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Page 1: Ameaça urbana

REVISTA DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DA SBPC NÚMERO 293 | VOLUME 49 | JUNHO 2012 | R$ 9,95

ASTROFÍSICAEstudos computacionaisrevelam como evoluíram os buracos negros

RIO+20Paulo Artaxo diz que reunião perdeu o focoe critica os céticos dasmudanças climáticas

CULTURA POLÍTICARevista é fonte preciosapara estudar relaçõesentre intelectuais editadura Vargas

Ameaça oculta ainda preocupaPESTE

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ciências ambientais EM DIA

AMEAÇA URBANAGrave problema de saúde nas cidades, ar poluído poderá ser monitorado com instrumentos desenvolvidos no país

Apoluição atmosférica é a maior causa de infarto do miocárdio no

mundo todo. Parece alarmismo. Mas a informação está no respeitado periódico médico The Lancet. Pesqui-sadores suíços e belgas, liderados pelo pneumologista Tim Nawrot, da Uni-versidade de Hasselt, concluíram que a má qualidade do ar mata mais que malária, tuberculose, álcool e cocaína. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada ano, o ar urbano responde por 1,3 milhão de mortes prematuras.

“Não é exagero, portanto, prever que este será o maior problema de saúde pública do século”, afirma o patologista Paulo Saldiva, da Facul-dade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Se no mundo o cenário é dramático, no Brasil não é diferente. Por aqui, são poucas as cidades que têm um sistema razoá-vel de monitoramento. “Temos uma carência absurda de dados referen-tes à poluição do ar”, lamenta Saldi-va, lembrando que o próprio Conse-lho Nacional de Meio Ambiente determina monitoramento obrigató-rio para todo município com mais de 500 mil habitantes.

Salvador, Belo Horizonte, Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre são algu-mas das capitais que contam com al-gum tipo de controle – ainda que ele-mentar, insuficiente ou precário. O fato é que, de todas as cidades brasi-leiras monitoradas, nenhuma atende aos padrões de salubridade atmos- férica estabelecidos pela OMS.

Recente estudo da USP constatou que, de cinco capitais analisadas,

nenhuma registrou quantidade de material particulado fino (partículas de até 2,5 micrômetros de diâmetro) inferior a 13,4 microgramas por me-tro cúbico – quando o tolerável, de acordo com a OMS, são no máximo 10. São Paulo (28,1 Og/m3) e Rio de Janeiro (17,2 Og/m3) lideraram o ranking, seguidas de Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre.

Saldiva lembra que, para cada 10 microgramas adicionais de material particulado fino na atmosfera, obser-va-se estatisticamente uma redução de sete a oito meses na expectativa de vida da população.

VENENO ATMOSFÉRICO Além do ma-terial particulado, também preocu-pam pesquisadores os poluentes ga-sosos. Dióxido de enxofre (SO2), dió-xido de nitrogênio (NO2), monóxido de carbono (CO) e ozônio (O3), por exemplo, são alguns gases para os quais nossa legislação estabelece pa-drões. “Mas, há muitos outros po-luentes negligenciados pelos meca-nismos legais de regulação, com efei-tos perigosíssimos sobre a saúde hu-mana”, alerta a química Vânia Pal-meira Campos, da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Segundo ela, inalamos diaria-mente hidrocarbonetos do grupo BTEX, que inclui benzeno, etilben-zeno (potencialmente carcinogêni-cos), tolueno (afeta o cérebro e o sis-tema nervoso, além de fígado, rins e pulmões) e xilenos (provavelmente mutagênicos, sendo alguns deles perturbadores endócrinos). Apesar de onipresentes nos centros urbanos – são compostos voláteis encontrados

nos derivados de petróleo –, nenhum deles é objeto de regulação em nosso arcabouço legal.

A quase totalidade desses com-postos tem origem no escapamento de veículos. “O tráfego intenso nas cidades ainda é a principal ameaça à qualidade do ar respirado pelas populações urbanas”, garante Cam-pos. Saldiva concorda, acrescentan-do que um veículo vendido no Brasil polui até 90% a mais do que o mesmo modelo vendido na Europa, visto que a legislação europeia para emissões veiculares é mais rigorosa que a bra-sileira. “Desconheço qualquer razão médica que nos permita afirmar que o pulmão de um brasileiro é 90% mais resistente do que o pulmão de um europeu”, ironiza.

Segundo o patologista da USP, nossa civilização está adoecida. “Fe-bre, disfunção cognitiva e dependên-cia química de uma droga chamada petróleo. Este é o quadro clínico do planeta.”

O economista Ladislau Dowbor, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, não deixa por menos. “Milhares de novos automóveis ma-triculam-se diariamente nas metró-poles. Não por necessidade, mas por massacre publicitário, e sobretudo porque não há alternativa pública de transporte”, protesta.

DESAFIOS DE MONITORAMENTO Me-dir poluentes atmosféricos é tarefa complexa, para a qual há diversos métodos. Entre os equipamentos uti-lizados, destacam-se duas catego-rias: amostradores ativos e amostra-dores passivos. Os ativos necessitam

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de infraestrutura elétrica e são capa-zes de monitorar um ou mais poluen-tes de forma contínua e automatiza-da – fornecem resultados imediatos das condições atmosféricas do local. Já os passivos independem de eletri-cidade, pois utilizam apenas filtros embebidos em compostos químicos variáveis de acordo com o poluente a ser mensurado – podem ser instala-dos em qualquer lugar, mas reque-rem que o material coletado seja le-vado a um laboratório para análise química.

A má notícia é que o Brasil ainda não tem tecnologia para produzir amostradores ativos – compramos equipamentos americanos, franceses

e alemães. A boa, porém, é que pes-quisadores da UFBA já estão desen-volvendo sistemas de amostragem passiva. “São os primeiros amostra-dores passivos nacionais para medi-ção de poluentes do grupo BTEX”, explica Campos, coordenadora do projeto, desenvolvido em parceria com a empresa Edza, de Salvador. “Estarão prontos até o final de 2012, e deverão ser úteis a todos os geren-tes de rede de monitoramento do ar, como órgãos ambientais, prefeituras e mesmo indústrias, que hoje depen-dem da importação de equipamentos de amostragem a custos bastante elevados.”

Enquanto um amostrador impor-tado pode custar mais de R$ 100 mil, o desenvolvido pela equipe da UFBA sai por cerca de R$ 30. Campos lem-bra, no entanto, que a ideia não é substituir os sistemas ativos pelos passivos, mas sim integrar os dois métodos de amostragem e análise

para otimizar resultados – afinal, cada um tem suas vantagens e des-vantagens.

A maioria das cidades brasilei-ras, segundo Campos, apenas “faz de conta” que monitora a qualidade do ar. “Instalam medidores em um único ponto, medem um único po-luente e chamam isso de monitora-mento”, acusa a pesquisadora. “Mo-nitoramento para boi dormir, e o boi dorme mesmo.”

“Esperamos, com os novos amos-tradores, fornecer à população infor-mações confiáveis sobre os poluentes atmosféricos ainda negligenciados pela legislação”, diz a pesquisadora da UFBA. A equipe pretende, ainda, elaborar um jogo portátil de amos-tradores – que poderá ser comercia-lizado, por exemplo, em farmácias – para que cada cidadão possa medir a qualidade do ar que respira.

HENRIQUE KUGLER | CIÊNCIA HOJE | RJ

FOTO THORSTEN HENN/LATINSTOCK/CULTÚRA IMAGES/CULTÚRA IMAGES RM

e alemães. A boa, porém, é que pes-quisadores da UFBA já estão desen-volvendo sistemas de amostragem passiva. “São os primeiros amostra-dores passivos nacionais para medi-

Fundo do amostrador

Filtro de celulose impregnado com reagente específi co

Espaço de difusão

Membrana de tefl on

Abertura para entrada de ar

Tela de aço inox

Modelo de amostrador passivo para poluentes atmoféricos


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