economia solidÁria: estratÉgia de...

21
1 ECONOMIA SOLIDÁRIA: ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO PARA A GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL BERGAMO, Nyelle Josino (1), CANI, Josiane Brunetti (2) (1) Autor. Graduada em Serviço Social. Faculdade Norte Capixaba de São Mateus. Email: [email protected]. (2) Professora Orientadora. Mestre. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo. Email: [email protected] RESUMO O movimento de economia solidária pode representar o processo de criação de um elemento novo e de suma importância para o enfrentamento da individualização intensificada na sociedade contemporânea, como um tipo de resposta aos problemas gerados pelo capital global. Para compreender a relevância da abordagem da economia solidária como estratégia para o desenvolvimento socioeconômico se fez um levantamento bibliográfico, de modo que foi necessário identificar as origens que levaram ao surgimento da economia solidária no Brasil juntamente com o contexto político, social e econômico vigente no período histórico, trazendo as discussões para a relação da autogestão frente às desigualdades sociais, bem como ressaltando seus princípios e valores na perspectiva de promover a transformação e emancipação social, evidenciando os indivíduos como sujeitos transformadores da sua realidade. O trabalho objetiva discutir o tema, à luz da teoria marxista, analisando sob esse prisma, dados recentes sobre a economia solidária no contexto brasileiro e no cenário capixaba de forma quanti-qualitativa, através dos procedimentos metodológicos de pesquisa documental, com coleta de dados do Segundo Mapeamento da Economia Solidária no Brasil. Palavras-chave: Movimento social. Política pública. Desenvolvimento local. 1 INTRODUÇÃO Nas últimas décadas, o campo da economia solidária conquistou um importante espaço social no Brasil como alternativa para superar as desigualdades sociais e a questão do desemprego e a baixa renda. Com inúmeras experiências pelo país e participação de milhões de trabalhadores, a economia solidária tem avançado cada vez mais, ganhando credibilidade por parte da gestão pública, não ficando apenas em práticas isoladas, mas, principalmente, se institucionalizando e alavancando como parte das políticas públicas.

Upload: hahanh

Post on 28-Jan-2019

225 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: ECONOMIA SOLIDÁRIA: ESTRATÉGIA DE …rededegestoresecosol.org.br/wp-content/uploads/2016/03/estrategia... · 1 economia solidÁria: estratÉgia de desenvolvimento socioeconÔmico

1

ECONOMIA SOLIDÁRIA: ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO

SOCIOECONÔMICO PARA A GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL

BERGAMO, Nyelle Josino (1), CANI, Josiane Brunetti (2)

(1) Autor. Graduada em Serviço Social. Faculdade Norte Capixaba de São Mateus. Email: [email protected]. (2) Professora Orientadora. Mestre. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo. Email: [email protected]

RESUMO

O movimento de economia solidária pode representar o processo de criação de um elemento novo e de suma importância para o enfrentamento da individualização intensificada na sociedade contemporânea, como um tipo de resposta aos problemas gerados pelo capital global. Para compreender a relevância da abordagem da economia solidária como estratégia para o desenvolvimento socioeconômico se fez um levantamento bibliográfico, de modo que foi necessário identificar as origens que levaram ao surgimento da economia solidária no Brasil juntamente com o contexto político, social e econômico vigente no período histórico, trazendo as discussões para a relação da autogestão frente às desigualdades sociais, bem como ressaltando seus princípios e valores na perspectiva de promover a transformação e emancipação social, evidenciando os indivíduos como sujeitos transformadores da sua realidade. O trabalho objetiva discutir o tema, à luz da teoria marxista, analisando sob esse prisma, dados recentes sobre a economia solidária no contexto brasileiro e no cenário capixaba de forma quanti-qualitativa, através dos procedimentos metodológicos de pesquisa documental, com coleta de dados do Segundo Mapeamento da Economia Solidária no Brasil.

Palavras-chave: Movimento social. Política pública. Desenvolvimento local.

1 INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, o campo da economia solidária conquistou um importante

espaço social no Brasil como alternativa para superar as desigualdades sociais e a

questão do desemprego e a baixa renda. Com inúmeras experiências pelo país e

participação de milhões de trabalhadores, a economia solidária tem avançado cada

vez mais, ganhando credibilidade por parte da gestão pública, não ficando apenas

em práticas isoladas, mas, principalmente, se institucionalizando e alavancando

como parte das políticas públicas.

Page 2: ECONOMIA SOLIDÁRIA: ESTRATÉGIA DE …rededegestoresecosol.org.br/wp-content/uploads/2016/03/estrategia... · 1 economia solidÁria: estratÉgia de desenvolvimento socioeconÔmico

2

A economia solidária é uma forma de pensar e organizar o fazer econômico em vista

de uma vida melhor para toda a sociedade. Envolve “um jeito diferente de produzir,

vender, comprar e trocar o que é preciso para viver. Sem explorar ninguém, sem

querer levar vantagens, sem destruir o ambiente [...] Cada um/a pensando no bem

de todos/as e no seu próprio bem” 1. Ou ainda, o conjunto de atividades ou formas

sociais de solução da relação entre necessidades existentes (das pessoas, dos

agrupamentos humanos ou sociedades) e os recursos disponíveis para satisfazê-

los.

Este estudo torna-se instigante justamente pela intenção de analisar as

contribuições da implementação da economia solidária como estratégia de

desenvolvimento socioeconômico na gestão pública municipal. Tem como objetivos

específicos: identificar a proposta da economia solidária enquanto política pública,

como subsídio à gestão pública; e compreender as vantagens do investimento

municipal na política de economia solidária para o desenvolvimento econômico e

social.

A eficiência da economia solidária não se limita aos benefícios materiais de um

empreendimento, mas se define, também, como eficiência social, em função da

qualidade de vida de seus membros, e numa visão macro, de todo o ecossistema. A

intenção deste estudo é buscar responder quais as contribuições da implementação

da economia solidária como estratégia de desenvolvimento na gestão pública

municipal?

No estado do Espírito Santo, existe um movimento cada vez maior em torno desta

temática, inclusive com apoio do governo estadual, mas, no norte do estado foi

percebida a carência de atenção para os empreendimentos econômicos solidários

quanto ao respaldo legal por parte dos gestores, visto que, as experiências em

economia solidária têm apresentado bons frutos para a área socioeconômica e se

configura uma alternativa no enfrentamento ao desemprego crescente e uma

oportunidade para a geração de emprego e renda.

1 Folder: Projeto Nacional de Comercialização Solidária. Economia solidária outra economia acontece. Instituto Marista de Solidariedade, Secretaria Nacional de Economia Solidária, Ministério do Trabalho.

Page 3: ECONOMIA SOLIDÁRIA: ESTRATÉGIA DE …rededegestoresecosol.org.br/wp-content/uploads/2016/03/estrategia... · 1 economia solidÁria: estratÉgia de desenvolvimento socioeconÔmico

3

2 DISCUTINDO A ECONOMIA SOLDÁRIA NO BRASIL A PARTIR DE

1980

No contexto brasileiro, a década de 1980 foi um período marcante no que tange as

transformações sociais apresentando aspectos relevantes na mudança do cenário

sociopolítico no sentido de uma abertura política rumo a um estado democrático de

direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos humanos e sociais, como o

bem estar social, o desenvolvimento social, a liberdade, a segurança, a igualdade e

a justiça social como valores supremos de uma sociedade, rompendo com a

ditadura militar implementada em 1964. Com a redemocratização do país no final da

década de 80, veio também a Constituição Federal de 1988, um marco legal para as

transformações e redefinições do perfil histórico da assistência social no Brasil. As

políticas sociais visavam à universalização e a garantia de direitos sociais, com a

descentralização político-administrativa e a participação popular.

Já na década de 1990 o cenário não se constituiu um ambiente favorecedor à

ampliação dos direitos sociais. As transformações nos padrões de acumulação

capitalista, ocasionados pelas inovações tecnológicas, à globalização e as crises do

sistema financeiro, são responsáveis pelas inúmeras modificações no mercado de

trabalho e na vida de toda a sociedade. Devido à globalização, se destacam como

consequências, a precarização nas relações de trabalho, aumento do desemprego

estrutural, o mercado exige uma maior qualificação profissional e o crescimento do

trabalho informal. Essas transformações têm dimensões mundiais, pois afetam

“relações, processos e estruturas sociais, econômicas, políticas e culturais, ainda

que de modo desigual e contraditório” (IANNI, 1992, p. 39).

Com o cenário de crise e de desemprego, muitos trabalhadores brasileiros

encontraram, nas atividades associativas, uma forma viável de ocupação e de

geração de renda. As cooperativas (de produção, crédito e consumo), as

associações comerciais ou de produtores, os clubes de trocas, dentre outros,

baseadas nas práticas de autogestão e cooperação, são alguns exemplos de

iniciativas que emergiram no campo da economia solidária no Brasil (SILVA e

NAGEM, 2012).

Page 4: ECONOMIA SOLIDÁRIA: ESTRATÉGIA DE …rededegestoresecosol.org.br/wp-content/uploads/2016/03/estrategia... · 1 economia solidÁria: estratÉgia de desenvolvimento socioeconÔmico

4

A expansão da economia solidária encontrou significativo apoio nos movimentos

sociais, urbanos e rurais, que incluíram nas suas estratégias o desenvolvimento de

iniciativas de produção dos meios de vida ancoradas no trabalho associado e na

autogestão da produção. No campo político a economia solidária foi bem vista

principalmente, nos governos democrático-populares que consideraram o trabalho

associado, formulando e implementando políticas públicas voltadas ao apoio e

fomento aos empreendimentos solidários, inserindo esse conteúdo na agenda

pública.

A partir de iniciativas pioneiras em prefeituras e governos estaduais, realizadas desde, pelo menos, a década de 1990, as políticas públicas de economia solidária alcançaram o governo federal com a eleição do presidente Lula em 2002, com a criação da secretaria nacional de economia solidária, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego. (BENINI, 2011, p. 07)

Nesse momento, o universo da economia solidária no Brasil está em pleno processo

de estruturação, haja vista a criação recente da Secretaria Nacional de Economia

Solidária (SENAES) e o Conselho Nacional de Economia Solidária (CNES) ligados

ao Ministério do Trabalho e Emprego, assim como a organização dos fóruns

estaduais de economia solidária e das redes de iniciativas, em que se destaca a

rede brasileira de socioeconomia solidária, criada na ocasião do Fórum Social

Mundial, realizado em Porto Alegre em 2001, e que integra diversas entidades de

fomento à economia solidária em todo país.

2.1. ECONOMIA SOLIDÁRIA DE PAUL SINGER

Paul Israel Singer, economista, professor, principal autor e militante do tema

abordado, presidente da SENAES desde 2003 é referência para o movimento de

economia solidária pela sua participação ativa no incentivo à formação de

cooperativas autogestionárias.

Singer ressalta que a economia solidária surge como modo de produção,

distribuição e consumo alternativo ao capitalismo, unindo o princípio da unidade

entre posse e uso dos meios de produção e distribuição. A grande idealização e

otimismo na economia solidária contrastam com sua repugnância ao modo de

Page 5: ECONOMIA SOLIDÁRIA: ESTRATÉGIA DE …rededegestoresecosol.org.br/wp-content/uploads/2016/03/estrategia... · 1 economia solidÁria: estratÉgia de desenvolvimento socioeconÔmico

5

produção capitalista, que, segundo ele, exalta o individualismo e a maximização de

lucro, transformando os trabalhadores em simples ferramenta a serviço do grande

capital. A elaboração de Singer sobre a economia solidária é orientada pela intenção

de reconceituar o socialismo (o que o autor chama de “revolução social socialista2”)

e reavaliar suas perspectivas e possibilidades (SINGER, 1998b).

Interessa saber que, para Singer, a idealização de uma revolução social socialista

pautada no isolamento relativo e seletivo, se dá dentro da macroeconomia capitalista

convencional, onde o poder da acumulação autônoma toma a forma de autogestão,

que cria a consciência de classe nos trabalhadores, e ganha força como

determinante variável para desencadear o processo de transformação social.

“Irmanar-se com os iguais, insurgir-se contra a sujeição e a exploração constituem

experiências redentoras. Quando reiteradas, modificam o comportamento social dos

sujeitos”. (SINGER, 2002b, p. 22)

Além de simples geradores de trabalho e renda, os modelos de economia solidária

idealizam novas formas de convivência e de organização comunitária. Seus autores

defendem o potencial que pode ser obtido a partir das suas relações baseadas na

solidariedade e na equidade, em vez da competição e do individualismo (BORINELLI

e SANTOS, 2010). Como fator subjetivo positivo, Singer (2003) elogia o grande

potencial de resgate da auto-estima dos trabalhadores por conta dos aspectos

particulares de gestão do empreendimento solidário:

Para pessoas humildes, que sempre foram estigmatizadas por serem pobres – sobretudo mulheres e negros, vítimas da discriminação por gênero e raça – a experiência cooperativa enseja verdadeiro resgate da cidadania. Ao integrar a cooperativa, muitos experimentam pela primeira vez em suas vidas o gozo de direitos iguais para todos, o prazer de poderem se exprimir livremente e de serem escutados e o orgulho de perceber que suas opiniões são respeitadas e pesam no destino do coletivo (SINGER, 2003, p.28).

Considerando os diversos aspectos em torno da vida humana, a economia solidária

se utiliza inclusive dos fundamentos em torno do bem-viver e da filosofia da

libertação, nos anos 1990, com Paulo Freire (1987) e sua conhecida frase de

2 O conceito de Revolução Social Socialista compõe o centro da teoria de Paul Singer sobre o processo de transformação da sociedade como fruto da práxis dos trabalhadores e trabalhadoras, encontrado em seu livro A Utopia Militante (1998).

Page 6: ECONOMIA SOLIDÁRIA: ESTRATÉGIA DE …rededegestoresecosol.org.br/wp-content/uploads/2016/03/estrategia... · 1 economia solidÁria: estratÉgia de desenvolvimento socioeconÔmico

6

libertação coletiva: “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens

se libertam em comunhão”. O capitalismo em contrapartida nega o bem-viver,

porque ele não é ético, é imoral. A discussão do bem viver surge no Equador e na

Bolívia e está ligada à experiência de povos indígenas e nativos da América Latina,

e à proposição de um socialismo democrático, este conceito complementa o sentido

de sustentabilidade, diferenciando-se do seu uso pelo capitalismo.

Enquanto movimento de luta contra o capitalismo, mas luta conjunta com outros

movimentos sociais, não apenas pela sobrevivência individual ou de uma ou outra

organização, mas pelo bem comum, através da democratização dos processos que

beneficiam os interesses coletivos, têm uma visão muito romântica, utópica3, mas

necessária, que por outro lado, não ignora as dimensões ambiental e cultural. Na

economia solidária o objetivo é construir uma cultura política que reflita uma nova

ideologia, baseada na justiça social e centrado no ser humano.

Paul Singer (2004) esclarece que por desenvolvimento solidário entende-se um

processo de fomento de novas forças produtivas e de instauração de novas relações

de produção, de modo a promover um processo sustentável de crescimento

econômico, que preserve a natureza e redistribua os frutos do crescimento a favor

dos que se encontram marginalizados da produção social e do usufruto dos

resultados da mesma.

2.2 ECONOMIA SOLIDÁRIA NO ESPÍRITO SANTO

No estado do Espírito Santo, data de 1999 a retomada do tema Economia Solidária,

devido às condições econômicas decorrentes do aumento do desemprego,

crescendo assim as práticas em economia solidária como alternativa para a geração

de emprego e renda. Em 2001, foi fundado o Fórum de Economia Popular Solidária

do Espírito Santo/FEPS, impulsionado pela preocupação com a articulação dos

primeiros grupos de produção e as entidades de apoio, para reflexão dessas

primeiras experiências e sobre os problemas comuns vivenciados por esses atores,

3 A utopia de Singer é marcada pelo dia em que “os homens voltarão a poder escolher e experimentar formas alternativas de organizar sua vida econômica e social”. (SINGER, 2000b, pg. 138)

Page 7: ECONOMIA SOLIDÁRIA: ESTRATÉGIA DE …rededegestoresecosol.org.br/wp-content/uploads/2016/03/estrategia... · 1 economia solidÁria: estratÉgia de desenvolvimento socioeconÔmico

7

a fim de facilitar os processos de gestão, produção, acesso a crédito, criação de

redes e comércio justo.

O FEPS surgiu a partir da necessidade de se constituir uma rede local de apoio às

unidades produtivas de economia solidária que já existiam e outras iniciativas

associativas que desejavam se constituir com base nos princípios da economia

solidária. O FEPS realiza ações como palestras, seminários, feiras, oficinas, cursos

e conferências, articulados aos setores/órgãos públicos - regional e nacional em

economia solidária.

Em 2004, foi formada a Equipe Gestora Estadual (EGE), composta por quatro

segmentos da sociedade: 1)governo, Delegacia Regional do Trabalho; 2) Agência de

Desenvolvimento Solidário/ADS, vinculada à CUT (Central Única dos

Trabalhadores); 3) Faculdade Salesiana de Vitória e o 4)FEPS no propósito de

contribuir para a gestão de uma política pública voltada para a área da economia

solidária.

Em 16 de Janeiro de 2006, o então governador Paulo Hartung institui a Política

Estadual de Fomento à Economia Solidária no Estado do Espírito Santo - PEFES,

que visa ao desenvolvimento e ao fomento às empresas, cooperativas, associações,

redes e empreendimentos de autogestão que compõem o setor da economia

solidária, de forma a integrá-los ao mercado e a tornar suas atividades

autossustentáveis, por meio de programas, projetos e parcerias com as iniciativas

pública e privada, incentivando a sua difusão, sustentabilidade e expansão

econômica. Com os seguintes objetivos:

I - criar e consolidar os princípios e valores da economia solidária; II - gerar trabalho e renda; III - apoiar a organização e o registro de empreendimentos da economia solidária; IV - apoiar a introdução de novos produtos, processos e serviços no mercado; V - promover a agregação de conhecimento e a incorporação de tecnologias nos empreendimentos da economia solidária; VI - integrar os empreendimentos no mercado e tornar suas atividades auto-sustentáveis, reduzindo a vulnerabilidade e prevenindo a sua falência; VII - consolidar os empreendimentos que tenham potencial de crescimento; VIII - proporcionar a associação entre pesquisadores, parceiros e empreendimentos;

Page 8: ECONOMIA SOLIDÁRIA: ESTRATÉGIA DE …rededegestoresecosol.org.br/wp-content/uploads/2016/03/estrategia... · 1 economia solidÁria: estratÉgia de desenvolvimento socioeconÔmico

8

IX - estimular a produção intelectual sobre o tema, por meio de estudos, pesquisas, publicações e material didático de apoio aos empreendimentos da economia solidária; X - fomentar a capacitação técnica dos trabalhadores dos empreendimentos da economia solidária; XI - articular municípios, estados e união, visando uniformizar a legislação; XII - constituir e manter atualizado um banco de dados com o cadastro dos empreendimentos da economia solidária que cumpram os requisitos desta lei. (PEFES, 2006)

Atualmente no estado, existe uma dinâmica organizativa no campo de economia

solidária que envolve, como principais atores, gestores públicos, organizações não

governamentais, universidades, e várias outras entidades de articulação da

sociedade civil, que buscam discutir ações de geração de trabalho e renda na

perspectiva da economia solidária.

Para atender as necessidades locais e regionais é preciso se utilizar de bases

sólidas que permitam o crescimento equilibrado com o desenvolvimento sustentável

da economia. Esta proposta tem como diretriz a valorização das pessoas e dos seus

talentos, acreditando ser este o caminho para uma sociedade mais solidária,

humana e comprometida com todos e todas, proporcionando a cultura da

cooperação local e regional.

3 POLÍTICA PÚBLICA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA

As políticas sociais no Brasil estão relacionadas diretamente às condições

vivenciadas pelo país em níveis econômico, político e social. São vistas como

mecanismos de manutenção da força de trabalho, em alguns momentos, em outros,

como conquistas dos trabalhadores, ou como doação das elites dominantes, e ainda

como instrumento de garantia do aumento da riqueza ou dos direitos do cidadão

(FALEIROS, 1991, p.8).

A economia solidária enquanto política pública busca estimular e desenvolver o

equilíbrio entre a situação econômica e social permitindo a criação de estruturas de

natureza financeira geradas de forma democrática e espontânea com base nas

necessidades vivenciadas pelos atores envolvidos com a economia solidária

Page 9: ECONOMIA SOLIDÁRIA: ESTRATÉGIA DE …rededegestoresecosol.org.br/wp-content/uploads/2016/03/estrategia... · 1 economia solidÁria: estratÉgia de desenvolvimento socioeconÔmico

9

contribuindo para a construção de um sólido segmento econômico autossustentável

através da inclusão social, produtiva e cidadã, promovendo o estímulo à participação

social e a corresponsabilidade na gestão das ações públicas, por tratar-se de um

modelo com ações construídas de forma coletiva tendo como base a cooperação e a

ajuda mútua entre as instituições governamentais e sociedade civil organizada e

entre as pessoas em prol do alcance de objetivos comuns e da redução das

desigualdades sociais e econômicas.

De acordo com o documento Avanços e Desafios para as Políticas Públicas de

Economia Solidária no Governo Federal 2003/2010 (2012, p.15) o público-alvo das

políticas públicas em economia solidária são aqueles cidadãos que estejam

organizados ou queiram se organizar nas formas da Economia Popular Solidária. A

prioridade de acesso são para os cidadãos que vivem em situação de maior

vulnerabilidade social, particularmente aqueles beneficiados por programas de

transferência de renda e de geração de trabalho e renda. Nesse sentido, torna-se

fundamental reconhecer a diversidade de sujeitos deste setor e adequar a cada um

as formas de acesso e trânsito dentro da política.

As relações sociais encontram-se fragilizadas em função da conjuntura sócio

histórica brasileira ao longo dos anos. A questão social e suas múltiplas expressões

na concepção mais difundida de Iamamoto e Carvalho (1983) apresentam-se cada

vez mais evidentes devido à desigualdade social iminente da luta de classes do

sistema capitalista, e antagonismo entre burguesia e proletariado, atingindo

contornos problemáticos críticos. Torna-se mais evidente nas classes mais

empobrecidas da sociedade. De forma mais profunda Teles, (1996, p. 85) define:

[...] a questão social é a aporia das sociedades modernas que põe em foco a disjunção, sempre renovada, entre a lógica do mercado e a dinâmica societária, entre a exigência ética dos direitos e os imperativos de eficácia da economia, entre a ordem legal que promete igualdade e a realidade das desigualdades e exclusões tramada na dinâmica das relações de poder e dominação.

As consequências da apropriação desigual do produto social são as mais diversas:

analfabetismo, violência, desemprego, favelização, fome, miséria, exclusão, a

criação de “profissões” informais frutos da miséria produzida pelo capital, dentre

Page 10: ECONOMIA SOLIDÁRIA: ESTRATÉGIA DE …rededegestoresecosol.org.br/wp-content/uploads/2016/03/estrategia... · 1 economia solidÁria: estratÉgia de desenvolvimento socioeconÔmico

10

outras. Mas a questão social não só representa as desigualdades, mas, também, o

processo de resistência e luta dos trabalhadores e de todos os segmentos sociais

envolvidos.

A esses desajustamentos sociais, foi definido e denominado questão social, ou as

expressões da questão social, que tem sua concepção enraizada na contradição

capital x trabalho, definida no âmbito do modo capitalista de produção. Contradição,

esta, fundada na produção e apropriação da riqueza gerada socialmente, onde os

trabalhadores produzem a riqueza e os capitalistas se apropriam delas.

Paul Singer (1998) considera que são as contradições do capitalismo que criam

oportunidades de desenvolvimento de organizações econômicas cuja lógica é

oposta à do modo de produção dominante. A economia solidária se configura como

uma dessas organizações que, segundo Singer, possui um caráter essencialmente

anticapitalista.

A operacionalização da economia solidária se dá das mais adversas formas. Os

sistemas de trocas locais, mais conhecidos como “clubes de trocas”. São “formados

por pequenos produtores de mercadorias, que constroem para si um mercado

protegido, ao emitir uma moeda própria que viabiliza o intercâmbio entre os

participantes” (SINGER, 2000).

Há um número crescente de iniciativas de finanças solidárias denominadas

genericamente de “bancos populares”. Na maior parte dos casos, são cooperativas

de crédito que ampliam a prática do microcrédito para as pequenas iniciativas de

organizações coletivas populares. Geralmente, essas iniciativas de finanças

solidárias contam com apoio do poder público ou da própria sociedade civil, através

da ação de algumas ONGs (Organizações não-governamentais).

Os empreendimentos econômicos solidários e suas formas de organização: cooperativas, associações, empresas autogestionárias, redes e cadeias produtivas, complexos cooperativos, centrais de comercialização e outras formas de organização do trabalho; redes, fóruns e coletivos diversos de economia solidária, a relação entre empreendimentos, entidades de apoio e poder público; finanças solidárias: cooperativas de crédito, microcrédito, fundos rotativos, bancos comunitários, aval solidário etc. Comercialização: comércio ético, justo e solidário, feiras, clubes de troca, consumo

Page 11: ECONOMIA SOLIDÁRIA: ESTRATÉGIA DE …rededegestoresecosol.org.br/wp-content/uploads/2016/03/estrategia... · 1 economia solidÁria: estratÉgia de desenvolvimento socioeconÔmico

11

consciente; as entidades e organizações da sociedade civil, entidade de fomento e apoio e outras organizações e movimentos sociais (MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2007).

Além das próprias ações diretamente empreendidas pelos grupos, o universo da

economia solidária conta com uma série de entidades que atuam como

organizações de apoio e fomento. Como Singer (2002) esclarece essa “é uma rede

eletrônica que enseja o intercâmbio de notícias e opiniões, e está se transformando

também em rede eletrônica de intercâmbio comercial entre cooperativas e

associações produtivas e de consumidores”.

Enquanto política pública, a economia solidária se insere no Ministério do Trabalho e

Emprego através do programa “Economia Solidária em Desenvolvimento”. A

implementação da Economia Solidária como política pública se insere em um

contexto de transformações do mundo do trabalho, “que demandam do poder

público respostas para relações de trabalho distintas do emprego assalariado”

segundo o próprio portal (acesso em 11 jun. 2015)4.

Foi a partir de tais condições que o Governo Federal “assumiu o desafio de

implementar políticas que estendam ações de inclusão, proteção e fomento aos

trabalhadores/as que participam das demais formas de organização do mundo do

trabalho entre elas, as iniciativas de economia solidária”. Considera ainda que, “ao

constituírem um modo de produção alternativo ao capitalismo, onde os próprios

trabalhadores/as assumem coletivamente a gestão de seus empreendimentos

econômicos, as iniciativas de economia solidária vêm apontando para soluções mais

definitivas à falta de trabalho e renda”.

A bandeira da economia solidária como estratégia de transformação social, é

sustentada na construção de uma proposta de desenvolvimento solidário e

sustentável, em que a economia seja orientada por novos valores, em que o respeito

à natureza e à vida das pessoas estejam acima dos interesses do lucro, da

acumulação e da concentração das riquezas. (ICAZA E FREITAS, 2006)

4 Portal do Trabalho e Emprego – Economia Solidária – Programas e Ações. Disponível em: <portal.mte.gov.br/ecosolidaria/apresentacao.htm>. Acesso em: 11 jun. 2015.

Page 12: ECONOMIA SOLIDÁRIA: ESTRATÉGIA DE …rededegestoresecosol.org.br/wp-content/uploads/2016/03/estrategia... · 1 economia solidÁria: estratÉgia de desenvolvimento socioeconÔmico

12

Ainda segundo a SENAES, a economia solidária deve se configurar como uma

“Estratégia de Desenvolvimento”, alternativo ao modo de produção capitalista. Ainda

que seja o resultado – direto e indireto – das consequências do capitalismo sobre a

situação de desemprego e pobreza dos trabalhadores, a economia solidária deve

ser capaz de conviver com o próprio capitalismo e ser uma resposta às suas

mazelas. Ou seja, parte-se do princípio de que a economia solidária deve estar

pautada em uma nova lógica de desenvolvimento, que seja capaz de combinar o

crescimento econômico com desenvolvimento humano. (CARVALHO, 2011)

Icaza e Freitas (2006) consideram ainda, que os processos de formulação e

conquistas de políticas públicas de economia solidária visam direcionar os

investimentos públicos para o que deve ser apoiado e fomentado pelo estado e pela

sociedade como alternativa de inclusão social baseada na dignidade do trabalho e

na melhoria da renda para fortalecimento das organizações solidárias.

4 METODOLOGIA

Este artigo está estruturado da seguinte forma: um pequeno histórico do que é

economia solidária, e como este tema passa a ser abordado no mundo até chegar

ao Brasil e no Espírito Santo; como se dá a construção das políticas públicas

voltadas para a economia solidária; em sequência, destacam-se alguns avanços

alcançados e as influências positivas para a implantação desta política para a gestão

pública municipal através da análise dos dados do Segundo Mapeamento Nacional

da Economia Solidária e, nas considerações finais, apontam-se alguns dos entraves

e desafios a serem enfrentados por essas políticas.

A partir da escolha do tema e algum conhecimento empírico sob o assunto, realizou-

se uma pesquisa aprofundada sob o tema a fim de teorizar alguns conceitos, para

isso foi necessário um levantando bibliográfico com os principais autores que

abordam a temático.

Page 13: ECONOMIA SOLIDÁRIA: ESTRATÉGIA DE …rededegestoresecosol.org.br/wp-content/uploads/2016/03/estrategia... · 1 economia solidÁria: estratÉgia de desenvolvimento socioeconÔmico

13

Partindo da revisão bibliográfica que permitiu a contextualização da economia

solidária no cenário brasileiro nos aspectos políticos, sociais e econômicos efetuou-

se uma pesquisa nos documentos oficiais que traduzem em dados quantitativos a

progressão da economia solidária, documentos esses disponibilizados por meio

eletrônico através do site do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) órgão

diretamente ligado à SENAES.

Os dados do Segundo Mapeamento apresentam também questões levantadas que

permitem analisá-los sob a perspectiva qualitativa, considerada por Minayo (1992)

como envolvedora do universo dos significados, motivos, crenças, valores, atitudes e

aspirações, ou seja, fenômenos humanos, entendidos como parte da realidade

social que não podem ou não deveriam ser quantificados, e que para compreender

determinadas opiniões e percepções é necessário uma interpretação qualitativa da

dinâmica entre o sujeito e o meio.

5 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

A economia solidária por ainda ser pouco conhecida e difundida no Brasil pressupõe

uma ação mais efetiva para sua promoção e fortalecimento, se tornando urgente e

necessária a coleta e a divulgação de informações sistematizadas da economia

solidária, tornando visível seu perfil, abrangência e potencialidades.

Neste sentido, a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) em parceria

com o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) realizaram duas rodadas do

Mapeamento da Economia Solidária, com o objetivo de coletar informações gerais

junto aos empreendimentos de economia solidária no Brasil, para compor um

Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária (SIES), com a finalidade

de disponibilizar um arsenal significativo e atualizado sobre as dimensões que

caracterizam esses empreendimentos, inclusive para fins de desenhos de

programas e políticas públicas de apoio nos diversos entes federativos do país que

já contam com estruturas de fomento à economia solidária.

Page 14: ECONOMIA SOLIDÁRIA: ESTRATÉGIA DE …rededegestoresecosol.org.br/wp-content/uploads/2016/03/estrategia... · 1 economia solidÁria: estratÉgia de desenvolvimento socioeconÔmico

14

O primeiro mapeamento ocorreu entre os anos de 2005 e 2007. Em 2009 iniciou a

realização da segunda rodada, que foi concluído em 2013, em que foram mapeados

em torno de 20 mil empreendimentos econômicos solidários (EES). Este

mapeamento é baseado, principalmente, nos EES ativos nos fóruns e que fazem

parte do movimento de economia solidária, considerados empreendimentos

“visíveis”. Portanto, nos leva a refletir que existem mais EES que estão na

invisibilidade do mapeamento, que atuam de forma isolada ao movimento.

Ao todo, o mapeamento do SIES identificou 19.708 empreendimentos organizados e

distribuídos entre 2.713 municípios brasileiros, entre 2009 e 2013. Pode-se

considerar que esses EES são relativamente recentes, já que cerca de dois terços

desse total foram constituídos a partir do início da década de 2000. No Espírito

Santos foram mapeados 572 empreendimentos.

Gráfico 1- Área de atuação dos Empreendimentos no Espírito Santo

Fonte: Base de dados SIES – Segundo Mapeamento da Economia Solidária no Brasil. Elaborada pelo autor.

Em termos de localização dos EES, nos municípios capixabas mais que a metade

está concentrada nas zonas rurais, 64,1%, Isto aponta e afirma o quanto a

agricultura é a atividade econômica predominante na economia solidária, como

alternativa para pequenos produtores rurais, assentados, agricultura familiar, entre

outros grupos de produção diretamente ligados a terra, que encontraram na

economia solidária um jeito diferente de produzir, comercializar e consumir.

Já os empreendimentos localizados na zona urbana, 33,2%, dedicam-se em sua

maioria às atividades de produção e à prestação de serviços, no ramo de

367

190

15

rural

urbana

rural e urbana

Page 15: ECONOMIA SOLIDÁRIA: ESTRATÉGIA DE …rededegestoresecosol.org.br/wp-content/uploads/2016/03/estrategia... · 1 economia solidÁria: estratÉgia de desenvolvimento socioeconÔmico

15

artesanato, confecção, alimentação, reciclagem, crédito e finanças. E 2,6% dos EES

se identificaram tanto rurais quanto urbanos, conforme ilustrado no Gráfico 1.

A tabela 1 abaixo revela quais são os principais motivos que levaram à criação dos

EES no estado do Espírito Santo a possibilidade de maiores ganhos por meio de

uma atividade associativa, sendo o motivo predominante para a abertura dos EES,

correspondendo 61,3% do total, seguido de uma alternativa para complementação

da renda (50,5%) e como alternativa ao desemprego (39,3%).

Tabela 1- Principal motivação para a criação dos Empreendimentos no Espírito Santo

Motivações Nº %

Alternativa ao desemprego Maiores ganhos em empreendimento associativo Fonte complementar de renda Atividade onde todos são donos Atuação profissional em atividade específica Condição para ter acesso a financiamentos e apoios Recuperação de empresa privada Motivação social, filantrópica ou religiosa Desenvolvimento comunitário Alternativa organizativa e de qualificação Incentivo de política pública Organização de beneficiários de política pública Fortalecimento de grupo étnico Produção/comercialização de produtos orgânicos Outro

225 351 289 143 59 57 19 112 127 88 52 32 25 25 62

39,3% 61,3% 50,5% 25%

10,3% 9,9% 3,3% 19,5% 22,2% 15,3% 9,0% 5,5% 4,4% 4,4% 10,8%

Fonte: Base de dados SIES – Segundo Mapeamento da Economia Solidária no Brasil. Elaborada pelo autor.

O maior motivo para a organização dos EES em associações, além do próprio

trabalho associativo, é obter financiamento para empreender, seja na produção seja

na aquisição de materiais de uso coletivo para o trabalho. E como visto, grande

parte deste tipo de empreendimento é rural e consiste em associações comunitárias

de produção na área rural.

Outro dado interessante que representa 25% é o interesse em criar um

empreendimento em que todos os associados sejam também donos, ou seja,

pautados na autogestão, que contribui para a emancipação do trabalho ao tornar

cada pessoa associada consciente e corresponsável pelos interesses e objetivos

que são assumidos coletivamente.

Page 16: ECONOMIA SOLIDÁRIA: ESTRATÉGIA DE …rededegestoresecosol.org.br/wp-content/uploads/2016/03/estrategia... · 1 economia solidÁria: estratÉgia de desenvolvimento socioeconÔmico

16

O interesse no desenvolvimento local da comunidade representou 22% como

motivação para a criação de EES no estado capixaba, levantando a importância em

considerar o desenvolvimento econômico e social a nível local, a geração de

riquezas e sua distribuição de forma equânime em uma comunidade, que podem ser

alcançadas de forma sustentada ao longo do tempo.

O incentivo por parte do governo, por meio de políticas públicas representa apenas

9% do total, contra 19,5% de motivação social por meio de ordem filantrópica ou

religiosa, o que significa a carência de mais incentivos por parte do poder público em

fomento e formação em economia solidária, por meio de políticas públicas, leis

municipais, apoio aos EES já existentes e os que estão em formação.

Tabela 2- Principais conquistas dos Empreendimentos no Espírito Santo

Conquistas Nº %

A geração de renda Autogestão e exercício da democracia Integração do grupo Comprometimento social dos associados Conquistas para a comunidade Conscientização e compromisso político – Emancipação dos trabalhadores Outra

394 259 392 141 107 51

116

68,8% 45,3% 68,5% 24,6% 18,7% 8,9%

20,3%

Fonte: Base de dados SIES – Segundo Mapeamento da Economia Solidária no Brasil. Elaborada pelo autor.

Na tabela 2, verifica-se que as conquistas alcançadas ao longo do tempo

correspondem à expectativa inicial que motivou a criação desses EES. Sendo

apontada como principal conquista pelos EES, a geração de renda, que compreende

68,8%, que atende exatamente a proposta principal da economia solidária, que

mesmo inserida no sistema capitalista, com uma proposta renovada do socialismo,

assegura uma alternativa de fonte de renda à população marginalizada. Seguida de

68,5% respostas referentes a integração do grupo, enquanto conquista alcançadas

pelos EES, onde o coletivo prevalece em detrimento ao individualismo, a união e

fraternidade do grupo objetivando construir o bem comum dos associados.

O exercício da democracia, pela autogestão, representa o empoderamento dos

indivíduos, em serem corresponsavéis por todo processo produtivo, administração e

de distribuição do lucro entre todos os envolvidos de forma equânime e justa,

Page 17: ECONOMIA SOLIDÁRIA: ESTRATÉGIA DE …rededegestoresecosol.org.br/wp-content/uploads/2016/03/estrategia... · 1 economia solidÁria: estratÉgia de desenvolvimento socioeconÔmico

17

representa a terceira principal conquista mencionada pelos EES, 45,3%. O

comprometimento dos associados é de suma importância, e foi verificado como

conquista em 24,6% dos casos, a participação ativa dos associados permite o

melhor desenvolvimento do empreendimento, e do envolvimento entre o grupo e

beneficiando toda a comunidade, em que os reflexos da boa interação entre

associados e os grupos produtivos são percebidos como conquistas para a

comunidade em 18,7% dos relatos dos entrevistados.

Pode-se afirmar que os dados apresentados neste estudo vêm a assentar a ideia de

que a Economia Solidária se constitui sim, como uma estratégia que visa o

desenvolvimento socioeconômico, na perspectiva local. O desenvolvimento

socioeconômico aqui entendido como um fenômeno amplamente desejado por toda

a população, desejado em forma de qualidade de vida, que só é possível quando as

necessidades e desejos passam a ser atendidos adequadamente.

A Igreja Católica, por meio da Cáritas Diocesana de São Mateus, entidade de

assessoria e fomento em economia solidária, integrante da ordem filantrópica e

religiosa, vem realizando diversas mobilizações no norte do estado a grupos

econômicos solidários, um coletivo composto de bastante diversidade, como

Associações de Pequenos Agricultores, Sindicatos, Movimento Quilombola,

Movimento dos Pequenos Agricultores, Desabrigados pelas Enchentes, Catadores

de material reciclável, dentre outros.

No entanto, foi possível perceber em vivências anteriores junto à equipe Cáritas, a

imensa necessidade de os gestores públicos municipais também se envolverem

junto ao movimento, devido à necessidade de criações de políticas públicas

específicas para subsidiarem o movimento, levando em consideração a

contrapartida para o estado, de proporcionar alternativas ao emprego e renda, por

se constituir uma estratégia para o enfrentamento às desigualdades sociais, e

consequentemente, promover o desenvolvimento não somente econômico, mas por

sua particularidade de ações comunitárias, e pautadas em um relacionamento mais

humano, promover também o desenvolvimento social.

Page 18: ECONOMIA SOLIDÁRIA: ESTRATÉGIA DE …rededegestoresecosol.org.br/wp-content/uploads/2016/03/estrategia... · 1 economia solidÁria: estratÉgia de desenvolvimento socioeconÔmico

18

Visto que a economia solidária se configura como um movimento consistente e que

demonstra efetividade de ações, alguns municípios capixabas avançaram no sentido

de criação de políticas públicas de economia solidária e leis municipais de apoio,

assessoria e fomento à economia solidária a nível local, resultantes de diálogos

entre a sociedade civil e o poder executivo e legislativo, como é o caso dos

municípios de Vila Velha e Cariacica, na Grande Vitória.

O município de Vila Velha, em 05 de maio de 2011, instituiu o Programa Municipal

de Fomento à Economia Popular e Solidária, por meio da Lei Nº. 5.106, que dispõe

sobre a Política Municipal de Fomento à Economia Popular Solidária, cria também o

Conselho Municipal de Economia Popular Solidária e o Fundo Municipal de

Economia Popular Solidária de Vila Velha, e outras providências. E o município de

Cariacica também, em 01 de outubro de 2013, instituiu a Política Cariaciquense de

Desenvolvimento e Fomento à Economia Solidária – PCDFES, por meio da Lei Nº.

5.079, visando assegurar a participação da sociedade civil organizada e

assegurando direito ao trabalho associativo e solidário, e dá outras providências.

Além desses, outros municípios em todo o estado, oferece algum tipo de apoio aos

grupos produtivos econômicos solidários, mesmo sem legislação específica para

tanto, mas por meio das Secretarias Municipais de Assistência Social, Secretarias de

Desenvolvimento Humano, Secretaria de Desenvolvimento Econômico, na

perspectiva de geração de emprego e renda, o que ainda é muito ínfimo, visto a

gama de oportunidades possível de ser exploradas.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo contribui de forma a explanar e elucidar certas características da

Economia Solidária e suas contribuições para a Gestão Pública Municipal como

estratégia de desenvolvimento socioeconômico, caracterizando de forma

demonstrativa a experiência dos empreendimentos econômicos solidários em

desenvolvimento no estado do Espírito Santo e mapeados pelo SIES. Tais

empreendimentos constituem uma opção para aqueles que vivem as margens do

Page 19: ECONOMIA SOLIDÁRIA: ESTRATÉGIA DE …rededegestoresecosol.org.br/wp-content/uploads/2016/03/estrategia... · 1 economia solidÁria: estratÉgia de desenvolvimento socioeconÔmico

19

sistema de apropriação do excedente denominado de capitalismo; sendo que estes

se organizam e assim criam e mantém formas alternativas de produção e

comercialização.

A Economia Solidária representa uma possibilidade real e concreta de um novo

modelo de organização da produção e das relações sociais de produção que se

pauta na cooperação e na solidariedade, enquanto os teóricos discutem os possíveis

conceitos da Economia Solidária, os Empreendimentos Econômicos Solidários

mostram que realmente uma outra economia acontece.

Os primeiros estudos realizados sobre essa temática têm sido direcionados pelo Sul

do país, que vem alimentando as perspectivas críticas desde pensamento

confirmado em GAIGER (2007), passando a partir daí a constar também nas

agendas públicas municipais e federais. Por ser um tema amplo, compreende-se a

possibilidade e necessidade de ser explorado nas diversas áreas de conhecimento,

sendo assim essa pesquisa não esgota em si, mas busca provocar um debate maior

no meio acadêmico, para que o discurso seja cada vez mais enriquecido.

7 REFERÊNCIAS

BRASIL. PEFES - Política Estadual de Fomento à Economia Solidária no Estado do Espírito Santo: Assembléia Legislativa. 2006. Disponível em: <http://www.al.es.gov.br/antigo_portal_ales/images/leis/html/LO8256.html>. Acesso em: 16 set. 2015. BENINI. É. et al (org.) Gestão pública e sociedades: fundamentos e políticas de economia solidária. São Paulo: Outras expressões. 2011. p. 480. BORINELLI, B.; SANTOS, L. M. L. Economia Solidária: propostas e perspectivas. In: BORINELLI, B. SANTOS, L. M. L. PITAGUARI, S. O. (Org.). Economia solidária em Londrina: Aspectos conceituais e a experiência institucional. Londrina: Midiograf.1 ed. v. 1. 2010. p. 01-23. BRASIL. Atlas da economia solidária no Brasil. 2005. Brasília: MTE, SENAES, 2006. p. 60. CARVALHO. K. L. Economia solidária como estratégia de desenvolvimento: uma análise crítica a partir das contribuições de Paul Singer e José Ricardo Tauile. In: II Conferência do desenvolvimento . Brasília: IPEA. v. 1. 2011. p. 1-18.

Page 20: ECONOMIA SOLIDÁRIA: ESTRATÉGIA DE …rededegestoresecosol.org.br/wp-content/uploads/2016/03/estrategia... · 1 economia solidÁria: estratÉgia de desenvolvimento socioeconÔmico

20

FALEIROS, V. P. A política social do estado capitalista: as funções da previdência e assistências sociais. São Paulo: Cortez. 1980. ______. O que é política social. São Paulo: Brasiliense. 5. ed. 1991. GAIGER, L. I. A outra racionalidade da economia solidária: conclusões do primeiro mapeamento nacional do Brasil. Revista crítica de ciências sociais [online]. n. 79. Dez. 2007. p. 57-77. Disponível em: <http://sies.ecosol.org.br/images/resultado/revista_critica.pdf>. Acesso em: 28 set. 2015. GENNARI. A. M. Globalização, estado, neoliberalismo e desigualdade social no brasil. In: BENINI. É. et al (org.) Gestão pública e sociedades: fundamentos e políticas de economia solidária. 1. ed. São Paulo: Outras Expressões. 2011. p. 480. GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social . 4. ed. São Paulo: Atlas. 1995. IAMAMOTO, M. V. CARVALHO, R. Relações sociais e serviço social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo: Cortez. 1983. IANNI, O. A sociedade global . Rio de janeiro: Civilização Brasileira. 1992. ICAZA, A. M. S. FREITAS, M. R. (org.) O projeto esperança/cooesperança a construção da economia solidária no brasil. Relato de uma experiência. Porto Alegre: Cáritas Brasileira. 2006. p. 155. MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec/ABRASCO, 1992. MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO (BRASIL). Secretaria Nacional De Economia Solidária – Fórum Brasileiro De Economia Solidária - Grupo de trabalho de formação em economia solidária. Relatório final da II oficina nacional de formação/educação em economia solidária. Brasília: 2007. PAULO, F. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. SILVA, S. P.; NAGEM, F. A. Dimensões estruturais dos empreendimentos de economia solidária: uma análise para os estados da Bahia e Paraná: Revista de Economia do Nordeste, v. 43. n. 2. 2012. SINGER, P. Mercado e cooperação: um caminho para o socialismo. In: HADDAD, F. (org.). Desorganizando o consenso – nove entrevistas com intelectuais à esquerda. Petrópolis: Vozes. 1998a. _______ Uma utopia militante: repensando o socialismo. Petrópolis: Vozes. 1998b. ______. Economia socialista . In: SINGER, P.; MACHADO, J. Economia socialista. São Paulo: Fundação Perseu Abramo. 2000.

Page 21: ECONOMIA SOLIDÁRIA: ESTRATÉGIA DE …rededegestoresecosol.org.br/wp-content/uploads/2016/03/estrategia... · 1 economia solidÁria: estratÉgia de desenvolvimento socioeconÔmico

21

_______. A recente ressurreição da economia solidária no bra sil. In: SANTOS, B. S. (org.) Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2002a. _______. Introdução à economia solidária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo. 2002b. _______. Economia solidária: um modo de produção e distribuição. In: SINGER, P. e. SOUZA, A. R. A economia solidária no Brasil: a autogestão como resposta ao desemprego. São Paulo: Contexto. 2003. ______. Desenvolvimento capitalista e desenvolvimento solid ário. São Paulo: Estudos Avançados. v. 18. n. 51. Maio/agosto. 2004. TELES, V. S. Questão social: afinal do que se trata? São Paulo: São Paulo em Perspectiva. v. 10. n. 4. out-dez/1996. p. 85-95. VERGARA, S. C. Projetos e relatórios de pesquisa em administração. 7. ed. São Paulo: Atlas. 2006.