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a autobiografia não autorizada de

Roberto Lando

BADEN BADENALMANAQUE

APRECI E COM MODERAÇãO

históriase lorotas, chopes esalsichas na

MESA

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BADEN BADENALMANAQUE

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``a criacão de adão``, sob a ótica de landão

a autobiografia não autorizada de

Roberto Lando

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© ROBERTO LANDO, 2009

EDITORWagner Rosa

REVISÃOScritta Consultoria

ILUSTRAÇÕESRoberto LandoRicardo CaroliCarlos Justino/Gatty

PROJETO GRÁFICORevistaria Edições Customizadas

1ª Edição, 2009

IMPRESSÃOResolução Gráfica

Av. das Cerejeiras, 164, Recanto das Araucárias,Campos do Jordão, SP - CEP [email protected]

EDIÇÕES CUSTOMIZADAS I PUBLICAÇÕES ESPECIAIS

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Agradeço ao Wagner Rosa pelo trabalho de coordenação, orientação e execução deste projeto editorial; aos amigos e familiares que, mesmo sem querer, acabaram criando situações dignas de narrativa; aos funcionários do Baden que nunca me deixaram sem chope e cerraram fileiras nas vezes em tive dificuldades para ocupar a mesa vinte e quatro; ao Carlão e ao Caroli que me ajudaram nas ilustrações; aos clientes das mesas 17,18,19, 20, 21, 22, 23, 25, 26, 27, 28, 29 e 30 sem os quais minha presença na 24 teria sido inútil; ao Vasco por ter criado o Baden Baden; a Valéria por ter acreditado que isso tudo aconteceria.”

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SUMÁRIO

INTRODUÇãO 01

CAPÍTULO 1As mesas do Baden 05

CAPÍTULO 2A arte da guerra pela mesa 24 09

CAPÍTULO 3A batata roestti, esta misteriosa e complexa tentação 05

CAPÍTULO 4Crepes e Loterias 05

CAPÍTULO 5Maníacos por carros e motos 05

CAPÍTULO 6O amor está no ar! Brigas também! 05

CAPÍTULO 7A previsão do tempo 05

CAPÍTULO 8Digno de um espetáculo 05

CAPÍTULO 9Força Bruta 05

CAPÍTULO 10Das trevas à Raclete 05

CAPÍTULO 11Fechando a conta 05

CAPÍTULO 12Todos os caminhos do Baden 48

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Neste carnaval de 2009, o Baden Baden Choperia faz 24. Vinte e quatro anos de alegria, descontrações, alguns percalços, mas sempre em clima de festa.

Para comemorar esta data Roberto Lando faz esta homenagem alegre a “sua” mesa 24, que alegremente freqüenta a 24 anos. São histórias relatadas a partir da ótica alegre de um grande apreciador do chope Baden.

Alegria é o natural estado de espírito dos frequentadores da Baden Baden , esta é toda a magia que explica a longevidade do Baden.

Ao Roberto, esposa e a todos os que frequentam alegremente as mesas do Baden Baden um eterno abraço...

Namastê

Vasco

PS: Todas as vezes que passo pelas mesas do Baden Baden pronuncio um silencioso Namastê a todos os presentes.

PREFÁCIO

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Nasci em Getúlio Vargas, Rio Grande do Sul, numa casa muito próxima da Cervejaria Serramalte, onde se fabricava a deliciosa Krönenbier, a cerveja da rainha! Um sinal indicando que eu iria peregrinar muito em busca da cerveja dos Deuses pelos caminhos desse mundo.

Nesta casa, ouvi muitas histórias contadas por meu pai, Sr. Andréa. A preferida era a que narrava a saga dos habitantes de Piratuba, pequena cidade do Oeste Catarinense, bem perto de onde nasceu minha mãe. Nos anos 40, era um importante centro comercial, pois margeava o Rio do Peixe e a tornava passagem obrigatória para todos que circulavam entre o vale do Itajaí e o norte do Rio Grande do Sul. Habitada predominantemente por alemães, tinha um consumo de cerveja per capita digna da Bavária.

A cerveja chegava até o local, embalada em caixas de madeira e acondicionada nos velhos vagões que a Maria Fumaça puxava, pois era o meio de transporte mais comum, além dos veículos de tração animal.

INTRODUÇÃO

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Certo dia em que o estoque da cerva estava acabando, o povo de Piratuba enviou um telegrama ao fornecedor, solicitando mais mercadoria. Na demora do atendimento, mandaram outro telegrama. E mais outro, porque, em pouco tempo, não haveria nenhuma garrafa nos estoques da cidade. Após dolorosa espera, receberam a resposta dos fornecedores através de outro telegrama, que dizia:

- Em razão do pedido e da emergência, segue UM vagão de cerveja pt

Os alemães de Piratuba não acreditaram. Jamais ousaram tratá-los com tamanho descaso.

-Eine Vagon!!! Um vagãozinho só??? O que eles pensam que faremos com tão pouco???.....

No dia previsto para a chegada, os piratubenses puseram-se a esperar na plataforma da estação férrea. Prefeito, donas de casa, professoras, até o mais pueril dos colegiais. Ali permaneceram até que a fumacenta máquina apareceu no horizonte e, cuidadosamente, parou na plataforma da estação. Então, invadiram o vagão, abriram as caixas e beberam todas (rezam os escritos, todas...) as cervejas. Enxugando a boca com a manga, avisaram:

Kaput! Pronto! Levem de volta e tratem de trazer algo mais razoável!!!

###Ouvi esta - linda - história deliciosa muitas vezes.

Até o dia em que resolvi sair mundo a fora e, despojado de desejos materiais, peregrinar por diferentes caminhos, até encontrar aquela rainha, que um dia fora homenageada com o nome e a pureza da melhor cerveja do mundo. E, assim, conheci a Valéria, que me ensinou o caminho da Mantiqueira, levando-me até Campos do Jordão. Lá, me ofereceu uma cerveja local e disse:

-Toma! Esta é a cerveja que se oferece aos reis.Lembrei-me de meu pai e prometi que, a partir de

então, eu deveria contar histórias sobre cerveja.Dedicado a todos que andam pela vida à procura de

um bom chope, uma boa cerveja.

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Era a primeira que visitava Campos do Jordão, e a Valéria mostrava-me seus pontos favoritos da cidade. A quietude provocativa das folhas dos plátanos dizia-me que havia algo mágico no ar. Inseguro, necessitava de um chope. Ela sugeriu o Baden Baden, seu local favorito. Lá chegando, pedi dois ao garçom, recomendando-os bem gelados, com dois dedos de colarinho níveo. Urrrrrahhhh... assim, sim! Volta a paz!

- Queijadinha, senhor? Fui interrompido pelo gentil ambulante que carregava uma cesta de vime pendurada no braço.

AS MESASDO BADEN

capítulo 1

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Recusei-lhe, mui gentilmente. Ainda perdido, senti que precisava me localizar. Braços na direção do caminho do sol, feito aula da Profª. Lyra Carminatti, fechei os olhos e fiz uma releitura dos pontos cardeais. Ao Leste (talvez mais para o Norte), o Morro do Elefante; ao Sul, um imponente Cedro Inglês, próximo ao relógio digital que informava 17h38min. a uma temperatura de 18°C; ao Oeste, o caminho do Tênis Clube. Ao Norte, junto às minhas costas, o Boulevard Geneve. Localizei-me: estava na mesa vinte e quatro do Baden Baden, coração do Capivari, bairro turístico de Campos do Jordão.

O painel mudara para 17h39min. A temperatura caíra mais um grau, chegando aos 17°C. Vesti a blusa, o dia começava a esfriar.

-Não quer mesmo provar uma queijadinha, senhor? Voltou à carga o interessante vendedor.

Tornei a agradecer-lhe o oferecimento e lancei os olhos à mesa. Linhas imaginárias localizavam seu centro geométrico. Em torno dele, dois copos de chope cristal, suados, reluzentes em tons dourados, pareciam difratar o raio do sol que chegava até nós. Gente, o pessoal do Pink Floyd passou por aqui!

Voltei ao chope. O meu estava mais cheio que o da Valéria, que questionava este ar de preocupação (...estamos em tão paradisíaco local...) e retornava seu copo à bolacha de papelão, após saborear o cremoso e gelado colarinho. Dizia:

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-Pense na vida que acontece em torno destas mesas. Momentos fantásticos, encontros maravilhosos, instantes de vida que deviam ficar registrados para sempre. Isso não pode se perder no tempo. Alguém precisa contar aos outros. Tente colocar no papel. Que tal escrever, relatar, registrar... Hummm?

Tomou outro gole de chope. Acompanhei. Uma Delícia! Ela tinha razão. Vou começar a colocar no papel todas estas coisas agora mesmo. Mergulhei no plano das idéias. Fundo, cada vez mais fundo nas imagens que me mostravam a vida que acontecia em torno das mesas do Baden Baden.

-Aceita uma queijadinha, senhor? Tenta o ambulante mais uma vez, oferecendo uma gratuitamente.

Assim ficava difícil. Ou alguém me ajudaria a tirar esse vendedor daqui ou eu acabaria redigindo não um livro, mas um Boletim de Ocorrência.

- Eu quero escrever a respeito das mesas do Baden Baden. EU NÃO QUERO QUEIJADINHA! Se me entendem!

Finalmente, consegui escrever as primeiras impressões naquele dia mesmo.

Eu e Valéria voltamos muitas vezes ao Baden Baden. Primeiro com os colegas, depois com os filhos e, hoje em dia, com as noras, irmãos, primos e sobrinhos. Eles fazem parte dessa vida que acontece de um jeito melhor e das histórias que nos surpreendem a cada dia, a cada nova rodada de chope!

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capítulo 2

A ARTE DA GUERRA PELA

MESA 24

Deus ajuda a quem cedo madruga. Ditado verdadeiro e que se aplica às mesas do Baden Baden. Não pense que é só ir chegando, que seu lugar estará livre, que um tapete vermelho estendido te levará até a melhor mesa do restaurante. Trate de ir pulando da cama mais cedo, se quiser garantir seu lugar.

No início, as coisas eram mais fáceis. Hoje em dia, temos muitos problemas para conseguir a mesa vinte e quatro, nossa preferida, ou outra mesa qualquer. Tantas vezes chegávamos lá, e alguém mais esperto já tinha cravado posição! Mas, seguindo os conselhos de Sun Tzu (general chinês do século IV aC, profundo conhecedor das manobras militares e que escreveu A ARTE DA GUERRA, ensinando estratégias e táticas de combate), estudamos a movimentação dos inimigos e desenvolvemos estratégias de ocupação. Chegamos a um método infalível para ter sucesso e nunca mais sofrer para ocupar a vinte e quatro.

Segundo Sun Tzu, existem cinco fatores que permitem que se preveja qual dos oponentes sairá vencedor numa contenda: aquele que sabe quando deve ou não lutar; aquele que sabe como adotar a arte militar apropriada de acordo com a superioridade ou inferioridade de suas forças frente ao inimigo; aquele que sabe como manter seus superiores e subordinados, unidos de acordo com suas propostas; aquele que está bem preparado e enfrenta um inimigo desprevenido; aquele que é um general sábio e capaz, cujo soberano não interfere.

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Lição aprendida, vamos ao dito do General Sun Tzu.Nosso plano de ação foi assim elaborado: em torno

das dez horas, assim que começa a manhã do Baden, meus cunhados Walkiria e Vicente ocupam a mesa vinte e quatro, garantindo a bandeira da família com dois chopes. Quando eu e Valéria chegamos ao Capivari, lá pelo meio-dia, encontramos os dois, jornal lido, que nos passam a guarda da mesa e vão bater pernas. Lá pelas 14:00 h, chega a gurizada e senta com a gente (Vicente e Walkiria já retomaram o posto) para contar como foi a balada e tomar um aperitivo. O clamor pelo almoço acontece pelas 15:00 h. Porém algo tem ser feito, pois abandonar a mesa é dar sopa para o azar. Atentos, esperamos que apareça alguém conhecido, procurando lugar no Baden e convidamos que eles ocupem nosso lugar. Com um porém, não sairá da mesa vinte e quatro antes da gente

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voltar do almoço, sob pena de nunca mais serem recebidos na nossa gentil alcova do Baden Baden. Voltamos do almoço lá pelas 17:00 h, retomamos nossa mesa e nos despedimos agradecidos dos fiéis amigos guardadores do santuário, onde ficamos até que a noite nos expulse. Dia seguinte, teremos nova batalha, nova vitória.

O amigo leitor agora deve estar se perguntando: tudo bem, mas o que tem a ver os conselhos de Sun Tzu com o método que usamos para garantir a mesa vinte e quatro pelo dia inteiro? Vou lhes dizer uma coisa: não tenho a menor idéia! E, também, não vou fazer nenhum esforço para tentar explicar. Digo mais, nem sei se o referido general chinês gostava de cerveja ou chope. Sei apenas que, se ele quiser ficar na mesa vinte e quatro, que pense numa arte de guerra melhor que a nossa. Vai chegando assim e pensando o quê? ‘Se cata, meu! Sujeito folgado...’

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Um dia, a prima Rosa voltou de Cortina D’Ampezzo (estância de inverno em Dolomiti, Itália), trazendo notícias de um amigo de infância, Caco Balbinot, chefe de cozinha de um restaurante local. Além das boas novas, ele mandou a receita que é sua especialidade (macarrão puxado na manteiga, com bacon e salsa). Gostei, pois estava há muito tempo sem conhecer novas receitas saborosas!

Na época em que eu procurava por novidades, montei um posto de observação na mesa vinte e quatro do Baden para xeretar a receita dos maravilhosos pratos que passam à nossa frente antes de serem servidos aos outros comensais. Foi desta maneira que – a sempre simpática funcionária da casa - Zina nos explicou como se faz o Salmão com espaguete. Não se tratava de algo tão difícil, mas a dica dada por ela, que explicava como o espaguete era temperado na manteiga, junto com os legumes cozidos, melhorou demais nossa performance junto ao fogão. Receita que depois foi aprimorada, com a intervenção da Prima Rosa, ao acrescentar cobertura de queijo gorgonzola.

Dos outros pratos servidos no Baden, aquele que a gente achou mais apetitoso foi o Geschnetzeltes (filé mignon ao molho de shitake, repolho roxo e batata roestti). Gostamos tanto que resolvemos fazê-lo em casa. Tivemos duas grandes dificuldades: a primeira foi pronunciar o nome do prato e a segunda foi fazer a batata roestti, cuja receita se mostrou mais difícil que uma aula de Eletromagnetismo ministrada sob a ótica da Química Orgânica.

capítulo 3

A BATATA ROESTTI, ESTA MISTERIOSA E COMPLEXA TENTAÇÃO

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Embora Paulo, um dos gerentes da casa, tenha se esforçado em nos explicar como se faz esta delícia, só amargamos reveses. Inicialmente, o bom amigo Palmeirense nos contou da simplicidade em fazer tal prato: “amasse a batata cozida, coloque na chapa até dourar e sirva com repolho roxo”. Foi o que fizemos e, ao invés da batata roestti ficar com a aparência de um bolinho, talvez mais para um hambúrguer, ficou mesmo é parecendo uma salada de batatas, que acabara de ir ao chão (aquela coisa que acontece quando abrimos a porta da geladeira e um dos trinta e sete pratos amontoados vem abaixo?). Federação Paulista de Futebol informa: um a zero para a batata roestti.

Voltamos a falar com o Paulo, que, embora muito chateado com a situação do Palmeiras, teve paciência em nos explicar novamente como se fazia o prato. Desvendando o novo aconselhamento do amigo alviverde, ainda tentamos misturar um ovo na massa da batata para dar “liga”. Justiça seja feita, a aparência final ficou um pouco melhor, mas aquilo acabou mesmo numa tortilha, muito longe do que se espera da batata roestti. Dois a zero para a batata!

Outra consulta ao Paulo, ainda arrasado com o time de Parque Antártica, que novamente nos explicou como se devia

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proceder, voltou a nos encorajar, dizendo que tudo era muito simples e imediato. Temendo por mais um insucesso, compramos uma daquelas frigideiras para um ovo só (antiaderente). Confesso, o sabor está muito parecido, mas a forma final da batata está muito mais para uma coxa de frango do que para a iguaria serrana. Três a zero para a batata roestti!

-Timinho!... Timinho!... Timinho!...Tentativa vai, tentativa vem, já estamos há quase seis

meses experimentando e o que se conseguiu foi um prato com o sabor da batata roestti. Tão somente. Consultas feitas na Internet continuam jurando simplicidade e rapidez no preparo da receita, porém acho que será mais fácil o Paulo comemorar um campeonato do Palmeiras, do que a gente descobrir como deixar a batata roestti com aparência de batata roestti. Talvez o Código Da Vinci fale algo a respeito.

Acho que vou me valer do Orkut e criar a comunidade “Eu preciso tanto da receita da batata roestti”. Quando na rede, por favor, colaborem, postando sugestões.

Fim de semana vem aí. Vou tentar o Paulo mais uma vez. Cheio de dedos, porque domingo tem clássico com o Corinthians. O Palmeiras vai ganhar. Isso é batata!... Não!...Batata não...

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Sorte grande é chegar ao Baden e encontrar a mesa vinte e quatro disponível. Há quem tenha outras definições e, para estes, existe um grupo de vendedores de loteria no Capivari. Normalmente, recuso. Vez por outra, interessa-me fração da Borboleta, 13. Raramente. Embora estas ofertas dos “premiados para hoje” não me atraiam, existem aqueles que, apesar de responderem o eterno “hoje não, obrigado”, no fim, depois de muita insistência, acabam comprando um bilhete.

Tenho um amigo dos tempos de faculdade, o Reco. De tantas qualidades, tem duas que mais admiro. Ferrarista apaixonado, quando não quer algo, pouco se esforça para responder NÃO, raramente com “obrigado” e fecha a questão. Reflita como esta atitude sincera evitaria nos colocar naquelas penosas situações para desfazer situações criadas pelas respostas educadas que damos. O amigo Reco não faz isso e diz que testa sua imunidade à gentileza fácil semanalmente. Põe-se numa fila de banco de braços cruzados, cara amarrada. Se, no prazo de trinta minutos, ele falar com alguém, recolhe-se e tenta descobrir o que, de tão desastroso, aconteceu. Também por isso, sou fã incomum do Reco.

Numa manhã de outubro, com ele no Baden, fomos abordados pelos vendedores da sorte. Declinei, mas o amigo quis saber quanto custava o joguinho. Informado do preço (normalmente maior que o valor nominal registrado no bilhete), disse NÃO, devolveu a aposta. A vendedora argumentou, mas, antes que ela chegasse ao objeto direto da primeira frase, ouviu predicados que iam desde “falta a verdade”, “engodo pleno”, “parca honestidade envolvida” e o duríssimo e conclusivo NÃO, ÔRRRRA! Ela se mandou de vez!

CREPES E LOTERIAS

capítulo 4

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Interessei-me por dominar o método do amigo para desenvolver a habilidade de se livrar das situações que poderiam ser encerradas com um simples NÃO. Ouvi dos mais próximos (mãe, esposa, filhas, sócio, irmãos e cunhada alemã) que ele desenvolveu o Método CREPES, Curso Reco Pró Entendimento Sustentado, disponível em DVD. A julgar pelos resultados, sucesso pleno.

Dias atrás, nem pensando em questioná-lo (jamais!), confessei que estranhava tamanha gentileza e bondade, tipo assim Pró Entendimento Sustentado... De imediato (sem rodeios, sua característica), segredou-me que CREPES significa

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mesmo Curso Reco de Pouca Educação e Sociabilidade. Recomendou mais esforço, se eu quiser aprender algo de bom na vida. Marcou um chope no Baden para Novembro. - Dia sete. Oito, não posso! Conclui.

Já estou na terceira lição do CREPES e acho que aprendi alguma coisa, vou me virando. Recomendo. A propósito, alguém tentou me dizer que, ao ler o título deste assunto, achou que eu estaria falando de deliciosas receitas de crepes. Se eu não poderia falar da...

- A senhora já tentou um livro de receitas? Dona Benta? ARRRÊ! (...do CREPES, pág. 117- Cap.” Na Mesa”.)

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capítulo 5

Nos domingos, a rua em frente ao Baden Baden costuma servir de passarela para os automóveis e motocicletas que marcaram época. Chope rolando, a gente assiste de camarote os grupos de V8 num domingo, Porsches no outro. Calhambeques Ford (Fordecos) também dão o ar da graça (soube que estas máquinas sobem a serra nas cegonheiras, mas descem leves, livres, soltas e aí mora o perigo...). Já as Ferraris - pena que não seja fácil encontrá-las em grupo -, escandalosas como só elas, passam em atitude francamente humilhatória, roncando alto, vez por outra.

Motocicletas clássicas também são atrativos singulares. Desde os grupos com suas Harley Davidson (ah, o look estilo Easy Rider dos proprietários, não necessariamente gordos, nem sempre carecas e só eventualmente tatuados) até as famigeradas Kawasakis dão um show à parte com seus motociclistas (não diga motoqueiro jamais! Por Deus... não, não, não!).

Porém existem algumas situações que beiraram o exagero. Quando um grupo de reluzentes kawasakis estacionou suas máquinas bem em frente ao Baden Baden, por exemplo. Difícil dizer se estávamos com mais inveja das suas motos, das roupas especiais dos pilotos ou de suas maravilhosas acompanhantes (dá-lhe L’Oreal). Nós, simples mortais, babando. Depois, os motociclistas (nunca motoqueiros, tá?) ligaram suas máquinas e prepararam-se para partir. Aceleraram e testaram outra vez:

MANÍACOSPOR CARROS

E MOTOS

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-Nhammm...nhan>mm...nhanhatmham....nhammm. nhaaaaaaaaaaaaammm...nham...nham...

Minutos depois, cheios daquilo, lançamos olhares de censura e reprovação a partir das mesas do Baden. Pessoas foram se aglomeraram em volta dos barulhentos e interromperam o tráfego. Depois dos olhares, as reclamações sutis, que ao tempo se tornaram mais fortes. Bastava olhar na expressão dos freqüentadores para ver o grau de descontentamento com aquela barulheira.

Foi quando surgiu uma moto 50cc (cincoentinha) pilotada por um entregador de restaurante, baú térmico preso às costas, trajando um simples moletom preto-verde-marrom, moda Zé Paulino, em contraste com a turma “fashion” das kawasakis, que vestia macacões caríssimos. Acontece que nosso motoqueiro (esse pode chamá-lo assim, ele não se importa), também insatisfeito com a confusão armada, mostrou toda sua indignação e desceu a mão na buzina da cincoentinha:

-biiiiiiiiiiiiii.....Instantaneamente, todo mundo focou o novo herói. E,

quando ele percebeu que estava sendo o alvo da cobiça (afinal quem de nós não gostaria de estar ali e insultar as kawasakis?), talvez por represália, acelerou bem forte sua cincoentinha, tentando competir com os rugidos das super motos:

-Nhimmm... nhímmm,,.nhinhinnhirn....nhimmm. nhiiiiiüiiiiiiíiiiiíiiimmm...nhim...nhim...

Todos se levantaram e aplaudiram demoradamente o sujeito da cincoentinha, que, queimando pneus, arrancou e sumiu rua abaixo sob longos e vivos aplausos. Boquiabertos, os pilotos da kawasakis saíram calminhos, calminhos, com suas garupas douradas.

Pedi um choop e bebi com muito gosto. Era a sede. De vingança.

..nhim....nhim...nhim....nhim...Enquanto o povo celebrava, o cortejo das Kawasakis

partia de maneira melancólica. Lembro de ter visto uma das loiras da garupa ter deixado cair seu estojo de pintura. Até pensei em avisar. Melhor não, vai que a turma das motos volte.

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O AMOR ESTÁ NO AR! BRIGAS TAMBÉM!

–Nunca saia de uma relação sem estar em outra! Com estas – duras – palavras, a moça da mesa vinte e dois recriminou sua colega, enquanto balançava o chope.

Não é de hoje que o pessoal põe as coisas nos eixos, durante uma conversa nas mesas do Baden Baden. Especialmente coisas do coração. Os amigos, o clima descontraído, o chopinho atuando como facilitador. Vamos admitir, nas mesas do Baden Baden, tudo conspira a favor: o amor está no ar e em tudo que tocar!

O que falta para esta turma, na minha humilde opinião, é a poesia da vida levada ao extremo. Busquem na simplicidade dos fatos a solução dos problemas. Um colega engenheiro, que depois virou Terapeuta Floral (por opção), recomendava:

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– Quando estiver na deprê por causa de um amor perdido, não se abale. Tenha calma, arrume umas duas garrafas de bebida barata, chame uma pessoa amiga, ouça “Los Pregroneros” entoarem boleros de zona por umas duas horas e depois saia abraçado com alguém rua abaixo, gritando: “eu sou um bosta... Eu sou bosta...”. No dia seguinte, você levanta novo, honra lavada, achando tudo maravilhoso.

Examinando as brigas de amor que acontecem nas mesas do Baden, não consigo entender porque as pessoas complicam tanto. Chegam ao santuário do chope, pedem a melhor cerva do Brasil e não conseguem se livrar dos encostos. Às vezes, até querem opinião sobre seus casos, mais condenados que motor de chevette velho. Dias atrás, citando um exemplo, fui testado por alguém da mesa vinte e três, tentando ver se eu acenava com alguma esperança para o seu infortúnio amoroso, claro:

– Não sei mais o que fazer. Ele, em Guaxupé, não me escreve há meses. Será que ainda me ama?

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– Veja: Não se constrói castelos, tijolos aqui, areia lá! E, logo, emendei: - Garçom, favor, a conta... Com a saideira de cortesia, tá?

Não é que ela brindou comigo o último gole? Levantou-se, cheia de atitude, foi até o orelhão, bateu boca e, horas depois, estava batalhando um sujeito no ponto do Táxi? Acredito que acabou se dando bem com o novo amor. Sem saber que esta pérola (aquela frase que dizia “não se constrói um castelo...”) é de autoria de Jorginho Granfinalle (vulgo JG), um vendedor de batidas na praia de Santos. Citou-a pela primeira vez quando terminara com a noiva, uma moça casadoira de Sorocaba. Nem Araújo, nem Jorge, simplesmente JG, este sim sabia se livrar das dores das paixões com a simplicidade da poesia. Um poeta! Uma pessoa feliz! Pena que não conheça o Baden.

Pense um pouco nos fatos descritos. Aproveite as coisas boas da vida. Se estiver no Baden, sinta que o amor está no ar. Abuse, sem moderação! Brigas podem estar por ali também. Bem perto. Mas se resolvem por si mesmas.

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A PREVISÃO DO TEMPO

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Sou um cara muito, muito preocupado. Problemas, de uma maneira geral, afetam-me profundamente. Exceto a condição climática, se estou sentado à mesa vinte e quatro do Baden. Protegido pela torre do Boulevard, esta mesa me dá abrigo para as diferentes condições do tempo.

Tem vezes que estou ali preocupado com a Taxa Selic, imerso em profundos pensamentos. Tem uma família padrão na mesa vinte e cinco: o pai a proteger os demais, a mãe a zelar pelas crianças, e as próprias entretidas com seus brinquedos e passatempos. O tempo fecha com nuvens muito escuras relampejando. Um caos... O chefe de família corre, protegendo o baldinho com cerveja gelada, o filho com a chapa quente das carnes. A esposa salva o réchaud ainda queimando e a filha com os copos e salsichas. Começou a chover, e eles buscam abrigo no interior do restaurante.

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Passa o tempo, acostumo-me com a chuva que cai poeticamente sobre os plátanos, enquanto me aprofundo em pensamentos para equacionar as supernovas que explodem universo afora. Noto uma movimentação contrária, o chefe de família que sai do restaurante (orgulhoso), carregando o baldinho com cerveja gelada e traz consigo toda a turminha para a mesa: mulher carregando o réchaud, o filho com a chapa, a filha com os copos... Esta também é fácil: a chuva parou!

Cai a noite. Continuo ali, saboreando a maravilhosa Cerveja Celebration, imerso em profunda preocupação (tento entender se há solução para a Dívida Externa Argentina) e sou despertado por estampidos metálicos tipo “Tak!..Tak!..Tak!”. Ainda mais fácil: a temperatura caiu abaixo dos 14ºC, um funcionário da casa tenta acender os aquecedores a gás.

Mais tarde, eu ali, mantendo-me em plena atenção aos problemas do mundo. Reflito, com muito critério, sobre o degelo dos Pólos e suas conseqüências para a humanidade. Sou interrompido pela logística dos servidores do Baden que, num vai e vem constante, saem, hora da choperia com bandejas repletas de copos de chope, hora da cozinha com fumegantes pratos da melhor cozinha alemã. De imediato: concluo que a visibilidade está ótima em todos os aeroportos da região, permitindo as aproximações das aeronaves no modo visual. Céu de Brigadeiro.

Novo chope, colarinho cremoso, aspecto gentil. Perma-neço contrito e tento achar uma solução para a guerra sectária do Iraque, enquanto verifico a espuma do chope, colocando um palito na mesma e observo que se mantém firme, imóvel. Vou logo arrematando que a pressão atmosférica ambiente está dentro dos padrões. Umidade relativa do ar, não menos.

Nem uma, nem duas vezes. Toda vez que saio da mesa vinte e quatro, tenho a impressão de que poderia trabalhar no INPE, auxiliar meteorológico do posto avançado Alto da Mantiqueira! E lá vou eu, passos marcando caminho de um homem às voltas com o déficit habitacional da Tailândia. Mundo tão complicado... Noto o céu estrelado! Amanhã, tempo bom, ensolarado, na Mantiqueira! Teremos chope!

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Revivendo Carlitos, um artista popular costuma aparecer em Campos do Jordão e brindar-nos com um show bem na rua em frente ao Baden Baden. Seu número consiste em entreter os visitantes com a magia da mímica.

Impagável a situação criada quando ele se põe a andar junto com alguma pessoa que passa pela rua naquele instante. O pai sisudo é imitado com seu andar tenso, expressão séria, até que percebe estar sendo seguido e olha feio para o artista, que simula uma fuga. Riso geral daqueles que lhe assistem a partir das mesas do Baden.

A senhora gorda é imitada com seu andar bastante solto, como se andasse no estado físico do gel, mas ela faz de conta que não percebe a graça e é abandonada no meio da caminhada. Certa tensão é verificada na platéia

A garota é imitada por seu andar, elevando o peito a riste, queixo alto, bundinha apertada, equilibrando-se num salto alto que sustenta uma calça jeans de cintura baixa. Nesta hora, surgem alguns aplausos, não se sabe se para a elegância da jovem ou para a perfeição do artista.

DIGNO DE UM ESPETÁCULO

capítulo 8

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Um carro tenta passar pela rua tomada de pedestres. Andar lento, tentando se ajustar ao movimento das pessoas. O mímico se aproveita da situação e, tracionando um cabo imaginário, puxa o automóvel, que, de tão pesado, faz-lhe sofrer um bocado. Nova manifestação de aplausos dos espectadores.

Um jovem atravessa a rua e recebe a implacável marcação do mímico, que o segue, batendo os pés no chão, ombros jogados com displicência. O jovem simula uma repreensão, mostrando que não gosta da imitação, fazendo com que o mímico simule uma retirada estratégica ao se esconder atrás de um dos plátanos da calçada. A platéia desaprova o espírito perdedor do jovem mal humorado.

Eliane, a simpática atendente da casa, circula pelo leito carroçável da rua, carregando a bandeja repleta de choop, quando é seguida pelo mímico, que imita o carregamento de tão preciosa mercadoria.

Outro carro tenta atravessar o espaço ocupado pela multidão e recebe a implacável marcação do mímico, que provoca o olhar sisudo do motorista, simulando o manuseio de uma direção imaginária. Parece que existe uma sintonia com as pessoas das mesas do Baden, pois elas se sentem atraídas a provocar a antipatia do motorista.

Depois de muito espetáculo, o mímico agradece a atenção, recebe aplausos e até alguns trocados. Mas eu, a admiração pela arte secular que nos brindou. Segue-se um pedido de bis, gentilmente atendido.

Aplaudam! A mesa vinte e quatro também é cultura.

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O (emocionado) relato a seguir descreve os acontecimentos de um dia em que eu não estava no Baden Baden. Devo ter ido até o Pico do Itapeva ou a algum lugar das proximidades. Contaram depois que o Roberto, amigo que tão bem me atende no Baden-Baden, fora vítima da violência gratuita que aflige essa moçada tão saudável.

Constam os autos que uma turma de “pilotos de Harley Davidson” aportou no Baden para comungar com a natureza da Mantiqueira. No melhor estilo: roupas pretas de couro, botas com tachinhas de metal, cabelos longos, barbas ruivas à mostra. E, como esperado, conversando em alto em bom som.

Como é natural desta turma, tomaram muita cerveja, brindaram bastante, falaram à vontade. O fato é que, com o

capítulo 9

FORÇABRUTA

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passar do tempo (e das garrafas de cerveja), não só o volume da conversa foi aumentando, como também o nível das brincadeiras foi baixando. O mal estar havia se instalado nas mesas vizinhas, a ponto de surgirem as primeiras reclamações.

Nem perguntei, mas é líquido e certo que estas pessoas não estavam na mesa vinte e quatro, onde os freqüentadores sabem das regras e das boas maneiras exigidas para freqüentar tal local.

Voltemos ao acontecido. Estava claro que alguma ação deveria ser tomada em função do desconforto criado pelos motoqueiros. E nestas horas é que sentimos a presença da autoridade exercida pelos amigos que nos servem no Baden. Uma rápida conversa entre eles e ficou decidido o plano de ação.

Roberto, meu xará, do alto dos seus “um metro e meio mais um pouco” deveria ir até a mesa barulhenta e solicitar modos coerentes com o local.

Lá foi ele, passadas firmes e responsáveis, saliva marcada pela dureza dos maxilares, olhar fixo e decidido e, assim, dirigiu-se aos presentes.

-Senhores! Convém que se portem adequadamente. Temos famílias em volta. Senão...

Chato dizer, mas esta interpelação não causou nenhum mal estar aos rapazes. Porém um dos motoqueiros, com dois metros e pouco de altura, chamado carinhosamente pelos outros de He-Man, levantou-se e colocou-se de pé diante do Roberto. Nosso homem apenas abaixou a bandeja, curvou sua cabeça, a ponto de admirar as botas de tamanho 46 do He-Man, sujas de lama. Como ninguém falava nada, He-man segurou o Roberto pela cintura, ergueu-o até a altura do seu rosto e, após de dar um leve beijo na sua testa, falou:

-Nervoso, Stalone?Acabei não conhecendo o final dessa história. Fiquei sem

saber se o Roberto foi colocado no chão, voltou ao seu trabalho e a paz voltou a reinar, como se espera que tenha acontecido, ou se o He-Man o pendurou no Plátano mais próximo, enquanto pedia mais uma rodada. Só sei de uma coisa: sorte deles que, neste dia, eu não estava por ali. Pura sorte, a deles. Sinto queimar os punhos quando conto esta história. Ah... rapaz... Chope, urgente!

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DAS TREVAS À

RACLETE

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capítulo 10

Eu sou um admirador da Raclete. Por favor, nada a ver com raquete, embora até hoje eu caminhe pelos bosques de Campos do Jordão com a velha bermuda Grand Smash e camisa Lacoste. Uma boa opção ao fondue, a Raclete (ou as Racletes, há quem as defenda, pois é como se chamam as pequenas frigideiras) é um prato típico dos lugares frios e tem sua origem posta em discussão. Uns dizem que é comida suíça (Raclete du Valai ou Ralete Sussie), outros afirmam ser francesa (Racletê?). Em dúvida, eu acho que ela é originária da Mesa 24 do Baden. E ponto final.

Pequenas frigideiras, tipo aquelas para um ovo somente, são colocadas em cima de uma chapa de ferro, aquecida pela chama de uma espiriteira.

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Nestas pequenas frigideiras, a gente mistura uma generosa porção de batatas cozidas, com queijo, frios embutidos e picles. Após derreter, temos a Raclete, que vai muito bem quando regada ao tradicional chope Baden.

O problema (sempre surge um problema) é que o queijo acaba logo, assim como os embutidos, e acaba sobrando uma boa quantidade de picles e batata cozida. Já tentei reclamar, mas me disseram que é assim mesmo. Sempre. Então, que sobre batata e picles.

Foi assim até que, numa destas noites frias e enluaradas, estávamos na Mesa 24 com minha irmã, quando houve uma queda de energia. Breu total. Não fosse a generosa lua, estaríamos em plenas trevas. Foi nessa hora que me ocorreu uma solução ao problema: vindo de compras de um pequeno mercado no Boulevard, lembrei que tinha no saco de papel uma porção de queijo Suíço e presuntos italianos. Ora, peguei a porção de queijo e deitei-o junto à Raclete. Tudo ia bem, não fosse a desconfiança do gerente da área, que não entendia como a Raclete insistia em não acabar, se já tinha ordenado que nos servissem dez rodadas de chope. Na décima primeira vez que nos trouxe o choop, verificou com sua lanterna se nosso prato havia acabado e morreu de surpresa ao ver a Raclete ainda repleta de queijo suíço. Fez cara de quem não havia entendido mesmo. Tentei salvar minha pele, dizendo:

-Excelente sugestão. Raclete Maravilhosa! Pena que venha com pouca batata...

Continuo fã da Raclete. Especialmente em noites de lua cheia. Pena que continua vindo com uma porção limitada de batatas cozidas e picles. Mas quem sou eu para colocar a sabedoria dos suíços ou franceses, vá lá, em cheque.

Dias destes, estavam colocando mais um transfor-mador no poste junto ao Baden. Uns disseram que era por causa das novas cargas na região do Tênis Clube. Outros disseram que seria para instalar um sistema de luzes de emergência no Boulevard. Sinceramente, acho que tudo ali está bastante seguro. Para que mais luzes? A lua é tão romântica. E combina com Raclete. Ufs... cola?

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FECHANDOA CONTA

capítulo 11

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É bom encontrar amigos, rever pessoas, gastar tempo, colocando velhos assuntos em dia. Porém, nas vezes em que as pessoas amigas nos encontram no Baden Baden e aceitam o convite – educado – para se sentar conosco, a coisa complica.

Quando os convivas possuem o bom costume de dividir a conta, o problema torna-se mais facilmente resolvível. Agora, quando se trata daquela turma que “esqueceu a carteira no carro”, “deixou seu talão de cheque em casa” ou, ainda pior, na hora da conta, vai ao banheiro e só volta depois de quinze minutos, reclamando da imensa e demorada fila para o pipi, temos um sério problema.

Existem várias maneiras para atenuar este tipo de prejuízo. Meu cunhado, por exemplo, toda vez que um conhecido responde ao seu aceno e aproxima-se da sua mesa, de imediato, saca seu cartão de crédito e coloca-o na mão do garçom, sinalizando com movimentos rápidos de mão que deseja fechar a conta e exclama em alto e bom som:

– Senta com a gente! Eu estava de saída, fechando a conta, mas a gente pode continuar aqui nessa mesa. Vamos tomar um chope! No crédito, não no débito, OK? Fala ao garçom.

Diz ele que funciona. Já chegou a fechar a conta seis vezes num dia. Com olhos embargados de emoção, relata que, de cada seis companhias diferentes, quatro ou cinco delas entendem o recado e dividem os gastos. É muita emoção, concordo. Em tom de lamento, diz que duro mesmo é quando é alguém da família. Esse truque não funciona com parentes. Nesse caso, a solução é pegar o cardápio, escolher o item mais barato e sugerir compartilhamento:

– Que tal dividir aquele misto de salsichas de R$ 14,00 ali da página dois? Dividindo por dois, fica bem em conta.

Situação para a qual nem meu cunhado encontrou saída é aquela que acontece quando uma família que não bebe, cheia de filhos pequenos, te encontra e aceita o convite. Para começar, se não bebem, não entendo por que nos procuram no Baden. Naturalmente, vamos levar a conversa horas a fio. O problema vem na hora de fechar a conta.

– ...Como assim??? bebeu todos estes chopes???? desespera-se o amigo.

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Daí, até explicar, toma tempo. Desfazer aquela sensação de injustiça do sujeito (pô, sou renal crônico, não bebo e vou ter que dividir com eles...), há ainda pior. Neste caso, confesso, não sei muito bem como resolver. Então, acabo pegando a conta, chamo o garçom e digo:

– Credite tudo no meu cartão! Depois a gente come um doce ali na esquina e ele paga, ok?

Apesar desses pequenos percalços, continuo gostando de encontrar amigos. O importante é deixar claro que, assim como as alegrias, as despesas devem ser divididas.

Por fim, ainda tem aqueles que não se tocam da hora de ir embora. Tem vezes que necessitamos prolongar nossa estada por horas em função dos acompanhantes. Pessoas que deveriam saber quando chega a hora de zarpar. Neste caso, você deve dar algumas dicas e - por vezes - um auxílio. Tenho pesquisado bastante a respeito.

O amigo João fez um paralelo e sugeriu algo interessante para este caso. Ensina ele que, ao levar alguma mulher para o seu bangalô, reserve uns quinze reais e coloque-os de forma visível e arrumada na fresta da porta do armário da cozinha, um lugar fácil de ver e apanhar. Diga à companhia que, a libido em ordem, você virará de lado e dormirá. Então ela (sem fazer muito barulho) tomará posse da quantia, se dirigirá até o ponto de táxi mais próximo e encerrará a visita sem maiores distúrbios. Embora esta seja uma situação diferente daquelas que citei antes, é uma receita interessante de como passar a régua com a devida discrição e elegância. Porque assim a gente se sente à vontade para convidar outras vezes.

Fechar a conta, passar a régua, chegar a termo... Temos aí um assunto bastante delicado. Todo estudo a respeito é digno. De mútuo respeito, inclusive.

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É uma lei natural: os rios correm para o mar. Tão verdadeira como esta, aquela que diz que nós corremos para o Baden. Em especial, para a mesa vinte e quatro, a mais acalentadora.

Quando estamos sentados nesta mesa, temos a exata noção do movimento das pessoas atraídas pela atmosfera festiva do restaurante alemão de Campos do Jordão.

capítulo 12

TODOS OS CAMINHOS DO

BADEN

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Por ali passa todo mundo. Muratoris, Nicolaus, Raféis e Marlenes, Tânias e Sérgios. Solteiros, casados, pais, filhos e netos. Acompanhados ou solitários. Acompanhadas e acompanhantes.

Certa vez, algo nos chamou atenção. Aproximava-se do Baden um senhor de idade avançada, que caminhava com dificuldade, apoiado num andador de metal. Era visível o esforço que ele fazia para se sustentar no aparato, visto que suas pernas não lhe forneciam mais apoio. Com enorme dificuldade, chegou até a rua que dá acesso ao restaurante. Para aquele senhor atravessar uma via com carros circulando, tornava-se a ação um desafio ainda maior. E, por causa disso, ali ficou parado, diante da sua impossibilidade. Vendo tal fato, a Valéria comentou:

- Veja o sofrimento daquele senhor. Deus, não permita isso me acontecer.

Alessandro, um dos atendentes do Baden Baden, viu tamanha dificuldade daquela pessoa e, dirigindo-se até ela, conduziu-a pela rua, deixando-a na calçada do restaurante.

A pessoa sorriu agradecida, solicitou ainda que lhe puxasse uma cadeira. Sentou-se e pediu um prato de salsichas com um copo de chope. Vendo isso, a Valéria conclui o seu pensamento, oferecendo o copo de choop ao céu:

- Senhor Deus, quero revisar o que acabei de dizer. Se eu puder chegar ao Baden, tudo bem.

E, depois desta mostra do quanto o Baden e suas mesas são importantes para a vida de cada um de nós, não poderia terminar esta série de relatos sem deixar de mencionar as palavras dos amigos cearenses, Paulo Pinho e Odimar, que tanto me incentivaram a escrever sobre a importância da vida que acontece em torno da mesa de um bar, cantando em verso e prosa:

Caro amigo. Desapareci tanto tempo que não sei se se lembra de mim. Foi no Baden, quando eu puxei papo com você, após lhe ouvir (sem querer, querendo) falar sobre o seu livro de histórias de bares. Foi então que lhe falei da minha experiência positiva, quando reatei, em um porre, amizade com um colega de faculdade com quem havia tido briga feia. Com isso, me saltou uma inspiração e, revendo na mente o local da bebedeira, saiu isso, que chamei de:

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ELEGIA À EMBRIAGUÊS

Se alguém agora Lá fora passa. E de soslaio olha E vê tanta alegria Comenta a um amigo Também fora do palco. Aquilo, companheiro, é fruto do álcool. E diz a um vizinho Cheio de intriga. Aquilo, meu amigo, é fruto da bebida. Mas se, na peça da nossa embriaguês, Um ato é de amor e o próximo, de alegria. Se, ao cair o pano, caem as desavenças. E, pelos próprios desafetos, somos com amor tratado! Por que razão, amigos, o mundo não é assim? Por que todos, sem exceção, não vivem embriagados?

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Passados todos esses anos, hoje eu consigo entender o significado daquele ato que me fez cair na estrada, quando morava perto da Serramalte, para entender os mistérios da Krönenbier. Tinha um caminho para vencer, superar obstáculos e dificuldades até encontrar aquela rainha e sua cerveja! A julgar pela receita de ter que sobreviver a escolhas, tentações e reveses, muitos achavam que eu deveria fazer o Caminho de Santiago de Compostela. Credo...

Por tantos quantos caminhos a vida me ofereceu, eu optei por outro, muito melhor: o do Baden-Baden e a mesa vinte quatro.

“O Caminho de Seu Trago Com Costela e Polenta”.- Deus Salve a Rainha!

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