encanto e coerência: a infância construindo pontes entre ... · olhares sobre a infância. por...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Vilma Justina da Silva Encanto e Coerência: A Infância construindo pontes entre Reggio Emilia e a Política para a Educação Infantil no Município de São Paulo Mestrado em Educação: Currículo São Paulo 2016

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Page 1: Encanto e Coerência: A Infância construindo pontes entre ... · olhares sobre a infância. Por proporcionar momentos de troca e traduzir tão poeticamente a teoria em prática

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Vilma Justina da Silva

Encanto e Coerência: A Infância construindo pontes entre Reggio Emilia e a Política para a Educação Infantil no

Município de São Paulo

Mestrado em Educação: Currículo

São Paulo 2016

Page 2: Encanto e Coerência: A Infância construindo pontes entre ... · olhares sobre a infância. Por proporcionar momentos de troca e traduzir tão poeticamente a teoria em prática

II

Vilma Justina da Silva

Encanto e Coerência: A Infância construindo pontes entre Reggio Emilia e a Política para a Educação Infantil no

Município de São Paulo

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação: Currículo, sob a orientação da Profª Dra Neide de Aquino Noffs.

Page 3: Encanto e Coerência: A Infância construindo pontes entre ... · olhares sobre a infância. Por proporcionar momentos de troca e traduzir tão poeticamente a teoria em prática

III

SÃO PAULO

2016

Autorizo, para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta Dissertação de Mestrado por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos. Assinatura: _______________________________________________________ Local e data: ______________________________________________________ E-mail: [email protected]

SILVA, Vilma Justina da Encanto e Coerência: A Infância construindo pontes entre Reggio Emilia e a Política para a Educação Infantil no Município de São Paulo / Vilma Justina da Silva. São Paulo, 2016. 147 p. Orientadora: Profª Dra Neide de Aquino Noffs Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/PUC-SP, Programa Educação: Currículo, 2016.

1. Criança. 2. Infância. 3. Educação Infantil. 4. Currículo. I. NOFFS, Neide de Aquino. II. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/PUC-SP, Programa Educação: Currículo. III. Encanto e Coerência: A Infância construindo pontes entre Reggio Emilia e a Política para a Educação Infantil no Município de São Paulo

Page 4: Encanto e Coerência: A Infância construindo pontes entre ... · olhares sobre a infância. Por proporcionar momentos de troca e traduzir tão poeticamente a teoria em prática

IV

BANCA EXAMINADORA

___________________________________

Profª Dra

___________________________________

Profª Dra

___________________________________

Profª Dra

Aprovado em ___/___/_____

Page 5: Encanto e Coerência: A Infância construindo pontes entre ... · olhares sobre a infância. Por proporcionar momentos de troca e traduzir tão poeticamente a teoria em prática

V

Dedico essa dissertação à minha mãe Iraci Colaviti e ao meu pai

Abrahão Justino da Silva, que pouco sentaram nos bancos escolares,

mas não pouparam esforços para que a escola fosse prioridade na vida

de seus filhos.

“Quando correr a notícia

Que o Abrahão velho morreu

Pode ficar na certeza

Que a semente se perdeu

Para o povo que aprecia

O Pernambuco não cria

Outro Abrahão como eu.”

Abrahão Justino da Silva

Nordestino, poeta, compositor

(In memoriam).

Page 6: Encanto e Coerência: A Infância construindo pontes entre ... · olhares sobre a infância. Por proporcionar momentos de troca e traduzir tão poeticamente a teoria em prática

VI

AGRADECIMENTOS

“Quando se sonha sozinho é apenas um sonho. Quando se

sonha juntos é o começo da realidade.” Cervantes

Este sonho só foi possível pelo apoio de pessoas muito especiais. Sou muito grata:

À Deus pelo dom da vida, pela fé, pela esperança e pelo amor que alimenta minha

caminhada e me dá forças para não desistir dos meus sonhos.

Aos meus pais pela educação e exemplo de superação. Sem eles, nada seria

possível!

Ao meu marido, Giuliano, que é um guerreiro! Com ele aprendo a ter força,

determinação, dedicação. Com ele aprendo a superar obstáculos, olhar sempre para

frente e cuidar dos que estão ao nosso redor. Com ele aprendo a amar e ser amada.

Com ele me torno uma pessoa melhor.

Aos meus filhos, Allana, Daniel e Pedro, que sem dúvida são as melhores partes de

mim. Minha inspiração para dar e ser um exemplo de mulher, mãe, ser humano. Meu

eterno orgulho e amor! Obrigada por me escolherem e me amarem.

À PUC-SP por ter reafirmado os princípios e concepções que carrego em mim.

Principalmente, por ter me ensinado a importância dos posicionamentos. E àqueles

professores e profissionais que fizeram a diferença em meu percurso.

À Comissão de Bolsas da PUC-SP e, principalmente, a CAPES (Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pela concessão da bolsa taxa para

desenvolvimento da minha pesquisa.

À Professora Neide de Aquino Noffs pela acolhida ao meu projeto de pesquisa em

andamento, por ter escutado minha história, validado minha trajetória e por suas

contribuições.

Page 7: Encanto e Coerência: A Infância construindo pontes entre ... · olhares sobre a infância. Por proporcionar momentos de troca e traduzir tão poeticamente a teoria em prática

VII

À Professora Luciana Ostetto, amiga e inspiração em arte e poesia, mente e corpo,

ética e estética, totalidade e inteireza. Que aceitou entrar na roda, na dança da

educação. “Essa ciranda não é minha só, ela é de todos nós...”

À Professora Emilia Cipriano por ter aceitado enriquecer este momento de diálogo em

defesa da infância. Não teria sido igual sem sua presença.

À Professora Maria Angela Barbato Carneiro por ter aceitado o convite à suplência

desta Banca Examinadora.

À Professora Maria Alice Proença, amiga e inspiradora, por ter me reapresentado

Reggio Emilia com olhar de pesquisa, encantamento e curiosidade. Por ter me

incentivado a entrar no mestrado, por me acompanhar em cada etapa. Por se alegrar

com as minhas conquistas. Eterna gratidão.

Ao amigo e eterno professor Celso Diniz, que acompanha o meu percurso de

estudante desde a Pedagogia, que viu em mim uma potência para pesquisa e já abria

meu olhar para o caminho do mestrado.

À comunidade educativa de Reggio Emilia, que possibilitou ampliar meus estudos e

olhares sobre a infância. Por proporcionar momentos de troca e traduzir tão

poeticamente a teoria em prática. Coerência. Cem Linguagens.

Aos amigos que conheci neste percurso. Um pouquinho de mim é um pouquinho de

cada um de vocês.

Agradeço aos amigos (de todos os âmbitos) pelos momentos de aprendizagem.

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VIII

“É tempo da travessias: e, se não ousarmos fazê-la,

teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.”

Ferndando Pessoa

Page 9: Encanto e Coerência: A Infância construindo pontes entre ... · olhares sobre a infância. Por proporcionar momentos de troca e traduzir tão poeticamente a teoria em prática

IX

RESUMO

SILVA, Vilma Justina da. Encanto e Coerência: A Infância construindo pontes entre Reggio Emilia e a Política para a Educação Infantil no Município de São Paulo. 147 p. Dissertação (Mestrado em Educação: Currículo) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/PUC-SP: São Paulo, 2016. Quais contribuições da abordagem educativa de Reggio Emilia podem ser

identificadas na construção de um currículo para Educação Infantil Paulistana? Qual

o currículo proposto para o atendimento das crianças de 4 (quatro) e 5 (cinco) anos

de idade, a partir da obrigatoriedade de ingresso nas escolas públicas do município

de São Paulo? O objetivo geral da pesquisa decorre da contextualização da sua

problemática: analisar a proposta de formulação do Currículo Integrador da Infância

Paulistana, substantivada pelas possíveis influências e inspirações do currículo para

infância das escolas de Reggio Emilia. Para discussão de temas como Currículo,

Educação Infantil Paulistana e a abordagem educativa das escolas para infância de

Reggio Emilia, foram utilizados como base teórico conceitual os estudos de alguns

autores especialistas em educação infantil, que tem contribuído para uma concepção

de criança protagonista, que possui sua cultura e “cem” linguagens. As publicações

do Ministério da Educação, da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e o

Regimento Escolas e Creches para a Infância da Comuna de Reggio Emilia,

complementaram a fundamentação teórica. O caminho metodológico escolhido

contempla a abordagem da pesquisa qualitativa, de natureza bibliográfica e análise

documental. Os dados analisados demonstraram as pontes entre os dois contextos

distintos no que se refere aos princípios, concepções e valores. Portanto, é possível

afirmar que é um grande desafio que as Políticas Públicas de Educação Infantil

tornem-se “Políticas Públicas da Infância”, e que a Pedagogia da Escuta e das

Relações tem muito a contribuir na construção de um currículo que considera a criança

em sua integralidade.

Palavras-chave: Infância; Educação Infantil; Currículo Integrador; Protagonismo;

Políticas Públicas; Reggio Emilia.

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X

ABSTRACT

SILVA, Vilma Justina da. Enchantment and Coherence: The Childhood building bridges between Reggio Emilia and the Policy for Early Childhood Education in São Paulo. 147 P. Dissertation (Masters in Education: Curriculum) - Pontifical Catholic University of São Paulo / PUC-SP: São Paulo, 2016.

What are the contributions of Reggio Emilia educational approach to the curriculum of

early childhood education? What is the curriculum proposed for the care of children of

4 (four) and (5) five years old, based on the mandatory admission to public schools in

São Paulo? The overall objective of the research results from the context of its

investigation: to analyze the proposal of the Integrator Curriculum for the children of

São Paulo, based on the possible influences and inspirations of the curriculum for the

Reggio Emilia children schools. The conceptual theoretical basis on the discussion of

Curriculum, childhood education in São Paulo, and the educational approach to

children of Reggio Emilia schools, was based on the studies of some experts authors

in childhood education, which has contributed to the conception of a protagonist child,

that owns its culture and the “hundred” languages. Publications of the Ministry of

Education and the Municipal Secretary of São Paulo Education and the Statute for

schools and early childhood care centers for the children of the commune of Reggio

Emilia complement the theoretical foundation. The chosen methodological approach

for this dissertation includes qualitative research, of bibliographical and documentary

analysis. The date analyzed shows that it is possible to establish connections between

both contexts, when it comes to principles, concepts and values. Therefore, it is

possible to affirm that is a major challenge that the Public Early Childhood Education

Policies become "Public Policies for Children" and the pedagogy of listening and of

relations has much to contribute in building a curriculum that considers the child and

its entirety.

Keywords: Childhood; Child education; Integrator Curriculum; Protagonism; Public

politics; Reggio Emilia.

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XI

RIASSUNTO

SILVA, Vilma Justina da. Incanto e Coerenza: L’Infanzia costruendo ponti tra Reggio Emilia e la Politica per l’Educazione Infantile nel Comune di San Paolo. 147 p. (Master in Educazione: Curricolo) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/PUC-SP: San Paolo, 2016. Quali contribuzioni dell’approccio educativo di Reggio Emilia possono essere

individuati nella costruzione di un curricolum per l’Educazione Infantile della città di

San Paolo? Qual’è il curricolum proposto ai i bambini di 4 (quattro) e 5 (cinque) anni

d’età, a partire dall’obbligo di frequenza nelle scuole pubbliche del comune di San

Paolo? L’obiettivo generale della ricerca è la contestualizzazione della sua

problematica: analizzare la proposta di formulazione del Curricolo Integrativo

dell’Infanzia Paulistana, sostantivata dalle possibili influenze e ispirazioni del

curricolum per l’infanzia delle scuole di Reggio Emilia. Per discussione di temi come

Curriculum, Educazione Infantile Pauistana e l’approccio educativo delle scuole

dell’infanzia di Reggio Emilia, sono stati utilizzati come base teorica e concettuale gli

studi di alcuni autori esperti in educazione infantile, che contribuiscono ad una

concezione di bambino protagonista, che ha la sua cultura e “cento” linguaggi. Le

pubblicazioni del Ministero dell’Educazione, della Segreteria Comunale di Educazione

di San Paolo e il Regolamento Scuole e Nidi per l’Infanzia del Comune di Reggio Emilia

hanno completato il fondamento teorico. Il percorso metodológico scelto contempla

l’approccio della ricerca qualitativa, di natura bibliografica e analisi documentale. I dati

analizzati hanno dimostrato i ponti tra i due contesti diversi per quando riguarda i

principi, concezioni e valori. Pertanto, è possibile affermare che è una grande sfida

che le Politiche Pubbliche di Educazione Infantile diventino “Politiche Pubbliche

dell’Infanzia” e che la Pedagogia dell’Ascolto e delle Relazioni hanno molto da

contribuire alla costruzione di um curriculum che prende in considerazione il bambino

nella sua integralità.

Parole chiavi: Infanza; Educazione Infantile; Curriculum Integratore; Protagonismo;

Politiche Pubbliche; Reggio Emilia.

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XII

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Sol. Foto-ensaio composto por duas fotografias digitais do nascer do sol em São Paulo e do pôr do sol em Reggio Emilia retiradas nas respectivas cidades..................................................................................................... 11 Figura 2 – São Paulo. Foto-ensaio composta por quatro fotografias digitais retirada

do site Flickr de fotógrafos brasileiros......................................................26

Figura 3 – Janelas. Foto-ensaio composto por duas fotografias digitais retiradas

durante a visita à cidade de Reggio Emilia e no bairro de Higienópolis em

São Paulo................................................................................................. 52

Figura 4 – Descobertas I. Foto-ensaio composto por duas fotografias digitais retiradas

da Orientação Normativa nº01/13 (São Paulo, 2014) e do site da Secretaria

Municipal de Educação de São Paulo....................................................... 61

Figura 5 – Relações. Foto-ensaio composto por uma fotografia digital retirada do

documento Currículo Integrador da Infância Paulistana (São Paulo, 2015,

capa)......................................................................................................... 65

Figura 6 – Praça dos leões. Foto-ensaio composto por três fotografias digitais

retiradas durante à visita de Reggio Emilia................................................ 71

Figura 7 – Pesquisa. Foto-ensaio composto por doze fotografias digitais retiradas durante visita à cidade de Reggio Emilia (2014, 2015 e 2016)................. 79

Figura 8 – . REMIDA. Foto-ensaio composto por três fotografias digitais retiradas do

livro REMIDA Day (Reggio Children, 2012, s/p)..................................... 80

Figura 9 – Reciclagem criativa. Foto-ensaio composto por seis fotografias digitais retiradas durante visita à Reggio Emilia e do livro REMIDA Day (Reggio Children, 2012, s/p)................................................................................... 81 Figura 10 – Luz. Foto-ensaio composto por seis fotografias digitais retiradas nos

Ateliês do Centro Internacional Loris Malaguzzi durante visita à cidade de

Reggio Emilia.............................................................................................. 83

Figura 11 – Feito por criança. Foto-ensaio composto por três fotografias digitais

retiradas de cartões-postais da Scuola dell’Infanzia Comunale Paulo Freire (2011 – 2012)................................................................................ 89 Figura 12 – Natural e Digital. Foto-ensaio composto por três fotografias digitais

retiradas de cartões-postais da Scuola dell’Infanzia Comunale e Scuola Primaria Statale nel Centro Internazionale Loris Malaguzzi.................... 92 Figura 13 – Bicicletas. Foto-ensaio composto por cinco fotografias retiradas do livro

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XIII

Bicitante (Reggio Children, 2011, s/p), e durante a visita de Reggio Emilia..................................................................................................... 96 Figura 14 – Descobertas II. Foto-ensaio composto por quatro fotografias digitais

retiradas do livro The Hundred Languagens in Ministories (Rinaldi,2016,

p.14)........................................................................................................ 96

Figura 15 – Partes. Foto-ensaio composto por nove fotografias digitais retiradas da

Documentação Pedagógica Ritratti da Scuola dell’Infanzia Paulo Freire (2011-2013)............................................................................................ 97 Figura 16 – Ateliê. Foto-ensaio composto por duas fotografias digitais retiradas de

cartões-postais da Scuola dell’Infanzia Comunale e Scuola Primaria

Statale nel Centro Internazionale Loris Malaguzzi................................... 99

Figura 17 – A fonte I. Foto-ensaio composto por três fotografias digitais retiradas

durante visita à cidade de Reggio Emilia................................................. 102

Figura 18 – A fonte II. Foto-ensaio composto por quatro fotografias digitais do Parque Ibirapuera, SP, retiradas do site Flickr de fotógrafos brasileiros............. 102 Figura 19 – Luminárias II. Foto-ensaio composto por duas fotografias digitais

retiradas do site Flickr de fotógrafos brasileiros.....................................114 Figura 20 – Luminárias I. Foto-ensaio composto por duas fotografias digitais retiradas durante visita à cidade de Reggio Emilia............................................... 114

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XIV

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – História da Educação Infantil Paulistana. Fonte: PMSP, SME, 2015..... 48

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XV

Lista de abreviaturas e siglas

ADI Auxiliares de Desenvolvimento Infantil

ATP Assessoria Técnica e de Planejamento

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CECIS Centros de Educação e Cultura Indígena

CEI Centro de Educação Infantil

CEMEI Centro Municipal de Educação Infantil

CEU Centros Educacionais Unificados

CF Constituição Federal

CIDIP Currículo Integrador da Infância Paulistana

COEDI Coordenação de Educação Infantil

DCNEB Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica

DCNEI Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil

DOT-EI Divisão de Orientação Técnica – Educação Infantil

DOT-P Divisão de Orientação Técnico-Pedagógica

DRE Diretoria Regional de Eduração

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

EMEI Escola Municipal de Educação Infantil

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XVI

EMEF Escola Municipal de Ensino Fundamental

FABES Secretaria da Família e do Bem-Estar Social

FUNABEM Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor

FUNCEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de

Valorização dos Profissionais da Educação

FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de

Valorização do Magistério

GEP Grupo de Estudos sobre Projetos

GT Grupo de Estudos e Trabalho

LDB Lei de Diretrizes e Bases

LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC Ministério da Educação

ONMI Organização Nacional para a Maternidade e a Infância

ONU Organização das Nações Unidas

PDI Professora de Desenvolvimento Infantil

PMEG Prefeitura Municipal de Embu-Guaçu

PMSP Prefeitura Municipal de São Paulo

PNE Plano Nacional de Educação

PUC/SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

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XVII

RECICRE Regimento Escolas e Creches para a Infância da Comuna de Reggio

Emilia

RCNEI Rede Curricular Nacional para Educação Infantil

RME/SP Rede Municipal de Ensino de São Paulo

SAS Secretaria de Assistência Social

SME Secretaria Mnicipal de Educação

SEBES Secretaria do Bem-Estar Social

SME Secretaria Municipal de Educação

UE Unidade Educacional

USP Universidade de São Paulo

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XVIII

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO: Ponto de partida.............................................................................12

1 UMA REFLEXÃO SOBRE CURRÍCULO NA PERSPECTIVA TEÓRICA E

PRÁTICA....................................................................................................................27

1.1. As Diferentes Concepções de Currículo...........................................................27

1.2. Educação Infantil no município: da desvalorização à qualificação...................32

1.3. Educação Infantil: responsabilidade do município............................................42

2 O CAMINHO METODOLÓGICO DA PESQUISA....................................................53

2.1. Coleta de dados: pesquisa bibliográfica e análise documental..........................55

2.2. O Cenário da pesquisa......................................................................................58

3 ENCANTO E COÊRENCIA: UMA NOVA PROPOSTA CURRICULAR PARA A

EDUCAÇÃO INFANTIL PAULISTANA......................................................................62

3.1. O Despontar de uma nova proposta..................................................................62

3.2. O Currículo Integrador da Infância Paulistana...................................................65

3.3. Reggio Emilia: a cidade que encanta e inspira.................................................70

3.3.1. O currículo: princípios e concepções..............................................................84

3.3.2. Escolhas éticas, estéticas e poéticas..............................................................89

4 IDENTIFICANDO PONTES...................................................................................103

4.1. A integralidade do sujeito e do processo educativo...........................................104

4.2. Participação, escuta e protagonismo.................................................................106

4.3. Ambientes, espaços e tempos...........................................................................108

Page 19: Encanto e Coerência: A Infância construindo pontes entre ... · olhares sobre a infância. Por proporcionar momentos de troca e traduzir tão poeticamente a teoria em prática

XIX

4.4. Documentação Pedagógica...............................................................................111

CONSIDERAÇÕES..................................................................................................115

REFERÊNCIAS........................................................................................................119

ANEXO.....................................................................................................................126

Page 20: Encanto e Coerência: A Infância construindo pontes entre ... · olhares sobre a infância. Por proporcionar momentos de troca e traduzir tão poeticamente a teoria em prática

11

Fig.1. Sol. Foto-ensaio composto por duas fotografias digitais do nascer do sol em São Paulo e

do pôr do sol em Reggio Emilia retiradas nas respectivas cidades.

Page 21: Encanto e Coerência: A Infância construindo pontes entre ... · olhares sobre a infância. Por proporcionar momentos de troca e traduzir tão poeticamente a teoria em prática

12

INTRODUÇÃO: Ponto de partida

Refletir sobre meu percurso formativo para dissertar acerca do tema

proposto neste trabalho, Currículo na Educação Infantil, permite desvelar

identidade, concepções, valores e matrizes pedagógicas1 que foram sendo

tecidos na minha trajetória profissional como educadora, pesquisadora, curiosa,

inquieta e encantada.

Escolho iniciar essa viagem a partir dos jogos simbólicos2 que vivenciei

na infância, uma ferramenta para imaginar e representar o “mundo escola” no

qual ingressei aos 5 anos de idade, em 1981. Gosto de acreditar que minha

escolha pela Pedagogia teve sua gênese neste período de exploração de

significados e sentidos, em que elegi como favoritas e, às vezes, unânimes, as

brincadeiras de professora. Tive a oportunidade de brincar de diferentes

maneiras: nas ruas, nos espaços coletivos, com os primos, com os vizinhos, nas

casas dos amigos. Nasci em uma época em que a brincadeira era um direito

1 Matrizes Pedagógicas são conceitos utilizados por Furlanetto (2003). Segundo a autora existem dois caminhos de formação, um refere-se à fôrma, ou seja, um processo de reprimir ou imprimir um modelo preconcebido que não considera o professor. O segundo caminho resgata a ideia de forma, movimento, que possibilita a expressão do professor e sua subjetividade. A autora destaca que, não existe um único modelo de formação com caminhos definidos e lineares, mas um processo que inclui experiências e vivências pessoais, um professor interno. Para a autora, “[...] A descoberta desse ‘professor interno’ multifacetado, ambíguo e complexo possibilitou-nos dar início à construção do conceito de Matriz Pedagógica, que pareceu-nos fundamental para poder compreender os processos de formação vividos pelos professores [...]” (FURLANETTO, 2003, p.26). Para compreender o conceito, a autora busca ressignificar a origem da palavra matriz e seus desdobramentos em diversos significados, e define que “As matrizes pedagógicas podem ser simbolicamente consideradas em espaços, nos quais a prática dos professores é gestada. Conteúdos do mundo interno encontram-se com os do mundo externo e são por eles fecundados, originando o novo. A matriz, além de configurar-se como local de fecundação e gestação, também se apresenta como possibilidade de retorno em busca da regeneração e da transformação.” (FURLANETTO, 2003, p. 27).

2 Jogos Simbólicos, também conhecido como “faz-de-conta”, é uma atividade que permite recriar a realidade usando sistemas simbólicos, estimulando a imaginação e a fantasia da criança. Tem fundamental importância para o desenvolvimento psicomotor, cognitivo, emocional, social e cultural das crianças. Para Lima (2016, p. 45), “Simbolizar é a capacidade que a espécie humana tem para substituir por símbolos as percepções, sensações, emoções, ideias, vivências, experiências.” A criança faz isso naturalmente para se apropriar de uma cultura, ao mesmo tempo que se insere no coletivo. Ainda para a autora, “o desenvolvimento da função simbólica é constituído pela vida de cultura e pelas inúmeras formas de interação humana, pela apropriação dos instrumentos culturais e pelo exercício dos cinco sentidos e do movimento” (LIMA, 2016, p. 45). Diversos autores valorizam os jogos simbólicos como parte do desenvolvimento da criança, as pesquisas de Piaget com foco no desenvolvimento cognitivo e afetivo-emocional, e os estudos de Vygotsky que destaca a contribuição social.

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13

garantido pelas crianças no ambiente familiar, uma vez que, nas escolas, o

currículo priorizava outras experiências e competências. Mas, em casa e nos

espaços familiares, pude brincar muito, imaginar, fantasiar, criar, experimentar,

trocar, talvez esta tenha sido a salvação de uma mente já inquieta e encantada.

A primeira “sala de aula” que lecionei, nos meus jogos simbólicos, foi num

milharal no terreno em frente à casa onde morava. O ambiente era perfeito para

representar a escola que já fazia parte dos meus sentidos. Um terreno retangular

e murado, vários pés de milho plantados seguindo uma sequência linear, ou seja,

enfileirados, uma lousa que meu pai pendurou centralizada na parede e alguns

acessórios que fazem parte do ofício docente (quase que mágicos para toda

criança), como: avental, giz branco, giz colorido, apagador, régua. Nestes jogos

simbólicos da minha infância, era reproduzida uma educação que

desconsiderava o sujeito e suas subjetividades, o corpo e a inteireza do ser, as

linguagens e a cultura da infância, validava apenas as práticas por mim

vivenciadas de uma educação opressora, com práticas rígidas e controladoras.

Minha vida escolar prosseguiu com o Ensino Fundamental I e II e, na fase

de ingressar no Ensino Médio, em 1991, optei pela formação do Magistério3, não

por não ter outra opção, ou por estar esperando comodamente por um

casamento, mas sim uma escolha consciente, como provoca Paulo Freire no

livro “Professora sim; Tia não” em sua Oitava Carta intitulada “Vim fazer o curso

do Magistério porque não tive outra possibilidade” (FREIRE, 2013, p.149). Tenho

consciência e considero uma grande realidade o que constata o autor referente

à cultura docente, porém minha opção teve influência daquele tempo de “aulas

no milharal” e, principalmente, por acreditar que a educação tem o poder de

formação individual e coletiva. Lembro-me também da opinião da minha mãe

com relação à minha escolha, pois ela enfatizava a oportunidade de finalizar os

estudos com uma profissão garantida. Era um pensamento vigente na época,

uma vez que, na década de 90, ser professor ainda era um caminho de

segurança profissional.

3 A formação do professor foi regulamentada pela Lei 5.692/71 como Habilitação Específica para o Magistério de 2º Grau.

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14

A didática que permeou esse curso do Magistério para a construção de

futuras práticas docentes era entendida como um manual de métodos e técnicas

a ser seguido. Os momentos proporcionados pelos estágios pouco contribuíram

para uma formação crítica, intercalando práticas de observação e regência que

desconsideravam a troca de experiências dos professores em exercício com os

aprendizes, porém meu perfil de investigadora, buscava perceber as nuanças

das coisas, saindo de um olhar tradicional de ensino aprendizagem.

Formada em nível Médio do Magistério, no ano de 1995, inaugurei minha

docência na Rede Pública de Ensino do Estado de São Paulo com alunos do

Ensino Fundamental I. Anos de insegurança, timidez, inibições, controle e

reprodução. Reprodução de um sistema que sempre esteve enraizado nas

minhas memórias de escola, de professor, de aluna. Sentia-me uma professora

aprendiz, que não se constitui somente a partir das formações iniciais e

contínuas, como ressalta Arroyo (2000, p.124):

Carregamos a função que exercemos, que somos, e a imagem de professor(a) que internalizamos. Carregamos a lenta aprendizagem de nosso ofício de educadores, aprendido em múltiplos espaços e tempos, em múltiplas vivências. Falávamos como incorporamos o ser professora, professor, como uma outra personalidade, como o outro de nós mesmos. Sabemos pouco sobre esses processos de internalização, de aprendizagem, de socialização do ofício que exercemos. Somos e continuamos sendo aprendizes de mestres e professoras e professores.

Neste ofício de educador, minha subjetividade enquanto docente era

composta por teorias, vivências, crenças e valores, e fui me constituindo

educadora ao longo de um processo amplo de formação, que abrange o

autoconhecimento, a diversidade e o contexto.

Gostava de atuar4 com alunos do Ensino Fundamental I, porém foi na

Educação Infantil que encontrei o encantamento, a energia, a inspiração que

perpassavam minha mente e coração. Fui afetada pela curiosidade das crianças

em desvendar o mundo ao seu redor, para contribuir nesta caminhada de

4 Utilizo a palavra atuar em seu sentido etimológico “actus”, ato, coisa feita, pois concebia o

papel do professor como um agente atuante

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descobertas, para pausar meu olhar de adulto. Enfim, fui afetada pelas

incertezas.

Em 1998, ingressei como professora de Educação Infantil na Prefeitura

Municipal de Embu-Guaçu5 (PMEG), por meio de concurso público. Tive a

oportunidade de participar da implantação do Referencial Curricular Nacional

para Educação Infantil (RCNEI) junto à rede de ensino, e participar da

sistematização da formação de professores, que buscava conectar estudos dos

documentos, autores interlocutores e relatos de práticas. Foram momentos

significativos e formadores, que desconstruíam conceitos, valores e concepções

acerca da infância, da criança e do currículo. Algumas provocações começavam

a surgir e ficavam em aberto: Como construir um currículo que valida as

experiências das crianças de modo a contribuir para aprendizagem significativa?

Quais conhecimentos são importantes na elaboração de um currículo da

infância? Quem seleciona esses conhecimentos? Por que o currículo é

organizado e ensinado de determinada forma? Qual relação existe entre as

escolhas de um currículo da infância e determinado grupo em particular?

A proposta pedagógica, nas escolas da rede da PMEG, abria-se para o

trabalho com projetos didáticos, baseados na concepção anunciada no RCNEI.

Eu e algumas professoras da rede fomos pioneiras no município com esta

experiência. O desejo de fazer algo diferente e inovador sempre me contagiou,

mas a dificuldade de mudar uma rotina de trabalho estabelecida e enraizada nas

matrizes pedagógicas do grupo de professores era um dos grandes

dificultadores. A concepção de projeto didático apresentada era linear, com uma

proposta de etapas e produto final, diferentemente da abordagem de Reggio

Emilia, com foco no processo, que será explicitada no capítulo 3.

O caminho de formação, que vivenciei neste período, marcou meu

percurso formativo, algo tinha se deslocado dentro de mim, dentro daquele grupo

de professores, no cotidiano das crianças. Novos encontros foram acontecendo,

além de novas conexões e novas parcerias. Encontrei parceiras de trabalho

comprometidas com a infância na creche onde trabalhei por 5 anos, destaque

5.Embu Guaçu é um município da microrregião de Itapecerica da Serra, região metropolitana de São Paulo, estado de São Paulo, Brasil.

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especial para a parceria com a Professora de Educação Infantil Ana Paula de

Freitas, Pedagoga e formada em Artes, que sempre foi uma pessoa sensível,

curiosa e encantada com a cultura da infância. Aprendemos muito juntas,

desconstruindo práticas, inovando em propostas e ações, escutando as

crianças, e, mesmo que num ensaio ainda tímido, talvez não tivéssemos

respostas para tantas perguntas, aos poucos fomos ampliando nosso olhar para

o cotidiano.

A Arte presente na vida desta professora esteve presente também nos

nossos momentos de formação e planejamento coletivo, enriquecendo nossas

propostas. O valor para a diversidade e o respeito às subjetividades eram o norte

dos nossos projetos, possibilitando a construção de contextos interessantes e

atraentes para que as crianças pudessem desenvolver suas pesquisas.

Ultrapassamos os muros da escola, dialogamos com a comunidade, ocupamos

os espaços coletivos do entorno, abrimos o currículo para os contextos,

proporcionamos experiências e vivências significativas.

Decidi, em 2000, dar continuidade ao meu processo de formação e

busquei o curso de Pedagogia para complementar meus estudos, embora muitas

pessoas do meu convívio acreditassem ser uma repetição do Magistério, eu tinha

convicção de que minhas escolhas seguiam o caminho de profissionalização,

contribuindo para o meu desenvolvimento pessoal e profissional e atendendo

futuramente à obrigatoriedade legal da formação em nível superior para todos

os professores da Educação Básica. No mesmo ano, ingressei na Prefeitura

Municipal de São Paulo (PMSP), como Professora de Desenvolvimento Infantil

(PDI), atuando em um Centro de Educação Infantil (CEI).

Em 2007, busquei novos desafios para a minha trajetória profissional,

assumindo a direção de um Centro de Educação Infantil (CEI) conveniado com

a PMSP. Na ocasião, exonerei-me dos cargos públicos que ocupava como

professora na PMEG e na PMSP. Este CEI conveniado atendia 460 crianças, na

faixa etária de 0 a 5 anos, em uma região de extrema falta de recursos humanos

e materiais, localizada no extremo sul da zona sul da cidade de São Paulo. Tais

vivências me ensinaram a lidar com as dúvidas e inseguranças, pois a gestão é

um desafio que se impõe pela diversidade de demanda.

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A Educação Infantil tornou-se um projeto de vida e refletir sobre o currículo

nesta área, a partir da análise de práticas recorrentes, é um grande desafio.

Projeto este que ganhou outros horizontes, em 2010, no exercício da função de

Coordenadora Pedagógica de uma escola particular da rede católica, na região

central de São Paulo. Tal atividade me aproximou de um público com um perfil

sócio econômico diferente da comunidade anterior na qual trabalhei. As

diferenças estavam relacionadas aos recursos financeiros e à formação dos

professores, porém uma realidade muito parecida com as demais, no que diz

respeito à atuação dos professores em sala de aula.

Atuar em espaços educacionais distintos e com funções diferenciadas,

tanto na rede pública quanto privada, por um longo período da minha carreira,

permitiu-me vivenciar e adquirir diferentes olhares na Educação. Atualmente,

compartilho essas vivências na função de gestora e formadora, com uma

empresa de consultoria educacional, que atende as redes pública e privada, nos

municípios de São Paulo, denominada Travessias Educacional6. Diante desta

nova vivência, outras questões foram surgindo: o que une estas realidades

educacionais? O que as distancia?

Demo (2012, p.11) pontua que “todavia, não se trata de decretar que as

coisas não têm jeito, porque o problema é a dificuldade de construir um jeito”. Os

meus 22 anos de exercício profissional, atuando em diferentes funções e

realidades, dividindo experiências significativas, fizeram inquietar-me com a

relação entre teoria e prática, uma articulação entre saberes e fazeres essenciais

a práxis docente na construção de um currículo em ação qualificado à Primeira

Infância.

Continuei meu percurso formativo por meio de estudos que ampliassem

meu olhar sobre currículos para infância, foi, então, que tive a oportunidade de

ler o livro “As cem linguagens da criança”7, inspirado na abordagem educativa

de uma pequena cidade do norte da Itália chamada Reggio Emilia, que teve

como precursor Loris Malaguzzi. Um intelectual e jovem professor italiano, que

6 Travessias Educacional: http://www.travessiaseducacional.com.br/

7 EDWARDS, C.; GANDINI, L.; FORMAN, G. As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Trad. Dayse Batista. Porto Alegre: Artmed, 1999.

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se interessou pela iniciativa de algumas pessoas que, seis dias após o término

da Segunda Guerra Mundial, haviam decidido construir uma escola para

crianças pequenas em um vilarejo chamado Villa Cella, poucas milhas da cidade

de Reggio Emilia. Malaguzzi dedicou, então, sua vida ao estabelecimento de

uma comunidade educativa e, junto a pais, pedagogistas, educadores,

atelieristas, criou um sistema progressista e singular, que tem como foco central

a criança e suas potencialidades.

O encantamento pela abordagem me levou ao ingresso no Grupo de

Estudos sobre Projetos (GEP), coordenado pela Profa. Dra. Maria Alice de

Resende Proença, com intuito de ressignificar práticas de trabalho com projetos

didáticos de Educação Infantil, que tenham como foco de aprofundamento a

abordagem educativa de Reggio Emilia. Senti-me acolhida e abraçada pelos

valores educacionais desta proposta.

Em maio de 2014, tive a oportunidade de conhecer a cidade de Reggio

Emilia e participar de um grupo de estudos no Centro Internacional Loris

Malaguzzi, para ver, sentir, envolver-me, inspirar-me, ressignificar anos de

estudos e encantamento. Uma cidade que acolhe diferentes culturas e

subjetividades, sempre em busca de constante diálogo e conexão. Participei de

conferências e visitas aos nidos8 e às escolas de infância9, momentos que

narraram o percurso de construção de uma identidade pedagógica que valoriza

a criança e a coloca como protagonista de seu processo de investigação. Em

agosto do mesmo ano, participei de um grupo de aprofundamento organizado

pela Redsolare Argentina10, envolvendo educadores de países da América

Latina, na Universidad Torcuato Di Tella, ministrado por pedagogistas,

8 Nidos equivalem às escolas que atendem crianças na faixa etária de 3 meses a 3 anos de idade, no contexto brasileiro seriam os Centros de Educação Infantil (anteriormente chamados de creche).

9 Escolas de infância equivalem às escolas que atendem crianças na faixa etária de 3 anos a 6 anos de idade, no contexto brasileiro seriam as Escola de Educação Infantil (EMEI).

10 Redsolare é uma rede de articulação e difusão das ideias da prática educativa de Reggio Emilia, em defesa de uma cultura mundial da infância numa perspectiva integral, integrada e de intercâmbios reais entre estados brasileiros e países da América Latina. É uma associação de instituições e pessoas, sem fins lucrativos, que reconhece a responsabilidade social como dever de todos.

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atelieristas e educadores de Reggio Emilia, intitulado El Rol Del Coordinador

Pedagogico.

Paralelamente, em agosto de 2014, ingressei na Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo (PUC/SP), no Programa de Pós-Graduação em

Educação: Currículo, para realizar uma pesquisa de mestrado e aprofundar os

estudos sobre a temática de currículo da infância.

Cheguei no programa repleta de dúvidas e muito entusiasmo, cursar um

mestrado esteve presente em minhas metas anuais por longos anos, mas

acredito que tudo tem sua hora certa, e a minha tinha chegado. Não foi uma

tarefa fácil me inteirar dos novos conceitos, terminologias acadêmicas, postura

de pós-graduando, autores clássicos, leituras densas. Todavia, aos poucos, todo

este universo acadêmico foi fazendo parte da minha trajetória e novas conexões

foram estabelecidas. A troca de vivências, experiências, conhecimentos e

percepções, com a diversidade de alunos do programa, sem dúvida, foi um ponto

alto desta jornada.

Realizei diversas leituras que trouxeram o conhecimento de diferentes

autores, com isso meu olhar crítico foi sendo ampliado em cada disciplina que

cursava. Contudo, as novas leituras vieram ao encontro das minhas

inquietações. Paulo Freire (2011, p.31) nos conduz com propriedade a refletir

sobre o ofício de ensinar, ressaltando que “ensino porque busco, porque

indaguei, porque indago e me indago”.

Em 2015, todos os participantes do grupo de estudos da Redsolare

Argentina, retornaram à Reggio Emilia, no Centro Internacional Loris Malaguzzi,

para apresentar um trabalho final de articulação da abordagem educativa de

Reggio com seus contextos. Meu trabalho tinha como foco a articulação de

princípios reggianos e freireanos para construção de um currículo da infância.

Foi mais um momento de reencontro com a cidade e de novos olhares.

Em fevereiro de 2016, voltei a Reggio Emilia para participar de outro grupo

de estudos e aprofundamento com foco na documentação pedagógica, uma

prática docente que surge como parte estruturante do trabalho dos professores,

possibilitando conhecer melhor os processos de investigação e produção de

conhecimento das crianças, suas ideias e concepções em um espaço coletivo.

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Por meio da documentação pedagógica, os professores podem [...] “avaliar não

só o que as crianças entendem e sabem, mas também o caminho que as leva a

saber”. (GANDINI; GOLDHABER, 2002, p.157)

Esses três anos consecutivos indo para Reggio Emilia fez parte do

caminho que comecei a traçar para realizar um estudo/pesquisa que

compreendesse a construção de um currículo para Educação Infantil na cidade

de São Paulo, onde nasci e resido. Reggio Emilia tem como ponto de partida

para reflexão a sua própria história, e o encantamento que tenho por esta

abordagem me ajudou a criar pontes com a minha realidade: Qual a história da

Educação Infantil do meu contexto? Quais conhecimentos políticos, históricos,

sociais tenho da infância da cidade de São Paulo? Quais discussões

educacionais estão em pauta sobre políticas públicas para infância? Como

posso contribuir com a construção de um olhar crítico nesta temática? Comecei

a tomar consciência sobre meu contexto e, principalmente, meu papel político,

essencial na posição de educadora inquieta.

Meu olhar de pesquisadora foi se expandindo para além do pedagógico e

retornei dessas viagens de estudos com mais elementos para pesquisar as

políticas de atendimento da infância paulistana. Além das disciplinas obrigatórias

e eletivas do Programa em Educação: Currículo, da PUC/SP, frequentei como

aluna especial duas disciplinas na Universidade de São Paulo (USP), sendo elas:

“Sociologia da Infância”, coordenada pela Profa. Dra. Mara Leticia Barros

Pedroso Nascimento, e “Políticas Públicas para a Pequena Infância: aspectos

instigantes em três realidades distintas – Brasil, Suécia e Itália”, coordenada pela

Profa. Dra. Lisete Arelaro em parceria com a Profa. Dra. Ana Lúcia Goulart de

Faria. Tais oportunidades enriqueceram meus estudos acerca da imagem de

criança, que é construída ao longo da história da humanidade, em diálogo com

as culturas em que a mesma está inserida, imagem esta fundamental quando se

pensa em propostas curriculares para infância.

A proposta deste trabalho foi sendo construída com o diálogo entre uma

abordagem educativa internacional de Educação Infantil e o contexto de

educação municipal paulistana para infância. Não foi pensada, em nenhum

momento, como busca de soluções imediatas, de modismo, de importação de

um modelo, mas sim como uma tentativa de entrar em contato com propostas

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de Educação Infantil de maior tradição e práticas consolidadas. Ao Norte da

Itália, existem outras cidades que desenvolvem trabalhos de reconhecimento

internacional e que, em vários aspectos, convergem com os trabalhos de Reggio

Emilia, portanto, este recorte não tem como intenção desmerecer outras

experiências. A escolha por Reggio Emilia se deu pela qualidade de serviços

educacionais oferecidos à primeira infância e pelo seu reconhecimento

internacional. Esta escolha foi acontecendo ao longo do meu percurso formativo

pelo acesso à bibliografia, à participação em seminários com profissionais

italianos desta abordagem, pela possibilidade de visita ao local e pelo desejo de

encontrar ressonância desta abordagem em um contexto brasileiro.

Com esta intenção, busquei contextualizar a Educação Infantil no Brasil,

a partir das reflexões de pesquisadores, que serão interlocutores ao longo deste

trabalho, e que tem como foco de discussão as políticas de atendimento à

infância. A Constituição Federal traz um panorama de direitos quando, por meio

da Emenda Constitucional nº 53/06, altera o artigo 208, estabelecendo como

dever do Estado a garantia de “educação infantil, em creches, pré-escolas, às

crianças até 5 (cinco) anos de idade”. Em 2009, temos outro marco legal

relevante quando a Emenda Constitucional nº 59/09 determina que a educação

básica obrigatória e gratuita passe a ser dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos

de idade, assegurada inclusive sua oferta obrigatória para todos que não tiveram

acesso na idade própria. Na mesma esteira, encontrei uma relevância

acadêmica e social de pesquisa, devido à contemporaneidade e à emergência

de cumprimento da Lei nº 12.796, de 04/04/2013, que realiza uma alteração

expressiva nas Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº

9.394/1996, dentre outros, no Artigo 4º, em relação ao período de

obrigatoriedade escolar, aos padrões nacionais de funcionamento na Educação

Infantil, bem como às orientações para o combate às desigualdades. Essa Lei

faz também um ajuste de redação da LDB em relação à Ementa Constitucional

nº 59/2009, que havia ampliado a obrigatoriedade de atendimento para a faixa

etária de 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, estabelecendo o ano de

2016 como prazo final para a universalização do acesso. Considerando, então,

a Educação Infantil a primeira etapa da Educação Básica, o repensar sobre sua

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função sociopolítica e pedagógica se torna um grande desafio, culminando com

um currículo que atenda às reais necessidades das crianças.

Frente a tais determinações legais, a Rede Municipal de Ensino de São

Paulo (RME/SP), com a implantação do “Programa Mais Educação São Paulo –

Reorganização Curricular e Administrativa, Ampliação e Fortalecimento da Rede

Municipal de Ensino” (SÃO PAULO, 2014), apresenta um programa na

perspectiva de compreender as ações da RME/SP e propor uma inovação

profunda, não apenas por meio de decretos, mas também baseada na

construção de um novo currículo elaborado a partir de dimensões éticas de

participação, que será explanado em um capítulo deste trabalho, assim como os

desdobramentos deste programa para estabelecer os princípios da

Reorganização da Educação Infantil Paulistana.

Diante deste cenário sociopolítico e educacional para infância, este

estudo intitulado “Encanto e Coerência: A Infância construindo pontes entre

Reggio Emilia e a Política para a Educação Infantil no Município de São Paulo”

busca compreender o processo de mudança marcado ao longo da história da

Educação Infantil de São Paulo e a ressignificação para os tempos atuais. Ao

analisar a concepção de criança, dotada de potencialidades e direitos, como

sujeito social e histórico inserido em uma cultura, faz-se necessário organizar um

currículo para a construção de um trabalho pedagógico que considere a criança

em sua integralidade. Por esta perspectiva, o pressuposto que alimenta e

fomenta as indagações nesse trabalho é o seguinte: Qual o currículo proposto

para o atendimento das crianças de 4 (quatro) e 5 (cinco) anos de idade, a partir

da obrigatoriedade de ingresso nas escolas públicas do município de São Paulo?

Essa indagação se desdobra em outra, por compreender que os estudos

que baseiam as políticas públicas para infância se articulam com diferentes

contextos de práticas de Educação Infantil inovadoras: Quais contribuições da

abordagem de Reggio Emilia podem ser identificadas na construção de um

currículo para Educação Infantil na Prefeitura Municipal de São Paulo?

Buscando, por meio de pesquisas e reflexões, respostas que possam

contribuir para compreender tais indagações, mas sem pretender esgotar tais

questionamentos, foi levantada a seguinte hipótese para o estudo: Com relação

à integralidade dos sujeitos e seu processo educativo, a abordagem educativa

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de Reggio Emilia seria uma prática educativa a contribuir com concepções que

embasam os documentos norteadores da Rede Municipal de Ensino de São

Paulo.

O objetivo geral desta investigação é analisar a proposta formulada do

Currículo Integrador da Infância Paulistana, organizado pela Rede Municipal de

Ensino de São Paulo, substantivado pelas possíveis influências e inspirações do

currículo para infância de Reggio Emilia, a partir das exigências legais referentes

à obrigatoriedade do ingresso das crianças de 4 (quatro) e 5 (cinco) anos de

idade na Educação Básica, traçando, assim, pontes entre os dois currículos para

infância.

Para tanto, buscou-se analisar criticamente os textos legais e os

documentos oficiais que definem políticas públicas de garantia dos direitos das

crianças e subsidiam a implantação do Currículo Integrador da Infância

Paulistana na Rede Municipal de Ensino de São Paulo, com foco no atendimento

das crianças de 4 (quatro) e 5 (cinco) anos de idade, buscando relação com as

concepções da abordagem educativa de Reggio Emilia.

Visando dar conta do objetivo geral e para melhor compreender as

nuances inerentes a tal processo, foram estabelecidos os seguintes objetivos

específicos:

- Interpretar as concepções de currículo com base nas pesquisas bibliográficas,

analisando especificidades na Educação Infantil;

- Analisar as determinações legais que orientam a elaboração de documentos

normativos produzidos pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo

para Educação Infantil e em Reggio Emilia;

- Articular analiticamente os princípios teóricos e concepções de currículo

propostos pela abordagem educativa de Reggio Emilia com os propostos pela

Rede Municipal de Ensino de São Paulo para crianças de 4 (quatro) e 5 (cinco)

anos de idade.

O caminho metodológico escolhido, que contempla a abordagem da

pesquisa qualitativa, é de natureza bibliográfica e análise documental. Buscando

respostas às questões problematizadas, delineou-se uma estrutura para o

estudo, o qual está organizado em três capítulos:

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O capítulo1 – Uma reflexão sobre currículo na perspectiva teórica e

prática: trata da fundamentação teórica da pesquisa, elucida as concepções de

currículo e seus territórios de disputa, apresentando a contextualização histórica

do percurso do currículo da Educação Infantil no Brasil e, em particular, na

Prefeitura Municipal de São Paulo. Busca ampliar o olhar crítico dos leitores

sobre as questões políticas da educação, por meio de concepções, conceitos e

legislações, com intuito de refletir sobre as práticas pedagógicas e as escolhas

feitas no currículo para infância. É amplo o universo teórico de pesquisa que

alimenta este percurso, porém pautou-se nos seguintes autores para estabelecer

uma interlocução: Apple (2006), Arroyo (2013), Freire (2011), Formosinho

(2007), Faria (2015), Sacristán (2013) e Ostetto (2014).

O capítulo 2 – O caminho metodológico da pesquisa: apresenta o

itinerário metodológico percorrido, de natureza qualitativa, considerando os

objetivos propostos e as possibilidades de adentrar no universo do objeto de

estudo, com base nos estudos de Chizzotti (2013), Gil (2002), Marconi e Lakatos

(2003) e Severino (2007). Traz a pesquisa bibliográfica e análise documental

para recolhimento de dados, a fim de compreender e relacionar o currículo

proposto para a Educação Infantil no Município de São Paulo, com possíveis

pontes entre a abordagem educativa da cidade de Reggio Emilia, situada no

norte da Itália.

O capítulo 3 – Encanto e coerência: uma nova proposta curricular

para a Educação Infantil Paulistana: situa a política pública pensada para

infância paulistana e o Currículo Integrador proposto para o município de São

Paulo, a partir de 2013. Estabelece um diálogo entre os critérios de qualidade na

Educação Infantil para a gratuidade e obrigatoriedade no atendimento de

crianças de 4 (quatro) e 5 (cinco) anos nas escolas. Faz-se uma contextualização

histórica da Educação Infantil em Reggio Emilia e as contribuições de Loris

Malaguzzi, líder idealizador da abordagem, e um detalhamento do currículo, da

pedagogia da escuta, dos princípios e concepções que permeiam as relações e

a prática pedagógica, destacando as pontes entre essa abordagem e o Currículo

Integrador da Educação Infantil Paulistana. Para alimentar esta reflexão, tem-se

a contribuição dos seguintes estudiosos: Edwards; Gandini; Forman (1999),

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Campos (2009), Gandini (2002), Malaguzzi (1999), Pinazza (2014), Rinaldi (1998

e 2012) e Rinaldi e Giudici (2011).

O capítulo 4 – Identificando pontes: trata da análise dos dados e

resultados da pesquisa documental. As categorias de análise foram elaboradas

a partir das pontes encontradas entre os documentos dos dois contextos

pesquisados.

Finalizando o trabalho, são tecidas algumas considerações referentes aos

aspectos que efetivamente contribuam para pensar e realizar a pesquisa

proposta, numa perspectiva de abrir novas possibilidades de estudos quanto à

temática pesquisada.

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Fig.2. São Paulo. Foto-ensaio composta por quatro fotografias digitais retirada do site Flickr de

fotógrafos brasileiros.

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1 UMA REFLEXÃO SOBRE CURRÍCULO NA PERSPECTIVA

TEÓRICA E PRÁTICA

Este capítulo aborda, em um perspectiva teórica e prática, questões

referentes às diferentes concepções de currículo e o percurso da Educação

Infantil em um território de disputa por direitos. Conceitos, legislações e autores

são discutidos para pautar a interpretação sobre a realidade histórica, social e

política da Educação Infantil no Brasil e no município de São Paulo, objeto de

estudo desta pesquisa, especialmente no que diz respeito ao estabelecimento

do acesso à educação para crianças de 0 a 5 anos como direito garantido, e sua

consolidação como primeira etapa da educação básica.

A concepção sobre a criança, será considerada e ressignificada, para

melhor compreensão de como a Educação Infantil foi se compondo no tempo e

no espaço do contexto brasileiro. O estudo abordará também a diferença de

concepção entre assistência como direito e o atendimento pautado no

assistencialismo, bem como as marcas deixadas neste percurso.

1.1. As Diferentes Concepções de currículo

Às vezes, tornamos as coisas um tanto complicadas para entender sua simplicidade óbvia; em outros casos, elas parecem ser simples, e perdemos de vista sua complexidade. (SACRISTÁN, 2013)

O que é currículo? Pode-se responder que é tudo. Mas o que este tudo

representa? Quando começamos a desvelar o tudo, percebemos muitas

dimensões, aspectos e implicações que envolvem o conceito de currículo.

O conceito de currículo tem sua história e passou por mudanças

significativas marcadas por questões políticas, geográficas, ideológicas e

sociais. Dessa forma, a história do currículo pode nos ajudar a compreender o

conhecimento escolar como algo sujeito a mudanças e não como uma realidade

fixa e atemporal.

Desde suas origens, o currículo apresenta uma característica reguladora

do conteúdo e das práticas educativas, ou seja, um instrumento que estrutura a

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escolarização, delimita os componentes, impõe as regras e normas, ordena e

classifica a aprendizagem.

O termo currículo deriva do latim curriculum, cuja raiz é a mesma de

cursus, cursus honorum, a soma de postos e cargos que na Roma Antiga o

cidadão ia acumulando ao longo de sua carreira, seu percurso. Esse conceito

também se refere ao percurso da vida profissional, curriculum vitae, e tem o

sentido de constituir a organização do percurso dos alunos, o que deve aprender,

quando, como e em que ordem.

Na Idade Média, o currículo classificava o conhecimento em dois

caminhos, que hoje poderíamos identificar por disciplinas instrumentais, aquelas

que se referem aos modos de adquirir os conhecimentos, e outras de caráter

mais prático, que serve para o homem se sustentar. O conceito de curriculum e

essa forma de organização do conhecimento permaneceu durante séculos na

história das universidades europeias. Seu surgimento e uso no campo

pedagógico convergiram com diversos movimentos sociais e ideológicos em

busca de revisões do ensino, porém a ideia de seleção de conteúdos,

classificação dos conhecimentos, ordenação das ações, continuou vigente.

Para Apple (2006), o currículo não pode ser visto como um instrumento

neutro das questões sociais. O autor destaca que certos conhecimentos são

legitimados, em detrimento de outros ilegítimos.

Todo e qualquer currículo é conhecimento culturalmente determinado e

historicamente definido. Os interesses políticos, administrativos, econômicos e

culturais, que o perpassam, precisam ser questionados e repensados.

Sacristán (2013, p.12) pontua que “o currículo é um texto que representa

e apresenta aspirações, interesses, ideais e formas de entender sua missão em

um contexto histórico”, este percurso envolve tomadas de decisões afetadas por

escolhas políticas, econômicas e sociais, evidenciando a não neutralidade.

Neste percurso histórico, o currículo recebeu um poder regulador que se somou

à capacidade reguladora de outros conceitos desta estrutura, como o de turmas,

utilizado para classificar e agrupar os alunos, e o de graus, necessário para

organizar em sequência a complexidade de conteúdos. O autor ainda reforça

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que “ao associar conteúdos, graus e idades dos estudantes, o currículo também

se torna um regulador das pessoas”. (Sacristán, 2013, p.12)

O ensino, a aprendizagem e os sujeitos envolvidos tornaram-se mais

orientados por um controle externo. Dois dos efeitos desta estrutura foram a

divisão em disciplinas e o refinamento dos métodos de ensino, impondo uma

norma para a escolarização. Essa estrutura se transformou numa invenção

decisiva para o formato de currículo até os tempos atuais, segundo Sacristán

(2013).

Ainda para o autor, considerando esse conceito antigo e consolidado, “o

currículo proporciona uma ordem por meio da regulação do conteúdo da

aprendizagem e ensino na escolarização moderna” (SACRISTÁN, 2013, p.18).

Assim, ficava estabelecida a estrutura essencial da prática educativa que seria

realizada por docentes e estudantes. Difícil avançar com indagações quando os

percursos estão preestabelecidos, mais ainda quando estão predefinidas todas

as etapas, pontos de partida e sujeitos que participam do processo.

É preciso refletir a respeito de um currículo para quebrar paradigmas

enraizados na cultura da escolarização, que ofereça ao aluno a possibilidade de

compreender a realidade em todas as suas dimensões, para poder transformar

aquilo que é imposto pela cultura dominante. Nesta perspectiva, os autores

Moreira e Silva (1995) contribuem sobre o currículo, enfatizando que o mesmo

deixou de ser visto como algo técnico, procedimental e metodológico, e ampliou-

se para uma visão mais crítica, influenciada por questões sociais, políticas e

epistemológicas.

Contribuindo para este olhar, Abramowicz (2001), apresenta o currículo

com relação às múltiplas culturas, valores e crenças, deixando de ser visto de

forma técnica ou prescritiva, e passando a ser pensado dentro de uma dinâmica

contextualizada.

A concepção de currículo também deve ser ressignificada, evoluindo de uma visão tecnicista de rol de disciplinas, para a proposta de um currículo polissêmico, multifacetado visto como a construção cultural, historicamente situado, socialmente construído, vinculado indissocialmente ao conhecimento, constituindo-se no elemento central do projeto educativo da escola. O currículo hoje, reflete as contradições da realidade sócio educacional, espelhando lutas e

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conflitos e sendo o lugar onde se cruzam a reflexão sobre a prática e a teoria da educação. (p. 36)

A reflexão sobre o currículo necessita ser feita coletivamente pela

comunidade educativa partindo de suas reais necessidades. O lugar do

currículo, numa visão crítica, tornou-se um território de disputa, uma vez que é

influenciado e influencia seus destinatários a partir de interesses sociais,

políticos, ideológicos, históricos e sociais, como temos visto ao longo desta

discussão.

Mas quem são os interessados nesta disputa? Quais distanciamentos

existem entre a escola e a sociedade? Nas duas últimas décadas, a presença

dos movimentos sociais vem reconfigurando as identidades e a cultura docente,

avançando nas lutas por igualdade de direitos na diversidade de territórios

sociais, políticos e culturais. Estes movimentos pressionam por currículos de

formação e de educação básica que afirmem essas identidades coletivas e que

legitime os conhecimentos e experiências produzidos nas ações coletivas, uma

luta por voz e vez na estrutura instaurada.

[...] As diretrizes curriculares têm enfatizado o reconhecimento da diversidade em todo currículo desde a Educação Infantil. Disputa posta a todos os profissionais da educação em todos os níveis. (ARROYO, 2013, p. 11)

O autor elucida ainda que “na construção espacial do sistema escolar, o

currículo é o núcleo e o espaço central mais estruturante da função da escola”

(ARROYO, 2013, p. 11). Logo, é o território mais cercado, normatizado,

politizado, inovado, ressignificado. Com isso, surge uma grande quantidade de

diretrizes curriculares, evidenciando a diversidade de currículo a ser pensado e

estruturado, ou seja, uma configuração política do poder.

Ainda para o autor, existem alguns indicadores que ajudam a entender a

centralidade do currículo como território em disputa.

Primeiro: o campo do conhecimento se tornou mais dinâmico, complexo

e disputado. Disputa pelo conhecimento, pela ciência e tecnologia, que perpassa

pelas interpretações das contradições sociais. E, como profissionais do

conhecimento, precisamos assumir nossos papéis nestas tensões.

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Segundo: o currículo não é neutro e a produção e apropriação do

conhecimento sempre foram foco de disputa nas relações sociais de dominação-

subordinação. Em nossa formação histórica, o controle do conhecimento

funciona como demarcação de territórios, nos quais o acesso ao conhecimento

produzido e a validação das culturas foram negados, dificultados e

negligenciados. Na medida que estes coletivos segregados lutam por seus

direitos, seus saberes, suas histórias e outros modos de pensar e ler o mundo,

a disputa por negação ou reconhecimento é instaurada.

Terceiro: a estreita relação entre currículo e trabalho docente. O currículo

tem sido o espaço de mais constantes diretrizes e políticas, normas e controles,

pela sua condição de nucleossíntese da função social e política que se espera

da escola e também pela função de estabelecer a identidade dos profissionais

do conhecimento. Logo, a formação pedagógica e docente orienta o perfil

profissional de acordo com os interesses do currículo estabelecido. Um

profissional tradutor e transmissor, dedicado e competente de como ensinar os

conteúdos definidos nas diretrizes do currículo. Estas disputas vêm crescendo à

medida que a consciência profissional, a responsabilidade ético-política, a

criatividade e a autoria dos docentes vão incorporando nos espaços educativos

para redefinição da organização do seu trabalho.

Quarto: as centralidades históricas do currículo vêm tornando-o um

território de disputas políticas da sociedade, do Estado e de suas instituições,

para manter estilos normatizantes ou optar por orientações mais políticas que

incorporem novos saberes e novas culturas. Lutas de um campo de

conhecimento que busca desvelar verdades, dogmas, rituais. Dúvidas que

fizeram avançar as ciências e converteram o conhecimento em um território de

disputas.

Com esses pressupostos, percebe-se que o currículo vai sendo

submetido à dúvida, tornando-se um campo político de disputas em relação as

suas estruturas e seus ordenamentos, colocando em jogo agora todos os

envolvidos no processo educativo. Essa rica diversidade de currículo abre

espaços para as diversas questões que envolvem a educação básica, todos

esses movimentos exigem vez, presença e reconhecimento nos conhecimentos

curriculares, na organização, nos direitos.

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O currículo é influenciado e influencia seus destinatários, pensar em um

currículo para educação é ampliar o olhar para as questões sociais, históricas,

culturais, políticas, para a diversidade e a individualidade, é abrir espaços para

diferentes interpretações e para problematização do conhecimento. Um desafio

para todos os profissionais da educação em todos os níveis desde a Educação

Infantil.

1.2. Educação Infantil no mundo: da desvalorização à qualificação

É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. (FREIRE, 2011)

Para compreender como a Educação Infantil chegou ao que é na

atualidade, se faz necessário entender sua trajetória histórica, as concepções de

infância, as práticas de cuidado e os diferentes fatores que influíram na

sociedade.

A história da infância não é propriamente a história real das crianças, e

sim das representações que os adultos fazem delas. Para analisar os percursos

da evolução da Educação Infantil, é necessário partir de uma ideia de indivíduo

relacionada aos distintos contextos, às classes sociais, ao sexo, atribuindo a

criação de uma imagem de criança.

A infância é uma construção histórico-social, que passou por diversas

fases ao longo dos séculos, inclusive períodos de descaso e de alta mortalidade.

Esta construção vem da própria palavra, que etimologicamente advém do latim

infans e significa ausência da fala. Essa ausência foi entendida historicamente

como incapacidade de falar, o que remete a não ter linguagem, expressão,

pensamento, conhecimento.

Segundo Áries (1986), o “sentimento de infância”, ou seja, a consciência

da particularidade infantil não existia na Idade Média, começou a surgir no século

XIII e evoluiu nos séculos XV e XVI, em que as crianças começaram a ser

retratadas nas pinturas, apresentavam vestimentas próprias, eram vistas com

uma percepção de fraqueza e inocência. No entanto, somente nos séculos XVII

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e XVIII, surgiram alguns estudos e métodos adaptados, nas áreas da Psicologia,

Filosofia, Sociologia e Pedagogia.

Os estudos científicos do desenvolvimento humano não foram base para

os primeiros modelos históricos de educação para a infância. Segundo Spodek

e Brown (1998, p. 15), “[...] os programas baseavam-se, sobretudo, em

concepções psicológicas relacionadas com o impacto das experiências no

desenvolvimento das crianças”. A “Escola de Tricô”, criada pelo pastor

protestante Jean Frederick Oberlin, na França, foi um desses primeiros modelos.

As crianças, a partir de 2 anos, sentavam-se em volta da “educadora” que

conversava com elas enquanto fazia tricô. O programa baseava-se em

exercícios físicos, jogos, trabalhos manuais e lições sobre natureza e história,

através de gravuras. O ensino era transmitido de forma direta, ou seja, sem

metodologias específicas.

Em 1816, Robert Owen, industrial e filantropo promoveu várias reformas

sociais e, influenciado pelas ideias de Pestallozi e Rousseau, criou escolas e

uma creche para os filhos dos seus trabalhadores, “Escola Infantil”. Pretendia

incutir a prática de “bons hábitos”, em que crianças menores passavam grande

parte de tempo ao ar livre e deveriam ser educadas sem punições, temores ou

restrições desnecessárias (SPODEK e SARACHO, 1998; SPODEK e BROWN,

2002).

Na segunda metade do século XIX, o “Kindergarten” ou “Jardim da

Infância” foi fundado por Friedrich Froebel, na Alemanha, destinado às crianças

das classes altas, e possuía uma programação pedagógica voltada à

criatividade, à sociabilidade, ao desenvolvimento infantil como um todo.

Acreditava que, se a crianças fossem tratadas adequadamente, “brotariam” tal

como num jardim. Seu modelo curricular destinava-se a estimular o

desenvolvimento natural da criança, de acordo com o seu grau de

desenvolvimento, e a atividade lúdica para a criança era reconhecida. As

atividades incluíam modelar com barro, dobrar e recortar papel, enfiar contas,

costurar, desenhar e pintar, que deveriam ser executadas segundo instruções

específicas.

Montessori, assim como Froebel, considerava que o desenvolvimento da

criança decorria de forma natural, e que esta poderia influenciar o seu próprio

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desenvolvimento e percepções sensoriais sobre o mundo, motivo pelo qual

muitos dos seus materiais e atividades tinham como finalidade educar os

sentidos. “[...] incluía treino sensorial, exercícios da vida prática, educação

muscular e ensino de competências acadêmicas básicas”. (SPODEK e BROWN,

1996, p.20).

Já as escolas destinadas ao atendimento da infância proveniente das

classes menos favorecidas aconteciam somente em asilos, internatos, creches

e escolas maternais, para crianças abandonadas, sempre com uma ideia de

pobreza, culpa, favor e caridade vinculadas. Esse período se caracterizou por

uma educação assistencialista, tendo a alimentação, a higiene e a segurança

física como foco principal.

No Brasil, esse movimento seguiu a mesma natureza de concepção:

A concepção da assistência científica, formulada no início do século XX, em consonância com as propostas das instituições de educação popular difundidas nos congressos e nas exposições internacionais, já previa que o atendimento da pobreza não deveria ser feito com grandes investimentos. A educação assistencialista promovia uma pedagogia da submissão, que pretendia preparar os pobres para aceitar a exploração social. O Estado não deveria gerir diretamente as instituições, repassando recursos para as entidades. (KUHLMANN JR., 2000, p.8)

Ainda para o autor. embora as creches e pré-escolas para os pobres

tenham ficado alocadas à parte dos órgãos educacionais, as suas inter-relações

se impuseram, pela própria natureza das instituições, não existia uma proposta

de instrução sistematizada, porém a instrução acorria por meio das inter-

relações.

[...] A interpretação que acompanha a história da educação infantil, de que as instituições para crianças pobres, como creches e salas de asilos, tiveram uma identidade e uma trajetória distinta do jardim-de-infância com um caráter exclusivamente assistencial, distante de preocupações educacionais, desconsidera inúmeras evidências das inter-relações que produziram entre elas. (KUHLMANN JR., 2001, p.5).

Seguindo este histórico, no início do século XX, na Inglaterra, Margaret

McMillan, em parceria com sua irmã Raquel MacMillan, criou a instituição “O

Infantário”, fundamentada no seu trabalho em clínicas de saúde para crianças

pobres, com o objetivo de melhorar a vida destas crianças. Apesar da questão

assistencial ser crucial, o programa proporcionava às crianças, de um modo

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coletivo, atividades manuais, construções com blocos, trabalhos com areia, água

e outros materiais não estruturados, jogos dramáticos, histórias e canções.

McMillan considerava que era importante ensinar as crianças pobres a resolver problemas e a encontrar soluções criativas, para que um dia pudessem vir a atingir posições de liderança. (SPODEK e BROWN, 1996, p.21)

Cabe observar que, com exceção dos “Jardins de infância” de Froebel, os

outros programas foram iniciados com foco na melhoria da vida das crianças

pobres. A creche surgiu como uma instituição assistencial que ocupava o lugar

da família, nas mais diversas formas de ausência.

A educação e o cuidado com crianças pequenas se deram no âmbito

familiar, principalmente a cargo das mães. Dessa forma, pensar na educação

infantil estava diretamente ligado à evolução da família, mais precisamente, da

mãe e das necessidades que em cada momento foram aparecendo, segundo as

ideologias dominantes e a classe econômica e cultural à qual pertencia.

Com o ingresso das mulheres no mercado de trabalho no século XIX,

muitas delas tiveram que abandonar seus lares e seus filhos, as crianças ficavam

nos cuidados de um irmão mais velho, ou mesmo de vizinhas, tendo de se virar

sozinhas acabavam permanecendo nas ruas. Esta situação implicou na

necessidade de buscar soluções, surgindo então a intervenção filantrópica de

senhoras ricas e organizações de caridade para realizar o trabalho de proteção.

Segundo Kuhlmann Jr (1999, p.61), “filantropia representaria a organização

racional da assistência, em substituição à caridade, prática dominada pela

emoção, por sentimento de simpatia e piedade”.

Os espaços de infância tinham a função de custódia. Negrín (1985, p.103)

afirma que o objetivo destas casas de acolhimento era “proteger as crianças da

vagabundagem e da mendicidade e livrar as ruas de pedintes e incidentes

deploráveis”. Logo, o ensino tinha um caráter religioso com práticas de orações,

além de jogos sedentários e cânticos.

Esse desenvolvimento das creches se deu nas cidades com ampla

população, pois as fábricas onde as mulheres iam trabalhar ficavam nestas

regiões. Essa evolução histórica interferiu diretamente na infância e ganhou a

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sensibilidade de organismos internacionais, quando a Declaração dos Direitos

da Criança foi formulada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1959:

[...] a criança tenha uma infância feliz e possa gozar, em seu próprio benefício e no da sociedade, os direitos e as liberdades aqui enunciados e apela a que os pais, os homens e as mulheres em sua qualidade de indivíduos, e as organizações voluntárias, as autoridades locais e os Governos nacionais reconheçam estes direitos e se empenhem pela sua observância mediante medidas legislativas e de outra natureza, progressivamente instituídas.

Outras tentativas de acordos internacionais surgiram para reforçar a ideia

de proteção e desenvolvimento da criança, além de recomendações sobre a

filosofia e as peculiaridades dessa etapa educacional.

Nos anos de 1960, ocorreram transformações na política voltadas para a

infância. Em 1964, no Brasil, foi criada a Fundação Nacional de Bem-Estar do

Menor (FUNABEM). Segundo análise de Campos (1993), surgiu de uma

preocupação em propor uma reforma no atendimento ao menor abandonado,

como resultado de uma luta travada desde a década de 40, por pessoas ligadas

a setores do governo e da igreja. Teve início, então, uma proposta de educação

compensatória11, sendo as crianças de classe menos favorecidas o grande alvo,

devido ao fracasso na escola.

Na perspectiva de educação compensatória, foram também

desenvolvidos programas pré-escolares, nos quais se destacam o Perry Pre-

School Project (1962) e o Projecto Head Start (1965), ambos americanos

(CARDONA, 1997; FORMOSINHO, 1998). Neste contexto, foram concebidos os

11 De acordo com a pesquisa de Sônia Kramer, 1982, Educação compensatória foi políticas

educacionais voltadas para sanar questões de fracasso escolar no primeiro grau. Sugeriam-se que este fracasso decorria da “deficiência” cultural e da “inexistência”, por parte das crianças, de capacidade para se apropriarem dos conteúdos ensinados na escola. Diante disto, surgiram algumas tendências: as de ordem sanitária e alimentar, as relacionadas à assistência social, as influenciadas pelas teorias psicanalíticas e de desenvolvimento infantil, as de estudos antropológicos e sociológicos. As experiências compensatórias deveriam ocorrer na escolarização formal, ou seja, no período imediatamente anterior ao ingresso no sistema de ensino regular, caracterizado pré-escola. Para a autora, tais políticas trazem a concepção de uma criança universalmente constituída, sem levar em consideração os aspectos socioculturais de cada uma, além de outras citadas na pesquisa da autora. (KRAMER, Sônia. Privação Cultural e Educação Compensatória: Uma análise crítica. Caderno de Pesquisa. São Paulo, 1982, p.54-62).

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currículos High Scope e Creative Curriculum, que desenvolvem abordagens

destinadas especificamente a bebês e crianças de pouca idade.

Além desses percursos e das teorias que influenciaram as escolas

infantis, outros modelos relacionados à Psicologia do desenvolvimento da

criança trouxeram contribuições para o currículo do século XX. Dentre eles,

destacam-se as teorias da aprendizagem, da psicanálise, do construtivismo e do

behaviorismo.

A educação de crianças passou por várias fases distintas. Segundo

Spodek e Brown (1996), a primeira fase está ligada a uma visão intuitiva a

respeito da infância e de como aprendem. Na segunda fase, os conhecimentos

científicos aparecem nos modelos curriculares, em que o desenvolvimento e a

aprendizagem da criança ganha espaço na dinâmica das escolas infantis. Já a

terceira fase reflete a grande variedade de modelos concebidos, levando em

consideração qual tipo de conhecimento é mais útil para as crianças.

A demanda de educação infantil foi um fenômeno comum a diversos

países e, para contribuir com este panorama das fases, a publicação Política

Nacional de Educação Infantil de 1994 anuncia que:

Vários fatores contribuem para a expansão da educação infantil no mundo, entre os quais se destacam o avanço do conhecimento científico sobre o desenvolvimento da criança, a participação crescente da mulher na força de trabalho extra-domiciliar, a consciência social sobre o significado da infância e o reconhecimento, por parte da sociedade, sobre o direito da criança à educação, em seus primeiros anos de vida. (BRASIL, 1994, p.9)

No Brasil, a educação infantil foi marcada por vários movimentos que

modificaram sua história, tal como em outros países. A Constituição Federal de

1988 foi um marco decisivo na afirmação dos direitos das crianças de 0 a 6 anos,

reconhecidas como parte do sistema educacional, primeira etapa da educação

básica, e tendo em contrapartida o dever do Estado em assegurar seu

cumprimento. A criança adquiriu o status de ator social enquanto cidadão, sujeito

de direitos, essa concepção veio opor-se à antiga visão de favor prestado à

criança. Além disso, assegurou que as escolas para a infância fossem

instituições de caráter educacional e não somente assistencial, como muitas

vezes foram consideradas.

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Entretanto, os avanços dos direitos chegaram de formas muito desiguais

para a infância pobre, negra, dos campos e periferias. Além de que, reconhecer

a infância como tempo de direitos, não a desvinculou da visão inferiorizada,

limitada às práticas de proteção, cuidado e assistência, assim como apresenta

Kuhlmann Jr (2000) ao apontar a defesa do caráter educacional das creches:

[...] O vínculo das creches aos órgãos de serviço social fazia reviver a polêmica entre educação e assistência, que percorre a história das instituições de educação infantil. Nesta polaridade, educacional ou pedagógico são vistos como intrinsecamente positivos, por oposição ao assistencial, negativo e incompatível com os primeiros. Isto acaba por embaralhar a compreensão dos processos educacionais da pedagogia da submissão, que ocorre em instituições que segregam a pobreza. (KUHLMANN JR. 2000, p. 12)

Para o autor, a discussão sobre o papel da educação infantil encontrava

fortes argumentos para entender a orientação assistencialista como não-

pedagógica, tanto em aspectos administrativos, quanto em aspectos políticos.

Com isso, alguns serviços de assistência primordiais para o desenvolvimento

das crianças, como alimentação e higiene, pareciam interferir no caráter

educacional das instituições. Ainda pode-se encontrar vestígios desta visão nos

tempos atuais, em que educadores não validam a ideia de trocar fraldas como

parte do objeto de ocupação de sua ciência. Somente na década de 1990,

aparecem registros sobre a inseparabilidade dos aspectos do cuidado e da

educação da criança. (KUHLMANN JR, 2000)

Um novo olhar em relação à criança impulsionou as políticas públicas para

o setor. Em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ratificou os

direitos assegurados pela Constituição e normatizou a proteção integral destes

sujeitos. Em 1996, a LDB (Lei nº 9394/96) trouxe diversas mudanças às leis

anteriores; veio regulamentar a educação infantil, definindo-a no artigo 21 como

“primeira etapa da Educação Básica” e que, “tem por finalidade o

desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos

físico, patológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da

comunidade” (artigo 29). Além disso, passou-se a ser exigida formação em nível

superior aos professores da educação básica que lidam com a infância, um

caminho de mudança na formação e na construção de uma intencionalidade

pedagógica.

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A Educação Infantil, agora como um direito da criança, levou os

educadores a participar da construção e reconstrução das trajetórias de creches

e pré-escolas, em defesa da infância, através de um diálogo verdadeiro,

transparente e transformador, conscientes de suas escolhas. Escolhas que

trazem uma intencionalidade, que fazem parte de uma construção social e

política, que tem por trás de si uma ideologia, uma visão de mundo, como traz

Apple (2006) a ideia de que a educação não era um empreendimento neutro e

de que, pela própria natureza da instituição, o educador estava envolvido em um

ato político, estivesse ciente ou não disso.

Todo esse movimento sobre educação de crianças de 0 a 6 anos dispara

a necessidade de estabelecer alternativas curriculares para a Educação Infantil,

um caminho entrelaçado com a concepção de currículo, de infância e de criança.

E um dos grandes desafios tem sido a busca de um paradigma norteador do

currículo para infância, que respeite os direitos das crianças, a diversidade das

populações infantis e dos contextos institucionais (KRAMER, apud FARIA,

2011).

Falar de currículo para a Educação Infantil não é uma tarefa simples,

requer muita reflexão aprofundada, pois o mesmo tem sido influenciado pelas

demandas emergentes da sociedade. Para Faria (2011), mesmo antes de

ocupar o lugar de destaque atual, já se tinha uma preocupação com o que, para

que, como e quando ensinar, mas as discussões eram voltadas para a definição

de conteúdo, objetivo, atividade, metodologia e faixa etária. Posteriormente,

ampliou-se o olhar sobre os aspectos referentes à organização, funcionamento

e relações. A elaboração e a realização do currículo devem constituir um

processo dinâmico e aberto, não podendo ser tratados de forma isolada.

Segundo Sanches (2003), nesta construção é preciso olhar a criança como um

ser único, cidadão do presente, em suas linguagens e a partir de seus direitos.

Tizuko (1996, p.14) afirma que “o currículo deve incluir tudo o que se

oferece intencionalmente para a criança aprender, abrangendo não apenas

conceitos, mas também princípios, procedimentos, atitudes, [...] pois é a

explicitação das intenções que permitirá a orientação pedagógica”. E conclui

com algumas perguntas norteadoras para definição de qualquer currículo, sendo

elas: “[...] a que criança se destina? Qual é a concepção de educação presente?

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O que ensinar? Como ensinar? De que forma, o que e como avaliar?”. Tais

respostas incluem elementos que comportam um currículo.

A discussão sobre currículo se intensifica significativamente após a

inserção da educação infantil no sistema público de ensino, com a Constituição

de 1988 e a LDB de 1996, segundo Tizuko (2015):

No entanto, ainda nos anos 1990, conforme diagnóstico efetuado pelo MEC em 1996, a maioria das creches no país não tinha currículo e adotava o termo “proposta pedagógica” para denominar práticas que pouco atendiam as necessidades das crianças pequenas. O termo “currículo” ainda não fazia parte do vocabulário adotado pela educação infantil. A publicação dos Referenciais Curriculares de Educação Infantil, de 1998, e das Diretrizes Curriculares de Educação Infantil, de 1996, ampliam a discussão nessa área. (TIZUKO, 2015, apud, BRASIL, 2015, p.2)

A elaboração de uma proposta pedagógica implica em tomar decisões e

fazer escolhas. No entanto, o desenvolvimento desta temática tem ganhado

forças nos últimos anos, em que a visão limitada de currículo vem sendo

superada e ampliada para uma concepção articulada com o contexto social,

político e cultural.

Para a autora Faria (2007, p.20), a proposta pedagógica “é a busca de

construção da identidade, da organização e da gestão do trabalho de cada

instituição educativa”, constituída por sujeitos culturais, que se propõem a

desenvolver uma ação educativa a partir de uma unidade de propósitos. Assim,

definem os princípios da ação pedagógica e vão traçando metas, objetivos,

formas de organização e ações, em um processo de avaliação contínua, e

marcas de provisoriedade. A partir de tal definição, entende-se “Proposta

Pedagógica de Educação Infantil” como a busca pela organização do trabalho

de cuidar e educar crianças de 0 a 6 anos, em escolas de Educação Infantil,

complementando a ação da família e da comunidade. (FARIA, 2007)

Apenas recentemente, foi reconhecido na legislação um caráter

educativo, definindo normas para a elaboração das propostas pedagógicas de

escolas de educação infantil. A Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009,

fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI),

articuladas às Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCNEB).

Para efeito das Diretrizes, são adotadas as definições de:

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Currículo: Conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade. Proposta pedagógica ou projeto político pedagógico é o plano orientador das ações da instituição e define as metas que se pretende para a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças que nela são educados e cuidados. É elaborado num processo coletivo, com a participação da direção, dos professores e da comunidade escolar. (BRASIL, 2010, p.12-13).

O Ministério da Educação, com o objetivo de organizar os sistemas de

ensino, publicou ainda outros documentos que pudessem orientar as práticas de

educação infantil, tais como: Referenciais Curriculares Nacionais para a

Educação Infantil (1998); Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação

Infantil (2006); Critérios para um Atendimento de Qualidade que Respeite o

Direito das Crianças (2009); Indicadores da Qualidade na Educação Infantil

(2009); Educação Infantil, igualdade racial e diversidade: aspectos políticos,

jurídicos, conceituais (2012); Brinquedos e Brincadeiras de Creches (2012)12.

O conjunto dessas pesquisas sobre o currículo da educação infantil

avançou na reflexão sobre o cotidiano das escolas, com a construção de uma

rotina flexível, em que a gestão do tempo e do espaço concebesse o cuidar e o

educar como ações interligadas. Nesta perspectiva, o papel do educador na

construção de um currículo em ação, em que os envolvidos são coautores do

processo de ensino e aprendizagem, é fundamental, pois o currículo está

construído para ter efeitos (e tem efeitos) sobre as pessoas (GOODSON,1995).

O autor acrescenta ainda que diferentes currículos produzem diferentes

pessoas, mas naturalmente estas diferenças não são meras diferenças

individuais, mas diferenças sociais, ligadas à classe, à raça, ao gênero.

No entanto, para a educação infantil ainda coube o desafio de, além de

avançar qualitativamente, oferecer efetivamente o direito da criança, expresso

em lei, pelo acesso a todos. Visando esta extensão quantitativa, a Lei 12.796/13,

12 Alguns desses documentos fazem parte da análise deste trabalho e serão

apresentados no capítulo 3.

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que alterou a LDB, tornou a educação infantil obrigatória a partir dos 4 anos em

pré-escolas, tendo os governos até 2016 para cumprir esta expansão.

Neste panorama, o Plano Nacional de Educação (PNE), que passou a

vigorar com a Lei número 13.005/14, em sua meta 1 tem a pretensão de:

Universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE. (BRASIL, 2014)

Universalizar traz a ideia daquilo que é de qualidade ou caráter universal,

abrangente, comum a todos, porém, mesmo que o percentual de crianças

matriculadas em creches e em pré-escolas aumente a cada ano, ainda existe

uma grande quantidade de crianças fora do sistema. E mesmo que as crianças

sejam atendidas de acordo com a porcentagem prevista, fica o alerta para a

qualidade deste atendimento e principalmente para a formação desses

profissionais da infância.

Os profissionais da docência e da pedagogia têm direito a visões mais

críticas sobre as estruturas escolares. Uma estrutura que respeite e não violente

os processos de formação, socialização e desenvolvimento de aprendizagens

próprias do tempo humano, social, cultural, identitário da infância.

Por fim, Arroyo (2013, p.191) ressalta “que a chegada tardia da infância

reeduque nosso sistema escolar para ser mais humano, mais público, mais

espaço digno de sujeitos de direitos”. Esta dissertação assume a concepção de

currículo para infância, tal como definida na DCNEI, assim como um meio de

articular as aprendizagens significativas, tendo como ponto de partida o contexto

da criança. Dessa forma, refletir sobre um currículo em ação que compreenda

as reais especificidades do campo da Educação Infantil, se faz necessário para

a viabilização de uma educação de qualidade.

1.3. Educação Infantil: responsabilidade do município

“Prô, quando eu crescer vou querer ser criança ainda.” Emilly (5 anos)

EMEI Francisco Manuel da Silva / SP

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A ideia de uma educação voltada às crianças pequenas no Brasil, como

vimos anteriormente, foi marcada por diferentes concepções de infância e de

criança, de acordo com os problemas políticos e sociais de cada época. A força

política dos movimentos sociais aliada aos avanços em termos da legislação

brasileira, tanto da Constituição Federal de 1988, quanto do Estatuto da Criança

e do Adolescente de 1990, foram de suma importância para a história da

educação infantil no país.

A Constituição Federal (CF) de 1988 em seu Art. 208, afirma que “O dever

do Estado com a Educação será efetivado mediante a garantia de [...]

atendimento em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade”

(Inciso IV).

Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990 reitera o direito

à Educação Infantil em seu Art. 54: “É dever do Estado assegurar à criança e ao

adolescente [...] atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis

anos de idade” (Inciso IV).

Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN),

atendendo à determinação da Constituição Federal, reforça o cuidado à

Educação Infantil nos artigos:

Art. 29. A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até cinco anos e onze meses de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Art.30. A Educação Infantil será oferecida em: I – creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; II – pré-escolas, para crianças de quatro a cinco anos e onze meses de idade. Art.31. Na Educação Infantil a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao Ensino Fundamental.

Em 2009, a Emenda Constitucional nº 59 altera a Constituição Federal,

estabelecendo no seu Artigo 1º:

Os incisos I e VII do art. 208 da Constituição Federal, passam a vigorar com as seguintes alterações: Art. 208. [...] I – Educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; Art. 211 [...]

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§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, a União, o Distrito Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório.

Nesta esteira importante de marcos legais, o Plano Nacional de Educação

(PNE) de 2014 aborda também a Educação Infantil na sua Meta 1:

Meta 1: universalizar, até 2016, a Educação Infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de Educação Infantil em creches, de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE.

No município de São Paulo, a trajetória de conquistas pelos direitos da

criança foi marcada por diferentes movimentos. Para Kramer (2006), as políticas

nacionais para a Educação Infantil, na década de 1970, apoiavam sua

subordinação ao Ensino Primário. Além de alternativa ao fracasso escolar,

apresentava uma função compensatória de forma a atender às defasagens

afetivas e linguísticas e as carências culturais das crianças das camadas

populares.

Nas décadas de 1970 e 1980, o fortalecimento dos movimentos de luta

das mulheres por creches foi um marco, no qual a Secretaria da Família e do

Bem-Estar Social (FABES), órgão ligado ao Serviço Social, inaugura as

primeiras creches diretas por reinvindicação popular. A perspectiva das

propostas das creches surge com o intuito de minimizar os problemas sociais,

sem relação com os direitos das crianças. Por mais de 30 anos, o atendimento

às crianças pobres e suas famílias, no município de São Paulo, esteve

organizado por algumas creches mantidas por entidades filantrópicas.

Posteriormente, foi criada a Secretaria do Bem-Estar Social (SEBES),

responsável pelas creches e por outros serviços sociais.

A autora Godoi (2015) aponta que nas décadas de 1970 e 1980 as

creches paulistanas eram consideradas à frente de outros municípios, por já

disporem de estrutura administrativa que estabelecia diretrizes gerais para o

funcionamento, bem como de sistematização e padronização do projeto

arquitetônico, programação e quadro pessoal. Ainda para a autora, havia no

município de São Paulo um movimento para repensar a creche como espaço de

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cuidado físico e também um espaço de educação, aprendizado e convívio social

das crianças.

A década de 1980 inaugura um período de publicações importantíssimas

para a memória da trajetória da educação infantil no município de São Paulo,

que se estende até os dias atuais. Este período também traz fortes indícios de

propostas curriculares, trazendo alguns princípios metodológicos que encorajam

a criança a agir e pensar sobre sua ação. Além disso, os debates a respeito da

educação da criança sustentavam a ideia de que o atendimento não se

vinculasse unicamente ao direito da mulher, mas também como uma exigência

relacionada ao direito das crianças à educação.

Em 1989, após a promulgação da CF, a Reorganização Curricular das

Escolas Municipais de Educação Infantil sofre influências sócio construtivistas

com Piaget, Vygostsky e Wallon. A linguagem aparece como eixo do trabalho e

o jogo como organizador do currículo. Os conhecimentos prévios da criança são

privilegiados, dando acesso também aos conhecimentos da cultura universal.

O ECA, no ano de 1990, consolida a luta dos diferentes movimentos

sociais e segmentos da sociedade pelo reconhecimento das crianças como

sujeito de direitos:

O ECA nasce numa perspectiva de reordenamento do atendimento à criança e ao adolescente assentada em uma ampla política de garantias de direitos, fundamentada numa articulação entre políticas setoriais de saúde, educação, moradia e trabalho. (NUNES, 2005, p. 88)

Além desses avanços legais, houve também um impulso na expansão do

atendimento público nas décadas de 1980 e 1990, porém tal expansão não

garantiu um atendimento de qualidade. A Educação Infantil não participava do

financiamento da União, ou seja, não era considerada nos cálculos do Fundo de

Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do

Magistério (FUNDEF), não recebendo repasses federais para a alimentação,

transporte ou material didático pedagógico. Nas escolas de educação infantil,

surgiam problemas de espaços inadequados, de ausência de propostas

pedagógicas, de falta de habilitação condizente dos profissionais, ou seja, uma

variedade de desafios para os setores públicos em benefício das crianças.

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Mesmo após a incorporação da Educação Infantil na política de

financiamento da Educação Básica, por meio do Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da

Educação (FUNDEB), em 2007, e de outros programas complementares, a

dívida social com a educação infantil brasileira permanece até os tempos

presentes.

No “I Simpósio Nacional de Educação Infantil”, que ocorreu em agosto de

1994, já se discutia os avanços na legislação e nas diretrizes para uma política,

analisando a situação do atendimento educacional para crianças de 0 a 6 anos.

Conforme o documento aponta:

[...] o MEC vem assumindo a liderança do processo de definição de uma política para a educação infantil, no marco do que entendemos ser o seu papel legítimo, qual seja: o de coordenar a formulação e avaliação política, corrigir desigualdades, promovendo a equidade, induzir inovações e experiências e estimular a cooperação técnica e financeira entre os sistemas de ensino dos Estados e Municípios. (BRASÍLIA, 1994, p.15).

Neste encontro também foram levantadas algumas diretrizes para orientar

as ações de Educação Infantil, dentre elas, o dever das instituições de “nortear

seu trabalho numa proposta pedagógica fundamentada na concepção de criança

como cidadã, como pessoa em processo de desenvolvimento, como sujeito ativo

da construção do seu conhecimento” (BRASÍLIA, 1994, p. 16). Tal visão aponta

para o desejo de refletir sobre políticas públicas de educação infantil.

Esse evento foi preparatório para as discussões envolvendo segmentos

governamentais e não governamentais na construção de uma política de

Educação Infantil de abrangência nacional, desencadeando a aprovação, em

1994, da Política Nacional de Educação Infantil. O documento explicita as

diretrizes gerais, os objetivos e as ações prioritárias que orientariam as ações do

MEC no atendimento de crianças de 0 a 6 anos.

Dentre os princípios que baseiam as diretrizes e que orientam as ações

de Educação Infantil, destaca-se o currículo, apresentado com a proposta de “[...]

levar em conta, na sua concepção e administração, o grau de desenvolvimento

da criança, a diversidade social e cultural das populações infantis e os

conhecimentos que se pretendam universalizar”. (BRASÍLIA, 1994, p.15)

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Todas essas ações envolvendo a educação das crianças de 0 a 6 anos,

junto aos marcos legais da década de 1990 – LDB de 1996 e Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação Infantil de 1998 – impactaram

diretamente a Rede Municipal de Ensino (RME) de São Paulo.

O artigo 89 da Lei de Diretrizes e Bases – Lei 9394/96 – veio determinar

que as creches e pré-escolas existentes ou que viessem a ser criadas deveriam

integrar-se ao sistema de ensino, no prazo de três anos, a contar da publicação

da Lei. A Coordenação de Educação Infantil do Ministério da Educação

(COEDI/MEC) realiza diferentes estudos e debates na busca pela superação

entre cuidar/educar. Em 1995, foi publicada a primeira edição do documento

“Critérios para um Atendimento em Creches que Respeite os Direitos

Fundamentais das Crianças”, pelo MEC, reeditado em 2009 pelas

pesquisadoras Maria Malta Campos e Fúlvia Rosemberg.

Em 2001, atendendo ao artigo 89 da LDBEN, o município de São Paulo

inicia a transição das creches da Secretaria de Assistência Social (SAS) para a

Secretaria Municipal de Educação (SME), atendendo crianças de 0 a 6 anos de

idade nos denominados Centros de Educação Infantil (CEI). Tal trajetória

impactou diretamente na construção de um currículo e na identidade dos

profissionais da área.

O processo de transição e expansão das creches interferiu na

organização do quadro de profissionais, com relação à jornada de trabalho, ao

perfil, à formação inicial e continuada. As mudanças relativas ao perfil

profissional exigido para o trabalho nessas instituições foram significativas,

revelando uma preocupação maior com a proposta político-pedagógica das

creches.

Apesar de somente recentemente a legislação reconhecer o trabalho

desenvolvido com crianças de 0 a 5 anos a partir de um caráter educativo,

definindo diretrizes e normas, o trabalho em creches e pré-escolas, ainda que de

forma não sistematizada, já vinha acontecendo em diálogo com o cuidar e o

educar. Para Faria (2007), havia um saber-fazer construído no cotidiano das

ações, que fundamentava a proposta pedagógica, norteado por crenças e

valores.

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A autora acrescenta com a seguinte definição de proposta pedagógica ou

projeto político-pedagógico:

É a busca de construção da identidade, da organização e da gestão do trabalho de cada instituição educativa. [...] Assim, são compartilhados desejos, crenças, valores, concepções, que definem os princípios da ação pedagógica e vão delineando, em um processo de avaliação contínua e marcado pela provisoriedade, suas metas, seus objetivos, suas formas de organização e suas ações. A partir da compreensão dessa definição, podemos construir um significado para “Proposta Pedagógica de Educação Infantil”, entendendo-a como a busca de organização do trabalho de cuidar e educar crianças de 0 a 6 anos, em creches e pré-escolas, complementando a ação da família e da comunidade. (FARIA, 2007, p. 20).

Para Sanches (2015), a transição foi um processo rico e que despertou

para a construção de uma proposta pedagógica de qualidade para Educação

Infantil, em que unir as duas realidades históricas com linguagens próprias

tornava-se um movimento importante, ou seja, considerar a história que as

creches já tinham e que não poderia ser negada.

Nos anos seguintes, ocorreram avanços políticos importantes e

publicações de documentos norteadores de propostas curriculares para a

infância paulistana, conforme o quadro abaixo:

Ano Propostas

2002 Transição das Creches da Secretaria da Assistência Social (SAS) para

a Secretaria Municipal de Educação (SME).

Publicação das Diretrizes de Integração das Creches ao Sistema

Municipal de Ensino de São Paulo.

2003 Criação dos Centros Educacionais Unificados (CEUs), que reúnem

CEI, EMEI e EMEF e incluem ações de educação, cultura, esporte e

lazer, nos bairros periféricos da cidade.

Início do Programa ADI Magistério, oferecido aos Auxiliares de

Desenvolvimento Infantil, voltado para a reestruturação da carreira dos

profissionais da infância.

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2004 Transformação do cargo de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil (ADI)

para Professor de Desenvolvimento Infantil (PDI); publicação da

Orientação Normativa nº01/2004.

Criação dos Centros de Educação e Cultura Indígena (CECIS), nas

aldeias Tekoa Pyau (Jaraguá), Krukutu e Tenondé Porã (Parelheiros).

2006 Publicação dos documentos “A Rede em rede: a formação continuada

na Educação Infantil” e “São Paulo é uma escola – Manual de

Brincadeiras”.

2007 Publicação das “Orientações Curriculares: expectativas de

aprendizagens e orientação didática – Educação Infantil” e “Tempos e

espaços para a infância e suas linguagens nos CEIs, Creches e EMEIs

da cidade de São Paulo”.

2009 Publicação de documentos pelo Ministério de Educação: “Indicadores

de Qualidade na Educação Infantil – autoavaliação participativa”,

“Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil”; e a

republicação dos “Critérios para um atendimento em Creches que

respeite os Direitos Fundamentais das Crianças – 2ª edição”

2010 Publicação pelo Ministério de Educação: “Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação Infantil”; publicação de “Cadernos da

Rede: Formação de gestores”.

2011 Publicação “Cadernos da rede: Formação de Professores”.

2012 Criação do Centro Municipal de Educação Infantil (CEMEI); Publicação

das “Orientações Curriculares: expectativas de aprendizagens e

orientações didáticas: Educação Infantil Escolar Indígena”.

2013 Instituição do Programa Mais Educação São Paulo – Programa de

Reorganização Curricular e Administrativa, Ampliação e

Fortalecimento da Rede Municipal de Ensino de São Paulo.

Desenvolvimento do Programa SP Carinhosa, para a promoção do

desenvolvimento integral da 1ª infância. Publicação do documento:

“Orientação Normativa nº 01/2013: Avaliação na Educação Infantil:

aprimorando os olhares”.

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2014 Aplicação dos Indicadores de Qualidade na Educação Infantil (MEC)

por 441 Unidades Educacionais do município. Devolutiva das

Unidades Educacionais que aplicaram os indicadores para a

construção do documento paulistano com as singularidades da Rede

Municipal de Educação de São Paulo (RMESP).

2015 Construção do documento pela RME/SP “Indicadores da Qualidade na

Educação Infantil Paulistana” (versão preliminar) – autoavaliação

participativa e aplicação em todas as unidades de Educação Infantil;

comemoração dos 80 anos da Educação Infantil Paulistana.

Publicações: “O uso da tecnologia e da linguagem midiática na

Educação Infantil” e “Padrões Básicos de Qualidade da Educação

Infantil Paulistana”. Assinatura do 1º Plano Municipal de Educação

(2015-2025) da cidade de São Paulo.

Quadro 1: História da Educação Infantil Paulistana, PMSP, SME, 2015

A evolução recente das legislações no Brasil e, em especial no município

de São Paulo, revelam a tentativa das políticas públicas e dos movimentos em

defesa da infância. Buscam promover a democratização do acesso à educação,

ao mesmo tempo que garante certos padrões básicos de qualidade para creches

e pré-escolas (Campos, 2015). Porém a garantia do acesso ainda é um dos

grandes desafios.

Na perspectiva de acesso e qualidade e para atender ao disposto no

Plano Nacional de Educação (2014-2024), aprovado pela Lei nº 13.0005/14, no

que tange a meta 1, mencionada anteriormente, foi elaborado o documento

“Padrões Básicos de Qualidade da Educação Infantil Paulistana”. Para tal,

organizou-se um Grupo de Estudos e Trabalho (GT) coordenado pela Divisão de

Orientação Técnica Educação Infantil (DOT- EI) em parceria com a Assessoria

Técnica e de Planejamento (ATP) da Secretaria Municipal de Educação (SME)

e Supervisores Escolares das cinco regiões da cidade.

Os Padrões Básicos de qualidade da Educação Infantil deviam ser claros

e gerais e também servir de parâmetro para todos sujeitos envolvidos no

processo educativo de crianças de 0 a 5 anos de idade, proporcionando

condições de observar, compreender e acompanhar a qualidade social do

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atendimento nas Unidades de Educação Infantil da Cidade de São Paulo. (SÃO

PAULO, SME/DOT, 2015)

O documento dialoga com os “Indicadores da Qualidade na Educação

Infantil Paulistana”, com base na publicação pelo MEC em 2009 dos “Indicadores

da Qualidade na Educação Infantil”, todos na perspectiva da construção de uma

política pública de Educação Infantil, que busca a garantia dos direitos das

crianças e na construção de uma cultura de Autoavaliação Institucional

Participativa, que contempla o envolvimento de todos os sujeitos das UEs,

fortalecendo assim uma gestão democrática pautada em princípios éticos,

estéticos e políticos.

A Educação Infantil paulistana iniciou sua história com os parques infantis

instituídos por Mario de Andrade, em 1935, e completou 80 anos em 2015,

apesar de todos avanços apontados desde a Constituição Federal de 1988, a

Educação Infantil ainda percorre um longo caminho na consolidação de

concepções que assegurem os direitos do desenvolvimento integral da criança.

Neste contexto que se inscreve são necessárias propostas para a

ampliação e fortalecimento dos debates sobre a qualidade social da educação

de crianças de 0 a 5 anos de idade. Pensar na Educação Infantil no município

de São Paulo é sempre um desafio, pois trata-se de um Sistema Educacional

com números sem precedentes em todo território nacional. Enfrentar este

desafio é contribuir para a qualidade social da educação da infância não apenas

paulistana, mas a brasileira e para além das fronteiras (São Paulo, SME/DOT,

2015).

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Fig.3. Janelas. Foto-ensaio composto por duas fotografias digitais retiradas durante a visita à

cidade de Reggio Emilia e no bairro de Higienópolis em São Paulo.

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2 O CAMINHO METODOLÓGICO DA PESQUISA

“O eco não dá para ver porque ele está lá fora.” C. (3 anos) Escola

Themaeducando / SP

O percurso metodológico escolhido neste trabalho contempla a pesquisa

de natureza qualitativa, considerando os objetivos propostos e as possibilidades

de adentrar no universo do objeto de estudo, articulando e ampliando a análise.

Traz a pesquisa bibliográfica e análise documental para recolhimento de dados.

Tais escolhas de direcionamento metodológico buscam, por meio do objetivo

proposto, analisar criticamente os documentos oficiais que concebem o Currículo

Integrador da Infância Paulistana e estabelecer pontes com a proposta educativa

da cidade de Reggio Emilia, situada na região norte da Itália.

A pesquisa científica, segundo Chizzotti (2013), caracteriza-se pelo

esforço sistemático de explicar ou compreender os dados encontrados,

pressupõe teorias ou visões de mundo, que moldam a atividade investigativa e

auxiliam a pesquisa. Na sua forma, não apresenta um padrão único, podendo

ser analisada a partir do contexto e da concepção dos objetivos, valores e cultura

do investigador.

Neste contexto, o caminho metodológico para a realização do estudo

contempla uma abordagem qualitativa alicerçada na ênfase do autor que afirma:

A pesquisa qualitativa recobre, hoje, um campo transdisciplinar, envolvendo as ciências humanas e sociais, assumindo tradições ou multiparadigmas de análise, derivadas do positivismo, da fenomenologia, da hermenêutica, do marxismo, da teoria crítica e do construtivismo, e adotando multimétodos de investigação para o estudo de um fenômeno situado no local em que ocorre, e, enfim, procurando tanto encontrar sentido desse fenômeno quanto interpretar os significados que as pessoas dão a eles. (CHIZZOTTI, 2013, p. 28)

A escolha deste percurso metodológico tem suas implicações, visto que a

primeira etapa da educação básica, Educação Infantil, se torna o campo desta

pesquisa, especialmente na análise sobre a construção de um currículo para

infância. Segundo o autor Chizzotti (2013), a pesquisa qualitativa implica uma

partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem objetos de pesquisa.

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Para desenvolver a pesquisa, Chizzotti (2013) enfatiza a importância de

uma metodologia de trabalho estruturada, com procedimentos e regras

operatórias coerentes com a concepção da realidade e a teoria do conhecimento:

“Recorre, para isso, a algumas técnicas ou instrumentos de coleta de dados que

estarão conexos e subordinados aos procedimentos adotados na pesquisa”

(p.27).

Na abordagem qualitativa, a relação do pesquisador com o objeto

apresenta um ponto positivo, considerando que o pesquisador não se apresenta

como um relator passivo, podendo dar um sentido social mais adequado,

organizando e promovendo uma contribuição científica à temática pesquisada.

Essa escolha de pesquisa qualitativa se fundamenta ainda na

rigorosidade e no tratamento das informações e dados:

Cresce, porém, a consciência e o compromisso de que a pesquisa é uma prática válida e necessária na construção solidária da vida social, e os pesquisadores que optaram pela pesquisa qualitativa, ao se decidirem pela descoberta de novas vias investigativas, não pretenderam nem pretendem furtar-se ao rigor e à objetividade, mas reconhecem que a experiência humana não pode ser confinada aos métodos monotéticos de analisá-la e descrevê-la. (CHIZZOTTI, 2010, p.58)

Para dialogar com novas vias investigativas, a pesquisa parte da

identificação de um problema. Logo, ainda para o autor, o problema escolhido

não é algo distante que o pesquisador se predispõe a explicar, mas sim um

processo que se define e delimita na exploração do contexto social em que se

realiza a pesquisa, e este aspecto se relaciona diretamente ao problema

apresentado, uma vez que a observação e a análise dos dados são frutos de um

contato que exige tempo.

A identificação do problema e sua delimitação pressupõem uma imersão do pesquisador na vida e no contexto, no passado e nas circunstâncias presentes que condicionam o problema. Pressupõem também uma partilha prática nas experiências e percepções que os sujeitos possuem desses problemas, para descobrir os fenômenos além de suas aparências imediatas. A delimitação é feita, pois, em campo onde a questão inicial é explicitada, revista e reorientada a partir do contexto e das informações das pessoas ou grupos envolvidos na pesquisa. (CHIZZOTTI, 2010, p. 81)

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Essas considerações alicerçam a escolha do percurso metodológico

qualitativo desta pesquisa, dessa forma lança-se mão prioritariamente da

pesquisa bibliográfica e documental para obter o entrecruzamento dos

referenciais teóricos com o objeto investigado, permitindo assim uma análise.

2.1. Coleta de dados: pesquisa bibliográfica e análise documental

A pesquisa bibliográfica teve como objetivo uma melhor aproximação do

pesquisador com o objeto em estudo, oferecendo possibilidades de fazer um

levantamento do que já foi publicado sobre um tema específico.

Severino (2007, p.122) diz que a pesquisa bibliográfica “[...] é aquela que

se realiza a partir do registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em

documentos impressos, como livros, artigos, teses, etc.”, que, pressupõe leitura,

interpretação e cruzamento de dados relacionados ao tema da pesquisa. E

complementa com a ideia de que “parte sempre do mais geral para o mais

particular e do mais recente para o mais antigo, ressalvando-se, o caso dos

documentos clássicos”.

Marconi e Lakatos (2003) chamam a atenção para o fato de que não se

trata de mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre determinado assunto,

mas propicia um novo olhar ou enfoque, produzindo diferentes conclusões.

Para Gil (2002, p.45), a principal vantagem da pesquisa bibliográfica é

“permitir ao investigador a cobertura e uma gama de fenômenos muito mais

ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente”. Tal pesquisa contribui

de forma direta com o pesquisador, além de ampliar as possibilidades de

concepções e visão acerca de determinado tema. Nesta pesquisa, a vantagem

citada pelo autor é importante, já que é necessário considerar o fato de que o

tema da pesquisa se constitui como políticas educacionais, respeitando-se

principalmente as características municipais.

A articulação da pesquisa bibliográfica com a pesquisa documental se faz

pela semelhança no sentido de que

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[...] Enquanto a pesquisa bibliográfica se utiliza fundamentalmente de contribuições dos diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental vale-se da materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa. (GIL, 2002, p.45)

A análise documental é utilizada como uma técnica valiosa de abordagem

de dados qualitativos, fundamental para uma pesquisa sistemática, pois explicita

a situação atual de um determinado assunto e traça a evolução histórica de um

problema, podendo contribuir com informações ou acrescentando novos

aspectos à pesquisa.

A partir dela podemos, ainda, descobrir os tipos de investigação já

realizados, ou instrumentos desenvolvidos, pressupostos teóricos assumidos e

explicações já construídas. É considerada uma fonte natural de informações,

podendo vir a confirmar outras informações.

De acordo com Chizzotti (2010), quem desenvolve pesquisas não pode

dispensar as informações documentadas, pois elas nos permitem verificar o que

falta investigar, os problemas controversos e obscuros. Laville (1999, p. 168)

acrescenta que “[...] os documentos não são arquivos ultrapassados, mas

veículos vivos de informação”.

Severino (2007, p. 122-123) reforça a escolha por coleta de dados, pois

acredita que:

Tem-se como fonte documentos no sentido amplo, ou seja, não só documentos impressos, mas sobretudo de outros tipos de documentos, tais como jornais, fotos, filmes, gravações, documentos legais. Nestes casos os conteúdos dos textos ainda não tiveram nenhum tratamento analítico, são ainda matéria-prima, a partir da qual o pesquisador vai desenvolver sua investigação e análise.

Gil (2002) classifica os documentos em dois tipos de fontes: os

documentos de primeira mão e os documentos de segunda mão.

[...] Existem, de um lado, os documentos de primeira mão, que não receberam qualquer tratamento analítico, tais como: documentos oficiais, reportagens de jornal, cartas, contratos, diários, filmes, fotografias, gravações, etc. De outro lado, existem os documentos de segunda mão, que de alguma forma já forma analisados, tais como: relatórios de pesquisa, relatórios de empresas, tabelas estatísticas, etc. (GIL, 2002, p.66)

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Richardson et al. (2012, p. 231) também valida o aporte para a escolha,

em que o autor pontua que “[...] o investigador formula um problema e os

objetivos da pesquisa, devendo recolher os documentos susceptíveis de

oferecer as informações necessárias”.

Desse modo, subsidia esta pesquisa a análise crítica dos documentos

citados abaixo com a intenção de articular analiticamente os princípios teóricos

e concepções de currículo propostos pela abordagem educativa de Reggio

Emilia com os propostos pela Rede Municipal de Ensino de São Paulo para

crianças de 4 (quatro) e 5 (cinco) anos de idade.

Documentos para pesquisa:

a) Lei nº 9394/96: dispõe sobre as diretrizes e bases da educação nacional

(BRASIL, 1996).

b) Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013: altera as diretrizes e bases da

educação nacional.

c) Lei nº 13.005 de 25 de junho de 2014 (PNE): dispõe sobre o Plano

Nacional de Educação.

d) Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL,

2010).

e) Programa Mais Educação São Paulo: subsídios para a implantação/ SME/

DOT, 2014.

f) Orientação Normativa nº 01/2013 “Avaliação na Educação Infantil:

aprimorando os olhares”, São Paulo, 2014.

g) Orientação Normativa nº 01/2015 “Padrões Básicos de Qualidade na

Educação Infantil Paulistana”, São Paulo, 2015.

h) Currículo Integrador da Infância Paulistana, SME, São Paulo, 2015.

i) Indicadores de Qualidade da Educação Infantil Paulistana, SME, São

Paulo, 2016.

j) Regimento Escolas e Creches para a Infância da Comunidade de Reggio

Emilia, 2013.

k) Instituizone del Ayuntamiento de Reggio Emilia Y Reggio Children, 2008.

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58

Os documentos foram analisados no “corpus” da pesquisa, com o intuito

de obter informações que possam contribuir para compreensão do currículo

proposto para infância nos dois contextos mencionados e apresentados como

questões problema da pesquisa.

Os procedimentos de pesquisa bibliográfica e análise documental permitiu

elaborar uma síntese interpretativa a partir do diálogo entre os objetivos do

estudo e a base teórica adotada. Além de apresentar uma síntese reflexiva dos

argumentos essenciais que trouxeram à luz o objeto de estudo, tecendo algumas

considerações na direção de apontar contribuições da pesquisa para a reflexão

sobre o currículo integrador para a Educação Infantil Paulistana.

As narrativas visuais foram elaboradas para estabelecer um diálogo entre

os dois contextos apresentados na pesquisa. O propósito da escolha foi por

considerar as imagens fotográficas como potentes instrumentos de investigação.

Roldán e Viadel (2012) trazem em seu livro a definição de alguns conceitos para

a metodologia artística de investigação, sendo um deles o foto-ensaio, escolha

desta pesquisa.

Galvani (2016, p. 102) pontua que “o foto-ensaio é composto por uma

série de fotografias juntas, que transmitem uma narrativa visual e estabelecem

conexões e interpretações uma imagem com as outras, e que juntas possibilitam

possíveis interpretações e significados para compreender com suficiente nitidez

uma ideia ou um pensamento.”

2.2. Cenário da pesquisa

A Educação Infantil do Município de São Paulo, contexto desta pesquisa,

iniciou a rede com três Parques Infantis; em 2015, completou 80 anos; e

atualmente tem aproximadamente 2.316 Unidades Educacionais, considerada a

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maior Rede Pública de Educação Infantil da América Latina, atendendo, em

2016, mais de 470 mil educandos13.

Nesses mais de 80 anos, a Rede buscou não somente a ampliação física

com a construção de novas unidades, como também atender a várias tendências

pedagógicas que correspondiam aos contextos históricos e políticos de cada

época. Tendo a capilaridade de informações como grande desafio, uma vez que

a quantidade de escolas, profissionais, crianças e famílias apresentam uma

outra dimensão, a estratégia de reuniões por representatividade tornou-se uma

alternativa para este contexto, já que a rede tem como princípio um diálogo entre

o quantitativo e o qualitativo.

Atualmente, assume o compromisso de garantir que todas as crianças

possam viver a infância em sua plenitude, sendo consideradas como sujeitos de

direito e que tenham suas vozes como ponto de partida para as propostas

pedagógicas desenvolvidas. Para tanto, a Secretaria Municipal de Educação –

Divisão de Orientação Técnica de Educação Infantil (DOT – EI) vem pautando

suas ações com o objetivo de desenvolver um trabalho de efetiva qualidade

social, considerando a diversidade, complexidade e singularidade de cada

Unidade Educacional e seu contexto.

Na busca desse objetivo, desde 2013, a DOT – EI desenvolve com a Rede

Municipal de Ensino de São Paulo uma série de ações articuladas que visam a

implantação de políticas públicas para a qualidade social da Educação Infantil,

sempre em parceria com os atores que estão diretamente envolvidos nas ações

cotidianas. Tais ações revelam a necessidade de se pensar a Auto Avaliação

Institucional participativa, bem como a proposição do Currículo Integrador para

e com as infâncias presentes no município.

Para atender as demandas educacionais da infância no contexto atual e

trabalhar na construção de uma pedagogia que oriente a Rede Municipal de

Ensino de São Paulo – uma proposta já anunciada em vários documentos

publicados pela Secretaria Municipal de Educação (SME)14 –, o documento

13 Dados do sistema Escola On-Line (EOL) – data-base: fevereiro de 2016.

14 Dentre eles as Diretrizes contidas no Programa de Reorganização Curricular “Mais Educação São

Paulo”, Reorganização Curricular e Administrativa, Ampliação e Fortalecimento da Rede Municipal de

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“Currículo Integrador da Educação Infantil Paulistana” é apresentado, além de

servir como subsídio para os educadores refletirem sobre suas práticas

pedagógicas.

O Currículo Integrador reconhece a infância como uma construção social e histórica em que bebês e crianças são sujeitos de direitos, autônomos, portadores e construtores de histórias e culturas, produzem, em sua experiência com o meio e com os outros, sua identidade (sua inteligência e sua personalidade). (SÃO PAULO, 2015, p.11)

Tal documento, em sua elaboração, buscou diversas referências, sendo

uma delas a abordagem educativa de Reggio Emilia. A cidade situada ao norte

da Itália ganhou destaque no cenário mundial da Educação Infantil na década de

1990, quando foi divulgada por pesquisadores norte-americanos. Tal abordagem

parte da concepção de imagem de criança potente, rica, participante ativa na

construção de sua aprendizagem. (MALAGUZZI, 1999)

Reggio Emilia e sua abordagem educativa tão inspiradora tem aguçado o

diálogo e a troca em diferentes contextos, mas não se trata de reproduzir um

modelo que funciona bem naquele território, com suas características e culturas

singulares, mas sim estabelecer pontes de conexão entre o ideal, o real e o

possível.

Ensino de São Paulo, a Orientação Normativa nº 01/13 e a Avaliação na Educação Infantil: aprimorando

os olhares.

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61

Fig.4. Descobertas I. Foto-ensaio composto por duas fotografias digitais retiradas da Orientação

Normativa nº01/13 (São Paulo, 2014) e do site da Secretaria Municipal de Educação de São

Paulo.

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3 ENCANTO E COERÊNCIA: UMA NOVA PROPOSTA

CURRICULAR PARA INFÂNCIA PAULISTANA

“La pelle è diversa ma i pensieri no, se io gli dico tutti i miei pensieri allore

certi li capisce anche lui e io chapisco i suoi.” (In viaggio coi diritti dele

bambine e dei bambini, 1995). Autori i bambini stessi

Corteja-se, neste capítulo, apresentar a articulação necessária para a

ponte que será estabelecida com o a proposta do “Currículo Integrador para

Educação Infantil Paulistana” e a abordagem educativa para infância de Reggio

Emilia. A cidade ganhou destaque no cenário mundial da Educação Infantil na

década de 1990 ao ser divulgada por pesquisadores norte-americanos, como um

dos melhores sistemas municipais de educação para a infância do mundo,

atraindo assim pesquisadores de diferentes países, inclusive do Brasil. Ao longo

dos últimos 50 anos, educadores, pais e cidadãos da cidade trabalharam juntos

para construir um sistema público de cuidado e educação, que combina

conceitos de serviços sociais e educação.

3.1. Despontar de uma nova proposta

Em 2013, a Rede Municipal de Ensino de São Paulo passou pela

implantação e implementação da Reorganização Curricular e Administrativa,

Ampliação e Fortalecimento da Rede Municipal de Ensino, com o “Programa

Mais Educação São Paulo: subsídios para a implantação”15.

O programa tem como fundamento a melhoria das propostas pedagógicas

em diálogo com a realidade das Unidades Educacionais (UE) de Educação

15 Ao Programa Mais Educação São Paulo: subsídios para a implantação / Secretaria Municipal de Educação – São Paulo: SME / DOT, 2014, (Decreto número 54.452, de 10 de outubro de 2013), será utilizado a sigla PMESP. Este programa foi criado em consonância com o Programa Mais Educação, instituído pela Portaria Interministerial nº17/2007 e regulamentado pelo Decreto 7.083/10, que constituiu-se como estratégia do Ministério da Educação para induzir a ampliação da jornada escolar e a organização curricular na perspectiva da Educação Integral.

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Infantil e Ensino Fundamental. Supõe-se uma inovação baseada na construção

de um novo currículo e de seu acompanhamento junto aos educadores. Desta

forma, utilizou a elaboração colaborativa, coletiva e democrática como processo,

por meio de consulta pública e do “Seminário Interno Mais Educação São Paulo”,

para reunir equipes técnicas e dirigentes dos vários setores da SME que

colaborassem com a implantação do programa. Como resultado deste

Seminário, em 2014, foi publicado o documento com todas as etapas do

programa, a fim de subsidiar os planejamentos e a elaboração dos Projetos

Políticos Pedagógicos das UEs. (SÃO PAULO, 2014)

A premissa maior de todas as ações da Rede Municipal de Ensino, em

função do propósito do movimento de reorganização curricular, que mobiliza as

práticas docentes, as propostas de gestão e as iniciativas de formação de

educadores, está relacionada à melhoria da aprendizagem dos educandos.

A discussão curricular presente no programa está fundamentada na

reflexão sobre o currículo como movimento, a gestão como investigação e a

formação como o aprendizado das perguntas. O currículo considera os tempos,

ritmos e características dos educandos, sem o discurso lacunar que o observa a

partir do que lhe falta, fazendo com que seja compreendido como um “vir a ser”.

Nesta perspectiva que se compreende o currículo como um movimento, um

processo sócio-histórico cultural. No documento é afirmado que “O grande

desafio, (...) é articular formação, avaliação e Gestão Pedagógica em um

movimento curricular que realize a relação entre teoria e prática, que são

distintas (uma ilumina a outra, sem substituí-la ou confundir-se com ela)”. (SÃO

PAULO, 2014, p.12)

A necessidade da integração entre as etapas e modalidades da Educação

Básica e os desdobramentos de aspectos específicos relacionados aos temas

da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e Médio e da Educação de Jovens

e Adultos é um ponto destacado no programa, em que a estruturação dos

conteúdos é apresentada em dois grandes eixos, sendo o primeiro “Qualidade”

e o segundo “Gestão” (PMESP, 2014).

O eixo “Qualidade” trouxe a problematização do conceito de qualidade

social relacionado ao currículo, a compreensão das UEs como espaço de

desenvolvimento cultural, investigação cognitiva e de formação ética. Nos

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documentos PMESP (2014), o autor Alípio Casali conceituou currículo de forma

ampliada e crítica:

Um percurso e experiência de formação que se faz numa prática social de ensino-aprendizagem, de ensino e pesquisa, que implica todos os sujeitos vinculados direta ou indiretamente à instituição educacional, que inclui vivências subjetivas e sociais, conhecimentos e atividades, em que se manejam conteúdos e processos disciplinares e interdisciplinares, em realizações teóricas e práticas, explícitas e implícitas, didáticas e organizacionais, sistêmicas e subjetivas, cognitivas, emocionais e comportamentais, endógenas e exógenas, éticas e estéticas, instituídas e instituintes, conservadoras e inovadoras, interativas, integradas, em ambientes de inovações tecnológicas, que tem como objetivo (e se faz por meio de) a construção da autonomia dos sujeitos implicados, no mundo das suas subjetividades, diferenças, culturas, trabalho e cidadania. (CASALI apud SÃO PAULO, 2014, p.15)

Segundo o autor, a qualidade social da educação é orientada por valores

intangíveis que interferem nas relações entre as pessoas e com o ambiente, e a

garantia dos direitos está relacionada à busca pela qualidade social da

educação. Nos direitos sociais estão articulados, também, os direitos de

aprendizagem, afirmando assim o papel da escola na sociedade.

O segundo eixo “Gestão” trata da Gestão Pedagógica, da Gestão

Democrática e da Gestão do Conhecimento, com o intuito de fornecer aos

profissionais da RME referenciais para novas práticas, a partir de investigação

em seus contextos específicos, seja em sala de aula, na gestão pedagógica ou,

ainda, nos processos formativos.

Tal documento não teve como pretensão esgotar a totalidade dos temas

trabalhados, mas fornecer subsídios concretos que pudessem ser utilizados de

forma autoral por todos os profissionais da RME, num processo de ação-

reflexão-ação. Ainda como referencial fundamental ao trabalho de construção de

um novo currículo, em 2013, foi organizado o Grupo de Trabalho Avaliação na

Educação Infantil – GT Avaliação, para a elaboração da “Orientação Normativa

nº 01/2013 – Avaliação na Educação Infantil: aprimorando os olhares”, que traz

também a ideia de apoiar as Unidades Educacionais de Educação Infantil da

Rede no contínuo aprimoramento de suas práticas pedagógicas, a partir da

reflexão acerca da Concepção de Educação Infantil, de Criança e Infância, de

Currículo, do Perfil do Educador(a) da Infância, da Participação da Família e de

outros itens que compõe o Projeto Político Pedagógico. Tais concepções se

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apresentam articuladas “a ideia de criança potente, criativa, inventiva, sujeito de

direitos que se constitui no tempo e no espaço social, e que a partir de seu modo

próprio de ver e compreender o mundo produz as culturas infantil”. (SÃO PAULO,

2014, p.13)

Na “Orientação Normativa nº 01/2013 – Avaliação na Educação Infantil:

aprimorando os olhares”, a construção de um currículo integrador aparece de

maneira forte e abrangente a partir de subsídios que rompam com a cisão

existente entre as etapas e modalidades da Educação Básica, e com a cisão

entre: “o brincar e o aprender, o corpo e a mente, a Unidade Educacional e a

Família, o Currículo e o Projeto Político pedagógico, a prática pedagógica e a

avaliação, os adultos e as crianças, a cidade e as infâncias”. (SÃO PAULO, 2014,

p.6)

A partir das propostas anunciadas em tais documentos e da ampla

discussão e construção coletiva,16 em 2015 foi publicado “Currículo Integrador

da Infância Paulistana”.

3.2. O Currículo Integrador da Infância Paulistana

Fig.5. Relações. Foto-ensaio composto por uma fotografia digital retirada do documento

Currículo Integrador da Infância Paulistana (São Paulo, 2015, capa).

16 Num primeiro momento, as discussões e construções coletivas ocorreram com as equipes das

Diretorias de Orientação Técnica das Diretorias Regionais de Educação (DREs) e, posteriormente, com as

equipes das Unidades Educacionais (UEs), quando foram realizados treze Seminários Regionais, um em

cada DRE. (São Paulo, 2015).

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Por que um “Currículo Integrador da Infância Paulistana”? Pergunta que

abre o documento e convida para reflexão sobre as cisões históricas entre os

espaços educacionais de atendimento às crianças de 0 a 12 anos, por meio de

rupturas que distanciam as propostas pedagógicas da Educação Infantil e do

Ensino Fundamental.

A constituição desse currículo para Educação Infantil Paulistana foi

pensada para que os educadores pudessem compartilhar concepções e

princípios sobre as diversas infâncias e seus direitos, envolvendo um trabalho

coletivo das Unidades Educacionais. Um convite para planejar as propostas

pedagógicas fundamentadas na acolhida e no respeito às vozes das crianças,

assim como na organização dos tempos, espaços e materiais. O currículo

integrador contempla a importância do brincar, a integração de saberes de

diferentes componentes curriculares, as culturas infantis e culturas da infância,

em permanente diálogo. (SÃO PAULO, 2015)

A proposta pressupõe subverter a lógica adultocêntrica, na qual “[...] tudo

passa a ser visto e sentido segundo a ótica do adulto, ele é o centro” (GOBBI,

1997, p.26). Dessa forma, desconstrói as concepções de infâncias cristalizadas,

que tratam as crianças como se fossem todas iguais, de forma massificada,

uniforme e anônima. “Estas concepções contribuem para a invisibilidade das

crianças e das infâncias reais, pois não revelam suas identidades,

singularidades, histórias, culturas, pertencimentos, diversidades e contextos de

vida”. (SÃO PAULO, 2015, p.10)

Pensar o Currículo Integrador nessa ótica significa também romper com a

ideia de um “currículo colonizador”, ou seja, aquele que privilegia um único modo

de olhar e produzir conhecimento, desarticulado das realidades dos sujeitos que

compõem a comunidade escolar, ao mesmo tempo que rejeita e ignora

diferentes formas de construção de conhecimento que não aquelas consolidadas

histórico e culturalmente para legitimar a superioridade de uma cultura em

relação a outras.

Portanto, o Currículo Integrador reconhece a infância como uma

construção social e histórica e as crianças como participantes e protagonistas

nas sociedades em que estão inseridas, consolidando [...] uma imagem de

criança competente, ativa e crítica, repleta de potencialidades desde o

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nascimento. (SÃO PAULO, 2015, p. 11). Esta visão de infância e criança rompe

com concepções que fundamentaram propostas pedagógicas e currículos com

tendências assistencialistas, compensatórias, preparatórias e escolarizantes, e

convidam os educadores a olhar criticamente as relações hierarquizadas e de

poder entre adultos e crianças, justificadas pela superioridade etária e

intelectual.

É um convite também para olhar o brincar como condição para o

desenvolvimento humano, em que a brincadeira é a principal atividade das

crianças, lugar onde emergem experiências, descobertas e aprendizagens. O

Currículo Integrador acredita que:

As relações possibilitadas pelo brincar (pela exploração livre e autônoma com objetos intencionalmente oferecidas pela educadora e pelo educador para provocar novas experiências para bebês e crianças) e pelas experiências vividas com as outras pessoas vão se ampliando e se sofisticando, e as crianças, mais do que interessar-se pela exploração dos objetos em si (suas características e possibilidades), passam a se interessar pelo uso que os adultos fazem dos objetos. (SÃO PAULO, 2015, 58)

É durante a brincadeira que as crianças exercitam a função simbólica,

podem colocar-se no lugar de outra pessoa, reconhecer-se e reconhecer o outro.

O brincar desperta na criança o desejo de desempenhar um papel social. [...]

Portanto, o conteúdo da brincadeira é o ser humano, suas atividades e suas

relações. (SÃO PAULO, 2015, p. 59)

O papel do educador é de ser participante, observador sensível e

propositor de contextos que possam cada vez mais potencializar a brincadeira

das crianças. Para o Currículo Integrador:

Ao criar condições adequadas para que a brincadeira ocorra, educadores e educadoras do Ensino Fundamental e da Educação Infantil criam condições para uma educação promotora do máximo desenvolvimento humano na infância. [...] o brincar é uma linguagem de expressão por meio da qual as crianças aprendem sobre o mundo das coisas e das relações humanas, constroem e transformam sua personalidade e inteligência. [...] brincar não é perda de tempo em nenhuma circunstância. Ao contrário, é linguagem de aprendizado típica de uma idade e, por isso, essencial e necessária ao desenvolvimento humano. (SÃO PAULO, 2015, p.59-60)

A infância está presente na Educação Infantil e no Ensino Fundamental

de forma viva e precisa ser olhada em suas diversidades e potencialidade, a

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partir de um currículo que rompe a cisão entre o corpo e a mente, a razão e a

fantasia, as concepções e as práticas pedagógicas, o brincar e o aprender, o

tempo/ritmo das crianças e o tempo institucional, este é o desafio para a Rede

Municipal de Ensino de São Paulo. Para tal, o documento aponta alguns

princípios:

- A educação de 0 a 12 anos se organiza sem rupturas, num conjunto articulado,

orgânico e sequencial, que aproxima as concepções e as práticas que as

concretizam.

- A educação articula as experiências vividas e os saberes social e

historicamente acumulados, integra vida cotidiana e experiências educacionais.

- As infâncias são singulares e múltiplas, pois existem várias formas de ser

criança. Por isso, o trabalho pedagógico organiza espaços, tempos e vivências

para as diferentes manifestações expressivas das crianças.

- Uma relação de compreensão e respeito entre adultos e crianças,

cuidadosamente pensada para superar a dominação etária, religiosa, étnica, de

gênero, socioeconômica, ideológica e cultural. (SÃO PAULO, 2015)

O Currículo Integrador compreende a educação como um espaço que

integra vida em uma experiência inteira e socialmente relevante para a educação

das infâncias. A organização do currículo considera que os conhecimentos não

devem ser fragmentados em disciplinas estanques, sem diálogo com a vida. O

Projeto Político-Pedagógico das Unidades Educacionais baseia-se na

interdisciplinaridade para promover igualdade na apresentação das diversas

linguagens ou áreas de conhecimento. As dimensões do educar e do cuidar, em

sua inseparabilidade, são recuperadas, enfatizando o desenvolvimento integral

do educando.

Dentro de cada Unidade Educacional há um coletivo carregado de

histórias e contextos singulares, em que as crianças se reconhecem, alicerçam

seus percursos e constroem suas identidades. Cada sujeito é único, este

reconhecimento pressupõe por parte dos educadores uma postura aberta à

imprevisibilidade e à acolhida das demandas das crianças. As rotinas devem ser

planejadas para promover a interação e a participação, portanto cabe à escola

ser um espaço de valorização e respeito ao coletivo e às individualidades. “Isso

significa considerar que ‘crianças inteiras’ aprendem com o ‘corpo todo’ de forma

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complexa e que a educação não pode desconsiderar essa inteireza, uma vez

que pensamento e movimento constituem os processos de construção de

conhecimento”. (SÃO PAULO, p 29, 2015)

O documento apresenta também fundamentos para uma relação de

autoria e protagonismo, tanto do educador, quanto da criança, em que um

protagonismo não deve inviabilizar o outro, pelo contrário, o protagonismo do

adulto deve promover o protagonismo das crianças. Neste sentido, o educador

é aquele que planeja contextos potentes para descoberta e curiosidade das

crianças, culminado na produção e ampliação de seu conhecimento. Educadores

e crianças percebem-se investigadores no processo educativo comprometidos

com a aprendizagem significativa.

Os educadores são responsáveis por repensar os tempos e espaços na

Educação Infantil e no Ensino Fundamental, propondo novas experiências que

favoreçam interações e conhecimento de mundo, em um constante exercício de

coerência entre as concepções apresentadas para discussão no documento e

as escolhas pedagógicas do cotidiano.

Para o Currículo Integrador [...] o fazer docente se constitui não apenas pela formação acadêmica inicial, nem apenas na formação continuada nos tempos de estudo coletivo nas Unidades Educacionais em que atuam. [...] se dá também na relação com a prática pedagógica, no conhecimento e estabelecimento de vínculos com a criança. Dá-se pelo diálogo, observação, reflexão, planejamento individual e coletivo dos tempos e espaços por meio das relações que se estabelecem nas Unidades Educacionais, (inclusive entre a escola e as famílias/responsáveis) e, ainda, pelas vivências organizadas para e com as crianças. (SÃO PAULO, 2015, p.40)

O Currículo Integrador em diálogo com outros documentos publicados

pela SME avança na reflexão sobre um currículo construído de forma menos

prescritiva e mais autoral. Nesta perspectiva de gestão democrática e

participativa, estabelecem-se pontes com os “Indicadores da Qualidade na

Educação Infantil Paulistana” (SÃO PAULO, 2015b), para ajudar os atores

envolvidos no contexto educacional a rever suas práticas educativas.

Para concretizar essas concepções e princípios, o Currículo Integrador

apresenta algumas ações como: organização dos espaços e materiais, gestão

dos tempos, experiências, vivências e expressões, diferentes linguagens, brincar

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como condição para o desenvolvimento humano e a cultura da leitura e da escrita

como função social e beleza poética.

Todo esse percurso envolve mudança nas práticas dos educadores, e

documentar esse processo é fundamental para seu próprio crescimento

profissional. Neste sentido que o Currículo Integrador apresenta a

Documentação Pedagógica como uma ferramenta para construir experiências

coletivas de observação, de interpretação e de comunicação.

O Currículo Integrador da Infância Paulistana é um documento que foi

construído a partir do coletivo, aberto para participação e autoria de todos

sujeitos envolvidos nos processos educativos. Um movimento de reorientação

curricular que considera a integralidade do sujeito para que as crianças possam

viver suas infâncias na plenitude.

3.3. Reggio Emilia: a cidade que encanta e inspira

A Itália é grande!

Reggio é um lugar no meio da Itália.

As cidades são pedaços do mundo.

Em Reggio somos todos pedaços do mundo!

(Clara, criança de 5 anos da Escola Diana)

Não se pode compreender as escolas municipais de

Reggio Emilia se não se compreender a cidade onde elas

nasceram. (Jerome Bruner)

O que é Reggio Emilia? É uma cidade situada ao norte da Itália com

aproximadamente 173.000 habitantes, que faz parte da região da Emilia

Romagna; tem como característica a tradição rural, com grande

desenvolvimento industrial, como a produção de queijo parmiggiano reggiano,

apreciado e exportado para vários países. Ainda se destacam na região da

Emília Romagna: a moda, a arte, o turismo, entre outros produtos. Para Jerome

Bruner (2004, p.27), “não é nem atordoadamente grande nem sufocadamente

pequena [é de um tamanho que] favorece a imaginação, a energia, o espírito de

comunidade”.

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Fig.6. Praça dos leões. Foto-ensaio composto por três fotografias digitais retiradas

durante à visita de Reggio Emilia.

A cidade foi fundada pelos romanos no século II a.C., o povo sempre teve

um caráter forte de independência, tendo sido o local de nascimento da Bandeira

Nacional Italiana, em 1797. No século XX, os cidadãos de Reggio Emilia tinham

um importante papel no movimento de resistência contra o fascismo e a

ocupação nazista, recebendo honras da nação. Muitos memoriais da cidade

testemunham este período na história local (PICCININI, GIUDICI, apud.

EDWARDS, GANDINI, FORMAN, 2016, p.104).

Reggio é também um sistema integrado de serviços públicos para

crianças na faixa etária de 0 a 6 anos, incluindo creches administradas pela

cidade, por cooperativas, pelo governo federal e pela Federazione Italiana

Scuole Materne (FISM). Representando um corpo único de teoria e prática sobre

o trabalho com crianças, surgindo em um contexto italiano histórico, cultural e

político bastante particulares, baseia-se em um conjunto de pressupostos de

quatro tradições intelectuais importantes: a educação progressista europeia e

americana, o construtivismo de Piaget e as psicologias sócio-históricas de

Vygotsky, as políticas de reforma italiana pós-guerra e a filosofia europeia pós-

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moderna (EDWARDS; GANDINI; FORMAN, 2016). Para compreender o

contexto que possibilitou a criação dessa abordagem educacional inovadora,

mesmo que de forma breve, percorre-se alguns fatores importantes que são

comuns a outros programas educacionais na Itália, daqueles da região de Emilia

Romagna e daqueles que são exclusivamente de Reggio Emilia.

O histórico da Educação Infantil na Itália passa pela teia de relações

conflitantes existentes há séculos entre a Igreja Católica e o Estado (formado

apenas em 1860), na disputa pelo poder. Por volta de 1820, começaram a surgir

as instituições de caridade, com os objetivos de promover melhorias de vida para

o povo pobre urbano, reduzir a criminalidade e formar melhores cidadãos. Tais

instituições, até certo ponto, foram as precursoras dos programas de educação

pública oferecidos no país para as crianças pequenas. No final do século XIX,

começa a aparecer uma preocupação na elaboração de programas financiados

por setores públicos e privados, algumas das iniciativas particulares buscam

esses apoios municipais com o intuito de afastar o caráter de caridade, tentando

articular programas de prevenção e assistência. Este período passou por

diversas influências, desde o modelo médico-sanitário de cuidados infantis, até

mudanças ideológicas marcadas pelo forte apoio das mulheres trabalhadoras e

do movimento feminista. As novas propostas visavam oferecer um serviço social

para as famílias e garantir o desenvolvimento harmonioso das crianças.

Em 1831, surge um tipo precursor de escola pré-primária dedicada a

crianças de 2 aos 6 anos, fundada por Abbot Ferrante Aporti, em Cremona, e

depois amplamente difundida, em que o ensino e a aprendizagem tinham

importância. Já na década de 1860, a influência do Jardim da Infância de Froebel

começa a ficar mais nítida na educação de crianças pequenas. (EDWARDS et

al., 1999)

No final do século XIX, as necessidades das mulheres trabalhadoras e os

cuidados e educação das crianças tornaram-se o foco das disputas, os

educadores progressistas se envolveram com as propostas e, no período entre

1904-1913, a educação na primeira infância se fortaleceu com a criação de uma

lei nacional que estabelecia uma escola de treinamento para professores e

crianças pequenas, e com a fundação da primeira “Casa das Crianças” por Maria

Montessori. No entanto, este movimento não teve o apoio do Ministério da

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Educação, permanecendo apenas no setor privado. Em 1922, o regime fascista

derruba o método de Montessori e promove apenas aquelas reformas escolares

compatíveis com o monopólio da Igreja Católica. Na década seguinte, mais de

60% das escolas pré-primárias eram dirigidas por ordens religiosas.

Em 1925, foi aprovada a Lei Nacional de Proteção e Assistência da

Infância, que auxiliou a Organização Nacional para a Maternidade e a Infância

(ONMI) a criar centros de cuidado infantil com o Ministério do Interior. Os centros

ONMI, com um modelo médico-sanitário de cuidados infantis, assumiam também

a ideologia fascista da maternidade, que, por sua vez, foi ligada à política do

regime de crescimento populacional do país. A ONMI permaneceu instalada por

ainda aproximadamente 50 anos, alterando algumas ideologias. (EDWARDS et

al, 1999)

Após tantos anos de Fascismo, as pessoas estavam encorajadas para

mudanças e para articular iniciativas com suas próprias mãos. Foi então, ao

término da Segunda Guerra Mundial, que alguns movimentos começaram a

surgir pela necessidade de reconstrução, uma vez que o governo estatal

passava por reorganizações e a Igreja Católica estava sem posição de interferir.

Algumas cidades com forte tradição de iniciativa local mobilizaram-se de forma

espontânea para estabelecer escolas coordenadas pelos próprios pais das

crianças. Na época, um jovem professor chamado Loris Malaguzzi,

posteriormente reconhecido como líder idealizador da abordagem educativa de

Reggio Emilia, tomou conhecimento de um pequeno vilarejo chamado Villa Cella,

onde algumas pessoas queriam construir e operar uma escola para crianças

pequenas, a partir da venda de um tanque de guerra, alguns caminhões e

cavalos deixados para trás pelos alemães em retirada, ou seja, resquícios da

guerra. Malaguzzi, encantado pelo empenho dos cidadãos, uniu-se ao grupo e

construíram a primeira escola, trabalho realizado voluntariamente por todos

envolvidos. Em oito meses, a escola estava pronta e os laços de cumplicidade e

amizade estavam enraizados.

A experiência do vilarejo Villa Cella serviu de inspiração para periferia e

bairros mais pobres da cidade, e outras escolas foram abertas. Era um

fenômeno irreversível. Contudo, tantos os pais quanto os educadores envolvidos

sabiam que as lutas por escolas e espaços de atendimento de alta qualidade e

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gratuitos para as crianças de zero a seis anos não eram suficientes para garantir

as mudanças que desejavam, uma sociedade mais justa e democrática, na qual

todos os cidadãos tivessem o direito de serem ouvidos, a terem voz, inclusive as

crianças. Malaguzzi (1999), neste contexto, ressalta que, exatamente como as

crianças, teriam muito o que aprender. “Um pensamento simples e confortador

veio em meu auxílio: que as coisas relativas às crianças e para as crianças

somente são aprendidas através das próprias crianças”. Esse pensamento se

transformou em um princípio orientador, dando força e essência para o trabalho

coletivo que estava sendo construído; pensar sobre o currículo era uma

preocupação de Malaguzzi.

Após duas décadas do final do domínio fascista na Itália, pesquisadores

da abordagem italiana para educação da primeira infância iniciaram um diálogo

com as teorias americanas e europeias para definição e pesquisa de práticas

utilizadas no cotidiano, alimentando cada vez mais a ideia de construção de um

projeto pedagógico que rompesse com padrões tradicionais.

Em 1963 é fundada a primeira escola municipal de Educação Infantil de

Reggio Emilia, chamada Robinson, para recordar as aventuras do herói de Defoe

(MALAGUZZI, 1999), uma ruptura com o monopólio que a Igreja Católica havia,

até então, exercido sobre a educação das crianças. A comunidade desejava

escolas de melhor qualidade, livre das tendências de caridade e discriminação.

Foi um período de paixões, de adaptação, de ajuste de ideias, de tentativas, de

busca por consciência quanto aos valores de cada projeto, que reconhecesse o

direito de cada criança ser um protagonista e de manter sua curiosidade

espontânea. Em 1967, todas as escolas administradas por pais ficaram sob a

administração da municipalidade de Reggio Emilia, devido às pressões e

batalhas de grupos de mulheres, professores, pais, conselhos de cidadãos e

comitês escolares, para contribuir e garantir um avanço nos serviços sociais e

educacionais.

Na década de 70, as escolas e os serviços sociais da região haviam se

tornado questões nacionais imprescindíveis, ampliando o debate cultural e civil.

Malaguzzi ampliava o diálogo com poetas, escritores, pesquisadores da infância,

e articulava encontros nacionais, resultando em publicações e mais diálogos.

Como aconteceu em 1971, no Congresso Nacional sobre “Experiências para

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uma Nova Escola da Infância”, organizado para professores. Esperando a

participação de 200 participantes, compareceram aproximadamente 900, o que

resultou na publicação do primeiro trabalho sobre o tema da educação, a partir

das ideias e experiências do grupo de trabalho de Reggio Emilia e Modena.

Em 1971, foi aberto o primeiro nido, para crianças de 0 a 3 anos, resultado

da luta das mulheres italianas que teriam a oportunidade de optar tanto pela

maternidade quanto pelo trabalho, e do crescimento de crianças na família

nuclear, um movimento crescente não só na Itália, mas em diversos países

europeus.

Pensamos em uma escola para crianças pequenas como um organismo vivo integral, como um local de vidas e relacionamentos compartilhados entre muitos adultos e muitas crianças. Pensamos na escola como uma espécie de construção em contínuo ajuste. (MALAGUZZI, 1999, p.69)

A abertura dos nidis em Reggio Emilia, contrariava as ideias dos

movimentos que estudavam os danos resultantes da separação entre mãe-filho

depois da Segunda Guerra Mundial, liderado John Bowlby e Rene Spitz.

Conforme Mantovanni (2002), na Itália, havia grande resistência ao trabalho de

mães fora de casa, dessa forma, às crianças nestas condições eram oferecidos

cuidados com o intuito de assistência à família e não de educação às crianças.

Apesar de toda essa resistência, em 1971, é promulgada a Lei Nacional (Lei

1.044), que institui o serviço de atendimento às crianças de 0 a 3 anos, com o

objetivo de assegurar assistência adequada às famílias e facilitar a entrada das

mulheres no mercado de trabalho. Durante as décadas de 1970 e 1980, as

oportunidades de emprego para as mulheres cresciam em toda Itália, com isso,

os serviços de cuidado infantil passaram a ser vistos como um direito das

famílias trabalhadoras, além de um benefício de qualidade para as crianças e

para os pais. (MANTOVANI, 2001, apud .EDWARDS, GANDINI, FORMAN,

2016)

Em Reggio Emilia, foram construídas novas escolas em parceria com os

órgãos municipais, inclusive com investimentos financeiros, procurando a

melhoria dos serviços educativos. Neste período, o acesso aos serviços

educacionais de qualidade para crianças pequenas passa a ser um direito da

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infância e das famílias. Direito este assumido por toda comunidade, poder

público, famílias, professores, cidadãos.

Com a Lei 1.044, a rede de centros de cuidado infantil desenvolveu-se

pelas regiões da Itália baseada por escolhas políticas, recursos financeiros,

visões acerca do papel das mulheres na sociedade e as próprias organizações

administrativas de cada governo municipal, interferindo nas diferentes

interpretações e implementação da lei. A região da Emilia Romagna, onde a

cidade de Reggio Emilia se localiza, apresentava um nível alto de “comunidade

cívica”, seus cidadãos se uniam em relações horizontais de solidariedade social,

reciprocidade e cooperação, em vez de relações verticais de autoridade e

dependência (PUTNAM, 1993, apud. EDWARDS, GANDINI, FORMAN, 2016).

O autor pesquisou a região e revelou que os níveis de responsabilidade civil da

Emilia Romagna eram os maiores, tal característica evidencia os conceitos

populares de democracia participativa, em que as pessoas são protagonistas de

experiências pessoais e de seu grupo, tornando-se uma fonte forte de identidade

e orgulho. Para Edwards (1995), as ideias sobre democracia participativa e de

comunidade cívica são fundamentais para a visão e missão dos educadores de

Reggio Emilia.

Em 1975, a experiência reggiana contribui para o êxito do Congresso

Nacional organizado pela região da Emilia Romagna, que teve como tema “A

criança objeto e fonte de direito na família e na sociedade”. Tal iniciativa teve

grande valor e ressonância para a criação de um documento importante aos

processos de transição de uma cultura da infância no país. Em 1976, os nidis e

as escolas da infância de Reggio Emilia são acusados de antirreligiosas, em

resposta, oferecem um espaço para debate aberto que, durante um ano escolar,

discute sobre temas de educação e educação religiosa. Novamente, resulta em

um documento escrito intitulado: “A educação religiosa e a educação das

crianças”, compartilhado por todos envolvidos nas reflexões. (ISTITUZIONE DEL

AYUNTAMIENTO DE REGGIO EMILIA Y REGGIO CHILDREN, 2008)

Em 1980, é constituído o “Grupo Nacional de Puericultura” e o “Grupo

Nacional de Nidos e Infância”, um organismo independente que agrupava

professores, funcionários, pedagogos, pesquisadores e docentes universitários,

para possibilitar o debate e o aprofundamento de temas que se referem aos

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nidos e à infância em geral, consolidando, assim, o diálogo com outras

experiências, no intuito comum de garantir qualidade nos serviços para a

primeira infância no país. Na mesma década, a rede municipal das instituições

educativas era composta por 21 Escolas da Infância e 13 Nidos, e mesmo com

tal ampliação, as vagas oferecidas não eram suficientes para atender toda

demanda. Um momento crítico surge pondo em risco a continuidade dos

serviços, com a redução dos financiamentos e a hipótese de transferir a gestão

das escolas municipais de Reggio Emilia para o Estado, uma vez que, outras

abordagens semelhantes vão surgindo em diversas realidades italianas.

(IARERC, 2008)

Para sair desta crise, o Conselho Municipal promove um debate sobre os

serviços para a primeira infância e seu valor como patrimônio cultural e

investimento social, criando o Projeto Infância. A proposta do projeto tem como

foco reorganizar a própria rede, ampliando os serviços dos nidos, ao mesmo

tempo que se empenha em potencializar a oferta de instituições de qualidade

para a infância, contribuindo, assim, com as demais instituições presentes, e

transformando-se em um verdadeiro e próprio sistema misto de escolas

municipais da infância e escolas maternais estatais e privadas. Em 1987,

decorrente destas conquistas, são criados os dois primeiros nidos cooperativos,

que se ampliam com o passar dos anos. (IARERC, 2008)

Em 1994, outra etapa fundamental deste processo é consolidada: um

convênio com a Federação Italiana de Escolas Maternais, reconhecendo os

serviços que desenvolvem nas escolas de inspiração religiosa e contribuindo

para sustentar seus processos de qualificação. No mesmo ano, a partir de

inúmeras solicitações de intercâmbio de conhecimento, foi criada a “Reggio

Children” – Centro Internacional, em defesa e promoção dos direitos e

potencialidades das crianças – uma organização predominantemente pública,

que se ocupa em difundir a ideia forte da infância, de seus direitos, de suas

potencialidades e recursos; em realizar investigações e publicar literaturas; em

prestar consultoria voltada à formação; em participar de projetos de cooperação

internacional; sobretudo em acolher as delegações italianas e estrangeiras que

vão a Reggio Emilia para compreender melhor sua experiência educativa.

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Reggio Emilia iniciou o diálogo com o mundo em 1979, recebendo as

primeiras delegações internacionais de Cuba, Espanha, Japão, Bulgária, Suíça,

e França, resultando em uma exposição em Estocolmo, em 1981, chamada “O

olho salta o muro”, a partir das documentações realizadas nos nidos e nas

escolas de infância. A exposição foi sendo atualizada até chegar à versão atual

“As cem linguagens da criança” que percorre diversos países pelo mundo há 25

anos, levando em todos os continentes sua mensagem de esperança sobre a

infância, suas potencialidades e seus direitos. Porém, seu reconhecimento

internacional aconteceu em 1991, quando a Revista Newsweek identifica a

Escola Municipal de Infância Diana, representando a rede de serviços municipais

como a instituição mais vanguardista do mundo em relação à educação da

infância. Outros reconhecimentos se sucederam em seguida, também para o

professor Loris Malaguzzi.

A partir de uma visão de ampliação e qualificação dos serviços, em 1997,

o Conselho Municipal de Reggio Emilia cria um plano de construção de novas

escolas para atender ao crescimento do curso demográfico da cidade, além da

qualificação pela diferença de ofertas desde o ponto de vista organizativo. Nesta

mesma década, abrem-se novas áreas de atenção à qualidade de vida na área

da infância, inclusive com o Ministério de Educação Pública da Itália, que não só

reconhece oficialmente o valor da experiência reggiana, como também propõe

um acordo para a qualificação da escola infantil estatal na Itália.

Em 2003, o mesmo conselho cria um projeto de gestão dos serviços

educativos chamado “Instituzione”, com o intuito de reafirmar a vontade de

manter a gestão pública dos serviços e, ao mesmo tempo, criar um instrumento

com maior autonomia e responsabilidade para a gestão dos recursos humanos

e econômicos. O Instituzione é encarregado da gestão dos nidis e das escolas

municipais da infância, e da relação com as escolas cooperativas, escolas da

infância estatais e das escolas pertencentes à Federação Italiana de Escolas

Maternais, do centro de reciclagem criativo REMIDA, do Ateliê do Teatro Gianni

Rodari e do Centro de Documentação e Investigação Educativa. Neste contexto

de contínua busca de instrumentos inovadores para gestão do presente, com

visão para o futuro que, em 2006, é aberto o Centro Internacional Lóris

Malaguzzi, dedicado ao encontro das crianças, das famílias e dos jovens, em

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que se pode ter momentos de aprendizagens e formação, e de estudos e

investigação. Um lugar internacional em que cada cultura, acolhida com suas

peculiaridades, pode dialogar com outras identidades e outras culturas.

(IARERC, 2008)

Fig.7. Pesquisa. Foto-ensaio composto por doze fotografias digitais retiradas durante visita à

cidade de Reggio Emilia (2014, 2015 e 2016).

A ideia de criar um Centro Internacional em Reggio Emilia começou com

Loris Malaguzzi e foi ampliada em reuniões por várias partes interessadas. O

projeto foi criado para valorizar as experiências pedagógicas, as “cem

linguagens” e para disseminar as ideias inovadoras das escolas. O Centro é um

local aberto, destinado ao encontro de famílias, crianças, jovens, pesquisadores,

estudantes, porém é mais do que um espaço físico. Para Rinaldi (2016, p. 353),

“esse centro não é nada além de nós. Somos nós mesmos, um ‘nós’ do tamanho

da nossa cidade, do tamanho do mundo”.

Outro projeto de destaque dentro do conjunto de serviços educativos de

Reggio Emilia é o REMIDA, um Centro de Reciclagem Criativo que nasceu da

ideia de conectar o mundo da cultura da escola com o mundo das empresas e

das instituições, para gerar possibilidades de criar novos recursos. É um projeto

conjunto da comunidade de Reggio Emilia, gestado pela Associação dos Amigos

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Internacionais de Reggio Emilia, que se baseia nas contribuições de diversos

voluntários. (REMIDA DAY, 2012)

Fig.8. REMIDA. Foto-ensaio composto por três fotografias digitais retiradas do livro REMIDA

Day (Reggio Children, 2012, s/p).

O Centro Criativo é um projeto cultural, no qual se promove a prática de

coletar, expor e oferecer materiais alternativos e recuperados, derivados de

recursos usados e resíduos de produção industrial, com o objetivo de reinventar

o seu uso e significado. É um modo otimista e intencional de viver a Ecologia e

de construir uma mudança de comportamento, valorizando objetos e produtos

sem valor, para promover novas oportunidades de comunicação e criatividade,

em uma lógica de respeito pelo objeto e pelo ambiente. Todo material coletado

é limpo, selecionado e organizado em um grande e fascinante espaço,

frequentado diariamente por educadores das escolas de Reggio Emilia e da

província, e por jovens artistas. “Ao mesmo tempo, o projeto REMIDA trata de

divulgar e apoiar a compreensão mais ampla dos problemas relacionados com

todo o processo de produção, desde a concepção e planejamento, através da

eliminação de resíduos e sua reutilização: a educação para um futuro

sustentável”. (VEA VECCHI, p.139, 2013)

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O REMIDA organiza várias ações de divulgação e formação, como: o

REMIDA DAY, uma mostra nas ruas de Reggio Emilia envolvendo toda

comunidade; oferece gratuitamente várias toneladas de materiais reciclados

para escolas, organizações e instituições que lidam com educação; acolhe visita

de professores, estudantes, administradores, políticos, ambientalistas,

jornalistas provenientes da Itália e de todo mundo; oferece um espaço de

consulta de catálogos, livros, artigos, vídeos e outros materiais culturais;

promove oficinas para professores, alunos e pais; promove iniciativas culturais

para as escolas e para a comunidade; apoia a abertura de outros centros de

reciclagem criativas na área nacional e internacional. (REMIDA DAY, 2012)

Fig.9. Reciclagem criativa. Foto-ensaio composto por seis fotografias digitais retiradas durante

visita à Reggio Emilia e do livro REMIDA Day (Reggio Children, 2012, s/p).

Todo material captado no REMIDA encontra ressonância na “Cultura do

Ateliê” presente na abordagem educativa de Reggio Emilia. A cultura do ateliê

vai além do espaço físico e de atividades propostas, Loris Malaguzzi trouxe esse

conceito para uma propensão do humano, para reconhecer, acolher e se

reposicionar no pensamento do outro. Com raízes da interdisciplinaridade,

pretende-se sair dos muros da escola, dialogar com a criatividade e com a

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capacidade de interpretar o mundo. Possibilita a exploração e a expressão das

diversas linguagens da criança.

Como Malaguzzi dizia: Para nós, o atelier havia se tornado parte de um design complexo e, ao mesmo tempo, um espaço adicional de pesquisa, ou melhor, de ‘cavar’ com as próprias mãos e com a própria mente e de aprimorar o próprio olhar, por meio da prática das artes visuais. Tinha de ser um lugar para sensibilizar o próprio gosto e senso estético, um lugar para a exploração individual de projetos conectado com experiências planejadas em diferentes turmas da escola. O atelier tinha de ser um lugar para pesquisar as motivações e as teorias das crianças a partir dos seus rabiscos, um lugar para explorar variedades de ferramentas, técnicas e materiais com os quais trabalhar. Tinha de ser um lugar que favorecesse os itinerários lógicos e criativos das crianças, um lugar para se familiarizar com as semelhanças e as diferenças das linguagens verbais e não verbais. (GANDINI, 2005, p.7, apud. EDWARDS, GANDINI, FORMAN, 2016)

Paralelamente à cultura do ateliê que é vivenciada dentro das escolas de

infância, no Centro Internacional Loris Malaguzzi, e em outros espaços, são

organizadas algumas propostas de ateliê, um lugar de pesquisa, invenção,

empatia, que são expressadas através das linguagens das crianças.

Ateliê Raio de Luz – É um ambiente de pesquisa onde a luz pode ser

investigada em suas várias formas, através da exploração capaz de

causar admiração, curiosidade e estimular a criatividade. Tem intenção

de propor uma abordagem ativa para construir hipóteses provisórias e

teorias para serem verificadas por meio da experimentação.

Ateliê De onda em onda – Um lugar dedicado a crianças, adolescentes e

adultos para a investigação e experimentação sobre a água, as suas

características de uso e como ela gera energia através do movimento.

Ateliê Paisagens gráficas – Propõe contextos digitais para agir

simultaneamente em diferentes níveis de representação, praticando uma

forma de pensamento integrado e flexível, entre digital e analógico,

abstrato e concreto, virtual e artesanal.

Ateliê Organismo vivo – Ateliê que investiga a natureza em transformação

ao mesmo tempo que contempla a riqueza estética. Mas também revela

alguns segredos e pergunta-se sobre os muitos mistérios. Reconhece as

belezas que pertence a todas as fases da vida como prática educativa.

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A ideia de ateliê de Malaguzzi está relacionada à transformação do ensino

e da aprendizagem, para o pesquisador a escola deveria ser formada por

espaços onde as mãos das crianças pudessem estar sempre ativas. “Sem

possibilidade de tédio, mãos e mentes se envolveriam em uma grande alegria

libertadora, de um modo determinado pela biologia e pela evolução”. (GANDINI,

2012, p. 17 apud Malaguzzi, 1998, p. 73-74)

Fig.10. Luz. Foto-ensaio composto por seis fotografias digitais retiradas nos Ateliês do Centro

Internacional Loris Malaguzzi durante visita à cidade de Reggio Emilia.

Reggio Emilia é uma cidade em permanente transformação, trata-se de

uma experiência que tem sido renovada ao longo do tempo, devido à consciência

das mudanças sociais, históricas, políticas e juntamente com as novas

descobertas científicas sobre as crianças. Nos últimos dez anos, enfrenta o

desafio de encontro entre diferentes culturas, devido às altas taxas migratórias

do leste europeu, da África, da Ásia e da América do Sul, ocasionando a criação

de novos serviços comunitários e de educação. Estão cientes de que, quando

as pessoas se sentem excluídas da comunidade, o risco de conflito surge.

Em 2008, 29% das crianças nascidas em Reggio Emilia não tinham

cidadania italiana e, em 2009, 14% da população não era italiana, uma proporção

maior do que na província ao redor (PICCININI, GIUDICI, apud. EDWARDS,

GANDINI, FORMAN, 2016). Embora economicamente rica, a região sofre o

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impacto destas mudanças políticas, econômicas e sociais ocorridas no cenário

europeu, assumindo o desafio de afirmar as escolas como locais públicos em

que as famílias possam construir importantes relações sociais e culturais. Para

as autoras, a participação dos pais é fundamental para representar um

comprometimento civil, a partir do qual eles constroem cidadania e fortalece a

coesão social (PICCININI, GIUDICI, apud. EDWARDS, GANDINI, FORMAN,

2016)

Como é possível manter participação em uma sociedade em evolução?

Que tipo de serviços são melhores? Essas e outras questões são disparadoras

de constantes reflexões sobre os serviços de educação infantil oferecidos em

Reggio Emilia, contribuindo para o crescimento cultural da sociedade. Numa

sociedade étnica, esses serviços devem assumir diferentes tarefas, como

valorizar as diferenças e oferecer oportunidade a todos. Investir na infância neste

momento de crise, para Reggio Emilia, significa construir sólidos fundamentos

econômicos, culturais e sociais para o futuro.

3.3.1. O currículo: princípios e concepções

Desde seu início, a abordagem educativa de Reggio Emilia [...] pensa em

uma escola para crianças pequenas como um organismo vivo integral, como um

local de vidas e relacionamentos compartilhados entre muitos adultos e muitas

crianças (MALAGUZZI, 1999). Parte da concepção de uma criança potente, rica,

participante ativa de sua aprendizagem, dotada de múltiplos recursos afetivos,

relacionais, sensoriais, intelectuais, que são evidenciados na troca com o

contexto cultural e social. Cada criança é sujeito de direitos e precisa ser

respeitada e valorizada na própria identidade, unicidade e diferença.

Essa concepção de criança é um percurso histórico na Itália e foi

construído na interlocução entre muitos autores, contribuindo com a constituição

de diferentes olhares sobre a infância e sobre a escola das crianças pequenas.

Este conjunto de olhares possibilitou a investigação não apenas dos modos de

compreender as crianças, mas também dos modos de organização da gestão

escolar, visando a melhoria da qualidade de vida coletiva de todos envolvidos no

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projeto educativo: crianças, professores e famílias, sendo a escola da infância

[...] um projeto de vida e de formação pessoal vinculado a um projeto de

sociedade. (FINCO, 2015, p.8)

Desde 1914, a Itália traz em seus documentos de orientações nacionais

para a escola da infância uma preocupação com propostas de antecipação da

escolaridade, e com a forte tendência de não validar práticas adultocêntricas17,

na busca por uma pedagogia própria para as crianças pequenas, com olhar para

os processos e não para os resultados.

Em 1991, As Novas Orientações para a Nova Escola da Infância18

ofereceram subsídios para pensar em um currículo da pedagogia italiana a partir

da pré-escola19, que reconhecesse o desenvolvimento harmônico e integral da

criança, considerando no projeto educativo as experiências da infância e o

brincar. Em 2012, as Indicações nacionais para o currículo da escola da infância

e do primeiro ciclo de instrução20, em sua última edição, acrescentou o

comprometimento com a continuidade da pré-escola para os anos iniciais do

ensino fundamental, além de considerar as novas e complexas funções

educativas, a partir de uma sociedade caracterizada por múltiplas mudanças e

descontinuidade, para cumprir outras delicadas dimensões da educação.

A escola tornou-se um espaço de acolhida à multiplicidade de culturas e

línguas, permitindo um desafio universal de reconhecimento das diferenças e da

identidade de cada um. A escola não tem mais o monopólio das informações e

práticas, não pode ter como objetivo ensinar o desenvolvimento de técnicas e

17 O termo adultocêntrico, para Márcia Gobbi, aproxima-se do termo etnocentrismo, ou seja, uma visão de mundo que não valida o outro e seus valores, criando-se um modelo que serve de parâmetro para comparação. No caso de práticas adultocrêntricas, o modelo é do adulto, ele centraliza as decisões segundo a sua ótica, frente a uma passividade das crianças. (GOBBI, 1997, p.26).

18 “As Novas Orientações para a Nova Escola da Infância”, de 1991, foi traduzida para o Brasil em 1995, e publicadas nos Cadernos Cedes nº37: Grandes Políticas para os Pequenos (FINCO, 2015, apud. FARIA, 1995).

19 “Na Itália, não existe um programa nacional para creche, segundo Bondioli e Mantovani (1999); não se trata de uma fragilidade, mas de uma especificidade.” (FINCO, 2015, p.9.).

20 As Indicações nacionais para o currículo da escola da infância e do primeiro ciclo de instrução, de 2012, foi traduzida e publicada na íntegra no livro “Campos de experiência na escola da infância: contribuições italianas para inventar um currículo de educação infantil brasileiro / Daniela Finco, Maria Carmen Silveira Barbosa, Ana Lúcia Goulart de Faria (organizadoras). – Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2015.” Para documento será usada a sigla INCEI

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competências particulares, mas sim considerar a complexidade de modos de

aprendizagem e realizar percursos formadores que valorizem os aspectos

peculiares de cada criança, evitando que a diferença se transforme em

desigualdade. (INCEI, 2012)

Os cenários sociais e profissionais, presentes e futuros, requerem da

escola algumas finalidades específicas:

[...] oferecer as crianças situações de aprendizagem dos saberes e das linguagens culturais de base; fazer com que as crianças adquiram os instrumentos de pensamento necessários para aprender a selecionar as informações; promover nas crianças a capacidade de elaborar métodos e categorias que sejam capazes de se guiarem nos itinerários pessoais; favorecer a autonomia de pensamentos das crianças, orientando a própria didática na construção de saberes a partir de necessidades formadoras concretas. (FINCO, 2015, p.22)

Tais finalidades da escola devem ser definidas, então, a partir do sujeito

que aprende, considerando a singularidade e a complexidade de cada um. A

criança é colocada no centro da ação educativa com a finalidade de obter uma

participação mais ampla em um projeto educativo compartilhado.

A presença de crianças oriundas de culturas diferentes é um fenômeno já

estrutural na cultura italiana, deve ser considerada numa oportunidade de

interação e integração para todos. Cada um aprende melhor na relação com os

outros, em que “o sistema educativo deve formar cidadão italianos capazes de

participar da construção de coletividades, que sejam ao mesmo tempo cidadãos

da Europa e do mundo” e que “a escola é lugar em que o presente é elaborado

no cruzamento entre passado e futuro”. (INCEI, 2012)

A Itália, na tradição de pensar em uma escola da infância que acolhe e

interpreta a complexidade da vida das crianças, fora de uma abordagem escolar,

propõe as indicações contidas no documento INCEI (2012) como referência para

uma nova projeção curricular, convocando a comunidade profissional a assumir

e contextualizar o documento nacional. Dessa forma, o currículo deve considerar

as escolhas da comunidade e a identidade de cada contexto educativo.

A elaboração e a realização do currículo torna-se um processo dinâmico

e aberto, abrindo a possibilidade de participação e aprendizagem contínua para

a comunidade escolar. A escola se abre para as famílias e para cada

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componente da sociedade, iniciando um processo de responsabilidade

compartilhado, que favorece a estreita ligação das escolas com seu território. As

famílias são o contexto mais influente no desenvolvimento afetivo e cognitivo das

crianças, gerando uma sociabilidade relacional e uma sólida rede de trocas

comunicativas.

A escola da infância, pública e paritária, é destinada a todas as crianças

entre os três e seis anos de idade, em resposta ao seu direito à educação e

cuidado, presente na Constituição da República (italiana), na Convenção sobre

os direitos da infância e da adolescência e os Tratados da União Europeia. Uma

escola que promova nas crianças o desenvolvimento da identidade, da

autonomia, da competência e de noções de cidadania, estruturadas por meio da

organização de um ambiente de vida, de relações e de aprendizagem de

qualidade, garantido por toda comunidade educativa. (INCEI, 2012)

Os docentes envolvidos neste processo educativo que é inspirado em

critérios de escuta, com uma capacidade contínua de observação da criança,

encorajando suas potencialidades, acolhem, valorizam e impulsionam as

curiosidades, as explorações, as propostas das crianças e criam contextos de

aprendizagem para favorecer suas investigações. As perguntas das crianças

necessitam de uma atitude de escuta construtiva por parte dos adultos, propondo

um modelo de respeito, um espaço de encontro e diálogo. Segundo Ostetto

(2014), cultivar a dúvida e questionar as certezas são atitudes igualmente

necessárias, em se tratando de formação de professores, deixando sempre lugar

para a dúvida e o não-saber no reino de certezas que se constituiu a Pedagogia.

O trabalho colaborativo e a reflexão sobre a prática didática enriquecem

a construção de uma comunidade profissional que compartilha conhecimentos e

acredita na importância das relações. O ambiente educativo proposto pelo

docente deve ser acolhedor, seguro, bem organizado, coerente com sua

intencionalidade, orientado pelo gosto estético. Esta organização de espaços e

de tempos dão qualidade pedagógica ao ambiente educativo e devem estar

contidos no planejamento e avaliação do docente. (INCEI, 2012)

A observação é utilizada como um instrumento fundamental para

conhecer e acompanhar as dimensões de desenvolvimento da criança. Os

progressos de aprendizagem individual e de grupo são acompanhados a partir

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da prática de documentação, entendida como um processo de tornar visíveis os

percursos de formação das crianças e dos adultos, que produzem traços,

memórias e reflexão. Tais práticas contribuem para a atividade de avaliação na

escola da infância a partir de um caráter formativo, evitando a classificação e o

julgamento.

O currículo da escola da infância na Itália se realiza também por meio de

práticas que aprofundam e sistematizem as aprendizagens das crianças nos

Campos de experiências21, oferecendo um conjunto de objetos, situações,

imagens e linguagens, para organizar atividades e experiências que promovam

aprendizagens mais significativas.

Tratam-se de âmbitos do fazer e do agir próprios da criança, do qual o adulto se torna um válido apoiador, observando atentamente o que acontece, aumentando a potencialidade da mesma ação, ajudando a colher os significados e as descobertas que constantemente se revelam. (ZUCCOLI, apud FINCO, 2015, p. 209)

Cada campo de experiência oportuniza às crianças aprendizagens

específicas, contribuindo ao mesmo tempo para o desenvolvimento de propostas

pensadas unitariamente, referentes à identidade, autonomia, competência e

cidadania. Ao término deste percurso na escola da infância e tendo desenvolvido

algumas competências de base que estruturam o crescimento, as crianças

ingressam no primeiro ciclo de ensino, compreendido por escola primária22 e

escola secundária do primeiro grau, em que a projeção didática deve continuar

valorizando as experiências com abordagens educativas ativas. (INCEI, 2012)

Assim, o percurso de construção do currículo para escolas destinadas a

crianças pequenas na Itália foi sendo estruturado comprometido com a

organização de experiências que pretendem reafirmar as relações entre

crianças, professores e famílias. Portanto, a escola da infância reggiana é

21 A expressão “campos de experiência” é uma definição presente nas Orientações de 1991 (italiana) tratadas em seis partes, nas Indicações de 2012 (italiana), são reduzidas a cinco: O eu e o outro; O corpo e o movimento; Imagens, sons, cores; Os discursos e as palavras; O conhecimento de mundo. A autora Franca Zuccoli, 2015, define como os mundos cotidianos de experiência da criança, como a predisposição de ambientes específicos por parte dos professores, que permitem possíveis ações de descobertas por parte das crianças. (ZUCCOLI apud FINCO, 2015, p.209).

22 Na Itália, a escola primária atende as crianças a partir de 5/6 anos até 10/11 anos de idade.

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pensada a partir da escuta, das relações e da diferença. Mas afinal, o que há de

tão especial em Reggio Emilia?

3.3.2. Reggio Emilia: escolhas éticas, estéticas e poéticas

Fig.11. Feito por criança. Foto-ensaio composto por três fotografias digitais retiradas de cartões-

postais da Scuola dell’Infanzia Comunale Paulo Freire (2011 – 2012).

“Reggio Emilia [...] não é nem atordoadamente grande nem

sufocantemente pequena [é de um tamanho que] favorece a

imaginação, a energia, o espírito de comunidade”. Jerome Bruner

As escolas para infância da comunidade de Reggio Emilia fazem parte de

um sistema público integrado e exercem uma função de relevância absoluta.

Buscam construir um sistema qualificado de serviços para a infância através do

diálogo e da colaboração com todos os sujeitos públicos e privados

comprometidos com a área educacional.

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90

O sistema de serviços para a infância23 de Reggio Emilia é constituído por

uma rede de serviços sociais e educacionais. A Instituição Escolas e Creches24,

como órgão instrumental, cuida dos serviços educacionais municipais, estaduais

e conveniados para crianças na faixa etária de 0 a 6 anos.

Em 2009, foi elaborado o “Regimento das Creches e Escolas para a

Infância da Comuna de Reggio Emilia”, com amplo envolvimento e consulta

participativa, para tornar transparentes, compartilhados e práticos, os critérios

que guiam o funcionamento dos serviços educacionais. Tal documento, em

diálogo com as referências normativas e legislativas vigentes, constitui um

sistema complexo de normas e princípios que governa o funcionamento das

creches e escolas para a infância municipais e evidencia os aspectos

irrenunciáveis e os princípios de base do Projeto Educativo. Em grande parte, os

critérios foram extraídos da própria história dos serviços educacionais, como

forma de conexão ao contexto histórico, político, cultural e social. Não falam

apenas da escola, mas falam da escola em relação à cidade, onde todo

patrimônio de conhecimento e de valores acumulados em décadas de

experiências representa um importante recurso cultural público. (Regimento

ESCOLAS E CRECHES PARA A INFÂNCIA da Comuna de Reggio Emilia,

2013)25

Assume também a função de documento de referência fundamental para

as creches e escolas para a infância municipais e, de documento de informações

e orientações para os serviços educacionais conveniados. Em ambos os casos,

o Regimento:

[...] pretende dar força e voz aos direitos das crianças, pais e educadores para uma educação participativa e de alta qualidade, capaz de promover sempre uma maior consciência de que o papel das creches e das

23 O sistema de serviços para a infância com o objetivo de garantir a defesa e promoção dos

direitos e potencial da crianças organiza-se integrando uma rede de serviços: a Instituição

Escolas e Creches para a Infância da Comuna de Reggio Emilia, a Reggio Children, a

Associação Internacional Amigos de Reggio Children, o Centro Internacional Loris Malaguzzi e

a Fundação Reggio Children-Centro Loris Malaguzzi.

24 A Creche é voltada para crianças de 3 meses a 3 anos e a Escola para Infância para crianças

de 3 a 6 anos.

25 À Regimento ESCOLAS E CRECHES PARA A INFÂNCIA da Comuna de Reggio Emilia, será

usada a referência REGGIO CHILDREN.

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escolas para a infância é o de produzir cultura da educação, e não somente de oferecer prestações de serviços educacionais. Portanto, de forma complexa, o resultado pretendido é o de contribuir para uma melhoria geral da qualidade de vida das crianças da nossa comunidade. (REGGIO CHILDREN, 2013)

Contudo, enunciar princípios e estabelecer regras não são suficientes

nesta caminhada. Segundo a autora Carla Rinaldi, os serviços para a infância

em Reggio Emilia acreditam na importância de enxergar os serviços públicos

como responsabilidade coletiva, e compreende a escola como um espaço

público e um local para a prática ética e política, [...] um local de encontro,

interação e conexão entre cidadãos de uma comunidade, um lugar em que as

relações combinam um imenso respeito pela alteridade, pela diferença, com

profundo senso de responsabilidade em relação ao outro, um lugar de intensa

interdependência. (RINALDI, 2012, p. 35)

Reggio Emilia enxerga a educação como um bem comum. O Regimento

apresenta a educação como um direito de todos e uma responsabilidade da

comunidade. Uma oportunidade de crescimento e emancipação da pessoa e da

coletividade, em que se pratica a liberdade, a democracia, a solidariedade e se

promove o valor da paz. A educação é vista como investimento e não como

custo, pois luta para quebrar o estereótipo de que criança pequena precisa de

pouco.

O Regimento evidencia alguns princípios do Projeto Educativo,

apresentados aqui, como aspectos mais significativos da abordagem:

As crianças como protagonistas ativas do processo de desenvolvimento

Significa reconhecer as potencialidades de aprendizado das crianças, em

seus múltiplos recursos afetivos, relacionais, sensoriais, intelectuais.

Reconhecer cada criança como sujeito de direitos que deve ser respeitada e

valorizada na própria identidade e em seu ritmo de desenvolvimento e

crescimento. Conforme Rinaldi (2012, p. 223) a imagem que faz parte da teoria

de Reggio Emilia, que “vê a criança como forte, poderosa e rica em potenciais e

recursos, desde o nascimento. [...] Uma criança que é vista em sua totalidade,

que possui direções próprias e o desejo de saber e de viver. Uma criança

competente!”.

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Além de ser portadora de uma sensibilidade ecológica com relação aos

outros e ao ambiente, atribuindo sentido e significado às suas experiências. O

que ela aprende não é resultado direto com o que lhe é ensinado, esta apreensão

depende, em grande parte, da própria criança (MALAGUZZI, 1999).

Fig.12. Natural e Digital. Foto-ensaio composto por três fotografias digitais retiradas de cartões-

postais da Scuola dell’Infanzia Comunale e Scuola Primaria Statale nel Centro Internazionale

Loris Malaguzzi.

As “cem linguagens” da criança

As cem linguagens são metáforas que buscam traduzir as potencialidades

das crianças em seus processos cognitivos e criativos para a construção de

conhecimento. Loris Malaguzzi registra “As cem linguagens da criança” em forma

de poema, já apresentado neste trabalho, e com isso busca a reflexão dos

adultos sobre as múltiplas formas de expressão. “É responsabilidade da creche

e da escola para a infância valorizar todas as linguagens verbais e não verbais,

dando a elas dignidades equivalentes”. (REGGIO CHILDREN, 2013)

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93

Ao contrário, as cem existem.

A criança

É feita de cem.

As cem existem.

A criança tem

Cem mãos

Cem pensamentos

Cem modos de pensar

De jogar e de falar.

Cem sempre cem

Modos de escutar

As maravilhas de amar.

Cem alegrias

Para cantar e compreender.

Cem mundos

Para descobrir.

Cem mundos

Para inventar.

Cem mundos para sonhar.

A criança tem

Cem linguagens

(e depois cem cem cem)

mas roubaram-lhe noventa e nove.

A escola e a cultura

Lhe separam a cabeça do corpo.

Dizem-lhe:

De pensar sem as mãos

De fazer sem a cabeça

De escutar e de não falar

De compreender sem alegrias

De amar e maravilhar-se

Só na Páscoa e no Natal.

Dizem-lhe:

De descobrir o mundo que já existe

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E de cem

Roubaram-lhe noventa e nove.

Dizem-lhe:

Que o jogo e o trabalho

A realidade e a fantasia

A ciência e a imaginação

O céu e a terra

A razão e o sonho

São coisas que não são juntas.

Dizem-lhe:

Que as cem não existem

A criança diz:

Ao contrário, as cem existem.

Loris Malaguzzi (1999, p.6)

Participação e Escuta

A participação nas escolas para a infância é um valor e uma estratégia

para que crianças, educadores e famílias façam parte do processo educativo. A

participação propicia uma cultura de solidariedade, responsabilidade e inclusão,

além de produzir mudanças.

Para Spaggiari (2016 apud. EDWARDS, GANDINI, FORMAN, 2016), a

participação não é uma escolha fácil ou confortável, e não será alcançada se for

delegada a um “Escritório de Participação”. A participação depende da criação

de uma cultura de preocupação social. A participação articula iniciativas para

construir o diálogo e o senso de pertencimento a uma comunidade.

Numa educação participativa, a relação educativa é construída a partir de

um comportamento ativo de escuta entre adultos, crianças e ambiente. Para

Rinaldi (2016, apud. EDWARDS, GANDINI, FORMAN, 2016, p. 237) “um

‘contexto de escuta’ é criado quando os indivíduos sentem-se legitimados para

representar suas teorias e oferecer sua interpretação de uma questão

específica”. Freire (2011, p. 117) complementa quando afirma que “escutar é

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obviamente algo que vai mais além da possibilidade auditiva de cada um”. Assim,

a pedagogia da escuta e das relações não é apenas uma pedagogia para a

escola, mas também uma atitude para a vida.

A participação constante da família no ambiente escolar acontece através

de diferentes órgãos de corresponsabilidade. O Conselho Infância Cidade, é um

exemplo, formado por familiares, educadores, pedagogos e cidadãos,

representa a estrutura democrática que promove e contribui para os processos

de participação e responsabilidade compartilhada. O Conselho Infância Cidade

é eleito a cada três anos em uma assembleia pública e tem autonomia para

decidir suas formas de organização. Os Conselhos Infância Cidade se

coordenam e se encontram periodicamente através do Interconselho cidadão,

um local de interlocução com a administração pública, desempenhando função

consultiva relacionadas às principais questões de educação, gestão e

administração. (REGGIO CHILDREN, 2013)

No ambiente escolar, os encontros de seção acontecem a partir de uma

estrutura diversificada de acordo com cada contexto. São lugares privilegiados

para a construção de identidade e do senso de pertencimento de um grupo de

crianças, educadores e pais. Os funcionários da escola também têm encontros

periódicos, pois todos são responsáveis pela realização do projeto educativo.

(REGGIO CHILDREN, 2013)

A documentação e a projetação

A documentação é parte integrante da abordagem educativa, é um

processo que torna o trabalho pedagógico visível ao diálogo, interpretação e

transformação. Através da documentação é possível pesquisar o

desenvolvimento infantil, a forma como as crianças desenvolvem suas teorias

provisórias e hipóteses, a forma de organização dos espaços e a atuação dos

educadores. Além de exercer um papel fundamental de comunicar as

aprendizagens das crianças às famílias e à comunidade.

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Fig.13. Bicicletas. Foto-ensaio composto por cinco fotografias retiradas do livro Bicitante (Reggio

Children, 2011, s/p), e durante a visita de Reggio Emilia.

A documentação pedagógica para Dahlberg (2016, apud. EDWARDS,

GANDINI, FORMAN, 2016, p. 229) “é uma atitude específica sobre a vida. Ela

começa com a escuta ativa, uma forma de escuta que parte de um envolvimento

e de uma curiosidade séria nos eventos do aqui e agora”. A documentação tem

relação direta com a aprendizagem dos educadores, das crianças, das famílias

e da cidade, ela envolve todos no processo para torar visível o que acontece nas

escolas.

Fig.14. Descobertas II. Foto-ensaio composto por quatro fotografias digitais retiradas do livro

The Hundred Languagens in Ministories (Rinaldi,2016, p.14).

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Fig.15. Partes. Foto-ensaio composto por nove fotografias digitais retiradas da

Documentação Pedagógica Ritratti da Scuola dell’Infanzia Paulo Freire (2011-2013).

Assim como as crianças têm cem linguagens, os educadores podem

utilizar diferentes estratégias para tornar público suas pesquisas, tais como

textos, imagens, vídeos, obras das crianças, mostras, ateliês. Na tentativa de

entender a delicada relação entre ensino e aprendizagem, a documentação não

tem a tarefa de sintetizar e resumir, mas de interpretar o que aconteceu enquanto

acontece. Por meio da documentação, é possível perceber os processos e não

o produto, isso significa que tanto o professor quanto as crianças podem refletir

sobre o processo de aprendizagem enquanto estão aprendendo.

Rinaldi (2012, p. 185) afirma que “para o educador, a capacidade de

refletir sobre a forma com que se dá o aprendizado significa que ele pode basear

seu ensino não naquilo que se deseja ensinar, mas naquilo que a criança deseja

aprender”,

Nas escolas de Reggio Emilia, o planejamento é organizado a partir de

objetivos gerais, os educadores não formulam os objetivos específicos para cada

projeto antecipadamente, mas sim hipóteses sobre o que poderia acontecer

baseados no processo de escuta atenta. À medida que o trabalho avança, novas

hipóteses da demanda das crianças e dos educadores podem surgir para

complementar a projeto. Este tipo de planejamento sistêmico e projetual

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caracteriza o currículo. (Rinaldi, 2016, p.107 apud. EDWARDS, GANDINI,

FORMAN, 2016)

Planejar é essa atitude de traçar, projetar, programar, elaborar um roteiro para empreender uma viagem de conhecimento, de interação, de experiências múltiplas e significativas para/com o grupo de crianças. Planejamento pedagógico é atitude crítica do educador diante de seu trabalho docente. Por isso não é uma fôrma! Ao contrário, é flexível e, como tal, permite ao educador repensar, revisando, buscando novos significados para sua prática pedagógica. (OSTETTO, 2012, p.177)

O planejamento requer uma intencionalidade por parte do educador, que

se efetiva ao documentar processos, o que não pressupõe um sistema rígido de

controle e rigidez. Para Malaguzzi (1999, p. 95), estar com crianças é trabalhar

menos com certezas e mais com incertezas e inovações, ampliando o olhar e a

escuta atenta a partir de uma atitude projetual.

A projetação é uma estratégia de pensamento e de ação que respeita os

processos de aprendizagem das crianças e dos adultos. Nela, cabe a dúvida, a

incerteza e o erro como recursos. É uma forma de planejamento feita por meio

de processos da observação, da documentação e da interpretação. (REGGIO

CHILDREN, 2013)

Ambientes, espaços e relações

Para Malaguzzi (1999), a escola para crianças pequenas deve ser vista

como um organismo vivo, um local de vidas e onde se compartilha

relacionamentos entre adultos e crianças. A escola é pensada e planejada

também a partir de seus espaços internos e externos, que organizados de formas

interconectadas, podem favorecer as interações, explorações, a curiosidade e a

autonomia. (REGGIO CHILDREN, 2013)

O ambiente interage de acordo com os projetos e experiências,

estabelecendo um constante diálogo entre a pedagogia e a arquitetura. Os

educadores apresentam um cuidado com a estética, os objetos e os locais de

atividades, para que possam gerar familiaridade, pertencimento e bem-estar.

(REGGIO CHILDREN, 2013)

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Fig.16. Ateliê. Foto-ensaio composto por duas fotografias digitais retiradas de cartões-postais

da Scuola dell’Infanzia Comunale e Scuola Primaria Statale nel Centro Internazionale Loris

Malaguzzi.

Nas escolas de Reggio Emilia, segundo Gandini (1999, p.157), “o

ambiente é visto como algo que educa a criança”, considerado um outro

educador junto com a equipe de educadores.

[...] O ambiente é visto não como um espaço monológico estruturado de acordo com um padrão formal e uma ordem funcional, mas como um espaço no qual dimensões múltiplas coexistem, até mesmo as opostas. É criado um ambiente híbrido no qual o espaço adquire forma e identidade através das relações. [...] É um local sereno, agradável e sociável. (CEPPI, ZINI, 2013, p. 18-19)

O espaço se torna relacional à medida que o ambiente consegue estimular

e possibilitar relações, rico em informações e sem regras rígidas.

[...] No espaço relacional, o aspecto predominante é a relação que ele possibilita, as várias atividades especializadas que podem ser conduzidas nele e os filtros de informação e cultura que podem ser ativados neste espaço. (CEPPI, ZINI, 2013, p. 20)

Formação profissional

A formação profissional é caracterizada como um processo que leva os

sujeitos a refletirem sobre os modos e significados da educação. É articulada por

uma formação permanente, constituída como direito e dever do educador,

prevista no horário de trabalho. Acontece no interior das instituições, por meio

de práticas reflexivas da observação e da documentação. A formação

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profissional se desenvolve entre os encontros nas escolas, o sistema de serviços

educacionais e as ocasiões culturais da cidade. (REGGIO CHILDREN, 2013)

As escolas para infância de Reggio atribuem aos educadores a

importância de terem a postura de pesquisadores e protagonistas, além de um

respeito com o papel que é convidado a assumir. O educador é chamado para

refletir sobre a sua própria identidade e sua formação pessoal e educacional.

O desenvolvimento profissional é um direito de cada educador individualmente e de todos aqueles que trabalham na escola, É também o direito das crianças de terem um educador competente capaz de entrar num relacionamento de escuta recíproca, de mudar e renovar a si mesmo de maneira dinâmica, com a máxima atenção às transformações que estão ocorrendo na realidade em que vivem as crianças. [...] é um direito de todos os funcionários da escola, e esse grupo se torna um novo sujeito, uma unidade com necessidades e prerrogativas próprias com as de pensar, planejar, trabalhar e interpretar junto, de forma colegiada. (RINALDI, 2012, p. 240-241)

Para Proença (2006, p. 34) “formar-se é buscar a própria identidade,

enquanto sujeito e membro de um grupo.” Assim, todos os adultos são

convidados a aprender e reaprender com as crianças, buscando um processo

de formação contínuo, consciente e transformador.

Avaliação

A avaliação é um processo de estrutura e experiência educativa e de

gestão, que acontece em diversos âmbitos, como os aspectos profissionais dos

adultos e a organização e qualidade dos espaços oferecidos. É entendido para

reconhecer e negociar as ações relacionadas aos princípios do projeto

educativo. Configura-se como ação pública de diálogo e interpretação,

envolvendo o Conselho Infância Cidade, o grupo de trabalho das escolas, e as

práticas. (REGGIO CHILDREN, 2013)

Para Rinaldi (2012), a avaliação está relacionada diretamente com a

documentação, pois ela permite tornar explícitos, visíveis e partilháveis os

elementos indicadores de valor, contidos na produção da documentação por

quem documenta.

A partir desses princípios significativos do projeto educativo das escolas

para infância de Reggio Emilia, é possível perceber que nem a pedagogia e nem

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a escola são neutras. Este processo implica tomar partido e fazer escolhas,

sendo a primeira dela refletir sobre qual é a imagem de criança anunciada e

defendida não somente no projeto educativo, mas na prática de cada educador.

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Fig.17. A fonte I. Foto-ensaio composto por três fotografias digitais retiradas durante visita à

cidade de Reggio Emilia.

Fig.18. A fonte II. Foto-ensaio composto por quatro fotografias digitais do Parque Ibirapuera,

SP, retiradas do site Flickr de fotógrafos brasileiros.

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4 IDENTIFICANDO PONTES

“I bambini denovo studiare così possomo fare quello che gli piace. I bambini hanno il diritto di sapere tutto quanto solo che non devono sapere i segreti degli altri.” (In viaggio coi diritti dele bambine e dei bambini, 1995). Autori i bambini stessi

Tendo explicitado o percurso histórico e social, os marcos legais, as

concepções e os princípios sobre o currículo para a infância dos dois contextos

educativos da pesquisa, este capítulo traz a análise dos documentos com

relação à integralidade dos sujeitos e do processo educativo intitulados:

Currículo Integrador da Infância Paulistana, 2015, elaborado pela Secretaria

Municipal de Educação da cidade de São Paulo, e o Regimento ESCOLAS E

CRECHES PARA A INFÂNCIA da Comuna de Reggio Emilia, 2013 (Anexo A),

da Instituição Escolas e Creches para a Infância da cidade de Reggio Emilia.

Mais do que comparar realidades, escolhas e sistemas educativos de dois

contextos distintos, torna-se fundamental a realização de uma análise crítica dos

dados, estabelecendo possíveis pontes entre a abordagem educativa de Reggio

Emilia e a Política para a Educação Infantil no Município de São Paulo.

O processo de análise deu-se por meio da articulação entre os princípios

e as concepções encontradas nos documentos e a base teórica consolidada ao

longo da pesquisa. Os resultados da análise dos dados permitem identificar o

encantamento e a coerência expressos nos documentos que legitimam e

garantem os direitos das crianças. Neste sentido, os principais pontos e

categorias estabelecidas durante o processo de análise foram:

- A integralidade do sujeito e do processo educativo;

- Participação, escuta e protagonismo;

- Ambientes, espaços e tempos;

- Documentação Pedagógica.

Para fins de análise, os documentos serão intitulados da seguinte forma:

CIDIP para Currículo Integrador da Infância Paulistana, e RECICRE para

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Regimento ESCOLAS E CRECHES PARA A INFÂNCIA da Comuna de Reggio

Emilia.

4.1. A integralidade do sujeito e do processo educativo

A infância é reconhecida como uma construção social e histórica, na qual

as crianças são sujeitos de direitos, capazes, portadores de cultura, e produzem

suas identidades na interação com os outros e com o meio. Nesta perspectiva,

os adultos devem entender a infância não mais como um período marcado por

ausências e incapacidades, mas como um período de potencialidades,

curiosidade, descobertas, um período de vida ativa, caracterizado pelas “cem

linguagens”, como define Malaguzzi (1999).

Considerando as concepções de criança e de infâncias expressas nos

dois documentos analisados, é possível notar pontes entre ambos registros. O

Currículo Integrador percebe a integralidade dos sujeitos na multiplicidade de

pequenos contextos, em que cada criança é única em suas histórias singulares,

mesmo que em um espaço coletivo.

No CIDIP, encontramos a definição de que:

Cada sujeito singular (bebês e crianças da Educação Infantil e Ensino Fundamental) constitui uma infância com o elo comum da brincadeira e das interações com as pessoas e com a cultura como eixos do currículo (Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Básica). Portanto, cabe à escola ser um espaço onde as várias infâncias possam ser vividas sem prorrogações ou antecipações indevidas, respeitando-se as peculiaridades de cada faixa etária, e sem padronizações que suprimam as individualidades e cerceiem as vivências das múltiplas experiências que constituem direitos das crianças. (SÃO PAULO, 2015, p.28)

Desse modo, a integralidade dos sujeitos, considera a inteireza das

crianças, a existência de seus corpos, mentes e emoções, um ser único que

aprende com o corpo todo. Freire (2011) acrescenta a ideia de que o ser humano

é uma inteireza e não uma dicotomia com partes esquemáticas, desarticuladas.

O RECICRE faz referência a essa integralidade por meio das “cem

linguagens” de Malaguzzi, nesta abordagem:

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A criança, como ser humano, possui cem linguagens, cem maneiras de pensar, de se exprimir, de entender, de encontrar o outro através de um pensamento que entrelaça e não separa as dimensões da experiência. As cem linguagens são metáforas das extraordinárias potencialidades das crianças, dos processos cognitivos e criativos, das múltiplas formas com que a vida se manifesta e o conhecimento é construído. (REGGIO CHILDREN, 2013, p. 10)

Tais concepções acreditam que a educação não pode desconsiderar essa

inteireza do ser, precisam garantir isso em seus planejamentos de tempos,

espaços e ações. É de responsabilidade da educação infantil valorizar todas as

linguagens verbais e não verbais. Assim como também é importante

compreender as especificidades de cada etapa da Educação Básica.

O CIDIP compreende a educação como:

[...] um espaço que integra vida, cultura, cidade e escola, experiência e aprendizagem, mundos distintos e complementares como a razão e a fantasia, a arte e a ciência, o corpo em movimento e o pensamento, adultos e crianças em uma experiência inteira e socialmente relevante para a educação das infâncias. (SÃO PAULO, 2015, p. 23)

E Rinaldi (2012, p. 160) complementa com uma visão na qual a escola [...]

é vista como um “organismo vivo” que pulsa, muda, se transforma, cresce e

amadurece. (...) a escola para crianças pequenas nunca é a mesma de um dia

para o outro. As escolas municipais de Reggio Emilia, por serem baseadas em

processos permanentes são lugares educativos e de educação, que se aplicam

não somente às crianças, mas aos adultos também.

A consolidação de um currículo que defende e considera a integralidade

da criança e dos espaços educativos é também reconhecer a importância da

complementariedade e da continuidade dos processos entre a Educação Infantil

e o Ensino Fundamental, na busca por uma educação com qualidade social.

Malaguzzi (1999, p. 101) nos alerta para o fato de que “se a escola para

crianças pequenas precisa ser preparatória e oferecer continuidade com a

escola elementar26, então nós, como educadores, já somos prisioneiros de um

modelo que termina como um funil”, ou seja, um modelo de currículo “uniforme

26 Escola elementar em Reggio Emilia equivale ao Ensino Fundamental em São Paulo.

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pronto-a-se-vestir de tamanho único” de que declara Formosinho (2007, apud.

SÃO PAULO, 2015, p. 27).

Em ambos contextos é possível notar alguns desafios quando se fala de

integralidade de sujeitos e espaços educativos, pois, tanto em Reggio Emilia

quanto em São Paulo, a cisão da Educação Infantil com o Ensino Fundamental

– escola elementar em Reggio Emilia – faz parte de uma cultura instaurada na

história da Educação Infantil e na prática dos educadores.

O Currículo Integrador propõe superar a cisão entre corpo e mente, o

brincar e o aprender, razão e fantasia. Os princípios do Currículo Integrador

propõem também a organização da educação sem rupturas, num conjunto

articulado, orgânico e sequencial a partir das mesmas concepções de criança,

infância, educação e currículo. Para superar a cisão entre os segmentos, pontua

como essencial a articulação entre as Unidades Educacionais.

4.2. Participação, escuta e protagonismo

Participação, escuta e protagonismo são considerados valores que

fundamentam o currículo para infância nos dois contextos apresentados na

pesquisa. Em ambos, os documentos foram feitos com um amplo envolvimento

e consulta participativa, fruto de muita discussão e construção coletiva

Numa educação participativa, em que a escola passa a ser um espaço

para exercício da cidadania, é premissa um comportamento ativo de escuta entre

adultos, crianças e ambiente. Para tal, os adultos que se relacionam com as

crianças têm um papel fundamental, pois, somente por meio da escuta atenta, é

possível dar voz e vez para as crianças. Neste sentido, Freire (1996, p. 68)

ressalta que o educador “já não é o que apenas educa, mas que, enquanto

educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também

educa.”, uma relação de reciprocidade entre educador e educando, um diálogo

entre ambos, ao contrário de uma relação autoritária.

Em Pedagogia da Autonomia, o autor acrescenta:

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107

A dialogicidade não nega a validade de momentos explicativos, narrativos em que o professor expõe ou fala do objeto. O fundamental é que professor e alunos saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve. O que importa é que professor e alunos assumem epistemologicamente curiosos. (FREIRE, 2008b, p.86)

Analisando os apontamentos nos documentos apresentados, é possível

perceber que o diálogo, a troca e a escuta são valores que fundamentam um

currículo para infância e que garantem a participação.

Nesta perspectiva, a abordagem educativa de Reggio Emilia é uma

referência na “pedagogia da escuta e das relações”, não apenas um ambiente

educativo, mas também uma atitude para a vida. A história das escolas para

infância de Reggio Emilia, apresentada nesta pesquisa, iniciou sua trajetória com

fortes traços de participação e protagonismo de adultos e de crianças. Este

caráter participativo permanece até os dias atuais, fortalecido pelo sistema de

órgãos de participação e corresponsabilidade, descritos no RECICRE.

Para as escolas de infância de Reggio Emilia, “A participação é o valor e

a estratégia que qualifica a maneira das crianças, dos educadores e dos pais de

fazerem parte do processo educativo; é a estratégia educativa construída e

vivida no encontro e na relação dia após dia.” (REGGIO CHILDREN, 2013)

O Currículo Integrador apresenta o conceito de protagonismo relacionado

a uma relação acolhedora e atenta entre adultos e crianças.

Por isso, o protagonismo do professor e da professora não deve inviabilizar o protagonismo das crianças; ao contrário, o protagonismo dos adultos deve promover o protagonismo das crianças, considerando que o processo de ensinar e aprender acontece por meio das relações de comunicação, sendo a aprendizagem resultante de ação em comum entre as crianças e entre os crianças e adultos. (SÃO PAULO, 2015, p. 30)

Para contribuir com esta perspectiva de gestão democrática e

participativa, alguns documentos foram publicados pela Secretaria Municipal de

Educação de São Paulo e também contribuem para a discussão do Currículo

Integrador. Os Indicadores da Qualidade na Educação Infantil Paulistana (SÃO

PAULO, 2016) é um documento que têm como objetivo auxiliar toda comunidade

educativa a desenvolver um processo de autoavaliação institucional participativa

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que leve a um diagnóstico coletivo sobre a qualidade da educação, assim como

formas de obter melhorias no trabalho desenvolvido com as crianças.

O documento é organizado por nove dimensões de qualidade, sendo: 1)

Planejamento e gestão educacional; 2) Autoria, participação e escuta de bebês

e crianças; 3) Multiplicidade de experiências e linguagens em contextos lúdicos

para as infâncias; 4) Interações; 5) Relações étnico/raciais e de gênero; 6)

Ambientes educativos: tempos, espaços e materiais; 7) Promoção da saúde e

bem-estar: experiências de ser cuidado, cuidar de si, do outro e do mundo; 8)

Formação e condições de trabalho dos educadores e das educadoras; 9) Rede

de proteção sociocultural: Unidade Educacional, família/responsáveis,

comunidade e cidade. Cada dimensão de qualidade se desdobra nos seus

respectivos indicadores de qualidade, revelando determinados aspectos da

realidade. (SÃO PAULO, 2016)

Ainda no documento, o princípio de participação é expresso por meio da

metodologia adotada na realização da autoavaliação, em que diferentes vozes e

olhares são contemplados em todas as etapas do debate e nas tomadas de

decisão. Neste sentido que a participação ativa das famílias acontece em todo

processo, uma mudança de paradigma na relação família-escola perpetuada por

muitos anos em que as famílias desempenhavam um papel passivo, de mero

receptor de informações sobre o desempenho das crianças.

Todo esse avanço dialoga com a pedagogia da escuta, que caracteriza a

experiência em Reggio Emilia. Mas o que é escuta? Reggio inspira e encanta

porque acredita que a escuta precisa ser sensível aos padrões que nos

conectam aos outros; precisa ser aberta à necessidade de ouvir e ser ouvido;

deve reconhecer as muitas linguagens; deve ser também interna, a nós mesmos;

demanda tempo; é gerada por curiosidade, desejo, dúvidas e incertezas; produz

perguntas; é emoção; é um verbo ativo; remove o indivíduo do anonimato; é a

base de qualquer relação. (Rinaldi, 2016, p. 236 apud. EDWARDS, GANDINI,

FORMAN, 2016)

4.3. Ambientes, espaços e tempos

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Essa categoria de análise demonstra claramente as pontes entre os dois

contextos pesquisados. Os espaços das escolas para infância de Reggio Emilia

são, sem dúvida, encantadores e inspiradores. Os ambientes internos e externos

são pensados e organizados para favorecer as interações, as pesquisas, a

autonomia, as explorações, a curiosidade e a comunicação.

No documento RECICRE:

O ambiente interage, modifica-se e toma forma de acordo com os projetos e experiências de aprendizado das crianças e dos adultos e num constante diálogo entre arquitetura e pedagogia. O cuidado com a estética, os objetos, os locais de atividade por parte das crianças e dos adultos é um ato educativo que gera bem-estar psicológico, senso de familiaridade e pertencimento, gosto estético e prazer de habitar o local, que são também premissas e condições primárias para a segurança dos ambientes. (REGGIO CHILDREN, 2013, p. 13)

Reggio Emilia apresenta o espaço como um terceiro educador em cada

seção. “A seção, na escola para a infância, é formada por um grupo de crianças,

seus pais e dois professores que contitulares e corresponsáveis pelo grupo”.

Para compor o espaço conta com o ateliê, que não é apenas um espaço físico,

mas uma cultura que se põe em diálogo e conexão com as seções, com o

miniateliê e com todos os outros espaços da escola. “O ateliê é um lugar de

experimentação e pesquisa”. (REGGIO CHILDREN, 2013, p.17-18)

Outro espaço importante para a cultura das escolas para infância de

Reggio Emilia são as cozinhas, fazendo parte da qualidade educativa dos

serviços, com o papel de favorecer a escuta e as relações com as famílias sobre

temas da alimentação, saúde e bem-estar, além de ser uma linguagem para o

processo educativo.

Para Rinaldi (2013, p. 124 apud. Ceppi, Zini, 2013) o espaço físico, como

qualquer outra linguagem, é um elemento constituinte na formação do

pensamento. Para a autora, a “leitura da linguagem espacial é multissensorial e

envolve tanto os receptores remotos (olhos, ouvidos, nariz) quanto os receptores

imediatos do ambiente circundante (pele, membranas e músculos). A percepção

do espaço é subjetiva e holística (tátil, visual, olfativa e sinestésica)”. Esta

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110

percepção é modificada durante as fases da vida e está relacionada diretamente

com a cultura do indivíduo.

As escolas para a infância de Reggio Emilia constroem e organizam seus

espaços de acordo com alguns critérios fortemente ligados ao ponto de vista

pedagógico, sendo eles: identificabilidade – criar uma identidade clara;

horizontalidade – escolha consciente de não criar hierarquias entre os diferentes

espaços; a piazza central – é um ponto de encontro, um espaço coletivo,

simboliza a “pedagogia dos relacionamentos”; transformabilidade e flexibilidade

– ser passível de receber manipulações e transformações no decorrer do dia e

do ano; ateliê – espaço usado para pesquisa, experimentação e manipulação de

uma variedade de materiais; escola como laboratório – a totalidade da escola é

vista como um laboratório para o aprendizado autônomo das crianças; a escola

e a comunidade – a relação íntima entre a escola e a cidade é um conceito

fundamental; a relação interior-exterior – a escola “sente” o que está

acontecendo no lado de fora; transparência – a possibilidade de olhar um espaço

através do outro; comunicação – tornou-se uma “segunda pele” que cobre a

escola e comunica as aprendizagens das crianças. (CEPPI, ZINI, 2013, p. 44-

51)

Ao analisar os princípios para organização de espaços, materiais e

tempos contidos no CIDIP, é possível perceber a influência da abordagem

educativa de Reggio Emilia, em que apresentam os espaços como segundo

educador da turma.

Para o Currículo Integrador os espaços devem ser organizados:

[...] de modo que sejam acolhedores, seguros, desafiadores e que possibilitem a interação e a participação entre adultos, bebês e crianças de diferentes idades, que conciliem a livre exploração e a expressão das individualidades, assim como elementos das culturas vividas por bebês e crianças com elementos da cultura universal que deve ser usufruída por todas as pessoas. (SÃO PAULO, 2015)

A escolha e a organização dos materiais em ambos documentos estão

relacionadas à ocupação dos espaços, à intencionalidade dos educadores, e

principalmente às experiências que podem promover.

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A garantia de acesso a materiais diversificados é apresentada no CIDIP,

o documento traz como orientação a importância de valorizar o uso de materiais

simples e de fácil aquisição, que possibilitem a ressignificação e estimulem a

criatividade por parte das crianças. Além dos espaços e materiais, a gestão do

tempo também é apresentada no Currículo Integrador como fundamental para

que as crianças possam viver suas experiências cotidianas, valorizando as

oportunidades de expressão, interações e brincadeiras.

Em Reggio Emilia, a questão dos materiais é parte fundamental do

processo educativo, para isso eles contam com o apoio do REMIDA, o Centro

de Reciclagem Criativo, já apresentado nesta pesquisa, que oferece materiais

alternativos e recuperados, derivados de resíduos industriais.

No contexto de Reggio Emilia, ambientes, espaços e tempos fazem parte

do gênese das escolas para a infância e da prática dos educadores. O projeto

educativo dialoga diretamente com este terceiro educador. Nas escolas de

educação infantil paulistanas, algumas transformações já ocorreram, porém

ainda existe um longo caminho de reflexão por parte dos educadores para

repensar suas práticas, possibilitando o acesso a diferentes espaços que

oportunizam novas experiências para as crianças. O Currículo Integrador é um

convite para pensar nas ações que podem concretizar concepções e princípios

por ele apresentados.

A autora Vecchi (2013, p.136, apud CEPPI) confronta todos os

educadores com a seguinte questão: “de que tipo de espaço as crianças

precisam para habitarem a escola da melhor forma?”.

4.4 Documentação Pedagógica

Esta categoria de análise é identificada fortemente na abordagem

educativa de Reggio Emilia, apesar de ter sido citada de forma breve no

documento RECICRE. Em outras publicações sobre a abordagem, este tema é

bem recorrente, servindo de referencial para contribuir com a análise. Esta

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prática foi difundida em vários contextos e serve de inspiração para outras

realidades que buscam refletir sobre a forma de registrar as aprendizagens das

crianças.

A documentação pedagógica nas escolas para infância de Reggio Emília

“é parte integrante e que estrutura as teorias educativas e didáticas, já que dá

valor e torna explícita, visível e avaliável a natureza dos processos de

aprendizado subjetivos e de grupo das crianças e dos adultos, individualizados

através da observação, tornando-os um patrimônio comum”. (REGGIO

CHILDREN, 2013)

A documentação é um instrumento para vários fins, tem em seu caráter

comunicar as aprendizagens das crianças, tornar visível os processos de

construção de conhecimento, dar visibilidade às teorias provisórias construídas

pelas crianças, permite a conexão entre teoria e prática, além de ser um potente

instrumento de formação docente, onde o mesmo é “tratado tanto como

pesquisador quanto como aprendiz”.

A autora Rinaldi (2012, p. 184) traz um importante alerta, quando afirma

que a documentação em Reggio não é vista [...] como documentos para os

arquivos, ou como painéis pendurados nas paredes, ou ainda como uma série

de belas fotografias, mas como um traço visível e um procedimento que dá

suporte ao aprendizado e ao ensino, tornando-os recíprocos por poderem ser

vistos e partilhados.

O Currículo Integrador sugere diferentes linguagens no processo de

documentar, tais como: uma sequência de fotos que narre processos vividos

pelas crianças; uma gravação de áudio; uma filmagem das experimentações;

uma exposição permanente das produções das crianças; o registro diário de

relatos de familiares. Porém todos esses exemplos são sugestões para a prática

dos educadores, pois a documentação pedagógica também cumpre o papel de

“valorizar a autoria e o protagonismo infantil, assim como a autoria e o

protagonismo docente”. (SÃO PAULO, 2015, p.66)

Para a proposta do Currículo Integrador:

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A documentação pedagógica também deve ser um convite para as crianças produzirem registros e participarem do processo de documentação. (...) Esta é uma possibilidade de prática promotora de autoria, protagonismo e respeito à voz das crianças e fator que promove seu desenvolvimento, uma vez que é fonte de conhecimento pelas crianças de seu próprio processo de aprendizagem e de crescimento cultural, possibilitando a autoavaliação e autorreflexão de crianças e educadores e educadoras. (SÃO PAULO, 2015)

Considerando essa definição, a documentação pedagógica apresentada

no documento tem dimensões políticas e pedagógicas, em direção a uma escola

com qualidade social para infância paulistana.

Para Rinaldi (2012) a documentação pedagógica percorre todo o percurso

de Reggio, tornando o trabalho pedagógico visível e passível de interpretação.

A subjetividade é incorporada, não existe ponto de vista objetivo. A

documentação estimula o conflito de ideias e a argumentação, além de ser um

método de aferir e avaliar.

Após a análise crítica de cada categoria, é possível perceber as pontes

que encantaram e serviram de inspiração para elaboração do Currículo

Integrador da Infância Paulista, mesmo tendo um contexto tão distinto e todo

desafio que uma rede de ensino do tamanho dessa de São Paulo enfrenta.

Como afirma Rinaldi (2012, p. 53):

Reggio não é um modelo, um programa, uma “boa prática” ou um marco de referência (...) As escolas municipais e seu trabalho apresentam um contexto particular, uma história particular e escolhas políticas e éticas particulares. A relação de Reggio com os outros, portanto, não é comercial, de exportação de um produto. Ela é, como sublinhamos, uma relação de esperança, uma utopia ou um sonho, ou ambos. Ela propicia um sentimento de pertencimento e é um forte estímulo para aqueles que procuram valores diferentes, sugerindo modos de pensar para aqueles que se encontram à sua volta.

Reggio é um local de encontro com muitos protagonistas, sendo o

Currículo Integrador da Infância Paulistana um deles.

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Fig.19. Luminárias II. Foto-ensaio composto por duas fotografias digitais retiradas do site Flickr

de fotógrafos brasileiros.

Fig.20. Luminárias I. Foto-ensaio composto por duas fotografias digitais retiradas durante visita

à cidade de Reggio Emilia.

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CONSIDERAÇÕES

“La legge non è proibita di pensare, i bambini possono pensare per modo loro ma denovo sempre ubbidire.” (In viaggio coi diritti dele bambine e dei bambini, 1995). Autori i bambini stessi

Concluir uma pesquisa, no caso esta Dissertação intitulada “Encanto e

coerência: a infância construindo pontes entre Reggio Emilia e a Política para a

Educação Infantil no Município de São Paulo”, ao contrário do que nos remete a

ideia de finalizar, é dar início a uma enorme possibilidade de discussão sobre o

currículo para a infância.

A inquietação a qual “acendeu” o tema foi transformando o olhar,

provocando e levando a várias interrogações em busca de compreender e

ressignificar o contexto da pesquisa, tendo Reggio Emilia como fonte de

encantamento, reflexão e inspiração.

Mesmo existindo vários estudos sobre o tema educação infantil, ainda há

uma relevância social e acadêmica, devido às mudanças que ocorreram nas

determinações legais, em que a educação básica obrigatória e gratuita passa a

ser dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, estabelecendo o ano de

2016 como prazo final para a universalização. Considerando, então, a Educação

Infantil como primeira etapa da Educação Básica, o repensar sobre sua função

sociopolítica e pedagógica tornou-se um grande desafio, culminado com o

currículo que atenda às reais necessidades das crianças.

Tendo como problema de pesquisa quais contribuições da abordagem de

Reggio Emilia poderiam ser identificadas na construção de um currículo para a

Educação Infantil na Rede Municipal de Ensino de São Paulo, esta pesquisa

buscou desenvolver uma discussão teórica que apresentasse quais concepções

de currículo, de infância e de criança estamos falando e trouxe nessa discussão

uma reflexão na perspectiva crítica sobre os estudos de alguns especialistas em

educação infantil, assim como as publicações do Ministério da Educação, da

Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e do Sistema Educativo da

Comuna de Reggio Emilia.

O objetivo geral deste trabalho foi analisar a proposta formulada do

Currículo Integrador da Rede Municipal de Ensino de São Paulo, substantivada

pelas possíveis influências e inspirações do currículo para a infância das escolas

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de Reggio Emilia. Para contextualizar o cenário pesquisado, foi de extrema

importância retomar a questão do direito à educação e o ingresso das crianças

de 4 (quatro) e 5 (cinco) anos de idade na Educação Básica, com respaldo em

documentos que são base para construção de políticas públicas, ações e

movimentos do Brasil. Nesta retomada, buscamos trazer a questão da

concepção de infância e criança para melhor compreender como a Educação

Infantil foi se compondo no tempo e no espaço do contexto brasileiro, pois,

conforme apresentado no trabalho, a história da infância não é propriamente a

história real das crianças, mas representações que os adultos fazem delas. Uma

história marcada por períodos de descaso, ausência e silenciamento.

Foi possível perceber que falar de currículo para a Educação Infantil não

é uma tarefa muito simples, requer uma reflexão crítica e aprofundada, pois o

mesmo sempre sofreu influências direta da visão e dos interesses da sociedade.

No Brasil, essa história passou por vários movimentos de caráter assistencial,

social, até ser vista como direito de todos.

Para Arroyo (2013, p.180), a não presença da infância no nosso sistema

educacional marca a história da instrução pública, na qual “a história das

ausências e dos sujeitos ausentes é tão reveladora quanto a história dos sujeitos

presentes no sistema escolar”, tema que abre caminhos para outros

questionamentos e futuras pesquisas.

Nestas reflexões finais reportando-nos às discussões teóricas, dados da

pesquisa bibliográfica e análise documental, cabe destacar aspectos que

assumem relevância para este processo investigativo. Ao nos referirmos à

construção de um currículo para a infância é de extrema importância perceber a

Educação Infantil como responsabilidade dos municípios nos aspectos legais

que considera a criança em sua integralidade.

Para Noffs (2011), existem vários pontos de convergência/divergência

quando tratamos de educação infantil em contextos distintos, porém, a

participação dos profissionais expressando seus conhecimentos e dialogando

com demais profissionais da escola, é fundamental para que a escola seja um

espaço de construção de conhecimento.

Diante do caminho que nos levou a pesquisa, fica evidente os avanços

políticos e publicações de documentos norteadores de propostas curriculares

para a infância paulistana. A articulação do conjunto dessas ações tem

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embasado a mudança de paradigmas e práticas nas escolas de Educação

Infantil. Porém ressaltamos que esse processo apresenta limitações,

principalmente por tratar-se da maior Rede Pública de Educação Infantil da

América Latina.

Neste cenário, percebemos, nos documentos analisados, que a proposta

do Currículo Integrador da Infância Paulistana, além de outras referências e

inspirações, construiu pontes de diálogo com a abordagem educativa das

escolas para a infância de Reggio Emilia. Encontramos essas pontes no que se

refere aos princípios, concepções, valores e ações, apresentadas em forma de

categorias de análise neste trabalho. Podendo assim destacar a construção de

uma concepção de criança potente, capaz, curiosa, participativa, inteligente,

protagonista de sua aprendizagem, que possui sua cultura e “cem linguagens”,

mas fundamentalmente feliz.

Pensar no diálogo entre o contexto de Reggio Emilia e de São Paulo,

diante de características tão distintas, é provocador, ousado e encantador. Isto

só reafirma o desejo universal de garantir que nossas crianças possam viver a

infância em sua plenitude, sendo consideradas como sujeitos de direito e que

tenham suas vozes como ponto de partida para as propostas pedagógicas.

Assim como acontece em Reggio Emilia, o desafio é para que as Políticas

Públicas de Educação Infantil Paulistana se tornem “Políticas Públicas da

Infância” e não “Políticas Partidárias”, para que a continuidade de propostas

como a do Currículo Integrador possa ter continuidade e avanços.

As crianças têm muito a nos dizer e a “pedagogia da escuta e das

relações” de Reggio Emilia tem muito para nos encantar. Assim como a poesia

de Giani Rodari, “O Homem de Orelhas Verdes”:

O Homem de Orelhas Verdes

Um dia num campo de ovelhas

Vi um homem de verdes orelhas

Ele era bem velho, bastante idade tinha

só sua orelha ficara verdinha

Sentei‐me então ao seu lado

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a fim de ver melhor, com cuidado

Senhor, desculpe minha ousadia, mas na sua idade

De uma orelha tão verde qual é a utilidade?

Ele me disse, já sou velho, mas veja que coisa linda

De um menininho tenho a orelha ainda

É uma orelha‐criança que me ajuda a compreender

O que os grandes não querem mais entender

Ouço a voz de pedras e passarinhos

Nuvens passando, cascatas e riachinhos

Das conversas de crianças, obscuras ao adulto

Compreendo sem dificuldade o sentido oculto

Foi o que o homem de verdes orelhas

Me disse no campo de ovelhas.

(Rodari, 1997, p. 13)

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REFERÊNCIAS

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__________. Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Orientação Normativa: nº 01: avaliação na educação infantil: aprimorando os olhares. Secretaria Municipal de Educação. São Paulo: SME / DOT, 2014.

__________. Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Programa Mais Educação São Paulo: subsídios para a implantação. Secretaria Municipal de Educação. São Paulo: SME / DOT, 2014.

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___________. Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Indicadores de Qualidade na Educação Infantil Paulistana. São Paulo: SME / DOT, 2016.

___________. Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. O uso da tecnologia e da linguagem midiática na educação infantil. São Paulo: SME/DOT, 2015b.

___________. Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Currículo integrador da infância paulistana. São Paulo: SME/DOT, 2015c. 72 p.: il.

__________. Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Padrões básicos de qualidade da Educação Infantil Paulistana: orientação normativa nº 01/2015. Secretaria Municipal de Educação. São Paulo: SME / DOT, 2015.

SEVERINO, A. J. Metodologia do Trabalho Científico. 23. ed. São Paulo: Cortez, 2007. SPODEK, B.; BROWN, P. C. Alternativas Curriculares na Educação de Infância: Uma Perspectiva Histórica. In: FORMOSINHO, J. (Org.). Modelos Curriculares para a Educação de Infância. Porto: Porto, 1996. SPODEK, B.; Brown, P. C. Alternativas Curriculares em Educação de Infância: Uma perspectiva histórica. In B. Spodek (Org.). Manual de Investigação em Educação de Infância (pp. 193-223). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. SPODEK, B.; SARACHO, O. N. Ensinando crianças de três a oito anos. Porto Alegre: Artmed, 1998. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução. José Cipolla Neto. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

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ANEXO A – Regimento ESCOLAS E CRECHES PARA A

INFÂNCIA da Comuna de Reggio Emilia

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