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Ano 1 - nº 1janeiro de 2004

Revista do IGP

Estudo populacional de 09 marcadoresautossômicos STRs em uma amostra dapopulação do Rio Grande do Sul...........3

A importância das variáveis do exameclínico para determinação do grau deembriaguez alcoólica............................5

Extração de DNA a partir de cadáverescarbonizados......................................24

Procedimentos para perícia dedocumentos elaborados em impressorasjato de tinta...........................................11

A perícia em casos de tortura..............13

Novas armas e munições....................26

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A idéia do Instituto-Geral de Perícias (IGP) possuir uma revista como canal de co-municação e promoção da produção científica dos seus servidores não é algo recente.Pode-se dizer que ela já existia implicitamente na Constituição do Estado do Rio Grandedo Sul, de 1989, quando no caput do Art. 136, o legislador incumbiu ao IGP também odesenvolvimento de estudos e pesquisas em sua área de atuação, as perícias médico-legaise criminalísticas e os serviços de identificação. Sabe-se que no meio acadêmico-científico,a conseqüência de todo estudo é a publicação de seus resultados. Logo, se há pesquisa,deve haver revista para que o conhecimento desenvolvido possa ser dividido com os de-mais profissionais da segurança pública do estado, do país e até do exterior.

Da Constituição Estadual até fevereiro de 2002, o projeto da Revista do IGP hiber-nou. Retomado pela Supervisão Técnica e pelo Conselho de Ensino, sua publicação nãoaconteceu pela inexistência de recursos disponíveis para atendimento da demanda. Mas aidéia não morreu. Aliás, a necessidade do IGP promover, estimular e intercambiar artigos,textos e comunicações de caráter técnico-científico dos seus Departamentos e Laborató-rio permanece mais viva do que nunca. Assim, com a ascensão de uma nova Direção-Geral em 2003, com apoio de sua Supervisão Técnica, do Conselho de Ensino e da Asses-soria de Comunicação Social, o projeto da Revista do IGP foi retomado.

Este primeiro número é o resultado dessa nova vontade política. A partir da elabora-ção de Normas para Colaborações (publicada na terceira capa) e da divulgação das mes-mas, coube ao Conselho Editorial designado a busca dos artigos que estão aqui publica-dos. Nesta edição de estréia, dentre o material recebido, todas as áreas estão representa-das: medicina legal, criminalística e identificação humana. Além dos profissionais do qua-dro do IGP, ressaltamos a honra de poder publicar dois artigos de peritos renomadosnacional e internacionalmente. Cita-se a participação do médico e bacharel em direito daParaíba, Genival Veloso de França, membro titular da Academia Internacional de Medici-na Legal, que trata da perícia em caso de tortura, um tema, infelizmente, muito atual.Também alinha-se a participação do gaúcho Domingos Tocchetto, Perito Criminalísticode 1972 a 1991, autor do livro Balística Forense – Aspectos técnicos e jurídicos, quetraz importantes informações sobre novas armas e munições.

Finalizando, a atual Direção-Geral do IGP tem a honra de, além de manter viva aidéia da Revista, poder ter sido a responsável pelo seu nascimento. A gestação foi longa,mas espera-se que o resultado tenha valido a pena. Aproveite a revista e participe! O IGPespera o seu artigo para ser publicado na próxima edição. Obrigado.

A Direção-Geral

ExpedienteConselho Editorial

Áureo Luiz Figueiredo MartinsMaria Cristina Bottizzo de FariasArthur Saldanha de Menezes Jr.Rafael Silva do NascimentoFrancisco Silveira BenficaFábio Pereira das Neves LeiteEduardo Lima SilvaDaniela BatistellaMaria Alice Hamilton Goulart

Projeto GráficoRaquel Friedrich

DiagramaçãoRafael Silva do Nascimento

Jornalista ResponsávelEduardo Lima Silva - Registro de Jor-

nalista Profissional Diplomado No 9.981(DRT/RS - Ministério do Trabalho)

ImpressãoCORAG - Companhia Rio-Gran-

dense de Artes Gráficas

Tiragem1.000 exemplaresDistribuição Gratuita e Dirigida

[email protected]

Governador do Estado do RioGrande do Sul

Germano Rigotto

Secretário da Justiça e da SegurançaJosé Otávio Germano

Instituto-Geral de PeríciasRua Voluntários da Pátria, 1358 - 3º - Porto

Alegre - RS - 90230-010

Diretor-GeralÁureo Luiz Figueiredo Martins

CorregedorFernando da Silva da Costa

Supervisora TécnicaMaria Cristina Bottizzo de Farias

Diretor AdministrativoSérgio Luiz de Oliveira Lopes

Departamento de CriminalísticaDiretora

Eliana Sarres Pessoa

Departamento de IdentificaçãoDiretor

Guilherme Ferreira Lopes

Departamento Médico-LegalDiretor

Marcos Rovinski

Laboratório de PeríciasChefe

Fábio Pereira das Neves Leite

Editorial

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1. Introdução

Os marcadores moleculares STRs (Short Tandem Repeats)têm sido amplamente utilizados em estudos de genéticapopulacional, e em exames forenses e de paternidade. No en-tanto, para o propósito de utilizar as freqüência alélicas em cál-culos estatísticos efetuados nos laudos periciais de DNA fo-rense, é recomendável se obter este parâmetro a partir de amos-tras de indivíduos oriundos da própria região de estudo. Comeste objetivo, o Setor de Biologia Molecular do Laboratório dePerícias realizou um estudo em 9 loci autossomais de STRs(D3S1358, D5S818, D7S820, D8S1179, D13S317, D18S51,D21S11, FGA e vWA), a partir de uma amostra da populaçãodo Rio Grande do Sul.

2. Materiais e Métodos

Foram amostras de sangue periférico obtidas em tubosvacuntainer com EDTA de aproximadamente 100 indivídu-os não aparentados da população do Estado do Rio Grandedo Sul.O DNA foi submetido aos métodos de extração não-orgânico por “salting out” (MILLER et al.,1988), orgânico,segundo os procedimentos próprios utilizados pelo FBI (Fe-deral Bureau of Investigation), “PCR-based typing protocolsFBI Laboratory” (1996) e FTA cards (Life Technologies doBrasil).

Foi retirada correspondente alíquota para ser submetidaao processo de quantificação de DNA total por gel de agarose0,8% e coradas com brometo de etídio.

Após diluições e concentrações apropriadas, as amostrasde DNA foram submetidas à amplificação pelo método dePCR com emprego do sistema de amplificação, perfazendo umtotal de 10 (dez) loci analisados, a saber: sistema decaplex deDNA microssatélite, de revelação por fluorescência, AmpFlSTRProfiler Plus, contendo 9 (nove) regiões de STRs e o sistema de

Estudo populacional de 09 marcadores autossômicos STRs em umaamostra da população do Rio Grande so Sul

Leite, Fábio P.N.a; Schwengber, Solange P.b; Raimann Paulo E.c;Albuquerque Trícia K.d

Setor de Biologia Molecular, Laboratório de Perícias, Instituto-Geral de Perícias, Secretaria da Justiça eda Segurança, Rio Grande do Sul

identificação do gênero sexual Amelogenina, alelos Xp22.1-22.3e Y, da empresa Applied Biosystems.

Os produtos obtidos com as amplificações pelo sistemadecaplex de DNA microssatélite, de revelação por fluorescênciaAmpFlSTR Profiler Plus, descrito acima, foram analisados peloABI PRISMTM 310 Genetic Analyser, com auxílio dos softwaresABI Prism 310 Collection, 310 GeneScan v.3.1.2 e Genotyperv.2.5.2, da empresa Applied Biosystems. Para a tabulação dosdados e análise estatística foi utilizado o programa GENEPOP(versão 1.2).

3. Conclusões

A heterozigose observada variou de 0,7115 (locus D5S818)a 0,8817 (locus D18S51). O poder de discriminação variam entre0,9681 (locus FGA) a 0,6856 (locus D18S51) e o poder de ex-clusão entre 0,4462 (locus D5S818) a 0,7582 (D18S51). Os locimais polimórficos foram o FGA e D18S51. Dois alelos rarosforam detectados, alelo 16,1 no locus FGA, alelo 15,2 no locusvWA, alelo 34,2 no locus D21S11 e alelo 15,2 no locus D3S1358.

Todos os loci, com exceção dos D5S818, D8S1179, e vWA es-tão em equilíbrio de Hardy Weinberg (nível de significância de 5%).

4. Perspectivas

Desenvolver um estudo, comparando-se as freqüênciasalélicas obtidas com dados de populações de outras regiões doBrasil assim como do exterior, a fim de verificar se há diferen-ças significativas entre aquelas, bem como a distância genéticaentre as mesmas.

Referências Bibliográficas

[1] J. Sambrook, E.F. Fritsch, T. Maniantis, Molecularcloning: a laboratory manual, Cold Spring HarborLaboratoryPress, Cold Spring Harbor, 1989.

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[2] M. Raymond, F Rousset, GENEPOP (Version 1.2):population genetics software for exact tests and ecumenicism,J. Heredity 86 (1995) 248-249.

[3] S.A Miller, D.D Dykes, H.F. Polesky, A simple SaltingOut Procedure for Extracting DNA from Human NucleatedCells, Nucleic Acids Reserch, Vol.6,1988, p.1215

Aleloa D3 vWA FGA D8 D21 D18 D5 D13 D7(N: 104) (N: 103) (N: 101) (N: 104) (N: 102) (N: 93) (N: 104) (N: 104) (N: 98)

7 0.0144 0.01028 0.0096 0.101 0.15829 0.0288 0.0481 0.0962 0.153110 0.101 0.0161 0.0865 0.0577 0.280611 0.0146 0.0865 0.0054 0.3702 0.2596 0.204112 0.0096 0.101 0.1183 0.3365 0.274 0.163313 0.0096 0.3173 0.1237 0.1058 0.1731 0.025513.2 0.005414 0.0769 0.0583 0.1971 0.1828 0.0192 0.0385 0.005115 0.2788 0.1408 0.149 0.123715.2 0.0048 0.009716 0.2981 0.2718 0.0198 0.0144 0.1398 0.009616.1 0.00517 0.1827 0.2767 0.005 0.0048 0.123718 0.1346 0.1602 0.005 0.069919 0.0048 0.0534 0.0248 0.59119.2 0.00520 0.0146 0.104 0.032320.2 0.00521 0.188121.2 0.009922 0.20323 0.123824 0.138625 0.084226 0.054527 0.0149 0.014728 0.005 0.161829 0.186330 0.205931 0.093131.2 0.132432.2 0.09833.2 0.39234 0.09834.2 0.0049Hex 0.7795 0.8012 0.8708 0.8132 0.8616 0.8822 0.7315 0.8072 0.8078Hob 0.7788 0.7864 0.7723 0.8077 0.8529 0.8817 0.7115 0.8462 0.7959PD 0.9148 0.9302 0.9681 0.9396 0.8447 0.6856 0.8837 0.9338 0.9327CE 0.5603 0.574 0.5486 0.6134 0.7005 0.7582 0.4462 0.6874 0.4786P 0.0819 0.0065 0.1185 0.0151 0.1011 0.1080 0.0014 0.6952 0.4406

Tabela 1Freqüência alélica e parâmetros estatísticos em uma amostra da população do Rio Grande do Sul.

a Hes: heterozigose esperada ; Hob: heterozigose observada ; PD: Poder de Discriminação; PE: Poder de Exclusão. P: Equilíbrio de Hardy Weinberg, teste exato; N:número de indivíduos genotipados.

Autores

[a] Perito Criminalístico[b] Perito Químico Toxicologista[c] Papiloscopista[d] Perito Químico Toxicologista

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A Importância das variáveis do exame clínico para determinação dograu de embriaguez alcoólica

Benfica, Francisco Silveiraa; Linden, Rafaelb; Vigo, Álvaroc

Departamento Médico-Legal, Instituto-Geral de Perícias, Porto Alegre, Rio Grande do Sul

ResumoEste estudo buscou demonstrar a importância das variáveis clínicas utilizadas pelo Departamento Médico Legal de Porto Alegre

para determinação do estado de embriaguez alcoólica dos indivíduos. Na análise dos efeitos simultâneos que as variáveis exercem sobrealcoolemia, o modelo mais relevante foi aquele que incorporou os elementos HÁLITO e MARCHA para explicar a presença ou nãode álcool no sangue. Um indivíduo com hálito alcoólico e marcha titubiante tem aproximadamente 75 vezes mais chance de apresentaralcoolemia superior a 6,0 dg/l do que um indivíduo com hálito atípico e marcha atípica. A probabilidade estimada deste indivíduoapresentar teor alcoólico acima de 6,0 dg/l é de 88%. Os resultado em conjunto das inúmeras variáveis utilizadas para determinaçãoclínica de embriaguez no entanto não foram relevantes para a discriminação do grau de alcoolemia. Explicações para este fato podemser especuladas, no sentido de que os peritos não estão adotando um procedimento padrão nas avaliações ou mesmo as variáveis emestudo provavelmente apresentem dificuldades para serem categorizadas de uma forma mais objetiva.

sicos (soluços, vômitos, freqüência cardíaca alterada,etc).

c) Exame complementar: É feito dosando-se a quanti-dade de álcool no sangue.

A utilização de critérios clínicos representa o principal mé-todo para diagnosticar o estado de embriaguez do indivíduo.Esta avaliação clínica, no entanto, apresenta variáveis subjeti-vas no seu processo de execução, levando a conseqüências noresultado dos exames. Esta variabilidade na avaliação é decor-rência de inúmeros fatores, tais como a tolerância individual aoálcool, o processo subjetivo de interpretação dos sinais e sinto-mas clínicos apresentados pelo periciado e a execução dos exa-mes por diferentes avaliadores. Por outro lado, o código de Trân-sito Brasileiro estabelece que a concentração de seis decigra-mas (6,0dg) de álcool por litro de sangue comprova que ocondutor se acha impedido de dirigir veículo automotor. Háuma necessidade portanto de se procurar correlacionar as variá-veis clínicas com o teor alcoólico previsto na lei. Os objetivosprincipais do trabalho são avaliar a adequação da rotina de Exa-me Clínico utilizada pelo Departamento Médico-Legal de Por-to Alegre como procedimento para predizer o grau de alcoolemiados indivíduos periciados e descrever as relações existentes en-tre o resultado do teor alcoólico e as variáveis clínicas.

Descritores

Teor alcoólico; embriaguez alcoólica e trânsito; períciamédico-legal.

1. Introdução

Os exames para verificação de embriaguez alcoólica, soli-citados pela autoridade policial, em ocorrências policiais ou detrânsito, são realizados pelo Departamento Médico Legal (DML)do Estado do Rio Grande do Sul. Estes exames seguem umasistemática definida pelo “Boletim de Acompanhamento Clíni-co-Odontológico”, cuja rotina consiste na observação de algu-mas características clínicas pré-definidas e na análise químicade sangue para detectar os níveis de álcool. No nosso meio,esta avaliação é feita através de:

a) Exame clínico subjetivo: Procura analisar o pacientesob vários aspectos, entre eles as funções mentaisrelacionadas com a atenção, memória, raciocínio,afetividade e audição.

b) Exame clínico objetivo: Procura os sinais de embria-guez tanto neurológicos (marcha, reflexos, coor-denação motora, fala, sensibilidade), quanto os fí-

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ferência de cada variável, mediante a construção de variáveisindicadoras, quando necessário. Assim, os testes do exameclínico, aqui chamados de co-variáveis, utilizados na etapa demodelagem e as correspondentes categorias de referência fo-ram descritos conforme tabela 1.

A primeira estratégia de análise consistiu em modelar osníveis ordinais do grau de alcoolemia (baixa, média ou alta) comofunção das variáveis clínicas. Contudo, como do ponto de vistaestritamente jurídico é suficiente classificar a alcoolemia de umindivíduo em apenas duas categorias, indicando se está acimado permitido ou não, ou seja, 6 dg/l, optou-se por um modeloem que o grau de alcoolemia (Y) foi considerado a variável de-pendente ou desfecho, assumindo os valores:

Nesta situação, para estudar as relações entre a presençaou não de alcoolemia e as covariáveis, usou-se um modelo deregressão logística tradicional. O ajuste do modelo foi realiza-do através do procedimento PROC LOGISTIC do SAS, utili-zando-se as variáveis indicadoras construídas no exame clínico.

Do ponto de vista pericial, inicialmente é interessante ava-liar o impacto que cada covariável provoca sobre o grau dealcoolemia. Assim, como “procedimento screening” foram ajus-tados os modelos individuais, isto é, o modelo logístico avalian-do apenas cada uma das covariáveis, isoladamente. É impor-tante observar que exceto para a variável “discurso”, o modelomostrou um ajuste satisfatório, sugerindo que, individualmen-

* categorias descartadas pela pequena incidência

Tabela 1

Y = { 0, se o nível de alcoolemia é menor ou igual a 6,0 dg/l;1, se o nível de alcoolemia é maior do que 6,0 dg/l.

Este estudo tem particular interesse principalmente quan-do os indivíduos não permitem a coleta de sangue para pesqui-sa de álcool.

2. Método

No período de janeiro a dezembro de 1998 foram analisa-dos todos os laudos de verificação de embriaguez alcoólica, cujassolicitações foram encaminhadas ao DML e o paciente permi-tiu a coleta de sangue para a pesquisa e dosagem do teor alcoó-lico, num total de 534 casos. Os dados foram todos tabulados eencaminhados para análise estatística. Para determinação daalcoolemia foram utilizadas amostras de 0,5 ml de sangue ve-noso, ao qual foram adicionados 0,5 ml de solução de n-butanolna concentração de 1 g/l, como padrão interno. A análise foirealizada em um cromatógrafo gasoso Shimadzu GC-17 comamostrador automático tipo Headspace Shimadzu HSS-4 edetector de ionização de chama. Foi utilizada uma coluna capi-lar DB-WAX (J & W Scientific) com 30 metros de comprimen-to e espessura do filme 0,25 mm e o gás de arraste foi o Hidro-gênio em um fluxo de 26 ml/min. As amostras foram condicio-nadas à 70 ºC por 4 minutos. A temperatura do injetor foi de150 ºC, a temperatura da coluna foi de 120 ºC e a temperaturado detector foi de 180 ºC. A curva de calibração teve oito pon-tos, de 0,5 a 40 dg/L, com análises realizadas em quintuplicata.

É importante observar que as variáveis clínicas sob in-vestigação são essencialmente categóricas e, devido ao peque-no número de ocorrências, algumas categorias foram agrupa-das ou descartadas. Também é vital definir a categoria de re-

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Tabela 2 - (*Razão de chances em relação à categoria de referência)

te, as covariáveis produzem um impacto significativo sobre ograu da alcoolemia.

Apesar dos modelos individuais produzirem alguma rele-vância prática para o perito, é mais interessante considerar ummodelo que permita avaliar o impacto simultâneo das covariáveissobre o grau de alcoolemia. Pelo estudo individual de cada testenão é possível avaliar os efeitos simultâneos que as covariáveisexercem sobre a presença ou não de alcoolemia. Assim, procu-rou-se também ajustar um modelo logístico com todas as variá-veis explanatórias, para identificar quais produzem, conjunta-mente, um impacto significativo sobre a alcoolemia. As combi-nações das diferentes covariáveis resultaram em um elevadonúmero de modelos distintos que poderiam ser considerados.Devido ao grande número de covariáveis, foi utilizado o pro-cedimento automático de seleção de modelos STEPWISE, dis-ponível no PROC LOGISTIC do SAS.

O modelo mais relevante foi aquele que incorporou ape-nas as variáveis HÁLITO e MARCHA para explicar a presençaou não de alcoolemia. Tentou-se incorporar outras variáveis aomodelo, mas como não houve uma melhoria substancial noajuste, optou-se pelo modelo mais simples. Para ilustrar, combase no modelo ajustado, é possível estimar a probabilidade deum indivíduo com hálito atípico e marcha atípica apresentargrau de alcoolemia baixo ou, para um indivíduo com hálito al-coólico e marcha titubeante a probabilidade de apresentar graude alcoolemia elevado. Estas probabilidades preditas são úteis

Variável Categorias Razão* Composta (referência) - Vestes Desalinho 2,1 Coerente (referência) - Discurso Incoerente 9,7 Orientado (referência) - Nível de Orientação Desorientado 4,0 Normal (referência) - Coloração da Face Ruborizada 4,3 Lúcido (referência) - Nível de Consciência Sonolento 4,4 Atípicas (referência) - Conjuntivas Hiperemiadas 5,9 Atípica (referência) - Marcha Titubeante 5,9 Normal (referência) - Reflexo Fotomotor Lento 5,4 Conservada (referência) - Coordenação Muscular Perturbada 6,1 Ausente (referência) - Presente 10,6 Sinal de Romberg Esboçado 3,2 Normal (referência) - Pulso Radial Taquicárdico 2,3 Atípico (referência) - Alcoólico 28,9 Hálito Duvidoso 5,5 Atento (referência) - Desatento 5,4 Eufórica 5,0 Agressiva 5,8

Atitude

Deprimida 1,3

para quantificar a probabilidade de um indivíduo apresentaralcoolemia nesta categoria especificada, dado um particularcontexto. Também foi possível estimar o impacto que cada con-texto provoca sobre o grau de alcoolemia, quando comparadoscom a situação em que o indivíduo periciado apresenta hálitoatípico e marcha atípica. Estas estimativas são as chamadas “ra-zão de chances”.

Por fim, o procedimento LOGISTIC informou tambémas estimativas das probabilidades de resultados falsos positivosou falsos negativos, bem como avaliou a sensibilidade e a espe-cificidade do modelo. A medida de sensibilidade é útil para ava-liar o poder que o modelo ajustado tem para identificar os ver-dadeiros indivíduos que apresentam alcoolemia superior a 6,0dg/l. Por sua vez a especificidade mede o poder do modeloajustado para identificar os indivíduos que apresentamalcoolemia menor do que 6,0 dg/l.

3. Resultados

O modelo logístico com apenas uma covariável mos-trou um ajuste satisfatório para todos os testes, exceto paraa variável “discurso”, sugerindo que, individualmente, todosproduzem um impacto significativo sobre o grau de al-coolemia.

Os resultados das estimativas quanto a razão de chances(odds ratio, em inglês) estão resumidos na tabela 2.

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Notas:(1) - em relação ao contexto referência “hálito atípico e marcha atípica”(2) - preditas pelo modelo ajustado para os correspondentes contextos

Tabela 3Contexto referência - hálito atípico e marcha atípica

A razão de chances é uma medida útil para comparar achance de um indivíduo, em qualquer dos contextos acima, apre-sentar alcoolemia maior do que 6,0 dg/l, em relação ao indiví-duo que está em outro contexto. Dessa maneira, levando emconsideração as tabelas apresentadas, indivíduos com vestes emdesalinho têm aproximadamente 2 vezes mais chances de apre-sentar grau de alcoolemia elevado (maior do que 6,0 dg/l) doque aqueles com vestes compostas. De forma similar, indivídu-os desorientados têm aproximadamente 4 vezes mais chancesde apresentar grau de alcoolemia elevado do que indivíduosorientados, o mesmo ocorrendo com indivíduos sonolentos emrelação aqueles que estão lúcidos. Por sua vez, indivíduos comSinal de Romberg presente apresentam 10,6 vezes mais chancesde apresentar alcoolemia elevada em relação aos periciados comSinal de Romberg ausente. As interpretações para os demaiscasos são análogas.

Na análise dos efeitos simultâneos que as covariáveis exer-cem sobre alcoolemia, o modelo mais relevante foi aquele queincorporou apenas as variáveis HÁLITO e MARCHA para ex-plicar a presença ou não de álcool no sangue. Embora seja pos-sível realizar quaisquer comparações, parece ser mais interes-sante comparar o risco de alcoolemia maior do que 6,0 dg/l emrelação ao “contexto referência” definido pelas combinaçõesde categorias “hálito atípico e marcha atípica”. O quadro abai-xo apresenta um resumo dos resultados, onde pode-se verificarque um indivíduo com hálito alcoólico e marcha titubeante ouebriosa tem aproximadamente 75 vezes mais chance de apre-sentar alcoolemia superior a 6,0 dg/l do que indivíduos comhálito atípico e marcha atípica.

As probabilidades preditas pelo modelo (veja a tabela 3),por sua vez, demonstraram que a possibilidade de um indiví-duo com hálito alcoólico e marcha titubeante apresentaralcoolemia maior do que 6,0 dg/l é de 88%. A sensibilidade domodelo para identificar os verdadeiros indivíduos comalcoolemia superior a 6,0 dg/l foi estimada em 58,4%. Aespecificidade, que mede o poder do modelo ajustado para iden-tificar os indivíduos com alcoolemia baixa foi de aproximada-mente 92%.

Com base no modelo ajustado, a estimativa da probabili-dade de falso positivo, ou seja indivíduos com hálito alcoólico emarcha titubeante apresentarem resultados abaixo de 6,0 dg/l éde 26%. Por outro lado, a probabilidade de falso negativo, ouseja indivíduos com hálito atípico e marcha atípica apresenta-rem alcoolemia alta é de aproximadamente 16%.

4. Discussão

A American Railway Association já em 1899 adotava re-gras proibindo o uso de bebidas alcoólicas em serviço. Regrassimilares foram adotadas pela Railroad Employee Brotherhoodtrês anos mais tarde. Para o National Safety Council o custoeconômico de um acidente fatal em estrada está estimado em$90.000 dólares, o que corresponde a uma perda anual acimade $ 4 bilhões de dólares.

Nosso país perde US$ 1,5 bilhão por ano com acidentesde trânsito. Os dados são do Ministério dos Transportes, queregistram o assustador número de 700 mil acidentes por ano,com cerca de 350 mil feridos e 25 mil mortos. Os dados apon-

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tam o Brasil como um dos países do mundo onde mais ocor-rem acidentes de trânsito. Nos Estados Unidos mais de 40.000pessoas morrem anualmente vítimas de acidentes de trânsito eo álcool representa o principal fator causal em mais de 50%destes acidentes. No Brasil, 75% dos acidentes automobilísti-cos com morte e 39% das ocorrências policiais estão associa-dos ao uso de bebidas alcoólicas.

Os exames para verificação de embriaguez etílica, utiliza-dos no nosso meio, consistem em avaliações subjetivas, objeti-vas e complementares. O exame complementar pode ser feitodosando-se a quantidade de álcool no sangue, ar expirado ouurina. Atualmente este diagnóstico está baseado na determina-ção do grau de alcoolemia (avaliação da taxa de álcool no san-gue), sendo este exame realizado em percentual de 76% dosindivíduos, enquanto em 16% dos casos a pesquisa de álcool éfeita na urina. É crescente, no entanto, o número de indivíduosque se recusam a permitir a coleta de sangue para a realizaçãodos exames de teor alcoólico.

Por outro lado, o código de Trânsito Brasileiro, de22.01.1998, estabelece, em seu artigo 276, que a concentraçãode seis decigramas (6,0dg) de álcool por litro de sangue com-prova que o condutor se acha impedido de dirigir veículoautomotor.

Isto tem produzido um aumento de solicitações por parteda autoridade policial no sentido de que o perito médico legistaestabeleça, baseado no exame clínico, uma correlação com ograu de teor alcoólico previsto no CTB. A dificuldade em seestabelecer critérios definidos durante o exame e o número deavaliadores realizando este tipo de exame fazem com que asconclusões quanto ao estado de embriaguez apresentem gran-de variabilidade, dificultando o estabelecimento de um critériohomogêneo de avaliação.

Neste sentido, o presente estudo procurou avaliar a exis-tência de uma associação mais objetiva entre o exame clínico eo teor alcoólico no sangue. Assim, as variáveis presentes noBoletim de Atendimento Clínico-Odontológico individualmentemostraram-se satisfatórias para avaliar a associação entre as con-dições do periciado com os níveis de teor alcoólico. Variáveiscomo vestes e pulso radial mostraram uma fraca associação, ouseja, quando presentes, o indivíduo possui aproximadamenteduas vezes mais chance de apresentar um teor alcoólico acimade 6 dg/l. Outras variáveis, por sua vez, como o hálito, apresen-taram um poder de avaliação maior, determinando que o indi-víduo com esta característica apresenta 29 vezes mais chancede um teor alcoólico acima dos níveis permitidos.

Um fato que chama a atenção, no entanto, é que a maioriadas características observadas no exame clínico, quando avalia-das conjuntamente no modelo, aparentemente não são relevan-tes para a discriminação do grau de alcoolemia, apesar de pro-

duzirem um impacto significativo quando avaliadas individual-mente. Seria esperado, em princípio, que as características clíni-cas observadas pelos peritos pudessem contribuir de maneiradiferenciada para discriminar a alcoolemia dos indivíduospericiados. Como possíveis explicações para este fato poderiaser especulado que os peritos não estão adotando um procedi-mento padrão nas avaliações ou mesmo que as variáveis emestudo apresentem dificuldades para ser categorizadas de umaforma mais objetiva.

Podemos notar que, se de fato isto acontece, a utilizaçãodos resultados gerados pelo modelo para fazer predições pode-ria conduzir a conclusões estatísticas equivocadas, com possí-veis repercussões catastróficas na esfera jurídica. Portanto, an-tes de utilizar o modelo ajustado para fazer predições, faz-senecessário uma profunda discussão sobre os aspectos ligados àprática da perícia, bem como um refinamento do modelo. Porexemplo, ao contrário da expectativa, a variável “Sinal deRomberg”, considerada como de importância quanto ao for-necimento de informações relevantes para discriminar o graude alcoolemia, foi “descartada” do modelo. Isto sugere a neces-sidade de avaliar o procedimento de observação desta caracte-rística clínica, posteriormente incorporando-a ao modelo, senecessário. Da mesma forma, um indivíduo com hálito alcoóli-co e marcha titubeante tem aproximadamente 75 vezes maischance de apresentar alcoolemia superior a 6,0 dg/l do que umindivíduo com hálito atípico e marcha atípica.

A probabilidade estimada deste indivíduo apresentar teoralcoólico acima de 6,0 dg/l é de 88%. Apesar dos resultadosestatísticos aparentemente elevados, o modelo ajustado mos-trou também que as probabilidades de resultados falso positivoe falso negativo são, respectivamente 26% e 16%. Ou seja, de-vemos agregar a esta probabilidade de 88% de teor alcoólicoacima de 6,0 dg/l em indivíduos com hálito alcoólico e marchatitubeante ou ebriosa, o fato de que este resultado pode serfalso positivo, ou seja a alcoolemia ser efetivamente menor doque 6,0 dg/l, em 26% dos casos. Igualmente, indivíduos commarcha atípica e hálito atípico têm uma probabilidade de 91%de apresentarem teor alcoólico abaixo de 6,0 dg/l. Neste caso,há uma probabilidade de 16% de que efetivamente este indiví-duo apresente teor alcoólico acima de 6,0. No primeiro caso arepercussão jurídica desta situação é muito mais grave já quecaracteriza uma situação de alcoolemia acima de 6,0dg/l, comtodas as suas conseqüências, mas com uma chance de erro de26%.

Outro aspecto a ser salientado é o pequeno número deobservações em alguns contextos, o que eventualmente pode-ria provocar perturbações nas estimativas dos parâmetros.

Convém ressaltar que, nesta etapa do estudo, o objetivobásico não é apresentar um modelo final que permita predizer

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o grau de alcoolemia dos periciados, mas sim avaliar a adequa-ção da rotina do Boletim de Acompanhamento Clínico–Odontológico. Neste sentido o estudo mostrou a dificuldadede se estabelecer uma correlação entre o exame clínico e o teoralcoólico, da maneira como vem sendo empregado atualmenteo modelo de exame para verificação de embriaguez alcoólicano DML de Porto Alegre.

5. Conclusão

O presente estudo demonstrou a importância das variá-veis clínicas utilizadas no Boletim de Atendimento Clínico-Odontológico utilizado pelo Departamento Médico Legal dePorto Alegre para determinação do estado de embriaguez doindivíduo. Na análise dos efeitos simultâneos que as variáveisexercem sobre alcoolemia, o modelo mais relevante foi aqueleque incorporou os elementos HÁLITO e MARCHA para ex-plicar a presença ou não de álcool no sangue. Um indivíduocom hálito alcoólico e marcha titubeante tem aproximadamen-te 75 vezes mais chance de apresentar alcoolemia superior a 6,0dg/l do que um indivíduo com hálito atípico e marcha atípica.A probabilidade estimada deste indivíduo apresentar teor alcoó-lico acima de 6,0 dg/l é de 88%.

Os resultado em conjunto das inúmeras variáveis utiliza-

das para determinação clínica de embriaguez, no entanto, não fo-ram relevantes para a discriminação do grau de alcoolemia. Expli-cações para este fato podem ser especuladas, no sentido de que osperitos não estão adotando um procedimento padrão nas avalia-ções ou mesmo as variáveis em estudo provavelmente apresentemdificuldades para serem categorizadas de uma forma mais objetiva.

Um modelo de exame clínico que permita discriminar comsegurança o grau de alcoolemia deve ser buscado em uma se-gunda etapa, devendo-se inicialmente buscar a padronizaçãodos procedimentos de observação clínica, por parte dos peritosavaliadores.

Autores

[a] Perito Médico Legista do Departamento Médico-Le-gal de Porto Alegre-RS; Professor de Medicina Legal da Uni-versidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS-RS e do Cen-tro Universitário Ritter dos Reis – UNIRITTER-RS; Mestreem Medicina;

[b] Perito Químico Toxicologista do Laboratório de Perí-cias do Instituto Geral de Perícias-RS; Mestre em Ciências Far-macêuticas;

[c] Professor de Estatística da Universidade Federal doRio Grande do Sul - UFRGS; Mestre em Estatística.

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Procedimentos para perícia de documentos elaborados em impressorasjato de tinta

Saldanha, Rogério Gomes - Perito Criminalísticoa

Laboratório de Perícias, Instituto-Geral de Perícias, Porto Alegre, Rio Grande do Sul

Gráfico 1Marcha analítica no exame de documentos elaborados em impressoras jato de tinta.

1. Introdução

A popularização do uso de impressoras de computador,particularmente as impressoras jato de tinta, tem aumentado ademanda de perícias em documentos elaborados neste tipo deequipamento. Na maioria dos casos os princípios do examemecanográfico tradicional são insuficientes nesta períciadocumentoscópica. A identificação da impressora ou o cotejoentre documentos nem sempre pode ser feito com base nosvícios e defeitos de impressão, uma vez que esse tipo de equipa-mento não apresenta tantas características individualizadoras,decorrentes do uso ou da fabricação, como as máquinas de es-crever e impressoras matriciais.

O presente trabalho pretende oferecer ao perito umametodologia de exame, baseada nas características físicas da im-pressão, na solubilidade e na composição química das tintas.Naturalmente este tipo de análise não possibilita a identifica-ção direta da impressora, trata-se de uma abordagem por exclu-são. Contudo esta conclusão pode ser definitiva dependendodo contexto, particularmente quando se tratar de questiona-

mentos quanto à inserção de textos em obras ou a momentosde impressão.

2. Procedimento analítico

Por meio do esquema a seguir podemos visualizar a mar-cha analítica a ser empregada no exame dos documentos elabo-rados em impressoras jato de tinta, conforme figura 1.

No exame óptico, com auxílio de lupa com aumento até40:1 e iluminação com ângulo de incidência variável, é possívelanalisar o brilho e a tonalidade da tinta, bem como a absorçãoda mesma pelo papel. Algumas tintas são constituídas por pig-mentos sólidos em suspensão, como na Lexmark 3200, o quefaz com que os mesmos sejam depositados sobre as fibras dopapel, conferindo sutil volume à impressão. Em outras formu-lações os corantes são líquidos, sendo completamente absorvi-dos pelo suporte. O efeito desses dois tipos de tintas pode serfacilmente diferenciado pela análise óptica.

O segundo passo fundamenta-se na diferença de solubili-dade das tintas impressas de diferentes marcas. Na tabela 1 é

Exame óptico

Cromatografia

- Diferente Tonalidade- Diferente Absorção

Diferente Solubilidade Teste de Solubilidade

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possível observar essa diferença frente a alguns solventes.Como podemos ver, um simples teste de solubilidade poderiaser suficiente para determinar, por exemplo, que dois docu-mentos cotejados não foram impressos com a mesma tinta.

Por fim, o exame de documentos impressos em impres-soras jato de tinta pode ser realizado através de cromatografiade camada delgada (CCD). A técnica é bastante simples e ba-rata e pode ser realizada em laboratórios de documentoscopia.

A cromatografia de camada delgada é um processo deseparação de misturas baseado na diferença de afinidade en-tre os compostos constituintes e as fases móvel – o eluente –e estacionária – a placa.

O exame consiste em remover pequenas quantidades detinta dos documentos a serem cotejados utilizando-se umsolvente apropriado – identificado no teste de solubilidade –e transferi-las para a placa cromatográfica, que será submeti-da à corrida do eluente. Sugerimos o uso de cromatofolhas de

sílica gel e, como eluente, etanol.Para os peritos não familiarizados com CCD recomen-

damos a leitura do artigo Thin-layer chromatography of writinginks – Quality control considerations (Lewis, JA, Journal of ForensicSciences, sep. 1996, pg 874-877).

Muitas tintas pretas são constituídas de pigmentos colo-ridos, facilmente separáveis, o que possibilita a comparaçãodireta das amostras, sem a necessidade de reveladores.

3. Conclusão

O exame pericial de documentos elaborados em impres-soras jatos de tinta pode ser realizado com base nas diferen-ças visuais, de solubilidade e de composição química das tin-tas de impressão. Os procedimentos analíticos são bastantesimples e baratos, estando ao alcance de qualquer perito fo-rense.

Tabela 1: solubilidade das tintas de impressão

Autor

[a] Perito Criminalístico do Laboratório de Perícias.

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A perícia em casos de tortura*França, Genival Veloso dea

Membro Titular da Academia Internacional de Medicina Legal

1. Resumo

O autor, além de conceituar a tortura à luz da legislaçãobrasileira vigente, fala da violência institucional no Brasil, cha-ma a atenção quanto ao vínculo dos IMLs com os órgãos desegurança, faz uma série de recomendações quando do examedas vítimas de alegada tortura, chamando a atenção para o exa-me clínico e as necropsias em casos de morte por maus tratosou outras formas cruéis, desumanas ou degradantes de trata-mento ou punição.

2. Descritores

Métodos avaliativos de maus tratos; avaliação de meioscruéis ou degradantes; perícias de maus tratos ou punições.

3. Preliminares

Toda e qualquer ação que tenha como destino as pessoase o seu modo de viver, implica necessariamente no reconheci-mento de certos valores. Qualquer que seja a maneira de abor-dar esta questão vamos chegar a um entendimento que o maissignificativo desses valores é sempre o próprio ser humano, noconjunto de seus atributos materiais, físicos e morais. Se nãofor assim, cada um de nós nada mais representa senão um sim-ples objeto, sem identidade e sem nenhum destino.

3.1 A vida humana como valor ético.O valor da vida é de tal magnitude que, até mesmo nos

momentos mais graves, quando tudo parece perdido, dadas ascondições mais excepcionais e precárias – como nos conflitosinternacionais, na hora em que o direito da força se instala ne-gando o próprio Direito, e quando tudo é paradoxal e inconce-bível -, ainda assim a intuição humana tenta protegê-la contra ainsânia coletiva, criando regras que impeçam a prática de cruel-dades inúteis.

Quando a paz passa a ser apenas um instante entre doistumultos, o homem tenta encontrar nos céus do amanhã umaaurora de salvação. A ciência, de forma desesperada, convocaos cientistas a se debruçarem sobre as bancadas de seus labora-

tórios, na procura de meios salvadores da vida. Nas mesas dasconversações internacionais, mesmo entre intrigas e astúcias,os líderes do mundo inteiro tentam se reencontrar com a maisirrecusável de suas normas: o respeito pela vida humana.

Assim, no âmago de todos os valores está o maisindeclinável de todos eles: a vida do homem. Sem ela, não exis-te a pessoa humana. Não existe a base de sua identidade. Mes-mo diante da proletária tragédia de cada homem e de cadamulher, quase naufragados na luta desesperada pela sobrevi-vência do dia a dia, ninguém abre mão dos seus direitos desobrevivência. Essa consciência é que faz a vida mais que umbem: um valor.

A partir dessa concepção, hoje, mais ainda, a vida passa aser respeitada e protegida não só como um bem afetivo oupatrimonial, mas pelo que ela se reveste de valor ético. Não seconstitui apenas de um meio de continuidade biológica, mas deuma qualidade e de uma dignidade que faz com que cada umrealize seu destino de criatura humana.

Sendo a ética uma proposta em favor do bem comum,não pode ela ser desvinculada do conjunto das necessidadesindividuais e coletivas. Faz parte de um sistema de forças queconduz o homem na luta pela liberdade e pela justiça social.

3.2 A vida humana como valor jurídico.

Vivemos sob a égide de uma Constituição que orienta oEstado no sentido da “dignidade da pessoa humana”, tendocomo normas a promoção do bem comum, a garantia da inte-gridade física e moral do cidadão e a proteção incondicional dodireito à vida. Tal proteção é de tal forma solene que o atentadoa essa integridade eleva-se à condição de ato de lesa-Humani-dade: um atentado contra todos os homens.

Afirma-se que a Constituição do Brasil protege a vida eque tudo aquilo que soa diferente é contrário ao Direito e porisso não pode realizar-se. Todavia, dizer que a vida depende daproteção da Carta Maior é superfetação porque a vida está aci-ma das normas e compõe todos os artigos, parágrafos, incisose alíneas de todas as Constituintes.

Cada dia que passa, a consciência atual, despertada e atur-dida pela insensibilidade e pela indiferença do mundo tecnicista,

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começa a se reencontrar com a mais lógica de suas normas: atutela da vida.

Essa consciência de que a vida humana necessita de umaimperiosa proteção vai criando uma série de regras que vai seajustando mais e mais com cada agressão sofrida, não apenasno sentido de se criar dispositivos legais, mas como maneira deestabelecer formas mais fraternas de convivência. Este sim, se-ria o melhor caminho.

Tudo isso vai sedimentando uma idéia de que a vida detodo ser humano é ornada de especial dignidade e que isto deveser colocado de forma clara em defesa da proteção das necessi-dades e da sobrevivência de cada um. Esses direitos fundamen-tais e irrecusáveis da pessoa humana devem ser definidos porum conjunto de normas possibilitando que cada um tenha con-dições de desenvolver suas aptidões e suas possibilidades.

3.3 A defesa da pessoa e da vida e os direitos humanos.

O mais efetivo marco em favor da defesa da pessoa hu-mana e conseqüentemente da sua vida vem da vitória da Revo-lução Francesa, com a edição da Declaração dos Direitos doHomem e do Cidadão em 1789, onde já no seu artigo primeirose lê: “todos os homens nascem e permanecem livres e iguaisem direitos”. E no artigo 5º é mais enfática quando diz: “nin-guém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigocruel, desumano ou degradante”.

Mesmo que o mundo tenha assistido dois grandes confli-tos internacionais neste século e que algumas pessoas continu-em mais e mais em busca de privilégios e vantagens individuais,não se pode negar que algo vem sendo feito em favor dos valo-res humanos. O que nos faz pensar assim é o crescimento deuma significativa parcela da sociedade que já se conscientizou,de forma isolada ou em grupos, que a defesa dos direitos hu-manos não é apenas algo emblemático, mas um argumentomuito forte em favor da sobrevivência do homem. Isto nãoquer dizer que não haja por parte de alguns a alegação de que adefesa dos direitos humanos seja um risco para a sociedade,uma subversão da ordem pública, um jogo de interesses ideoló-gicos ou uma ameaça aos direitos patrimoniais. Outros, por in-genuidade ou má-fé, admitem que a luta em favor dos direitoshumanos é uma apologia ao crime e um endosso ao criminoso.

A partir da edição da Declaração Universal dos DireitosHumanos pela Assembléia Geral da Organização das NaçõesUnidas em 1948, embora sem eficácia jurídica, pode-se dizerque ela representa um momento importante na história das li-berdades humanas, não apenas pelo que ali se lê em termos doideal de uma convivência humana, mas pelas declaradas ade-sões dos países membros desta Organização.

Espera-se que passo a passo a humanidade vá construin-do um ideário onde fique evidente a importância da valoriza-

ção da pessoa e o reconhecimento irrecusável dos direitos hu-manos. Não adianta todo esse encantamento com o progressoda técnica e da ciência se não for em favor do homem. Se não,esse progresso será uma coisa pobre e mesquinha.

4. Violência institucional no Brasil

Os aparelhos do poder organizado em nosso país que dis-ciplinam as relações sociais e que administram a repressão (polí-cia), que julgam e aplicam as sanções (justiça) e que executam apunição (prisão) não deixam, de certo modo, de exercer ou to-lerar a violência. O Estado constitui-se sem dúvida na mais gra-ve forma de arbítrio, porque ela flui de um órgão de proteção econtra o qual dificilmente se tem remédio1.

Parte da estrutura policial tornou-se viciada pela intole-rância e pela corrupção, imbuída de uma mentalidade repressi-va, reacionária e preconceituosa, na mais absoluta fidelidadeque o Sistema lhe impôs desde os anos de repressão. Hoje talfração desta estrutura não somente perdeu a credibilidade dapopulação, como lhe causa medo.

O aparelho policial mostra-se cada vez mais violento apartir da organização dos movimentos coletivos de reivindica-ção e protesto. Dessa forma, com o surgimento mais constantedesses movimentos populares, o poder passou a prevenir e con-trolar de forma agressiva o que ele chamou de “desordens pú-blicas”. Esse aparelho de poder autorizado legalmente a usar aviolência contra os trabalhadores sem terra e sem emprego, deixaclaro que a garantia da “ordem social” tem suas razões ditadaspelas classes dominantes que se sentem ameaçadas. Este modode atuar do aparelho policial não deixa de ser uma fonte per-manente de conflitos, fazendo com que essa corporação se cons-titua numa forma de violência institucional.

De certa forma pode-se dizer que o aparelho judicial tam-bém constitui numa modalidade de violência institucional, apartir do instante em que suas decisões se inclinam obstinada-mente para o lado do legalismo insensível, deixando de agirpela eqüidade. Não é outro senão o próprio Presidente do Su-premo Tribunal Federal que diz: “necessitamos de um sistemaque seja processualmente célere, politicamente independente,socialmente eficaz e tecnicamente eficiente” (Revista Veja, ano32, n.º 12, 22/mar./1999, pag. 36).

O princípio da legalidade é o eixo da lógica da justiça cri-minal, mas se olharmos para os presídios não é difícil entenderque essa ideologia, pelo menos na prática, favorece os interes-ses e as pessoas das classes dominantes. Estes indivíduos, per-tencentes a certa casta social, exageram o limite da liberdadereal, enquanto os outros, marginalizados pelo processo de pro-dução, estão submetidos às regras de sua categoria e, por isso,têm suas liberdades condicionadas. Até porque as leis que sãoseguidas fielmente pelo aparelho judicial são elaboradas a par-

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tir dos interesses que os legisladores defendem e representam.E estes não têm nenhuma intimidade com aspirações da popu-lação que mais necessita e anseia por justiça.

A violência do aparelho carcerário é certamente a maisimpiedosa e humilhante, porque o presidiário, principalmenteo de crimes comuns, representa para o poder e para uma fraçãoda sociedade, uma escória. Não passa pelos critérios dessas pes-soas que a pena seja uma medida de recuperação e deressocialização, mas tão-só um instrumento de vingança e dereparação. O próprio sentido de intimidação e de excessivo ri-gor punitivo não deixa de constituir uma modalidade de terro-rismo oficial.

A forma como essas instituições são administradas e operfil dos seus administradores não deixam dúvidas do verda-deiro sentido dessas prisões. Não é nenhuma novidade afirmarque essas casas de custódia funcionam como desestímulo arra-sador aos programas de recuperação. E é nesse ambiente detrabalhos inúteis, de degradação e coação disciplinar, de práticasistemática de torturas e maus tratos que o regime carceráriopropõe recuperar seus presos.

Tudo que existe de sórdido no sistema carcerário: aprepotência, a falta de disciplina e a brutalidade gratuita de al-guns agentes do poder e o seu desdém pelas entidades que pro-movem a defesa e a proteção dos direitos humanos, é com cer-teza a manifestação mais abjeta da intolerância, da irreverênciae do arbítrio. Esta “justiça paralela”, amparada pela mesma ins-piração de violência instituída, só serve para desmoralizar a Jus-tiça e aviltar a dignidade humana.

5. Desvinculação dos IMLs da área da Segurança

Dentro deste quadro, um dos fatos mais graves e desalen-tadores, tem sido a inserção dos Institutos Médico-Legais nosorganismos de repressão, quando deviam estar entre aquelesque são os verdadeiros arautos na defesa dos direitos humanos.Isso infelizmente pode comprometer os interesses mais legíti-mos da sociedade. Muitos desses Institutos estão subordinadosdiretamente a Delegados de Polícia.

Por isso, pela incidência quase generalizada da violência edo arbítrio dos órgãos de repressão, sempre defendemos a idéiada imediata desvinculação dos Institutos de Medicina Legal daárea de Segurança, não só pela possibilidade de se estabelecerpressões, mas pela oportunidade de se levantar dúvidas nacredibilidade do ato pericial. A polícia que prende, espanca emata é a mesma que conduz o processo2.

Como sempre, mas hoje muito mais, os órgãos de períciasão de importância significativa na prevenção, repressão e re-paração dos delitos, porque a prova técnico-científica prevale-ce, diz o bom-senso, sobre as demais provas ditas racionais,notadamente nas questões criminais.

Por isso a Medicina Legal não pode deixar de ser vistacomo um núcleo de ciência a serviço da Justiça, e o médiconestas condições é sempre um analista do Juiz, e não umpreposto da autoridade policial. Desse modo, sente-se a neces-sidade cada vez mais premente de transformar esses Institutosem órgãos auxiliares do Poder Judiciário, e sempre com a deno-minação de Institutos Médico-Legais, como a tradição os con-sagrou pelo seu mais alto destino. Atualmente há uma tendên-cia da tecnocracia estatal chamar esses departamentos de Insti-tutos de Polícia Científica ou de Polícia Técnica. Nem se podeadmitir Polícia como ciência nem Medicina Legal como polícia.

Lamentavelmente, por distorção de origem, quando as re-partições médico-legais nada mais representavam senão sim-ples apêndices das Centrais de Polícia e os legistas meros auxi-liares subordinados à autoridade policial, permanece o desa-gradável engano, ficando até hoje a idéia entre muitos que alegisperícia é parte integrante e inerente da atividade policial. Eo mais grave: isso fez que se criasse, num bom número de legistasbrasileiros, uma postura nitidamente policialesca que se satisfazcom a exibição de carteiras de polícia ou de portes de arma.

A Medicina Legal tem outra missão, mais ampla e maisdecisiva dentro da esfera do judiciário, no sentido de estabele-cer a verdade dos fatos, na mais justa aspiração do direito.

Foi com esse pensamento que a Comissão de Estudos doCrime e da Violência, criada pelo Ministério da Justiça, propôsao Governo a desvinculação dos Institutos Médico-Legais e daprópria Perícia Criminal, dos órgãos de polícia repressiva. Oobjetivo era “evitar a imagem do comprometimento semprepresente, quando, por interesse da Justiça, são convocados paraparticipar de investigações sobre autoria de crimes atribuídos àPolícia”.

A solução apresentada pela Comissão, tendo como presi-dente o Professor Viana de Moraes, era “que estes serviçostécnicos hoje sujeitos à Secretaria de Segurança Pública, pas-sem a integrar o quadro administrativo das Secretarias de Justi-ça”. Pessoalmente acho que pouco mudaria se os órgãos deperícias fossem para tais Secretarias, ou mesmo para o Ministé-rio da Justiça. O local mais adequado seria o Ministério PúblicoEstadual, a quem constitucionalmente cabe o ônus da produ-ção da prova. Ou como as Coordenadorias de Perícias, adotadaspelos Estados do Pará e Amapá, autônomas e ligadas direta-mente ao Gabinete do Governador.

A justificativa era baseada em trabalhos do juiz João deDeus Mena Barreto e do criminalista Serrano Neves, documen-tados por vários crimes atribuídos aos policiais, onde os laudoselaborados por peritos oficiais subordinados às Secretarias deSegurança, segundo aqueles autores contestavam e negavam aautoria, entre eles o da morte do operário Aézio da Silva Fon-seca, servente do Itanhangá Golf Clube do Rio de Janeiro e dooperário Manoel Fiel Filho, este último dado como suicida por

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estrangulamento, o que teoricamente e naquelas circunstânciasera inaceitável.

Ninguém de bom-senso pode assegurar que dessa vincu-lação possa existir sempre qualquer forma de coação. Mas, difi-cilmente se poderia deixar de aceitar a idéia de que em algumasocasiões possa existir pressão, quando se sabe que os órgãos derepressão no Brasil estiveram ou estão seriamente envolvidosno arbítrio e na violência. Pelo menos, suprimiria esse gravefator de suspeição, criado pela dependência e pela subordina-ção funcional.

Enquanto o aparelho policial permanecer vinculado a es-ses lamentáveis episódios, e os cargos de direção das reparti-ções médico-legais forem distribuídos entre indivíduos da con-fiança e da intimidade do partido oficial, haverá, pelo menos,dúvidas em alguns resultados.

6. Tortura

A Lei n.º 9.455, de 7 de abril de 1997, que regulamenta oinciso XLIII do artigo 5º da Constituição do Brasil de 1988,define tortura como o sofrimento físico ou mental causado aalguém com emprego de violência ou grave ameaça, com o fimde obter informação, declaração ou confissão de vítima ou deterceira pessoa, outrossim, para provocar ação ou omissão denatureza criminosa ou então em razão de discriminação racialou religiosa3. Por sua vez, a Declaração de Tóquio, aprovadapela Assembléia Geral da Associação Médica Mundial, em 10de outubro de 1975, define como: “a imposição deliberada, sis-temática e desconsiderada de sofrimento físico ou mental porparte de uma ou mais pessoas, atuando por própria conta ouseguindo ordens de qualquer tipo de poder, com o fim de for-çar uma outra pessoa a dar informações, confessar, ou por ou-tra razão qualquer”.

A Convenção da Organização das Nações Unidas contraa Tortura a define como “um ato pelo qual são infligidos, inten-cionalmente, a uma pessoa, dores ou sofrimentos graves, sejameles físicos ou mentais, com o fim de obter informações ouuma confissão, de castigá-la por um ato cometido ou que sesuspeita que tenha cometido, de intimidá-la ou coagi-la, ou porqualquer razão baseada em qualquer tipo de discriminação”.

A Convenção Interamericana para Prevenir e Sancionar aTortura dá definição mais avançada que esta da Convenção daONU quando define a tortura como “a aplicação, em uma pes-soa, de métodos que tendem a anular a personalidade da vítimaou diminuir sua capacidade física ou mental, embora não cau-sem dor física ou angústia psíquica”.

A verdade é que o fato de o ser humano sofrer de formadeliberada de tratamento desumano, degradante e cruel, com afinalidade de produzir sofrimentos físicos ou morais, é tão an-

tigo quando a história da própria Humanidade. Houve uma épo-ca, não tão distante, que a Igreja e o Estado usavam a torturacomo formas legais de expiação de culpa ou como forma legalde pena. A Inquisição e a Doutrina de Segurança Nacional nãosão diferentes em seus métodos, princípios e objetivos.

Na atualidade, malgrado um ou outro esforço, muitossão os países que ainda praticam, ou toleram a tortura empessoas indefesas, sem nenhuma justificativa ou qualquer fun-damento de ordem normativa. Muitas dessas práticas têm porfinalidade punir tendências ideológicas ou reprovar e inibir osmovimentos libertários ou as manifestações políticas de pro-testo. Muitas dessas práticas cruéis e degradantes nada têmque ver com a chamada “obtenção da verdade”, mas uma es-tratégia do sistema repressivo que dispõe o Estado, contra osdireitos e as liberdades dos seus opositores, como estratégiade manutenção no poder.

Não é por outra razão que sua metodologia e seus princí-pios estão nos currículos, como matéria teórica e prática dascorporações militares e policiais. Não quer dizer que não existatambém a banalização do instinto violento como maneira tor-pe de dobrar o espírito das pessoas para o torturado admitir oque quer o torturador. No fundo mesmo o que se procura coma tortura é o sofrimento corporal insuportável, levando a umafragmentação do corpo e da mente.

Tais procedimentos, por razões muito óbvias, são desco-nhecidas na maioria das vezes, pois sua divulgação, mesmo empaíses ditos democráticos, é evitada de maneira disfarçada, eassim, os organismos internacionais que cuidam dos direitoshumanos não têm informações nem acesso aos torturados. Poroutro lado, as próprias autoridades locais do setor de saúde nãoincluem essas vítimas dentro de um programa capaz de resgatá-las de suas graves seqüelas.

Recomendações em perícias de casos de tortura:

1 - valorizar o exame esquelético-tegumentar.2 - descrever detalhadamente a sede e as características dos ferimentos.3 - registrar em esquemas corporais todas as lesões encontradas.4 - fotografar as lesões e alterações existentes nos exames interno e externo.5 - detalhar em todas as lesões, independente do seu vulto, a forma, idade,

dimensões, localização e particularidades.6 - radiografar, quando possível, todos os segmentos e regiões agredidos ou

suspeitos de violência.7 - examinar a vítima de tortura sem a presença dos agentes do poder.8 - trabalhar sempre em equipe.9 - examinar à luz do dia.10 - usar os meios subsidiários disponíveis.

7. Exame clínico em casos de tortura

Toda avaliação pericial com fins legais, diante de casos desuspeita de tortura deve ser realizada de forma clara e imparci-

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al, com base nos fundamentos médico-legais e na experiênciaprofissional do perito. O ideal seria que essas perícias fossemfeitas não apenas por profissionais imparciais, mas também porpessoas que tenham treinamento nestes tipos de exames, sa-bendo utilizar-se dos meios semiológicos pertinentes, dos mei-os complementares específicos a cada caso e dos meiosilustrativos disponíveis.

O exame deve ser feito num clima de confiança, com pa-ciência e cortesia. Entender que as vítimas de tortura, na maio-ria das vezes, mostram-se arredios, desconfiados e abalados,em face das situações vergonhosas e humilhantes que tenhampassado.

Deve-se manter sigilo das confidências relatadas e somen-te divulgá-las com o consentimento da vítima. Examiná-la comprivacidade, jamais na presença de outras pessoas, principal-mente de indivíduos que possam ser responsáveis ou coniven-tes com os maus tratos. Desaconselha-se até a presença dafamília4.

O perito deve ter o consentimento livre e esclarecido doexaminado sobre fins e objetivos do exame e este tem o direitode recusar ser examinado ou limitar o exame. Por outro lado, asvítimas podem escolher o perito ou podem optar pelo sexomasculino ou feminino do examinador. Em casos de estrangei-ros tem também o direito de escolher seu intérprete.

Histórico: O histórico deve ser completo e detalhado, in-cluindo informações de doenças pregressas e traumas anterio-res à detenção ou maus tratos. Todas as informações sobre trau-mas atuais e antigos são importantes, não apenas no que serefere a sua existência mas ainda as suas práticas e métodos,pois isto pode contribuir para futuras observações.

Exame físico: Além do exame das vestes deve-se procederao exame físico detalhado, utilizando como meio de ilustraçãofotografias e esquemas em diagramas do corpo humano.

A face deve ser examinada para avaliar se há fraturas, as-sim como seus componentes motores e sensoriais, inclusive como uso dos Raios X. Diversas são as modalidades de lesões dosolhos, desde a equimose conjuntival até a cegueira. Os ouvidosnão podem passar sem reparo pois é comum uso do “telefone”pelos torturadores, que consiste num trauma duplo com asmãos em forma de concha em ambos pavilhões auriculares,ocorrendo daí roturas de tímpano e perda de audição. O narizdeve ser visto quanto seu alinhamento e ao desvio de septonasal, como forma de diagnosticar possíveis fraturas. Exameda mandíbula na procura de fratura ou deslocamento. O mes-mo se diga quanto à cavidade oral e dentes, tendo em conta queem prisões não é raro os traumas diretos ou a tortura por cho-que elétrico produzirem fraturas dentárias ou quebra de próteses.

O exame do tórax e do abdome deve merecer o mesmocuidado, considerando as lesões cutâneas, luxações e fraturas

ósseas, assim como sintomas digestivos e respiratórios pós-trauma5.

O aparelho gênito-urinário é sede constante de traumasem torturas e seu exame só deve ser feito com a permissão doexaminado. O exame genital em mulheres em casos de estuproou de introdução de corpos estranhos. No caso de estupro re-cente pode-se dar o diagnóstico através do exame do sêmen,inclusive com a possibilidade de utilizar o exame em DNA paraidentificar o autor. Pode ser feito o diagnóstico da conjunçãocarnal através da presença da dosagem alta de fosfatase ácida eda glicoproteina P30 na secreção vaginal da vítima. No caso dapenetração de objetos o que chama a atenção é a intensidadedas lesões locais como escoriações, equimoses, hematomas eferimentos não apenas no canal vaginal, mas também nos gran-des lábios, fúrcula e períneo. A perícia pode identificar vestígiosdo material componente do corpo estranho usado na penetra-ção. O exame genital em homens pode detectar edema,equimoses e ferimentos de pênis e testículos, hidrocele ehematocele, torção testicular e a não menos comum que é amarca elétrica6.

O exame da região anal também deve ser feito, com a per-missão do examinado, principalmente quando há queixa de in-trodução de objetos, o que pode revelar sangramento, fissuras,lacerações, corrimento purulento7.

Uma forma de trauma comum em torturas é a chamada“falanga” que se constitui em agressões repetidas nos pés ounas mãos, geralmente por barras de ferro, cassetetes ou bas-tões, capaz de produzir sérios danos, entre os quais a necrosemuscular e obstrução de vasos seguida de gangrena na partedistal dos dedos. Ou então produzir deformidades permanen-tes dos pés, com claudicação da marcha8. Pode ocasionar asseguintes complicações:

1 - Síndrome de compartimento fechado (edema numcompartimento fechado causando obstruçãovascular e necrose muscular, que podem resultarem fibrose, contratura ou gangrena na porçãodistal do pé ou dos dedos).

2 - Esmagamento do calcanhar e da parte anterior daplataforma do pé (partes do calcanhar e dasfalanges proximais são esmagadas durante a“falanga”).

3 - Cicatrizes rígidas e irregulares envolvendo a pelee os tecidos subcutâneos (a aponeurose plantar éparcial ou completamente destruídas devido aoedema).

4 - Ruptura da aponeurose plantar e dos tendões do pé(a função de sustentação do arco do pé desaparece).

5 - Fasciíte plantar (inflamação da aponeurose)9.

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Além das múltiplas lesões traumáticas possíveis de seremdetectadas no exame clínico do torturado, existe uma série deperturbações psíquicas que devem ser registradas com certocuidado, pois elas podem ser confundidas com sintomas deoutras manifestações.

Uma das experiências humanas mais dolorosas é a oriun-da da tortura, motivadora de uma grande variedade de da-nos psicológicos e emocionais. Destarte, faz-se necessárioque a perícia tenha a devida sutileza de registrar todas essasdesordens.

Essas perturbações psíquicas, conhecidas como “Desor-dem de estresse pós-traumático”10 ou “Síndrome pós-tortu-ra”, são caracterizadas por transtornos mentais e de conduta,apresentando desordens psicossomáticas (cefaléia, pesadelos, in-sônia, tremores, desmaios, sudorese e diarréia), desordens afetivas(depressão, ansiedade, medos e fobias) e desordens comportamen-tais (isolamento, irritabilidade, impulsividade, disfunções se-xuais e tentativas de suicídio). O mais grave desta síndrome éa permanente recordação das torturas, os pesadelos e a recusafóbica de estímulos que possam trazer a lembrança dos maustratos praticados.

8. Necropsia em morte por tortura

Todas as mortes ocorridas em presídios, notadamente deindivíduos que faleceram sem assistência médica, no curso deum processo clínico de evolução atípica ou de morte súbita ouinesperada, devem ser consideradas a priori como “mortes sus-peitas”. Com certeza essas mortes, especialmente quando súbi-tas, são as de maior complexidade na determinação da causa edo mecanismo da morte.

Quando da perícia em casos de morte súbita, onde se evi-denciam lesões orgânicas significativas e incompatibilidade coma continuidade da vida, além da ausência de lesões ou altera-ções produzidas por ação externa, não há o que duvidar demorte natural, melhor chamada de “morte com antecedentespatológicos” ou de “morte orgânica natural”.

No entanto, se são diagnosticadas lesões orgânicas mas seessas alterações morfopatológicas não se mostram totalmentesuficientes para explicar a morte, então, com certeza, estamosdiante da situação mais complexa e difícil da perícia médico-legal, ainda mais quando não existe qualquer manifestaçãoexógena que se possa atribuir como causa do óbito.

Pode excepcionalmente ocorrer uma situação em que oindivíduo é vítima de morte súbita, não tem registro de antece-dentes patológicos, nem lesões orgânicas evidentes na necropsia,além de não apresentar manifestações de agressão violenta, re-gistrada por aquilo que se chamou de “necropsia branca”.Desde que se afaste definitivamente a causa violenta de morte,

tenha-se tomado os cuidados necessários nas pesquisastoxicológicas e anátomo-patológica, não há o que fugir da mor-te por causa indeterminada. Ainda mais se existem os fatoresnão violentos de inibição sobre regiões reflexógenas, predispo-sição constitucional e estados psíquicos inibidores.

Como última hipótese àquelas situações de morte inespe-rada, estão as que se evidenciam lesões e alterações típicas quejustificam a morte violenta.

No primeiro caso, quando da chamada “morte súbitalesional”, onde o óbito é diagnosticado e explicado de formasegura pela presença de antecedentes patológicos, isso deve fi-car confirmado de maneira clara, pois dificilmente tal eventodeixa de apresentar alguns constrangimentos pelas insinuaçõesde dúvida e desconfiança.

As causas das chamadas mortes naturais mais comuns são:cárdio-circulatórias (cardiopatias isquêmicas, alteraçõesvalvulares, cardiomiopatias, miocardites, endocardites, altera-ções congênitas, anomalias no sistema de condução, roturas deaneurismas, etc.), respiratórias (broncopneumonias, tuberculo-se, pneumoconioses, etc.), digestivas (processos hemorrágicos,enfarte intestinal, pancreatite, cirrose, etc.), urogenitais (afecçõesrenais, lesões decorrentes da gravidez e do parto); encefalome-níngeas (processos hemorrágicos, tromboembólicos e infecci-osos), endócrinas (diabetes), obstétricas (aborto, gravidezectópica, infecção puerperal, etc.), entre outras.

Nas situações de morte súbita sem registro de anteceden-tes patológicos, com alterações orgânicas de menor importân-cia e ausência de manifestações violentas, o caso é ainda maiscomplexo e pode ser explicada como “morte súbita funcionalcom base patológica”. Exemplo: arritmia cardíaca. Quando issoocorrer, é importante que se examine cuidadosamente o localdos fatos, se analise as informações do serviço médico do pre-sídio ou do médico assistente e se use os meios subsidiáriosmais adequados a cada caso, com destaque para o exametoxicológico.

Mais cuidado ainda se deve ter quando não existe qual-quer alteração orgânica que justifique a morte, nem se encon-tram manifestações de ação violenta, mas o indivíduo é porta-dor de alguma perturbação funcional. Em alguns casos pode-se justificar como “morte súbita funcional”. Exemplo: a mortepós-crise convulsiva. Nesses casos devem-se usar de todos osmeios complementares disponíveis no sentido de afastar a morteviolenta e, se possível, confirmar a morte natural a partir daconfirmação daquelas perturbações.

Por fim, os casos de morte violenta cuja perícia não deveapenas se restringir ao diagnóstico da causa da morte e da açãoou do meio causador, mas também ao estudo do mecanismo edas circunstâncias em que esse óbito ocorreu, no sentido de sedeterminar sua causa jurídica.

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tempo aproximado de morte, pois tal interesse pode resultar demuita utilidade quando diante de determinadas circunstânciasonde se verificou a morte.

9.5 Sinais relativos ao meio ou às condições onde o cadáver se encontrava.

Estes são elementos muito importantes quando presen-tes, pois assim é possível saber se o indivíduo foi levado emvida para outro local e depois transportado para a cela onde foiachado, como por exemplo, presidiários que morreram em “ses-sões de afogamento” fora da cela carcerária.

9.6 Sinais relativos à causa da morte.

Mesmo que se considere ser o diagnóstico da causa da morteo resultado do estudo externo e interno da necropsia, podemosafirmar que no caso das mortes por tortura o exame externo docadáver apresenta um significado especial pela evidência das le-sões sofridas de forma violenta. Assim, devemos considerar:

9.6.1 Lesões traumáticas.

O exame deve ser procedido em toda superfície do corpo,pois é muito importante que as lesões esquelético-tegumentares,que são as mais freqüentes e mais visíveis, sejam valorizadas edescritas de forma correta, pois na maioria das vezes, em casosdessa espécie, elas contribuem de forma eloqüente para o diag-nóstico da morte e as circunstâncias em que ela ocorreu 11.

No estudo das lesões externas do cadáver em casos demorte por tortura devem-se valorizar as seguintes característi-cas: multiplicidade, diversidade, diversidade de idade, forma, na-tureza etiológica, falta de cuidados e local de predileção12.

Quanto a sua natureza, as lesões podem se apresentar comas seguintes características:

a) Equimoses e hematomas são as lesões mais co-muns, localizando-se mais comumente na face,tronco, extremidades e bolsa escrotal, apresentan-do processos evolutivos de cronologia diferente,pelas agressões repetidas em épocas diversas;

b) escoriações generalizadas, também de idades dife-rentes, mais encontradas na face, nos cotovelos,joelhos, tornozelos e demais partes proeminentesdo corpo;

c) edemas por constrição nos punhos e tornozelos,por compressão vascular, em face da ectasia san-güínea e linfática;

Recomenda-se que em tais situações a necropsia seja rea-lizada de forma completa, metódica, sem pressa, sistemática eilustrativa, com a anotação de todos os dados e com a partici-pação de no mínimo outro legista. Além disso, devem-se usarfotografias, gráficos e esquemas, assim como os exames com-plementares necessários.

9. Exame externo do cadáver

Nos casos de morte violenta, em geral, o exame externotem muita importância não só para o desfecho do diagnósticoda causa da morte, como também para se considerar seu meca-nismo, sua etiologia jurídica e as circunstâncias que antecede-ram o óbito. Essa é a regra, embora possa em determinada si-tuação soar diferente. Nas mortes em que se evidencia tortura,sevícias ou outros meios degradantes, desumanos ou cruéis, osachados analisados no hábito externo do cadáver são de muitarelevância. Os elementos mais significativos nessa inspeção são:

9.1 Sinais relativos à identificação do morto.

Todos os elementos antropológicos e antropométricos,como estigmas pessoais e profissionais, estatura, malformaçõescongênitas e adquiridas, além da descrição de cicatrizes, tatua-gens e das vestes, assim como a coleta de impressões digitais ede sangue, registro da presença, alteração e ausência dos dentese do estudo fotográfico.

9.2 Sinais relativos às condições do estado de nutrição, conservação e dacompleição física.

Tal cuidado tem o sentido não só de determinar as condi-ções de maus tratos por falta de higiene corporal, mas ainda deconstatar sinais de desidratação e desnutrição. Essas manifesta-ções encontradas no detento podem confirmar a privação deágua e alimentos.

9.3 Sinais relativos aos fenômenos cadavéricos.

Devem ser anotados todos os fenômenos cadavéricosabióticos consecutivos e transformativos, como rigidez cada-vérica, livores hipostáticos, temperatura retal e as manifesta-ções imediatas ou tardias da putrefação.

9.4 Sinais relativos ao tempo aproximado de morte.

Todos os sinais acima referidos devem ser registrados numcontexto que possam orientar a perícia para uma avaliação do

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d) feridas, na maioria contusas, nas diversas regiões,com predileção pelo rosto (supercílios e lábios)¸também de evolução distinta pelas épocas dife-rentes de sua produção, e quase sempre infectadaspela falta de higiene e assistência;

e) queimaduras, principalmente de cigarros acesos nodorso, no tórax e no ventre, recentes ou em for-ma de cicatrizes, ovais ou circulares, ou outras for-mas de queimaduras, as quais quando bilateraistêm maior evidência de mau trato, sendo quasesempre infectadas pela falta de cuidados. As le-sões produzidas por substâncias cáusticas sãomuito raras devido ao seu aspecto denunciadora;

f) fraturas dos ossos próprios do nariz que, após su-cessivos traumas, podem produzir o chamado“nariz de boxeador”, quase sempre acompanha-do de fratura do tabique nasal, com hematomabilateral ao nível do espaço subcondral, além dasfraturas de costelas e de alguns ossos longos dasextremidades, sendo mais rara a fratura dos ossosda mão, dos pés, coluna e pélvis. É importantedeterminar a data de cada fratura;

g) alopécias com zonas hemorrágicas difusas do cou-ro cabeludo pelo arrancamento de tufos de ca-belo;

h) edemas e ferimentos das regiões palmares e fratu-ras dos dedos pelo uso de palmatória;

i) lesões oculares que vão desde as retinopatias ecristalinopatias até as roturas oculares com esva-ziamento do humor vítreo;

j) lesões otológicas como rotura dos tímpanos eotorragia provocadas por uma agressão de nome“telefone”;

l) fraturas e avulsões dentárias por traumatismosfaciais;

m) sinais de abuso sexual de outros presidiários comomanobra de tortura e humilhação da própria ad-ministração carcerária;

n) lesões eletroespecíficas produzidas pela eletricida-de industrial, como técnica de tortura utilizada paraobtenção de confissões, sempre em regiões ouórgãos sensíveis, como os genitais, o reto e a boca;ou pelo uso de uma cadeira com assento de zincoou alumínio conhecida como “cadeira do dragão”.Aquelas lesões são reconhecidas como “marca elé-trica de Jellineck”, na maioria das vezesmacroscopicamente insignificante e podendo tercomo características a forma do condutor causa-dor da lesão, tonalidade branco-amarelada, forma

circular, elítica ou estrelada, consistência endure-cida, bordas altas, leito deprimido, fixa, indolor,asséptica e de fácil cicatrização. Tudo faz crer queesta lesão é acompanhada de um processo de de-sidratação, podendo se apresentar nas seguintesconfigurações: estado poroso (inúmeros alvéolosirregulares, juntos uns aos outros, com uma ima-gem de favo de mel), estado anfractuoso (tem umaspecto parecido com o anterior, mas com alvéo-los maiores e tabiques rotos) e estado cavitário(em forma de cratera com apreciável quantidadede tecido carbonizado). As lesões eletroespecíficas(marca elétrica de Jellinek) não são muito diferen-tes das lesões produzidas em “sessões de choqueelétrico”, a não ser o fato destas últimas não apre-sentarem os depósitos metálicos face os cuidadosde não se deixar vestígios. Todas essas lesões sãode difíceis diagnóstico quanto à idade, podendo-se dizer apenas se são recentes ou antigas, mesmoatravés de estudo histopatológico;

o) lesões produzidas em ambientes de baixíssima tem-peratura conhecidos como “geladeira”, podendoocorrer inclusive gangrena das extremidades ;

p) lesões decorrentes de avitaminoses e desnutriçãoem face de omissão de alimentos e por falta decuidados adequados e de higiene corporal;

q) lesões produzidas por insetos e roedores.

9.6.2 Processos patológicos naturais.

Embora aparentemente de interesse mais anatomopato-lógico, esses achados podem oferecer respostas para o diagnós-tico de causa mortis e de algumas circunstâncias, como tam-bém ajudar a compreender algumas manifestações quando doexame interno do cadáver, como: desnutrição, edemas, escarasde decúbito, conjuntivas ictéricas, processos infecciosos agu-dos ou crônicos, infecções dos órgãos genitais, entre tantos.

10. Exame interno do cadáver.

Alguns chamam essa fase da perícia como a necropsia pro-priamente dita, mas já dissemos que há ocasiões ou tipos de morteonde o exame externo tem uma contribuição muito valiosa.

Aqui também o exame deve ser metódico, sistemático, sempressa, com o registro de todos os achados e, como se operaem cavidade, deve-se trabalhar à luz do dia, sem as inconveniên-cias da luz artificial. Todos os segmentos e cavidades devem serexplorados: cabeça, pescoço, tórax e abdome, coluna e extre-midades, com destaque em alguns casos para os genitais.

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10.4 Lesões raquimedulares.

a) fraturas e luxações de vértebras;b) lesões medulares.

10.5 Respostas aos quesitos:

No que diz respeito ao quesito “Se a morte foi produzidapor meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou poroutro meio insidioso ou cruel” deve, nos casos positivos, serrespondido de forma especificada, ficando na descrição do lau-do bem claras as razões de tal confirmação.

Nos casos de tortura, a base da informação é um dos ti-pos de lesões descritas acima, seja nos seus resultados, seja nasua forma de produzi-las. O meio insidioso seria aquele que semanifesta pela forma de dissimulação capaz de encobrir a prá-tica criminosa e impedir a defesa da vítima. O uso do veneno éum exemplo desta ação dissimulada. E meio cruel aquele emque o autor procura muito mais provocar o sofrimento físicoou psíquico da vítima do que propriamente sua morte. Existena crueldade um ritual, um cronograma articulado de procedi-mentos cujo fim é o sofrimento da vítima. A norma penal apontacomo manifestação da crueldade o emprego deliberado do fogo,do explosivo, da asfixia e da tortura. Neste particular devem-seconsiderar muito mais as regiões atingidas, as características daslesões e o meio ou instrumento causador das lesões. A gravida-de das lesões e sua multiplicidade, por si sós, não caracterizamo meio cruel.

O exame externo do cadáver tem um significado muitoespecial no diagnóstico pela evidência das lesões sofridas nes-tas formas de morte violenta. Acrescente-se ainda a contri-buição bioquímica e histológica (docimásias hepáticas e su-pra-renais).

Nos casos em que não estejam evidentes tais manifesta-ções (tortura e meio insidioso ou cruel), temos recomendado ocuidado de responder àquele quesito usando as expressões “pre-judicado” ou “sem elementos de convicção” ou “sem meios para afirmarou negar”, deixando-se para outros exames complementares, in-clusive o laudo da perícia criminalística, uma definição maisexata. Ainda mais quando a morte se deu de forma suspeita ouduvidosa. Enfim, só responder afirmativamente, quando se ti-ver a plena certeza de que há lesões tipicamente produzidas poraqueles meios.

Por outro lado, nunca responder “não”. Mesmo numamorte natural, melhor chamada de “morte por precedentes pa-tológicos”, pode existir tortura ou meio insidioso ou cruel.Basta deixar que o indivíduo agonize sem assistência.

As lesões internas mais comuns em casos de morte portortura são:

10.1 Lesões cranianas.

a) hematomas sub ou extradural não são raros emsevícias com traumatismos de cabeça;

b) hemorragias meníngeas;c) meningite; lesões encefálicas; micro-hemorragias

do assoalho do 3º e 4º ventrículo.

10.2 Lesões cervicais.

a) infiltração hemorrágica da tela subcutânea e damusculatura;

b) lesões internas e externas dos vasos do pescoço;c) fraturas do osso hióide, da traquéia e das cartila-

gens tireóide e cricóide;d) lesões crônicas da laringe e da traquéia por tenta-

tivas de esganadura e estrangulamento.

10.3 Lesões tóraco-abdominais.

a) hemo e pneumotórax traumático;b) manifestações de afogamento como presença de

líquido na árvore respiratória, nos pulmões, no es-tômago e primeira porção do duodeno, além dossinais clássicos como enfisema aquoso subpleurale as manchas de Paltauf, em face de imersão doindivíduo algemado em tanques de água em pro-cesso chamado “banho chinês” ou introdução detubos de borracha na boca com jato de água depressão, devendo-se valorizar o conteúdo do es-tômago e dos intestinos;

c) manifestações de asfixia, edema dos pulmões, ca-vidades cardíacas distendidas e cheias de sangue,presença de lesões eletroespecíficas e ausência deoutras lesões, falam em favor de morte por eletri-cidade industrial, mesmo que se diga não existirum quadro anatomopatológico típico de morte poreletricidade;

d) roturas do fígado, do baço, do pâncreas, dos rins,estômago e dos intestinos;

e) desgarramento dos ligamentos suspensores dofígado;

f) hemo e pneumoperitônio;g) rotura do mesentério.

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11. Conclusões

O Protocolo de Istambul sobre Torturas admite que o exa-minador possa usar determinados termos em suas conclusõescomo:

1 - Inconsistente: a lesão não poderia ter sido causa-da pelo trauma descrito.

2 - Consistente: a lesão poderia ter sido causada pelotrauma descrito, mas não é específica dele e exis-tem muitas outras causas possíveis.

3 - Altamente consistente: a lesão poderia ter sidocausada pelo trauma descrito e são poucas as ou-tras causas possíveis.

4 - Típica de: esta lesão é geralmente encontrada emcasos desse tipo de trauma, mas existem outrascausas possíveis.

5 - Diagnóstico de: esta lesão não poderia ter sidocausada em nenhuma outra circunstância, a nãoser na descrita.

[*] - Palestra proferida no Curso Superior de Medicina Le-gal da Universidade de Coimbra, em 10 de maio de 2002.

LEI Nº 9.455, DE 7 DE ABRIL DE 1997

Define os crimes de tortura e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanci-ono a seguinte Lei:

Artigo 1º - Constitui crime de tortura:I - constranger alguém com emprego de violência ou

grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico oumental; a) com o fim de obter informação, decla-ração ou confissão da vítima ou de terceira pes-soa; b) para provocar ação ou omissão de nature-za criminosa; c) em razão de discriminação racialou religiosa.

II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou au-toridade, com emprego de violência ou graveameaça, a intenso sofrimento físico ou mental,como forma de aplicar castigo pessoal ou medidade caráter preventivo.

Pena: reclusão, de dois a oito anos.§1º- Na mesma pena incorre quem submete pessoa

presa ou sujeita a medida de segurança a sofri-

mento físico ou mental, por intermédio da práticade ato não previsto em lei ou não resultante demedida legal.

§2º - Aquele que se omite em face dessas condutas,quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las,incorre na pena de detenção de um a quatro anos.

§3º -Se resulta lesão corporal de natureza grave ougravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dezanos; se resulta morte, a reclusão é de oito adezesseis anos.

§4º - Aumenta-se a pena de um sexto até um terço:I - se o crime é cometido por agente público;II - se o crime é cometido contra criança, gestante,

deficiente e adolescente;III - se o crime é cometido mediante seqüestro.§5º - A condenação acarretará a perda do cargo, fun-

ção ou emprego público e a interdição para seuexercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.

§6º - O crime de tortura é inafiançável e insuscetívelde graça ou anistia.

§7º - O condenado por crime previsto nesta Lei, sal-vo a hipótese do §2º, iniciará o cumprimento dapena em regime fechado.

Artigo 2º - O disposto nesta Lei aplica-se ainda quan-do o crime não tenha sido cometido em territórionacional, sendo a vítima brasileira ou encontran-do-se o agente em local sob jurisdição brasileira.

Artigo 3º - Esta Lei entra em vigor na data de suapublicação.

Artigo 4º - Revoga-se o art. 233 da Lei nº 8.069, de13 de Julho de 1990 - Estatuto da Criança e doAdolescente.

Brasília, 7 de Abril de 1997; 176º da Independência e109º da República.

Fernando Henrique CardosoNelson A. Jobim

Footnotes

1 Santos, JC–As raízes do crime, Rio de Janeiro: Forense, 1984.2 França, GV–Pareceres II, Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S/A, 1999.3SNICK, Valdir.

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Tortura

– histórico, evolução, crime, tipos e espécies, vítima espe-cial e seqüestro

. São Paulo: LEUD, 1998.4 França, GV -Comentários ao Código de Ética Médica, 4ª edição, Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S/

A, 2002.5 D. Forrest,Exame dos efeitos físicos tardios da tortura, Jornal de Medicina Clínica Legal (6 1999:4-13).6 D. Lunde e J. Ortmann, Tortura sexual e tratamento de

suas conseqüências,Tortura e suas conseqüências, abordagens atuais de trata-

mento, M. Basogly, ed. (Cambridge, Cambridge University Press,

1992:310-331).7 França, GV,Medicina Legal, 6ª edição, Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S/

A, 2001.8 G. Sklyv, “Seqüelas físicas da tortura”, Tortura e suas

conseqüências, abordagens atuais de tratamento, M. Basoglued. (Cambridge, Cambridge University Press, 1992:38-55).

9 V. Lök, M. Tunca, K. Kumanlioglu et al,Cintilografia óssea como pista para tortura anterior, Lancet (337(8745) 1991:846-847). Ver também M. Tun-

da e V. Lök,Cintilografia óssea no exame de sobreviventes de tortura, Lancet (352(9143) 1998:1859).10 J.D. Kinzie e outros,Prevalência da desordem do estresse pós-traumático e seus

significados clínicos entre refugiados do sudeste asiático, American Journal of Psychiatry(147(7) 1990:913-917).11 L. Danielsen,Mudanças na pele após tortura, Tortura (Supl. 1, 1992:27-28).12 O. V. Rasmussen,Aspectos Médicos da Tortura, Boletim Médico Dinamar-

quês (1990, 37 Suplemento 1:1-88).

Autor

[a] Perito Médico-Legal.

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* A Probabilidade de Paternidade é calculada a partir do Índice de Paternidade, e representa a probabilidade do suposto pai ser o pai biológico.# Índice de irmandade representa a razão entre a probabilidade de ocorrência dos genótipos observado se os dois supostos irmãos são irmãosbiológicos e a probabilidade de ocorrência dos mesmos genótipos se os dois supostos irmãos não têm quaisquer relação de parentesco.

Extração de DNA a partir de cadáveres carbonizadosRaimann, Paulo E.a ; Menegassi, Felipe J.b ; Gonçalves, Juliana W.c;Rodriguez, Adriane Lucia d; Leite, Fábio P.N.e; Schwengber, Solan-

ge P.f; Albuquerque, Trícia K.g; Santos Mari Celeste Cancelli dosh

Setor de Biologia Molecular; Laboratório de Perícias , Instituto Geral de Perícias – SJS/RS.

1. Introdução

A identificação de cadáveres carbonizados sempre foi umatarefa de grande dificuldade na área pericial. O serviço de an-tropologia forense pode, através de medidas antropométricas,relatar o sexo, idade aparente e possível estatura dos indivíduos,dados estes que podem auxiliar na identificação, mas não con-firmar a identidade. Através das fichas dentárias fornecidas pe-los parentes das vítimas, peritos comparam estas informaçõescom os dados obtidos dos cadáveres. Na ausência da fichadentária ou prótese que possa ser identificada por familiares, aconfirmação da identidade só poderá ser feita mediante análisede DNA, conforme os três casos relatados a seguir: 1) No finalde 1998, uma casa foi incendiada na região metropolitana dePorto Alegre. Foram encontrados, entre os destroços, restoscadavéricos calcinados com idade aparente inferior a 47 anos.Sexo, estatura e raça não puderam ser determinadas. 2) No iní-cio de 2002 o Ministério Público nos solicitou ao Laboratóriode Perícias a identificação de um cadáver carbonizado, vítimade crime hediondo, o qual permaneceu enterrado por sete me-ses antes da análise. 3) Ao final do mesmo ano, uma vítima dehomicídio foi queimada, tendo seus restos depositados na bei-ra do rio Gravataí dentro de um saco plástico.

Diante da impossibilidade do uso de técnicas odontolegais,

procedeu-se a análise dos perfis genéticos das vítimas com afinalidade de identificação humana.

2. Materiais e Métodos

Dos cadáveres foram utilizados dentes e/ou tecido mus-cular. Os dentes foram congelados a -80°C por, no mínimo 24horas, triturados em moinho mineralógico e o DNA foi obtidoatravés do método de extração orgânica (SAMBROOK et al.,1989). O tecido muscular também sofreu procedimento de ex-tração orgânica, segundo metodologia própria utilizada pelo FBI(“Federal Bureau of Investigation”). Os sangues utilizados comoreferência, colhidos de parentes das vítimas, foram submetidosao método de extração não-orgânico – “Salting Out” (MILLERet al.,1988). Para a técnica de PCR (Reação em Cadeia daPolimerase) utilizou-se o kit AmpFðSTR Profiler-Plus e a geno-tipagem foi realizada no sequenciador ABI PRISM TM 310Genetic Analyser (Applied Biosystems do Brasil).

No primeiro caso relatado, foi apresentado aos peritos umsaco plástico preto onde havia inúmeros fragmentos ósseos mis-turados a restos de telhas, tijolos e demais materiais carboniza-dos. Entre estes materiais, foi encontrado um fragmento car-bonizado e ressecado, tendo no seu interior uma porção óssea,indicando tratar-se de tecido muscular. Após a observação pré-

Tabela 1 - Índices estatísticos obtidos na identificação genética das vítimas carbonizadas.

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via no microscópio, verificou-se ser realmente músculo, do qualfoi obtido DNA para comparação com os perfis genéticos daesposa e do filho.

No segundo caso relatado, foram retirados dentescalcinados do cadáver carbonizado exumado. Destes, utilizou-se um dente para a extração de DNA através da metodologiadesenvolvida no Laboratório de Perícias, para que o seu perfilobtido fosse comparado com o da esposa e dos filhos.

No terceiro caso, foram obtidos fragmentos muscularescarbonizados da vítima, os quais foram submetidos ao méto-do de extração orgânica para comparação com o material ge-nético de referência. Neste caso, a suposta vítima teria umirmão gêmeo aparentemente univitelínico, o qual foi utilizadopara confronto genético devido a homologia entre os perfisgenéticos.

Resultados na tabela 1.

3. Discussão e Conclusão:

Nos três casos relatados foram obtidos significativos índi-ces estatísticos, os quais permitiram a identificação conclusivados restos mortais. Sem a utilização do método genético deidentificação humana, os três casos relatados não poderiam serconcluídos e conseqüentemente, tais vítimas permaneceriamcomo desaparecidas e suas famílias não poderiam receber osamparos legais referente ao óbito.

Desta forma, o sucesso na obtenção do perfil genético a

partir de dentes calcinados e de tecido muscular carbonizadopossibilita a identificação conclusiva dos restos mortais de víti-mas carbonizadas, a qual não pôde ser obtida através de técni-cas de antropologia forense e odontologia legal.

Este trabalho é mantido pelo IGP – RS, e Plano Nacionalde Segurança Pública – SENASP.

Referências Bibliográficas:

[1] J. Sambrook, E.F. Fritsch, T. Maniantis, Molecularcloning: a laboratory manual, Cold Spring Harbor LaboratoryPress, Cold Spring Harbor, 1989.

[2] PCR-based typing protocols FBI Laboratory (1996).[3] S.A Miller, D.D Dykes, H.F. Polesky, A simple Salting

Out Procedure for Extracting DNA from Human NucleatedCells, Nucleic Acids Reserch, Vol.6,1988, p.1215

Autores

[a] Papiloscopista.[b] Bolsista[c] Bolsista[d] Bolsista[e] Perito Químico Toxicologista.[f] Perito Químico Toxicologista.[g] Perito Químico Toxicologista.[h] Perito Químico Toxicologista.

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Novas armas e munições Tocchetto, Domingos a

Departamento de Criminalística, Instituto-Geral de Perícias, Secretaria da Justiça e daSegurança, Porto Alegre, Rio Grande do Sul

1. Introdução

Em face dos avanços tecnológicos aplicáveis às armas defogo e munições e da demanda dos usuários, as indústrias dearmas e de munições estão constantemente lançando novas ar-mas, novos calibres e novos modelos, além de incorporar aosmodelos já existentes, avanços tecnológicos.

As indústrias brasileiras de armas de fogo, em especial aTaurus e a Rossi, lançaram nos últimos anos um número signifi-cativo de novos modelos de armas de fogo, incluindo muitoscalibres cuja produção e venda se destina exclusivamente para aexportação. A Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), visandoatender a demanda de cartuchos para estes novos calibres, tam-bém lançou vários tipos de cartuchos, alguns deles nos mesmoscalibres das novas armas lançadas pelas indústrias de armas.

O presente trabalho se propõe fornecer dados técnicosrelativos às novas armas e novos cartuchos lançados pelas in-dústrias brasileiras e também por algumas indústrias de outrospaíses, nos últimos anos.

2 Novas Armas

2.1 Novas armas marca taurus

2.1.1 Revólver calibre .17 Magnum (.17 HMR)

Trata-se de um lançamento realizado em julho de 2002.Tem como características ser um revólver em aço inoxidável,cujo cano de 165 mm (6½”) é dotado de raiamento formado por06 (seis) raias dextrogiras (6D) confeccionado pelo sistema debilha, por encroamento e apresenta banda ventilada ecompensador de recuo, cujo A gravação do calibre nominal estálocalizada no lado esquerdo. Possui alça de mira regulável e tam-bor com 07 (sete) câmaras. Os cartuchos usados neste revólversão do tipo “garrafa”, são dotados de um projetil com diâmetromenor do que o de um projetil calibre .22, e com massa de ape-nas 1,10 gramas (17 grains). A velocidade inicial do projetil é de 581,25m/s (1.907 pés/s), para tiros de revólver com cano de 165 mm(6½”) e de 777,24 m/s (2.550 pés/s), para tiros de carabinas.

2.1.2 Revólver calibre .218 Bee

Este revólver foi lançado no mês de junho de 2002, tendocomo características ser produzido em aço inoxidável, com canode 254 mm (10"), com banda ventilada, compensador de recuo,cujo raiamento é formado por 06 (seis) raias dextrogiras (6D) egravação do calibre nominal no lado esquerdo. Possui alça demira regulável e o segundo ponto de fixação do ferrolho é feitoatravés de uma presilha, em forma de dente, localizada na regiãosuperior do suporte do tambor. Para facilitar o movimento des-te dente e o deslocamento do tambor de seu alojamento, estaindústria utiliza um botão serrilhado na face externa superior dosuporte do tambor. O tambor vem com 08 (oito) câmaras. Oscartuchos usados neste revólver são semelhantes aos decalibre .22 Hornet, dotados de um projetil igual ao projetil.22 Hornet. ). A velocidade inicial do projetil .218 Bee é de 841,25m/s (2.760 pés/s), para tiros de carabinas.

2.1.3 Revólver calibre .30 Carbine

É um novo calibre de revólver, cujo lançamento ocorreu noano de 2002, em aço inoxidável, com cano de 254 mm (10"),dotado de banda ventilada, compensador de recuo. O raiamento,composto por 04 (quatro) raias dextrogiras (4D), é confecciona-do pelo sistema de bilha, por encroamento. A gravação do calibrenominal é no lado esquerdo. Possui alça de mira regulável e osegundo ponto de fixação do ferrolho é feito através de umapresilha, em forma de dente, localizada na região superior do su-porte do tambor. Para facilitar o movimento deste dente e o des-locamento do tambor de seu alojamento, esta indústria utiliza umbotão na região superior da face externa do suporte do tambor. Otambor tem 08 (oito) câmaras. A velocidade inicial do projetil é de606,55 m/s (1.990 pés/s), para tiros de carabinas.

2.1.4 Revólver calibre .45 ACP

Este modelo foi lançado no ano de 2002, em aço inoxidá-vel, com canos de 51 mm (2"), 101 mm (4") e 152 mm (6") dotado decompensador de recuo e seu raiamento é formado por 06 (seis)

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raias dextrogiras (6D). A gravação do calibre nominal está no ladoesquerdo do cano. Possuem alça de mira regulável e tambor com05 (cinco) câmaras. Cada revólver é acompanhado por um “clip”(adaptador) que deve ser colocado junto ao extrator, para possibi-litar o uso de cartuchos .45 ACP, idênticos aos usados em pistolas.

2.1.5 Revólver calibre .45 Colt

O início da comercialização deste calibre de revólver ocor-reu no ano de 2002, tendo sido produzido em aço inoxidável,com cano de 101 mm (4") ou 165 mm (6½”), dotado de bandaventilada e compensador de recuo. Seu raiamento é formadopor 06 (seis) raias dextrogiras (6D). A gravação do calibre no-minal aparece no lado esquerdo do cano. Possuem alça de miraregulável e tambor com 05 (cinco) câmaras.

2.1.6 Revólver calibre .41 Magnum

No ano de 2002 iniciou a venda deste calibre de revólver,o qual foi produzido em aço inoxidável, com cano de 165 mm(6½”), banda ventilada, compensador de recuo. O raiamento éformado por 06 (seis) raias dextrogiras (6D). A gravação docalibre nominal é no lado esquerdo do cano. Possui alça demira regulável e o segundo ponto de fixação do ferrolho é feitoatravés de uma presilha, em forma de dente, localizada na regiãosuperior do suporte do tambor, face externa. Para facilitar omovimento deste dente e o deslocamento do tambor de seualojamento, esta indústria utiliza um botão na face externa supe-rior do suporte do tambor. O tambor possui 06 (seis) câmaras.

2.1.7 Revólver calibre .454 Casull

O lançamento do primeiro modelo, neste calibre deste re-vólver correu no ano de 1999. Fabricado originalmente em açoinoxidável, com tambor de cinco câmaras, possui um cano de165 mm (6½”), banda ventilada, compensador de recuo, cujoraiamento é formado por 06 (seis) raias dextrogiras. Foi o pri-meiro modelo no qual ocorreu a supressão da presilha da varetado extrator. A gravação relativa ao calibre está localizada nolado esquerdo do cano. Possui alça de mira regulável. Devido agrande velocidade inicial do projetil, que é de aproximada-mente 548 m/s, para um projetil de 16,8 gramas, e de umaenergia de 2.530 joules, este revólver é usado para caça de ani-mais de pêlo de grande porte.

2.1.8 Revólver calibre .480 Ruger

Este calibre de revólver teve seu início de comercializaçãono ano de 2002. Foi fabricado inicialmente em aço inoxidável,

com cano de 127 mm (5"), 165 mm (6½”) ou 206 mm (8\!”), dota-do de banda ventilada e compensador de recuo. O raiamento éformado por 06 (seis) raias dextrogiras (6D). A gravação docalibre nominal aparece no lado esquerdo do cano. Possuemalça de mira regulável e o tambor vem com 05 (cinco) câmaras

2.1.8 Pistola Millenium, calibre .45 ACP

Tem como característica possuir a armação em polímeropreto e as demais peças em aço carbono. O acabamento é oxidado,para os modelos 145B4 e 145B4NS, e em aço inoxidável paraos modelos 1455SS4 e 145SS4-NS. Funcionam apenas emação dupla e apresentam no lado direito do ferrolho, na regiãomediana do serrilhado, um botão de segurança, que e acionadocom uma chave. O carregador possui capacidade para 10 cartu-chos, podendo ser alojado um cartucho diretamente na câmarado cano (10+1). Os canos têm 101 mm (3.27") e são dotadosde 06 (seis raias orientadas dextrogiramente (6D). Possuem umalça de mira com um entalhe, no qual, em posição lateral, sãofixadas duas pastilhas de aproximadamente 2 mm diâmetro,contendo tritium, para visão noturna.

2.1.9 Carabina Taurus-Famae calibre .40 S&W

A carabina Taurus-Famae, calibre .40 S&W, lançada no anode 2001, é uma carabina semi-automática, na qual pode ser usadoum carregador com 10 cartuchos ou com 30 cartuchos.Opcionalmente está sendo oferecido um carregador de 15 car-tuchos. O cano, com 410 mm de comprimento, tem umraiamento formado por 06 (seis) raias dextrogiras (6D) con-feccionado pelo sistema de bilha, por encroamento. O númerode série é composto por sete dígitos, sendo dois literais e cinconuméricos. Pode ser produzida com coronha fixa ou coronhadobrável. Atualmente (ano de 2002) a Taurus fabrica o cano, ocarregador e a coronha. As demais peças são produzidas pelaindústria FAMAE, do Chile. Progressivamente mais peças se-rão fabricadas no Brasil.

2.1.10 Submetralhadora Taurus-Famae, calibre .40 S&W

Iniciou sua fabricação com a produção pelas FORJASTAURUS S.A., do cano e carregador, e as demais peças pelaindústria FAMAE, do Chile. Aos poucos, a TAURUS fabricarámais peças. É similar à submetralhadora SIG (Suíça), por serfabricada, no Chile, sob concessão da SIG. Possui um carrega-dor com capacidade para 30 tiros. O seletor de tiro pode serposicionado para posição de segurança (“S”), tiro intermitente (uma um – “I”), rajada limitada (3 tiros - “L”) e rajada total (30 tiros- “F”). O cano, com 200 mm de comprimento, tem o raiamento

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formado por 06 (seis) raias dextrogiras (6D). É produzidacom coronha dobrável, mas pode, opcionalmente, ser produ-zida com coronha rígida. O número de série, que éalfanumérico e composto por sete dígitos (duas letras e cincodígitos numéricos), é gravado pelo sistema de fresa. Atual-mente (ano de 2002) a Taurus fabrica o cano, o carregador e acoronha. As demais peças são produzidas pela indústriaFAMAE, do Chile. Progressivamente um número maior depeças será fabricado no Brasil.

2.1.12 Carabinas e Rifles Taurus, calibres .22 LR e .22 Magnum(ex- Gallery, da Rossi)

São armas de repetição, fabricadas em aço carbonooxidado e em aço inoxidável, nos calibres .22 LR (14 mode-los) e .22 Magnum (12 modelos), com canos de 161/

2" e 23", asquais mantêm o mesmo desenho e o mesmo mecanismo (ali-mentação pelo sistema bomba) das armas equivalentes que eramfabricadas pela ROSSI, com a denominação comercial de Gallery.Possuem, na região posterior do cão, o botão com a chave de segu-rança, similar a dos revólveres que, uma vez acionada, impede oengatilhamento. Têm um raiamento formado por 06 (seis)raias dextrogiras (6D), o qual é confeccionado pelo sistema debilha, por encroamento. O número de série, que é alfanuméricoe obedece aos mesmos critérios adotados para os revólveres, écomposto por seis dígitos, dois literais e quatro numéricos (1001a 9999).

2.1.13 Rifles calibre .22 LR

São armas semi-automáticas, com cano de 584 mm (23"),cujo raiamento é constituído por 06 (seis) raias dextrogiras (6D)e confeccionado pelo sistema de bilha, por encroamento. Aspeças metálicas são em aço carbono com acabamento oxidado(modelo M63R) e em aço inoxidável (modelo M63R-SS). Pos-suem um tubo carregador com capacidade pra 10 (dez) cartu-chos. O carregamento é feito pela parte posterior da coronha.Para engatilhar é necessário empurrar para trás a vareta do tubocarregador, visível na região anterior da telha.

2.1.14 Revólver calibre .22 LR

A característica principal deste modelo é o cano com 305mm de comprimento (12"), cujo raiamento, com seis raiasdextrógiras (6D), é confeccionado pelo sistema de bilha, porencroamento. Possui uma alça de mira com regulagemmicrométrica lateral e vertical. O tambor possui sete câmaras.Este modelo pode ser fabricado em aço carbono oxidado ouem aço inoxidável.

2.1.15 Revólveres calibres .22 LR, .22 Magnum, .357 Magnum,.17 HMR e .218 Bee

Todos os modelos destes calibres têm como característicaprincipal serem dotados de cano com 305 mm de comprimen-to (12"), cujo raiamento, formado por seis raias dextrogiras (6D),é confeccionado pelo sistema de bilha, por encroamento. Sãodotados de banda ventilada. Possuem uma alça de mira comregulagem micrométrica lateral e vertical. O tambor apresentasete câmaras. Estes modelos são fabricados em aço inoxidável,exceto o modelo 66B12, o qual é fabricado em aço carbonooxidado.

2.1.16 Revólver calibre .357 Magnum (Taurus “protector”)

Fabricado em diversos modelos, tem como característicaprincipal um novo desenho da parte superior da armação quevisa dar uma proteção lateral ao cão, para possibilitar o uso daarma entre a roupa e evitar, quando do saque rápido, que o cãofique preso na roupa. O botão, com a chave de segurança está loca-lizado na região superior do cão, na parte serrilhada.

2.2 Modificações nas armas taurus

2.2.1 Compensador de recuo

Tanto nos revólveres como nas pistolas, a indústriaTaurus está usando em sua armas canos com compensador derecuo. Nos revólveres é usado em alguns modelos de calibre.38 Special e na maioria dos modelos dos calibres mais poten-tes. O compensador de recuo das pistolas Taurus é compostopor quatro furos na região superior do cano. O ferrolho apre-senta um recorte na região superior dianteira, atrás da massa demira, que deixa visíveis os furos. No modelo PT957, calibre.357 SIG, todas as pistolas são fabricas com compensador de recuo.Para o modelo PT945, calibre .45 ACP, o compensador de recuo éopcional.

2.2.2 Chave de segurança

Todas as armas TAURUS (revólveres e pistolas) vendi-das para os Estados Unidos, são dotadas de um botão comchave de segurança. Nos revólveres este botão está localizado nocão, região posterior e, nas pistolas com armação (corpo) depolímero, na lateral direita do ferrolho. Nas pistolas de polímero,uma vez acionada a chave de segurança, o botão bloqueia o gati-lho, percutor e ferrolho e naquelas que possuem armação (cor-po) em aço, o botão com a chave, está localizado na região posterior daempunhadura, e bloqueia a haste da mola do cão.

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2.2.3 Eliminação da presilha da vareta do extrator, nos revólveres

O segundo ponto de trancamento do ferrolho(aferrolhamento duplo), que era feito através da “presilha da varetado extrator”, passou para a parte superior do suporte do tambor e,com isso tranca o suporte do tambor na armação. Por isso foieliminada a presilha da vareta do extrator. Esta alteração permitiu oaumento do tamanho da vareta do extrator e, também o aumen-to do curso da extração, especialmente nos revólveres de cano maiscurto. Este segundo ponto de fixação do ferrolho é feito atra-vés de uma presilha, em forma de dente. Para facilitar o movi-mento deste dente e o deslocamento do tambor de seu aloja-mento, esta indústria utiliza um botão serrilhado na região superi-or da face externa do suporte do tambor, nos revólveres decalibre mais potente.

2.2.4 Revólveres em titânio

Os revólveres Taurus, em titânio, são fabricados nos cali-bres .32 Magnum, .38 Special, .357 Magnum, .44 Special, .45Colt e .41 Magnum. Caracterizam-se por possuir um acaba-mento colorido, nas cores azul, azul fosco, dourado e cinza. O cano,com 51 mm (2") de comprimento, apresenta compensador derecuo e é formado por um cilindro interno de aço, no qual estáimpresso o raiamento, envolvido por uma luva de titânio. Noscalibres .357 Magnum e .41 Magnum, o cano pode ser de 4"ou 6 1/2", com compensador de recuo.

2.3 Novas armas marca Rossi2.3.1 Espingarda Pomba, modelo 023

Esta espingarda, lançada em 18.09.98, em aço carbono

oxidado, nos calibres 12, 16, 20,28, 32 e 36, apresenta comonovidades a modificação no sistema de percussão, adotando osistema de barra de percussão (“barra de transferência”) e umnovo sistema de abertura, através de uma chave, que permitemum manuseio mais rápido e seguro, impedindo a abertura e ofechamento do cano, quando o cão estiver em posição de ar-mado. A extração é automática, isto é, o cartucho ouestojo é expelido automaticamente na abertura da arma, porisso é chamada de pomba ejetora. O cano é padrão, com 28"(711,2 mm) de comprimento.

Esta arma e todas as derivadas dela, exceto o rifle calibre.223 Remington (5,56 mm), são dotadas de extração automática,isto é, o cartucho ou estojo é extraído automaticamente no mo-mento de sua abertura. Por este motivo é denominada de “Pom-ba ejetora”.

O número de série, composto por oito ou nove dígitos, sen-do duas letras, para o acabamento oxidado e três letras para as deaço inoxidável, seguidas de seis dígitos numerais, é gravado naregião inferior do corpo, parte anterior:

a) SP 000001 (em aço carbono, acabamento oxidado- em 18.09.98).

b) SSP 000001 (acabamento em aço inoxidável – em22.08.2000).

Nas espingardas POMBA, destinadas ao importador dosEstados Unidos, não é gravado o logotipo da marca POMBA.Em seu lugar são gravados os dizeres “BRASTECH, L. C.MIAMI, FL” e, na parte superior do cano, na região da câmara,são gravados os dizeres “Amadeo Rossi S. A.” Aos poucos,estes dizeres passarão a ser gravados na lateral esquerda docano, na mesma região.

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Espingarda Pomba

Pistolão Escopeta Seg

Mecanismos de disparo e segurança da espingarda Pomba, com barra de percussão - Posições de armada (engatilhada) e de disparo.

2.3.2 Espingarda Pomba Combo

Várias fábricas, inclusive a Amadeo Rossi S. A. Metalúrgicae Munições, estão produzindo e comercializando espingardas comcanos combinados, isto é, espingardas com um par de canos intercambiáveis,que permitem a troca de cano de alma lisa por cano de alma raiada,de diferentes calibres, como calibre 36 (.410) por calibre .22 L. R.ou .22 Magnum, calibre 36 (.410) por calibres .357 Magnum ou .44Magnum, calibre 12 por calibre .22 L. R., .22 Magnum ou .223Remington (5,56 mm). Como a percussão dos calibres 36 (.410) e12 é do tipo central e dos calibres .22 L. R. e .22 Magnum é dotipo periférico (radial), houve a necessidade de uma montagemexcêntrica dos canos calibres .22 para utilizar o mesmo mecanis-mo de percussão. A arma é vendida com os dois canos (canoscombinados).

O comprimento dos canos de alma é de 28" (711 mm) eo dos canos de alma raiada, é de 23" (584 mm). Neste tipo deespingarda foram aproveitados os mecanismos e a estrutura daespingarda POMBA, modelo 023. Possui, portanto, sistema depercussão através de barra de percussão (“barra de transferên-cia”) e um novo sistema de abertura, através de uma chave.

O lançamento ocorreu em 18.09.98. O número de série,gravado na região inferior do corpo, parte anterior, também écomposto por oito ou nove dígitos:

a) SP 000001 (em aço carbono, acabamento oxidado).

b) SSP 000001 (em aço inoxidável).A maioria das in-dústrias que produzem armas de alma lisa apro-veitam o corpo e os mecanismos da espingarda deum cano e, com algumas modificações da coro-nha, da telha e do cano, quanto ao comprimento,produzem outras armas de alma lisa ou alma raia-da, mais curtas. A ilustração mostra como a in-dústria Amadeo Rossi S. A. Metalúrgica e Muni-ções faz este aproveitamento, produzindo, a par-tir do corpo e dos mecanismos da espingarda Pom-ba, o “Pistolão” e a “Escopeta Seg”.

2.3.3 Pistolão Pomba

Seu lançamento ocorreu em 17.11.99, nos calibres .410(36), .22 L.R. (set/2000), .38 SPL, .357 MAG., .44 MAG. É umaarma de tiro unitário, cujo cano, para o calibre 36 (.410) não pos-sui choque. Os canos para os calibres .22L.R. .38 SPL e .44Magnum, são dotados de raiamento formado por 06 (seis) raiasorientadas dextrogiramente (6D), confeccionado pelo sistemade bilha, com encroamento. O comprimento do cano é de 11"(279,4mm). Esta arma é dotada de extração automática, isto é, ocartucho ou estojo é extraído automaticamente no momentode sua abertura. Possui um cabo anatômico, em vez da coro-nha. O sistema de percussão é através de barra de percussão(“barra de transferência”). Apresenta um sistema de abertura,através de uma chave, como o da espingarda Pomba.

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O número de série, composto por oito ou nove dígitos, sen-do duas letras, para o acabamento oxidado e três letras para as deaço inoxidável, seguidas de seis dígitos numerais, é gravado naregião inferior do corpo, parte anterior:

a) PP 000001 (em aço carbono, acabamento oxidado).b) SPP 000001 (acabamento em aço inoxidável).

2.3.4 Escopeta Seg

Seu lançamento ocorreu em 16.12.99, nos calibres 12(16.12.99), 16 (23.12.99), 20 (23.12.99). É uma arma de tirounitário, cuja alma do cano não possui choque. É dotado deextração automática, isto é, o cartucho ou estojo é extraído auto-maticamente na abertura da arma. Possui um cabo anatômico,em vez da coronha. O sistema de percussão é através de barrade percussão (“barra de transferência”). Apresenta um sistemade abertura, através de uma chave, que permitem um manuseiomais rápido e seguro, impedindo a abertura e o fechamento docano, quando o cão estiver em posição de armado. Funcionacomo sistema de segurança.

O número de série, composto por oito ou nove dígitos, sen-do duas letras, para o acabamento oxidado e três letras para as deaço inoxidável, seguidas de seis dígitos numerais, é gravado naregião inferior do corpo, parte anterior:

a) SP 000001 (em aço carbono, acabamento oxidado).b) SSP 000001 (acabamento em aço inoxidável).

2.3.5 Carabina Pomba, calibre .22 L.R.

Trata-se de uma carabina, de tiro unitário, na qual foramaproveitados os mecanismos e a estrutura da espingarda POM-BA, modelo 023. Possui, portanto, sistema de percussão atravésde barra de percussão e um novo sistema de abertura, atravésde uma chave. Por ser de calibre .22 LR, a percussão é radial. Éproduzida em aço carbono oxidado, com cano de 23", o qualpossui um ejetor automático. O raiamento desta carabina é forma-do por 6 (seis) ou 12 (doze) raias dextrogiras (6D ou 12D).

O lançamento ocorreu em 01.04.2000. O número de sé-rie, gravado na região inferior do corpo, parte anterior, serácomposto por oito ou nove dígitos, conforme seu acabamento.

a) SC 000001 (em aço carbono, acabamento oxidado).b) SSC 000001 (acabamento em aço inoxidável).

No mês de setembro de 1998 a indústria Rossi iniciou aprodução de novos modelos de armas, inclusive de espingardas,em diversos calibres, cujas características, datas de lançamento

e número de série inicial para cada modelo, constam da tabelaa seguir apresentada. Os números de série são todos alfanuméricos,com duas ou três letras iniciais (ver tabela 1).

2.3.6 Rifle calibre .223 Remington (5,56 mm), modelo 623

Trata-se de um rifle de tiro unitário, de retrocarga, comtodas as características, quanto à estrutura, mecanismos esistema de segurança, de uma espingarda POMBA, exceto osistema de ejeção automática. A velocidade inicial do projetil é deaproximadamente 965 m/s.

É fabricado em aço carbono, com cano 560 mm (22") ou580 mm (23"), acabamento oxidado, tendo sido lançado em30/01/2002. Seu número de série é formado por duas letras e seisdígitos numerais: AF 000001.

2.3.7 Carabina/rifle Puma, calibre .45 Colt, modelo 175

O lançamento deste modelo ocorreu em 1998. Possui to-das as características de uma carabina PUMA, dos demais cali-bres. O cano tem 20" (carabina) ou 24" (rifle) de comprimentoe a capacidade do tubo carregador é de 10 cartuchos.

2.4 Modificações nas armas Rossi

2.4.1 Número de série das carabinas

A partir de 25.02.97, nos modelos 065 e 175 – calibre .44-40 WIN, e posteriormente nos demais calibres das carabinas,inclusive na carabina .22 L.R., o número de série passou a sergravado, por micropontos, na região inferior do corpo (caixa),em vez da lateral direita.

Desde o mês de novembro do ano de 1985 até março de1997, todas as carabinas Rossi possuíam o número de série gra-vado na região anterior da face lateral direita da caixa do meca-nismo. A partir de março de 1997, o número de série das carabi-nas Puma voltou a ser gravado na região inferior da caixa domecanismo, nas datas que constam na tabela seguinte, para osdiversos calibres. Simultaneamente, foi introduzida uma segun-da letra “S”, para os modelos em aço inoxidável, a qual antecedea letra original usada no número série das carabinas em açocarbono, oxidadas, como mostra a tabela 2.

2.4.2 Trava manual

Para reforçar a segurança contra tiro acidental, foiintroduzida a trava manual, em 22 de agosto de 2000, na espin-garda com canos combinados, modelo 023, n° SSP208501, cali-bres 36/.22 L. R., em aço inoxidável, e em 29 de novembro de

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Tabela 1

Tabela 2

Figura 1 - Novos locais de gravação do número de série, nas armas longas, da marca Rossi.

Figura 2 - Trava manual da espingarda marca Rossi, com canos combinados, calibres 36/.22 L. R.

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2000, no modelo 023, n° SSP212001, também calibres 36/.22L. R., em aço carbono, com acabamento oxidado. Através datrava manual o atirador tem o controle para atirar ou não. Paraisto, deve colocar a trava na posição F. Nesta posição a armaestá livre para atirar. Mas desejando atirar e estando o cão ar-mado, na posição recuada (engatilhada), o atirador coloca a tra-va na posição S e, segurando o cão com o polegar, aciona ogatilho e leva o cão, com o polegar, até a posição intermediária,que é a posição de segurança. Nesta posição pode acionar a chavede abertura, abrir a arma e retirar o cartucho.

3. Armas de antecarga (Muzzleloaders)

Depois de muitos anos, as indústrias de armas voltaram aproduzir armas de antecarga (carregamento pela boca do cano),tanto com cano de alma lisa como com cano de alma raiada,denominadas de “muzzleloaders”. Há modelos de projetis únicos,com forma e composição similares aos usados em cartuchospara armas de cano raiado, que são variáveis, existindo algunsenvoltos por uma capa plástica que funciona como bucha eoutros, nos quais, em região posterior, há uma saliência cilíndri-ca na qual é encaixada uma peça plástica que vai funcionar comobucha. A parte inferior desta peça plástica tem um diâmetrolevemente maior que o diâmetro do projetil, motivo pelo qualentra sob pressão produzida sobre a ogiva do projetil, mediantea utilização de uma vareta metálica. Esta peça vai apoiar-se napólvora, funcionando como bucha e, quando ocorre a detona-ção, evita o escape dos gases, possibilitando o aproveitamentototal da força expansiva de tais gases para impulsionar e expeliro projetil através do cano. Este último tipo de projetil (ver foto)é usado também em rifles de ante-acarga, sendo que apenas aparte plástica entra em contato com as raias, possibilitandodesta forma o movimento giratório do projetil e mantendo suaestabilidade, na trajetória. Não ocorre a impressão das raias nasuperfície do projetil (ver foto 1).

4. Carabina/Espingarda

Algumas fábricas de armas estão produzindo carabinas, cujocano raiado possui na extremidade anterior um espaço, semraias, com diâmetro superior ao da alma do cano. Por seremcarabinas, nelas são usados cartuchos carregados com projetilúnico. Entretanto, caso o atirador deseje atirar com cartuchoscarregados com chumbinhos (cartucho de espingarda), poderácolocar na boca do cano da arma uma peça dotada de rosca, aqual irá funcionar como choque móvel (choque removível), mos-trado na foto abaixo, facilitando o agrupamento dos chumbos.Como exemplo, podemos citar a carabina calibre .45 Colt, na qual,após a colocação do choque cambiável, pode-se usar cartuchos cali-

bre 36, próprios para espingardas (ver foto 2).

5. Novas munições

5.1 Cartucho calibre .45 ACP, com projetil de cobre

A indústria Forjas Taurus S. A. está comercializando car-tuchos calibre .45 ACP carregados com projetil do cobre (99,95%de Cu), ponta oca, do tipo expansivo, que apresenta seis fendaslongitudinais, junto à ogiva, para facilitar sua expansão, no mo-mento do impacto. A massa do projetil é de 11,66 g (180 grains).

5.2 Cartuchos fabricados pela Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC)

Os novos cartuchos fabricados pela Companhia Brasilei-ra de Cartuchos (CBC) foram reunidos em dois grupos com asdenominações de “Linha Cowboy”, “Linha Gold” e “Linha CleanRange” (ver tabela 3).

Na Linha Cowboy estão reunidos os cartuchos de calibres.45 Colt, .44 S&W SPL, .44-40 Winchester e .38 Special, carre-gados com projetis de liga de chumbo, mas com ponta plana (CHPP).

Os cartuchos da Linha Gold, em diversos calibres, são car-regados, em sua maioria, com projetis de ponta oca (EXPO), queatingem o máximo em poder de parada (stopping power). Osprojetis possuem uma geometria ideal de ponta e elevada velo-cidade, motivo pelo qual as munições Gold são consideradas asmelhores opções quando o objetivo é a defesa pessoal. Aoatingirem o alvo, os projetis formam um “cogumelo” e causamum choque traumático muito superior ao dos projetis conven-cionais. São revestidos por camisa de latão (tombak) e com nú-cleo de liga de chumbo. O de calibre .454 Casull tem a camisade latão e seu núcleo composto por chumbo, antimônio e esta-nho, enquanto que o de .40 S&W é composto apenas de chum-bo, antimônio e estanho Para os demais calibres, o núcleo écomposto apenas por chumbo e antimônio.

Em 1998 a Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) lan-çou no mercado os cartuchos da “Linha Clean Range” (clean rangeammunition), inicialmente no calibre 9 mm Luger e, posterior-mente, em outros calibres (.38 SPL, .380 ACP e .40 S&W), cujamistura iniciadora da espoleta não possui chumbo, bário eantimônio. Esta mistura iniciadora é composta por diazol, ni-trato de estrôncio, pólvora e tetrazeno. Os produtos resultantesda ignição da mistura iniciadora de cartuchos clean range são:monóxido de carbono (8%), dióxido de carbono (39,9%), va-por d’água (8,4%), nitrogênio (20,4%), óxido de estrôncio(23,25%). A partir de meados de 2002, a composição da mistu-ra iniciadora destes cartuchos passou a ter a seguinte composição:diazol, tetrazeno, nitrocelulose, nitrato de potássio, vidro e alu-mínio.

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Tabela 3Novos cartuchos produzidos pela Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC)

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Tabela 3Novos cartuchos produzidos pela Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) - continuação

Os projetis frangíveis, nos calibres 9 mm Luger e .40 S&W,são projetis destinados a romper-se facilmente ao impacto con-tra uma superfície dura, reduzindo ao máximo a possibilidadede ricochete (ver tabela 3).

6. Conclusão

O número significativo de novos modelos de armas e de

cartuchos, em especial de novos calibres, lançados pelas indús-trias de armas de fogo, as quais procuram acompanhar a evolu-ção tecnológica e a demanda mundial, deve servir de alerta paraque os Peritos que trabalham na área da Balística Forense, semantenham atualizados, para não incorrer em erros quando doexame de tais armas e munições ou da elaboração dos laudospericiais.

Foto 1 - Projetis únicos, calibre .50 Magnum, usados em rifles de antecarga. Foto 2 - Choque removível, usado em carabinas

[a] Perito Criminalístico inativo.

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Ano 1 - nº 1

janeiro de 2004.

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