economia sebenta 1º ano

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ECONOMIA 1º ano Regente: Prof. Dr. Guilherme d'Oliveira Martins PROGRAMA: CAPÍTULO I - O que é a Economia Política? 1.1. Etimologia (oikos, nomos, polis). Necessidades e meios. Utilidade 1.2. Escassez e abundância 1.3. Escolha económica e racionalidade 1.4. Produção, distribuição e consumo 1.5. Objecto da Economia Política 1.6. Actos económicos 1.7. Agentes económicos, o circuito económico 1.8.Bens económicos. (a) bens de consumo e de produção; (b) bens e serviços; (c) bens sucedâneos e bens complementares; (d) bens públicos e bens privados; (e) factores de produção 1.9. Alocação de recursos e fronteira de possibilidades de produção 1.10. As respostas dos sistemas económicos (critério de W. Sombart: forma, substância e espírito): 1.10.1. Economias de mercado 1.10.2. Economias de direcção central 1.10.3. Economias mistas - os modelos renano e anglo-saxónico 1.11. Intervenção do Estado e regulação económica: 1.11.1. Falhas de mercado 1.11.2. Falhas de intervenção 1.11.3. Equidade e eficiência 1.12. Produtividade, competição e concorrência 1.13. Economia e Direito CAPÍTULO II - Trocas e Interdependência económica 2.1. A divisão do trabalho 2.2. A globalização e os seus limites 2.3. Confiança e equilíbrio 2.4. Vantagens absolutas e comparativas 2.5. Fontes das vantagens comparativas - dotações naturais, adquiridas, capital humano, especialização, custos de interdependência, livre-cambismo e proteccionismo.. CAPÍTULO III - Os preços e a sua formação 3.1. Oferta e procura. O mercado 3.2. Noção de preço. Elasticidade procura/preços 3.3. Curva da oferta e da procura. Cruz marshalliana. Excesso de oferta e de procura. Preço de equilíbrio 3.4. Fronteira de escolhas. Efeito de rendimento, efeito de substituição. CAPÍTULO IV - O papel do Estado na alocação de recursos 2

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Page 1: Economia Sebenta 1º ano

ECONOMIA 1º ano Regente: Prof. Dr. Guilherme d'Oliveira Martins PROGRAMA: CAPÍTULO I - O que é a Economia Política? 1.1. Etimologia (oikos, nomos, polis). Necessidades e meios. Utilidade 1.2. Escassez e abundância1.3. Escolha económica e racionalidade1.4. Produção, distribuição e consumo1.5. Objecto da Economia Política1.6. Actos económicos1.7. Agentes económicos, o circuito económico1.8.Bens económicos. (a) bens de consumo e de produção; (b) bens e serviços; (c) bens sucedâneos e bens complementares; (d) bens públicos e bens privados; (e) factores de produção1.9. Alocação de recursos e fronteira de possibilidades de produção1.10. As respostas dos sistemas económicos (critério de W. Sombart: forma, substância e espírito):1.10.1. Economias de mercado1.10.2. Economias de direcção central1.10.3. Economias mistas - os modelos renano e anglo-saxónico1.11. Intervenção do Estado e regulação económica:1.11.1. Falhas de mercado1.11.2. Falhas de intervenção1.11.3. Equidade e eficiência1.12. Produtividade, competição e concorrência1.13. Economia e Direito CAPÍTULO II - Trocas e Interdependência económica 2.1. A divisão do trabalho2.2. A globalização e os seus limites2.3. Confiança e equilíbrio2.4. Vantagens absolutas e comparativas2.5. Fontes das vantagens comparativas - dotações naturais, adquiridas, capital humano, especialização, custos de interdependência, livre-cambismo e proteccionismo..CAPÍTULO III - Os preços e a sua formação 3.1. Oferta e procura. O mercado3.2. Noção de preço. Elasticidade procura/preços3.3. Curva da oferta e da procura. Cruz marshalliana. Excesso de oferta e de procura. Preço de equilíbrio3.4. Fronteira de escolhas. Efeito de rendimento, efeito de substituição.CAPÍTULO IV - O papel do Estado na alocação de recursos

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4.1. Fundamentos da análise microeconómica do sector público.4.2. Objectivos e modos da acção económica pública.4.3. Incentivos e políticas públicas. Acção do Estado moderno.4.4. Redistribuição de recursos. Perda absoluta de bem-estar e impostos. CAPÍTULO V - A procura nos mercados concorrenciais 5.1. Utilidade, eficiência e bem-estar. Curva da procura e excedente do consumidor.5.2. Utilidade marginal e teoria marginalista.5.3. As escolhas do consumidor: curvas de indiferença.5.4. Consumo, trabalho, poupança e investimento.CAPÍTULO VI - A oferta e o investimento em mercados concorrenciais 6.1. Os custos do produtor: custos médios e marginais.6.2. A função de produção, os custos de curto e longo prazos.6.3. Excedente do produtor, lucro económico e renda económica.6.4. O multiplicador e o acelerador. As opções de investimento.6.5. As empresas: as economias de escala.CAPÍTULO VII - A eficiência em mercado concorrencial 7.1. O tempo, o risco e o juro.7.2. Condições de concorrência:7.2.1. Atomicidade e poder de mercado7.2.2. Fluidez, racionalidade e informação;7.2.3. Liberdade de entrada e de saída.7.3. Eficiência e bem-estar em Vilfredo Pareto.7.4. A concentração no mercado. CAPÍTULO VIII - A concorrência imperfeita 8.1. Quadro geral.8.2. Monopólios e concorrência monopolística.8.3. Oligopólios e cooperação empresarial.8.4. A não cooperação empresarial: os Jogos e o Equilíbrio de Nash.8.5. A importância do mercado da informação: reputação e especialização.CAPÍTULO IX - A repartição do rendimento e o mercado de factores 9.1. Remuneração de factores.9.2. Procura e oferta de factores naturais e de capital.9.3. Oferta e procura de trabalho.9.4. Factores de produção e maximização dos lucros.9.5. Informação imperfeita e discriminação na remuneração de factores.CAPÍTULO X - Desigualdade e redistribuição de riqueza 10.1. Desigualdade e pobreza.10.2. O combate à pobreza e à exclusão.10.3. A função económica dos impostos.10.4. Igualdade, capacidade e benefício.CAPÍTULO XI - A intervenção do Estado e a escolha pública 11.1. A Regulação económica e escolha pública.11.2. A escolha pública e a preservação da concorrência.11.3. Grupos de interesses e defesa do interesse geral.

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11.4. As Finanças Públicas. O Orçamento do Estado. O fenómeno financeiro público. Efeitos das despesas e das receitas públicas. CAPÍTULO XII - A economia monetária 12.1. Noção de moeda. Tipos de moeda.12.2. Moeda metálica, moeda representativa, moeda fiduciária, moeda escritural.12.3. Equação de Fisher (MV=PQ). Explicações sobre o valor da moeda.12.4. Os comportamentos dos agentes na procura de moeda.12.5. Oferta de moeda e sistema bancário.12.6. Breve referência aos sistemas monetários. A UEM e o EURO.CAPÍTULO XIII - O equilíbrio agregado - O Produto Nacional 13.1. A oferta e a procura agregadas.13.2. Contabilidade nacional. Conceitos fundamentais.13.3. Despesa Nacional e Rendimento Nacional.13.4. Produto Nacional bruto e líquido, a custo de factores e a preços de mercado.13.5. Consumo, Investimento e Gastos do Estado.13.6. O rendimento nacional, a poupança e o investimento.CAPÍTULO XIV - Equilíbrio macro-económico, emprego e inflação 14.1. Crescimento e o desenvolvimento.14.2. O modelo de pleno emprego. Os tipos e as causas do desemprego.14.3. A alta de preços, razões e medida.14.4. Equilíbrio das finanças públicas e das contas externas. 14.5. Ciclos Económicos. O ajustamento ao ciclo económico.14.6. Os objectivos de política económica.CAPÍTULO XV - Política macro-económica Objectivos e instrumentos15.1. Estabilidade de preços, pleno emprego, equilíbrio das contas públicas e equilíbrio das contas externas e instrumentos de política económica.15.2. Políticas de estabilização - monetárias, orçamentais e de rendimentos e preços. 15.2.1. Caracterização dos diferentes tipos de política económica;15.2.2. Conjunturas expansivas;15.2.3. Conjunturas depressivas;15.2.4. Conjunturas mistas.15.3. Compatibilidade de objectivos e de instrumentos. 15.3.1. Políticas anticíclicas, plurianuais e mistas;15.3.2. Orçamentos cíclicos;15.3.3. Políticas discricionárias e estabilizadores automáticos;15.3.4. Políticas mistas;15.3.5. Políticas de circuito.15.4. Objectivos económicos e sociais e políticas de coesão social.15.5. O Estado moderno, as políticas públicas, governação económica, estabilização, desenvolvimento económico e social. CAPÍTULO I - O que é a Economia Política? Etimologia (oikos, nomos, polis). Necessidades e meios. Utilidade. A palavra Economia foi usada na antiguidade por Xenofonte (sec. V e IV a.C.), por exemplo, para designar o estudo das necessidades domésticas - a partir de oikos, que significa em grego lar ou casa e de nomos,

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que quer dizer lei ou regra. O qualificativo usado por Montchrétien indica que já não se trata da economia doméstica, mas sim do estudo sobre o modo de afectação de recursos à satisfação de necessidades da cidade (polis) ou, por extensão, das nações. Muito se tem discutido sobre a designação mais adequada, uma vez que a Economia se desenvolveu como Ciência Económica. De qualquer modo, aquela designação põe a ênfase nos fenómenos económicos como fenómenos da sociedade. O estudo das riquezas, das trocas, do giro comercial, do funcionamento da economia e dos mercados tem um especial desenvolvimento no período da expansão europeia (séculos XV e XVI), dando progressivamente lugar à análise científica dos fenómenos ligados à criação de riqueza, às decisões conómicas e às trocas. Montesquieu fala do "doux commerce" e começa a sua obra mais conhecida "Esprit des Lois" pela frase: "as leis são relações necessárias que derivam da natureza das coisas". O estudo das sociedades implica sempre o conhecimento de como se relacionam pessoas e coisas, necessidades e meios. O primeiro tratado de ciência económica deve-se a um médico fisiocrata francês, o Dr. François de Quesnay (1694-1774), que escreveu O Quadro Económico (1758), onde defende a ordem natural do laissez faire e o primado da agricultura sobre o comércio e a indústria. Mas será um professor escocês de filosofia moral, Adam Smith (1723-1790), que, tendo tido contacto com a escola fisiocrática, vai dar à ciência conómica uma importância decisiva. Escreve Investigações sobre a natureza e as causas da Riqueza das Nações (1776), obra cuja aparição coincide com os primeiros passos da revolução industrial escocesa, onde aceita o princípio da "ordem natural", que funcionaria como uma "mão invisível", recusando, porém, o primado da agricultura, dada a importância crescente do comércio e da indústria. Na sociedade humana, as necessidades aparecem como tendencialmente ilimitadas, enquanto os meios e os recursos que as visam satisfazer são limitados. Os estudos económicos têm sempre este dilema em consideração. Temos de fazer escolhas, tendo em conta a aptidão dos bens ou dos serviços para satisfazer necessidades e para promover o bem estar. A essa aptidão designamos por utilidade. Neste sentido, a ciência económica procura responder às seguintes perguntas: O que produzir? Quanto produzir? Como produzir? Para quem produzir? Quando produzir? Quem decide? Como confiar nos agentes económicos com que nos relacionamos? Escassez e abundância.As necessidades humanas constituem o motor de toda a actividade económica. São o ponto de partida da Ciência Económica. O ser humano está permanentemente insatisfeito. Deseja melhorar a sua situação e a qualidade de vida. As necessidades são ilimitadas em número, mas limitadas em capacidade. Ou seja, cada sujeito económico tem uma limitação natural na fruição económica. Defronta-se com a escassez de uns bens e com a abundância de outros, devendo adequar essa situação à satisfação das suas necessidades. Os bens económicos são escassos. A sua existência é limitada e exige um esforço para a sua aquisição. As sociedades primitivas limitavam-se a ter objectivos de mera subsistência, visando a angariar apenas os meios de sobrevivência. As comunidades humanas depararam-se, desde cedo, com a raridade dos bens que dispunham de valor económico. Perante tal facto houve que iniciar uma prática de trocas, que permitiu, a partir da divisão do trabalho, satisfazer as necessidades diversas (o agricultor teve necessidade de adquirir bens ao tecelão ou ao marceneiro, e de recorrer ao moleiro para lhe moer o trigo). No entanto, além dos bens com valor económico, há os bens livres (como o ar que respiramos), relativamente aos quais não se exigem, em princípio, escolhas ou trocas. Escolha económica e racionalidade.Perante a raridade dos bens económicos, tem de haver decisões, muitas vezes prejudiciais e dramáticas. Os tratados mais antigos de Economia falam da escolha dos governantes que tinham de optar entre a manteiga e os canhões - ou seja, entre dar preferência à alimentação dos cidadãos e dos súbditos e privilegiar a defesa militar da cidade. No romance “Guerra e Paz” de Leão Tolstoi, perante a invasão napoleónica, o czar Alexandre foi posto perante este dilema dramático – e por isso usou a táctica da “terra queimada” para desgastar o inimigo e preservar as populações. Numa economia de guerra a defesa prevalecerá, mas não poderá deixar-se morrer à fome a população que se visa defender. As escolhas terão, por isso, de ser muito criteriosas,

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exigindo sacrifícios. As decisões obrigam à ponderação dos custos e benefícios das alternativas. Há diversos métodos para a afectação de bens e serviços - a ponderação económica exige sempre que tenhamos presente o que dispomos em recursos e as necessidades que visamos satisfazer. As pessoas respondem previsivelmente, segundo juízos racionais, aos estímulos perante os quais estão confrontadas. As sociedades humanas aperfeiçoam-se na relação complexa entre estímulos e a). A escolha económica envolve a resposta racional dos sujeitos económicos. Se reduzimos a tributação sobre as empresas, desejamos que haja mais investimento, se aumentamos o imposto sobre o consumo queremos que a procura de bens se retraia e que, mediatamente, os preços baixem... O uso racionalidade na ciência económica conduz ou à maximização dos meios, uma vez que se pretende utilizar da melhor maneira os recursos disponíveis, e à optimização dos fins, uma vez que procura alcançar-se da melhor maneira o objectivo definido numa escolha económica. Produção, distribuição e consumo.A actividade económica desenvolve-se num processo que se inicia numa actividade criadora, na qual produzimos bens ou serviços (matérias-primas, bens manufacturados, bens industriais, serviços técnicos…), a qual se destina a chegar aos consumidores finais, para satisfação das suas necessidades. Daí exigir-se uma actividade mediadora entre a criação e o consumo final de natureza distributiva e que constitui o cerne do comércio e do funcionamento dos mercados. A produção é o acto pelo qual os bens e serviços são utilizados com vista à transformação noutros bens ou ao seu aperfeiçoamento. A distribuição é o acto pelo qual se faz chegar aos locais onde se encontram os consumidores as mercadorias aptas a satisfazer necessidades. O consumo é o acto pelo qual os bens são utilizados para satisfazer directamente necessidades humanas específicas. Temos ainda de ter em consideração entre os recursos disponíveis os factores de produção (factores naturais, capital e trabalho), que são objecto de transformação e aperfeiçoamento na actividade produtiva ou são utilizados directamente no consumo, visando satisfazer necessidades. Objecto da Economia Política.A Economia Política é a ciência social que estuda os comportamentos humanos perante recursos raros solicitados para fins múltiplos. Estudamos fenómenos de natureza muito diversa numa sociedade que se organiza para garantir a satisfação de necessidades dos seus membros. John Stuart Mill dizia, por isso, que "há poucas hipóteses de se ser bom economista e de não se ser mais alguma coisa. Estando em permanente interacção, os fenómenos sociais não se podem compreender isoladamente". O objecto da Economia situa-se, assim, num campo muito amplo de actividades humanas, em torno da produção, da distribuição e do consumo, e tem a ver com um conjunto diversificado de actividades humanas que visam a afectação dos recursos disponíveis às necessidades da sociedade. Estamos perante uma ciência que analisa toda a realidade humana, procurando uma explicação lógica sobre o modo de resolução dos problemas ligados às escolhas económicas, o que obriga ao recurso a métodos próprios de previsão, de análise e de interpretação. Mas também estamos perante uma ciência com conteúdo normativo que visa a avaliação do modo como a sociedade encara e resolve os seus problemas de satisfação de necessidades, e a definição de uma política económica. Actos económicos.Os actos económicos - produção, distribuição e consumo - correspondem aos comportamentos que visam a afectação dos recursos à satisfação das necessidades sociais e humanas. Os actos económicos definem a anatomia da Economia. Partindo das necessidades, encontramos os meios aptos a garantir a respectiva satisfação. Os bens e os serviços objecto de consumo provêm directamente da natureza ou são objecto de produção ou transformação. Os actos económicos correspondem, assim, à acção dos sujeitos económicos sobre a natureza, a fim de que meios e necessidades se articulem entre si. As trocas que se estabelecem têm de ser vistas na perspectiva dos diferentes necessidades e dos diferentes agentes. As vantagens que advêm das trocas dependem da atitude de cada um dos intervenientes. Precisamos de saber o que deseja cada um da troca que vai realizar. O comprador considerará, normalmente, que poderia ter comprado mais barato e o vendedor julgará que poderia ter obtido um preço ligeiramente superior. Porém, o vendedor não sabe o que vai acontecer se tentar vender mais caro (desistirá o comprador da transacção, perdendo-se o negócio?). O resultado nunca será ideal para qualquer dos agentes económicos, mas corresponderá a uma composição de interesses, que tende a ser equilibrada..

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Agentes económicos, o circuito económico.Os actos económicos são praticados pelos agentes económicos. Estamos perante o circuito económico, no qual encontramos as inter-relações que se estabelecem, antes do mais, entre As Famílias e Empresas. As Famílias compram os bens e os serviços às empresas, mas também fornecem trabalho, indispensável para a actividade produtiva. As Empresas vendem bens e serviços às Famílias, a quem pagam os salários do trabalho ou as rendas pela utilização da terra. Mas ainda há o Estado, o sujeito económico mais influente, que recebe o produto dos impostos e dos tributos, que garante a satisfação de necessidades públicas (ensino, saúde, infra-estruturas). Por outro lado, temos o Capital, uma vez que as instituições bancárias e financeiras mobilizam as poupanças das famílias, pagando-lhes juros, e concedem crédito que visa antecipar investimentos, tendentes à reprodutividade da riqueza. Encontramos as diversas relações estabelecidas entre as Famílias, as Empresas o Estado o Capital e o Exterior Os fluxos são apenas os monetários - correspondendo-lhes em sentido inverso os fluxos reais, dos bens e serviços fornecidos. Nesses fluxos monetários é expressamente indicado o pagamento dos salários às famílias, o pagamento dos impostos, tributos e taxas ao Estado, o pagamento dos bens e serviços, das importações e das exportações, bem como o investimento e a poupança. Ainda poderá acrescentar-se o pagamento de subsídios do Estado às Famílias. Bens económicos. (a) os bens de consumo e de produção - Os bens de consumo são os que constituem objecto das decisões dos consumidores. Distinguimos os bens de consumo duráveis, cuja utilização se prolonga no tempo (habitação, viatura, electrodomésticos) e os bens de consumo não duráveis, que são destruídos no uso que deles é feito (alimentos e combustíveis). Por outro lado, os bens de produção são utilizados pelos produtores, de maneira durável ou não. Estão neste caso as máquinas, as matérias-primas, a energia e o trabalho. Estes bens têm como fim aumentar a quantidade e melhorar a qualidade dos bens de consumo disponíveis. O critério usado nesta distinção não tem a ver com os bens mas com a natureza das entidades que os utilizam. Se considerarmos os bens apenas na perspectiva da produção distinguimos os que são objecto de transformação (inputs) e os produtos que resultam dessa transformação (outputs). (b) bens e serviços - O resultado da actividade produtiva traduz-se em bens materiais ou em actividades imateriais - estão neste último caso a medicina, o ensino, o turismo ou as belas artes. Estamos assim perante os serviços, que assumem crescente importância nas sociedades contemporâneas. (c) bens sucedâneos e bens complementares - Num mercado as opções individuais dos sujeitos económicos obrigam à permanente comparação entre bens aptos a satisfazer necessidades. A racionalidade económica leva a que as escolhas tenham sempre em consideração custos e benefícios. Nessa comparação determinados bens podem substituir outros, diz-se nesse caso que são bens sucedâneos (o mel é sucedâneo do açúcar, o isqueiro é sucedâneo dos fósforos). Mas há também os bens que necessitam de outros bens para alcançarem a finalidade a que se destinam. Diz-se nesse caso que os bens são complementares (um disco compacto - CD - é complementar de um leitor de discos, a gasolina é complementar do motor do automóvel). (d) bens públicos e bens privados - Independentemente de quem os fornece, encontramos determinados bens que pelas suas características têm natureza pública, isto é, não visam satisfação meramente individual. O exemplo mais comum é o do farol, que tem as seguintes características: indivisibilidade (com consumidores adicionais não há redução do nível de utilidade dos indivíduos do grupo inicial); impossibilidade de exclusão (é sempre acessível a consumidores adicionais que o desejem); e não rejeitabilidade (é impossível a rejeição desse bem por parte dos consumidores). Pela sua natureza, muitos autores designam estes bens como colectivos. Se usarmos o critério subjectivo de quem fornece os bens ou presta os serviços, serão bens públicos os que são prestados ou fornecidos por entes públicos (farol, estradas nacionais, escolas públicas, hospitais públicos), serão bens privados os que são fornecidos por entes privados (a generalidade dos bens que estão no mercado). (e) factores de produção - A expressão factores de produção designa o conjunto dos diversos bens e serviços que permitem realizar a actividade produtiva. Os factores de produção são: a terra ou os recursos

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naturais, compreendendo os minérios objecto das indústrias extractivas; o capital, que corresponde a um conjunto de bens e serviços (equipamentos e stocks) que constituem a base da actividade produtiva (capital físico) e de recursos financeiros que garantem o investimento reprodutivo (capital financeiro); e o trabalho, que designa toda a actividade humana (hoje é cada vez mais importante este factor, que não considera apenas a força de trabalho mas também a qualificação e a formação, que leva a falar-se com crescente insistência de capital humano). Nos factores de produção, a que voltaremos, também se podem incluir elementos ligados à organização económica e ao enquadramento institucional. Alocação de recursos e fronteira de possibilidades de produção.Falámos já da exigência permanente de fazer escolhas, em virtude da escassez de bens e recursos. Como funciona, porém, na prática a alocação de recursos? As opções reportam-se a diversos bens e a diferentes necessidades. Considerando a limitação física dos recursos disponíveis, encontramos uma "fronteira de possibilidades de produção". Isto é, há um limite para além do qual não é possível produzir mais, numa situação de pleno emprego dos recursos produtivos. Comparemos a produção de bens agrícolas (p. ex. alimentos) e a produção de bens não agrícolas (p. ex. vestuário). Utilizando a totalidade dos recursos disponíveis (suponhamos uma população activa de 200 trabalhadores) poderemos produzir 8 toneladas de alimentos, nada produzindo de vestuário. No outro extremo, se produzirmos 50 mil unidades de vestuário nada produziremos de bens alimentares. A sociedade precisa, contudo, de se alimentar e de se vestir. Por isso vai distribuir os recursos pelas duas opções. Se apenas produzir 6 toneladas de alimentos já poderá produzir 20 mil unidades de vestuário. E se produzir 4 toneladas de alimentos poderá chegar a 35 mil unidades de vestuário. Por fim, se apenas produzir 2 toneladas de alimentos terá 45 mil unidades de vestuário. Temos uma representação gráfica expressa num curva côncava. E assim apenas poderemos fazer escolhas à esquerda dessa curva, utilizando ou não plenamente os recursos. Se não houver pleno emprego, poderemos produzir 4 toneladas de alimentos e 20 mil unidades de vestuário. Mas não poderemos produzir 4 toneladas de alimentos e 45 mil unidades de vestuário, uma vez que o ponto definido por essa situação se encontra já fora da fronteira de possibilidades. As respostas dos sistemas económicos (critério de W. Sombart: forma, substância e espírito).Designam-se como sistemas as "formas típicas e globais de organização e funcionamento da economia baseadas em certo número de princípios fundamentais que regem economias como estruturas concretas". As tipologias dos sistemas concretos, adoptamos a de Werner Sombart para quem o que caracteriza um sistema económico concreto são: as instituições fundamentais da vida económica e social (forma); a técnica dominante de produção (substância) e o móbil típico que domina o comportamento dos sujeitos económicos (espírito).Os principais tipos de sistemas concretos, numa perspectiva histórica são: a) Economia dominial - é um sistema económico dominado por formas de produção extremamente rudimentares quanto à técnica utilizada muito dependentes da agricultura, da pecuária e da pesca (com os subtipos de economia tribal e de economia feudal); (b) Economia urbana-nacional - aqui a actividade comercial das cidades torna-se progressivamente mais importante. Enquanto nas economias dominiais o princípio orientador da actividade económica é o da direcção central pelo suberano, na economia urbana tende-se para uma actividade económica livre. Centrado nas cidades, quer na versão greco-latina, quer na versão medieval, o sistema torna-se nacional e depois internacional nos alvores do Renascimento e no período dos Descobrimentos; c) Economia capitalista - A revolução industrial do século XVIII, vai alterar profundamente a organização económica e os mercados. O sistema capitalista ou de mercado é o mais antigo da sociedade industrial, tendo as seguintes características: o mercado, a empresa e o capital, a iniciativa e a propriedade privadas constituem a forma do sistema, uma técnica evoluída e dinâmica na produção constitui a substância, o espírito de ganho, em especial na forma de lucro, constitui o móbil (espírito); d) Economia socialista (colectivista) - os sistemas socialistas ou de direcção central caracterizam-se essencialmente por três traços: a apropriação pública dos meios de produção, com desaparecimento tendencial da iniciativa privada capitalista, e gestão administrativa da economia (forma); a actividade económica subordinada ao plano e subtraída, em princípio, às leis do mercado (substância); motivações ideais de igualdade, solidariedade social, disciplina e bem-estar colectivo (espírito).

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Economias de mercado.O sistema das economias de mercado assenta essencialmente na iniciativa individual. Cada agente económico (consumidor, produtor, detentor de recursos) é chamado a decidir sobre o que vai consumir, produzir ou utilizar e como. Os consumidores adquirem os bens e serviços que desejam, segundo as suas preferências subjectivas e no limite dos meios de que dispõem. Os produtores fornecem os bens e serviços que consideram desejável produzir, mobilizando os factores de produção que consideram adequados, tendo em conta as necessidades técnicas. Os detentores de recursos decidem livremente sobre a utilização dos empregos e dos factores disponíveis. O mercado é o lugar onde se encontram os diferentes agentes económicos e a regra do jogo é a da troca - cada agente apenas obtém aquilo que compra mediante uma contrapartida aceite por quem vende. Essa contrapartida é expressa em unidades monetárias e designa-se por preço. Os mercados são essencialmente de dois tipos: mercados de produtos, no qual se encontram Famílias (consumidores) e Empresas (produtores) e no qual se trocam bens e serviços finais; e mercados de factores, onde se oferecem e procuram os recursos indispensáveis à actividade produtiva (terra, recursos naturais, trabalho e capital). No quadro institucional, as economias de mercado caracterizam-se pelo reconhecimento: do direito à propriedade individual, a liberdade de contratar e de trocar, a liberdade de trabalho e a livre iniciativa empresarial. Economias de direcção central.O sistema das economias de direcção central baseia-se na existência de uma autoridade política que decide sobre a alocação de recursos com vista à satisfação de necessidades. Este dirigismo colectivista teve raízes fortemente ideológicas no materialismo dialéctico e numa concepção de processo histórico que conduziria a uma sociedade terminal em que cada um receberia de acordo com as suas necessidades. Para conduzir a sociedade nesse sentido haveria que organizar transitoriamente a sociedade como "ditadura do proletariado". Uma autoridade coordenadora decide, em regra, sobre as principais actividades económicas. Os consumidores adquirem os bens e os serviços que lhes permitem adquirir. Os produtores fornecem os bens e serviços e recorrem aos factores de produção segundo a planificação. Os recursos são propriedade da autoridade coordenadora. Através da planificação definem-se os objectivos de produção e consumo - numa lógica em que o Estado dirige toda a economia. A organização da produção está nas mãos de funcionários e não de empresários, a livre contratualização entre sujeitos económicos é substituída por procedimentos administrativos que asseguram a execução do Plano, o Estado é o principal proprietário de recursos e factores de produção, não fazendo sentido dar aos sujeitos individuais direitos exclusivos sobre os bens económicos, uma vez que essa função é confiada à autoridade planificadora. Os acontecimentos na União Soviética no final dos anos oitenta (glanost, perestroika) e o fim da guerra-fria (1989) puseram em causa este sistema… Economias mistas - os modelos renano e anglo-saxónico.A necessidade de responder às dificuldades práticas postas pela predominância de mecanismos espontâneos de regulação ou de mecanismos dirigistas no tocante à satisfação das necessidades nas sociedades contemporâneas, bem como a exigência de definir e concretizar estratégias visando contrariar a grave depressão económica originada pela crise americana de 1929 e o sucesso das políticas públicas postas em prática aquando da reconstrução da economia europeia depois dos efeitos devastadores da grande guerra - conduziram as sociedades modernas à adopção de soluções mistas. As soluções mistas aceitam os pontos fundamentais da economia de mercado, atribuindo, porém, ao Estado funções de regulador e de prestador de serviços públicos, em nome da coesão social e da solidariedade. O Estado não surge, assim, como planificador e dirigista ou como produtor, mas sim como catalisador de iniciativas. Nos sistemas de economia mista a liberdade das escolhas individuais é reconhecida como principal motor da actividade económica. Deste modo, a forma e a substância das economias mistas são muito próximos da economia de mercado - apenas se distinguindo o espírito, que se repercute na existência de instrumentos públicos de racionalização, gerando a necessidade de equilíbrio entre a autoridade pública e a liberdade individual. Enquanto nos USA se privilegiam as dinâmica de mercado, nos países europeus prevalecem as economias organizadas em função da concertação e do diálogo sociais. Na Europa podemos, contudo, encontrar leituras diferentes do modelo europeu de

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economia social de mercado. Estamos perante os modelos renano e anglo-saxónico. O primeiro é praticado por países como a França, a Alemanha, os países do Benelux e os países escandinavos. O modelo renano dá prioridade ao sucesso colectivo, ao consenso e ao diálogo sociais e a perspectivas de médio e longo prazos. Enquanto o modelo anglo-saxónico dá mais importância ao sucesso individual, ao espírito de iniciativa e à livre concorrência. Ambos os modelos estão hoje confrontados com a crise do Estado-providência inerente ao seu custo excessivo e ao desequilíbrio entre a população não activa (que recebe reformas e outros apoios sociais), cada vez mais numerosa, e a população activa (que cria riqueza e paga impostos, taxas e contribuições sociais), registando uma tendência decrescente. Todavia, a dualidade social e a exclusão persistentes no modelo anglo-saxónico pesam significativamente. Neste sentido, as economias mistas contemporâneas vêem-se confrontadas com factores de incerteza, bem patentes nos riscos da progressão intensa e rápida da produção e do consumo, do endividamento das famílias, das empresas e do sector financeiro, dos fenómenos de fragmentação social e de exclusão, bem como nas dificuldades resultantes da necessidade de limitar despesas públicas até pelas limitações inerentes aos sistemas fiscais. Intervenção do Estado e regulação económica.Importa analisarmos quais as razões que levam o Estado a intervir na vida económica e quais as limitações a essa forma de acção. Já vimos que há determinadas funções e determinado tipo de bens (públicos ou colectivos) que determina a actuação do Estado, para fornecer ou prover bens ou serviços que os particulares não estarão interessados em prestar. Vejamos como tal ocorre.

• Falhas de mercado.São as seguintes as causas de incapacidades de mercado:(a) bens colectivos – São aqueles cuja utilização por uma pessoa não prejudica minimamente a utilização por qualquer outra (farol, defesa nacional, patrulha costeira), não permitindo que o mercado funcione relativamente a eles. (b) custos decrescentes e efeito de monopólio - A actividade produtiva permite que até um determinado ponto óptimo de combinações de factores seja possível reduzir os custos, no entanto, a partir desse ponto, os custos são crescentes. Essa tendência leva à concentração de empresas com vista a conseguir pelo efeito monopólio garantir que os custos sejam decrescentes, o que gera ineficiência e prejudica os consumidores - pelo o Estado é chamado a intervir para restabelecer a concorrência. (c) exterioridades e a actividade pública - A actividade económica determina a existência de utilidades externas (benefícios resultantes de comportamento alheio) ou desutilidades externas (custos resultantes de comportamento alheio). Quando uma auto-estrada beneficia uma povoação há uma utilidade externa. Quando a poluição prejudica uma comunidade há uma desutilidade externa. O Estado intervém nestes casos para corrigir ou compensar (por exemplo, através de tributação) estas situações, socializando a exterioridade. (d) incerteza e risco na actividade económica - Há casos em que os riscos inerentes á vida em sociedade não podem ser cobertos pelo mercado - como as reformas, a doença, a invalidez ou a velhice, tornando-se necessário que o Estado cubra tais riscos através dos sistemas de Segurança Social. (e) políticas globais de estabilidade e crescimento - O equilíbrio macro-económico ou a redistribuição de rendimentos não são passíveis de uma mera acomodação espontânea dos mercados, pelo que também neste caso o Estado é chamado a intervir para suprir mais esta incapacidade.

• Falhas de intervenção.A propósito das economias de direcção central, se o mercado revela incapacidades, também a intervenção pública as apresenta. Antes de tudo, importa referir as desutilidades inerentes ao centralismo nas decisões, bem como o facto de a lógica exclusivamente pública não favorecer o efeito inovador da concorrência e da competitividade - prevalecendo factores de ineficiência e de desperdício. Por outro lado, a tentação de proteger os agentes económicos (proteccionismo), de programar a evolução económica, de definir preços administrados não tem em consideração importantes elementos que a livre iniciativa e o normal funcionamento do mercado melhor compreende, no tocante aos comportamentos dinâmicos dos produtores e dos consumidores. A intervenção do Estado não deve, por isso, perder de vista a lógica do mercado. A autoregulação do mercado e a heteroregulação pública completam-se, portanto.

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• Equidade e eficiência.Ao falarmos da Economia temos bem presente que a satisfação de necessidades da comunidade e a realização de escolhas para garantir a melhor afectação de bens e serviços aos fins que temos em vista estão sempre condicionadas por dois pólos que determinam a compreensão dos fenómenos económicos. Referimo-nos à equidade e à eficiência - ou seja, à indispensável distribuição equilibrada de recursos entre os sujeitos económicos com base em critérios de justiça, de modo que haja coesão social e que a comunidade se mantenha a partir da confiança entre os seus membros, de um lado; e à capacidade de a comunidade alcançar os melhores resultados, com menores custos e maiores benefícios, por outro. Uma economia apenas poderá alcançar plenamente as suas finalidades se souber ligar estes dois elementos - não basta procurar a justiça na redistribuição de recursos e rendimentos (através de um sistema fiscal justo), nem desejar obter os maiores ganhos (através da produtividade, da competição e da concorrência), é necessário ligar os resultados nos dois domínios. As escolhas económicas têm sempre em mente a conciliação dos dois pólos. Cria-se riqueza para melhorar o bem-estar e a dignidade das pessoas, garante-se a justiça social a partir de uma melhor utilização dos recursos disponíveis. Essa harmonização tem de ser feita através de uma adequada complementaridade e equilíbrio entre o funcionamento dos mercados e a intervenção do Estado. Produtividade, competitividade e concorrência.A decisão económica, a afectação de recursos à satisfação de necessidades, as trocas, a relação entre produtores e consumidores, a eficiência e a equidade conduzem-nos à necessidade de sabermos quais os resultados da acção dos sujeitos económicos. Daí termos de estabelecer a relação entre certa quantidade de produtos e a quantidade de um ou mais factores indispensáveis para a respectiva produção - a que chamamos índice de produtividade. Há uma preocupação evidente de medir os fenómenos da produção. Apesar de tudo, a produtividade encerra o perigo de conduzir à imprecisão ou à confusão, sobretudo quando se fazem comparações - envolvendo empresas, sectores e a economia nacional. Poderá considerar-se a totalidade dos factores de produção ou apenas alguns (capital, trabalho). Do que se trata, porém, é de saber qual a relação entre a produção total e as combinações dos factores de produção… Afinal, podemos comparar taxas de crescimento, mas temos de considerar também o contributo dos factores de produção para essa evolução. A eficiência dependerá dessa melhor utilização dos factores de produção. Os diferentes sujeitos económicos, os diversos sectores e países confrontam-se uns com os outros. Há a competição inerente à exigência de satisfação de necessidades na melhor relação de custos e benefícios. Os que apresentarem melhores condições serão mais competitivos (tecnologias disponíveis, qualificações dos trabalhadores, qualidade dos produtos). E nestas comparações teremos um retrato da concorrência, que deverá respeitar determinadas regras, a fim de que todos estejam em igualdade de circunstâncias. Eis porque é importante a comparação e o uso do método quantitativo, através das estatísticas. No entanto, mais importante do que a referência quantitativa é a da análise qualitativa da evolução das economias que nos leva do conceito de crescimento ao conceito de desenvolvimento económico e social… Economia e Direito.A Ciência Económica e a Ciência do Direito estudam fenómenos da sociedade humana - é a mesma realidade social que está em causa. Se Stuart Mill apontava para a necessidade do economista não se ater apenas ao estudo dos fenómenos económicos isoladamente, também o jurista terá de estudar os fenómenos jurídicos em estreita ligação com o funcionamento da sociedade, como realidade diversificada e complexa. Quer para o jurista quer para o economista a economia e a sociedade estão em ligação próxima e os actores sociais vivem imersos nesse contacto directo. A ordem social e a ordem jurídica desenvolvem-se tendo em conta a satisfação de necessidades e a afectação de recursos para a garantir. O dever ser exige a compreensão exacta do modo como o ser e o ter se configuram. Estudar o Direito Civil, e neste os direitos reais ou o direito das obrigações, pressupõe que conheçamos a realidade económica que está subjacente à posse das coisas ou ao direito de propriedade ou que determina a celebração de um contrato de mútuo ou de compra e venda. O mesmo se diga no Direito da Economia ou no Direito Comunitário quando se estudam as regras da concorrência.François Perroux falava das relações entre a economia e a sociedade, a partir dos conceitos de troca, de coacção e de dom. Ora, o Direito tem exactamente como preocupações

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fundamentais as ligadas à noção de sinalagma e de troca - a partir da relação entre direitos e obrigações -, à noção de coacção e de coercibilidade, para garantir a aplicação da lei e à noção de gratuitidade ou de dom, bem evidente quando se trata dos direitos fundamentais, deveres, liberdades e garantias. Neste sentido, o estudo da Economia Política num curso de Direito é fundamental, não como realidade excêntrica ou marginal, mas como tema crucial para a compreensão do fenómeno jurídico e da sua hermenêutica, até para se entender o cerne da feitura das leis e da interpretação da norma jurídica, como devendo ligar sempre valores e factos económico-sociais. Aliás, os últimos anos têm conhecido, num dos aspectos específicos desta relação, um grande desenvolvimento da análise económica dos fenómenos ligados ao Direito - law and economics - como precioso auxiliar de jure condito e de jure condendo. II - Trocas e Interdependência económica. A divisão do trabalho.A mobilidade e a interdependência são características da economia contemporânea. Os bens de que precisamos são produzidos muitas vezes bem longe de onde se encontram os consumidores. A iniciativa económica vai ao encontro das regiões ou dos países onde tenha melhores condições na relação entre custos e benefícios. As fronteiras abriram-se, criaram-se espaços integrados (como a União Europeia ou o Mercosul), a Organização Mundial do Comércio pugna contra novas formas de proteccionismo e de limitação da concorrência. A moderna ciência económica preocupa-se cada vez mais em demonstrar que o funcionamento das economias, sejam internacionais sejam nacionais, depende do desenvolvimento da liberdade de circulação e de troca, e da complementaridade entre o mercado e instrumentos de regulação, que permitam à livre concorrência funcionar com eficiência e equidade. A divisão do trabalho ou a partilha de tarefas no seio de uma sociedade verifica-se hoje não apenas no plano nacional ou local, mas cada vez mais no contexto global. Fala-se, por isso, de mundialização ou de globalização. Os agentes económicos tomam decisões considerando o mercado concreto que visam fornecer e os sujeitos económicos interessados em satisfazer as suas necessidades através dos bens e serviços que lhes são fornecidos. Assim, muitos milhares de agentes interagem e coordenam as actividades no mercado, transportando para ele os seus interesses e expectativas. Há, assim, necessidades diversas, bens e serviços diferentes e a procura das melhores condições para a satisfação das necessidades. Recordamo-nos, de novo, do circuito económico. Aí as famílias vão adequar os seus hábitos de consumo às condições concretas do mercado (p. ex. de bens alimentares ou de electrodomésticos). Por outro lado, as empresas vão-se especializar de modo a satisfazerem da melhor maneira os consumidores das famílias que estão no mercado. A ideia de comércio livre liga-se à troca de bens e serviços sem limitações ou constrangimentos, procurando-se que todos ganhem com as trocas que realizam. Na prática, porém, não é isso que acontece, uma vez que há incapacidades no mercado e há informação imperfeita. A globalização e os seus limites.No mundo contemporâneo, a divisão do trabalho pressupõe que haja especialização. Essa especialização leva as economias a organizarem-se de modo a que todos os intervenientes no mercado obtenham benefícios. Todos colaboram no mercado quando estão convencidos de que as trocas lhes são vantajosas. Para tanto é indispensável haver informação completa e que os diferentes agentes económicos estejam em pé de igualdade. É preciso, porém, saber se, para obter a informação completa sobre o mercado, os custos necessários não são superiores aos ganhos esperados com as trocas. É preciso haver confiança no mercado para que este funcione. E essa confiança traduz-se na expectativa sobre o funcionamento equilibrado e justo do mercado. A globalização decorre da abertura dos mercados e das fronteiras, mas também envolve a tendência para a concentração das iniciativas e das empresas, considerando o limiar a partir do qual os custos recomeçam a ser crescentes. Por outro lado, as disparidades na distribuição de rendimentos nos mercados mundiais e o agravamento das desigualdades põe em xeque o funcionamento justo e equilibrado dos mercados mundiais. Basta recordar que o rendimento por cabeça dos 20 países mais ricos do mundo é cerca de quarenta vezes superior ao rendimento por cabeça dos 20 países mais pobres. E há 40 anos essa relação era de vinte vezes. Confiança e equilíbrio.

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A racionalidade nas trocas reclama que todos os agentes em presença tenham benefício. Mas não é necessário que todos tenham um benefício de igual montante. Há, no mercado, na maior parte dos casos, uma situação de insatisfação relativa por parte de algum dos intervenientes. No entanto, há equilíbrio se todos obtiverem alguma satisfação, ainda que parcial. Uma troca justa não exige que haja equivalência de resultados - é preciso, sim, que não haja desaparecimento de benefício para alguém. A maior parte das trocas envolve, porém, uma margem de risco quanto ao valor do bem ou do serviço transaccionado. É indispensável, por isso, que haja por parte dos agentes económicos confiança no bom funcionamento do mercado e condições que impeçam que os custos inerentes à necessidade de obter a informação necessária a uma transacção equilibrada não anulem os benefícios esperados e desejáveis. Considerando as vantagens possíveis e as preferências dos intervenientes no mercado visa-se, no fundo, garantir que essas se possam equilibrar ou compensar, mesmo que se saiba que pode haver uma insatisfação relativa em face das expectativas alimentadas ex ante. Importa, assim, referir os axiomas das preferências que condicionam o equilíbrio referido. Axioma da comparação - entre dois conjuntos de bens ou se prefere um a outro ou se considera que são equivalentes, havendo neste caso equilíbrio na troca e indiferença na escolha. Axioma da transitividade - na comparação entre três conjuntos de bens, se A é preferido ou indiferente em relação a B e se B é preferido ou indiferente em relação a C, então A é preferido ou indiferente relativamente a B. Axioma da dominância - entre dois conjuntos de bens, em que um tem maior quantidade do que outro, é preferido o que apresenta maior quantidade. Axioma da substituição - se um dos conjuntos é preferido em relação a outro, é possível torná-los equivalentes, compensando o excesso de um relativamente ao outro. Vantagens absolutas e comparativas. Na especialização, temos de saber qual a posição que cada um ocupa no mercado onde se realizam as trocas, de modo a saber quem tem vantagem. Trata-se de saber o que é que cada um vai produzir em excesso relativamente às suas necessidades, para poder trocar com outros, de modo a obter bens e serviços não produzidos por ele em troca daquele excedente. A esta vantagem chama-se absoluta. O agricultor vai com o excedente que obtém na produção de trigo poder trocá-lo pelo excedente de peixe obtido pelo pescador. É certo que o pescador poderia produzir trigo nas horas vagas no seu quintal ou que o agricultor poderia comprar um pequeno barco para pescar aos domingos, mas ambas as soluções são menos eficientes do que a troca de excedentes. E essa troca dá eficácia à divisão do trabalho. A especialização e as vantagens absolutas melhoram os resultados se pensarmos na inovação científica e tecnológica , que caracteriza o nosso tempo. Dispor de uma vantagem absoluta é conseguir o máximo de produtividade ao menor custo possível. David Ricardo (1772-1823) analisou a questão da especialização nestes termos: a Grã-Bretanha poderia entrar em relações comerciais com Portugal na permuta de vinho e lã, apesar de em ambos os casos haver vantagem absoluta dos produtos portugueses. A solução estaria em que cada um se especializasse na sua vantagem - produzindo os britânicos lã e os portugueses vinho. Estamos, deste modo, perante o conceito de vantagem comparativa. A escassez determina que mesmo o que tem vantagens absolutas em ambas as actividades não pode dedicar-se a ambas senão parcialmente. A eficiência obriga aí à especialização com base na vantagem relativa. O que vai orientar as opções racionais dos diferentes agentes económicos são os custos de oportunidade - o tempo gasto na actividade menos produtiva é roubado à actividade mais produtiva, e vice-versa. Assim, a opção pela actividade menos produtiva é a que tem mais elevados custos de oportunidade e a escolha pela actividade mais produtiva é a que tem custos mais baixos. O custo de oportunidade corresponde à quantidade de produção de um bem que é preciso abandonar para se alcançar a produção de mais uma unidade de outro bem alternativo. Se o agricultor adquire 1 tonelada de sardinhas por troca com 1 tonelada de trigo, fica a ganhar porque se ele próprio tivesse pescado 1 tonelada de sardinhas isso ter-lhe-ia custado o sacrifício de 1,5 toneladas de trigo; o pescador se tivesse produzido 1 tonelada de trigo isso ter-lhe-ia custado 2 toneladas de sardinha. Ambos ganharam, pois, com a especialização e a troca. Fontes das vantagens comparativas(a) dotações naturais - Começamos por referir as qualidades inerentes à natureza - o território rico em minérios ou a plataforma marítima rica em pescado. Fixemos num exemplo concreto: a Noruega era um dos países mais pobres da Europa, no início do século XIX. Em virtude de ter recursos naturais diminutos e de

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possuir condições climatéricas muito adversas. No século XIX a Igreja Reformada Luterana fez uma forte aposta na educação de todos, homens e mulheres e já no século XX foram descobertos poços de petróleo no Mar do Norte que permitiram àquele país, extremamente pobre em dotações naturais, alterar radicalmente a sua situação nesse domínio. Na actividade económica a desigualdade nas dotações naturais não é, assim, uma fatalidade irremediável, pode ser uma oportunidade de partilha e de enriquecimento. Veja-se o caso de Portugal, impulsionado para a Expansão marítima, em virtude da pobreza do território continental em ouro e trigo.(b) dotações adquiridas - Continuando no caso da Noruega, verificamos que, ao longo do século XIX, para compensar as carências extremas nas dotações naturais, o País investiu fortemente em infra-estruturas e em unidades de produção com vista a alcançar níveis melhores de desenvolvimento e de bem-estar. Temos, pois, que, para compensar, as dificuldades naturais, há uma decisão político-económica no sentido de obter capacidades adquiridas. A opção entre o consumo e o investimento não é, assim, indiferente. Para apurar as vantagens comparativas, importa sempre partir da complementaridade entre as dotações naturais e as dotações adquiridas.(c) capital humano - Ainda no caso norueguês, temos que, como dissemos, num esforço concertado entre o Estado e a Igreja Reformada Luterana, ao longo do século XIX, houve um investimento excepcional na qualificação das pessoas e na escolarização. Essa aposta de índole qualitativa teve efeitos extremamente importantes. A educação, a formação, a tradição de conhecimentos, as aptidões técnicas constituem opções decisivas para o desenvolvimento económico e social. Os progressos qualitativos em "capital humano" permitem a uma sociedade aproveitar melhor os recursos disponíveis, beneficiar da evolução da ciência e das tecnologias, competir melhor e garantir maior produtividade.(d) especialização - O aperfeiçoamento designadamente tendo em conta um bom aproveitamento das inovações tecnológicas, permite obter significativas vantagens comparativas. Importa, porém, assinalar que a especialização apenas poderá ser um factor duradouro de vantagem se não se limitar a aproveitar condições que poderão transformar-se em elementos de efeito negativo e reversível (mão de obra barata, opções rotineiras, desumanização). A dimensão do mercado é um elemento importante a ter em consideração, de modo a permitir a sustentabilidade de determinadas opções de especialização que deixam de fazer sentido para mercados de pequena dimensão e de configuração.(e) custos de interdependência - A inserção numa sociedade dominada pela interdependência e pelo progresso técnico dos agentes económicos determina que haja obrigações e custos inerentes ao nível de desenvolvimento atingido. Tais custos determinam que, num contexto de mundialização, as vantagens comparativas têm de considerar os efeitos positivos e negativos da interdependência.. Se é verdade que há o efeito positivo da dimensão do mercado e o permanente estímulo para o progresso, não é menos certo que a pressão da comparação e da competitividade, bem como a comparação com níveis mais exigentes de desenvolvimento. À medida que a interdependência avança, mais difícil é regredir na lógica do consumo e da satisfação de novas necessidades. Se uma pessoa quiser bastar-se a si própria, dependendo o mínimo possível dos outros, terá de prescindir de todas as vantagens da vida civilizada - e isso será cada vez mais penoso à medida que os níveis de complementaridade avançam.(f) livre-cambismo e proteccionismo - As economias abertas e as economias fechadas em regime de autarcia vêem-se em confronto perante os desafios da mundialização e da interdependência. As tendência mais recentes apontampara a abertura de fronteiras, para a criação de espaços integrados regionais e para a consolidação das economias abertas, havendo, porém, focos proteccionistas contra os quais se tem batido a Organização Mundial de Comércio. O livre-cambismo (liberdade de circulação de bens) e o proteccionismo (defesa de um espaço económico) tendem a dar lugar a uma economia mundialglobalizada, mas sujeita a novos mecanismos de "world governance", que permitam a regulação dos mercados mundiais, numa perspectiva de equidade, eficiência e justiça. O doux commerce (Montesquieu) não permite, só por si, uma regulação espontânea dos mercados e a atenuação do fosso enorme entre os países desenvolvidos e não desenvolvidos. III - Os preços e a sua formação. Oferta e procura. O mercado.O mercado é o lugar, real ou imaginário, de encontro da procura e da oferta relativamente a um ou mais produtos. A procura é a quantidade de um bem que os compradores estão dispostos a adquirir. A oferta é

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a quantidade de um bem posta à venda num mercado. O mercado começou por ser um lugar físico - o adro da igreja ou a rua direita - onde se efectuavam as transacções, incidindo sobre um produto ou um grupo de produtos. Se nos lembrarmos das nossas aldeias, recordamos o lugar onde se realizava o comércio de animais, de alimentos ou de alfaias agrícolas, em dias certos do mês ou da semana. Com a evolução dos fenómenos económicos, o mercado passou a ser o lugar ideal de confronto entre a oferta e a procura dos bens ou dos serviços. Tal confronto determina o preço e o volume das transacções. Considerando que a procura diminui quando o preço aumenta e que a oferta aumenta quando o preço aumenta, a determinação do preço e da quantidade ocorre como se estivéssemos num leilão imaginário. Recordem-se os exemplos da lota do peixe, na qual o pregoeiro proclama a escala dos preços, no sentido decrescente, ou do leilão de antiguidades, em que a ordem de licitações é crescente. Por aproximações sucessivas, representadas nos lances dos intervenientes, chega-se a um ponto de equilíbrio, em que vendedores e consumidores estão de acordo sobre preço a pagar e sobre a quantidade dos bens ou dos serviços que desejam comprar e vender, respectivamente. Quer o comprador quer o vendedor têm de ceder alguma coisa relativamente à situação ideal – já que quem vende deseja obter o maior preço e quem compra deseja que a transacção seja a mais barata possível. Jean-Baptiste Say (1767-1832), na linha do pensamento clássico de Adam Smith, baseando toda a sua análise na lógica da liberdade de comércio, entendia que "os produtos se trocam por outros produtos, sendo a moeda um simples intermediário das trocas". O conhecimento da complexidade dos fenómenos económicos leva-nos hoje a entender diversamente, já que a moeda desempenha um papel mais importante do que pode parecer à primeira vista. Noção de preço. Elasticidade e preços.Preço é o valor de um bem ou de um serviço expresso em unidades monetárias. O preço constitui uma característica essencial de um bem económico, pois vai sinalizar a respectiva importância para os agentes económicos. Esse termo de comparação permite sabermos que quantidade de outros bens equivale ao bem que temos em vista. Estamos então perante o que alguns designam como o preço relativo, noção tanto mais importante quanto é certo que as trocas e as escolhas económicas obrigam a que, permanentemente, sejamos levados a comparar e a optar. Mas se considerarmos o valor absoluto desse bem em unidades monetárias, estamos a reportar-nos a uma noção intrínseca, que tem a ver com o respectivo custo, isto é, com o sacrifício que é indispensável fazer para que um bem económico se torne útil. A determinação do preço dos diferentes bens nas economias abertas realiza-se no quadro do mercado e do leilão imaginário a que aludimos, dependendo:(a) do custo de produção, ou seja, do preço e da quantidade dos outros bens e do trabalho necessário à sua produção - o que nos conduz aos factores de produção, já analisados; (b) da intensidade das necessidades em causa, que explicam a função procura; e (c) da forma do mercado - uma vez que não é indiferente estarmos em situação de concorrência, em oligopólio ou em monopólio. As variações do preço obedecem à intensidade dos fenómenos que as determinam - o encontro da procura e da oferta, os custos de produção e o facto de haver ou não concorrência perfeita. Verificamos, no entanto, que só excepcionalmente há total liberdade na formação dos preços. Normalmente, há limitações à influência dos diferentes sujeitos económicos, os quais não detêm toda a informação… Para a formação dos preços e para compreendermos o funcionamento do leilão imaginário que tem lugar num mercado temos de recorrer ao conceito de elasticidade. Elasticidade é a relação que se estabelece entre as variações absolutas ou relativas de dois fenómenos económicos. Comecemos por referir, sucintamente, a elasticidade procura/preço, que nos permite entender como evoluem os comportamentos dos sujeitos económicos no mercado, tendo em consideração as repercussões mútuas na evolução da procura e dos preços. A elasticidade representa uma proporcionalidade, na medida em que relaciona a quantidade procurada ou oferecida com o preço do bem. Pode acontecer que, face a um aumento do preço de um bem, a procura aumente menos que proporcionalmente, diminua ou até mesmo se mantenha constante. Assim, a elasticidade da procura de um bem relativamente ao seu preço calcula-se como a relação entre a variação em percentagem da quantidade procurada e a variação em percentagem de um preço. Assim: E = %q / %p. Vejamos as seguintes situações:(a) Situação perfeitamente inelástica. A variação do preço não provoca qualquer mudança na quantidade procurada. Assim: E=0 (q=0). Exemplos: sal, droga para os toxicodependentes.

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(b) Situação inelástica. A variação da quantidade procurada é inferior à mudança em percentagem do preço. Assim: E= 0,40 (q = 10%; p = 25%). Exemplo: gasolina.(c) Elasticidade unitária. A variação em percentagem da quantidade procurada é exactamente igual à percentagem de alteração do preço. Assim: E= 1 (q = 25%; p = 25%). Exemplo: bens alimentares. (d) Situação elástica. A variação em percentagem da quantidade procurada é superior à variação em percentagem do preço. Assim: E = 2 (q = 50%; p = 25%). Exemplos: jornais.(e) Situação perfeitamente elástica. A variação em percentagem da quantidade procurada que se segue a uma alteração de preço apresenta-se como infinita. Assim: E= (q = infinito). Exemplos: a generalidade dos bens, relativamente aos quais há diferentes oportunidades de escolha.Importa ainda referir que a quantidade procurada de um bem depende não apenas do seu preço, mas também do rendimento do consumidor. Assim a noção elasticidade pode ainda ser estudada relacionando a procura e o rendimento. Aí teremos a relação entre a variação em percentagem da quantidade procurada e a variação em percentagem do rendimento. Esta elasticidade é normalmente positiva, isto é, o crescimento do rendimento provoca um aumento do consumo. Falámos da situação dos chamados bens normais (sejam ou não de luxo). Normalmente o aumento da procura é menos do que proporcional ou proporcional ao aumento de rendimento. No caso dos bens de luxo o aumento da procura é mais do que proporcional ao aumento de rendimento. No caso dos bens inferiores o aumento da procura resulta numa diminuição do rendimento e vice-versa (elasticidade inferior a 0).A noção de elasticidade pode ser vista numa situação em que a procura de um bem depende não apenas do seu próprio preço, mas também dos preços dos outros bens. Nesse caso, com base nas escolhas do consumidor, compara-se as variações de preços de diversos bens. Chama-se elasticidade cruzada à relação entre a variação da quantidade de um produto e a variação do preço de outros produtos. Se os bens são substitutos entre si, a elasticidade cruzada é positiva. A subida de preços do vinho tende, por exemplo, a fazer aumentar a procura da cerveja. Note-se que no caso de bens substitutos perfeitos a diminuição do preço de um bem leva ao desaparecimento da procura de outro (elasticidade infinita) – como por exemplo no caso histórico da batata em relação à castanha. Diferentemente, se os bens são complementares, a quantidade procurada de um bem diminui se o preço de outro aumenta - a subida de preços das máquinas fotográficas repercute-se no mercado dos filmes, conduzindo a uma situação de elasticidade negativa (elasticidade menor que zero). Já no caso de bens independentes, a quantidade procurada de um bem não varia em função das variações de preço de outros.E relativamente à oferta? A inelasticidade absoluta (=0) ocorre quando a quantidade oferecida não varia com os preços. A inelasticidade (entre 0 e 1) verifica-se quando um aumento ou diminuição de preço leva a um aumento ou diminuição menos que proporcional das quantidades oferecidas. Na elasticidade unitária (=1) o aumento ou a diminuição do preço implica um aumento proporcional das quantidades oferecidas. Na elasticidade (entre 1 e infinito) o aumento ou diminuição do preço conduz a um aumento ou diminuição mais do que proporcional das quantidades oferecidas. Na elasticidade perfeita (infinita), a diminuição ou o aumento do preço induz o desaparecimento da oferta. Curvas da oferta e da procura. Cruz marshalliana. Excesso de oferta e de procura. Preço de equilíbrio. O confronto da oferta e da procura num mercado permite a fixação do preço e do volume das transacções. A procura diminui quando o preço aumenta, a ofertas aumenta quando o preço aumenta. Deste modo, a determinação do preço e da quantidade obedece à chamada “lei” da oferta e da procura e permite-nos encontrar graficamente o preço de equilíbrio. As curvas da procura e da oferta são construídas com base nas diferentes situações em que os compradores e os vendedores estão dispostos a adquirir ou a alienar os bens e serviços do mercado em causa. Existe um preço e uma quantidade transaccionada de equilíbrio que correspondem ao ponto onde a oferta e a procura se encontram. Este preço e esta quantidade são fundamentais na medida em que para tais valores tendem a representar as atitudes dos intervenientes no mercado. Assim, se um preço superior ao preço de equilíbrio for imposto ao mercado, isso significa que a oferta é superior à procura e logo os vendedores tenderão a baixar o seu preço - até, exactamente, ao ponto de equilíbrio. Compreende-se como o mercado se assemelha a uma balança de braços, a qual, estando afinada, tende para o equilíbrio, ainda que esteja sempre numa situação de relativa instabilidade. O excesso de oferta corresponde à diferença entre a menor quantidade que os compradores estão dispostos a comprar e a máxima quantidade que os produtores estão dispostos a fornecer. O excesso de procura

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corresponde à diferença entre a menor quantidade que os vendedores estão dispostos a vender e a maior quantidade que os compradores estão dispostos a comprar. A tendência verificada no encontro entre a procura e a oferta tende para o preço de equilíbrio, nos termos já analisados. Temos a quantidade de cenouras produzidas (milhares de toneladas por mês) e o preço expresso em dólares por tonelada. O preço de equilíbrio é de 60 U.S. dólares por tonelada, vendendo-se 80 mil toneladas de cenouras num mês. Alfred Marshall representou graficamente através de duas curvas - que designamos como cruz marshalliana - as funções da procura decrescente (a procura diminui quando os preços aumentam) e da oferta crescente (a oferta aumenta quando os preços aumentam). As duas curvas encontram-se num ponto de equilíbrio parcial. Enquanto para Léon Walras defensor de uma ideia de equilíbrio geral, as quantidades trocadas são função dos preços, para A. Marshall os preços são função das quantidades. O tempo (o curto e o médio prazos, os ciclos económicos) é fundamental na análise de Marshall, que assim abandonou a concepção de equilíbrio geral, para procurar basear-se num equilíbrio momentâneo e parcial, inteiramente relacionado com o período em causa. A cruz marshalliana representa a lei da oferta e da procura, traduzindo o encontro das respectivas curvas, devendo ser lida numa perspectiva interpretativa dinâmica - que influenciou decisivamente a moderna ciência económica. Fronteira das escolhas. Efeito de rendimento, efeito de substituição.A cada ponto de uma curva da procura individual corresponde um ponto de equilíbrio do comprador. A curva da procura do consumidor é decrescente – a procura diminui quando os preços aumentam e quando o preço baixa a quantidade aumenta. Todo o crescimento do consumidor conduz a um movimento. O crescimento do rendimento do consumidor conduz a um movimento para a direita das curvas da procura para os diferentes bens ou serviços. Toda a diminuição de rendimento, por seu turno, conduz a uma variação para a direita das curvas de procura dos diversos países. O equilíbrio do consumidor corresponde ao cabaz de bens preferido por este entre todos os que lhe são acessíveis no limite do seu orçamento. Temos de conhecer a fronteira das escolhas. Esta fronteira representa a limitação orçamental. A recta de restrição orçamental define o limite para as escolhas acessíveis e inacessíveis. Suponhamos um rendimento de 600 Euros - que permite a aquisição de 30 litros de vinho (a 10 Euros o litro) e de 20 litros de cerveja (a 15 Euros o litro) ou de 60 litros de vinho e 0 litros de cerveja ou ainda 40 litros de cerveja e 0 litros de vinho. Deste modo, não será possível comprar 30 litros de vinho mais 30 litros de cerveja, uma vez que então estaríamos fora da fronteira de escolhas acessíveis. Devemos ainda recordar a importância das preferências entre pares de bens - enquanto relação entre os bens sacrificados e os bens obtidos, correspondentes a um nível constante de satisfação de necessidades. No cabaz de bens aptos a satisfazerem as nossas necessidades, temos de equilibrar as escolhas entre bens alimentares e bebidas, dentro da fronteira de escolhas possíveis. Fala-se então da substituição de um bem por outro, em situação de indiferença. Vilfredo Pareto estudou o equilíbrio económico como uma correspondência entre as possibilidades e a satisfação das necessidades obtidas. O que determina a escolha de uma combinação de bens não depende apenas do critério da utilidade marginal destes, mas do facto dessa combinação estar dentro das possibilidades e ser preferível a quaisquer outras possíveis. As curvas de indiferença são a expressão gráfica das combinações de bens que proporcionam satisfações iguais de necessidades. As curvas de indiferença correspondem a níveis idênticos de rendimento e de bem-estar e não se cruzam. À medida que os rendimentos aumentam desenvolvem-se paralelamente à direita da curva donde partimos. Se os rendimentos diminuem, desenvolvem-se paralelamente à esquerda. São curvas convexas porque comparam produtos com custos de produção diferenciados. Em suma: o efeito de rendimento corresponde ao facto de a sensibilidade no mercado tender a aumentar se as limitações quanto aos recursos disponíveis dos sujeitos económicos forem atingidas. Assim, se houver um aumento de preços desacompanhado de um aumento do rendimento disponível o padrão normal de consumo excede as disponibilidades dos consumidores - obrigando-os a retrair-se nas suas compras, uma vez que têm de ter presente a fronteira de escolhas possíveis. Os consumidores serão então obrigados a sacrificar aquele padrão normal, restringindo os valores das quantidades consumidas - o que afecta o total consumido do bem ou do serviço, cujo preço aumentou. No caso de haver um aumento de rendimento, a fronteira de escolhas possíveis alarga-se, estamos perante uma nova curva de indiferença, e, de duas uma, ou os preços aumentam ou a oferta

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aumenta, havendo crescimento económico. No efeito de substituição a elasticidade tende a aumentar se o consumidor dispõe de alternativas, podendo fugir do aumento de preços de um bem, substituindo o respectivo consumo pelo consumo de bens sucedâneos, cujo preço não tenha sofrido aumento. IV - O papel do Estado na alocação de recursos Fundamentos da análise microeconómica do sector público.A melhor afectação dos recursos materiais à satisfação de necessidades resultará da liberdade na motivações dos agentes e do confronto livre dos seus interesses no mercado. Pressupõe-se que os preços se fixem pelo livre jogo da oferta e da procura, automaticamente no mercado. O mercado tende a optimizar a afectação dos recursos, mas não pode esquecer a satisfação geral de todos, com o melhor nível de utilidade possível, nas condições existentes e com os bens disponíveis. Há, no entanto, diversas limitações que obrigam a conceber uma complementaridade entre o mercado e os instrumentos de regulação pública. Tais limitações revelam-se quer do lado do mercado quer do lado do Estado. Já vimos as incapacidades do mercado, importa agora sistematizar as situações que exigem a regulação da economia por entes públicos: a desigualdade na distribuição da riqueza, a instabilidade no conjunto da economia e em sectores específicos (designadamente considerando as estações do ano e a instabilidade meteorológica), o custo crescente dos serviços públicos, as situações monopolísticas abundantes e crescentes, as actividades económicas que beneficiam ou prejudicam outras (exterioridades), a provisão inadequada de bens privados e públicos, a má distribuição de recursos entre o presente e o futuro . Não basta proceder a uma análise simplificada da realidade - ora privilegiando os mecanismos espontâneos de regulação, ora dando ênfase à heteroregulação ou à intervenção pública. Importa, analisar em concreto os efeitos de ambos os instrumentos - percebendo-se que o mercado apresenta incapacidades que têm de ser corrigidas ou superadas e que a intervenção pública tem efeitos perversos (ineficácia das estruturas centralistas, efeitos perversos da fixação de preços mínimos ou de controlo administrativo dos preços, risco de emergência do mercado negro perante excessos de intervenção pública). Daí que seja indispensável perceber qual a relação entre a utilidade dos bens públicos recebidos e a desutilidade inerente aos impostos pagos - de modo a saber se há ou não aumento de bem estar. Objectivos e modos da acção económica pública.Perante as incapacidades do mercado, temos de compreender a importância do papel do mais influente dos agentes do circuito económico - o Estado. A eficiência e a equidade funcionam como seus referenciais permanentes. Ao longo dos últimos dois séculos verificou-se uma tensão entre os que defendem uma concepção de Estado-mínimo (Estado guarda nocturno), que se limitaria a garantir o funcionamento do mercado, enquanto instrumento espontâneo de regulação económica, e os que, pelo contrário, apontam para um conceito de Estado-produtor, enquanto agente decisivo na orientação da vida económica. O século XIX foi dominado pelo primeiro conceito, numa lógica livre-cambista, mas as crises económicas do final do século e a ocorrência da grande depressão dos anos trinta do século XX, aliadas à emergência da 2ª revolução industrial e à produção de massa conduziram à emergência quer dos proteccionismos nacionais quer da criação do Estado social moderno, constituído em garante da cobertura dos riscos sociais e em factor de coesão e de emprego. A única receita eficaz contra a depressão passou, nas economias abertas, pela intervenção do Estado - a que acresceram os esforços excepcionais das economias de guerra (1914-18 e 1939-45) e da reconstrução da economia mundial depois da última conflagração mundial. Os chamados "trinta gloriosos anos" (1945-75) foram marcados na Europa pelo papel dos Estados nas economias abertas europeias. A longa recessão dos anos oitenta, após os choques petrolíferos, a crise dos Estados sociais, em virtude do peso crescente da população não activa, em razão da evolução demográfica, o fim do império soviético e a falência do modelo colectivista recoloca hoje o tema da intervenção do Estado - não fazendo já sentido o contraponto simplista entre Estado mínimo e Estado produtor. Hoje, tende a falar-se sobretudo de um Estado regulador, importando definir, com clareza, quais os respectivos objectivos presentes na acção económica pública. A regulação centra-se no primado da qualidade dos serviços públicos e na concretização do equilíbrio entre eficiência e equidade. Trata-se de garantir a coesão social, o equilíbrio entre interesses contraditórios, a defesa da concorrência nos mercados e a justa repartição de recursos. Incentivos e políticas públicas. Acção do Estado moderno.

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As políticas públicas deparam-se com evidentes limitações na sua eficiência. A ideia de que a intervenção do Estado deve basear-se no aperfeiçoamento de instrumentos susceptíveis de melhorar a concorrência e a competitividade do mercado, articulando-os como mecanismos de redistribuição de riqueza e de rendimentos, aponta para privilegiar-se meios indirectos que favoreçam uma melhor articulação entre a oferta e a procura. Daí a importância de usar instrumentos indirectos - incentivos e desincentivos, que permitam orientar os comportamentos dos sujeitos económicos, no sentido de favorecer situações próximas da concorrência perfeita, de contrariar a concentração de iniciativas, de recusar a economia subterrânea. O sistema fiscal pode ser usado como instrumento de incentivo à concorrência e à transparência – por exemplo, agravando a tributação sobre bens transaccionados através de off shores, desagravando a tributação de sociedades que façam investimentos em inovação tecnológica ou que privilegiem o capital humano, ou baixando a tributação sobre a aquisição de material informático etc.. Em lugar de intervenções directas ou do alargamento do campo de acção do sector público, as políticas públicas modernas abrem espaço à economia de mercado, sem esquecerem a concepção e aplicação de uma regulação pública eficaz preocupada com a coesão económica e social, com a justa repartição de recursos e com a eficiência económica. Na relação entre o poder político e a economia, temos, de um lado, a ordenação económica, através da qual o Estado define e executa padrões e quadros no âmbito dos quais vai desenvolver-se não só o comportamento dos entes públicos como o dos sujeitos económicos - desde a Constituição Económica à regulamentação pública da economia, passando pelas leis, e pela organização das instituições relevantes para a vida económica. De outro lado, temos a actuação económica, a intervenção económica e a direcção económica do Estado. Na actuação económica o Estado age por si próprio, como se fosse um qualquer sujeito económico privado, formulando escolhas e opções económicas, que não visam, porém, alterar os comportamentos de outros sujeitos económicos, devendo estar sempre pautadas pela defesa e salvaguarda do interesse público. Através da intervenção económica o Estado tenta modificar a forma natural como os agentes económicos actuariam, quer através das políticas económicas quer através de acções pontuais através das quais se pretende melhorar a eficiência económica. Na direcção económica, característica dos sistemas colectivistas o Estado modifica os quadros gerais da actividade económica, procurando substituir-se ao próprio mercado. Nas economias de mercado, apenas a ordenação, a actuação e a intervenção de Estado são compatíveis com a liberdade económica e a prevalência dos critérios de regulação ligados ao mercado. Redistribuição de recursos. Perda absoluta de bem-estar e impostos.Numa economia monetária cada pessoa procura distribuir o respectivo poder de compra, adquirindo bens ou serviços de modo a poder nivelar as satisfações marginais que lhe são proporcionadas pelo consumo. O bem-estar de cada um depende, pois, mais do rendimento que cada orienta para o consumo do que do rendimento que aufere. O bem-estar depende, assim, mais do aumento ou diminuição das satisfações obtidas do que do seu valor absoluto. A redistribuição de recursos revela-se uma importante tarefa do Estado, visando a coesão social, a eficiência e a equidade. Arthur C. Pigou aplicou critérios de bem-estar ao estudo da distribuição de recursos entre os sectores público e privado, partindo do princípio de que cada indivíduo recebe utilidades do consumo de bens públicos e que o pagamento de impostos para financiar esses bens é uma desutilidade. Assim, para cada sujeito económico, o ponto óptimo de oferta de bens públicos é aquele em que a utilidade marginal dos bens públicos é igual à desutilidade marginal do imposto - se pagasse mais impostos, a sua utilidade marginal implicaria mais sacrifício do que o benefício obtido através bens públicos (haveria perda absoluta de bem estar); se pagasse menos impostos, então a utilidade do último bem privado corresponderia à desutilidade marginal do bem público que obtinha. Este princípio aplicado a todos os indivíduos rege a afectação óptima dos recursos individuais entre bens privados e públicos. Até ao equilíbrio imposto/bem público, haverá interesse em pagar mais impostos; depois desse limiar só haverá interesse em receber menos bens públicos e em não pagar mais impostos. A distribuição da carga fiscal deve basear-se nos princípios de que os desiguais devem ser tratados desigualmente e que a redução das desigualdades aumenta o bem estar geral - daí que o sacrifício fiscal deva ser repartido de acordo com a capacidade de cada um para pagar e que as despesas devam ser usadas pelo Estado para redistribuir o bem-estar de forma igualitária. Regulação económica. Remissão.

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Estamos, em condições para percebermos que as incapacidades e as falhas de mercado se associam às incapacidades e falhas da intervenção, o que aponta, de modo claro, para a necessidade de encontrar novas formas de regulação económica - sobretudo considerando que à segunda revolução industrial caracterizada pela produção de massa e em larga escala se contrapõe hoje uma nova vaga de industrialização baseada fortemente na inovação científica e tecnológica e na capacidade para aprender mais e melhor. Daí falar-se cada vez mais de sociedade educativa e de economia do conhecimento. O Estado deixa de ser o Estado mínimo do século XIX e o Estado produtor do século XX para passar a ser o Estado regulador - capaz de ordenar a economia, de intervir supletivamente, de usar métodos indirectos de incentivo e desincentivo a determinados comportamentos ineficientes e iníquos e de garantir a concorrência equilibrada e justa. O Estado regulador e a economia de mercado completam-se, devendo o primeiro ser um catalisador de iniciativas e um factor de inovação e de desenvolvimento. V - A procura nos mercados concorrenciais Utilidade, eficiência e bem estar. Curva da procura e excedente do consumidor.A utilidade corresponde à susceptibilidade de um bem ou serviço satisfazer necessidades. Quando um comprador se dispõe a trocar um bem por outro fá-lo tendo em consideração as necessidades que visa satisfazer. A utilidade esperada de um bem ou serviço vai pesar decisivamente na concretização da troca e na atribuição de um valor ao bem ou serviço que se pretende adquirir. O consumidor e o produtor partem, porém, de considerações diferentes. Enquanto o produtor visa ressarcir o custo de produção e obter um lucro, o consumidor visa obter nas melhores condições de quantidade e preço o bem ou serviço que procura. De um lado, o produtor deseja poder vender mais, a um preço mais elevado, do outro, o comprador anseia por poder comprar mais quantidade a um preço mais baixo. Por força do mercado, ambos resignam-se à situação de equilíbrio.A eficiência no mercado corresponde ao equilíbrio global obtido no conjunto das trocas realizadas, ao bem-estar obtido pela comunidade, considerando os interesses conjugados dos produtores e dos consumidores bem como a coesão social, à sustentabilidade da actividade produtiva, enquanto criadora de riqueza, e ao nível de satisfação das necessidades por parte da procura. Nesse sentido, o mercado deve constituir o instrumento regra de regulação da economia - enquanto for o melhor factor de eficiência.A análise do bem-estar revela-se importante na ciência económica moderna, uma vez que é indispensável saber-se qual a repercussão prática para os sujeitos económicos individualmente considerados e para a comunidade da actividade económica, do funcionamento do mercado e do modo como as necessidades são satisfeitas. Como já vimos, o comprador só adquirirá o bem que deseja se entender que a troca em causa vale a pena. Se aquele que tiver de dar for mais do que compensado pelo benefício que lhe vem da aquisição e se o sacrifício efectivo ficar aquém do sacrifício que o sujeito admitiria fazer para ter acesso ao bem, então a transacção pode realizar-se. A curva descendente da procura é definida pelos diversos pontos correspondentes a uma utilidade decrescente e à correspondente disposição para pagar.O excedente do consumidor é, assim, a diferença entre a disposição de pagar o valor atribuído pelo consumidor a um bem, e aquilo que é efectivamente pago - é, pois, o montante líquido que corresponde ao acréscimo de bem-estar que o comprador obtém através das trocas. Para compreendermos melhor este conceito, importa, porém, atermo-nos ao conceito de utilidade marginal. Utilidade marginal e teoria marginalista. Em 1730 já Bernoulli tinha notado que o apreço dado por um sujeito económico a uma unidade de moeda era inversamente proporcional ao número das unidades de que dispunha. Só em meados do século XIX, porém, é que o conceito de utilidade marginal surgiu como fundamento de valor económico e como critério de apreciação da actividade económica em geral. Hermann HeinrichGossen escreveu a obra Exposição das leis nas relações humanas e das regras que delas derivam para as acções do Homem, que não foi bem recebida na sua época, na qual afirmava que seria preciso desfrutar da vida de tal modo que a soma das satisfações obtidas no decurso da existência atingisse o máximo. Esse seu credo utilitarista assenta na ideia de que desse modo se cumpriria a vontade do Criador. Para Gossen:(a) A intensidade de uma dada satisfação, à medida que se prolonga no tempo, vai diminuindo até à saciedade;

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(b) O sujeito económico pode escolher entre várias satisfações, mas não tem a possibilidade de as alcançar todas de uma maneira completa; por isso, ainda que possa haver grandes diferenças absolutas, para alcançar o máximo possível de satisfação tem de as desfrutar a todas parcialmente e de tal maneira que a intensidade de cada uma seja, no momento em que cessa, igual às demais. Por outro lado, quando a satisfação se renova, verifica-se a repetição da tendência para a diminuição de intensidade até à satisfação - mas no primeiro momento da segunda satisfação a intensidade é menor do que em correspondente momento da primeira, pelo que a saciedade se atinge mais rapidamente; estas diferenças são tanto maiores quanto mais frequente se torna a satisfação.Para Gossen, o sujeito económico só pode aumentar a sua satisfação total na medida em que o prazer provocado que as coisas produzidas for maior do que o sacrifício imposto pelo esforço de trabalho necessário a essa criação. E foi assim que H. Gossen formulou, pela primeira vez, o conceito de desutilidade - o sacrifício feito para além da satisfação de uma necessidade.Stanley Jevons Carl Menger e Léon Walras autores da chamada escola marginalista, vieram a desenvolver com critérios científicos a teoria lançada por Gossen. Jevons defendeu que o valor de um bem dependeria da utilidade combinada com a raridade. O valor das coisas dependeria, assim, do grau final de satisfação que permitiriam obter. Uma vez que as diversas unidades de uma coisa não podem deixar de ter todas o mesmo valor, é esse grau final que o determina.Partindo das leis de Gossen, C. Menger demonstrou como a apreciação individual das coisas (valor de uso) dependeria da raridade e não da utilidade stricto sensu. Nessa perspectiva, a utilidade final determina o valor dado a todas as outras unidades do mesmo bem, uma vez que será sacrificada se o sujeito económico se vir privado de qualquer delas.Os sujeitos procuram ordenar a aplicação dos recursos de que dispõem por forma a conseguir graus de satisfação marginais idênticas em relação a todas as necessidades. Este entendimento da utilidade final (a que F. von Wieser chamou utilidade marginal) explica o chamado paradoxo do valor - já formulado por Adam Smith e pelos clássicos: O valor de troca representa as proporções nas diversas quantidades de bens quando se realizam permutas para que se proceda ao nivelamento das utilidades dos diferentes bens afectos à satisfação das diversas necessidades.Partindo da utilidade marginal - base do valor como apreciação subjectiva dos bens - von Wieser chegou aos conceitos de utilidade total e de valor total. Utilidade total será a soma das utilidades potenciais de cada unidade, ou seja, daquelas que a cada uma caberiam se fossem as últimas. E o valor total é o resultado da multiplicação da utilidade marginal pelo número de utilidades disponíveis de um bem. Assim, enquanto a utilidade marginal decresce à medida que aumenta o número de unidades disponíveis, a utilidade total aumenta à medida que aumenta o número de unidades disponíveis, mas em proporção decrescente. Já o valor total aumenta com o número de unidades até ao ponto em que o decréscimo da utilidade marginal compense, no produto, aquele aumento - mas o valor reduz, até poder chegar a zero, quando os bens se tornem livres, por deixarem de ser raros. O conceito de utilidade total é relevante para se saber qual a diferença entre a utilidade efectivamente recebida e a utilidade subjectiva dos bens - enquanto o conceito de valor total permite explicar como a troca pode ser vantajosa para todos os intervenientes no mercado e como se estabelecem os valores relativos dos diversos bens dos mercados. Quanto ao valor do mercado, von Wieser distinguia valor efectivo e valor natural. O valor efectivo é aquele que se estabelece de facto, correspondendo ao nivelamento das satisfações marginais no grau que cada sujeito pode obter, com o poder de compra que tem. O valor natural é o que viria a estabelecer-se se o poder de compra se encontrasse igualmente distribuído, assegurando um nivelamento geral das utilidades marginais. Podemos agora compreender melhor a importância do conceito de excedente do consumidor, que procura fornecer uma base objectiva de avaliação dos efeitos das opções económicas sobre o bem-estar. Não se trata de considerar apenas o peso das preferências dos consumidores, mas de ter em consideração o funcionamento concreto do mercado e o acréscimo de bem-estar daí resultante. Veremos, por isso, adiante os conceitos de óptimo e de equilíbrio - para apurar se um acréscimo de bem-estar se faz ou não à custa do sacrifício da satisfação das necessidades de algum ou alguns sujeitos económicos. As escolhas do consumidor - curvas de indiferença.Como já vimos, as escolhas dos consumidores têm em consideração os axiomas das preferências, que pressupõem a permanente realização de escolhas, a partir de comparações entre bens ou conjuntos de bens. O consumidor vê-se, assim, sempre confrontado com a exigência de verificar qual a fronteira do seu

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rendimento para efeito da realização de escolhas e dentro dessa fronteira, também já analisada, poderá encontrar os recursos ou as combinações de recursos indispensáveis para uma satisfação equilibrada das suas necessidades. Vilfredo Pareto estudou as condições em que o equilíbrio económico acaba por se estabelecer. Dentro dessa preocupação chegou à elaboração das curvas de indiferença - expressão gráfica das combinações de bens que proporcionam aos indivíduos satisfações idênticas. Nesse sentido, a vida económica representar-se-ia como a ascensão de uma colina em que as curvas de indiferença apareceriam como se fossem as curvas de nível - unindo os pontos que correspondem a uma satisfação idêntica de necessidades. Os sujeitos económicos procuram, assim, entre os vários caminhos que lhes estão facultados, aquele que vai permitir dentro dos rendimentos de que dispõem atingir a curva de nível que corresponda a uma melhor satisfação das necessidades. Procura-se, deste modo, encontrar uma base matemática rigorosa, para evitar o subjectivismo de algumas construções marginalistas e para responder à dificuldade que existe em medir a utilidade. Por definição a curva de indiferença mais elevada será aquela que é tangente à fronteira de escolhas, também designada como recta da restrição orçamental, isto é, a que num determinado ponto coincide com o valor mais elevado que é consentido pela limitação orçamental. Nesse ponto, a curva de indiferença coincide com a inclinação da recta de fronteira de escolhas, coincidindo os valores que ambas exprimem. E uma vez que estamos a comparar dois tipos de bens (bens alimentares e bebidas, livros e discos) temos que a taxa marginal de substituição coincide com o seu preço relativo.Importa aqui relembrar o que se disse sobre os conceitos de efeito de rendimento e efeito de substituição. Se o rendimento aumenta as curvas de indiferença deslocam-se para a direita. Perante bens sucedâneos e perante escolhas alternativas o preço e a quantidade são decisivamente influenciados pelo efeito da substituição. Consumo, trabalho, poupança e investimento.Na vida económica o consumidor vê as suas atitudes e comportamentos serem influenciados não apenas pelas suas preferências, mas pela influência desempenhada pelos fenómenos que constituem a criação de bens e serviços aptos a satisfazerem necessidades. O que vimos sobre as decisões do consumo também serve para analisarmos a escolha de um ponto de equilíbrio entre o trabalho e o lazer. O que cada um dispõe para consumir depende do trabalho e da remuneração auferida. Assim, as decisões no mercado de bens e serviços é influenciada pelas decisões no mercado de factores produtivos, a começar no trabalho. E as empresas e as famílias, estas não se limitam a comprar bens e serviços e a pagá-los, uma vez que também prestam trabalho nas referidas empresas, recebendo salários por essa actividade. Um aumento de remuneração por hora pode ter em dois trabalhadores efeitos diferentes. A pode trabalhar mais para conseguir obter um rendimento maior, que lhe permita melhorar o bem-estar, adquirindo, por exemplo, uma casa própria. B pode trabalhar o mesmo, limitando-se a obter o ganho correspondente ao acréscimo da hora de trabalho, e satisfazendo-se desse modo. C pode trabalhar menos, limitando-se a manter o rendimento auferido anteriormente e dedicando-se mais ao lazer. A teoria da escolha do consumidor aplica-se também à poupança. Quem poupa voluntariamente faz uma escolha entre um consumo presente e um consumo futuro. Este consumo futuro pode significar segurança na velhice ou reunião de meios para adquirir algo de que necessita (casa, automóvel). As taxas de juro, através das quais o sistema bancário remunera o capital, podem ter uma importância grande aqui. Mas a simples subida da taxa de juro não garante aumento do nível de poupança. Tudo vai depender dos efeitos de substituição e do efeito de rendimento. A poupança pode aumentar se forem encontrados bens sucedâneos que permitam manter os níveis de bem-estar. Mas poderá diminuir se o efeito de rendimento funcionar induzindo um aumento de consumo, já que a tendência para consumir será superior nos rendimentos mais baixos do que nos rendimentos mais elevados. E se falamos de poupança, teremos também de falar de investimento, uma vez que a diminuição do consumo pode traduzir-se não só em crescimento da poupança, mas também em incremento do investimento e da criação de riqueza. Os particulares têm à sua disposição diversas opções quanto a investimento - p. ex. depósitos bancários, habitação própria, acções, obrigações, fundos de investimento. VI - A oferta e o investimento em mercados concorrenciais Os custos do produtor: custos médios e marginais.

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Ao decidir o que produzir, como produzir, quanto produzir, como vender, que preço aplicar, o produtor vai ponderar sempre o custo de produção. Assim, disposição para vender ocorre em função dos custos de produção. O objectivo de um produtor é o de obter uma receita, um rendimento, que seja superior ao custo total, de modo a que possa beneficiar da diferença entre os dois valores, ou seja, do lucro. O rendimento total é, deste modo, o somatório dos resultados obtidos pela venda dos bens ou dos serviços no mercado. Obtém-se pela multiplicação do número total de unidades vendidas pelo preço de cada unidade.O custo total é o somatório de todas as despesas que o vendedor tem de fazer para que os bens vendidos sejam produzidos e cheguem ao mercado. Estamos, perante o conjunto das remunerações dos diversos factores de produção. O custo total corresponde à soma dos custos fixos e dos custos variáveis. O custo fixo está ligado às máquinas que produzem os bens (p. ex. as máquinas que produzem alfinetes). O custo variável está ligado aos trabalhadores que têm de empregar para produzir mais ou menos bens de acordo com a evolução da procura. O custo médio corresponde ao encargo médio necessário para produzir cada unidade - se dividir o custo total pelo número de alfinetes produzidos sei qual é o custo médio de cada alfinete. Os custos fixos médios tendem à decrescer à medida que se produz mais. Os custos variáveis médios já tendem a crescer à medida que se produz mais. Os custos médios totais tendem a descer até um determinado limiar, vindo a crescer a partir daí - segundo uma curva em U. O custo marginal indica ao produtor quanto custa produzir a próxima unidade, isto é, o próximo alfinete, ou quanto custa produzir o último. Os custos marginais têm tendência para crescer, se tivermos um factor produção fixo. Começam por ser inferiores aos custos médios totais enquanto eles descem, passando a ser superiores depois do limiar atrás referido e a crescer mais intensamente do que os custos médios. Como vimos, nas economias industriais, estando em causa a variação de todos os factores de produção o custo marginal tende a ser decrescente – em ligação com a lei dos rendimentos crescentes à escala. A função de produção, os custos de curto e longo prazos. A função produção é uma relação puramente quantitativa, entre o que é usado na produção e o que dela resulta. Pelo que acabámos de ver, as decisões do produtor visam obter o melhor resultado possível quando o produto é vendido no mercado. Para o produtor, as noções de curto e longo prazos dependem da consideração predominante dos custos fixos e dos custos variáveis.No curto prazo, perante uma análise imediata das condicionantes da produção e do mercado, prevalece a lógica dos custos fixos. No longo prazo, considerando que é indispensável alterar as circunstâncias, a fim de que a inovação garanta a existência de um excedente do produtor, vai predominar a lógica dos custos variáveis. No longo prazo preocupamo-nos com a afectação economicamente eficiente de todos os recursos. Quando se combinam factores variáveis e factores fixos o rendimento marginal dos factores variáveis tende a diminuir. Numa economia com forte pendor agrícola é o que ocorre - falando-se de lei do rendimento marginal decrescente. Numa economia industrial, se houver um aumento proporcional de todos os factores de produção, de modo a que não haja desequilíbrio ou sobrecarga para qualquer um deles, então temos uma situação em que os rendimentos marginais são crescentes - estamos perante o aumento de escala . Uma variação da escala de produção pode ter um de três efeitos possíveis : (a) a produção aumenta proporcionalmente ao aumento combinado de todos os factores - rendimentos constantes à escala ; (b) a produção aumenta menos do que proporcionalmente em relação ao aumento de escala - rendimentos decrescentes à escala ; (c) a produção aumenta mais do que proporcionalmente em relação aos aumentos de escala - são as economias de escala , que decorrem dos rendimentos crescentes à escala .Há um limiar a partir do qual as deseconomias de escala começam a funcionar, invertendo a tendência para os custos decrescentes. Essa tendência leva a um forte pressão no sentido da concentração das iniciativas e das empresas. Há motivos que favorecem esta tendência, que podem ser externos (saturação das infra-estruturas, agravamento dos tempos de acesso e de transporte, alterações na mão de obra) ou internos (ineficiência do mercado de trabalho, perda de competitividade, perda de coesão). As variações de escala visam garantir rendimentos crescentes, por essa razão há, nas economias modernas, uma forte preocupação no sentido de contrariar o predomínio dos factores fixos. Excedente do produtor, lucro económico e renda económica. O excedente do produtor corresponde à diferença entre o preço mínimo a partir do qual a venda já ocorreria e o preço real a que transacção ocorre. Como sabemos a curva da oferta é a representação dos preços

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mínimos que os produtores aceitam para cada produção. Assim, o excedente do produtor é, no mercado, o somatório das diferenças entre os custos de produção e o preço efectivo.Até agora temos sobretudo falado de custos explícitos , os que correspondem a pagamento efectivo feito para a aquisição de factores de produção. Há, no entanto, custos implícitos , que correspondem a vantagens ou desvantagens inerentes ao próprio produtor. Este pode ter acesso privilegiado a determinadas matérias-primas ou contar com a excepcional competência de determinados trabalhadores. Nesse caso, há uma vantagem comparativa para esse produtor e uma desvantagem para os seus concorrentes. Também pode acontecer que a decisão de um produtor no sentido de iniciar determinada actividade envolva o sacrifício de uma outra actividade económica - pelo que terá de abater ao que venha a ganhar o que perdeu.O custo económico é um custo de oportunidade - envolvendo o que o produtor gastou para obter o bem ou serviço, mas ainda a perda dos benefícios que para ele adviriam da segunda melhor escolha. O lucro contabilístico corresponde à diferença entre o rendimento obtido e os custos totais. No entanto, se o produtor renunciou a uma actividade complementar para se dedicar exclusivamente à actividade principal, então temos de abater ao lucro contabilístico essa perda. O lucro económico corresponde à consideração do custo de oportunidade no cálculo do lucro contabilístico. A diferença entre lucros contabilísticos e lucros económicos assenta no facto de estes serem calculados por referência aos custos de oportunidade que possam ser considerados, enquanto aqueles são achados por referência aos custos explícitos. Assim, os ganhos contabilísticos são superiores aos gastos económicos.Importa ainda referir, a este propósito, o que se entende por renda económica - trata-se de um excedente do produtor devido a qualidades deste que têm a ver com o seu prestígio, com a sua experiência ou com a excepcional confiança que goza. Aqui o excedente não é devido à sua capacidade inovadora, mas sim à posição favorável que tem no mercado (por exemplo os Rolling Stones em comparação com uma banda de qualidade mas desconhecida). O lucro tem essa razão específica caso o produtor com entrada reservada no mercado aufira um benefício por esse facto. O multiplicador e o acelerador. As opções de investimento. O princípio do multiplicador permite estudar o efeito sobre o rendimento global de um acréscimo de despesa de investimento. O multiplicador indica, assim, uma variação de rendimento. Sempre que se realiza um aumento de investimento e não haja pleno emprego dos recursos produtivos, então verifica-se uma reprodutividade desse acréscimo traduzida num acréscimo multiplicado de rendimento. Se houver pleno emprego dos recursos produtivos, então o multiplicador funciona em termos puramente monetários – aumentando a procura, sem correspondência na oferta, com consequente aumento de inflação. O multiplicador designa-se como K , correspondendo à razão entre o acréscimo de rendimento representado como R e o acréscimo de investimento representado por I Fala-se de efeito acelerador pela comparação com as aceleração no motor do automóvel. Também aí o acelerador começa por dar um movimento uniforme ao veículo, mas se formos tirando o pé pode funcionar como travão. Conclui-se que há uma desproporção entre a intensidade da procura dos bens finais e a procura derivada de bens intermédios. A procura de bens intermédios acelera ou desacelera a um ritmo diferente da procura dos bens finais.As opções de investimento reportam-se à aquisição de activos, através dos quais se pretende a obtenção de rendimentos na exploração desses bens ou mais valias resultantes das respectivas vendas. Os diversos exemplos de opções de investimento permitem-nos compreender que as escolhas do produtor têm de ponderar racionalmente os custos e benefícios alternativos. Quem tenha maior resistência ao risco preferirá, em nome da segurança, a realização de depósitos no sistema financeiro e bancário ou o investimento directo em bens (p. ex. imóveis ou em bens muito raros). Outra alternativa é a subscrição de títulos obrigacionistas, que constituem empréstimos de capital financeiro a uma empresa. Ainda poderá fazer-se referência à subscrição de partes de capital de uma empresa - que se designam como acções. A opção que envolve maior risco corresponde a uma aposta na incerteza da inovação. À partida não se sabe qual será a reacção do mercado. Não se trata, porém, de puro jogo ou de uma aposta na sorte, no azar ou no acaso, mas sim de uma escolha racional de consequência incerta e insegura. As empresas: as economias de escala.

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A maximização do lucro e a redução do custo médio de produção podem ser provocados por múltiplas causas, como: o aumento do volume de produção e o progresso técnico. As economias que provêm da organização da produção na sociedade industrial em que vários factores de produção variam em simultâneo são economias de escala.Os rendimentos ou são constantes ou são crescentes à escala e os custos ou são constantes ou são decrescentes, ao contrário da regra existente nas sociedades rurais onde, pela importância dos factores naturais de produção (fixos), os rendimentos são decrescentes e os custos crescentes. Nas economias de escala , pela dimensão, vai-se tentar produzir com o menor custo médio. As economias de escala de longo prazo são devidas ao aumento da dimensão da empresa. As razões da maior eficiência da grande empresa são: a diminuição do custo fixo unitário, a especialização do trabalho mais acentuada, o poder de negociação mais amplo permitindo obter factores de produção em melhores condições e o melhor poder de previsão.A empresa é o centro da economia moderna e aberta. Combina técnica e economicamente processos de produção que lhe fornecem os agentes que intervêm no processo produtivo - os trabalhadores, os capitalistas prestamistas, além do empresário. Enquanto no processo artesanal há uma combinação de contributos centrados no artesão - "a empresa somente aparece quando o mercado dos meios de produção lhe fornece uma parte substancial ou a maior parte do trabalho e do capital que emprega" (Perroux) – o empresário dinâmico é o que inova e através da capacidade de trazer algo de novo que justifica o lucro.O "empresário estático é escravo das contabilidades passadas; o empresário dinâmico subverte-as". O primeiro tem a mentalidade de rendeiro, considerando o seu negócio como um emprego seguro do seu dinheiro; o segundo corre riscos. As empresas são os centros elementares da produção. A economia de mercado é multipolar e só pode afirmar-se se for inovadora. o empresário é o indivíduo que toma a iniciativa de introduzir no circuito económico inovações (novos produtos, novas técnicas, novas fontes de abastecimento de matérias primas, novos mercados, novas formas de organização das empresas) e novas combinações produtivas de que resulta o desenvolvimento económico. O empresário dinâmico promove a mudança e é a acção que o caracteriza. Schumpeter fala, por isso, de " destruição criadora " - e da necessidade de se compreender que há momentos diferentes na actividade económica. Em cada período consomem-se os resultados da actividade produtiva do período anterior e produzem-se os bens que hão-de ser consumidos no período seguinte, sem que a produção ou o consumo sofram qualquer alteração qualitativa ou quantitativa. A economia fica estacionária.Sem inovação não há criação de nova riqueza. Schumpeter, a partir da empresa e do conceito de inovação, chega a um novo conceito de desenvolvimento, que contrapõe ao de mero crescimento. O crescimento económico representa uma mera alteração qualitativa (o incremento do Produto Interno Bruto), enquanto o desenvolvimento económico e social obriga à consideração de elementos qualitativos, ligados à organização social, à qualificação e à educação dos agentes económicos, à capacidade inovadora, ao meio ambiente, à qualidade de vida e à competitividade… Os ciclos económicos são determinados pelo desenvolvimento. A expansão corresponde à fase dos efeitos positivos da inovação, a depressão à dos efeitos da especulação e da inércia.Daí que o desenvolvimento dependa muito mais do capital social (noção recente ligada aos elementos de organização, de confiança e de coesão da sociedade), do capital humano e da capacidade de aprender mais e melhor, do que de um conceito rígido de riqueza material transmitida. Recentemente, a crise dos mercados das novas tecnologias de informação e comunicação deveu-se à prevalência de efeitos especulativos (bolha especulativa) e de antecipações infundadas sobre a alteração dos comportamentos dos consumidores (p. ex. relativamente aos telemóveis e à micro-informática) por comparação relativamente à efectiva capacidade inovadora das empresas VII - A eficiência em mercado concorrencial. O tempo, o risco e o juro .A actividade económica está sempre confrontada com o factor tempo e com a duração dos acontecimentos. O curto prazo, característico da conjuntura económica, contrapõe-se ao médio e longo prazos inerentes à estrutura e aos sistemas económicos. Ainda que Keynes tenha dito, ironicamente, que "no longo prazo todos estaremos mortos", o certo é que os agentes económico têm de saber lidar com o tempo. Fala-se, assim, de conjuntura económica quando nos referimos aos elementos que caracterizam a vida económica no curto prazo. E referimo-nos a estrutura económica quando nos reportamos às proporções e relações que caracterizam uma economia no horizonte do médio e longo prazos. O factor tempo torna-se muito evidente, por exemplo, quando

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se trata de investir ou de criar nova riqueza para o futuro. As escolhas dos agentes económicos não podem ter apenas em consideração o imediato. Quando realizamos um investimento, para cujo financiamento realizámos poupanças ou assumimos um crédito, pela contracção de um empréstimo, estamos a tomar uma decisão que vai repercutir-se, em princípio, nas próximas gerações - e portanto no médio prazo. O que estamos a criar de novo vai influir o futuro da comunidade em que vivemos. Deste modo, a concorrência opera tendo em consideração não uma perspectiva estática e imediata, mas tendo em conta a dinâmica das circunstâncias que mudam. As condições de concorrência não podem, por isso, ser vistas numa óptica que não tenha em consideração a passagem do tempo e as consequências desta no funcionamento da economia.As opções racionais dos agentes económicos envolvem normalmente a assunção de um risco. Quando há uma aposta esta pode ter sucesso ou fracassar. A compra de um bem, nas melhores condições, gerará tanto maior excedente quanto maior for o risco e a incerteza assumidos pelo agente económico. A fruta comprada na árvore envolve maior incerteza, pois não sabemos se vai haver condições atmosféricas adversas antes da colheita, por isso o preço será menor. Se houver uma forte geada a perda pode ser muito significativa, mas se o tempo estiver de feição o excedente será maior. Compreende-se, por isso, a importância de escolhas que exijam que se corra riscos. A capacidade para assumir tais riscos com sucesso constitui uma marca de inovação e de desenvolvimento.Notamos na vida económica uma preferência pelo presente, o que determina que recorramos ao crédito a fim realizar aquilo para que só teríamos meios dentro de alguns anos. Para tanto, recorremos ao mercado de capitais, mediante o pagamento de um juro - que é a remuneração do factor de produção capital. Estamos a jogar com o decurso do tempo. O valor da taxa de juro, que constitui a medida da remuneração do capital - enquanto valor de equilíbrio calculado no mercado de fundos monetários -, deve ser superior ao valor da taxa de desconto. Os bancos centrais definem valores de referência que influenciam a remuneração dos capitais. A taxa de desconto corresponde à representação presente do efeito futuro das nossas decisões. Importa considerar que a representação presente do valor de um bem projectada no futuro tem em consideração a acumulação de juros, até ao momento em que o encargo for inteiramente saldado. Se eu quero adquirir um automóvel a pronto, seu valor corresponde àquilo que eu pagar no acto da compra. Se não disponho do valor monetário total, peço um empréstimo e a representação presente do valor do bem projectada no futuro corresponderá à soma do preço do bem e dos juros indispensáveis até ao momento da plena amortização. Os empresários, incentivados pelo lucro esperado, são levados a assumir as incertezas da organização produtiva dos recursos. Os motivos dessa atitude não são indiferentes - ora há uma razão ligada à criação de riqueza e à realização de um investimento, ora há uma razão exclusivamente ligada à especulação. No primeiro caso é a força da inovação que funciona, como factor positivo que induz o crescimento da produção, no segundo, é a utilização dos recursos acumulados que funciona. Condições de concorrência A verdade é que a concorrência perfeita só excepcionalmente tem lugar. Há inúmeros factores que falseiam o equilíbrio pleno entre a oferta e a procura. As condições de concorrência têm de ser analisadas no respectivo contexto. Se no curto prazo as receitas das vendas de um bem não dão sequer para remunerar os factores de produção, desde os salários às despesas com a energia, passando pela amortização dos investimentos, será melhor encerrar temporariamente a actividade à espera que os preços subam. No longo prazo, o produtor deverá encerrar a actividade, retirando-se do sector, sempre que o preço de venda dos seus produtos não for suficiente para cobrir os custos médios. Mas se o preço de venda (ainda que inferior aos custos médios totais)for superior aos custos variáveis médios, isto é, se se situar num ponto intermédio entre as curvas dos custos médios totais e dos custos variáveis médios, vale a pena ao produtor manter-se em actividade apesar de registar perdas - porque o encerramento envolveria a perda máxima nos custos fixos. Além disso, poder haver sempre a possibilidade do aumento da produção, sem agravamento dos custos médios já existentes. As características de um mercado concorrencial têm de ser vistas considerando as relações concretas entre agentes económicos e compreendendo que os mesmos visam obter o maior ganho e a melhor relação custo/benefício. Ora, a concorrência entre vendedores baixa os custos e os preços, beneficiando, em última instância os consumidores. Enquanto o custo marginal for inferior ao rendimento marginal vale a pena incrementar a produção, porque estamos perante uma margem positiva de lucro. Já quando o custo marginal for superior ao rendimento marginal, deixa de valer a pena fazer crescer a produção, visto que o lucro

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decairá ou desaparecerá mesmo, podendo até haver um aumento de prejuízos. Percebe-se porque é importante acompanhar o mercado, de modo a garantir que a concorrência seja respeitada em benefício de todos os agentes económicos. Para compreendermos a importância da concorrência é indispensável apurarmos quais os respectivos requisitos. Em que circunstâncias o mercado funciona pondo em plena identidade de posições os compradores e os vendedores? Em que condições a racionalidade dos agentes económicos constitui o factor determinante para a definição dos preços e das quantidades de bens transaccionadas? Vejamos, afinal, quais os Requisitos da concorrência perfeita. Atomicidade e poder de mercado. Pela multiplicidade de agentes económicos, quer do lado da procura quer do lado da oferta, torna-se em princípio impossível, num mercado de concorrência perfeita, a um sujeito económico, influenciar o nível de preços ou outras condições relevantes nas trocas, pela sua entrada ou saída desse mercado. A entrada ou a saída de um agente económico do mercado não altera as respectivas condições de funcionamento, quando existe concorrência perfeita.É a atomicidade (em razão da proliferação dos sujeitos económicos, que funcionam como átomos) que permite ao agente ter possibilidade de escolha. Numa palavra, pela atomicidade, cada um dos agentes económicos não dispõe de poder de mercado. Assim, pode funcional a lei da oferta e da procura, resultando o preço de equilíbrio de um leilão imaginário entre os vendedores e os compradores. Quando um novo sujeito económico entra ou sai do mercado, este não sofre alterações com esse movimento. Fluidez, racionalidade e informação. Estamos perante um requisito fundamental de informação e racionalidade, que permite aos agentes económicos fazerem as respectivas escolhas livremente, fixando a quantidade de bens a vender ou a comprar e aceitando ou não as respectivas condições de mercado. O conceito de mercado na ciência económica está associado ao conceito de bem. No modelo concorrencial cada um dos bens tem apenas um mercado. Sempre que um bem tem vários mercados, deixa de atender-se ao tipo dos bens que os constituem. Perde-se a fluidez. Não há homogeneidade dos produtos, que apresentam diferenciação de qualidade e de marca, nem mobilidade, nem informação completa. A proliferação das marcas nos mercados contemporâneos conduz a que a ausência de fluidez dê lugar ao que designamos como concorrência monopolística. Tudo o que perturbe a percepção clara da homogeneidade dos produtos ou dos factores de produção no mercado impedirá que se manifestem os efeitos da concorrência de preços. Compreende-se, pois, a importância da fluidez como requisito essencial no funcionamento da concorrência. Liberdade de entrada e de saída. Respeita à ausência de barreiras à entrada, ou seja, na concorrência perfeita não deve haver limitações de qualquer natureza à livre entrada ou saída de agentes económicos do mercado. É fundamental que os vendedores e os compradores estejam livres para entrar ou sair do mercado, até para que as respectivas escolhas não fiquem limitadas ou condicionadas por factores externos ao próprio mercado. O condicionamento económico e o proteccionismo são, assim, factores contrários à ideia essencial de concorrência. É deste requisito que em parte depende o grau de disciplina que se verifica no mercado quando surgem hipóteses de distorção da concorrência por influência da oferta. Daí a necessidade de haver regras e procedimentos que visem contrariar a concentração das iniciativas económicas e das empresas. O direito da concorrência tem-se desenvolvido nas sociedades contemporâneas tendo em consideração estas preocupações. Daí o surgimento da legislação que contraria as concentrações de empresas (trusts), de que são exemplos pioneiros o Sherman Act e o Clayton Act nos Estados Unidos, bem como da proibição de práticas concertadas de empresas, do abuso de posição dominante ou do abuso de dependência económica. A legislação sobre a concorrência tem particular importância na União Europeia, como modo de garantir a existência de um mercado interno integrado, baseado nas quatro liberdades de circulação: de pessoas, de mercadorias, de serviços e de capitais. Eficiência e Bem-estar em Vilfredo Pareto.Para compreendermos as situações de concorrência perfeita, devemos fazer uso do conceito de eficiência , ligado ao entendimento de que o equilíbrio constitui a regra base de funcionamento de uma economia. Recorremos ao pensamento de Vilfredo Pareto autor multifacetado que reflectiu, de modo pioneiro, sobre

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o bem-estar económico, o equilíbrio e a repartição dos recursos.A situação de uma economia é considerada óptima sempre que houver acréscimo na satisfação de necessidades económicas de pelo menos um agente económico, sem que a situação de qualquer um dos restantes agentes económicos saia prejudicada. Este critério implica que o único factor de julgamento dos critérios de valor se ligue ao facto de haver um nível global superior de satisfação de necessidades, isto é, um maior nível de bem-estar . Estamos a falar da soma dos excedentes do produtor e do consumidor, que define em cada momento, o nível de bem estar.Deste modo, uma situação da economia é eficiente ou óptima , na acepção que lhe atribuiu Pareto, desde que seja possível encontrar uma outra distribuição de factores de produção entre empresas ou uma outra distribuição de produtos entre consumidores, que permita a pelo menos um agente económico encontrar-se numa curva de indiferença mais elevada, sem que algum outro se encontre numa curva de indiferença mais baixa. Para que estejamos em situação de eficiência paretiana é, porém, necessário: (a) que nos encontremos em pleno emprego dos recursos produtivos; (b) que o preço de cada produto seja igual ao custo marginal de produção e (c) que o preço de cada factor coincida com o valor da respectiva produtividade marginal. A liberdade das trocas subjacente à eficiência de Pareto pressupõe, assim, por um lado, que as trocas, bem como a afectação e reafectação de recursos através delas, só ocorra quando as partes sintam haver ganhos de bem-estar.Por outro lado, há eficiência quando as partes envolvidas já esgotaram espontaneamente todas as permutas possíveis de utilidades que estavam dispostas a realizar no nível de preços atingidos. O equilíbrio económico residiria, numa concepção estática, na correspondência entre as possibilidades e as satisfações obtidas na satisfação de necessidades. Na situação de eficiência resulta desnecessário qualquer tipo de intervenção correctiva. Situação diferente seria aquela em que o Estado, mediante uma acção correctiva, por exemplo no campo dos impostos, procedesse à redução dos excedentes, originando assim uma perda de quantidades transaccionadas. Neste caso estaríamos perante uma perda absoluta de bem estar ( deadweight loss ). John Rawls (1921-2002) em Uma Teoria da Justiça analisou igualmente os temas da redistribuição de recursos e do bem-estar, definindo a teoria da justiça como equidade na óptica dos membros mais desfavorecidos da sociedade. Este entendimento centra-se nos seguintes princípios: cada pessoa deve ter igual direito à mais extensa liberdade compatível com uma idêntica liberdade para os outros; as desigualdades sociais e económicas devem preencher duas condições, para serem conformes com a justiça: devem estar ligadas a funções e a posições abertas a todos, em condições de igualdade de oportunidades e devem corresponder à maior vantagem possível para os membros mais desfavorecidos da sociedade. A concentração no mercado. A concorrência não tende a expandir-se indefinidamente. Há situações em que a entrada de um novo produtor, utilizando uma tecnologia já usada anteriormente, vai dar origem a uma nova produção em que o custo médio é superior ao do produto do empresário que já se encontra no mercado. O empresário recém-chegado será derrotado pelo mais antigo. Como já vimos, a propósito das incapacidades ou falhas de mercado, há um limiar a partir do qual nas economias de escala passa a haver tendência para que os custos sejam crescentes e os rendimentos decrescentes - o que determina o surgimento da concentração de empresas, com vista à redução dos custos médios de produção. De facto, os novos custos fixos de funcionamento desaprovam a proliferação de iniciativas e parecem aconselhar a concentração, para manter os custos fixos e garantir um adequado excedente do produtor. Tornou-se, por isso, importante medir a concentração num mercado - em nome da concorrência. Quanto maior for a concentração, mais provável se torna que o preço se afaste do seu nível concorrencial e se aproxime dos máximos que poderão vigorar numa situação em que temos um só sujeito económico do lado da oferta. A concentração é, em síntese, um caminho da evolução do mercado concorrencial para as diversas formas de concorrência imperfeita que a seguir analisaremos. VIII - A concorrência imperfeita A regra da vida no funcionamento da economia é, como já dissemos, a de não se verificarem os requisitos que correspondem à concorrência perfeita. Suponhamos que a venda do tabaco está condicionada numa determinada comunidade à existência de um só vendedor. Então estamos perante um monopólio legal. Mas pensemos na situação em que, por virtude da concentração de iniciativas económicas inerentes às falhas de mercado, uma única empresa se vê sozinha a produzir um determinado tipo de bens. Também aí há um monopólio, resultante do funcionamento do mercado. Lembremo-nos, aliás, de que no jogo do "Monopólio",

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popularizado nos Estados Unidos, os jogadores têm como objectivo ficar sozinhos como vendedores, dominando o mercado. Mas, por outro lado, suponhamos que uma fábrica é a única compradora no mercado de uma determinada matéria-prima. Nesse caso, estamos perante um monopsónio. Sistematizemos. Quais as diversas situações correspondentes à concorrência imperfeita? Monopólio - Verifica-se quando do lado da oferta temos um vendedor e do lado da procura temos, em regra, uma pluralidade de compradores. Oligopólio - Ocorre quando há um grupo limitado (do grego: prefixo oligo- :poucos) de vendedores e uma pluralidade de compradores. Monopsónio - Tem lugar quando do lado da procura temos um só comprador, para uma pluralidade de vendedores. Oligopsónio - Corresponde à existência de um grupo limitado de compradores, para uma pluralidade de vendedores. No caso de uma monosituação do lado da oferta, temos três situações possíveis: monopólio bilateral (correspondente a uma monosituação do lado da procura), monopólio contrariado (quando há uma oligosituação do lado da procura), monopólio (quando há uma polisituação na procura). Havendo uma oligosituação relativamente à oferta, temos as seguintes situações: monopsónio contrariado (monosituação na procura), oligopólio contrariado (oligosituação na procura), oligopólio perfeito (posituação na procura). Por fim, existindo uma polisituação na oferta, encontramos as seguintes alternativas: monopsónio (quando há uma monosituação na procura, como já vimos), oligopsónio (oligosituação na procura) e concorrência perfeita (polisituação do lado da procura, desde que haja as restantes características já analisadas da concorrência perfeita). Monopólios e concorrência monopolística. O monopólio permite a obtenção de lucros mediante a elevação dos preços acima dos níveis que se praticariam se houvesse concorrência perfeita. O consumidor paga mais e o produtor ganha mais. O inconveniente do monopólio não está, porém, na existência de excedente do produtor, mas no facto de, por essa via, se reduzir o bem-estar económico de uma comunidade. Quando o monopolista sobe os preços acima do nível concorrencial, os compradores compram menos, a produção diminui e a situação do bem-estar da sociedade piora. Por isso, o monopólio, nessas condições, diminui o rendimento da sociedade. De nada vale o monopolista ficar mais rico, se a produção da comunidade sai reduzida. Porque houve desde finais do século XIX uma industrialização de massa e a tendência para a concentração monopolítica, surgiu nos Estados Unidos, como já vimos, legislação contra as concentrações e os monopólios ( antitrust ), de que são exemplos marcantes o Sherman Act de 1890 (declarando ilegais os cartéis - contratos, combinações ou conspirações que restringissem o comércio - e os monopólios ) e o Clayton Act de 1914 (que proíbe a discriminação de preços, as práticas concertadas e as combinações vinculativas, o abuso de posição dominante, bem como as fusões). Se uma sociedade deseja controlar os monopólios tem à sua disposição três tipos de instrumentos: (a) a política antimonopólio (do tipo norte-americano);(b) a regulamentação pública do direito da concorrência (consagrada no tratados da União Europeia); e (c) a intervenção do Estado na economia .. Nenhuma das soluções é ideal e todas comportam inconvenientes. Deverá, por isso, sempre ter-se em consideração o equilíbrio de influências entre os instrumentos de mercado e os instrumentos de regulação pública. De facto, a eficiência nas economias de escala aponta para a tendência de concentração, mas o peso crescente da consciência dos seus direitos por parte dos consumidores limita a capacidade de o produtor aumentar os preços - a regulação pública encontra nessa confluência espaço para agir, até por pressão da própria opinião pública. Diferente é a situação designada por concorrência monopolística . Estamos então perante uma forma de mercado de natureza híbrida, mas próxima da concorrência perfeita. Foi estudada por E. Nevin Chamberlin ( Theory of Monopolistic Competition, 1933) e por Joan Robinson ( The Economics of Imperfect Competition , 1933). Antes do mais verifica-se a ausência de fluidez no mercado. Como já vimos, falta homogeneidade e um mesmo bem tem vários mercados. É o que ocorre com as marcas. Os artigos desportivos da A. ou da N. têm a sua própria procura e o seu próprio mercado. No entanto, aparentemente têm características muito semelhantes. Mas assim não é de facto. Os bens de marcas diferentes não têm um mercado homogéneo, definem vários mercados. Se um comprador gosta do bem de uma determinada marca mais do que todos os outros que estão disponíveis, ele está disposto a pagar mais por isso, um adicional em relação ao que não tem marca ou em relação a outra marca.

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Neste sentido, em vez de um mercado muito amplo dos artigos desportivos, cada comprador, perante as suas próprias preferências, depara-se com um leque reduzido de oportunidades, o que permite ao vendedor da marca A.. ou ao vendedor da marca N. ter uma margem de manobra na fixação do respectivo preço. Voltamos, assim, a encontrar o excedente do produtor na forma de renda económica. Oligopólios e cooperação empresarial. O oligopólio pode resultar de razões legais, naturais ou de facto. No primeiro caso estamos perante o regime de condicionamento industrial ou de barreiras à entrada de um mercado - existindo, portanto imposição jurídica. No caso do oligopólio natural pode acontecer que, por exemplo, uma matéria-prima só exista em zonas a que só possa ter acesso um número limitado de produtores. Neste caso, estamos perante uma situação semelhante à do monopólio natural. No caso dos oligopólios por razões de facto, poderemos ter ou motivações técnicas ou de concorrência - ou a produção apenas se pode fazer em unidades de certa dimensão, ou a evolução natural do mercado leva à concentração (v.g. produção de automóveis, de lâmpadas eléctricas ou de cigarros…). Analisando o funcionamento do mercado e recordando o que já estudámos, verificamos que numa economia industrial os efeitos de escala favorecem a formação de acordos e de concentrações de empresas ( mergers ). Por outro lado, uma guerra de preços entre empresas conduz a efeitos muito negativos por parte de quem a leva a cabo, uma vez que no caso de o rendimento marginal se aproximar do custo marginal o futuro das empresas começa a estar em causa, como vimos já. Veremos a seguir, na distinção entre jogos cooperativos e não cooperativos , como é que pode funcionar essa "guerra" e em que medida ela conduz ou não a um entendimento entre os produtores, a fim de se garantir a respectiva sobrevivência e a manutenção dos respectivos excedentes. O oligopólio permite, assim, que haja um preço de equilíbrio que se mantém, não levando ninguém à ruína e assegurando a todos os intervenientes relevantes do mercado um rendimento significativo. Compreende-se agora melhor o sentido e o alcance do Clayton Act relativamente aos cartéis (do alemão kartel, que significa oligopólio de conluio, que se torna, na prática um monopólio ilegítimo). Deve, pois, haver um controlo rigoroso dos entendimentos entre empresas na medida em que eles prejudicam o bem-estar da comunidade. Essa preocupação é muito evidente na União Europeia - onde o mercado interno só pode funcionar com um respeito efectivo pela concorrência e com o sancionamento efectivo das práticas abusivas ou restritivas da concorrência. A não cooperação empresarial: os Jogos e o Equilíbrio de Nash. A concorrência num mercado tem de ser analisada a partir das relações que se estabelecem entre os agentes económicos. Já vimos que a cooperação empresarial pode constituir uma resposta às exigências de racionalidade e às falhas do mercado. A ciência económica importou da investigação matemática sobre os jogos a reflexão e os estudos sobre os fenómenos de não cooperação. De um lado, temos a ineficiência decorrente da inexistência de informação completa nos jogos não cooperativos, de outro lado, há a tendência para o estabelecimento de um equilíbrio previsível nessas situações. Vejamos alguns exemplos da teoria dos jogos - formulada por John von Neumann (1903-1957) e por Oskar Morgenstern (1902-1977). Comecemos pelo dilema do prisioneiro . Dois indivíduos A.. e B. cometeram conjuntamente um crime e estão presos em celas incomunicáveis. A lei aplicável estabelece penas variáveis em número de anos de prisão conforme os arguidos confessem ou não o crime. A utilidade de cada um dos presos é evidentemente tanto menor quanto maior for um número de anos de prisão que lhes seja aplicado. Uma vez que o juiz pretende saber a verdade vai premiar a delação. Temos o seguinte quadro de possibilidades: (a) Se A confessa e B também confessa, ambos são condenados a 10 anos de prisão (10, 10). (b) Se A confessa e B não confessa. A não é condenado e B é condenado a 20 anos (0, 20). (c) Se A não confessa e B confessa. A é condenado a 20 anos e B não é condenado (20, 0). (d) Se A e B não confessam, ambos são condenados a 5 anos de prisão (5, 5). Considere-se a decisão de A.. A ignora a decisão de B. Supondo que B não confessa seria mais vantajoso a A confessar, pois obteria a sua libertação, contra a alternativa de 5 anos de prisão caso não confessasse. Admitindo que B confessa, seria de novo mais vantajoso para A confessar pois obteria 10 anos em lugar de 20 anos. Qualquer que seja a atitude de B, seria sempre mais vantajoso para A confessar. Há prejuízo para

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ambos, mas cada qual age de forma mais racional para evitar ficar na pior situação. Apliquemos um raciocínio semelhante a dois armazéns em concorrência. Eles irão baixando os preços para ganhar nova clientela até ao ponto em que o rendimento marginal se aproxima do custo marginal - circunstância em que, deixando de haver lucro, não é possível baixar mais o preço. Chegados a esse ponto os dois armazéns, Bom&Barato (B&B) e Sempre em Festa (SeF), poderão conluiar-se, aumentando por acordo o preço até ao nível correspondente à situação de monopólio, maximizando, assim, os lucros. Vejamos como:(i) Se B&B e SeF fixarem o preço da unidade de determinado produto em 2 Euros obtêm ambos um lucro de x. (ii) Se B&B baixar o preço da unidade para 1 Euro e SeF ficar na mesma, B&B passa a ter um lucro maior, de x + n, e SeF um lucro menor, de x - n. (iii) Se for SeF a baixar o preço e B&B ficar na mesma a situação inverte-se. (iv) Se B&B e SeF fazem o mesmo, baixando para 1 Euro o preço da unidade, o lucro de ambos desaparece (= 0). B&B e SeF vão chegar à conclusão que deverão acertar os preços entre si, para poderem obter lucro ambos. Regressamos, assim, à cooperação oligopilística já estudada. Se não cooperarem, arriscam-se ambos a entrar numa situação difícil, sem qualquer excedente resultante da respectiva actividade económica. John Forbes Nash (1928- ), celebrizado pelo filme de Ron Howard “A Beautiful Mind”, dividiu os jogos em dois tipos diferentes: os cooperativos (aqueles em que existe a possibilidade de aliança entre os intervenientes no jogo, p. ex. bridge) e os não cooperativos (aqueles em que não há entendimento, cada um jogando por si, por ex. o póker). Nash analisou as atitudes pessoais dos jogadores, em situações não cooperativas, que têm tendência para encontrar soluções de equilíbrio, previsíveis. Apesar de não cooperarem, os incentivos pessoais de cada um podem orientar o resultado do jogo para uma situação definida que se revele estável. Nesse caso é fácil encontrar o desfecho do jogo. Suponhamos Alberto e Berta, que são jovens namorados. Alberto gosta de ir ao futebol. Berta gosta de ir à ópera. Mas ambos gostam de estar um com o outro. Se ambos escolherem segundo a sua preferência não estarão juntos. Haverá, por isso, uma desutilidade para os dois. Haverá interesse em mudar de atitude para obter uma utilidade maior. Se Alberto escolher ir à ópera, Berta obtém a utilidade máxima. Se Alberto escolhesse o futebol obteria uma utilidade menor, pois teria de ir sozinho. Indo os dois à ópera Berta tem uma utilidade 2, Alberto terá uma utilidade 1. Se fosse ao futebol Alberto teria uma utilidade 0. O equilíbrio de Nash estará, pois, nesta solução (o/o). se as escolhas fossem diferenciadas não haveria equilíbrio de Nash (o/f, f/o). Se Berta decidir ir ao futebol, então o equilíbrio obter-se-á na situação f/f. Os dois resultados tornaram-se previsíveis. Precisamos apenas de saber qual a primeira decisão. Agora, suponhamos, que depois do casamento a Berta já não se importa de ficar sozinha em casa, enquanto Alberto continua a preferir estar com a Berta. Neste caso, a estratégia seguida por Alberto poderá ser a do mal menor. Nem Alberto vai ao futebol nem Berta vai à ópera - mas ambos obtêm uma utilidade 1, não saindo de casa. Alberto fica com Berta e Berta não se maça saindo de casa (n/n)… No filme "A Beautiful Mind" (2001) o exemplo dado é o de uma loira disputada por vários jovens, que chegam à conclusão de que não podem aspirar a ficar com ela ( first best ), pelo que se limitam a fazer a segunda escolha ( second best ), optando pelas outras raparigas, procurando assim uma utilidade intermédia. O equilíbrio de Nash conjuga informação e aprendizagem, que só se adquirem no longo prazo. Havendo um oligopólio e acordo entre agentes, encontramos uma evolução que alterna a cooperação com a não cooperação. Primeiro, os vendedores chegam a acordo, mas depois vão tentar fazer batota. Mas os vendedores sabem apenas uma coisa que se subirem os preços perdem a clientela e se os descerem obtêm a clientela perdida pelos concorrentes. Temos o que Paul Sweezy (1910- ) designou como a curva da procura quebrada ( kinked demand curve ). Há duas elasticidades diferentes. Uma acima do preço de equilíbrio - a relação procura/preço é elástica já que o comprador tem alternativas - e outra abaixo do referido preço - a relação é inelástica, uma vez que o comprador deixa de ter alternativa, adquirindo ao preço mais baixo. 8.5. A importância do mercado da informação: reputação e especialização. Para compreendermos um mercado e o seu funcionamento é essencial percebermos a importância de um segundo mercado, que é o "mercado da informação". O consumidor e o produtor precisam de informação

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para se movimentarem bem no mercado e para obterem as melhores condições. Daí a importância crescente das campanhas publicitárias e do modo como se apresenta um determinado bem ou serviço no mercado. A credibilidade e a fiabilidade com que se apresenta um determinado produto são essenciais para se encontrar a melhor maneira de chegar ao consumidor e de garantir a percepção sobre a satisfação da necessidade. No mercado da informação há que atender aos "custos de busca" da informação disponível, de modo a saber em que termos a necessidade é satisfeita e qual a relação entre o custo e o benefício. Cabe ao produtor reduzir ao máximo esse custo de busca, uma vez que o consumidor não está disponível para fazer um grande esforço. Eis porque os vendedores fixam o preço a um nível acima do mínimo que podem praticar - contando com a pouca persistência dos compradores e com a possibilidade de compensarem as quebras da procura. Os vendedores praticam preços diferenciados porque sabem que os custos de busca do preço mais baixo dissuadirão a maioria dos consumidores de procederem a comparações exaustivas. Vale a pena procurar os preços mais baixos enquanto o benefício marginal esperado for igual ou superior ao custo marginal desse esforço. A oferta de um produto a um preço mediano vai afastar do mercado os vendedores dos produtos com qualidade superior à mediana. Vão ser deixados no mercado por "selecção adversa" apenas os vendedores de produtos com qualidade inferior à mediana. Por exemplo, nos contratos de seguro automóvel vão ser os condutores com mais acidentes os que vão dominar. Perante esta tendência os vendedores de produtos de qualidade superior à mediana têm interesse em prestar informação gratuita e credível ao comprador, informação gerada fora das transacções do mercado, de modo a não serem excluídos por "selecção adversa". As campanhas publicitárias visarão justificar a credibilidade, trata-se de sinalizar qual a diferença. Vão procurar demonstrar a verdade do ditado popular "o barato sai caro". Nesse sentido, o vendedor vai dar garantias adicionais, explicando a maior duração do produto, promovendo a comparação, facilitando a vida do comprador. O preço mais alto passa então a ser um sinal de diferença positiva, de distinção, de prestígio, de marca. Mas há, em contraponto à " selecção adversa ", o "risco moral" . Ou seja, no decurso de uma relação contratual duradoura, o vendedor pode vir a abusar da confiança que nele é depositada, deixando de cumprir ou não cumprindo devidamente os deveres a que se obrigou - e fiando-se na assimetria informativa e na dificuldade em detectar o cumprimento defeituoso. Ainda no contrato de seguro automóvel, pode haver incentivo a que os condutores sejam menos diligentes, porque os seus riscos estão cobertos pelo seguro. A defesa dos direitos dos consumidores assume, assim, uma importância cada vez maior. A protecção dos consumidores cabe não apenas às instituições de regulação pública, mas também às associações ou ao movimento cooperativo - para contrariar a um tempo os efeitos negativos da selecção adversa e do risco moral. A reputação e a especialização funcionam, assim, segundo tendências diversas. A formação de uma opinião pública informada e rigorosa conduz a maior exigência e a uma maior emulação centrada num melhor conhecimento dos intervenientes no mercado e das condições em que funcionam. Mas a pressão publicitária pode ser enganadora (uma vez que não visa apenas informar mas também condicionar). A confiança no mercado exige hoje não apenas a tomada de consciência por parte dos produtores mas também dos grandes intermediários (as grandes superfícies, os hipermercados), que funcionam numa lógica de oligopsónio, pressionando também o mercado e podendo contribuir para uma melhor salvaguarda dos interesses dos compradores. IX - A repartição do rendimento e o mercado de factores Remuneração de factores. Até ao momento falámos dos mercados de bens e serviços, como mercados paradigmáticos. Importa agora analisar os mercados dos factores de produção - a saber, os mercados do trabalho, os mercados de capitais e os mercados dos factores naturais. Em cada um desses mercados pesam as especificidades inerentes ao objecto das trocas e à natureza da respectiva remuneração. Relativamente ao trabalho, consideramos o salário que o trabalhador aufere e que vai estabelecer-se num mercado com características especiais. No caso dos capitais a remuneração faz-se através do juro , que confere à passagem do tempo uma expressão importante, influenciando de modo decisivo a configuração e o comportamento desse mercado - de que a bolsa de títulos é o melhor e o mais ilustrativo dos exemplos. Nos factores naturais, a remuneração é feita através

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da renda , elemento determinante para a definição e concretização deste mercado. Para compreendermos o mercado de factores temos de nos reportar, em primeiro lugar, à organização da produção e do consumo. Os produtores usam os factores de produção para criar bens e serviços. E essa criação tem de ter em consideração o modo como se abastecem os mercados. A criação terá, assim, partir do tipo de bens e de mercados que nos importam. Devemos, por exemplo, distinguir consoante os produtos permitam ou não a constituição de stocks. Os produtos que permitem a constituição de stocks - isto é, que podem ser armazenados, de modo a garantir um escoamento regular, através da actividade de distribuição - são aqueles para os quais a actividade de produção e a de consumo podem ser separadas no tempo. Esse armazenamento pode envolver gastos mais ou menos elevados, que influenciarão os respectivos preços de mercado - podendo ir desde o arrendamento de armazéns até à vigilância, à energia gasta, passando pelo custo da rede de frio, fundamental no caso dos bens alimentares ou de bens que tenham a ver com a saúde pública. A utilização dos factores de produção não é feita indiferentemente nas diversas situações possíveis. Os stocks podem ser constituídos para garantir um abastecimento regular e permanente do mercado - uma vez que os distribuidores têm dificuldade em saber qual a procura final - ou para fins especulativos, a fim de aproveitar as variações sazonais do mercado. A produção que não permite a constituição de stocks corresponde aos serviços, que têm como característica o facto de a capacidade de produção dever estar disponível no mesmo momento em que a procura se manifesta. Por este facto, temos neste segundo tipo de criação económica a possibilidade de encontrar insuficiente na capacidade de resposta. No guichet de um banco a aproximação do fim do mês pode levar à formação de filas por haver um excesso na procura do serviço. O mesmo se diga das repartições de finanças em fim de prazo para pagamento de impostos ou de um salão de cabeleireiro em dias festivos. Já no caso do abastecimento da energia eléctrica, havendo períodos de sobrecarga de consumo, há a tendência para aumentar as tarifas nas horas mais críticas, para obrigar o consumidor a reduzir a sua actividade nesses momentos. Os bens podem ainda influenciar o respectivo mercado de factores de produção consoante sejam duradouros ou não duradouros. No primeiro caso, o consumo não envolve de imediato o respectivo desaparecimento. Está no segundo caso o exemplo dos produtos frescos (legumes, frutas, produtos pecuários), cujo consumo tem de se fazer num prazo determinado, sob pena de perderem qualidade ou de afectarem a saúde pública. A antiguidade ou a natureza dos bens é algo de especialmente importante na organização da produção. Há bens que se valorizam com o tempo e bens que se desactualizam ou se destroem com o decurso do tempo. Eis porque na actividade económica a organização da produção tem de considerar essas diferenças. É indispensável saber que tipos de bens ou de serviços são fornecidos no mercado. E é preciso saber qual o efeito da deterioração e da obsolescência como elementos de diferenciação dos produtos. E é fácil de compreender que a informação sobre as condições de produção e de manutenção ou de conservação é um elemento essencial para os consumidores. Procura e oferta de factores naturais e de capital. Na óptica do puro dom da natureza, a oferta total relativa a um factor natural corresponde a um montante fixo e inalterável. As alterações do preço de equilíbrio ficarão a dever-se a modificações ocorridas no mercado, ora do lado da procura, ora do lado da oferta. Contudo, a alteração do preço de equilíbrio dos factores naturais não é devida, em regra, a modificações na oferta, a não ser que haja mudança das respectivas condições naturais (inundações e temporais, erupção vulcânica, catástrofe natural). Quanto à procura, o preço do recurso natural vai variar com o preço do bem que a partir dele vai ser produzido. Temos, pois, uma procura "derivada". Se o preço da terra para o cultivo do trigo é elevado, é porque o preço do trigo é elevado - mas não é verdadeiro dizer-se que o preço do trigo é elevado porque o preço da terra é elevado. A elevação do preço do factor terra ocorrerá se a oferta do recurso natural for completamente inelástica e o seu uso exclusivo. O valor dos produtos produzidos é que determina o nível da renda de um recurso natural. Os preços não reflectem, assim, em regra, os custos inerentes aos factores naturais de produção. Relativamente aos factores naturais de produção há ainda a referir a incidência do conceito de renda económica . David Ricardo (1772-1823) partiu da hipótese abstracta de uma época primordial indeterminada em que se teria realizado a ocupação das terras. Os homens teriam ocupado em primeiro lugar as mais férteis.

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O custo da produção nestas terras mais férteis era idêntico para todos os proprietários. Mas, devido ao aumento da população, os homens viram-se na necessidade de cultivar novas terras de fertilidade inferior em relação às primeiras. Nessas terras o custo para produzir o mesmo é mais elevado. Assim, os proprietários das terras de primeira categoria, vendendo os seus produtos pelo mesmo preço que os produzidos nas terras de segunda categoria auferem um ganho suplementar, independente do trabalho e do capital consagrado à produção. Enquanto um terreno pedregoso do interior tem uma procura muito reduzida, por não permitir culturas, um terreno fértil do litoral vai ter uma procura maior. Recordamos o que já dissemos sobre a renda económica, e encontramos deste modo a justificação do excedente. Enquanto na terra ou nos factores naturais funciona a aptidão natural para a produção de bens, no caso de outras actividades é relevante o talento ou o prestígio de quem presta o serviço. Deste modo, o conceito de renda económica é geral, aplicando-se a múltiplas situações. No mercado de capitais temos, por um lado, a oferta de poupanças ou de títulos representativos de participações sociais ou de créditos (obrigações e acções) e, por outro, a procura de capitais e dos respectivos títulos. Estamos perante movimentos financeiros que permitem o encontro da poupança e do investimento. As acções e as obrigações compram-se e vendem-se na Bolsa de valores , a um preço fixado por leilão, pelo funcionamento da lei da oferta e da procura. Estamos, assim, perante um mercado que se aproxima bastante da concorrência perfeita, sobretudo quando tem dimensão suficiente. As cotações da Bolsa de cada dia para cada título em circulação reflectem as condições da oferta e da procura, que se alteram com o tempo. As transacções sobre títulos são de dois tipos - subscrições , quando os títulos são emitidos e entram em circulação; e circulação, quando os títulos uma vez emitidos já podem ser transaccionados. No primeiro caso temos o mercado primário , no segundo temos o mercado secundário . Só o mercado primário alimenta as empresas, com capital social nas acções, com créditos nas obrigações. O curso dos títulos vai ser determinado pelas opiniões que circulam sobre a capacidade de uma empresa reembolsar o capital emprestado (no caso das obrigações) ou sobre os dividendos esperados, resultantes dos lucros obtidos pelas empresas. Há, no entanto, factores aleatórios de natureza psicológica que funcionam como decisivos para a fixação dos valores de mercado. Nesse sentido, a existência da Bolsa obriga a que haja uma entidade reguladora que garanta o cumprimento das regras inerentes à concorrência constantes de um Código (entre nós CMVM - Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários). A oferta e a procura de trabalho. Diferentemente dos outros factores, o trabalho é por natureza muito heterogéneo, pela multiplicidade de actividades que pode envolver. A própria medida do trabalho realizado varia muito (salário por hora, jornada diária, vencimento mensal). Também há uma grande diferença de estatutos - desde o trabalhador independente ao trabalhador por conta de outrem ou assalariado. A formação dos salários do trabalhador dependente faz-se, em regra, segundo a lei da oferta e da procura, mas também segundo as negociações colectivas, no que podemos designar como monopólio bilateral – em que temos confederações patronais e sindicais a protagonizar a concertação. Funcionando a lei da oferta e da procura , um excedente e mão de obra procurada faria aumentar o nível do salário, enquanto um excedente de mão de obra oferecida tende a fazer baixar esse valor de salário de equilíbrio. Estamos a falar não do mercado do trabalho em geral, mas do mercado de cada profissão. Nas profissões mais duras, a curva da oferta situa-se mais à esquerda do que no caso das profissões mais procuradas e agradáveis. Os mercados influenciam-se entre si, uma vez que os trabalhadores podem circular procurando diversas ocupações. Isso é particularmente evidente em situações de desemprego. A mobilidade interprofissional é importante, sobretudo quando se nota carência de uma determinada formação especializada. Se a mobilidade é pequena há rigidez no mercado e as remuneraçoes aumentam relativamente às formações especializadas mais raras. As sociedades desenvolvidas têm movimentos sindicais fortes e os salários são fixados em condições na prática diferentes das de concorrência perfeita, uma vez que se pretende garantir a existência das melhores condições de justiça e equidade. Verificamos, assim, que há uma tendência para a monopolização da representação da oferta e da procura. De um lado, temos as confederações patronais e de outro as confederações sindicais. O Estado funciona como árbitro, havendo para tal efeito instituições de concertação social (entre nós o Conselho Económico e Social e a sua Comissão Permanente de Concertação Social).

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Como funciona a concertação social ? Os sindicatos procuram obter um salário acima do valor de equilíbrio, com subemprego. Só o conseguirão se o Estado garantir subsídios de desemprego de valor aceitável para os trabalhadores que não tiverem emprego em virtude desse aumento de salários. Se há desemprego, os sindicatos poderão aumentar o salário desde que haja medidas complementares de redução da oferta de trabalho, por ex. redução das horas de trabalho, redução da idade de reforma, alargamento da escolaridade obrigatória, limites à imigração…). Por fim, a acção sindical pode induzir um aumento da procura de trabalho - facto que poderá ser alcançado através de um esforço concertado no sentido do aumento da produtividade (mais produtos criados com as mesmas horas de trabalho) e da melhoria das qualificações, que levarão as empresas a procurar novos trabalhadores com as novas características. Deve ainda acrescentar-se que no mercado do trabalho vai pesar a existência de um sistema de segurança social , para cobertura dos diversos riscos sociais (desemprego, saúde, velhice, morte, sobrevivência…). Há, deste modo, salários indirectos estipulados por lei, uma vez que o jogo da concorrência não permitiria essa protecção e o Estado assume a protecção fundamental de todos, retirando essa decisão da vontade dos agentes económicos (estamos perante a ideia de justiça como equidade de J. Rawls). O desemprego é o maior risco das economias de mercado. O objectivo de pleno emprego está, pois, sempre presente no Estado Social contemporâneo. Pleno emprego é a situação do mercado de trabalho de uma determinada profissão em que todos os que desejam trabalhar um certo número de horas, com o salário em vigor, encontram um empregador disponível para lhes dar essa ocupação. Assim, se o mercado de trabalho de uma certa profissão está em equilíbrio clássico, coincidindo o salário em vigor com o cruzamento das curvas da procura e da oferta, há pleno emprego. Se o salário em vigor está abaixo do cruzamento das curvas da procura e da oferta, em virtude de quem procura trabalho não responder plenamente aos recursos disponíveis, ainda há tecnicamente pleno emprego. Se o salário em vigor está acima do cruzamento das curvas, em virtude de quem oferece trabalho não utilizar plenamente os recursos disponíveis então há subemprego nessa profissão, o que envolve a existência de desemprego. Factores de produção e maximização dos lucros. Já afirmámos anteriormente que o bem-estar de uma comunidade depende, no conjunto, da satisfação das respectivas necessidades, envolvendo a soma dos excedentes dos produtores e dos consumidores. Uma vez feita a repartição dos rendimentos pelos diferentes factores temos de considerar que a melhor da satisfação das necessidades passa pela maximização do rendimento do empresário, o que significa a maximização dos lucros correspondentes à participação no capital. Recapitulando o que já anteriormente analisámos, importa recordar o que já estudámos relativamente ao excedente do produtor. Depois de termos visto em que consiste a renda económica - um excedente devido às qualidades do factor de produção ou do produtor, que têm a ver com características naturais, com o seu prestígio, com a sua experiência ou com a excepcional confiança de que goza - ou em que consiste a quase-renda - que existe quando o produtor tem entrada reservada no mercado, auferindo um benefício por esse facto - podemos compreender que o excedente é o resultado de características próprias de cada produtor e do seu produto. No caso do factor trabalho, temos a referir ainda o conceito de vencimento de transferência , que é o valor mínimo da remuneração que o trabalhador está disposto a aceitar. Acima desse valor haverá um efeito de renda , que terá maior expressão relativamente a quem tenha maior prestígio e maior capacidade para seduzir ou para atrair a procura (dois pianistas poderão ter as mesmas qualidades artísticas, mas um é mais conhecido do que o outro e beneficia desse facto). O vencimento de transferência no mercado do factor trabalho tem correspondência com o lucro normal próprio dos produtores no mercado dos bens e serviços. O mecanismo da concorrência tem, porém, por efeito reduzir sistematicamente, no longo prazo, os lucros que as empresas procuram maximizar. E em situação limite, a concorrência perfeita leva até a que os lucros tendam para zero (entenda-se o lucro marginal e o lucro médio). Trata-se de um paradoxo inerente à própria concorrência, uma vez que os diferentes agentes económicos do mercado prosseguem objectivos semelhantes, procurando atingir a maior satisfação possível de necessidades - praticando o preço mais competitivo. O equilíbrio final do ciclo de uma indústria é aquele pelo qual todas as empresas vêem o seu custo médio e o seu custo marginal igualar o preço de venda do produto no mercado. A produção atinge, assim, o ponto mínimo da curva de custo médio. Ora, na medida em que o rendimento marginal se aproxima do custo marginal o excedente fica reduzido ou é anulado - o que exige a inovação, como forma de garantir o início de um novo

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ciclo no mercado, aumentando o excedente do produtor e o bem estar geral. Há diversas fontes de lucro - desde os ajustamentos temporários de mercado (envolvendo o aumento de procura ou a redução de custos, a curto prazo) até à inovação científica e tecnológica, passando pelo risco e pela incerteza, que favorecem os factores aleatórios do mercado. Informação imperfeita e discriminação na remuneração de factores. Perante uma informação imperfeita, crescem os factores imprevisíveis e aleatórios. Esses factores favorecem a discriminação na remuneração dos factores de produção - o que se torna particularmente evidente em relação ao trabalho. O exemplo do trabalho das mulheres é especialmente evidente e ilustrativo. Mas podemos encontrar ainda as situações de trabalhadores migrantes ou de trabalhadores clandestinos. Na sociedade americana de antes dos anos sessenta a discriminação racial era uma marca - como o foi até há pouco tempo na África do Sul. Ao contrário destas situações, a discriminação pode ser positiva se nos ativermos aos trabalhadores mais qualificados ou àqueles que beneficiam de uma renda económica para além do vencimento de transferência. A legislação do trabalho, a adopção de programas de diferenciação positiva (relativamente às mulheres, no sentido da paridade, por ex.), o funcionamento do mercado afastando práticas de exclusão, a aposta na formação, na qualificação e na valorização do capital humano são meios de contrariar os efeitos negativos resultantes de uma informação imperfeita no mercado. Mas o mercado resiste à discriminação - nos Estados Unidos as empresas de transportes recusavam-se a discriminar os negros porque a exigência de veículos separados reduziria os seus lucros. Além disso, por exemplo, os negros começaram a boicotar algumas empresas e carreiras, com resultados negativos para a respectiva exploração. O conceito de capital humano, formulado por Theodore W. Schultz, em 1961, e também desenvolvido por Gary S. Becker, constitui um dos elementos essenciais para diferenciar os rendimentos e para contrariar as discriminações ilegítimas no mercado. A educação e a formação profissional são os factores essenciais para a valorização do capital humano. O nível de formação e a capacidade de aprendizagem diferenciam os sujeitos económicos, aumentando o rendimento e a integração no mercado. T. Schultz começou por dizer que os agricultores tradicionais seriam empresários tão capazes e inovadores como os de qualquer outra actividade - por isso a principal aposta de modernização deveria ser "investir nas pessoas", até para melhor mobilizar a comunidade, no sentido da inovação e da criatividade. O lucro resulta, assim, não de factores momentâneos e aleatórios, mas de acções deliberadas no sentido da inovação - designadamente quanto à melhoria de informação sobre os mercados, quanto à expansão do conhecimento científico e técnico, que aumenta a diferenciação e a produtividade do trabalho e quanto à discriminação no trabalho. Daí a importância dos investimentos em formação ou em investigação científica e tecnológica, no aumento de produtividade, na melhor organização da actividade produtiva e na análise e prospecção de mercados. X - Desigualdade e redistribuição de riqueza Desigualdade e pobreza.Quando procuramos responder à pergunta "para quem produzir", estamos perante a necessidade de conceber políticas públicas que se preocupem com a distribuição dos recursos e com a administração da equidade e da justiça. O cálculo meramente racional não funciona em termos absolutos, quando nos reportamos à partilha de recursos, devendo, por isso, ser corrigido pelos valores sociais. A pobreza e as desigualdades chocantes têm de preocupar os decisores económicos. Que critérios deveremos, então, ter em conta? É a distribuição da propriedade que gera desigualdades? Ou será a repartição de rendimentos, uma vez que é a criação de riqueza nova que importa?A repartição de rendimentos é o que importará, e não tanto a distribuição da propriedade. De facto, a capacidade criadora dos agentes económicos manifesta-se relativamente aos factores variáveis de produção e aos rendimentos que estes geram. É a esse propósito que devemos analisar os temas das falhas de mercado, da desigualdade de oportunidades, do esforço para criar nova riqueza e também o da regulação económica. Assim, temos de tomar consciência de que as disparidades, além de serem manifestações de injustiça, são também expressão de fragmentação social - o que se repercute negativamente na eficiência e na racionalidade económicas. Numa sociedade em que, por hipótese, os 20% da população com menos

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rendimentos têm apenas 1 ou 2% do total dos rendimentos gerados, enquanto os 20% da população com maiores rendimentos têm 80% dos rendimentos totais, temos uma situação fortemente desequilibrada, com uma acentuada desigualdade e uma intensa pressão social de quem tem rendimentos menores - com efeitos muito negativos no funcionamento da economia e da sociedade. Se existe equilíbrio, e os 20% mais pobres têm 15% dos rendimentos enquanto os 20% mais ricos têm 22% dos rendimentos, há tendência para haver maior coesão.Max Lorenz (1880-1962) elaborou um gráfico – a curva de Lorenz – que representa a distribuição de rendimentos numa sociedade. Se houvesse perfeita igualdade, haveria uma linha recta (a quaisquer 5% da população corresponderiam 5% dos rendimentos) A representação gráfica corresponde, assim, ao conjunto de pontos que têm por coordenadas: X corresponde à percentagem acumulada de pessoas recebendo um determinado rendimento; e Y à percentagem acumulada de rendimento. Corrado Gini (1884-1965) partiu desta representação para formular um Coeficiente o Índice de desigualdade (designado como Coeficiente de Gini), elaborado a partir da comparação entre a situação existente de desigualdade e a recta correspondente à situação de equilíbrio igualitário.Hoje, um quinto da população mundial vive com um rendimento igual ou inferior a 1 Euro por dia. Um quarto da população mundial vive com menos de 2 Euros por dia. Em Portugal, com números de 1995, 2% da população ainda vivia com o correspondente a 2 Euros por dia, enquanto que em Moçambique 78,4% da população vivia com esse rendimento.Apesar dos grandes progressos registados, os últimos anos têm conhecido um agravamento das desigualdades no mundo. Se considerarmos o rendimento por cabeça, nos últimos 40 anos, verificou-se um grande agravamento das desigualdades. O rendimento médio por pessoa dos 20 países mais ricos do mundo é hoje de cerca de 40 vezes superior ao rendimento médio dos 20 países mais pobres. Há 40 anos essa distância era de menos de 20 vezes. O combate à pobreza e à exclusão.O combate à desigualdade e à pobreza depende dos objectivos políticos e do contexto social. Assim, equidade e igualdade de oportunidades estão em confronto com o igualitarismo. O mercado pressupõe a existência de diferenças e complementaridades. Mas há um limiar de pobreza, abaixo do qual, de acordo com critérios de justiça e de coesão social é desejável que ninguém se encontre. A economia precisa de encontrar um equilíbrio entre a preservação da coesão social e a salvaguarda do dinamismo e do espírito de risco – e que a igualdade não prejudique a liberdade, de modo que a equidade não prejudique a eficiência, de modo que a riqueza não se baseie na injustiça. Justiça, utilidade e liberdade devem estar permanentemente presentes nas decisões públicas a adoptar relativamente à economia.O tema da justiça na vida económica pode ser analisado na perspectiva dos fins ou dos resultados. Ou se adopta uma abordagem utilitarista ou se assume uma posição centrada na "justiça como equidade", na linha de John Rawls. No primeiro caso, faz-se uma comparação entre as utilidades marginais decrescentes. Para realizar uma repartição equitativa deveríamos tirar uma parte dos bens a quem dispõe de mais doses de bens - o que implica uma perda das utilidades menos significativas - para os atribuir a quem dispõe de poucas doses, auferindo, assim, utilidades marginais maiores. Nesta hipótese, não se tem em consideração o grau de esforço ou o mérito para obter determinado bem e satisfazer uma necessidade económica. Na segunda perspectiva concentramo-nos na obtenção de maior coesão possível, através da diminuição das perdas máximas que advenham do facto de uma pessoa se encontrar no grupo mais desfavorecido da sociedade. Trata-se, no fundo de proteger a sociedade contra os resultados mais desfavoráveis que afectam o grupo dos mais pobres. Adoptam-se medidas cirúrgicas na erradicação das formas mais extremas de riqueza - sem pôr em causa a liberdade económica. A situação pode ser mais inigualitária, mas o critério da justiça como equidade cumpre-se desde que quem está em posição mais desfavorável não sai prejudicado ou tenha novos benefícios.Além do critério dos resultados, temos ainda o critério dos meios e do procedimento - numa lógica eminentemente individualista. A justiça seria preservada se fosse justo o processo através do qual as pessoas enriquecem. A ideia de igualdade deixa, nessa perspectiva, de estar nos resultados e passa para as oportunidades. Nesta perspectiva, bastaria criar condições de igualdade de oportunidades - como na prova de atletismo em que todos os atletas partem da mesma linha. No entanto, não poderá esquecer-se ainda a correcção das desigualdades concretas, para além da mera consideração das oportunidades. Como se faz o combate à pobreza?

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(a) pela tributação progressiva ou proporcional dos rendimentos, discriminando assim os que têm maiores e menores rendimentos;(b) pelo estabelecimento de medidas de combate directo à pobreza – através da segurança social, dos subsídios de desemprego, e os incentivos à criação de empregos);(c) pela prestação de serviços subsidiados pelo Estado a favor dos mais pobres (por ex. rendimento mínimo de inserção).Importa, porém, contrariar o que se designa como "armadilha da pobreza", que leva o pobre a subtrair-se ao mercado de trabalho, preferindo viver na dependência do subsídio. O modo de contrariar essa tendência está em substituir os instrumentos visando a equidade, por mecanismos de eficiência, sendo um desses instrumentos o "imposto negativo". Nesse caso, todos os indivíduos são formalmente tributados, não havendo isenção de um mínimo de existência, todavia, a todos é concedido um crédito de imposto que, deduzido do imposto devido, corresponderia a um apoio aos mais pobres, permitindo uma transição das situações de benefício para as situações de tributação. O rendimento mínimo de inserção seria assim conseguido não através de um subsídio mas de um crédito de imposto. No entanto, no sentido da diferenciação positiva haveria a necessidade fundamental de adoptar políticas activas de emprego e de formação, centradas na valorização do "capital humano" - segundo o velho princípio segundo o qual mais importante do que dar o peixe é fornecer a cana de pesca. A função económica dos impostos.Os impostos são prestações pecuniárias obrigatórias e sem contrapartida específica, tendo como objectivo cobrir as despesas de interesse geral de uma comunidade. A cobrança de impostos visa financiar as despesas públicas e garantir a melhor distribuição de recursos na sociedade. A carga tributária, isto é, o peso dos impostos numa determinada economia, não pode nem deve conduzir à perda de eficiência da actividade económica sobre que incide.Os sistemas fiscais tributam quer o rendimento quer a despesa e o consumo, além do património. Os impostos directos incidem sobre manifestações permanentes de riqueza ou rendimento (p. ex. IRS, IRC). Os impostos indirectos incidem sobre actos económicos, que não se reportem a manifestações permanentes de riqueza ou rendimento (impostos sobre o consumo, IVA). Há um velho debate sobre o que deve prevalecer se a tributação sobre o rendimento se a tributação sobre a despesa. O argumento mais antigo partia da ideia de que um sistema redistributivo, baseado na ideia de justiça distributiva, teria de assentar em impostos directos progressivos, já que só a progressividade permitiria a correcção das desigualdades e o prosseguimento de um objectivo de equidade. Segundo outra linha de argumentação, o facto de a tributação directa sobre o rendimento penalizar sobretudo os salários e as poupanças - quer por via do rendimento global, envolvendo, consumo e poupança, quer por poder afectar ainda o património, porventura alcançado através das poupanças - levaria a que se devesse preferir a tributação indirecta sobre a despesa, que atingiria mais os que mais consumissem e não afectaria a poupança. Nessa perspectiva, o caminho da eficiência económica recomendaria sempre a minimização da carga fiscal, do peso burocrático da administração tributária e a simplificação das normas tributárias cuja complexidade é a base incentivadora da fraude e da evasão fiscais.Enquanto no "Antigo Regime", antes do constitucionalismo liberal, as receitas públicas eram sobretudo patrimoniais, pela importância fundamental do património do monarca e dos seus réditos, depois da Revolução Francesa as receitas públicas mais importantes passaram a ser as tributárias. Os cidadãos passaram a financiar através do imposto as despesas públicas e ficaram sujeitos à conscrição ou serviço militar obrigatório. Daí a consagração dos princípios do consentimento e da representação ("no taxation without representation"). Os sistemas eleitorais começaram por ser censitários (só os proprietários e comerciantes tinham representação porque eram os que pagavam impostos) e depois evoluíram para o sufrágio universal (com a generalização do imposto e o aumento das despesas públicas). Igualdade, capacidade e benefício.Se considerarmos as finalidades prosseguidas pelos impostos, encontramos os seguintes tipos de tributação:(a) De todos os contribuintes pela mesma soma (v.g. por capitação);(b) Proporcional ao rendimento de cada contribuinte (taxa uniforme);

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(c) Proporcional com crédito de imposto para os rendimentos mais baixos ou com isenção para os mesmos rendimentos, com progressividade limitada às classes inferiores de rendimentos;(d) Com taxas progressivas, por escalões e com um limite na aplicação da taxa marginal mais elevada.No caso da tributação de valor fixo, verificamos existir, na prática, regressividade, isto é, os rendimentos mais baixos são obrigados proporcionalmente a um sacrifício maior. Então os contribuintes mais pobres pagariam proporcionalmente mais do que os mais ricos – a partir de uma lógica de justiça comutativa, segundo a qual teria de pagar mais os que precisassem mais dos serviços públicos. No entanto, um contribuinte submetido a este regime saberia que, uma vez pago o tributo, o seu esforço produtivo não seria mais penalizado por agravamentos de imposto. No caso da proporcionalidade não existem desincentivos crescentes à medida que o rendimento aumenta nem motivos para que o contribuinte distorça a sua conduta económica por razões fiscais. No entanto, os menores rendimentos continuam a ser mais afectados do que os rendimentos mais elevados.Quanto à progressividade há uma tensão permanente entre os valores da taxa média (quociente entre o rendimento total e o total do tributo pago) e da taxa marginal (quociente entre a variação do rendimento e a variação do tributo pago). Enquanto nos impostos proporcionais as taxas média e marginal coincidem, o mesmo não acontece nos impostos progressivos. A taxa marginal apresenta um incentivo a aumentar ou a diminuir o rendimento. A taxa marginal é mais alta do que a taxa média. O agente económico perante uma taxa marginal muito alta para rendimentos acima de um determinado limiar vai ponderar se lhe vale a pena trabalhar mais se é melhor dedicar-se ao lazer. Sendo em Portugal a taxa marginal mais elevada do IRS de 40%, o advogado ou o médico deixariam de dar consultas para além de um número por eles estipulado se chegassem à conclusão de que o trabalho adicional é superior ao rendimento marginal líquido auferido…Para compreendermos a função do imposto e o modo como o mesmo é tratado numa economia deveremos ainda ater-nos ao princípio da capacidade contributiva, segundo o qual a oneração por virtude da aplicação de um imposto deverá ser distribuída pelos contribuintes (segundo as respectivas classes de rendimentos ou individualmente) de acordo com a aptidão de cada um para suportar o sacrifício a que fica subordinado. Não é possível impor tributos que estejam para além dessa capacidade - caso em que se vai incentivar a fraude e a evasão fiscais. Aliás, estes fenómenos e a generalização do planeamento tributário pelos contribuintes com maiores rendimentos e melhor informados leva a que o predomínio dos impostos directos progressivos seja posta em causa, uma vez que a justiça que os caracteriza não corresponde à respectiva eficiência - o que, como é evidente, também afecta seriamente a equidade (já que são os trabalhadores por conta de outrém aqueles que são o sustentáculo da progressividade).O princípio da capacidade leva-nos aos conceitos de igualdade horizontal e de igualdade vertical.Há igualdade horizontal quando dois contribuintes com uma capacidade contributiva semelhante - isto é, com o mesmo rendimento, líquido de certas despesas pessoais e familiares que socialmente devam entender-se como dedutíveis - devem pagar um mesmo montante de imposto.Há igualdade vertical relativamente a um contribuinte que demonstre maior capacidade contributiva do que outro - e que, portanto, deve pagar mais imposto do que este. Hoje funciona um princípio de repartição, que se reporta à justiça distributiva, segundo o qual a tributação é feita em razão do interesse geral e de uma partilha de encargos pelos diversos contribuintes. No entanto, antes de vigorar esse critério de repartição articulado com a capacidade funcionou o princípio do benefício (que legitimava uma tributação regressiva), que se reporta à justiça comutativa, segundo o qual as pessoas deveriam ser tributadas proporcionalmente ao uso que fazem dos bens públicos, o que exigiria que se pudesse avaliar qual o valor do uso privado dos bens públicos. A regressividade inerente à teoria do benefício tem a ver com o facto de os cidadãos com menores rendimentos serem aqueles que mais dependem dos bens públicos. No entanto, este conceito aplicado, por exemplo, à saúde determinaria que os mais enfermos fossem os mais tributados, o que originaria injustiça e desrespeito pela equidade. XI - A intervenção do Estado e a escolha pública. A Regulação económica e escolha pública.A escola da escolha pública (public choice) nasceu no início dos anos sessenta do século XX na Universidade de Chicago baseando-se nos princípios e instrumentos que os economistas utilizam para analisar as atitudes

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dos sujeitos económicos no mercado. A satisfação das necessidades públicas é analisada não sob o prisma estrito do interesse geral, mas na lógica da utilidade e do mercado. Há, assim, uma análise económica a partir das decisões de carácter colectivo e não das atitudes individuais. Economistas da escola da "escolha pública", como James Buchanan (1919), consideram, com idêntica importância, que existem não só falhas de mercado, mas também falhas de governo. "Tal como o mercado - afirma Gordon Tullock (autor com J. Buchanan de The Calculus of Consent) -, o Estado é concebido como um instrumento através do qual os homens tentam realizar os seus objectivos". A escola da “escolha pública” usa, deste modo, os mesmos princípios que os economistas usam para analisar as acções das pessoas no mercado e aplica-os às acções das pessoas na tomada de decisões colectivas. O homem político age como o homo oeconomicus e pensa nas hipóteses que lhe oferece o mercado político, em especial no tocante à reeleição, ao mesmo tempo que pondera o interesse geral. O crescimento do Estado é, deste modo, o produto de um sistema centrado nos interesses eleitorais relevantes e nos grupos de pressão. Os agentes do Estado tendem a seguir esta mesma lógica. A burocracia, o centralismo, bem como a ineficiência resultantes da não consideração dos instrumentos inerentes à ponderação dos custos e benefícios e à transparência nas decisões constituem elementos que definem as falhas de governo.Para os autores da "escolha pública", existe uma ausência grave de incentivos a que os eleitores supervisionem eficazmente o governo para lhe exigirem a prestação de contas (accountability). Há, pelo contrário, um incentivo à ignorância na condução dos assuntos públicos - em virtude do funcionamento do “mercado político e eleitoral” e da convergência entre os interesses ligados à necessidade de obter votos e a pressão dos lobbies. Ao invés do que acontece, em regra, com a iniciativa privada, as decisões nos espaços públicos são marcadas pela força dos grupos de interesses e não da estrita eficiência económica.Os recentes escândalos (Enron, Parmalat) com a contabilidade e a falsificação de resultados em grandes empresas (designadamente de auditoria) passou, contudo, a colocar a necessidade de encontrar novos instrumentos de defesa do interesse geral e de regulação quer relativamente aos governos, quer em relação às grandes empresas transnacionais e ao mercado em geral, sujeito a intensa concorrência global e à necessidade de apresentar resultados imediatos. Para a escola da escolha pública, os legisladores tenderiam a actuar de forma dispendiosa para os contribuintes - por haver poucos incentivos a uma boa gestão do interesse público. O certo é que, quanto mais rígido é o sistema, mais se torna vulnerável à intervenção dos grupos de interesses e de grupos de pressão. A complexidade dos procedimentos, a falta de transparência na sua condução favorece a opacidade. Albert O. Hirschman refere, aliás, que a perda de qualidade dos serviços públicos está na raiz da Crise do Estado Providência. Por outro lado, Mancin Olson, partindo da mesma ideia do predomínio burocrático e da vulnerabilidade à ineficiência, estudou os casos das economias japonesa e alemã e concluiu que estas prosperaram depois de 1945 porque a guerra destruiu o poder que tinham os interesses administrativos e burocráticos instalados para reprimir o espírito empreendedor e a actividade comercial.A participação dos cidadãos e o incentivo ao desenvolvimento dos poderes locais e de outros poderes de controlo da sociedade civil seriam meios para romper com o ciclo vicioso das falhas de intervenção do governo e da ineficiência do Estado e do sector público. A fixação da agenda política identifica as opções dos eleitores e influencia os resultados políticos. Em "The Calculus of Consent" (1962), Buchanan e Tullock referem a necessidade de romper a influência perversa dos interesses particulares. Para Buchanan há uma distinção entre dois níveis de escolha pública – o nível inicial onde a Constituição é escolhida e o nível pós-constitucional. No primeiro definem-se as regras de um jogo, no segundo joga-se de acordo com as regras antes definidas. Estamos, assim, perante a noção de "economia constitucional", relativa aos grandes princípios a que a vida económica deve subordinar-se, bem como perante a necessidade de uma ideia segundo a qual uma boa escolha colectiva seria a que todos os eleitores apoiassem. Partindo de um ensaio de Knut Wicksell de 1896, onde este economista sueco afirmava que só os impostos e as despesas públicas aprovadas unanimemente teriam justificação, Buchanan e Tullock põem a tónica na importância dos sujeitos beneficiários dos programas públicos. Os autores de “The Calculus of Consent” contrariam, assim, de modo frontal, a ideia de que não há ligação entre o que o contribuinte paga e os benefícios auferidos através dos serviços públicos. Em questões marcantes para o futuro da sociedade, com repercussões de médio e longo prazos, para além dos prazos dos mandatos eleitorais, haveria necessidade de obter consensos alargados, para além das simples maiorias circunstanciais.

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Buchanan e Tullock consideram, assim, a pertinência do conceito de óptimo de Pareto na ponderação do bem estar geral, em especial aquando da tomada de uma decisão parlamentar ou legislativa. Só assim poderá limitar-se os poderes e a influência dos Governos e maximizando a racionalidade e a eficiência. A escolha pública e a preservação da concorrência.Os agentes económicos conduzem, como vimos, a sua acção, ligando-a ao funcionamento do "mercado político" das eleições. Na lógica paretiana, parte-se da ideia de que haveria uma situação óptima quando ninguém saísse prejudicado pelo facto de alguém conseguir aumentar o seu nível de bem-estar. Há, no entanto, áreas significativas de perda de bem-estar, fruto da ineficiência e do desperdício. James Buchanan e a escola da public choice põem em causa que a intervenção e a regulação públicas consigam eliminar essas áreas de perda absoluta de bem-estar, quando procuram ultrapassar as falhas de mercado.O direito da concorrência e as leis antitrust poderiam, nesta ordem de ideias, revelar-se ineficientes - até perante a tendência para a mundialização do comércio internacional. O abuso de posição dominante passaria a verificar-se no âmbito global, mas a escala mínima de eficiência passaria a gerar mais dificilmente monopólios naturais. Continua, porém, a justificar-se plenamente a continuação do combate pela concorrência a partir das políticas públicas ou pela manutenção e ampliação das condições concorrenciais.Importa valorizar o equilíbrio na ponderação da regulação pública (no sentido de manter níveis satisfatórios de concorrência) e da liberdade económica (no sentido em que as falhas de mercado devem ser vistas em paralelo com as falhas do governo)… Deste modo, o Estado intervém na economia por diversas ordens de razões: (a) a promoção da eficiência comprometida por falhas de mercado; (b) a necessidade da superação da disparidade entre eficiência e bem estar social, originada pela existência de "exterioridades" ou (c) a exigência de superação da injustiça das preferências dos consumidores ou das regras de distribuição da riqueza… No entanto, o comportamento do Estado e dos diversos entes públicos vai reflectir os interesses e as escolhas de um número significativo de pessoas e as naturais resistências a mudanças que se traduzam em maior eficiência e racionalidade. Não sendo a escolha pública individual, mas resultando da convergência de vontades e interesses, compreende-se a importância da ponderação da dimensão do mercado bem como dos resultados que em concreto se visa obter. Grupos de interesses e defesa do interesse geral. Perante os interesses divergentes que coexistem num determinado momento na sociedade e na economia, torna-se necessário encontrar um ponto em que haja uma composição de interesses racional e eficiente. Os grupos de interesses e os "lobbies" (sindicatos, confederações patronais, associações de consumidores e contribuintes etc.) tendem a defender posições adquiridas ou a procurar reforçar a situação dos seus representados. As decisões públicas, designadamente envolvendo opções eleitorais, tendem a não seguir os critérios de eficiência e a não ter em consideração custos e benefícios. Numa situação democrática, é a posição do "eleitor mediano" que definirá em princípio a escolha. Esse votante mediano representa uma exígua minoria, mas consegue decidir a seu favor as votações em alternativa. Nas sociedades democráticas tende a haver bipolarização nas opções, mas as forças alternantes tendem a adoptar posições próximas e consensuais, inclinando-se no sentido da posição do "eleitor mediano", que se torna decisivo na adopção das opções da sociedade. Assim, a acção política, em lugar de uma ponderação objectiva e igualitária dos interesses em presença, pode favorecer posições particulares e concentrar-se na gestão equilibrada desses interesses prioritários. Deste modo, os grupos de interesses procuram maximizar no mercado de favores políticos. Os grupos fazem prevalecer um efeito de "renda" para os respectivos interesses. Quanto mais aguerridos e coesos forem, melhores resultados obtêm.O “mercado político” distribui-se, assim, pela procura constituída pelos votantes que procuram condicionar os eleitos e pela oferta dos políticos eleitos, que procuram maximizar o respectivo excedente (renda económica expressa em votos) e pelos burocratas que procuram maximizar a respectiva influência e poder nos procedimentos de decisão pública. Enquanto para os defensores da teoria da escolha pública há cepticismo quanto à eficiência económica das decisões, em virtude da ignorância racional dos eleitores, dos custos

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da informação e do risco moral em que incorrem os decisores políticos, para os defensores da teoria do interesse público a eficiência pode ser alcançada, desde que haja por parte dos eleitores um grau suficiente de informação e uma escolha racional que lhes permita contribuir para as melhores soluções.A defesa do interesse geral tem, assim, de considerar as virtualidades e as limitações da actuação do Estado. De um lado, temos a produção de bens públicos e a promoção de actividades criadoras de exterioridades positivas (v.g. na protecção do ambiente); de outro, temos os bloqueamentos inerente ao respeito da legalidade e da transparência, à prestação de contas anual, à alternância do poder e à existência de ciclos eleitorais e à assimetria e insuficiência informativas inerentes à dimensão do Estado. Tudo isso, determina que o interesse público exija um esforço redobrado de racionalização de modo que os custos não excedam os benefícios e que a rectificação das falhas dos mercados não origine falhas de intervenção. As Finanças Públicas. O Orçamento do Estado. O fenómeno financeiro público. Efeitos das despesas e das receitas públicas.Génese do fenómeno financeiro público. - Já tivemos oportunidade de referir em diversas circunstâncias a tensão existente entre as falhas de mercado e as falhas de intervenção. Acabámos de analisar a dialéctica entre escolha pública e interesse público. Na encruzilhada dessas questões encontramos o fenómeno financeiro público e as finanças públicas. Em sentido orgânico estamos perante os órgãos do Estado ou de outros entes públicos a quem compete gerir os recursos destinados à satisfação de necessidades sociais. Em sentido objectivo estamos perante a actividade através da qual o Estado ou outro ente público afecta bens económicos à satisfação de necessidades sociais. Em sentido subjectivo, estamos perante a disciplina científica que estuda os princípios e regras que regem a actividade referida. Torna-se necessário garantir a satisfação de necessidades sociais por entes públicos em virtude de o mercado, só por si, não assegurar a compatibilidade entre eficiência e equidade. A actual economia de mercado tem diversas limitações que se prendem com a desigualdade na distribuição da riqueza, a instabilidade na provisão de necessidades, o custo crescente dos serviços públicos, as situações monopolísticas abundantes e crescentes, a existência de exterioridades, a má distribuição de bens públicos e de recursos entre o presente e o futuro. Por isso, torna-se necessário aperfeiçoar os meios de regulação pública relativamente à economia, a fim de assegurar um equilíbrio entre a concorrência e uma justa distribuição de recursos. Como já vimos (designadamente quando citámos John Rawls sobre o seu conceito de justiça como equidade), a economia de bem-estar pressupõe a consideração das necessidades individuais e da coesão social. É preciso ter em consideração o que Arthur Cecil Pigou (1877-1959), da escola de Cambridge, dizia sobre o bem-estar económico. O objectivo natural da actividade económica seria o aumento geral desse bem-estar - que depende de duas condições essenciais: o aumento do rendimento nacional e a distribuição desse rendimento. O Estado, para Pigou, deve intervir, através de meios tributários e outros, no sentido de corrigir a distribuição de rendimentos. Mas corrigir não pode significar qualquer dirigismo ou limitação da livre iniciativa e do direito de propriedade. Para cada sujeito económico o ponto óptimo de oferta de bens públicos é aquele em que a utilidade marginal dos bens públicos é igual à desutilidade marginal do imposto. Haveria, assim, que ter sempre em consideração a relação entre o pagamento de impostos e a provisão de bens públicos. Por fim, Pigou considera que o aumento do bem-estar económico pode não traduzir-se em bem-estar social, que exigiria a igualdade entre todos, porque só então seriam iguais todas as utilidades marginais de todos os indivíduos. No entanto, tal igualdade não pode existir pois poria em risco a liberdade, a manutenção de níveis elevados de poupança e afectaria o bem-estar económico. O fenómeno financeiro público está confrontado, deste modo, com a necessidade de considerar permanentemente o equilíbrio entre utilidade dos bens públicos e desutilidade do imposto. As instituições financeiras públicas. - Para garantir um equilibrado provimento das necessidades sociais os Estados modernos dispõem de instituições financeiras de enquadramento, que são modos (de natureza constitucional, legislativa ou orgânica) de racionalizar e controlar o processo social de exercício da actividade financeira pública. As principais instituições financeiras de enquadramento são: a Constituição Financeira; os órgãos de decisão financeira (Assembleia da República, Governo, Regiões Autónomas, Autarquias locais etc.); o aparelho orgânico da administração e gestão financeira (v.g. Ministério das Finanças); os planos financeiros relativos à previsão, execução, controlo e responsabilidade financeira (Orçamento do Estado, Grandes

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Opções do Plano); o património público; o tesouro público; o crédito público. Veremos sucintamente a seguir, a propósito do Orçamento de Estado, como se articulam a Constituição, os órgãos de decisão financeira e o aparelho orgânico da administração. Por agora, limitamo-nos a caracterizar o património público - como o conjunto dos bens (duradouros e não duradouros, do domínio público e do domínio privado) de que o Estado dispõe para satisfazer as necessidades sociais. O tesouro público é a instituição destinada a centralizar todos os recebimentos e pagamentos do Estado. O crédito público designa o conjunto de operações de endividamento e de gestão da dívida pública praticadas pelo Estado a fim de obter meios de liquidez para a cobertura das suas obrigações. O Orçamento de Estado. - O Orçamento de Estado é uma previsão, em regra anual, das despesas a realizar pelo Estado e dos processos de as cobrir, incorporando a autorização concedida à Administração Financeira para cobrar receitas e realizar despesas e limitando os poderes financeiros da Administração em cada período anual (A. Sousa Franco). O Orçamento do Estado comporta três elementos: económico (uma vez que estamos perante uma previsão de gestão orçamental - tratando-se de um plano financeiro); político (já que é uma autorização política da Assembleia da República - tratando-se de uma competência indelegável no Governo, que apenas detém o poder de execução orçamental) e jurídico (uma vez que é o instrumento pelo qual se processa a limitação de poderes dos órgãos da Administração no domínio financeiro). As funções orçamentais são económicas - ligadas à racionalidade, à eficiência e à transparência; - políticas - ligadas à garantia dos direitos fundamentais e à garantia do equilíbrio e separação de poderes; e jurídicas - ligadas à limitação dos poderes executivos, a partir do respeito do princípio do consentimento. Os Parlamentos e a Democracia Representativa desenvolveram-se em torno do princípio do consentimento - considerando que não deveria haver imposto sem representação - no taxation without representation. Os representantes dos contribuintes dão o seu acordo ao lançamento de impostos e à realização de despesas. Os Parlamentos são, assim, verdadeiras "Câmaras de Impostos". Os sistemas eleitorais evoluíram nessa lógica. Primeiro o sufrágio era censitário, só votando os que eram proprietários ou tinham rendimentos. Só depois veio o sufrágio universal coincidindo com o Estado social e com os sistemas universais de protecção social. Compreende-se, deste modo, a importância das modernas Constituições Financeiras. Com base nesta exigência de consentimento parlamentar dos Orçamentos há um conjunto de regras constitucionais que têm de ser respeitadas - anualidade, unidade orçamental, universalidade, discriminação orçamental (incluindo a especificação, a não compensação e a não consignação), publicidade e equilíbrio (cf. artigos 105º,106º e 107º da Constituição da República). Efeitos das despesas e das receitas públicas. - As despesas e as receitas públicas têm forte influência sobre a conjuntura económica. Começando pelos efeitos das despesas públicas, utilizamos sobretudo dois princípios ou instrumentos de análise, muito simples e bem nossos conhecidos. Por um lado, o multiplicador, que é o coeficiente que mede o aumento do rendimento imputável à realização de um investimento. Por outro, o acelerador, que mede o aumento do investimento que deriva das despesas iniciais de consumo. O multiplicador aplica-se não apenas às despesas públicas de investimento, mas ao conjunto das despesas públicas. Basta lembramo-nos da importância que o Estado tem entre os sujeitos económicos e da influência que as despesas de funcionamento da Administração Pública ou que as despesas militares têm no conjunto da economia. Remetemos para a explicação já dada sobre o tema. Acrescentamos, apenas, que se tem tentado conjugar o multiplicador e o acelerador através de um outro instrumento de análise teórica - o oscilador ou propulsor de John R. Hicks (1904-1989) e Paul Samuelson (1915). Partindo de um aumento inicial de consumo ou de investimento conjugamos os aumentos sucessivos de rendimento, consumo e investimento. Um investimento inicial gera rendimentos multiplicados e consumo. Estes induzem novos investimentos acelerados, e assim sucessivamente. Há ainda a referir as "fugas" ou "filtrações" destes efeitos. Antes do mais, eles só funcionam plenamente em economias fechadas. Por outro lado, a propensão marginal para poupar pode ser nula, limitando drasticamente o efeito multiplicador; a preferência pela liquidez também pode ser excepcionalmente alta, produzindo efeito semelhante; se há dívidas a saldar, também o efeito se reduz; o mesmo acontecendo em situação de grande desemprego com predomínio de rendimentos de subsistência ou no caso de substituição de despesas (em que o Estado substitui o investimento privado, não se gerando rendimentos adicionais).

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E os efeitos económicos das receitas públicas ? Centrando-nos nos efeitos económicos dos impostos verificamos, em termos microeconómicos, dois problemas - a transmissão do sacrifício patrimonial do contribuinte de direito para o contribuinte da facto, e as alterações de comportamento do contribuinte de facto a que é imposto o sacrifício fiscal. Em síntese temos os seguintes efeitos:(a) Amortização do imposto - nos impostos que incidem sobre o valor patrimonial dos bens duradouros (v.g. imóveis, ou móveis sujeitos a registo) ou sobre o respectivo rendimento, verifica-se que os impostos provocam uma modificação no valor de utilidade subjectiva e no valor de mercado desses bens subjectivos. Intuitivamente verificamos que comparando dois imóveis do mesmo valor, um sujeito a imposto e outro isento, o segundo tem um valor superior.(b) Remoção do imposto - quando há um aumento de impostos o contribuinte toma uma de duas atitudes: ou resigna-se a ter uma redução do rendimento disponível ou vai tentar reconstituir o rendimento, para que o rendimento disponível não seja inferior ao que tinha antes do agravamento tributário. A segunda opção corresponde à remoção (o advogado recebe mais clientes e termina mais tarde o seu dia de trabalho, p. ex.).(c) Difusão do imposto - continuando no exemplo do aumento do imposto, o contribuinte vai difundir o efeito da redução do poder de compra, reduzindo o consumo de bens, começando nos supérfluos, mas depois chegará aos essenciais. Há, assim, uma repercussão negativa na procura com repercussão na oferta e no investimento.(d) Repercussão do imposto - Neste caso, o contribuinte exonera-se do sacrifício fiscal transferindo-o para outros que com ele entrem em relação. Deste modo, o contribuinte de direito (o comerciante, p. ex.) transfere para o contribuinte de facto (o consumidor) o tributo pago. A repercussão pode ser progressiva ou ascendente (quando o sujeito económico que está mais perto da produção transfere o sacrifício para quem está mais distante - o preço final é acrescido do imposto pago) e regressiva ou ascendente (no caso de um imposto de consumo sofrer aumento e para evitar perder clientes o produtor ou o comerciante suportam esse sacrifício adicional - tudo se passa como se o consumidor transferisse o imposto para o produtor ou para o intermediário). XII - A economia monetária Noção de moeda. Funções e tipos de moeda.A moeda é um elemento fundamental para o funcionamento da economia. Pressupõe a realização de trocas na satisfação das necessidades humanas. Não se trata, porém, apenas de um mero instrumento de trocas ou de uma unidade de cálculo. É mais do que isso. A moeda não tem, como julgava Jean-Baptiste Say (1767-1832), uma função marginal na vida económica. A economia monetária envolve um conjunto muito vasto de temas - desde a oferta e a procura de moeda até à emissão, à criação de moeda pelo sistema bancário, passando pelo valor da moeda, pela relação entre massa monetária, rendimento, consumo, poupança e transacções, pelas taxas de juro e pelas relações cambiais entre diferentes espaços monetários… Etimologicamente a palavra moeda provém de moneta, substantivo ligado ao verbo latino monere, que significa advertir quanto ao futuro. Estamos sob a inspiração da deusa Juno, que advertia os mortais anunciando-lhes o futuro.Depois de uma fase primitiva caracterizada pelas trocas directas, a humanidade sentiu necessidade de utilizar determinados bens, que pela sua raridade fossem aceites como instrumentos gerais de trocas (como o sal, o marfim, os metais preciosos, as tâmaras ou as conchas especialmente raras e valiosas). Depressa se verificou a dificuldade na troca de uns bens por outros, segundo o princípio da divisão do trabalho, mas também se revelou indispensável adoptar uma medida comum de valores, para facilitar as transacções, sem estar a usar um complexo sistema de comparação entre bens diferentes. Quanto custaria um cavalo em sacos de trigo? Qual o valor de um serviço prestado por um ferrador traduzido em frangos de capoeira? E como fazer quando os valores não eram certos na respectiva correspondência?Quais as funções da moeda? São fundamentalmente três: instrumento geral de trocas, medida comum de valores e reserva de valores. Sendo a moeda contrapartida da aquisição de um bem ou de um serviço permite realizar uma troca indirecta, com a vantagem da clareza e da facilidade na transacção. A moeda é, pois, um instrumento geral de trocas. Mas as unidades monetárias são usadas para avaliação do valor dos bens, em termos absolutos e relativos e constituem um instrumento de medida de assinalável fiabilidade. Os banqueiros da Antiguidade e

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da Idade Média tinham como função primordial garantirem a fiabilidade do peso e do valor das moedas em circulação. E nesse caso estamos perante um padrão ou medida comum de valores. Da função de instrumento geral de trocas resulta ainda para a moeda a finalidade de reserva de valores. A moeda é então um traço de união entre o presente e o futuro, segundo a simbologia representada pela deusa Juno. Impondo-se aos sujeitos económicos prevenir o futuro, fácil é de compreender que as poupanças constituem uma peça fundamental na estabilização económica de uma comunidade. Ganhando crescente importância como reserva de valor, a moeda conheceu no século XX novos progressos que conduziram à necessidade de formulação de um conceito como o de preferência pela liquidez, com origem na escola de Cambridge.A preferência pela liquidez é uma tendência verificável na economia contemporânea no sentido de para manter moeda imediatamente disponível para a satisfação das necessidades humanas. Deriva de três motivos fundamentais: (a) o motivo transacção, segundo o qual os sujeitos económicos podem adquirir com moeda disponível os bens e os serviços que satisfaçam as suas necessidades; (b) o motivo precaução, uma vez que a moeda é guardada para situações futuras imprevistas; e (c) o motivo especulação, uma vez que a moeda pode ser usada para ganhos fáceis e imediatos geradores de excedentes potenciais, verificando-se que o entesouramento especulativo aumenta quando a remuneração do capital diminui, ou seja, quando a taxa de juro baixa.Considera-se como massa monetária ou "stock monetário" o conjunto que compreende todas as unidades monetárias de uma economia repartidas entre os diferentes sujeitos económicos, que asseguram o financiamento das respectivas actividades. A noção de circulação monetária corresponde à massa monetária em movimento, o que nos conduz ao entendimento da velocidade de circulação, ou seja, o número de vezes que uma moeda é dada em pagamento. Há diversos tipos de moeda. Antes de mais, a moeda que constitui um meio imediato de pagamento nas transacções designa-se como M1, e é constituída pela moeda metálica, pelo papel moeda e pelos saldos dos depósitos à ordem - a moeda escritural ou bancária. Temos ainda outro tipo de moeda onde se reflecte a função de reserva de valor, que se designa como M2, e é constituída pelos depósitos a prazo (a curto prazo superior a 180 dias ou a médio e longo prazos) no sistema bancário. Por fim temos a quase moeda, composta por M2 e ainda pelos títulos mobilizadores de poupança, como obrigações, bilhetes e obrigações do tesouro - trata-se do M3… Moeda metálica, moeda representativa, moeda fiduciária, moeda escritural.A divisão do trabalho e as dificuldades na troca directa conduziram à adopção da moeda como instrumento de trocas e padrão de valor. Como dissemos, os metais preciosos (o ouro e a prata) cedo se revelaram como amoedáveis pela sua resistência, inalterabilidade, maior facilidade de transporte e difícil falsificação. A moeda metálica surgiu e assim se afirmou. Houve, porém, que apor aos fragmentos de metais preciosos que funcionavam como moeda a indicação do valor e do respectivo peso. Essa marca caracterizou a primeira fase da amoedação, ainda na Antiguidade. A cunhagem começou por ser privada, mas o risco de abusos e o surgimento dos Erários Públicos levou a atribuir ao poder político essa tarefa. Também os príncipes vieram a abusar desse privilégio com constantes quebras de moeda - o que levou as Cortes e os Parlamentos a redobrar a sua actividade permanente de controlo e de autorização, segundo o princípio do consentimento.Cunhar moeda era direito dos soberanos. Na segunda metade do século XVII, em Inglaterra estabeleceu-se a liberdade de cunhagem, podendo qualquer particular detentor de uma barra de ouro ou de prata transformá-la em moeda, cabendo, porém ao Estado proceder, através da Casa da Moeda, a essa transformação.Havia obrigatoriedade de aceitação pelos particulares de moeda cunhada com o valor estabelecido pelo Príncipe. Estamos perante o conceito de curso legal, que é complementar do direito de cunhar moeda. Trata-se de uma obrigatoriedade imposta aos particulares, já que ninguém poderia recusar-se a aceitar em pagamento as espécies monetárias que tinham curso declarado. Curso legal não significa, porém, poder liberatório pleno. Há moedas com curso legal que só são aceites em pagamentos pouco significativos. Estamos a falar das moedas divisionárias (1 ou 5 cêntimos, p. ex.) que servem para trocos, mas não para fazer grandes pagamentos. Por exemplo, nos sistemas monometalistas do ouro só as moedas cunhadas nesse metal poderiam gozar de poder liberatório pleno (isto é, poderiam ser aceites em qualquer pagamento).O metal em que se baseia um sistema metalista designa-se como estalão monetário.

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No tocante ao estalão temos três sistemas possíveis - o monometalismo-ouro ou sistema de estalão ouro, o monometalismo-prata ou sistema de estalão prata. e o bimetalismo ou duplo estalão. O monometalismo implica liberdade de cunhagem apenas para as moedas do estalão. Por outro lado, o poder liberatório pleno só ocorre nas moedas do estalão. Uma das razões que levou os economistas a preferirem o monometalismo foi a muito conhecida lei de Gresham, segundo a qual a má moeda expulsa a boa moeda… A boa moeda tende a desaparecer por possuir outras aplicações mais vantajosas e rentáveis – daí a indispensabilidade de preservar os melhores meios de pagamento. Para chegarmos às origens do papel-moeda, temos de recuar no tempo e de distinguir o seguinte:(a) a moeda-papel surge com carácter excepcional, no início do século XVIII, em resultado dos depósitos feitos pelos detentores de metais preciosos no sistema bancário;(b) a moeda-papel representativa circula porque está suportada por uma cobertura de moeda metálica equivalente à circulação;(c) a moeda fiduciária circula apenas suportada por uma parte da moeda metálica depositada - com base na confiança (fidutia) e na capacidade que o sistema bancário tem de criar nova moeda; (d) o papel-moeda, com inconvertibilidade e curso forçado. - ao contrário da moeda fiduciária, neste caso já não há ligação à moeda metálica ou aos metais preciosos em reserva, havendo, no entanto, regras prudenciais e de confiança a cumprir.No caso da moeda representativa, o banqueiro inglês John Law utilizou parte das reservas para investir no seu negócio. Descobriu um novo tipo de moeda, mas abriu falência, porque os seus clientes, quando souberam do facto de o banqueiro ter disposto de parte do seu dinheiro, correram ao banco para levantarem os seus depósitos. Law não tinha dinheiro suficiente para lhes pagar e abriu falência sofrendo, assim, humilhação pública. A moeda fiduciária consolidou-se a partir desse antecedente, no entanto houve abusos. Esqueceu-se, por exemplo, a velha regra de prudência ou do terço , que obrigava o banco a manter um terço dos depósitos em reserva. O tempo veio, porém, a consagrar regras e um sistema de supervisão e acompanhamento, para garantir a confiança dos sujeitos económicos. O papel-moeda é inconvertível e tem curso forçado. O curso forçado determina que a moeda circule e deva ser aceite por todos. A inconvertibilidade do papel-moeda resulta quer da tendência para a desmaterialização quer do facto de os títulos de crédito público emitidos pelo Estado terem também deixado de ser convertíveis. Hoje as moedas metálicas correspondem a uma pequena parte da circulação monetária, a maior parte da moeda disponível corresponde a moeda escritural ou bancária, isto é, aos os saldos dos depósitos à ordem. A moeda escritural resulta da criação monetária pelo sistema bancário, correspondendo a operações de escrita, que são lançadas em conta corrente, apenas existindo movimentos monetários em relação aos saldos, a crédito ou a débito. Além dos depósitos à ordem temos os depósitos a prazo e com pré-aviso. Estes não constituem moeda como vimos, ainda que os sujeitos económicos contém com eles para os seus cálculos económicos.Os cheques permitem a movimentação dos saldos dos depósitos à ordem. Não constituem moeda, nem têm poder liberatório. O cheque é uma ordem de pagamento, que constitui um título executivo, não sendo, por isso, confundível com a moeda representativa.Os depósitos bancários a prazo e com pré-aviso, os bilhetes do Tesouro e outros títulos equiparáveis não constituem uma reserva líquida. Estamos perante casos de quase-disponibilidade e de quase liquidez. O depositante ou o subscritor dispõe nesses casos de uma reserva quase-líquida, constituída por quase-moeda - que vai influir indirectamente na atitude do agente económico, que conta com essa disponibilidade e por isso mesmo actua tendo em vista a sua liquidez ciente, porém, de que ainda dispõe de outra poupança não liquida. Equação de Fisher. Explicações sobre o valor da moeda.O tema do valor dos bens económicos levanta tradicionais dificuldades à doutrina económica. O conceito de valor da moeda apresenta naturais dificuldades. Há uma primeira explicação muito simplista, quase intuitiva, que liga o valor da moeda ao custo de produção do objecto que a representa - a peça metálica de ouro ou prata -, a este critério chama-se metalista. Esta explicação não pode satisfazer-nos. Lembremo-nos da distinção entre valor de uso e valor de troca. A moeda é usada para adquirir outros bens e o seu valor de uso acaba por se confundir com o valor de troca. Ora o valor dos bens tem uma expressão monetária. É o preço. O valor da moeda vai, por isso, ser influenciado pelo respectivo poder de compra e pelo nível geral de preços. O valor da moeda variará na razão inversa do nível geral de preços. Quanto mais elevado for o nível de preços mais baixo será o valor da moeda.Há uma outra explicação - a nominalista - segundo a qual o valor da moeda

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será aquele que lhe foi aposto. Sendo certo que, com a desmaterialização da moeda, a tendência nominalista pôde reforçar-se, a verdade é que estamos perante um critério incapaz de explicar o fenómeno contemporâneo da moeda. Se na Antiguidade Aristóteles definiu o valor da moeda por referência à lei, segundo a lógica nominalista, não podemos esquecer que o primado das moedas metálicas na Idade Média e depois o surgimento da moeda fiduciária contrariaram esse entendimento. Aliás, e com razão demonstrada pelo tempo, os legistas Acúrsio e Bártolo defenderam que o valor real da moeda predominava sobre o respectivo valor legal.Desde muito cedo surgiu uma outra explicação, de índole quantitivista. Xenofonte (séc. V e IV a.C.) foi um dos primeiros autores a defendê-la. O valor da moeda dependeria da quantidade em circulação. Jean Bodin (1530-1596) explicou a alta de preços verificada na Europa no século XVI através do afluxo de ouro da América. No Tratado sobre a Moeda de Bernard Davanzati, de 1588, o autor estabeleceu uma relação matemática ente a quantidade de ouro e o nível geral de preços existente. Na senda de John Locke (1632-1704) ou de David Hume (1711-1776), os economistas clássicos ingleses, à frente dos quais David Ricardo (1772-1823), também defenderam a teoria quantitativa da moeda, a partir de uma relação directa e automática entre a circulação monetária e o nível de preços.. Ricardo introduziu, aliás, na sua análise o fenómeno da criação de moeda-papel e o seu efeito quantitativo.Na esteira de Ricardo, John Stuart Mill (1806-1873) veio a aperfeiçoar o raciocínio, dizendo que não bastava ter em conta a moeda em circulação, uma vez que era indispensável saber o número de vezes que a moeda era dada em pagamento. Pegando nesta ideia, Irving Fisher (1867-1947), um dos maiores economistas matemáticos dos EUA, formulou a equação geral de trocas - acrescentando à circulação monetária do papel-moeda e da moeda metálica a da moeda bancária ou escritural. Para Fisher haveria que estabelecer uma relação entre o "stock" monetário em circulação e o volume de transacções realizadas: MV=PQ.M é a massa monetária imediatamente disponível, moeda metálica, papel-moeda e moeda escritural e V a velocidade de circulação monetária. P é o nível geral de preços e Q o volume de transacções realizadas.Em suma, as variações na quantidade de moeda determinam alterações proporcionais no nível geral de preços, o que significa uma interpretação rigorosa do fenómeno monetário em termos matemáticos. Fisher teve, no entanto, o cuidado de dizer que a sua equação apenas se aplicaria em períodos normais e não em períodos de crise ou de transição.Os críticos de Fisher vieram, porém, dizer que a interpretação era incompleta, uma vez que não se levaria em consideração a moeda entesourada, imobilizada ou inactiva. Haveria, assim, demasiada rigidez na sua interpretação, por não considerar a relação dinâmica entre o consumo e a poupança. Por outro lado, Albert Aftalion (1874-1956) veio afirmar que as variações de preços registavam uma muito maior sensibilidade do que a evolução dos meios de pagamento, distinguindo comportamentos diferentes na moeda fiduciária e na moeda escritural. Enquanto o saldo médio dos depósitos se mantém constante o total de pagamentos realizados por movimentação das respectivas contas pode aumentar. Como veremos adiante, para Aftalion nem só M e V podem influenciar o nível geral de preços. Tem de se considerar outros factores que não estão na equação geral de trocas. Com o tempo, e perante os factos económicos, foi-se chegando à conclusão de que o princípio quantitativo, apesar de poder ter pertinência nas análises de períodos longos, não permite encontrar uma explicação satisfatória relativamente ao valor da moeda. Aliás, a partir da I Grande Guerra Mundial, encontram-se claros desmentidos da teoria quantitativa. Na Alemanha, aquando a hiperinflação de 1923, a um acréscimo de massa monetária de 40 correspondeu uma subida do nível de preços de 400, segundo a análise de Aftalion. Recorde-se que este processo vertiginoso de depreciação do valor da moeda conduziu a que um bilhete de eléctrico em Berlim no ano de 1923 tivesse o mesmo preço de uma vivenda na mesma cidade três anos antes! Ora esta disparidade não teve como contrapartida um proporcional aumento de circulação monetária.Tendencialmente, a teoria quantitativa não pode deixar de ser considerada. Segundo Maurice Allais (1911), Prémio Nobel da Economia de 1988, insistiu numa proporcionalidade entre circulação monetária e o volume de transacções, desde que se introduzisse o elemento tempo na análise e se considerasse a velocidade de circulação da moeda como função da conjuntura económica. O coeficiente de proporcionalidade não seria., assim, constante e a lógica quantitativa não seria automática.A escola de Cambridge introduziu novas interpretações sobre o valor da moeda, partindo da investigação quantitativa, mas superando-a. Marshall, Robertson e Keynes recusaram sempre qualquer automatismo à equação geral de trocas, procurando introduzir-lhe factores explicativos ligados aos comportamentos e

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expectativas dos sujeitos económicos. Alfred Marshall formulou, aliás, uma equação comparável à de Irving Fisher:M=KPQ.A única diferença estaria na inclusão do conceito K, algo indefinido, que seria o inverso da velocidade de circulação da moeda (M:K=PQ) e que corresponderia à preferência pela liquidez, ou seja, à percentagem de rendimento que os sujeitos económicos desejam possuir em moeda. Dennis Robertson partiu da fórmula de Marshall, precisando melhor o conceito K. Segundo esta equação, o nível geral de preços dependeria da quantidade de moeda e do montante do rendimento que os sujeitos económicos mantêm líquido, e utilizável imediatamente em moeda. Assim, P=M: (KR). O nível geral de preços P varia na razão directa da massa monetária M e na razão inversa da reserva líquida KR, sendo K a preferência pela liquidez e R o rendimento nacional. O nível de preços não depende apenas da quantidade de moeda, mas também do comportamento psicológico dos sujeitos económicos. Os críticos de Robertson vieram, no entanto, dizer que ele apenas tinha em consideração o rendimento e não as transacções, o que não permitia aferir o real valor da moeda. Perante a crítica, D. Robertson reformulou a sua equação para P'=M: (K'T). P é o nível geral de preços das transacções, T o volume das transacções e K' o volume de transacções que os sujeitos económicos desejam manter em espécies monetárias líquidas. John Maynard Keynes foi quem melhor desenvolveu o conceito de reserva líquida. Introduziu o conceito de unidade complexa de consumo, que corresponde ao conjunto de artigos normalmente objecto de aquisição e consumo numa comunidade. Tendo por centro aquele conceito Keynes apresentou a seguinte equação:N= P (K+RK')N representa a moeda em circulação acrescida das reservas bancárias; P é o preço global da unidade complexa de consumo, K é a quantidade de unidades complexas de consumo para cuja aquisição se conserva moeda metálica ou papel moeda, K' é a quantidade de da unidades complexas para cuja aquisição se conserva moeda escritural, R é a relação mantida entre as reservas bancárias e os depósitos. Pressupõe-se, assim, um volume de transacções constante. O nível geral de preço varia quando a massa monetária se altera. No entanto, ainda poderia variar, mas na razão inversa, quando K, K' ou R sofressem modificação. Enquanto K dependeria dos hábitos da comunidade R variaria de acordo com a política bancária. Se é verdade que o próprio Keynes reconheceu que a sua equação se limitava aos preços de consumo, o certo é que ela nos permite compreender a interacção entre os comportamentos psicológicos dos sujeitos económicos e a política monetária. Note-se que na sua célebre Teoria Geral do Emprego, Juro e Moeda (1936), o autor apresentou uma fórmula muito simplificada para explicar o valor da moeda. Keynes entendia que só depois de se alcançar uma situação de pleno emprego o aumento de moeda produziria aumento do nível geral de preços. P= Y: O, sendo Y as despesas em moeda e O o volume de bens e serviços produzidos. Assim, os movimentos de moeda apenas se repercutiriam nos preços em conjunturas de pleno emprego dos recursos produtivos. Como é evidente a primeira equação de Keynes apenas se aplicaria em situação de pleno emprego.Knut Wicksell (1851-1926), fundador da escola sueca da economia, deu um contributo decisivo para o apuramento do valor da moeda. No seu estudo de 1898 sobre o juro e os preços (Geldzins und Güterpreise) demonstrou que os preços variam segundo as alterações nos investimentos e que o nível destes depende da taxa de juro nas aplicações de capitais. Em cada momento haveria uma taxa de juro natural, adequada ao equilíbrio entre a poupança e o investimento. Se os bancos estipulassem um juro correspondente à taxa natural a produção desenvolver-se-ia regularmente. Se o juro fosse inferior os investimentos cresceriam exageradamente provocando produções excessivas. Quando o juro bancário fosse superior ao juro natural haveria baixa de produção e deflação. Assim, para Wicksell o valor da moeda dependeria da variação dos investimentos. Tal como em Keynes, também aqui só há aumento do nível geral de preços se houver equilíbrio e pleno emprego. Pela primeira vez, encontramos a moeda inserida numa teoria geral de desenvolvimento económico. F. von Wieser (1851-1926), da escola austríaca, estuda o valor da moeda em função da teoria do valor dos bens em geral. Como marginalista entende que o valor da moeda também depende da importância atribuída à última unidade monetária disponível. No entanto, esta última utilidade é indirecta - tem a ver com o poder de compra dessa unidade monetária. Eis porque o rendimento assume aqui uma importância fundamental. Quando o rendimento aumenta, os sujeitos económicos dispõem-se a dar maior número de unidades monetárias para satisfação das suas necessidades. Logo, os preços tendem a subir e o valor da moeda a reduzir-se. A equação

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de von Wieser é, pois, P= R: Q. P é o nível geral de preços, R o rendimento nominal monetário, Q o volume de transacções ou rendimento real. Assim, as variações de preços não são determinadas automaticamente pelas alterações da massa monetária, dependendo de apreciações subjectivas. Temos, assim, que é determinante conhecermos qual a propensão marginal para o consumo e a propensão marginal para a poupança por parte dos diversos agentes económicos - pode assim haver acréscimos na massa monetária sem influência no rendimento, e variações no valor da moeda não originados pelo crescimento da massa monetária. Em princípio segundo a teoria do rendimento, um aumento de rendimentos traduz-se em acréscimo no volume de transacções ou na velocidade de circulação da moeda.Albert Aftalion aperfeiçoou as conclusões a que chegou a escola marginalista.. Se foi importante o facto de von Wieser ter posto a ênfase no rendimento e na raridade, a verdade é que a utilidade da moeda apresenta especificidades que devem ser expressamente consideradas. Assim, para Aftalion não basta considerar a satisfação de necessidades pela última unidade monetária, é indispensável ter em consideração a satisfação esperada pela utilização dessa última unidade monetária. Há, pois, múltiplos factores a influenciar o valor da moeda, a partir dos conceitos de raridade e de utilidade - desde as emissões monetárias, o montante de moeda escritural em curso, os câmbios, às relações com oestrangeiro, a que acrescem desde as quantidades de bens produzidas e transaccionadas ou os respectivos custos ao clima dos negócios. O valor da moeda dependerá, no pressuposto, de haver um volume de transacções constante, não só do rendimento mas também da previsão das variações futuras do poder de compra da moeda. As expectativas psicológicas têm um papel fundamental - a falta de confiança, o pessimismo, as ondas de pânico podem induzir quebras acentuadas no valor da moeda… Afinal, o valor da moeda depende de um conjunto complexo de factores económicos, sociais e psicológicos. Os comportamentos dos agentes na procura de moeda.A procura de moeda no decurso de um determinado período corresponde às somas adquiridas nesse mesmo período que o agente económico escolhe conservar sob a forma líquida. Devemos recordar o circuito económico, no qual as famílias, as empresas e o Estado se relacionam entre si… A procura de moeda está, deste modo, inserida na escolha do consumidor, no seio das famílias, e na escolha do produtor, no que respeita à empresas. Já vimos quais os motivos da preferência pela liquidez (transacção, precaução e especulação). Os agentes económicos definem pelos seus comportamentos a procura de moeda e indicam quais os factores económicos que fazem variar essa procura, bem como o sentido em que actuam. A preferência pela liquidez é influenciada por dois factores - de um lado, a taxa de juro ; de outro, o rendimento .O nível da taxa de juro influencia negativamente a preferência pela liquidez, uma vez que quanto mais alto ele for menor será a tendência para manter a liquidez dos meios monetários. A taxa de juro é o custo de oportunidade referente à detenção da moeda. A procura de moeda aparece, assim, como uma função decrescente da taxa de juro.O nível do rendimento influencia, pelo contrário, positivamente a procura de moeda. Quanto mais elevado for o rendimento maior será a tendência para deter moeda líquida apta para a compra de bens e serviços. A procura de moeda surge, assim, como função do rendimento. Oferta de moeda e sistema bancário.Já analisámos as diferentes formas de moeda - metálica, papel moeda, escritural, bem como a quase moeda. Importa agora referir a criação monetária pelos bancos comerciais e pelos bancos centrais. Começando pela banca comercial, verificamos que o crédito bancário dá lugar a criação monetária. Como é que tal fenómeno decorre? Estamos perante a criação de moeda escritural. Suponhamos que o Banco A concede um crédito de 1000 Euros à empresa B. A empresa B vê creditada na sua conta a referida quantia. E com ela procede a pagamentos, através de depósitos bancários. Os bancos beneficiários desses depósitos vão dispor desses montantes para realizarem novos empréstimos e esses empréstimos vão gerar novas despesas, novos depósitos e novos empréstimos. Tudo se passa como no multiplicador de investimentos já estudado. No entanto, aqui em lugar de nos referirmos à propensão marginal para a poupança, referimo-nos ao coeficiente de reserva dum banco comercial - que é a percentagem do montante dos depósitos que deverá ficar sob a forma líquida e que não poderá ser objecto de empréstimo. Neste caso, partamos do princípio de que o coeficiente de reserva é de 20%. Ora, sabendo nós que o multiplicador K é igual ao acréscimo de moeda escritural M a dividir pelo acréscimo de crédito C, e também que K é o inverso do coeficiente de reserva,

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então o multiplicador será de 5. K(5)= M (5000) : C (1000) ou K(5)= 1: 20% . O crédito concedido pelo banco A de 1000 Euros vai gerar pelo depósito da empresa B no Banco C a concessão, por parte deste, de créditos no valor de 800 Euros e à manutenção de uma reserva líquida de 200 Euros… O fenómeno de criação de moeda escritural pelo sistema bancário vai ocorrer deste modo e de forma sucessiva. A quantidade de moeda bancária nova ( M) criada pelo multiplicador de crédito é obtida multiplicando o montante do crédito inicial ( C) pelo inverso do coeficiente de reserva (5). A criação de moeda bancária é tanto mais forte quanto o coeficiente de reserva dos bancos comerciais for mais fraco. Se o coeficiente for apenas de 10% o multiplicador será de 10. À semelhança do que ocorre no multiplicador de investimento também aqui o efeito só tem consequências reais se estivermos em situação na qual não há pleno emprego de todos os factores de produção.A moeda criada pelos bancos centrais reveste-se de duas formas - ou a emissão de notas (papel-moeda) ou a inscrição de uma soma na conta corrente aberta pelo banco central em nome da instituição de crédito comercial considerada. Assim, a moeda do banco central é criada quer por ocasião das operações de crédito outorgadas por ele aos bancos comerciais, quer por ocasião das operações de compra de moeda estrangeira no mercado cambial (divisas). Assim se estabelece uma relação estreita entre a actividade do banco central e a economia. À medida que a economia cresce e que o multiplicador de investimento gera acréscimo de rendimento vai havendo condições para a criação monetária sem que ela dê origem a inflação.Os Bancos Centrais têm outras funções além da emissão monetária - a saber, a supervisão prudencial do sistema financeiro, de modo a garantir a solidez e a confiança nos intermediários financeiros. Garante-se, assim, por exemplo à banca comercial a realização das provisões ou reservas indispensáveis à boa saúde financeira do sector. Os Bancos Centrais poderão ainda ser Caixas centrais do Tesouro, terem a seu cargo a gestão das reservas cambiais ou serem as Câmaras de Compensação que permitam aos intermediários financeiros realizarem entre si as operações bancárias de natureza escritural. Hoje os Bancos Centrais da União Económica e Monetária (UEM) participam no Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC), como veremos a seguir. Breve referência aos sistemas monetários. A UEM e o EURO.I. O sistema tradicional do padrão ouro colapsou na 1ª Grande Guerra. Entre 1925 e 1931 ainda foi fugazmente restabelecido numa modalidade mitigada (ouro-divisas). Em 1933, porém, o Presidente F. D. Roosevelt nacionalizou o ouro na posse dos cidadãos e revogou os contratos nos quais os pagamentos fossem especificados em ouro. Em Julho de 1944 reuniu-se em Bretton Woods (New Hampshire) a Conferência que lançaria o novo Sistema Monetário Internacional (SMI) no pós-Guerra. Apesar do Reino Unido ter sido representado por J. M. Keynes, a conferência foi marcada por Harry D. White, Sub-Secretário de Estado do Tesouro dos EUA. O plano de White viria a ser aprovado. Nele o valor das moedas seria definido por um sistema de paridades fixas relativamente ao Dólar dos EUA. E não já em relação ao ouro. Indirectamente havia, porém, uma referência ao ouro, uma vez que o Dólar era convertível em ouro para cidadãos estrangeiros. Uma Onça de ouro fino valia, então, 35 dólares. Assim, as reservas dos bancos centrais passaram a poder ser constituídas por ouro ou por Dólares dos EUA. Para gerir este sistema foram criados o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Banco Mundial). O FMI teria a seu cargo a correcção dos desequilíbrios externos originados no curto prazo e o BIRD teria a tarefa de apoiar as acções ligadas ao desenvolvimento e ao médio e longo prazos. O plano de Keynes não foi aceite. Previa a criação de uma moeda internacional, o Bancor , convertível nas diferentes moedas nacionais e nele se propunham medidas de acompanhamento e estabilização quer para os países em situação excedentária quer para os países em situação negativa no tocante aos pagamentos externos.A evolução da economia mundial conduziu, no entanto, a que a criação monetária em Dólares tenha ultrapassado largamente as reservas em ouro norte-americanas de Fort Knox. Em 15 de Agosto de 1971 o Presidente Nixon decidiu, perante a crise do sistema, unilateralmente pôr fim à convertibilidade internacional do Dólar em ouro - dando um golpe fatal no sistema monetário. Chegava a desmonetarização do ouro e a instauração dos câmbios flutuantes. O sistema monetário internacional de Bretton Woods deu lugar a una lógica regional, deixando de se basear no Dólar no ouro e passando a referir-se aos Direitos de Saque Especiais (DSE) criados em 1969 como moeda de regularização entre autoridades monetárias.

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II. A história da moeda única europeia remonta à Cimeira de Haia (Dezembro de 1969). Na sequência do plano Barre sobre cooperação monetária (1968), o Primeiro Ministro do Luxemburgo Pierre Werner (1913-2002) foi encarregado, em Março de 1970 da presidência do grupo especial de estudos para o estabelecimento de um plano por etapas relativo à União Económica e Monetária - trabalho que culminará no relatório, apresentado em 8 de Outubro de 1970 à Comissão Europeia e aos governos dos Estados membros. Estavam lançadas as bases da união monetária, prevendo-se um sistema comunitário de bancos centrais, a liberalização dos movimentos de capitais e a fixação irrevogável da paridade entre as moedas europeias, com a transferência de importantes competências para a Comunidade. A realização desta união deveria ocorrer, segundo Pierre Werner, em duas etapas. Na primeira, a começar em 1 de Junho de 1971, definir-se-iam, com reforço da cooperação entre os bancos centrais, as orientações fundamentais de política económica e monetária. As margens de flutuação das diferentes moedas da Comunidade seriam contidas em limites estáveis. A segunda, após um rigoroso balanço feito até ao 31 de Dezembro de 1973, previa que as acções prosseguidas passassem a uma disciplina mais rigorosa, criando-se um Fundo Europeu de Cooperação Monetária (FECOM), que praticaria as intervenções necessárias no mercado de câmbios para manter a coesão monetária dos países membros. Para Werner seria indispensável, porém, haver um "centro de decisão", um conselho encarregado de definir a política macro-económica dos seis, responsável perante o Parlamento europeu, com poderes acrescidos e eleito directamente por sufrágio universal.A Comissão europeia aprovou em 22 de Março de 1971 um Plano, com base no documento. Aí se previam três etapas, que deveriam culminar na união económica e monetária, antes do final da década - tendo a França recusado a "ideia" de um centro de decisão. No ano seguinte (7.3.72) viria a ser criada a Serpente Monetária Europeia , preparatória do Sistema Monetário Europeu, limitando a 2,25%, para mais e para menos, a margem máxima de flutuação entre o valor da moeda mais valorizada e da moeda menos valorizada do sistema. A crise do Dólar da Primavera de 1971, o Smithtsonian Agreement de Dezembro de 1971 e o choque petrolífero de 1973 comprometeriam o cumprimento dos calendários e a concretização do plano. O sistema da serpente não teve resultados satisfatórios. Em 1979 foi inaugurado o Sistema Monetário Europeu (SME). Então foi criada a unidade de conta europeia - o Ecu, European Currency Unit - usando-se o critério da unidade de conta cabaz, cujo valor era definido com base no peso relativo de cada uma das moedas dos Estados participantes no SME.Dez anos depois, o Plano Delors (Abril de 1989) lançou o processo que culminaria no Tratado de Maastricht (adoptado em Dezembro de 1991 e entrado em vigor em 1 de Novembro de 1993) e na criação da UEM e do Euro . Aí se adoptaram critérios de convergência nominal tendentes à introdução da moeda única: estabilidade do nível de preços, aproximação das taxas de juro de longo prazo dos níveis verificados nos países com melhores resultados em termos de inflação, estabilidade da cotação da moeda e da disciplina das finanças públicas, avaliada em termos de grandeza do desequilíbrio do orçamento (défice não superior a 3% do PIB) e da dívida pública (não superior a 60% do PIB). Em Maio de 1998 os chefes de Governo da Comunidade confirmaram que a União Económica e Monetária (UEM) começaria a funcionar a 1 de Janeiro de 1999, sendo o grupo fundador constituído por 11 países (Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Irlanda, Itália, Luxemburgo e Portugal). O Reino Unido fizeram uso da faculdade que o Tratado lhes atribuía e ficaram de fora. A Grécia e a Suécia não cumpriram os critérios de convergência. Em 1 de Janeiro de 1999 foram fixadas definitiva e irrevogavelmente as taxas a que as moedas nacionais foram substituídas pelo Euro .No caso português 1 Euro correspondeu a 200,482 escudos. Para servir de base à União monetária foi criada uma estrutura de base federal constituída pelo Banco Central Europeu (com sede em Frankfurt) e pelos Bancos Centrais nacionais dos Estados membros da União - o Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) . As vantagens da moeda única são de dois tipos: eliminação dos custos de conversão de umas moedas nas outras para realizar transacções internacionais (câmbios); a eliminação dos custos de incerteza quanto aos câmbios futuros. Há também mais transparência e concorrência nos mercados. A desvantagem da moeda única resulta de os Estados não poderem manipular os instrumentos monetários - taxas de juro de curto prazo e taxa de câmbio da moeda, para favorecer a competitividade das exportações. Como disse Pierre Werner, "o Euro constitui uma grande novidade nos mercados financeiros internacionais. Tornar-se-á, sem dúvida, uma moeda de reserva, sem aspirar necessariamente a um monopólio. A moeda única no limiar do terceiro milénio é um grande resultado do entendimento entre os homens" (1998).

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III. Em Portugal, de 1977 a 1990, a política monetária obedeceu a uma política cambial de desvalorização deslizante . A partir de 1986 a taxa de depreciação foi definida abaixo do diferencial de inflação entre Portugal e os principais parceiros comerciais, a fim de reduzir esse diferencial. A partir de 1990 e até Março de 1992 a desvalorização deslizante foi abandonada, vigorando um índice composto pelas principais moedas europeias. Em Abril de 1992 o Escudo aderiu ao Mecanismo de Taxas de Câmbio do SME , obedecendo à banda de flutuação de mais ou menos 6%. Em Novembro de 1992, em virtude de um ambiente de grande turbulência monetária, que determinou o abandono do mecanismo pela lira e pela libra, o Escudo desvaloriza 6%. E em Maio de 1993 há um realinhamento adicional de -6,5%, em virtude da situação internacional dos mercados. Em Agosto de 1993, seria definido no âmbito do SME um alargamento das bandas de flutuação do Mecanismo de Taxas de Câmbio para mais ou menos 15%. O Escudo conheceu, porém, uma grande estabilidade a partir de então, havendo apenas em Março de 1995 um último ajustamento de 3,5%. IV. O impropriamente designado Pacto de Estabilidade e Crescimento foi adoptado, no âmbito da aplicação do artigo 104º do TUE, para garantir a credibilidade do Euro e consta de dois Regulamentos do Conselho da União Europeia relativos ao reforço da supervisão das situações orçamentais e à clarificação da aplicação do procedimento sobre os défices excessivos, bem como de uma Resolução do Conselho, adoptada na Conselho Europeu de Amesterdão de 17 de Junho de 1997. Não se trata de um Pacto intergovernamental, mas de dois instrumentos técnicos que poderão ser objecto de alteração. Estamos perante meios de salvaguardar a solidez das finanças públicas na terceira fase da União Económica e Monetária, de forma a reforçar as condições para a estabilidade de preços e a garantir um crescimento sustentável conducente à criação de emprego. O objectivo visado de médio prazo é, assim, o de alcançar posições orçamentais próximas do equilíbrio (“close to balance”) ou excedentárias, que permitirão aos Estados membros enfrentar as flutuações cíclicas normais, mantendo o défice público abaixo do valor de referência de 3% do PIB. No caso de persistência de défice superior a 3% do PIB, não sendo a situação considerada excepcional e temporária, o país fica sujeito a sanções pecuniárias, que podem assumir a forma de uma multa de montante até 0,5% do PIB.De acordo com os regulamentos, os países do Euro apresentarão programas de estabilidade, enquanto os países não participantes na UEM continuarão a apresentar programas de convergência. Em 1997 falou-se inicialmente apenas de um Pacto de Estabilidade, tendo, porém, prevalecido o ponto de vista segundo o qual o Crescimento económico não poderia ficar arredado ou esquecido. Nesse sentido, ainda que timidamente, foi incluída a referência ao crescimento e à criação de emprego. Em finais de 2002, a Comissão Europeia , perante os sinais de abrandamento e de recessão económicos veio a considerar a necessidade de os regulamentos serem interpretados com inteligência e flexibilidade, tendo em consideração as necessidades de combate à recessão, de investimento e de criação de emprego, sem prejuízo do prosseguimento de um esforço de médio prazo para a redução sustentada da despesa corrente. A violação em 2003 do limite de 3 por cento para o défice orçamental pela França e pela Alemanha determinou uma proposta da Comissão de aplicação das sanções previstas, que o Conselho rejeitou. Perante este facto a Comissão suscitou junto do Tribunal de Justiça a apreciação da conformidade da decisão do Conselho relativamente aos Tratados da União Europeia. Prevê-se que a nova Comissão europeia, a ser investida no Outono de 2004 venha a apreciar a possibilidade de apresentação ao Conselho de uma revisão dos regulamentos de 1997. XIII - O equilíbrio agregado - o Produto Nacional A oferta e a procura agregadas. Recordemo-nos do circuito económico . Famílias, Empresas, Estado e Capital relacionam-se entre si. Os fluxos reais e monetários completam-se, despesa e rendimento articulam-se, a oferta e a procura têm de ser vistas numa perspectiva agregada. E tal perspectiva vai permitir-nos saber qual a riqueza criada, num determinado período, numa sociedade organizada economicamente. E por que motivo é importante conhecermos a oferta e a procura agregadas? Uma vez que desse modo teremos possibilidade de perceber como funcionam na prática a eficiência e a racionalidade da economia, pela medida do que foi efectivamente criado, o que nos permite, comparando, com outro período imediatamente anterior, saber se houve criação de nova riqueza e se há melhor organização da sociedade na satisfação das necessidades humanas e na criação de utilidades.

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A racionalidade e o equilíbrio económicos foram, ao longo dos tempos, preocupações constantes da ciência económica. Léon Walras (1834-1910), de quem já falámos e de quem voltaremos ainda a falar, assentava as suas análises em duas hipóteses fundamentais: (a) a existência de agentes racionais e (b) o funcionamento de mercados equilibrados. No entanto, já vimos que o valor dos bens e da moeda influencia autonomamente os fenómenos económicos, o que leva a afastar uma ideia simplificadora de equilíbrio. Afinal, na perspectiva clássica, o pleno emprego tenderia em situação de equilíbrio para a estabilidade de preços. Ora, como ensinou John Maynard Keynes (1883-1946) , a partir da análise dos comportamentos individuais é muito difícil chegar à análise global - além de que não há uma situação de equilíbrio. Usando as palavras do próprio Keynes, não é verdade que os problemas globais fiquem resolvidos quando a economia individual funciona bem - segundo o que designava como lei de Say ( de Jean Baptiste Say - 1767-1832 ) ou dos mercados. De acordo com tal lei: "a oferta cria a sua própria procura". Já para Léon Walras, o total da oferta deveria ser igual ao total da procura, considerando a moeda como se fosse equiparada aos bens e serviços transaccionados. Para o mestre de Cambridge, pelo contrário, a economia estaria em regra desequilibrada - mesmo que pudesse tender para o equilíbrio, como uma balança (que está sempre em desequilíbrio quando não está travada). Keynes diz, assim, que o consumo depende do rendimento global, dando especial ênfase à procura efectiva global (correspondendo à soma da procura no consumo e da procura de investimento - a qual determina o nível de produção e o nível de emprego), quando antes de si toda a economia era vista a partir da oferta. Por outro lado, a economia não atingiria o equilíbrio espontaneamente - seria necessário agir sobre a procura global através da acção estabilizadora do principal sujeito económico - o Estado.Quando analisamos a economia agregada precisamos de considerar uma visão de conjunto, pelo que temos de adicionar as várias partes componentes, para estudarmos o todo. Na análise da produção, temos de somar, deste modo, todos os produtos criados. Mas para que essa adição possa fazer-se é indispensável usarmos a mesma unidade. Vamos, assim, medir a utilidade total em unidades monetárias - somando as diferentes utilidades prestadas pelos diversos bens e serviços. No fundo, vamos multiplicar a quantidade de bens transaccionados pelos respectivos preços. Contabilidade nacional. Conceitos fundamentais.A contabilidade nacional é o método que permite obter a medida quantitativa, expressa em valor monetário, da totalidade da actividade económica de uma nação, ao longo de um determinado ano. Trata-se do método que nos permite, como dissemos, calcular a riqueza existente na economia. Há três formas de abordar esse cálculo: (a) pelos produtos, (b) pelas despesas e (c) pelos rendimentos. Em qualquer destes casos, estamos a referir-nos ao circuito económico, como instrumento de apresentação da circulação de despesas e dos rendimentos num determinado mercado.Se consideramos o fluxo de bens e serviços à saída das empresas, medimos o produto nacional , isto é, a soma do que é produzido num determinado período. Estamos, deste modo, perante a soma dos bens agrícolas, dos bens industriais e dos serviços. Mas para que a comparação seja correcta, é indispensável que se tenham em consideração os valores reais e não apenas os valores nominais . Ou seja, deveremos usar um critério de preços constantes - para que a inflação não vicie a comparação. Temos, pois, de distinguir o produto nominal (calculado a preços variáveis, sem deduzir a depreciação monetária) do produto real (que já tem em consideração a evolução dos preços). Importa, assim, considerar o deflator , baseado no índice de preços (por ex. 3,5%), que vai permitir retirar o efeito da depreciação monetária. Trata-se de garantir que os termos de comparação sejam idênticos.Mas temos de nos rodear de outro cuidado - o de evitar a dupla contagem. Estaríamos a falsear o valor se fizéssemos uma dupla contagem, e se considerássemos simultaneamente, na totalidade, os custos de produção do pão e de produção da farinha. Deveremos, por isso, considerar o valor acrescentado em cada fase da produção. Este valor acrescentado corresponde ao que um bem vale, no momento da venda, a mais do que valiam as partes que o compõem. Assim, o produto nacional é composto pela soma dos valores acrescentados nas diversas unidades empresariais da economia. Ou seja, apenas adicionamos os valores acrescentados na agricultura, na indústria e nos serviços. Assim, chegaremos ao valor do produto nacional.Refira-se ainda o conceito de produto interno . Estamos neste caso perante o que é produzido pelas empresas num determinado país. Distinguimos, assim, o que é produzido em Portugal (produto interno) e o que é produzido pelos portugueses (produto nacional). Se somarmos ao produto interno o que os portugueses, isto é,

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os que actuam na economia portuguesa e que a influenciam, produzem no exterior (medido pelos seus rendimentos) e retirarmos o que os estrangeiros produziram em Portugal (i.e., o que pagámos a estrangeiros) temos o produto nacional.Se quisermos, por outro lado, analisar a quota parte que cabe a cada cidadão, em média, relativamente ao produto nacional, estamos perante o conceito de produto nacional per capita , que é calculado, dividindo o total dos bens e serviços produzidos ou criados pelo número de habitantes. Normalmente, aliás, o valor a que a ciência económica se reconduz é a de produto interno per capita . Em Portugal, sabendo que o PIB em 2002 foi de cerca de 125 mil milhões de Euros, o PIB pc foi de 12,5 mil Euros.Em suma, Produto Nacional, exigindo as correcções e as cautelas que analisámos, será o valor monetário do conjunto dos bens e serviços criados numa economia, durante um período considerado. Despesa Nacional e Rendimento Nacional. Tendo já visto a óptica do produto, importa olhar agora as perspectivas da despesa e da receita. Comecemos pelas despesas, trata-se de medir o fluxo de bens e serviços, procurando-o à porta de casa dos seus utilizadores. A Despesa Nacional (DN) reporta-se à aquisição de bens e serviços e vai exigir a separação por tipo de utilização - consumo (C), investimento (I) e despesa do Estado (G). Esta despesa do Estado envolve, em bom rigor, quer o consumo quer o investimento, sendo autonomizada em razão do facto de estarmos perante o mais relevante e influente dos sujeitos económicos.A Despesa Nacional será, assim, igual à soma de C + I + G . No entanto, as economias não são fechadas, antes se relacionando permanentemente com o exterior, como vimos aquando da análise do circuito económico. Realizam, por isso, importações e exportações de bens e serviços com o estrangeiro. Devemos, desse modo, somar as Exportações (E) e diminuir as Importações (I) - uma vez que se trata de uma parte do nosso consumo e do nosso investimento que não foi produzido por nós. Deste modo, a fórmula de cálculo, para uma economia de fronteiras abertas é: DN = C + I + G + E - I .A Despesa Nacional corresponde, assim, ao valor monetário da soma das despesas efectuadas em relação a bens finais pelo conjunto dos agentes económicos, durante um período considerado.Há outra forma de medir o fluxo de criação de riqueza. Referimo-nos aos rendimentos e à consideração do mercado de factores de produção. Aí vamos medir o que recebem os titulares dos factores de produção. O Rendimento Nacional (RN) vai, assim, envolver vários tipos de pagamentos, conforme o factor remunerado - salários para o trabalho (Sa), rendas para os factores naturais (Re), juros para o capital (J) e lucros como remanescente das diversas remunerações (L). Deste modo, a medição far-se-á através da fórmula: RN = Sa + Re + J + L.O Rendimento Nacional refere-se, pois, ao valor monetário do conjunto das retribuições ou ganhos, provenientes quer da actividade económica quer da aplicação de determinados bens ou valores, durante um período considerado. Se falámos acima do produto per capita , devemos também referir o rendimento disponível. Trata-se da parcela do rendimento que pode ser utilizada pelos sujeitos económicos - é o que fica para as pessoas, para consumirem ou pouparem, depois de pagarem os impostos e depois de feitos todos os ajustamentos referentes aos lucros não distribuídos e às transferências e subsídios de que beneficie Refira-se, portanto, que o produto , a despesa e o rendimento são conceitos diferentes, mas reportam-se à medição de uma mesma realidade, estando em causa valores idênticos. Estamos, em todos os casos, perante a visão agregada da capacidade criadora da economia. No entanto, cabe perguntar como se insere entre estes diversos conceitos o bem-estar. Deve ficar claro que no que acabámos de analisar, relativamente ao produto, ao rendimento e à despesa, está em causa a actividade e não o bem estar. São conhecidos os exemplos que confirmam esta conclusão. Suponhamos um engarrafamento de trânsito no centro de uma cidade em hora de ponta. O fenómeno vai causar inúmeras perturbações (exterioridades negativas, como a poluição), no entanto se considerarmos apenas o efeito directo do engarrafamento no consumo adicional de gasolina e na reparação dos automóveis que sofreram de sobreaquecimento nos motores, o certo é que o produto cresceu em virtude desse facto…Os Professores William Nordhaus e James Tobin (1918-2002), cientes de que seria necessário ter em consideração, além da actividade desenvolvida, o bem-estar adicional obtido pelos sujeitos económicos, chegaram, porém, ao conceito de Bem-Estar Económico Líquido (BEEL), através do qual introduzem ajustamentos no valor do produto, da despesa e do rendimento, a fim de que se possa saber em que medida o crescimento se repercute positivamente na qualidade de vida das pessoas. Seria, assim, necessário considerar

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o valor dos tempos livres e dos serviços das donas de casa e subtrair os custos da poluição, os inconvenientes das urbanizações modernas. Em resultado deste ajustamento, chegaram à conclusão que a evolução do produto é mais rápida do que a do bem-estar. Produto Nacional bruto e líquido, a custo de factores e a preços de mercado. Continuando na análise da contabilidade nacional, temos de distinguir os conceitos de Produto Nacional Bruto (PNB) e de Produto Nacional Líquido (PNL). No caso do PNB estão incluídos os investimentos correspondentes às amortizações (A), isto é, como sabemos, a parte do investimento orientada para a reposição dos equipamentos utilizados, valor que deve, assim, ser abatida para se chegar ao produto nacional líquido. Tem-se, deste modo, em consideração a depreciação ou a reposição, indispensável na actividade empresarial. Assim: PNB = PNL + A. Ou de outro modo: PNL = PNB - A. Em resumo, recapitulemos qual a relação entre os diversos conceitos da contabilidade nacional:• o PNB pm - Produto Nacional Bruto a preços de mercado corresponde à soma do Consumo, do Investimento Bruto e dos Gastos do Estado e, portanto, ao conceito de Despesa Nacional; • o PNL pm - Produto Nacional Líquido a preços de mercado corresponde à soma do Consumo, do Investimento Líquido e dos Gastos do Estado; • o PNL cf - Produto Nacional Líquido a custo de factores corresponde à soma dos Salários, das Rendas, dos Juros, dos Lucros, a que se somam os Impostos Indirectos; • o RN - Rendimento Nacional é o PNL a custo de factores ao qual se retiram os impostos indirectos; • o Rendimento Disponível alcança-se subtraindo os impostos directos ao Rendimento Nacional. Consumo, Investimento e Gastos do Estado. Prosseguindo num esforço de síntese, olhando a despesa, verificamos que esta inclui duas componentes fundamentais - o consumo e o investimento . Como já dissemos, estas duas componentes também estão inseridas nas despesas do Estado. No entanto, agora apenas nos interessa referir a complementaridade entre os dois elementos. No fundo, os sujeitos económicos, considerando o fluxo dos bens e serviços, vão orientar os recursos disponíveis ora para a satisfação imediata de necessidades, ora para os factores que permitem criar outros bens e serviços. Na óptica da despesa os sujeitos económicos ou vão consumir ou vão contribuir para a reprodução da riqueza, através do investimento. E, recordando o multiplicador de investimento, melhor podemos compreender a importância do investimento reprodutivo da criação de rendimentos adicionais.Para os clássicos, eram as poupanças das famílias que fixavam a quantidade de bens de capital, por influência da taxa de juro em vigor. Na moderna ciência económica, depois de J.M. Keynes, são os investimentos que determinam as poupanças, e não o inverso. A taxa de juro - centro das reflexões de K. Wicksell - é o elemento essencial para a capitalização. Quanto maior for a taxa de juro menor será o valor de um bem de capital. É assim indispensável encontrar uma taxa de juro que iguale o valor do acréscimo de bens de capital ao seu custo - a isto chamou Keynes a eficiência marginal do capital . Nessa lógica, os empresários comprariam bens de capital se a eficiência marginal respectiva fosse maior do que a taxa de juro pela qual vêem remunerados os seus empréstimos. E, recordando o que já estudámos, a taxa de juro não é determinada pela oferta e procura das poupanças (havendo identidade entre o Investimento e a Poupança), mas pela preferência pela liquidez e pela quantidade de moeda disponível. É, pois, a quantidade de moeda que influencia os investimentos - sendo a taxa de juro influenciada pela preferência pela liquidez. O rendimento nacional, a poupança e o investimento. A ciência económica pós-keynesiana deixou de dar uma importância central à eficiência marginal do capital. De facto, o investimentos são em grande parte determinados pelas expectativas dos empresários - portanto, por factores psicológicos. A confiança e a disposição dos empresários são fundamentais para o equilíbrio económico. Não se pense, porém, que os factores psicológicos agem como abstracções. De facto, o que está em causa é a expectativa de obter bons resultados, de vender mais. Eis o que está em causa. Partindo de que há uma identidade entre o Rendimento e a Despesa e de que o Rendimento é a soma do Consumo e da Poupança e de que a Despesa é a adição do Consumo e do Investimento - é indispensável clarificar algumas ideias. Senão vejamos. A ideia keynesiana de que as poupanças são uma realidade passiva (relevante, porém, no multiplicador, por força do conceito de propensão marginal para a poupança) merece uma necessária correcção. A Poupança é determinada pelo Rendimento - como vimos relativamente à propensão marginal. Por

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seu lado, sendo o Rendimento função do Investimento, é este que primariamente induzirá a Poupança. No entanto, na prática, a Poupança também influencia o Investimento. Hoje temos cada vez mais instrumentos institucionais de poupança (companhias seguradoras, fundos de pensões), além de que as empresas retêm parte dos lucros líquidos, do mesmo modo que os consumidores.Além disso, há a referir o chamado paradoxo das poupanças . De facto, a teoria keynesiana descobriu uma estranha contradição na formação do aforro. Quem poupa pensa sempre em aumentar o que retirou do consumo. No entanto, reduzindo-se o consumo por esse efeito reduzem-se os rendimentos, e os saldos das poupanças em vez de aumentarem mantêm-se.As menores vendas de bens de consumo repercutem-se sobre os investimentos - por força do bem conhecido efeito do acelerador (que então funciona como travão). A circulação diminui e as poupanças reduzem-se. Ou seja: maiores poupanças podem induzir uma redução das poupanças, em virtude das consequências do aumento do aforro na contracção do consumo.Torna-se, pois, indispensável encontrar uma situação equilibrada na relação entre consumo, investimento e poupança, considerando que o rendimento induzido pelo aumento de investimento terá de ser analisado diferentemente consoante estejamos numa situação de pleno emprego, subemprego ou sobre-emprego. Mas esse é o tema que trataremos no capítulo seguinte. Equilíbrio macro-económico, emprego e inflação. Crescimento e o desenvolvimento. Fala-se de conjuntura económica quando nos reportamos ao curto prazo, isto é, ao que varia no imediato, ou seja, num horizonte temporal inferior a um ano. Trata-se de analisar o que se repercute directamente na vida dos sujeitos económicos. Estamos a falar da evolução a curto prazo do nível de preços, do nível de emprego, da situação nas relações do circuito económico com o exterior num horizonte temporal imediato, da situação das finanças públicas no período orçamental ou das perspectivas imediatas de crescimento económico. Se estudámos o rendimento nacional, a despesa nacional e o produto - devemos compreender que estes podem ser analisados ora na perspectiva do curto prazo, ora na de médio e longo prazos. Na primeira óptica, falamos de conjuntura económica, na segunda, de estrutura económica. Por contraponto ao que varia até um ano, devemos considerar que a estrutura se reporta às proporções e relações que caracterizam de forma durável a vida económica. Quando iniciámos o estudo de Economia Política, falámos de sistemas económicos. Nesse caso, referimos formas de organização e funcionamento da vida económica - economia de mercado , economia de direcção central, economia mista. Falámos então de "formas típicas e globais de organização e funcionamento da economia baseadas num certo número de princípios fundamentais que regem as economias como estruturas concretas". Essas formas típicas eram diferenciadas segundo a forma, a substância e o espírito, para usarmos os critérios de Werner Sombart. Nas economias mistas, distinguimos o que designámos como modelos renano e anglo-saxónico, reportando-nos à terminologia de Michel Albert. Cada sistema abstracto e cada sistema concreto ou modelo comportam diferentes estruturas - caracterizando estas as economias nacionais ou regionais que analisamos. Um sistema ou um modelo comporta diferentes estruturas - podendo ser considerado um sistema ou um modelo como uma estrutura de estruturas. A relação entre a conjuntura e a estrutura caracteriza o quadro fundamental em que se desenvolvem as políticas económicas - as quais visam imediatamente os agregados variáveis no curto prazo, tendo sempre em consideração as repercussões de uma política conjuntural nas estruturas e no médio e longo prazos. Já vimos, nesta ordem de preocupações, a importância da distinção, no médio e longo prazos, entre o crescimento económico - correspondente à medida da nova riqueza criada por uma economia - e o desenvolvimento económico e social - correspondente à ligação dos factores quantitativos aos factores de índole qualitativa (qualificação das pessoas, protecção do meio ambiente, qualidade de vida, funcionamento das instituições, coesão social…). Se na primeira parte do nosso curso, procurámos compreender os fenómenos individuais ou micro-económicos, onde as questões quantitativas e qualitativas tiveram lugar, melhor compreenderemos agora, na lógica agregada ou macro-económica, o peso e a importância dessa distinção. Afinal, uma política económica, visando a estabilização conjuntural, não pode esquecer os elementos estruturais e de sistema. Uma visão de conjunto da realidade económica obriga à articulação entre os objectivos quantitativos (crescimento económico) e qualitativos (desenvolvimento económico e social).

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Para além dos aspectos ambientais e de protecção da natureza, a questão do tempo e do ritmo de exploração dos recursos naturais põe um problema de interdependência entre gerações humanas. É indispensável compreendermos que a solidariedade não é apenas actual e de uma geração, mas também inter-geracional. Temos sempre de ter presente que há as gerações futuras e o legado que lhes deixamos. Assim nasceu o conceito de desenvolvimento durável , que exige uma especial atenção ao uso e à oferta dos recursos naturais, que devem verificar-se em níveis que não afectem o bem-estar das gerações futuras. A ideia de altruísmo deve, assim, estar presente quer no tempo presente quer relativamente às gerações futuras - daí a importância das perspectivas ecológicas e da defesa e salvaguarda dos valores ambientais. O modelo de pleno emprego. Os tipos e as causas do desemprego.O equilíbrio macro-económico corresponde a um nível de rendimento nacional que induz um montante de idêntico ao valor de despesa global. Estamos perante o que se designa como rendimento nacional de equilíbrio . Temos de nos recordar, aliás, do que dissemos a propósito do paradoxo das poupanças e sobre a relação entre o investimento e a poupança. Por outro lado, e considerando a identidade tendencial entre investimento e poupança, temos de ter ainda uma atenção especial à relação que existe entre as despesas públicas e os impostos pagos pela economia, a fim de que ambos possam funcionar como factores de estabilização e não de desequilíbrio.A vida económica ao longo do tempo vai permitir-nos compreender a ideia de que se vão sucedendo diversas situações de desequilíbrio, que tendem para a situação de identidade entre o Rendimento e a Despesa (R=D) . Ora, sendo a Despesa a soma do Consumo, do Investimento e das Despesas públicas (D=C+I+G) e o Rendimento a soma do Consumo e da Poupança (R=C+P) , se subtrairmos os impostos obrigatórios (T) à Despesa, teremos um valor idêntico ao da soma do consumo e da poupança (C+I+G-T = C+P). Logo, deixando de considerar o consumo quer do lado da despesa quer do lado do rendimento, temos uma identidade entre I+G (Investimento e Despesa Pública) e P+T (Poupança e Impostos obrigatórios) .Enquanto Léon Walras considera uma situação de equilíbrio , correspondente ao pleno emprego sem inflação, Keynes prefere analisar várias situações de equilíbrio, consoante estejamos em pleno emprego, em subemprego ou em sobre-emprego. O equilíbrio de Walras quase nunca se realiza na prática, mas é para esse equilíbrio que tendem sistematicamente os movimentos de preços e de quantidades, que o observador da conjuntura económica detecta em cada momento. Keynes prefere concentrar-se nas situações de subemprego . Os recursos não estão plenamente utilizados e é nesse caso que faz sentido aumentar o investimento (agindo os produtores quer no mercado de factores quer no mercado de produtos), o que induz um aumento de rendimento, criando, assim, condições para que a procura efectiva global sustente uma situação de equilíbrio.O nível de emprego revela-se essencial para a compreensão de uma determinada realidade económica. E compreende-se que assim seja em virtude não apenas da capacidade de utilização dos recursos disponíveis, mas também em razão da necessidade de prosseguir objectivos de coesão social.As três formas de desemprego que a doutrina considera são: o desemprego friccional , correspondente às situações em que os trabalhadores passam de um emprego a outro (mantendo-se, por isso, a utilização do factor humano disponível); o desemprego acidental , que se reporta a um situação momentânea e passageira em que o trabalhador se vê incapacitado para a vida activa (dando lugar a uma nova ocupação a prazo curto); e o desemprego estrutural , em que há o declínio de determinados sectores e regiões, com uma desocupação duradoura e com repercussões sociais graves. Há ainda o desemprego conjuntural , em que o fenómeno é generalizado, mas devido a problemas momentâneos e superáveis. Por fim o desemprego sazonal é o que se refere a determinados períodos do ano (época baixa do turismo, Inverno na agricultura), estando ligado a situações naturais.A medida do desemprego é feita através da taxa de desemprego , que corresponde à percentagem da população activa que não tem emprego. Esta taxa refere-se, porém, apenas ao desemprego involuntário - contando apenas aqueles que procuram emprego.Os custos do desemprego são económicos e humanos. No primeiro caso, temos a perda de actividade produtiva dos desempregados - o que determina que o Produto Interno fique abaixo do respectivo potencial. Há, pois, desperdício de produto, nunca recuperável. Os custos sociais e humanos são muitas vezes incalculáveis - desde a fragmentação social às crises psicológicas de identidade, passando pelo sentimento de inutilidade.As causas do desemprego são diversas. No caso do subemprego keynesiano temos o excesso de oferta ou a insuficiência de procura para os bens. Torna-se, por isso, necessário contrariar essa situação através do aumento da procura efectiva global, fazendo funcionar o multiplicador de investimento, por exemplo. No

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subemprego clássico temos a incapacidade das empresas satisfazerem a procura, que se apresenta forte. Há, pois, uma insuficiência dos equipamentos de capital julgados necessários para produzir mais. É esta ausência de equipamentos que gera o desemprego. Aqui se reclama, por isso, a renovação do capital existente.Há ainda as situações de subemprego coexistindo com sobre-emprego, isto é, situações em que há desemprego e situações em que existe emprego excedente. Nestes casos, há que atenuar a rigidez e a falta de mobilidade do factor trabalho entre sectores.Há ainda razões circunstanciais a referir - como, por exemplo, a evolução demográfica, que nos anos setenta levou a um grande afluxo de mão-de-obra jovem, correspondente ao baby-boom dos anos cinquenta; ou as medidas dos anos trinta de redução da duração do trabalho, de aumento das férias, que levaram a uma diminuição da oferta global, depois compensada com a chegada ao mercado de trabalho de um número crescente de mulheres.O professor A.W. Philips (1914-1975), da London School of Economics, realizou uma investigação original ao tentar quantificar a relação recíproca entre o desemprego e as subidas dos preços e salários. Quanto mais se pretende reduzir o desemprego, mais aumenta a taxa rastejante dos preços e dos salários. Em 1958 publicou o artigo “The Relation Between Unemployment and the Rate of Change of Money Wage Rates in the United Kingdom, 1861-1957”. Aí analisa a evidencia empírica das relações ente o desemprego e as taxas de cambio dos salários. Esta relação sugeriria que é impossível conseguir simultaneamente um alto nível de emprego e uma baixa taxa de inflação pelo que uma política económica sã tem de procurar compatibilizar os dois objectivos. Com o tempo, a curva de Philips foi sendo posta em causa. De qualquer modo, o que importa reter neste momento é que a curva traduz um dilema verdadeiro e crucial, entre o volume de desemprego e a subida geral e gradual dos salários e dos preços. Hoje verifica-se que, apesar de haver níveis elevados de desemprego, os salários (e os preços) também sobem a taxas elevadas - o que exige a elaboração de uma nova explicação para o problema de Philips. A alta de preços, razões e medida. A inflação define-se como a alta, simultânea e persistente de preços da maior parte dos bens, serviços e factores numa economia. Estamos perante um processo cumulativo de alta de preços, independentemente da sua causa e da sua intensidade. Estamos perante uma referência originariamente monetarista, ligada à teoria quantitativista.A alta geral de preços é estudada a partir de três grandes tipos de causas, consoante seja originada: por um excesso de procura efectiva em relação à oferta real de bens e serviços; por um aumento de custos; ou por via da importação . As três causas não se excluem mutuamente e normalmente conjugam-se, obrigando a que as políticas económicas anti-inflacionistas recorram a instrumentos de efeitos diversificados. Numa outra tipologia, encontramos causas internas e externas , resultantes do funcionamento da economia e das relações desta com o exterior; psicológicas e reais, emergentes das expectativas dos sujeitos ou das circunstâncias objectivas da economia; monetárias ou não monetárias , conforme tenham ou não a ver com a procura de moeda; bem como as que tenham a ver com o crescimento da oferta ou da procura.Se considerarmos a inflação por excesso de procura, encontramo-nos perante um processo que se origina na incapacidade da oferta de bens e serviços para satisfazer a procura. Nesse sentido, as conjunturas expansivas são tendencialmente inflacionistas. O excesso de procura pode ser, contudo, global ou sectorial. Se os agentes económicos aplicam as disponibilidades entesouradas ou beneficiam do aumento de circulação da moeda operado pelo sistema bancário, por força do crescimento das despesas públicas e das despesas privadas financiadas pelo crédito bancário, então poderemos ter uma situação de excesso global de procura. Esse processo desenvolver-se-á se a oferta de bens e serviços não puder acompanhar o crescimento da procura no período em causa - quer por utilização plena da capacidade produtiva, quer em virtude do pleno emprego, quer ainda por insuficiência nas existências ou nos "stocks" ou até por impossibilidade de recurso à importação. O excesso de procura pode, todavia, ocorrer num ou mais sectores de forma limitada. Só haverá inflação, porém, a partir do momento em que as tensões sobre os preços, inicialmente limitadas, se acumulam, modificando, em termos macro-económicos, os comportamentos dos sujeitos com consequência na alta de preços. A inflação pela oferta de moeda constitui, igualmente, um fenómeno com efeitos na alta de preços - pelas razões, aliás, já analisadas.Para que haja inflação não basta que alguns preços sofram aumento, por pressão da procura, é indispensável que esse movimento se repercuta num processo geral e cumulativo. É preciso que a oferta e a procura de bens e serviços não revele capacidade de acomodação relativamente aos preços - isto é, que os agentes

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económicos não procedam a transferências, na procura e na oferta, entre sectores, bens ou serviços. A partir daí as tensões ampliam-se mutuamente até originarem um processo inflacionista. No caso da inflação pelos custos também têm de ser consideradas diferentes causas (matérias-primas, preços de transporte e outros serviços), todas independentes do excesso da procura global. Os dois exemplos de inflação generalizada pelos custos são os choques petrolíferos de 1973 e de 1979. A alta geral de salários constitui o principal tema analisado a propósito deste tipo de inflação. Conhecida é a polémica entre, por um lado, os defensores de que, no caso de haver aumento de produtividade, os salários devem ser mantidos e os preços objecto de redução e, por outro, aqueles que pensam que, nessas circunstâncias, os salários devem ser aumentados e os preços mantidos. Para os primeiros a baixa de preços beneficiará em princípio todos, enquanto que, para os segundos, a incidência positiva nos salários permite uma maior equidade por não se saber, à partida, qual o bem ou serviço em causa e se é muito ou pouco consumido. Hoje, prefere-se uma repartição dos ganhos de produtividade pelos salários e pelos preços, segundo a lógica da concertação social. Importa, porém, evitar a todo o custo a espiral salários preços. Se há um aumento de preços não deve haver um ajustamento imediato do lado dos salários, sob pena de estarmos a agravar, desse modo, a inflação pelos custos.A inflação pode ainda surgir por influência externa , em virtude dos efeitos do comércio internacional. A importação de bens provenientes de economias com altas gerais de preços conduz à transmissão de tensões inflacionistas entre países. Este fenómeno torna-se tanto mais comum quanto é certo que a mundialização da economia é um dado do nosso tempo.Além das causas conjunturais da inflação temos diversas causas estruturais: desde a ausência de racionalidade nos circuitos de distribuição à evolução do crédito e da política cambial, passando pelas tensões especulativas, pela dependência económica do exterior ou pelo grau de imperfeição da economia. Equilíbrio das finanças públicas e das contas externas.

• As finanças públicas. Para compreendermos o equilíbrio das finanças públicas, temos de recordar que o Orçamento do Estado é uma previsão de receitas e de despesas públicas para o período de um ano. Tal previsão consta da Lei do Orçamento de Estado, aprovada pelo Parlamento, segundo o princípio do consentimento. Trata-se do exercício de uma competência indelegável da Assembleia da República (artigo 105º e 106º da CRP), que envolve uma autorização de conteúdo político, jurídico e económico. O Parlamento legitima politicamente o Governo para realizar durante um ano o seu programa, outorgando-lhe os meios para o fazer. Procede ainda à autorização jurídica , uma vez que as receitas e as despesas obedecem, respectivamente, à tipicidade qualitativa e à tipicidade quantitativa - isto é, só podem ser cobradas as receitas, tributárias, patrimoniais e creditícias, desde que especificadas (imposto a imposto, rubrica a rubrica), podendo o valor autorizado ser ultrapassado; e só podem ser efectuadas as despesas devidamente autonomizadas até ao limite expressamente indicado. Por fim, há uma autorização de índole económica - que se traduz na adequação dos instrumentos técnicos de política económica aos objectivos prosseguidos.São princípios e regras orçamentais: (a) a anualidade, que entre nós coincide com o ano civil; (b) a plenitude - que corresponde a ter-se um só Orçamento da Administração Pública Central (unidade) e tudo nesse Orçamento (universalidade) ; (c) a discriminação - que corresponde à previsão das verbas pela importância integral sem dedução de encargos (não compensação), à impossibilidade de afectação de quaisquer receitas a determinadas despesas (não consignação) e à exigência de uma especificação suficiente segundo uma classificação económica; (d) o equilíbrio - devendo prever-se as receitas necessárias para a cobertura das despesas; (e) a submissão a um instrumento de gestão - o Plano Oficial de Contabilidade Pública (POCP) ; (f) publicidade de todos os documentos que se revelem necessários à compreensão e à transparência orçamental.A regra do equilíbrio orçamental pode ser aferida segundo diversos critérios. Em primeiro lugar, um critério formal, segundo o qual em termos contabilísticos as receitas e as despesas devem corresponder-se. Neste sentido, e segundo o método das partidas dobradas todos os orçamentos estão equilibrados, uma vez que todas as operações contabilísticas dão sempre lugar a dois registos, um a crédito e outro a débito, que se correspondem e se compensam. Há, porém, diversos critérios substanciais, que permitem relacionar determinado tipo de receitas e determinado tipo de despesas:

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I. Comecemos pelo critério das receitas normais – de acordo com este, haverá desequilíbrio ou défice se as receitas normais (patrimoniais e tributárias) forem insuficientes para financiar as despesas públicas. Neste sentido sempre que se recorrer a uma receita não normal (creditícia) haverá défice. Ou seja, sempre que se recorrer a um empréstimo há défice. II. O segundo critério é o do activo de tesouraria - segundo o qual se distinguem as receitas efectivas (que afectam o património de tesouraria do Estado - tributárias e patrimoniais) e as receitas não efectivas (empréstimos), e as despesas efectivas (funcionamento, juros, investimento) e as despesas não efectivas (amortização de empréstimos). Haverá défice, na medida em que as receitas efectivas forem insuficientes para financiar as despesas efectivas, tornando-se necessário recorrer à dívida pública. Mas pode recorrer-se a um empréstimo para amortizar outro empréstimo sem que tal envolva agravamento do défice. III. O critério do activo de tesouraria tem uma variante - o critério do saldo primário , segundo o qual o défice é apurado, subtraindo os juros pagos - tendo em consideração que os mesmos remuneram os empréstimos contraídos. IV. Refira-se ainda o critério do activo de Estado - segundo o qual se distinguem as receitas correntes (que não afectam o património duradouro do Estado - tributárias e rendimentos do património) e as receitas de capital (empréstimos e venda de património), e as despesas correntes (vencimentos, compra de serviços, juros, transferências) e as despesas de capital (investimentos, amortização de empréstimos). Haverá défice, na medida em que as receitas correntes forem insuficientes para financiar as despesas correntes, tornando-se necessário recorrer às receitas de capital (empréstimos ou venda de património). Pode, assim, recorrer-se a empréstimos quer para amortizar outros empréstimos quer para financiar investimentos reprodutivos. V. Por fim, refira-se o critério do orçamento ordinário - segundo o qual se distinguem as receitas ordinárias (que se repetem ao longo dos anos) e as receitas extraordinárias , e as despesas ordinárias e as despesas extraordinárias. Haverá défice na medida em que for necessário recorrer a receitas extraordinárias para financiar despesas ordinárias. Este critério foi adoptado em Portugal até ao início dos anos setenta tendo a grande desvantagem de ser muito fluído e pouco rigoroso - obedecendo a variações de conveniência. O tema do equilíbrio das finanças públicas leva-nos a recordar o que já dissemos relativamente ao impropriamente designado Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) e aos critérios de convergência no âmbito da União Económica e Monetária (UEM). Importa, porém, salientar três aspectos importantes para a compreensão da dimensão actual do problema: (A) Receitas públicas, eficiência e equidade, combate à fraude e evasão fiscais - A consolidação das finanças públicas obriga a haver estabilidade na cobrança de receitas e capacidade para prever essa evolução. Nesse sentido, a simplificação do sistema fiscal, a criação de condições para uma maior eficiência da administração tributária, o combate à fraude e à evasão fiscais, a tendência para haver maior rigor com quem não cumpre a fim de se poder desagravar os rendimentos dos trabalhadores por conta de nutrem constituem medidas indispensáveis. Um sistema fiscal eficiente quer-se simples, previsível, claro - e servido por uma administração motivada e conhecedora. Só assim será possível ter um sistema fiscal fidedigno e credível, condição sine qua non para que haja o financiamento adequado das necessidades públicas. Mais importante do que reduzir ou aumentar impostos é compreender o princípio das capacidades contributivas, segundo o qual cada um apenas paga o que está nas suas possibilidades.(B) Despesas públicas, redução das despesas correntes primárias e consolidação dos investimentos reprodutivos - O equilíbrio orçamental exige controlo rigoroso das despesas públicas - privilegiando-se a disciplina e a redução das despesas correntes primárias, isto é, das que não têm carácter reprodutivo. No entanto, o critério fundamental que deve ser seguido tem a ver com a qualidade dos serviços públicos prestados, que são factores essenciais de competitividade (a administração da justiça, os serviços de segurança, a saúde e a educação). Impõe-se haver uma avaliação de custo e benefício e uma rigorosa prestação de contas. Por outro lado, terá de se assegurar o melhor investimento reprodutivo (nas infra-estruturas, nas escolas, nos hospitais, nas estradas). A redução do investimento reprodutivo gera desemprego e este agrava o défice uma vez que exige o pagamento dos subsídios aos desempregados.(C) Evolução demográfica, envelhecimento da população e crise do Estado Providência - Por fim, as finanças públicas ressentem-se da actual tendência de evolução demográfica. O envelhecimento da população e o aumento da esperança de vida geram um desequilíbrio entre a população activa, que paga impostos e contribuições, e a população não activa (reformados, pensionistas) que recebem sem criar riqueza

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imediatamente. Se a população activa é menor e a população não activa aumenta gera-se um problema a prazo de sustentabilidade dos sistemas de cobertura dos riscos sociais e de segurança social, o que determina a necessidade de alargar a vida activa dos cidadãos e de flexibilizar os mecanismos de criação de empregos, sem pôr em causa direitos adquiridos e apoio mínimo garantido ou de inserção.Compreende-se, assim, a complexidade do problema actual da sustentabilidade das finanças públicas, que é tudo menos um problema simples ou susceptível de comentários ligeiros ou de apreciações superficiais.Uma última palavra relativamente ao crédito público . O Estado ao contrair um empréstimo dá lugar à dívida pública. A dívida pública de prazo superior a um ano é fundada, e a dívida amortizável dentro do prazo orçamental é flutuante. O Estado pode contrair dívida pública directa (quando pede um empréstimo) ou contrair uma dívida de garantia (quando presta um aval do Estado, só sendo chamado a cumprir se o deveor principal não pagar). Temos ainda dívida pública interna e dívida pública externa consoante seja colocada no mercado nacional ou em praças estrangeiras.

• As contas externas.Além do equilíbrio das finanças públicas, temos ainda de referir o equilíbrio das contas externas. Quando estudámos o circuito económico, vimos que as economias não estão fechadas e que, além das Famílias e das Empresas, do Estado e do Capital, temos sempre de contar com o Exterior. Há fluxos permanentes que se estabelecem entre os cidadãos de um país e os cidadãos do resto do mundo. Temos de considerar importações, exportações, transferências. Nesse sentido, as políticas económicas têm de contar permanentemente com as relações económicas internacionais e com as respectivas consequências.Os pagamentos externos são registados na Balança de Pagamentos , que envolve: A - Bens e Serviços - Mercadorias, Transportes e Seguros, Viagens e Rendimentos de Investimentos. B - Transferências - envolvendo movimentos privados e governamentais. C - Capitais e Ouro Monetário - considerando investimentos privados directos e outros movimentos de capitais, designadamente entre bancos centrais e os sistemas bancários.A Balança de Pagamentos está por definição sempre equilibrada, em razão do sistema de registo das partidas dobradas . São registadas a crédito as exportações de bens e serviços e as importações de capitais. São registadas a débito as importações de bens e serviços e exportações de capitais, bem como os afluxos de reservas monetárias Quando há uma importação ou compra de bens ou de serviços a dupla inscrição é feita do seguinte modo: a débito a título da importação de bens e serviços, a crédito a título dos capitais que são pagos em contrapartida da compra. Se há uma troca de bens ou serviços há dois registos a crédito e a débito correspondentes aos bens e serviços trocados. Se há uma troca de activos financeiros há dois registos a crédito e a débito correspondentes aos capitais permutados.Para aferirmos as situações de equilíbrio ou desequilíbrio, devemos considerar as Balanças Sectoriais:(A) Balança de mercadorias - correspondendo aos movimentos comerciais relativos a bens; (B) Balança de bens e serviços - correspondendo ao conjunto das operações comerciais, compra e venda de mercadorias e prestação de serviços; (C) Balança corrente ou de transacções correntes - correspondendo às operações de bens e serviços e às transferências correntes (p. ex. remessas de emigrantes); (D) Balança de base - correspondendo a todas as operações com excepção dos movimentos de capitais privados a curto prazo; (E) Balança global - correspondendo a todas as operações com excepção das reservas monetárias.Um País como Portugal tem uma longa tradição de desequilíbrio na sua balança comercial, salvo no período do império no século XVI, no tempo do ouro do Brasil, no século XVIII, e durante a Segunda Grande Guerra, em virtude da venda de volfrâmio aos beligerantes. Nos anos sessenta e setenta a balança de transacções correntes foi equilibrada com as remessas dos emigrantes portugueses na Europa.A doutrina distingue as seguintes situações no tocante à situação das contas externas: (i) Países jovens devedores - com balança corrente deficitária, sendo subdesenvolvidos e estando dependentes do investimento estrangeiros, de matérias primas e equipamentos do exterior; (ii) Países jovens credores - com balança corrente excedentária, em razão dos saldos positivos da balança de mercadorias, que sobrelevam as posições negativas correspondentes às saídas de rendimentos destinados a remunerar anteriores investimentos estrangeiros;

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(iii) Países credores adultos - com excedentes na balança corrente em resultado do afluxo de rendimentos provenientes de colocação de capitais no exterior.Recordamos o que já dissemos sobre os sistemas monetários e cambiais. Os pagamentos internacionais são feitos em divisas. Há um mercado de divisas. Os câmbios podem ser flexíveis, estáveis ou fixos e correspondem aos valores de uma divisa expressos noutra divisa. O mercado de câmbios fixa os valores das divisas em razão da lei da oferta e da procura, mas também da importância e da situação das economias em causa. A divisa portuguesa foi o Escudo Português até 1 de Janeiro de 1999 - passando a partir de então a ser o Euro , que já estudámos, cuja circulação efectiva ou introdução física ocorreu no dia 1 de Janeiro de 2002.Devemos precisar que o equilíbrio das finanças públicas e o equilíbrio das contas externas são objectivos instrumentais, que têm de ser vistos em ligação com o crescimento económico e o desenvolvimento económico. O ajustamento ao ciclo económico. Se analisarmos a vida económica ao longo do tempo, verificamos que a mesma apresenta períodos de alta e de baixa. Se nos recordarmos do episódio bíblico da governação de José no Egipto encontramos aí, com muita nitidez, a apresentação de um ciclo económico. O sonho do faraó, que José soube interpretar, apresentava, primeiro, sete vacas belas e gordas, que se puseram a pastar na relva, depois saíram do rio sete vacas enfezadas e magras - que devoraram as sete vacas belas e gordas… (Génesis, 41). As vacas gordas e as vacas magras eram a prefiguração de sete anos de abundância e de sete anos de penúria. José aconselhou então o faraó a lançar o imposto de um quinto sobre as colheitas do Egipto durante os sete anos de abundância. Assim, acumularam-se reservas que permitiram fazer face à fome que depois veio. A imagem bíblica é muito interessante, uma vez que nos dá bem a expressão dos ciclos económicos, que as sociedades rurais muito bem conheciam. A agricultura é feita de ciclos - antes de mais anuais, correspondentes às estações do ano, aos tempos em que se semeia e aos tempos em que se colhe, mas também plurianuais, uma vez que há anos em que a meteorologia é mais favorável ou desfavorável e outros em que é indispensável fazer descansar a terra. Stanley Jevons (1835-1882) estudou os ciclos naturais, associando-os nas suas origens à teoria das manchas do Sol.Centrando-nos nos ciclos médios, estudados por Clément Juglar (1819-1905), de duração de sete anos a nove anos, verificamos que nas economias monetárias, como aquela em que vivemos, a moeda desempenha um papel importante no desencadear das variações cíclicas. Para Juglar, os ciclos não são fruto do acaso mas produto quase automático do mecanismo monetário sobre o qual repousa a economia de mercado. Juglar diz: "a origem da miséria é a prosperidade" - significando que nos períodos de forte crescimento põem-se em marcha os factores recessivos. Temos, assim, que um ciclo apresenta quatro momentos - expansão ou boom, momento em que há pleno emprego tendencial e crescimento económico, criação monetária induzida por ele, concessão de crédito pelos bancos e uma tendência inflacionista; crise , corresponde à viragem (a palavra grega krisis significava para Hipócrates o momento em que o doente estava no auge da sua enfermidade, podendo superá-la ou morrer), o crédito dos bancos é reduzido, a produção abranda, começa a surgir o desemprego; depressão ou slump , momento em que o desemprego vai coexistir com a deflação ou baixa de preços, induzida peloexcesso de oferta e recuperação, circunstância em que recomeça a criação de riqueza, a oferta recupera, o emprego começa a ser criado e a deflação dá lugar à estabilidade dos preços.Quando Juglar morreu vivia-se a "belle époque" e havia quem julgasse que os ciclos estariam definitivamente superados - em razão do crescimento sustentado e do optimismo induzido pela inovação tecnológica e pelas invenções da electricidade e do veículo automóvel. No entanto, os anos vinte e o pós-Guerra trouxeram de volta o espectro das crises cíclicas. Joseph Schumpeter constrói então uma nova teoria dos ciclos, nos quais identifica três tipos, pela sua duração e origem: um curto, de três anos, devido à gestão de stocks que se designa como ciclo de Kitchin , um ciclo longo de sessenta anos, devido ao progresso técnico e que foi baptizado com o nome de Kondratieff e o ciclo médio, de até nove anos, devido à moeda, que Schumpeter designará para a posteridade com o nome de Juglar .Fácil é de compreender, como veremos a seguir, a necessidade de a estabilização económica se ajustar ao ciclo económico. Por exemplo, as políticas orçamentais anti-cíclicas, que estudaremos, pressupõe que na fase alta do ciclo haja excedentes que levam à criação de um fundo de estabilização, o qual na fase baixa permitirá o financiamento dos défices. Trata-se, assim, de proceder a um acompanhamento rigoroso do ciclo, de modo a contrariar os seus efeitos, numa lógica anti-cíclica. Pelo contrário, uma actuação pró-cíclica tenderá a agravar

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as diversas fases da conjuntura. Assim, num período de abrandamento ou de recessão não devem ser restringidas as despesas de investimento reprodutivo - visando a criação de emprego. Note-se, aliás, que, se houver uma restrição cega das despesas de investimento vai-se gerar desemprego, que exige o pagamento de subsídios aos desempregados, com agravamento, por esse lado, da despesa e do défice - com a desvantagem de o subsídio ser uma despesa corrente sem carácter reprodutivo.Depois da 2ª Guerra Mundial e graças ao sucesso das políticas anti-cíclicas os ciclos económicos atenuaram-se. Por isso, os economistas modernos preferem falar de flutuações económicas. Trata-se de oscilações, maiores ou menores, da actividade económica. Daí preferir falar-se hoje de recessão em lugar de depressão, uma vez que a depressão é mais acentuada, pressupondo a coexistência da deflação e do desemprego. A recessão costuma ser definida tecnicamente como correspondendo a um período em que o produto interno bruto real baixa durante pelo menos dois trimestres consecutivos.Na perspectiva keynesiana, uma vez que há diversas situações de equilíbrio económico, consoante estejamos em pleno emprego, sobre-emprego ou subemprego. Não há um só equilíbrio, e esta situação não é a regra, mas apenas uma tendência. As flutuações, nesta perspectiva, correspondem a imperfeições do mercado - que urge contrariar. As recessões dos anos setenta e oitenta ter-se-iam, assim, devido a políticas erradas dos governos (designadamente no tocante ao aumento das taxas de juro). Já na perspectiva neo-clássica, os ciclos ou as flutuações resultariam de perturbações na produtividade ou nos gostos, e não tanto nas políticas económicas. O arrefecimento da economia poderia ocorrer sem que houvesse culpas por parte das políticas económicas prosseguidas.Depois de 1945, houve trinta anos de acentuada estabilidade económica, em virtude de haver políticas anti-cíclicas com resultados positivos. Designou-se esse período como os trinta gloriosos anos . As flutuações económicas deram lugar a situações recessivas nos anos cinquenta, coincidindo com a Guerra da Coreia (1953-54), e nos anos sessenta, com a Guerra do Vietname (1968-70). A partir de 1975, por efeito dos choques petrolíferos, a economia mundial viu-se a braços com um longo período de estagnação económica, durante o qual coexistiam a inflação e o desemprego - o fenómeno novo foi designado como estagflação -, que constituiu um autêntico quebra-cabeças para a ciência económica, uma vez que deixaram de funcionar os instrumentos tradicionais de natureza anti-cíclica. Durante os anos noventa houve um certo reencontro com o funcionamento dos ciclos, graças à introdução de novos instrumentos de estabilização, numa lógica de complementaridade entre o mercado e a regulação pública.Em conclusão, as recessões não são hoje tão graves quanto o foram as grandes depressões, que conhecemos antes da última Grande Guerra (início dos anos vinte e anos trinta) - no entanto têm dimensão simultaneamente global e nacional e têm consequências graves em vários aspectos. Algumas indústrias, algumas áreas de actividade e algumas zonas do País são muito mais atingidas do que outras. Daí que se justifique uma vigilância permanente, através de um sistema estatístico que tem de ser muito fiável e rigoroso. Os objectivos de política económica. Do que já vimos resulta que os objectivos de política económica são de índole estrutural - visando o crescimento económico a médio prazo e o desenvolvimento económico e social sustentável. No tocante aos elementos duráveis da economia, importa, no fundo, articular elementos quantitativos e qualitativos, a fim de garantir não só uma melhor utilização dos recursos disponíveis e uma melhor satisfação de necessidades, mas também assegurar a preservação e salvaguarda do meio ambiente, da qualidade de vida e da coesão social. A sustentabilidade e a durabilidade do desenvolvimento têm, por isso, a ver com a consciência de que não basta criar novos bens materiais nem construir novos conjuntos de necessidades - numa sociedade puramente consumista. É indispensável prevenir e antecipar os riscos de destruição da natureza e dos recursos naturais - além da necessidade de considerarmos com especial ênfase a questão da evolução demográfica e do envelhecimento da população. Recordemo-nos, por exemplo, do efeito dos já citados choques petrolíferos (de 1973 e de 1979): até então os motores de explosão eram grandes consumidores de combustível, depois houve que descobrir motores mais económicos e que iniciar a investigação de energias alternativas (solar, eólica, biomassa etc.), tendo em consideração a tomada de consciência de que as reservas de petróleo são finitas. O mesmo se diga em relação à Convenção de Quioto sobre emissões de dióxido de carbono para a atmosfera. A humanidade começa a tomar consciência de que o próprio ar que respiramos é um bem finito, que tem de ser protegido e salvaguardado.

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Como vimos a oferta dos recursos naturais é inelástica por referência aos preços. No entanto, é possível agir sobre essa oferta, designadamente prevenindo o seu esgotamento ou alargando as suas potencialidades. Os holandeses conquistaram, por exemplo, parte do seu território ao mar, com a drenagem de polders e a construção de diques. A protecção de determinadas espécies em extinção pode ter também efeitos positivos no equilíbrio ecológico. Pelo contrário, lembramo-nos do exemplo da República Popular da China, nos anos cinquenta, em que houve uma campanha para pôr termo à praga dos pardais que comiam o trigo das searas. As autoridades usaram todos os métodos para exterminar tais aves, ao ponto de as impedir de pousar em terra, levando à sua morte por exaustão. O resultado foi desastroso. Os pardais comiam algumas sementes de trigo mas preservavam o equilíbrio ecológico impedindo a proliferação de insectos. Mortos os pardais, veio uma praga de gafanhotos que dizimou a produção de cereais. Houve, por isso, que fazer regressar os pardais, que apesar de comerem algumas sementes salvaguardavam o essencial da produção.A hipótese do esgotamento inelutável da oferta dos recursos naturais preocupa há muito a humanidade. Robert Malthus (1766-1836) defendeu a tese segundo a qual a evolução da população, ocorrendo segundo uma progressão geométrica, não seria acompanhada pelos recursos disponíveis, que cresceriam segundo uma progressão aritmética. Nos anos setenta do século XX, houve na mesma linha de raciocínio quem defendesse o crescimento zero para a população e para os recursos, para evitar essa ameaça de penúria e de fome. A verdade é que o desenvolvimento sustentável e duradouro constitui um objectivo fundamental, que exige o equilíbrio entre os recursos disponíveis e as necessidades humanas. Quanto aos objectivos conjunturais, do que dissemos resulta que as políticas económicas que visam a estabilização dos ciclos económicos, têm quatro objectivos fundamentais - que designamos como quadrado mágico - os quais têm de estar sempre presentes, não podendo cair-se no erro de privilegiar uns relativamente a outros, sob pena de pormos em causa a sustentabilidade do crescimento e do desenvolvimento e de afectarmos a coesão social e o "capital social". Recapitulando, os quatro objectivos, que têm de ser coordenados numa lógica de policy mix (política mista) são: a estabilidade de preços, o pleno emprego, o equilíbrio das contas públicas e o equilíbrio das relações com o exterior. Insista-se, porém, que os dois últimos objectivos têm carácter instrumental em relação ao crescimento e ao desenvolvimento económicos. A dificuldade da eficácia das políticas económicas, que estudaremos a seguir, depende da capacidade de ligar objectivos estruturais e conjunturais e de coordenar o prosseguimento dos quatro objectivos de curto prazo, com as situações dilemáticas que bem conhecemos que essa articulação envolve. É esse o tema que iremos tratar a seguir ao tratarmos da política macro-económica e das suas dificuldades.Falando de prosseguimento de objectivos através de políticas macro-económicas, importa precisar uma questão terminológica. Falámos já de policy mix - aqui a palavra inglesa "policy" significa a política enquanto instrumento de acção (p. ex. política financeira, monetária ou orçamental). Mas política pode também traduzir-se por politics - que tem um significado diferente. Politics significa a actividade política, a formulação de alternativas globais de governo, que incluem instrumentos de acção. A politics é mais ampla do que a policy . O que iremos estudar são policies , sendo certo que a Economia Política envolve sempre os dois fenómenos - até porque não é possível apresentar alternativas no campo das politics sem conhecer as policies alternativas. XV - Política macro-económica - Objectivos e Instrumentos. Estabilidade de preços, pleno emprego, equilíbrio das contas públicas e equilíbrio das contas externas e instrumentos de política económica.Já analisámos os objectivos fundamentais de política económica. A realização de finalidades de estabilização constitui o pano de fundo da governação económica. Importa insistir em que a acção dos governos sobre a realidade económica visa, antes de tudo, a realização de fins gerais - que têm a ver com o bom funcionamento da economia e com a realização do desenvolvimento e da coesão na sociedade. Tal exige uma permanente conciliação entre a eficiência e a equidade. Por outro lado, há ainda objectivos específicos, que têm a ver com a situação concreta de uma determinada conjuntura económica. Caso a caso, é indispensável saber-se qual a evolução de uma sociedade, economicamente organizada, no tocante ao bem-estar, ao funcionamento do mercado, à expansão económica, ao desenvolvimento, ao nível de preços, à taxa de desemprego, à situação das contas públicas e às relações económicas com o exterior, a fim de que definamos com rigor quais as

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finalidades que têm de ser prosseguidas e consideradas na definição das políticas económicas.Os meios e os instrumentos que devem ser usados, e que iremos estudar, estão sempre intimamente ligados à situação de que partimos e às características reais da conjuntura. Estrutura e conjuntura, enquanto realidades que, respectivamente, ou se mantêm ao longo do tempo (tendo em consideração as proporções e relações que caracterizam uma determinada economia – lembremo-nos da população, cuja tendência evolutiva se mantém estável ao longo do tempo) ou variam consoante a evolução das circunstâncias, interinfluenciam-se. Ora consideramos as repercussões, mais ou menos fundas, na vida económica, ora nos reportamos à relação com o tempo. Não se confundem, porém, os dois planos, uma vez que no primeiro critério (políticas estruturais e conjunturais) temos em consideração o que é fundamental e estável ou o que é circunstancial, enquanto, no segundo, o referente ao prazo (curto, médio e longo prazos), falamos do período de execução de uma determinada política. Uma política estrutural pode ser de curto prazo ou de médio e longo prazos, enquanto uma política de estabilização da conjuntura pode ser de médio prazo, ou pode ser concebida apenas como de curto prazo (v.g. a redução das despesas correntes na política orçamental).Há ainda a referir as políticas qualitativas e as políticas quantitativas, consoante visem:(a) a alteração do clima de concertação nas relações de trabalho e dos elementos institucionais, de enquadramento ou de qualificação; e(b) a intervenção sobre agregados avaliáveis quantitativamente (uso de modelos econométricos). Políticas de estabilização – monetárias, orçamentais e de rendimentos e preços.A política económica define-se pelos seus objectivos próprios, que correspondem à realização de finalidades inerentes à alteração do modo como se processa a produção e o consumo, enquanto a política social tem em vista a repartição dos bens económicos – na sociedade e pelas pessoas. Os instrumentos de política económica terão, assim, de ser adequados, compatíveis ecoordenados, de modo a poderem realizar as finalidades a que se propõem. Nesse sentido, as políticas económicas pressupõem vários momentos, correspondentes ao planeamento, à decisão, à execução e à avaliação.No planeamento define-se o quadro temporal de acção, bem como os objectivos e os meios adequados, em cada momento, às finalidades previamente definidas.Na decisão, propriamente dita, é utilizado o instrumento escolhido previamente – podendo o governo usar de um instrumento de natureza legislativa (dotado de generalidade e abstracção), de natureza regulamentar, de natureza administrativa (acto individual) ou de natureza técnica.Na execução estamos perante a concretização das políticas – trata-se de adoptar um caminho, considerando as qualidades de cada uma.Por fim, temos a avaliação (interna ou externa) do modo como se chegou à decisão e dos aspectos positivos e negativos da concretização da medida adoptada, nas suas diversas implicações (económicas e sociais).De facto, para escolher os meios, deveremos ter em consideração as lições da experiência e a necessidade de obter a maior eficácia possível nas medidas adoptadas. Tendo em conta o carácter variável da conjuntura económica e a complexidade das escolhas das políticas económicas, verificamos que a estabilização económica constitui o fundamental objectivo na moderna política económica.A estabilização conjuntural pode recorrer: às políticas monetárias (desde a criação de moeda ou da relação com o sistema financeiro e bancário, até às políticas cambiais), às políticas financeiras e orçamentais (ou de finanças públicas) e às políticas de rendimentos e preços. Numa palavra, o objectivo global de estabilização ou de regulação da conjuntura define-se como a conjugação de elevados níveis de emprego dos recursos produtivos, com uma estabilidade, segundo padrões comparativamente aceitáveis, do nível geral de preços e com o equilíbrio de transacções com o exterior. Caracterização dos diferentes tipos de políticas.Vejamos cada uma das referidas políticas. As políticas monetárias e de crédito constituem, no contexto europeu, instrumentos que estão atribuídos essencialmente, depois do Tratado da União Europeia (Maastricht), ao Banco Central Europeu e ao Sistema Europeu de Bancos Centrais. Desde a criação monetária relativa ao Euro até à definição das taxas de remuneração das aplicações de capital, estamos perante um instrumento que deixou de ser puramente nacional, ou invocável nesse exclusivo âmbito. Existe, pois, uma federalização das políticas monetárias na União Europeia. Estas articulam-se entre si, deixando, por força da existência do mercado interno, da livre circulação de pessoas, mercadorias, serviços e capitais, e do fim das

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fronteiras, de ser possível jogar internamente com as taxas de câmbio.Em face do que foi dito, compreende-se a importância para a produção e consumo de um acompanhamento permanente da evolução da moeda no âmbito da União Económica e Monetária e do Eurogrupo, que visa a estabilização macro-económica e o controlo dos preços. Eis porque a governação económica da União Europeia se tornou da maior importância, havendo complementaridade entre as competências do Banco Central Europeu e do Sistema Europeu de Bancos Centrais e as competências nacionais no âmbito das finanças públicas e dos rendimentos e preços.As políticas orçamentais (fiscal policies) articulam receitas (tributárias, patrimoniais e creditícias) e despesas públicas (correntes e de capital), considerando a situação do equilíbrio e desequilíbrio substanciais das contas públicas. Nas despesas públicas refira-se os investimentos públicos, as subvenções ou as transferências de capital em benefício das empresas públicas ou dos particulares, variações de stocks administrados pelo Estado, pagamentos correntes de bens e serviços, salários e remunerações pagas pelo sector público. No campo das receitas fiscais temos os impostos directos sobre a riqueza ou sobre o rendimento dos particulares e das empresas, impostos indirectos, impostos aduaneiros e quotizações para a segurança social. Nas outras receitas públicas temos a emissão da dívida e a contracção de empréstimos públicos e a respectiva gestão, bem como a administração do património público.As políticas de rendimentos e preços permitem-nos intervir quer na área da concertação com os parceiros sociais no sentido da definição das orientações respeitantes à evolução da massa salarial e dos rendimentos dos trabalhadores, bem como à defesa e salvaguarda da concorrência e ao controlo directo dos preços nas diversas fases do circuito económico. Perante os diferentes tipos de conjuntura económica contamos com uma panóplia muito ampla de instrumentos, aptos ou a contrariar as tensões inflacionistas ou a combater o desemprego. Conjunturas expansivas.Quando estudámos os ciclos económicos, verificámos que na fase alta, caracterizada pela expansão (boom), teríamos de contar com as tensões inflacionistas, por virtude da forte pressão exercida pela procura e pela aproximação do pleno emprego dos recursos produtivos. Perante este quadro, importará, recordando o que já estudámos sobre as situações macro-económicas, dizer que os instrumentos de política económica devem agir de modo a drenar o excesso de procura – quer reduzindo (global ou selectivamente) a despesa pública, em especial a corrente e de consumo, quer aumentando os impostos sobre o rendimento das pessoas singulares, prosseguindo uma política de redução do rendimento disponível, de moderação salarial (para evitar a espiral salários/preços/salários) ou criando emissões de dívida pública, no sentido de limitar os meios monetários na posse do público.Note-se que as opiniões públicas contemporâneas revelam apetência para aceitarem, por exemplo, a redução das despesas militares, ao invés do que acontece para as despesas sociais. Discute-se, ainda se as políticas económicas poderão actuar através de um aumento dos impostos indirectos. A resposta é, em princípio, favorável, desde que se compreenda um risco evidente e imediato, o de, num primeiro momento, o aumento dos impostos sobre o consumo gerar aumento de custos e logo pressão sobre os preços. Numa palavra, o aumento da taxa do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) vai produzir num primeiro momento aumento de preços do lado dos custos, absorvido num segundo momento pela absorção do excesso de procura existente, o que contribui positivamente para uma redução sustentada nos preços e para uma estabilização da conjuntura. Conjunturas depressivas.Já na fase baixa do ciclo, caracterizada pela depressão económica (slump), temos de contar com a tendência para a quebra na produção e para o desemprego. Perante tais circunstâncias, importará dizer que, nesta fase do ciclo, deveremos preocupar-nos com a reconstituição da procura efectiva global de modo a sustentar a criação de riqueza, através do progresso da oferta. No tocante à tributação, deverá apontar-se para a redução das taxas dos impostos sobre as sociedades (IRC) – de modo a reanimar a vida económica e a permitir a recuperação económica. Do mesmo modo, no tocante às políticas monetárias as taxas de juro praticadas no sistema financeiro e bancário deverão sofrer redução, com vista à criação de incentivos ao investimento privado reprodutivo. Quanto às políticas cambiais, a desvalorização de uma moeda relativamente às moedas das economias concorrentes pode permitir aumentar a competitividade, uma vez que as exportações ficam mais baratas e as importações mais caras. Tudo aponta no sentido de um aumento

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necessário da procura efectiva global, de modo a conseguir a reanimação da actividade económica e a criação de emprego. Nesse sentido se fala de políticas orçamentais que usam com especial cuidado as despesas públicas – políticas de despesas compensadoras, que visam superar as falhas verificadas no investimento da economia privada, fomento monetário no sentido de contrariar uma conjuntura deflacionista e défice sistemático, de modo a combater a recessão e a contrariar o desemprego persistente Conjunturas mistas.O êxito das políticas keynesianas depois dos anos trinta e sobretudo no pós-Guerra gerou a atenuação dos ciclos económicos. De facto, o uso de instrumentos anti-cíclicos determinou que as depressões acentuadas deixassem de ter lugar e que as fases expansivas deixassem de ser tão marcadas. Como vimos, os sucessos das políticas económicas anti-cíclicas durante os trinta gloriosos anos (1945-1975) determinaram o surgimento de novos fenómenos, como o da coexistência do desemprego e da inflação, ou estagflação, que se revelariam muito difíceis de debelar com recurso a instrumentos tradicionais de política económica. Os choques petrolíferos de 1973 e de 1979 tornaram ainda mais complexas as acções de governação económica. Deixou, afinal, de poder recorrer-se apenas ao conceito keynesiano de procura efectiva global, sendo indispensável voltar a olhar também para a oferta – o que determinou a voga do que, nos anos oitenta, se designou como “supply side economics”. Assim, a Escola de Chicago (Milton Friedman) chamou a atenção para a necessidade de um controlo estrito da oferta de moeda e para o combate activo ao crescimento da massa monetária, de modo que ela não aumente a um ritmo superior ao reputado ideal, para não se gerarem desequilíbrios entre massa monetária e o crescimento real da economia. O crescimento anormal da moeda existente produz graves distorções na utilização dos recursos, devendo definir-se uma faixa de crescimento monetário ajustado ou óptimo em cada economia e conjuntura. Aliás, nesta perspectiva os défices orçamentais constituíram factores de perturbação monetária – já que suscitariam o fenómeno de crowding out, segundo o qual o aumento de despesa pública envolve o crescimento das taxas de juro no mercado financeiro resultante da procura de mais crédito pelo Estado para financiar o défice orçamental, tendo como resultado a redução da capacidade de investimento dos privados. A compressão das despesas públicas seria necessária nesta perspectiva, quer pela redução dos encargos quer pela diminuição da sua taxa de crescimento, de modo que seja inferior à do produto nacional. O excedente orçamental tornar-se-ia, assim, anti-inflacionista. Procura-se reduzir o desequilíbrio dos recursos – o hiato inflacionista (inflationary gap) - não já pela compressão da procura, mas pelo aumento da oferta – meio de combater a inflação a longo prazo. Numa conjuntura de estagflação é indispensável usar com moderação e flexibilidade uma política de despesas compensatórias, de modo a não agravar ainda mais as tensões inflacionistas. Fala-se, por isso, de “fine tuning” (sintonização fina), que obriga a um controlo muito apertado do uso dos instrumentos. Estamos perante situações dilemáticas, pelo que os instrumentos devem ser usados em doses tais que não permitam agravar o desemprego nem pôr em causa a estabilidade de preços. Refere-se, assim, as políticas de stop and go para significar a necessidade de articulação (policy mix) entre os instrumentos ligados à oferta de moeda e defendidos pelos monetaristas e supply siders e os instrumentos orçamentais e fiscais da tradição keynesiana. Como o médico que sabe que um determinado medicamento trata o coração, mas ataca o estômago num doente que sofre das duas enfermidades, é indispensável ministrar ora o tratamento para o coração, ora o tratamento para o estômago, de modo que o doente veja ambos os males tratados. Compatibilidade de objectivos e de instrumentos.Políticas anticíclicas, plurinauais e mistas.Nos tempos actuais, a compatibilidade de objectivos e de instrumentos macro-económicos assegura-se através de uma articulação plurianual e de uma coordenação simultânea de medidas e de resultados. Assim as políticas económicas: (a) envolvem instrumentos monetários e orçamentais; (b) são concebidas quer num horizonte anual quer num horizonte plurianual; (c) procuram contrariar o excesso de procura, a tendência para o desemprego e o desequilíbrio das contas externas; (d) consideram quer à evolução da oferta de moeda, quer à situação da procura efectiva global; (e) reconhecem a importância não apenas a situação macro e micro-económica, mas, cada vez mais, a situação da coesão social, da confiança e do funcionamento da sociedade e do mercado. Vejamos sumariamente como tal se opera.

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Orçamentos cíclicos.A experiência dos países nórdicos aponta para a consagração de orçamentos cíclicos, concebidos de acordo com os momentos das oscilações da conjuntura económica. Deste modo, na fase alta do ciclo haveria a constituição de excedentes, segundo o critério do activo de Estado - assente na distinção entre despesas e receitas correntes e de capital. Tais excedentes de natureza corrente serviriam para financiar um Fundo de Reserva, que permitiria preparar a economia para a fase depressiva, simultaneamente que contrariava o excesso de procura da fase expansiva. Pelo contrário na fase baixa do ciclo haveria a possibilidade de gerar défices, que permitiriam realizar despesas compensatórias para garantir uma procura efectiva global adequada à recuperação económica e a contrariar a tendência para o desemprego. Os excedentes acumulados no Fundo de Reserva iriam ser utilizados, havendo uma situação de equilíbrio das finanças públicas a médio prazo. Nestes termos, a Reserva funcionaria na conjuntura depressiva como Fundo de Regularização. Note-se que o sucesso deste instrumento traduziu-se no desaparecimento dos ciclos económicos tradicionais, uma vez que a estabilização prevaleceu sobre os efeitos das oscilações conjunturais. Políticas discricionárias e estabilizadores automáticos.Enquanto nas políticas discricionárias os governos adoptam-nas especificamente para fazer face a uma determinada situação (aumento do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares em conjuntura inflacionista por via da procura), os estabilizadores automáticos actuam independentemente da fase em que nos situamos. Por exemplo, os subsídios de desemprego vão ter efeito diferente, e automático, consoante estejamos em conjuntura expansiva ou depressiva. Próximo do pleno emprego, há poucos desempregados e os subsídios orçamentados são reduzidos. Verifica-se então um excedente de pleno emprego que funciona como um factor de drenagem e de absorção do excesso de procura. Este excedente funciona como um travão automático contra a alta de preços. Se o desemprego aumenta, os subsídios também sofrem um acréscimo e este défice torna-se um factor de estimulação da economia. Ainda no tocante aos estabilizadores automáticos refira-se como outro exemplo as taxas progressivas dos impostos sobre o rendimento – quando estamos em pleno emprego e os rendimentos são maiores há por esse efeito uma forte drenagem do excesso da procura ao contrário do que ocorre na conjuntura baixa, momento em que os rendimentos são menores e as colectas também. Políticas mistas.A conjugação da redução global ou sectorial das despesas públicas e de agravamento dos impostos indirectos constitui meio por excelência na situação actual. Chega-se à conclusão de que o excedente ou o desequilíbrio se conseguem à custa destes dois instrumentos, perante a atenuação dos ciclos clássicos. O excedente orçamental é um meio clássico relativamente eficaz de realização de políticas anti-inflacionistas. No entanto, em muitos casos não é o excesso de procura, mas a insuficiência da oferta que se faz sentir, o que também tem efeitos negativos nos preços. Nesse caso o Estado deve estimular a oferta dos sujeitos privados por meio de reduções de impostos ou de subsídios e subvenções – que provoquem directa ou indirectamente aumento da oferta, pela produção de bens e serviços, pela criação de infra-estruturas pelo sector público ou pela importação de bens do exterior.Monetaristas e neo-keynesianos têm mantido um longo e inacabado debate sobre as políticas económicas. “A influência predominante de cada uma destas correntes de opinião tem alternado, mas na prática tem-se assistido a uma orientação eclética. E desde a divulgação do ‘Relatório Radcliffe’ (saído da comissão que, em 1957, foi constituída para estudar o funcionamento do sistema monetário britânico), tem-se afirmado a necessidade de uma associação entre os dois tipos de política monetária e financeira (fiscal-monetary mix) – que de nenhuma sorte se excluem mutuamente, antes se completam. Doutrinariamente, contudo, o elemento financeiro ou orçamental (‘fiscal’) sempre pesará mais nos keynesianos e o monetário ou de crédito (‘monetary’) nos neo-clássicos da escola de Chicago, levando o extremismo à exclusão de um dos termos do binómio” (como afirma, por todos, o Prof. A.L. Sousa Franco). Políticas de circuito.

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Em conjunturas onde coexistem a inflação e o desemprego, torna-se necessário criar conjuntos de medidas que permitam a conciliação entre objectivos dilemáticos contraditórios. Exemplo deste tipo de actuação é a política levada a cabo na Alemanha dos anos trinta pelo Dr. Hjalmar Schacht (1877-1970). Trata-se de uma política fechada, altamente proteccionista, só compatível com um sistema autoritário. Vai, no entanto, obter resultados importantes, ao passar o desemprego de 6 milhões, em 1933, para 2 milhões e meio, em 1934 – graças a um grande programa de trabalhos públicos, que permitirá o nascimento da rede rodoviária alemã. No entanto, o pagamento dos trabalhadores não era feito em moeda, mas em títulos de trabalho, reembolsáveis num prazo superior a 6 meses. Houve então uma drástica redução da moeda em circulação, e a lógica da política de circuito está no facto de os pagamentos em dinheiro serem feitos por virtude das amortizações dos títulos de trabalho, num momento em que a oferta da economia já podia compensar a nova procura gerada pelos novos trabalhadores empregados. Trata-se de um exemplo que permite compreender a relação entre a oferta e a procura no estabelecimento dos equilíbrios macro-económicos. Objectivos económicos e políticas de coesão social.O aumento da produção por via de um aumento da capacidade produtiva ou do aumento da produtividade corresponde a dois tipos de objectivos de política económica – o desenvolvimento económico e social e o crescimento económico. No primeiro caso estamos, normalmente, perante economias com reduzida capacidade produtiva e baixa produtividade. Aí o objectivo consiste em fazer sair as economias do atraso e do subdesenvolvimento, através de reformas estruturais. Mas não há políticas de desenvolvimento apenas nos países mais atrasados. Os países desenvolvidos também têm de aumentar a sua capacidade produtiva e melhorar a produtividade por um processo de crescimento contínuo e de desenvolvimento sustentável. Impõe-se sempre a realização de um objectivo de transformação global de índole social – que tem a ver com as qualificações, com a educação e a formação profissional, com a protecção e salvaguarda do meio ambiente, com a organização das instituições (governo, administração pública, justiça, tribunais). Como tem insistido Robert Putnam, trata-se de ligar o processo de desenvolvimento à coesão social, tornando a pertença, a solidariedade e a auto-estima factores de competitividade e de progresso. E se falamos de coesão, temos de referir as estruturas de distribuição de recursos. O objectivo redistributivo (a justiça distributiva, de que falava Aristóteles) implica uma melhoria nas quotas do produto que são atribuídas na sociedade aos menos favorecidos. Trata-se de alterar a maneira e o modo como o rendimento de uma economia determinada é repartido na sociedade, reduzindo as assimetrias de distribuição e de partilha. Compreende-se, assim, que o desenvolvimento, o crescimento e a redistribuição tenham de se realizar tendo em consideração a sustentação do capital social – designadamente no tocante aos sentimentos de pertença e de confiança, à defesa da natureza e do ambiente humano, ao ordenamento do território, ao progresso tecnológico e ao desenvolvimento regional e descentralização. O Estado moderno, as políticas públicas, governação económica, estabilização e desenvolvimento económico e social. Procurando arrumar ideias, devemos seleccionar quanto às finalidades prosseguidas pelas políticas económicas e sociais: a elevação da função consumo privado e os seus padrões, a satisfação directa das necessidades colectivas, a expansão económica com aumento da capacidade produtiva, o crescimento duradouro e o desenvolvimento sustentável, a estabilização económica nos parâmetros bastamente referidos – pleno emprego, estabilidade no nível geral de preços e estabilidade externa -, a melhoria ou manutenção da situação da balança de pagamentos, a intervenção para a repartição equitativa dos recursos e dos rendimentos, a protecção de determinadas regiões e sectores de actividade de acordo com o interesse comum. Os Estados modernos estão hoje confrontados com problemas novos no campo das políticas económicas, em especial ligados a questões estruturais, nas quais avultam a questão demográfica, a questão do desequilíbrio entre a população activa e os beneficiários dos apoios sociais, bem como o da eficiência da administração pública e dos serviços de interesse geral. Eis porque a governação económica deixa cada vez mais de ser problema de um só Estado, para exigir a coordenação entre diferentes políticas e entre diferentes Estados. Por isso, a União Europeia está hoje confrontada com a necessidade de completar as instituições e os instrumentos do Euro e da União Económica e Monetária com a coordenação de políticas económicas e a

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afectação de mais recursos à defesa dos interesses comuns. A estabilidade de preços, a oferta de moeda, o pleno emprego, a eficiência das administrações fiscais, o equilíbrio das finanças públicas a médio e longo prazo e o equilíbrio das relações externas vão exigir cada vez mais a cooperação, a coesão económica e social e a articulação e a complementaridade de esforços.

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