esclerose multipla-miastenia gravis

Upload: manueliton-matias

Post on 19-Jul-2015

178 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

2

NEUROIMUNOLOGIA

Amilton Antunes Barreira* Doralina Guimares Brum** Vanessa Daccach Marques**

*Professor Titular *Mdica Assistente Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Mdica Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo. Responsvel pela diviso de Doenas Neuromusculares e

Neuroimunologia do Hospital das Clnicas de Ribeiro Preto Ribeiro Preto So Paulo.

3

ESCLEROSE MLTIPLA

Aspectos Gerais e Epidemiologia A esclerose mltipla (EM) uma doena desmielinizante inflamatria crnica, auto-imune, confinada ao sistema nervoso central (SNC). As protenas da bainha de mielina constituem os alvos das agresses. As mulheres so acometidas 2 vezes mais que os homens A doena causa grande impacto scio-econmico, pelo fato de se iniciar entre os 20 e 40 anos de idade e poder levar adultos jovens incapacidade precoce. A distribuio geogrfica da EM desigual. Kurtzke (1975) classificou os pases de acordo com as taxas de prevalncia. As populaes dos pases da Europa Central e do Norte, da Itlia, do norte dos Estados Unidos, do Canad, do Sul da Austrlia, de parte da Unio Sovitica e da Nova Zelndia so consideradas de alto risco (>30 casos/100.000 habitantes). reas de mdio risco (prevalncia entre 5 e 29/100.000) incluem e o sul da Europa, o sul dos Estados Unidos, o norte da Austrlia, partes da Unio Soviticas e frica do Sul. So reas de baixo risco (5/100.000 habitantes): a frica, a sia, o Caribe, o Mxico e, possivelmente, a Amrica do Sul. No Brasil h poucas publicaes a respeito da epidemiologia da EM. Callegaro e cols., em levantamentos epidemiolgicos realizados nos anos de 1990 e 2001 na grande So Paulo, encontraram uma prevalncia de 5 e 15 casos por 100.000 habitantes, respectivamente. Ferreira e cols. (2004), atravs de levantamento realizado na cidade de Recife, entre janeiro de 1987 e maro de 2002, verificaram uma prevalncia de 1,36 casos por 100.000 habitantes.

Bases Imunogengticas e Fatores Ambientais

4

A etiologia da doena ainda desconhecida. Uma das teorias correntes a de que EM seja uma doena autoimune decorrente da interao de um ou mais fatores ambientais em indivduo que tenha predisposio gentica para adquiri-la. A doena seria polignica, cada um gene influenciando a susceptibilidade gentica doena, em pequena intensidade. O complexo principal de histocompatibilidade (CPH), na regio codificadora das molculas HLA-DR e DQ claramente associado EM. O HLA-DR15 o mais consistentemente ligado doena, associando um risco gentico de 10 a 60%. Isso indicativo de que outros genes devem estar envolvidos na susceptibilidade doena. A influncia gentica na susceptibilidade EM tambm sugerida pelo fato de que a taxa de concordncia da doena em gmeos monozigticos (30%) cinco vezes maior que entre os gmeos dizigticos (5%). Esta se aproxima da de parentes (2 a 3%) de paciente afetados pela doena.A baixa taxa de concordncia indica contribuio de fatores no genticos na etiologia da EM. A desigualdade de distribuio da doena em gradiente hemisfrico e os estudos de migrao sugerem a importncia do fator ambiental na sua gnese. As infeces bacterianas e virais provavelmente constituem gatilho ambiental para desencadeamento da doena. Dentre as explicaes propostas para explicar como infeces podem induzir EM esto o mimetismo molecular e a ativao de alvos inocentes. No primeiro ocorreria reatividade cruzada entre auto-antgeno(s) e agentes no prprios. No segundo, a ativao de clulas T auto-reativas em decorrncia de eventos inflamatrios inespecficos.

H diferentes evidncias que sugerem ter a EM origem autoimune. As molculas HLA de classe II se apresentam como um dos mais importantes fatores de risco para EM; tais molculas tm o papel de apresentarem o antgeno s molculas T CD4+. A EM tem semelhanas com a encefalomielite alrgica experimental (EAE). A induo de EAE em animais transgnicos, atravs da inoculao direta de clulas T especficas contra a protena bsica de mielina originria de pacientes

5

com EM, corrobora a natureza auto-imune da doena. A evoluo em surtos, a piora associada a infeces virais, a predominncia em mulheres jovens, a resposta aos tratamentos com imunossupressores e imunomoduladores e o agravamento associado ao uso de intrferon gama, so tambm indicativos da natureza auto-imune da doena. A EAE induzida em camundongos, ratos e cobaias pela inoculao de componentes da bainha de mielina do sistema nervoso central (SNC) - protena bsica da mielina (PBM), protena proteolipdica (PLP) e glicoprotena da mielina do oligodendrcito (MOG). A EAE se desenvolve uma a duas semanas aps a inoculao. As leses neurolgicas podem ser discretas e autolimitadas ou crnicas e recidivantes. As formas crnica e recidivante apresentam semelhana com a esclerose mltipla humana. A induo de EAE em camundongos transgnicos tem oferecido novas contribuies do modelo animal para a compreenso da EM, por exemplo: manifestaes agudas e crnicas e distribuio das leses variariam de acordo com o contexto do complexo de histocompatibilidade (CPH) de classe II e o antgeno utilizado para induo.

Manifestaes Clnicas A localizao das leses, as manifestaes clnicas e a intensidade dos sintomas variam de um paciente para outro. As manifestaes clnicas mais freqentes refletem o comprometimento focal dos tratos longos mielinizados da medula espinhal, do tronco cerebral e do nervo ptico. As leses periventriculares e do corpo caloso causam sintomas menos perceptveis ao paciente e ao mdico. A

maioria dos pacientes (85%) apresenta-se inicialmente com a forma recorrente-remitente (EMRR), caracterizada por perodos de

manifestao de sintomas neurolgicos com recuperao plena ou com dficits residuais. Ao longo de 10 anos, 50% dos pacientes com EMRR passam a apresentar o componente progressivo da doena, fase que se

6

convencionou chamar de progressiva secundria (EMPS). Esse grupo aumenta gradativamente com o passar do tempo, considerando o seguimento longitudinal dos pacientes com EMRR. Cerca de 10% dos pacientes com EM apresentam a forma progressiva primria (EMPP), que evolui, desde a sua instalao, com perodos de agravamento, sem remisses. Um pequeno grupo de pacientes com EM evolui desde o inicio com episdios agudos de piora (surto), associados a progresso (EMSP). O primeiro episdio clnico, associado a desmielinizao, referido como sndrome inflamatria desmielinizante (SID). Sua

caracterizao pode ser feita atravs de ressonncia magntica (RM) e sua investigao deve incluir o estudo do lquido cefalorraqueano (LCR).Formas de Apresentao Clnica da EMRR

Sndrome Medular Pode ocorrer instalao subaguda de dormncia ou parestesias em um ou mais membros e sensao anormal na poro distal dos inferiores que gradualmente avana em direo proximal. H progresso da extenso e da intensidade de tais dormncias, cujo nadir ocorre em poucos dias (2 a 4). Freqentemente os nveis de leso medular so cervical ou torcico, mas pode ocorrer tambm comprometimento lombosacro. Sendo bilaterais, podem ser assimtricos. Sintomas sensitivos localizados exclusivamente nos braos sugerem comprometimento no lemnisco medial ou na coluna branca dorsal da medula cervical. Habitualmente so restritos a uma das mos. Podem ser bilaterais, com preservao da fora e da funo cerebelar. Na maioria das vezes a instalao aguda, havendo recuperao. Ocasionalmente os quatro membros desenvolvem sintomas sensitivos sugestivos de polineuropatia sensitiva, especialmente quando a instalao simultnea. Realizao de eletroneuromiografia (ENMG) com resultados normais indica tratar-se de pseudopolineuropatia. Distribuio radicular com dormncia,

7

parestesias, disestesias, dor ou formigamento, bem como o sinal de Lhermitte podem ocorrer.

Neurite ptica A neurite ptica (NOp) pode se manifestar atravs de embaamento visual de instalao aguda ou subaguda, associada a perda visual em mancha, mais comumente central, menos vezes temporal ou nasal. Sintomas positivos tais como fotopsias podem ocorrer. Dor pode: preceder, acompanhar ou suceder os sintomas de perda visual. Dor ocular com as mesmas caractersticas temporais pode ocorrer e se resolver na ausncia de qualquer dficit visual evidente.

Sndrome de Tronco Cerebral Os sintomas de comprometimento de tronco cerebral incluem: diplopia, osciloscopia, disfagia, soluo, vertigem, ataxia de um ou mais membros, sonolncia e sintomas urinrios. Dor, embaamentos visuais, parestesias, dormncia, flexo

involuntria ou paralisia aguda de um membro, disartria, diplopia, neuralgia do trigmeo de carter paroxstico constituem outras formas de apresentao. Demncia e distrbios afetivos, fadiga, distrbios do movimento, crises epilpticas, afasia e hemianopsia, distrbio

autonmico, sintomas motores de instalao aguda ou progressiva, instabilidade da marcha podem ocorrer. Os sintomas so decorrentes de desmielinizao e leso axonal, cujo corolrio eletrofisiolgico a reduo da velocidade de conduo do impulso nervoso e o bloqueio da conduo. A melhora dos sintomas ocorre por reduo da inflamao (edema) e pela remielinizao. A leso axonal pode ser precoce. A axonopatia e a capacidade limitada de remielinizao constituem as razes principais para os dficits residuais e a perda progressiva da capacidade funcional.

8

O nmero de surtos que o paciente com EMRR pode apresentar, na primeira fase da doena, varivel e imprevisvel. Essa fase de surtos tem durao de varivel. Na EMPS geralmente ocorre reduo do nmero de surtos e do potencial de recuperao dos dficits. O prognstico da EM para cada indivduo imprevisvel. Pode ser aparentemente benigno, seguindo-se doena progressiva muito incapacitante. A EMPP pode evoluir com deteriorao muito lenta, com ndice funcional estvel ao longo de vrios anos.

Patologia Leses caracterizadas por infiltrado inflamatrio com linfcitos T, macrfagos, linfcitos B e axnios desmielinizados, circunjacentes a uma vnula, so a marca registrada da patologia da EM. Tais leses podem ocorrer em qualquer rea do SNC onde haja axnios mielinizados. H uma predileo pelas seguintes regies: periventriculares, corpo caloso, nervos pticos, medula espinhal, cerebelo e tronco cerebral. As leses tm forma arredondada ou oval e quando vistas no plano sagital podem adotar o formato de dedos a partir do corpo caloso por se estenderem ao longo das veias que se dirigem para a regio subependimria dos ventrculos laterais. Ficou evidenciado, atravs da anlise de material de bipsias e necrpsias, que as leses desmielinizantes so heterogneas entre pacientes, mas as leses ativas do mesmo paciente so semelhantes entre si. No mesmo tipo de material foram identificados quatro padres lesionais na EM. Os tipos I e II so respectivamente mediados por clula T e clulas T associados a anticorpos. Esses padres so semelhantes aos encontrados na EAE. Os padres III e IV sugerem uma distrofia oligodendroctica primria, semelhante que ocorre na desmielinizao induzida por vrus ou toxina. A

heterogeneidade de leses pode ter implicaes na patogenia da doena e conseqentemente, no tratamento.

Ressonncia Magntica

9

A RM til como mtodo diagnstico auxiliar e para estudo da seqncia de eventos que resultam na formao da leso, possibilitando melhor compreenso da sua patogenia e monitoramento dos estudos clnicos. A importncia diagnstica da RM na EM est baseada na sua sensibilidade para detectar anormalidades na substncia branca do SNC e identificar leses com aspecto e localizao tpicos. As imagens de leses desmielinizantes vistas RM paralelizam os achados

neuropatolgicos quanto forma, localizao e natureza inflamatria da leso. podendo As leses visualizadas em T2 (brilhantes) so inespecficas significar inflamao, gliose, edema, desmielinizao,

remielinizao, degenerao Walleriana e perda axonal. Tais leses so redondas ou ovides, com limites ntidos e dimetro variando de poucos milmetros a mais de um cm no dimetro (Fig. 14.1). Aps a infuso de contraste, o realce de uma ou mais leses pode ocorrer, significando inflamao ativa e sugerindo a quebra localizada da barreira hematoenceflica (BHE). Tais leses podem captar contraste na forma nodular ou em anel (Fig.14.2). Nem sempre essas leses esto associadas a sintomas. Em estudos evolutivos, atravs de RM, leses completamente assintomticas podem aparecer e desaparecer. Essas leses silenciosas localizam-se mais freqentemente nas regies periventriculares (Fig 14.3A) e na interface caloso-septal do corpo caloso (Fig. 14.3A e 14.1D). Diferentes ngulos podem mudar a forma da leso. No corte sagital, leses peculiares: periventriculares e, com aspecto semelhante a chama de vela ou de dgitos dedos de Dawson (Fig14.1B) - no corpo caloso. Uma imagem vista em T2 pode ter correspondncia em T1 com aspecto isointenso ou hipointenso (escuro) (Fig 14.3A e 14.3C). O grau de hipointensidade correlaciona-se com edema na fase aguda (Fig.14.3A) e com destrutividade da leso na fase crnica (Fig 14.3C). As ltimas, quando persistentes, representam leses teciduais irreversveis,

secundrias desmielinizao e perda axonal. A mensurao do conjunto das leses em T1 (volume de leso) mais correlacionvel com

10

a capacidade funcional do que o volume de leso em T2. A figura 14.3A evidencia diferentes gradaes de destrutividade de leses observadas em T2 (Fig.14.3B). Na Fig. 14.3A a seta aponta para uma leso de destrutividade intermediria. J a fig 3C exibe leso denominada black hole, que sugere destrutividade intensa. A constatao de leses silenciosas a evidncia da disseminao da doena no espao. Leses ativas em tempos diferentes constituem a evidncia de disseminao no tempo. A disseminao das leses no tempo e no espao caracterstica essencial da EMRR. A realizao de RM durante o episdio investigado e antes do uso de corticosterides pode demonstrar as leses com quebra de barreira, na topografia sugerida pelos sintomas e sinais. Tais achados so de muita importncia no diagnstico diferencial com outras doenas que acomete a substncia branca do SNC. Outros achados RM podem ser detectados precocemente tais como atrofia (Fig.14 4) e leso cortical. Esta, menos freqente. Os critrios diagnsticos de McDonald incluem os de Barkhof modificados. Estes foram estabelecidos exclusivamente para achados RM. Trs dos quatro itens abaixo tornam o conjunto de imagens compatvel com EM. 1. Uma leso captando gadolnio ou nove leses hiperintensas (T2). 2. Uma ou mais leses infratentoriais. 3. Uma ou mais leses justacorticais. 4. Trs ou mais leses periventriculares. Uma leso na medula espinhal pode substituir uma cerebral. Leses medulares na EM so freqentes. As leses tpicas ocorrem em placa (menores que 2 segmentos vertebrais), nos funculos laterais, nos dorsais e na substncia branca central. Podem ser silenciosas, o que freqente na EM e raro em outras doenas. Leses medulares semelhantes no so encontradas em pacientes saudveis mesmo de idade avanada ou na hipertenso arterial. Em termos de diagnstico diferencial, as leses medulares na encefalomielite disseminada aguda

11

(EDA), lupus eritematoso sistmico (LES), sndrome de Sjegren e neurosarcoidose e outras doenas inflamatrias que pode cursar com leses medulares, so mais extensas, envolvendo o equivalente a mais de dois corpos vertebrais, acometendo o centro e geralmente todo o dimetro da medula. Assim, as leses medulares da EM costumam contribuir muito para a caracterizao da doena e para seu diagnstico diferencial. Mtodos no convencionais de RM podem ampliar e refinar a deteco de leses. A espectroscopia por RM evidencia a reduo de NAcetil Aspartato (NAA) em leses agudas e crnicas indicando leso axonal. Nas leses agudas ocorre tambm aumento de colina. Em seguimento evolutivo de pacientes com EM, a espectroscopia com a quantificao de NAA tem assumido uma importncia muito grande por se tratar de um ndice muito sensvel do comprometimento axonal, bem como de sua recuperao. A tcnica de transferncia de magnetizao (TM) por RM pode demonstrar alteraes na substncia branca que no aparecem no exame de RM convencional, sendo denominada substncia branca de aparncia normal (SBAN). Essas alteraes visveis com TM e no visveis nas outras seqncias correlacionam-se com as leses microscpicas multifocais, vistas na histologia da necropsia e no visveis na macroscopia. Tais achados podem nos ajudar a compreender uma insistente desproporo entre as alteraes RM convencional e a capacidade funcional.

Lquido Cefalorraquidiano (LCR) As anormalidades mais comuns no LCR incluem elevao de imunoglobulina G (IgG), do ndice de IgG, da taxa de sntese de IgG e a presena de anticorpos monoclonais. Tais anticorpos correspondem a imunoglobulinas (Igs) visualizadas como bandas oligoclonais (BO) na eletroforese. Essas alteraes constituem evidncia de produo de anticorpos no SNC, podendo ocorrer tambm em pacientes com

12

infeces bacterianas, virais e doenas no infecciosas, tais como neoplasias. No so patognomnicas da EM. Usualmente utilizamos o ndice de IgG, por nefelometria, por mais bem se correlacionar com o diagnstico. ndice de IgG 0,7 ou menor considerado normal. A focalizao isoeltrica - dentre os diferentes mtodos usados para a realizao da eletroforese, visando pesquisa de BO no LCR - o de maior sensibilidade: 93% a 100%.

Diagnstico A EM uma doena com importante heterogeneidade clnica. O diagnstico no se baseia em caractersticas clnicas ou testes nicos. Os critrios de Poser e cols. (1983) (tabela 1), alm de aspectos clnicos valoriza tambm as alteraes inflamatrias no LCR sugestivas de reao imune intratecal - BO e aumento do ndice de IgG. McDonald e cols. (2001) revisaram os critrios de Poser e cols. e elaboraram critrios nos quais inclua RM como propedutica para evidenciar disseminao no tempo e espao. Relato de sintomas, configurando um surto, pode levar suspeita mas no so suficientes para o diagnstico. Devido a possibilidade de remisso dos sintomas e desaparecimento dos sinais necessrio registrar o evento atravs de avaliao neurolgica. Evidncia clnica implica anormalidade no exame neurolgico. O conjunto de sintomas e sinais permite inferir a localizao da leso. Se a RM realizada durante o episdio e antes do uso de corticosterides pode evidenciar imagem de leso focal inflamatria desmielinizante na topografia presumida. consenso entre os dois critrios que dois surtos com duas evidncias clnicas so suficientes para definio diagnstica da EM quando nenhuma outra patologia justificar a ocorrncia das manifestaes. Outras categorias incluindo aquelas que lana mo dos achados no LCR e na RM podem ser consultadas nos critrios de Poser e cols. de McDonald e cols. (2001) (tabela ), abaixo. Sumariando: dois ou mais episdios de manifestaes neurolgicas, compatveis com o

13

acometimento da substncia branca de qualquer topografia (os mais freqentes so: medula espinhal, tronco cerebral e nervo ptico) atravs de um padro surto-remisso - associados a leses multifocais na RM nas localizaes de predileo da doena e presena de BO e/ou elevao do ndice no LCR, ocorrendo em um paciente jovem constituem o conjunto de manifestaes mais tpicas de EM. Quando os paciente no preencher os critrios diagnsticos devem ser

acompanhados clinicamente e RM. Novas imagens de RM podem ser realizadas aos 3 ou 6 meses de evoluo. A utilizao dos critrios de McDonald antecipa o diagnstico de EM em cerca de 30% dos casos. Isso pode ser importante, vez que o conceito de leso axonal precoce est associada a perda funcional persistente ou fixa. O nmero de leses na RM e a presena de bandas oligoclonais no LCR por ocasio do primeiro surto, se elevadas, tem valor preditivo positivo no referente converso para EM clinicamente definida (EMCD). Tais aspectos tm influencia no manejo de pacientes com sndrome inflamatria desmielinizante (SID).

Imunopatogenia A inflamao na EM corresponde resposta imune adquirida contra componentes da bainha de mielina, semelhante que ocorre na EAE. No homem no sabemos como se inicia e quais so os antgenos-alvo da doena. Clulas T CD4+, T CD8+, clulas B e anticorpos, clulas NK,

Tabela 1 - Critrios diagnsticos para esclerose mltipla (Poser e cols., 1983)

Categoria

Surtos

Evidncia clnica

Evidncia paraclnica

Lquor IgG/BO

A. Definida clinicamente EMDC A1 EMDC A2 2 2 2 1 E 1

14

B. Diagnstico laboratorial de suporte definido EMSL B1 EMSL B2 EMSL B3 C. Clinicamente provvel EMPC C1 EMPC C2 EMPC C3 D. Diagnstico laboratorial de suporte provvel EMPSL D1 2 + 2 1 1 1 2 1 E 1 2 1 1 1 2 1 e 1 ou 1 + + +

BO/IgG = Bandas oligoclonais ou IgG aumentada; EMCD = esclerose mltipla clinicamente definida; EMSL= esclerose mltipla diagnosticada com evidncia (suporte) laboratorial; EMPC = esclerose mltipla clinicamente provvel ; EMPSL= esclerose mltipla provvel com evidncia (suporte) laboratorial

macrfagos, molculas do complemento, citocinas e quimiocinas participam na patognese. O conjunto de evidncias mais convincentes de participao na resposta imune o relativo s clulas T CD4+. Essas esto presentes no infiltrado inflamatrio do SNC e no LCR. A EAE pode ser induzida em animal sadio atravs de inoculao de clulas T CD4+ reativas PBM. A maior quantidade de linfcitos T ativados, especficos contra a mielina, parece ser o evento central na EM. Indivduos saudveis tm clulas T reativas mielina. A quantidade de clulas T ativadas, reativas contra a mielina e a sua avidez esto aumentadas em pacientes com EM, quando comparadas ao que ocorre em indivduos saudveis. A simples presena de tais clulas no parece ser suficiente para desencadear uma resposta auto-imune efetiva. Para que a ativao de clulas T por auto-antgenos resulte em leso, so necessrios outros fatores, tais como a expresso aumentada de molculas HLA classe II, molculas coestimulatrias e de citocinas pr-inflamatrias. Esse conjunto de dados sugere que as clulas T auto-reativas contra a mielina, sob condies adequadas e variadas podem tornar-se ativadas e

15

provocarem as leses. Exemplos dessas condies seriam as infeces virais ou o uso de vacinas. A hiptese de mimetismo molecular entre antgenos HLA e agentes etiolgicos uma tentativa de explicao aos eventos imunopatognicos que ocorrem na esclerose mltipla. Nessa hiptese, as molculas de histocompatibilidade funcionariam como receptores para agentes etiolgicos e selecionariam o peptdeo a ser apresentado ao linfcito T. A migrao de clulas T ativadas contra a mielina, atravs da barreira hematenceflica inicia a seqncia de eventos inflamatrios locais. O processo de extravasamento de leuccitos para as regies de inflamao se d, inicialmente atravs do enfileiramento dos leuccitos ao longo da superfcie interna das clulas endoteliais dos vasos. Tal ocorre pela ativao de molculas de adeso intercelular (ICAM-1) e vascular-1 (VCAM-1). A manuteno do processo garantida pela ao de quimiotticos com C5a e fator ativador de plaqueta (FAP). Ocorre amplificao local da inflamao e ativao de clulas apresentadoras de antgenos, como as da micrglia. Nesse ambiente ocorre a induo de diferentes mecanismos efetores. Tais mecanismos incluem: citotoxicidade mediada por anticorpos; radicais de nitrognio e oxignio; citocinas txicas e molculas mediadoras de apoptose. O resultado a agresso ao oligodendrcito, bainha de mielina e ao axnio. Em pacientes com EM, a deteco de BO e a elevao do ndice de IgG no LCR a mais importante evidncia do papel das clulas B, entretanto anticorpos especficos contra protenas da mielina no induzem EAE. Anticorpos anti-MOG, todavia causam destruio da bainha de mielina. Outros anticorpos, tais como anti-PBM e PLP no parecem ter ao patognica. Citocinas pro-inflamatrias (IFN-gama, TNF-alfa, IL-12, IL-17 e IL-23) e antiinflamatrias (IL-4, IL-10) modulariam a patognese da doena, entretanto os dados so conflitantes e contraditrios.

16

A EM uma doena heterognea do ponto de vista clnico, da patogenia e quanto resposta ao tratamento imunomodulador. A sua compreenso passa necessariamente pela identificao de fatores contribudores para o seu desencadeamento e agravamento, pela importncia relativa de tais fatores para determinado paciente ou subgrupo de pacientes e em relao s suas formas clnicas e fases da doena. Tais aspectos podem ter implicao no manejo teraputico.

Tratamento Episdios de exacerbao em pacientes com EMRR ou a SID, qual seja a topografia, so tratados com metil-prednisolona 1g/dia por via endovenosa, durante 3 a 5 dias.

Sndrome Inflamatria Desmielinizante (SID) A introduo precoce de imunomoduladores pode retardar um novo episdio e a evoluo para EMCD. Essa indicao, todavia no consensual. Esclerose Mltipla Recorrente-remitente (EMRR) O tratamento de primeira escolha da EMRR realizado atravs de imunomoduladores. Existem no mercado quatro produtos (tabela 3) que podem apresentar eficcias semelhantes: reduo da intensidade dos sintomas e de cerca de 30% da taxa de surtos. A terapia com imunomoduladores deve ser iniciada to logo o diagnstico se defina clinicamente. Essa deve ser contnua a menos que no haja benefcio evidente ou que efeitos colaterais intolerveis se desenvolvam. A aplicao de escalas de capacidade funcional e o controle sobre a freqncia e a gravidade dos surtos mensuram a efetividade da medicao em uso. A escala mais comumente usada a EEEI (EDSS). A RM pode ser usada para monitorar a progresso da doena. O seguimento em longo prazo evidenciou menor progresso da doena e

17

reduo do nmero de leses novas. O achado de leses inflamatrias na RM est associado maior possibilidade de resposta teraputica. O significado dos anticorpos neutralizantes ainda no est definido. Tem sido sugerido que a sua presena durante o tratamento prediz perda da eficcia que s ser notada nos anos seguintes. Existe, todavia um grupo de pacientes com anticorpos neutralizantes e que mantm resposta positiva ao tratamento. Pode-se mudar o imunomodulador, aumentar a dose do que est em uso ou associar imunossupressor para tratamento dos pacientes que estejam evoluindo com evidncia clnica ou radiolgica de atividade da doena. Os efeitos benficos, bem como os colaterais, so dose-dependente.Tabela 2 Imunomoduladores para tratamento da forma recorrente- remitenteImunomodulador Dose Via de aplicao IFN Beta 1b Betaferon IFN Beta 1a Rebif IFN Beta 1a Avonex Acetato de Glatiramer CopaxoneIFN = intrferon, MUI = milhes de unidades internacionais, IM = intramuscular, SC=subcutnea.

Posologia

9.6 MUI (~ 44 g)

SC

Dias alternados

6 MUI (22 g) 12 MUI (44 g)

SC

Trs vezes por semana, em dias alternados, seguidos por dois dias de repouso.

6 MUI/ (30 g)

IM

Uma vez por semana

20 g

SC

Diria

Esclerose Mltipla Remitente-recorrente com Evoluo Desfavorvel O tratamento dos pacientes com EMRR, que evoluem

desfavoravelmente, apesar do uso de imunomoduladores em doses elevadas no est bem estabelecido. Mitoxantrone uma opo

teraputica nessa condio. Na EMRR a evoluo desfavorvel caracterizada nas seguintes condies, a seguir discriminadas: taxa de

18

surtos inalterada; ocorrncia de um surto por ano; um ou mais surtos com recuperao incompleta; aumento da graduao na EDSS em 1.0 ou mais pontos; comprometimento neurolgico multirregional; leses recorrentes da medula espinhal ou tronco cerebral; perda cumulativa de funes neurolgicas, levando a restries das atividade dirias.

Esclerose mltipla progressiva secundria (EMPS) e surto-progressiva (EMSP) Pode ocorrer resposta favorvel ao mitoxantrone e ciclofosfamida nesse grupo de pacientes. Tal se d, principalmente quando o componente inflamatrio da doena evidente, os pacientes so mais jovens e o tempo de durao da doena mais curto. Diferentes doses foram ensaiadas, o que implica em diferentes graus de imunossupresso e resposta teraputica. As melhores doses e esquemas teraputicos ainda no esto estabelecidos. Mitoxantrone devido a cardiotoxicidade dose dependente deve ser usado at o total de 140 mg e em menor dose cumulativa (70mg), se o transplante de clulas tronco for uma opo terapeutica. Entre os efeitos colaterais, relacionados ao uso de imunossupressores, a possibilidade de infertilidade em homens e mulheres jovens exige consultoria especializada.

Esclerose Mltipla Primria Progressiva (EMPP) Na EMPP a inflamao menos intensa, quando comparado a outras formas clnicas. Estudo com ciclofosfamida e metilprednisolona em pacientes EMPP (n=128), retrospectivo, aberto, apresentou estabilizao ou melhora no EDSS em 73,5% dos pacientes com um ano de seguimento. Tratamento em fases mais precoces se associou melhora no EEEI. As doses mensais utilizadas foram 700 mg/m2, em associao com metil-prednisolona 1gr. A segunda opo para o tratamento da EMPP a imunossupresso em altas doses com ciclofosfamida e ou outros imunossupressores,

19

precedida de resgate de clula tronco hematopoticas, sucedida pela sua infuso, ou seja, o transplante autlogo de clulas tronco. A taxa de estabilizao de 60-70% com 3 anos de seguimento.

Quantificao dos Dficits Funcionais A escala da avaliao funcional de uso mais difundido a expanded disability status score (EDSS), que avalia principalmente a capacidade de deambulao, entre outros parmetros. Resumidamente, essa escala apresenta graduao variando de 0 a 10. Alteraes neurolgicas funcionais, incluindo as dos sistemas piramidal, cerebelar, tronco cerebral, cognitivo e sensorial so graduadas, bem como as funes: vesical, intestinal e visual. A funo de cada um desses sistemas recebe, graduao de 0 a 6. Graduao global de 0 indica exame neurolgico normal. Pacientes com escores de 1,0 a 3,0 tm incapacidade moderada, significando dficit discreto a moderado do sistema funcional

comprometido. Os pacientes com escores de 3,5 a 5,5 tm boa capacidade de deambular sem apoio, necessitam alguma assistncia, apresentando grandes limitaes progressivas quando o escore necessitam 4.0 vencer

distncias.

Exemplificando,

refere-se

incapacidade de deambulao acima de 500 metros; o escore 5.5 a mais de 100 metros. O paciente com escore 6.0 precisa de apoio com bengala, muleta ou outros suportes. Escores de 6,5 a 7,0 correspondem a pacientes que no deambulam, ficando restritos cadeira de rodas, no entanto, conseguem transferir-se da cadeira para a cama, com ou sem auxilio. Os pacientes restritos ao leito, que no conseguem transferir-se da ou para a cadeira de rodas, so graduados com escore 8,0. O paciente com escore 8,5 e 9,0 fica restrito ao leito. No consegue comunicar-se ou alimentar-se. A morte causada por esclerose mltipla corresponde ao escore 10.

20

MIASTENIA GRAVE

Generalidades

Disfunes da juno neuromuscular (DJN) podem ser de natureza hereditria ou adquirida. Tanto em crianas quanto em adultos, a forma mais comum de DJN a de natureza autoimune. A miastenia grave (MG) no s a doena autoimune do sistema nervoso melhor conhecida, como tambm a DJN mais freqente. A natureza imunomediada da MG foi presumida na dcada de 60 do sculo passado, quando se especulou que a doena era autoimune com anticorpos direcionados contra receptores nicotnicos de acetilcolina (AchR) dos msculos esquelticos. Essa hiptese foi confirmada aps o desenvolvimento de modelos experimentais de MG, resultantes da imunizao de imunizando coelhos e ratos com AchR altamente purificados. Os animais no s desenvolveram fraqueza muscular, como responderam a medicaes anticolinestersicas e apresentaram respostas decrementais tpicas estimulao nervosa repetitiva. Esses animais tambm apresentavam altos ttulos sricos de anticorpos AchR. Subseqentemente, anticorpos AchR foram encontrados no soro de pacientes com MG e o bloqueio da juno neuromuscular (JNM) ocorria quando animais eram injetados com IgG obtida a partir desses pacientes.

Aspectos clnicos A prevalncia da EMG de um caso para 7.000.000 a 10.000 pessoas. A incidncia sexo e idade relacionada, com dois picos: um entre a segunda e terceira dcada - afetando predominantemente as mulheres - e outro, entre a sexta e stima dcadas - afetando mais freqentemente homens. Os sintomas cardinais so: fraqueza e fatigabilidade de msculos esquelticos, geralmente ocorrendo com distribuio caracterstica. A

21

fraqueza muscular tende a piorar com esforos repetitivos e temperatura quente e melhorar com o repouso ou com o sono. Na maioria dos pacientes, ptose palpebral e diplopia so os sintomas iniciais. A fraqueza muscular fica restrita a esses msculos em cerca de 15% dos pacientes, mas se torna generalizada em 85% dos casos. Quando a musculatura facial e bulbar est comprometida, ocorre tpica horizontalizao do sorriso, anasalamento da voz e dificuldade na mastigao e deglutio dos alimentos. A fraqueza generalizada pode afetar msculos apendiculares, geralmente com distribuio proximal, o diafragma e a musculatura cervical. Quando os sintomas respiratrios e os distrbios da deglutio se tornam muito graves, dito tratar-se de uma crise miastnica. A intensidade da MG pode ser graduada, por exemplo, pela escala de Osserman modificada: grau I (focal, restrita a musculatura ocular extrnseca); grau II (generalizada: IIa discreta, IIb moderada); grau III (generalizada, grave); grau IV (crise miastnica, com comprometimento grave da respirao e da deglutio).

Fisiopatologia e Imunopatogenia A juno neuromuscular composta pela membrana pr-sinptica da terminao nervosa, fenda sinptica e pela membrana ps-sinptica na fibra muscular. Os eventos fisiolgicos e bioqumicos da transmisso neuromuscular podem ser esquematizados na Fig. 14.6. A anormalidade bsica na MG a reduo do nmero de receptores de acetilcolina na juno neuromuscular. Estudos a partir de bipsias musculares

demonstram que as junes neuromusculares de pacientes miastnicos tm apenas um tero do total de AchR encontrados nos pacientes normais.

22

EVENTOS DA TRANSMISSO NEUROMUSCULARInvaso do potencial de ao na terminao nervosa.

Influxo de clcio na terminao nervosa

Liberao de quanta de acetilcolina atravs da fuso de vesculas contendo acetilcolina nas zonas ativas localizadas na membrana pr-sinptica.

Difuso de acetilcolina atravs da fenda sinptica

Ligao da acetilcolina a dois stios de ligao de cada receptor de acetilcolina

Abertura do canal inico do AchR.

Gerao do potencial em miniatura de placa motora pela despolarizao da membrana muscular

Gerao do potencial de ao quando a magnitude do potencial em miniatura de placa motora excede o limiar de gerao do potencial de ao.

Remoo da acetilcolina da fenda sinptica por hidrlise de acetilcolina pela acetilcolina-esterase em colina e acetil coenzima A e por difuso passiva, do neurotransmissor, da rea.

Transporte ativo de colina para o interior da terminao nervosa para ressntese de acetilcolina.

23

As JNM de pacientes miastnicos apresentam, tambm, alteraes morfolgicas de simplificao das dobras da membrana ps-sinptica e aumento do espaamento entre as membranas pr e ps sinpticas, evidenciado a microscopia eletrnica. Essas alteraes na JNM causam todas as alteraes fisiolgicas e clnicas encontradas na MG. O princpio bsico que a contrao muscular depende da eficcia da transmisso neuromuscular, a qual depende da interao entre molculas de acetilcolina e seus respectivos receptores. Quando a molcula de acetilcolina, liberada a partir de vesculas da membrana pr-sinptica, se liga ao seu receptor na membrana pssinptica, os canais inicos do receptor se abrem transitoriamente, permitindo a entrada rpida de ctions, resultando na despolarizao local da membrana (potenciais de placa motora). Se essa despolarizao suficiente, gera um potencial de ao (resposta tudo ou nada) que percorre toda a extenso da fibra muscular e desencadeia a liberao de clcio que leva contrao muscular. Em JNM normais, essas interaes so mais que suficientes para gerar potenciais de ao musculares de forma consistente e sem falhas. Esse excesso denominado margem de segurana da transmisso neuromuscular. Na MG, a margem de segurana est reduzida em decorrncia do nmero reduzido de receptores de acetilcolina. Isso resulta em potenciais de placa motora de baixa amplitude, insuficientes para provocar a resposta tudo ou nada, com falncia da transmisso em algumas fibras musculares. Quando a transmisso falha em muitas JNM, o poder de fora do msculo como um todo fica comprometido, o que se manifesta clinicamente como fraqueza muscular. A fadiga neuromuscular a caracterstica clnica mais tpica da MG: a fora muscular vai progressivamente diminuindo quando as contraes so repetidas ou sustentadas. A fadiga muscular e a resposta decremental estimulao repetitiva - sua manifestao eletrofisiolgica - resultam da falha progressiva da transmisso, cada vez envolvendo mais junes

24

neuromusculares. Isso ocorre devido a 1) reduo da margem de segurana da JNM, e 2) ao fenmeno de reduo progressiva dos receptores de acetilcolina disponveis. Durante estimulaes nervosas repetidas, a quantidade de acetilcolina liberada por impulso fica reduzida, aps os primeiros estmulos, j que a terminao nervosa no capaz de sustentar o ritmo inicial de liberao. No paciente miastnico, esse fenmeno de queda da liberao de acetilcolina, associado ao nmero reduzido de receptores (margem de segurana reduzida) resulta na progressiva reduo da neurotransmisso. Em indivduos normais a margem de segurana suficiente para evitar falha da transmisso nervosa e a fadiga no ocorre, exceto em condies de estimulao a altas freqncias (40 a 50 Hz). O receptor nicotnico da acetilcolina do msculo esqueltico o alvo da resposta imunolgica na MG. Trata-se de uma glicoprotena que atravessa a membrana plasmtica do msculo, composta por 5 subunidades arranjadas como um barril, com um canal central, 2 subunidades , e uma de cada, , e . Cada uma das subunidades tem 4 domnios hidrofbicos, atravessando a membrana quatro vezes, com as terminaes carboxi e amino localizadas extracelularmente. O segmento extracelular do terminal amino uma longa seqncia de aminocidos que inclui os principais stios ligantes dos autoanticorpos na MG. As duas subunidades tm stios de ligao de acetilcolina. Funcionalmente, o canal inico do AchR fechado na condio de repouso. Quando os stios de ligao de acetilcolina nas duas subunidades esto ocupados o canal inico se abre rapidamente, permitindo a entrada de ctions. Agentes bloqueadores, como a -bungarotoxina e o curare, ligam-se a esses stios ou nas suas circunvizinhanas, impedindo o acesso da acetilcolina. Os receptores de acetilcolina renovam-se constantemente.

25

Participao da Imunidade Humoral

As anormalidades neuromusculares na MG so conseqncia de uma resposta imunolgica mediada por anticorpos e as evidncias so as que seguem (Tabela 14.10). 1) Anticorpos. 80 a 90% dos pacientes com MG tem anticorpos sricos contra o AchR que so detectveis por tcnicas de radioimunoensaio rotineiras. A grande proporo de pacientes anticorpos-positivos sustenta a hiptese de um processo patognico mediado por anticorpos na MG. No entanto, cerca de 10% dos pacientes com a forma generalizada e 50%, com a ocular, no apresentam anticorpos para a pesquisa de tais anticorpos pelas tcnicas rotineiras. 2) Interao dos anticorpos com os alvos antignicos. Atravs de tcnicas imuno-histoqumicas demonstra-se a presena de IgG nas JNM dos msculos de pacientes miastnicos, justapostos aos AchRs. 3) Transferncia passiva. Injees de IgG de pacientes miastnicos em ratos reproduzem as caractersticas clnicas e fisiopatolgicas dos pacientes, incluindo a diminuio dos AchRs na JNM, assim como a fraqueza muscular e as respostas decrementais estimulao nervosa repetitiva. 4) Imunizao com o antgeno e modelos experimentais de MG. A possibilidade de imunizao de animais com injeo de grandes quantidades de AchRs purificados e o desenvolvimento das caractersticas miastnicas nesses animais permite a definio de um modelo experimental animal que envolve o mecanismo mediado por anticorpos. Embora no reflitam exatamente a situao espontnea do desenvolvimento da doena no ser humano, tais modelos so teis para estudos teraputicos.

26

Presena de anticorpos Interao dos anticorpos com os alvos antignicos Transferncia passiva:. Imunizao com o antgeno e modelos experimentais de MG Flutuao dos nveis de anticorpos anti-AchRs:. Os anticorpos anti-AchRs reduzem o nmero de AchRs viveis por pelo menos trs mecanismos: - Degradao acelerada dos AchRs: -Bloqueio dos AchRs -Leso da juno neuromuscular: Quadro 5 Evidncias de que a miastenia grave seja mediada por anticorpos

5) Flutuao dos nveis de anticorpos anti-AchRs. Quando os ttulos de anticorpos anti-AchRs so reduzidos por imunossupresso ou plasmafrese ocorre melhora clnica na maioria dos pacientes.

6)Os anticorpos anti-AchRs reduzem o nmero de AchRs viveis por, pelo menos, trs mecanismos.

- Degradao acelerada dos AchRs. Em culturas celulares de msculo esqueltico foi demonstrado que o soro de 90% dos pacientes miastnicos promovia uma acelerao do ritmo de degradao dos AchR de duas a trs vezes. Isso depende da capacidade de ligao das IgG dos pacientes miastnicos. As molculas de IgG so divalentes e, portanto, podem se ligar a stios antignicos idnticos a partir de molculas de AchRs diferentes, reunindo-os em agregados. Esses agregados de AchRs so rapidamente internalizados nas fibras musculares,

27

onde so submetidos a degradao no interior de lisossomos. Dessa forma, o passo crtico que acelerado pelos anticorpos o da endocitose de AchRs. - Bloqueio dos AchRs. Anticorpos obtidos a partir de pacientes miastnicos so capazes de bloquear stios ligantes dos AchRs. - Leso da juno neuromuscular. H vrias evidncias de que a leso da JNM seja mediada pelo complemento. No modelo experimental de transferncia passiva, o efeito patognico das IgG de miastnicos potencializado pela presena do complemento. A microscopia eletrnica da JNM de pacientes miastnicos evidencia a simplificao e o achatamento das dobras da membrana pssinptica, atribudas leso mediada pelo complemento. Mtodos imunocitoqumicos tm evidenciado complexos de ataque membrana na maioria das JNMs.

A gravidade clnica da MG no se correlaciona com as concentraes absolutas de anticorpos anti-AchRs circulantes em todos os pacientes. No entanto, alteraes relativas na concentrao de anticorpos num mesmo paciente geralmente se correlacionam com as alteraes clnicas individuais. Isso sugere que os anticorpos tm capacidade de produzir fraqueza muscular diversa de paciente para paciente. Imunoglobulinas de alguns pacientes afetam predominantemente a degradao. Outras provenientes de outros pacientes, produzem, essencialmente, bloqueio da funo dos AchRs. Os efeitos funcionais especficos dessas

imunoglobulinas provavelmente se relacionam funo das protenas dos eptopos especficos nos AchRs aos quais se ligam. A maioria dos anticorpos se liga aos domnios extracelulares da molcula de AchR. Uma proporo significativa desses anticorpos se liga regio imunognica principal, uma regio extracelular da subunidade , definida pela conformao espacial dessa molcula. H vrias evidncias

28

que indicam que exista heterogeneidade no mesmo indivduo, na populao de anticorpos anti-AchRs. A heterogeneidade maior entre indivduos. Os anticorpos podem diferir: na especificidade fina (ou seja, nos epitopos especficos aos quais se ligam); nos efeitos funcionais; na composio isotpica (subclasses de IgG); na reatividade cruzada com AchR de diferentes espcies e nas propriedades eltricas e de peso molecular determinadas por focalizao isoeltrica. At os anticorpos que se ligam regio imunognica principal diferem quanto especificidade fina dos epitopos aos quais se ligam. Esses dados indicam que h uma ampla heterogeneidade dos anticorpos na MG e conseqentemente, da populao de clulas B que os produzem. Parece paradoxal que cerca de 10 a 20% dos pacientes com MG no apresentem anticorpos anti-AchRs detectveis pelas tcnicas rotineiras de radioimunoensaio. A maioria desse grupo constituda por pacientes com a forma ocular, entretanto h pacientes anticorpos-negativos com a forma generalizada, cuja clnica no difere daquela do subgrupo anticorpopositivo. Na verdade, esses pacientes tm anticorpos anti-AchRs, que no so detectveis pelas tcnicas rotineiras, mas que podem ser

demonstrados por mtodos especiais, incluindo transferncia passiva em ratos e teste em sistemas de cultura celular de msculo esqueltico. Isso indica que a forma anticorpo-negativa da MG , de fato, uma desordem autoimune mediada por anticorpos. O fato desses anticorpos no serem detectveis pelas tcnicas comuns de radioimunoensaio sugere que sejam direcionados a eptopos no presentes no extrato solvel dos AchRs ou que tenham uma afinidade muito baixa para a sensibilidade dessas tcnicas. Podem, todavia, haver anticorpos ainda no determinados. Recentemente foi determinado que os anticorpos contra o receptor de tirosinoquinase msculo-especfica (MuSK) ou anticorpos anti-Musk podem ser

responsveis por casos de MG negativos para os anticorpos anti-AchRs.

29

Participao da Imunidade Celular A produo dos anticorpos anti-AchRs atribuda diretamente s clulas B. No entanto, esse processo clula T-dependente. O envolvimento das clulas T na MG foi demonstrado em modelos experimentais de ratos. H vrias evidncias de que as clulas T participam na resposta humoral da MG em humanos. Clulas T de pacientes miastnicos respondem estimulao com AchR. As clulas T colaboram com as clulas B na produo de anticorpos anti-AchRs e provavelmente no atuam como clulas efetoras na resposta imune.

Participao do Timo As alteraes patolgicas no timo de pacientes com MG e os resultados favorveis da timectomia sugerem que o timo possa ter um papel na iniciao da resposta autoimune na MG. Aproximadamente 75% dos pacientes miastnicos tm anormalidades tmicas. Desses, 85% tem hiperplasia tmica e 15% tem timoma. A timectomia resulta em melhora clnica ou remisso na maioria dos casos. Tanto as clulas T quanto as clulas B, obtidas a partir do timo de pacientes miastnicos, so mais responsivas a AchR do que as clulas provenientes do sangue perifrico. Os timos de pacientes contm maior proporo de clulas B e exibem produo aumentada de anticorpos, principalmente dos direcionados contra os AchR. As glndulas tmicas de indivduos normais ou miastnicos contm clulas miides, que exibem AchRs na superfcie. Essas clulas so particularmente vulnerveis ao ataque imunolgico, provavelmente pela localizao no interior do timo em contraposio sua localizao nos timos normais. Qualquer alterao nas clulas musculares, nos linfcitos ou mesmo uma falha na vigilncia imunolgica pode levar a uma quebra da tolerncia e a um ataque imunolgico direcionado aos AchRs.

30

Alteraes

na

vigilncia

epidemiolgica

participam

no

desencadeamento e manuteno da MG. Essa hiptese sustentada pelo fato de ocorrer uma grande variedade de outras doenas autoimunes em associao a MG, incluindo tireoidite de Hashimoto, doena de Graves, anemia perniciosa, artrite reumatide, polimiosite, lupus eritematoso sistmico, pnfigo, sndrome miastnica de Eaton-Lambert, prpura trombocitopnica idioptica, vitiligo, alopecia areata e outras.

Diagnstico

O diagnstico de MG geralmente implica em tratamentos prolongados e ou interveno cirrgica. essencial, portanto estabelecer um diagnstico inequvoco, excluir outras condies que podem mimetizar a MG e identificar condies associadas que podem influenciar na escolha do tratamento (Tabela 14.11). A histria e o exame fsico do paciente so os principais elementos que conduzem ao diagnstico da MG. Os testes laboratoriais citados a seguir so confirmatrios e necessria a positividade em pelo menos dois deles, com exceo do primeiro, para o estabelecimento do diagnstico de MG. 1) Dosagem de anticorpos anti-AchR. Positiva em 80% dos pacientes. A positividade dispensa a realizao de outros testes. 2) Dosagem de anticorpos anti-Musk. Feita exclusivamente no exterior, suficiente para o diagnstico em 40 a 70% dos casos para os quais negativa a dosagem do anticorpo anti-AchR. 3)Teste com anticolinestersicos. Drogas que inibem a enzima acetilcolinesterase permitem que a acetilcolina, liberada da membrana pr-sinptica, interaja repetidamente com os AchR, resultando numa potencializao da fora muscular nos msculos miastnicos. O edrofnio (Tensilon) tem incio de ao rpido (30 segundos) e efeito de durao curta (5 minutos). No est disponvel comercialmente no

31

Brasil. A neostigmina (Prostigmine ) est disponvel para administrao intramuscular ou endovenosa. O teste pode ser feito ambulatorialmente, sendo necessrios cuidados quanto aos efeitos colinrgicos que podem levar bradicardia e hipotenso arterial, podendo ser necessria a infuso endovenosa imediata de atropina. O teste consiste na identificao e quantificao da fraqueza muscular de um dado grupo de msculos e a resposta considerada positiva quando uma melhora objetiva observada nos 10 a 40 minutos aps a administrao intramuscular da droga. 4) Estimulao nervosa repetitiva. A estimualo repetitiva do nervo motor o teste mais freqentemente utilizado para se avaliar a transmisso neuromuscular. A tcnica utilizada semelhante utilizada para os estudos de conduo rotineiros e consiste na estimulao do nervo perifrico com estmulo supramximo (25 a 50% maior do que a intensidade necessria para ativar todas as fibras) e captao do potencial de ao muscular composto (PAMC) com eletrodos de superfcie, um ativo no msculo, e outro referncia, na superfcie tendinosa adjacente. A diferena quanto s tcnicas rotineiras que a estimulao provocada atravs da aplicao trens de estmulos ou de estmulos pareados, em freqncias de 2, 3, 5 e at 10 e 20 Hz, garantindo-se uma imobilizao cuidadosa do membro para se evitar artefatos de movimentos e realizando-se provas de ativao com exerccio fsico e aquecimento do membro. H maior probabilidade de obteno do decremento nas freqncias de estimulao de 2 ou3 Hz por reduzirem a liberao de quanta de acetilcolina com os estmulos sucessivos. A amplitude do pico negativo do PAMC reflete o nmero de fibras musculares ativadas pelo estmulo nervoso e uma medida da eficcia da transmisso sinptica. O decremento definido como a porcentagem de alterao da amplitude ou rea do pico negativo entre o quarto e o dcimo potencial, em relao ao primeiro. A maioria dos

32

laboratrios define o valor do decremento acima de 10 ou 12% como sendo o compatvel com uma disfuno da juno neuromuscular do tipo ps-sinptica. 6) Eletromiografia de fibra nica. Esse mtodo detecta bloqueio ou demora na transmisso neuromuscular, avaliada numa dupla de fibras musculares inervadas por terminais axonais de uma mesma fibra nervosa. Requer grande habilidade do examinador, um equipamento adequado, assim como colaborao do paciente. O mtodo tem grande sensibilidade, sendo positivo em 88 a 92% dos pacientes, mas limitado na especificidade, podendo demonstrar jitter ou bloqueio em outros contextos neurolgicos que no o da MG.

Dosagem de anticorpos anti-AchR Dosagem de anticorpos anti-Musk Teste com anticolinestersico Estimulao nervosa repetitiva Eletromiografia de fibra nica Quadro 6 Diagnstico da miastenia grave

H uma clara tendncia, no momento, tendo em vista a descoberta dos anticorpos anti-Musk, de reservar para os casos que respondem ao teste com anticolinestersicos, apresentam decremento na estimulao repetitiva e a demora na transmisso neuromuscular eletromiografia de fibra nica, a denominao de distrbios da juno neuromuscular. A denominao miastenia grave tem sido reservada para os pacientes que apresentem positividade na dosagem de anticorpos circulantes.

Tratamento O tratamento atual da miastenia grave est sumarizado na Tabela 14.12.

33

Sintomtico Inibidores da colinesterase Imunomodulao Tratamento de longo prazo Timectomia Corticosterides Azatioprina Ciclofosfamida Ciclosporina

Novos agentes Micofenolato mofetil Mitoxantrone Rituxan Tacrolimus Tratamento das crises miastnicas Plasmafrese Imunoglobulina humana Quadro 7. Tratamento

Tratamento Sintomtico Os inibidores da colinesterase, principalmente a piridostigmina (Mestinon), so as drogas mais utilizadas na MG. O tratamento geralmente efetivo nas fases iniciais da doena e em casos com sintomas menos intensos, provavelmente por restarem nmeros suficientes de AchR. Bloqueando a ao da acetilcolinesterase, as molculas de acetilcolina interagem durante mais tempo com os AchR a transmisso neuromuscular potencializada, mesmo no contexto de uma reduo do nmero de AchR. Os efeitos colaterais so geralmente

34

discretos ou tolerveis e se relacionam com as altas concentraes de acetilcolina nas sinapses nicotnicas e muscarnicas, cujas

especificidades farmacolgicas so definidas pelo tipo de receptor e para as quais a colinesterase idntica. As sinapses muscarnicas no so afetadas diretamente por ataque imunolgico na MG, entretanto os inibidores da colinesterase as afetam. So efeitos muscarnicos relacionados ao uso desses inibidores: hipermotilidade gstrica e intestinal respiratria (clicas, diarria), transpirao e excessiva, secreo Os efeitos

excessiva,

hipersalivao

bradicardia.

nicotnicos so as fasciculaes e o bloqueio da transmisso neuromuscular (crise colinrgica). H dois tratamentos sintomticos adicionais, efedrina e 3,4diaminopiridina. Ambos parecem promover um aumento da acetilcolina liberada na membrana pr-sinptica, o que se traduz, no nvel dos AchR, em efeito superponvel ao dos inibidores da colinesterase. O primeiro j est disponvel no mercado e o segundo experimental e passvel de aprovao clnica. At onde os dados permitem avaliar, no so to eficazes quanto a piridostigmina. Outros elementos do tratamento sintomtico consistem em evitar situaes nas quais a juno neuromuscular seja prejudicada, como a utilizao de certas drogas, principalmente das penicilaminas (iniciam ou pioram a resposta imunolgica contra os AchR) e aminoglicosdeos, em desequilbrios hormonais (disfuno tireoideana) e infeces. H listas de medicaes a serem evitadas em livros mais especficos e que podem ser obtidas atravs da internet.

Tratamentos Especficos Consideram-se tratamentos especficos da MG aqueles que afetam diretamente a resposta autoimune atravs da utilizao de drogas imunossupressoras. Esses tratamentos podem tanto interferir na

35

produo de anticorpos anti-AchR, quanto modificar o efeito na juno neuromuscular, induzido pela ligao desses anticorpos. Em geral, podem ser divididos em dois grandes grupos: os que tm um efeito rpido, porm de curta durao e os que apresentam efeitos a longo prazo. A histria natural da MG, como a de qualquer doena autoimune, caracterizada por exacerbaes e remisses. A estratgia do tratamento , inicialmente, induzir a uma remisso e, posteriormente, promover a manuteno dessa remisso, com a menor razo custo/benefcio possvel. Remisso definida por estado no qual h quase completa ausncia de sintomas. A estratgia utilizada a de induzir a remisso com altas doses dos agentes imunossupressores. Uma vez que a remisso seja atingida, as doses so reduzidas para um mnimo que sustente a remisso. Essa reduo deve ser realizada de maneira gradual. A Tabela 14.13 sumariza os tratamentos de longo prazo na miastenia grave.

Timectomia Seus efeitos no so aparentes antes do primeiro ano, e o benefcio mximo no antes dos 4 anos. A histopatologia tmica evidencia, em geral: a hiperplasia tmica e o timoma. No contexto da neoplasia tmica (timoma), a remoo do tumor indicada tambm pelo risco da infiltrao de estruturas adjacentes do mediastino e eventualmente, metstases. A timectomia aumentaria as chances de remisso, e, dessa forma, exporia o paciente a um perodo menor de imunossupresso por drogas. H controvrsia considervel quanto a eficcia do procedimento em pacientes com mais de 40 anos. Estudos tm mostrado uma reduo da taxa de remisso menor no grupo idoso, comparado ao jovem.

36

Corticosterides Os corticosterides so, em geral, as primeiras drogas

imunomoduladoras utilizadas na MG. Quando usadas de maneira apropriada, so eficazes em induzir a remisso em 50 a 80% dos casos. O incio do tratamento com corticides em altas doses est associado a uma piora dos sintomas na maioria dos estudos. Esta piora tem sido descrita entre os 7 a 14 dias iniciais e geralmente dura menos do que uma semana. Aparentemente, o incio e aumento graduais das doses ao longo de um ms reduzem o risco de ocorrncia dessa piora inicial dos sintomas. Embora os corticides sejam bastante eficazes em induzir remisso, esto associados a significativos efeitos colaterais, cujo custo/brenefcio deve ser avaliado para cada paciente. Os efeitos adversos mais comuns so: ganho de peso, hipertenso arterial, diabetes, ansiedade, depresso, insnia, psicose do esteride, glaucoma, osteoporose, catarata, lcera gstrica, miopatia, infeces oportunistas e necrose avascular das grandes articulaes. As doses recomendadas de prednisona so 1 mg/Kg peso ou 60 mg dirios, em nica tomada matinal ou em tomadas fracionadas, para o esquema de altas doses desde o incio. Alternativamente, podem iniciarse doses baixas e efetuar um aumento gradual durante 4 a 6 semanas, at se atingirem os 60 mg, na tentativa de se evitar a .piora que pode ocorrer com altas doses do corticide. Um terceiro esquema alternativo seria o de iniciar 120 mg, alternando-se essa dose com 5mg. A dose mxima mantida at que a remisso seja atingida. Geralmente a melhora clnica observada em at seis semanas e a remisso em at trs meses aps o incio do corticide. Uma vez que a remisso obtida, inicia-se a fase de reduo. H evidncias clnicas indicando que a administrao em dias alternados est associada a uma menor incidncia de efeitos colaterais. O objetivo reduzir a dose para um

37

mnimo suficiente que no permita exacerbaes. recomendada uma reduo gradual de 5 a 10% da dose total por ms, de acordo com a resposta clnica do paciente.

Azatioprina A azatioprina tem sido amplamente utilizada na MG, isoladamente ou em associao com os corticosterides. A dose teraputica utilizada de 2 a 3 mg/Kg de peso. A utilizao em associao com os corticides aumenta consideravelmente o risco de infeces oportunsticas. Durante a sua utilizao recomendada a realizao de controles laboratoriais da funo heptica, pancretica e hematopoitica. Embora esteja associada a um menor nmero de efeitos colaterais comparada aos corticides, leucopenia, trombocitopenia e disfuno heptica podem ocorrer.

Ciclofosfamida Aparentemente a ciclofosfamida to eficaz quanto os

corticosterides para induzir remisses. Os efeitos colaterais incluem depresso da medula ssea, infeces oportunistas, toxicidade para a bexiga e aumento do risco de neoplasias. Essa droga tem sido utilizada em casos graves de MG e em pacientes que no toleraram os corticosterides isoladamente. Em geral utilizada em associao com altas doses de corticides e, nesses casos, aumenta o risco de infeces oportunistas.

Ciclosporina Embora possa ser utilizada como uma opo em MG, essa droga no se mostrou to eficaz quanto a azatioprina e aparentemente est associada com um nmero maior de efeitos colaterais, que incluem

38

hipertenso arterial e leso renal. Tem sido utilizada como alternativa azatioprina.

Novos agentes O micofenolato mofetil mostrou-se eficaz em pacientes com

resposta clnica insatisfatria com os esquemas citados anteriormente. A associao do micofenolato mofetil a esses esquemas tem produzido remisses. No se sabe sobre sua eficcia quando utilizado isoladamente. O mitoxantrone e o rituxan e o tacrolimus tm sido eficazes em outras doenas autoimunes e so candidatos a serem utilizadas na MG.

Tratamento das crises miastnicas Pulsoterapia com corticosterides, plasmafrese e ou infuso endovenosa de IgIV podem ser utilizadas para tratamento das crises miastncas, em associao medidas teraputicas no especficas.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA Esclerose mltipla Barkhof F, Scheltens P, Frequin ST, Nauta JJ, Tas MW, Valk J, Hommes OR.Relapsing-remitting multiple sclerosis: sequential enhanced MR imaging vs clinical findings in determining disease activity. Am J Roentgenol. 1992; 159(5):1041-7.

Brum DG, Barreira AA, Louzada-Junior P, Mendes-Junior CT, Donadi EA. Association of the HLA-DRB1*15 allele group and the DRB1*1501 and DRB1*1503 alleles with multiple sclerosis in White and Mulatto samples from Brazil.J Neuroimmunol. 2007;189(1-2):118-24. .

39

Callegaro D, Goldbaum M, Morais L, Tilbery CP, Moreira MA, Gabbai AA, Scaff M. The prevalence of multiple sclerosis in the city of So Paulo, Brazil, 1997. Acta Neurol Scand. 2001;104(4):208-13.

Callegaro D, de Lolio CA, Radvany J, Tilbery CP, Mendona RA, Melo AC. Prevalence of multiple sclerosis in the city of So Paulo, Brazil, in 1990. Neuroepidemiology. 1992;11(1):11-4. Ferreira ML, Machado MI, Vilela ML, Guedes MJ, Atade L Jr, Santos S, Laurentino SG. Epidemiology of 118 cases of multiple sclerosis after 15 years of follow-up on the reference center of Hospital da Restaurao, Recife, Pernambuco, Brazil. Arq Neuropsiquiatr. 2004; 62(4):1027-32.

Kurtzke JF. A reassessment of the distribution of multiple sclerosis. Acta Neurol Scand. 1975; 51(2):110-57. Kurtzke JF.Rating neurologic impairment in multiple sclerosis: an expanded disability status scale (EDSS).Neurology. 1983; 33(11):1444-52.

Lassmann H. Recent neuropathological findings in MS implications for diagnosis and therapy.J. Neurol , 251,(Suppl 4): IV2-IV/5, 2004.

McDonald WI, Compston A, Edan G, Goodkin D, Hartung HP, Lublin FD, McFarland HF, Paty DW, Polman CH, Reingold SC, Sandberg-Wollheim M, Sibley W, Thompson A, van den Noort S, Weinshenker BY, Wolinsky JS. Recommended diagnostic Criteria for Multiple Sclerosis: Guidelines from the International Panel on the diagnosis of Multiple Sclerosis. Ann Neurol, 50:121-127, 2001.

40

Morales Y, Parisi JE, Lucchinetti CF. The pathology of multiple sclerosis: evidence for heterogeneity. Adv Neurol., 98:27-45, 2006

Polman CH, Reingold SC, Edan G, Filippi M, Hartung HP, Kappos L, Lublin FD, Metz LM, McFarland HF, O'Connor PW, Sandberg-Wollheim M, Thompson AJ, Weinshenker BG, Wolinsky JS. Diagnostic criteria for multiple sclerosis: 2005 revisions to the "McDonald Criteria". Ann Neurol. 58(6):840-6, 2005.

Poser CM, Paty DW, Scheinberg L, McDonald WI, Davis FA, Ebers GC, Johnson KP, Sibley WA, Silberberg DH, Tourtellotte WW. New diagnostic criteria for multiple sclerosis: guidelines for research protocols. Ann Neurol. 1983 ;13(3):227-31.

Sospedra M, Martin R. Immunology of multiple sclerosis. Annu Rev Immunol 23:683-747, 2005.

Miastenia grave

Scherer K, Bedlack RS, Simel DL. Does this patient have myasthenia gravis? JAMA. 2005; 20;293(15):1906-14.

Conti-Fine BM, Milani M, Kaminski HJ. Myasthenia gravis: past, present, and future. J Clin Invest. 116(11):2843-54, 2006

Kusner LL, Puwanant A, Kaminski HJ. Ocular myasthenia: diagnosis, treatment, and pathogenesis. Neurologist. 12(5):231-9, 2006.

41

Benatar M. A systematic review of diagnostic studies in myasthenia gravis. Neuromuscul Disord. 16(7):459-67, 2006.

Melms A, Luther C, Stoeckle C, Poschel S, Schroth P, Varga M, Wienhold W, Tolosa E.Thymus and myasthenia gravis: antigen processing in the humanthymus and the consequences for the generation of autoreactive T cells. Acta

Neurol Scand Suppl. 183:12-3, 2006.

Legendas

Figura 1 Aquisio de imagem de encfalo e medula espinhal em T2, nos planos axial (1A e 1D) e sagital (1B e 1C) Leses hiperintensas ovaladas, distribudas ao longo do corpo caloso (caloso-septal) e de localizao periventricular (seta em B), algumas coalescentes. A aparncia radiada neste plano (B) que gerou o nome de o dedos de Dawson (1B). As mesmas leses so vistas no plano axial em A e na medula no segmento de cervical (1C). Na medula elas no acometem toda a extenso do plano axial, se distribuindo em quadrantes (seta em D), o que importante para o diagnstico diferencial e que determinado pela disposio peri-venular.

Figura 2 Imagem no plano axial em T1 de uma paciente com EMRR para ilustrar o aspecto sem contraste (fig. 2A) e as caractersticas do reforo (2B, C e D). A seta em 1A mostra uma leso hipointensa (1A ) que se refora de maneira anelar ( 2B, setas brancas). Ainda em 2B, a seta preta mostra uma leso justacortical, captando contraste em anel aberto (2D, seta preta). Em 2C e 2D as setas apontam leses captantes de contraste de aspecto nodular. O reforo em anel se correlaciona com uma maior destrutividade no centro da leso, enquanto o aspecto nodular se correlaciona com um processo inflamatrio mais homogneo e com menor destrutividade.

Figura 3 Imagens axiais de encfalo em T1(3A e 3C) e T2(3B e 3D). A e B esto na mesma posio, assim como C e D. Note a diferena na quantidade de leses visveis em T1 e T2. Imagens hiperintensas em T2, distribudas nas regies caloso-septal e periventricular (3B) correlacionando-se com diferentes graus de destrutividade em T1 (1A ), com a seta branca indicando

leso de destrutividade intermediria. As leses que no so visveis em T1 so pouco destrutivas. As setas mostram leses mais destrutivas. A leso vista junto ao ventrculo (3C, seta branca) e imagem correspondente em T2 (3D) mais destrutiva, muito escura em T1, sendo denominada black hole.

Figura 4 Imagens do mesmo paciente, no mesmo nvel, evidenciando atrofia cortiosubcortical difusa (4A), com sulcos aprofundados (4C), desproporcional ao no. de placas em T1( 4B) e ao ndice de incapacidade funcional do paciente (EDSS 1.0). Corte sagital, flair, evidenciando corpo caloso afilado na linha mdia e leso caloso-septal tpica de EMRR (4D). Este um exemplo de atrofia com poucas leses visveis, provavelmente relacionada com leses microscpicas multifocais.