estigma o que É

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Estigma 1 Aula

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Estigma

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Aula

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Aula 1 Educação Inclusiva 9

Apresentação

Olá, aluno!Neste nosso primeiro encontro, você aprenderá como as normas e os valores sociais infl uenciam a maneira como percebemos as pessoas ao nosso redor. Descobrirá como os estereótipos são criados e mantidos e

como, a partir deles, é construído o estigma. Em seguida, você fará uma análise minuciosa do conceito de estigma ressaltando as suas dimensões e os mecanis-mos de sua perpetuação. Por fi m, afunilaremos nossa discussão, descrevendo o processo de estigmatização da pessoa com defi ciência.

Objetivos

Defi nir estigma.

Explicar como o estigma é formado.

Identifi car as dimensões do estigma.

Defi nir defi ciência.

Descrever os aspectos estigmatizantes da defi ciência.

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1Atividade

Pessoa A Pessoa B

Aula 1 Educação Inclusiva 11

Você sabe quem são as pessoas apresentadas a seguir?

a) Observe as duas fotografi as.

Agora, responda as seguintes questões:

Pessoa A Pessoa B

Quem é?

Qual a sua ocupação?

Características gerais (calmo, agitada, inibida, extrovertida etc.)

b) Se você encontrasse com essas pessoas na rua, de que forma cumprimentaria cada uma delas?

c) Agora, peça para um amigo responder às mesmas questões que você. Pergunte, inclusive, como cumprimentaria cada uma delas. Não mostre ou fale para o seu amigo sobre suas impressões.

d) Compare as suas respostas com as de seu amigo. O que elas têm em comum? Em que diferem?

e) O que infl uenciou a sua resposta?

f) Pergunte ao seu amigo o que infl uenciou na resposta dele.

Fonte: http://halftheskyempoweringwomen.blogspot.com.br/2012/05/support-of-us-

sisters.html

Fonte: http://images2.wikia.nocookie.net/__cb20120923194404/liberapedia/images/0/08/

Hippie.jpg

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Aula 1 Educação Inclusiva12

Conceitos e (Pré) conceitos

No exercício anterior, você e seu amigo, muito provavelmente, determinaram as ocupações e o modo de ser das pessoas representadas a partir de suas ves-timentas, expressões faciais ou do posicionamento de suas mãos. Essas infor-mações foram, também, essenciais para determinar como as cumprimentariam. Incrivelmente, vocês dois descreveram pessoas semelhantes, mesmo não as co-nhecendo. Correto? Possivelmente, adotaram posturas similares quando pensa-ram em formas de cumprimentá-las. Como foi possível compartilhar impressões e comportamentos parecidos diante de pessoas que nunca viram?

Bem, podemos dizer que, para responder “quem eram” as pessoas, foi preciso processar as informações contidas nas fotos (por exemplo: tipo de vestimenta, expressão facial) tomando como base os esquemas cognitivos predefi nidos. Esses esquemas são compreendidos como mecanismos internos responsáveis por organizar as informações que registramos com os nossos sentidos (audição, tato, visão etc.). Servem, portanto, como um molde para a maneira como pro-cessamos as informações (DATTILIO, 2006). Os esquemas são predeterminados, intrinsecamente ligados às normas e valores sociais de cada cultura e, paulati-namente, construídos no decorrer de nossas histórias de vida. O fato de você e seu amigo pertencerem à mesma cultura talvez possa explicar, parcialmente, o motivo pelo qual apresentaram respostas similares aos descreverem as pessoas mostradas na atividade.

O mecanismo de organização de informações, também conhecido como processo de categorização, é normal, adaptativo e importante nas nossas interações sociais. Ele nos ajuda a saber como nos comportar diante do outro, porque permite predizer, com certa margem de segurança, as ações do outro (GLAT, 1998). Foi essa categorização que infl uenciou a forma como você saudaria as pessoas representadas anteriormente. É esse mesmo mecanismo que determina o tom de voz que você adota diante deuma fi gura de autori-dade ou a forma com que se senta no chão para brincar com uma criança.

A categorização simplifi ca a percepção social. Ela funciona como uma espécie de “fi lminho” que, rapidamente, roda em nossas cabeças oferecendo informações essenciais sobre as características mais marcantes de cada indivíduo – e como devemos agir diante dele. As informações categorizadas da “pessoa A”, por exem-plo, culminaram no estereótipo de uma freira que, para mim, se traduz em uma mulher boa, idônea, formal, carismática e serena. Quanto à “pessoa B”, pensei em um hippie, cujo estereótipo contempla ideias como informalidade, senso de humor apurado e atitude contestatória.

Estereótipo

Vocábulo que advém do grego stereo (sólido) e tipo (molde), signifi cando con-junto de crenças comparti-

lhadas em uma cultura sobre traços e comportamentos

dos membros de um grupo social. A partir dos estereóti-pos, eu simplifi co a realidade e crio expectativasem relação

ao comportamento das pessoas. Em nossa cultura, é comum compartilhar crenças

como “o carioca é descon-traído e o paulistano, tenso”,

“o político é corrupto” ou o “adolescente é rebelde”.

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Estigma

Identidade

real

Identidade

virtual

O que o indivíduo

deveria ser

O que o

indivíduo é

Aula 1 Educação Inclusiva 13

Com esses estereótipos em mente, você estaria inclinado a cumprimentar a freira de maneira mais cerimoniosa, como um aperto de mão. O hippie, por outro lado, dar-lhe-ia uma batidinha nas costas seguida das palavras “E aí, cara!”. Esses são exemplo, mas o importante é refl etir que, provavelmente, você saudaria o hippie e a freira de forma distinta, em consonância com o estereótipo que temos dos grupos a que pertencem.

Posso afi rmar que os estereótipos armazenados em minha memória infl uen-ciam as percepções que tenho das pessoas e dos diferentes grupos sociais. O que aconteceria, então, com o estereótipo da freira se eu descobrisseque ela, uma renomada professora de história, está sendo procurada pela polícia por ter liderado uma quadrilha de assaltantes de banco no Paraná (vale salientar que se trata de um caso fi ctício, uma suposição)?

Essas condutas “inesperadas”, negativamente avaliadas e incongruentes com o estereótipo que tenho do indivíduo, formam a base para o surgimento do estigma (GLAT, 1998). O estigma é um atributo depreciativo atribuído a uma pessoa ou grupo por aqueles considerados “normais”. Revela-se como uma tor-peza moral, uma falha oculta, considerada motivo de vergonha (GOFFMAN, 1988). Essa falha é criada pela lacuna existente entre o que o indivíduo é e o que, de acordo com as expectativas sociais, ele deveria ser (seu estereótipo). Agora, suponhamos que a freira, no exemplo anterior, é uma assaltante, embora que, na perspectiva da sociedade em que vivemos, ela seja considerada uma mulher correta, idônea. Nas palavras de Goffman (1988), seria como se “a identidade social real dela não correspondesse com sua identidade social virtual”.

De maneira esquemática, poderíamos representar o conceito de estigma da seguinte forma:

Estigma

Termo usado pelos gregos para se referir a sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de extra-ordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava. Os sinais eram tipicamente feitos com cortes no corpo, indicando que o portador era um escravo, crimino-so ou traidor: uma pessoa marcada, ritualmente poluída, que deveria ser evitada, especialmenteem lugares públicos (GOFFMAN, 1988, p.11).

Figura 1 – Representação gráfi ca de estigma

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2Atividade

Estigma:

criminosa

Identidade virtual:

Pessoa idônea

Identidade real:

Assaltantede banco

Aula 1 Educação Inclusiva14

O termo estigma refere-se ao aspecto depreciativo no caráter do indivíduo que diverge da norma. Ele não é, no entanto, formado pelo atributo em si, mas pela relação incongruente estabelecida entre esse atributo e o estereótipo. A freira, possivelmente, receberia o estigma de “a criminosa”, uma vez que é esse o atributo que foge do estereótipo de “pessoa religiosa”. Poderíamos representar a instauração de seu estigma da seguinte forma:

Figura 2 – O caso da freira

Assaltante de banco representa sua identidade real (o que ela é) e pessoa idônea, sua identidade virtual (o que deveria, na perspectiva da sociedade, ser). O grau de estigmatização depende do quanto indesejável o atributo depreciativo for considerado pelo grupo. Ou seja, quanto maior for a “lacuna” existente entre a identidade real e a virtual, maior o grau de estigmatização (GOFFMAN, 1988).

É importante salientar que quando o estigma é formado, todos os outros atri-butos da pessoa parecem ser ofuscados. Ou seja, quando identifi co o indivíduo como desviante, tudo que ele faz ou é passa a ser interpretado em função dos atributos estereotipados do estigma (GLAT, 1998). Assim, mesmo sendo a freira uma extraordinária professora de história e uma pessoa carismática, essas carac-terísticas são minimizadas quando o estigma de “criminosa” lhe é impugnado.

Vamos fazer uma refl exão para averiguar quão forte é um estig-ma? Suponhamos que, dez anos após cumprir a sua pena na pri-são, essa mesma freira foi lhe pedir um emprego como professo-ra de história na escola em que você é diretor. Você contrataria essa ex-presidiária? Discuta a sua resposta.

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Aula 1 Educação Inclusiva 15

As especifi cidades do estigma

De acordo com Goffman, “um atributo que estigmatiza alguém pode confi rmar a normalidade de outrem, portanto, ele não é em si mesmo, nem honroso nem desonroso” (GOFFMAN, 1988, p.13).

Assim, observe as seguintes fotografi as.

Os atributos do rapaz à direita podem ser condizentes com o estilo adotado por um grupo de jovens que adotam um “visual punk”. O homem à esquerda poderia lembrar a fi gura de um jovem advogado que trabalha em um escritó-rio. Imagine, agora, esses mesmos homens inseridos nos ambientes contrários. O jovem à direita em um escritório de advocacia e o da esquerda em um show de rock. O que você acha que aconteceria?

Pois bem, o camarada de chapéu, embora fosse um excelente promotor de justiça, poderia ser rotulado de “cabeludo do chapéu” no escritório. O de gravata, mesmo sendo um exímio guitarrista de música “punk”, seria chamado no show de “o engravatado”. O interessante é pensar que esses mesmos rótulos tendem a desaparecer quando mudam as “audiências”. Em outras palavras, como sinaliza Omote (1994, p. 66),

[...] a mesma característica pode ter o sentido de vantagem ou de desvan-tagem dependendo de quem é o portador ou o ator e de quem são os seus “outros”, isto é, a sua audiência, assim como de outros fatores circunstan-ciais defi nidos pelo contexto no qual ocorre o encontro.

Na medida em que caracterizo alguém como desviante, asseguro a normali-dade das demais pessoas que participam de um grupo (OMOTE, 1994). É como se cada grupo desenvolvesse um conjunto de critérios ou regras determinando os atributos e condutas considerados aceitáveis a serem seguidos por seus mem-bros (GLAT, 1998). A presença do “diferente” realça e sedimenta os atributos

Fonte: arquivo pessoal. Fonte:<http://totallycoolpix.com/wp-content/uploads/2011/24032011_lolita_fashion/lolita_011.jpg>.

Acesso em: 13 nov. 2012.

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Aula 1 Educação Inclusiva16

característicos de cada organização social. Quando rotulo o jovem promotor de “cabeludo do chapéu”, realço a ideia de que o correto, normal e desejável seria que os advogados adotassem um visual mais discreto, sem adereços. Por outro lado, no contexto do grupo de punks, seria adequado abandonar a gravata.

Você deve ter percebido que o estigma funciona como um rótulo. Assim, te-mos no mundo as pessoas que rotulamos de: “o cego”, “o aleijado”, “o burro”, “o doido”, “o preguiçoso”, “o encostado”, “o bêbado”, “o certinho”, “o bonitão”, “o homossexual”, etc. Todos esses nomes carregam em si uma história. Ao narrá--la, desvendamos a biografi a da formação do estigma.

Diferentes fatores podem contribuir para o grau de estigmatização de um indivíduo. O Quadro 1, a seguir, fala de seis dimensões, propostas por Ainlay e Crosby (1986 apud GLAT, 1998), que podem afetar o processo de estigmatização.

Dimensão Exemplo

1. Visibilidade

Uma pessoa que não tem um braço, que seja cega ou traga uma cicatriz no rosto,é mais facilmente identifi cável do que um indivíduo que tenha um transtorno psiquiátrico. Isso porque, nos três primeiros casos, a condição é imediatamente percebida, tornando o indivíduo um desacreditado. No caso do transtorno mental, a diferença só será percebida se o indivíduo entrar em surto. Nesse sentido, ele passa a ser caracterizado como uma pessoa desacreditável.

2. Permanência

Compare a pessoa que esteja temporariamente incapaz de caminhar devido a uma cirurgia no joelho com outra que tenha nascido com uma defi ciência física. O prognóstico da primeira é que ela “melhorará”, livrando-se do estigma de “aleijado”. A perspectiva do segundo é que permanecerá em uma cadeira de rodas. Assim, o segundo indivíduo tenderá a ser mais estigmatizado do que o primeiro.

3. Interferência nas relações sociais

A condição limita as interações sociais da pessoa? Imagine, nesse caso, uma pessoa surda inserida em um grupo de ouvintes. O surdo, possivelmente, será estigmatizado por não oralizar ou compreender a comunicação verbal da comunidade ouvinte. Podemos, também, citar o exemplo de uma pessoa gaga em uma reunião social. A difi culdade de expressar-se de forma fl uente pode tornar-se motivo de estigma.

4. Estética

Imagine uma pessoa com o rosto queimado ou uma sem os braços. Essas diferenças físicas contrastam com a ideia de um corpo normal, perfeito, cultivado pela sociedade. Assim, quanto mais disforme e distante dos padrões de normalidade, maior o estigma.

5. CulpabilidadeHá 25 anos, os homossexuais eram fortemente estigmatizados por serem considerados como população de risco de contração do HIV. Era comum ouvirmos que a AIDS seria um castigo pelo comportamento sexual “desviante”.

6. Contaminação

Essa dimensão diz respeito à ideia de que a condição pode ser adquirida pelo contato. Muitos se negam a socorrer uma pessoa após uma crise epilética por temerem que a epilepsia possa ser adquirida pelo contato com a saliva! Outro exemplo seria o de pais que se recusam a matricular seus fi lhos em escolas onde existem crianças com defi ciência por “medo” dos pequenos desenvolverem condutas inadequadas.

Quadro 1 – Dimensões da estigmatização

Desacreditado

Termo usado para caracterizar

a pessoa cuja diferença é per-

cebida de forma imediata. Ou

seja, observa-se prontamente

uma discrepância entre sua

identidade real e virtual

(GOFFMAN, 1988).

Desacreditável

Termo empregado para carac-

terizar a pessoa cuja diferença

não é imediatamente observa-

da. Assim, a diferença entre as

identidades (real e virtual) não

são prontamente percebidas.

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3Atividade

1

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Estigma:

A.__________

B.____________ C.____________

Identidade virtualIdentidade real

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Como o estigma foi formado?

Você ou algum colega de escola/trabalho já foi “rotulado”? Em caso afi rmativo, pense na história desse rótulo e, esquematicamen-te, ilustre como seu estigma foi formado, utilizando o diagrama a seguir. Depois, fale das 6 dimensões desse estigma, considerando o Quadro 1, mostrado anteriormente.

No diagrama ao lado:

a) No espaço (A) inclua o “rótulo” usado para referir-se ao colega.

b) Escreva sua identidade real na letra B.

c) Escreva sua identidade virtual na letra C.

d) Descreva, brevemente, a história de como esse rótulo foi conferido ao seu colega.

e) Descreva as dimensões do estig-ma, considerando o Quadro 1.

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4Atividade

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O estigma do defi ciente

Quando falamos de grupos estigmatizados, não podemos deixar de falar das pessoas com defi ciência. Mas, quem são esses sujeitos? Antes de prosseguirmos com nossa defi nição, gostaria que você escrevesse, na atividade a seguir, o que entende por defi ciência.

O que é defi ciência?

Veja se a sua concepção descrita no exercício anterior traz alguma semelhança com a defi nição de defi ciência adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU):

Pessoas com defi ciência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial permanentes, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em bases iguais com as demais pessoas (BRASIL, 2008, p.9).

É interessante ressaltar que o conceito adotado na defi nição supracitada as-sinala que “barreiras” podem limitar a participação das pessoas com defi ciência na sociedade. Essa ideia nos faz pensar que, em algum aspecto, a defi ciência deve ser relativizada.

Nesse contexto, é importante resgatarmos os conceitos de defi ciência pri-mária e secundária discutidas por Amaral (1992). Defi ciência primária diz respeito aos problemas de origem orgânica, intrínsecos ao indivíduo. Ou seja, alterações biológicas em um órgão ou estrutura corporal que geram perdas sen-soriais, limitações físicas ou prejuízos intelectuais. Nesse cenário, estaríamos falando da surdez, da cegueira, da defi ciência intelectual, da paralisia, dentre outras condições.

A defi ciência não é, entretanto, uma condição unicamente intrínseca ao in-divíduo, emergindo com o nascimento ou por meio de uma doença adquirida. Na perspectiva de Omote (1994), ela pode ser produzida e mantida pelo meio social. É nesse panorama que destacamos o conceito dedefi ciência secundária. Ela diz respeitoàs condições extrínsecas ao sujeito, as consequências psicosso-ciais da defi ciência primária. De acordo com Nuernberg (2008), as defi ciências secundárias são, portanto:

[...] mediadas socialmente, remetendo ao fato de o universo cultural estar construído em função de um padrão de normalidade que, por sua vez, cria barreiras físicas, educacionais e atitudinais para a participação social e cul-tural da pessoa com defi ciência (NUERNBERG, 2008, p. 309).

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5Atividade

Aula 1 Educação Inclusiva 19

Para compreendermos como a defi ciência pode ser relativizada e descrita como defi ciência primária ou secundária, analise a interação de Elsa e Dona Maria.

Elsa, uma menina de 12 anos com paralisia cerebral, está no quarto ano do Ensino Fundamental de uma escola regular. Devido a seu comprometimento motor, não fala, mas comunica-se por meio de uma prancha de comunicação, composta por fi guras e palavras escritas, parecida com esta:

Prancha de comunicação usada por Elsa no recreio

Elsa: (olha para Dona Maria, acena a cabeça e sorri).D. Maria: Oi Elsa! O que você vai querer hoje?Elsa: (aponta para os símbolos) EU QUERO e PIPOCAD. Maria: É pra já! (vai até a cozinha e pega um saco de pipoca e en-trega a Elsa).

A partir da situação mostrada, que tipo(s) de “deficiência(s)” é (são) observada(s)? Justifi que sua resposta.

(a) Defi ciência primária (b) Defi ciência secundária (c) Defi ciência primária e secundária

Na semana passada, presenciei a seguinte interação entre Elsa e Maria, a dona da cantina da escola:

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6Atividade

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Estar diante do diferente, do corpo marcado pela defi ciência, ameaça a nossa frágil estabilidade social, afl orando a lembrança da imperfeição humana, de como poderíamos ser como “eles” (GLAT, 1998; Silva, 2006). Pensamentos intoleráveis do tipo “e se fosse comigo?”, “e se fosse o meu fi lho nessa cadeira de rodas?” ou “se minha mãe fi casse cega?” afl oram. Com o propósito de minimizar essas angústias interiores, acionamos os nossos mecanismos de defesa, tipicamente, adotando atitudes de negação (Amaral, 1998; Silva, 2006). De acordo com Amaral (1998), três formas de negação são comuns diante da defi ciência: a compensa-ção, a simulação e a atenuação. O Quadro2 a seguir exemplifi ca essas atitudes, resgatando frases comumente ouvidas no cotidiano.

Atitude Exemplos

Compensação: a condição estigmatizante é contraposta a um atributo desejável.

Ele é cego, mas tão inteligente! É homossexual, mas um ótimo fi lho!

Atenuação: o abrandamento do atributo estigmatizado

Ele perdeu uma perna no acidente, mas poderia ter perdido a vida!

Simulação: a diferença é negada, como se não existisse.

Nem percebi que ela andava de cadeira de rodas! Ele é cego, mas vê tudo que acontece!

Quadro 2 – Mecanismos de negação tipicamente evidenciadosperante a defi ciência

A tendência à estigmatização do defi ciente pode, também, ser explicada quando analisamos as dimensões do estigma.

Retome o Quadro 1 e tente identifi car como o defi ciente pode se encaixar em cada uma dessas dimensões.

Dimensão Como o defi ciente se encaixa

1. Visibilidade

2. Permanência

3. Interferência nas relações sociais

4. Estética

5. Culpabilidade

6. Contaminação

Mecanismos de Defesa

Estruturas permanentes da

psique que permitem à pessoa

furtar-se ao conhecimento de

tudo que pode causar-lhe ansie-

dade (Cabral; Nick, 1990 p.79).

Essas estruturas inconscientes

ajudam o indivíduo a manter seu

equilíbrio psíquico, suprimindo

fontes de insegurança e ansie-

dade. Dentre os mecanismos

de defesa mais comuns estão

a negação, a racionalização, a

projeção e a regressão.

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Aula 1 Educação Inclusiva 21

Pronto? Na perspectiva de Glat (1998), a maioria das defi ciências tende a se encaixar nas dimensões de permanência, visibilidade, interação social e esté-tica. Você concorda? Além de ter um caráter permanente, muitas defi ciências são prontamente visíveis. Esse é o caso das paralisias físicas ou da cegueira. Adicionalmente, a condição tende a interferir nas interações sociais. Pense no caso da pessoa surda no contexto de um grupo de ouvintes ou do gago em um debate. Em termos estéticos, podemos ponderar sobre os defi cientes desacredi-tados, cuja diferença é prontamente notada. Pessoas desprovidas de membros ou que evidenciam deformidades físicas tendem a desestabilizar o conceito de normalidade, ampliando a lacuna entre a identidade real e a virtual.

Defi ciência: conceitos da atualidade

Agora, gostaria que você refl etisse sobre o conceito de estigma discutido nesta aula. É primordial que você compreenda a defi ciência não apenas como um fenômeno biológico, mas como um conceito produzido e mantido pelo meio social. Nesse sentido, é essencial que você compreenda os seus sentimentos diante da diferença.

As diferenças, especialmente as incomuns, inesperadas, bizarras, sempre atraíram a atenção das pessoas despertando, por vezes, temor e descon-fi ança (OMOTE, 1994, p.65).

Nas próximas aulas, trataremos do percurso histórico das pessoas com defi -ciência desde a antiguidade até a contemporaneidade. Nessa trajetória, enfoca-remos em cinco condições de excepcionalidade. Para você saber do que estare-mos falando, trazemos a seguir uma breve defi nição de cada condição que será trabalhada ao longo do curso.

1) Defi ciência física – alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física (BRASIL, 2007).

2) Defi ciência visual – compreende duas condições: baixa visão e cegueira. A primeira, presente em 20% dos indivíduos que apre-sentam defi ciência visual, caracteriza-se pela perda total da visão, até a perda da capacidade de indicar a projeção da luz. A segunda, prevalente em 80% dos casos, é descrita como perda severa da visão, não corrigível através de tratamento clínico, cirúrgico, nem de óculos convencionais (SMITH, 2008).

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Leituras complementares

Aula 1 Educação Inclusiva22

3) Defi ciência auditiva – defi nida como perda parcial ou total das possibilidades auditivas sonoras. (BRASIL, 2004).

4) Defi ciência intelectual – condição em que o indivíduo evidencia funcionamento intelectual signifi cativamente inferior à média, com manifestação antes dos 18 anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas (SMITH, 2008).

5) Altas habilidades/superdotação – condição em que o indivíduo manifestapotencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psico-motricidade e artes (Brasil, 2008).

6) Transtornos globais do desenvolvimento – conjunto de transtor-nos nos quais são evidenciadas alterações qualitativas das intera-ções sociais recíprocas, na comunicação e repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil (BRASIL, 2008).

As três referências apresentadas a seguir trazem um aprofundamento da refl exão que fi zemos sobre estigma.

AMARAL, Lígia. Sobre crocodilos e avestruzes: falando de diferenças físi-cas, preconceitos e sua superação. In: AQUINO, Júlio G. (Org.). Diferenças e preconceitos. São Paulo: Summus, 1998. p. 11-30.

MAGALHÃES, Rita de Cássia Barbosa. Refl exões sobre a diferença: uma intro-dução à educação especial. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2002.

OMOTE, S. Defi ciência e não defi ciência: recortes do mesmo tecido. Revista Brasileira de Educação Especial, v. 2, n.1, p. 65-74, 1994.

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Resumo

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Nesta aula, refletimos sobre como nossas percepções são influenciadas pelas normas e valores sociais de nossa cultura. Observamos como os estereótipos são criados e a maneira como se originam as diversas dimensões do estigma. Chegamos, por fi m, à discussão da defi ciência, salientando a importância de visualizá-la não apenas como uma condição intrínseca, biologicamente determinada do indivíduo, mas como uma construção social. Nesse cenário, descrevemos a forma como os defi cientes são tipicamente estigmatizados em nossa sociedade. Finalizamos nossa aula traçando um breve panorama das condições de excepcionalidade que serão abordadas no decorrer de nosso curso.

Além dessas, a seguir, listo algumas indicações de fi lmes que trabalham a questão do estigma de pessoas com necessidades especiais na sociedade. Neles, você poderá observar como o estigma é construído e a forma como as pessoas que evidenciam excepcionalidades são percebidas pela sociedade.

Filme Temática

Meu Pé Esquerdo. Jim Sheridan. Irlanda, Inglaterra: LK-Tel, 1989. 100 Min. Drama.

Defi ciência física

Perfume De Mulher. Martin Brest. Estados Unidos: CIC, 1992. 157 Min. Drama.

Defi ciência visual

O Piano. Jane Campion. França: Paris, 1993. 120 Min. Europeu.

Defi ciência auditiva

Rain Man. Barry Levinson. Estadosunidos: Warner, 1988. 140 Min. Drama.

Autismo

Uma Lição De Amor. Jessie Nelson. Estados Unidos: Playarte, 2001. 133 Min. Drama.

Defi ciência intelectual

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E se fosse você?

Aula 1 Educação Inclusiva24

Autoavaliação

Você deverá assistir a um fi lme que apresente um indivíduo com alguma excepcionalidade (de-fi ciência física, visual, auditivaetc.). Em seguida, escreva uma refl exão, colocando-se no lugar do per-sonagem, explicitando seus sentimentos, desafi os e conquistas. Posteriormente, descreva a forma como esse personagem era tratado em seu meio social, trazendo uma refl exão sobre o conceito de estigma e suas dimensões.

Referências

AMARAL, Lígia. Sobre crocodilos e avestruzes: falando de diferenças físi-cas, preconceitos e sua superação. In: AQUINO, Júlio G. (Org.). Diferenças e preconceitos. São Paulo: Summus, 1998. p. 11-30.

BRASIL. Saberes e práticas da inclusão: Desenvolvendo competências para oatendimento às necessidades educacionais especiais de alunos surdos. Brasília; MEC; SEESP, 2004.

______. Atendimento educacional especializado: Defi ciência física. São Paulo: SEESP/ SEED/ MEC, 2007.

______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Na-cional de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2008.

CABRAL, Álvaro; NICK, Eva.  Dicionário técnico de psicologia. 10. ed. São Paulo: Cultrix, 1990.

DATTILIO, Frank M. Reestruturação de esquemas familiares. Rev. bras. ter. cogn. [online]. v. 2, n. 1, p. 17-34,2006.ISSN 1808-5687.

Page 19: ESTIGMA O QUE É

Anotações

Aula 1 Educação Inclusiva 25

GLAT, Rosana. A estigmatização e marginalização do defi ciente: um processo socialmente construído. In: GLAT, Rosana. A integração social dos portadores de defi ciência: uma refl exão.Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998. p. 18-27.

GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988.

NUERNBERG, Adriano Henrique. Contribuições de Vigotski para a educação de pessoas com defi ciência visual. Psicol. estud. [online]. v.13, n. 2, p. 307-316. 2008. ISSN 1413-7372

OMOTE, S. Defi ciência e não defi ciência: recortes do mesmo tecido. Revista Brasileira de Educação Especial, v. 2, n.1, p. 65-74, 1994.

SILVA, Luciene M. da. O estranhamento causado pela defi ciência: preconcei-to e experiência.Rev. Bras. Educ. [online],v.11, n. 33, p. 424-434,2006.ISSN 1413-2478.

SMITH, Deborah Deutsch. Introdução à Educação Especial: Ensinar em tempos de inclusão. Tradução M.A. Almeida. São Paulo: Artmed, 2008.

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Anotações

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