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TEXTOS

DE

A.W. TOZER

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OBSERVAÇÃO 1ª) Os textos todos foram escritos por A.W.Tozer. No final de cada um, colocamos a fonte de onde foi extraído. Alguns fazem parte de livros que já se encontram em português; os demais foram traduzidos por Helio Kirchheim.

A ABSOLUTA IMPORTÂNCIA DO MOTIVO

A prova pela qual toda conduta será finalmente julgada é o motivo.

Como a água não pode subir mais alto do que o nível da sua fonte, assim a qualidade moral de um ato nunca pode ir mais alto do que o motivo que o inspira. Por esta razão, nenhum ato procedente de um mau motivo pode ser bom, ainda que algum bem possa parecer provir dele. Toda ação praticada por ira ou despeito, por exemplo, ver-se-á afinal que foi praticada pelo inimigo e contra o reino de Deus.

Infelizmente, a natureza da atividade religiosa é tal que muita coisa dela pode ser levada a efeito por razões não boas, como a raiva, a inveja, a ambição, a vaidade e a avareza. Toda atividade desse jaez é essencialmente má e como tal será avaliada no julgamento.

Nesta questão de motivos, como em muitas outras coisas, os fariseus dão-nos claros exemplos. Eles continuam sendo os mais tristes fracassos religiosos do mundo, não por causa de erro doutrinário, nem porque fossem pessoas de vida abertamente dissoluta. Todo o problema deles estava na qualidade dos seus motivos religiosos. Oravam, mas para serem ouvidos pelos homens, e deste modo o seu motivo arruinava as suas orações e as tornava não somente inúteis, mas realmente más. Contribuíam generosamente para o serviço do templo, mas às vezes o faziam para escapar do seu dever para com os seus pais, e isto era um mal, um pecado. Eles condenavam o pecado e se levantavam contra ele quando o viam nos outros, mas o faziam por sua justiça própria e por sua dureza de coração. Assim era com quase tudo que faziam. Suas atividades eram cercadas de uma aparência de santidade, e essas mesmas atividades, se realizadas por motivos puros, seriam boas e louváveis. Toda a fraqueza dos fariseus jazia na qualidade dos seus motivos.

Que isso não é coisa pequena infere-se do fato de que aqueles religiosos formais e ortodoxos continuaram em sua cegueira até que finalmente crucificaram o Senhor da glória sem um pingo de noção da gravidade do seu crime.

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Atos religiosos praticados por motivos vis são duplamente maus — maus em si mesmos e maus porque praticados em nome de Deus. Isso é equivalente a pecar em nome daquele Ser que é sem pecado, a mentir em nome daquele que não pode mentir, e a odiar em nome daquele cuja natureza é amor.

Os cristãos, especialmente os muito ativos, freqüentemente devem tomar tempo para sondar as suas almas para certificar-se dos seus motivos. Muito solo é cantado para exibição; muito sermão é pregado para mostrar talento; muita igreja é fundada como uma bofetada nalguma outra igreja. Mesmo a atividade missionária pode tornar-se competitiva, e a conquista de almas pode degenerar, passando a ser uma espécie de plano de vendedor de escovas, para satisfazer a carne. Não se esqueçam, os fariseus eram grandes missionários, e circundavam mar e terra para fazer um converso.

Um bom modo de evitar a armadilha da atividade religiosa vazia é comparecer ante Deus sempre que possível com as nossas Bíblias abertas no capítulo treze de 1 Coríntios. Esta passagem, conquanto considerada como uma das mais belas da Bíblia, é também uma das mais severas das que se acham nas Escrituras Sagradas. O apóstolo toma o serviço religioso mais elevado e o consigna à futilidade, a menos que seja motivado pelo amor. Sem amor, profetas, mestres, oradores, filantropos e mártires são despedidos sem recompensa.

Para resumir, podemos dizer simplesmente que, à vista de Deus, somos julgados, não tanto pelo que fazemos como por nossas razões para fazê-lo. Não o que, mas por que será a pergunta importante quando nós cristãos comparecermos no tribunal para prestarmos contas dos atos praticados enquanto no corpo.

[A Raiz dos Justos, Editora Mundo Cristão.]

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TORNAR-SE MENOR AO TENTAR SER GRANDE

Algum tempo atrás, ouvimos uma pequena palestra de um jovem pregador, na qual ele fez a seguinte afirmação: "Se você é grande demais para uma posição insignificante, você é pequeno demais para uma posição importante".

Uma antiga regra do reino de Deus é que quando procuramos ser grandes, naquela mesma hora, sempre, nos tornamos insignificantes. Deus é zeloso da Sua glória e não permitirá a homem nenhum que a reparta com Ele. O esforço por parecer grande diante dos homens trará o desfavor de Deus sobre nós e na verdade nos impedirá de alcançar a grandeza que tanto ansiamos.

A humildade agrada a Deus onde quer que se encontre, e o humilde terá Deus como seu amigo e ajudador em todo tempo. É apenas o humilde que é mentalmente são por completo, porque ele é o único que vê com clareza o seu próprio tamanho e limitações. O egoísta vê as coisas fora de foco. No seu próprio conceito, ele é grande e Deus é pequeno, e isso é uma espécie de insanidade moral. A humildade é uma volta à sanidade, como aconteceu a Nabucodonosor. O humilde avalia tudo de forma correta, e isso o torna um sábio e um filósofo.

Os jovens cristãos muitas vezes emperram a própria utilidade por causa da atitude que têm para consigo mesmos. Eles começam com a ingênua idéia de que se encontram pelo menos um pouco acima da média nos quesitos inteligência e habilidade e, em consequência, sentem-se envergonhados se tiverem de assumir um lugar humilde. Eles querem começar no topo e seguir daí pra cima! O que acontece é que normalmente eles falham em corresponder ao lugar importante que se imaginam qualificados a ocupar e acabam desenvolvendo um crônico ressentimento para com qualquer pessoa que se ponha no seu caminho ou não lhes dá o devido valor. À medida que envelhecem, isso passa a incluir quase todo mundo. Por fim, surge uma profunda e permanente inveja amargurada contra o mundo todo. Desenvolvem, por fim, uma expressão de santidade azeda e assumem uma aparência de mágoa santa que eles imaginam que deve ser igual à que estava na face dos mártires das arenas romanas.

Isso é sério demais para ser engraçado, e por demais trágico e nocivo para ser considerado levianamente. A verdade pura e simples é que ninguém pode atrapalhar um homem que se humilhe por completo. Não há suficientes montanhas no inferno para sufocar o verdadeiro homem ou a verdadeira mulher de Deus, mesmo que fossem empilhadas sobre ele ou ela de uma só vez. Deus escolhe os mansos para confundir os poderosos: "Da boca de pequeninos e crianças de peito suscitaste força, por causa dos teus adversários, para fazeres emudecer o inimigo e o vingador" (Salmo 8.2). As crianças de peito são exatamente o que são - não têm orgulho em si mesmas e não guardam rancor. Eis uma pista para os cristãos.

[This World: Playground or Battleground, capítulo 13.]

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A FÉ SEM EXPECTATIVA ESTÁ MORTA

Expectativa e fé, embora semelhantes, não são a mesma coisa. Um cristão instruído não confundirá as duas.

A fé verdadeira jamais estará sozinha; ela sempre estará acompanhada pela expectativa. O homem que crê nas promessas de Deus espera vê-las cumpridas. Onde não existe expectativa, não existe fé.

Contudo, é bem possível existir a expectativa sem que exista a fé. A mente é perfeitamente capaz de confundir um forte desejo com a fé. Na verdade a fé, da forma em que é comumente entendida, não passa de um desejo combinado com um agradável otimismo. Alguns escritores conquistam bons lucros promovendo essa pretensa fé que se supõe criar um pensamento "positivo", em oposição à atitude mental negativa. Os seus ensinamentos são muito bem recebidos pelo coração daqueles afligidos por uma compulsão psicológica para crer, e que lidam com os fatos pelo simples expediente de não levá-los em conta.

A fé verdadeira não é formada do mesmo material de que são feitos os sonhos; antes ela é consistente, prática e totalmente realista. A fé vê o invisível, mas ela não vê aquilo que não existe. A fé ocupa-se com Deus, a grande Realidade, que deu e dá existência a todas as coisas. As promessas de Deus estão de acordo com a realidade, e qualquer que confia nelas entra num mundo real, e não fictício.

Na experiência normal, chegamos à verdade por meio da observação. Tudo o que se pode verificar por meio de experimentos é aceito como verdade. Os homens crêem nas informações dos seus sentidos. Se a ave caminha como um pato, parece um pato e emite sons como de um pato, então provavelmente é um pato. E se dos ovos que choca saem pequenos patos, praticamente se conclui o teste. A probabilidade dá lugar à certeza; essa ave é mesmo um pato. Essa é uma forma válida para lidar com nosso ambiente natural. Ninguém ousaria reclamar desse método, já que todos agem assim. É o jeito que lidamos com este mundo.

Mas a fé introduz um outro elemento em nossa vida, radicalmente diferente. "Pela fé entendemos" é a palavra que alça nosso conhecimento a um nível superior. A fé se ocupa com fatos que foram revelados do céu e que, por sua natureza, não reagem a testes científicos. O cristão conhece como verdade alguma coisa não porque a verificou por meio de alguma experiência, mas porque Deus a declarou. As suas expectativas nascem da sua confiança no caráter de Deus.

A expectativa sempre esteve presente na igreja nos tempos em que ela mais manifestou poder. Quando ela creu, ela esperou, e o seu Senhor jamais a desapontou. "Bem-aventurada a que creu, porque serão cumpridas as palavras que lhe foram ditas da parte do Senhor" (Lucas 1.45).

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Todo grande mover de Deus na história, cada avanço incomum na igreja, cada reavivamento, foi precedido por um senso de forte antecipação. A expectativa sempre acompanhou as operações do Espírito. As Suas intervenções dificilmente surpreenderam o Seu povo, porque eles aguardavam com expectativa o Senhor ressurrecto e aguardavam confiantemente o cumprimento da Sua Palavra. As Suas bênçãos seguiam as suas expectativas.

Uma característica que é sintomática nas igrejas normais de hoje é a ausência de expectativa. Os cristãos, quando se reúnem, não esperam que aconteça nada fora do comum; em consequência, só acontece o costumeiro, e esse costumeiro é tão previsível como o pôr-do-sol. Uma mentalidade de não-expectativa impregna a reunião, uma quieta disposição de tédio que o ministro de várias formas tenta dissipar, meios esses que variam conforme o nível cultural da congregação e particularmente do próprio ministro.

Um recorre ao humor, outro apela para um assunto do momento que divide a opinião pública, como o uso de flúor na água, pena de morte ou a prática de esportes aos domingos. Outro, que talvez duvide de suas habilidades como humorista e que não esteja tão seguro quanto a que lado da controvérsia deve defender, tentará gerar expectativa no povo tratando de alguma programação futura: o churrasco dos homens, na próxima terça-feira; ou o piquenique e o jogo entre casados e solteiros, cujo resultado o alegre ministro modestamente se recusa a prever; ou o anúncio do lançamento de um novo filme religioso, cheio de sexo, violência e falsa filosofia, mas adoçado com insípida moralidade e frouxas sugestões de que a extasiada platéia precisaria nascer de novo.

Dessa forma, as atividades dos santos são estabelecidas por aqueles que se presume saberem melhor aquilo de que eles precisam. E esse procedimento, esse joguinho se torna aceitável até pelos mais piedosos, pela estratégia de adicionar no final algumas palavras de dedicação religiosa. Isso é chamado de "comunhão", embora se pareça pouquíssimo com as atividades dos cristãos de antigamente, a quem se aplicou primeiro a Palavra.

A expectativa do cristão, na igreja normal, segue o programa, não as promessas. As condições espirituais do momento, embora pobres, são aceitas como inevitáveis. O que vai acontecer é o que sempre aconteceu. Os cansados escravos da estúpida rotina julgam impossível esperar alguma coisa melhor.

Precisamos hoje de um novo espírito de antecipação que venha das promessas de Deus. Temos de declarar guerra à disposição de não-expectativa e temos de adotar uma fé infantil. Somente então poderemos outra vez experimentar a beleza e a maravilha da presença de Deus entre nós.

[God Tells the Man Who Cares, capítulo 32.]

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A IMPORTÂNCIA DA DOUTRINA CERTA

Seria impossível exagerar na ênfase à importância da doutrina certa na vida do cristão. Pensar corretamente acerca de todas as questões espirituais é imperativo, se pretendemos viver corretamente. Como os homens não colhem uvas dos espinheiros, nem figos dos abrolhos, assim o bom caráter não se desenvolve do ensino errôneo.

A palavra doutrina significa simplesmente crenças sustentadas e ensinadas. A sacra tarefa de todos os cristãos, primariamente como crentes e secundariamente como mestres de crenças religiosas, consiste em assegurar-se de que estas crenças correspondem exatamente à verdade. Uma precisa harmonia entre as crenças e os fatos constitui a legitimidade da doutrina. Não podemos permitir-nos menos que isso.

Os apóstolos não somente ensinavam a verdade, mas também pelejavam por sua pureza contra toda e qualquer pessoa que a corrompesse. As epístolas paulinas resistem a todos os esforços dos falsos mestres para introduzirem excentricidades doutrinárias. As epístolas de João apresentam contundente condenação dos mestres que importunavam a novel igreja negando a encarnação e lançando dúvidas sobre a doutrina da Trindade; e Judas, em sua breve mas poderosa epístola, sobe às culminâncias da m ais ardente eloqüência quando despeja desprezo sobre os maus mestres que querem desviar os santos.

Cada geração de cristãos deve examinar as suas crenças. Se bem que a verdade mesma é imutável, as mentes dos homens são vasos porosos dos quais a verdade pode escoar-se e nas quais o erro pode infiltrar-se, diluindo a verdade que contêm. O coração humano é herético por natureza, e corre para o erro com a mesma naturalidade com que um jardim vira mato. Tudo que um homem, uma igreja ou uma denominação precisa, para garantir a deterioração da doutrina, é tomar tudo como líquido e certo, e não fazer nada. O jardim negligenciado logo será dominado pelas ervas daninhas; o coração que deixa de cultivar a verdade e de arrancar o erro, em pouco tempo será um deserto teológico; a igreja ou denominação que cresce descuidada no caminho da verdade, não demorará a ver-se perdida e atolada em alguma baixada lodosa da qual não há como fugir.

Em todos os campos do pensamento e das atividades dos homens a precisão é considerada virtude. Enganar-se, ainda que ligeiramente, é atrair grave prejuízo, senão a própria morte. Só no pensamento religioso a fidelidade à verdade é vista como um defeito. Quando os homens lidam com coisas terrenas e temporais, exigem a verdade; quando passam a considerar as coisas celestiais e eternas, eles se fecham e hesitam, como se a verdade não pudesse ser descoberta ou não tivesse a mínima importância.

Montaigne dizia que o mentiroso é valente para com Deus e covarde para com os homens; pois o mentiroso enfrenta a Deus e cede aos homens. Não é isso uma simples prova da incredulidade? Não equivale a dizer que o mentiroso crê nos homens mas não

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está convencido da existência de Deus, e está disposto a arriscar-se ao desagrado de um Deus que talvez não exista, e não ao desagrado do homem, que obviamente existe?

Penso também que, por trás do descuido humano em religião, está essa incredulidade básica e profunda. O cientista, o médico, o navegador tratam de matérias que sabem que são reais; e por serem reais, o mundo exige que, tanto o mestre como o que faz o trabalho prático sejam peritos no conhecimento delas. Somente do mestre de coisas espirituais se requer que seja inseguro em suas crenças, ambíguo em seus comentários e tolerante para com quaisquer opiniões religiosas expressas por quem quer que seja, até mesmo pelo menos qualificado para ter alguma opinião.

A nebulosidade sempre foi a marca do liberal. Quando as Sagradas Escrituras são rejeitadas como a autoridade final quanto à crença religiosa, alguma coisa terá de ser encontrada para tomar-lhe o lugar. Historicamente essa “alguma coisa” foi a razão ou o sentimento; se foi o sentimento, o humanismo prevaleceu. Às vezes houve uma mistura dos dois, como se pode ver atualmente nas igrejas liberais. Estas não renunciam inteiramente à Bíblia, e tampouco crêem nela completamente; o resultado é um obscuro corpo de crenças que lembra mais um nevoeiro que uma montanha, corpo nebuloso em que qualquer coisa pode ser verdadeira, mas não se deve confiar em coisa alguma como certamente verdadeira.

Já nos acostumamos às sombrias lufadas de plúmbea névoa que passam por doutrina nas igrejas modernistas, e delas nada de melhor esperamos, mas é causa de real alarme que ultimamente a névoa começou a dar os seus primeiros passos em muitas igrejas evangélicas. De algumas fontes anteriormente inatacáveis estão vindo agora vagos pronunciamentos que consistem numa tímida mescla de Escritura, ciência e sentimento humano que não faz jus a nenhum dos seus ingredientes, porque cada qual se presta para anular os outros.

Alguns dos nossos irmãos conservadores parecem estar trabalhando sob a impressão de que são pensadores avançados porque estão reconsiderando o evolucionismo e reavaliando várias doutrinas bíblicas, ou até mesmo a inspiração divina; mas tão longe estão de serem pensadores avançados que não passam de tímidos seguidores do modernismo — cinqüenta anos atrás do desfile.

Pouco a pouco os cristãos conservadores destas dias estão sofrendo lavagem cerebral. Uma prova disso é que grupos cada vez maiores deles vão ficando com vergonha de serem achados inequivocamente ao lado da verdade. Eles dizem que crêem, mas as suas crenças foram diluídas a tal ponto que é impossível defini-las claramente.

As crenças bem definidas sempre foram acompanhadas de energia moral. Os grandes santos sempre foram dogmáticos. Precisamos voltar agora mesmo a um pacífico dogmatismo, capaz de sorrir ao mesmo tempo que se mantém inflexível e firme na Palavra de Deus que vive e permanece para sempre.

[Homem: Habitação de Deus, Editora Mundo Cristão.]

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A REVELAÇÃO NÃO É SUFICIENTE

Num de Seus confrontos com os líderes judeus, Jesus nos chama a atenção para os Seus contemporâneos que acreditavam ser a verdade algo meramente intelectual. Eles acreditavam ser possível reduzir a verdade a um código — algo parecido ao que nós fazemos quando tomamos por certo que dois e dois são quatro. Aqui está o cenário, o problema e a contestação de Jesus:

"Corria já em meio a festa, e Jesus subiu ao templo e ensinava. Então, os judeus se maravilhavam e diziam: Como sabe este letras, sem ter estudado? Respondeu-lhes Jesus: O meu ensino não é meu, e sim daquele que me enviou. Se alguém quiser fazer a vontade dele, conhecerá a respeito da doutrina, se ela é de Deus ou se eu falo por mim mesmo" (João 7.14-17).

Essa atitude para com a verdade sustentada pelas pessoas nos tempos de Jesus nos leva a considerar aqueles que fazem a mesma coisa hoje, apegando-se a um conceito intelectual da verdade de Deus. Não estou me referindo aos teólogos liberais que negam a pessoa e a posição de Jesus Cristo como Filho de Deus. Refiro-me antes àqueles que tenho de chamar de racionalistas evangélicos. A razão porque me preocupo é que cheguei à conclusão que o racionalismo evangélico acabará matando a verdade tão rapidamente como o fará o liberalismo.

Em primeiro lugar, veja os líderes judeus nos tempos de Jesus. Eles se maravilhavam com Ele, e diziam uns aos outros: "Como sabe este letras, sem ter estudado?" Eles se preocupavam com o fato de Jesus nunca ter estudado nas escolas de ensino superior. Muitas escolas daqueles dias nada mais eram do que pequenos grupos ensinados por um só rabino; não eram como são hoje nossas instituições com múltiplas disciplinas. É evidente que nosso Senhor jamais compareceu a esse tipo de escola rabínica. Por isso eles perguntaram: "Como é que Ele conseguiu esse ensino maravilhoso, já que nunca frequentou nenhuma escola dos rabinos?"

Ora, essa pergunta por si só nos diz muito a respeito dos judeus daquela época. Ela nos revela que eles consideravam a verdade (e você pode escrever a palavra com inicial maiúscula, se quiser) como algo meramente intelectual, passível de ser reduzida a um código. Para conhecer a verdade, era preciso apenas aprender o código. A maioria das pessoas não possuía livros; eles memorizavam o código na escola, e era esse o conceito que possuíam da verdade. Aprendemos isso não só da resposta de Jesus à pergunta deles, mas em todo o Evangelho de João.

A VERDADE É MAIS DO QUE PALAVRAS

Eles consideravam a verdade como algo intelectual. Conosco, o fato de que duas vezes dois são quatro constitui verdade, mas é uma verdade intelectual — uma evidência para a mente. Tudo o que temos de fazer é aprender a tabuada até duas vezes dois e obtemos o fato. Eles tinham reduzido a verdade de Deus a essa mesma situação. Para eles, não havia profundidade misteriosa na verdade, nada abaixo, e nada mais além. Duas

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vezes dois são quatro. E foi exatamente ali que eles se separaram do nosso Salvador, porque o Senhor Jesus constantemente ensinou o "mais profundo" e o "mais além". Mas eles jamais conseguiam perceber a profundeza do Seu ensino — eles apenas viam que duas vezes dois são quatro.

É isso que nós temos de lembrar: aqueles líderes religiosos evidentemente criam que as palavras da verdade eram a verdade. Essa continua sendo basicamente a compreensão errônea da teologia cristã. Fazer essa análise hoje não é insistir em algo insignificante. Não, não! Se fosse somente vontade de discutir algo sem importância, eu não me importaria com o assunto. Isto que estamos tratando tem consequências tanto morais como espirituais. Os judeus criam que a palavra da verdade era a verdade — criam que, se você tivesse as palavras, você tinha a verdade. Se você conseguisse repetir o código, você tinha a verdade. Se você estivesse vivendo pela palavra da verdade, você estava vivendo na verdade.

Eu repito: esse foi o exato ponto em que eles se separaram do Senhor Jesus Cristo. O Salvador tentou corrigir essa visão defeituosa. Ele lhes mostrou a qualidade celestial da Sua mensagem. Ele lhes mostrou que Ele era simplesmente um meio transparente por meio do qual Deus falou. Ele disse, de fato: "A minha doutrina não é minha - Eu não sou apenas um mestre ensinando doutrina que vocês podem memorizar e repetir. O que Eu estou lhes dando não é de forma nenhuma essa espécie de doutrina".

UMA NOVA LINHA DE BATALHA

Anteriormente, Jesus lhes havia dito: "Eu nada digo por mim mesmo. Aquilo que vejo meu Pai fazer, isso Eu também faço, e aquilo que o Pai diz, isso eu também falo. Eu falo daquilo que vi no além. Eu sou um meio transparente através de quem a verdade está sendo anunciada. Vocês pensam que o caminho para a verdade é ir a um rabino e aprendê-la, mas isso não é a verdade - essa forma de aproximar-se da verdade é inadequada".

Aqui reside a fraqueza do cristianismo moderno, e eu me admiro que haja tanto silêncio a esse respeito. A linha de batalha, a guerra de hoje, não se trava necessariamente entre o fundamentalista e o liberal. Há uma diferença entre esses dois, é claro. O fundamentalista diz: "Deus fez o céu e a terra". O liberal diz: "Bem, essa é uma forma poética de pôr as coisas, mas na verdade isso ocorreu por meio da evolução". O fundamentalista diz: "Jesus Cristo é o verdadeiro Filho de Deus". O liberal replica: "Bem, Ele com certeza foi um homem maravilhoso e Ele é o Mestre, mas eu nada conheço sobre a Sua divindade". Dessa forma, existe de fato uma divisão. Mas a linha de batalha não reside mais nesses assuntos.

Alguns anos atrás, fui a Gettysburg com alguns amigos, e relembramos outra vez essa famosa batalha da Guerra Civil. Lemos as lápides. Contemplamos os memoriais. Mas ali não há mais luta nenhuma agora. Não ouvi o troar de canhões, nenhum choque de espadas. Não vi nenhum soldado morto. Eu vi apenas o lugar onde se travou a batalha.

Ora, em nossos dias, alguns poucos ministros continuam agitando suas palavras sangrentas por sobre a cabeça, mas o sangue já está seco, porque na verdade não há

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sangue fresco entre liberalismo e fundamentalismo. Isso já está liquidado; aqueles que são liberais são liberais, e os que são fundamentalistas sabem o que crêem e onde firmam os pés. A guerra não está mais ali. A batalha se deslocou para um outro e mais importante campo.

A guerra — a linha divisória de hoje — é entre os racionalistas evangélicos e os místicos evangélicos. Eu explico o que quero dizer com isso.

Há, hoje, um racionalismo evangélico em nada diferente do racionalismo ensinado pelos escribas e fariseus. Eles diziam que a verdade está na palavra e que, se você deseja conhecer a verdade, deve ir a um rabino e aprender a palavra. Se você aprender a palavra, você terá a verdade. Isso é racionalismo evangélico, e nos círculos fundamentalistas encontramos isso hoje aos montes. Isso está entre nós. É a doutrina que diz "se você aprendeu o texto, você aprendeu a verdade".

UM RACIONALISMO MORTAL

Esse racionalismo evangélico matará a verdade tão rapidamente como o fará o liberalismo, embora o faça com mais sutileza. O liberal diz com toda franqueza: "Eu não creio na sua Bíblia inspirada. Eu não creio no seu Cristo endeusado. Eu creio na Bíblia de certa forma; ela é o registro dos principais feitos de homens destacados, e creio numa certa comunhão mística com o universo, creio que tudo é muito maravilhoso, mas eu não creio do jeito que vocês crêem". Você pode identificar esse homem com muita facilidade. É quase automático. Você pode dizer que ele está do lado oposto, pois ele veste o uniforme inimigo.

Mas o evangélico racionalista de hoje continua trajando o nosso uniforme. Ele se aproxima vestindo nosso uniforme e diz aquilo que os fariseus disseram enquanto Jesus estava aqui no mundo (e eles eram os Seus piores inimigos): "Está certo, a verdade é a verdade, e se você crê na verdade, você possui a verdade!"

Naqueles tempos, ou em nossos dias, gente desse tipo não consegue ver além, e não divisa nenhuma profundeza mística, nenhuma altura misteriosa, nada sobrenatural nem divino. A única coisa que eles conseguem enxergar é:

Creio-em-Deus-Pai-Todo-Poderoso-criador-do-céu-e-da-terra-e-em-Jesus-Cristo-Seu-único-Filho-nosso-Senhor.

Eles estão de posse do texto e do código e do credo e, para eles, isso é a verdade. É dessa forma que eles a passam aos outros. O resultado disso é que estamos morrendo espiritualmente.

Agora, e o que dizer a respeito dos místicos evangélicos? Na verdade eu não gosto muito da palavra místico porque faz você pensar em alguém de cabelo comprido, barbicha de bode, pensativo, e que age meio esquisito. Talvez não seja uma boa palavra, mas estou me referindo ao lado espiritual das coisas - que a verdade é mais do que o texto. Existe alguma coisa na qual você precisa penetrar. A verdade é mais do que o código. Há um coração que bate nesse código, e você tem de chegar até ali.

A questão vital é simplesmente esta: Será que o mero corpo da verdade cristã é suficiente, ou será que a verdade, além do corpo, possui uma alma? O racionalista

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evangélico diz que toda essa conversa a respeito da alma da verdade são tolices poéticas. O corpo da verdade é tudo de que você precisa. Se você crê no corpo da verdade, você está a caminho do céu e dessa posição você não pode cair. No final, tudo dará certo e você, no último dia, receberá uma coroa.

Talvez pudéssemos fazer a pergunta da seguinte forma: Será que a revelação é suficiente, ou é preciso haver iluminação? A Bíblia é um livro inspirado? É um livro revelado? É claro, você e eu cremos que ela é uma revelação, que Deus falou todas essas palavras e homens santos falaram conforme foram movidos a isso pelo Espírito Santo.

Eu creio que a Bíblia é um livro vivo, que Deus a deu para nós e que não devemos ousar nem adicionar nem remover nada do que ali está. Ela é uma revelação.

A REVELAÇÃO NÃO É SUFICIENTE!

Mas a revelação não é suficiente! É preciso haver iluminação antes que a revelação chegue até a alma de uma pessoa. Não é suficiente que eu segure nas mãos um livro inspirado. Eu preciso também de um coração inspirado. Há uma diferença, a despeito do racionalista evangélico que insiste em que apenas a revelação já é suficiente.

Isso está acontecendo bem aqui, na América do Norte1. Um pastor me confidenciou as experiências que teve com certo grupo religioso. Eles crêem que a verdade é suficiente, o código é suficiente. Aqueles que vão à frente atendendo ao apelo e dizem "Eu creio em Cristo" são aceitos como membros da igreja, e não se pergunta mais nada. Eles estão "dentro".

Conversei com um irmão que provou uma comovente experiência espiritual, com uma inundação de glória descendo e as asas de amor adejando sobre a alma dele, como acontecia aos cristãos nos dias do evangelista Carlos Finney. Esse irmão me disse que foi "convidado a se retirar" da denominação a que pertencia, criticado por homens cuja única acusação contra ele era a sua fé no miraculoso elemento divino da graça. Ele cria não apenas na revelação da graça de Deus no livro, mas cria também que o novo nascimento era uma intervenção miraculosa de Deus na alma humana.

E quem foi que o atacou e o acusou de heresia? Foram os fundamentalistas. E foram os evangélicos - os racionalistas evangélicos, que dizem: "Se você apenas crer, tudo ficará certo".

E faziam isso também nos tempos de Jesus, quando diziam: "Quem é esse homem? Ele nunca se assentou aos pés dos rabinos para memorizar o texto. Ele não tem a verdade!"

Você pode decorar todos os textos da Bíblia — e eu creio na necessidade de memorizar a Palavra. Mas depois de fazer isso, você não alcançou nada mais do que o corpo. E a verdade tem, além do corpo, uma alma também. Há uma iluminação divina interior que o Espírito Santo tem de nos dar, caso contrário não saberemos o que significa a verdade.

1 Também aqui no Brasil. E infelizmente esse veneno se alastrou por toda parte no mundo inteiro. N.T.

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Aqui reside a diferença. Temos de insistir no fato que a conversão é uma operação miraculosa de Deus por meio do Espírito Santo. Ela tem de ser operada em nosso espírito. O corpo da verdade, o texto inspirado, não é suficiente; é necessária uma iluminação interior!

A REVELAÇÃO NÃO SALVA

Nos dias de Cristo, o conflito dEle era com o teólogo racionalista. Isso fica evidente no Sermão do Monte e em todo o livro de João. Da mesma forma que a carta da Paulo aos Colossenses é um argumento contra o maniqueísmo, e Gálatas argumenta contra o legalismo judeu, assim o livro de João é um livro longa, inspirada, apaixonadamente vertido com o propósito de nos salvar do evangelho racionalista - a doutrina que diz que o texto é suficiente. O textualismo é tão mortal quanto o liberalismo.

A revelação, eu repito, não pode salvar. A revelação é o chão em que pisamos. A revelação nos diz em que devemos crer. A Bíblia é o livro de Deus e isso eu sustento de todo o coração. Mas antes que eu possa ser salvo, precisa haver iluminação, arrependimento, renovação, libertação interior.

Não tenho dúvidas de que tentamos facilitar a entrada de muita gente no reino de Deus, pessoas essas que nunca jamais haverão de entrar. Elas são persuadidas a crer no texto, e elas o fazem, mas elas nunca jamais foram iluminadas pelo Espírito Santo. Elas nunca jamais foram renovadas no íntimo. Elas nunca entraram no reino, de jeito nenhum.

Ora, existe um segredo na verdade divina totalmente escondido da alma que não está preparada. É nesse ponto que nos encontramos nesses terríveis dias em que vivemos. O Cristianismo não é algo que você estende a mão a agarra à força, como alguns ensinam. É preciso haver uma preparação da mente, uma preparação da vida e uma preparação da pessoa interior antes que possamos crer de forma salvadora em Jesus Cristo.

Você pergunta: "É possível ouvir a verdade e não entendê-la?" Ouça o que diz Isaías: "Ouvi, ouvi e não entendais; vede, vede, mas não percebais" (Isaías 6.9).

Sim, é possível ver e contudo não perceber. Paulo diz: "A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder, para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana, e sim no poder de Deus" (1 Coríntios 2.4,5).

Agora, o teólogo racionalista entende isso tudo da seguinte forma: Ele diz que a sua fé não deveria basear-se na sabedoria do homem, mas na Palavra de Deus. Mas não é isso que Paulo disse. Ele disse que a sua fé deveria apoiar-se no poder de Deus. Isso é uma coisa completamente diferente.

Veja adiante, nesse mesmo capítulo: "mas, como está escrito: Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam. Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito..." (1 Co 2.9,10).

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Textos de A. W. Tozer - 14 -

"Porque qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o seu próprio espírito, que nele está? Assim, também as coisas de Deus, ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus. Ora, nós não temos recebido o espírito do mundo, e sim o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente. Disto também falamos, não em palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas ensinadas pelo Espírito, conferindo coisas espirituais com espirituais. Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente" (2.11-14).

Paulo, o homem de Deus, está dizendo: "Eu fui pregar e preguei com poder que iluminasse e alcançasse a consciência e o espírito e mudasse a pessoa interior, para que a fé de vocês se apoiasse no poder de Deus".

A sua fé pode apoiar no texto e você ainda estar mortinho da silva, mas quando o poder de Deus invade o texto e desce como fogo sobre o sacrifício, aí então você terá verdadeiro Cristianismo. Costumamos chamar isso de avivamento, mas isso não é avivamento de jeito nenhum. Isso é apenas o Cristianismo do Novo Testamento. Era isso que devia ter sido no começo, mas não tinha ocorrido.

Agora veja Mateus 11.25-27: "Por aquele tempo, exclamou Jesus: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e instruídos e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado. Tudo me foi entregue por meu Pai. Ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar".

Aqui temos a doutrina exposta de forma simples e clara. Não existe somente um corpo de doutrina que deixamos de lado por nossa conta e risco, mas existe também uma alma nesse corpo, à qual temos de chegar. Se não chegarmos à alma da verdade, a única coisa que teremos nas mãos será um cadáver.

É O ESPÍRITO QUE GERA A VIDA

É possível que uma igreja prossiga sustentando o credo e a verdade por gerações seguidas e assim continue se perpetuando. Novos membros podem seguir e receber esse mesmo código e também acabar envelhecendo. Aí algum avivalista vem, abre fogo e inquieta a todos, e pela oração Deus Se manifesta naquele lugar e o avivamento chega àquela igreja. Pessoas que se julgavam salvas são agora salvas de fato. Pessoas que meramente haviam crido num código agora crêem em Cristo. E o que é que aconteceu de fato? Aconteceu apenas que o Cristianismo do Novo Testamento recebeu o devido lugar. Não é uma edição de luxo do Cristianismo; é apenas o que o Cristianismo deveria ter sido já desde o começo.

Um homem começa a frequentar uma igreja, crê nos textos bíblicos, memoriza esses textos, cita-os, ensina-os e talvez até se torne um diácono da igreja. Ele talvez até seja eleito para a diretoria da igreja e tudo o mais. Aí, certo dia, ouvindo a pregação inflamada de algum visitante ou talvez do próprio pastor, ele de súbito se sente em falta para com Deus e, esquecendo-se de todo o seu passado religioso, põe-se de joelhos. Como Davi, ele começa a derramar a alma em confissão. Depois, levanta-se e começa a

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testemunhar: "Eu fui diácono nesta igreja por 26 anos e nunca havia nascido de novo, mas isso aconteceu hoje à noite!"

O que foi que aconteceu? Esse homem estava confiando no cadáver da verdade até que algum pregador inspirado o fez ver que a verdade tem uma alma. Ou, talvez Deus lhe ensinou em secreto que a verdade tem uma alma tanto quanto um corpo, e ele ousou avançar e insistir pelo arrependimento e pela obediência até que Deus honrou a sua fé e fez brilhar a luz. Daí, como relâmpago rasgando o céu, ela tocou o seu espírito e todos os textos que ele havia memorizado passaram a viver.

Graças a Deus, ele tinha memorizado os textos, e toda a verdade que ele conhecia, agora, de repente, floresceu na luz. É por isso que eu creio que devemos decorar as Escrituras. Essa é a razão por que devemos nos familiarizar com a Palavra, por que devemos encher a mente com os grandes hinos e canções da igreja. Eles haverão de significar muito pouco para nós até que venha o Espírito Santo. Mas quando Ele vier, Ele terá combustível para usar. Fogo sem combustível não queima, mas o combustível sem fogo está morto. E o Espírito Santo não virá a uma igreja onde não haja o corpo bíblico da verdade. O Espírito Santo não vem nunca para um vácuo, mas onde a Palavra de Deus está, ali está o combustível, e o fogo desce e queima o sacrifício.

O ARREPENDIMENTO É A PREPARAÇÃO NECESSÁRIA

Jesus afirmou que aqueles que quiserem fazer a vontade de Deus conhecerão; eles conhecerão o Seu ensino - se ele procede de Deus ou se Ele fala de Si mesmo. Agora, esse corpo de ensino pode ser apreendido pelo intelecto comum, de capacidade média. Você pode apreender o ensino, mas somente a alma iluminada pode conhecer a verdade e somente o coração preparado será iluminado. E o que é essa preparação necessária?

Jesus disse que, se alguém quiser fazer a vontade de Deus, a luz haverá de invadi-lo. Deus lhe iluminará a alma. O que nós queremos é fazer de Jesus uma conveniência. Fazemos dEle um bote salva-vidas para nos conduzir até a praia, um guia para nos encontrar quando estamos perdidos. Nós O reduzimos a um mero bom Amigo que nos ajuda quando estamos encrencados. Isso não é o Cristianismo bíblico. Jesus Cristo é Senhor, e quando nos dispomos a fazer a vontade de Deus, isso é arrependimento e a verdade se manifesta em nosso interior. Pela primeira vez na vida nos vemos dizendo voluntariamente: "Eu vou fazer a vontade do Senhor, mesmo que isso me custe a vida!"

A iluminação começará sua obra no coração. Isto é arrependimento: nós que seguíamos nossa própria vontade estamos decididos a fazer a vontade de Deus!

Nós não podemos conhecer o Filho, a menos que o Pai no-lo mostre. Nós não podemos conhecer o Pai, a menos que o Filho O revele. Eu posso chegar a conhecer a respeito de Deus; isso é o corpo da verdade. Mas eu não consigo conhecer a Deus, a alma da verdade, a menos que eu esteja disposto a obedecer. Discipulado verdadeiro é obedecer a Jesus Cristo, aprender dEle, segui-lO e fazer aquilo que Ele nos ordena. É guardar os Seus mandamentos e executar a Sua vontade. Uma pessoa dessas é um cristão - e nenhuma outra espécie o é.

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Quando você está tentando descobrir em que pé se encontra alguma igreja, não pergunte apenas se ela é evangélica. Veja se é uma igreja evangélica racionalista que diz "O texto é suficiente", ou se é uma igreja que crê que é necessário o texto mais o Espírito Santo.

Antes que a Palavra de Deus possa significar qualquer coisa em meu interior, é preciso que haja obediência à Palavra. A Verdade não se confia a um rebelde. A Verdade não transmitirá vida a um homem que não vai obedecer à luz! "se, porém, andarmos na luz, como ele está na luz, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus seu Filho nos purifica de todo o pecado" (1 João 1.7). Aquele que está desobedecendo a Jesus Cristo não pode esperar ser iluminado.

A ILUMINAÇÃO É UM FATO

Mas na verdade existe iluminação. Eu sei o que Carlos Wesley quis dizer quando escreveu: "O Seu Espírito atende ao sangue,/ E me garante que eu nasci de Deus!" Não é preciso que ninguém me diga o que ele quis dizer com isso. "Aqueles que quiserem fazer a minha vontade", disse Jesus na verdade, "haverão de receber uma revelação em seu coração. Eles receberão uma iluminação interior, que lhes assegurará que são filhos de Deus".

Se um pecador se dirige ao altar e um obreiro com um Novo Testamento cheio de anotações o introduz no reino por meio de argumentações, o diabo haverá de encontrar esse recém-convertido dois quarteirões abaixo e, com argumentações, o removerá do reino outra vez. Mas se ele for iluminado interiormente — esse testemunho interior — porque o Espírito respondeu ao sangue, você não conseguirá argumentar com uma pessoa dessas. Ele se tornará teimoso, sem levar em consideração os argumentos que você tentar manobrar. Ele vai dizer: "Mas eu sei!"

Um homem desses não é nem teimoso nem arrogante; ele apenas é seguro. Ele se parece com aquele alegre irmão crente que trabalhava numa fábrica, e alguém o convidou para uma reunião em que um homem pretendia provar que os cristãos estavam errados. Esse irmão foi assistir à palestra. Foi uma eloquente apresentação de argumentos de todo tipo. Na saída, o homem que o tinha convidado perguntou: "E então, o que você achou?"

"Olha, eu ouvi esta palestra com um atraso de 25 anos", replicou o cristão. "Foi 25 anos atrás que Deus fez na minha vida o que esse palestrante disse que é impossível ser feito!" Ora, esse é o Cristianismo normal. Esse é o jeito que deveríamos ser. "Se alguém quiser fazer a vontade de Deus, conhecerá." Ele haverá de saber.

Todavia, algumas pessoas continuam a resistir a Deus, recusando-se a seguir a Jesus, o tempo todo frustrados com algo que Ele lhes disse, mas que eles não vão fazer.

Você diz que pretende fazer um curso bíblico. Você pode fazer um curso e estudar tudo a respeito de síntese e análise e tudo o mais. Mas se você está resistindo a Deus, será o mesmo que ler um outro livro qualquer. Nem todos os cursos deste mundo iluminarão o seu interior. Você pode encher a mente de conhecimento, mas o dia em

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que decidir obedecer a Deus, o conhecimento haverá de descer ao seu coração. Você conhecerá. Somente os servos da verdade conseguem conhecer a verdade. Somente aqueles que obedecem alcançam a mudança interior.

O CONHECIMENTO NÃO É SUFICIENTE

Você pode manter-se do lado de fora, e possuir toda a informação e saber tudo a respeito da verdade, e contudo não ser um verdadeiro discípulo que de fato conhece a Cristo. Certa vez eu li um livro a respeito da vida espiritual interior, escrito por um homem que de forma alguma era cristão. Ele era um intelectual esperto, um inglês perspicaz. Ele estava parado do lado de fora e examinava as pessoas espirituais por esse ângulo, mas nada daquilo o alcançava. E isso é possível!

Você pode argumentar sobre o assunto. Pode ler a sua Bíblia — ler qualquer versão que desejar — e se você é honesto haverá de admitir que é ou obediência ou cegueira interior. Você pode repetir a Epístola aos Romanos palavra por palavra e ainda assim estar completamente cego interiormente. Você pode citar todos os Salmos, e ainda estar cego interiormente. Você pode conhecer a doutrina da justificação pela fé e colocar-se ao lado de Lutero e da Reforma, e ainda continuar cego interiormente. Não é o corpo da verdade que ilumina; é o Espírito da verdade que ilumina.

Se você está disposto a obedecer ao Senhor Jesus, Ele haverá de iluminar o seu espírito. Ele iluminará você interiormente. A verdade que você conheceu intelectualmente agora você a conhecerá espiritualmente. O poder começará a fluir abundantemente, e você se verá mudado, maravilhosamente transformado. Vale a pena crer num Cristianismo que de fato muda as pessoas.

Eu preferiria fazer parte de um pequeno grupo com conhecimento interior, a fazer parte de um vasto grupo com conhecimento meramente intelectual. No grande dia da volta de Cristo, o que vai importar é se eu fui iluminado interiormente ou não, se fui regenerado interiormente, purificado interiormente.

A questão é: Será que realmente conhecemos a Jesus dessa forma?

[Faith Beyond Reason, capítulo 2.]

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A VERDADE

TAMBÉM

TRAZ PROBLEMAS

A verdade soluciona algumas dificuldades e cria outras.

“… a verdade vos libertará” (João 8.32); isto é, libertará da desgraça, dos jugos, dos fardos impostos pelo pecado.

Contudo, essa mesma verdade gera problemas de outra espécie. Não pode ser de outra forma, uma vez que somos forçados a acolher a verdade num mundo consagrado à mentira. A sociedade humana se encontra numa sutil conspiração contra a verdade no que diz respeito às coisas espirituais e morais. A alma dedicada à verdade de Deus nunca é popular entre as multidões. Elas a fazem pagar pelo seu amor à verdade. E isso cria um problema para essa pessoa.

Em qualquer lugar que seja, e em qualquer época que a verdade se encarna nalgum homem, esse homem com certeza se tornará o alvo de todo tipo de oposição — desde o insulto informal de alguém que se diz amigo até à campanha cuidadosamente preparada de um inimigo declarado. O problema que isso cria para o homem comprometido com a verdade é como receber esses ataques com espírito caridoso, como manter-se calmo e paciente quando todos os seus velhos reflexos naturais o impelem a bater de volta com qualquer arma que estiver a seu alcance.

O homem a quem Cristo ilumina com Sua mensagem agora tem olhos, e isso acaba com a velha dificuldade da cegueira; mas ele precisa usar os seus novos olhos num mundo cego, e isso cria um outro problema. O mundo em sua cegueira se ressente contra a sua alegação de que ele vê, e fará de tudo para desacreditar o que ele diz. A verdade de Cristo traz segurança, e dessa forma remove o antigo problema do medo e da incerteza, mas essa segurança será interpretada como fanatismo pela multidão governada pelo medo. E mais cedo ou mais tarde essa falsa compreensão das coisas conduzirá o homem de Deus a problemas. E assim acontece com muitos outros benefícios do evangelho. Por todo o tempo que permanecermos neste mundo deformado, esses benefícios haverão de criar seus próprios problemas. Não há como escapar deles.

Mas nenhum cristão esclarecido se queixará. Em vez disso, ele aceitará os seus problemas como oportunidades para exercitar as virtudes espirituais. Ele os transformará em disciplinas úteis para a purificação da sua vida e se regozijará com o fato de que lhe é permitido sofrer com o seu Senhor. Porque por mais severas que sejam as provações do cristão, elas não haverão de durar muito, e o bendito fruto que elas geram durará por toda a eternidade.

[We Travel an Appointed Way]

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A VERDADEIRA E A FALSA HUMILDADE

A humildade é algo absolutamente indispensável para o cristão. Sem ela, não pode haver conhecimento de si mesmo, nem arrependimento, nem fé, nem salvação.

As promessas de Deus são dirigidas aos humildes; o homem orgulhoso, com seu orgulho perde o direito a todas as bênçãos prometidas aos humildes de coração, e não pode esperar da mão de Deus outra coisa senão justiça.

Contudo, não devemos esquecer que há uma falsa humildade que se distingue da real, e que no geral existe entre os crentes, sem que se dêem conta de que é falsa.

A humildade verdadeira é algo saudável. O homem humilde aceita que se lhe diga a verdade. Ele crê que em sua natureza caída não habita bem nenhum. Reconhece que, separado de Deus, não é nada, não tem nada, não sabe nada, nem pode fazer nada. Mas esse conhecimento não o desanima, porque também sabe que, em Cristo, ele é alguém. Sabe que para Deus ele é mais precioso que a menina dos seus olhos, e que pode todas as coisas por meio de Cristo, que o fortalece; ou seja, pode fazer tudo o que está dentro da vontade de Deus que ele faça.

A pseudo-humildade é, na realidade, simplesmente orgulho com outra cara. Faz-se evidente na oração do homem que se condena diante de Deus como fraco, pecador e néscio, mas que se ofenderia e lhe causaria raiva se sua esposa dissesse essas mesmas coisas dele.

Não é que esse homem seja necessariamente um hipócrita. A oração de autocondenação pode ser completamente sincera, como também o pode ser sua defesa própria, embora ambas pareçam contradizer-se mutuamente. A semelhança entre as duas é que ambas nasceram dos mesmos pais: o pai é o amor próprio e a mãe é a confiança em si mesmo.

O homem cheio de auto-estima espera de forma natural grandes coisas de si mesmo, e se sente amargamente desanimado quando fracassa. O crente que tem auto-estima tem os mais elevados ideais morais: chegará a ser o homem mais santo de sua igreja, se não o mais santo de sua geração. É possível que fale da depravação total, da graça e da fé, enquanto ao mesmo tempo inconscientemente está confiando em si mesmo, promovendo-se a si mesmo e vivendo para si mesmo.

Como tem aspirações tão nobres, qualquer falha em alcançar seus ideais o enche de desânimo e desgosto. Vem, então, a dor da consciência, que ele erroneamente interpreta como evidência de humildade, mas que na realidade só é uma amarga negativa de perdoar-se a si mesmo por haver caído da alta opinião que tinha de sua própria pessoa. Às vezes se pode traçar um paralelo com a pessoa do pai orgulhoso e ambicioso que espera ver no filho o tipo de homem que ele havia esperado ser e não é, e que quando o filho não vive de acordo com suas expectativas não quer perdoá-lo. A dor do pai não vem do seu amor pelo filho, mas de seu amor por si próprio.

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O homem verdadeiramente humilde não espera encontrar virtude em si mesmo, e quando não a encontra, não se desanima. Ele sabe que qualquer boa obra que poderia fazer é resultado da obra de Deus nele, e se é obra própria sua sabe que não é boa, por melhor que pareça.

Quando essa crença se torna parte desse homem, algo que opera como uma espécie de reflexo subconsciente, ele se vê liberto do peso de viver segundo a opinião que tem de si mesmo. Pode descansar e contar com o Espírito para que cumpra a lei moral em seu íntimo. Muda-se o centro de sua vida, do ego para Cristo, que é onde deveria Ter estado desde o princípio, e assim se vê livre para servir a sua geração de acordo com a vontade de Deus, sem os milhares de empecilhos que antes tinha.

Se um homem assim falha para com Deus de alguma forma, lamenta-o e se arrepende, mas não passa os dias castigando-se a si mesmo por seu fracasso. Dirá com o Irmão Lourenço: "Nunca poderei agir de outra forma se me deixas só; Tu és aquele que deve impedir minha queda e emendar o que é mau", e depois disso "não continuará se torturando pelo acontecido".

Quando lemos sobre a vida e os escritos dos santos, é que a falsa humildade mais entra em ação. Lemos Agostinho e percebemos não ter sua inteligência; lemos Bernardo de Claraval e sentimos um calor em seu espírito, que não encontramos em nosso próprio em um grau que sequer se lhe assemelhe; lemos o diário de George Whitefield e temos de confessar que comparados com ele somos simples principiantes, noviços espirituais, e que apesar de nossas "vidas tão supostamente ocupadas" vemos muito pouco ou nada realizado. Lemos as cartas de Samuel Rutherford e sentimos que seu amor por Cristo ultrapassa tanto o nosso, que seria estupidez sequer mencioná-los ao mesmo tempo.

É então que a pseudo-humildade começa a trabalhar em nome da autêntica humildade e nos leva até o pó numa confusão de autocompaixão e autocondenação. Nosso amor próprio se volta contra nós mesmos e com grande azedume nos joga em rosto nossa falta de piedade. Sejamos cuidadosos com isso. Aquilo que achamos ser penitência pode facilmente ser uma pervertida forma de inveja e nada mais. É possível que simplesmente estejamos invejando esses poderosos homens, e desanimemos de chegar a ser como eles, imaginando que somos muito santos porque nos sentimos humilhados e desanimados.

Tenho conhecido duas classes de crentes: os orgulhosos que se consideram humildes, e os humildes que têm medo de ser orgulhosos. Deveria haver outra classe: os desesperados de si mesmos que deixam todo o assunto nas mãos de Cristo, e se negam a gastar o tempo tentando fazer-se bons. Serão esses os que alcançarão o alvo, e bem antes que os demais.

[God Tells the Man Who Cares, capítulo 33.]

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AS MELHORES COISAS DEMANDAM ESFORÇO

Em nosso mundo distorcido, as coisas mais importantes muitas vezes são as mais difíceis de aprender; e inversamente, as coisas que vêm fácil são na maioria das vezes de pouco valor real no longo prazo.

Isso se vê claramente na vida cristã, onde muitas vezes acontece que aquilo que aprendemos a fazer sem dificuldade são as atividades mais superficiais e menos importantes, e os exercícios verdadeiramente vitais tendem a ser omitidos devido à dificuldade de pô-los em prática. Isto é mais facilmente visto em nossas variadas formas de trabalho cristão, particularmente no ministério. Ali as atividades mais difíceis são as que produzem maior fruto, e os serviços menos frutíferos se desempenham com menor esforço. Esta é uma armadilha em que o ministro sábio não cairá, ou, se ele perceber que está preso nela, importunará céu e terra em sua luta para dela escapar. Orar com sucesso é a primeira lição que o pregador tem de aprender, se quiser pregar frutiferamente; embora a oração seja a tarefa mais difícil para a qual ele é chamado. Como homem será a atividade que será tentado a menos pôr em prática do que qualquer outra. Ele tem de determinar o coração para conquistar pela oração, e isso significa que primeiro tem de comquistar sua própria carne, porque é a carne que sempre atrapalha a oração.

Quase tudo que diz respeito ao ministério pode ser aprendido com uma porção média de esforço inteligente. Não é difícil pregar, ou gerenciar atividades da igreja ou atender compromissos sociais; casamentos e funerais podem ser dirigidos sem problemas com um pouco de ajuda de um Manual do Ministro. Pode-se aprender a fazer sermões tão facilmente como fazer sapatos — introdução, conclusão e só. E assim é com todo o trabalho do ministério como se tem levado na igreja normal de hoje. Mas orar — isso é outro assunto. Aqui de nada serve a ajuda de um Manual do Ministro. Aqui o solitário homem de Deus tem de combater sozinho, às vezes com jejuns e lágrimas e fadigas indizíveis. Ali cada homem tem de ser original, porque a verdadeira oração não pode ser imitada nem pode ser aprendida de outrem. Cada um tem de orar como se só ele pudesse orar, e sua aproximação tem de ser individual e independente; independente de todos, menos do Espírito Santo.

Thomas à Kempis diz que o homem de Deus deve sentir-se mais à vontade em seu quarto de oração do que diante do público. Não é exagero dizer que o pregador que gosta de estar diante do público dificilmente se encontra espiritualmente preparado para estar diante dele. É mais provável que a oração correta torne o homem hesitante em aparecer diante de uma audiência. O homem que realmente se sente à vontade na presença de Deus se verá preso numa espécie de contradição interior. Ele provavelmente sentirá de forma tão aguda sua responsabilidade, que preferiria fazer qualquer outra coisa a encarar um auditório; e contudo a pressão sobre seu espírito pode ser tão grande que nem cavalos selvagens o poderiam arrancar do seu púlpito.

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Nenhum homem deveria se colocar diante de uma audiência sem antes ter estado diante de Deus. Muitas horas de comunhão deveriam preceder uma hora no púlpito. O quarto de oração deveria ser mais familiar do que a plataforma pública. A oração deveria ser contínua; a pregação, intermitente.

É de notar que as escolas ensinam tudo sobre a pregação, exceto a parte importante, a oração. Não se deve censurar as escolas por causa dessa fraqueza, pela razão que a oração não se pode ensinar; ela somente pode ser praticada. O melhor que qualquer escola ou qualquer livro (ou qualquer artigo) pode fazer é recomendar a oração e exortar a que seja praticada. A oração mesma tem de ser trabalho do indivíduo.

E é justamente o trabalho religioso que, feito com pouco entusiasmo, se torna uma das grandes tragédias dos nossos dias.

[God Tells the Man Who Cares, capítulo 13.]

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AS VESTES DA HUMILDADE

Cingi-vos todos de humildade, porque Deus resiste aos soberbos, contudo aos humildes concede a sua graça. (1 Pe 5.5)

Quando o apóstolo Pedro aconselha aos crentes que se revistam de humildade no seu trato uns com os outros, na verdade, está dando a entender que a humildade deve ser uma espécie de uniforme que nos identifique diariamente.

Naquela época, era costume as pessoas se vestirem de acordo com seu status e sua posição na sociedade. Hoje em dia, também, costumamos identificar alguns servidores públicos pelo tipo de roupa uniformizada que usam. Se, por exemplo, estivermos numa cidade estranha e necessitarmos de um determinado tipo de auxílio, logo daremos uma olhada pelas redondezas à procura de um policial, que podemos identificar pela farda.

Quando o carteiro chega em nossa casa, também, nós não temos nenhum receio dele. O uniforme que usa mostra que ele é um servidor público, com a responsabilidade de realizar um tipo de serviço. E o Espírito Santo, através das palavras do apóstolo, ensina que é necessário que os membros do Corpo de Cristo estejam submissos uns aos outros pelos laços do amor, da misericórdia e da graça. E essa postura de submissão e humildade, assumida em sinceridade, torna-se o nosso uniforme, nosso adorno, que mostra para os outros que somos remidos, que somos discípulos obedientes de Jesus Cristo e que pertencemos a Ele! E se lembrarmos que foi Jesus Cristo, nosso Senhor, quem se revestiu de humildade, e rebaixou-se a tal ponto de chegar à morte, e morte de cruz, não acharemos estranha essa orientação de Pedro. Esse ensino é um exemplo divino e escriturístico que temos na pessoa de Jesus, que, “subsistindo em forma de Deus não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornandose obediente até à morte, e morte de cruz. Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome” (Fp 2.6-9).

É muito importante que os crentes entendam que, como Jesus veio ao mundo revestido de humildade, ele sempre estará entre aqueles que se revestem de humildade. Ele sempre se encontrará entre aqueles que são humildes. Há muita gente que ainda não aprendeu essa lição.

Quero mencionar aqui uma passagem muito interessante do livro de Cantares de Salomão que, em minha opinião, revela de forma muito prática o anseio que o Noivo celestial tem de estar em comunhão com aqueles que lhe são caros no plano do serviço humilde. Encontra-se no capítulo 5.

A noiva está narrando sua aflição porque seu amado a chamou no meio da noite, para sair com ele, mas ela demorou a responder. Ele dissera a ela que a cabeça dele estava coberta de orvalho, o cabelo molhado pelas gotas da noite, pois ele estivera colhendo mirra, lírios, e cuidando de suas ovelhas. Resumidamente, ela recorda que estava belamente vestida para a noite, mas essa roupa não seria apropriada para atender

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ao chamado dele, pois ele queria que ela fosse estar com ele, onde ele se encontrava, na sua humildade, trabalhando entre as ovelhas, no serviço das hortas e dos campos. Por fim ela confessa: “Abri ao meu amado, mas já ele se retirara e tinha ido embora... busquei-o mas não o achei; chamei-o, e não me respondeu.” Quando afinal ela se dispusera a vestir as roupas certas, para auxiliá-lo no serviço humilde, ele já fora embora.

As Escrituras ensinam claramente que Deus está sempre do lado dos humildes, e Pedro concorda plenamente com este ensino de que Deus resiste aos soberbos mas aos humildes concede a sua graça. É possível que as pessoas, de um modo geral, pensem que encontrarão Jesus Cristo onde quer que elas estejam. Mas eu acho que existe a possibilidade de encontrarmos a Cristo somente onde ele está — e ele está na posição de humildade — sempre!

Deus resiste aos soberbos. Deus resiste àquele que é orgulhoso e obstinado. Acredito que Deus vê a atitude do orgulhoso como uma atitude de resistência a ele. Não é muito comum um homem levantar os olhos para Deus e dizer: “Ó Deus, eu resisto a ti; eu te desobedeço!” Talvez isso aconteça uma vez em cada cem anos. Os homens, geralmente, não têm essa atitude. O mais provável é que nos oponhamos a ele fazendo resistência ao lado em que ele está ou aos seus ensinamentos. Mas a Bíblia mostra com clareza que quando uma pessoa orgulhosa e obstinada resiste a Deus, pode saber que Deus também estará resistindo a ela.

Quando um homem delibera firmemente praticar uma ação contra um crente, mesmo que este tenha razão no ponto em questão, ele descobrirá depois que Deus faz resistência a ele, pois seu espírito e atitude estão errados. Deus não olha apenas a situação exterior, ele vê o espírito e a atitude do indivíduo. Ele está mais interessado na maneira como reagimos à agressão ou aos maus tratos, do que no fato de que fomos maltratados.

Alguns crentes já passaram pela experiência de ser destratados por outros, com palavras violentas e linguagem bem agressiva. No que diz respeito a Deus, essa violência não interessa. Se você é um filho de Deus que está sofrendo agressões ou perseguição por causa dele, o grande interesse dele é a atitude que você terá em face da agressão. Você teria um espírito de resistência, com intenções de vingança? Se você resistir ao Espírito de Deus, que lhe pede que demonstre o amor e a graça de Jesus Cristo, seu Salvador, pode ficar certo de uma coisa: Deus também resistirá a você! Bem, mas isso não quer dizer que agora Deus vai-se virar contra você e tomar o partido do outro que o maltratou. Mas quer dizer que ele irá resistir-lhe porque sempre resiste ao obstinado.

Mesmo que a razão esteja com você, Deus leva em conta que sua atitude está errada. O fato de Deus resistir ao soberbo, não significa também que mandará logo sobre ele um castigo severo. É provável que nem revele sua resistência a ele com um castigo visível ao público. Raramente Deus nos dá castigos trágicos. Muitas vezes tenho-me perguntado se não aprenderíamos mais depressa a lição da humildade se Deus resistisse a nós, como dois soldados em luta se resistem um ao outro: com um entrechoque de espadas, e derramamento de sangue. Mas não é assim que ele age.

Quando Deus resiste a um homem por causa de pecados de atitude, e do espírito, ocorre uma lenta degeneração espiritual interior que é um sinal do castigo que veio sobre

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ele. E esse endurecimento lento do coração provocado pela nossa obstinação em não nos rendermos a Deus, acaba provocando cinismo. Desaparece o gozo espiritual, e não produzimos mais os frutos do Espírito. A pessoa que passa por esse processo acabará azedando-se como uma fruta estragada — e não é exagero dizer que aquele que provoca a resistência divina continuará a azedar-se amargamente em seu próprio sumo. Deus resiste ao soberbo, e acredito que o aspecto mais importante de tudo isso é o seguinte: essa pessoa pode estar com a razão na questão básica, mas fracassou no teste a que seu espírito foi submetido.

Deus dá graça ao humilde

É importante observar também que esse texto afirma que o mesmo Deus que tem que resistir ao soberbo, sempre está pronto para conceder ao humilde a sua graça. A Bíblia ensina que devemos humilharnos sob a potente mão de Deus.

Se tivéssemos que demonstrar nossa humildade apenas sob a mão de Deus, isso seria relativamente fácil. Se o Senhor lhe dissesse: “Olhe, vou chegar à igreja, e vou me colocar lá na frente. Você deverá vir ajoelhar-se e humilhar-se diante de mim”, isso seria muito fácil, pois sei que não é humilhante ajoelhar-me diante do próprio Deus. Qualquer um poderia fazer isso e continuar a sentir-se orgulhoso, embora estivesse ajoelhando-se perante a eterna Majestade de Deus nas alturas.

Mas Deus conhece nosso coração e não permite que obedeçamos à sua ordem de ser humilde somente com um gesto exterior. Deus pode usar pessoas que achamos não ser dignas de engraxar nosso sapato, e no entanto, numa determinada situação, ele pode querer que nos humilhemos mansamente e aceitemos aquilo que elas fizeram conosco. Com esse espírito de mansidão, estaremos humilhando-nos debaixo da potente mão de Deus.

Vamos recordar o exemplo de nosso Salvador, cruelmente fustigado e ferido pelos chicotes. Aquelas chicotadas não foram dadas por um arcanjo, mas pelas mãos de um soldado romano, pagão. Todo aquele sofrimento que ele suportou foi-lhe infligido por homens ímpios, maus, blasfemos, de boca suja, que não eram dignos de limpar a poeira da sola do sapato dele, e não por multidões das hostes celestiais. Mas Jesus, voluntariamente, se humilhou debaixo das mãos dos homens, e assim fazendo, humilhou-se também sob a mão de Deus.

Submeter-se, mas não fazer concessões

Muitas vezes os crentes indagam: “Mas então tenho que me humilhar e aceitar mansamente todas as situações da vida?” Em minha opinião a resposta para isso é a seguinte: como crentes, para nos humilharmos, não devemos transgredir as leis morais nem falsear a verdade. Se para nos humilharmos tivermos que fazer concessões à verdade, não devemos humilhar-nos. O mesmo se aplica quando se trata de transgredir as leis morais. Estou certo de que Deus não exige que ninguém se humilhe moralmente ou falseando a verdade. Mas temos uma orientação de Deus para nos humilharmos debaixo de sua potente mão — e que os outros atirem a primeira pedra!

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Mas nessa orientação que Deus dá a seu povo para que se humilhe, ele faz uma promessa, a de que “em tempo oportuno” ele nos exaltará! “Tempo oportuno”. Acredito que isso se refere a uma ocasião adequada em todos os aspectos. Será a hora que Deus sabe ser a melhor para nós, para nosso aperfeiçoamento, uma hora em que seu nome receberá toda a glória, e que resultará em bem para outros. Esse é o “tempo oportuno”.

É possível que Deus, em sua vontade, queira que esperemos um longo tempo antes de sermos exaltados. Ele poderá deixar que trabalhemos muito tempo, em humildade e sujeição, antes de nos honrar, porque ainda não é o “tempo oportuno”, não é o tempo dele. Irmão, Deus sabe o que é melhor para cada um de nós, no seu plano de transformar-nos em crentes que irão glorificá-lo e honrá-lo em todas as coisas.

Muitos de nós prejudicamos nossos filhos concedendo-lhes coisas que não deveríamos dar: ensinando-os a dirigir antes que tenham a idade certa; dando-lhes muito dinheiro antes que saibam o valor dele; dando-lhes liberdade excessiva antes que eles saibam o que é ter responsabilidade e maturidade. Fazemos isso por causa de uma afeição mal aplicada, mas essas coisas prejudicam nossos filhos. Retribuir uma pessoa por coisas que não fez por merecer certamente resultará em prejuízo para ela. Assim também, se Deus vier prontamente em nossa defesa, antes que tenhamos passado pelo fogo, isso redundará em prejuízo para nós.

A hora de Deus é a melhor

Estamos vendo aqui uma verdade bíblica, e não uma ficção criada por homens. Se a história de Daniel fosse escrita por um autor de ficção moderna, ele procuraria proteger o profeta. É possível que na hora em que ele fosse lançado na cova dos leões, todos ouviriam uma voz do céu bradando algo, e aqueles animais cairiam mortos. Mas o que foi que aconteceu realmente? Deus permitiu que os inimigos de Daniel o jogassem na cova dos leões e que ele passasse a noite ali, porque o “tempo oportuno” de Deus para Daniel era na manhã seguinte, e não na noite anterior.

Gostaria de ver também como os escritores de ficção hoje tratariam a história dos três hebreus que foram lançados na fornalha ardente. Provavelmente escreveriam todo um romance com aquele fato! Eles teriam que inventar um artifício humano, dramático, para apagar aquele fogo pouco antes de os três rapazes serem lançados na fornalha — mas isso seria apagar o fogo antes da hora! Para que a vontade de Deus fosse feita, e ele fosse glorificado em tempo oportuno, aqueles moços tinham que entrar no fogo e passar a noite ali — o tempo oportuno era pela manhã.

Deus disse que nos exaltará em tempo oportuno, mas lembremos que ele está falando de sua hora, não da nossa. É possível que alguns leitores estejam nesse momento passando por uma fornalha ardente. Talvez estejam passando por uma provação espiritual. Pode ser que o pastor não saiba de nada, nem as outras pessoas, mas você pode estar orando a Deus e perguntando: “Senhor, por que não me tiras daqui?” É que, pelos planos de Deus, ainda não é o “tempo oportuno”. Assim que você tiver passado pelo fogo, Deus o libertará disso, e não haverá cheiro de fumaça em sua roupa, e você

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não terá sofrido dano algum. O único dano que pode haver decorrerá de você insistir em que Deus o retire da provação antes da hora por ele planejada.

Deus prometeu exaltar-nos no momento oportuno, e ele sempre cumpre as promessas que faz a seu povo. Nós, os filhos de Deus, sempre podemos esperar. Quando um filho de Deus está no centro da vontade de Deus, ele não precisa preocupar-se com o tempo. O pecador, sim, ele não tem tempo. Terá que apressar-se, ou então irá para o inferno. Mas o crente, não; o crente tem à sua frente uma eternidade de bênçãos. Então, se você estiver numa fornalha, não queira sair dela antes da hora. Espere pela vontade de Deus, e ele o exaltará no tempo oportuno — o momento certo para as circunstâncias. Será uma hora certa, determinada por Deus, com o propósito de glorificá-lo, e edificar seu espírito.

Uma das maiores fraquezas que nós, os crentes, temos, é a de querer tudo acertado antes que a provação termine. Deus já disse que ele deseja testar-nos e pôr-nos à prova, e que depois que a provação terminar ele mesmo dará o veredito: “Provado e achado sem falta!”

Eu só peço a Deus que, nesta época em que aguardamos o retorno de Cristo, todos nós possamos conduzir-nos como filhos dele, como crentes cheios de fé. Paulo disse que, quando Jesus veio ao mundo, veio na plenitude dos tempos — era a hora determinada por Deus para que ele viesse e morresse pelos nossos pecados. E Pedro afirma que Deus nos exaltará em “tempo oportuno”, referindo-se ao fato de que Jesus vai voltar à terra no tempo determinado por Deus.

O desejo de Deus para nós, nesses dias, é que vivamos em sujeição uns aos outros, em humildade, preparando-nos para a volta de seu Filho, que será exaltado juntamente com seus filhos!

[Revista Mensagem da Cruz.]

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COMO OBTER UM AVIVAMENTO PESSOAL

Eu já disse, noutra ocasião, que qualquer cristão que desejar, com certeza experimentará um radical renascimento espiritual, e isso inteiramente à parte da atitude dos seus companheiros cristãos. A principal questão é: Como? Bem, eis aqui algumas sugestões que qualquer um pode seguir e que, estou convencido, resultarão numa vida cristã tremendamente aperfeiçoada.

1. Sinta-se completamente insatisfeito consigo mesmo.

A complacência é o inimigo mortal do desenvolvimento espiritual. Alma satisfeita é alma estagnada. Ao falar de bens terrestres, Paulo podia dizer “Aprendi... a estar contente”; mas quando se referia a sua vida espiritual, testificou “Prossigo para o alvo”. Avive o dom de Deus que está em você.

2. Decida-se vigorosamente por uma radical transformação de sua vida.

Tímidos fazedores de experiências estão fadados ao insucesso antes mesmo de começar. Temos de pôr toda a nossa alma em nosso desejo por Deus. “O reino dos céus é tomado por esforço, e os que se esforçam se apoderam dele.”

3. Coloque-se no caminho da bênção.

É um erro esperar que a graça nos visite como uma espécie de mágica benigna, ou esperar que a ajuda de Deus venha como sorte inesperada, à parte das condições já conhecidas e recebidas. Há caminhos claramente estabelecidos que levam diretamente aos verdes pastos; andemos neles. Desejar avivamento, por exemplo, e ao mesmo tempo negligenciar oração e devoção é desejar um caminho e andar noutro.

4. Faça um cuidadoso trabalho de arrependimento.

Não se apresse com este assunto. Um apressado arrependimento significa rasa experiência espiritual e deficiência de convicção na vida toda. Deixe a tristeza segundo Deus fazer seu trabalho de cura. Nunca desenvolveremos o temor do mal, até que deixemos a consciência do pecado nos ferir. É nosso desprezível hábito de tolerar pecado que nos mantém nessa condição de meio-mortos.

5. Faça restituição onde quer que seja possível.

Se você tem alguma dívida, pague-a, ou no mínimo tenha uma conversa franca com seu credor a respeito das suas intenções de pagá-la, de forma que sua honestidade esteja acima de qualquer questão. Se você se desentendeu com alguém, vá o mais rápido

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que puder e se esforce para reconciliar-se. Tanto quanto for possível, endireite o que está torto.

6. Ajuste a sua vida ao Sermão do Monte e a outros tantos textos do Novo Testamento destinados a nos instruir no caminho da justiça.

Um homem honesto com a Bíblia aberta, um bloco de anotações e um lápis, com certeza descobrirá bem rápído o que está errado consigo mesmo. Recomendo que esse auto-exame seja feito de joelhos, levantando-se para obedecer aos mandamentos de Deus assim que nos forem revelados pela Palavra. Não há nada romântico nem colorido nessa forma simples de tratar consigo mesmo sem rodeios, mas isso dá resultado. Os homens de Isaque não pareciam figuras heróicas enquanto cavavam no vale, mas conseguiram abrir os poços, e era a isso que se tinham proposto.

7. Aja com seriedade.

Você bem pode arcar com a decisão de ver menos programas humorísticos na TV. A menos que você se afaste dos engraçadinhos desses programas, todo e qualquer sentimento espiritual será vão para o seu coração e vai se perder bem ali, na sua sala de televisão. As pessoas mundanas costumam ir ao cinema para evitar ter de pensar seriamente a respeito de Deus e da religião. Você não vai com eles ali, mas agora você tem comunhão espiritual com eles em sua própria casa.

Você está aceitando os ideais do diabo, os padrões morais dele, e as atitudes mentais dele, sem que você se dê conta disso. Você se admira porque não progride na vida cristã. É que seu clima interior não é propício para o crescimento das graças espirituais. Ou você provoca uma radical mudança em seus hábitos ou não haverá nenhum desenvolvimento permanente na vida interior.

8. De forma deliberada, reduza seus interesses.

O pau-pra-toda-obra não é mestre em obra nenhuma. A vida cristã requer que sejamos especialistas. Projetos demais consomem tempo e energia sem resultar em aproximação de Deus. Se você reduzir seus interesses, Deus enlarguecerá seu coração.

“Somente Jesus” é, para o homem não-convertido, um slogan de morte. Mas um grande grupo de alegres homens e mulheres podem dar testemunho de que essa atitude tornou-se para eles um caminho para um mundo infinitamente mais amplo e rico do que qualquer outra coisa que tenham conhecido antes.

Cristo é a essência de toda sabedoria, beleza e virtude. Conhecê-lo em crescente intimidade é crescer na apreciação de tudo o que é bom e belo. As mansões do coração se tornarão mais espaçosas quando suas portas se abrirem para Cristo e se fecharem para o mundo e para o pecado. Experimente pôr isso em prática.

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9. Comece a testemunhar

Descubra alguma coisa para fazer para Deus e para os seus semelhantes. Não fique à toa. Coloque-se à disposição de seu pastor e faça qualquer coisa que lhe for solicitada. Não procure lugar de liderança. Aprenda a obedecer. Tome o lugar mais simples até a hora de Deus ver que você pode ser colocado num lugar mais alto. Endosse seus novos propósitos com seu dinheiro e seus dons, quaisquer que sejam eles.

10. Tenha fé em Deus

Comece a ter uma atitude de expectativa. Erga os olhos para o trono, onde está assentado o seu Advogado, à mão direita de Deus. O céu inteiro está ao seu lado. Deus não vai desapontar você.

Se você seguir estas sugestões, com certeza vai experimentar um avivamento em seu coração. E quem pode dizer até onde ele vai se estender? Deus conhece a desesperada necessidade que a igreja tem de uma ressurreição espiritual. E ela só pode surgir através de indivíduos resssuscitados.

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EM PALAVRA , OU EM PODER

Porque o nosso evangelho não chegou até vós tão-somente em palavra, mas sobretudo em poder, no Espírito Santo. 1 Tessalonicenses 1.5

Se alguém está em Cristo, é nova criatura. 2 Coríntios 5.17

Tens nome de que vives, e estás morto. Apocalipse 3.1

Para quem é apenas um estudante, estes versículos podem ser interessantes, mas para um homem sério, empenhado em obter a vida eterna, bem podem provar-se mais do que algo perturbadores. Pois eles evidentemente ensinam que a mensagem do Evangelho pode ser recebida de uma destas duas maneiras: em palavra somente, sem poder, ou em palavra com poder. E estes versículos também ensinam que quando a mensagem é recebida em poder, efetua uma mudança tão radical que se pode chamar de nova criação. Mas a mensagem pode ser recebida sem poder, e, por certo, alguns a receberam desse modo, pois têm nome de que vivem, e estão mortos. Tudo isso será presente nestes textos.

Observando as maneiras de jogar dos homens, pude entender melhor as maneiras de orar dos homens. Na maioria os homens, na verdade, brincam de religião como brincam nos jogos, sendo que de todos os jogos a religião é o jogo mais universalmente jogado. Os vários desportos têm as suas regras, as suas bolas e os seus jogadores; o jogo desperta interesse, dá prazer e consome tempo, e quando acaba, as equipes competidoras deixam o campo sorrindo. É comum ver um jogador deixar uma equipe e juntar-se a outra e, poucos dias depois, jogar contra os seus ex-colegas com o mesmo entusiasmo que anteriormente demonstrara jogando em favor deles. A coisa toda é arbitrária. Consiste em resolver problemas artificiais e combater dificuldades deliberadamente criadas por amor do jogo. Não tem raízes morais, e não se espera que tenha. Ninguém melhora pelo esforço que a si mesmo se impõe. Tudo não passa de uma agradável atividade que não muda nada nem fixa nada, afinal.

Se as condições que descrevemos se limitassem ao campo de esporte, poderíamos passar por alto sem pensar mais nisso, mas que havemos de dizer quando este mesmo espírito entra no santuário e decide a atitude dos homens para com Deus e para com a religião? Pois a igreja também tem os seus campos, as suas regras e o seu equipamento para o jogo das palavras piedosas. Ela tem os seus fanáticos, tanto leigos como profissionais, que mantêm o jogo com o seu dinheiro e o incentivam com a sua presença, mas que não diferem, na vida ou caráter, de muitos que não têm absolutamente interesse nenhum pela religião.

Como um atleta usa uma bola, assim muitos de nós usam palavras; palavras faladas e palavras cantadas, palavras escritas e palavras proferidas em oração. Nós as atiramos rapidamente pelo campo; aprendemos a manejá-las com destreza e graça; edificamos reputações sobre a nossa habilidade verbal e ganhamos como recompensa o aplauso dos que apreciaram o jogo. Mas a vacuidade disso transparece do fato de que, após o jogo religioso, basicamente ninguém é nada diferente do que era antes. As bases da vida

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continuam inalteradas, os mesmos princípios antigos dominam, o mesmo velho Adão governa.

Eu não disse que a religião sem poder não faz nenhuma mudança na vida de alguém; disse apenas que não faz nenhuma diferença fundamental. A água pode mudar de líquido para vapor, de vapor para neve e de novo para líquido, e continua sendo fundamentalmente a mesma coisa. Assim a religião sem poder pode submeter o homem a muitas mudanças superficiais deixando-o exatamente igual ao que era antes. É justamente aí que está a armadilha. As mudanças são apenas de forma, não de natureza. Por trás do homem não religioso e do homem que recebeu o Evangelho sem poder estão os mesmos motivos. Um ego não abençoado jaz no fundo de ambas as vidas, com a diferença que o homem religioso aprendeu a disfarçar melhor o defeito. Os seus pecados são mais refinados e menos ofensivos do que antes de ele dedicar-se à religião, mas o homem mesmo não é melhor aos olhos de Deus. Na verdade pode ser pior, pois sempre Deus odeia o artificialismo e o fingimento. O egoísmo ainda vibra como um motor no centro da vida desse homem. É verdade que ele pode "reorientar" os seus impulsos egoísticos, mas a sua desgraça é que o seu ser interior ainda vive sem ser censurado e até mesmo insuspeito dentro das profundezas do seu coração. Ele é uma vítima da religião sem poder.

O homem que recebeu a Palavra sem poder aparou a sua sebe, mas esta continua sendo uma sebe de espinhos e jamais poderá produzir os frutos da nova vida. Os homens não podem colher uvas dos espinheiros nem figos dos abrolhos. Entretanto, tal homem pode ser um líder na igreja, e a sua influência e o seu voto podem chegar a determinar o que será a religião em sua geração.

A verdade recebida em poder muda as bases da vida de Adão para Cristo, e um novo conjunto de motivos entra em ação dentro da alma. Um novo e diferente Espírito penetra na personalidade e torna o crente um homem novo em cada departamento do seu ser. Os seus interesses mudam das coisas externas para as internas, das coisas da terra para as do céu. Ele perde a fé na solidez dos valores externos, vê claramente o desengano das aparências exteriores, e o seu amor pelo mundo invisível e eterno e sua confiança nele tornam-se mais fortes à medida que a sua experiência se amplia.

Com as idéias aqui expressas a maioria dos cristãos concordará, mas o abismo entre a teoria e a prática é tão grande que chega a ser aterrador. Pois o Evangelho é com demasiada freqüência pregado e aceito sem poder, e nunca se efetua a alteração radical que a verdade exige. Pode haver, é certo, uma mudança de alguma espécie; pode-se fazer um negócio intelectual e emocional com a verdade, mas o que quer que aconteça não basta, não é bastante profundo, não é suficientemente radical. A "criatura" é mudada, mas ele não é "novo". E justamente aí está a tragédia disso. O Evangelho tem que ver com vida nova, com um nascimento para cima, para um novo nível do ser e, enquanto ele não efetuar esse renascimento, não realizou a obra salvadora dentro da alma.

Sempre que a Palavra vem sem poder, falta o seu conteúdo essencial. Pois há na verdade divina uma nota imperiosa, há em torno do Evangelho uma urgência, uma finalidade que não pode ser ouvida ou sentida, a não ser com a capacitação do Espírito. Devemos manter constantemente em mente que o Evangelho não é boa nova somente, mas também um julgamento de todo aquele que o ouve. A mensagem da Cruz é de fato

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boa nova para o penitente, mas para os que "não obedecem ao evangelho" traz consigo um toque de advertência. O ministério do Espírito ao mundo impenitente é falar do pecado, da justiça e do juízo. Para os pecadores que querem deixar de ser pecadores intencionais e querem tornar-se obedientes filhos de Deus, a mensagem do Evangelho é de paz irrestrita, mas também é, por sua própria natureza, um árbitro dos destinos futuros dos homens.

Este aspecto secundário é quase totalmente negligenciado em nossos dias. O elemento dádiva do Evangelho é apresentado como seu conteúdo exclusivo e, conseqüentemente,. O elemento mudança é ignorado. Assentimento teológico é tudo que se requer para fazer cristãos. A este assentimento chamam fé, e se pensa que essa é a única diferença entre os salvos e os perdidos. Concebe-se assim a fé como uma espécie de magia religiosa que traz ao Senhor grande deleite e que possui um misterioso poder para abrir o reino do céu.

Quero ser justo com todos e encontrar todo o bem que puder nas crenças religiosas de todos os homens, mas os efeitos nocivos desta crença na fé como uma magia são maiores do que os pode imaginar quem não os tenha enfrentado face a face. A grandes assembléias se diz fervorosamente hoje em dia que a única qualificação essencial para o céu é ser um homem mau, e que a única barreira para o favor de Deus é ser um homem bom. A própria palavra retidão só é pronunciada com frio escárnio, e o homem moral é olhado com comiseração. "O cristão", dizem esses mestres, "não é moralmente melhor do que o pecador; a única diferença é que recebeu Jesus e, assim, tem um Salvador". Espero que não soe irreverente demais perguntar: "Salvador do quê?" Se não for do pecado, da má conduta e da velha vida decaída, então do quê? E se a resposta for: "Das conseqüências dos pecados passados e do juízo vindouro", ainda isso não nos satisfará. Será que a justificação das ofensas passadas é tudo que distingue o cristão do pecador impenitente? Pode um homem tornar-se crente em Cristo e não ser melhor do que era antes? Será que o Evangelho não oferece nada mais do que um hábil Advogado para colocar pecadores culpados em liberdade no dia do juízo?

Penso que a verdade nesta questão não é nem profunda demais, nem difícil demais de descobrir. A justiça própria é uma efetiva barreira para o favor de Deus porque lança de volta o pecador aos seus próprios méritos e o priva da justiça de Cristo imputada. E ser um pecador confesso e conscientemente perdido é necessário para o ato de receber a salvação por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo. Isto jubilosamente admitimos e constantemente afirmamos, mas eis aqui a verdade que tem sido negligenciada em nossos dias: Um pecador não pode entrar no reino de Deus. As passagens bíblicas que declaram isto são demasiado numerosas e demasiado conhecidas para que seja necessário repeti-las aqui, mas o cético poderia examinar Gálatas 5.19-21 e Apocalipse 21.8. Como, então, pode alguém ser salvo? O pecador penitente encontra-se com Cristo e depois desse encontro salvador, não é mais pecador. O poder do Evangelho o transforma, muda a base da sua vida do ego para Cristo, faz com que ele dê meia-volta e tome nova direção, e faz dele uma nova criação. O estado moral do penitente quando vem a Cristo não afeta o resultado, pois a obra de Cristo varre dele tanto o que tem de bom como o que tem de mau, e o transforma noutro homem. O pecador que volta não é salvo por alguma transação judicial sem uma correspondente mudança moral. A salvação tem que incluir uma mudança judicial de estado, mas o que é

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passado por alto por muitos mestres é que ela inclui também uma real mudança na vida do indivíduo. E com isso queremos dizer mais do que uma mudança de superfície; queremos dizer uma transformação tão profunda quanto as raízes da vida humana. Se não chega a essa profundidade, não chegou a suficiente profundidade.

Se não tivéssemos sofrido primeiro um sério declínio em nossas expectativas, não teríamos aceitado essa insípida e técnica concepção da fé. As igrejas (mesmo as conservadoras) são mundanas no espírito, moralmente anêmicas, vivem na defensiva, imitando em vez de tomar iniciativas, e numa condição miserável, em geral porque durante duas gerações completas lhes têm dito que a justificação não é nada mais que um veredito de "não culpado" pronunciado pelo Pai Celeste sobre um pecador que pode apresentar a mágica moeda fé com o maravilhoso "abre-te sésamo" gravado nela. Se a afirmação não é tão contundente assim, ao menos a mensagem é defendida de modo tal que chega a causar essa impressão. A coisa toda resulta de ouvir a Palavra sem poder e de recebê-la do mesmo modo.

Ora, a fé é na verdade o abre-te sésamo da bem-aventurança eterna. Sem fé é impossível agradar a Deus, e nenhum homem pode salvar-se sem fé no Salvador ressurrecto. Mas a verdadeira qualidade da fé é quase universalmente omitida, a saber, a sua qualidade moral. A fé é mais que mera confiança na veracidade de uma afirmação feita na Escritura Sagrada. Ela é uma coisa altamente moral e de essência espiritual. Invariavelmente efetua transformação radical na vida de quem a exerce. Muda a visão interior, do ego para Deus. Introduz o seu possuidor na vida do céu estando ele na terra.

Não é meu desejo diminuir o efeito justificador da fé. Nenhum homem que conheça as profundezas da sua própria iniqüidade ousaria comparecer perante a inefável Presença sem nada para recomendá-lo senão o seu próprio caráter, tampouco cristão algum, sábio após a disciplina dos fracassos e das imperfeições, quereria que a sua aceitação da parte de Deus dependesse de algum grau de santidade que ele pudesse ter atingido mediante as operações da graça interior. Todo os que conhecem os seus próprios corações e as provisões do Evangelho se unirão na oração do homem de Deus:

Quando ao som da trombeta Ele chegar, Oxalá nele eu seja visto; Da Sua justiça apenas revestido, Sem culpa diante do seu trono estar!

Uma coisa angustiante é que uma verdade tão bela tenha sido tão pervertida. Mas a perversão é o preço que pagamos por deixar de dar ênfase ao conteúdo moral da verdade; é a maldição que acompanha a ortodoxia racional quando apaga ou rejeita o Espírito da Verdade.

Ao afirmar que a fé no Evangelho efetua uma mudança da força motriz da vida, do ego para Deus, estou apenas afirmando os fatos puros e simples. Todo homem dotado de entendimento moral necessariamente tem consciência do flagelo que o aflige interiormente; necessariamente está cônscio daquilo a que chamamos ego, a que a Bíblia chama carne (ser pessoal, natureza humana), mas, seja qual for o nome que se lhe dê, um senhor cruel e um inimigo mortal. Jamais o Faraó dominou tão tiranicamente Israel como este inimigo oculto domina os filhos e filhas dos homens. As palavras de Deus a

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Moisés concernentes a Israel no cativeiro bem podem descrever-nos a todos: "Certamente vi a aflição do meu povo, que está no Egito, e ouvi o seu clamor por causa dos seus exatores. Conheço-lhe o sofrimento". E quando, como com tanta ternura afirma o Credo Niceno, nosso Senhor Jesus Cristo "por nós homens e por nossa salvação, desceu dos céus, foi feito carne do Espírito Santo e da Virgem Maria, e tornou-se homem, e foi crucificado por nós sob o poder de Pôncio Pilatos, e padeceu e foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia conforme as Escrituras, e subiu aos céus e assentou-se à direita do Pai", para que o fez? Para que nos pronunciasse tecnicamente livres e nos deixasse em nossa escravidão? Nunca. Deus não disse a Moisés, "... desci a fim de livrá-lo da mão dos egípcios, e para fazê-lo subir daquela terra e uma terra boa e ampla, terra que mana leite e mel... Chega-te a Faraó, e dize-lhe: Assim diz o Senhor: Deixa ir o meu povo..."? Para os seres humanos cativos do pecado Deus jamais tenciona menos que plena libertação. A mensagem cristã retamente entendida significa isto: O Deus que pela palavra do Evangelho proclama livres os homens, pelo poder do Evangelho de fato os faz livres. Aceitar menos que isso é conhecer o Evangelho somente em palavra, sem o seu poder.

Aqueles a quem a Palavra vem em poder experimentam este livramento, esta migração interior da alma, da escravidão para a liberdade, esta libertação do cativeiro moral. Conhecem por experiência uma radical mudança de posição, uma real travessia, e conscientemente se firmam noutro solo, sob outro céu, e respiram outro ar. Mudam-se os motivos da sua vida e se renovam os seus impulsos internos.

Que são esses velhos impulsos que outrora impunham a obediência com a ponta do chicote? Que são eles, senão pequenos mestres de obras, servos do grande mestre de obras, o Ego, os quais se põem diante dele e fazem a sua vontade? Mencioná-los todos requereria um livro só para isso, mas gostaríamos de indicar um deles como tipo ou exemplo dos demais. É o desejo de aprovação social. Isto não é mau em si mesmo, e poderia ser perfeitamente inocente se estivéssemos vivendo num mundo sem pecado, mas desde que a raça humana apartou-se de Deus, caiu, e se juntou aos Seus inimigos, ser amigo do mundo é ser colaborador do mal e inimigo de Deus. Todavia, o desejo de agradar os homens está por trás de todos os atos sociais, desde as mais altas civilizações até os mais baixos níveis em que se acha a vida humana. Ninguém pode escapar disso. O fora da lei que burla as regras da sociedade e ao filósofo que se eleva em pensamento acima do comum, parecem ter evitado a armadilha, mas na realidade apenas estreitaram o círculo daqueles a quem eles desejam agradar. O fora da lei tem os seus comparsas diante dos quais procura brilhar; o filósofo, o seu grupo de pensadores superiores cuja aprovação é necessária para a sua felicidade. Para ambos, a raiz dos motivos permanece intacta. Cada um deles aufere sua paz da idéia de que goza a estima dos seus companheiros, conquanto cada qual interprete à sua maneira toda a questão.

Cada ser humano olha para os seus companheiros humanos porque não tem ninguém para quem olhar. Davi podia dizer: "Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra", mas os filhos deste mundo não têm Deus, só têm uns aos outros, e andam apegando-se uns aos outros e procurando uns aos outros para se sentirem seguros, como crianças apavoradas. Mas sua esperança lhes falhará, pois são como um grupo de homens dos quais nenhum sabe manejar um avião em vôo e que, de repente, se vêem nos ares sem piloto, cada qual esperando que os outros os levem a

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salvo ao solo. A sua confiança desesperada, mas equivocada, não os pode salvar da destruição que certamente lhes sobrevirá.

Com este desejo de agradar os homens tão profundamente implantado dentro de nós, como podemos desarraigá-lo e mudar o nosso impulso vital para agradar a Deus, em vez de agradar os homens? Bem, ninguém pode fazê-lo sozinho, nem com a ajuda doutras pessoas, nem por meio da educação ou de exercícios, nem por qualquer outro método conhecido debaixo do Sol. O que se requer é uma inversão da natureza (que, por ser uma natureza decaída, não é menos poderosa), e esta inversão tem que ser um ato sobrenatural. Esse ato o Espírito executa mediante o poder do Evangelho quando recebido com fé viva. Então Ele remove a velha natureza e instaura a nova. Então Ele invade a vida como a luz do Sol invade uma paisagem e expulsa os velhos motivos como a luz expulsa a escuridão do firmamento.

O modo como age na experiência é mais ou menos assim: O homem que crê é subitamente dominado por uma vigorosa sensação de que só Deus importa; logo isto passa a agir em sua vida mental e condiciona todos os seus juízos e todos os seus valores. Agora ele se vê livre da escravidão das opiniões humanas. Um forte desejo de agradar somente a Deus toma posse dele. Logo aprende a querer acima de tudo mais a certeza de que está sendo agradável ao Pai celestial.

É esta mudança completa em sua fonte de prazer que torna invencíveis os homens de fé. Assim os santos e mártires puderam ficar sós, abandonados por todos os amigos terrenais, e morrer por Cristo debaixo do aborrecimento universal da humanidade. Quando, para intimidá-lo, os juízes de Atanásio o advertiram de que o mundo inteiro estava contra ele, Atanásio ousou replicar: "Então é Atanásio contra o mundo!" Esse brado cruzou os séculos e hoje pode fazer-nos lembrar que o Evangelho tem poder para livrar os homens da tirania da aprovação social e os torna livres para fazerem a vontade de Deus.

Isolei este único inimigo para consideração, mas este é somente um, e existem muitos outros. Eles parecem existir por si mesmos e ter existência separada uns dos outros, mas é só aparência. Na verdade são apenas ramos da mesma vinha venenosa, desenvolvendo-se da mesma raiz má, e morrem juntos quando morre a raiz. Essa raiz é o ego, e a Cruz é seu único destruidor capaz.

A mensagem do Evangelho é, pois, a mensagem de uma nova criação em meio a uma antiga, a mensagem da invasão da nossa natureza humana feita pela vida eterna de Deus e a substituição da velha natureza pela nova. A nova vida captura a natureza do homem de fé e se dedica à sua benévola conquista, conquista que não é completa enquanto a vida invasora não tiver tomado posse total e não tiver emergido uma nova criatura. E este é um ato de Deus, sem ajuda humana, pois é um milagre moral e uma ressurreição espiritual.

[A Conquista Divina, Editora Mundo Cristão.]

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NOÉ: A FÉ ATENDE

AO QUE DEUS ORDENA

As pessoas em geral se lembram de Noé como aquele que construiu uma enorme arca numa ladeira sem água — e riem com gosto do que ele fez. A Bíblia nos apresenta Noé por causa da sua fé em Deus — e o apresenta como modelo de alguém que fez exatamente o que Deus lhe havia ordenado.

Se houvesse comediantes nos dias de Noé, eles com certeza se aproveitaram daquele ancião — construindo sua enorme barca tão longe da água. Enquanto achavam graça, recusavam-se a crer que Deus havia dito a Noé: "Resolvi dar cabo de toda carne, porque a terra está cheia da violência dos homens" (Gênesis 6.13). Eles se recusavam a crer que Deus é soberano.

O destaque da Bíblia concentra-se na fé de Noé. "Assim fez Noé", declaram as Escrituras, "consoante a tudo o que Deus lhe ordenara" (6.22). A dimensão que o Novo Testamento dá à fé de Noé é mencionada de forma breve, mas comovente e memorável: "Pela fé, Noé, divinamente instruído acerca de acontecimentos que ainda não se viam e sendo temente a Deus, aparelhou uma arca para a salvação de sua casa; pela qual condenou o mundo e se tornou herdeiro da justiça que vem da fé" (Hebreus 11.7).

Noé não foi uma figura popular nos dias em que viveu. Mas ele foi o homem de Deus na pior crise da história, e ele foi fiel no ministério profético que Deus lhe deu.

Agora, quando tratamos de Noé e do dilúvio, temos de tratar do pecado e do julgamento e de tocar o alarme — e nenhum desses assuntos haverá de tornar popular alguém do século vinte e um. Apesar disso, queremos descobrir como a Bíblia nos diz respeito à medida que revisamos a fé e a obediência de Noé.

A Lição de Noé

Há alguns mestres em nossas igrejas que se destacam naquilo que denominam "análise bíblica". Eles estão o tempo todo procurando a "chave" do livro ou o "versículo chave" do capítulo ou talvez até mesmo a "palavra chave" num versículo bíblico.

Embora seja útil, no estudo bíblico, discernir a diversidade existente nas seções e segmentos que compõem as Escrituras, uma "chave" é algo diferente. Pessoalmente, eu não penso que nossa Bíblia tenha sido concebida dessa forma. Se você precisa descobrir uma chave e não a encontra, a mensagem continuará inacessível. Essa não é a forma que a Bíblia nos fala e nos guia.

Muitas vezes se diz que a Bíblia é, na verdade, uma carta de amor que Deus nos escreve. Imagine um marinheiro nalgum lugar do Pacífico. Ele escreve uma terna e amorosa carta a sua esposa, que está em casa com os filhos, a meio mundo de distância. Quando a carta chega, a esposa do marinheiro rapidamente abre o envelope.

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Qual é o primeiro pensamento dessa esposa, quando ela começa a ler? Será que ela pensa: "Será que serei capaz de encontrar a chave para entender a mensagem desta carta?" Ah, não! Ela não pensa nisso de jeito nenhum. Ela lê com alegria, com gratidão, com satisfação. Ela sente o amor que originou aquela carta. Ela não precisa de um diploma para entender e absorver a mensagem de cada parágrafo.

Ao considerarmos a fé de Noé, não precisamos ir longe em busca de entendimento. A Bíblia nos dá uma mensagem clara com respeito a Noé. É exatamente isto: "Demonstre a sua fé em Deus em sua vida diária!"

É evidente que Deus não disse a Noé: "Eu dependo de você para conservar a doutrinas ortodoxas. Tudo estará bem, se você ficar firme nas doutrinas certas!" Não, não foi isso que Deus exigiu de Noé. Embora muita gente religiosa em nossos dias mantenha a ilusão de que aprender doutrina é o que basta. O que eles de fato pensam é que, de alguma forma, são pessoas melhores por terem aprendido as doutrinas da religião.

Mas o que foi de fato que Deus pediu que Noé fizesse? Simplesmente isto: que cresse, que confiasse, que obedecesse — que pusesse em prática a Sua palavra. Em suma, o que Deus disse a Noé foi o seguinte: "Eu pretendo demonstrar ao mundo inteiro que a sua fé é genuína, e que Eu sou galardoador daqueles que crêem em Mim e que confiam em Mim!"

A Doutrina Precisa Ser Encarnada

Gostei de uma afirmação sobre a doutrina cristã, feita por Martyn Lloyd-Jones, o pregador e escritor inglês, num artigo que ele escreveu. A essência da mensagem dele foi o seguinte: aquele que aprende doutrina por amor à doutrina está perigosamente perto de cometer pecado. Eu concordo com a conclusão dele, de que a doutrina sempre é mais bem apresentada quando se encarna — quando é vista revestida de carne, na vida de homens e de mulheres tementes a Deus.

A doutrina meramente falada não tem braços nem pernas, não tem língua nem dentes. Sozinha, ela não tem propósito, nem intenções, e com certeza não transmite imperativos morais.

O próprio Deus apresentou-Se em Sua melhor forma na Encarnação, quando veio ao nosso mundo e viveu em nossa carne. Aquilo que Ele tentava dizer ao homem mortal a respeito de Si mesmo, Ele agora foi capaz de demonstrar na Pessoa e na vida de Jesus, o Filho do Homem.

Qual é a melhor maneira de explicar o que é a fé? Leia os relatos bíblicos a respeito de Abraão — você verá a fé na vida dele. Qual é a melhor maneira de explicar o que é coragem? Leia sobre Elias e o seu desafio aos 400 profetas de Baal — você verá a coragem encarnada num homem. Qual é a melhor maneira de explicar o que é a fidelidade? Volte-se para a vida de Moisés. E o perdão? Volte-se para José.

Agora, o que é que vemos na vida de Noé? Noé demonstrou vários aspectos da fé, mas a ênfase especial é a seguinte: A fé presta atenção às advertências de Deus.

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Na espécie de mundo em que vivemos, os homens e as mulheres com facilidade podem concluir que tantos alarmes são alarmes falsos, que de fato não há por que preocupar-se. Mas quando Deus ordena em alto e bom som um alarme, deveríamos ouvir e demonstrar interesse. Quando Deus disse a Noé: "Farei desaparecer da face da terra o homem que criei" (Gênesis 6.7), Noé creu em Deus, e agiu à altura da gravidade desse alarme.

Quando Deus avisa uma nação ou uma cidade, uma igreja ou uma pessoa, é um grave pecado desconsiderar essa advertência. Nós, cristãos conservadores, cremos que a mensagem cristã de fato contém um elemento de advertência. Nem todos os cristãos creem nisso. Alguns foram instruídos que o evangelho cristão consiste apenas em "boas novas". A única maneira que certas pessoas tentam explicar o completo significado do evangelho cristão é citar um único versículo: "Crê no Senhor Jesus e serás salvo" (Atos 16.31). É só isso! É tudo o que você precisa fazer, dizem eles.

O Positivo Faz Lembrar o Negativo

Mas eu quero aqui mencionar algo a respeito do uso da linguagem. É impossível fazer certas afirmações absolutas sem trazer à mente aquilo que é o exato oposto. Se eu disser, por exemplo: "Fui apresentado a um dos maiores homens que jamais conheci", estou fazendo uma comparação em minha mente. Estou tentando descrever o homem como grande, e não consigo fazê-lo sem ter também em mente um homem pequeno. Se não existe um homem pequeno, não consigo descrever o outro homem como grande.

Dessa mesma forma, quando as Escrituras nos advertem para crermos no Senhor Jesus Cristo para sermos salvos, vem à nossa mente a realidade da condição perdida da humanidade. Por que eu tenho de crer em Cristo para ser salvo? Porque eu estou perdido. Porque eu sou um pecador. Porque eu tenho crido no diabo e em todas as suas obras, dirigindo-me à perdição eterna! Eu estou alienado de Deus.

Até mesmo em João 3.16, o mais belo e sublime versículo de todos, há um elemento de alarme soando constantemente para o perdido: "Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna". A salvação está ali, sim! Mas a palavra pereça está claramente ali, também. E a preocupante situação perdida da raça humana está bem ali.

Essa é a realidade fundamental da nossa fé — a realidade de crer e confiar. O evangelho cristão sempre foi e deve continuar sendo um evangelho de alarme, de advertência. O evangelho cristão não pode ser sempre um evangelho de mel e doçura! Segue-se que há um tipo de fé que responde, que crê na validade de uma advertência que vem da parte de Deus.

A mensagem do evangelho é uma mensagem de esperança e de boas novas para aqueles que atendem e creem. Mas a mensagem do evangelho é duramente clara para aqueles que não creem: "Quem nele crê não é julgado; o que não crê já está julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus" (João 3.18).

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Noé aceitou a realidade da advertência de Deus sobre o juízo que estava para vir. Ele evidenciou a sua fé ao reconhecer que o caminho de Deus era o melhor e o melhor de todos os cursos de ação.

Mas Por Que Noé "Temeu"?

Agora, algumas pessoas reagem negativamente à declaração de Hebreus 11.7, de que "Noé ... temeu" (Versão Revista e Corrigida) ao fazer tudo o que Deus havia ordenado. Nossa língua nem sempre nos dá uma perspectiva correta da palavra temer.

Se estamos familiarizados com a Bíblia e com os muitos homens e mulheres de Deus que confiaram no Senhor, sabemos que o temor santo é uma espécie de fé estreitamente associada com elevada sabedoria moral. O fato de um ser humano temer sofrer perdas espirituais irreparáveis só pode ser sabedoria. É um tipo sábio de temor aquele que leva em consideração o significado de uma separação permanente e eterna de Deus, a fonte de todo o bem.

Noé demonstrou uma qualidade elevada de sabedoria humana bem como de preocupação espiritual quando foi levado a confiar em Deus e na Sua palavra. Ele não argumentou sobre os seus direitos. Ele não argumentou sobre a avaliação que Deus fez da natureza humana e da violência dos homens. Ele não argumentou sobre o modo de agir de Deus.

A alta estima de Noé para com a pessoa de Deus misturou-se com a sua própria fé reverente e com o seu santo temor. O conhecimento que ele tinha de Deus era pessoal, em primeira mão. Deus havia Se revelado, e Noé disse: "Eu vou confiar, eu vou seguir, eu vou crer!"

Pelo fato de que o temor de Noé era um santo temor, ele foi movido a preparar-se para o que Deus faria em seguida. O temor de Noé o moveu. Foi simples assim, e foi tão importante assim. Nada além da vontade de Deus tinha importância para ele.

Eu preciso mencionar aqui um método moderno de lidar com o medo humano, com a culpa humana, com o pecado humano. É a psicologia que dirige a coisa toda. Tenho mencionado que em nossos dias prevalece o velho pensamento grego de que o drama baseado em casos reais pode ser utilizado como uma catarse moral. Os autores gregos diziam escrever em suas famosas peças teatrais todo tipo de crueldade e terror, angústia e tristeza para que a audiência pudesse provar toda a gama de emoções humanas. Supunha-se que os homens e as mulheres se vissem capacitados a vivenciar esses sentimentos ao assistir à representação de um ator.

Eu nunca acreditei que os gregos tivessem conseguido algum benefício moral com essa idéia. Em nossos dias, contudo, defende-se ainda esse conceito. E está sendo levado a um extremo ridículo.

Muitas pessoas que assistem televisão ou vão a teatros, que talvez nunca tenham derramado uma real lágrima por alguma pessoa real, de fato choram diante das dificuldades emocionais e das tribulações dos atores de TV e dos cinemas. Uma catarse moral, diriam os gregos. Identifique-se de tal forma com alguma personagem imaginária,

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de forma que você deixe fluir todas as suas emoções. Daí você experimentará uma espécie de purificação.

Não é nada disso que você vai experimentar!

O que vai acontecer é que você se tornará um zumbi, se tornará uma pessoa artificial! Você estará tão envolvido emocionalmente com aquilo que é irreal e artificial, que nunca jamais terá as emoções certas de preocupação por aquilo que é real e verdadeiro.

Noé Enfrentou a Realidade

Talvez isso soe como distante e diferente da fé de Noé, mas existe, sim, um elo de ligação. Noé foi movido - mas ele não estava emocionalmente descontrolado. Ele não foi movido pelo temor humano depravado, cheio de culpa. Ele foi movido pelo conhecimento pessoal de uma revelação de um Deus santo e soberano.

Quando alguma coisa incomum nos acontece, costumamos exclamar: "Isso não pode estar acontecendo!" Noé recebeu uma palavra de Deus, e ele disse: "Isso é real! Eu sei que é real! É mais sábio fazer exatamente o que Deus mandou fazer!"

Há muita gente ao nosso redor que é movida pela emoções, mas não são movidas o suficiente para fazer alguma coisa significativa. Elas não se sentem bem enquanto não "lavam a alma" num bom choro. Já encontrei algumas pessoas assim. Elas choram até ensopar um lenço. Daí, subitamente, as lágrimas se vão, e elas parecem satisfeitas, dizendo que se sentem "muito melhor".

Não me identifico com esse tipo de temperamento ou personalidade. Devo confessar que, para mim, é quase uma morte chorar em público. Não sou do tipo chorão. Minhas lágrimas custam a brotar. Se alguma coisa é forte o suficiente para trazê-las à superfície, é porque estou passando por alguma profunda e vigorosa experiência em meu interior.

Mas deveríamos ser movidos e nos deveríamos emocionar com as realidades eternas. Noé foi movido — e ele se mexeu para fazer aquilo que era certo e importante.

Ouvi, certa vez, um hábil e eficiente pregador descrevendo aquilo que ele tinha descoberto sobre as respostas emocionais de um auditório. Ele disse que certa vez contou a história de um velho e fiel cão pastor de ovelhas. No meio de uma tempestade, o pastor percebeu que onze dos seus carneirinhos haviam sumido. Uma, duas, três vezes ele mandou que esse velho cão saísse a procurar os carneirinhos perdidos. E continuou nisso, até que o esgotado mas fiel cão retornou com dez deles.

Mais uma vez o dono conduziu o velho cão até a porta: "Mais um, Pastor, falta mais um", ele disse. "Traga-o para dentro!" O cão, completamente exausto, lançou-se ao temporal mais uma vez. Muito depois ele voltou, carregando o carneirinho perdido. O velho cão lentamente colocou o fraco e ensopado carneirinho no chão, e então ele mesmo desmoronou no chão.

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Depois de haver cuidado do carneirinho perdido, o pastor voltou-se ao velho cão para expressar-lhe a sua gratidão. Mas era tarde demais. O cão pastor estava morto. O fiel cão havia dado tudo de si para resgatar os carneirinhos.

Mas a Realidade Não os Pôs em Movimento

O pregador que estava descrevendo a sua experiência com essa história disse que os seus ouvintes estavam chorando quando ele terminou. Ele fez, então, a essas mesmas pessoas, a aplicação do evangelho, de forma deliberada e intencional. Ele lhes falou da fidelidade do Filho do Homem, quando foi levado para o Calvário. Ele descreveu o tipo de amor que motivou Jesus a morrer na cruz do Calvário.

"Descrevi Jesus tão vividamente como pude", disse o pregador recontando a experiência. "Apresentei o Salvador crucificado para que homens e mulheres O vissem".

E qual foi o resultado? "Um claro olhar de dura indiferença sobreveio a esse povo", concluiu o pregador. "Eles foram movidos pela história do fiel cão. Eles chegaram a chorar. Mas o Salvador morrendo na cruz? Eles já tinham escutado isso antes — e não mais se comoviam com isso".

Sim, Noé tinha emoções. Noé se comoveu. Mas ele não ficou parado, admirando-se e ponderando. Ele foi movido a enfrentar as consequências sob o olhar penetrante de uma geração incrédula e infiel a Deus.

Noé foi até a encosta da colina e iniciou a longa e cansativa tarefa de construir a arca. Ele a construiu exatamente conforme o modelo que Deus lhe havia dado. Ele condenou o mundo na sua incredulidade. Ele se tornou herdeiro da justiça que vem pela fé.

O que Noé diria a você, se ele pudesse vir e aconselhá-lo quanto a sua fé? Eu acho que sei o que ele diria — e penso que você também sabe.

"Quando você ouve a verdade", diria Noé, "a qualquer hora em que você ouve a verdade de Deus, a Palavra de Deus, ou você anda na direção para a qual é movido, ou você vai esperar. Se você espera, acabará descobrindo que, na próxima vez em que ouvir a verdade, ela não mexerá tanto com você. A próxima vez, menos ainda, e chegará o momento quando essa verdade não terá mais influência nenhuma sobre você!"

Daí Noé provavelmente encerraria o seu conselho assim: "Se eu tivesse me recusado a primeira vez a sair e construir a arca, talvez Deus tivesse falado outra vez. Mas cada vez seria mais fácil dizer: 'Não, Senhor, eu acho que não vou fazer isso'. Em breve, eu seria capaz de não dar a mínima consideração ao alarme que Deus estava fazendo soar!"

Não Deixe de Levar em Consideração a Advertência!

Precisamos confessar que existe uma perigosa espécie de descarada incredulidade que nos cerca por todos os lados. Pelo fato de estarem completamente sem temor de Deus, homens e mulheres em nossa geração prestam pouca atenção a qualquer dos sinais de alerta de Deus.

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Quando jovem, eu vivi numa fazenda, e percebi que os pássaros e os animais tinham seus próprios métodos de comunicação, especialmente quando havia algum perigo ou se aproximava algo que lhes pudesse causar dano. Havia sempre voejando por ali alguns corvos famintos, e eles se comunicavam de forma peculiar. Mas somente um dos seus gritos agudos era o grito de alerta, o insistente alerta de perigo.

Alguns dos corvos eram suficientemente corajosos para pousar no milharal e bicar as espigas. Mas eles eram espertos e mantinham alguns corvos matreiros empoleirados nalgum toco de árvore ou nalgum poste. O instinto deles os prevenia dos fazendeiros com seus rifles, os quais jamais davam trégua aos corvos gulosos. Ainda longe, numa das pontas da plantação, a visão de um homem acionava esse grito de alerta do corvo na árvore — e todos os corvos decolavam à uma, voando cada um em busca de um lugar seguro.

É isso que eu quero dizer. Teria sido um corvo muito estúpido aquele que minimizasse o alarme, aquele que se demorasse para mais um grão de milho. Ele talvez pudesse rejeitar o seu instinto de pássaro e dizer: "Eu vou ficar! Eu não vou fugir com medo". Mas você sabe o que ia acontecer. O fazendeiro, com seu rifle, estouraria os seus pequenos e pobres miolos de pássaro e esse seria o seu fim. Ele tinha ouvido o alarme — estava com ele a decisão de atender ou não.

Eu aprendi também a lição dos pintinhos — uma fácil presa para os gaviões. Às vezes, antes mesmo que pudéssemos ver o gavião, nós ouvíamos os seus pios estridentes — algo parecido como um assobio agudo. Também a mamãe galinha ouvia isso, e ela usava o seu próprio cacarejar de alerta. Os pintinhos disparavam em direção a ela, e logo ela os tinha todos escondidos a salvo debaixo das asas. Esses pintinhos não perdiam tempo discutindo a validade do alarme. Eles atendiam rapidamente e ficavam a salvo do perigo aéreo que se aproximava.

Existe uma coisa chamada fé, que crê na validade de um alarme. Existe uma fé que não se envergonha de se mover na direção da arca da segurança.

Noé é o seu eterno exemplo. Queira Deus nos conceder ouvidos para ouvir, e coragem para obedecer!

[Jesus, Author of Our Faith, capítulo 3.]

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NÓS NOS TORNAMOS AQUILO QUE AMAMOS

"Para ser diferente do que sou, tenho de deixar de ser o que agora sou." — Crisóstomo

Nós estamos todos no processo de vir a ser. Todos nos movemos daquilo que já fomos para aquilo que somos agora, e no momento estamo-nos movendo para ser aquilo que ainda seremos.

Não é nada perturbador perceber que nosso caráter não é sólido, mas volátil. Na verdade, o homem que se conhece a si mesmo pode receber grande alívio ao perceber que não está engessado da forma que se encontra no momento, que ele pode deixar de ser da forma que até hoje se envergonha ser, e que pode avançar e ser remoldado da forma que seu coração o deseja.

O que perturba não é que estamos no processo de transformação, mas aquilo em que estamos sendo transformados; não é o fato que estamos nos movendo, mas para onde estamos indo. Não é da natureza humana mover-se em sentido horizontal; estamos ou subindo ou descendo, nos elevando ou afundando. Quando um ser moral se move de uma a outra posição, sempre haverá de fazê-lo ou para pior ou para melhor. Isso equivale a uma lei espiritual exposta em Apocalipse: "Continue o injusto fazendo injustiça, continue o imundo ainda sendo imundo; o justo continue na prática da justiça, e o santo continue a santificar-se" (22.11).

Nós todos não estamos apenas no processo de ser transformados, nós estamos nos tornando aquilo que amamos. Em grande medida, somos o conjunto de nossos amores e, por necessidade moral, nos transformamos à imagem daquilo que mais amamos; porque o amor é, entre outras coisas, uma semelhança criativa; ele altera e amolda e modela e transforma. Ele é, sem dúvida, o mais poderoso agente que afeta a natureza humana, depois da ação direta do Espírito Santo de Deus dentro da alma humana.

Aquilo que nós amamos, portanto, não é assunto de pouca importância a que levianamente podemos dar de ombros; em vez disso, é assunto de importância atual, crítica e eterna. É assunto que determina nosso futuro. Ele nos revela aquilo que haveremos de ser, e dessa forma prediz com exatidão nosso destino eterno.

Amar as coisas erradas é fatal ao crescimento espiritual; isso torce e deforma a vida e torna impossível o aparecimento da imagem de Cristo na alma. É somente à medida que amamos as coisas certas que nos tornamos certos, e é somente à medida que perseveramos nesse amor que continuaremos a experimentar uma lenta mas contínua transmutação à semelhança dos objetos de nossas afeições purificadas.

Isso nos fornece em parte (mas só em parte) uma explicação racional para o primeiro e grande mandamento: "Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento" (Mateus 22.37).

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O alvo supremo de toda criatura moral é e deve ser tornar-se igual a Deus. Essa é a razão por que foram criadas, e à parte disso não se pode encontrar nenhuma outra razão para a sua existência. Sem levar em conta, no momento, os estranhos e belos seres celestiais aos quais encontramos breves alusões na Bíblia, mas a respeito dos quais sabemos tão pouco, vamo-nos concentrar na raça humana decaída. Depois de havermos sido criados à imagem de Deus, não mantivemos nosso primeiro estado, mas deixamos nossa habitação apropriada, associando-nos a Satanás, e andamos outrora "segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência; entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais. Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, — pela graça sois salvos" (Ef 2.2-5).

A suprema obra de Cristo na redenção não é nos salvar do inferno, mas sim restaurar-nos outra vez à santidade, propósito esse declarado em Romanos: "Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho" (Romanos 8.29).

A perfeita restauração à imagem divina se completará no dia da aparição de Cristo; enquanto isso, prossegue o trabalho de restauração. Há uma lenta mas firme mudança de forma no vil metal da natureza humana em direção ao ouro da divindade, efetuado à medida que a alma contempla, cheia de fé, a glória de Deus na face de Jesus Cristo (2 Coríntios 3.18).

Neste exato momento, faremos bem em antecipar uma dificuldade, esforçando-nos por dissipá-la, dificuldade essa que surge de uma errônea concepção do que seja o amor. Podemos colocar o problema da seguinte forma: O amor é excêntrico, imprevisível e se encontra quase totalmente fora do nosso controle. Ele surge, arde e se apaga espontaneamente. Como, então, podemos controlar o nosso amor? Como podemos direcioná-lo a objetos dignos dele? E, particularmente, como podemos obrigá-lo a concentrar-se em Deus como o objeto próprio e permanente da sua devoção?

Se, de fato, o amor fosse imprevisível e se estivesse além do nosso controle, essas questões não teriam resposta satisfatória, e estaríamos completamente sem esperança. Contudo, a verdade pura e simples é que esse amor espiritual não é aquela emoção caprichosa e irresponsável que os homens julgam que seja o amor. Ele é servo da vontade, e sempre tem de se dirigir para onde é mandado e tem de fazer aquilo que lhe é mandado. A frase romântica "estar enamorado" deu às pessoas a noção de que nós somos forçosamente vítimas das flechas de Cupido e que não temos controle sobre nossas afeições. A maioria dos jovens de hoje espera apaixonar-se à moda romântica do teatro e do cinema, com fortes e ardentes tempestades de agradáveis sentimentos. Sem perceber, extendemos esse conceito de amor ao nosso relacionamento com nosso Criador, e perguntamos: Como posso amar a Deus de forma suprema?

A resposta a essa pergunta e a todas que se relacionam ao assunto é que o amor que temos por Deus não é o amor dos sentimentos, mas o amor da vontade, da volição. O amor está em nosso poder de decisão, de outra forma não receberíamos o mandamento de amar a Deus nem seríamos responsáveis por não amá-lO.

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O fato de considerar o amor romântico em nosso relacionamento com Deus tem causado graves danos à nossa vida cristã. A idéia de que devemos "nos enamorar" de Deus é ignóbil, antibíblica, indigna de nós e certamente não honra o Deus Altíssimo. Não começamos a amar a Deus por meio de uma súbita visitação emocional. O amor a Deus é resultado de arrependimento, correção de vida e uma firme determinação de amá-lO. À medida que aprendemos a centralizar o nosso coração em Deus, nosso amor pode de fato crescer e desenvolver-se em nós até ao ponto em que, como uma enchente, arraste tudo o que encontra pela frente.

Mas não deveríamos nem esperar uma tal intensidade de sentimentos. Não somos responsáveis por sentir, mas somos responsáveis por amar, e o verdadeiro amor espiritual começa num ato de vontade. Deveríamos concentrar nosso coração em amar a Deus de forma suprema, não nos importando com a temperatura do coração, quer pareça quente ou frio, e continuar fortificando nosso amor por meio de cuidadosa e alegre obediência à Sua Palavra. As agradáveis emoções com certeza se seguirão a isso. Os cânticos dos pássaros e as flores não fazem a primavera, mas quando chega a primavera, os pássaros e as flores vêm junto.

Quanto ao culto da popular salvação por decisão própria, quero deixar bem claro que rejeito categoricamente toda simpatia a esse ensino. Discordo radicalmente de toda forma de pseudo-Cristianismo que depende do "poder latente que está dentro de nós" ou da confiança no "pensamento criativo" em lugar do poder de Deus. Essas frágeis filosofias religiosas se esfacelam neste exato ponto: na errônea presunção de que a correnteza da natureza humana pode ser revertida para subir marcha a ré cataratas acima. Isso não acontecerá jamais. "A salvação pertence ao Senhor."

Para ser salvo, o homem perdido tem de ser erguido pessoalmente pelo poder de Deus e levantado a um nível mais alto. É preciso uma infusão de vida divina por ocasião da maravilha do segundo nascimento antes que se apliquem a ele as palavras do apóstolo: "E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito" (2 Coríntios 3.18).

Desse texto se depreende que a natureza humana encontra-se num estado de vir a ser e que é transformada à imagem daquilo que ela ama. Homens e mulheres estão sendo moldados por aquilo que os atrai, são moldados por aquilo para o que se inclinam e são poderosamente transformados pelo talento artístico daquilo que amam. No mundo não-regenerado de Adão isso produz um dia-a-dia de tragédias de proporções cósmicas. Reflita sobre o poder que chega a tornar um menino de rosto rosado num Nero ou num Himmler. Será que Jezabel foi sempre a "mulher maldita" cuja cabeça e cujas mãos os próprios cães, com perfeita justiça, se recusaram a devorar? Não; em algum momento ela sonhou os seus puros sonhos de menina e corou diante dos pensamentos de amor de mulher; mas não tardou a interessar-se por coisas más, e passou a admirá-las e chegou ao ponto de amá-las. Aí a lei da afinidade moral assumiu o comando e Jezabel, qual barro nas mãos do oleiro, moldou-se naquela coisa deformada e detestável que os camareiros jogaram janela abaixo.

Para os Seus próprios filhos, nosso Pai celestial providenciou objetos morais corretos para admirar e amar. Eles são para Deus como as cores do arco-íris que

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circunda o trono. Eles não são Deus, mas estão bem perto dEle; não podemos amá-lO sem amar a esses objetos e, à medida que os amamos, somos capacitados a amá-lO mais. Que objetos são esses?

O primeiro é a justiça. Nosso Senhor Jesus amava a justiça e odiava a iniquidade (Hebreus 1.9), e por essa razão Deus O ungiu com o óleo de alegria mais do que aos seus companheiros. É aqui que se estabelece o padrão. Amar também é odiar. O coração que é atraído para a justiça haverá de sentir repulsa pela iniquidade na mesma intensidade, e essa repulsa moral é ódio. O homem mais santo é aquele que mais ama a justiça e que odeia o mal com o mais perfeito ódio.

O segundo é a sabedoria. Recebemos dos gregos a palavra "filosofia", o amor à sabedoria, mas antes dos filósofos gregos havia já os profetas hebreus e o conceito deles de sabedoria era muito mais sublime e mais espiritual do que qualquer coisa conhecida na Grécia. A literatura de sabedoria do Antigo Testamento - Provérbios, Eclesiastes (e até certo ponto os Salmos) - exala um amor pela sabedoria que até mesmo Platão desconhece.

Os escritores do Antigo Testamento localizam a sabedoria em tais alturas que às vezes mal conseguimos fazer distinção entre a sabedoria que vem de Deus daquela que é Deus. Os hebreus anteciparam em alguns séculos a idéia grega de que Deus é a sabedoria fundamental, embora o seu conceito de sabedoria fosse menos intelectual do que moral. Para eles, o homem sábio era o homem bom, o homem temente a Deus, e a sabedoria em sua mais nobre extensão era amar a Deus e guardar os Seus mandamentos. O pensador hebreu não divorciava a sabedoria da retidão, da justiça. Dois dos maiores livros apócrifos, Sabedoria de Salomão e Eclesiástico, celebram a sabedoria que é companheira da retidão, com tal eloquência, que às vezes se igualam ao que fazem as Escrituras canônicas.

Outro objeto para o amor do cristão é a verdade, e mais uma vez nos vemos em dificuldade para separar a verdade de Deus do próprio Deus. Cristo disse: "Eu sou a verdade" e, ao fazê-lo, uniu a verdade e a Divindade numa união inseparável. Amar a Deus é amar a verdade, e amar a verdade com ardor constante é crescer em direção à imagem da verdade e afastar-se da mentira e do erro.

É desnecessário mencionar ou tentar mencionar todas as outras boas coisas que Deus reconhece como nossos modelos. A Bíblia as põe diante de nós — misericórdia, bondade, pureza, humildade e muitas coisas mais, e as almas que se deixam ensinar pelo Espírito Santo saberão o que fazer com elas.

A suma de tudo parece ser que devemos cultirar interesse pela beleza moral e amá-la. Será que essa foi a razão por que Paulo escreveu aos filipenses (4.8): "Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento"?

[God Tells The Man Who Cares, capítulo 38]

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NOSSA RESPONSABILIDADE DE PRESTAR CONTAS A DEUS: JUSTIFICADOS, SALVOS —

MAS EM TESTE

Porque já é tempo que comece o julgamento pela casa de Deus; e, se primeiro começa por nós, qual será o fim daqueles que são desobedientes ao evangelho de Deus? (1 Pedro 4.17)

Por toda parte da igreja cristã de hoje, até onde sabemos, parece que se perdeu todo senso de responsabilidade para com Deus.

A culpa é da pregação e do ensino que destacou demais a qualidade “automática” da fé, insistindo que a “aceitação de Cristo” transfere toda a responsabilidade e necessidade de prestação de contas do crente para o Salvador — por tudo o que houver de acontecer para todo o sempre!

Os crentes não cantam mais com real sentimento este hino de Carlos Wesley, uma súplica a nosso Senhor:

Enche-me de ardente zelo Para à Tua vista eu viver; E, Oh!, Senhor, Teu servo prepara Pra prestação de contas que tenho de fazer.

Recentemente, ouvi que alguém comentou o seguinte: “Se eu cresse que teria de prestar contas do meu trabalho da forma que Deus o vê, eu não poderia nunca estar contente!”

Muita gente não vai nem saber do que estamos falando, mas permita-me contar-lhes algo de Carlos Wesley, que suspirou essa sincera e santa oração para que ele estivesse apto a dar plena prestação de contas a Deus.

Ele era um cristão evangélico que estava perto de ser histericamente alegre no Senhor. O Dr. Samuel Johnson, o grande lingüista e crítico inglês, contemporâneo de João e Carlos Wesley, comentou a respeito deles: “Eles são o mais sublime exemplo de completa alegria moral que eu jamais vi”.

Já li os hinos de Carlos Wesley, e admito que me surpreendi dando gargalhadas de contentamento. Creio que ele era tão alegre espiritualmente que deve ter dançado de alegria — alegre em Deus e em Cristo!

Contudo, ele cria que continuava espiritualmente num período de teste. Ele pôde escrever e cantar:

Acorda, minha alma, acorda! Abandona os teus culposos medos; O sacrifício de sangue Se levanta em meu favor.

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Diante do trono minha Certeza está: O meu nome está escrito em Suas mãos.

A igreja moderna consegue identificar-se com essa expressão de fé, mas considera muito difícil cantar com Wesley:

Enche-me de ardente zelo Para à Tua vista eu viver; E, Oh!, Senhor, Teu servo prepara Pra prestação de contas que tenho de fazer.

Assim sendo, não sei como é que homens e mulheres podem desculpar-se completamente como se uma das vozes de Deus que soa por toda parte da terra não fosse a voz do julgamento. Para ministrar esta mensagem, pesquisei a Palavra outra vez, e não pude escapar da realidade que o julgamento é algo que diz respeito à casa de Deus, aos cristãos, e não aos pecadores.

Faremos bem em lembrar que a história da igreja mostra claramente que as pessoas religiosas são propensas a escolher uma doutrina bíblica favorita e agarrar-se a essa doutrina às expensas de outras doutrinas fundamentais. Talvez cheguemos a enfatizar demais essa verdade, de tal forma que fiquem obscurecidas outras verdades importantes que em consequência acabem desaparecendo.

O que eu pretendo dizer com o desaparecimento de uma verdade é o seguinte: ela cai em desuso e por isso com facilidade é esquecida. Vamos ilustrar o que acontece.

Suponha que uma das teclas do piano não esteja apropriadamente afixada ao teclado, e que, quando pressionada, não gera nenhum som. O pianista com certeza se surpreende quando pressiona aquela tecla e nada acontece. Se você fotografasse o teclado, aquela tecla estaria no seu lugar apropriado na fotografia, mas não produziria nenhum som não importa com quanta força fosse golpeada.

Isso ilustra o que eu chamo de doutrina fundamental da fé cristã que caiu em desuso, de forma que não mais se fala dela nem se pensa nela nem se prega sobre ela. Se você abre um livro de teologia sistemática, encontrará a doutrina no lugar apropriado, uma vez que o livro dirá que cremos firmemente nessa verdade.

Mas ela não produz som nenhum — não mais se ouve nada. Não há ênfase nessa verdade e ela não tem poder nenhum porque foi desprezada e esquecida. É dessa forma que uma verdade fundamental da Bíblia pode cair em desuso porque certas doutrinas foram demasiadamente enfatizadas ao ponto de obscurecer outras.

Reafirmar uma Verdade Esquecida

Por isso, finalmente, algum profeta de Deus tem de vir e reafirmar as verdades esquecidas e reenfatizar e proclamá-las outra vez. Essa pessoa talvez seja considerada herética porque esse segmento da verdade bíblica foi desconsiderado por uma ou duas gerações.

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Mas o profeta continua persistindo em meio às reclamações, enquanto a igreja desperta e torna a adotar essa verdade, de forma que ela aparece com novo vigor, como se tivesse ressurgido de entre os mortos.

Pense em Martinho Lutero. Ele por acaso inventou uma nova doutrina? Não, não foi isso que ele fez. Lutero desenterrou uma doutrina que havia caído numa triste tumba e não mais estava sendo ouvida. Ao fazer soar a trombeta da justificação pela fé, Lutero provocou a grande Reforma.

E João Wesley? O que ele fez? Ele não inventou nenhuma doutrina nova ao anunciar a esquecida doutrina de que é possível possuir e experimentar um coração puro; ele despertou a igreja!

Os homens que foram usados por Deus em qualquer geração, desde o Calvário até agora, não inventaram nem pregaram verdades novas. Ele simplesmente receberam visão ungida para descobrir verdades que foram desconsideradas devido à ênfase exagerada em certas outras verdades.

Ora, tudo o que dissemos até agora serve de introdução para afirmar o seguinte: a justificação pela fé se tornou uma dessas doutrinas hoje em dia. Ela foi enfatizada de tal forma, que acabou deixando de lado algumas outras verdades intimamente associadas, de forma que perdemos o fio cortante dessas verdades. Eu sei que seria difícil para qualquer pessoa tornar-se suficientemente eloquente para exagerar a importância vital da justificação pela fé na Igreja Cristã — esse homem viverá pela fé e não por obras de justiça que ele tenha praticado. Por isso, justificados pela fé, temos paz com Deus!

A justificação pela fé nos liberta do infrutífero esforço de sermos bons. Ela nos liberta da escravidão dos fariseus e do orgulho do ritualista e da armadilha do legalista — eles todos procuram tornar-se apresentáveis a Deus, usando vários meios humanos.

Mas eles não passam do velho Adão se cobrindo com o melhor traje religioso com vistas a impressionar o Deus Altíssimo, na esperança de Lhe ser apresentados finalmente como um homem que serviu a Deus fielmente todos os dias da sua vida.

Esse foi o cativeiro em que alguns de nossos pais caíram porque a doutrina da justificação pela fé se encontrava oculta. Ela tinha sido excluída do ensino da igreja. Assim, o povo precisava de água benta e rosários santos e tudo o mais santo. Eles tinham o sagrado coração disto e o sagrado coração daquilo.

Tinham dias para comer e dias para abster-se de comer e tentavam fazer-se aceitáveis a Deus por meio de doações em dinheiro e fazendo penitência por seus pecados.

Daí apareceu um atento examinador das Escrituras. Ele não trouxe nenhuma verdade nem doutrina nova, mas insistiu no reexame da velha verdade bíblica, há longo tempo enterrada e esquecida, proclamando que não é por meio de nossas obras de justiça, mas sim pela fé por meio da graça que podemos nos tornar agradáveis a Deus.

Com isso, imediatamente, nasceu a Reforma!

A Igreja de Cristo levantou-se de um longo sono e, à semelhança dos ossos secos da visão de Ezequiel, ela se levantou e marchou como um grande exército. Então, com o

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passar dos anos, a doutrina da justificação pela fé foi destacada até que novamente saiu de foco, da mesma forma como havia tristemente ocorrido antes de surgir Lutero.

Como resultado, a justificação — como agora é entendida e pregada e enfatizada e martelada pra cima e pra baixo no país inteiro — está levando os crentes a jogar toda a responsabilidade em Deus, e compreendemos que nós mesmos temos de ser felizes, cristãos satisfeitos sem nenhuma responsabilidade neste mundo senão distribuir algum folheto de vez em quando.

Tornou-se uma coisa automática — você meramente entra no vagão-dormitório do trem, puxa a cama encaixada na parede, e acorda na estação final, no céu. Todo o julgamento foi contornado, já que os cristãos não precisam mais pensar em julgamento.

Eu descobri que o cristão mediano parece ter agora um só receio — ele está preocupado que possa perder aquilo que nós chamamos “comunhão”.

Se isso acontecer, ele talvez não seja tão feliz amanhã como foi hoje ou tão feliz daqui a dois dias como ele foi ontem. Ele deseja ser um pequeno e feliz retardado mental, tanto que chega a dizer: “Eu tenho de aprender a conservar a minha comunhão, assim eu serei feliz”.

Responsabilidade de Prestar Contas a Deus

A ideia de que o crente vai dar contas a Deus pelas obras feitas no corpo desapareceu por completo do pensamento teológico da moderna igreja fundamentalista. A fé se tornou uma espécie de mágica, com propriedades benéficas que advêm ao homem que crê — e elas lhe advêm não importa qual seja a sua situação na vida. Ele crê — por isso elas lhe advêm. Não se leva mais em conta a condição moral do homem, se ele é obediente ou não, se ele é fiel a Deus ou que tipo de cristão ele é.

Ele crê, ou ele tem crido — por essa razão os benefícios automáticos da sua fé mágica lhe advêm agora e no mundo por vir. Agora, esse tipo de ensino obscureceu uma outra verdade, de forma que ela se tornou uma doutrina verdadeira mas fora de foco. Ela é uma doutrina de graça e justificação pela fé somente que, devido a uma lógica incorreta, foi empurrada a uma ridícula e grotesca conclusão.

A verdade bíblica que foi obscurecida e enterrada e esquecida como resultado disso, é a doutrina do período de experiência. Raramente ouvimos alguma coisa a esse respeito e o homem que quiser levá-la em conta e falar a respeito dela e voltar ao ensino bíblico haverá de ser tomado por algo próximo a um herético.

Vamos pensar cuidadosamente sobre o que queremos dizer quando afirmamos que o cristão vive aqui num período de experiência, de teste.

Queremos dizer que esta vida é uma preparação para a próxima, e que a preparação não está concluída quando nos achegamos ao Senhor Jesus Cristo para sermos salvos.

Lemos, nos Evangelhos, que o ladrão na cruz creu e que o Salvador moribundo lhe disse que ele estaria no paraíso naquele mesmo dia. Deduzimos que seja esse o critério pelo qual devamos julgar toda a transação da fé crente. Cremos em Cristo e por

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isso estamos preparados para o céu, e não existe tal coisa como período de experiência ou um teste ou algum julgamento por vir — não se acha nada disso na teologia moderna!

Essa é a razão por que eu disse que é possível enfatizar uma doutrina boa até ao ponto em que ela jogue sombra sobre uma outra verdade, fazendo-a desaparecer. Nesse caso, a coisa avançou tanto que os principais mestres agora têm a posição de que a doutrina do período de experiência e de preparação espiritual não é bíblica. Eles insistem que tudo é devidamente tratado por meio de um ato de fé e que não existe essa coisa de uma expectativa de um julgamento futuro.

Com certeza todos nós concordamos que a fé em Jesus Cristo resolveu muitas coisas importantes para sempre. Nossa fé em Cristo resolveu para sempre nosso pecado passado — ele foi perdoado. Nossa fé em Cristo resolveu para sempre nossa justificação diante do Pai celeste. Ela resolveu para sempre que nosso nome está escrito no livro da vida do Cordeiro. Ela resolveu para sempre que somos homens e mulheres regenerados e que a semente de Deus está em nós.

Essas são coisas resolvidas e asseguradas por uma fé que permanece em Cristo.

Mas o grande erro em nossos dias é a total negligência do fato de que os cristãos que creem estão num período de teste a cada dia, tendo provado o caráter da nossa fé, sendo testados e nos preparando para o mundo vindouro.

Com certeza nosso Pai celeste possui grande interesse naquilo que faremos com essa graciosa vida espiritual e nova natureza que nos foi dada. Certamente Ele haverá de testar nossa obediência à Palavra; nossa fidelidade a Ele que morreu por nós; o que faremos com nosso tempo e dons, nossas oportunidades e nossas possessões.

O apóstolo Paulo ensinou claramente aos crentes de Roma que “cada um de nós dará contas de si mesmo a Deus” (Romanos 14.12).

Ele escreveu aos crentes de Corinto: “manifesta se tornará a obra de cada um; pois o Dia a demonstrará, porque está sendo revelada pelo fogo; e qual seja a obra de cada um o próprio fogo o provará” (1 Coríntios 3.13).

A qualidade da nossa vida cristã com toda certeza será afetada se não percebermos que haveremos de prestar contas a Deus da forma que usamos o tempo e as habilidades e o dinheiro e a posses que Ele nos confiou.

A reação de alguns cristãos é: “Fique fora do meu caminho — Eu vou fazer o que eu quero com o meu tempo e o meu dinheiro”.

Eu sei disso — e também sei que Deus os está testando, e Ele vai descobrir se eles possuem suficiente senso moral para saber o que fazer com o tempo que possuem. O tempo é uma dádiva preciosa que Deus nos deu, mas que não nos foi dada para ser usada insensatamente.

Os resultados deste tempo de prova serão vistos no futuro, naquele grande dia diante do tribunal de Cristo. Alguém disse que o apóstolo Paulo com certeza viveu com um olho no tribunal de Cristo e com o outro no mundo que estava perecendo.

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Salvo, mas em teste

Todo cristão está salvo, mas muitos se esqueceram de que ainda continuam em teste. Esqueceram que a Bíblia tem muito a dizer sobre aquele “grande dia” quando as obras de todo homem serão reveladas. Estão tão alegres que foram salvos, que se esqueceram que Deus está pondo em prova a sabedoria moral e a coragem moral, testando a fidelidade e a visão e a mordomia do tipo de época em que vivemos.

Poderíamos gastar horas descrevendo o lado negro dos tempos em que vivemos — mas eu quero lembrar você que estes tempos são uma dádiva de Deus para nós. Sabemos que o crime e a corrupção se encontram em toda parte em nossa nação. Sabemos que há muitas coisas que fazem do nosso país um país perigosamente desequilibrado, e que podemos desabar como aconteceu com outras nações e impérios no passado.2

Mas eu não gostaria de me encontrar em nenhum outro período da história do mundo. Estes tempos são a dádiva do Deus Altíssimo para mim como cristão, e eu me considero sendo testado, compreendendo que Deus de fato Se interessa com o que um dos Seus menores servos haverá de fazer a respeito dos tempos em que ele está vivendo.

Justificado e salvo — mas em teste: é assim que o cristão deveria considerar-se. Mas estamos tão desejosos de nos desvenciliar de toda responsabilidade, que escoiceamos nossas irresponsáveis ferraduras como potro selvagem e bufamos nosso desafio a todo julgamento.

Não estamos vivendo agora num período de julgamento expresso de Deus, e é por isso que as pessoas pensam que podem safar-se de quase tudo. Se este fosse um período de julgamento divino, você pecaria e o Senhor imediatamente o puniria. Ele provaria a você de imediato que você não era digno do Seu reino.

Mas este é um período de teste e o Espírito Santo diz: “Portanto, nada julgueis antes do tempo, até que venha o Senhor, o qual não somente trará à plena luz as coisas ocultas das trevas, mas também manifestará os desígnios dos corações; e, então, cada um receberá o seu louvor da parte de Deus” (1 Coríntios 4.5).

O período em que vivemos ainda não é o julgamento — é apenas a preparação para o juízo. Não é o exame final — é a preparação para esse exame.

Quero lembrá-lo que essa doutrina foi por muito tempo oculta, mas o Senhor Jesus a expôs de maneira completa em Mateus 25.

Jesus conta ali a história do homem que viajou a um país distante e, antes de viajar, convocou seus três servos. Ele lhes deu talentos com os quais negociar durante a sua ausência. Ele deu a um dos homens cinco talentos, a outro dois e a outro um, conforme a capacidade de cada um. Não tinham de que reclamar, pois a cada um foi dado o que merecia.

Depois, ele disse: “Eu voltarei — lembrem-se de que lhes confiei os meus bens”.

Os servos que receberam cinco e dois talentos começaram a usar aquilo que lhes tinha sido confiado. O terceiro servo enterrou o seu talento na terra.

2 O Autor, profeta de Deus, estava certo: a nação americana já sofre, agora, as consequências do seu desvio de Deus.

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Aí, quando o senhor retornou, convocou os servos para um acerto de contas, pedindo que lhe fizessem um relatório.

Observe que, enquanto ele estava fora, eles podiam fazer exatamente aquilo que julgassem adequado. Eles poderiam fazer o que quisessem com a responsabilidade que lhes tinha sido confiada. Mas dois deles entenderam que estavam de fato sendo testados, enquanto o terceiro não pensou assim.

Dois deles disseram: “Manuseamos teu dinheiro com sabedoria; ei-lo aqui com os lucros”.

O terceiro disse: “Fiquei com medo, e por isso escondi o dinheiro na terra, enterrei-o”.

O senhor disse aos dois primeiros: “Vocês foram fieis no pouco, sobre o muito eu os colocarei como administradores”.

O terceiro servo, que não se deu conta de estava sendo testado durante a ausência do seu senhor, foi expulso como servo inútil.

O que é que você fará com esta passagem?

Como ovelhas de Deus, muitos de nós têm descoberto que os pastos verdejantes da Sua provisão são espiritualmente satisfatórios onde quer que os encontremos no Seu livro. Eu gosto de uma das expressões típicas do Moody Bible Institute: “Talvez a Palavra de Deus não se refira a mim em todo lugar, mas toda ela diz respeito a mim!”

Considero esse um eloquente argumento para mim a respeito do resto da minha vida cristã aqui na terra. Como é que podemos sustentar que nosso serviço diário a Deus e aos nossos semelhantes não está sendo rigorosamente examinado e que não será rigorosamente julgado diante dos pés de Jesus Cristo naquele grande dia?

O crente está justificado e salvo do terrível comparecimento diante do grande trono branco do julgamento, onde os perdidos de todas as épocas serão julgados.

Mas vem a hora quando nosso Senhor, de rosto gentil mas sério, haverá de chamar os redimidos e justificados a Seus pés, dizendo: “É preciso que vocês me prestem contas das ações que praticaram no corpo desde o momento em que vocês foram salvos. A vocês foram confiadas mais habilidades do que a muitos outros. Vocês tiveram muitas oportunidades de brilhar como astros na escuridão dos tempos. Foram-lhes confiados meses e anos para servir e testemunhar com obediência.”

Não haverá lugar para esconder-se. Você tentou decidir tudo na vida espiritual por meio de um único ato de fé, mas há coisas que não se resolvem enquanto a morte não chega ou até que o Senhor venha.

Então, o que é que Deus espera de nós, tanto moral como espiritualmente?

Ele nos informa o caminho do auto-julgamento: “Porque, se nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados” (1 Coríntios 11.31).

Ele espera de nós que sejamos filhos de Deus obedientes, sabendo que é preciso determinação moral para obedecer-Lhe dia a dia com fidelidade. Mas que é aí que reside nossa felicidade espiritual.

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Espero que muitos de nós se disponham a sussurrar com sinceridade esta oração de Carlos Wesley:

Enche-me de ardente zelo Para à Tua vista eu viver; E, Oh!, Senhor, Teu servo prepara Pra prestação de contas que tenho de fazer.

[Echoes from Eden, capítulo 9.]

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O PREÇO DA NEGLIGÊNCIA

Platão disse em algum lugar que, numa sociedade democrática, o preço que os homens sábios pagam por negligenciarem a política é serem eles mesmos governados por homens não-sábios.

Essa observação é tão evidentemente verdade que ninguém que preze a reputação de ser razoável haverá de contestá-la.

Na América3, por exemplo, há milhões de homens sinceros e mulheres decentes, honestas e amantes da paz, que consideram líquidas e certas as suas bênçãos e não se esforçam por assegurar a continuação de nossa sociedade livre. Pessoas assim são sem dúvida a grande maioria do nosso povo. Elas constituem a maioria da nossa população, mas por maior que seja o seu número, não são eles que vão determinar a direção que nosso país seguirá nos próximos anos. A sua fraqueza reside na sua passividade. Eles se omitem e permitem que os radicais e os que são minoria mas que gritam mais alto determinem a direção para o futuro. Se isso continuar por muito mais tempo, não podemos ter certeza de manter a liberdade que nos foi comprada no passado a tão espantoso custo.

O preço que os bons e tranquilos cristãos pagam por não fazerem nada é serem guiados pelas gritalhonas minorias, cujas únicas qualificações para liderança são ambição desmedida e voz alta. E sempre houve e sempre haverá pessoas assim nas congregações dos santos. Eles sabem de menos e falam demais, ao passo que homens piedosos e equilibrados vezes demais abrem mão da liderança para esses tais, em vez de lhes resistirem. Mais tarde, essas mesmas dóceis almas talvez balancem a cabeça e lamentem o seu cativeiro. Mas aí já será tarde demais.

Dentro dos próprios círculos do cristianismo evangélico, nesses últimos anos, surgiram tendências perigosas e apavorantes, que se afastam do cristianismo bíblico. Introduziu-se um espírito que com certeza não é o Espírito de Cristo, utilizam-se métodos completamente carnais, estabelecem-se objetivos que não tem nem sequer uma linha de suporte das Escrituras, um nível de conduta tolerado que é praticamente idêntico ao do mundo - e, apesar disso tudo, raramente se levanta alguma voz contra essa situação. Isso tudo ocorre apesar de os seguidores de Cristo que alegam honrar a Bíblia lamentarem entre si o curso duvidoso e perigoso em que vão as coisas.

O espírito e o conteúdo fundamental do cristianismo ortodoxo está de tal forma alterado em nossos dias, influenciado pela forte liderança de religiosos sem discernimento, que, se a tendência não for interrompida, aquilo que agora chamamos de cristianismo em breve será algo muito diferente daquilo que era a fé de nossos pais. O que ficará de resto serão meras palavras bíblicas. Terá perecido a religião bíblica, em função dos ferimentos recebidos na casa dos seus amigos. O nosso tempo requer uma ortodoxia viva, batizada pelo Espírito Santo. Aqueles cuja alma foi iluminada pelo Santo Espírito têm de levantar-se e, sob Deus, encarregar-se da liderança. Há entre nós aqueles 3 O Autor se refere à América do Norte, mas com certeza também nós brasileiros precisamos dessa firme e saudável exortação. N. do T.

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cujo coração tem habilidade para discernir entre o que é verdadeiro e o que é falso, cujo faro espiritual os capacita a detectar de longe as falsificações, os quais têm o bendito do do conhecimento. Que esses se levantem e sejam ouvidos. Quem sabe o Senhor Se volta e dispensa a Sua bênção?!

[The Price of Neglect, Capítulo 1.]

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O USO APROPRIADO DA BÍBLIA

Gabar-se de que a Bíblia é o livro mais vendido do mundo fica sem sentido quando se entende o caráter e o propósito da Bíblia.

O que conta não é o número de Bíblias vendidas, nem mesmo quantas pessoas a lêem; o que importa é quantos de fato crêem naquilo que estão lendo e se rendem em fé para viver pela verdade. Menos que isso, e a Bíblia não tem nenhum valor real a qualquer de nós.

Muito se diz, e corretamente, sobre a superioridade da Bíblia como literatura. São tão belas as palavras de profeta e salmista, como também as de nosso Senhor e de Seus apóstolos, que dificilmente podem ser feitas menos que belas, até mesmo pelo pior tradutor. Qualquer palavra de louvor à beleza da Versão Autorizada (aquela que usualmente se escolhe para ler “como literatura”) seria enfeitar artificialmente o que já é belo ou acender uma vela ao sol, por isso paro aqui mesmo. Mas estudar as Escrituras unicamente por sua beleza literária é perder completamente o propósito para o qual foram escritas.

A Bíblia surgiu pela emergência moral ocasionada pela queda do homem. Ela é a voz de Deus chamando para casa o homem que está no deserto do pecado, ela é um mapa que orienta os pródigos que estão voltando; ela é instrução em justiça, luz nas trevas, informação sobre Deus e o homem e a vida e a morte e o céu e o inferno. Nela Deus adverte, ordena, repreende, promete, encoraja. Nela Deus oferece salvação e vida através do Seu Filho Eterno. E o destino de cada um depende da resposta que dá à voz da Palavra.

Pelo fato de a Bíblia ser a espécie de livro que ela é, não é possível aproximar-se dela sem envolver-se, com o simples objetivo de avaliá-la. “Ó terra, terra, terra! Ouve a palavra do Senhor!” A Palavra de Deus não é para ser apreciada como alguém poderia apreciar uma sinfonia de Beethoven ou um poema de Wordsworth. Ela demanda imediata ação, fé, submissão, execução. Até que isso seja assegurado, ela não fez nada benéfico para o leitor, mas apenas aumentou a responsabilidade dele e aprofundou o julgamento que há de vir.

Não há como descobrir com segurança quantas Bíblias, dos milhões comprados nos últimos anos, têm sido lidas. Mas há uma forma segura de descobrir quantos leitores estão obedecendo ao que lêem. O total compromisso ao seu ensino por parte de algumas centenas de pessoas, em qualquer parte do mundo, operaria uma revolução moral que afetaria para o bem toda e qualquer faceta da vida moderna. Uma vez que nenhuma revolução dessa espécie tem ocorrido, só podemos concluir que o Best Seller não está sendo lido, ou pelo menos não está recebendo a obediência devida.

Em tempos de desastre como num terremoto ou numa enchente, as informações de primeiros-socorros e as instruções das autoridades médicas muitas vezes são questão de vida ou morte. O que pensaríamos de um homem, se o encontrássemos lendo esse material apenas por sua beleza literária? Ele poderia sentir arrepios estéticos com a

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resumida e concisa linguagem, e ainda morrer de febre tifóide, porque a vida dele depende não de admirar as palavras das instruções oficiais, mas da sua obediência a elas.

Por mais ridícula que uma conduta dessas possa parecer, contudo algo semelhante é praticado constantemente numa esfera onde as conseqüências são infinitamente mais severas. Homens que têm apenas um momento para se preparar para o mundo eterno lêem o único livro que pode lhes dizer como fazê-lo – não para aprender como se preparar, mas só para apreciar a beleza literária do livro. Somente a cegueira do coração provocada pelo pecado pode fazer com que os homens procedam assim.

Em anos recentes, a Bíblia tem sido recomendada para muitos outros propósitos diferentes do único para o qual ela foi escrita. Os movimentos de paz mental, por exemplo, manejam de tal forma a encontrar nela óleo para as atribuladas águas da alma, mas para fazer isso funcionar eles têm, literalmente, de selecionar, escolher, compreender mal e usar de modo errado à vontade. Contudo a Bíblia, quando lida honesta e responsavelmente, produz paz mental, mas somente depois de primeiro conduzir o coração a um arrependimento que freqüentemente é qualquer coisa menos tranqüilo. Quando a vida inteira é transformada moralmente e o coração purificado do pecado, então aquele que busca pode conhecer verdadeira e legítima paz. Qualquer manipulação das Escrituras para que falem de paz ao homem natural é diabólica e somente conduz à ruína.

Encontrei, certa vez, nas regiões montanhosas do sul dos Estados Unidos, algumas pessoas que usavam certas passagens obscuras de Ezequiel como encantamento para estancar sangue após algum acidente. A Bíblia também tem sido usada como livro-texto de vendedores, e alguns de nós se recordam que, durante a depressão de 1930, alguns líderes confusos sugeriram que seria útil adotar as estratégias econômicas de José no Egito para ajudar-nos a sair do buraco.

Alguns anos atrás, era bastante comum mestres de Bíblia alegar que encontravam nas Escrituras confirmação de praticamente cada nova descoberta feita pela ciência. Aparentemente, ninguém se dava conta de que o cientista tinha de encontrá-la antes que o mestre de Bíblia pudesse fazê-lo, e parece que nunca ocorreu a ninguém perguntar por quê, se isso estava ali na Bíblia de forma tão simples, demorou alguns milhares de anos e demandou a ajuda da ciência para que alguém pudesse vê-lo.

Ora, eu creio que tudo o que está na Bíblia é verdade, mas procurar fazer dela o livro-texto da ciência é compreendê-la mal de forma completa e trágica. O propósito da Bíblia é trazer homens a Cristo, torná-los santos e prepará-los para o céu. Nisso ela é única entre os livros, e ela sempre cumpre o seu propósito quando é lida com fé e obediência.

[The Set of the Sail, capítulo 45.]

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O VALOR DE BONS HÁBITOS

Um hábito é um servo útil, mas um chefe perigoso.

Quanto melhor o hábito, maior o perigo.

Maus hábitos perturbam a consciência e criam um senso de desconforto interior. Muitas vezes um súbito abalo, a visão da morte, um bom sermão evangélico, a mansa repreensão de um amigo podem empurrar aquele que tem um mau hábito a um estado de angústia mental. Isaías compreendeu corretamente, quando disse: “Mas os perversos são como o mar agitado, que não se pode aquietar, cujas águas lançam de si lama e lodo” (Isaías 57.20).

Bons hábitos podem, por sua vez, se não se tomarem drásticas medidas, pôr o coração numa alegre dormência. “Até onde me diz respeito”, diz a consciência, “não preciso me preocupar mais sobre o assunto. Já fiz o que tinha de fazer.” E dessa forma a vida perde sua espontaneidade e se torna convencional. A boa ação continua mesmo depois que a razão da sua existência já se tenha ido. O resultado disso é um Cristianismo superficial e inflexível.

Hábitos religiosos têm a capacidade de enganar seus possuidores como poucas coisas o têm. Até onde eu sei, só há duas coisas na natureza que conseguem continuar caminhando depois de mortas: um hábito e uma tartaruga da lama4. Por exemplo, há muitas pessoas que têm dado graças à mesa constantemente por muitos anos, e contudo nunca sequer uma vez oraram de fato de coração por todo esse tempo. A vida se esvaiu desse hábito há muito tempo, mas o hábito mesmo persistiu na forma de uma repetição sem sentido.

A questão é que nós deveríamos pôr de lado todo e qualquer hábito sem sentido, rejeitando toda e qualquer frase religiosa padronizada, recusar-nos a seguir a visão de outras pessoas. Deveríamos insistir em viver de conformidade com nosso interior. Isso nos incita a uma vida simples como a de uma criança, muito agradável a Deus, e é uma grande fonte de vigor para a alma.

[The Early Tozer: A Word In Season, capítulo 6.]

4 Espécie que habita a América do Norte e América Central — N. do T.

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PERFEIÇÃO ESPIRITUAL — O QUE É ISSO?

“A esse respeito temos muitas coisas que dizer e difíceis de explicar, porquanto vos tendes tornado tardios em ouvir” (Hebreus 5.11).

Você já se viu falando com alguém que não entedia alguma palavra sua, alguém que não conhecia a sua linguagem? Por mais sério que você fale, essa pessoa apenas chacoalha a cabeça e talvez diga alguma coisa em resposta, tentando comunicar: “Eu não consigo entender você”.

Bem, essa é a razão por que é tão difícil. O escritor aos Hebreus está dizendo que tem muitas coisas para dizer; mas estou falando uma linguagem e vocês entendem outra. “A esse respeito temos muitas coisas que dizer e difíceis de explicar, porquanto vos tendes tornado tardios em ouvir. Pois, com efeito, quando devíeis ser mestres, atendendo ao tempo decorrido, tendes, novamente, necessidade de alguém que vos ensine, de novo, quais são os princípios elementares dos oráculos de Deus; assim, vos tornastes como necessitados de leite e não de alimento sólido” (Hebreus 5.11,12). Quero chamar sua atenção para a expressão “vos tornastes como”. Eles não eram assim; mas tornaram-se “como necessitados de leite e não de alimento sólido” (5.12b). Eles retrocederam e voltaram ao estado infantil depois de haverem, sem dúvida, crescido um tanto. “Ora, todo aquele que se alimenta de leite”, ele explica, “é inexperiente na palavra da justiça, porque é criança. Mas o alimento sólido é para os adultos, para aqueles que, pela prática, têm as suas faculdades exercitadas para discernir não somente o bem, mas também o mal” (5.13,14). Ele diz que devemos pôr de lado os princípios elementares, ou seja, as instruções básicas da fé cristã. Temos de colocá-las de lado, mas não deixá-las para trás. Não devemos deixá-las como alguém que deixa uma casa para entrar em outra, ou como quem deixa uma cidade para ir a outra. Temos de deixá-las de lado como o construtor de uma casa deixa o fundamento e constrói dali para cima. Se for uma edificação como alguns arranha-céus, os construtores se afastam bastante dos fundamentos, quando alcançam trinta, quarenta ou cinquenta andares. Eles deixaram de lado os fundamentos, não é que renunciaram aos fundamentos, mas se apartaram construindo sobre eles. Ora, é isso que o homem de Deus está dizendo.

Os Princípios Elementares

Quais são esses princípios elementares que devemos deixar? Ele os cita, para não haver mal-entendidos. Ele diz: “arrependimento, fé, batismos, e imposição de mãos, e a ressurreição dos mortos, e o juízo eterno” (6.1,2). Esses são os princípios elementares iniciais da doutrina e nós temos de deixá-los como um construtor deixa os fundamentos e segue a construção para o alto. “Não lançando de novo o fundamento”, diz ele. A estrutura tem de apoiar-se no fundamento, não importa o quanto se erga o edifício nas alturas.

Ele repousa no fundamento de Cristo — naquilo que Ele é, e no arrependimento e na fé nEle; no batismo no corpo de Cristo; na futura ressurreição dos mortos e no juízo que há de vir. Essas são doutrinas básicas da fé, nas quais repousamos e, não importa o quanto avancemos na fé cristã, nunca jamais as renunciaremos. Elas estão firmes como o fundamento sobre o qual construímos.

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O problema era que os hebreus nunca tinham avançado além do fundamento. E essa preocupação que se atém à verdade elementar é, também, característica dos evangélicos de hoje. Inversamente, a ignorância da verdade cristã é o que caracteriza os liberais. Mas o que caracteriza a média das igrejas é a preocupação exclusiva com os princípios elementares e iniciais. E o autor da carta aos Hebreus nos diz que é isso o que nos mantém bebês a vida toda.

Um eterno bebê

Vamos, primeiro, examinar a metáfora do bebê e do leite. É possível estacionar na infância, ter o crescimento suspenso e ficar nisso a vida toda. Repare as características de um bebê — são maravilhosas num bebê, mas terríveis numa pessoa que chega aos dezoito ou vinte anos.

Em primeiro lugar, um bebê não consegue concentrar-se em nada por muito tempo. Ele perde o interesse com a maior facilidade. Ele grita, berra e reclama quando quer alguma coisa, alegra-se quando a ganha e, dezenove segundos depois, joga fora e procura outra coisa. Isso é típico de um bebê, e é a maneira que Deus quer que os bebês sejam. Mas ele não pretende que o pai do bebê seja dessa forma, nem a mãe do bebê — nem mesmo a irmãzinha de sete anos dele. Isso é típico de um bebê, e também é característico daqueles que se tornaram cristãos, cristãos autênticos, e então estacionaram e pararam de desenvolver-se. Eles são incapazes de se dedicarem a exercícios espirituais. Não conseguem orar por muito tempo e não conseguem meditar. Na verdade, fazem troça dessa idéia de meditação. Eles acham que isso era próprio talvez para Tomás de Aquino. Assim também com a leitura da Bíblia, eles não se dedicam muito a isso — como também a nada que exija disciplina e maturidade.

Uma segunda coisa a respeito do bebê é que ele se preocupa com coisas simples, coisas elementares. Você jamais falaria com um bebê sobre o existencialismo ou sobre a guerra fria. O bebê está satisfeito com meia dúzia de coisas pequeninas; é suficiente comer, ficar quentinho e seco, e manter a mamãe à distância segura de um grito. Isso é tudo o que interessa ao bebê.

Há cristãos que crescem e não têm apetite por nada que seja espiritualmente mais avançado. Eles estão preocupados com as suas primeiras lições. A igreja comum é uma escola com apenas uma série — a primeira. Esses cristãos não têm expectativa de ir além disso, e não querem ouvir por muito tempo alguém que deseja que eles avancem além do lugar onde estão. Se o pastor deles insiste que façam as lições de casa e se preparem para a próxima série, eles começam a orar para que o Senhor chame “o nosso querido irmão” para algum outro lugar. Quanto mais o odeiam, tanto mais ênfase eles dão às palavras “o nosso querido irmão”. Tudo o que ele está fazendo é tentar prepará-los para outra série da escola, mas essa igreja se dedica à primeira série apenas, e é na primeira série que ela haverá de ficar.

Paulo disse que alguns deles tinham passado para a segunda série, mas desistiram: “É difícil demais aqui”, disseram, e voltaram à primeira série.

“Há quantos anos você está na primeira série, menino?”

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“Há doze anos.”

Bem, por quanto tempo você está ouvindo a mesma verdade e escutando a mesma doutrina? Você tem de nascer de novo e haverá um julgamento, e assim por diante. Embora isso seja verdade e não devemos nos afastar disso, temos de usar essas coisas para avançar. Mas isso é o que não fazemos. Há gerações inteiras de cristãos que não passam da primeira série. Eles aprendem a ler a Bíblia à luz dessas coisas. Para eles, nada na Bíblia significa algo além desse estágio elementar. Eles participam de conferências bíblicas dedicadas à primeira série da vida cristã, são escolas bíblicas dedicadas à arte de continuar na primeira série. De minha parte, quero um pouco de ambição, um pouco de ambição espiritual. Paulo disse: “...esquecendo-me das coisas que para trás ficam ... prossigo para o alvo” (Filipenses 3.13,14). Aqui estava um homem que não se contentava com a primeira série.

Outra coisa a respeito do bebê é o tanto que ele deseja entretenimento. Ele gosta de diversão. Quanto ando de ônibus, delicio-me ao ver um bebê olhando por sobre o ombro da mamãe. Se a mamãe me vê, tento ficar sentado tão dignamente quanto possível. Mas se apenas o bebê me vê, começo a fazer coisas que o instigam, e geralmente passamos bons momentos nisso. Por fim, a mãe percebe a coisa e vira o bebê pra frente, e fica pensando quem será esse velhinho ali atrás. Bem, eu não queria de forma alguma machucar o bebê; acontece que ele gosta de ser instigado. Nem é preciso gastar cem dólares para fazer isso. Você consegue fazê-lo meramente agitando os dedos ou olhando por entre os dedos para o bebê.

Da mesma forma que os bebês gostam de ser instigados, assim também a busca por entretenimento religioso é evidência de que estacionamos na primeira série. Continuamos a ser crianças e assim vamos permanecer. As crianças precisam de brinquedos e precisam de novidades e de vez em quando precisam de novos coleguinhas para brincar. E a Igreja é desse jeito.

O entretenimento religioso corrompeu de tal forma a Igreja de Cristo, que milhões de pessoas não sabem que isso é uma heresia. Há milhões de evangélicos pelo mundo todo que se devotam ao entretenimento religioso. Eles não sabem que isso é tão heresia quanto usar um rosário ou usar água benta ou algo do gênero. Expôr esse assunto, sem dúvida, acarretará um turbilhão de protestos furiosos entre as pessoas.

Um empresário cristão, certa vez, me perguntou: “Irmão Tozer, eu não idolatro você; mas eu o sigo e creio no que o irmão diz. O que eu gostaria de saber é por que tanta gente gosta de você mas não entende o que você fala”. Eu respondi: “Meu irmão, eu já desisti de tentar entender; eu não sei por que isso acontece”. Mas essa é a verdade. Tão logo as pessoas imaginem que você está, de alguma forma, ameaçando o amor ao entretenimento religioso, acabam com você na mesma hora.

Certo homem escreveu um artigo para me rebater. Ele disse que eu aleguei que o entretenimento religioso era errado, e então acrescentou: “Você não acha que toda vez que entoa um hino, isso não é entretenimento?” Toda vez que você canta um hino? Eu não tenho idéia de como esse amigo consegue encontrar o caminho de casa à noite. Ele deveria fazer uso do serviço de um cão-guia e de alguém com uma bengala branca para levá-lo para casa!

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Quando você eleva os olhos a Deus e canta “Reparte Tu comigo, amado Senhor, o pão da vida” — isso é entretenimento, ou é adoração? Não existe uma diferença entre adoração e entretenimento? A igreja que não consegue adorar tem de ser entretida. E os homens que não conseguem levar a igreja a adorar precisam mesmo providenciar entretenimento. É por isso que temos em nosso meio, hoje, a grande heresia evangélica — a heresia do entretenimento religioso.

Existe ainda uma outra característica da imaturidade — uma criança não consegue nem ler nem apreciar literatura avançada, mesmo quando chega a cinco ou seis anos de idade. Ela chegará em casa e fará você sentar-se, ela vai ler o livro todo, mas tudo o que vai dizer é “Eu vi um gato e o gato era branco”. Você sabe como é, não tem nada demais nisso. Não é nada profundo. Se ela não avançar além disso, você vai sentir-se muito mal em relação a seu filho. No início, quando ele chega em casa e diz: “Mamãe, papai, escutem, eu vou ler”, não importa o que você está fazendo ou o que está queimando no fogão, ele agarra você e o faz sentar e começa a ler. Ele consegue ler! Isso enche você de orgulho! Ele consegue ler, que maravilha! Você nunca pensou que ele começasse, mas ali está ele, lendo; agora ele consegue ler o livro todo. Nós nunca percebemos o quão bobos ficamos com esses progressos dos nossos filhos! Mas em todo caso, eles estavam lendo.

Imagine que dali a dez anos ele venha de novo — agora ele está com dezessete anos — e diga: “Mamãe, papai, eu sei ler: ‘O gato é vermelho’.”

Você diria ao seu marido ou à sua esposa: “Eu acho que devemos fazer alguma coisa por esse menino. Acho que devemos levá-lo a algum lugar especializado”.

Foi exatamente por isso que o Espírito Santo escreveu o livro aos Hebreus. Ele disse: “Vamos acabar com isso”. Por que marcar passo e permanecer eternamente absorto com as coisas elementares da religião? Nós justificamos tudo pela mera repetição de “Você tem de nascer de novo”. Fazemos todo e qualquer tipo de show e dizemos: “Agora, você tem de nascer de novo” — os princípios elementares o tempo todo. O Espírito Santo diz: “Por isso, deixando os rudimentos da doutrina de Cristo, prossigamos até à perfeição, não lançando de novo o fundamento do arrependimento de obras mortas e de fé em Deus” (6.1) e assim por diante, mas “prossigamos até a perfeição”.

Agora, como é que podemos prosseguir, como podemos avançar?

Como Obter a Perfeição

A perfeição significa maturidade. Da mesma forma que, quando o seu filho chega aos vinte e um anos, conclui a faculdade, é saudável, bem criado e educado, e você está orgulhoso desse tremendo garoto. O que aconteceu é que ele amadureceu, só isso. Mas ele não é perfeito. Entre no quarto dele pela manhã e veja se consegue avistar ali algo naquele ambiente que seja perfeito. Ele trocou a roupa e as calças ficaram num canto e os sapatos noutro canto. Ele não é perfeito; mas está maduro. Ele chegou à maturidade, e você está contente. Você se sente bem e, se é cristão, agradecerá a Deus que o seu menino cresceu, é honesto, e maduro, e saudável.

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É isso que o Espírito Santo está dizendo. Ele não está Se referindo a um santo de cera, sem nenhum átomo de imperfeição, sem nenhuma sarda em sua alma. Ele está-Se referindo ao amadurecimento em Deus. Cresça em Deus de forma que você não mais seja um bebê, precisando ser entretido com os princípios fundamentais. Você está agora crescendo em Deus, tornando-se um cristão forte, aprendendo a carregar fardos pesados no Espírito Santo, a orar com eficácia, a sofrer com o mundo e com a igreja, e a carregar a cruz.

Como vou lidar com esse assunto? Deixe-me dar algumas sugestões:

A primeira sugestão é dispôr a mente, ou seja, tomar uma decisão. Ao decidir, você não consegue salvar a si mesmo, mas você pode decidir ser salvo e pode dispôr a mente, depois de ter sido salvo, a avançar com Deus. Enquanto não dispusermos a mente, Deus não trabalhará conosco. Ou, se o fizer, nos levará a dispôr a mente. Disponha-se, decida-se. Junte as pontas soltas e fique pronto.

Quando um jovem é convocado pelo exército, ele recebe uma pequena carta — belamente trabalhada, fraternal, com belas palavras — mas de fato ela significa uma só coisa: “você está convocado”. Antes que esse jovem vá, ele arruma o quarto e se encontra pela última vez com a namorada e vai uma última vez ao seu local predileto, fala com os companheiros e diz: “Tudo bem, vejo vocês daqui a dois anos”. E assim está pronto. Ele faz as despedidas e fica pronto.

O cristão tem de preparar a mente para avançar com Deus e crescer em Deus e aprender as profundas e as elevadas e as sublimes coisas de Deus. Ele tem de dizer a si mesmo: “Já gastei tempo demais no jardim da infância. Já fui cristão do jardim de infância por tempo suficiente. Eu quero crescer até saber o que é que Deus está dizendo e conhecer as elevadas e as sublimes coisas do Espírito Santo”.

A segunda coisa é deixar de lado as coisas que não se assemelham a Cristo. Ponha de lado hábitos e atos impuros, silencie dentro de você desejos que não se assemelham a Cristo, ponha de lado planos que não vêm dEle, e livre-se de empecilhos e pensamentos e hábitos mentais perniciosos.

A terceira coisa é envolver-se com as Escrituras, a Palavra de Deus. Esse Livro de Deus é algo poderoso, verdadeiramente poderoso. Se você a lê, ela desperta você e o incita a progredir. Quando cantamos: “Reparte Tu o pão da vida”, estamos orando para que Deus nos dê entendimento das Escrituras. E então, avançando um pouco mais em seu significado místico, cantamos: “Senhor, ao participarmos da comunhão, reparte Tu o pão comigo”. É a mesma coisa. Envolva-se, então, com as Escrituras. Não leia apenas um capítulo uma vez ou outra, mas leia até que a Palavra aqueça o seu coração. Leia até que ela começa a falar com você. Na verdade não lemos nada, enquanto as Escrituras não comecem a falar conosco. Nós só achamos que lemos, antes disso, mas de fato não lemos nada. Por isso, envolva-se com as Escrituras. Providencie um bom exemplar da Bíblia, alguma versão básica, confiável, para manter sempre à mão e estudar5.

A quarta coisa é tomar a sua cruz. Aprenda a sofrer por amor do Senhor, por pouco que seja. A razão por que os comunistas aos poucos estão nos invadindo no 5 O Autor sugere a King James, em inglês. Em português, a versão que mais se aproxima da King James é a da Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil. Também são muito boas duas das traduções da Sociedade Bíblica do Brasil: a Corrigida, e a Atualizada.

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mundo ocidental é que amamos demais o nosso conforto. [Este sermão foi pregado na década de 1960.] Eles não estão procurando conforto; o que estão procurando é a vitória.

Um amigo meu resolveu encontrar-se com um líder comunista de um pequeno grupo, num quartel-general comunista, de onde expediam literatura. “Entre, Reverendo, e sente-se”, disse o comunista. Meu amigo entrou e sentou-se. “Nós somos comunistas”, disse ele, “você sabe disso, e você é um ministro. É claro que há diferenças enormes entre nós dois. Mas”, disse ele, “eu quero lhe dizer uma coisa. Nós aprendemos as nossas técnicas do seu Livro de Atos dos Apóstolos”. “Nós aprendemos como vencer e conquistar bem ali no seu livros de Atos”, disse ele. E continuou: “Vocês que creem na Bíblia se desvenciliaram dos métodos da Igreja primitiva, e nós que não cremos nela os adotamos, ... e eles estão funcionando”.

Qual era o método? É um método muito simples, esse da igreja primitiva. Era sair para testemunhar, dar tudo ao Senhor e entregar-se totalmente a Deus e carregar a cruz, assumir as consequências. O resultado foi que nos primeiros cem anos de Igreja Cristã todo o mundo conhecido havia sido evangelizado. Nós não ficamos sabendo disso agora porque nossos missionários o estão dizendo, ou porque eles dão essa impressão, que há lugares do mundo que não foram evangelizados. Cada parte do mundo conhecido tinha sido evangelizada cerca de cem anos depois da ressurreição do nosso Senhor.

A próxima coisa é concentrar-se em Cristo, pôr o seu foco no Senhor Jesus Cristo.

Mostra-me a Tua face, Um breve brilho do amor divino. E jamais eu vou pensar ou sonhar Outro amor que não o Teu.

Abra o coração ao Espírito Santo, e eu estou certo que Deus o receberá e tomará conta de você. E lembre-se: isso não é um luxo, uma extravagância. É uma necessidade que deixemos de lado os primeiros fundamentos e que abandonemos a infância e avancemos para Deus; isso é uma necessidade básica. “É impossível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial ... e caíram, sim, é impossível outra vez renová-los para arrependimento” (Hebreus 6.4,6a).

Dessa forma, esta doutrina, este ensino, esta exortação do Espírito Santo para deixar os princípios elementares e avançar para a perfeição não se destina a fazer santos especiais. Destina-se a produzir santos de todo tipo, o que é a mais básica necessidade da vida cristã.

[Success and the Christian, Capítulo 1.]

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POR QUE ALGUNS CRISTÃOS SÃO MALQUISTOS

Algumas vezes nós, cristãos, sofremos resistência e perseguição por razões outras que a nossa piedade. Agrada-nos pensar que é nossa espiritualidade que irrita as pessoas, quando, na realidade, pode bem ser a nossa personalidade.

É verdade que o espírito deste mundo se opõe ao Espírito de Deus; aquele que nasceu da carne sempre haverá de perseguir aquele que nasceu do Espírito. Mas feitas todas as concessões, permanece a verdade que alguns cristãos se metem em dificuldades por causa das faltas que cometem, em vez de ser por causa da sua semelhança com o caráter de Cristo. Deveríamos admitir isso e tomar as providências necessárias. Não conseguiremos nenhum benefício tentando esconder atrás de um versículo nossas desagradáveis e irritantes características.

Um dos estranhos fatos da vida é que pecados grosseiros muitas vezes são menos ofensivos e chamam menos atenção do que pecados mais “espirituais”. O mundo pode tolerar um beberrão ou um glutão ou um vaidoso sorridente, mas se voltará em fúria selvagem contra o homem de vida religiosa exterior que é culpado desses pecados refinados, que ele mesmo não reconhece como pecados, mas que podem ser muito mais perversos do que os pecados da carne.

Nossos atos são tão mais poderosos quanto mais perto estiverem do coração. Por essa razão, os pecados do espírito são mais iníquos do que os do corpo. Isso fica claramente ilustrado pela atitude de nosso Senhor para com essas duas espécies de pecado e as correspondentes duas classes de pecadores. Ele foi o amigo dos publicanos e das prostitutas e o inimigo dos fariseus.

Todo pecado é pernicioso e será fatal para a alma se não for perdoado e purificado. Mas quanto à intensidade da iniquidade, os pecados do espírito ocupam uma classe exclusiva. Contudo, são exatamente esses os pecados que com mais probabilidade serão cometidos pelos religiosos.

O pecador descuidado se expressa abertamente, e dessa forma “libera” a tensão moral; o pecador religioso não age assim. Ele desaprova os atos externos de impiedade e empurra o seu pecado para dentro, para o santuário da sua alma, onde ele permanece em estado de alta compressão. A notável falta de amabilidade de muita gente religiosa bem pode ser explicada dessa forma.

Talvez fosse um choque para alguns de nós se pudéssemos saber por que somos malquistos e por que rejeitam com tanta violência o nosso testemunho. Não seria porque somos culpados de uma profunda disposição pecaminosa que não conseguimos manter escondida? Arrogância, falta de caridade, desdém, justiça própria, esnobismo religioso, crítica — e tudo isso cuidadosamente reprimido e disfarçado com um piedoso sorriso e um bom humor artificial. Esse tipo de coisa é mais sentido do que entendido por aqueles que lidam conosco todos os dias. Eles não entendem por que razão não nos suportam, mas nós estamos certos de que a razão é a nossa elevada espiritualidade! Essa é

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uma perigosa maneira de se consolar. Um profundo exame do nosso coração e um prolongado arrependimento seriam bem melhores.

Mas não tomemos como certo que toda perseguição se deve às nossas faltas. Talvez o oposto seja verdade. Pode ser que nos odeiem porque antes de nos odiar já odeiam a Cristo, e, se isso for verdade, somos verdadeiramente abençoados. O fato é que não devemos tomar nada como líquido e certo. Pode ser que sejamos melhores do que pensamos ser, mas qualquer indício nessa direção não deve nos impressionar. É melhor sermos humildes.

[We Travel an Appointed Way, capítulo 13.]

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PROVOCAÇÃO

A palavra provocação significa incitar, estimular. Pode ser usada também num bom sentido, embora raramente seja usada dessa forma. No mais das vezes refere-se ao ato de enfurecer alguém por meio de uma afronta, real ou imaginária.

Todos nós já vimos a rapidez com que muita gente se desculpa por uma explosão alegando que o fizeram em resposta a provocação. Dessa forma, culpam os outros pelo seu próprio pecado. O que não se percebe nessa elegante maneira de se auto-desculpar é que a provocação não pode incitar algo que já não esteja ali. Ela de forma nenhuma adiciona alguma coisa ao coração humano; ela meramente traz à tona aquilo que já se encontra ali. Ela não altera o caráter; ela simplesmente o revela.

A pessoa é aquilo que faz quando é provocada. A lama já tem de estar no fundo da piscina, caso contrário não poderá ser agitada. Não se consegue turvar água limpa.

A provocação não gera a podridão moral; ela apenas a traz até a superfície. Nada mais que isso.

Um homem santo não pode ser incitado a agir de forma ímpia. Um homem de coração purificado talvez seja incitado à ação por meio de vários estímulos, mas a ação será sempre conforme a pureza do seu coração. "[o amor] não se exaspera (não se irrita, não se deixa provocar)", disse Paulo em 1 Coríntios 13.5. Mesmo que se admita que o amor seja provocado, ele não pode ser provocado a nenhuma ação incompatível consigo mesmo. Se for incitado a agir, essa ação estará de acordo com a sua própria natureza. O amor não pode ser outra coisa senão amor.

Para o homem que acabou de se irritar ou que se permitiu demonstrar mau humor talvez seja uma espécie de consolo fácil argumentar que foi provocado a isso por outra pessoa, mas se ele valoriza a própria alma, não vai se desculpar dessa forma. A honestidade exigirá que admita que já possuía uma disposição má e que a provocação meramente a trouxe para a superfície. A falta é mesmo sua, e não daquele que a trouxe à luz.

Todavia, temos de acrescentar uma coisa mais: o Novo Testamento nos alerta que aqueles que incitam os outros ao mal trarão sobre si mesmos severo juízo. O diabo tentou a Cristo mas não pôde persuadi-lO a agir mal. Cristo não pôde ser incitado ao mal porque não havia nEle nenhum mal para incitar. Os esforços de Satanás foram vãos, e ele não pôde fazer nenhum dano; contudo ele haverá de encarar o terror do

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julgamento de Deus por causa das suas perversas tentativas. Qualquer que puser uma pedra de tropeço no caminho de um cristão haverá de receber justa punição, quer seja bem-sucedido ou não em provocar-lhe a queda. É verdade que, antes que se possa turvar a piscina, a lama já tem de estar ali no fundo, mas a fervente ira de Deus agirá contra aquele que se delicia em remexê-la.

[The Price of Neglect, capítulo 21]

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RAZÕES ECONÔMICAS MATAM A RELIGIÃO

A única prova que Demétrio, o ourives, pôde apresentar a respeito da validade da sua religião foi gritar “Senhores, sabeis que deste ofício vem a nossa prosperidade... Grande é a Diana dos efésios!” Ele estimulava o culto a Diana por razões comerciais.

O interesse econômico na religião é fatal. Tão logo um homem se veja enredado no laço do interesse financeiro, ele já não é profeta, mas agora é filho de Mamom. Seu coração degenera, e o espírito começa a morrer. Quer ele cumpra algum dever religioso, quer faça qualquer ato moral, quer advogue uma reforma, ou pregue alguma doutrina, ele precisa fazer isso para garantir seu sustento, e agora ele já não é um verdadeiro pastor, mas um mercenário.

Quase todos os cristãos concordam que a igreja tem de sustentar seus ministros, assim como o país sustenta seus soldados a fim de deixá-los livres para a batalha. Essa disposição das coisas se encontra no Velho Testamento, e foi adotada na Igreja com pequenas alterações apenas. Esse é um sábio e sadio procedimento, e está acima de qualquer reprovação, desde que ambos, pastor e povo, sejam verdadeiros filhos de Deus.

Uma importante obrigação repousa sobre os ombros da igreja no tocante a manter financeiramente livre o ministro, a fim de que ele ensine as suas mais profundas convicções. O boicote financeiro é uma arma usada, às vezes, contra o homem que insiste em pregar verdades que não são bem-vindas, e coitado do homem que cai nessa armadilha. Coitada, mais ainda, da igreja que usa esse tipo de recurso.

Paulo tinha uma profissão com que se sustentava quando a necessidade surgia, e penso se não seria boa idéia que cada pregador mantivesse agulha e linha à mão para os casos de emergência. Qualquer coisa é melhor que prestar obediência a Mamom.

Alguns pregadores encontraram a feliz solução dos problemas financeiros mediante o simples plano de viver pela fé. Ninguém coloca pressão financeira num homem desses; uma vez que ele só dá contas a Deus pelo seu ministério; Deus é, pela mesma razão, responsável pelo pão diário dele. É impossível forçar um homem à submissão através desse procedimento (pressão financeira), porque o servo de Deus vive de maná, e maná pode-se encontrar onde quer que a fé possa vê-lo.

[The Price of Neglect, capítulo 13.]

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RELIGIÃO DO INTELECTO VERSUS

RELIGIÃO DO ESPÍRITO

Há uma qualidade profundamente espiritual e inteiramente mística na religião do Novo Testamento, que não podemos desconsiderar se pretendemos ser cristãos na prática e no nome.

Eu penso que devemos deixar que nosso coração adorador decida nossas questões teológicas. Depois de nos assegurar da pureza do texto, e a mente certificada de que a tradução é confiável, a melhor fonte de informações da verdadeira luz é sempre o coração iluminado pelo Espírito. Um coração que ora, ardendo de amor a Deus, haverá de intuir a verdade, penetrará além do véu e verá e ouvirá aquilo que não é lícito dizer, e que, de fato não pode ser pronunciado nem mesmo entendido intelectualmente.

Tenho como opinião que a verdadeira linha de batalha na guerra teológica de nossos dias não é a que separa o fundamentalismo do liberalismo. Essa guerra já foi travada e vencida. Ninguém precisa mais de forma alguma confundir-se quanto a questão da teologia bíblica versus a invenção humana do liberalismo. Ambos os lados já disseram o que tinham de dizer, e o fizeram corajosamente. Qualquer um pode saber exatamente onde se encontra em assuntos como a inspiração das Escrituras, a divindade de Jesus Cristo, a salvação através do sangue da expiação, morte e juízo, céu e inferno. A verdadeira linha de batalha se encontra noutro lugar.

O conflito decisivo em religião sempre se dará onde se chocarem conceitos importantes, conceitos de tal forma vitais que são capazes de salvar ou destruir a fé cristã na geração em que são contestados. Nessa conjuntura crítica na história da igreja, o verdadeiro conflito é entre aqueles que se apegam a um Cristianismo objetivo capaz de ser entendido inteiramente pelo intelecto humano e aqueles que crêem que existem áreas da experiência religiosa tão altamente espirituais, tão afastadas e tão elevadas acima da mera razão, que é necessária uma unção especial do Espírito Santo para torná-las compreensíveis ao coração humano. A diferença não é meramente acadêmica. Se os advogados do intelectualismo religioso forem bem sucedidos em dirigir a igreja nesta geração, a próxima geração de cristãos se tornará vítima fatal de ortodoxia morta.

Numa conversa com um dos mais bem conhecidos devotos do neo-intelectualismo dos círculos evangélicos, eu lhe perguntei francamente: "Você de fato crê que é possível entender com o intelecto humano tudo o que é essencial na fé cristã?" Sua resposta imediata foi: "Se eu não pensasse assim, estaria indo direto ao agnosticismo". Eu não disse a ele, mas poderia muito bem ter dito: "E se você crê assim, você está a caminho do racionalismo". Porque essa é a verdade.

Uma das questões mais difíceis de responder hoje é por que tantos bons e aparentemente sinceros líderes cristãos estão-se afastando tão rápido e para tão longe do ensino simples e das práticas do Novo Testamento. Elementos destrutivos estão sendo

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inocentemente introduzidos na adoração e nos cultos de hoje por evangélicos que amam a Bíblia, elementos tão opostos ao gênio autêntico do Cristianismo que os dois são mutuamente exclusivos. Um ou outro tem de desaparecer. Ou esses tumores parasitas são destruídos ou eles em pouco tempo destruirão a fé cristã. Contudo essas coisas mortíferas são incentivadas nas igrejas por alguns dos mais zelosos líderes ortodoxos. Por quê?

A resposta é mais simples do que podemos imaginar. Esses líderes estão dependendo de suas mentes para guiá-los em suas práticas religiosas. Eles concebem a verdade como um depósito doutrinário, uma espécie de mapa rodoviário teológico para conduzi-los ao céu. Eles examinam o mapa para certificar-se de que estão na direção certa, e depois disso avançam sozinhos. Não se faz necessário um Guia Invisível. Se são assaltados por dúvidas, precisam apenas parar sob um poste de rua e certificar-se de que de fato "aceitaram" a Cristo. Depois avançam novamente completamente confiantes de que estão trilhando a mesma estrada dos apóstolos e profetas.

A questão levantada por muitos hoje — por que a religião cresce e ao mesmo tempo fracassa moralmente — encontra sua resposta nesse exato erro, o erro do intelectualismo religioso. Os homens têm aparência de piedade mas lhe negam o poder. O mero texto não eleva a vida moral. Para tornar-se moralmente efetiva, a verdade tem de ser acompanhada de um elemento místico, esse mesmo elemento fornecido pelo Espírito da verdade. O Espírito Santo não será banido a uma mera nota de rodapé sem que tome terrível vingança contra aqueles que O desprezam dessa forma. Essa vingança pode ser vista hoje no fundamentalismo nervoso, cheio de gracejos, mundano e completamente carnal, que se alastra sobre nossa terra. Doutrinariamente, ele veste o manto da crença bíblica, mas além disso nem de longe se parece com a religião de Cristo e de Seus apóstolos.

A misteriosa presença do Espírito é vitalmente necessária se queremos evitar as armadilhas da religião. Da mesma forma que a coluna de fogo guiou Israel no deserto, assim o Espírito da verdade tem de nos guiar por toda a nossa jornada aqui. Há um texto bíblico que poderia consertar as coisas para nós de forma poderosa, se só lhe quiséssemos obedecer: "Confia no SENHOR de todo o teu coração e não te estribes no teu próprio entendimento" (Provérbios 3.5).

[We Travel an Appointed Way, capítulo 33]

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SEJAMOS CUIDADOSOS COM A MANEIRA COM QUE USAMOS AS ESCRITURAS

Há muitos que, ingenuamente, tomam por líquido e certo que a Bíblia possui uma espécie de poder mágico de fazer o bem, de forma que a simples leitura ou menção dela é proveitosa, independentemente das circunstâncias. Essa idéia precisa de correção.

Pedro chamou atenção ao fato de que os escritos de Paulo nem sempre são proveitosos a todo mundo: "como igualmente o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada, ao falar acerca destes assuntos, como, de fato, costuma fazer em todas as suas epístolas, nas quais há certas coisas difíceis de entender, que os ignorantes e instáveis deturpam, como também deturpam as demais Escrituras, para a própria destruição deles" (2 Pedro 3.15,16).

Há o perigo de que a Palavra de Deus se torne um véu opaco que oculte Deus de nós, e sem dúvida às vezes é exatamente isso que acontece. As Escrituras deveriam ser como a atmosfera, um meio transparente através do qual nós olhamos para o sol. Quando a atmosfera acima de nós impede a luz e faz com que vejamos a ela em vez de através dela, então a sua função original se desfez. Assim acontece também com a Palavra de Deus. Quando lemos a Bíblia tendo-a como um fim em si mesma, em vez de considerá-la um meio de compreender a Pessoa de Deus, ela já não está servindo para aquilo que foi designada para executar em nós. Colocado de outra forma, a Bíblia é um telescópio pelo qual contemplamos "a terra que está muito distante". Quando nos contentamos com o telescópio, ele com certeza nos haverá de desapontar, porque nunca jamais foi plano de Deus que um instrumento tomasse o lugar que somente a Ele pertence; Ele nunca pretendeu que um Livro substituísse a Palavra Viva.

A Bíblia tem um propósito triplo: ensinar, inspirar a fé e assegurar a obediência. Toda vez que for usada para outro propósito, estará sendo usada de forma errada e com certeza provocará dano. As Escrituras Sagradas somente nos trarão benefício à medida que tivermos mente aberta para sermos ensinados, um coração tenro para crer e uma vontade submissa para obedecer. Se tivermos esses três componentes, com certeza a Palavra escrita se tornará para nós uma lente transparente, através da qual poderemos contemplar o Deus Triúno. E essa contemplação pela fé significa provar um pouco do céu aqui embaixo.

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TODOS NÓS PENSAMOS DE FORMA CIRCULAR

Tanto os ministros como os escritores cristãos são, muitas vezes, acusados de sempre se repetir. A implicação disso é que uma idéia, uma vez exposta, deveria ser deixada para trás, para nunca mais ser mencionada. O raciocínio parece ser que as idéias são como os dias de aniversário: ninguém pode repeti-los, ou, se o fizer, alguma coisa está errada com a memória ou com a honestidade dessa pessoa.

A verdade é que todos nós pensamos de forma circular. É totalmente impossível embarcar no trem de um pensamento e avançar numa linha reta a partir desse ponto inicial. Somos todos compelidos pela nossa estrutura mental a nos mover em círculos, transmitindo de vez em quando as mesmas idéias, as quais nos parecem como amados e conhecidos pontos de referência.

O conjunto de idéias acessíveis à raça humana é relativamente pequeno, e são essas idéias que compõem toda a construção do pensamento humano possível a qualquer um, desde um aluno do primário até Platão. Talvez se acrescentem novos fatos à soma do nosso conhecimento dia após dia até ao fim da nossa vida, mas isso não faz mais do que alargar um pouco a tapeçaria; eles não podem mudar a cor nem alterar muito o modelo. A grandeza reside na habilidade de combinar e recombinar as velhas e conhecidas idéias para formar novas e "originais" belezas.

Isso não quer dizer que todos os homens sejam iguais na aquisição de idéias. Eles com certeza não o são. Alguns procuram tecer com apenas uma pequena fração das idéias que conseguem reter quando aproveitam as oportunidades que a vida proporciona; em consequência, a sua tapeçaria é monótona e repetitiva. Mas o mais estudado sábio ou o pensador mais profundo só tem um pouco mais de idéias com que trabalhar.

Se a mera exposição desse fato desanimar alguém, seria bom lembrar que os maiores artistas dos séculos foram obrigados a pintar as suas obras primas com apenas sete cores básicas. A sua genialidade os capacitou a criar inumeráveis combinações e sombras, mas sem descobrir nenhuma nova cor. E as tremendas obras de um Beethoven ou um Donizetti não são mais do que um punhado de tons musicais habilmente combinados.

Dessa forma, a arte criativa dos gênios bem como os mais humildes pensamentos do menos favorecido ministro têm de girar obrigatoriamente num círculo conhecido. E isso é verdade em cada campo do pensamento humano, inclusive na teologia cristã. Existem, por exemplo, 150 salmos na Bíblia, cada um dos quais é um tesouro em si mesmo e de valor inestimável ao coração que adora. Contudo, se fôssemos eliminar toda repetição, conseguiríamos reduzir a coleção a uma simples meia dúzia ou menos. Os mesmos pensamentos brilhantes aparecem repetidas vezes, como as cores numa pintura ou as notas musicais numa sinfonia; mas eles não cansam a mente inflamada com o

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amor a Deus; cada pensamento, maravilhoso e já conhecido, parece tão novo e tem um tal frescor como se tivesse sido descoberto há poucos instantes.

A mesma coisa é verdade quanto ao Novo Testamento. Se algum crítico decidisse a seu próprio critério não permitir que Paulo expressasse a mesma idéia duas vezes, reduziria para algumas poucas as oitenta páginas que suas treze epístolas ocupam na maioria das Bíblias em nossa língua. Contudo nenhum cristão nem mesmo pensaria em permitir uma tal violência. O que nós queremos é que todas as Epístolas de Paulo permaneçam exatamente como são. As idéias que elas contêm não são muitas, mas elas são como pilares que sustentam o universo, e como resultado delas se ergue o altíssimo templo da doutrina cristã, à sombra do qual, por séculos, os homens têm vivido suas jubilosas vidas e por quem alegremente entregaram a vida quando isso foi necessário.

Assim também o hinário revela a mesma abundância de beleza que cresce em espantosa profusão a partir de umas poucas idéias básicas. Repare no índice de qualquer hinário bem organizado, e você verá que os hinos que ali se encontram cobrem relativamente poucos tópicos: Deus, Cristo, o Espírito Santo, a cruz, a ressurreição, etc. Examine qualquer hino, ou dez hinos, ou cem, à busca de verdadeiras idéias teológicas, e você haverá de descobrir apenas algumas; mas quando combinadas e aplicadas às necessidades humanas ou oferecidas como expressão lírica de amorosa adoração, essas poucas idéias são tudo de que precisamos para este mundo e para o próximo. Dessa forma, cantamos alegremente em círculos, e a recorrência do conhecido, em vez de nos aborrecer, na verdade nos dá alegria e prazer, como a visão de nossa casa depois de um breve tempo longe.

Alguns pregadores têm uma tão grande fobia pela repetição e um tão terrível medo daquilo que é rotineiro, que estão sempre se esforçando pelo diferente e pelo impressionante. Quase em cada domingo, o boletim da igreja anuncia pelo menos um ou dois tópicos de sermão tão fora do caminho, ao ponto de serem francamente grotescos; é somente pelo mais ousado voo de imaginação descontrolada que se pode estabelecer alguma ligação entre o tópico e a religião de Cristo. Nós com certeza não nos atrevemos a contestar a honestidade ou a sinceridade dos homens que batem suas curtas asas tão rapidamente num esforço de se alçar no vasto infinito azul, mas com certeza lamentamos as suas atitudes. Ninguém jamais deveria tentar ser mais original do que um apóstolo.

[God Tells The Man Who Cares, capítulo 27.]


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