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ESCOAMENTO SUPERFICIAL 1 Definição e abordagem introdutória No contexto do ciclo hidrológico, o escoamento superficial é um dos componentes mais importantes para dimensionamentos hidráulicos e manejo da bacia hidrográfica. Por isso, é um dos mais estudados e modelados pela ciência hidrológica. O escoamento superficial pode ser dividido em 2 componentes: o escoamento superficial direto (“surface runoff”) e o escoamento base ou subterrâneo. O primeiro componente é gerado pelo excesso de precipitação que escoa sobre a superfície do solo, provocado pelo umedecimento do perfil do solo, principalmente a sua camada superior, reduzindo a sua capacidade de infiltração e consequentemente disponibilizando o excesso para formar o escoamento na superfície ou pela intensidade elevada da precipitação o qual supera a capacidade de infiltração atual do solo, provocando o seu escoamento. Esta parcela do escoamento é conhecida como precipitação efetiva ou deflúvio superficial direto. A sua importância está diretamente associada a dimensionamentos de obras hidráulicas, como barragens, terraços, bacias de contenção e outros. Em drenagem, sua relação é especialmente importante para canais coletores ou drenos de encosta, determinando-se uma vazão de projeto máxima associada a uma freqüência de ocorrência. O escoamento de base é aquele produzido pelo fluxo de água do aqüífero livre, sendo importante do ponto de vista ambiental, uma vez que refletirá a produção de água na bacia durante as estações secas. É ainda especialmente importante em regiões que possuem regime pluvial caracterizado por chuvas de baixa intensidade e longa duração e relevo consideravelmente plano, onde o escoamento pela superfície dificilmente é significativo. Os fatores ambientais que interferem no escoamento são: Características da precipitação, especialmente sua intensidade. Deve-se mencionar que uma precipitação de origem convectiva (alta intensidade e curta duração) é importante para estudos de cheias em pequenas bacias e precipitações de origem ciclônica são importantes para o manejo de grandes bacias. Atributos do solo: normalmente solos de maior permeabilidade podem proporcionar hidrógrafas com menores valores máximos, uma vez que haverá menor escoamento sobre a superfície. De modo oposto, solos pesados, com baixa permeabilidade, têm tendência a gerar maior escoamento sobre a superfície, provocando valores mais elevados de vazões máximas. Manejo do solo: este aspecto é especialmente importante, uma vez que o emprego de técnicas de manejo sem preocupação com o destino da água da chuva pode ser danoso para o ambiente e para a cultura instalada. Deve-se estudar e aplicar técnicas que visem manter a água no solo, reduzindo o escoamento superficial direto. Bom exemplo de manejo da superfície do solo é a manutenção de palhada, provocando redução de impacto de gotas e energia do deflúvio pelo aumento de rugosidade superficial. Além disto, há manutenção de umidade no solo, reduzindo o efeito de secas severas sobre as plantas.

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ESCOAMENTO SUPERFICIAL 1 Definição e abordagem introdutória

No contexto do ciclo hidrológico, o escoamento superficial é um dos componentes mais importantes para dimensionamentos hidráulicos e manejo da bacia hidrográfica. Por isso, é um dos mais estudados e modelados pela ciência hidrológica.

O escoamento superficial pode ser dividido em 2 componentes: o escoamento superficial direto (“surface runoff”) e o escoamento base ou subterrâneo. O primeiro componente é gerado pelo excesso de precipitação que escoa sobre a superfície do solo, provocado pelo umedecimento do perfil do solo, principalmente a sua camada superior, reduzindo a sua capacidade de infiltração e consequentemente disponibilizando o excesso para formar o escoamento na superfície ou pela intensidade elevada da precipitação o qual supera a capacidade de infiltração atual do solo, provocando o seu escoamento. Esta parcela do escoamento é conhecida como precipitação efetiva ou deflúvio superficial direto. A sua importância está diretamente associada a dimensionamentos de obras hidráulicas, como barragens, terraços, bacias de contenção e outros. Em drenagem, sua relação é especialmente importante para canais coletores ou drenos de encosta, determinando-se uma vazão de projeto máxima associada a uma freqüência de ocorrência.

O escoamento de base é aquele produzido pelo fluxo de água do aqüífero livre, sendo importante do ponto de vista ambiental, uma vez que refletirá a produção de água na bacia durante as estações secas. É ainda especialmente importante em regiões que possuem regime pluvial caracterizado por chuvas de baixa intensidade e longa duração e relevo consideravelmente plano, onde o escoamento pela superfície dificilmente é significativo.

Os fatores ambientais que interferem no escoamento são:

• Características da precipitação, especialmente sua intensidade. Deve-se mencionar que uma precipitação de origem convectiva (alta intensidade e curta duração) é importante para estudos de cheias em pequenas bacias e precipitações de origem ciclônica são importantes para o manejo de grandes bacias.

• Atributos do solo: normalmente solos de maior permeabilidade podem proporcionar hidrógrafas com menores valores máximos, uma vez que haverá menor escoamento sobre a superfície. De modo oposto, solos pesados, com baixa permeabilidade, têm tendência a gerar maior escoamento sobre a superfície, provocando valores mais elevados de vazões máximas.

• Manejo do solo: este aspecto é especialmente importante, uma vez que o emprego de técnicas de manejo sem preocupação com o destino da água da chuva pode ser danoso para o ambiente e para a cultura instalada. Deve-se estudar e aplicar técnicas que visem manter a água no solo, reduzindo o escoamento superficial direto. Bom exemplo de manejo da superfície do solo é a manutenção de palhada, provocando redução de impacto de gotas e energia do deflúvio pelo aumento de rugosidade superficial. Além disto, há manutenção de umidade no solo, reduzindo o efeito de secas severas sobre as plantas.

C.R.Mello/Marciano

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6.2 Análise de Hidrógrafas Hidrógrafas são representações gráficas dos valores de vazão de um curso

d’água no tempo, sendo possível extrair, de forma aproximada, a parcela do escoamento superficial direto e do escoamento base. Em bacias compostas apenas por cursos d’água efêmeros, a hidrógrafa é constituída somente pelo escoamento superficial direto. A Figura 1 representa os componentes principais de uma hidrógrafa.

Figura 1 - Representação da hidrógrafa e seus principais componentes.

O deflúvio pode ser separado por quatro procedimentos, sendo o mais usual aquele que considera uma reta crescente entre as inflexões A e C na hidrógrafa. Ao determinar o coeficiente angular desta reta [(Ta,QA);(Tc,QC)], calcula-se a parcela do escoamento base incrementando-se, em cada intervalo de tempo, o valor deste coeficiente, começando pelo valor de vazão QA até que o valor QC seja atingido. Assim, dispondo-se do valor total da vazão, previamente medido, subtrai-se o valor do escoamento base, encontrando-se os valores de vazão do escoamento superficial direto.

As inflexões A e C podem ser determinadas visualmente com base nos valores de vazão, (no caso de A), e dividindo-se os últimos valores de vazão, os quais pertencem apenas ao escoamento base, pelos valores anteriores, obtendo-se um valor aproximadamente constante. Isto é feito até que se encontre um valor consideravelmente diferente dos já obtidos, significando que um valor de vazão consideravelmente mais alto foi atingido. Uma outra forma é plotar num papel monolog, os valores de vazão; como o escoamento base tem característica exponencial, este será uma reta quando plotado em papel monolog; assim, fica fácil verificar, neste gráfico, o ponto de inflexão C. Este procedimento é o mesmo das constantes, porém de forma gráfica.

Esta análise é possível devido a algumas considerações sobre o comportamento do escoamento base, uma vez que a partir de C somente este tipo de escoamento existe. Este escoamento pode ser matematicamente representado por uma equação diferencial ordinária de primeira ordem:

D = duração da precipitação Tc = tempo de concentração Tp = tempo de pico Ta = tempo de ascensão A e C = inflexões da hidrógrafa CG = centro de gravidade da precipitação Tp

C

A

Q

Tempo

Tc

D

Deflúvio

Escoamento subterrâneo

Ta

CG = D/2

Ta Tc

QA

QC

C.R.Mello/Marciano

3

QKdtdQ

×−= (1)

cuja solução é:

tKdtdQ tf

ti

Qf

Qi∫ ×−=∫ (2)

( )titfKQiQf

Ln −×−= (3)

Como Qf é menor Qi (há depleção do escoamento base com o passar do tempo), o sinal negativo do segundo membro da equação 3 é anulado. A diferença tf – ti pode ser considerada constante, uma vez que o intervalo de tempo entre as leituras normalmente é fixo. Chamando tf – ti de ∆t, tem-se:

( )tKe

Qi

Qf ∆×−= (4)

O segundo membro da equação 4 é uma constante, uma vez que ‘e’ representa o número de Neper (2,718282), K é conhecido como fator de reação, dependente das características do meio, sendo uma constante própria das condições locais de escoamento e ∆t é constante. Desta forma, ao se obter a razão entre vazões do escoamento base, obter-se-à um valor próximo, praticamente constante, justificando o emprego desta metodologia para separação dos escoamentos.

Uma outra forma de obtenção da inflexão C é por meio de equações empíricas, que relacionam o tempo decorrido entre a vazão de pico e a inflexão:

bBHAaN ×= (5)

Com a identificação de A e C, pode-se avaliar o tipo de escoamento da

seguinte forma:

- Se QA for maior QC: escoamento tipo I, caracterizando uma não recarga do aqüífero provocada pela precipitação e a depleção do mesmo continua. (efeito de uma chuva de elevada intensidade e curta duração no início do período chuvoso).

- Se QA = QC: escoamento tipo II, não há recarga, mas a depleção do aqüífero não continua.

A C

Q

tempo

C.R.Mello/Marciano

4

- Se QA é menor QC: escoamento tipo III, havendo recarga do aqüífero.

O próximo passo é separar o escoamento superficial direto, do subterrâneo. Existem 3 formas geométricas e 1 forma baseada em média móvel, pouco utilizada, desenvolvida pelo Institute of Hydrology, Inglaterra. As formas baseadas em geometria analítica são mais usadas: a) Metodologia 1

Esta metodologia consiste em considerar o escoamento base com aumento (ou redução) de vazão, por meio de uma reta, com alterações proporcionais à inclinação da reta AC. O procedimento consiste em, primeiramente, separar o escoamento base e por subtração do escoamento total, o escoamento superficial direto. A inclinação da reta AC é dada por:

A C

Q

tempo

A C

Q

tempo

A

C

TA T1 T2 T3 T4 T5 T6 T7 T8 T9 TC

QA

Q1

Q2

Q3

Q4

Q5 Q6

Q7

Q8

Q9

QC

Q

Tempo

QS1

QS2

QS3 QS4

Q S5

QS6

QS7

QS8

QS9

C.R.Mello/Marciano

5

( )

−=α=

TATCQAQC

tgm (6)

Deve-se alertar para o fato de que o valor a ser adicionado ou subtraído (no caso da figura acima, adicionado), deve ser corrigido para o intervalo de tempo da hidrógrafa (∆t = T1-TA, T2 – T1, T3 – T2, e assim por diante) e não por unidade de tempo na fórmula acima. Assim, tem-se:

tmJ ∆×= (7)

Assim, se os valores de vazão estiverem sendo medidos a cada 2 horas, o valor de m deve ser multiplicado por 2, para posterior aplicação ao cálculo. As vazões subterrâneas são dadas por: etc J;QSB2QSB3 J;QSB1QSB2 ;JQA1QSB +=+=+= (8) Se o cálculo pela equação 8 estiver correto, a soma QSB9 + J será igual a QC. As vazões do escoamento superficial são dadas pela diferença entre a vazão total e vazão subterrânea: QS1 = Q1 – QSB1; QS2 = Q2 – QSB2; QS3 = Q3 – QSB3, etc. Nota-se que nos pontos A e C, as vazões superficiais são iguais a zero, não havendo presença de escoamento superficial direto. O escoamento superficial direto é obtido pelo cálculo da área acima da reta AC, e para isto, emprega-se o princípio de integração numérica conhecido como regra dos trapézios. Assim, tem-se:

- entre A e QS1, forma-se um triângulo, assim como entre C e QS9. Nos pontos intermediários, são formados trapézios aproximados. Com isto, tem-se:

( ) ( ) ( )

( ) ( ) ( ) ( )

( )t

29QS

t2

9QS8QS

t2

8QS7QSt

27QS6QS

t2

6QS5QSt

25QS4QS

t2

4QS3QSt

23QS2QS

t2

2QS1QS2

t1QSESD

∆×+∆×+

+∆×+

+∆×+

+∆×+

+∆×+

+∆×+

+∆×+

+∆×+

+∆×

=

(9) Colocando-se ∆t/2 em evidência, tem-se:

( )

tQESD

QSQSQSt

ESD

N

i

Si ∆×=

×++×+××∆

=

∑=

)(

92...22122

1

(10)

em N é o número de vazões que formam a hidrógrafa. Esta última equação corresponde a uma integral na forma discreta.

C.R.Mello/Marciano

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b) Metodologia 2

Neste caso, faz-se um prolongamento da depleção a partir de C, encontrando-se a reta vertical que passa pela vazão máxima, determinando-se o ponto D. Ligando-se D a A, fecha-se a área correspondente ao escoamento superficial direto. c) Metodologia 3 Aqui, prolonga-se a depleção a partir de A até encontrar com a reta vertical que passa pela vazão de pico. A reta DC é então determinada. Observa-se que a metodologia 3 superestima o escoamento superficial direto, enquanto a metodologia 2 subestima, em relação à metodologia 1. Portanto, esta última tem produzido melhores resultados e deve ser privilegiado. Exemplo 3. Separar o escoamento superficial direto do escoamento de base (subterrâneo) na hidrógrafa a seguir.

A C

D

B

Q

Tempo

A C

D

B

Q

Tempo

C.R.Mello/Marciano

7

T (30 min) Q (m3s-1) K Escoamento Subterrâneo

(m3s-1)

Escoamento Superficial

(m3s-1) 1 5 - 5,0 0,0 2 5 - 5,0 0,0 3 4,5 - 4,5 0,0 4 5 (A) - 5,0 0,0 5 10 - 6,25 (=5+1,25) 3,75 (=10-6,25) 6 15 - 7,50 (=6+1,25) 7,50 (=15-7,50) 7 18 - 8,75 9,25 8 25 - 10,0 15,00 9 27 - 11,25 15,75

10 24 - 12,5 11,50 11 20 - 13,75 6,25 12 15 (C) 0,75 15,0 (=13,75+1,25) 0,0 13 13 0,87 13,0 0,0 14 11 0,85 11,0 0,0 15 10 0,91 10,0 0,0 16 9 0,90 9,0 0,0 17 8 0,89 8,0 0,0 18 7 0,88 7,0 0,0

- Cálculo da taxa de variação da vazão (inclinação da reta de escoamento – vide Figura 4)

25,1412

515=

−=

t

Q m3s-1/30 minutos

- Cálculo do deflúvio: “Regra do Trapézio” =

∑ ==∆⋅ 12420060*30*00,69tQ m3

- Supondo uma bacia de área 10 km2, o deflúvio, em lâmina será: 124200 m3/10x106m2= 0,01242m x 1000 = 12,42 mm.

3. Obtenção dos valores de vazão e curva-chave

O monitoramento dos valores de vazão numa bacia hidrográfica deve ser feito na seção de controle da mesma, uma vez que toda a rede de corpos d’água drenam para este ponto. Para se conseguir monitorar a vazão, utiliza-se instrumentos de medição, entre os quais pode-se destacar:

- vertedores - calhas Parshall ou WSC - estações fluviométricas (ou linmétricas) Em todas as situações, deve-se instalar um equipamento conhecido como

linígrafo, o qual monitora os valores de lâmina d’água. Portanto, para os 3 dispositivos destacados, é necessário que haja uma prévia calibração (ou relação matemática) dos valores de vazão com a respectiva altura da lâmina d’água que passa pelos equipamentos. O dimensionamento de vertedores e calhas seguem algumas normas padronizadas, e maiores informações podem ser encontradas em Azevedo Neto e Alvarez, (1991).

Uma vez obtida a série de níveis (linigrama), transforma-se esta série em uma série de vazão através do uso da curva-chae daquela seção. Curva-chave é o termo

C.R.Mello/Marciano

8

usado na hidrologia para designar a relação entre a cota (nível d'água) e a vazão que escoa numa dada seção transversal de um curso d'água. Também conhecida como curva de calibragem, cota-vazão e cota-descarga a qual permite o cálculo indireto da vazão na referida seção a partir da leitura da cota num dado momento.

A curva-chave de uma seção pode ser representada de três formas: a forma gráfica, a equação matemática e a tabela de calibragem. No primeiro caso da representação gráfica, tem-se os valores de cota (H) no eixo das e abscissas os valores de vazão (Q) no eixo das ordenadas (Figura 3).

Q = -1,6555h3 + 3,2234h2 - 1,245h + 0,1541

R2 = 0,9935

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0 0,2 0,4 0,6 0,8 1 1,2

h(m)

Q (

m3 /s

)

Figura 3 - Representação gráfica de uma curva chave

A equação matemática utiliza a vazão em função da cota. São duas as formas

de equações mais utilizadas. A forma de potência: Q = a (H - Ho)n onde: a e n - coeficientes de ajuste para cada curva-chave H - cota referente a uma vazão Q Ho - cota referente a vazão nula e a forma polinomial dos tipos quadráticas e cúbicas: Q = a0 + a1H+a2H2 + . . . + anHn 2.2 onde: a0, a1, a2,an e n - coeficientes de ajuste para cada curva; H - cota referente a uma vazão Q

É comum ajustar mais de uma equação à curva-chave, por faixas de cota, visto que raramente uma única equação é capaz de representar a curva-chave em toda sua extensão.

Outra forma de apresentação é a Tabela de Calibragem, cujos valores são extraídos do gráfico da curva-chave ou da aplicação direta da(s) equação(ões) aos valores de cota. Trata-se de uma tabela onde se apresentam duas colunas, uma para os valores de cota e outra para os valores de vazão, e tantas linhas quanto necessárias para se obter a aproximação desejada da curva traçada. Os valores intermediários, em geral, são calculados por interpolação linear (Sefione, 2002).

C.R.Mello/Marciano

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Em geral, chega-se à curva-chave utilizando-se da representação gráfica e seguindo as etapas descritas a seguir:

• escolhe-se um local ao longo do curso d'água, através de uma série de critérios hidráulicos e logísticos, onde se deseja conhecer os valores de vazão. Aí se instala a estação fluviométrica, composta de réguas linimétricas e/ou linígrafos, permitindo o registro manual diário ou automático do nível de água no rio ao longo do tempo, que compõem a série histórica de cotas observadas da estação;

• periodicamente faz-se medições diretas da vazão junto à estação. Associa-se a cada medida de vazão a cota referente, obtendo-se um ponto no gráfico QxH. Procura-se, dentro do possível, determinar esses valores de vazão para uma faixa de cotas medidas o mais ampla e contínua possível, obtendo-se um conjunto de pontos;

• traça-se então a curva de maior aderência aos pontos - calibragem da curva -

manualmente, ou utilizando-se de programas ou planilhas computacionais, geralmente pelo método dos mínimos quadrados.

• por último convertem-se, através da curva-chave (tabela ou equação), os valores de nível de água para vazões, obtendo-se assim a série histórica de vazões da estação ou fluviograma, produto final do processo, como mostra a Figura 4. É importante ressaltar que geralmente a seção transversal do rio sofre

alterações no seu perfil, devido a erosão, deposição de sedimentos, ação antrópica, vegetação, etc., o que forçosamente obriga a freqüentes ajustes na curva-chave apoiados em novas medidas de vazão, que devem ser feitas periodicamente.

A Figura 5 mostra uma instalação fluviométrica na seção de controle de uma bacia hidrográfica, com um linígrafo automático armazenando informações a cada 15 minutos em um data logger, que é descarregado por meio de computador portátil, em forma de planilha eletrônica. Observa-se também um processo de medição de vazão para construção de curva-chave neste mesmo local, com utilização de molinete.

C.R.M

ello

/Marciano

1

0

Figura 4 - E

xemplo da obtenção do fluviogram

a por meio do linigram

a para a bacia hidrográfica do R

ibeirão Marcela, N

azareno, MG

.

LIN

IGR

AM

A

00,20,40,60,8 11,21,41,61,8 2

31/01/04 20:46

01/02/04 17:31

02/02/04 09:39

03/02/04 01:24

03/02/04 22:09

04/02/04 18:54

05/02/04 15:39

06/02/04 21:54

07/02/04 18:39

08/02/04 15:24

09/02/04 12:09

10/02/04 08:55

11/02/04 05:40

12/02/04 02:25

12/02/04 23:10

13/02/04 19:55

14/02/04 16:40

15/02/04 13:25

16/02/04 10:10

17/02/04 05:54

18/02/04 02:39

18/02/04 23:24

19/02/04 20:09

20/02/04 16:54

21/02/04 13:39

22/02/04 10:24

23/02/04 07:09

24/02/04 03:54

25/02/04 00:39

25/02/04 21:24

26/02/04 18:09

27/02/04 15:09

28/02/04 11:54

29/02/04 08:39

Data/h

ora

Nível d'água (m)

CU

RV

A C

HA

VE

Q =

-1,6555h3 +

3,2234h2 - 1,245h +

0,1541

R2 =

0,9935

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

00,2

0,40,6

0,81

1,2

H (m

)

Q (m3/s)

FL

UV

IOG

RA

MA

0,000

0,200

0,400

0,600

0,800

1,000

1,200

1,400

31/01/04 20:46

01/02/04 16:16

02/02/04 09:36

02/02/04 21:39

03/02/04 17:09

04/02/04 12:39

05/02/04 08:09

06/02/04 03:39

07/02/04 08:39

08/02/04 04:09

08/02/04 23:39

09/02/04 19:10

10/02/04 14:40

11/02/04 10:10

12/02/04 05:40

13/02/04 01:10

13/02/04 20:40

14/02/04 16:10

15/02/04 11:40

16/02/04 07:10

17/02/04 01:39

17/02/04 21:09

18/02/04 16:39

19/02/04 12:09

20/02/04 07:39

21/02/04 03:09

21/02/04 22:39

22/02/04 18:09

23/02/04 13:39

24/02/04 09:09

25/02/04 04:39

26/02/04 00:09

26/02/04 19:39

27/02/04 15:24

28/02/04 10:54

29/02/04 06:24

Da

ta/h

ora

Q(m3/s)

C.R.Mello/Marciano

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Figura 5. Esquema do monitoramento de vazão em uma bacia hidrográfica, mostrando uma estação fluviométrica com linígrafo e medição de vazão com molinete para calibração de curva-chave para esta estação.

A medição de vazão consiste em determinar a área da seção de medição e a

velocidade em vários pontos distribuídos em verticais desta mesma seção para posterior obtenção da velocidade média em cada vertical, este processo é conhecido como batimetria.

A área da seção é determinada por medição da largura da seção e da profundidade em vários pontos da mesma, verticais onde são realizadas medições da velocidade com molinete em um ou mais pontos. O número de verticais é definida em função da largura da seção e o número de medições da velocidade em função da profundidade da mesma (Martins & Paiva, 2001). A Tabela 1 mostra as equações para cálculo da velocidade média em função da profundidade da vertical (número de pontos de medição) e a Tabela 2 apresenta o espaçamento recomendado entre as verticais como função da largura do rio. Tabela 1- Expressões para cálculo da velocidade média em função da profundidade da vertical de medição.

Np* Posição relativa à profundidade h Velocidade média h (m)

1 0,6h 6,0V 0,15-0,6

2 0,2 e 0,8h 2

8,02,0 VV + 0,6-1,2

3 0,2; 0,6 e 0,8h 4

2 8,06,02,0 VVV ++ 1,2-2,0

4 0,2; 0,4; 0,6 e 0,8h 6

22 8,06,04,02,0 VVVV +++ 2,0-4,0

6

10cm da superfície; 0,2;

0,4; 0,6 e 0,8h; 15 a 25cm do fundo

( )10

2 8,06,04,02,0sup fundoVVVVVV +++++ >4,0

*Np: número de pontos na vertical Fonte: DNAEE (1977)

B C

C.R.Mello/Marciano

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Tabela 2 – Espaçamento recomendado entre verticais.

Largura da seção do rio (m) Espaçamento entre as verticais (m) ≤ 3 0,30 3-6 0,50 6-15 1,00

15-50 2,00 50-80 4,00 80-150 6,00

150-250 8,00 ≥250 12,00

Fonte: Azevedo Neto (1966) citado por Martins & Paiva (2001). Com as velocidades médias determinadas para cada vertical, a profundidade de cada vertical e a distância entre as verticais é possível calcular a vazão da seção. Assim, tem-se um par de pontos (vazão x altura de água) o qual será usado na regressão para calibração da curva-chave. Figura 6 - Representação da seção de um curso d´água e do perfil da velocidade ao longo da profundidade. Exemplo de obtenção da vazão a partir de batimetria realizada com molinete hidrométrico na seção de controle da bacia hidrográfica do ribeirão Marcela, Nazareno-MG. Data: 07/04/2004 Largura da seção: 2,4m Profundidade da vertical: 0,97m

Vertical DMD* (cm) Prof (cm) 1 40 82 2 80 95 3 120 97 4 160 92 5 200 33

*DMD- distância da margem direita

D1 D2 D3 D4 D5 D6 D7 D8 D9

H1 H2 H3 H4 H5 H6 H7 H8 Hn

V1

V2

V3

V4

V5

C.R.Mello/Marciano

13

Vertical Prof (cm) V(m/s) Vm(m/s) Área(m2) Q(m3/s) 20%P 16 0,221 60%P 49 0,155 1 80%P 66 0,051

0,1455 0,164 0,0239

20%P 19 0,355 60%P 57 0,501 2 80%P 76 0,355

0,4280 0,354 0,1515

20%P 19 0,315 60%P 58 0,488 3 80%P 77 0,301

0,3980 0,384 0,1528

20%P 18 0,368 60%P 55 0,400 4 80%P 74 0,063

0,3078 0,378 0,1163

20%P 7 0,076 60%P 20 0,081 5 80%P 26 0,073

0,0780 0,316 0,0246

Qt= 0,47 m3/s Par de pontos (Qxh) para curva chave: 0,47 x 0,97

4. Séries históricas de vazão importantes para estudos hidrológicos

O monitoramento hidrológico é feito de forma contínua ao longo de todo o dia, quando se dispõe de linígrafo instalado junto à seção de controle. Assim, detecta-se todo o comportamento das vazões ao longo do tempo, facilitando a identificação de cheias no período de chuvas e consequentemente de valores máximos ao longo do ano. Da mesma forma, é possível obter os valores mínimos anuais e os valores médios diários, mensais e anuais.

Com os valores de vazão monitorados pode-se obter informações extremamente úteis para diversos estudos hidrológicos a partir da constituição de séries históricas, de forma semelhante ao aplicado à precipitação. Assim, formam-se séries históricas de valores máximos, mínimos e médios anuais. A partir da série histórica de valores mínimos, obtém-se também séries históricas de valores mínimos associados a intervalos diários, como mínimos de 7 dias, por meio de média móvel.

Todas estas informações podem ser utilizadas em algumas áreas de pesquisa atuais na hidrologia, especialmente a regionalização hidrológica de bacias hidrográficas e modelos de simulação hidrológica. Especificamente, trabalha-se com valores máximos para estimativa de valores extremos associados a uma freqüência de ocorrência, para posterior aplicação ao dimensionamento de obras hidráulicas. Isto é possível pela aplicação de um modelo de probabilidades, o que será discutido no próximo item, ou por meio de modelos de séries temporais.

As vazões mínimas são extremamente importantes para aplicação a projetos de irrigação e projetos/processos de licenciamento ambienta do uso da água. Da mesma forma, estima-se valores mínimos associados a um tempo de recorrência para aplicação a projetos, como o Q7,10, a qual significa vazão mínima de 7dias com tempo de retorno de 10 anos.

As vazões médias são úteis para determinação do balanço hídrico anual em bacias hidrográficas, conforme já discutido no capítulo de bacias hidrográficas. No entanto, são importantes para avaliação qualitativa das condições ambientais da bacia, uma vez que a produção de água será reflexo do manejo do solo e uso da água na bacia hidrográfica e a resposta da bacia a esta situação é refletida na relação entre o deflúvio e a precipitação anual. Isto significa que a aplicação de técnicas

C.R.Mello/Marciano

14

conservacionistas de uso do solo e seus efeitos poderão ser avaliados em longo prazo com técnicas de determinação do balanço hídrico em bacias hidrográficas. ESTIMATIVA DA VAZÃO MÁXIMA PARA PROJETOS

1. Introdução

Dados de vazão em bacias hidrográficas são extremamente raros no Brasil, existindo algumas informações para grandes bacias, normalmente monitoradas por empresas de energia elétrica ou indústrias de grande porte.

Sendo assim, a disponibilidade de dados de precipitação é muito superior à de vazão, graças à grande quantidade de postos meteorológicos em funcionamento. Isto levou a geração de modelos que relacionam a precipitação à possível vazão ou escoamento superficial direto que esta proporciona. Deve-se ressaltar que grande parte dos modelos foram desenvolvidos para as condições fisiográficas dos EUA, havendo carência de informações que possam ser utilizadas para aplicação e ajuste destes modelos no Brasil.

No entanto, os modelos que serão apresentados neste tópico são os mais simples e práticos para se estimar o valor de vazão para projetos hidráulicos, do ponto de vista de pequenas bacias hidrográficas. Logicamente, trata-se de previsão de valores e o comportamento físico real do escoamento superficial direto não será exatamente o calculado, haja vista à grande variabilidade espacial dos fatores ambientais que interferem diretamente no fenômeno, os quais não são abordados pelos modelos. 2 Método Racional

Este método leva o nome racional pela coerência na análise dimensional das

variáveis, sendo o mais simples e mais usual em pequenas áreas. É um modelo empírico cujo objetivo é aplicar um redutor na precipitação intensa, significando um percentual do total precipitado que escoa, superficialmente sendo que este redutor é influenciado pela cobertura vegetal, classe de solos, declividade e tempo de retorno da precipitação, existindo tabelas com valores propostos para este fator (Tabela 1). A forma geral do método é:

AICQ ⋅⋅= (1)

Em que Q é a vazão (L3 T-1), I, a intensidade da precipitação (L T-1), A, área da bacia (L2) e C, o fator de redução (adimensional), conhecido como coeficiente de escoamento superficial ou de deflúvio. Observe que ao se multiplicar I por A, resulta na unidade de Q. Para se obter a vazão em m3 s-1, trabalhando-se com a intensidade de precipitação em mm h-1 e área em ha, a equação 1 fica:

360

AICQ

⋅⋅=

Observa-se que o método Racional transforma um processo complexo, com muitas variáveis envolvidas, em algo bastante simples, resumindo toda a complexidade apenas no fator C. Os principais problemas deste método, quando aplicado a bacias hidrográficas são:

- não existir nenhuma consideração sobre variabilidade espacial e temporal da precipitação na bacia, assim como de fatores físicos, em especial

C.R.Mello/Marciano

15

cobertura vegetal, classe de solo e declividade, os quais interferem decisivamente no processo;

- não considera a forma da bacia, apenas a área total; - recomendado, com algumas precauções, apenas para bacias menores que

8 km2 (Schwab et al., 1993). Na Tabela 1 tem-se valores para o coeficiente de escoamento superficial de

acordo com vários tipos de cobertura da superfície, declividade e tempos de retorno. Tabela 1. Valores de C para várias superfícies, declividade e tempos de retorno.

Superfície Tempos de Retorno (anos)

2 5 10 25 50 100 500 Asfalto 0,73 0,77 0,81 0,86 0,90 0,95 1,00

Concreto/telhado 0,75 0,80 0,83 0,88 0,92 0,97 1,00 Gramados (Cobrimento de

50% da área) - Plano (0-2%) - Média (2-7%)

- Inclinado (>7%)

0,32 0,37 0,40

0,34 0,40 0,43

0,37 0,43 0,45

0,40 0,46 0,49

0,44 0,49 0,52

0,47 0,53 0,55

0,58 0,61 0,62

Gramados (Cobrimento de 50 a 70% da área)

- Plano (0-2%) - Média (2-7%)

- Inclinado (>7%)

0,25 0,33 0,37

0,28 0,36 0,40

0,30 0,38 0,42

0,34 0,42 0,46

0,37 0,45 0,49

0,41 0,49 0,53

0,53 0,58 0,60

Gramados (Cobrimento maior que 75% da área)

- Plano (0-2%) - Média (2-7%)

- Inclinado (>7%)

0,21 0,29 0,34

0,23 0,32 0,37

0,25 0,35 0,40

0,29 0,39 0,44

0,32 0,42 0,47

0,36 0,46 0,51

0,49 0,56 0,58

Campos cultivados - Plano (0-2%) - Médio (2-7%)

- Inclinado (>7%)

0,31 0,35 0,39

0,34 0,38 0,42

0,36 0,41 0,44

0,40 0,44 0,48

0,43 0,48 0,51

0,47 0,51 0,54

0,57 0,60 0,61

Pastos - Plano (0-2%) - Médio (2-7%)

- Inclinado (>7%)

0,25 0,33 0,37

0,28 0,36 0,40

0,30 0,38 0,42

0,34 0,42 0,46

0,37 0,45 0,49

0,41 0,49 0,53

0,53 0,58 0,60

Florestas/Reflorestamentos - Plano (0-2%) - Médio (2-7%)

- Inclinado (>7%)

0,22 0,31 0,35

0,25 0,34 0,39

0,28 0,36 0,41

0,31 0,40 0,45

0,35 0,43 0,48

0,39 0,47 0,52

0,48 0,56 0,58

Fonte: Chow et al. (1988). Para se determinar a chuva de projeto, utiliza-se a equação de chuvas

intensas, já mencionada anteriormente. Nesta equação, o tempo de duração da precipitação para bacias hidrográficas deve ser considerado como sendo igual ao tempo de concentração da bacia. Tempo de concentração é o tempo necessário para que toda a bacia participe do escoamento na seção de controle, ou seja, refere-se ao tempo necessário para que uma gota da chuva que atinja o ponto mais distante da seção de controle, passe por ela. Assim, garante-se a participação de toda a bacia e tem-se a situação de vazão máxima de pico.

O cálculo do tempo de concentração pode ser feito por meio de várias fórmulas. A seguir apresentam-se algumas delas:

C.R.Mello/Marciano

16

- Equação de Kirpich

385,077,057

−⋅⋅= SLtc

(2) Em que tc é o tempo de concentração (minutos), L é o comprimento do

talvegue principal (aproximadamente igual ao comprimento do curso d’água principal) (km) e S a declividade de L (m/km).

- Equação de Ven Te Chow

64,0

0

64,52

=

S

Ltc

(3) Em que tc = tempo de concentração (minutos), L =comprimento do talvegue principal (km), S0 =declividade média do talvegue, (m km-1)

- Equação de Picking

31

0

2

79,51

=

S

Ltc (4)

Em que tc = tempo de concentração (minutos), L =comprimento do talvegue principal (km), S0 =declividade média do talvegue, m km-1.

- Equação de Giandotti

H

LAtc

8,0

5,14 += (5)

Em que tc = tempo de concentração (h), A = área da bacia, km2 L =comprimento do talvegue principal (km), H =diferença de nível entre a nascente e a foz (m).

- Equação SCS Lag

5,07,0

8,0 91000

42,3 −

−= oS

CNLtc (6)

em que; tc = tempo de concentração (h), L =comprimento do talvegue principal (km), S0 =declividade média do talvegue, m km-1. CN = número da curva

C.R.Mello/Marciano

17

- Equação SCS –método cinemático

⋅=

Vt

Lttc 67,16 (7)

Em que Lt =comprimento de cada trecho constituído por uma cobertura vegetal distinta (km) Vt = velocidade da água em cada trecho (m s-1).

Na Tabela 2 tem-se valores de Vt associados às características de cada trecho e declividade. Tabela 2 –Velocidades médias de escoamento superficial (m s-1) para cálculo de tc

Declividade (%) Escoamento Cobertura 0 -3 4 -7 8 -11 >12

Florestas 0 –0,5 0,5 –0,8 0,8 –1,0 >1,0 Pastos 0 –0,8 0,8 –1,1 1,1 –1,3 >1,3

Áreas cultivadas 0 –0,9 0,9 –1,4 1,4 –1,7 >1,7

Sobre a superfície do

terreno Pavimentos 0 –2,6 2,6 –4,0 4,0 –5,2 >5,2

Mal definidos 0 –0,6 0,6 –1,2 1,2 –2,1 >2 ,1 Em canais Bem definidos Equação de Manning

Fonte: Chow et al. (1988). Equação de Manning:

21321IR

nV h ⋅⋅=

(8) Em que n é o coeficiente de rugosidade de Manning, Rh é o raio hidráulico e I é

a declividade do canal ou trecho (m/m). Rh deve ser obtido dividindo-se a área molhada pelo perímetro molhado do canal.

- Equação de Dodge

17,041,088,21 −= oSAtc

(9) Em que tc = tempo de concentração (minutos), A = área da bacia, km2 S0 =declividade média do talvegue, m m-1.

Quanto às equações de determinação do tempo de concentração, faz-se necessárias algumas observações a respeito das áreas de drenagem das bacias para as quais as mesmas foram geradas:

• Kirpich, embora largamente utilizada, foi desenvolvida para bacias de até 0,5km2.

• Ven Te Chow foi obtida para bacias de até 24,28 km2 • SCS –Lag bacias rurais com áreas de drenagem até 8Km2. A equação

apresenta resultados compatíveis com as demais para valores de CN próximos a 100 e para valores de comprimento do talvegue inferiores a 10 km. Como o tc é muito dependente do CN a equação aplica-se a situações em que o escoamento sobre a superfície do terreno é predominante.

• Dodge foi determinada para bacias rurais com áreas variando de 140 a 930 km2. Como estas bacias têm grande porte, supõe-se que seus parâmetros reflitam melhor as condições de escoamento em canais.

C.R.Mello/Marciano

18

De acordo com as equações apresentadas anteriormente, o comprimento e a declividade do curso d´água principal da bacia são as características mais freqüentemente utilizadas para o cálculo do tempo de concentração. É difícil dizer qual método é mais preciso em determinada bacia, pois todas foram obtidas para condições particulares. Dentre estas, entretanto, a de uso mais freqüente é a proposta por Kirpich, apesar da mesma ser conservadora e ter tendência a subestimar o valor de tc e por conseqüência, superestimar a intensidade de precipitação e a vazão. Deve-se ressaltar que as características fisiográficas da bacia devem ser previamente estudadas e determinadas, com auxílio de fotografia aérea, cartas topográficas ou Sistema de Informações Geográficas e visitas à área do projeto, com o objetivo de se conhecer a ocupação atual da bacia, as classes de solo predominantes e características gerais da cobertura vegetal. Tudo isto é de suma importância para uma boa escolha de coeficientes do escoamento superficial e cálculos adequados para o tempo de concentração. 2. Determinação da chuva de projeto 2.1 Determinação do tempo de retorno

A chuva crítica para projeto de obras hidráulicas é escolhida com base em critérios econômicos, sendo o período de retorno de 5 a 10 anos normalmente utilizado no caso de projeto de sistemas de drenagem agrícola (Pruski, et al., 2003).

Quando se conhece a vida útil da obra a ser projetada e o risco máximo permissível o tempo de retorno pode ser assim calculado:

Considerando P a probabilidade de ocorrência em qualquer dos anos, J a probabilidade de não ocorrência em qualquer dos anos: J = 1 –P (10)

Sendo W a probabilidade de não ocorrência em um ano específico e p a probabilidade de ocorrência em um ano específico: W =Jn, sendo n o período em anos (11) p = 1 –W (12) substituindo (6) e (5) em (7), tem-se:

nPp )1(1 −−= sendo TR

P1

= (13)

n

TRp )

11(1 −−= (14)

nPTR

1

)1(1

1

−−

= (15)

Em termos práticos, esta equação pode ser aplicada da seguinte forma:

nkTR

1

)1(1

1

−−

= (16)

onde k é o risco assumido para a obra a ser projetada e n a vida útil da obra (anos) 2.2 Fixação do tempo de duração da chuva intensa

Quando se considera o tempo de duração da chuva menor que o tempo de concentração da bacia, ocorrerá uma vazão de pico menor que a máxima porque não haverá participação de toda bacia hidrográfica no escoamento, propiciando uma vazão

C.R.Mello/Marciano

19

de pico menor. Se for adotado o tempo de duração maior que o tempo de concentração da bacia, também não se obterá vazão de pico máxima, uma vez que a duração da chuva será consideravelmente alta, reduzindo sua intensidade máxima. Neste caso, haverá formação de um patamar de vazão máxima, conhecido como curva S. Graficamente tem-se:

Figura1 – Comportamento da hidrógrafa de acordo com a duração da precipitação considerada Exemplo 1. Seja uma bacia hidrográfica de área igual a 50 ha, que apresenta comprimento do talvegue principal igual a 5 km e declividade entre a extremidade do curso d’água e a seção de controle igual a 8%, com a seguinte distribuição das características de superfície: 10 ha, ocupando 1 km de comprimento, coberto por floresta, com declividade de 10%; 20 ha, ocupando 2 km de comprimento, coberto por milho, com declividade de 4% e 20 ha, ocupando 2 km de comprimento, coberto com pasto e declividade de 20%. Determinar a vazão de projeto para uma barragem a ser construída na seção de controle da mesma, utilizando a fórmula de Kirpich e o método da velocidade média para o tempo de concentração. Considere uma vida útil de 30 anos e um risco de 80% para o projeto e a seguinte equação de chuvas intensas:

( ) 736,0

179,0

td39,10

TR702,842I

+

⋅= , em que I é expresso em mm/h, TR, em anos e td, em minutos.

a) Determinação do coeficiente de escoamento superficial Neste caso, deve-se calcular o fator C, com base numa média ponderada pela

área. Assim, aplicando-se a Tabela 4, tem-se: Área 1 (Floresta): C = 0,45 Área 2 (Milho): C = 0,44 Área 3 (Pastagem): C = 0,46

45,050

46,02044,02045,010C =

⋅+⋅+⋅=

b) Determinação da precipitação intensa

- Cálculo de tc por Kirpich L = 5 km .: Para declividade de 8%, S será igual a 400 m em 5 km (ou 8m em cada 100 m) = 80 m/km.

td < tc td = tc

td > tc

tempo

Q

C.R.Mello/Marciano

20

4,3680557tc 385,077,0

=⋅⋅=− minutos

- Cálculo da precipitação intensa determinando-se o TR pela equação 11

anos

k

TR

n

14,19

)8,01(1

1

)1(1

1

3011

=

−−

=

−−

=

( )32,84

4,3639,10

14,19702,842736,0

179,0

=+

⋅=I mm/h

- Cálculo de tc pela velocidade média (Tabela 2, considerando valores

médios) Trecho 1: Lt = 1 km e Vt = 0,9 m/s .: 1,11 km/m s-1 Trecho 2: Lt = 2 km e Vt = 0,9 m/s .: 2,22 km/m s-1 Trecho 3: Lt = 2 km e Vt = 1,6 m/s .: 1,25 km/ m s-1

( ) 35,7625,122,211,167,16 =++⋅=tc minutos - Cálculo da precipitação intensa por esta metodologia

( )53,53

35,7639,10

14,19702,842736,0

179,0

=+

⋅=I mm/h

c) Cálculo da vazão - Por Kirpich

360

5032,8445,0 ⋅⋅=Q = 5,27 m3 s-1

- Pelo método da velocidade

35,3360

5053,5345,0=

⋅⋅=Q m3 s-1

Obs.: Comparando-se as metodologias, observa-se a situação comentada anteriormente, onde o valor da vazão de projeto calculado com base no tempo de concentração pela metodologia de Kirpich é superior ao da outra metodologia, gerando um valor 57% superior.

3 Hidrógrafa Unitário Triangular (HUT) 3.1 Abordagem introdutória

A fim de reduzir as dificuldades na elaboração da hidrógrafa unitária de uma bacia hidrográfica, tais como a existência de monitoramento de vazões (valores de Q), a dificuldade de extrapolação do HU de uma bacia para outra e à maior complexidade matemática, foi desenvolvido um modelo de HU que simplifica o processo de estimativa de vazões e tempo de pico para uma hidrógrafa produzida por uma dada precipitação efetiva.

C.R.Mello/Marciano

21

A idéia central é ajustar a hidrógrafa a uma forma triangular (aproximando as curvas de ascensão e recesso a uma reta), o que facilita o entendimento e o cálculo da vazão de pico. O SCS-USDA propôs um modelo de HU com esta aproximação, que ficou conhecido pela sigla HUT, associando os parâmetros da hidrógrafa (vazão de pico e tempo de pico) às características físicas da bacia.

Ao se calcular a área deste triângulo, automaticamente se determina o volume de deflúvio. Uma vez considerado unitário, esta área será igual à de uma precipitação unitária, que para este modelo é de 1 cm. A Figura 3 ilustra uma hidrógrafa triangular e a seguir as idéias básicas desenvolvidas por esta metodologia. Figura 3. Representação de uma hidrógrafa triangular. Por esta Figura, pode-se desenvolver o seguinte raciocínio, a partir do cálculo da área da hidrógrafa:

QteQptaQp

22 (24)

Em que, Q é a quantidade de deflúvio, Qp a vazão de pico da hidrógrafa, ta o tempo de ascensão da hidrógrafa, te, o tempo de recesso. Ainda na Figura 3, D representa o tempo de duração da precipitação unitária, normalmente igual ao tempo de monitoramento da precipitação para apenas 1 evento efetivo; tp representa o tempo de pico da hidrógrafa. O valor de te é ajustado ao valor de ta como sendo: taHte ×= (25) A partir de avaliação de várias bacias norte-americanas, concluíram que H é igual 1,67. Para uma precipitação efetiva unitária qualquer Pu (0,1 mm; 1,0 mm; 10,0 mm), tem-se valor de Q na equação 24. O desenvolvimento da equação para o cálculo da vazão de pico para a hidrógrafa unitária fica: Da equação 24, tem-se, multiplicando cruzado: ( ) Putetaqp ⋅=+⋅ 2 (26) E isolando-se qp:

teta

Puqp

+

⋅=

2 (27)

Substituindo a equação 25 na 27, considerando H = 1,67, obtém-se:

D

te ta

Q

tempo

Qp

tp

C.R.Mello/Marciano

22

ta

Puqp

⋅=

67,2

2 (28)

Ao se analisar as unidades da equação 28, observa-se que para Pu em mm e ta, em horas, a vazão de pico (qp) será obtida em mm h-1 ou, em termos de análise dimensional, LT-1. Para obter a vazão em unidades L3T-1, é necessário multiplicar a equação 28 pela área da bacia, que possui unidade em L2:

Ata

Puqp ⋅⋅=

67,2

2 (29)

Para obter a vazão de pico (qp) em m3 s-1, a partir da equação 29, trabalhando-se com Pu em mm, A em km2 e ta em horas, é necessário multiplicar esta equação por uma constante de transformação de unidades da seguinte forma:

- km2 para m2 = multiplica-se por 106 (no numerador da equação da 29); - mm para m = dividi-se por 103 (no numerador da equação da 29); - hora para segundo = multiplica-se por 3600 (no denominador da equação

29); Assim, a constante será:

278,03600

1

10

103

6=⋅

Multiplicando-se a equação 19 por 0,278, obtém-se:

ta

APuqp

⋅⋅=

208,0 (30)

Em que, qp é a vazão de pico do HUT, em m3 s-1, Pu, a precipitação unitária, em mm, A representa a área da bacia, em km2 e ta tempo de ascensão, em horas. Esta equação é válida para bacias menores que 8 km2 (800 ha). A determinação do tempo de pico (tp) do HUT é feita com base no tempo de concentração da bacia. O SCS-USDA produz a seguinte equação empírica para este cálculo, considerando as características fisiográficas da bacia, e o fato, observado em várias bacias, de que, em média, tp = 0,60 x tc:

50,0

70,0

80,0

1900

14,25

6,2

X

SL

tp⋅

+⋅⋅

= (31)

Em que, tp é obtido em horas, L é o comprimento hidráulico ou comprimento do curso d’água principal (m), S, capacidade máxima de absorção de água da bacia (vide método CN) e X, a declividade do curso d’água, em percentagem. Observa-se pela Figura 3 que:

2

Dtpta += (32)

Exemplo 4. A partir da bacia hidrográfica do exemplo 4, calcular a vazão de pico do hidrograma, considerando a umidade antecedente da situação 3*. O comprimento hidráulico é de 120 m e a declividade, igual a 12,5% e precipitação unitária de 10 mm. Do exemplo anterior, a lâmina infiltrada é de 31,2 mm (letra e) e o deflúvio (precipitação efetiva) de 13,8 mm (letra d). O valor de S é de 52 mm (letra c). A precipitação está sendo monitorada a cada 10 minutos e há apenas um evento efetivo.

* Ocorreram precipitações nos últimos 5 dias, com o solo saturado, considerando o total precipitado maior

que 53 mm, para a época de crescimento, e maior que 28 mm em outro período.

C.R.Mello/Marciano

23

- Cálculo de tp e ta

( )

( )039,0

5,121900

14,25

521206,2

5,0

70,0

80,0

=⋅

+⋅⋅

=tp horas = 2,33 minutos

Como D é igual a 10 minutos, ta será igual a: ta = 10/2 + 2,33 = 7,33 minutos = 0,122 horas. O valor da vazão de pico unitária será (área = 1,5 ha ou 0,015 km2):

256,0122,0

015,010208,0qp =

⋅⋅= m3 s-1

Observe que este valor diz respeito à vazão de pico unitária, ou seja, para um evento de 10 mm em 10 minutos. Recordando, do tópico anterior, que Q = P x q, tem-se que: P = 13,8/10 = 1,38 Assim, a vazão de pico para este evento será: Q = 1,38 x 0,256 = 0,350 m3 s-1

Note que, para obtenção da vazão de pico final, que é o objetivo do exercício, não faz diferença o valor de Pu adotado. Assim, por exemplo, se Pu for igual 1, a vazão de pico unitária seria 0,0256 m3 s-1. Porém, a relação entre a precipitação efetiva e Pu seria de 13,8 e vazão final não mudaria. Obs.: Com o deflúvio, calculado pelo método do número da curva (CN) e a vazão de pico, calculada por esta metodologia, ficam definidas as condições necessárias para o desenvolvimento de projetos hidráulicos, como terraços, bacias de contenção, barragens e aplicação de modelos para estimativa da perda de solo em bacias, a ser apresentado no próximo tópico.