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Page 1: Positivismo Jurídico - Norberto Bobbio

Faculdade Nacional de Direito - FND

Leonardo José Canaan Carvalho

DRE: 114029928

Fichamento para avaliação de História do Direito e do Pensamento Jurídico

Professor: Renato Valadares

''O Positivismo Jurídico''

Edição portuguesa por João Baptista Machado, Armênio Amado-EDITOR, Coimbra, 1979

Versão brasileira publicada pela Freitas Bastos

PARTE I

Norberto Bobbio

Maio de 2014

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Page 2: Positivismo Jurídico - Norberto Bobbio

SUMÁRIO

DIREITO NATURAL E DIREITO POSITIVO NO PENSAMENTO CLÁSSICO------3

DIREITO NATURAL E DIREITO POSITIVO NO PENSAMENTO MEDIEVAL------3

DIREITO NATURAL E DIREITO POSITIVO SEGUNDO OS JUSNATURALISTAS-4

RELAÇÕES ENTRE DIREITO NATURAL E DIREITO POSITIVO------------------4

MONOPOLIZAÇÃO DA PRODUÇÃO JURÍDICA POR PARTE DO ESTADO------5

''COMMON LAW'' E ''STATUTE LAW'' NA INGLATERRA--------------------------5

DIREITO NATURAL E O RACIONALISMO DO SÉCULO XVIII-------------------6

AS ORIGENS DO POSITIVISMO JURÍDICO NA ALEMANHA--------------------7

A ESCOLA HISTÓRICA DO DIREITO. C. F. SAVIGNY----------------------------8

CÓDIGO DE NAPOLEÃO E AS CODIFICAÇÕES JUSTINIANA E NAPOLEÔNICA-9

INFLUÊNCIA DO ILUMINISMO NA CODIFICAÇÃO FRANCESA-----------------9

OS PROJETOS DE CODIFICAÇÃO DE INSPIRAÇÃO JUSNATURALISTA---------9

O PROJETO DEFINITIVO DO CÓDIGO POR PORTALIS-------------------------10

RELAÇÕES ENTRE O JUIZ E A LEI SEGUNDO O CÓDIGO CIVIL FRANCÊS----10

ESCOLA DE EXEGESE: HISTÓRIA, EXPOENTES E CARACTERÍSTICAS--------12

POSITIVISMO JURÍDICO NA INGLATERRA: BENTHAM E AUSTIN------------13

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TEORIA DA CODIFICAÇÃO E A CRÍTICA À COMMON LAW POR BENTHAM---15

AUSTIN: TENTATIVA DE MEDIAÇÃO E O DIREITO POSITIVO-----------------16

AUSTIN E O PROBLEMA DA CODIFICAÇÃO-------------------------------------17

O FUNDAMENTO DO JUSPOSITIVISMO E A LEGISLAÇÃO---------------------19

CODIFICAÇÃO NA ALEMANHA E O MÉTODO DE JHERING-----------------19-20

DIREITO NATURAL E DIREITO POSITIVO NO PENSAMENTO

CLÁSSICO

A saber, a expressão ''Positivismo Jurídico'', ao contrário de

todos os indicativos, deriva da locução ''direito positivo'', e não de

''positivismo'' em seu sentido filosófico. Direito positivo esse que é

contraposto ao ''direito natural''.

Essa distinção não é recente na tradição jurídica. Na verdade,

faz-se a comparação entre os direitos positivo e natural,

conceitualmente, desde o pensamento grego e latino. Desde ''Notti

Attiche'', do romano Aulo Gellio, já se usa o termo ''positivus'', que se

refere à natureza da linguagem − aquilo que é convencionado pelo

homem. No latim pós-clássico, no entanto, a expressão já se refere ao

direito, à justiça, que se dividia entre: justiça positiva (leis

reguladoras da vida social); justiça natural (cosmologia).

Na Grécia antiga, Aristóteles estabelece dois critérios de

distinção entre os direitos positivo e natural: 1) Direito natural está

presente em tudo, enquanto o direito positivo só se faz presente onde

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é posto e convencionado pelo homem; 2) O direito natural existe

autonomamente de ser bom ou ruim, sua bondade é objetiva, não

dependendo de juízo sobre ela, pois. Já para o positivus só importa

aquilo que é determinado pela lei, independente se a prescrição seja

ou não boa ''por natureza'' − a conduta está normatizada, portanto é

correta e necessária. Em Roma, também se faz tal distinção entre os

direitos, mas se utiliza diferentes termos: jus civile (direito positivo:

posto e limitado a um certo povo, mutável) e jus gentium (direito

natural: não tem limites e é posto pela naturalis ratio, imutável).

DIREITO NATURAL E DIREITO POSITIVO NO PENSAMENTO

MEDIEVAL

Continuemos a traçar a linha do tempo da distinção entre as

locuções ''direito positivo'' e ''direito natural'' no âmbito jurídico-

filosófico. Abelardo, no fim do século XI, já se posiciona: para ele, o

direito positivo tem a característica de ser construído pelo homem,

enquanto o outro é posto por alguma força além deste, natureza ou

força divina, pois. A visão do filósofo será muito difundida durante

toda a idade média, como nos estudos de Santo Tomás, que

estabelece a existência de dois tipos de leis, que fundamentariam a

distinção dos direitos positivo e natural, respectivamente, a lex

humana e lex naturalis.

DIREITO NATURAL E DIREITO POSITIVO NO PENSAMENTO

DOS JUSNATURALISTAS DOS SÉCULOS XVII E XVIII

Grócio, pai do direito internacional, segundo Bobbio, faz a mais

inteligente das distinções:

''O direito natural é um ditame da justa razão destinado a

mostrar que um ato é moralmente torpe ou moralmente

necessário segundo seja ou não conforme à própria

natureza racional do homem, e a mostrar que tal ato é,

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em consequência disso vetado ou comandado por Deus,

enquanto autor da natureza.'' (GRÓCIO, SÉC. XVII)

Ainda, o direito positivo é fruto da ação do Estado, que pode

submetê-lo às duas instituições importantes: 1) a família (direito

patronal); 2) comunidade internacional (que regula as atividades

entre os povos).

Distingue-se baseado na forma como os direitos advém à

consciência humana: o natural por meio da razão e olhar da natureza,

o positivo, ao conjunto das leis fundamentadas no exercício do

legislador. A novidade está presente na maneira como os

destinatários vêm a ter conhecimento das normas naturais e

positivas.

RELAÇÕES ENTRE DIREITO NATURAL E DIREITO POSITIVO

A diferença que se estabelece entre as espécies é quanto ao

grau de cada uma, ou seja, um tipo de direito é considerado superior

que o outro. O mais importante é entender que não havia, ainda,

distinção em termos de qualificação. Em outras palavras, ambos eram

qualificados como direito na mesma acepção do termo.

No período clássico, o direito positivo era colocado acima do

direito natural, quando existia um conflito. O direito institucionalizado

era considerado superior ao ''direito comum''; ''não-codificado'';

''provido dos deuses''.

Durante a Idade Média, entretanto, o direito natural é

considerado superior, fundamentado na vontade divina. É um direito

de inspiração cristã que influencia o Jusnaturalismo a considerar o

naturalis como sua base teórica.

O Positivismo Jurídico ''[...] é uma concepção do direito que

nasce quando o ''direito positivo'' e ''direito natural'' não mais são

considerados direito no mesmo sentido, mas o direito positivo passa a

ser considerado como direito em seu sentido próprio. Por obra do

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positivismo jurídico ocorre a redução de todo o direito a direito

positivo, e o direito natural é excluído da categoria do direito: o

direito positivo é direito, o direito natural não é direito.'' .''[...] o

positivismo jurídico é aquela doutrina segundo a qual não existe outro

direito senão o positivo.'' (BOBBIO, Norberto, p.26).

MONOPOLIZAÇÃO DA PRODUÇÃO JURÍDICA POR PARTE

DO ESTADO

O Estado Primitivo não se preocupava em produzir normas

jurídicas. Esse era o papel da própria sociedade civil. Para se

entender a transição ideológica do Jusnaturalismo ao Juspositivismo,

deve-se atentar à formação dos Estados Nacionais. A sociedade

pluralista passa a ser monista, o Estado domina todo e qualquer tipo

de poder existente, inclusive o de criar o direito. De fato, direito é o

conjunto de regras que são consideradas obrigatórias, cujo não

cumprimento é cabível de sanção.

''COMMON LAW'' E ''STATUTE LAW'' NA INGLATERRA

A tradição jurídica inglesa é importante para o esclarecimento

das origens do positivismo jurídico. É um país que tem a sua própria

tradição, tendo sido pouco influenciada pelo direito comum romano.

Há, no país, a distinção entre dois tipos diferentes de direito: 1)

Common law ; 2) Statue law.

1) Direito comum ou consuetudinário − não é o direito comum

de origem romana; surge pelas relações sociais e é acolhido pelos

juízes nomeados pelo rei, desenvolvido, será um direito de elaboração

judiciária; é primado pela tradição jurídica desde as monarquias

medieval e moderna; limitava o poder do soberano (rei) e influenciou

o desenvolvimento liberal politicamente falando.

2) Direito estatutário ou legislativo − se contrapõe ao Common

law; é posto pelo soberano, desenvolvido, é institucionalizado pelo rei

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juntamente com o parlamento; vale enquanto não contrariar o direito

comum.

As tendências autoritárias e ditatoriais na Inglaterra tiveram

atrito com o Direito Comum, privilegiando o Direito estatutário,

proclamando a incapacidade de os juízes resolverem controvérsias

fundamentados no Common law.

Justificativa de Thomas Hobbes contra o Common Law

O Common Law tem sua legitimidade negada por Hobbes,

precursor do positivismo jurídico, teórico do poder absoluto e

fundador da primeira teoria do Estado moderno. Ele trata o direito

comum anglo-saxônico como um direito preexistente ao Estado e

independente deste. Em sua teoria contratualista, Hobbes pensa que

deve existir mecanismos suficientes para que o poder absoluto do

Estado sobre os homens. Assim, a partir do momento em que se

constrói o Estado, o único direito que terá validade será o civil. Em

suma, percebe-se que a formulação do filósofo não é especificamente

relacionada ao direito comum inglês, mas tange àlguns aspectos

relacionados a ele.

O DIREITO NATURAL NAS CONCEPÇÕES JUSFILOSÓFICAS

DO RACIONALISMO DO SÉCULO XVIII

O Racionalismo, sobretudo no século XVIII, tem o sua

consolidação como corrente filosófica. Com ele, desenvolve-se, cada

vez mais, o Juspositivismo. No entanto, não significa que os

jusnaturalistas caíram por terra. Na verdade, há uma grande

influência destes na formação das Constituições modernas −

Americana e Francesa. Ainda, no contexto do período, o direito

natural ainda é superior, mesmo com a soberania do Estado recém-

consolidado emergindo.

A questão das ''lacunas da lei'' é importante. Embora os

juspositivistas as neguem (por motivos de coerência à ideologia

pregada), alguns filósofos as admitem já no século XVIII. O direito

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natural sobrevive nas concepções jusfilosóficas deste século. A

afirmação é que o direito positivo se funda no direito natural. Quando

se falta do primeiro, emerge-se a ideia provida pelo segundo. O Juiz,

por conseguinte, deve resolver controvérsias baseado no direito

natural.

Diversos foram os pensadores que se pronunciaram sobre as

lacunas citadas − como são os casos do próprio Hobbes, de Leibniz e

Achenwall. Do último, tem-se a '' [...] concepção de direito natural

como instrumento para comaltar as lacunas do direito positivo [...]''

que ''[...] sobrevive até o período das codificações, e mais, tem uma

extrema propagação na própria codificação.'' (BOBBIO, Norberto, p.

44).

AS ORIGENS DO POSITIVISMO JURÍDICO NA ALEMANHA

A influência da "Escola histórica do direito"

Aqui se discute as origens do historicismo, que irá dessacralizar

o direito natural, enfraquecendo o Jusnaturalismo, em detrimento do

Positivismo Jurídico. Esse historicismo, surgido e difundido na

Alemanha do século XVIII/XIX − haja vista as contribuições de Savigny

− com a escola histórica do direito, "preparou o terreno" para que o

Juspositivismo pudesse se consolidar.

A escola histórica do direito, seja por Hugo ou Savigny, traz à

luz que o significado do direito natural não é como um sistema

normativo auto-suficiente, mas como simples considerações

filosóficas sobre o próprio direito positivo. Gustavo Hugo elabora o

que ele chama de ''filosofia do direito" que materializa a redução do

direito natural e esgota a tradição jusnaturalista. Sua obra é de

grande importância para Austin, formal criador do Positivismo

Jurídico.

Características do historicismo

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1) Não existem homens iguais e imutáveis (como prega

Jusnaturalismo), mas diversos entre si conforme raça, período

histórico, contexto social; 2) O que move a história é a não-razão, a

emoção e o impulso do homem, contrariando o racionalismo da tese

jusnaturalista; 3) Pessimismo antropológico: contrariando o otimismo

típico da corrente iluminista. A história é vista como uma contínua

tragédia; 4) Elogio e amor pelo passado: revela a descrença no

melhoramento futuro da humanidade e a preferência pela idealização

do passado; 5) Amor pela tradição, contrariamente ao Iluminismo,

que desejava ao homem espírito inovador para a quebra de

paradigmas na sociedade.

A ESCOLA HISTÓRICA DO DIREITO. C .F. SAVIGNY

Carlos Frederico Savigny, sem dúvidas, foi o maior expoente da

doutrina da escola histórica do direito. Bobbio, nesse excerto,

enumera algumas características desta: 1) O direito é um fenômeno

social, um produto da história, portanto, não igual para todos os

tempos e lugares; 2) O direito nasce do sentimento de justiça

presente no coração dos homens, não através de cálculos

matemáticos; 3) Crítica ao Iluminismo e da codificação ocorrida no

século XVIII/XIX, que segundo a doutrina, revela apenas uma

''codificação do direito natural'', desenvolvimento extremo do

racionalismo, de um direito fundamentado na razão − característica

jusnaturalista.

A Alemanha, segundo Savigny, no início do século XIX,

encontrava-se numa época de decadência da cultura jurídica, então a

codificação só agravaria os males. Só se resolveria a situação caso

houvesse a ascensão do direito científico (obra da ciência jurídica). As

fontes do direito são três: direito popular, direito científico, direito

legislativo.

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O SIGNIFICADO HISTÓRICO DO CÓDIGO DE NAPOLEÃO

CODIFICAÇÃO JUSTINIANA E NAPOLEÔNICA

O direito codificado, como se conhece nos dias atuais, só foi

instituído nos últimos dois séculos. Em 1804, vigora o Código de

Napoleão, ''[...] um corpo de normas sistematicamente organizadas e

expressamente elaboradas.'' (BOBBIO, Norberto, p.64). A obra

napoleônica tem grande importância para a tradição de codificação

da Europa continental, já que vários códigos − como o italiano,

prussiano e austríaco − foram baseados nele. Também destaca-se o

código justiniano, que foi elaborado baseado no direito comum

romano nas Idades Média e Moderna.

INFLUÊNCIA DO ILUMINISMO NA CODIFICAÇÃO FRANCESA

E AS DECLARAÇÕES PROGRAMÁTICAS DAS ASSEMBLEIAS

REVOLUCIONÁRIAS

Contexto: França pré-revolucionária, berço do Iluminismo e

fortemente marcada pela corrente racionalista. A ideia de codificação,

como já exposto, é racionalista. A Revolução ocorre em 1789,

significando que a codificação do direito adquire consistência política

para acontecer no país.

O objetivo é atribuir ''simplicidade e unidade'' ao direito francês.

País que, até então, convivia com uma multiplicidade jurídica −

tratada como fonte de corrupção pelos revolucionários − em que as

velhas leis existentes deveriam ser substituídas pelo direito simples e

unitário, fundamentado na natureza das coisas pela razão humana.

OS PROJETOS DE CODIFICAÇÃO DE INSPIRAÇÃO

JUSNATURALISTA

CAMBACÉRÈS

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É verdade que o Código Civil distanciou de suas origens,

Iluminismo e Jusnaturalismo, e se convergiu à tradição jurídica

francesa do direito romano comum. No entanto, não se deve

esquecer os esforços do jurista Cambacérès para a formulação de um

código civil de inspiração jusnaturalista. O advogado, que era

contrário à Robiespierre, quando pôde, elaborou três projetos para

que seu objetivo pudesse ser alcançado, que não serão explicitados

aqui.

A ELABORAÇÃO E A APROVAÇÃO DO PROJETO

DEFINITIVO: PORTALIS

Destaca-se, nesta parte, a contribuição de um dos quatro

juristas que foram importantes no projeto do código napoleônico: Jean

Etienne Marie Portalis. Jurista, político, liberal moderado, foi exilado e

formulou algumas obras de crítica ao racionalismo criticista de Kant,

ajudou na aprovação dos títulos do projeto. E, também, participou da

construção de uma expressão orgânica e sintética da tradição

francesa do direito comum, que é o Code civil des Français.

AS RELAÇÕES ENTRE O JUIZ E A LEI SEGUNDO O CÓDIGO

CIVIL

Uma prática judiciária recorrente em tempos de revolução foi

abolida com a instituição do código civil napoleônico: era comum que

o juiz, quando não dispunha de uma norma legislativa precisa, se

abstivesse de decidir a causa e a devolvesse aos atos do legislativo

para obter disposições. Ditando o art. 4º, era imposto ao juiz a

decisão em cada caso, sendo que o art.9º lhe indicava os critérios a

serem utilizados.

O Código Napoleônico fugia dos pressupostos jusnaturalistas −

retorno à natureza, desafio ao passado, etc. −, sendo um ponto de

chegada e partida ao mesmo tempo. Em outras palavras, não se

excluiriam todos os precedentes, ''[...] ao menos em caso para os

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quais a nova legislação não estabelecesse alguma norma.'' (BOBBIO,

Norberto, p.73).

No entanto, alguns intérpretes do código entenderam que

tratava-se de uma nova tradição jurídica, recém-inaugurada, que

acabava com todo o precedente jurídico. Os mesmos intérpretes

atribuíram ao legislador a onipotência, dogma fundamental do

Positivismo Jurídico. Esse dogma, polêmico por sinal, gerou

interpretações diferentes entre os redatores e intérpretes do período,

principalmente quanto ao art.4º, que dizia:

''O juiz que se recusar a julgar sob o pretexto de

silêncio, da obscuridade ou da insuficiência da lei,

poderá ser processado como culpável de justiça

denegada.'' (CÓDIGO CIVIL NAPOLEÔNICO, Art.4º).

Existem, ainda, três situações em que o juiz é posto em

dificuldade para julgar: 1) Obscuridade da lei; 2) Insuficiência da lei;

3) Silêncio da lei. Nestes casos, é aconselhável que o juiz busque a

integração da lei dentro dela, ou seja, busca-se a resolução jurídica

dentro do próprio sistema legislativo. Ou, também, fora do sistema

legislativo, recorrendo a um sistema normativo (moral ou direito

natural), o juízo pessoal de equidade, o que contrasta com os

pressupostos juspositivistas − através da interpretação, o juiz

individualizaria uma disciplina jurídica a cada caso, utilizando de sua

onipotência e do princípio de completitude do ordenamento jurídico.

Mas, na verdade, o que os redatores do artigo tinham em mente era a

possibilidade de livre criação do direito por parte do juiz. Não se

tratava de criar um código que contivesse todos os casos possíveis,

mas que legitimasse o juízo da equidade, a saber:

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''Quando a lei é clara, é necessário segui-la; quando

é obscura, é necessário aprofundar suas

disposições. Na falta da lei, é necessário consultar o

uso ou a equidade. A equidade é o retorno à lei

natural, no silêncio, na oposição ou na obscuridade

das leis positivas.'' (op. cit., p.5)

A ''Escola de exegese'' foi fundamentada sobre a perspectiva

juspositivista do art.4º do Código Civil Napoleônico. A lei

compreenderia a disciplina de todos os casos passados e futuros. Foi

acusada do que se chamou de ''fetichismo da lei''. Será contrastada

pela ''Escola Científica do Direito''.

ESCOLA DE EXEGESE

CAUSAS HISTÓRICAS DO SEU ADVENTO, SEUS MAIORES

EXPOENTES E SUAS CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS

Entre seus maiores expoentes, estão: Alexandre Duranton,

Charles Aubry, Frédéric Charles Rau, Jean Demolombe e Troplong.

Suas características fundamentais são cinco: 1) Inversão das relações

tradicionais entre direito natural e direito positivo − afirmação da

relevância dos dois direitos; juiz deve se fundar unicamente na lei

para resolver quaisquer controvérsias; 2) Concepção rigidamente

estatal do direito − normas jurídicas são apenas aquelas postas pelo

Estado; conduz ao princípio de onipotência do legislador, afirmado

pelos juspositivistas; 3) Interpretação da lei fundada na intenção do

legislador − vontade do legislador, em detrimento da verdade da lei,

ou seja, uma concepção subjetiva de jurisprudência; 4) Culto do texto

da lei − interpretação rigorosa e religiosa do texto encontrado no

código; 5) Respeito pelo princípio da autoridade − tentativa de

colocar a justeza ou a verdade de uma proposição, utilizando

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palavras/ideias/concepções de um personagem cuja autoridade não

pode ser contestada: por exemplo, o legislador (lei é lei).

No que tange às causas históricas do advento da Escola de

Exegese, são listadas cinco: 1) Fato da codificação − procura das

resoluções das controvérsias no próprio código; 2) Mentalidade dos

juristas a fim do princípio de autoridade − vontade do legislador

expressa de modo seguro e correto; 3) Doutrina de separação dos

poderes − elemento ideológico da construção do Estado moderno, em

que o juiz não poderia criar leis, pois estaria infringindo a

competência do legislativo, já que a tripartição dos poderes, rezada

por Montesquieu, baseia-se na distribuição de competências aos

órgãos específicos; 4) Princípio da certeza do direito − conhecendo o

comportamento devido, a prescrição, é conhecida a consequência

jurídica dos atos, normatização do direito introduzida na codificação

(Se A, deves B, etc.); 5) Pressões exercidas pelo regime napoleônico

− motivo de natureza política, reorganização do ensino superior

francês e influência governamental no desenvolvimento de

tendências didático-ideológicas juspositivistas, em detrimento de

pressupostos jusnaturalistas, que prezavam pelo direito natural e pela

moral.

O POSITIVISMO JURÍDICO NA INGLATERRA: BENTHAM E

AUSTIN

A inspiração iluminista da ética utilitarista de Bentham

Se examinará a origem do Positivismo Jurídico em termos de

Inglaterra, e qual foi a contribuição do país para a consolidação da

doutrina. Primeiro, se analisa o quesito codificação nos países:

1. Alemanha: não houve vigência, haja vista o perfil

anticodificação da Escola de Savigny;

2. França: codificação sem que houvesse uma teoria de

codificação elaborada (graças aos juristas da Revolução).

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3. Inglaterra: não houve codificação. No entanto,

contrariamente à França, desenvolveu-se uma teoria de

codificação, vide os esforços do maior teórico da

onipotência do legislador, Thomas Hobbes, e os estudos

do ''Newton da legislação'', Jeremy Bentham.

O pensamento de Bentham influenciou todas as partes do

mundo, desde a América, até a Índia, não se limitando, pois, à

Inglaterra. Na verdade, seus ideais foram mais desprezados

neste último. O que pode explicar tal fato é que a

fundamentação das ideias de Bentham tem um berço francês,

em outras palavras, há uma base teórica iluminista − além de,

também, sofrer influência de Beccaria, pensador italiano.

Bentham era contrário ao Jusnaturalismo, pois ia de

encontro com suas práticas empiristas, sobretudo porque a

primeira doutrina não é suscetível de um conhecimento

experimental, mas fundada num conceito da metafísica, o da

natureza humana. Por isso que a inspiração iluminista de

Bentham é, às vezes, colocada em cheque, já que a doutrina

francesa e o Jusnaturalismo têm uma certa proximidade

ideológica. A diferença do pensador e os jusnaturalistas é que

ele estabelece uma ética objetiva, não constante na natureza

humana,

''[...] mas no fato empiricamente verificável de que

cada homem busca sua própria utilidade: a ética se torna

assim o complexo de regras segundo as quais o homem

pode conseguir a própria utilidade do modo melhor.''

(BOBBIO, Norberto, p.92).

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A obra de Bentham é guiada pela perspectiva de que tudo

pode ser estabelecer uma ética objetiva. A partir daí é que se

justifica a confiança no ''[...] legislador universal, na

possibilidade, portanto, de estabelecer leis racionais válidas

para todos os homens''. (BOBBIO, Norberto, p.92).

Indícios da postura iluminista de Bentham: 1) quanto à

qualidade essencial da lei: clareza e brevidade; 2)

comportamento frente a Revolução − prova disso é que, depois

de todos os esforços do pensador na comunicação aos

franceses acerca do campo da política constitucional inglesa,

ganhou cidadania francesa em 1792.

A preocupação do autor, a princípio, é a respeito de uma

reorganização sistemática do direito inglês, em geral. Tratava-

se de um direito não codificado, extremamente engajado na

figura do juiz, e confiado nele. Havia o sistema de precedente

obrigatório, sendo, pois, um direito firmado sobre ''casos'', em

detrimento de ''leis gerais''. Bentham, com todo seu

pensamento racionalista, abandonou a atividade prática para

estudar a teoria da reforma legislativa. Segundo, Bentham

projeta um sistema de regras de direito que fariam parte dos

princípios fundamentais do ordenamento jurídico inglês. Na

terceira fase, trata-se da reforma radical do direito, através da

codificação completa, dividindo a disciplina em três: direito

penal, civil e constitucional. Codificação essa batizada, pelo

próprio Bentham, de Pandikaion; Pannomion. Seria um sistema

que deveria ter sido empregado universalmente.

A CRÍTICA À COMMON LAW POR BENTHAM E A

TEORIA DA CODIFICAÇÃO

Bentham ataca firmemente o Common Law anglo-

saxônico, em outras palavras, a produção judiciária do direito

inglês. Em sua obra publicada Introdução aos princípios da

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moral e da legislação, ''Cinco são os defeitos fundamentais que

Bentham individualiza na sua crítica à common law [...]''

(BOBBIO, Norberto, p.97), :

1. Incerteza da common law: não há segurança

jurídica, principalmente por conta do poder

atribuído ao juiz. Indaga-se: pode-se considerar o

juiz como autor da common law? O que é essa

racionalidade em que o juiz se adota ou rejeita um

precedente? Bentham critica, portanto, a base

legislativa inglesa fundamentada nos precedentes e

no poder materializado somente na figura do juiz.

2. Retroatividade do direito comum: é a violação do

direito de uma exigência fundamental do

pensamento jurídico liberal, a irretroatividade

jurídica, que é o fato de a norma não poder ser

aplicada a um caso sucedido antes da emissão

dessa norma.

3. Common law não é fundamentada no princípio da

utilidade.

4. Mesmo que falte competência específica em todos

os campos regulados pelo direito, o juiz é obrigado a

julgar o caso.

5. Crítica política: se o direito fosse criado por leis

através do parlamento mediante aprovação, ele

seria controlado pelo povo. Mas não é isso que

ocorre, segundo Bentham.

Mais um indicativo de que Bentham adotava um caráter

nacionalista é sua teoria pautada em um código coerente, unitário,

simples. Para que ele fosse feito, deveria ser instituído um concurso

público para a apresentação de projetos úteis à reforma legislativa. O

código deveria ser escrito por uma só pessoa, sendo ela natural do

país ou estrangeira. Ele deveria ser pautado na utilidade (a maior

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felicidade para o maior número), completitude (completo, e se houver

lacunas da lei, o código deve apresentar todas as obrigações jurídicas

às quais o cidadão deve estar submetido), cognoscibilidade (redigido

de forma clara e precisa) e justificabilidade (deve apresentar a

finalidade segundo a qual foi feito, para tornar a lei mais

compreensível).

AUSTIN: MEDIAÇÃO DA ESCOLA HISTÓRICA ALEMÃ E O

UTILITARISMO INGLÊS - CONCEPÇÃO AUSTINIANA DO DIREITO

POSITIVO

Bentham e Savigny na teoria de Austin

Cronologicamente, publicou sua obra tardiamente em relação

aos outros autores juspositivistas abordados, em 1832. Austin foi um

grande admirador dos juristas alemães, especialmente Savigny. Fez

parte do cenário dos utilitaristas, cenário construído em torno de

Bentham. Ocupou-se, quando em Londres, em um cargo oficial

relativo à reforma da legislação. Publicou uma única obra, em inglês,

intitulada: The province of jurisprudence determined (A determinação

do campo da jurisprudência). Quanto à própria jurisprudência geral,

ele a considera como uma matéria de estudo que trata diretamente

dos princípios e divergências que são comuns aos sistemas de direito

particular e positivo.

Austin via na lei a forma típica do direito e o fundamento último

de toda norma jurídica. Ele pretendia conciliar Bentham (utilitarismo)

com a escola clássica (Savigny), tornando o primeiro historicista e o

segundo utilitarista.

Concepção austiniana acerca do direito positivo

''Austin define a lei como um comando geral e abstrato,

excluindo assim, antes de tudo, do conceito de lei as ordens

''incidentais'' ou ''ocasionais'', vale dizer as ordens dirigidas a uma

pessoa determinada porque realiza uma ação individual.'' (BOBBIO,

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Norberto, p.105). Comando leva a um conceito de sanção e dever. A

lei é subdividida em duas categorias:

1. Leis divinas, postas por Deus, reveladas e não reveladas.

2. Leis humanas, postas pelos homens, moralidade positiva

e direito positivo:

Moralidade positiva: se distingue do direito positivo porque é

posta por um homem que não possui a qualidade e

competência de soberano para outros sujeitos humanos. São

dividas em leis que regulam a vida do indivíduo em seu estado

de natureza, em leis que regulam as relações entre Estados

(direito internacional), leis de sociedades menores (família,

corporação, etc.).

Direito positivo: assim como as leis divinas, são comandos

soberanos; assim como a moralidade positiva, são comandos

humanos. Está, segundo Austin, contido em três princípios

típicos do Juspositivismo:

1. objeto das decisões judiciais não é o direito ideal (como

deve ser), mas como direito postulado e normatizado

(como ele é).

2. norma jurídica imperativista (caráter de dever e sanção).

3. direito posto pelo soberano (concepção estatal de direito

fundamentada no órgão legislativo).

AUSTIN E O PROBLEMA DA CODIFICAÇÃO

Após a crítica austiniana ao direito judiciário, o pensador

introduz a solução, a forma superior do direito, que seria a sua

própria codificação. Austin divide o direito em seis fases: a primeira é

a moralidade positiva, fase pré-jurídica, quando não existem normas

de direito propriamente dito, apenas direito consuetudinário, isto é,

feito por consenso na sociedade; na segunda os juízos fazem valer

como direito as próprias normas da moralidade positiva; na terceira,

os juízes integram as normas consuetudinárias; depois, criam o

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direito com base em seus próprios critérios de avaliação, na quarta

fase; no quinto período, o direito legislativo integra o direito particular

em algumas matérias; na última fase, a lei é, exclusivamente, a fonte

de produção do direito e disciplina, através de normas gerais e

abstratas: ''[...] a legislação culmina assim na codificação.'' (BOBBIO,

Norberto, p.113).

Austin, em seu projeto de codificação, critica o código

napoleônico em alguns aspectos: a) falta de definições técnicas dos

termos jurídicos utilizados; b) não conta com o direito romano; c) o

legislador francês não concebeu o código com completitude, haja

vista o art. 4º.; d) redigido em demasiada pressa.

Em Notes on Codification (Notas sobre a Codificação), Austin

resume suas ideias acerca da codificação, através de catorze

objeções contra a ideia geral de um direito codificado. Bobbio, autor

de ''Positivismo Jurídico'', analisa cinco desses:

1) códigos são incompletos: não há solução na norma para

todos os casos futuros, porém contém muito menos lacunas da lei

que o direito judiciário.

2) a codificação é feita mediante a normas numerosas e

minuciosas. Completitude, na visão jurídica austiniana, é estabelecer

normas, cada uma delas aplicável a uma categoria de casos.

3) código é inalterável, pois suas normas não são adaptáveis às

transformações que continuamente ocorrem na sociedade.

4) o direito codificado é menos maleável que o direito

judiciário.

5) o direito codificado favorece as controvérsias, pois torna

possíveis conflitos de analogias contrárias mais numerosos.

Em relação a Bentham, Austin não acredita que a codificação

deva ser feita por uma pessoa apenas, já que ''[...] ninguém pode ter

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um conhecimento exaustivo da totalidade do direito;'' (BOBBIO,

Norberto, p.117). Desse modo, ele formula uma solução

intermediária: o projeto do direito codificado é feito por uma só

pessoa, como postula Bentham, mas passa a ser analisado e

reexaminado por uma comissão, que fará as correções necessárias

para uma maior garantia da segurança jurídica.

Outro ponto de divergência entre os dois pensadores é quanto à

acessibilidade do código. Enquanto que para Austin ele deve ser

acessível somente aos juristas, em detrimento do povo, Bentham reza

que ele pode ser acessado por todos os cidadãos.

FUNDAMENTO DO JUSPOSITIVISMO E O SIGNIFICADO DE

LEGILAÇÃO

O Positivismo Jurídico, portanto, nasce de um esforço histórico

para a legislação. Quando a lei se torna a fonte exclusiva do direito, o

seu resultado é a codificação defendida pelos juspositivistas e

racionalistas. Não é um fato isolado, ilimitado e contingente, mas um

movimento histórico universal e irreversível, ligado direta e

indissoluvelmente aos Estados Nacionais e sua formação. O impulso à

legislação, portanto, nasce da dupla exigência de pôr ordem ao

direito primitivo e fornecer ao Estado um instrumento legitimado de

controle da vida social do cidadão.

CODIFICAÇÃO ALEMÃ (DIREITO CIENTÍFICO) E O METÓDO

DA CIÊNCIA JURÍDICA SEGUNDO JHERING

Direito científico alemão

Na Alemanha, pela influência da Escola de Savigny, a

codificação não foi feita no país no século XIX. Esse fato histórico

coloca em dúvida o caráter universal do intuito da codificação. A

função histórica da legislativa foi, portanto, assumida pelo direito

científico.

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A saber, o direito científico pode ser considerado como um filão

da corrente juspositivista, já que se funda em dois postulados típicos:

1) direito como uma realidade socialmente posta;

2) direito como unidade sistemática de normas gerais.

Método da ciência jurídico de Jhering

O direito científico é, como já exposto, uma alternativa ao

direito codificado. Jhering discute o papel do jurista. Além da

aplicação do direito, a tarefa mais importante que ele deve executar

é a simplificação dos materiais jurídicos.

A simplificação pode ser quantitativa e qualitativa. A primeira

consiste na análise jurídica, na concentração lógica e no ordenamento

sistemático. A segunda se resolve numa operação fundamental, ''[...]

na qual se reassume o valor científico da jurisprudência.'' (BOBBIO,

Norberto, p.125).

E finaliza estabelecendo algumas regras para a construção de

um instituto jurídico:

1) aplicação exclusiva do direito positivo;

2) eliminação das impossibilidades jurídica, conciliação do velho

com o novo, visando a unidade sistemática;

3) lei estética da construção jurídica, que se fundamenta sobre

uma construção simples e clara; transparente e natural.

Fim da parte histórica

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