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1 Entre mentes Narrativas de uma aula de Redação VII Tattiana Teixeira e Giovana Suzin (orgs.)

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Livrinho produzido pelos alunos de Redação VII

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Entre mentesNarrativas de uma

aula de Redação VII

Tattiana Teixeira e Giovana Suzin

(orgs.)

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Entre mentesNarrativas de uma

aula de Redação VII

Tattiana Teixeira e Giovana Suzin (orgs.)

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Universidade Federal de Santa CatarinaCentro de Comunicação e ExpressãoDepartamento de Jornalismo

Créditos:

Edição: Tattiana Teixeira e Giovana SuzinTextos: alunos da disciplina de Redação VII do curso de Jornalismo da UFSC do semestre 2009.2Diagramação: Giovana SuzinProfessora responsável: Tattiana Teixeira

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aula de Redação VII

UFSC

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Sumário

Apresentação 9

Terça-feira 11

Carolina Faller Moura 13Diego Acassio Beal Kerber 15Guilherme Lopes Souza 17Jessica de Souza Lipinski 19José Francisco Monteiro Junior 21Juliana Passos Alves 23Marina Almeida Ferraz Arruda 25Marina Bento Veshagem 27Pedro Henrique G Santos 29Rodolfo Zalzwedel Espinola 31Sarah Westphal Batista da Silva 33Talita Fernandes de Jesus 35Thiago Augusto Bora 37

Quinta-feira 39

Anna Barbara Medeiros 41Carlos Henrique dos Santos 43 Joana da Silva Caldas 45Juliana Frandalozo Alves Santos 47Ligia Lunardi Recchia 49Luis Henrique Knihs Correa 51Rafael da Costa Wiethorn 53

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Apresentação

As imagens permaneceram no projetor por menos de meia hora. Os alunos da disciplina de Redação 7 do curso de Jornal-ismo da Universidade de Santa Catarina haviam acabado de discutir o significado de uma narrativa. Afinal, o que é narrar? Segundo o texto de apoio da aula, Narratologia, de Luiz Gon-zaga Motta, “narrar é uma atitude, quem narra quer produzir certos efeitos de sentido através da narração”. Depois de en-tender que as narrativas criam significações sociais, e são sem-pre produtos culturais inseridos em contextos históricos, os alunos tinham a tarefa de criar suas próprias histórias através da utilização de todas ou algumas daquelas imagens projeta-das no quadro.

A liberdade era total, longe do texto jornalístico e suas marcas, já tão automáticas quando começamos a deixar a tinta no papel. O resultado foram as narrativas que estão nas páginas a seguir. É interessante perceber que, com as mesmas figuras, mentes diferentes seguiram diferentes caminhos, mas que muitas vezes acabam por esbarrar em lugares comuns: desde lembranças de acontecimentos pessoais, passando por histórias kafkanianas, as narrativas muitas vezes trouxeram idé-ias de viagens, casamentos e assuntos ligados à morte. A orga-nização narrativa do discurso, como ressalta Motta, ainda que espontânea e intuitiva, não é aleatória.

Giovana Suzin

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Terça-feira

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Depois de acordar à meia-noite, pegar um trem, um metrô e um ônibus, descansávamos com nossas gar-rafinhas de água no barzinho do aeroporto. Eram cinco e meia da manhã.

- Vamos para a sala de embarque? Mas vou ao banheiro primeiro.

Não sei por que, mas meus olhos correram pela televisão que mostrava as próximas partidas. O sinal vermelho ao lado de “Milán” chamou minha atenção: “última chamada”. Corre, deixa a moxila da amiga (que seguiria para Paris) no banheiro com ela, e se manda para o portão 7. O relógio do saguão marcava 6h35; o vôo saía em uns dez minutos.

A bordo, nossos telefones celulares ainda clama-vam ser 5h40. Decolamos. Pousamos. O ônibus de Bergamo à estação central de trem nos dizia que eram 8h quando chegamos ao destino, hora em que éramos para estar chegando ao aeroporto ainda. Chovia em Milão. O atraso de nossa amiga (de mesmo nome da primeira, quem encontraríamos na estação, nos levou a um bar para beber alguma coisa e nos perguntar se tinham acabado de criar um novo fuso horário (inver-tido) entre a Espanha e a Itália. Eram quase 10h quando a amiga, que prometia chegar às 11h, mandou uma men-sagem anunciando sua breve chegada. Sem pedir por fa-vor nem com licença, meu companheiro de aventuras no tempo perguntou à senhora ao lado as horas; “dez para as onze”. E voltamos apressados à estação.

Carolina Faller Moura

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O fim dos drinks

João e Joaquina bebiam alegremente em um bar. No meio da descontraída conversa, João olha para seu relógio e fica pensativo: “Esta quase na hora de meu voo, será que há tempo para mais um drink?”

Não longe dali, o piloto Jorge pensava em uma boa bebida também. A chuva era densa, e ele estava es-tressado. Agora mais próximo. A visibilidade é pouca, es-tas condições são péssimas para o pouso. Bem próximo. Irritava muito Jorge ter que pilotar um avião neste tempo. Agora quase chegando. Jorge avista uma construção in-esperada surgindo do meio da névoa. Próximo demais.

O avião bate no bar. Todos morrem. A pergunta de João foi respondida. Não havia tempo para mais um drink

Diego Kerber

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o casal chegou às quase 3 da manhã ao aeroporto.o voo estava marcado para 4 e meia.ela perguntou se queria tomar alguma ciosa e então seguiram sem malas até o bar.perguntaram-se se seria executivo.o lugar estava vazio e os dois sentaram lado a lado.pediram apenas uma bebida.a chuva fraca não atrapalhava o trânsito dos aviões - que decolavamsem parar a cada pequeno intervalo de tempo.sem conversa terminaram a bebida e consultaram o reló-gio.faltava pouco tempo para a partida.ele olhou para o relógio outra vez como que esperando a hora certa defazer a pergunta.

Guilherme Lopes Souza

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João perguntou a Maria por que ela havia chegado tão tarde ao aeroporto. Maria respondeu-lhe, que, devi-do à chuva, atrasara-se, e assim ambos perderam o avião. Então se sentaram a uma mesa de bar para tomar um drink. Só lhes restava esperar o próximo vôo.

Solicita-se aos senhores passageiros que, em caso de turbulência ocasionada pelo mau tempo, não utilizem os sanitários, não consumam líquidos e mantenham quais-quer aparelhos a pilha desligados.

Jéssica Lipinski

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Aeroporto Internacional de Guarulhos, São Paulo. Faltam cinco minutos para as duas horas da tarde e o casal de gaúchos, Renata e William, esperam pelo voo que deveria ter partido da cidade paulista há uma hora atrás, com destino à Porto Alegre. Renata está im-paciente, rói as unhas e anda de um lado para o outro, na sala de espera da companhia aérea, reclamando do marido que não faz nada para resolver a situação. William assiste a cena com calma. Depois de um gole de Dry Martini, explica à esposa que não há nada que ele possa fazer, pois a chuva forte na região era o motivo que impedia a saída do voo que estavam esperando. Além do mais, segundo a atendente da companhia aérea: “tudo se resolveria em questão de minutos, o tempo já começou a melhorar

José Monteiro Junior

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João e Maria há muito planejavam uma viagem para o exterior. O excesso de trabalho e as férias sempre poster-gadas para que um dinheiro a mais ajudasse a diminuir as dívidas tornavam esse sonho cada vez mais distante.

Certo dia, Maira via até o banco e há uma surpresa em sua conta. Uma bolada de 100 mil reais havia sido depositada para ela. Estranhando tal sorte, ela procura o gerente do banco para esclarecer a situação. Para sua felicidade não havia engano. O dinheiro era uma herança de uma tia de sua falecida mãe. Maria era a última sobre-vivente deste lado da família e ficou feliz da velha, sobre a qual não tinha notícias há alguns anos, ainda lembrasse dela.

Maria saiu do banco radiante de felicidade e sequer se importou de chegar encharcada em casa. Já se imagi-nava tomando um banho de sol em alguma ilha no Ca-ribe

Juliana Passos Alves

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Há mais de quatro horas que estou presa nesse avião sem ter o que fazer. Já vi o começo de todos os filmes e nenhum interessa. O homem ao meu lado, gordo e espa-çoso, ronca fundo e atrapalha minha tentativa de dormir. Nem a tempestade que chacoalha o avião me dá uma distração. A aeromoça passa de um lado para o outro, uma senhora reclama, outra lê Paulo Coelho em italiano, um casal se beija, o homem ao lado olha escandalizado, deve ser italiano. “Buona será, posso avere un bicchiere di vino rosso, per favore?”. Ah, sabia que era italiano. As horas vão passando, a tempestade também. O homem ao meu lado acorda, a criança para de chorar, a senhora ainda reclama, a outra termina o Paulo Coelho com uma expressão maravilhada no rosto, o casal vai para o ban-heiro e o italiano pede um café quando a aeromoça vem servir o café-da-manhã.

Marina Almeida Ferraz Arruda

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Era um dia chuvoso. Eu acabara de chegar de viagem e toda aquela miscelânea cultural ainda me atordoava. Entre amigos, bebemos ao cair da tarde. O bar era nosso. Sobre uma mesa redonda, pairavam copos de caipirinha e umas poucas taças de vinho. A música ao fundo, em espanhol, era dançante, mas eu estava relaxada, acomo-dada em minha cadeira. Já havia ido ao banheiro (misto) três vezes e meia – na última tentativa me tiraram para dançar.

Era tarde, fomos terminar a noite na casa um amigo espanhol. Conversávamos na cozinha, a música era a mesma. Fazia frio e um vento encanava pela porta en-treaberta.

- Posso encostar a porta? – pedi ao dono da casa.- Pero acostate en mi cama!Eu estava bêbada.

Marina Bento Veshagem

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André saiu de casa e se esqueceu de fechar a segun-da gaveta e de ajeitar o tapete. A luz ficou acesa e ele nem percebeu. No relógio, dez para as duas. Ou virava super-homem e saía voando pelos céus de São Paulo ou certamente perderia seu voo. Indicou para o taxista o aeroporto de Congonhas e sentou-se comodamente no banco estofado de couro. O coração disparava e por isso selecionou Frank Sinatra no ipod nano que ganhara de Rosângela. Então ele pensou no dia em que a conheceu. Lembrou da tempestade que o impediu de pegar o voo 456 com destino a Brasilia. Na hora, quando foi informa-do pelo comandante que as condições do tempo eram totalmente adversas para a decolagem, ele ficou puto. Voltou ao saguão da companhia aérea e esbravejou com a atendente, incorformado de ter que ficar mais um dia à toa na cidade.

Agora tudo parecia distante e sua memória lhe pregava peças: já não lembrava nem da cor dos cabelos da atendente que, na tentativa de acalmar a fúria do cli-ente, lhe ofereceu hospedagem paga pela companhia aéres, cujo nome não lhe vinha à mente.

Passou com um giro do polegar para a próxima can-ção: um rock dos Rolling Stones. E de repente Rosângela de novo bate na mente hiperativa de André. Encontram-se ao acaso no bar do aeroporto. Quanto tempo! Que saudade de você. Ele envergonh-se do suco de maracujá - ou seria abacaxi? - que pediu ao garçom. Para ela, um dry martini com azeitona verde, por favor.

Ela lhe conta das novidades. Estava se mudando para

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Rock Island. O voo sairia em duas horas, tempo sufi-ciente para rirem do passado, das aventuras sexuais da adolescência, do casamento prematuro e do divórcio apressado. Viveram pouco tempo juntos. Pouco e intens-amente.

Ela tomou o avião e nunca mais deu notícias. Só de vez em quando é que Rosângela surge rápida na cabela de André. Em dias de chuva, de aeroporto, de dry mar-tini ou sempre quando ele gira o polegar para mudar as músicas de seu ipod nano.

Pedro Henrique G Santos

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A viagem

São três da tarde e Márcio e Raquel ainda estão arru-mando as malas. O quarto bagunçado e os copos na sala e os movimentos lentos de ambos são vestígios da longa festa da noite anterior. O voo para Porto Seguro parte às seis, tempo suficiente para que o casal chame um táxi, faça o check-in e embarque para a viagem de fim ano.

Tudo planejado, cronometrado. A não ser a chu-va e o caos. O trânsito congestionado e nenhum dos 46 táxis de Florianópolis disponível. Apenas mais um reflexo da perfeita mobilidade urbana na ilha.

Rodolfo Zalzwedel Espinola

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Uvas verdes

Estávamos eu e a mosca. Tinha sentado na poltrona da sala de espera do aeroporto de Belo Horizonte havia quase duas horas. Desde então, a mosca me acompan-hava. Revezava entre o braço da cadeira e o meu. Tentei espantá-la, mas foi inútil. Mesmo que ela fosse muito menos ágil que um mosquito, eu nunca teria prazer em esmagá-la com a mão. Visto que não conhecia ninguém aqui, a mosca até me distraía.

Enquanto me demorava nos detalhes das asas, um homem se aproximou. Barba por fazer, alto, magro, lindo como qualquer coisa improvisada. Meus olhos esquece-ram a mosca, passaram a admirar a paisagem que mila-grosamente sentou-se ao meu lado.

-Está ocupado? –perguntou.- Não, eu estou sozinha – respondi, com um sorriso

maior do que devia.

Em frações de segundos já havia me arrependido de ter aberto a boca. O cara me perguntou se podia sentar e eu já adiantei que estava solteira. Tive vontade de morrer atropelada por um avião. Achei que fosse melhor ir em-bora, mas reconsiderei. Se a conversa fluísse bem, talvez ele nem percebesse que eu estava mesmo tão carente. Ainda que morrendo de vergonha, resolvi ficar onde es-tava. Disfarcei meu nervosismo olhando a mosca.

-Esses olhões são incríveis... ele comentou, com a ca-beça virada na horizontal.

- São mesmo...

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-Você sabia que as moscas podem enxergar até quatro mil ângulos ao mesmo tempo?

-Sério? – questionei com interesse vago. Na verdade estava muito ocupada admirando o angulo horizontal da cabeça dele, que deixava o cabelo cair na testa.

- É porque elas tem milhares de olhos... disse fasci-nado.

- Você é biólogo?-Sou. - Que legal. Sempre achei legal conhecer bem a na-

tureza.-É uma profissão maravilhosa, mas eu sou suspeito

para falar. Constatei que estava mesmo desesperada. Em sete

frases eu já imaginava nós dois levando nossos filhos para o Zoológico. Já escolhia o nome do nosso labrador-zinho quando o telefone dele tocou.

-Alô, Alô, não estou escutando... alô... – repetia.-Você quer tentar do meu? – ofereci, prestativa.-O seu também é rádio?-É. Pode usar a vontade...-Muito obrigada. Estou mesmo preocupado. É que a

minha esposa é modelo. Ela viajou para França ontem e até agora não deu notícia. Vi no jornal que está cho-vendo muito. Ela deve ter acabado de chegar – explicou bem explicado.

Sorri amarelo. Levantei quando escutei o “oi amor”. Deixei o telefone com ele e fui até o bar. Pedi vodka e gelo. Duas. Uma pra mim, outra pra mosca.

Sarah Westphal Batista da Silva

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A irmã de Isabela tinha casamento marcado para sábado, às 17h na igreja de São Francisco de Assis na ci-dade de Recife. Joana estava noiva desde seus 19 anos e, para comemorar o matrimônio que encerraria os quase dez anos de noivado, enviou convites a toda família, esp-alhada pelas cinco regiões do Brasil.

Isabela vive com Joaquim há três anos, desde que se mudou para Porto Alegre. Os dois não viajam juntos há bastante tempo. Ela, sempre em viagem de negócios, e ele, com sua vida pacata de revisor, trabalhava em casa.

A viagem para Recife virou um pretexto para um lon-go passeio. As passagens de ida foram compradas para manhã de quinta-feira, dois dias antes da celebração, e a volta, para segunda pela manhã.

Ao chegarem no aeroporto, Isabela e Joaquim foram surpreendidos com a notícia do cancelamento do voo, devido ao mal tempo. Iniciou-se um período de espera de dez horas até que a ameaça de um ciclone extra tropi-cal fosse suspensa, e o voo, liberado.

Talita Fernandes de Jesus

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Chovia muito. De passeio em Barcelona, entrando em cada beco e impressionados com o catalão, acabamos parando num bar bem movimentado do centro. Muitas sangrias vieram. E nosso avião de volta sairia naquela madrugada, às 5h. Era ainda cedo quando chegamos ao aeroporto. Compramos cafés para acordar um pouco e fizemos o check-in. Tudo certo, até que, passando o olho pela tevê que marcava os embarques, vimos o vermelho e o LAST CALL pro nosso vôo. No caminho até o avião, correndo, olhamos pra todos os relógios procurando a hora. Alguns marcavam quinze pras três, outros quinze pras quatro... Entramos e decolamos, olhando surpresos um pro outro, nos nossos relógios eram agora 4h. Chovia muito.

Thiago Augusto Bora

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Quinta-feira

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Todos por um

Estávamos todos lá. Eu quase não acreditava, sempre achei que um dos quatro desistiria. Mas não, lá estava Eduardo o violonista, Margareth a contadora, Luis o en-fermeiro, e eu, o arquiteto, que projetara aquela casa na qual nos abrigávamos para nosso jogo, uma profanidade diante dos olhos da sociedade.

Luisa, minha esposa, trouxe café para todos silencio-samente. Nunca achei que ela aceitaria. Ela, que sempre desejou estabilidade, chorava a cada nova etapa do planejamento daquilo que tiraria todos nós da miséria do cotidiano.

Foi na internet que encontrei os outros suicidas em potencial. Não eram pessoas que não tinham nada a perder, eram pessoas que simplesmente não tinham o suficiente, que queriam mais e não podiam suportar a rotina.

Por isso todos nós esvaziamos nossas poupanças. Compramos um lindo veleiro e colocamos dentro tudo que tinha algum valor para aquilo que acreditávamos ser a vida que valia a pena ser vivida.

O revólver e o dado estavam na mesa. Ele decidiria quem experimentaria a roleta-russa primeiro. Olháva-mos para os objetos e bebíamos o café lentamente, já que para três de nós seria o último de nossas vidas.

Finalmente Margareth pegou o dado para lançá-lo, mas dobrou-se fazendo um barulho horroroso que pare-cia vir do estômago. Nesse momento, em que meu estô-

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mago também começava a se manifestar, eu soube: Lui-sa nunca aceitou e nenhum de nós jogadores viajaria no veleiro.

Eu devia ter pensado no que passava pela mente dela quando o choro cessou.

Anna Barbara Medeiros

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Sete e quarenta da manhã, após tentativas frustradas de continuar o sono mesmo com os miados agudos da gata, aquela música infernal do despertador começa no-vamente. O animal com certeza está parado em frente às portas dos três quartos tentando vencer um dos mo-radores pelo cansaço e conquistar um lugarzinho pré-aquecido na cama.

Sete e quarenta e nove. A música recomeça seguida de uma forte vibração. Chego à conclusão que um celu-lar que tenha nove minutos de soneca só pode ter sido criado para evitar cálculos matutinos fáceis que incenti-variam a procrastinação.

“Já foram duas sonecas? Então deve ser sete e cinquenta”. Isto com certeza é bem mais cômodo que: “Três sonecas, já? Três vezes nove, vinte e sete. Meu des-pertador tá marcado pras sete e meia, então deve ser por volta das sete e cinquenta e sete. Se eu der mais uma co-chiladinha, devo acordar às oito e seis”.

Sete e cinquenta e cinco. O barulho de uma porta se abrindo deve indicar uma rendição à gata. Agora, sem mais miados, posso voltar a dormir. Não dá. Já são oito e quatro, hora bizarra de mais um minuto de sons insupor-tavelmente bem produzidos para não serem ignorados.

Carlos Henrique dos Santos

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Mateus estava em sua casa. Ele tinha acabado de acor-dar e estava muito animado, pois, naquele dia, ia navegar em seu veleiro. Ligou o rádio, estava tocando uma músi-ca de que ele gostava muito. Ouviu enquanto tomava café. Depois, desligou o aparelho, pegou sua mochila, vestiu seu casaco e foi correndo até o veleiro, que estava esperando por ele em uma praia próxima. Chegando lá, Mateus começou a velejar. Sentia o vento batendo suave em seu rosto, estava muito feliz. Não havia planejado uma rota. Para escolher o caminho que seguiria, tirou da mochila um dado. Casa número do objeto represen-tava para Mateus uma direção. Jogou o dado. Manejou o leme do veleiro para a direção número um. Sentou-se, apreciando a paisagem. Passou-se o tempo, Mateus nem percebera, estava curtindo aqueles momentos. O veleiro bateu em uma enorme rocha. Mateus caiu na água e começou a nadar freneticamente. O barco já afundava, Mateus decidiu ir até a praia, ia dando braçadas rápidas, impulsionando o corpo. Quando chegou, estava quase morto, foi levado ao hospital por um salva-vidas.

Joana da Silva Caldas

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Antes de despertar já ouvia a música tocando. Sem entender porque diabos a corneta dos bombeiros to-cava tão perto e ainda de olhos fechados, tateou em busca de seu relógio em forma de dado que devia estar ao lado de sua cama. Não encontrou. No último fiozinho de confusão que fica entre o dormir e o despertar, sentiu-se engraçado. Sua mão não parecia tão habilidosa como deveria ser para um humanóide. Lembrou-se de ter ou-vido a corneta tocar outra vez quando... E despertou de sopetão com o pensamento vivo de que tinha se tor-nado algo. Uma xícara. Estava tornado numa xícara. Não uma xícara qualquer, mas uma xícara de café fumegante. O calor saía de seu interior e evaporava-se em fumarolas brancas, exalando um cheiro bom. Seu cheiro. Cheirava bem, pelo menos. Agora, totalmente desperto lembrava-se da última vez que despertou tornado em algo. Era uma calculadora de quatro botões. Não gostava de ser calculadora e sonhava com o dia em que ainda desper-taria tornado em barco. E navegaria sem rumo para um dia, quem sabe, tornar-se mar.

Juliana Frandalozo Alves Santos

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Acordou ouvindo uma canção sobre o mar. Aquela música fez surgir nele uma vontade imensa de viajar.

Enquanto tomava o seu café, refletiu sobre possíveis destinos. Pegou a calculadora, tentando fazer a escolha de acordo com sua disponibilidade financeira. Mudou de idéia. Pensou que uma escolha aleatória de rumo seria mais interessante.

Tomou apenas o cuidado de oegar uma caixinha de pequenos socorros - nunca se sabe o que vai acontecer.

Foi até a praia e embarcou em seu pequeno veleiro.

Ligia Lunardi Recchia

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Quando novamente amanhaceu, Maria sentiu que algo de diferente havia acontecido. Andou pela casa ir-ritantemente arrumada. “Não há mais nada para ajeitar”, pensou. Maria foi até a varanda e, enquanto encarava aquela imensidão azul, finalmente sentiu saudades. Sim-plesmente se imaginou dentro daqueles veleiros com seus amigos e família. Por todo esse tempo, Maria tentou abstair tal sentimento, mas, naquele domingo, algo es-tava diferente. Dirigiu-se até a sala e ligou aquela música e preparou o café de sempre. Sentou-se na varanda e as-sim se deu ao luxo de pensar no que passou. Todas as memórias que ela começou a relembrar, e que durante tanto tempo se condicionou a esquecê-las, vieram à tona - como um dado que é lançado e não se sabe o número que irá dar. E porque quis. Sabia que o trabalho no hos-pital era importante. Não havia mais volta. Mas aquele momento não se tornou torturante. Aquele incalculável domingo foi o dia em que maria apenas se permitiu.

Luis Henrique Knihs Correa

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Após passar oito horas bebendo Martini com cereja, Ronaldo já não pensava mais como antes. Suas idéias se alteraram profundamente e suas ações correspondiam a quantidade de álcool ingerido. Mesmo sob forte chuva, o empolgado e alegre empresário rumou ao pecado em seu Airbus e, junto aos amigos, foi conhecer as proezas da noite carioca. De bar em bar, de mesa em mesa, Ronaldo espantava e ao mesmo tempo alegrava o mulherio com cantadas e palhaçadas que somente um beberrão pode criar. Diante do insucesso, começou a rondar lugares não tão apropriados para não ficar no branco. Ao abrir os ol-hos no outro dia e parecendo que um caminhão tinha passado pela sua cabeça, percebeu que havia uma estra-nha ao seu lado. Ao perguntar o nome da companheira, ouviu o que seria o pior pesadelo de sua vida: Andréia!

Rafael da Costa Wiethorn

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FIM

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