em meio à crise souza dantas e a frança ocupada (1940-1942)

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EM MEIO À CRISE Souza Dantas e a França ocupada 1940-1942 1940-1942 1940-1942 1940-1942 1940-1942 Fundação Alexandre de Gusmão Centro de História e Documentação Diplomática Brasília / Rio de Janeiro, 2008 Alvaro da Costa Franco Organizador

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  • EM MEIO CRISE

    Souza Dantas e a Frana ocupada

    1940-19421940-19421940-19421940-19421940-1942

    Fundao Alexandre de GusmoCentro de Histria e Documentao Diplomtica

    Braslia / Rio de Janeiro, 2008

    Alvaro da Costa FrancoOrganizador

  • Em meio crise: Souza Dantas e a Frana ocupada, 1940-1942 /Alvaro da Costa Franco (Org.). Rio de Janeiro : Centro de Histriae Documentao Diplomtica ; Braslia : Fundao Alexandre deGusmo, 2008.476 p. ; 14 x 21 cm.

    ISBN 978.85.7631.122-5

    1. Souza Dantas, Luiz Martins de, 1876-1954 Correspondncia.2. Diplomatas Brasil Correspondncia. 3. Brasil Relaesexteriores Frana. I. Centro de Histria e Documentao Diplo-mtica. II. Fundao Alexandre de Gusmo.

  • EM MEIO CRISE

    Souza Dantas e a Frana ocupada

    1940-19421940-19421940-19421940-19421940-1942

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    MINISTRIO DAS RELAES EXTERIORES

    Ministro de Estado Embaixador Celso AmorimSecretrio-Geral Embaixador Samuel Pinheiro Guimares

    FUNDAO ALEXANDRE DE GUSMO

    Presidente Embaixador Jeronimo Moscardo

    Centro de Histria eDocumentao Diplomtica

    Diretor Embaixador Alvaro da Costa Franco

    A Fundao Alexandre de Gusmo (FUNAG), instituda em 1971, uma fundaopblica vinculada ao Ministrio das Relaes Exteriores e tem a finalidade de levar sociedade civil informaes sobre a realidade internacional e sobre aspectos da pautadiplomtica brasileira. Sua misso promover a sensibilizao da opinio pblica nacionalpara os temas de relaes internacionais e para a poltica externa brasileira.

    Ministrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, bloco h,anexo 2, trreo, sala 170170-900 - Braslia, DFTelefones: (61) 3411 6033 / 6034Fax: (61) 3411 9125www.funag.gov.br

    O Centro de Histria e Documentao Diplomtica (CHDD), da Fundao Alexandre deGusmo / MRE, sediado no Palcio Itamaraty, Rio de Janeiro, prdio onde est depositadoum dos mais ricos acervos sobre o tema, tem por objetivo estimular os estudos sobre ahistria das relaes internacionais e diplomticas do Brasil.

    Palcio ItamaratyAvenida Marechal Floriano, 19620080-002 - Rio de Janeiro, RJTelefax: (21) 2233 2318 / [email protected] / [email protected]

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    SUMRIO

    O diplomata e o homem 7

    19401940194019401940 ........................................ 2719411941194119411941 ........................................ 16719421942194219421942 ........................................ 301

    ndice Onomstico 423

  • 7Souza Dantas na Frana ocupada, 1940-1942 7

    O DIPLOMATA E O HOMEM

    Souza Dantas foi um cone da diplomacia brasileira na pri-meira metade do sculo passado, considerado, entre os colegasdo ministrio, nos meios polticos e na imprensa brasileira, comouma figura emblemtica das qualidades que se supunham essen-ciais ao diplomata. Sua cativante simpatia, sua habilidade, suacapacidade de fazer amigos entre brasileiros e estrangeiros, aprestimosa e generosa ateno que dava aos patrcios dos maisaltamente colocados aos mais modestos alimentavam esta ima-gem. Sua permanncia frente da embaixada em Paris, de 1922a 1944, e o adiamento de sua aposentadoria alm do limite daidade regulamentar so como que a prova material da excepcio-nal situao de que gozava no Brasil.

    Com os anos, sua imagem se foi esmaecendo, guardadaapenas nos desvos da evanescente memria dos velhos diploma-tas e nas lembranas registradas em livros ou artigos de imprensapor alguns de seus contemporneos, como Gilberto Amado, ArgeuGuimares, Heitor Lyra, Assis Chateaubriand, Levi Carneiro,Augusto Frederico Schmidt, Afonso Arinos, Antonio Camillo deOliveira, Pio Correa ou Pascoal Carlos Magno. Uns eram quaseda mesma gerao, outros, mais moos, tiveram a oportunidadede conhec-lo no que parecia ser o seu habitat natural, Paris.

    Em 2002, um jovem historiador, Fbio Koifman, exumoudos arquivos o perfil notvel da ao humanitria de Souza Dantas,que permitiu a muitos dos perseguidos pelo regime nazista esca-par aos horrores dos campos de concentrao, tortura e morte,ao salvar das mos da Gestapo refugiados judeus, a quem conce-deu, a despeito das instrues do Estado Novo, vistos que lhespermitiam vir para o Brasil ou, pelo menos, escapar do territriofrancs. Em seu livro, Quixote nas Trevas, Koifman revelou, em

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    sua plenitude, uma dimenso pouco conhecida de Souza Dantas,sagrado hoje como um dos Justos que no hesitaram em pr-sedo lado dos perseguidos. Despertou, tambm, um novo interessepor este diplomata, j ento quase desconhecido, que apresentavatantas facetas inesperadas: homem do mundo, bomio, diploma-ta impecvel; com amigos entre os jornalistas, aristocratas, ho-mens polticos, intelectuais, artistas; afvel com todos, semdistines de classe ou de idade, e, sobretudo, aureolado de ami-zades femininas.

    Luiz Martins de Souza Dantas descendia de uma famliabaiana, de ilustres polticos. Era neto do conselheiro Manoel Pintode Souza Dantas, que foi chefe de gabinete e titular de vriaspastas no Imprio, e sobrinho de Rodolfo (Epifnio de Souza)Dantas, tambm ministro sob a monarquia. O pai de Luiz, tam-bm chamado Manoel Pinto de Souza Dantas, continuara, sob oImprio, a tradio familiar na poltica. Esta vocao, interrom-pida pela Repblica, levou-o carreira consular, para a qual veioa ser nomeado em 1908. No mesmo ano, um outro filho dovelho conselheiro Dantas, Jos Pinto de Souza Dantas, seria tam-bm nomeado para a carreira. de supor que o baro do RioBranco, que fora grande amigo de Rodolfo Dantas, estendessesua proteo famlia.

    Luiz nasceu a 17 de fevereiro de 1876, no Rio de Janeiro,onde fez seus estudos, diplomando-se bacharel em cincias jur-dicas e sociais. Colou grau em 6 de janeiro de 1897, na Faculda-de Livre de Cincias Jurdicas e Sociais do Rio de Janeiro. Erauma pequena turma, em que foi colega de James Darcy, objetode uma duradoura amizade. Foi logo nomeado, a 23 de janeiro,adido, no remunerado, na legao em Berna. Voltou ao Brasil,em licena, sendo nomeado, a 16 de maro de 1900, segundosecretrio na legao em So Petersburgo, onde se apresentou em20 de junho. Iniciava formalmente, aos 24 anos, sua carreira di-plomtica. Ficou ali encarregado dos negcios do Brasil de de-zembro de 1900 a junho do ano seguinte.

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    Serviu ainda como secretrio em Roma (1902) e, promovi-do a primeiro secretrio, em Buenos Aires (1908), onde foi cola-borador de Domcio da Gama. Estava no posto em momentosdifceis das relaes brasileiro-argentinas, especialmente quandoda questo do telegrama n. 9. Vrias vezes, assumiu a encarregaturade negcios, interinamente, sendo promovido a conselheiro em1910 e permanecendo em Buenos Aires durante a misso CamposSalles. Designado para chefiar, como ministro residente, a legaona Turquia (junho de 1912), no chegou a assumir o posto. Encar-regado de negcios depois da partida de Campos Sales (13 de ju-lho de 1912), foi efetivado, como ministro, chefe da legao emBuenos Aires, funo que exerceu de 1913 a 1916, quando foichamado ao cargo de subsecretrio do Ministrio das Relaes Ex-teriores (maio de 1916). Assumiu interinamente a pasta, entrejunho e novembro desse ano, perodo em que ocorreu seu desen-tendimento com Rui Barbosa, episdio que merece ser considera-do parte. Voltou a assumir o ministrio durante alguns dias demaio de 1917, at a posse de Nilo Peanha. Foi, ento, designadoministro plenipotencirio em Roma (1917) e Bruxelas (1919),voltando a Roma como embaixador ainda em 1919.

    Em 1922, iniciou Souza Dantas a sua longa gesto em Pa-ris, onde deveria aposentar-se em 1941, aos 65 anos. Foi, entre-tanto, prorrogada sua permanncia no posto, em virtude da guerrae da dificuldade de substitu-lo. Como continuou, de fato, a exercera chefia da misso e sendo, depois, internado em Bad Godesberg,sua aposentadoria foi anulada e Souza Dantas foi efetivamenteaposentado somente em dezembro de 1944, por um decreto-leido presidente Vargas, portanto, aos 68 anos.

    No terminou, entretanto, sua atividade profissional. Em1946, foi designado chefe da delegao do Brasil I AssembliaGeral da ONU, que se reuniu em Londres, e, logo depois, mem-bro da delegao brasileira Conferncia da Paz, chefiada peloento ministro das Relaes Exteriores, Joo Neves da Fontoura.Completara 70 anos.

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    Como ministro em Buenos Aires, Souza Dantas j revelarasua notvel capacidade de articulao social e profissional. Multi-plicava suas relaes, na poltica, no jornalismo, nos meios inte-lectuais ou nos sales da oligarquia argentina. Ligou-se de talforma sociedade romana, que, passados muitos anos, em 1926,quando o Brasil lutava pela cadeira de membro permanente doConselho da Liga das Naes, foi mandado a Roma para expor aogoverno italiano a posio brasileira. Tinha ali relaes pessoaiscom Mussolini, que, ao fim de sua misso diplomtica, quatroanos antes, o tratara de cives romanus; era amigo de GabrieleDAnnunzio; todas as portas lhe estavam abertas. Em Paris, inte-grou-se a ponto de tornar-se no um estrangeiro de prestgio, masparte da sociedade parisiense, do mundo poltico e intelectual francs,onipresente, conhecido de todos e bem acolhido por todos.

    Esta situao peculiar podia suscitar crticas, como a deLvy-Strauss, que considerava Dantas um brasileiro alienado cultura francesa. Mas, de brasileiros, no conheo queixa ou afir-mao de que tenha desatendido interesses nacionais ou deixadode proteger a quem quer que batesse sua porta. Por disciplinaprofissional, inclinao pessoal, generosidade natural, talvez porinteresse, nunca deixou de atender ao zeloso cumprimento deinstrues, de prestar seu apoio pessoal aos brasileiros de visitaou de passagem, de socorrer os que estavam desvalidos. Do di-plomata, se pede que rena o perfeito conhecimento de seu pr-prio pas, de sua cultura e interesses e a compreenso profundada cultura, interesses, posturas e idiossincrasias de seusinterlocutores, de forma a captar-lhes a simpatia e encontrar asintonia adequada negociao e conjugao de vontades. No fcil reunir todos estes predicados e a preponderncia de um ououtro pode frustrar a eficcia do agente. Souza Dantas parece terrevelado, em sua gesto de nossa embaixada na Frana, uma com-binao muito feliz de qualidades e competncias. Esta e nosimplesmente manobras nos bastidores da poltica seria a ex-plicao de sua excepcional resilincia em Paris.

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    So inmeros os depoimentos e testemunhos, em mem-rias, discursos, homenagens, artigos de jornal, sobre a sociabili-dade, a simpatia, a cortesia, a amabilidade, o encanto pessoal, ainteligncia, o talento de conversar, o sentido de oportunidade, acapacidade de cativar seus interlocutores e de fazer amigos deSouza Dantas. Fala-se de gentleman, charme, don de gentes, socor-rendo-se de expresses estrangeiras quando as vernculas pare-cem insuficientes. Afonso Arinos, entretanto, ressalta o seu jeitofamiliarmente brasileiro, conservado apesar da longa e ininterruptaestada no estrangeiro. A gentileza de Souza Dantas no provi-nha de um verniz mundano. Sua maneira de ser transcendia consi-deraes de fortuna ou de classe; era cavalheiro com todos. Paraos que j tenham dificuldade em situar e entender esta lingua-gem, um especialista de recursos humanos, de nossos dias, diriaque Souza Dantas era a expresso mxima de um homem de rela-es pblicas.

    A confirmar esta imagem coletiva esto todas as homena-gens e distines que recebeu em vida, como embaixador ou apo-sentado, ou depois de sua morte. Apenas para citar algunsexemplos, caberia lembrar que, quando terminou sua misso emRoma, o chefe do governo foi a seu embarque; aos 13 anos deembaixador em Paris foi objeto de uma grande homenagem, deque participaram figuras as mais representativas do mundo pol-tico e intelectual da Frana; ao regressar ao Brasil, de passagempor Lisboa, depois do internamento em Bad Godesberg, teve umexcepcional convite para a casa de Salazar; em 1951, j aposenta-do, festejou-se com alguma impreciso cronolgica seu jubi-leu diplomtico, numa grande manifestao em Paris, de que sepode colher os ecos na imprensa francesa, portuguesa e brasileira.Morto, o governo francs deu-lhe as honras de um chefe de mis-so que j no era h 10 anos em cerimnia fnebre quereuniu, ainda uma vez, polticos, jornalistas e intelectuais france-ses. Tambm o Dirio de Notcias, de Lisboa, registrava em duascolunas completas a perda do grande diplomata. No Brasil, os

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    jornais dedicaram-lhe notcias e artigos, alguns dos quais publi-camos nos Cadernos do CHDD, em 2004, por ocasio docinqentenrio de seu falecimento, notadamente os de autoriade Assis Chateaubriand, Paschoal Carlos Magno, AugustoFrederico Schmidt e Levi Carneiro.

    Outra qualidade sempre associada memria de SouzaDantas sua generosidade. So numerosas as referncias ao seudesapego ao dinheiro, ao fato de que liquidara os bens que tinhano Brasil e que praticamente nada deixou ao morrer. Dependia,para viver em Paris, depois da aposentadoria, de um auxlio queregularmente lhe davam os herdeiros de sua esposa. Ouvi, certavez, do embaixador Paulo Carneiro, amigo e auxiliar de SouzaDantas, o registro de que o acompanhara nas visitas que fizera auma srie de pessoas desvalidas, a quem ajudava regularmente,para, s vsperas de deixar Paris, dar-lhes uma soma um poucomaior, que paliasse suas necessidades nos tempos difceis que asesperavam e em que no mais poderia socorr-las. Paulo Carneirocomentou que ficara surpreso com o nmero de pessoas a quemsocorria, generosa e discretamente.

    A crise da II Guerra Mundial revelou, numa nova dimen-so, a amplitude de suas qualidades humanas. Hoje, graas exaus-tiva pesquisa do professor Fbio Koifman, sabe-se do notvelcomportamento de Souza Dantas que, discretamente e, muitasvezes, ao arrepio das instrues do governo Vargas, concedeu vis-tos a judeus para que pudessem refugiar-se no Brasil ou, pelomenos, sair da Frana. Esta postura humanitria de Souza Dantasrevela um trao profundo de seu carter. So inmeros os teste-munhos de sua generosidade e do seu desprendimento. Quempercorrer as circulares do Ministrio das Relaes Exteriores, quan-do Souza Dantas era subsecretrio de Estado, encontrar, na cir-cular que determinava rapidez nas providncias para a repatriaode brasileiros desvalidos, o tom e o esprito compassivo e genero-so de Souza Dantas. Seu comportamento para com os persegui-dos do nazismo no foi, portanto, um ato isolado, nem se deve

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    atribu-lo s relaes com o mundo israelita, decorrentes da ori-gem de sua mulher. Ter brotado do fundo de um sentimentoque lhe era natural. Foi o mais significativo e expressivo de suagenerosidade, pelas circunstncias e pelo nmero de pessoas aquem socorreu, confirmando apenas, numa grande escala, seuesprito humanitrio.

    Souza Dantas sempre manteve laos com os meios intelec-tuais dos pases onde vivia. Em Roma, fez-se amigo de DAnnunzio;em Paris circulava livremente no mundo literrio, de forma mui-to especial nos meios teatrais, onde seu gosto literrio se mesclavas relaes nem sempre platnicas com artistas famosas.

    Souza Dantas foi solteiro at os 57 anos. Em 1933, casoucom Elisa, viva Stern, nascida Meyer, de uma rica famlia norte-americana, filha de Marc Eugene Meyer, ligado casa bancriaLazard Frres, irm de Florence Blumenthal, esposa esta de GeorgeBlumenthal, um dos mais poderosos banqueiros dos EstadosUnidos, e de Eugene Meyer Jr., industrial e banqueiro que de-sempenhou, entre 1917 e 1933, importantes funes governa-mentais nos Estados Unidos, inclusive a de presidente do conselhodo Federal Reserve System. Ao afastar-se do governo, em 1933,Eugene compra o Post, comeando a grande aventura de um dosprincipais jornais do pas, o Washington Post. Casamento de razopara ambas as partes, segundo se diz. De um lado, o brilho deuma excepcional situao social em Paris; de outro, a folga finan-ceira, a bonita residncia da Rue de Constantine e, depois, amoradia no Ritz. O clima de pr-guerra levou Elisa de volta aosEstados Unidos, onde morreria em 1952.

    Souza Dantas era um personagem de Paris. Basta folhearlivros como o do jornalista Jean-Pierre Dorian, Le Gant deVelours, ou Cinquante ans de panache, de Andr de Fouquires,para aferir o quanto estava integrado ao tout Paris. O amploanedotrio acerca da sua vida parisiense obscurece, entretanto,aspectos importantes de sua experincia profissional e de seu ca-rter.

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    O homem corts e amvel Souza Dantas era capaz de atitu-des drsticas. Fbio Koifman cita uns tantos desafetos, colegas decarreira, alguns candidatos a seu posto de Paris, sendo o casomais significativo de suas reaes radicais a ruptura com Rui Bar-bosa, senador e jurista de enorme prestgio, que, baiano como osDantas, fora a eles intimamente ligado. Com o velho conselheiroDantas, deu seus primeiros passos na poltica, na imprensa e naadvocacia. Foi amigo fraterno de Rodolfo, que a convite dosDantas acompanhou numa viagem Europa; com ele e Sanchode Barros Pimentel montou, em 1887, o escritrio de advocaciano Rio de Janeiro, na rua da Alfndega.

    Souza Dantas, que, at o incio do ano de 1916, fora mi-nistro em Buenos Aires, assumira interinamente, na sua qualida-de de subsecretrio das Relaes Exteriores, a chefia do Itamaraty.Rui Barbosa fora escolhido pelo governo para representar o Brasilnas cerimnias comemorativas do centenrio do Congresso deTucumn, que a Argentina cercava de grande aparato. A missode Rui, iniciada a 6 de julho, se complementaria por uma inten-sa atividade cultural, mediante conferncias e entrevistas de im-prensa. Entre aquelas, pronunciou, a 14 de julho, data nacionalda Frana, na Faculdade de Direito, a intitulada Conceptos Mo-dernos del Derecho Internacional, que veio a ser conhecida comoO Dever dos Neutros, em que assumiu posio francamentefavorvel aos aliados no conflito europeu. O Brasil seguia ainda apoltica de neutralidade, que s abandonaria em 1917. Rui par-tira do Rio com o texto pronto e traduzido (por ManuelBernardez) para o espanhol. evidente que pretendia utilizar aoportunidade para um pronunciamento de grande repercusso.Aparentemente, no dera a conhecer, ao jovem ministro interinodas Relaes Exteriores, suas intenes. Embora no haja registronos arquivos, sabe-se que o ministro da Alemanha no Rio de Ja-neiro manifestou ao governo brasileiro seu desagrado pela posi-o assumida por seu embaixador, em misso especial, em BuenosAires. No encontrei comunicaes entre a Secretaria de Estado e

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    a legao em Buenos Aires sobre o assunto, mas a imprensa dapoca deu-lhe imensa cobertura, a que Rui no deixou de reagir.Seu principal argumento era o de que, findas as cerimnias ofi-ciais, no falara como embaixador, mas como jurista. Tinha, nostermos do convite, nos discursos pronunciados pelos anfitries eem sua prpria orao, bons fundamentos para esta linha de ar-gumentao. O que a enfraqueceu foi a reclamao de um salriomensal de embaixador, que acabou por receber, por deciso pre-sidencial e que ofereceu, ento, a uma obra de caridade. SouzaDantas alegou a falta de precedentes, mas acabou cedendo, de-pois de levado o assunto ao nvel presidencial. Atribui-se a estesfatos a ruptura entre os dois.

    Outro motivo parece, entretanto, haver interferido na de-savena. As relaes entre Rui e Souza Dantas saram afetadas doincidente, mas no chegara a haver uma ruptura. Segundo o pr-prio Rui, Souza Dantas foi receb-lo a bordo, no regresso deBuenos Aires, e conduziu a senhora Rui Barbosa, d. MariaAugusta, at sua residncia. Segundo a mesma fonte um rascu-nho autgrafo de Rui, inacabado, em que desabafa sua mgoacom o incidente , nesta ocasio, Dantas a teria tratado com ines-perada frieza. o mesmo documento, depositado nos arquivosda Casa de Rui Barbosa, que nos informa que alguns dias depois,a 19 de agosto, Souza Dantas disse ao filho de Rui Barbosa,Alfredo, que no falaria mais a seu pai que morrer sem falarcomigo, nas palavras de Rui. A ruptura deu-se, portanto, a 19de agosto. Nesta data, Souza Dantas recebera um telegrama deBuenos Aires com notcia da publicao, em La Prensa, de umanota sobre uma dvida de jogo de um diplomata brasileiro, ex-chefe de misso na Amrica Latina, que teria sido paga pelo mi-nistrio. Tratava-se, na percepo de Souza Dantas, de uma farpade Zeballos. Souza Dantas, antes de ser ministro em Buenos Aires,ali fora secretrio de Domcio da Gama, nos anos do telegrama n.9, e no mantinha boas relaes com Zeballos, que continuava aexercer grande influncia em La Prensa, sempre adversa ao Brasil.

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    Pretendia ver em Souza Dantas um continuador de Rio Bran-co, cuja poltica no cessara de satanizar. Rui, certamente, sesituava acima do que devia considerar quizlias de menor im-portncia. Aproximara-se de Zeballos durante esta viagem Argentina, o que, segundo um telegrama do encarregado denegcios em Buenos Aires, datado de 1 de agosto, causarasurpresa e comentrios irnicos, embora lhe parecesse queno se lhe deu aqui importncia maior. No havendo aceito e tardando 10 dias em responder um convite semelhantedo senador Lainez, diretor de El Diario, amigo e recomendadode Souza Dantas, aceitara proferir uma conferncia em La Pren-sa, por iniciativa de Zeballos, a quem, alis, defenderia, naimprensa do Rio, da tempestade levantada pelas refernciasque o publicista argentino fizera a Pinheiro Machado, tratan-do-o de ltimo caudilho do Brasil, daqueles caudilhos, tocomuns na Amrica do Sul, que cimentavam sua fora em umconsrcio, nem sempre bem definido, entre o poder oficial e apopularidade, para, em seguida, afirmar que j o Brasil nose presta aos caudilhos nem a prestgios artificiais. Zeballos,que abominava Rio Branco e os seus amigos, cortejava seusdesafetos. Sua aproximao com Rui, certamente justificadapelos notveis talentos do homem pblico e jurista brasileiro,teria sido avivada pela lembrana das relaes delicadas entreos dois grandes brasileiros? Estaria hostilizando Pinheiro Ma-chado, no intuito de afagar Rui Barbosa? Ao defender Zeballos,Rui se alinhava aos inimigos de Rio Branco, cuja memriapermanecia indelevelmente ligada imagem de nossa diplo-macia. Naquele mesmo dia 19 de agosto de 1916, SouzaDantas afirmou, em telegrama de carter particular ao segun-do secretrio Lourival de Guilhobel, saber que Rui estaria fa-zendo trabalho para afundar-me e elevar Zeballos. Emreposta, no dia seguinte, Guilhobel mencionou uma entrevis-ta com o senador Lainez, em que este se referira traio deRui, possivelmente aludindo sua aproximao com Zeballos.

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    Souza Dantas, que, segundo parece, no desdenhava a fre-qncia das casas de jogo, sentiu-se visado pela notcia de LaPrensa. Atribuiu sua inspirao a Rui. Negou que o ministriotivesse arcado com dvidas de diplomata, quem quer que fosse, eofereceu o cargo ao presidente, pedindo uma plena averiguaodos fatos. Valendo-se de suas relaes na imprensa, fustigou Ruia propsito de suas pretenses salariais, causando-lhe profundodesgosto. O assunto teve, naturalmente, ampla repercussojornalstica. Rendeu ainda a Souza Dantas uma verrina de Zeballosno nmero de outubro de sua Revista de Derecho, Historia y Letrase algumas veladas, mas ferinas, aluses em discurso pronunciadopor Rui no Senado.

    Parece claro que Rui olhava Souza Dantas, ministro interi-no das Relaes Exteriores, como a um jovem afortunado e semmaiores mritos, membro de uma famlia qual fora estreita-mente ligado, mas da qual se julgava credor pelos servios queentendia haver-lhe prestado. No cogitaria de ouvir suas ponde-raes. Souza Dantas devia sentir-se ferido na sua autoridadeministerial frgil, pois que interina , atingido no seu prestgiode chefe de misso em Buenos Aires, que fora at poucos meses, etrado por um protegido de sua famlia que, coroado pelos lou-ros, esquecera as benesses do passado. Fraquezas humanas, a queno escaparam nem o mais talentoso dos brasileiros nem o maisgentil, corts e humanitrio dos diplomatas.

    Este episdio alguns detalhes do qual s conhecemos pelocitado desabafo de Rui merece ser referido, porque apresentaum aspecto pouco lembrado do temperamento de Souza Dantas,capaz, como se v, de uma reao drstica (uma grosseria, naspalavras de Rui), mesmo com um homem de grande prestgio einfluncia. Do jaguno ao gentil-homem foi o ttulo dado por AssisChateaubriand ao artigo que publicou em O Jornal, quando damorte de Souza Dantas. Ao arguto jornalista no escapara esteaspecto pouco lembrado daquele que fora, sempre, uminterlocutor amvel e suave.

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    Outro aspecto de Souza Dantas ocultado pelo anedotriomundano sua competncia profissional. Sua capacidade de re-lacionamento no era intransitiva; associada sua habilidade, tra-duzia-se, em termos profissionais, em acesso aos meios polticos,empresariais, jornalsticos e intelectuais e, por seu intermdio,no xito das negociaes que lhe eram confiadas.

    Foi um embaixador que se assinalou sempre pelo prestgionos pases em que lhe coube representar o Brasil, sobretudo emParis, onde sua situao era, mais que privilegiada, nica.

    Coube-lhe conduzir importantes negociaes bilaterais,como as relativas aos emprstimos governamentais, denomina-dos em franco-ouro, que acabaram sendo objeto de uma decisoda Corte da Haia; as relativas a projetos siderrgicos franceses noBrasil, com apoio dos Rothschild; ou liberao de produtosadquiridos pelo Brasil Alemanha, dificultada pela ocupao fran-cesa do Ruhr. Importantes negociaes, de repercusso interna-cional, dependiam tambm de Paris. Foi a interveno de SouzaDantas junto ao governo francs que assegurou ao Brasil, em 1925,a participao na reunio da comisso de reparaes de guerra, deque nos queriam excluir. Na ocasio, o ministro Flix Pachecofelicitou-o pela bela vitria pessoal, realada pelo fato de nohaver a embaixada em Londres, sede da reunio, conseguido queo Brasil fosse convidado. Durante anos, o embaixador em Parisfoi acionado para persuadir o governo francs a apoiar as preten-ses brasileiras em matria de indenizaes de guerra, ao amparodo artigo 263 do Tratado de Versalhes, direitos que o Brasil pre-tendia no deverem ser prejudicados pelas disposies do planoDawes. O fato de que, finalmente, nossas pretenses no hajamsido coroadas de xito, prevalecendo, com o plano Young, o inte-resse europeu em recuperar a economia alem, no diminui omrito do agente que, dedicadamente, acompanhou o assuntoentre 1925 e 1930. Igualmente, as longas, penosas e infrutuosasnegociaes para assegurar ao Brasil uma cadeira permanente noConselho da Liga das Naes foram objeto de um atento e perti-

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    naz trabalho de Souza Dantas, cuja correspondncia oficial mos-tra o seu constante dilogo sobre o assunto com Briand e revela amisso que o levou a Roma, na tentativa de persuadir Mussolinido bem fundado de nossas razes.

    Com suas qualidades, seria fcil a Souza Dantas ser umgrande embaixador numa misso bilateral, mas sua habilidadefoi tambm testada na diplomacia parlamentar, na Liga das Na-es, onde foi chamado a representar o Brasil em reunies doConselho Executivo, no perodo anterior criao de nossa dele-gao permanente, e em comisses especiais, como a incumbidados problemas de nacionalidade dos colonos alemes na Polniaou a da situao das minorias na Litunia, de ambas as quais foirelator. Fato excepcional, a atuao de Souza Dantas no caso daLitunia mereceu uma referncia ainda que sem cit-lo nomi-nalmente na Mensagem Presidencial ao Congresso para o anode 1926, na parte relativa s relaes exteriores:

    o representante do Brasil foi o relator de quase todas as questessobre minorias, algumas de grande importncia, como as relati-vas Litunia, formulando concluses desde logo aceitas pelosprprios interessados, que louvaram sem reservas o alto senso deimparcialidade e de justia, revelado pela soluo dada ao pro-blema.

    *

    Este volume no pretende documentar toda a longa carreirade Souza Dantas. Dedica-se aos anos mais difceis do seu percursodiplomtico, aqueles em que, rompida a II Guerra Mundial, per-maneceu como embaixador na Frana, em Paris e Vichy. Internadopelo governo alemo, permaneceu em Bad Godesberg, por mais deum ano, entre 13 de fevereiro de 1943 a 28 de maro de 1944.Estes anos de provao foram tambm os anos em que mais plena-mente revelou sua generosidade e seu esprito humanitrio.

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    No pretendemos voltar a esta pgina de sua vida, exausti-vamente tratada por Koifman, em seu livro Quixote nas Trevas;consagrada por Israel, que nele reconheceu um dos Justos quedesafiaram o poder totalitrio para salvar vidas humanas;relembrada, ainda em 2008, pelo presidente da Repblica, nacerimnia realizada no prprio Palcio Itamaraty, no Rio de Janei-ro, alusiva ao Dia Internacional em Memria das Vtimas doHolocausto. Coerentes com os propsitos do CHDD, buscamosapenas mostrar uma feio do diplomata, publicando uma seleode sua correspondncia oficial com a Secretaria de Estado nesteperodo crtico da conjuntura internacional, com o duplo propsitode contribuir para a compreenso de nossa poltica exterior, duran-te um perodo particularmente interessante da histria mundial enacional, e revelar a postura de um embaixador que se notabilizoupor representar, na sua melhor forma, uma poca e um estilo.

    A coletnea se inicia pelo ms poltico de janeiro de 1940,j declarado o estado de guerra entre a Frana e a Alemanha, semque os grandes enfrentamentos se houvessem iniciado. Era a drlede guerre. Termina em novembro de 1942, data das ltimas co-municaes do embaixador, que seria logo depois internado emBad Godesberg pelo governo da Alemanha, potncia ocupantedo territrio francs. A leitura dos primeiros documentos nostransporta a um momento em que os roteiros do conflito pareci-am todavia incertos, a truculncia nazista se revelava parceladamente verdade que em etapas de crescente horror e, no Brasil, umpragmatismo, alimentado, em certos casos, por simpatias totali-trias, via na procrastinao o adiamento de uma tomada deposio entre os Aliados e o Eixo a poltica mais adequada aosinteresses nacionais. Aos poucos, as tendncias foram-se tornan-do mais claras, o nazismo foi progressivamente desnudado emtodo o seu absurdo e em toda a sua crueldade. As limitaes dogoverno Ptain foram-se explicitando e a resistncia, interna eexterna, das foras patriticas francesas assumia uma configura-o mais ntida.

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    Os documentos aqui transcritos no so necessariamenteda autoria do embaixador, mas evidentemente refletem suas opi-nies e avaliaes. Usualmente, os relatrios mensais dos princi-pais acontecimentos polticos os chamados meses polticos noeram redigidos pelo prprio chefe da misso, mas eram por elerevistos; j os telegramas tero, mais freqentemente, sido de sualavra. A transcrio dos meses polticos permite, entretanto, umaviso mais clara e ordenada dos acontecimentos, tais como obser-vados por nossos diplomatas na Frana. O tom pessoal de certasinformaes, colhidas muitas vezes pelo prprio Souza Dantas,as posturas corajosas que assumiu em relao aos refugiados, asavaliaes dos acontecimentos e atores polticos delineiam o per-fil do diplomata e, ao mesmo tempo, a configurao de nossapoltica exterior.

    Quando, a 10 de junho de 1940, o governo francs deixouParis em direo ao sul, os chefes de misso junto a ele acredita-dos o acompanharam. Souza Dantas partiu dia 11 para Billaumire(Indre-et-Loire), de onde seguiu para Bordeaux, ali permanecen-do de 16 a 21 do mesmo ms; de 22 a 24 esteve em Perpignan,voltando a Bordeaux no dia 25. O governo francs decidindoestabelecer-se em Clermont-Ferrand, Souza Dantas transferiu-separa La Bourboule, uma estao de guas a 50 quilmetros daque-la cidade, onde estava em 1o de julho. Finalmente, acompanhou ogoverno a Vichy, onde j se encontrava no dia 12 de julho, assistin-do reunio da Assemblia Legislativa que deu poderes ao Execu-tivo para reformar a constituio do que viria a ser o Estado Francs.

    Estabelecida a sede da embaixada em Vichy, no Hotel duParc, os escritrios da embaixada em Paris continuavam a funcio-nar, sob a responsabilidade do ministro-conselheiro Rubens deMello. Esta peculiar situao explica as informaes paralelas,mandadas pelo embaixador e pelo ministro. Julgou-se que, emalguns casos, especialmente o dos meses polticos, seria convenienteeditar tambm as informaes de Paris, que contribuem para me-lhor conhecer o cenrio da Frana ocupada pelas tropas alems.

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    A 12 de novembro de 1942, um peloto militar alemoinvade os escritrios da embaixada em Vichy, mantendo detidosos funcionrios diplomticos, com exceo de Souza Dantas, du-rante as trs horas que durou a perquisio. Na vspera, tendoem conta a ocupao da chamada zona livre pelas tropas alems,o embaixador determinara a destruio das cifras e dos arquivosda misso. O embaixador foi ento instrudo pelo Itamaraty adeixar o territrio francs com todo o pessoal da misso e dosconsulados, sem que isso importasse o rompimento de relaes.As instrues no puderam ser cumpridas. A 29 de dezembro, oscolegas latino-americanos ofereciam uma homenagem a SouzaDantas por haver completado 20 anos de embaixador na Frana.O marechal Ptain enviou-lhe um presente nesta ocasio, mas, a23 de janeiro de 1943, nem decorrido um ms, o governo deVichy fez saber a Souza Dantas que deveria deslocar-se, acompa-nhado de todo o pessoal diplomtico e consular, para Mont-Dor-les-Bains, onde ficariam internados.

    O governo de Vichy era inteiramente impotente para exer-cer qualquer tipo de proteo a funcionrios diplomticos juntoa ele acreditados, ainda que, formalmente, do ponto de vista bra-sileiro, a sua retirada do territrio francs no implicasse a ruptu-ra das relaes diplomticas. Depreende-se, de telegramas daembaixada em Lisboa, que o prprio Pierre Laval que era, alis,amigo de Souza Dantas viu frustradas as gestes que fizera paraautorizar a partida do embaixador.

    Souza Dantas e os brasileiros foram depois transferidos, a13 de fevereiro, para Bad Godesberg, na Rennia, onde perma-neceram internados at que chegasse a Lisboa um grupo de sdi-tos alemes ditos semi-oficiais, que ainda se encontrava no Brasil,depois da partida do pessoal diplomtico e consular, cuja sadafora vinculada partida dos diplomatas brasileiros acreditados naAlemanha e Itlia. As negociaes com a Alemanha, conduzidaspelo governo portugus, incumbido da proteo dos interessesbrasileiros junto ao Reich, foram longas e difceis, havendo, em

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    dado momento, sido amalgamadas com as negociaes simila-res conduzidas pelo governo norte-americano com respeito aoscidados alemes localizados nos Estados Unidos e em vriospases latino-americanos. Souza Dantas e os 26 brasileiros sforam autorizados a deixar a Alemanha a 28 de maro de 1944,depois de um ano e 42 dias de internamento, bem mais longado que a imposta aos agentes diplomticos acreditados emBerlim, Viena e Copenhague, aos funcionrios dos consuladosem Berlim, Paris, Hamburgo, Bremen, Frankfurt, Colnia e aosmembros da comisso militar sediada em Essen, que permane-ceram em Baden-Baden de 11 de fevereiro a 2 de outubro de1942.

    Entrementes, o governo brasileiro reconhecera, a 26 deagosto de 1943, o Comit Francs de Libertao Nacional e, umms depois, acreditava Vasco Leito da Cunha como delegadojunto ao Comit, em Argel.

    Na adversidade, Souza Dantas portou-se com a dignidadede sempre, solidrio com os demais colegas internados funcio-nrios da embaixada e dos consulados em Marselha e Lion, aotodo 27 brasileiros negando-se, inclusive, a aceitar o tratamen-to diferenciado que os alemes pretendiam conceder ao chefe demisso. As condies do internamento eram duras, alegadamenteem virtude de medidas similares adotadas no Brasil para com osfuncionrios alemes.

    *

    A bibliografia em francs sobre o perodo de Vichy abun-dante e reflete todos os matizes da sensibilidade e dos estados deesprito da opinio pblica da Frana sobre um dos episdiosmais difceis da histria contempornea. No temos como avaliaro interesse que, para a historiografia francesa, possa ter a docu-mentao que ora publicamos. , certamente, de real valor para oconhecimento de nossa poltica exterior nos anos 30 e 40, como

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    ilustrao de um estilo de diplomacia e testemunho das qualida-des humanas de Souza Dantas.

    Como em toda seleo, fomos constrangidos pelos limitesde espao. Ativemo-nos correspondncia de natureza poltica,selecionando os textos mais significativos. O recente livro do pro-fessor Fbio Koifman Quixote nas trevas: o embaixador SouzaDantas e os refugiados do nazismo tornou desnecessria a pesqui-sa sobre a atividade consular, a concesso de vistos e a proteo denacionais brasileiros.

    Somos os nicos responsveis pelos erros e acertos da esco-lha. Na transcrio, atualizou-se a ortografia e foram introduzidasalgumas alteraes na pontuao. O ndice onomstico se propea fornecer ao leitor, no familiarizado com os meios polticos emilitares da Frana de ento, informaes bsicas sobre os perso-nagens citados. A srie documental est ordenada por ordem cro-nolgica, independentemente de sua origem ou natureza. Atranscrio foi feita no Centro de Hisria e Documentao Di-plomtica (CHDD), sob a superviso de Maria do Carmo StrozziCoutinho, por Carla Cristina Oliveira de Miranda, estudante dehistria na UERJ, ento estagiria no Centro.

    ALVARO DA COSTA FRANCO

  • 25Souza Dantas na Frana ocupada, 1940-1942 25

    EXPLICAO AO LEITOR

    Principais tipos de documentos do Ministrio das Rela-es Exteriores, citados no livro:

    AIDE MMOIRE: documento no assinado, mas autenticado por ru-brica, de natureza informal, sem vocativos ou fechos, que registrauma posio.

    BILHETE VERBAL: idntico ao ofcio verbal, , entretanto, mais su-cinto.

    CARTA CREDENCIAL e CARTA REVOCATRIA: cartas assinadas pelo chefede Estado e dirigidas a outro chefe de Estado, pelas quais seacredita um chefe de misso diplomtica ou se informa do fimde sua misso, respectivamente.

    CARTA DE CHANCELARIA: carta assinada pelo ministro de Estadodas Relaes Exteriores e dirigida a uma autoridade estrangeirado mesmo nvel.

    CIRCULAR: modalidade de comunicao por mala diplomticaou telegrama, destinada, simultaneamente, a vrios postos noexterior ou s unidades da Secretaria de Estado.

    DESPACHO: documento oficial enviado pelo MRE a suas reparti-es no exterior.

    NOTA: comunicao oficial trocada entre governos de pases; en-tre o MRE e o corpo diplomtico acreditado junto ao governobrasileiro; e, no exterior, entre as misses diplomticas brasilei-ras, as chancelarias dos pases onde esto acreditadas e as de-mais misses.

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    NOTA VERBAL: comunicao oficial, similar anterior, no assinada,apenas autenticada por rubrica.

    OFCIO: forma de correspondncia oficial entre rgos da admi-nistrao pblica e destes com particulares; no MRE, o docu-mento enviado por um chefe de misso diplomtica ou repartioconsular Secretaria de Estado das Relaes Exteriores.

    OFCIO VERBAL: documento similar ao anterior, no assinado, ape-nas autenticado por rubrica.

    TELEGRAMA: documento equivalente a ofcio e a despacho, trocadoentre o MRE e suas misses no exterior, por via telegrfica (atual-mente, por meio eletrnico), tambm chamado despacho tele-grfico, circular telegrfica, etc. Dele constam, freqentemente,duas datas, que se referem ao dia do envio e o dia do recebimento.Em/4/5/X/40, por exemplo, significa que a comunicao foienviada no dia quatro e recebida em cinco de outubro de 1940.

  • 19401940194019401940

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    EMBAIXADA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASILParis, 31 de janeiro de 1940.

    Ms poltico na Frana1

    Janeiro de 1940.

    N. 1

    O panorama poltico-militar da Europa no sofreu maioresalteraes no ms de janeiro ora findo. A situao dos beligeran-tes, do ponto de vista exclusivamente militar, a mesma. O in-verno rigoroso o termmetro em Paris chegou a marcar menos20 graus centgrados que reinou em toda a Europa durante oms limitou forosamente a atividade militar a aes de reconhe-cimento, sem maior significao, na frente ocidental. A aviao,tambm, por sua vez, esteve mais ou menos em repouso. E, nomar, a guerra martima no consignou maiores feitos. Os belige-rantes, evidentemente, no permaneceram inativos em outrossetores. Sua diplomacia trabalhou intensamente junto aos Esta-dos neutros, sobretudo queles que, pela sua posio, se encon-tram mais vizinhos dos pases em guerra. A Escandinvia,Holanda, Blgica e Sua, assim como os Blcs, estiveram, maisdo que nunca, em foco. A resistncia vitoriosa da Finlndia aosataques da URSS parece haver afastado, pelo menos por ora, aameaa que constituiria, para a Sucia e a Noruega, o estabeleci-mento das foras russas no golfo de Botnia. Se bem que aindapersista aquela ameaa, a verdade que a habilidade poltica dosestadistas escandinavos vem-na neutralizando com vantagem.Quanto Holanda e Blgica, houve, em meados do ms, certopnico, produzido pelas notcias da iminente invaso de seus ter-ritrios pelas foras armadas alems. Em Bruxelas, as autoridades

    1 N.E. Documento anexo ao ofcio n. 31 da embaixada do Brasil em Paris, de 31/01/1940.

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    militares belgas determinaram a passagem para a fase D doreforamento do exrcito, se bem que, em comunicado oficial, ogoverno belga afirme que a situao no inspira atualmente ne-nhuma intranqilidade. As autoridades holandesas, por sua vez,adotaram novas medidas de defesa, levantando, nas suas linhasde guas geladas, barricadas de gelo. No sudeste europeu, acen-tuaram-se certos sintomas de nervosismo. Voltou-se a falar naeventualidade de um ataque russo contra a Romnia, em direoda Bessarbia; na presso, cada vez maior, da Alemanha contraaquele pas, que o petrleo tornou presa altamente cobiada; nainvaso da Transilvnia pelas foras hngaras e de movimento detropas blgaras na fronteira rumaica [sic], visando a Dobrudja.Na verdade, a situao nos Blcs das mais precrias. A sorte dapaz, nessa regio assaz turbulenta da Europa oriental, continua merc de qualquer pretexto. As reivindicaes hngaras com re-lao Transilvnia, que o Tratado de Trianon concedeu Romnia, atuam, no momento, como fator decisivo para os futu-ros destinos da poltica balcnica. A soluo do conflito hngaro-romeno dificilmente comportar postergamentos indefinidos. Asatuais circunstncias favorecem, indiscutivelmente, a causa daHungria. Dissolvida a Pequena Entente, com o desmembra-mento da Tchecoslovquia, desapareceu, ipso facto, para o gover-no de Budapeste, o maior, seno o nico, obstculo para arealizao de suas aspiraes nacionalistas. A posio intransigen-te do governo de Bucareste, que ainda h pouco declarava, pelavoz de seu ministro das Relaes Exteriores, que no havia nadano Tratado de Trianon que justificasse a sua reviso, no denatureza a afastar o perigo da extenso da guerra ao sudeste euro-peu. Vem cabendo, nessa emergncia, poltica oportunista daItlia, o papel de fator, seno conciliador, pelo menos moderador.A Itlia, que se tornou, pela conquista da Albnia, grande potn-cia balcnica, representa hoje, naquela regio, o papel de fiel dabalana. Sua diplomacia, feita de fora e argcia, mantm, porenquanto, o equilbrio que, entretanto, os interesses que lhe so

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    peculiares, como pas mediterrneo por excelncia, podem fazerpericlitar. Sua posio com relao ao conflito hngaro-romeno por demais conhecida. H pelo menos dez anos, o senhorMussolini se arvorou em paladino da causa revisionista do gover-no de Budapeste e, ainda hoje, com a Itlia fascista que a Hungriaconta em primeira linha para a reviso do Tratado de Trianon. Aentrevista realizada, em Veneza, entre o conde Csaky e o condeCiano, nos dias 6 e 7 do ms passado, despertou, em conseqn-cia, o interesse e a curiosidade do mundo poltico europeu, dan-do lugar a comentrios e interpretaes na imprensa, os maiscontraditrios. O comunicado oficial divulgado aps aquela reu-nio no fez maiores luzes sobre os motivos que a teriam determi-nado. Soube-se, porm, que os dois ministros dos NegciosEstrangeiros examinaram, detidamente, a situao poltica nosBlcs e seu desenvolvimento futuro em face dos interesses hn-garos e romenos e de uma eventual agresso russa. Outros ele-mentos de juzo, entretanto, autorizam a suposio de que emVeneza se tenha estabelecido o plano da campanha poltica, eeventualmente militar, da Hungria conforme os resultados prti-cos da Conferncia Balcnica a realizar-se em Belgrado a 2 defevereiro, qual concorrero a Iugoslvia, Grcia, Romnia e Tur-quia. A imprensa francesa, no ocultando a importncia e alcancedas conversas de Veneza, procurou, porm, focaliz-la principal-mente sob o aspecto exclusivo de um de seus eventuais objetivos:o exame da situao em face da intromisso sovitica nos assuntosbalcnicos. Neste momento, a poltica hngara marca certo com-passo de espera. Os resultados da prxima Conferncia Balcnicadeterminar-lhe-o, futuramente, o rumo definitivo.2. A demisso do senhor Hore-Belisha, ministro da Guerrada Gr-Bretanha, verificada a 6 do ms passado, produziu, comoera de esperar, funda emoo nos crculos polticos franceses. Osenhor Belisha , com justia, considerado como um dos paladi-nos da aproximao anglo-francesa. , por outro lado, o criadordo novo exrcito britnico, o homem que, violentando a tradi-

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    o, forou o estabelecimento da conscrio militar na Inglaterrae, pelo afastamento de certos chefes militares, democratizou oexrcito, recorrendo colaborao dos mais capazes, com a abs-trao de suas origens sociais. Lamentando embora o afastamen-to de um amigo fiel e decidido, a imprensa francesa acolheu, comsimpatia, a nomeao do senhor Oliver Stanley para ministro daGuerra, filho de lorde Derby, antigo embaixador britnico emParis, considerado, tambm, como elemento francfilo de valor.3. O Parlamento francs reiniciou os seus trabalhos legislativosa 9 do mesmo ms. A sesso inaugural da Cmara dos Deputadoscomeou em meio de grande tumulto, provocado pela presenade alguns deputados comunistas. A interveno pronta e enrgi-ca do presidente Herriot, que convidou aqueles deputados a aban-donar o recinto, o que fizeram ato contnuo, ps termo ao conflito,e deu lugar a uma manifestao pattica por parte dos parlamen-tares presentes, em homenagem Finlndia. O governo apresen-tou, por essa ocasio, um projeto de lei, determinando a cassaodo mandato dos deputados comunistas que no houvessem re-pudiado, publicamente, o pacto germano-russo. Esse projeto delei, aprovado pela Cmara dos Deputados e, posteriormente, peloSenado, j entrou em vigor. De acordo com seus termos, perde-ram o mandato os deputados e senadores comunistas que no semanifestaram contra aquele pacto at a data de 26 de outubro de1939 passado. A antiga representao comunista ficou, assim,reduzida a meia dzia de deputados. Do Senado, foi excludo osenhor Cachin.4. No terreno diplomtico, cabe-nos ainda referir o acordocomercial franco-espanhol, assinado a 13 do corrente. Pelo men-cionado acordo, a Frana receber, em troca de trigo e fosfatos,ferro e cobre da Espanha. A concluso desse ato ps em evidn-cia, primeiramente, o progresso que as relaes entre a Frana e aEspanha tm realizado no sentido da normalidade. Com esseobjetivo, a ao desenvolvida pelo venerando marechal Ptain,embaixador francs junto ao governo de Madri, tem sido verda-

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    deiramente notvel. O heri de Verdun, pouco a pouco, temfeito o governo do general Franco esquecer os erros da poltica dafrente popular francesa de apoio Repblica Espanhola, durantea guerra civil. Seu tato e afabilidade vo realizando obra de ines-timvel alcance, restabelecendo, no pas vizinho, o antigo prest-gio da Frana e assegurando-se, dessarte, uma neutralidade, antesbenvola, na guerra em que se acha empenhada.5. Merece igualmente nota parte a entrevista, que se reali-zou em Londres, entre os ministros do armamento francs e in-gls, os senhores Raul Dautry e Leslie Burgin. Essa entrevistaest na tradio da atual guerra. Os governos de Londres e Parisvm agindo como se constitussem um s e mesmo governo. Nose trata mais de uma aliana entre os dois pases amigos, diziarecentemente o ministro Paul Reynaud, mas sim de uma verda-deira unio. Efetivamente, em matria de guerra, seja no seu as-pecto puramente militar, seja no econmico ou financeiro, emterra, no mar e no ar, a fuso dos recursos de ambos os imprios completa. A entrevista Dautry-Burgin resultou na abertura denovos acordos, tendendo ao aproveitamento em comum dos pro-dutos em bruto dos referidos imprios, bem como de todos osseus recursos industriais.6. Cabe-nos agora fazer uma breve referncia ao discurso queo senhor Churchill, primeiro-lorde do Almirantado, pronuncioua 20 deste ms e que tanta emoo provocou nos pases neutrosdo continente. O senhor Churchill, segundo as verses publicadasna imprensa desta capital, teria declarado que era dever dos pa-ses neutros, sobretudo dos pequenos, ameaados pela poltica dehegemonia alem, formarem ao lado das potncias democrticasque combatiam, neste momento, pelos ideais de paz, liberdade eindependncia. Evitariam, assim, a sorte corrida pela ustria,Tchecoslovquia, Polnia que, por desunidas, foram liquidadasuma a uma, separadamente. Essas declaraes do primeiro-lordedo Almirantado britnico foram acolhidas, nesta imprensa, semmaiores comentrios. Mas, na imprensa holandesa, belga, italia-

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    na e, sobretudo na Sua, produziram efeito desastroso. A im-prensa alem tirou partido das ousadas manifestaes do estadis-ta britnico, apontando-as como a prova insofismvel das intenesda Inglaterra de acender novos focos de guerra, confirmando, as-sim, tudo quanto a propaganda alem vinha afirmando. Efetiva-mente, no se pode ocultar a infelicidade e inoportunidade daquelasdeclaraes. A Blgica, Sua, Holanda, assim como os pases es-candinavos, desejam preservar, a todo o preo, a sua neutralidade,a fim de poupar s suas populaes os horrores da guerra moderna.7. Outro fato que deve ser lembrado o incidente anglo-japons, provocado pela visita realizada, por um navio de guerrabritnico, a bordo do navio Asama Maru e da deteno de 21alemes que viajavam naquele paquete. Esse incidente, que deulugar a manifestaes pblicas contra a embaixada da Inglaterra,em Tquio, parece que se acha em vias de soluo. Os governosdo Japo e da Gr-Bretanha mantm, entretanto, os seus pontosde vista sobre o direito de visita que assiste aos beligerantes e o decaptura de cidados pertencentes ao inimigo que estejam aptospara o servio militar. Essa questo hoje de palpitante atualida-de. No h, entretanto, como resolv-la favoravelmente aos doispontos de vista. S a fora militar, pelo menos por enquanto,prevalecer na matria. Cabe, a propsito, aludir aos incidentesverificados com o navio brasileiro Cuiab, no porto do Havre, emprincpios de setembro de 1939, do qual foram desembarcadosvrios passageiros alemes que viajavam para o Brasil, em compa-nhia de suas famlias brasileiras, e com o Neptunia, do qual foramdesembarcados trs cidados brasileiros e uma senhora alem,viva de brasileiro, domiciliada no Brasil. Depois de demoradasgestes, a embaixada obteve a liberao dos mesmos. Outro inci-dente verificado, nos primeiros dias de janeiro, ocorreu com oAlmirante Alexandrino, que se encontrava nas alturas de Vigo.Chamado fala pelo navio-patrulha francs Sergent Gouarne, aque-le navio brasileiro viu-se obrigado a parar, havendo sido submeti-do demorada visita das autoridades navais francesas. Por essa

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    ocasio, foram retirados de bordo 20 sacos da correspondnciado Brasil destinada Alemanha.8. A embaixada, logo que teve conhecimento daquela ocor-rncia, apressou-se em protestar, junto ao governo francs, contraa apreenso do correio, apoiando-nos nos dispositivos do artigo1 da XI Conveno de Haia (1907) que firmam o princpio dainviolabilidade da correspondncia postal. Aquele governo repli-cou, sustentando o direito que lhe assistia de examinar os sacospostais, pois a experincia da guerra de 1914/1918 havia de-monstrado que era possvel utiliz-los para passar contrabando.Na mesma ocasio e em virtude de incidente semelhante, os Es-tados Unidos da Amrica protestaram junto ao governo britni-co, sem maiores resultados. A Inglaterra adota, na matria, amesma tese francesa. Alis, a doutrina anglo-francesa foi expostano memorandum de 15 de fevereiro de 1916.9. Pareceu-nos, diante disso, intil estabelecermos polmicacom este governo. A verdade que, em face dos interesses daspotncias beligerantes e dos meios modernos de guerra, aquelaConveno, bem como muitas outras, no tem aplicao na pr-tica. So letra morta. Mais valeria denunci-las.10. Aqui esto, senhor ministro, em rpida sntese, as princi-pais ocorrncias do ms.11. No nos aventuramos a previses sobre o desenvolvimentoeventual do atual conflito. Aguarda-se, com o declnio dos rigo-res do inverno, a intensificao da luta. Nesse sentido, os jornaisandam cheios de palpites. Em Londres, como em Berlim e Paris,fala-se muito no prximo incio da guerra total. Os discursosrecentemente pronunciados pelos senhores Chamberlain, Daladiere Hitler talvez justifiquem esses rumores. O ambiente, entretan-to, ainda de expectativa.

    Paris, em 31 de janeiro de 1940.L. M. de Souza Dantas

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    EMBAIXADA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASILParis, 29 de fevereiro de 1940.

    Ms poltico na Frana2

    Fevereiro de 1940.

    N. 2

    O ms de fevereiro, malgrado os esforos desenvolvidos pelosbeligerantes, no sentido de conquistar, cada um para seu lado, oapoio dos pases neutros, no trouxe a menor modificao noquadro das hostilidades. Tudo, ao contrrio, permaneceu inalte-rvel, no se confirmando, por outro lado, os rumores que come-aram a circular, nos ltimos dias de janeiro, a propsito do incioda guerra na frente ocidental, com todos os horrores que se espe-ram desse violento choque de massas, superiormente organiza-das. A exemplo dos meses anteriores, os combates nessa frentelimitaram-se a escaramuas de patrulhas de reconhecimento e asimples tiros de barragem, sem maiores vantagens para as forasque se contemplam das duas linhas tidas por inexpugnveis Maginot e Siegfried. A prpria Rssia, apesar da violncia comque vem atirando suas tropas contra a Finlndia, num sacrifciobrbaro de dezenas de milhares de vidas e considervel perda dematerial blico, no conseguiu, nesse perodo, resultados apre-civeis, havendo mesmo fundadas esperanas, por parte das po-tncias aliadas, de que ela no consiga levar avante, vitoriosamente,seu inglrio propsito de domnio daquele pas. Acredita-se, comefeito, que a Finlndia, graas ao auxlio de toda sorte que vemrecebendo do mundo civilizado, sobretudo dos pases escandina-vos, da Inglaterra e da Frana, e aos degelos da primavera, consigaresistir por muito tempo presso do invasor, levando-o, final-

    2 N.E. Documento anexo ao ofcio n. 68 da embaixada do Brasil em Paris, de 29/02/1940.

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    mente, a aceitar uma paz sem vitria, baseada no atual statu quo.Resta saber, porm, se a Alemanha estar disposta a aceitar umasoluo dessa natureza. A guerra naval, por sua vez, no teve aintensidade dos outros meses, sendo relativamente reduzido onmero de barcos postos a pique, quer pelas minas, quer pelossubmarinos alemes, o que prova a eficincia do servio de com-boios, posto em prtica pela Gr-Bretanha. No foi mais intenso,por certo, o papel da aviao militar, cujos efeitos se reduziram,quase que exclusivamente, nesse perodo, a vos de reconheci-mento, de parte a parte, e lanamento de boletins sobre as gran-des cidades: os dos aliados procurando incitar os alemes contraos seus governantes e os dos alemes tendo por escopo amedron-tar as populaes civis, como se verificou do que atiraram, hdias, sobre esta capital, e no qual diziam simplesmente o seguin-te: Franais, preparez vos cercueils! 3. Esses raids, entretanto, ser-vem para demonstrar que a defesa area das grandes capitais no to eficiente quanto propalam as respectivas autoridades.2. Diante do exposto, foroso reconhecer, como j disse, quea atividade dos beligerantes, no ms de fevereiro, foi reduzida aomnimo indispensvel na frente ocidental, como, alis, fazia pre-ver o rigor do atual inverno europeu. Acredita-se, por isso, que sno ms de maro, com a entrada da primavera, que se definiroas foras at agora inativas dos beligerantes. Pensam outros, po-rm, que o centro de gravidade da guerra se vai deslocando aospoucos para o Oriente. A esse respeito, os jornais franceses publi-cam notcias significativas, tais como a presena, na Galcia orien-tal, de tropas e material blico do Reich, de fortificaes em Odessa,Novorosis e Batum, de presso sobre a Romnia, etc. Esses ind-cios, que nada tm de tranqilizadores, so interpretados aquicomo uma prova de que a Alemanha, no ousando atirar-se sobrea linha Maginot, procura, de concerto com a Rssia, levar a guer-

    3 T.E. Franceses, preparem seus caixes!

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    ra ao Prximo Oriente, na esperana de conquistar fceis vanta-gens, que compensem a imobilizao de suas tropas ao longo dalinha Siegfried. Diante desse perigo, que muitos consideram imi-nente, a Frana confiou a direo de suas foras, no Oriente euro-peu, ao general Weygand, que j tem mais de um milho dehomens em armas, dispostos a enfrentar qualquer tentativa deexpanso germano-russa nos Blcs. A Inglaterra, por sua vez,est concentrando vrias divises australianas no Egito, a fim deevitar, nesse setor, possveis surpresas do inimigo.3. A conferncia dos Estados balcnicos, realizada no princ-pio do ms e durante a qual se fixaram certos princpios tenden-tes a desenvolver entre eles uma poltica de solidariedade, a serpraticada com sincero esprito de compreenso, foi assim umaconseqncia das ameaas que parecem pesar sobre os seus desti-nos. De um modo geral, essa conferncia alcanou resultadosprticos interessantes, podendo-se concluir, das suas deliberaes,que a paz balcnica se acha estreitamente ligada paz danubiana.A nota oficial, publicada nessa ocasio, no fala de neutralidade,nem de assistncia mtua, e isso faz supor que os pases nelarepresentados, embora praticando uma poltica de no-agresso,no se ligam formalmente por meio de frmulas rgidas e absolu-tas. Por outro lado, a deciso que tomaram, de desenvolver rela-es amigveis com os Estados vizinhos, destina-se a criar umclima favorvel aproximao que parecem desejar com a Hungriae a Bulgria, hiptese em que a Itlia e a Turquia, respectivamen-te, figurariam como intermedirias. Salvo, pois, um impondervelqualquer, to comum, alis, na quadra que atravessamos, no pa-rece provvel que a Alemanha consiga tirar maiores vantagens dapresso que vem exercendo sobre os Estados balcnicos.4. O bombardeamento, pela aviao japonesa, da estrada deferro do Iunnan, durante o qual perderam a vida cinco cidadosfranceses e perto de cem passageiros de raa amarela, causou pe-nosa impresso nesta capital, no tanto por se tratar de uma em-presa francesa, seno tambm pela repercusso que esse incidente

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    pudesse vir a ter nos domnios das relaes entre os dois pases.Graas, porm, serenidade da diplomacia francesa, o assuntono teve maiores conseqncias, apesar de os japoneses haveremreincidido vrias vezes no bombardeamento da referida estradade ferro. Telegramas de Tquio, publicados hoje pela imprensa,anunciam que o incidente acaba de encerrar-se, satisfatoriamen-te, com a apresentao de desculpas pelo governo japons, e con-seqente promessa de indenizao pelas vidas francesas sacrificadasnaquela ocasio.5. A campanha contra o comunismo prosseguiu, em feverei-ro, com redobrada energia. Com efeito, depois de uma sessomovimentada, durante a qual tomaram parte vrios oradores, aCmara adotou, por unanimidade, as concluses da comisso es-pecial encarregada de indicar os nomes dos deputados comunis-tas que incidiam na pena de excluso, pronunciada pela lei de 20de janeiro ltimo. Sessenta deputados foram assim privados deseus mandatos. Em compensao, os srs. Declerq, Dewes,Truchard, Jardon, Raux, Fernand Valat e Pillot foram mantidosnos seus lugares, por se haverem afastado a tempo do partidocomunista. Os srs. Marcel Thorez e A. Marty, maiorais do citadopartido da Frana, foram por sua vez privados da nacionalidadefrancesa, o primeiro por crime de desero e o segundo por inte-ligncia com o inimigo.6. O incidente provocado em guas territoriais norueguesaspela abordagem do navio auxiliar alemo Altmark, por parte dodestrier britnico Cossack, e conseqente liberao dos prisio-neiros ingleses que nele se encontravam, emocionou profunda-mente a opinio internacional, provocando ruidosas polmicas naimprensa europia. Discursando a respeito, o primeiro-ministrobritnico assinalou que a doutrina norueguesa, alm de estar emcontradio com a lei internacional (que o sr. Chamberlain, alis,deixou de citar), tendia a legalizar o abuso das guas territoriaisneutras pelos vasos de guerra alemes, coisa que o governo inglsno podia tolerar. A imprensa francesa, como era natural, espo-

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    sou o ponto de vista de Londres e afirmou que o discurso do sr.Koht, ministro dos Negcios Estrangeiros da Noruega, pronun-ciado por ocasio desses fatos, era notvel pelas suas lacunas econtradies. A exemplo das afirmaes britnicas, o jornal LeTemps assinalou os seguintes aspectos da questo, muitos dos quaisno passam de meros sofismas: 1 que o Altmark no fora exa-minado pelas autoridades norueguesas; 2 que o oficial em fun-o no porto de Bergen aceitara docilmente a recusa docomandante alemo ao pedido de visita de seu navio; 3 que oAltmark fez uso de sua telegrafia sem fio em guas territoriaisnorueguesas; 4 que o oficial noruegus responsvel repelira ooferecimento ingls de conduzir o navio a Bergen, para ser visita-do, e recusara-se a acompanhar os marinheiros ingleses quandoabordaram o navio alemo. A Alemanha, por sua vez, protestouenergicamente, em Oslo, contra o fato das autoridades norue-guesas haverem permitido a violncia que o Altmark sofrera emsuas guas territoriais. A Noruega, porm, defendeu-se digna-mente de todas essas acusaes, sustentando ao mesmo tempo oprotesto que apresentara, logo de incio, ao Foreign Office, contraa violao de suas guas. Nessa ocasio, o governo noruegus acen-tuou que o Altmark no fizera escalas em Bergen nem em qual-quer outro porto noruegus, razo pela qual o limite depermanncia de 24 horas no se aplicava ao caso. Frisou, almdisso, que nem as convenes de Haia de 1907, nem as leis sobrea neutralidade norueguesa estipularam limites de tempo para apassagem de navios pelas suas guas. Como o Altmark no fizeraescala em seus portos, entendia o governo desse pas que lhe fal-tavam motivos para verificar se se tratava ou no de um navioempregado no transporte de prisioneiros de guerra. Repetia, as-sim, que estava no seu dever de aplicar corretamente as leis inter-nacionais relativas ao assunto. Se, pois, o governo britnico quisessemanter a posio assumida, o governo noruegus propunha que aquesto fosse submetida a arbitragem. Parece, entretanto, que ogabinete ingls, convencido da precariedade da sua doutrina,

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    prefere tratar do assunto por via diplomtica, que lhe permitirchegar a um acordo, sem os inconvenientes da publicidade, queum julgamento arbitral certamente provocaria.7. O gabinete francs, no perodo que estudamos, obteve, umavez por unanimidade e outra com um s voto contrrio, duasordens-do-dia de confiana, que ecoaram favoravelmente nos di-versos crculos da opinio europia: a primeira a 10 de fevereiro,aps a reunio do comit secreto, em que o presidente Daladiere o ministro do Ar, pelas explicaes dadas, conseguiram manterintacto o prestgio do governo; e a segunda a 27 do mesmo ms,por ocasio dos debates sobre as questes relativas ao funciona-mento dos servios de propaganda e da censura, tratadas em trslongas sesses da Cmara. O sr. Daladier, nessa ocasio, anun-ciou que ia confiar a direo dos servios de informaes e radio-difuso a uma personalidade poltica, que faria parte do gabinete.Fez saber, igualmente, que a partir daquela data a censura seriasuspensa com relao aos artigos que exprimissem opinies pol-ticas. Semelhante deliberao representa uma incontestvel vit-ria, no s dos partidos polticos, mas tambm das grandesempresas jornalsticas, que se vinham empenhando, de algumtempo para c, pela suspenso da censura, que acusavam cons-tantemente de inepta. Daqui por diante, pois, todos os jornalis-tas sero responsveis, pessoalmente, pelas opinies que emitirem.8. A doutrina de guerra e de paz da Alemanha acaba de sermais uma vez definida pelo chanceler Hitler, no seu discurso deMunique. A Alemanha, proclamou ele nessa ocasio, exige a Eu-ropa Central como esfera de sua influncia no continente ou,melhor, como parte do seu espao vital. E nesse espao vital, pre-veniu, os alemes do Reich no permitiro, de maneira alguma,qualquer interveno de terceiros. A Europa Central nossa,declarou, e nela no toleraremos combinaes que sejam dirigidascontra ns. As potncias democrticas, no entanto, defendemum ponto de vista muitssimo diferente. Com efeito, falando nomesmo dia em Birmington, o sr. Chamberlain declarou nova-

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    mente que a Inglaterra e a Frana combatem contra o domniodo mundo pela Alemanha, batem-se para reparar as injustiasinfligidas pelos alemes aos povos livres, pela liberdade de cons-cincia individual e religiosa, para abolir o militarismo e a acu-mulao dos armamentos que empobrecem a Europa, para obtera independncia dos poloneses e tchecos, batem-se, enfim, paraassegurar a liberdade e a segurana de todos, na Europa. Repe-tiu, alm disso, que, com o atual governo alemo no pode haversegurana alguma para o futuro, pois seus chefes j demonstra-ram vrias vezes que no merecem a menor confiana. O princ-pio da segurana tangvel, exposto nessa ocasio peloprimeiro-ministro britnico, enquadra-se, dessarte, na frmulado sr. Daladier, segundo a qual a paz justa e durvel deve seracompanhada de garantias materiais positivas.9. A reunio, em Copenhague, dos ministros dos NegciosEstrangeiros da Dinamarca, Sucia e Noruega foi outro assuntoque despertou a maior ateno no continente. Seus resultados,entretanto, causaram certo desapontamento neste pas, onde seesperava que os Estados escandinavos, nessa reunio, assumissemuma atitude mais desassombrada com relao ao conflito russo-finlands. O comunicado oficial publicado na ocasio revelou, aocontrrio, o embarao extremo em que eles se encontram, entre odesejo de auxiliar eficazmente a Finlndia e o receio de se veremenvolvidos na guerra europia. Acuados, assim, pela fora das cir-cunstncias, a uma neutralidade de fachada, nada mais lhes com-petia fazer do que desejarem, como desejaram, que o conflitorusso-finlands terminasse o mais breve possvel, por uma solu-o pacfica, que salvaguardasse a inteira independncia da Fin-lndia. No mais, limitaram-se a declarar que acolheriam comsatisfao todo o esforo que conduzisse a negociaes entre osbeligerantes, em vista de uma paz justa e permanente. O pontomais importante desse comunicado, porm, foi aquele em que osministros escandinavos, defendendo a poltica de neutralidadeque adotaram, comprometeram-se a conjugar todos os seus esfor-

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    os, no sentido de pr um fim s constantes violaes dos seusdireitos pela guerra naval, que tantas perdas lhes tm causadodesde o incio das hostilidades. E era tudo quanto podiam fazeros Estados escandinavos, nesta hora tormentosa para a humani-dade, em que o nico argumento valioso repousa exclusivamentena boca dos canhes.10. De todos os fatos do ms, porm, o que mais forte impres-so causou nos crculos internacionais foi sem dvida a missoque trouxe Europa o sr. Sumner Welles, delegado especial dopresidente Roosevelt. Convm acentuar que o sentido dessa mis-so foi perfeitamente compreendido em Paris, que lhe atribuiudesde logo diretas ligaes com a do sr. Myron Taylor junto daSanta S. Uma e outra foram noticiadas neste pas com grandesprovas de simpatia, no tanto pelo resultado que possam vir a tere que, certamente, sero insignificantes ou mesmo nulos, senopela oportunidade que tero os gabinetes de Paris e Londres demostrar, mais uma vez, quo diferentes so os princpios pelosquais se batem os aliados e a Alemanha. Nada se sabe, por en-quanto, com relao entrevista do sr. Welles, em Roma, com osr. Mussolini. Acredita-se, porm, que ela tenha girado em tornoda ao futura a ser desenvolvida pelos Estados Unidos e a Itlia,de acordo com a evoluo da guerra.11. A misso do sr. Myron Taylor, por outro lado, julgada luz da mensagem que presidente Roosevelt enviou a Sua Santida-de e cujos dizeres so interpretados aqui como uma demonstra-o de que a paz justa e durvel, a que se refere o presidenteamericano, baseada na liberdade de cada um e na integridade detodas as naes, no evidentemente a paz que almeja o Reichalemo.12. No intuito de evitar interpretaes tendenciosas quanto aosfins das ltimas iniciativas internacionais do presidente Roosevelt,o sr. Cordel Hull acaba de fazer importantes declaraes, queesclarecem perfeitamente o ponto de vista americano, a respeitodos problemas decorrentes da guerra europia. Disse ele, entre

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    outras coisas, que as consultas de Washington aos governos dospases neutros, a propsito da organizao econmica do mundoquando a paz for restabelecida, haviam sido feitas, por via diplo-mtica, a todos os governos, indistintamente, e tinham por obje-to organizar um mundo melhor, baseado no desarmamento e namaior liberdade dos intercmbios. Como assinalou o jornal LeTemps, desta capital, o sr. Hull no ocultou que os Estados Uni-dos trabalham no sentido de evitar que, finda a guerra, a autarquiae outras formas de totalitarismo econmico dominem a atividadedo mundo. Essa enqute, porm, como frisa o prprio secretriode Estado americano, nada tem a ver com a guerra atual e nopode ser considerada como constituindo uma tentativa de medi-ao. Exposta assim a questo, torna-se evidente que essa iniciati-va do presidente Roosevelt visa consolidar um regime de liberdadeeconmica, oposto, por conseguinte, a qualquer regime autrquico.Basta isso, na opinio do referido jornal, para afastar qualqueridia de mediao no sentido de um compromisso, que no po-deria salvaguardar a independncia poltica e econmica de to-dos os povos do continente. Qualquer veleidade de paz, nessesentido, por parte do Reich, estaria, pois, desde logo, condenadaao mais fragoroso fracasso.13. Ao findar o ms, o Conselho de Ministros, em reunio pre-sidida pelo chefe de Estado, tomou vrias providncias reclama-das pela situao econmica do pas, no sentido de fixar asmodalidades de um novo sacrifcio que as circunstncias obrigamo governo a pedir ao povo francs. As despesas ocasionadas pelaguerra so, na verdade, de tal importncia, que a experincia de1914-1918 no pode mais servir de precedente ou medida. Poroutro lado, o seu financiamento constitui um nus tanto maispesado quanto a atividade econmica do pas, necessariamentereduzida pela importncia do setor mobilizado, no satisfaz snecessidades quase ilimitadas do Tesouro. Salvaguardar, pois, essaatividade e obter, alm disso, do povo francs a mais estrita eco-nomia, tais so, na hora presente, os dois aspectos primordiais da

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    tarefa que o governo pretende realizar. Assim que, por medidade precauo, o Conselho de Ministros resolveu pr em prticaas seguintes medidas, tendentes, muitas delas, a evitar a evasodo ouro: 1 decreto relativo s despesas no estrangeiro; 2 restries de consumo: a) recenseamento geral e distribuio decartas de racionamento; b) regulamentao das padarias e confei-tarias, que ficaro fechadas, daqui por diante, trs vezes por se-mana; c) regulamentao do servio dos restaurantes, que spodero servir dois pratos por refeio, sendo um de carne; d)incorporao de farinha de fava farinha de trigo; e) reduo doconsumo dos produtos petrolferos; f ) reduo do consumo dolcool; g) decreto sobre o controle dos preos, que no poderoser elevados sem autorizao especial; h) medidas relativas pro-duo agrcola, com aproveitamento das zonas ocupadas pelosexrcitos; i) conveno com o Banco de Frana; j) aproveitamentoda mo-de-obra feminina, etc. Com essas medidas, que tm emvista, antes de tudo, a possibilidade de o atual conflito ser delonga durao, o governo francs espera poder enfrentar, vitorio-samente, a crise econmica que ameaa perturbar a vida do pas.Produzir mais e consumir menos, eis o slogan do sr. Paul Reynaud,ministro das Finanas.

    L. M. de Souza Dantas

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    EMBAIXADA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASILParis, 1o de abril de 1940.

    Ms poltico na Frana4

    Maro de 1940.

    N. 3

    No ms de maro, ora findo, tanto no terreno militar eeconmico como no campo da diplomacia e da poltica interna,foram consignados fatos e sucessos de importncia e significaopara o desenvolvimento futuro da guerra entre as potncias de-mocrticas do ocidente e o III Reich totalitrio. Efetivamente, aatividade verificada, naquele perodo, no mundo internacionaleuropeu apresenta, dentro da desordem aparente da sucesso ver-tiginosa dos acontecimentos, aspectos do maior interesse para oobservador imparcial da situao. Militares e diplomatas, polti-cos e economistas deram, em seus respectivos setores, a medidado esforo de que so capazes para a consecuo da finalidade aque se propem na luta atual: a vitria dos princpios que defen-dem no campo de batalha. De um modo geral, pode-se dizer quea situao, no que concerne aos pases beligerantes, no sofreumodificaes. Os que prediziam o incio de operaes militaresde grande escala para o ms de maro ms favorvel s surpresasdo Reich alemo foram defraudados nas suas previses e espe-ranas. Pelo menos no setor ocidental da guerra, onde, alm daatividade de patrulhas e de vos de reconhecimento, a que jestamos habituados, pouco ou nada se verificou de anormal. Osexrcitos adversrios, ao abrigo das linhas Maginot e Siegfried, res-pectivamente, observam-se distncia, como se aguardassem osinal de ataque que os chefes precavidos no se resolvem a dar. De

    4 N.E. Documento anexo ao ofcio n. 105 da embaixada do Brasil em Paris, de 01/04/1940.

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    uma e outra parte, segundo se assevera nos crculos bem informa-dos, o potencial blico daqueles exrcitos vem sendo, diariamen-te, aumentado. Uns e outros vo acumulando, em quantidadesnunca vistas, os engenhos de guerra, as munies e os soldados;desdobrando, aqui e ali, as linhas de proteo; aproveitando me-lhor os acidentes dos terrenos, como se a guerra devesse ter ape-nas o carter defensivo. Porque a verdade que o vulto das obraslevantadas em ambas as linhas, umas terminadas e outras aindaem curso, acabaro tornando impossvel, por invivel, qualqueroperao de envergadura de natureza ofensiva. Da aviao, deque muito se falava e se esperava e que tanto na Espanha comona Polnia decidiu do curso da luta h, por enquanto, pouco adizer. Os ataques areos de Scapa Flow base naval inglesa e dailha de Sylt base de aviao alem foram, nesses primeiros seismeses de guerra, os empreendimentos de maior vulto consigna-dos, respectivamente, nas fs de ofcio das aviaes alem e brit-nica. Os vos pacficos, levados a efeito pelos aviadores inglesessobre Praga, Viena, Berlim e diversas cidades da Polnia, assimcomo os dos aviadores germnicos sobre Paris e as regies do nor-te e do leste da Frana, com fins de propaganda, dizem, por en-quanto, apenas da qualidade e potncia dos aparelhos e do arrojoe resistncia fsica dos pilotos. Do ponto de vista militar, notiveram maior significao.2. No tocante guerra martima, a ao dos submarinos ale-mes decresceu, consideravelmente, de atividade. Como tambmdiminuiu, notoriamente, a das minas magnticas aps a desco-berta britnica da cintura de proteo que, provocando adesmagnetizao daquelas minas, parece haver resolvido, de mododefinitivo, a questo da defesa dos navios contra as surpresas dasexploses submarinas.3. Por outro lado, a ao do bloqueio ingls contra a Alema-nha intensificou-se a partir de 1 de maro. As medidas postasem prtica para deter e apreender as mercadorias procedentes daAlemanha, com destino aos pases neutros, do a medida exata

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    dos propsitos que animam a Gr-Bretanha na luta em que selanou contra o Reich, luta de vida ou morte e, portanto, impla-cvel. Nesse setor da guerra martima, s conta o interesse dosbeligerantes. O dos neutros, que tanto j sofreram na ltimaGrande Guerra, est sendo, nesta, totalmente desconhecido esacrificado. Merc dessa poltica foi que se produziu o conflitotalo-britnico. Disposto a executar as medidas previstas pelogoverno de Londres, o controle britnico, fazendo caso omisso doprotesto da Itlia contra a apreenso do carvo alemo que lhe eradestinado, deteve, no dia 5 de maro, cinco cargueiros italianos,procedentes de Rotterdam, conduzindo-os para Downs. No diaseguinte, eram apreendidos mais onze, enquanto outros seis re-solviam no abandonar aquele porto holands. A tenso entre aInglaterra e a Itlia, provocada por esse fato, tornou-se, de mo-mento a momento, mais aguda, chegando mesmo a ameaar coma extenso da guerra ao Mediterrneo. Venceu, entretanto, o es-prito de transigncia recproca. No dia 9 do mesmo ms, emvirtude de acordo prvio, entre os governos de Roma e Londres, ocontrole britnico tomou a deliberao de deixar passar aquelescargueiros, que se encontravam em Downs, com suas respectivascargas de carvo, ao passo que o governo italiano ordenava a par-tida dos navios que ainda se encontravam nos portos holandeses,mas sem as cargas respectivas. Esse incidente, comentado abun-dantemente nos jornais franceses, que apoiavam, como era deesperar, a tese inglesa, no deu, porm, lugar, como em outraocasio teria seguramente dado, a manifestaes de hostilidadecontra a Itlia.4. Impunha-se uma referncia, no presente relatrio, a esseaspecto da guerra martima, porque ilustra, de modoincontrovertvel, a atitude dos pases beligerantes em face do di-reito dos neutros e revela, por outro lado, a inanidade dos princ-pios consagrados do Direito Internacional e nas convenesinternacionais, sobrepujados facilmente pelo direito da fora.

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    5. Ainda no terreno militar, cabe-nos, agora, reportar-nos su-cintamente ao conflito russo-finlands que, margem da guerraanglo-franco-germnica e s suas costas, chegou a constituir sriaameaa paz e tranqilidade tradicionais dos pases escandina-vos.6. Segundo se depreende da atitude dos governos de Paris eLondres e, alis, dos prprios fatos, a contenda entre a URSS e aFinlndia interessou consideravelmente Frana e Gr-Bretanha.Malgrado a resistncia e o herosmo sem par de que as tropasfinlandesas deram as mais edificantes provas, na luta contra uminimigo muitas vezes superior em homens, munies, aviao eoutros engenhos blicos, a sorte das armas acabou por decidir-sea favor de Moscou. O auxlio, prestado pela Frana e a Gr-Bretanha pequena Finlndia, no bastou nem mesmo para asse-gurar-lhe uma luta defensiva prolongada. Na verdade, o de que aFinlndia precisava era de homens. Mas como faz-los chegar daFrana e da Inglaterra? Lev-los por mar, para desembarc-los emPetsamo, que se achava em poder das tropas russas, pareceu, aostcnicos, empresa impraticvel. Havia, sim, um meio mais certo:seria transport-los atravs dos territrios da Noruega e da Su-cia. Para isso, tornava-se, porm, necessrio obter a autorizaoexpressa dos governos de Oslo e de Estocolmo. Conforme as de-claraes feitas no Parlamento pelo senhor Eduardo Daladier,ento presidente do Conselho de Ministros francs, aqueles go-vernos foram, em tempo, consultados sobre o particular. Ambos,porm, negaram aquela autorizao, alegando que, autoriz-la,seria estender aos seus territrios o conflito, envolvendo-os naguerra anglo-franco-germnica. Soube-se, com efeito, que o go-verno do Reich fizera saber, em tempo, aos governos noruegus esueco que a entrada de tropas inglesas e francesas nos seus territ-rios seria considerada como ato inamistoso para com a Alema-nha, cujo governo saberia tirar imediatamente as conseqnciasdaquele fato. Diante disso, o prprio governo de Helsinque re-solveu desistir do apelo que esteve prestes a dirigir s duas potn-

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    cias democrticas, preferindo negociar a paz com Moscou. E,efetivamente, aps breves negociaes, os delegados da Finlndiaconcluam, com os delegados russos, no dia 12 de maro, o acor-do que ps termo s hostilidades. No dia 15, o Parlamento fin-lands, por 145 votos contra 3, aprovava o tratado de paz. Acapitulao da Finlndia causou, tanto nos crculos polticos comona opinio pblica francesa, uma emoo espetacular. O generalDuval reformado , crtico militar da Revue des Deux Mondes eo interessante comentador da guerra civil espanhola, escrevendosobre a rubrica A situao militar, assim se manifesta: A capi-tulao da Finlndia constitui xito para a Alemanha. Ningumpor mais em dvida que, para ns, constitui, porm, aconteci-mento lamentvel. Mais adiante acrescenta: O xito da Alema-nha, na Finlndia, no somente moral; tambm material. Alis,na guerra, muito raro que o xito moral no tenha conseqnciasmateriais tangveis. Depois de outras consideraes, aqui e aliintercaladas de claros, abertos pela censura, o general Duval es-creve: A exemplo de Bismarck, Hitler receia as coalizes; nolana mo, porm, to-s da diplomacia para evit-las; suprime,antes, um a um, os que podem realiz-la. Ns lhe deixamos, emtempo de paz, toda liberdade de ao: e assim continuamos aproceder em tempo de guerra. A Alemanha, com a capitulaoda Finlndia, melhorou sua prpria situao junto dos neutros.Mostra, a seguir, que a derrota da Finlndia representa para aAlemanha garantia preciosa de seu abastecimento em minerais,pois j agora impor aos pases escandinavos uma neutralidadedefinitiva. E prev o recrudescimento imediato da atividade desua diplomacia nos pases balcnicos para a conquista das matrias-primas que lhe fazem falta.7. Nos trechos que acabamos de transcrever do interessanteestudo crtico do general Duval, esto admiravelmente indicadasa importncia e a significao da capitulao da Finlndia eesboadas, com mo de mestre, as repercusses que podero vir ater no conflito anglo-franco-germnico.

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    8. Guiados ou no por esse raciocnio, tanto os crculos pol-ticos como a opinio pblica francesa, passados os primeiros mo-mentos de emoo, comearam a se agitar nervosamente, dandomostras de desconformidade crescente com a orientao do go-verno, presidido pelo senhor Eduardo Daladier, na direo daguerra. Esse estado de alma, comum a todo o pas, repercutiu nasesso secreta realizada pela Cmara dos Deputados a 20 de mar-o. A moo de confiana apresentada pelo presidente Daladierreuniu apenas 239 votos a favor, consignando-se em 300 o n-mero das abstenes. Diante dessa votao que registramos,sobretudo, como um sentido de irresponsabilidade parlamentar, o Ministrio Daladier abandonou o poder. Reao imediatada poltica externa sobre a poltica interna.9. A formao do novo governo foi questo de horas. Havendo-se o senhor E. Daladier negado a constituir o novo ministrio, opresidente da Repblica confiou ao senhor Paul Reynaud, atento ministro da Fazenda, aquela pesada incumbncia. Em me-nos de 24 horas, o senhor Reynaud levava a bom termo sua tare-fa. O debate de poltica geral que se seguiu, na Cmara, segundoa tradio, apresentao do novo governo ao Parlamento e leitura da declarao ministerial, terminou, no dia 22, com umescrutnio que decepcionou a opinio pblica acostumada, desdeo comeo da guerra, s votaes unnimes. Efetivamente, o Ga-binete Reynaud teve apenas 268 votos, contra 156 e 111 absten-es; ou seja, por outras palavras, 1 nico voto de maioria, para aqual concorreram poderosamente os 35 votos do prprio minis-trio. Como resultado dessa votao, acreditou-se, a princpio,na reabertura da crise poltica; mas o senhor Reynaud, medindocom segurana a gravidade da situao em que se acharia o pas erevelando-se o homem de pulso e energia que, em alguns mesesde administrao severa e honesta saneou as finanas pblicas,restabelecendo a confiana da nao no franco, resolveu enfrentaras dificuldades com galhardia e no recuar ante o vulto da em-presa. Manteve-se assim no poder. Suspensos, entrementes, os

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    trabalhos parlamentares, a Cmara voltar a abrir suas portas a 2de abril prximo, quando, ento, o novo governo ter de respon-der s interpelaes que j esto anunciadas, expondo, por outrolado, o seu programa de ao.10. No adiantaremos prognsticos sobre os resultados dosdebates que se ho de travar, seguramente, nessa ocasio. As osci-laes da poltica so de tal ordem, que no seria de surpreenderque a Cmara, cuja maioria pende mais para a esquerda do quepara a direita, deitasse abaixo um governo como o que preside,nesse momento, o senhor P. Reynaud, de cor acentuadamenteesquerdista. Nova crise, nas atuais circunstncias, poderia, entre-tanto, ser fatal ao regime parlamentar francs. J em certos crcu-los se vem aventando, por enquanto muito timidamente, a hiptesede uma ditadura, como a tbua de salvao do pas. No acredi-tamos nessa eventualidade. Nos momentos de perigo nacional,que a histria aponta em muitas de suas pginas, o Parlamentofrancs tem sabido mostrar-se altura dos sagrados cometimen-tos que lhe incumbem, como ldimo representante das tradiesde patriotismo e fiel porta-voz dos anseios da nao.11. O Ministrio Reynaud foi bem recebido pela opinio p-blica do pas e, no estrangeiro, teve, de um modo geral, imprensafavorvel. Na Inglaterra, sobretudo, a ascenso ao poder do anti-go ministro das Finanas foi recebida como um gesto cordial daFrana para com sua grande aliada. O nome do presidenteReynaud, para os ingleses, sinnimo de poltica comum dosdois Estados amigos. O novo chefe do governo francs , na ver-dade, um dos grandes artfices da aliana franco-britnica. Foi onegociador, em dezembro de 1939, dos acordos, assinados com aInglaterra, pelos quais os dois imprios resolveram pr em co-mum todos os seus recursos financeiros e econmicos. Sua influ-ncia, pois, h de se fazer sentir na poltica de guerra britnica. Osenhor Reynaud constitui, efetivamente, um trunfo de primeiraordem que a Frana tem, na Inglaterra, e de que h de saberutilizar-se. A propsito, cabe-nos fazer referncia declarao

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    conjunta, dos governos de Paris e Londres, de 29 de maro, apsa sexta reunio do Conselho Supremo de Guerra, efetuada nacapital do imprio britnico. Em virtude daquela declarao, queveio dar uma expresso pblica e solene situao de fato, os doisgovernos se comprometem a no negociar, nem a concluir armis-tcio ou tratado de paz separadamente, assim como a no discutiros termos da paz seno depois de acordo completo entre ambos,relativamente s condies que sejam consideradas como garan-tias efetivas e duradouras de suas seguranas. Ademais, compro-metem-se igualmente a manter, depois do restabelecimento dapaz, a mesma comunidade de ao, em todos os domnios, pelotempo que for necessrio para a salvaguarda de ambas e a recons-truo de uma nova ordem internacional que assegure Europaa liberdade dos povos, o respeito do direito e a manuteno dapaz com o concurso das outras naes. A importncia dessa de-clarao, que vale no s para o presente seno para o futuro,encontrou, como era de esperar, eco entusistico e unnime nascolunas de todos os jornais franceses. O presidente P. Reynaud,cuja ao frente do governo se inicia assim sob auspcios tofavorveis, colheu, com justia, os aplausos irrestritos de todo opovo francs.12. A primeira parte da declarao, cujos pontos essenciaisvimos de transcrever, no apresenta, de fato, carter de novidade.Sabia-se que os aliados estavam decididos a conduzir a guerra decomum acordo, at a sua concluso; no se ignorava que, virtual-mente, j estava acordada a proibio da assinatura de uma pazseparada; compreendia-se perfeitamente que, chegado o momen-to, a Frana e a Inglaterra se poriam de acordo quanto s condi-es da paz, antes de discuti-las com o adversrio vencido. Deimportncia capital, porm, e sobretudo se se considerar a atitu-de observada pela Gr-Bretanha nos anos que se sucederam ltima Grande Guerra, a segunda parte da referida declaraoque contm, ao mesmo tempo, uma promessa solene de colabo-rao futura entre os dois Estados e uma exposio, em termos

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    genricos, de seus fins de guerra: a restaurao da segurana naEuropa com o concurso de outras naes.13. O povo francs viu, nessa declarao, uma garantia para ofuturo. No se repetiriam, assim, os dias aziagos e incertos quemarcaram o ps-guerra de 1918, quando a Gr-Bretanha, atendo-se, estritamente, sua linha tradicional de oposio potnciamais forte do continente, encorajava certas reivindicaes alems,refreando a Frana nos seus projetos de estrita aplicao do Trata-do de Versalhes. Da, o entusiasmo que aquela declarao desper-tou neste pas e os aplausos tributados ao novo presidente doConselho de Ministros que, nessa qualidade, soube, de um sgolpe, conquistar a admirao, o respeito e a considerao de to-dos os seus concidados, sem distines partidistas.14. O discurso que o presidente Reynaud pronunciou pelo r-dio, no dia 27 de maro, dirigindo-se nao francesa, acusa demaneira enftica a fora do pulso do timoneiro que o presidenteAlbert Lebrun colocou frente da administrao pblica. O pre-sidente do Conselho, em frmulas breves e incisivas, exps o seuprograma de governo que se pode resumir nestas palavras: fazer aguerra e faz-la em todos os domnios, com a convico cega devenc-la.

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    15. No terreno diplomtico, entre os fatos dignos de nota es-pecial, cabe lugar de destaque misso do senhor Sumner Welles Europa, na qualidade de delegado pessoal do presidenteRoosevelt. De 26 de fevereiro a 20 de maro, ou seja, em poucomenos de um ms, o subsecretrio de Estado americano visitouRoma, Berlim, Paris e Londres, detendo-se de dois a trs dias emcada uma dessas capitais, onde conferenciou com os respectivoschefes de governo e as personalidades de mais destaque. Sobre osfins dessa misso, foroso ater-nos s declaraes do ilustre via-

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    jante, consoante as quais teria apenas carter puramente infor-mativo, sem