),

 participando da mesma equipe de que Tíquico fez parte (veja-se comentário a 4.7).Assim, Aristarco e outros irmãos viajaram com o Apóstolo pela Macedônia. Depois,

adiantando-se, chegaram a Trôade, onde ficaram esperando o Apóstolo (At 20.3-5) e deonde talvez tenham seguido viagem com ele até Jerusalém.Aristarco aparece novamente em Atos 27.1-2, onde é dito que quando Paulo foi enviadocomo prisioneiro para Roma, ele embarcou com o Apóstolo num navio que ia para aÁsia. Não se sabe, porém, se Aristarco participou de toda a viagem ou se seguiusomente até parte do trajeto. Se ele foi com Paulo até Roma, isso explica sua presençanaquela cidade ao tempo em que Paulo escreveu sua Carta aos Colossenses. Em Atos27.2 há ainda a informação de que Aristarco era macedônio, da cidade de Tessalônica.O fato de Paulo chamar Aristarco de “companheiro de prisão” tem dividido opiniões.

De um lado há quem diga que ele era literalmente um prisioneiro, sendo impossível,contudo, determinar as circunstâncias exatas de seu aprisionamento. De fato, o termousado pelo Apóstolo aqui (ζςναισμάλυηορ) se refere a um indivíduo que está preso

 junto com alguém, ou seja, um “colega” de prisão. Porém, de outro lado, há osintérpretes que entendem a palavra de modo figurado, dizendo que Aristarco era

 prisioneiro de Cristo, servindo ao Senhor ao lado de Paulo (Ef 3.1; 4.1; 2Tm 1.8; Fm1.9).Infelizmente, há somente outras duas ocorrências do termo ζςναισμάλυηορ no NT (Rm16.7 e Fm 1.23), e seu uso nessas poucas passagens não tornam possível detectar com

 precisão se o sentido que Paulo lhe atribui é predominantemente figurado ou literal.[1] O próximo a enviar saudações aos colossenses é Marcos, “primo de Barnabé”, citadotambém na Carta a Filemom (Fm 1.24). Marcos era filho de Maria, uma mulher cristãque morava em Jerusalém (At 12.12). O Livro de Atos conta que quando estava parasobrevir uma grande fome sobre todo o Império Romano (sentida especialmente naJudéia por volta de 44 A.D.), os irmãos de Antioquia enviaram ajuda aos crentes daJudéia pelas mãos de Saulo e Barnabé (At 11.27-30). Quando estes voltaram paraAntioquia, levaram Marcos consigo (At 12.25).Pouco depois, a igreja de Antioquia, orientada pelo Espírito Santo, decidiu enviar Sauloe Barnabé naquela que ficou conhecida como a Primeira Viagem Missionária (At 13.1-

3). Ambos partiram levando Marcos como auxiliar (At 13.5). Porém, provavelmenteassustado com os perigos e dificuldades que via pela frente, Marcos desistiu da viagem

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logo que chegaram em Perge, na Panfília, e seguiu para Jerusalém, onde morava suamãe (At 13.13).Esse episódio impactou mais tarde o relacionamento entre Paulo e Barnabé. A narrativade Atos diz que, transcorrido algum tempo depois de concluída a Primeira ViagemMissionária, ambos decidiram voltar às cidades onde haviam pregado a fim de ver comoestavam as novas igrejas. Ocorreu, porém, que Barnabé quis levar seu primo JoãoMarcos e Paulo se opôs a isso, lembrando a evidente falta de perseverança daquele

 jovem (At 15.36-38). O desentendimento entre eles foi tão grande que não puderamseguir na mesma direção, indo Barnabé e Marcos para Chipre, enquanto Paulo seguiu

 para o destino previamente planejado, levando Silas consigo (At 15.39-41).Marcos é citado também por Pedro que o chama carinhosamente de “filho” (1Pe 5.13).A última menção desse personagem no NT, porém, é feita pelo próprio Paulo.Curiosamente, nessa citação, o Apóstolo que outrora o havia desprezado tãoseveramente, no fim da vida percebeu o amadurecimento daquele irmão, além do seu

extremo valor para a causa do Mestre. Com efeito, às vésperas da morte, Paulo escreveua Timóteo: “Traga Marcos com você, porque ele me é útil para o ministério“ (2Tm4.11).

 Na verdade, o texto em análise mostra que a mudança no conceito que Paulo, a princípio, teve de Marcos já havia ocorrido quando ele escreveu aos colossenses. Note-se que ele afirma ter dado instruções aos colossenses a respeito de Marcos e que, casoele fosse visitá-los, devia ser acolhido entre os irmãos. Isso talvez indique que oApóstolo tinha em mente incumbir Marcos de alguma missão no Vale do Lico. Detalhessobre essa possível missão, porém, não se encontram em parte alguma do NT.

A tradição e a história da igreja também fornecem uns poucos dados acerca de JoãoMarcos. Geralmente, o jovem anônimo mencionado em Marcos 14.51-52 é reputadocomo sendo ele. Pápias de Hierápolis (c. 70  – c. 140) explica que o segundo evangelhofoi produzido por Marcos sob a supervisão de Pedro. Eusébio de Cesareia, em sua

 História Eclesiástica diz que Marcos foi a primeiro missionário a ser enviado ao Egito eque ali estabeleceu igrejas, sendo a primeira em Alexandria. Essa informação, porém,não tem nenhum amparo histórico objetivo.[2] O terceiro companheiro de Paulo é Jesus, chamado Justo (11). No Novo Testamento nãohá nenhuma outra menção dele. Paulo o coloca entre os três únicos judeus cristãos queestavam trabalhando ao seu lado, ao tempo em que ele escreveu aos colossenses.De acordo com o texto, Jesus, chamado Justo, juntamente com Aristarco e Marcos,eram irmãos que encorajavam Paulo enquanto ele enfrentava as limitações edificuldades impostas por sua condição de prisioneiro. De fato, a palavra traduzida na

 NVI como “fonte de ânimo” (απγοπία) ocorre somente aqui no NT e significaconforto ou consolação. O termo indica ainda uma forma de alívio que não procedesomente de palavras, mas também de ajuda efetiva.[3] Logo, os três crentes judeus queo Apóstolo menciona nos vv. 10-11 eram como um lenitivo para ele, suavizando suasdificuldades através de palavras de consolo e obras de auxílio.

 No v. 12, Paulo diz que Epafras também envia saudações. Assim como Onésimo (9), ele

era de Colossos e se destacava como “servo de Cristo”. Em 1.7-8 há a informação deque Epafras foi o missionário que apresentou o evangelho aos colossenses, estando

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também fora de dúvida que foi através dele que Paulo, estando em Roma, recebeuinformações sobre as igrejas do Vale do Lyco.Em Filemom 1.23, Epafras é chamado por Paulo de “meu companheiro de prisão”.Porém, como no caso de Aristarco (veja-se comentário ao v. 10  supra), é difícilconcluir, a partir do termo usado em Filemom (ζςναισμάλυηορ), se ele era prisioneiro

 junto com Paulo ou se o termo deve ser entendido de modo figurado, apontando paraum prisioneiro de Cristo que o servia ao lado do Apóstolo. As duas opções permanecemdividindo os comentaristas.

 Não há outras informações sobre Epafras no NT. Não se sabe, por exemplo, como eleconheceu Paulo ou como se tornou seu cooperador. Também nenhum detalhe éregistrado acerca de seus atos posteriores. É certo, porém, que nuvem alguma pairasobre o tipo de ministro que ele foi. Note-se que, mesmo em Roma, para onde foratalvez enviado pelas igrejas de Colossos, Laodiceia e Hierápolis, a fim de dar suporte aPaulo, Epafras nutria um profundo zelo por seu rebanho distante. A prova disso é que

ele batalhava sempre em oração pelos colossenses.Os pedidos de Epafras em prol dos colossenses eram para que eles permanecessemmaduros e plenamente convictos. O termo traduzido na NVI como “pessoas maduras”(ηέλειορ) é usado para descrever algo completo, cheio, em que não falta nada. Já aexpressão “plenamente convictas” decorre de um verbo (λπόυ) que evoca o mesmosentido de plenitude, de algo terminado, completo e perfeito. Assim, Epafras anelavaque os crentes de Colossos, em vez de serem como meninos influenciadosingenuamente pelas doutrinas dos falsos mestres, fossem “varões perfeitos” (Ef 4.13-14), detentores de uma fé sólida, manifesta naquele modo de vida que mantém a

vontade de Deus em seu centro.É importante observar ainda que o conteúdo das orações de Epafras evoca, em certamedida, as súplicas de Paulo descritas em 1.9-12. Isso revela que ambos partilhavamdas mesmas preocupações com as igrejas que estavam sob seu cuidado e influência.Com Efeito, Paulo destaca que no coração de Epafras, essas preocupações se estendiamàs igrejas de Laodiceia e Hierápolis (13).[4] Hierápolis é citada somente aqui no NT. Já foi dito no comentário a 2.1 que essa cidadesituava-se a 23 quilômetros de Colossos. Hierápolis era conhecida tanto por causa do

 poder curativo de suas fontes termais, como por ser um centro de intensa atividadecultual pagã. Já Laodiceia era um pouco mais próxima de Colossos, distando cerca dedezoito quilômetros a oeste daquela cidade. Muito maior do que Hierápolis, Laodiceiaera um centro comercial próspero que produzia lã e artigos medicinais, além de ser rica

em sua agricultura.Considerando o grande envolvimento e preocupação de Epafras com as igrejas dessasduas cidades da Ásia, torna-se muito provável que elas tenham sido fundadas por esse

 pastor-evangelista sob a direção de Paulo, ao tempo em que o Apóstolo esteve fixadoem Éfeso (At 19.9-10).Conforme foi destacado no comentário a 2.1, é importante lembrar que a igreja deLaodiceia , apesar de todo o zelo de seus fundadores, cerca de 35 anos depois de escrita

a Epístola aos Colossenses, foi severamente censurada pelo próprio Senhor nas visõesque João teve em Patmos. De fato, o Livro do Apocalipse mostra Cristo reprovando a

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inutilidade e o orgulho dos laodicenses (Ap 3.14-22). Tudo indica que a geração posterior de crentes daquela cidade, sem o amparo de líderes zelosos como Paulo eEpafras (Paulo foi executado em c. 67), havia perdido toda sua vitalidade espiritual.Lucas e Demas também figuram na lista de irmãos que enviam saudações aoscolossenses (14. Veja-se tb. Fm 24). Lucas é o autor do terceiro evangelho e do Livro deAtos dos Apóstolos[5]. Nessa última obra, a autoria lucana se depreende especialmenteda mudança dos pronomes durante a narrativa (de eles para nós), conforme se verificaem Atos 16.10-17; 20.5-15; 21.1-18; 27.1 – 28.16. Essas passagens mostram que o autor de Atos participou, entre outras coisas, da viagem de Paulo a Roma. Considerando essee outros fatores, Lucas permanece, por eliminação, como o melhor entre os possíveiscandidatos à autoria.Paulo diz que Lucas era médico. De fato, em seus escritos há vários indícios deconhecimento ou interesse médico[6]. Lucas também se destacou como o primeirohistoriador da igreja cristã. Ele revela ter tido grande habilidade e empenho na pesquisa

e coleta de dados históricos, com o objetivo de narrá-los ao leitor de modo claro, precisoe convincente (Lc 1.1-4; 2.1-2; 3.1-2). O “médico amado” era provavelmente gentio,talvez de Antioquia da Síria[7] e, conforme se percebe em seus escritos, era um homemculto, inteligente e bem versado na língua grega e na cultura helenista em geral. Ele foium dos poucos que permaneceram até o fim como fiéis companheiros de Paulo (2Tm4.11,16).O mesmo não se pode dizer de Demas. Pouco tempo depois da composição da Carta aosColossenses, Paulo foi liberto e deu continuidade ao seu ministério. Porém, foi presonovamente quando estava em Trôade (2Tm 4.13), sendo martirizado em Roma por volta

de 67 AD. Quando estava nessa segunda prisão, o Apóstolo lamentou a apostasia deDemas, afirmando que ele, movido pelo amor ao presente século, foi para Tessalônica(2Tm 4.10). Ora, Tessalônica era uma cidade portuária, o maior e mais movimentadocentro comercial da Macedônia. Ali Demas certamente encontrou tudo de que precisava

 para satisfazer suas paixões. No v. 15 Paulo menciona mais uma vez a igreja de Laodiceia , pedindo que oscolossenses saúdem os irmãos dali. Isso mostra uma ligação bem estreita entre as duasigrejas, o que fica ainda mais evidente nas orientações do v. 16. Em seguida, Paulo pede

 para que os seus leitores saúdem “Ninfa e a igreja que se reúne em sua casa”. Ninfa nãoaparece em nenhum outro lugar no NT. Sua obscuridade torna-se ainda maior pelo fatodos manuscritos antigos não serem unânimes no tocante ao gênero desse

 personagem.[8]  Aliás, mesmo o nome próprio, considerado na forma como aparece, pode ser tanto masculino como feminino. Não se sabe porque Paulo escolheu mencionar especialmente Ninfa aqui. O texto mostraque uma igreja se reunia em sua casa. A sugestão decorrente do próprio versículo é queessa igreja-lar se situava em Laodiceia . Por isso, pode ser que Paulo tenha se lembradoespecialmente de Ninfa por causa de sua grande importância como alguém em cuja casade reunia uma comunidade de cristãos de Laodiceia .É sabido que nos primeiros séculos do cristianismo, as igrejas se reuniam em lares e o

 NT é repleto de evidências disso (At 2.46; 5.42; 12.12; 16.40; 20.8,20; Rm 16.5,23; 1Co16.19; Fm 1.2). Essa prática se estendeu por todo o século 2 e adentrou o século 3. De

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fato, o mais antigo templo cristão encontrado é uma casa-igreja em Dura-Europos, quefoi construída por volta de 232 e destruída em 258.[9] 

 No v. 15, a menção separada que Paulo faz dos irmãos de Laodiceia e da igreja que sereunia na casa de Ninfa indica a existência de mais de um núcleo de cristãos naquelacidade. O mesmo talvez acontecesse em Colossos, onde, conforme se sabe, um grupodistinto de crentes se reunia na casa de Filemom (Fm 1.2).

 Nas últimas linhas da Carta aos Colossenses, Paulo orienta seus leitores no sentido deque a carta a eles dirigida seja lida na igreja dos laodicenses. Uma outra carta, escrita àigreja de Laodiceia , igualmente deveria ser lida aos crentes de Colossos (16).

 Naqueles dias, dar circulação às cartas de Paulo era comum, considerando a autoridadeapostólica do autor que o legitimava a transmitir os mistérios de Deus ocultos de outrasgerações (Ef 3.5). Assim, essas cartas, levadas de uma igreja para outra e copiadas por essas mesmas igrejas, eram lidas em voz alta diante de toda a congregação (1Ts 5.27),da mesma forma como eram lidas as Escrituras do VT (1Tm 4.13), dando indícios de

que os cristãos primitivos, já à época, as consideravam palavra de Deus, cheias deautoridade (2Ts 2.15; 3.14). Paulo incentiva essa prática no versículo em análise,mostrando que seus ensinos não se aplicavam a uma igreja local em particular, mas sima toda a comunidade da fé.A carta escrita aos crentes de Laodiceia , aludida no v. 16, não pode ser identificadacom precisão. É possível que tenha se perdido, como ocorreu com outras cartas de Paulo(1Co 5.9; 2Co 2.3-4; 7.8). Porém, é geralmente aceito que se trata da Carta aos Efésiosque, sendo provavelmente uma carta circular, tinha uma cópia endereçada aoslaodicenses.[10] Essa hipótese é reforçada pelo fato de que no Cânon de Marcião (Séc.

II), o intrigante herege deu à Carta aos Efésios o título de “Carta aos Laodicenses”seguindo, provavelmente, uma tradição antiga que identificava as duas epístolas como amesma e uma só.[11] 

 No v. 17, Paulo ordena que Arquipo seja admoestado no sentido de que cumpra oministério que recebeu do Senhor. Arquipo só é mencionado novamente em Filemom1.2, onde aparece como provável membro da casa de Filemom (talvez seu filho) e ondePaulo o chama de “companheiro de lutas” (ζςζηπαηιώηρ. Lit. soldado companheiro),uma indicação de que Arquipo havia batalhado ao lado do apóstolo na obra missionária(Fl 2.25; 4.3).O texto de Colossenses não esclarece qual era a tarefa (διακονία) da qual Arquipo deviase desincumbir. Tudo o que se sabe é que essa tarefa, qualquer que fosse, ainda nãotinha sido terminada, sendo dever de Arquipo completar (λπόυ) o que faltava parasua conclusão. Paulo entende que esse serviço tinha sido dado àquele irmão pelo

 próprio Senhor, sendo esta uma imensa motivação para que fosse realizado na íntegra.Como, ao que parece, Arquipo não estava cumprindo o dever que lhe havia sido dado

 por Deus, Paulo ordena que toda a igreja o admoeste (3.16)! No último versículo da carta (18), Paulo escreve sua saudação de próprio punho, umamedida que ele tomava a fim de autenticar seus escritos e também se proteger defraudes (1Co 16.21; 2Ts 2.2; 3.17; Fm 1.19). A seguir Paulo suplica que os crentes não

se esqueçam de sua condição de prisioneiro, solicitando, certamente, com isso, que não

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deixassem de interceder por ele, ou ainda que não se esquecessem de enviar-lhe auxílioe provisão (Fp 4.14-18).Finalmente, o apóstolo encerra a carta enunciando uma súplica indireta no sentido deque a graça de Deus esteja com os colossenses. A forma abrupta e resumida como Pauloenuncia essa bênção talvez indique que sua composição tenha sido feita sob certasdificuldades ou pressões. Seja qual for o caso, o fato é que o cerne da oração ficouexplícito, destacando a necessidade da operação da graça de Deus em seu povo. De fato,sem a atuação dessa graça seria impossível que os colossenses se mantivessem firmesnas doutrinas e práticas que emanam dessa magnífica carta.

[1] Para uma exposição mais detalhada dessa discussão, veja-se MOO. D. J. The letters

to the Colossians and to Philemon. The Pillar New Testament Commentary. GrandRapids: William B. Eerdmans Pub. Co., 2008. p. 337 – 338.[2]  A citação de Pápias encontra-se em EUSÉBIO DE CESARÉIA.  História

 Eclesiástica III:39:15. Na mesma obra, no Livro II:15:1-2, Eusébio fornece maisdetalhes sobre a composição do Evangelho de Marcos, de acordo com sua concepção. Ainformação sobre a presença de Marcos no Egito como missionário encontra-se tambémna História de Eusébio, no Livro II:16:1.[3]  Veja-se ZODHIATES, S. The complete word study dictionary: New Testament(Edição eletrônica). Verbete G3931. Chattanooga, TN: AMG Publishers, 2000. [4] Veja-se comentário a 2.1-5[5] Tanto o Evangelho de Lucas como o Livro de Atos apresentam a mesma estruturaliterária, revelando terem sido escritos pela mesma pessoa. Note-se ainda que em Atos o

autor faz referência ao “primeiro tratado” (At 1.1), certamente uma alusão ao terceiroevangelho. Além disso, as duas obras têm o mesmo destinatário, o “ExcelentíssimoTeófilo” (Lc 1.3; At 1.1). Considere-se finalmente que a autoria lucana é tambémdefendida por escritores cristãos antigos como Irineu, Tertuliano e Eusébio.[6] Veja-se UTLEY, R. J. D. The Gospel According to Luke. Study Guide CommentarySeries. Vol. 3A. Marshall, Texas: Bible Lessons International, 2004, onde se lê: “Lucasusou termos relacionados à medicina, curas, doenças, etc., pelo menos trezentas vezes…Além disso, os comentários depreciativos de Marcos acerca dos médicos, em Marcos5.26, são omitidos [em alguns manuscritos] no texto paralelo de Lucas 8.43”. [7] Esse é o entendimento de antigos escritores como o autor do Prólogo Anti-Marcião

de Lucas (175 AD) e Eusébio ( História III:4.2). Veja-se Ibid. [8] Veja-se METZGER, B. M., & United Bible Societies.  A textual commentary on the

Greek New Testament. London/New York: United Bible Societies,1994. p. 560.[9] CAIRNS, Earle E. O cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã.São Paulo: Vida Nova, 1984. p. 97.[10]  Para uma discussão mais ampla, veja-se DUNN, J. D. G. The Epistles to the

Colossians and to Philemon: A commentary on the Greek text. Grand Rapids; Carlisle:Eerdmans Publishing; Paternoster Press, 1996, onde é também discutida a hipótese dareferida carta ser procedente de Laodicéia (ηὴν ἐκ Λαοδικείαρ).

[11] Veja-se SPENCE-JONES, H. D. M. (Org.). The Pulpit Commentary: Colossians.Bellingham: Logos Research Systems, 2004. p. 215. A história da igreja fornece ainda a

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informação de que, entre os anos 300 e 400 AD, surgiu uma epístola apócrifa aoslaodicenses. Por volta do século VIII, porém, esse documento foi repudiado por toda aigreja cristã (Cf. McNAUGHTON, I. S. Opening up Colossians and Philemon.Leominster: Day One Publications, 2006. p. 95).