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52RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONMICO Ano III N5 Dezembro de 2001 Salvador, BARESUMOste texto prope uma aprecia-oconceitualdostermosTerceiroSetor,EconomiaSocial,EconomiaSolidria e Economia Popular. O ob-jetivo esclarecer a fronteira, em ter-mosdesignificadoparticular,entreestas vrias noes. Parte-se do pres-suposto segundo o qual a compreen-so precisa de cada termo implica emreconhecer o discurso especfico ela-borado em torno deles. Para tanto, adiscusso proposta assume como re-levanteoconhecimentodoprpriocontexto ou lugar socio-histrico ondeforam formulados cada um destes con-ceitos.Palavras-chaves: Terceiro Setor,Economia Solidria, Economia Popu-lar e Economia Social.RESUMCe texte propose un dbat con-ceptuelautourdesnotionsdetierssecteur, dconomie sociale, dcono-mie solidaire et dconomie populaire.Le but est de cerner les frontires en-tre chaque terme, en ce qui concerneleur signification particulire. On as-sume comme pressupos de discus-sionlebesoindereconnatrelesdiscours spcifiques formuls autourdechaquunedecestermes.Pourcela,cetexteconsidrecommefondamentale lapproche du contexteoudulieusocio-histriqueosontformul chaquune de ces categories.Mots-cl: Tiers Secteur, Econo-miesociale,EconomieSolidaireeEconomie Populaire.INTRODUOSe levantssemos uma indagaoacerca do que existe em comum entreas expresses terceiro setor, economiasocial, economia solidria e economiapopular(epoderamosacrescentarainda aquela de economia informal),talvez a resposta mais evidente fossesuarefernciaaumespaodevidasocial e de trabalho intermedirio en-tre as esferas do Estado e do mercado.Esses vrios termos fariam assim alu-so a um espao de sociedade recen-temente percebido tambm como lu-gar de produo e distribuio de ri-queza, portanto como mais um espa-o econmico, isto , lugar de geraode emprego e renda. Entretanto, quan-do nos perguntamos sobre a distin-oentreessasnoes,dificilmentealguma certeza aparece possvel comoresposta.Defato,asconfusestermino-lgicas em torno destes termos pare-cem abundantes nos modos comunspelosquaissopercebidos,sejanodebate acadmico (que ainda encon-tra-se incipiente a esse respeito, pelaausncia de um numero maior de pes-quisas mais exaustivas sobre esse as-sunto), ou mesmo, e principalmente,fora dele. Em meio a tal confuso, otermo terceiro setor tem aparecido commaisdestaquepublicamente,dadasuavulgarizaotantonamdiaquantonosmaisdiversosfrunsinstitucionais, no s no plano naci-onal como tambm internacionalmen-te1. No sem razo, ao designar umvasto conjunto de organizaes queno dizem respeito nem ao setor pri-vado mercantil, nem ao setor pblicoestatal, a expresso terceiro setor ad-quireumalcancetoampliadoquetendemos a rebater sobre seu signifi-cado o sentido de alguns termos apa-rentemente correlatos, tais como eco-nomia solidria ou economia social.Um tal modo de percepo represen-ta sem dvida um equvoco, pois nopermite precisamente a apreenso dosignificado especfico que comportacada uma dessas noes._____,__,__ _ ,_____ __ ___, __ _,___ _ _,_ _ ___C....|C....||1.l...,.l.||Doutor em sociologia, mestre e graduado em ad-ministrao. Professor da Escola de Administra-o da UFBA e do seu Programa de Ps-gradu-ao (NPGA) e pesquisador do Ncleo de Estu-dos sobre Poder e Organizaes Locais (NEPOL)[email protected] Neste plano internacional, vale ressaltarqueestaexpressoconstituiinclusive,mais recentemente, a definio adotadatambmpelaComissoEuropia,atra-vs do emprego do termo troisieme sec-teur,queinspira-sedetrabalhositalia-nos,particularmenteaqueledeC.Bor-zaga, Il terzo sistema . una nuova dimen-sione della complessita economica e so-ciale, Padoue, Padova Fondazione Zan-can, 1991; conforme nos lembra B. EmeetJ.-L.Laville(2000a).-53RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONMICO Ano III N 5 Dezembro de 2001 Salvador, BACom efeito, diferenas importan-tes subjazem as noes de terceiro se-tor, de economia solidria, de econo-mia social e de economia popular (eestenderamos ainda aquela de eco-nomiainformal),relacionadasnosomente a diferentes contextos socio-polticos de emergncia de cada ter-mo, mas tambm interpretaes dis-tintas acerca do papel desempenharpor estas prticas/experincias/ini-ciativas na sociedade, especialmenteno que se refere ao lugar que elas de-vem ocupar em relao as esferas doEstado e do mercado. Dito de outromodo, as diferenas entre esses termosestorelacionadasaconstruodeum discurso prprio (a cada um de-les). Tais discursos vinculam-se, evi-dentemente, aos seus respectivos con-textos especficos de realidade. Impor-ta portanto entender em que lugar s-cio-histrico se constrem essas cate-goriasequalsignificadoparticularacompanha a origem dessas formu-laes/conceitos/noes. Essa , aonosso ver, uma condio indispens-vel, para o entendimento das diferen-as entre esses termos. Examinemosportanto, a seguir, cada uma dessasnoes buscando sublinhar o tipo deformulao discursiva sugerida, queencontra-se associado a contextos es-pecficosdesociedade:respectiva-mente, aqueles da Amrica do Norte,da Europa e da Amrica Latina.O TERCEIRO SETOR UMANOO CARA AO CONTEXTONORTE-AMERICANOO termo terceiro setor, por exem-plo, herdeiro de uma tradio anglo-saxnica, particularmente impregna-da pela idia de filantropia. Esta abor-dagem anglosaxnica identifica o ter-ceiro setor ao universo das organiza-essemfinslucrativos(non-profitorganizations). Enquanto formato jur-dico, o non-profit sector, tambm conhe-cido como voluntary sector, particu-larmenteligadoaocontextonorte-americano, onde a relao a uma tra-diodeEstadosocialnoaparececomo primordial na sua histria. Atra-vs deste termo, a nfase fundamen-tal colocada sobre certas caracters-ticas organizacionais especficas, ob-servadassobumngulodevisofuncionalista.TalcomoconsideramSalomon e Anheier (1992), no interiordeste campo (non-profit sector), as or-ganizaesapresentamcincocarac-tersticas essenciais: elas so formais,privadas, independentes, no devemdistribuir lucros e devem comportarum certo nvel de participao volun-tria.Ao acrescentarmos a esses cincocritriosdoisoutrosasorganiza-es no devem ser polticas (no sen-tido restrito do termo, isto , excluem-se os partidos polticos) e nem confes-sionais(ouseja,excluindo-setodognero de organizaes religiosas) obtemos a nomenclatura comum declassificao do terceiro setor conhe-cida atravs da sigla ICNPO (Interna-tionalClassificationofNon-ProfitOrganizations). Fora justamente estanomenclaturaqueserviudebasepesquisa internacional dirigida sobreo terceiro setor pela Fundao JohnHopkins no incio os anos 90, tendocompreendido13pasesentreosquais o Brasil. O trabalho de Fernan-des (1994) constitui a parte brasileiradesta pesquisa. Este autor revela oslimites de uma tal definio para pen-sar a realidade de um terceiro setorlatino-americano, que aparece extre-mamente heterogneo na sua configu-rao2.Suacrticareside,demodoespecfico, na desconsiderao do cri-trio da informalidade (isto , da noinstitucionalizao das iniciativas), oque leva esta noo de terceiro setor aperder de vista um largo campo deiniciativasquedesempenhamumpapelfundamentaljuntoaamplasfatias da populao de pases como onosso. O termo terceiro setor portan-to, dentro dessa filiao anglo-saxni-ca, refletiria apenas a ponta do icebergque representa este mar de iniciati-vas no governamentais e no mer-cantis na Amrica Latina.Portanto, a interpretao do ter-ceiro setor via literatura anglo-saxni-ca, que dominante, funda uma ver-dadeira abordagem especfica destetermo, onde sua existncia explicadaprincipalmentepelosfracassosdomercado quanto a reduo das assi-metriasinformacionais,comotam-bm pela falncia do Estado na suacapacidade satisfazer as demandasminoritrias3.Valeressaltaraindaque esta argumentao desenvolvi-da sobretudo por economistas de ins-piraoneo-clssica4,cujospressu-postos representam o suporte funda-mental de uma viso liberal em eco-nomia. Nesta perspectiva, o terceirosetor aparece como uma esfera com-partimentada, suplementar, vis--vis2 Tantoassim,quepensarumterceirosetorlatino-americanoimplicaemultrapassaranomenclaturaICNPO.Pensandonocasobrasileiro,Fernandessugerequatrosegmen-tosprincipaisconstitutivosdoterceirosetornonossopas,reunindoorganizaesdasmais diversas. So eles: as formas tradicionais de ajuda mtua; os movimentos sociaiseassociaescivis;asONGs;e,afilantropiaempresarial.3 EstassosobretudoasexplicaesdeH.Hansmann(Economictheoriesofnonprofitorganizations,inThenonprofitsector.Aresearchhandbook,w.w.Powell(d.),NewHaven,YaleUniversityPress,1987)edeB.A.Weisbrod,Thenonprofiteconomy,Cambridge(Mass.),HarvardUniversityPress,1988),resumidasporEmeeLaville,2000,op.cit.,p.166,queseapoiaramsobreostrabalhosdeJ.Lewis,Lesecteurassociatif dans l'conomie mixte de la protection sociale, in Produire les solidarites. Lapartdesassociations,ActesdusminaireorganisparlaMlRE-RencontresetRecherches - avec la collaboration de la Fondation de France -, Paris, MlRE, 1997) e deM.NyssensCommentlestheorieseconomiquesexpliquentlesraisonsd'tredesassociations. une synthese, Sminaire de formation pour les dirigeants associatifs, lnstitutd'Etudes Politiques de Paris, 1998, (rono). Eme e Laville insistem neste trabalho sobreanecessidadedeultrapassaraabordagemfuncionalistadoterceirosetor,discutindooutrasabordagensqueatribuamnfasesobre"ocarterfundamentalmenteaberto,pluralistaeintermediriodoterceirosetor.Estapreocupaocomafundaodeumanova abordagem do terceiro setor retomada pelos mesmos autores em Eme e Laville(2000b).4 Veraesterespeito,Nyssens,Marthe,Lesapprochesconomiquesdutierssecteur-Apports et limites des analyses anglo-saxonnes dinspiration no-classique, in SociologieduTravail,n.4,vol.42,octobre-dcembre2000.54RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONMICO Ano III N5 Dezembro de 2001 Salvador, BAdo Estado e do Mercado. Ele portan-to considerado como um setor parteque viria ajustar-se funcionalmente asduas formas histricas que constitu-em o Estado e o Mercado. portantodentro desta perspectiva de interpre-tao que o termo terceiro setor apare-ce, em alguns casos,como justifica-o ideolgica do desengajamento doEstado em termos de ao pblica.O CONTEXTO EUROPEU AECONOMIA SOLIDRIA VERSUSA ECONOMIA SOCIAL: UMPASSADO COMUM E UMPRESENTE DISTINTOJ as noes de economia solid-ria e economia social, enquanto for-mulao, se inscrevem num contextoeuropeu mais geral, e francs em par-ticular. Em contraste, no que se referea noo de terceiro setor (tipicamentenorte-americana), na Europa a rela-o com o Estado social constitutivadas experincias associativistas, con-formenoslembraLaville5. Esta arazo segundo a qual (pondera esteautor) pensar a idia de um terceirosetor na Europa implica ultrapassarsua compreenso enquanto compar-timento suplementar da economia,para enxerg-lo como um elementoque esta em interao histrica cons-tante com os poderes pblicos. Resi-deaopapelimportantequepodedesempenhar estas iniciativas solid-riasnasuacapacidadeacontribuirsobaformadenovosmodosderegulao da sociedade, pois elas socapazes de gerar formas inditas deaopblica,talcomoocorreranopassado.Sobre este aspecto parece sempreoportuno lembrar-mos o fato de queforamexatamenteasexperinciasassociativistas na primeira metade dosculo XIX na Europa (em particular,aschamadassociedadesdesocorromtuo)queprimeiroconceberamaidia de uma proteo social. Ou seja,o embrio (em termos de idia) da con-cepo moderna de solidariedade viaa funo redistributiva do Estado con-formeexprimeosistemapreviden-cirio estatal, encontra-se exatamen-te em algumas prticas de economiasocialiniciadasnaprimeirametadedo sculo XIX na Europa, que foramportanto,maistarde,apropriadaspelo Estado.UM POUCO DE HISTRIA ...De fato, contrastando com a no-o de terceiro setor, a noo de eco-nomia social, e igualmente aquela deeconomia solidria, so herdeiras deuma tradio histrica comum funda-mental. Esta, relaciona-se com o mo-vimentoassociativistaoperriodaprimeirametadedosculoXIXnaEuropa, que fora traduzido numa di-nmica de resistncia popular, fazen-do emergir um grande nmero de ex-perincias solidrias largamente in-fluenciadaspeloideriodaajudamtua (o mutualismo), da cooperaoe da associao. Isto precisamente emrazo do fato de que a afirmao dautopia de um mercado auto-reguladonestemomentohistricogerouumdebate poltico sobre a economia ouas condies do agir econmico. Umdebate que fora particularmente inci-tadoporestasiniciativasassociati-vistas, que ao recusarem a autonomiado aspecto econmico nas suas prti-cas face aos demais aspectos (social,poltico, cultural, etc.), ficaram maisconhecidas sobre a rubrica de econo-mia social. Assim como, ao simboli-zaremnasuaprticaumidealdetransformao social que entretantonopassavapelatomadadopoderpoltico via aparelho do Estado (massim pela possibilidade de multiplica-odasexperinciasecomissosecolocava o horizonte de construo deumahegemonianomodomesmocomo se operava a economia, isto ,no modo mesmo como se reproduziaas condies de produo), tornaram-se tambm conhecidas sob a expres-so de socialismo utpico. Vale lem-brar que esta expresso vulgariza-seno discurso marxista para fazer opo-sio a uma outra: socialismo cient-fico. Ambas as expresses refletindoassim dois modos distintos de conce-ber a transformao do sistema capi-talista.Importa precisar que a dimensopoltica (ou esse aspecto da luta pol-tica), prpria as experincias de eco-nomiasocialnasuaorigem,dizemrespeito a questo do direito ao traba-lho. Isto porque o conjunto de inicia-tivas gestadas no seio desta economiasocial nascente aparecem como alter-nativas, em termos de organizao dotrabalho, quela proposta pela formadominantedetrabalhoassalariadoinstituda pelo princpio econmicoque comeava a tornar-se hegemnicoimposto pela empresa capitalista nas-cente. As condies de pauperizaoque marcava a vida de amplas parce-lasdapopulaonaEuropanestemomento, deviam-se a super-explora-o do trabalho neste contexto de nas-cimento do capitalismo, bem como aodesemprego de massa6.Compreendidasportantocomoiniciativasoriundasdossetorespo-pulares, combinando ao mesmo tem-ponasuaaoorganizacionalumadimenso social e uma dimenso eco-nmica sob um fundo de luta polti-... na Europaa relao com oEstado social constitutiva dasexperinciasassociativistas...^]5 RencontredebatavecJ.-L.Lavi l l e-autour de l'economie solidaire et sociolo-gie de l'association, in Revue du GERFA(Groupe d'tudes et recherche sur le faitassociatif),n1,Paris,printemps2000,p.113.6 Sobreessatemticadasuper-explora-o do trabalho e das condies de vidadaclasseoperrianosprimrdiosdocapitalismo,existeumaumaamplalite-raturadehistoriografiasociolgicadis-ponvelaoleitor,sobretudoaqueladosautoresmarxistas.55RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONMICO Ano III N 5 Dezembro de 2001 Salvador, BAca, estas experincias modificam aospoucos o contedo de sua prtica, ouseja, mudam de fisionomia ao longoda histria. Isto precisamente em ra-zo de um forte movimento de especi-alizaoedeprofissionalizaogestionria que se funda sobre lgi-cas funcionais impostas pelos pode-res pblicos ou emprestadas da esfe-ra mercantil. Isto porque as aes em-preendidasatravsdestadinmicaassociativista ganharam progressiva-mente reconhecimento da parte dospoderes pblicos, o que resultou naelaborao de quadros jurdicos que,ao passo que conferia existncia legalas iniciativas, tambm contribua paraseparar o que o movimento associa-cionistaoriginalqueriareunir(La-ville, 2000). nesta dinmica que apa-recemosestatutosdeorganizaocooperativa, mutualista e associativa.Esta fragmentao da economia soci-al em estatutos jurdicos especficos,consolida-seaospoucosduranteasegunda metade do sculo XIX e napassagemaosculoXX,refletindoneste movimento a tendncia ao mes-motempoaseparaojurdicaeaintegraodessasorganizaesaosistemaeconmicodominante.Ascooperativasinserem-seassimam-plamente na economia mercantil, ocu-pando principalmente aqueles seto-res de atividade nos quais a intensi-dade capitalstica permanecia fraca(Laville, 2000:532), e as organizaesmutualistassoquasequeincorpo-radas a economia no mercantil pra-ticadapeloEstado.Essadinmicaorganizacionalrefleteportanto,doponto de vista interno, a prpria mu-dananoperfildosquadrosqueaconstituem:demilitantespolticos,fortemente embalados pelos ideais deum movimento operrio vigoroso, as-siste-sepoucopoucoapresenahegemnica de profissionais fortecarter tecnoburocrtico nestas orga-nizaes. A dimenso tcnica ou fun-cional da organizao passa ento aprimar sob seu projeto poltico.A perspectiva de uma economiasolidria desaparece assim num pri-meiro (e longo) momento, assistindo-se no seu lugar ao desenvolvimentode uma economia social que torna-sealtamente institucionalizada ao lon-go do sculo XX seu papel pratica-mente se limita aquele de uma esp-cie de apndice do aparelho do Esta-do. As organizaes da chamada eco-nomia social hoje, na Frana por exem-plo,comoalgunsgrandesbancos,hospitais, ditos cooperativas ou orga-nizaesmutualistas,representamgrandes estruturas tecnoburocrticasquedificilmentesedistinguem,nasua dinmica de funcionamento, deuma empresa privada ou pblica.Economiasolidriaeeconomiasocialenviamhojeportanto,comoilustra o caso francs, dois univer-sos distintos de experincias. O ter-mo economia social servindo inclusi-ve a designar, de um ponto de vistajurdico,ouniversoconstitudoporquatro tipos organizacionais funda-mentais: as cooperativas, as organi-zaesmutualistas,asfundaesealgumas formas de associao. jus-tamente em relao as caractersticasatuais assumidas pela economia so-cial que vm se demarcar a noo deeconomia solidria, atravs da afirma-o da dimenso poltica na sua ao.O que nos leva a defini-las como ex-perincias que se apoiam sobre o de-senvolvimento de atividades econ-micas para a realizao de objetivossociais concorrendo ainda com a afir-maodeideaisdecidadania.ParaLaville (1999), isto implica um proces-so de democratizao da economiaa partir de engajamentos cidados.A economia solidria pode ser vistaassim como um movimento de reno-vao e de reatualizao (histrica) daeconomia social.A ESPECIFICIDADE DA IDIA DEECONOMIA SOLIDRIAAssim, com a noo de economiasolidria,aquestoquesecolocaaqueladeumnovorelacionamentoentre economia e sociedade. Se certascaractersticas organizacionais parti-culares (notadamente no que se refereao aspecto democrtico da organiza-o do trabalho) so sublinhadas naapreenso deste termo, trata-se entre-tantosobretudodainscriosocio-polticadasexperinciasquefundaesta noo. Esta a razo segundo aqual entendemos que, para alm deum conceito servindo a identificaode um certo nmero de experinciasapresentando um estatuto diferentedaquele da empresa capitalista, a no-odeeconomiasolidriaenviaauma perspectiva de regulao, colo-cadacomoumaquestodeescolhade um projeto poltico de sociedade.Istoemfunoprecisamentedadi-mensohistricadestefenmenoedassuascaractersticasfundamen-tais. Portanto, admitir a possibilida-de de uma outra forma de regulaoda sociedade atravs da idia de eco-nomia solidria, significa reconheceruma outra possibilidade de sustenta-o das formas de vida de indivduosem sociedade no centrada nas esfe-ras do Estado e do Mercado.Este aspecto merece um maior es-clarecimento aqui7. Defendo a tese dequeseelaboraumaoutraformaderegulao da sociedade atravs dessefenmeno (mesmo que ainda de for-ma modesta hoje) pois ele articula di-ferentesracionalidadeselgicasnasua ao atravs das suas mltiplasfontes de captao de recursos. Trata-se aqui de um dos traos caractersti-cosdessefenmenoquechamodehibridao de economias, isto , a pos-sibilidade de combinao de uma eco-nomia mercantil, no mercantil e nomonetria. Pois, nestas iniciativas deeconomia solidria em geral existe, aomesmo tempo: venda de um produtoou prestao de um servio (recurso7 Conformejtratamosemoutrostraba-lhos.VerFrana(2001a)e(2001b).A economiasolidria pode ser vistaassim como ummovimento derenovao e dereatualizao...^]56RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONMICO Ano III N5 Dezembro de 2001 Salvador, BAmercantil); subsdios pblicos oriun-dos do reconhecimento da naturezade utilidade social da ao organiza-cional (recurso no mercantil); e, tra-balho voluntrio (recurso no mone-trio). Essas experincias lidam por-tanto com uma pluralidade de princ-pios econmicos, uma vez que os re-cursos so oriundos do mercado, doEstado e da sociedade (via uma lgi-cadeddiva8). Mas, alm deste as-pecto da hibridao de economias, umoutrotraocaractersticofortevmmarcarasiniciativasdeeconomiasolidria, contribuindo tambm comaafirmaodeumoutromododeregulao da vida de grupos sociaisem sociedade que consideramos ine-rente a este fenmeno. Trata-se do quechamamos de construo conjunta daoferta e da demanda. Ou seja, diferen-tementedalgicadaeconomiademercado,quefuncionanabasedeuma separao abstrata entre oferta edemanda, no caso da economia soli-dria a oferta ou os servios presta-dos atravs das iniciativas s assim oexistem em funo de necessidades oudemandasreaisvividaslocalmentepelas populaes. O motor portantoda gerao de atividades econmicasou da criao de oferta no a lgicade rentabilidade do capital investidona ao, mas o desejo de realizao ede atendimento das reais necessida-des exprimidas pelos grupos locais.A idia de economia solidria refleteassim a prpria ao desses gruposlocais na sua tentativa de auto-gera-o de riqueza, ou seja, de tentativade resoluo das suas problemticassociais.Naprticapois,otermoecono-mia solidria identifica hoje uma s-riedeexperinciasorganizacionaisinscritasnumadinmicaatualemtorno das chamadas novas formas desolidariedade9. De modo preciso, essetermo fora forjado atravs dos traba-lhos de Jean Louis Laville et BernardEme na Frana no incio dos anos 90.Atravs desta noo, estes autores vi-savam dar conta da emergncia e de-senvolvimento recente de um fenme-no de proliferao de iniciativas e pr-ticas socio-econmicas diversas. SoaschamadasiniciativaslocaisnaEuropa.Elasassumemnamaioriados casos a forma associativa e bus-cam responder certas problemticaslocaisespecficas.Estaexpressoeconomiasolidriavemassim,num primeiro momento, indicar, deum lado, a associao de duas noeshistoricamente dissociadas, isto , ini-ciativa e solidariedade. Do outro lado,sugerir (com estas experincias) a ins-criodasolidariedadenocentromesmo da elaborao coletiva de ati-vidades econmicas.Busca-se portanto (atravs destanoodeeconomiasolidria)umatentativa de problematizao destasnovas praticas organizativas partirde um quadro de referncias bem pre-ciso: ou seja, aquele de uma reflexosobre as relaes entre democracia eeconomia, que se inspira amplamen-tedostrabalhosdeKarlPolanyi10.Abre-se assim, atravs dessa noo,uma perspectiva descritiva e compre-ensiva de pesquisa, reenviando an-lise de realizaes existentes que, emdiferentes partes do mundo, represen-tam hoje milhares de experincias edezenas de milhares de assalariadose de voluntrios implicados (Eme eLaville, 1996).CONTEXTO E DELINEAMENTO DEUM FENMENOEnquanto fenmeno ento, a emer-gnciadeumaeconomiasolidriaesta intimamente ligada problem-tica de uma excluso social crescente(que se define cada vez mais enquan-toquestourbana),numcontextoatual (isto , que remonta j a mais de... a emergnciade uma economiasolidria estaintimamente ligada problemtica de umaexclusosocialcrescente...^]8 Tratamos da temtica da ddiva em outros trabalhos. Ver Frana e Dzimira 1999 e 2000.9 Estasnovasformasdesolidariedadefazemalusoainiciativacidademoposio,aomesmotempo,asformasabstratasdesolidariedadepraticadashistoricamentepeloEstado,deumlado,easformastradicionaisdesolidariedademarcadaspelocartercomunitrio.Nestesentido,estamosdiantedeumfenmenoefetivamenteindito,se-gundonossahiptese,poisestasexperinciasnoparecemorientar-sesegundooregistro de uma socialidade tpica da Gemeinschaft (comunidade), princpio comunitrio(Tnnies),ouseja,umasocialidadecomunitria(Weber),ouainda,umasolidariedademecnica caracterstica das sociedades tradicionais (Durkheim). De fato, se um tipo dedinmicacomunitriamarcaestasexperincias,suaexpressonopareceidentificar-se ao registro de um comunitarismo herdado (como consideram A.Caill e J.-L.Laville) :"na medida em que ela emana de um comunitarismo muito mais escolhido como refern-cia coletiva um bem comum do que imposto pelo costume (prefcio Don et economiesolidaire, de Genauto de Frana e Sylvain Dzimira, Collection La Petite Bibliothque duMAUSS, Paris, 2000, p.07). Alm disso, o carter indito destas novas formas de solida-riedaderesideaindanaafirmaodeumataldinmicacomunitrianoseiodeumasociedade onde as relaes relevam primeiro de uma solidariedade orgnica (Durkheim)oudaGesellschaft(sociedade),princpiosocietrio(Tnnies),ouaindadasocialidadesocietria (Weber). Vale ressaltar ainda que este campo da economia solidria circuns-creveumuniversoespecificodeexperinciasnestedomniodasnovasformasdesolidariedade.10 Em especial, La grande transformation. Aux origines politiques et economiques de notretemps,Gallimard,Paris,1983.Nestaobranotveldoinciodadcadade50,Polanyisustenta que a grande transformao que conhecem as economias ocidentais nos anos30 reside na reimbrincao da economia no social, pela via da regulao da produo edacirculaoderiquezasoperadapeloEstado-providncia,hojeemcrise.A"grandetransformaointroduzidapelamodernidade,quantoela,nospareceresidirmuitomaisnoprocessodeautonomizaodomercadoemrelaoaosdemaisprincpiosdocomportamentoeconmico,comoa"administraodomestica,a"redistribuioea"reciprocidade.Estarupturaproduzidapelamodernidadeacompanhadadeum"de-sencantamento do mundo, de uma objetificao das relaes sociais, ou ainda, de umadespersonalizaodasrelaeseconmicas,queofenmenodaeconomiasolidriavisajustamentetornarmaishumanas.57RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONMICO Ano III N 5 Dezembro de 2001 Salvador, BAvinte anos) de crise do Estado-provi-dncia11. A realidade de uma econo-mia solidria vem assim se posicionarnum contexto de falncia dos meca-nismos de regulao economico-pol-tico da sociedade. Estes foram funda-dos historicamente em torno de duasesferas principais de organizao dasrelaes poltico-econmico-sociais o Estado e o mercado , encontrandono trabalho, no sentido moderno dotermo, ou seja, na relao salarial, suaestruturaofundamental.Podera-mos assim propor a leitura do contex-toatualdeumaeconomiasolidriaemtermosdecrisedotrabalho,oumelhor, em termos dos limites da cha-mada sociedade salarial, para retomaro diagnstico de Robert Castel (1995).Mas, poderamos ainda diagnosticaresta situao em termos de crise doequilbriofordista,paraempregaruma expresso mais conhecida. O fe-nmenodaeconomiasolidriaseapresentaportanto,aonossover,numa perspectiva de busca de novasformasderegulaodasociedade(mesmo que de modo ainda modestono momento presente).Retornandoadefinio,paraafin-la, em resumo, diramos que aemergncia de uma economia solid-ria (ou sua noo) traduz-se por umaflorescncia de prticas scio-econo-micas na Europa visando propor (partirdeiniciativaslocais)serviosde um tipo novo, designado sob o ter-moserviosdeproximidadeouservios solidrios. Esse termo fazalusoaumconjuntodeservios,para alguns, outrora unicamente pro-duzido no seio da esfera domstica,como ajuda a domiclio, jardinagem,consertos domsticos (bricolage), etc.,e para outros, inveno, como o casodos servios que giram em torno daquestodamediaosocialnosbairros, geralmente vinculados idiade melhoria da qualidade de vida edo meio ambiente local (Laville, 1992).Foram justamente atravs dos traba-lho de descrio destas prticas/ex-perincias,articuladosaelaboraode um modo de compreend-las, vi-sando apreenso da singularidadedeste fenmeno, que a noo de eco-nomiasolidriaforaforjadaporLaville e Eme no incios dos anos 90.Assistimosassim(dopontodevistadasimplicaesorganizacio-nais) ao nascimento de iniciativas lo-cais portadoras de um carter novorelativo ao mesmo tempo ao seu mododefuncionamentoesuafinalidade.Pois, estas experincias renem usu-rios, profissionais e voluntrios, pre-ocupados em articular criao de em-prego e reforo da coeso social, ougeraodeatividadeseconmicascom fins de produo do chamado li-ame social (ou dos laos sociais). Asformas assumidas pelas experinciasde economia solidria na Europa sobastante diversas: de creches paren-tais, passando por empresas sociais,sociedades de crdito, at os chama-dosclubesdetrocaouasorganiza-es de auto-produo coletivas12.Em sntese portanto, se o termoeconomia solidria surge apenas re-centemente, entretanto sua caracters-tica fundamental (aquela de uma ar-ticulao entre dimenses econmica,social e poltica) encontrava-se j pre-sente nos ideais e prticas da chama-da economia social nos seus primr-dios,sendomaistardeesquecidas,conforme tratamos anteriormente. Istonos leva a concluir que o projeto atualde uma economia solidria parece re-fletir uma espcie de reatualizao doiderio original da economia social.Ela talvez, portanto, uma nova eco-nomia social.A IDIA DE ECONOMIAPOPULAR, ENTRE FORMAS DESOBREVIVNCIA E MODOS DEORGANIZAO COLETIVOSDEMOCRTICOS UMAREFERNCIA LATINO-AMERICANAPrprio do contexto latino-ameri-cano, que no possui a mesma confi-gurao de Estado social tpica da tra-dio europia, a noo de economiapopularutilizadanamaioriadasvezes para identificar uma realidadeheterognea, um processo social, quepode ser traduzido pela apario eexpansodenumerosaspequenasatividades produtivas e comerciais nointerior de setores pobres e marginaisdas grandes cidadesda Amrica La-tina(Razeto,1991).Osbiscatesouocupaes autnomas, as micro-em-presas familiares, as empresas asso-ciativas,ouainda,asorganizaeseconmicas populares (OEP), consti-tuem alguns dos exemplos de inicia-tivas deste universo.Em se tratando de economia po-pular, e essa uma caracterstica fun-damental que ao nosso ver merece serdestacada, o registro da solidarieda-de permanece a base fundamental soba qual erguem-se, ou melhor, desen-volvem-se as atividades econmicas.Estas iniciativas representam, de umcerto modo, um prolongamento dassolidariedadesordinrias(isto,aquelas que se praticam no quotidia-... a noo deeconomia popular utilizada na maioriadas vezes paraidentificar umarealidadeheterognea...^]11 Aproblemticadaeconomiasolidriaapareceamplamentearticuladaarealidadedachamada nova questo social nos principais pases europeus, come o caso da Franaem especial. A esse respeito ver, entre outros, os trabalhos de Jacques Donzelot (1991e1994)ePierreRosanvallon(1995).Nospropomosaindaumasintesedessedebatenosdoisprimeiroscaptulosdonossotrabalhodetese,op.cit..12 Dada a heterogeneidade de iniciativas neste universo da economia solidria na Europa,enaFranaemparticular,propusemosemtrabalhosanterioresumatipologiadasfor-masdemanifestaodestefenmeno.Nesta,consideramosquatrocamposprincipaisdeiniciativasquedenominamos:ocomrciojusto,asfinanassolidrias,asempresassociaiseaeconomiasemdinheiro.Ver,Frana(2001b).58RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONMICO Ano III N5 Dezembro de 2001 Salvador, BAno mesmo da vida no interior dos gru-pos primrios). Parece residir precisa-mente neste aspecto, o trao maior ca-ractersticodestaeconomiapopular.Ou seja, ela encontra no tecido sociallocal ou comunitrio, nas prticas dereciprocidade,osmeiosnecessriospara a criao de atividades.Dito de outro modo, com o con-ceito de economia popular trata-se (se-gundo nosso entendimento) da pro-duo e desenvolvimento de ativida-des econmicas sob uma base comu-nitria, o que implicaumaarticula-o especfica entre necessidades (de-mandas) e saberes (competncias) noplano local mas que em alguns ca-sos pode at articular-se com o planoinstitucional,ouseja,noscasosemque o poder pblico reconhece o sa-ber popular e tenta apoi-lo sob a for-ma de assessoria tcnica, que na pr-tica acaba funcionando como modode instrumentalizao das experin-cias populares. A tradio do recursoao mutiro nas prticas de organiza-o e de produo dos grupos popu-lares, muito comum na nossa realida-de, pode ser considerado como casode figura ilustrativo desta articulaoentre necessidades (demandas) e sa-beres (competncias). O mutiro umsistema de auto-organizao popularecomunitriaparaarealizaoeaconcretizao de projetos. Ele consisteem associar o conjunto dos membrosde uma comunidade na execuo dosseus prprios projetos coletivos.ECONOMIA POPULAR EECONOMIA INFORMAL COMOEXPRESSES DISTINTASSe a referncia ao tecido social lo-cal e suas prticas de reciprocidadecomo meio de elaborao de ativida-des econmicas o que marca ou de-fine a prpria idia de economia po-pular, reside precisamente neste as-pectoapossibilidadedesuadistin-o em relao a noo de economiainformal13. De fato, esta distino devesersublinhada14. A economia infor-malassumenamaioriadoscasosaforma de micro-projetos individuais,conformando uma espcie de simula-crodasprticasmercantisoficiais,noapresentandodessemodoumaarticulao com uma base social lo-cal precisa ou com um saber ances-tral. Entretanto, uma tal distino apa-rece, na maioria das vezes, de modobastante sutil primeira impresso:economia informal e economia popu-larsendocomumentepercebidascomo expresses sinnimas. E isto emrazo do carter de movimento multi-formeprprioaidiadeeconomiapopular. Esta compreende um lequeamplo de iniciativas socio-econmi-cas, mais ou menos auto-centradas ouheterocentradas(voltadaparaforadela prpria enquanto organizao),isto , oscilando de simples formas desobrevivncia dos mais pobres at aidia de modos de organizao demo-crticos, dito de outro modo, abertossobre o espao pblico este parti-cularmente o caso de um certo nme-ro de experincias de associao e decooperativizao encontradas hoje.Os desafios em torno deste uni-verso da economia popular tornam-se mais claros atravs do debate opon-do de um lado, uma viso que o asso-cia (ou melhor, o reduz) a idia de umaestratgia de sobrevivncia (o que sig-nifica interpret-la enquanto amorte-cedor dos efeitos da crise), e, do outrolado, sua compreenso enquanto mo-tor do desenvolvimento.Neste sentido, o prprio debatesobreanoodedesenvolvimentoqueestemquesto.Acapacidadeque ter esta economia popular a seconstituir como um setor ao mesmotempo autnomo e interdependenterelativamente as esferas dominantes(Estado e mercado) est intimamenteligado, ao nosso ver, formulao deuma viso de desenvolvimento quepossa assentar-se sobre uma concep-o plural da economia15. Porm, nonosencontramosexatamentenestequadro.Asconcepesdominantesdodesenvolvimento,cujanfasesecoloca sobre a centralidade do merca-do (onde a idia de crescimento eco-nmicoprivilegiada),atribuemaesta economia popular um lugar bas-tante subordinado na dinmica socio-econmica mais geral, sendo sua re-presentao comumente associada aidia de uma espcie de economiados centavos, ou uma economia dospobres,destitudaportantodeumalcance transformador maior.A esse respeito torna-se instruti-vo observar-mos como certos discur-sos se re-elaboram (sobretudo no seusentidomaisretrico)nabuscadenovos padres de legitimidade face astransformaes em curso. Esse par-O mutiro umsistema de auto-organizao popular ecomunitria para arealizao e aconcretizao deprojetos...^]13ParaumaapreciaomaisdetidaacercadestanooverB.Lautier(1994)eKraychete2000).14 Do mesmo modo que aquela entre economia popular e economia subterrnea ou oculta.Estafuncionanamaioriadoscasossoboregistrodaviolncia:trata-seemgeraldeformasdeorganizaodespticasrepousandosobmodosespecficosdesolidarieda-de.Esteesforodedistinoconceitualparticularmenteimportantededesenvolver,poisalgunspoderiamenxergarnaorganizaodotrficodedrogasemcertasfavelascariocasporexemplo,ossinaisdemanifestaodeumaeconomiapopular.15Nossadiscussosobreaidiadeeconomiapluralsecolocaemtermosderevisodospressupostos habituais de explicao acerca do carter e natureza da atividade econ-mica, particularmente aquele que a reduz a idia de (ou ao princpio do) mercado auto-regulado.Nsnosposicionamosaquinumaperspectivadeantropologiaeconomica,especialmente inspirada dos trabalhos de K.Polanyi. Sobre esse ponto ver Frana (2001ae2001b).59RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONMICO Ano III N 5 Dezembro de 2001 Salvador, BAticularmente o caso da viso dos eco-nomistas mais convencionais (de ins-piraoneo-clssicaemgeral)quesempredesconheceramessadistin-o entre economia informal e econo-mia popular, desprovidos como habi-tualmente o so de uma viso socio-polticadosfenmenosprodutivos.Pensando economia informal e eco-nomia popular do mesmo modo, masprivilegiandoaprimeirarubrica,aperspectiva liberal tem elaborado no-vas estratgias em relao a esta ques-to, tal como aparece recentemente nodiscurso de certas instituies inter-nacionais. A esse respeito, a observa-o lanada por B.Lautier (1995) pa-rece particularmente esclarecedora dojogo poltico subjacente a essa discus-so.Paraesteautor,depoisqueasgrandes instituies financeiras inter-nacionais(taiscomoFMIeBancoMundial) se deram conta dos limitesdo mercado na sua capacidade a sa-tisfazerem necessidades, a imagem deuma economia informal que estavacarregada de todos os vcios (fracaprodutividade, baixos nveis de ren-dimento, evaso fiscal, condies detrabalho penosas, ausncia de prote-o social, etc.), subitamente ampara-se de todas as virtudes (motor de ge-rao de empregos e de rendas, subs-tituto de um Estado bancarrota, lu-gar de desenvolvimento da solidarie-dade,etc.).Elaest,paraoBancoMundial, no centro da luta contra apobreza.CONSIDERAES FINAISPodemos concluir portanto con-siderando que as diferenas entre es-ses termos esto relacionadas ao pr-prio contexto, ou lugar scio-histri-co onde foram elaborados. A banali-zao do termo terceiro setor deve-sedesse modo a prpria influncia pol-tica e cultural do contexto norte ame-ricano que se impe sobre o resto domundo hoje.Parece-nos instrutivo notar assimque cada termo sugere uma aborda-gem especfica sobre o papel dessasorganizaes que no so nem pbli-cas nem privadas. O que nos pareceproblemtico pois no conceito de ter-ceiro setor muito largamente empre-gada ? Em primeiro lugar, conformeabordamos,aperspectivaanglo-saxnica pensa a solidariedade mui-to nos termos da filantropia, que re-presenta apenas uma forma especfi-ca de manifestao solidria. O quetorna ausente nessa viso toda possi-bilidadedecompreensodasmaisdiversas formas de auto-ajuda, de re-ciprocidade,assimcomoaprprialgica da ddiva, que aparecem mui-to presentes na manifestao dos fe-nmenos de solidariedade em contex-tos os mais diversos16.Em segundo lugar, o que nos pa-rece tambm problemtico na defini-o habitual de terceiro setor diz res-peitoanfaseatribudaaosupostocarter funcional que deve ocupar esteespaodeatividadeseiniciativas.Da o fato mesmo dele ser qualificadode setor. Um setor a parte, tercei-ro portanto, que viria representar umaforma de ajuste do sistema capitalistamais geral que seria, dentro dessa vi-so,constitudofundamentalmentepeloEstadoepelomercado.Nestemodo de viso funcionalista o papeldo terceiro setor aparece portanto su-bordinado as duas outras esferas. Seusentido o de preenchimento das la-cunas abertas deixadas pelo Estado emercado na sua capacidade de satis-fazer necessidades. Seu papel portan-to suplementar na economia e eleexiste reboque dessas duas instn-ciasprincipais.Trata-se aqui de um ngulo de vi-soprivilegiandolargamenteumenfoque econmico de anlise do ter-ceiro setor, que reflete apenas uma re-alidade parcial desse mbito de expe-rincias. Isto implica dizer que, se aexpresso terceiro setor no deve serabolida,suacompreensopodesercomplexificada. O termo terceiro se-tor convida, segundo nosso entendi-mento, a sua desconstruo, isto , aelaborao de novos modos de inter-pret-lo.Ditodeoutromodo,paraalm de uma abordagem funcionalistaou economicista do terceiro setor, pa-rece-nos bastante instrutivo a adoode uma perspectiva ou de um enfoquesocio-poltico.Nestecaso,devemosconsiderar esse espao que no nemmercantil nem estatal, como um com-ponente do espao pblico. Isto suge-re uma idia revolucionria, segundoa qual as atividades econmicas de-vem ser pensadas tambm como umproblema de sociedade - um proble-madeespaopblico.Dessemodopretende-se revisitar o sentido origi-naldaprpriaidiadeeconomia.Essa particularmente uma das for-mas de colocar a questo da econo-miasolidria,conformediscutimosem outro texto (Frana, 2001b).Dentrodesseenfoquedeviso,no se trata pois de considerar o ter-ceiro setor como um setor indepen-dente, a parte, com uma funo ape-nas de ajuste social dentro do siste-ma, mas de um espao intermedi-rio na interseo do Estado, do mer-cado e do setor informal. Religandoesses diferentes espaos, combinan-do diversos recursos e racionalidadessociais, ele se caracteriza pela diver-sidade dos modos de hibridao im-plantadospelasassociaesqueoconstituem (Evers, 2000:567). Nestaoutra perspectiva de compreenso doterceiro setor, tenta-se sublinhar a vo-cao de muitas dessas iniciativas ainteragir com as esferas do Estado edo mercado (no lugar de constiturem...para o BancoMundial, a economiainformal, antescarregada de todos osvcios, agora est nocentro da luta contra apobreza.16Paraumadiscussoespecficasobrealgicadaddivaarticuladaanoodeeconomia solidria, ver Frana e Dzimira1999 e 2000.^]60RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONMICO Ano III N5 Dezembro de 2001 Salvador, BAum setor independente mais um),entretanto numa perspectiva de subor-dinao da lgica mercantil ou buro-crtica ao projeto associativo.REFERNCIAS BIBLIOGRFICASARCHAMBAULT,E.,LesecteursansbutlucratifenFrance,ed.Economica,Paris,1996.BORZAGA,C.,Ilterzosistema:unanuovadimensionedellacomplessiteconomicaesociale,Padoue,PadovaFondazioneZancan,1991.CASTEL,R.,Lesmetamorphosesdelaquestionsocial.Unechroniquedusalariat,ed.Fayard,Paris,1995.CAILLE,A.,Anthropologiedudon,letiersparadigme,col.Sociologieconomique,ed.DescledeBrouwer,Paris,2000.DONZELOT,J.(org.),Facelexclusion:lemodlefranais,ed.Esprit,Paris,1991.EVERS,A.,Lesdimensionssocio-politi-quesdutierssecteurLescontributionseuropennessurlaprotectionsocialeetlconomiesplurielles,inRevueSocio-logiedutravail,n.4,vol.42,Paris,oct.-dec.2000.FERNANDES,R.C.,Privadopormpbli-cooterceirosetornaAmricaLatina,ed.Relume-Dumar,RiodeJaneiro,1994.FRANA,G.eDZIMIRA,S., Donetconomiesolidaire,CollectionLaPetiteBibliothqueduMAUSS,Paris,2000__________________________,Econo-miasolidriaeddiva,RevistaOrgani-zaeseSociedade,v.6,n.14,EAUFBA,Salvador,jan./abr.1999.FRANA,G.(a),Socitsenmutationetnouvelles formes de solidarit: le phno-mne de lconomie solidaire en questionlexpriencedesrgiesdequartieraucarrefourdelogiquesdiverses,Thesededoctoratensociologie,UniversitParisVII,Janvier,2001.____________(b),Novosarranjosorgani-zacionaispossveis?Ofenmenodaeconomiasolidriaemquesto(preci-sesecomplementos),RevistaOrgani-zaeseSociedade,EAUFBA,Salvador,v.8,n.20,jan/abril2001.____________,LconomiesolidaireauBrsil,in:RevueduGERFA(Groupedtudesetrecherchesurlefaitasso-ciatif),n.2,premiersemestre2001,Paris.LAVILLE,J-.L.eEME,B.,Pouruneapprochepluralistedutierssecteur,inMana,RevuedeSociologieetdAnthro-pologie,PressesUniversitairesdeCaen,n.7(dossier:France/Brsil-Politiquesdelaquestionsociale),premiersemes-tre2000a,p.166._____________________,Quest-cequeletierssecteur?,inLaRevueduMAUSS semestrielle n.16 (Lautre socialis-me-entreutilitarismeettotalitarisme),secondsemestre2000b._____________________,Economieplu-rielle,onomiesolidaire:prcisionsetcomplments,inLaRevueduMAUSSsemestrielle, n.7 (vers un revenu minimuminconditionnel),LaDcouverte,Paris,1996.LAVILLE,J-.L.,LesservicesdeproximitenEurope,Paris,ed.Syros,1992._____________,Economieetsolidarit:esquisseduneproblmatique,in:Lconomiesolidaire,uneperspectiveinternationale,Laville(org.),col.Socio-logieconomique,ed.DescledeBrou-wer,Paris,1994.________________,Unetroisimevoiepourletravail,col.Sociologieconomi-que, ed. 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