dunas móveis

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Soc. & Nat., Uberlândia, 25 (3): 595-607, set/dez/2013 595 Dunas móveis: Áreas de Preservação Permanente? Mônica Virna Aguiar Pinheiro, Marcelo Martins Moura-Fé, Eduardo Marcelo Negreiros Freitas, Anatarino Torres Costa, Aline Carla Sousa Aguiar, Enio Tarsom Paiva Sombra DUNAS MÓVEIS: ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE? Dunes mobile: Permanent Preservation Areas? Mônica Virna Aguiar Pinheiro Doutoranda em Ciências Marinhas Tropicais Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil [email protected] Marcelo Martins Moura-Fé [email protected] Eduardo Marcelo Negreiros Freitas [email protected] Anatarino Torres Costa [email protected] Aline Carla Sousa Aguiar [email protected] Enio Tarsom Paiva Sombra [email protected] Artigo recebido em 27/02/2013 e aceito para publicação em 27/06/2013 RESUMO: O Artigo trata sobre a pertinência das Dunas Móveis enquanto áreas de preservação permanente (APP), apesar dessa condição não estar inserida na Lei Federal nº 12.651/2012, recentemente promulgada e que trata do Novo Código Florestal. Embora se tratar de ambiente de importância natural, geológica, geográ- fica, biológica, ecológica e paisagística, dentre outros aspectos, atualmente se observa uma lacuna legal no Estado do Ceará que trate de forma específica e clara da proteção dessa significativa feição natural presente em diversos setores do litoral cearense. São apresentados e discutidos os principais diplomas sobre esse tema na legislação ambiental brasileira. Metodologicamente foi realizada uma detalhada análise dos diplomas legais, além do levantamento bibliográfico acerca de análises sobre essa discussão, além da caracterização ambiental das dunas móveis. O artigo apresenta como principais objetivos, a apre- sentação e análise dos meios legais para que essa condição de inseguridade legal seja revertida. Como principais resultados o artigo apresentada os meios legais, bem como a ampla justificativa científica e técnica embasada na importância ambiental das dunas, para que as mesmas possam estar inseridas no contexto do Meio Ambiente legalmente protegido, sob a pena de vermos a ocupação e descaracterização desse patrimônio natural irremediavelmente estabelecidos. Palavras-Chave: Dunas Móveis, Áreas de Preservação Permanente, Legislação Ambiental, Meio Am- biente, Estado do Ceará.

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DUNAS

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  • Soc. & Nat., Uberlndia, 25 (3): 595-607, set/dez/2013

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    Dunas mveis: reas de Preservao Permanente?Mnica Virna Aguiar Pinheiro, Marcelo Martins Moura-F, Eduardo Marcelo Negreiros Freitas, Anatarino Torres Costa,

    Aline Carla Sousa Aguiar, Enio Tarsom Paiva Sombra

    DUNAS MVEIS: REAS DE PRESERVAO PERMANENTE?

    Dunes mobile: Permanent Preservation Areas?

    Mnica Virna Aguiar PinheiroDoutoranda em Cincias Marinhas Tropicais

    Universidade Federal do Cear, Fortaleza, Cear, [email protected]

    Marcelo Martins [email protected]

    Eduardo Marcelo Negreiros [email protected]

    Anatarino Torres [email protected]

    Aline Carla Sousa [email protected]

    Enio Tarsom Paiva [email protected]

    Artigo recebido em 27/02/2013 e aceito para publicao em 27/06/2013

    RESUMO: O Artigo trata sobre a pertinncia das Dunas Mveis enquanto reas de preservao permanente (APP), apesar dessa condio no estar inserida na Lei Federal n 12.651/2012, recentemente promulgada e que

    trata do Novo Cdigo Florestal. Embora se tratar de ambiente de importncia natural, geolgica, geogr-

    fica, biolgica, ecolgica e paisagstica, dentre outros aspectos, atualmente se observa uma lacuna legal

    no Estado do Cear que trate de forma especfica e clara da proteo dessa significativa feio natural

    presente em diversos setores do litoral cearense. So apresentados e discutidos os principais diplomas

    sobre esse tema na legislao ambiental brasileira. Metodologicamente foi realizada uma detalhada anlise

    dos diplomas legais, alm do levantamento bibliogrfico acerca de anlises sobre essa discusso, alm

    da caracterizao ambiental das dunas mveis. O artigo apresenta como principais objetivos, a apre-

    sentao e anlise dos meios legais para que essa condio de inseguridade legal seja revertida. Como

    principais resultados o artigo apresentada os meios legais, bem como a ampla justificativa cientfica e

    tcnica embasada na importncia ambiental das dunas, para que as mesmas possam estar inseridas no

    contexto do Meio Ambiente legalmente protegido, sob a pena de vermos a ocupao e descaracterizao

    desse patrimnio natural irremediavelmente estabelecidos.

    Palavras-Chave: Dunas Mveis, reas de Preservao Permanente, Legislao Ambiental, Meio Am-biente, Estado do Cear.

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    Dunas mveis: reas de Preservao Permanente?Mnica Virna Aguiar Pinheiro, Marcelo Martins Moura-F, Eduardo Marcelo Negreiros Freitas, Anatarino Torres Costa, Aline Carla Sousa Aguiar, Enio Tarsom Paiva Sombra

    ABSTRACT: The article deals with the relevance of the Dunes Mobile as permanent preservation areas (APP), de-spite this condition not be inserted in the Federal Law N. 12.651/2012, recently enacted and that is the

    New Forest Code. Despite its importance natural, geological, geographical, biological, ecological and

    landscape, among other things, now we can see a loophole in the state of Cear that addresses a specific

    and clear protection of this significant natural feature present in many sectors of Cear. Are presented and discussed key pieces on this theme in Brazilian environmental legislation. Methodologically were

    made a detailed analysis of the legislation on the subject, besides the literature concerning the analysis of

    this discussion, in addition to environmental characterization of the dunes. The paper presents the main

    objectives, the presentation and analysis of legal means for this condition of insecurity cool is reversed.

    As the article main results presented legal means as well as ample justification grounded in scientific and

    technical environmental importance of the dunes, so that they can be placed in context of the Environment

    legally protected under the penalty of seeing the occupation and this mischaracterization natural heritage

    irrevocably established.

    Key Words: Dunes Mobile, Permanent Preservation Areas, Environmental Law, Environment, State of Ceara.

    INTRODUO

    O litoral brasileiro abrange diversos ecossiste-mas e dentre estes, encontram-se os campos de dunas mveis, os quais podem ser verificados nas mais di-versas formas, extenses e caracterizaes espaciais. O ambiente de dunas pode ser encontrado desde o litoral do Estado do Rio Grande do Sul (regio sul do pas) ao Estado do Amazonas (regio norte brasileira). Contudo, mesmo ocorrendo em quase todo o litoral brasileiro, seu predomnio se d de forma mais enftica ao longo da zona litornea do nordeste brasileiro, com as maiores exposies ocorrendo entre os Estados do Rio Grande do Norte e do Maranho, passando, por conseguinte, no contexto territorial do Estado do Cear.

    Os corpos dunares ao se formarem, ganham contornos distintos, os quais se definem atravs de dife-renciaes estreitamente relacionadas direo do vento dominante, conformao da superfcie percorrida pelos sedimentos desde sua disponibilizao, ao dos ventos

    na faixa de praia e localizao dessas dunas dentro do segmento costeiro (PINHEIRO, 2009).

    As grandes famlias de formas dunares carac-terizam-se quanto sua morfologia em: dunas mveis, dunas semifixas, dunas fixas, os eolianitos (ou dunas cimentadas) e as formas de deflao. Especificamente, as dunas mveis caracterizam-se por um transporte permanente dos gros de areia, resultando em uma permanente migrao das formas dunares.

    As dunas mveis so formadas a partir da acu-mulao de sedimentos, sobremaneira gros de areia, os quais so removidos da face de praia e depositados costa adentro por conta da ao dos agentes elicos (ventos predominantes). Alm disso, vale informar que as dunas mveis caracterizam-se pela ausncia de vegetao ou pela fixao de um revestimento pioneiro (Figuras 01 e 02), o qual detm ou atenua os efeitos da dinmica elica, responsvel pela migrao (PINHEIRO, 2009; MOURA-F, 2008).

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    Dunas mveis: reas de Preservao Permanente?Mnica Virna Aguiar Pinheiro, Marcelo Martins Moura-F, Eduardo Marcelo Negreiros Freitas, Anatarino Torres Costa,

    Aline Carla Sousa Aguiar, Enio Tarsom Paiva Sombra

    Figura 1. Dunas Mveis verificadas no Parque Nacional de Jericoacoara, Municpio de Jijoca de Jericoacoara, litoral oeste do Estado do Cear

    Foto: Marcelo Martins (agosto de 2009).

    Por sua vez, as dunas chamadas semi-fixas caracterizam-se pela semi-mobilidade, ou seja, no so totalmente mveis e nem totalmente fixas. Sua caracterstica principal possuir partes de sua estrutura coberta pela vegetao, demonstrando que h aporte mais ou menos equilibrado com a sada de sedimentos, de forma a haver mobilidade (dos sedimentos), mas no migrao (mudana espacial) do corpo dunar. Isto , o saldo entre entrada (input) e sada (output) de sedimentos praticamente zero (PINHEIRO, 2009).

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    Figura 2. Dunas Mveis na Praia da Baleia, Municpio de Itapipoca, litoral oeste do Estado do Cear

    Foto: Marcelo Martins (agosto de 2009).

    Segundo Pinheiro (2009), em relao mor-fologia das dunas, por fim, no tocante s dunas fixas, essas feies so caracterizadas pela imobilidade atual dos sedimentos que as compem, a partir da coloniza-o por vegetao costeira, a qual, por sua vez, pode alcanar at um porte arbreo.

    De maneira geral, pode-se dizer que todas as dunas costeiras estabilizadas atualmente indicam terem tido algum tipo de mobilidade no passado, provavelmente sob regime climtico diferente do atual (TSOAR; ARENS, 2003).

    Ainda de acordo com Pinheiro (2009), as dunas, sejam elas mveis ou fixas, se comportam como ambien-tes propcios ao acmulo de guas pluviais, alimentando um dos principais aqferos dentro do ambiente de zona costeira, corroborando sua importncia hidro-geolgica.

    Essa caracterstica torna-se ainda mais relevante ao considerarmos ambientes com tendncia semi-aridez

    (como zonas costeiras) ou em franco quadro climtico de semi-aridez, como o caso do Nordeste brasileiro, de constituio litolgica essencialmente cristalina, portan-to, pobre quanto disponibilidade de guas superficiais (decorrente dos elevados ndices de evaporao e evapo-transpirao) e subterrneas (derivada das caractersticas cristalinas do substrato geolgico presentes na maior parte do territrio cearense) (PINHEIRO, 2009).

    Os campos de dunas tm ainda uma importncia fundamental no equilbrio das zonas costeiras, ao fornecer sedimentos para rios e/ou praias, alimentando assim, direta ou indiretamente, a deriva litornea presente ao longo da costa cearense, direcionada, grosso modo, no sentido: leste-oeste, que por sua vez, alimenta de sedimentos as praias. Assim, em seu processo de migrao ao longo da costa, as dunas controlam e regulam o balano sedimentar de todo o ambiente costeiro (PINHEIRO, 2009).

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    Aline Carla Sousa Aguiar, Enio Tarsom Paiva Sombra

    Por serem formaes de acmulos de se-dimentos, as dunas tornam-se imprescindveis na manuteno direta das faixas de praias, atravs do fornecimento contnuo de gros, diminuindo, assim, a possibilidade de eroso destas. Em alguns locais, as dunas se deslocam em direo plancies fluviais que, a partir desse aporte das dunas e por meio de suas correntes, transportam estes sedimentos at as regies praianas, como acontece no rio Pacoti, no trecho prximo a sua foz.

    Conforme citado acima, as dunas so depsi-tos de sedimentos arenosos em constante movimento e, por conseguinte, no permitem o desenvolvimento de processos de pedognese, ou seja, de formao de solos, por isso comumente so relacionadas ausncia de vegetao. Vale lembrar que o desenvolvimento pedolgico condio bsica para a instalao e desenvolvimento da flora, sobretudo, de maior porte. Contudo, existe um determinado grupo de plantas que apresenta uma baixa exigncia nutricional para sobreviver e consegue habitar estes locais. Este grupo denominado de plantas pioneiras psamfilas.

    Conceitualmente, plantas psamfilas so aquelas que sobrevivem, preferencialmente em am-bientes arenosos. O termo pioneiro refere-se mais precisamente sucesso ecolgica, visto que este o primeiro grupo de plantas a surgir no ambiente praial, devido a sua baixa exigncia nutricional. As plantas pioneiras, por sua vez, fornecem matria orgnica ao seu substrato e este comea a se transformar em solo, atendendo as necessidades nutricionais de outras plan-tas mais exigentes no processo de fixao das dunas.

    Por outro lado, a fauna deste ambiente de dunas moveis rara e pouco diversificada, sobretudo quando situada mais longe de algum tipo de fonte de gua (curso dgua natural riacho, crrego, rio; lagoa etc.). re-presentada principalmente por crustceos do grupo dos decpodes (siris) e alguns aneldeos poliquetas. Dentre os vertebrados, tem-se pequenos rpteis (lagartos).

    Alm desses relevantes aspectos supracitados, o ambiente de dunas compe, por vezes, cenrios de beleza singulares, utilizados muitas vezes pelas pre-feituras municipais, como a principal porta de entrada para o turismo de estados como o Cear.

    A presso sobre o meio ambiente e, principal-mente, a ocupao de reas costeiras incitou a ao

    de mecanismos legais, a fim de proteger e organizar a ocupao da zona costeira dentre elas as reas de dunas que cobrem grandes pores da costa brasileira, incluindo o Estado do Cear.

    Apesar dessa importncia, as restries legais para sua ocupao apresentam hiatos ao longo das ltimas dcadas, sobremaneira, em mbito federal. Exemplo atual disso o fato das dunas mveis no estarem contempladas como reas de preservao permanente (APPs) na recentemente promulgada (e ainda bastante discutida) (BRASIL, 2012a).

    De antemo, conforme aponta Catelani e Batista (2007), vale frisar que as reas de Preservao Perma-nente (APPs) foram criadas para proteger o ambiente natural, o que significa que no so reas apropriadas para alterao de uso da terra. O regime de proteo das APP bastante rgido: a regra a intocabilidade, admitida excepcionalmente a supresso da vegetao apenas nos casos de utilidade pblica ou interesse social legalmente previstos (ARAJO, 2002).

    O CDIGO FLORESTAL DE 1934

    Na tentativa de ordenar os diversos interesses envolvidos na utilizao das terras, o Estado brasileiro vem regulamentando o uso e ocupao do solo por meio de promulgao de leis, decretos e resolues, desde a dcada de 1930 (MARCHIORO et al, 2010).

    No ano de 1934, em meio forte expanso cafeeira ocorrente no Brasil, surgiu o primeiro Cdigo Florestal. Principalmente no Sudeste, empurradas e su-primidas pelas frentes de plantaes, as florestas fica-vam cada vez mais distantes das cidades, dificultando e encarecendo, por conseguinte, o transporte de lenha. Desta forma, a legislao visava impedir os efeitos sociais e polticos negativos causados pelo aumento do preo, ou pior, pela falta da lenha, garantindo, dessa forma, a popularidade do novo regime, instaurado com a Revoluo de 1930 (BRASIL, 2012b).

    Desta forma, foi o governo Getlio Vargas que, em 1934, criou o Cdigo Florestal, junto com os cdigos de gua, Minas, Caa e Pesca e a primeira Conferncia Brasileira de Proteo Natureza, todos eles, formando uma tentativa do Estado de ordenar o uso dos recursos naturais em um pas que passava por mudanas importantes (BRASIL, 2012b).

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    Dunas mveis: reas de Preservao Permanente?Mnica Virna Aguiar Pinheiro, Marcelo Martins Moura-F, Eduardo Marcelo Negreiros Freitas, Anatarino Torres Costa, Aline Carla Sousa Aguiar, Enio Tarsom Paiva Sombra

    A soluo do Cdigo Florestal de 1934 (De-creto n 23.793/1934) foi obrigar os proprietrios de terras a manterem 25% da rea de seus imveis com a cobertura de mata original. Era a chamada quarta parte. Porm, no havia qualquer orientao sobre em qual parte das terras (margens dos rios ou outras) a floresta deveria ser preservada, o que sabemos, faz toda a diferena no tocante preservao ambiental.

    A lei at incentivava a retirada total das matas nativas desde que pelo menos os 25% de reserva de le-nha fossem replantados. Nesse sentido, no importava a espcie e nem a variedade de rvores, mas apenas a garantia de produo de madeira para lenha e carvo.

    Segundo Brasil (2012b), apesar disso, a lei de 1934 tambm demonstrava vis de preservao ambiental, ao criar a figura das florestas protetoras, para garantir a qualidade ambiental de rios e lagos e a estabilidade de reas de risco (encostas ngremes e dunas). Mais tarde, esse conceito deu origem s reas de preservao permanente (APPs), tambm localiza-das em imveis rurais.

    Vale informar que essa lei tratava as dunas em seu art 4, da seguinte forma: Art. 4 Sero conside-radas florestas protectoras as que, por sua localizao, servirem conjuncta ou separadamente para qualquer dos fins seguintes: (...) c) fixar dunas.

    Como pode se verificar, a lei tratava da vegeta-o que recobre e fixa as dunas, incluindo a, somente as dunas fixas.

    O CDIGO FLORESTAL DO SCULO XX: A LEI N 4.771/1965.

    Com o advento dos novos combustveis e fontes de energia, como as hidreltricas, a lenha foi deixando progressivamente de ter importncia econmica. Inversa-mente, crescia a conscincia do papel do meio ambiente e das florestas. Assim, em 1960, o Legislativo se mobilizou para alterar a lei de 1934, e a funo das florestas em terrenos privados (BRASIL 2012c).

    Em 15 de setembro de 1965, o ento presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, cearense de Forta-leza, sancionava a Lei Federal n 4.771 (BRASIL, 1965). O novo Cdigo Florestal estabelecia 50% de reserva legal na Amaznia e 20% no restante do pas (art. 16) e definia a localizao das reas de preservao perma-

    nente (art. 2 e 3). Alm disso, essa lei tambm definiu as reas de preservao permanente (APPs) que deveriam ser obrigatoriamente mantidas, no campo ou nas cidades.

    As APPs, ou reas de preservao permanente, foram definidas em margens de cursos dgua, lagos, lagoas e reservatrios artificiais, topos de morros e encostas com declividade elevada, cobertas ou no por vegetao nativa, com a funo ambiental de pre-servar os recursos hdricos, a paisagem, a estabilidade geolgica, a biodiversidade, o fluxo gnico de fauna e flora, e de proteger o solo e assegurar o bem estar da populao humana (BRASIL, 1965). So consideradas reas mais sensveis e sofrem riscos de eroso do solo, enchentes e deslizamentos.

    Assim como na sua lei antecessora, a lei fede-ral n 4.771 de 1965 no apresenta as dunas mveis como APPs. Em seu art. 2, que diz: Consideram-se de preservao permanente, pelo s efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetao natural si-tuadas: (...) f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues.

    Essa excluso fica clara no art. 3 da referida lei, que diz: Consideram-se ainda, de preservao permanentes, quando assim declaradas por ato do Po-der Pblico, as florestas e demais formas de vegetao natural destinadas: (...) b) a fixar as dunas.

    Nesse sentido, as dunas mveis enquanto APPs s se verificam no contexto da legislao bra-sileira atravs das Resolues do CONAMA.

    AS RESOLUES CONAMA

    O Conselho Nacional do Meio Ambiente - CO-NAMA o rgo consultivo e deliberativo do Sistema Nacional do Meio Ambiente SISNAMA e foi institudo pela Lei n 6.938/81 (BRASIL, 1981), que dispe sobre a Poltica Nacional do Meio Ambiente, regulamentada pelo Decreto 99.274/90 (MMA, 2012a).

    O Conselho um colegiado representativo de cinco setores, a saber: rgos federais, estaduais e municipais, setor empresarial e sociedade civil, o qual rene-se ordinariamente a cada 03 meses no Distrito Federal, podendo realizar Reunies Extraordinrias fora do Distrito Federal, sempre que convocada pelo seu Presidente, por iniciativa prpria ou a requerimen-to de pelo menos 2/3 dos seus membros.

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    Em 2002, mais precisamente em 20 de maro, o CONAMA publica a Resoluo CONAMA n 303 (MMA, 2012b), que dispe sobre parmetros, definies e limites de reas de Preservao Permanente, trazendo de forma pioneira, as dunas mveis enquanto APPs. Exemplos dessa ateno e interesse so apresentados nos considerandos acrescentados posteriormente pela Resolu-o CONAMA n 341/2003 (MMA, 2012c), que dizem:

    Considerando a funo fundamental das du-nas na dinmica da zona costeira, no controle dos processos erosivos e na formao e recar-ga de aqferos; (considerando acrescentado pela Resoluo n 341/03);(...)Considerando a excepcional beleza cnica e paisagstica das dunas, e a importncia da manuteno dos seus atributos para o turismo sustentvel; (considerando acrescentado pela Resoluo n 341/2003);(...)

    Essa resoluo traz ainda em seu art. 1, que diz:

    Art. 1 Constitui objeto da presente Resoluo o estabelecimento de parmetros, defi nies e limites referentes s reas de Preservao Permanente.X - duna: unidade geomorfolgica de consti-tuio predominante arenosa, com aparncia de cmoro ou colina, produzida pela ao dos ventos, situada no litoral ou no interior do continente, podendo estar recoberta, ou no, por vegetao; Grifo nosso.

    Por fim, estabelecendo as dunas mveis en-quanto APPs, tem-se o art. 3 da referida resoluo, que diz: Constitui rea de Preservao Permanente a rea situada: (...) XI - em duna.

    Com o estabelecimento das reas de dunas mveis como reas de preservao permanente, esse ambiente estaria legalmente protegido do uso e ocu-pao, pois, como afirma (ARAJO, 2002), o regime de proteo das APPs bastante rgido: a regra a da intocabilidade, admitida excepcionalmente apenas nos casos de utilidade pblica ou interesse social legalmente previstos.

    A RELAO ENTRE A LEI FEDERAL E A RE-SOLUO CONAMA

    Desde ento, o Novo (at ento) Cdigo Flo-restal (Lei n 4.771/1965 BRASIL, 1965) em regime de complementaridade com a Resoluo CONAMA n 303/2002 determinavam o licenciamento sobre as APPs, entendendo as dunas mveis tambm como APPs.

    Corroborando essa relao, o CONAMA editou, posteriormente, outra importante Resoluo versando sobre as dunas mveis, que foi a Resoluo CONAMA n 341/2003 (BRASIL, 2012c), que dispe sobre critrios para a caracterizao de atividades ou empreendimentos tursticos sustentveis como de interesse social para fins de ocupao de dunas origi-nalmente desprovidas de vegetao, na Zona Costeira.

    Apesar de abrir precedente por meio de dire-trizes, condies e procedimentos para ocupao das dunas mveis, ou dunas originalmente desprovidas de vegetao, a referida resoluo mantinha as dunas mveis enquanto reas de preservao permanente e assim, a restrio ao uso e ocupao desse ambiente.

    Ainda se tratando das regulamentaes via CONAMA, importante salientar que a Resoluo CO-NAMA n 369/2006 (MMA, 2012d), conforme enten-dimento de diversos especialistas nessa seara do direito ambiental, derrogou a Resoluo CONAMA n 341/2003 (MMA, 2012c), no tocante ao uso e ocupao de dunas. As consequncias deste fato atingiram, inclusive, os empreendimentos com licenciamentos j concludos poca da entrada em vigor da Resoluo n 369/2006.

    Nesse sentido, de acordo com o artigo 2 da mencionada resoluo, vedado que o rgo ambien-tal competente autorize a interveno ou supresso de vegetao em APP no caso de atividades de pesquisa e extrao de substncias minerais, quando se tratar das dunas, assim definidas no art. 3, XI, da Resoluo CONAMA n 369/2006 (MMA, 2012d).

    A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE E O POSSVEL E IMPORTANTE PAPEL DA MUNICIPALIDADE

    At o incio dos anos oitenta pode-se dizer que no havia uma legislao de proteo do Meio Am-biente no Brasil. O que havia, at ento, eram escassas

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    regulamentaes com ordenamentos relativos gua e florestas, no entanto, mais com o objetivo de proteo econmica do que a especfica proteo ambiental. S para se ter idia da escassez de legislao, as Cons-tituies anteriores de 1988 no aplicavam regras especficas sobre o Meio Ambiente (GOMES, 2008).

    Uma ressalva citada por Gomes (2008), no en-tanto, sobre a Constituio Federal de 1946, a nica que fez meno sobre o direito ambiental ao estabe-lecer que a competncia legislar sobre a proteo da gua, das florestas, da caa e pesca competia Unio.

    A Constituio Federal Brasileira de 1988 (BRASIL, 1988), alm de consagrar a preservao ambiental, definiu as competncias dos entes fede-rativos, de forma que descentralizou a proteo do meio ambiente. A Unio, Estados, Municpios e Dis-trito Federal passaram a ter ampla competncia para legislarem em matria ambiental.

    A Constituio, em seu artigo 225, fixou os princpios gerais em relao ao Meio Ambiente e estabeleceu, no terceiro pargrafo, que nas condutas e nas atividades lesivas ao Meio Ambiente, os infra-tores, pessoas fsicas ou jurdicas, ficariam sujeitos s sanes penais e administrativas e, alm disso, independentemente da obrigao de reparar o dano causado (GOMES, 2008).

    A idia, segundo Gomes (2008), era estabe-lecer uma nova forma de agir e pensar e, consequen-temente, educar. Na Constituio Federal de 1988, o direito a um meio ambiente sadio foi consagrado como um direito fundamental do homem, uma vez que o Meio Ambiente considerado como um bem de uso comum do povo e, assim, essencial para a qualidade de vida.

    A Constituio Federal tambm estabeleceu medidas e providncias cabveis tanto Unio como aos Estados e municpios e que se destinam a asse-gurar a efetividade do Meio Ambiente equilibrado, presentes nos incisos de I a VIII do art. 225. A insero de um captulo tratando, especificamente, das ques-tes ambientais na Constituio Federal reflexo, j neste tempo, de uma conscincia de preservao, em decorrncia dos problemas ambientais emergentes e das presses populares que se iniciaram a partir da dcada de 1970, com a organizao da sociedade civil brasileira (GOMES, 2008).

    Por outro lado, coforme se extrai da leitura do art. 24 da nossa Carta Magna, a competncia para cria-o de leis ambientais no nosso ordenamento jurdico concorrente, assim chamada aquela competncia na qual a Unio edita normas gerais, enquanto os estados--membros e o Distrito Federal suplementam essas normas. Apesar do citado artigo no fazer meno a competncia legislativa dos Municpios, essa vem garantida no artigo 30, I e II da CF/88, o qual aduz que compete aos Municpios legislar sobre assuntos de interesse local, bem como suplementar a legislao federal e estadual no que couber.

    Aos estados-membros foi dada ainda a compe-tncia de legislar plenamente para atender as suas par-ticularidades quando a Unio no editar norma geral.

    Aps a Constituio Federal de 1988, verifica--se que os Municpios adquiriram uma especial im-portncia na nossa Federao, sendo entes autnomos. Dessa forma, podem e devem agir em prol da proteo do meio ambiente, sendo, pois, a atuao de tais entes, fundamental para a proteo do patrimnio ambiental local. A Resoluo CONAMA n 237/1997 (MMA, 2012e) corrobora coma nfase da importncia munici-pal no tocante legislatura ambiental. Nesse sentido, podem e devem legislar em caso de omisso de lei federal e quando houver interesse local.

    Destaque-se que, ainda que havendo normas federais ou estaduais sobre o mesmo assunto, a legislao municipal pode ser aplicada quando for mais protecionis-ta em favor do meio ambiente. Conforme a Lei da Poltica Nacional do Meio Ambiente (Lei federal n 6.938, de 31 de agosto de 1981 BRASIL, 1981).

    Destarte, a utilizao de tal competncia muni-cipal pode ser extremamente importante para o caso em tela, uma vez que tais entes federativos podem e na presente questo, faz-se necessrio, em face da importncia local dos campos de dunas existentes em seus limites territoriais, que legislem mais restri-tamente, ou seja, de forma mais protecionista mesmo diante de legislao em mbitos federal e estadual que, porventura, no inclua as dunas mveis como APPs.

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    O NOVO CDIGO FLORESTAL DO SCULO XXI E SUAS ALTERAES

    Apesar de ser uma lei importante para a so-ciedade, houve uma imensa presso de parte do setor agropecurio para a modificao da lei n 4.771/1965. A razo da insatisfao que, aps muitas dcadas de esquecimento, ela comeou a ser aplicada de forma mais efetiva.

    Em 1998, a Lei de Crimes Ambientais trouxe penas mais duras para quem desobedecesse a legislao ambiental. A fiscalizao no campo aumentou e o Minis-trio Pblico passou a agir com mais vigor em suas de-nncias. Segundo Souza et al. (2012), o Brasil vive uma nova realidade jurdica, na qual os atos administrativos envolvidos com a questo ambiental so constantemente levados ao controle do Poder Judicirio.

    At o momento da sua promulgao, cerca de 36 projetos de lei tentaram derrubar o Cdigo Florestal. Todavia, apesar das presses e das inmeras discusses, em maio de 2012, foi sancionada a Lei federal n 12.651/2012, que dispe sobre a proteo da vegetao nativa; altera as Leis nos 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nos 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisria n 2.166- 67, de 24 de agosto de 2001; e d outras providncias.

    Em seu art. 4, que traz a relao de reas de preservao permanente, o novo cdigo florestal, assim como os cdigos florestais que o antecederam, no cita as dunas mveis. A partir disso, algumas questes podem ser lanadas, tais como:

    Se a Resoluo CONAMA n 303/2022 era vlida para tratar de forma conjunta com a Lei n 4.771/1965, por que no seria vlido agora? Por que no 1 caso, a lei era anterior edio da resoluo? Ou isso no procederia?

    Se a nova lei federal n 12.651/2012 no expressa a revogao da resoluo CONAMA n 303-2002, tampouco as disposies em contrrio, como geralmente ocorre com uma lei, a Resoluo CONAMA n 303-2002 no seria vlida?

    Em meio essas questes, em outubro de 2012, foi sancionada a lei n 12.727 (BRASIL, 2012d), que dispe sobre alteraes no atual cdigo florestal,

    dentre as quais, acerca do art. 4 e das reas de pre-servao permanente.

    Todavia, as alteraes se do no tocante re-dao do art. 4, sem maiores alteraes, enfim, com a permanncia da ausncia das dunas mveis enquanto reas de preservao permanente.

    O ENTENDIMENTO CONSTITUCIONAL E LEGAL SOBRE O TEMA

    O ordenamento jurdico brasileiro divide as normas em regras e princpios. Estes so considerados como mandamentos de otimizao, j que servem de embasamento para a criao das normas jurdicas.

    As regras estabelecem os parmetros e pos-suem aspecto objetivo. A disposio expressa permite que os aplicadores da lei faam a subsuno da regra ao caso concreto e estabeleam a validade daquela relao. Assim, as normas jurdicas possuem validade, vigncia e eficcia.

    A dinmica das relaes jurdicas impe as mudanas legislativas, o que torna necessria a constante atualizao das leis. Dessa forma, a Lei de Introduo s normas do Direito Brasileiro (Decreto--lei 4.657/1942) esclarece em seu artigo 2 que a lei ter vigor at que outra a modifique ou revogue.

    Segundo o pargrafo primeiro do referido dispositivo: A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incom-patvel ou quando regule inteiramente a matria de que tratava a lei anterior. Ademais, na elaborao de qualquer lei, o legislador deve seguir os ditames da Lei Complementar n 95, de 26 de fevereiro de 1998.

    Segundo Bobbio (2003), uma norma vlida quando so realizadas trs operaes:

    1) averiguar se a autoridade de quem ela emanou tinha o poder legtimo para emanar normas jurdicas, isto , normas vinculantes naquele determinado ordenamento jurdico (esta investigao conduz inevitavelmente a remontar at a norma fundamental, que o fundamento de validade de todas as normas de um determinado sistema);2) averiguar se no foi ab-rogada, j que uma norma pode ter sido vlida, no sentido de que

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    foi emanada de um poder autorizado para isto, mas no quer dizer que ainda o seja, o que acontece quando uma outra norma sucessiva no tempo a tenha expressamente ab-rogado ou tenha regulado a mesma matria;3) averiguar se no incompatvel com outras normas do sistema (o que tambm se chama ab-rogao implcita), particularmente com uma norma hierarquicamente superior (uma lei constitucional superior a uma lei ordinria em uma Constituio rgida) ou com uma nor-ma posterior, visto que em todo ordenamento jurdico vigora o princpio de que duas normas incompatveis no podem ser ambas vlidas.

    No se pode esquecer dos critrios utilizados quando ocorrem antinomias aparentes. Para a soluo dos conflitos existem os critrios cronolgico, hierr-quico e da especialidade.

    O critrio cronolgico estabelece que uma norma posterior prevalece sobre a norma anterior. Por sua vez, o critrio hierrquico dispe que a norma hierarquicamente superior prevalece sobre a inferior. Por fim, o critrio da especialidade estabelece que a norma especial predomina sobre a geral.

    O surgimento da Lei 12.651/2012 trouxe v-rias controvrsias quanto ao aspecto de validade de outras normas jurdicas.

    Apesar de o novo Cdigo Florestal ter expres-samente asseverado no artigo 83 que se revogam as Leis nos 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e suas alteraes posteriores, e a Medida Provisria no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, percebe-se que alguns assuntos no foram abordados de maneira ideal na nova lei, o que motivar diversos questionamentos.

    Para exemplificar, citam-se com mais nfase as dunas mveis, as quais possuam regulamentao expres-sa, na Resoluo CONAMA n 303/2002, como reas de preservao permanente, conforme apresentamos acima.

    A referida resoluo regulamentava o art. 2 da Lei n 4.771, de 15 de setembro de 1965. Como a lei foi revogada expressamente, por conseguinte, a reso-luo perde sua validade, eis que a norma que serviu de parmetro para sua criao j no mais vigora no ordenamento jurdico.

    Destaque-se que existem questionamentos sobre o papel do CONAMA na edio de resolues que extrapolam o poder regulamentar estipulado.

    Para exemplificar, cita-se Machado (2011):

    Na Resoluo CONAMA n 302/2002 foi estatuda rea marginal ao redor do reserva-trio artificial, com diversas medidas (art.3); assim como na Resoluo n 303/2002 foram estabelecidos os entornos dos lagos e lagoas naturais, veredas e de alguns outros elementos geomorfolgicos, sendo que no Cdigo Flo-restal no consta a indicao dessas medidas.O CONAMA agiu de boa-f, mas nestas par-tes em que foram ultrapassados os limites indicados em lei as resolues no tm fora obrigatria.()O CONAMA tem funo social e ambiental indispensvel. Mas esse Conselho no tem funo legislativa, e nenhuma lei poderia conceder-lhe essa funo. Estamos diante de uma patologia jurdica, que precisa ser sanada, pois caso contrrio o mal poderia alastrar-se e teramos o Conselho Monetrio Nacional criando impostos e o Conselho Na-cional de Poltica Criminal e Penitenciria definindo os crimes. fundamental a proteo das APPS, mas dentro do Estado de Direito.

    Apesar desse posicionamento, o CONAMA vem cumprindo seu mister com o objetivo de evitar que algumas reas sejam devastadas, em que pese no existir lei especfica.

    No se pode esquecer de que existe o Projeto de Lei n 1.197/2003, que considera todas as dunas como espaos territoriais especialmente protegidos, contudo se encontra estagnado desde 15 de junho de 2004, quando o relator proferiu parecer favorvel. O referido ato legislativo faz meno ao antigo Cdigo Florestal. Como este foi revogado, o projeto deve ser retificado ou deve surgir novo projeto de lei condicio-nado Lei 12.651/2012.

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    Segundo o artigo 24, inciso VI, da Consti-tuio Federal, existe competncia concorrente da Unio, dos Estados e do Distrito Federal para legislar sobre florestas, conservao da natureza, proteo ao meio ambiente, dentre outros. A Unio estabelece as diretrizes gerais, existindo a competncia suplementar dos Estados. O pargrafo terceiro do referido artigo dispe que os Estados exercero a competncia plena caso no exista lei federal sobre as normas gerais.

    Com o novo Cdigo Florestal o legislador perdeu grande oportunidade de traar normas gerais sobre as dunas. Apesar disso, Estados como Bahia, Rio de Janeiro, Esprito Santo, Maranho e Sergipe consi-deram as dunas como reas de preservao permanente em suas respectivas constituies. Percebe-se que os referidos Estados exerceram a competncia plena e regulamentaram a preservao das dunas.

    Enfim, como o novo Cdigo Florestal revogou expressamente a Lei n 4771/1965, por conseguinte, pode-se considerar que ocorreu a revogao tcita da Resoluo CONAMA n 303/2002, no podendo esta norma prevalecer, pois hierarquicamente inferior lei, apesar de no contrari-la. Ademais, para alguns doutrinadores, a Resoluo n 303/2002 do CONA-MA no possui fora obrigatria, motivo pelo qual a validade e a eficcia da referida regra continuam sendo questionadas.

    CONCLUSES: DUNAS MVEIS, REAS DE PRESERVAO PERMANENTE DE FATO E DE DIREITO

    Entendendo que a Lei n 12.651/2012, que institui o Novo Cdigo Florestal, revogou tacitamente a Resoluo CONAMA n 303/2002 e, por conseguin-te, retirou as dunas mveis da relao de APPs, como soluo, caberia ao CONAMA editar nova resoluo para regulamentar o artigo 4 da Lei 12651/2012.

    Outra alternativa que poderia ser adotada seria a promulgao de lei estadual, ou mesmo, municipal, incluindo as dunas mveis como APPs. Isso seria possvel, tendo em vista que a Lei n 6.936/1981, que dispe sobre a Poltica Nacional do Meio Ambiente, em seu art. 4, pargrafo II, afirma que, a Poltica Nacional do Meio Ambiente visar: definio de reas prioritrias de ao governamental relativa

    qualidade e ao equilbrio ecolgico, atendendo aos interesses da Unio, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territrios e dos Municpios.

    Ademais, considerando as prprias caracters-ticas de reas de preservao permanente, apresenta-das no art. 3 da Lei 12.651/2012 que diz:

    (...) II - rea de Preservao Permanente - APP: rea protegida, coberta ou no por vegetao nativa, com a funo ambiental de preservar os recursos hdricos, a paisagem, a estabilidade geolgica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gnico de fauna e flora, proteger o solo e as-segurar o bem-estar das populaes humanas.

    As dunas mveis enquadram-se claramente como reas de preservao permanente de fato, deven-do, portanto, receberem a proteo adequada.

    Diante disso, espera-se uma rpida atuao do CONAMA na edio de nova resoluo, sob pena de surgirem muitos questionamentos acerca das re-gras que esto sem regulamentao, no se podendo esquecer, entretanto, do ato jurdico perfeito e do direito adquirido.

    Outrossim, considerando que a Constituio do Estado do Cear no dispe sobre as dunas como reas de preservao permanente, deve-se buscar uma rpida mobilizao para a alterao da norma indicada, pois, enquanto isso, esta lacuna legal as-sociada fiscalizao ineficiente do rgo ambiental competente, ao longo dos anos vem resultando na extino e descaracterizao morfolgica das dunas, importantes feies para o equilbrio ambiental, ao longo do litoral cearense. A continuidade deste quadro pode resultar mais ainda na diminuio das reas de campo de dunas mveis e em mudanas de dinmica natural destes relevos em nossa regio, bem como, na zona costeira e litornea como um todo.

    Assim, vale ainda ressaltar a importncia da preservao das reas de dunas mveis como forma de equilbrio da natureza (rea de recarga de aqfero, din-mica sedimentar da zona costeira, alm de seus aspectos estticos que atraem o segmento turstico). por essa razo se faz necessrio uma poltica de uso adequado para essas reas a fim de preserv-la com uso sustentvel com base em leis e diretrizes slidas e coerentes.

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    AGRADECIMENTOS

    O artigo resulta de pesquisa financiada pela Fundao Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico FUNCAP, Cear, Brasil.

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