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REUMATO C A P I T A L Acometimento pulmonar na artrite reumatoide: pontos-chave para o reumatologista A VEZ E A VOZ DO ESPECIALISTA Esclerose sistêmica: necessidades não atendidas e novas perspectivas de abordagem ATUALIZAÇÃO Março / Abril / Maio 2019 ISSN: 2526-4087 09 LÚPUS E GRAVIDEZ DÚVIDAS REUMÁTICAS

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CA

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TA

L Acometimento pulmonar na artrite reumatoide: pontos-chave para o reumatologista

A VEZ E A VOZ DOESPECIALISTAEsclerose sistêmica:

necessidades não atendidas e novas perspectivas de abordagem

ATUALIZAÇÃO

Março / Abril / Maio 2019ISSN: 2526-4087

Nº 09

LÚPUS EGRAVIDEZ

DÚVIDASREUMÁTICAS

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Prezados leitores,

Com muito orgulho, iniciamos o terceiro ano da Capital Reumato, já na sua 9a edição. A revista continuará abor-dando temas técnico-científicos de forma leve, objetiva e de fácil leitura. Continuando a integração com médicos de outras áreas, desta vez temos a visão do pneumologista sobre a Intersticiopatia na Artrite Reumatoide, tema que ainda gera muitas dúvidas, mas que tem sido motivo de promissora pesquisa científica.

Acrescentamos a seção Dúvidas Reumáticas para que perguntas frequentes de pacientes sejam respondidas por especialistas.

Nesta edição temos ainda um interessante caso clínico, contribuição da Reumato Pediatria, e um artigo de revisão sobre a relação entre Doença Celíaca, microbiota intesti-nal e Artrite Reumatoide (AR). O artigo de atualização traz novas perspectivas sobre abordagem e tratamento da Es-clerose Sistêmica.

Continuamos com o Sarau Reumatológico, com Dr. Leo-poldo Luiz dos Santos Neto integrando arte, história e reumatologia de forma muito harmoniosa. Este brilhante médico recebeu o Prêmio Dr. Francisco Aires no último En-contro Goiás-Distrito Federal de Reumatologia, cuja home-nagem foi aqui registrada.

Que venham mais dois anos promissores para nossa Ca-pital Reumato!

Boa leitura.

Grande abraço.

Dra. Luciana MunizEditora da Revista Capital Reumato 2019-2020

EXPEDIENTE:Reumatologistas revisoras:Dra. Ana Paula Gomides, Dra. IsadoraJochims e Dra. Licia Maria Mota

Palavra da Editora

Mensagem da Presidente

ABRAPAR

AconteceuConfira o evento

Homenagem

A vez e a voz do especialistaAcometimento pulmonar na artrite reumatoide: pontos-chave para o reumatologistastaArtigo de revisãoArtrite reumatoide, doença celíaca e microbiota intestinal. O que devemos saber sobre esta relação?

AtualizaçãoEsclerose sistêmica: necessidades não atendidas e novas perspectivas de abordagem

Dúvidas Reumáticas Os pacientes querem sabersobre Lúpus e Gestação

Reumato Pediatria Mielodisplasia mimetizando doença de Behçet Sarau ReumatológicoContribuições de William Osler – o Hipócrates moderno – para a Reumatologia

ÍNDICE

DIRETORIA

Diretoria 2019-2020Presidente Isadora Jochims

Vice-presidente Cezar Kozak1ª Secretária Anna Beatriz Assad Maia2ª Secretária Nubia Borges Goulart1ª Tesoureira Ana Cristina Vanderley Oliveira2ª Tesoureira Jamille Nascimento Carneiro

Comissão CientíficaLicia Maria Henrique da MotaLuciana MunizAna Paula Monteiro GomidesCarlos Eduardo de Carvalho LinsWilton Silva dos Santos

Comissão de Evento e DivulgaçãoGabriela ProfirioTania Maria OliveiraJulinaide Nunes MatosSandra Andrade Silva

Comissão Reumato e ComunidadeMaíra Rocha MachadoCarolina Rocha SilvaViviane Cristina Uliana PeterleRegina Alice Fontes Von KirchenheimAlida Santos Conselho Fiscal e Consultivo: Cleandro AlbuquerqueMario Soares Ferreira

PALAVRA DA EDITORA

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4 Capital Reumato

A gestão 2017/2018 conseguiu reavivar a SRB com gran-de participação dos reumatologistas nos eventos da socie-dade. Foi lançada a Revista Capital Reumato e realizado o encontro ATUAR – Atuação em Reumatologia, evento científico que se estabeleceu no nosso calendário por sua altíssima qualidade.

A gestão que se inicia terá o desafio de manter um ca-lendário científico de qualidade, iniciar uma campanha de divulgação da nossa especialidade com eventos direciona-dos para a comunidade, valorizar os grupos de pacientes reumáticos e acompanhar criticamente as políticas públicas no Distrito Federal e no Brasil.

Teremos o 1º Fórum de Políticas Públicas e a comemo-ração do Dia da conscientização da Artrite Reumatoide e da Osteoporose. Convido os reumatologistas do DF a con-tinuarem prestigiando nossa sociedade, associando-se e participando dos eventos científicos e sociais da SRB.

Dra. Isadora Jochims

MENSAGEM DAPRESIDENTE

AGENDA DE EVENTOS 2019

Março - Reunião Científica Abril - Reunião CientíficaJunho - Reunião Científica 27 a 29 de Junho - Jornada Centro-Oeste Agosto - Fórum de Políticas Públicas e Reunião científicaOutubro - ATUARNovembro - Reunião Científica Dezembro - Avaliação seriada/preparatório para Título de Especialista em Reumatologia

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ABRAPAR – Associação Brasiliense de Pacientes ReumáticosContato: (61) 3425-2662 e 98123-7101e-mail: [email protected] das reuniões: Sala disponível no Clube dos Previdenciários – PREVI, na 712/912 Sul.Horário: das 15h às 17h

ASSOCIAÇÃO BRASILIENSE DE PACIENTES REUMÁTICOS

5Capital Reumato

ABRAPAR

e Audiência Pública: passeio cultural; eventos festivos; capacitação e participação dos associa-dos da ABRAPAR em cursos, fóruns, seminários, conferências, Audiências Públicas e outros.

A ABRAPAR busca proporcionar aos seus associados, informações sobre as doenças reumáticas, diagnóstico precoce, e também, conscientizar o paciente reumático acerca dos seus direitos e dos tratamentos disponi-bilizados no SUS.

A ABRAPAR realiza semanalmente, as ati-vidades interdisciplinares – visando o que cha-mamos hoje de “Medicina Integrativa” e “Terapia Comunitária” – que procura observar a “pessoa” e sua qualidade de vida oferecendo: Biodança, Dança Senior; Hidroterapia, Terapia ocupacional (artesanato).

A ABRAPAR realiza também palestras mul-tidisciplinares; campanhas elucidativas sobre as doenças reumáticas (Mobilização Social), Fóruns

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6 Capital Reumato

ACONTECEU

Aconteceu em novembro/2018 o tradicional Encontro Goiás-Distrito Federal de Reumatologia, organizado anualmente pelas Sociedade de Reumatologia de Brasília e Sociedade Goiana de Reumatologia. Esta 10a edição ocorreu em Pirenópolis-GO, e foi realizado pela Sociedade Goiana de Reumatologia. O evento foi um sucesso, com uma abertura emocionante que contou com sessão de cinema, apresentações artísticas e culturais. Teve ainda, entrega do Prêmio Dr Francisco Aires e aulas de elevado nível científico!

Confraternização da SRB

Encontro GO-DF de Reumatologia

Posse Nova gestão da SRB 2019-2020

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HOMENAGEM

O Professor

Vivemos tempos confusos. São tempos em que os valores superiores se tornaram fluidos; a ética se dobrou às exigências da ocasião; a moral foi relegada à condição de prisão, de que o ser o humano contemporâ-neo é frequentemente instado a se libertar. A reverência pelo conhecimento acumula-do dos que estão na lida diária, desde mui-tas jornadas, é ora facilmente substituída pelo culto ao protagonismo pretensamente transformador e inovador atribuído à juven-tude. As verdades fizeram-se incertas, e o conhecimento empírico rebaixou-se a uma expressão de subjetivismo.

Perdemos o norte, perdemos as refe-rências universais. Perigosamente, esque-cemo-nos que, em ciência, os que um dia conseguiram enxergar mais longe sempre o fizeram apoiados sobre os ombros de todos os gigantes que os precederam.

Desse modo, flertamos com ineficiência. Perdemos a paz interior e a convicção de quem decididamente sabe por onde está caminhando, ainda que por tal vereda jamais tenha pessoalmente transitado. E disso sabe, não por autoiluminação presunçosa, mas porque com humildade recepcionou a sabedoria e a experiência acumulada de quem antes lá esteve, jamais subestimando ou olvidando de seus indicativos.

Nesses tempos confusos, necessi-tamos mais que nunca de professores, não de meros facilitadores de um sub-jetivismo caótico ou do vácuo descons-trutivo; tampouco, de tiranos seguidores de rotas dogmáticas, inflexíveis. Precisa-mos de mestres que reconheçam, como sua missão existencial, o bem condu-zir de seres humanos em processo de aprendizagem; que não se furtem a nos estender a mão, quando estamos perdi-

dos, e a apontar um caminho seguro, ou-trora aprendido quando eles próprios lá estiveram. Precisamos de mestres que cultivem a paciência e busquem sabedo-ria, para adaptar os tempos e os modos de sua arte às especificidades dos que aprendem; que não temem ser supera-dos por seus alunos, mas que visualizam o cumprimento mesmo de sua missão em estimular os que transitoriamente se lhes submetem a, enfim, excedê-los.

Precisamos de professores que se-

jam modelos de conhecimento sólido, de atualização, de rigor científico e de reflexão crítica. Mas que também sejam fontes de inspiração, de valores éticos e morais; que nos desafiem sempre a re-tornar à condição de humanos, e não de máquinas biológicas exercendo funções segmentares em um grande mecanismo global. Não, não precisamos de profes-sores perfeitos e insuscetíveis a erros. Mas daqueles que, reconhecendo sua própria condição humana e inacaba-da, superam-se continuamente em seu compromisso inabalável de conduzir os outros a também se superarem. De que precisamos, enfim, nesses tempos con-fusos? De professores.

Prêmio Francisco Aires, de Honra ao Mérito em ReumatologiaAgraciado em 2018: Prof. Dr. Leopoldo Luiz dos Santos Neto Texto apresentado por ocasião da entrega do Prêmio Francisco Aires, de Honra ao Mérito em Reumatologia, ao agraciado Prof. Dr. Leopoldo Luiz dos Santos Neto, durante o Encontro Goiás – Distrito Federal de Reumatologia / 2018.

Autor do texto: Médico reumatologista Cleandro Pires de Albuquerque

Esquerda para direita: Dra Luciana Muniz, Prof Dr Leopoldo Neto, Dr Francisco Aires, Dr Cleandro Pires

Capital Reumato

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ACOMETIMENTO PULMONAR NA ARTRITE REUMATOIDE:pontos-chave para o reumatologista

Contexto

A artrite reumatoide (AR) é uma doença autoimune sistêmica, altamente prevalen-te, que afeta 1% a 2% da população1-3. Afeta predominantemente as articulações, mas também outros órgãos, como o pul-mão. Qualquer compartimento do pulmão (pequenas e grandes vias aéreas, parên-quima, vasos pulmonares, pleura) pode ser acometido. O acometimento pulmonar pode também ser secundário a drogas usadas no tratamento da AR ou a infec-ções oportunistas4.

Nos últimos 25 anos testemunhamos um avanço significativo no arsenal tera-pêutico da AR. Potentes drogas biológi-cas modificadoras de doença (DMARDs) e, mais recentemente, os inibidores JAK tornaram-se disponíveis. O paciente com AR passou a viver mais e sem deformida-de quando tratado precocemente de forma efetiva5. Os efeitos colaterais do uso pro-longado de corticoides têm sido reduzidos. Passamos então a nos deparar com um fenótipo diferente de AR de longa duração:

A VEZ E A VOZ DO ESPECIALISTA

8 Capital Reumato

Dra. LeticiaKawano-Dourado

Pneumologista, especializada em doenças intersticiais pulmonaresDoutora em Pneumologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São PauloPesquisadora Clínica do Instituto de Pesquisa do Hospital do Coração, São Paulo

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Os efeitos colaterais douso prolongado de corticoides têm sido reduzidos. Passamos então a nos deparar com um fenótipo diferente de AR de longa duração: um paciente com poucadeformidade/limitação.

um paciente com pouca deformidade/limita-ção, mas que agora nos apresenta o desafio de manejar complicações extra-articulares.

As principais complicações extra-articula-res relacionadas com aumento de mortali-dade na AR são: a doença cardiovascular e a doença intersticial pulmonar (DPI)6. Neste artigo, focarei especialmente a DPI na AR (DPI-AR), que tem prevalência estimada em 10% a 25%4.

Padrões de acometimento na doença pul-monar intersticial na AR (DPI-AR)

Na AR podemos observar (Figura 1) di-versos padrões de acometimento pulmonar intersticial: padrão de pneumonia intersticial usual (PIU), padrão de pneumonia intersti-cial não específica (PINE) fibrótica ou celu-lar, padrão de pneumonia em organização, pneumonia intersticial descamativa (DIP). O padrão PIU é o mais comum, seguido do pa-drão PINE. A AR é a única colagenose onde há um predomínio do padrão PIU4.

A – Padrão de pneumonia intersticial usual (PIU). Nota-se a escassez de opaci-dades em vidro fosco, a presença de cistos subpleurais de parede espessa empilhados (faveolamento) e predomínio subpleural. B – Padrão de pneumonia intersticial não específica (PINE). Nota-se a presença em vidro fosco bilateral subpleural, poupando

Capital Reumato 9

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1Uma alteração funcional significativa seria uma queda de CVF de 10% ou de DLCO de 15%7.

A B C

Figura 1. Padrões de acometimento intersticial mais comumente encontrados na AR.

A B C

a região imediatamente justa-pleural (si-nal de “subpleural sparing”, sugestivo de PINE). Nesse caso, o indicativo é de PINE celular, pois há poucos sinais de distorção arquitetural (fibrose). C – Padrão de pneu-monia em organização (OP). Notam-se as áreas de vidro fosco e consolidações peribroncovasculares. Em algumas áreas, o centro da opacidade é menos denso do que na periferia, configurando um padrão de lesão perilobular sugestivo de OP.

Qual a importância de reconhecer a pre-sença de doença intersticial pulmonar? Há três motivos de imediato a citar:

1. No caso de doença intersticial extensa ou em progressão, será necessário tratar especificamente o pulmão. A DPI-AR é a segunda causa de morte na AR, após doenças cardiovasculares6, e a presença de doença extensa ou em progressão justi-fica o ajuste e/ou manutenção do esquema terapêutico para tratar também o pulmão.

2. O reconhecimento oferece a possibi-lidade de seguimento da DPI com prova de função pulmonar e tomografia de tórax, permitindo detecção precoce de (eventual) progressão e intervenção antes de evolu-ção para fibrose.

3. Pode-se personalizar a escolha do DMARD para tratar a articulação, já que di-ferentes DMARDs têm diferentes perfis de toxicidade pulmonar, e aqueles com perfil mais neutro, como rituximab, abatacept, tocilizumab, tofacitinib, são preferíveis nos pacientes que já têm DPI-AR7,8.

Qual é a porcentagem de pacientes com progressão de doença intersticial?

Em um intervalo de aproximadamente 4,5 anos, 30% dos pacientes identifica-dos com DPI-AR no ambulatório de AR do HC-FMUSP apresentaram progres-são da doença9. Observamos na nossa casuística que a progressão ocorreu mais frequentemente em padrões outros que não o padrão PIU, o que contradiz a literatura atual4,10. Notamos que alguns casos progrediram quando da retirada ou redução do tratamento articular, fi-cando o aprendizado de seguir de perto o pulmão de um paciente com DPI-AR, quando da mudança ou redução do tra-tamento medicamentoso.

Alguns pacientes apresentam curso agudo, e a presença de sintomas de rá-pida evolução (semanas, meses) deve alertar para quadros mais graves, que precisarão de internação para diagnósti-co diferencial e tratamento inicial (deta-lhado adiante).

Como seguir os pacientes com DPI-AR?

Após avaliação inicial com prova de função pulmonar (PFP) completa, tomo-grafia de tórax de alta resolução sem contraste e avaliação de sintomas/aus-culta (presença de crepitação em velcro ou não), o seguimento deve ser feito com PFP simples e avaliação clínica. O seguimento com PFP simples deve ser mais frequente no início da doença

(a cada três meses a seis meses), para verificar o comportamento da DPI. Se for constatada estabilidade, o paciente pode ser seguido com PFP completa a cada seis meses a doze meses, com tomografia de tórax apenas no caso de haver alteração funcional significativa1 ou mudança de sintomas.

Como tratar os pacientes com DPI-AR?

• Medidas gerais

• Todos os pacientes com DPI-AR de-vem receber vacina contra influenza e pneumococo (exceto aqueles com con-traindicação formal às vacinas). • Cessar o tabagismo, inclusive o taba-gismo passivo.• Investigar e evitar exposições capa-zes de desencadear reações imuno-lógicas no pulmão, como antígenos aviários (criação de aves e travesseiro/edredons de pluma de ave), mofo (re-visar ar condicionado, carpete, armá-rios), poeira de reforma e potenciais fontes de água contaminada, como saunas e banheiras. • Tratar comorbidades com impacto no pulmão: refluxo gastroesofágico (são muito importantes medidas compor-tamentais como elevar a cabeceira da cama e evitar deitar após refeições), insuficiência cardíaca, insuficiência co-ronariana, apneia do sono.• Estar atento ao risco de toxicidade pul-monar dos DMARDs usados para tratar a articulação.

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As principais complicações extra-articulares relacionadas com aumento de mortalidade na AR são: a doença cardiovascular e a doença intersticial pulmonar (DPI)

Constatando comportamento ou padrão de manifestação pulmonar atípico, revisar o caso em ambiente multidisciplinar.

• Medidas específicas

Quando há necessidade de tratar a DPI-AR (no caso de doença extensa e/ou em progressão), as drogas mais utilizadas são os corticosteroides, micofenolato de mofetil (MMF), azatioprina, ciclofosfami-da e rituximabe. O nível de evidência que embasa o uso dessas medicações é bem baixo; de fato, o uso se ampara mais na familiaridade com as drogas pelo pneu-mologista especializado em DPIs do que em evidências11-13.

Na prática, reservamos os pulsos de ciclofosfamida para casos mais graves e o rituximabe para casos refratários. O MMF é a droga preferida (de novo re-forçando seu baixo nível de evidência, mas alta familiaridade por parte dos pneumologistas) e a azatioprina é uma opção ao MMF. Em geral, evitamos do-ses maiores que 2 g/dia de MMF para tratar o pulmão, por risco de complica-

ções infecciosas pulmonares. Usa-mos a prednisona associadamente no início do tratamento até atingir a dose alvo, quando a desmamamos.

Não infrequente, esse leque tera-pêutico para o pulmão causa um im-passe, pois, à exceção do rituximabe e dos corticosteroides, os demais imunossupressores têm ação ina-dequada na articulação, significan-do necessidade de adição de outros DMARDs, e aumentando o risco de imunossupressão excessiva (risco de infecções). Nesses casos, recomen-

do a discussão com um pneumologis-ta especializado em DPIs. Minha opi-nião é de que é válida a tentativa de observar o efeito de um DMARD po-tente de baixa toxicidade pulmonar, como rituximab, abatacept, tofacitinib ou tocilizumab, para tratar ao mesmo tempo articulação e pulmão, tendo em vista o baixo nível de evidência em favor de qualquer opção terapêu-tica para o pulmão. Outro aspecto a ser abordado é o risco de toxicidade pulmonar do metotrexato, mas esse tópico deixaremos para outra edição da revista.

Referências

1. OLSON, A. L. et al. Rheumatoid arthritis-interstitial lung disease-associated mortality. Am. J. Respir. Crit. Care Med., v. 183, n. 3, p. 372-378, 2011.2. SACKS, J. J.; LUO, Y. H.; HELMICK, C. G. Prevalence of specific types of arthritis and other rheumatic conditions in the ambulatory health care system in the United States, 2001-2005. Arthritis Care & Research, v. 62, p. 460-464, 2010.3. BROWN, K. K. Rheumatoid lung disease. Proc. Am. Thorac. Soc., v. 4, n. 5, p. 443-448, 2007.4. SPAGNOLO, P. et al. The lung in rheumatoid arthritis – focus on interstitial lung disease. Arthritis Rheumatol., v. 70, n. 10, p. 1544-1554, Oct. 2018. 5. SMOLEN, J. S.; ALETAHA, D.; MCINNES, I.B. Rheumatoid Arthritis. Lancet, v. 388, n. 10055, p. 2023-2038, 2016.6. YOUNG, A. et al. Mortality in rheumatoid arthritis. Increased in the early course of disease, in ischaemic heart disease and in pulmonary fibrosis. Rheumatology (Oxford), v. 46, n. 2, p. 350-357, Feb. 2007.7. JANI, M. et al. The safety of biologic therapies in RA-associated interstitial lung disease. Nat. Rev. Rheumatol., v. 10, n. 5, p. 284-294, 2014.8. HOLROYD, C. R. et al. The British Society for Rheumatology biologic DMARD safety guidelines in inflammatory arthritis-Executive summary. Rheu-matology (Oxford), v. 58, n. 2, p. 220-226, Feb. 2019.9. KAWANO-DOURADO, L. et al. Long-term course of rheumatoid arthritis interstitial lung disease: assessment with serial HRCT. Abstract presented at ICLAF, California, USA, 2018. 10. KIM, E. J.; COLLARD, H. R.; KING JR., T. E. Rheumatoid arthritis-associated interstitial lung disease. The relevance of histopathologic and radio-graphic pattern. Chest Journal, v. 136, n. 5, p. 1397-1405, Nov. 2009.11. SWIGRIS, J. J. et al. Mycophenolate mofetil is safe, well tolerated, and preserves lung function in patients with connective tissue disease-related interstitial lung disease. Chest Journal, v. 130, n. 1, p. 30-36, Jul. 2006.12. TZOUVELEKIS, A. et al. Effect and safety of mycophenolate mofetil or sodium in systemic sclerosis-associated interstitial lung disease: a meta-a-nalysis. Pulm. Med., v. 2012, Article 143637, 2012.13. FISCHER, A. et al. Mycophenolate mofetil improves lung function in connective tissue disease-associated interstitial lung disease. J. Rheumatol., v. 40, n. 5, p. 640-646, May 2013.

Capital Reumato 11

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ARTRITE REUMATOIDE, DOENÇA CELÍACA E MICROBIOTA INTESTINAL.O que devemos saber sobre esta relação?

Luiza Amelia M. Vinhal de CarvalhoGraduanda do curso de Medicina do Centro Universitário de Brasília (UNICEUB)

Ana Paula M. GomidesMédica reumatologistaMestra e doutoranda pela Universidade de Brasília (UnB)Membro da Comissão de Artrite Reumatoide e da Comissão de Doenças Infeccio-sas da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR)Docente do curso de Medicina do Centro Universitário de Brasília (UNICEUB)

Licia Maria Henrique da MotaEspecialista em Reumatologia pelo Ministério da Educação e pela Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR)Doutora em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB)Orientadora do Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB)Coordenadora da Comissão de Artrite Reumatoide da Sociedade Brasileira de ReumatologiaDiretora Científica da Sociedade de Reumatologia de Brasília (SBR)Responsável pelo Ambulatório de Artrite Reumatoide Inicial do Hospital Universi-tário de Brasília – Universidade de Brasília (HUB-UnB)

Leopoldo Santos-NetoMédico especialista em Medicina InternaPrograma de pós graduação em Ciências Médicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB)

ARTIGO DE REVISÃO

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Introdução

A doença celíaca (DC) é uma ente-ropatia crônica imunomediada, desen-cadeada pela ingestão de glúten em indivíduos com predisposição genética, associada principalmente aos alelos HLA-DQ2 e HLA-DQ81. A prevalência do distúrbio é de aproximadamente 0,5% a 1% da população mundial e acomete mais o sexo feminino2.

O diagnóstico da DC pode ser reali-

zado com biomarcadores sorológicos anticorpos antitransglutaminase tecidual (anti-tTG), com anticorpos antiendomí-sio (EMA) e com anticorpos antigliadina (AGA), este último com menor especifi-cidade e sensibilidade. A biópsia duode-nal permanece como padrão-ouro, com achados histopatológicos de atrofia e alargamento das vilosidades, infiltrado linfocitário na lâmina própria e hiperpla-sia das criptas3-6.

As manifestações clínicas variam de

portadores assintomáticos a amplo es-pectro de sinais e sintomas gastrintesti-nais e extraintestinais. A forma clássica da doença é caracterizada por sintoma-tologia decorrente de uma síndrome de má absorção, com perda ponderal e de-ficiências de vitaminas e minerais6. Em novo padrão epidemiológico da DC, tem sido observado aumento da incidência em pacientes com idade mais avança-da e aumento da prevalência de casos oligossintomáticos e com manifestações extraintestinais2,7.

Em relação às manifestações extrain-

testinais, há relatos do acometimento cutâneo, osteoarticular, hepático, psi-quiátrico, ginecológico, endocrinológico, pancreático, reumatológico e outros7. A interação entre fatores genéticos, imu-nológicos e ambientais explica o amplo espectro de alterações clínicas, histoló-

Capital Reumato 13

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gicas e sorológicas observadas nos diferentes estágios de desenvolvi-mento da doença, ressaltando a sua natureza poligênica. Após o diagnós-tico, o tratamento é realizado com dieta isenta de glúten, que melhora os sintomas.

A artrite reumatoide (AR) é uma

doença autoimune que afeta 0,5% a 1% da população mundial e é ca-racterizada por inflamação da sinóvia em múltiplas articulações8,9. Está as-sociada à incapacidade progressiva e a diversas complicações, em razão do estado inflamatório sistêmico.

A etiologia da AR não é completa-

mente elucidada e envolve interação entre predisposição genética, asso-ciada principalmente aos alelos HLA DRB1, e fatores ambientais, com destaque para o tabagismo. As mani-festações clínicas da doença incluem dor e edema articular, rigidez matinal e progressivo prejuízo funcional.

O diagnóstico inclui achados clí-

nicos, radiológicos e laboratoriais, os últimos caracterizados pela pre-sença de biomarcadores sorológicos como fator reumatoide (FR) e, mais especificamente, anticorpos antipep-

tídios citrulinados (ACPA), além de marcadores de estado inflamatório sistêmico aumentados, como proteí-na C reativa (PCR) e velocidade de hemossedimentação (VHS).

Há um conhecimento crescente da

associação entre doenças autoimu-nes e múltiplos fatores genéticos e ambientais em comum envolvidos, bem como do papel da epigenética e genômica nutricional7,9-12,14-17,18-23. Há diversos relatos da associação de DC e AR com lúpus eritematoso sis-têmico, tireoidite de Hashimoto, doen-ça de Graves, diabetes mellitus tipo 1, síndrome de Sjogren, esclerose múlti-pla e doenças do tecido conjuntivo7.

Estudo recente indica que pacien-

tes portadores de AR têm prevalên-cia três vezes maior de DC do que a população geral24. No entanto, a real prevalência de doença celíaca e dos seus biomarcadores sorológicos na artrite reumatoide permanece desco-nhecida, com resultados variáveis na literatura (Tabela 1)33-44.

Tabela 1. Trabalhos que avaliaram anticorpos relacionados com a doen-ça celíaca em portadores de artrite reumatoide.

Autores Ano N° Anticorpos Resultados

Farrelly et al.33 1988 93 Antigliadina ( IgG ) 44 + (47,3%)

Paimela et al.34 1995 78Antigliadina (IgM e IgG)Antirreticulina (IgG)

29 + (37%) 3+ (4%)

Francis et al.35 2002 160 Antiendomísio 1 +

Feighery et al.36 2003 53AntitrasnglutaminaseAntiendomísio

5 + (11%) 1 + (2%)

Nisihara et al.37 2007 85 Antiendomísio 0

Koehne et al.38 2010 48 Antiendomísio 4 + (8.3%)

Castillo-Ortiz et al.39 2011 186 Antigliadina (IgA) 12 + (6.5%)

Shor et al.40 2012 121 Antigliadina (IgG) 4,1%

Koszarny et al.41 2015 55 Antigliadina (IgG) 1,3%

Moghtaderi et al.42 2016 67 Antitransglutaminase 1,5%

Diversos estudos relacionam o pa-pel de infecção por Epstein-Barr vírus, hepatite C e tuber-culose com DC e AR, sendo atribuído mecanismo fisio-patológico ao mi-metismo molecular, epigenética, miRNA, vitamina D e ele-mentos-traço

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sendo atribuído mecanismo fisiopato-lógico ao mimetismo molecular, epige-nética, miRNA, vitamina D e elemen-tos-traço7.

O microbioma intestinal é capaz de modular a atividade de doenças infla-matórias locais e sistêmicas, sendo a disbiose relacionada ao aumento da permeabilidade intestinal, à alteração funcional de células Th17 e à perda da tolerância a antígenos próprios.

Pesquisas demonstram que há au-mento da diversidade da microbiota nos portadores de DC, em compa-ração com portadores de AR, porém sem padrão consistente de mudanças. Estudo constatou que crianças com alelos HLA-DQ2 têm a composição da microbiota intestinal alterada antes da doença manifestar-se clinicamente, contribuindo para a relação entre ge-nética, disbiose e autoimunidade7.

O estado inflamatório intestinal crô-nico associado ao epitélio mais per-

Estudos de associação genômica ampla (GWAS) identificaram que a DC e a AR compartilham genes HLA e não-HLA implicados em eventos de sinalização celular relacionados à au-toimunogênese e que relacionados a outros genes e fatores ambientais podem levar ao desenvolvimento de doenças de fenótipos diferentes6,7, 26.

A relação entre intestino e autoimu-nidade é um tema em crescente estudo e conhecimento7,27. O epitélio intestinal está em contato direto com antígenos provenientes da dieta, de bactérias pa-togênicas e da microbiota hospedeira, sendo sua integridade essencial para manutenção da tolerância imune e da homeostase. Diversos fatores afetam a integridade funcional das zônulas de oclusão intestinais, com destaque para infecções, disbiose intestinal, dieta, alérgenos, toxinas, drogas e stress7,28.

Diversos estudos relacionam o papel de infecção por Epstein-Barr vírus, he-patite C e tuberculose com DC e AR,

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meável permite a liberação de linfóci-tos e citocinas pró-inflamatórias para a circulação, além de bactérias e an-tígenos intraluminais, com maior risco de mimetismo molecular, quebra de tolerância para antígenos próprios e autoimunogênese.

Em ambas as doenças, AR e DC, há infiltrado de linfócitos T nos órgãos-alvo primários26. Kadioglu e Sheldon sugerem que linfócitos aberrantes circulantes pro-venientes do intestino podem migrar para dentro do espaço articular, contribuindo para a patogênese da AR29 .

Estudos27,30,31 verificaram a presença de inflamação subclínica na mucosa in-testinal dos portadores de AR e sugerem que a doença se inicia na mucosa intesti-nal, com inflamação entérica anos antes do início das manifestações articulares.

A literatura recente30,32 propõe que a permeabilidade intestinal aumentada, ve-rificada nos portadores de DC, permite a exposição de neoepítopos intraluminais,

gerados por modificação proteica, ao subepitélio altamente imunorreativo, desencadeando quebra da tolerância aos antígenos próprios e uma respos-ta imunológica aberrante sistêmica e direcionada para outros sítios extrain-testinais.

Atualmente não há consenso sobre terapia nutricional específica no trata-mento adjuvante da AR, com evidên-cias limitadas a respeito da dieta isenta de glúten e melhora clínica e labora-torial dos pacientes. Estudos recentes sugerem que modificações dietéticas e administração de probióticos, prebióti-cos e antibióticos visando modificação da microbiota têm função profilática e terapêutica contra atividade inflama-tória local e sistêmica, devendo ser consideradas como opções de terapia adjuvante no tratamento de AR.

Conclusão

O maior conhecimento dos even-tos da mucosa intestinal e seu papel na gênese e manutenção de doenças

autoimunes pode levar ao desenvolvi-mento de estratégias específicas para prevenção, diagnóstico precoce e tra-tamento da DC e da AR.

Pesquisas adicionais são necessá-rias para compreender completamen-te o papel dos antígenos derivados do intestino na auto imunogênese, bem como os efeitos nutricionais na indução de populações microbióticas específicas, sendo a microbiota intes-tinal saudável considerada um novo alvo terapêutico.

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ESCLEROSE SISTÊMICA: necessidades não atendidas e novas perspectivas de abordagem

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ATUALIZAÇÃO

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Dra. Rossana de Moura Guedes Reumatologista pela Universidade Federal de Goiás e Sociedade Brasileira de ReumatologiaProfessora da Pontifícia Universidade Católica de Goiás e da Universidade de Rio Verde (Campus Aparecida)Preceptora da Residência de Reumatologia do Hospital Geral de Goiânia E-mail: [email protected]

Esclerose sistêmica é uma doença autoimune sistê-mica multifacetada e uma das mais complexas doen-ças do tecido conjuntivo. Dentre as doenças reumáti-cas autoimunes, é a que apresenta maior mortalidade caso-específica, onde mais da metade dos pacientes morrem por causas diretamente relacionadas à doen-ça (na maioria das vezes por complicações cardiorres-piratórias)1,2.

A ampla gama de manifestações clínicas, ainda que não ameaçadores à vida, como úlceras digitais e alte-rações do trato digestivo, impacta diretamente na fun-ção e a qualidade de vida do paciente, evidenciando a importante morbidade determinada pela doença. Esse pleomorfismo clínico é resultante de sua complexa patogênese, que envolve três pilares que interagem

entre si: a inflamação autoimune mediada, a vascu-lopatia (dano microvascular) e a fibrose (ativação de fibroblastos). Em espectro mais amplo, esse pleomor-fismo, que envolve patogênese, fenótipos e manifes-tações clínicas, dificulta a realização de estudos clíni-cos e a obtenção de terapias efetivas1.

O atual conhecimento sobre os mecanismos pato-gênicos da esclerose sistêmica evidencia que ela não pode mais ser considerada uma doença crônica com curso indolente, que evolui até certo ponto e depois regride ou fica estagnada; ao contrário, como outras doenças reumáticas, evolui com fases de remissão e atividade. Estudos observacionais demonstraram que, na esclerose sistêmica difusa, os processos patogê-nicos que acometem os órgãos internos ocorrem nos

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primeiros três anos de doença1,4. Assim, o diagnóstico precoce e a intervenção imediata são fundamentais para parar ou prevenir a progressão da doença e mini-mizar os danos.

As novas perspectivas para a aborda-gem da esclerose sistêmica levam em consideração as necessidades não aten-didas como:

1) Diagnóstico muito precoce – O gru-po europeu de estudo e pesquisa em esclerose sistêmica (EUSTAR) realizou um consenso Delphi para identificar pa-cientes com doença subclínica (estudo VEDOSS). Os objetivos eram diagnósti-co e tratamento precoces, antes do de-senvolvimento de fibrose e dano (janela de oportunidade). Três sinais de alerta foram propostos: fenômeno de Raynaud (FRy), “puffy fingers”/esclerodactilia e ANA reagente. Caso esses três sinais es-tivessem presentes, prosseguia-se com a realização de capilaroscopia e pesqui-sa de autoanticorpos específicos (anti-centrômero e anti Scl70)5,6. Um estudo prévio com cerca de 600 pacientes (sem doença do tecido conjuntivo) para avalia-ção do FRy demonstrou que 73% desses pacientes, que apresentaram alterações à capilaroscopia e autoanticorpo especí-fico reagente, desenvolveram esclerose sistêmica após dez anos, enquanto 98% dos que não apresentavam alterações à capilaroscopia nem autoanticorpos espe-cíficos reagentes permaneceram como FRy primário7.

2) Medicina personalizada – Tratar o doente e não a doença. Avanços nos campos de tecnologia e bioinformáti-ca possibilitaram a análise de centenas a milhares de genes, seus produtos de transcrição (como RNAs codificadores e não codificadores) e proteínas correspon-dentes em grandes coortes de pacientes, proporcionando a análise integrativa de

variações genéticas individuais8,9. A análi-se de fibroblastos a partir de biopsia cutâ-nea em pacientes com esclerose sistêmi-ca permitiu a identificação de quatro tipos de perfis de expressão genética: prolife-rativo, inflamatório, limitado e semelhan-te ao normal8,10-13. Cada grupo tem uma assinatura de expressão genética única e se correlaciona com manifestações clí-nicas variáveis. Por exemplo, o subgrupo proliferativo apresenta comprometimento cutâneo mais severo, enquanto o subgru-po limitado apresenta maior severidade do FRy13,14. A identificação do perfil de expressão genética possibilita medicina personalizada com terapêutica individua-lizada. Indivíduos do subgrupo prolifera-

“Avanços nos campos de tecnologia e bioinformá-tica possibilitaram a análise de centenas a milha-res de genes, seus produtos de transcrição (como RNAs codificadores e não codificadores) e proteínas correspondentes em grandes coortes de pacientes, proporcionando a análise integrativa de variações genéticas individuais”

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A conotação mais específica

para terapia-alvo seria a atenuação

ou estimulação de um subtipo

celular, molécula ou via intracelular,

que impactaria múltiplos processos

na patogênese da doença

tivo respondem melhor a medicamentos antifibróticos (como inibidores da tirosina quinase e fresolimumabe) e indivíduos do subgrupo inflamatório, a imunossu-pressores (como micofenolato mofetil, rituximabe, tocilizumabe e abatacept). Já indivíduos dos subgrupos limitado e semelhante ao normal parecem ter me-lhor prognóstico e respondem a diversos tipos de tratamentos,10,15.

3) Medicina de precisão – O conceito de terapia-alvo pode ter diferentes sig-nificados na esclerose sistêmica. Pode considerar o tratamento de órgãos es-pecíficos (como rins ou pulmões) ou sin-tomas específicos (como FRy ou refluxo gastroesofágico), ou ainda pode se refe-rir ao tratamento de mecanismos espe-cíficos da doença, como ativação imune, inflamação, vasculopatia ou fibrose. “A conotação mais específica para tera-pia-alvo seria a atenuação ou estimula-

Quadro 1. Novas terapias potenciais em esclerose sistêmica.

ção de um subtipo celular, molécula ou via intracelular, que impactaria múltiplos processos na patogênese da doença”2. O tratamento atual é não curativo e é frequentemente baseado no órgão aco-metido. Entretanto, existem novas tera-pias potencialmente modificadoras da doença em estudo. Essas terapias são decorrentes da melhor compreensão das vias patogênicas-chave e têm como alvo seus diferentes mecanismos (vasculo-patia, inflamação/desregulação imune e fibrose)16.

4) Métodos (biomarcadores) para ava-liação da atividade e progressão da doença e para avaliação da resposta terapêutica – Biomarcadores são defi-nidos como um parâmetro fisiológico ou macromoléculas biológicas que podem ser objetivamente medidos para servir como indicador ou marcador tanto de

Fonte: Nagaraja, Denton e Khanna (2015)16.

Terapia Potencial Via alvo

MacitentanaZibotentanaSelexipagRiociguate

Receptores ET A / ET BReceptor ET AAgonista do receptor IPAgonista da guanilato ciclase

Vascular

RituximabeBasiliximabeTocilizumabeAbatacepteRilanoceptePomalidomidaSoro caprino hiperimune

CD20IL-2RaIL-6RCTLA4Ligante IL1Anti-inflamatórioAnti-inflamatório

Inflamatória

Dasatinibe, NilotinibeGC 1008FG 3019P 144BIBF 1120Anticorpos anti-integrinaAntagonistas LPA1Bloqueadores de receptores canabinoidesTergurideRiociguate

c-Abl, c-Klt, PDGFTGF-β1, -β2, -β3Ligante CTGFLigante TGF-β (tópico)VEGF, bFGF, PDGFBloqueiam a ativação do TGFβpela integrina αInibem a diferenciação demiofibroblastosAtenuam a fibrose CB2 mediadaInibe o receptor de serotonina(5HT)Agonista da guanilato ciclase

Fibrótica

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uma via normal como de uma via pa-togênica. Eles podem ser transversais (utilizados para auxiliar no diagnóstico e estadiamento de doenças), longitudinais (úteis para avaliar atividade, progressão e prognóstico de doenças) ou farmacodi-nâmicos (utilizados para avaliar resposta terapêutica)8.

4.1 Biomarcadores atuais - Os biomar-cadores disponíveis atualmente para diagnóstico e/ou acompanhamento dos pacientes com esclerose sistêmica são: escore cutâneo modificado de Rodnan (mRSS), autoanticorpos (ANA, ACA, antiScl 70 e anti RNA polimerase III) e a capilaroscopia. O mRSS consiste na avaliação subjetiva da induração cutâ-nea e é atualmente a única medida de resultado validada para uso na prática clínica e nos estudos clínicos8. Quanto aos autoanticorpos, estudos demons-traram que a positividade e o padrão do ANA têm valor prognóstico em pacien-tes com esclerose sistêmica subclínica ou muito precoce17-20. Em outro estudo, o padrão nucleolar foi associado à rá-pida progressão da doença20.O ACA foi associado à menor mortalidade e à menor incidência de fibrose pulmonar e crise renal, enquanto o anti Scl 70 foi associado à maior mortalidade e à maior incidência de fibrose pulmonar21. O anti RNA polimerase III foi associado à maior incidência de crise renal e a tumores malignos22. Já a capilaroscopia pode ser utilizada para diagnóstico e acompa-nhamento dos pacientes com esclerose sistêmica. São descritos três padrões distintos, específicos para esclerose sistêmica: inicial (dilatação das alças ca-pilares, sem desvascularização), ativo (dilatação e micro-hemorragias, pouca desvascularização) e tardio (desvascu-larização importante e ramificação das alças capilares)23-25.

4.2 Novos e futuros biomarcadores - Vesículas extracelulares (EVs): coleção não homogênea de estruturas ligadas à membrana plasmática que são secreta-das por todos os tipos celulares8.

• Tanscriptomas: permitem definir padrões de expressão genética8. Es-tudos em pacientes com esclerose sistêmica demonstraram padrões expressos em fibroblastos cutâneos classificados como proliferativo, infla-matório, limitado e semelhante ao nor-mal13 e em fibroblastos de outros teci-dos (pulmão e esôfago) classificados como inflamatório e proliferativo26-28.

• Micro RNAs: família de RNAs curtos (18 nucleotídeos a 23 nu-cleotídeos) não codificadores. Sua expressão anormal parece estar associada a algumas doenças au-toimunes, como esclerose sistêmica, lúpus e artrite reumatoide. São en-contrados no sangue, na urina, em lágrimas e no leite materno, sendo facilmente acessíveis à coleta. Nos últimos anos, vários estudos de-monstraram que os níveis dessas moléculas estão alterados no soro de pacientes com esclerose sistê-mica. A expressão dos miRNAs 150,

30b, 196a e let-7a está reduzida nos fibroblastos da pele de pacientes com esclerose sistêmica e se asso-cia à severidade do acometimento cutâneo. Já os miRNAs 21 e 155 são considerados pró-fibróticos e têm sua expressão aumentada nos fibro-blastos cutâneos de pacientes com esclerose sistêmica8,29.

Mesmo em face dos avanços que ocorreram nos últimos anos no co-nhecimento de sua patogênese, a esclerose sistêmica persiste como uma doença desafiadora. É neces-sário assim utilizar o arsenal dispo-nível para a realização de um diag-nóstico cada vez mais precoce e a instituição de tratamento adequado. Bem como é fundamental reconhe-cer e priorizar as necessidades não atendidas, pois a atenção voltada para estas conduz, progressivamen-te, ao objetivo principal, que é o con-trole da doença e a obtenção de uma qualidade de vida adequada.

“Estudos em pacientes com esclerose sistêmica demonstraram padrões expressos em fibroblastos cutâneos classificados como proliferativo, infla-matório, limitado e semelhante ao normal e em fibroblastos de outros tecidos (pulmão e esôfago) classificados como inflamatório e proliferativo.“

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DÚVIDAS REUMÁTICAS

OS PACIENTES QUEREM SABER SOBRE LÚPUS E GESTAÇÃO

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Perguntas respondidas por: Dra. Luciana MunizReumatologista pela Universidade de São Paulo (USP) e Doutorado pela USPReumatologista do Hospital Sírio Libanês – Unidade Brasília

1) Quem tem lúpus pode engravidar?

Sim, as pacientes com lúpus eritemato-so sistêmico podem engravidar, desde que alguns cuidados sejam tomados: a doença deve estar em remissão há pelo menos seis meses; não pode ha-ver acometimento importante de órgãos como rim, coração, pulmão e cérebro; não podem estar tomando medicações que possam fazer mal ou levar à má formação do bebê, como metotrexato, ciclofosfamida, leflunomide e micofe-nolato mofetil1.

2) Quais cuidados devo tomar antes de engravidar?

Primeiramente, é essencial que a doen-ça esteja bem controlada. Por isso, é fundamental que você avise com an-tecedência seu reumatologista sobre a intenção de engravidar, para que o planejamento familiar e os ajustes nos remédios sejam feitos. Se não houver contraindicação, o uso de hidroxicloro-quina é recomendável antes e durante toda a gestação2,3. Outras medicações também podem ser usadas para con-trole da doença, como prednisona e azatioprina1. Como em toda gravidez, também deve ser iniciado o uso de áci-do fólico antes e durante a gestação.

3) Se eu tiver alguma dificuldade para engravidar, posso fazer algum tratamento para infertilidade?

Essa possibilidade vai depender de como está sua doença, de quais remédios você faz uso e da causa da infertilidade. De qual-quer forma, esta possibilidade existe em pa-cientes com doença inativa e estável. Além disso, de acordo com as recomendações da Liga Europeia contra Reumatismo (EULAR), antes do uso de ciclofosfamida, que pode di-minuir a fertilidade, pode-se utilizar os análo-gos do hormônio liberador de gonadotropina (sigla em inglês: GnRH) para diminuir o risco de infertilidade1. Converse com seu médico reumatologista para avaliar estas questões.

4) O que devo fazer durante a gravi-dez?

As pacientes gestantes com lúpus devem ser acompanhadas de forma regular pelo reumatologista e iniciar precocemente o pré--natal de alto risco. Como há um risco maior de complicações para a mãe e o bebê, os exames devem ser feitos de forma mais fre-quente durante a gestação. Pode ser neces-sário também o uso de medicações como o ácido acetilsalicílico (AAS), cálcio e vitamina D1,4. Como em toda gestação, é importante manter hábitos de vida saudáveis, não fumar e evitar o consumo de álcool.

Referências1. ANDREOLI, L. et al. EULAR recommendations for women’s health and the management of family planning, assisted reproduction, pregnancy and menopause in patients with systemic lupus erythematosus and/or antiphospholipid syndrome. Ann. Rheum. Dis., v. 76, p. 476-485, 2017.2. KOH, J. H., et al. Hydroxiclorquine and pregnancy on lupus flares in Korean patients with sys-temic lupus erythematosus. Lupus, v. 24, p. 210-17, 2015.3. LEVY, R. A. et al. Hydroxiclorquine in lupus pregnancy: double-blind and placebo controlled study. Lupus, v. 10, p. 401-404, 2001.4. ROBERGE, S. et al. Early administration of low-dose aspirin for the prevention of preterm and term preeclampsia: a systematic review and meta-analysis. Fetal Diagn. Ther., v. 31, p. 141-146, 2012.

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Myelodysplasia mimetizing Behçet’s disease

MIELODISPLASIA MIMETIZANDO DOENÇA DE BEHÇET

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Mariana França Bandeira de Melo Graduanda do curso de Medicina do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) [email protected]

Mariana Carvalho Gomes Graduanda do curso de Medicina do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) [email protected]

Natália Ribeiro de Magalhães AlvesMédica, Docente da Faculdade de Medicina do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) [email protected]

Cristina Medeiros Ribeiro de MagalhãesReumatologista pediátrica do Hospital da Criança de Brasília José Alencar. Docente da Faculdade de Medicina do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB)

Conflitos de interesseAs autoras declaram não haver conflitos de interesse.

REUMATO PEDIATRIA

Resumo

A doença de Behçet é uma vasculite rara na infância. Diversos estudos têm demonstrado associação dessa doença com neoplasias, principalmente as de origem hematológica. O objetivo deste artigo é relatar o caso de uma menina diagnosticada com vasculite de Behçet, inicialmente responsiva ao uso de corticosteroides e colchicina e que poste-riormente se tornou refratária ao tratamen-to e evoluiu com plaquetopenia e pioderma gangrenoso, sendo diagnosticada então com mielodisplasia, evoluindo para leucemia mie-loide aguda. Com este relato, destacamos a importância de suspeitar de malignidade em pacientes refratários ao tratamento da doen-ça de Behçet, principalmente naqueles que evoluem com alterações hematológicas.

Palavras-chave: Doença de Behçet, vasculi-te, leucemia mieloide aguda, mielodisplasia

Abstract

Behçet’s disease is a rare vasculitis in childhood. Several studies have shown association with neoplasias, especially those of hematological origin. The objec-tive is to report the case of a girl diagno-sed with Behçet’s vasculitis, initially res-ponsive to the use of corticosteroids and colchicine, and later became refractory to treatment and progressed with thrombo-cytopenia and pyoderma gangrenosum, being diagnosed with myelodysplasia, progressing to acute myeloid leucemia (AML). With this report, we emphasize the importance of suspecting malignancy in patients refractory to the treatment of Behçet’s disease, especially in those who evolve with hematological alterations.

Key-words: Behçet’s disease, vasculitis, acute myeloid leucemia, myelodysplasia

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Introdução

A associação entre neoplasias e doenças reumáticas tem sido re-latada¹, sendo que muitas vezes as neoplasias podem apresentar ma-nifestações de doenças reumáticas, especialmente vasculite e artrite. Dada essa importância, relatamos um caso de mielodisplasia que evo-luiu para uma leucemia mieloide aguda (LMA), mas inicialmente cur-sou com manifestações de úlceras orais recorrentes, artrite e eritema nodoso, que caracterizou clinica-mente o quadro como uma vasculite de Behçet.

Relato do caso

J. K. S. L., sexo feminino, sete anos, apresentou diversos episódios de úlceras orais recorrentes (Figura 1) no período de um ano, sendo estes não responsivos a tratamento com antibióticos e antifúngicos tópicos. Nesse período também manifestou placas eritematosas em membros, teste de patergia positivo e artrite em joelhos e tornozelos. Realizou--se avaliação oftalmológica e neu-rológica, que apresentou resultados normais. A criança foi diagnostica-da com doença de Behçet e iniciado tratamento com prednisona 20 mg/dia e colchicina 0,5 mg 12/12 h, que promoveu melhora do quadro.

Figura 1. Úlceras orais.

Após período assintomático de seis meses, a criança voltou a apre-sentar os sintomas anteriores, jun-tamente com eritema nodoso em

membros inferiores, não sendo mais responsiva ao tratamento anterior, quando então foi aumentada a dose de prednisona para 40 mg. Com a melhora das manifestações, iniciou--se o desmame. Entretanto, quando a dose voltava a 20 mg, havia retor-no do quadro, que passou a evoluir com anemia (hemoglobina: 7,2 g/dL), plaquetopenia (40.000 plaquetas) e leucocitose. Foi realizada pulsote-rapia com metiprednisolona 30 mg/kg durante três dias e foi mantida a prednisona 20 mg/kg. Foi solicitada avaliação da oncologia, que realizou mielograma, com resultado normal. Como não houve resposta ao trata-mento instituído, foi substituída a colchicina por dapsona.

A criança evoluiu com plaquetope-nia refratária, púrpura em membros inferiores, eritema nodoso e hepato-megalia. Mesmo sob uso de dapso-na, apresentou pioderma gangreno-so em região lateral da coxa direita (Figura 2), que não foi responsivo a doses altas de corticoides e à dapso-na já instituída, sendo então tratada com talidomida, com regressão do pioderma.

Após observação de blastos em sangue periférico, foi então realizada biópsia de medula, que demonstrou mielodisplasia. Após dois meses de evolução, foi realizada nova biópsia de medula e, pelo estudo de imu-nofenotipagem, foi diagnosticada leucemia mieloide aguda (LMA). Foi iniciado protocolo de quimioterapia e indicado transplante de medula óssea, mas a paciente faleceu por septicemia dez meses após o início desse tratamento.

A doença de Behçet é uma afecção do tipo vasculite multissistêmica, rara na infância, que cursa com períodos de remissão e exacerbação das manifestações

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Figura 2. Pioderma gangrenoso.

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Discussão

A doença de Behçet é uma afec-ção do tipo vasculite multissistê-mica, rara na infância, que cursa com períodos de remissão e exa-cerbação das manifestações⁵. Di-versos estudos têm demonstrado associação entre essa doença e neoplasias, principalmente as de origem hematológica. Portanto, as síndromes mielodisplásicas podem ser uma rara complicação ou um diagnóstico diferencial da doença de Behçet¹. O gatilho para essa evolução maligna pode ser anormalidades na regulação imune, deficiência de células T e superproliferação de células B⁴. Alguns autores consideram que a doença de Behçet possa ser uma síndrome paraneoplásica reuma-tológica³. Outros sugerem que o tratamento imunossupressor da vasculite possa ter influência no desenvolvimento de doenças neoplásicas⁴.

As síndromes mielodisplási-cas são um grupo heterogêneo de distúrbios clonais hematopoiéti-cos malignos, caracterizados por células sanguíneas ineficazmen-te produzidas e displásicas, além de pancitopenia periférica e uma tendência a evoluir para leuce-mia mieloide aguda (LMA). Por causa das variadas reduções da produção de eritrócitos, plaque-tas e granulócitos maduros, con-sequências sistêmicas importan-

tes podem ocorrer, como anemia, sangramentos e infecções recor-rentes⁶.

Ambas as doenças, Behçet e mielodisplasia, compartilham al-gumas características imunológi-cas. Propõe-se que uma extensi-va morte celular intramedular em pacientes com síndromes mielo-displásicas esteja fortemente re-lacionada com fator de necrose tumoral alfa (TNF-α). A concen-tração de TNF e de receptores solúveis de TNF está aumentada no nível sérico dos pacientes com doença de Behçet ativa. Isto leva a crer que exista alguma correla-ção entre a patogênese das duas afecções7.

O surgimento da mielodisplasia pode preceder, acompanhar ou vir após o diagnóstico da doença de Behçet⁴. No caso desta pacien-te, a vasculite foi inicialmente diagnosticada e respondeu bem à corticoterapia e ao uso de col-chicina, ocorrendo regressão do quadro e permanecendo seis me-ses assintomática. Após esse pe-ríodo, evoluiu com plaquetopenia e anemia importantes, não sendo mais responsiva ao tratamen-to, levando a crer que não mais se tratava de doença de Behçet. Após biópsia de medula óssea, foi diagnosticada a LMA.

Destacamos a importância de suspeitar de doenças oncológicas

em pacientes inicialmente diag-nosticados com Behçet que não respondem ao tratamento, princi-palmente naqueles que evoluem com alterações hematológicas e que não fazem parte do quadro da vasculite de Behçet⁴.

Quando o paciente diagnostica-do com vasculite de Behçet evolui com trombocitopenia e presença de células imaturas no sangue periférico, deve-se estar atento para a possibilidade de uma sín-drome mielodisplásica¹.

Referências

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Ambas as doenças, Behçet e mielodisplasia, compartilham algumas características imunológicas

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Leopoldo Luiz dos Santos Neto Medicina InternaPrograma de Pós-graduação em Ciências Médicas – Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB)E-mail: [email protected]

CONTRIBUIÇÕESDE WILLIAM OSLER– o Hipócrates moderno – paraa Reumatologia

William Osler foi educador, escri-tor, pesquisador e médico centrado no cuidado do paciente. Esse ícone da Medicina, considerado por muitos como o Hipócrates moderno, estará completando 100 anos de falecimen-to em 2019.

Nascido no Canadá, iniciou seus estudos na Escola Médica de To-ronto e concluiu o curso de Medici-na em 1872, na McGill de Montreal. Foi docente de quatro prestigiosas instituições médicas: Universidade de McGill em Montreal (1875-1884), Universidade da Pensilvânia, na Fi-ladélfia (1884-1889), Hospital Johns Hopkins, em Baltimore (1889-1905) e Universidade de Oxford (1905-1919).

Escritor prolífero e polímata da Medicina, escreveu mais de 1.300 artigos científicos. Foi um bibliófilo insaciável e acreditava que a leitura dos grandes escritores aprimorava o raciocínio clínico. Na sua lista de preferidos, constavam obras como Dom Quixote, de Miguel de Cervan-tes1. Posteriormente, toda a sua cole-ção de livros foi doada para a McGill, tornando-a uma das melhores biblio-tecas especializadas em História da Medicina2.

A sua monografia de conclusão de curso foi sobre correlações anato-

mopatológicas de 20 pacientes3. Ao longo de sua vida realizou mais de mil necropsias, tentando aprimorar os acertos clínicos e reduzir a iatro-genia. Ele acreditava na importância da correlação clínico-patológica: “In-vestigar as causas de morte, exami-nar cuidadosamente a condição de órgãos, depois que tais modificações ocorreram neles para tornar a exis-tência impossível, e aplicar tal conhe-cimento à prevenção e tratamento da doença é um dos objetos mais altos do médico”3,4.

SARAU REUMATOLÓGICO

Figura 1. Osler examinando um paciente no Hospital Johns Hopkins, Baltimore, USA15.

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Dr. Shigeaki Hinohara, do Hospital Internacional São Lucas, em Tóquio, interpretou o inquérito realizado por Osler em 486 pacientes em fim de vida, internados no Hospital Johns Hopkins, no período de 1900 a 1904. As condições clínicas e mentais foram anotadas durante o processo de mor-te, para entender como os pacientes se apresentavam antes de falecerem. Hinohara concluiu que esses resulta-dos permitiram uma melhor tomada de decisão para aliviar a dor mental e física, certificando-o da prestação de conforto para os seus pacientes ter-minais5.

Discípulo rigoroso da ciência e do método científico, suas publicações cobriram quase todas as subespecia-lidades da Clínica Médica e Educação Médica6. Muitas palestras e discursos foram publicados7,8. Em 1892, lançou o “The principles and practice of Me-dicine”, um dos primeiros textos da medicina moderna. Essa obra domi-nou o mercado literário médico, com reedições até 1949. Uma das suas contribuições para a pesquisa foi de-monstrar a existência das plaquetas

no coágulo9. Muitos sinais clínicos tor-naram-se epônimos: nódulo de Osler da endocardite subaguda, policitemia vera (Doença de Osler–Vaquez), te-langiectasia hemorrágica hereditária (Doença de Osler–Weber–Rendu)3.

Docente inovador, foi reverenciado por seus discípulos de graduação e médicos da residência médica. Os-ler sugeriu aos professores de Medi-cina que afastassem os seus alunos dos livros e os levassem ao leito do enfermo. O médico/escritor Moacyr Scliar avaliou que “naquele momen-to, tal posição era compreensível e necessária; tratava-se de evitar uma predominância da teoria sobre a prá-tica, uma cultura médica livresca”10. O ensino da Medicina centrado no paciente foi um dos seus importantes legados pedagógicos. Ele criou diver-sos aforismas que se tornaram popu-lares7:

“Estudar o fenômeno da doen-ça sem livros é como navegar sem

“Investigar as causas de morte, examinar cuidadosamente a condição de órgãos, depois que tais modificações ocorreram neles para tornar a existência impossível, e aplicar tal conhecimento à prevenção e tratamento da doença é um dos objetos mais altos do médico”

Figura 2. Osler examinando um paciente no Hospital Johns Hopkins, Baltimore, USA15.

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mapa, mas estudar em livros sem ver pacientes é como não navegar”;

“É muito mais importante saber que tipo de paciente tem a doença do que o tipo de doença que a pessoa tem”;

“Excesso de aulas expositivas po-dem causar bursite isquiática”.

Contribuições na Reumatologia

Osler descreveu detalhadamente so-bre artrites pós-infecciosas por salmo-nela, shigela, gonococo e meningoco-co. Os sinais e sintomas permitiram-no classificar em duas formas: a reativa e a séptica, particularmente na forma gonocócica clássica11. Ele analisou ca-sos de púrpura de Henoch, doença de Raynauld, espondilite por salmonela, meralgia parestésica e outras condições reumatológicas11.

Lúpus é uma condição patológica que ganhou visibilidade e definição em meados do século XIX. Osler descreveu com muita confiança a forma sistêmica, destacando-a do lúpus discoide. Nas modernas instalações da Johns Hop-kins, ele desenvolveu um modelo clínico

que incluía pacientes com lesões cutâ-neas, renais, cardíaca e pulmonar. Foi o primeiro a designar essa forma clínica como lúpus eritematoso sistêmico12.

A primeira descrição da artrite reuma-toide (AR) parece ter sido feita por Ar-chibald B. Garrot, quando publicou, em 1859, a distinção entre AR (chamando de gota reumática) e gota13. Nas edições do “The principles and practice of Medi-cine”, a AR foi descrita como “artrites deformantes”. AR e outros diagnósticos como osteoartrite, espondiloartropatia e doença por cristais foram incluídos como “artrites deformantes”11.

Figura 3. Osler escrevendo o “The Principles and Practice of Medicine”, Hospital Johns Hopkins, Baltimore, USA, julho de 189115.

Figura 4. William Osler em uma aula de dissecação no Hospital Geral de Filadélfia, USA, 1887 ou 188915.

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Nas modernas instalações da

Johns Hopkins, ele desenvolveu um

modelo clínico que incluía pacientes

com lesões cutâneas, renais, cardíaca e pulmonar. Foi

o primeiro a designar essa

forma clínica como lúpus eritematoso

sistêmico

As descrições de Osler de AR foram baseadas em achados anatomopato-lógicos: proliferação sinovial, encurta-mento de tendões, atrofias musculares e anquiloses. Para ele, as artrites defor-mantes tinham um prognóstico reserva-do: “Quando a doença está estabeleci-da, ela é raramente curável. Geralmente é uma condição clínica de evolução len-ta, mas pode apresentar limitações arti-culares progressivas, o que torna essa doença uma das mais incapacitantes”11.

Legado

O neurocientista António Damásio alerta: “a disponibilidade generalizada quase instantânea e abundante de infor-mações públicas e pessoais – um óbvio benefício – reduz o tempo necessário para refletir sobre essas informações”14.

Osler já havia alertado os seus aprendi-zes: “As pessoas não terão tempo para entender o assunto. Apesar de tudo, a concentração é o preço que os estu-dantes modernos terão de pagar pelo sucesso”8.

Osler faleceu no dia 31 de dezem-bro de 1919, com broncopneumonia e empiema, provavelmente como com-plicações da gripe espanhola3. Um ano após o término da desastrosa I Guerra Mundial, ele faz um comu-nicado, citando Hipócrates, sobre a necessidade de haver “Philantropia e Philotechnia – amor pelo homem e amor à arte”. Na construção da mo-derna medicina de precisão, os seus ensinamentos podem ser fonte de ins-piração e de comprometimento para uma prática médica de qualidade.

Referências

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