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NOTA SOBRE

O AUTOR

Brad Matsen tem escrito sobre o mar e seus habitantes

por quarenta anos. Ele é o autor de Descent: the Heroic

Discovery of the Abyss, o qual foi finalista no Los Angeles Times

Book Prize em 2006; Titanic’ Last Secrets; Planet Ocean; A Story of

Life, the Sea, and Dancing to the Fossil Record; a série para crianças,

ganhadora de prêmios, Incredible Ocean Adventure; e de muitos

outros livros. Ele foi um criativo produtor de Shape of Life, uma série

para televisão com oito horas de duração, da National Geographic,

sobre biologia evolucionária, e ele escreve sobre ciência marinha e

o meio ambiente para as revistas Mother Jones, Audubon, Natural

History e muitas outras. Ele vive em Vashon Island, em Puget Sound.

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OUTRAS OBRAS DE BRAD MASTEN

Jacques Cousteau

Titanic’s Last Secrects: The Further Adventures ofShandow Divers John Chatterton and Richie Kohler

Descent: The Heroic Discovery of the Abyss

Go Wild in New York City

Fishing Up North:Stories of Luck and Loss in Alaskan Waters

Planet Ocean:A Story of Life, the Sea, and Dancing to the Fossil Record

Ray Troll’s Shocking Fish Tales:Fish, Romance, and Death in Pictures

Incredible Ocean Adventure (série para jovens leitores)

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A Editora Cultura Sub sente-se lisonjeada em

publicar a história de vida de uma das grandes

personalidades pioneiras na conservação dos

oceanos, fazendo assim com que este belo trabalho

seja conhecido por todos os brasileiros.

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P A R A L A A R A

Eu acredito nas crianças. Eu vivo para as crianças.

Jacques Cousteau

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Prefácio

Introdução • Outono 1977

La Bergère (A Pastora)

Les Mousquemers (Mosqueteiros do Mar)

Respirando Debaixo D’água

Dezoito Metros de Profundidade

Scuba

Naufrágios

A Fonte

Homens Peixe

O Abismo

Calypso

Il Faut Aller Voir (É preciso ir lá ver)

Fama

Vivendo Debaixo D’Água

O Mundo Sem Sol

O Mundo Submarino de David Wolper

Uma Testemunha Honesta

Oasis no Espaço

Odisseia

Seguindo em Frente

Capitão Ultrajante

Redescobrindo o Mundo

Caos

Epílogo

Notas

Bibliografia

Agradecimentos

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SUM

ÁRIO

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A lgumas semanas após eu ter me decidido a escrever sobre Jacques Cousteau, fui a St.- André-de-Cubzac,

França, onde ele nasceu e está enterrado. É um típico vilarejo na periferia de Bordeaux com uma movimentada rodovia que atravessa o centro. Suas estreitas travessas são desertas durante o dia porque a grande maioria da população trabalha na cidade. O quarto no qual Cousteau deu seu primeiro suspiro de vida fica no segundo andar de um prédio que agora faz parte de um apartamento em cima de uma farmácia. Do outro lado da rua está uma abadia de pedra, sem janelas, que conecta St. - André ao século XII e a igreja Católica Apostólica Romana. Duas quadras a oeste, na rotatória de acesso a Bordeaux encontrei um monumento municipal dedicado a Cousteau. Acima de um canteiro de flores cuidadosamente cultivadas e que florescem no verão, está um golfinho de madeira, duas vezes maior que seu tamanho natural, montado a 3 metros acima do chão, em um mastro de aço. O golfinho é representado pelo escultor no momento de seu salto do mar, segurando em sua boca um dos famosos gorros de lã vermelha usados por Cousteau e a tripulação do Calypso. Em outro mastro, setas de sinalização orientam os visitantes aos destaques do local – A Academia Profissional Philippe Cousteau, a Prefeitura e o Observatório Ecológico do Paralelo 45 N, um dos muitos fundados no século XVIII para estudar a Terra, precisamente a meio caminho entre o Equador e o Polo Norte.

Logo após a rotatória fica o cemitério com 8.094 m2, cercado por paredes de pedra calcária além das quais, antigas vinhas se estendem como ondulações do mar em direção ao Estuário de Gironde e ao Atlântico. Em uma tarde do final de agosto eu estava lá, as paredes eram tão brilhantes com o reflexo do sol que era difícil olhar diretamente para elas. Do lado de dentro havia fileiras de túmulos, alguns deles como fortificações destinadas a proteger seus ocupantes, outros como templos ornamentados, decorados com flores de pedra, anjos e retratos do falecido. Um sinal no portão apontava o caminho: “Sepultura Comandante Cousteau”.

PREFÁCIO

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Os pais de Cousteau, Daniel e Elizabeth, descansam juntos em uma sepultura com aproximadamente 50 cm de altura, feita de tijolos de pedra calcária coberta por uma simples cruz inscrita com uma única palavra: COUSTEAU. Um tapete de flores vermelhas cobria o centro da tumba, em torno da qual havia longas sempre-vivas em forma de cone, espalhadas como se fossem sentinelas. Ao lado, na direção das vinhas carregadas com a colheita da estação, havia três sepulturas marcadas por cruzes de ferro forjado. Em cima de uma delas havia uma placa de ardósia de aproximadamente 1 m2 com os seguintes dizeres em letras folheadas em ouro velho:

J Y Cousteau

Papa du Globe

(Pai do Mundo)

Eu fiquei sozinho na tumba apenas por alguns minutos antes da chegada de um homem e uma mulher que eu imaginei terem por volta de 35 anos de idade. Eles olharam para mim, mas não falaram nada, então eu me afastei para dar-lhes a privacidade que aparentavam querer. Enquanto o homem ficou em pé, silenciosamente, com as mãos cruzadas na frente do peito, a mulher abaixou-se e retirou algumas folhas secas de cima da sepultura. Em seguida, ela pegou alguns seixos (pedras) do caminho, perto dos seus pés e os arrumou em formato de coração no local onde ela havia limpado. Próximo ao seu coração havia outras homenagens feitas de seixos – uma âncora, um casco de navio, outro coração, as letras JYC, um círculo. Quando a mulher virou-se para seu marido, eu vi em seus olhos o brilho de lágrimas se formando. Ela encolheu os ombros como que um pouco embaraçada por suas emoções e tomou-lhe o braço. Eles acenaram para mim ao dirigirem-se para o portão do cemitério. “Vocês o conheciam?” eu perguntei de repente em Inglês, “Não -” disse a mulher. “Mas nós o amávamos”.

Nos anos 50, 60 e 70 – na minha meia-idade – Cousteau era o astro de televisão mais reconhecido internacionalmente na face da terra. Seu sucesso como cineasta atingiu o apogeu com o programa O Mundo Submarino de Jacques Cousteau, o qual foi ao ar quatro vezes no ano por uma década, antes de ser cancelado pela ABC em 1976. Depois disso, Cousteau nunca mais atingiu a audiência de dezenas de milhões de pessoas, apesar de ter produzido mais de cem outros documentários. Ao invés disso, ele tornou-se um reverenciado ancião do movimento ambientalista, e foi creditada a ele a primeira fagulha da nova consciência sobre a necessidade de se cuidar dos oceanos e rios do mundo.

O homem e a mulher no cemitério eram trinta anos mais jovens do que eu, parte de uma geração após a minha. “A mulher arrumando seus seixos na sepultura dele acrescentou uma camada de complexidade

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a um homem que eu considerava um brilhante “showman” que havia co-inventado o Aqualung porque ele queria respirar debaixo da água, que havia feito filmes para mostrar ao mundo o que ele encontrou e que havia utilizado sua celebridade para transformar o relacionamento humano com o nosso planeta. Eu não havia entendido que Cousteau foi, simples e intemporalmente, amado.

No dia seguinte, eu peguei o trem da tarde, sentido norte ao longo da costa Atlântica, com destino a cidade portuária de La Rochelle, a procura do que havia sobrado do Calypso de Cousteau; o navio caça-minas transformado, da Segunda Guerra Mundial, que havia se tornado o navio de pesquisas mais famoso da história. No cais do Museu Marítimo, encontrei um naufrágio que trazia apenas uma vaga semelhança com o heroico navio branco que eu me lembrava das muitas horas sentado em frente à televisão comendo um prato pronto e assistindo Cousteau e seus mergulhadores explorando o mundo submarino.

Do casco gotejava ferrugem proveniente das ferragens corroídas de seus flancos brancos cobertos de fuligem. Amarras desgastadas pareciam estar se esforçando para mantê-lo à tona. O nome e porto de registro haviam sido cobertos com uma coloração de tinta, incompatível com a cor original, que parecia ter sido aplicada às pressas para esconder sua identidade. As pranchas de popa, escurecidas pela podridão, estavam sinistramente abauladas. Em quatro pontos, lonas foram enroladas em torno do casco como que para conter suas entranhas. No convés, um emaranhado de tubos de metal, arame, tubos de gás e os restos de um posto de observação na frente da cabine de comando pareciam perigosamente irregulares e desamparados. Faltava a porta de embarque, deixando um buraco na amurada através do qual eu podia ver a escada de portaló (dispositivo para embarque e desembarque) do navio sob uma pilha de folhas de metal amassado. Do lado da escada, fiquei imaginando letras verdes em uma irregular escrita Grega, desbotadas pelo sol, com a letra “a” da palavra Calypso substituída pelo símbolo do peixe: α.

La Rochelle tem sido continuamente utilizada como porto desde o século X, quando se negociavam principalmente vinho tinto e sal. Ao aproximarem-se do porto, os navios têm que navegar através de canais com traiçoeiros bancos de areia movediça na confluência dos rios Dordogne e Garonne, mas uma vez dentro do porto eles estão a salvo de tudo menos das tempestades mais fortes. Ao observar o naufrágio no cais, percebi que este porto perfeito foi, muito provavelmente, o último porto de escala do navio que foi mais conhecido do que o Argo de Jasão, o Nautilus de Jules (Júlio) Verne, o Endeavour do Capitão Cook, ou o Endurance de Ernest Shackleton.

Cousteau em seu túmulo em St. - André me pareceu natural. Todos nós partiremos um dia para nossa morada final. Navios eventualmente morrem também, mas o naufrágio do Calypso me pareceu errado,

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negligenciado e desonrado. Eu já tinha ouvido algum rumor a respeito de um impasse legal com relação à posse do navio e um desagradável conflito entre os familiares de Cousteau. A visão do Calypso apodrecendo no cais despertou em mim perguntas que eu sabia que teria que responder a fim de poder retratar fielmente sua história de vida. Como pôde um homem com tamanho poder permitir que sua antiga amante e viúva, seu filho e os respectivos filhos de ambos entrassem em um amargo conflito por seu legado? Teria sido ele um homem de caráter trágico escondido atrás do véu da celebridade? Será que ele merece o nosso amor contínuo?

Ao entardecer, após uma longa hora pensando no que o naufrágio do Calypso estava me dizendo, caminhei até o Museu Marítimo e perguntei a uma das bilheteiras o que iria acontecer com o famoso navio de Cousteau. Tive a esperança de que sua presença no cais do museu significasse que havia planos de reconstruí-lo para exposição. Balançando sua cabeça como se estivesse irritada ao pronunciar as palavras, a bilheteira disse: - “Ele não será restaurado. Ele está destruído”.

Por três anos, após minha visita a St. André e La Rochelle, minhas conversas sempre terminavam com o assunto Jacques Cousteau, uma indulgência que é familiar a qualquer um que passe muito tempo com um escritor. Eu falava frequentemente sobre a cena que presenciei em seu túmulo e sobre minha tristeza e consternação pelo Calypso. Sem nenhuma exceção, recebi em troca histórias sobre momentos memoráveis nas vidas de amigos, colegas e estranhos nos quais Cousteau e suas aventuras haviam representado algo. Todos, é claro, imitavam o seu sotaque. Alguns me disseram que ele havia mudado suas vidas para sempre.

A proprietária de uma taberna na esquina da rua do hotel onde eu estava em Bordeaux – uma mulher que, na faixa de seus cinquenta e poucos anos, ainda resplandecia – me disse que quando era adolescente viu Cousteau na televisão e decidiu que iria casar-se com ele. Quando ela descobriu que ele já era casado, ela escolheu um homem que se parecia tanto com ele que poderia até ser seu irmão.

Eu mencionei Cousteau a um docente do Museu Picasso, em Antibes, o qual me disse que na primeira vez em que Cousteau encontrou-se com Picasso, ele deu ao artista uma peça de coral negro polido proveniente do Mar Vermelho. Picasso a tinha em sua mão ao morrer.

Era como comentar com as pessoas sobre sua cirurgia ou um recente falecimento na família; todos tinham uma história para acrescentar. Um biólogo marinho de Olympia, Washington, me contou que ele havia assistido cada episódio de “O Mundo Submarino de Jacques Cousteau’’ e decidido devotar sua vida ao estudo dos mares e suas criaturas, e ele nunca hesitou sobre sua paixão. Ele me deu um programa, que ele havia guardado, de um rali ambiental da Sociedade Cousteau realizado em uma arena esportiva em Seattle, em 1977. Uma oceanógrafa me disse ter ido

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Jacques Cousteau • Prefácio 15

a este mesmo rali em Seattle, onde a imagem de Cousteau atravessando o campo de basquete ficou indelevelmente gravada em sua memória. Ela disse que ele era como um rei poderoso, gentil e bonito. Outra mulher lembrou-se de que seu pai, o qual tinha sido um mergulhador e capitão de mar, insistia que sua esposa e filhos assistissem Cousteau na televisão. Ele queria que sua família compreendesse o porquê de ele ser tão apaixonado por sua profissão. Um campeão de natação da Califórnia me contou que após ter assistido aos especiais de Cousteau quando era adolescente, formou-se em Biologia na faculdade, tornou-se um mestre mergulhador, fez mais de cinquenta documentários sobre o oceano, e ajudou a fundar um dos grandes aquários do mundo em Monterey. Um próspero romancista com doutorado em Ciências Marinhas, me contou que sua afeição por Cousteau, enquanto criança, o levou ao mar para transformá-lo em um oceanógrafo, no entanto esta provou não ser a vida ideal para ele. Ele contou que havia uma coisa que ninguém tinha mencionado, o quão duro era de fato, o trabalho de pesquisa submarina. Assistindo ao Cousteau, ele não havia sido capaz de imaginar aquilo tudo como nada além de diversão.

Desde que comecei a trabalhar neste livro, tenho ouvido centenas destes depoimentos. O meu próprio inclui ter assistido O Mundo Silencioso no cinema de uma base do exército e alguns verões mais tarde, ter comprado um Aqualung em sociedade com um amigo para que pudéssemos lancear robalo preto para vender aos nossos vizinhos em nossa cidade litorânea de Connecticut. Depois disso, eu passei mais dos meus próximos quarenta e cinco anos escrevendo sobre o mar e suas criaturas. Nos anos 80, em parte por causa da efervescente insistência de Cousteau ao fato dos seres humanos estarem fazendo um mal irreparável aos oceanos através da pesca excessiva, eu conduzi a política editorial da revista de pesca comercial mais respeitada do país, no sentido da responsabilidade ambiental. O conceito de que sem peixe não haveria pescadores, finalmente, começou a fazer sentido para frotas que pescavam com poucas restrições, até então, levando certas espécies ao colapso total.

Nem todos que conheci no decorrer de minha pesquisa foram gentis para com a memória de Jacques Cousteau. Desde seus primeiros encontros com seus colaboradores na invenção do Aqualung, ele teve o poder de persuadir outras pessoas a se juntarem a ele na realização de sua visão. Engenheiros, marinheiros, mergulhadores, diretores, produtores, escritores, repórteres, amigos, familiares e amantes, voluntariamente ajudaram-no a realizar suas visões e foram gratos pela oportunidade de compartilhar, até mesmo, uma pequena parte de suas aventuras. Mais tarde, muitas destas pessoas sentiram-se desprezadas por ele à medida que foram desaparecendo em seu rastro enquanto ele tornava-se famoso e progredia. A maioria delas foi grata por ter participado da magnífica jornada de Cousteau, mas poucos acreditam ter conhecido aquele homem de fato.

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Como Peter Guralnick, o autor de uma biografia brilhante de Elvis Presley, escreveu sobre como tentar entender a vida de uma celebridade: “Não importa por quanto tempo alguém espreita do lado de fora, nunca terá a mesma visão do que do lado de dentro. Ao invés disso, guiado por centenas de livros, artigos de revistas, histórias de jornais e filmes que constituem a obra de Cousteau, eu construí uma linha do tempo para sua vida e uma crônica sobre suas invenções, aventuras e conquistas. Em entrevistas com amigos, antigos tripulantes do Calypso, e alguns de seus familiares, eu tentei ir além do homem público para compreender sua natureza e motivações, talvez até para conhecê-lo.

Este livro é uma viagem para dentro da vida de Jacques Cousteau, necessariamente, sobrecarregado pelas falhas contidas nos pareceres de dezenas de pessoas que o conheceram ou escreveram sobre ele. É uma biografia, mas não uma narrativa do dia-a-dia dos eventos de sua vida. Nem tão pouco é um relato simplista sobre a vida de um homem que foi muito mais complexo do que a maioria de nós, cujo verdadeiro caráter estava escondido atrás do véu de celebridade. Ofereço a todos aqueles cujas vidas foram modificadas por Jacques Cousteau, algumas coisas que talvez não saibam sobre ele. Mas quero, acima de tudo, que este livro seja uma respeitosa e honesta lembrança do homem que trouxe à vida os oceanos e rios do mundo, para todos nós.

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Jacques Cousteau • Introdução 17

Outono 1977

A estrada para o paraíso é o paraíso.

Jacques Cousteau, citando um provérbio Espanhol

A essência do código de vida de Jacques Cousteau foi sua crença de que pensar sobre o passado é inútil. Certa

vez, quando um de seus filhos recorreu a ele pedindo ajuda para um filme biográfico que celebraria seu aniversário, Cousteau disse: -“Você está perdendo seu tempo falando sobre meu passado. Não conte comigo. Não posso te ajudar”.

Por isso, no outono de seu sexagésimo sétimo ano, Cousteau não havia concordado – ou se importado – com o fato de que aquilo que agora pode ser entendido como tendo sido os charmosos movimentos de abertura da sinfonia de sua vida estava terminando, e um dissonante movimento final estava prestes a começar. Ele tinha acabado de retornar de uma turnê de dois meses pelos Estados Unidos, para angariar fundos, onde em seis cidades, as multidões que lotaram os ginásios poliesportivos o acolheram como se ele fosse um monarca em visita e abriram seus talões de cheques para a celebridade televisiva.

Apesar da insistência de Cousteau, durante uma entrevista na ocasião, de que ele não se sentia responsável por nada, ele foi inundado com responsabilidades. Ele era o presidente da maior empresa de fabricação de equipamentos para mergulho, o diretor do Musée Océanographique de Monaco (Museu Oceanográfico de Mônaco), o diretor da Agência Francesa de Tecnologia Submarina, o fundador e presidente da organização ambiental que mais rápido cresceu em toda a história, e o presidente de uma empresa de produções televisivas que entre 1966 e 1976 o tornou uma das pessoas mais reconhecíveis na face da Terra como o astro da série O Mundo Submarino de Jacques Cousteau.

INTRODUÇÃO

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Jacques Cousteau • Introdução18

Seus dias eram tão cheios quanto os de um chefe de estado, sobrando pouco tempo para ansiedade, mas naquele outono Cousteau estava muito preocupado com seu futuro na televisão. A América Broadcasting Company havia cancelado O Mundo Submarino após dez anos seguidos, apesar, de o programa estar entre os mais bem sucedidos empreendimentos televisivos de todos os tempos. A ABC e outras duas redes de televisão comercial, NBC e CBS, tinham simultaneamente decidido que documentários sobre ciência e natureza, revista de variedades e programas de perguntas e respostas não atraíam audiência, o suficiente. Eles estavam se voltando para uma nova fórmula viciante arquitetada em torno de seriados cômicos semanais.

Algumas semanas antes do cancelamento, Cousteau havia proposto uma nova Série à quarta rede de televisão americana, a Public Broadcasting System, um conglomerado de estações de televisão pública sem fins lucrativos, espalhadas por todo o território americano. Após inúmeras apresentações ao conselho administrativo, ele finalmente havia encontrado um patrocinador, a Atlantic Richfield Petroleum Company (ARCO). As audiências da PBS eram baixíssimas comparadas com as das maiores redes, mas ele sabia que não teria outra opção no mundo televisivo. E tudo pelo que ele havia trabalhado como cineasta e explorador por meio século estaria perdido sem isso.

O rádio e a televisão haviam fundamentalmente alterado as explorações, permitindo que ouvintes e espectadores compartilhassem os momentos de descobertas instantaneamente com os homens e mulheres heroicos em lugares distantes.

A transmissão de explorações ao vivo começou em agosto de 1932, quando os oceanógrafos Otis Barton e William Beebe trancaram-se dentro de uma bola de aço de 1,3 metros e desceram três quartos de milha dentro do Atlântico para “espiar” a negra escuridão através de vigias de 6 polegadas. Eles reportaram sua perigosa jornada por uma hora, através da nova rede de rádio National Bradcasting Compan, enquanto tudo acontecia. Mais de quatorze milhões de pessoas ficaram grudadas em seus rádios na Inglaterra e nos Estados Unidos. A exploração vicária atingiu seu auge em 20 de julho de 1969, quando um oitavo dos três e meio bilhões de habitantes da Terra testemunharam a caminhada de Neil Armstrong e Buzz Aldrin na Lua.

Assim como eles, Cousteau tinha sido lançado ao estrelato pelo surpreendente novo meio de comunicação que enviava informações para o mundo através de ondas eletromagnéticas invisíveis. Agora, pela primeira vez, ele tinha que se adaptar aos seus revezes. Por mais incrível que pareça, os astronautas também vivenciaram a inconstância das redes de televisão e de suas audiências. Cada habitante da Terra com acesso a uma televisão tinha assistido Armstrong e Aldrin andando na Lua. Poucos deles puderam dizer os nomes dos astronautas que fizeram o último pouso na Lua apenas três anos e meio mais tarde (Gene Cernan, Ron Evans, e Harrison Schmitt).

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Jacques Cousteau • Introdução 19

Sua nova série de TV, A Odisseia de Jacques Cousteau, consistiu de 12 episódios sobre arqueologia submarina, naufrágios e desastres ambientais e foi ao ar por três temporadas. O primeiro episódio sobre a descoberta do transatlântico Britannic atraiu críticas favoráveis e uma sólida audiência, mas os custos de filmagem estavam ultrapassando o capital de patrocínio da ARCO. Cousteau precisava de mais de dois milhões de dólares por ano para manter seus duzentos funcionários, sua empresa, as expedições e os institutos. Ele, particularmente, não se importava com dinheiro contanto que tivesse o suficiente, e sua principal tática financeira era simplesmente sair a campo e conseguir mais dinheiro quando este lhe faltava.

A turnê de seis semanas pelos Estados Unidos para angariar fundos, que foi organizada pela Sociedade Cousteau, uma corporação sem fins lucrativos que ele havia iniciado quatro anos antes, cobriria o pagamento de apenas algumas das contas. Em seis cidades, ele e seu filho Philippe discursaram para multidões em ginásios poliesportivos. Na final, em Seattle, o estádio estava mais lotado do que havia estado para uma apresentação dos Rolling Stones no mesmo local, algumas semanas antes. Antes de sua palestra Cousteau reservou um tempo, assim como fazia em cada cidade, para ouvir e falar com crianças em idade escolar. Elas lhe deram flores e desenhos de focas, golfinhos, baleias e um em especial onde o Calypso foi retratado com asas pairando sobre o mar e cercado por uma aura prateada. Depois dos presentes, Cousteau disse às crianças que elas poderiam perguntar qualquer coisa que quisessem sobre sua vida.

“Quantos anos você tem? Sessenta e sete. Qual foi o mergulho mais profundo que você já fez? Cento e treze metros aproximadamente. Você já nadou com uma baleia azul? Sinto muito em desapontá-la, mas eu nunca nadei com uma baleia azul, por que restam poucas delas. Como é estar debaixo d’água? É fantástico estar debaixo d’água, é como flutuar no espaço. As baleias são mais inteligentes do que os humanos? Algumas baleias têm o cérebro maior do que dos humanos, mas isso não quer dizer que sejam mais inteligentes”. Uma garotinha levantou sua mão. Cousteau acenou com a cabeça para ela. E sem nenhum sinal de humor, ela disse: -“Quando eu crescer quero me casar com uma baleia”. Outra criança disse à ele que sua escola estava mudando o nome para Orca Elementary (Orca Elementar) para homenagear Cousteau e seu trabalho dedicado a salvar as baleias. Cousteau irradiou alegria. “Maravilhoso, isso é lindo” disse ele.

Depois das crianças, Cousteau sentou-se com dois repórteres do jornal da oposição de Seattle.

“O que seu trabalho, os livros, filmes e a Sociedade Cousteau, significam para você pessoalmente, como Jacques Cousteau?” perguntou um deles.

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Jacques Cousteau • Introdução20

“Esta é uma pergunta introvertida e eu não sou introvertido”, Cousteau respondeu. “Eu sou extrovertido. Não encontro prazer em fazer perguntas sobre mim mesmo. Eu encontro satisfação em lidar com questões concernentes à comunidade e ao mundo exterior. Cada vez mais somos induzidos pela publicidade e pela mídia a nos voltarmos aos nossos vizinhos. Odeio meus vizinhos”. (Ele riu). “Eu gosto de olhar para o mundo exterior”.

“Você deve ter senso de responsabilidade”, disse o outro repórter.

“Odeio responsabilidades”, Cousteau replicou. “Sinto-me em marcha com a vida do mundo e isso não é a mesma coisa. O senso de responsabilidade é introvertido, ele dá importância à própria pessoa. Nenhum de nós tem importância, na verdade estamos em uma sinfonia. A pessoa que toca o violino na sinfonia, por exemplo, não tem o senso de responsabilidade. Ela está cooperando... A vida é uma sinfonia e nós estamos tocando uma melodia na sinfonia; não há responsabilidade nisso”.

“Você acredita em destino?”

“Não”.

“E em Deus?”

“Se existe algo como Deus, este algo é tão complexo que nós não temos ideia de como ele é. O conceito de Deus é separado de nós. Nós não temos importância para Deus, se é que ele existe”.

“Você conta com o que?”

“Nada”.

“Você não tem nenhuma fé?”

“Não. Eu acredito no momento, vou fazer uma citação que tem guiado minha vida. Eu não gosto de citações, mas esta me ilumina. É um provérbio Espanhol: “A estrada para o paraíso é o paraíso”.

Cousteau saboreava sua celebridade e a liberdade de passear pelo planeta, mas permanecer na televisão era crucial, pois este era o meio de comunicação mais poderoso da face da Terra para soar um alarme. Enquanto ele estava nos Estados Unidos, o Calypso e sua tripulação estavam no mar tirando amostras da água e dos sedimentos do fundo, procurando por poluentes como metais pesados e outras toxinas que poderiam explicar o dramático colapso da vida nas águas rasas próximas a costa. Não faz tanto tempo, a bacia Mediterrânea significou para o mundo e para as civilizações às suas margens, uma dádiva que nutriu os samaritanos, persas, gregos, egípcios, gauleses, romanos e outras incontáveis tribos que foram alimentadas e banhadas por suas águas. Agora, o observador mais casual podia ver que este mar, cercado de terra por quase todos os lados, chamado de Mare Nostrum

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pelos romanos, foi levado ao desastre. O viçoso habitat de plantas e animais estava se tornando um caldo poluído, estragado pelo lixo de dezenas de milhões de pessoas que se aglomeravam por toda sua costa. Cousteau estava obcecado com a ideia de soar o alarme sobre o Mediterrâneo e todos os outros mares e oceanos do mundo, os quais, graças a ele, tinham se revelado mais frágeis do que qualquer um poderia imaginar. Da mesma forma que explorar e filmar o mundo subaquático havia dominado a primeira metade de sua vida, salvar tudo o que ele havia visto, comandaria sua paixão pelo resto dela.

“O Mediterrâneo será o primeiro a morrer”, disse ele a um repórter de uma revista francesa, “e se tornará uma advertência para o mundo”.

Cousteau era o Secretário Geral da Comissão Internacional para Exploração Científica do Mediterrâneo, presidente da Eurocean, uma parceria de vinte e quatro empresas Europeias para explorar e preservar os oceanos, e diretor do Museu Oceanográfico de Mônaco. Ele havia, facilmente, convencido os três a apoiarem a expedição de inspeção, alcançando várias metas de uma só vez. A viagem para medir a poluição viria a tornar-se um episódio para as séries da PBS, no qual as imagens de belíssimos corais e uma abundância de peixes que ele havia filmado quarenta anos antes contrastavam com as imagens de seus mergulhadores descendo ao desolador terreno baldio subaquático daquele momento. Isso ajudaria a tornar célebre a causa pela recuperação do Mar Mediterrâneo, e a promover o trabalho da Sociedade Cousteau. Por causa da televisão e de Jacques Cousteau, milhões de pessoas vieram a conhecer os resultados da avaliação dos níveis de poluição do Mediterrâneo, o que apenas uma década antes teria sido de conhecimento de apenas alguns poucos cientistas. Cousteau ficou ultrajado com o estado sombrio do mar de sua juventude. Ele teve um mau presságio sobre a saúde geral de um planeta que sustentava cinco vezes mais pessoas do que sustentara quando ele nasceu em 1910. Ele se desesperava, cada vez mais, para transmitir esta mensagem ao mundo.

Seus próprios filhos e netos iriam herdar uma miséria de inimaginável tristeza se suas terríveis previsões sobre a Terra se tornassem realidade. Seus dois filhos e suas famílias estavam vivendo em Los Angeles, local em que eles viveram por uma década em função do trabalho de produção e edição de sua série de televisão, e que acabou transformando-se em seu lar; um lar que nenhum deles tivera antes. Seu filho mais novo e coprodutor da série Odisseia, Philippe estava, na ocasião, recuperando-se de uma perna quebrada na queda de seu girocóptero enquanto filmava a Ilha de Páscoa. Seu outro filho, Jean-Michel, era um arquiteto que trabalhava em exposições de aquários e em palestras. Seus dois filhos eram casados, e tinham seus próprios filhos e Cousteau acreditava que suas perspectivas para o futuro eram sombrias, a menos que a humanidade deixasse de ser a praga que havia se tornado na Terra.

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Jacques Cousteau • Introdução22

No outono de 1977, enquanto Cousteau estava absorto nas paixões de seu sagrado presente, eventos do desconhecido futuro ,estavam prestes a mudar sua vida para sempre. Ele não tinha como saber, por exemplo, que ele estava próximo a se tornar o patriarca de uma segunda família. Seu romance com uma comissária de bordo da Air France, chamada Francine Triplet, parecia ser mais do que somente um de seus contínuos namoricos com mulheres. No decorrer de um ano, eles viriam a ter uma filha juntos, e depois um filho, iniciando uma vida secreta que permaneceria escondida por quase quinze anos. Cousteau tampouco poderia saber que muito em breve ele e sua esposa Simone viriam a sofrer juntos, a maior de todas as agonias, a morte de um filho. Mais tarde, Cousteau seguiu em frente enquanto Simone isolou-se no Calypso, onde era conhecida como La Bergère, A Pastora. Mais tarde, alguém perguntou à Cousteau se havia sido difícil ser o comandante do Calypso durante os dias tranquilos. “Não se Simone estivesse a bordo. Ela era a cozinheira, a mãe de trinta marinheiros, a que dava conselhos, que acabava com as brigas, que nos dizia quando devíamos fazer a barba, que nos desafiava a dar o melhor de nós mesmos, que contava conosco, a nossa melhor crítica, nossa fã número um; ela foi aquela que salvou o navio durante uma tempestade. Ela era o caloroso boa noite a cada noite e o sorriso a cada manhã. O Calypso poderia ter vivido sem mim, mas não sem a Simone”.


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