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Drogas de Abuso

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Índice

-Considerações gerais

- Conceitos Básicos

- Epidemiologia

- Motivação e vias neuroniais

- Características das principais

drogas de abuso

- Modelos Animais

- Perspectivas

- Bibliografia

- Créditos

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Considerações Gerais

Ao longo dos tempos e de acordo com algumas culturas e crenças, determinadas alterações adaptativas no ser humano foram relevantes para que indivíduos ou grupos passassem a fazer uso de determinadas substâncias consideradas prazerosas, exóticas ou estimulantes. O uso de plantas contendo nicotina e folhas do arbusto Erythroxylum coca, da qual se deriva a cocaína, data de muitos anos. A fermentação para produção do álcool data de aproximadamente 6000 a.C. um costume extremamente antigo e que persiste por milhares de anos. De certa forma, o uso destas substâncias pode ser refletido pela sensação de prazer que elas produzem e consequentemente pela busca repetida pela mesma sensação. Critérios são adotados para classificar e conceituar substâncias e/ou drogas de abuso. Por exemplo, o simples uso de substâncias ilegais (drogas ilícitas) ou medicamentos que não são recomendados por um médico ou fabricante é abuso. No entanto, esta definição é conflitante, pois substâncias ditas como ilegais, onde o uso foi banido em determinados países ou regiões, podem ser utilizadas legalmente em outras localidades. Além disso, esta separação entre drogas legais e ilegais desconsidera o perigo que as drogas consideradas legais podem causar à saúde. Pela definição do DSM-IV o abuso de drogas consiste em um padrão não aceito de consumo de substâncias, manifestado por consequências adversas significativas e recorrentes, decorrentes do consumo persistente destas substâncias. O abuso de drogas está associado a alguns fatores como motivação e aprendizagem, abstinência, hedonismo e sensibilização. Drogas de abuso podem ser definidas como substâncias ou moléculas que possuem atividade nos sistemas de reforçamento positivo e negativo, induzindo uma sensação de desejo intenso (craving), ansiedade e irritabilidade seguidas da retirada da droga (abstinência). O uso continuado de drogas de abuso induz alterações neuroadaptativas relacionadas com a regulação de sistemas de sinalização, transcrição de genes e expressão de proteínas, sendo que estas alterações, contribuem para a dependência, tolerância, abstinência e recaída.

Conceitos Básicos

Drogas lícitas: drogas permitidas por lei para produção, comercialização e uso. As mais consumidas são álcool em bebidas alcoólicas, nicotina em cigarros, anfetaminas para reduzir o apetite, benzodiazepínicos em ansiolíticos, derivados do ópio em xaropes para tosse e antidepressivos. Apesar da liberação e comercialização destas drogas em diversos países, vale ressaltar que o abuso ou uso indevido das mesmas pode acarretar prejuízos à saúde.

Drogas ilícitas: substâncias ou drogas proibidas por lei. Dentre as drogas ilícitas destaca-se a maconha, cocaína, crack, heroína, dietilamida do ácido lisérgico (LSD).

Além da categorização acima, drogas de abuso podem ser classificadas quanto aos seus efeitos farmacológicos principais:

Depressoras: álcool, sedativos/hipnóticos, solventes voláteis; Estimulantes: nicotina, cocaína, anfetaminas; Opióides: morfina e heroína; Alucinógenos: fenciclidina (PCP), LSD e maconha.

Dependência: caracteriza-se por um conjunto de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos exacerbados no indivíduo que faz uso continuado de uma determinada substância, apesar dos prejuízos relacionados ao uso. Existe um padrão de auto-administração repetitiva que frequentemente leva a tolerância, abstinência e busca compulsiva da substância. A dependência pode ser psíquica ou física. A dependência psíquica é estabelecida quando a droga produz um sentimento de satisfação e um impulso psicológico forte, quase incontrolável, exigindo o uso continuado da droga para ter seus efeitos prazerosos ou evitar um mal-estar intenso (fissura) na sua ausência. A dependência física é uma forma de adaptação do organismo à droga, necessária para promover um equilíbrio, sendo que na falta da droga o organismo funciona mal.

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Tolerância: necessidade de usar quantidades crescentes de droga para atingir o efeito desejado ou quando o efeito das mesmas quantidades da substância diminui com o consumo continuado. O grau em que a tolerância se desenvolve varia muito dependendo da droga. Os indivíduos que consomem opióides e estimulantes, por exemplo, podem apresentar níveis de tolerância consideráveis, a dose da droga pode ser até dez vezes maior que a dose inicial, o que pode ser letal para o indivíduo (overdose).

Abstinência: a síndrome de abstinência a uma droga de abuso decorre de alterações fisiológicas e cognitivas, que ocorrem quando a concentração dessa droga diminui no sistema nervoso central, decorrente da interrupção total ou parcial do seu uso repetido em adictos. Os sinais e sintomas da abstinência a uma determinada droga desaparecem com a sua re-administração.

Epidemiologia

O relatório publicado pelo Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC), em 2009 apresentou uma estimativa de que 172 a 250 milhões de aproximadamente 4,3 bilhões de pessoas no mundo, entre as idades de 15 a 64 anos, fizeram uso na vida de uma ou mais substâncias ilícitas. A maconha é a droga ilícita de maior consumo, seguida das anfetaminas, cocaína e opióides, com maior prevalência de usuários do sexo masculino. Dados também revelam que o tabaco e o álcool são as causas principais de mortalidade e incapacidade. O consumo repetitivo de drogas de abuso geralmente acarreta prejuízos secundários, como por exemplo, comorbidades. Dentre as principais destacam-se o transtorno depressivo maior, síndrome do pânico, transtorno de ansiedade generalizada e fobia social. Estudo realizado em 2001, com 8589 indivíduos na faixa etária entre 12 e 65 anos de idade, em 107 cidades com mais de 200 mil habitantes no Brasil, fez um levantamento dos indivíduos que fizeram uso de drogas de abuso em algum momento de suas vidas (Tabela I). Os dados revelam que o álcool e a maconha são as drogas mais consumidas.

Tabela I- Porcentagem estimada do uso de drogas de abuso em 107 cidades do Brasil

Drogas de abuso %

Álcool 68,7

Maconha 6,9

Solventes (benzina) 5,8

Ansiolíticos (benzodiazepínicos) 3,3

Cocaína 2,3

Xaropes (codeína) 2,0

Estimulantes (anfetamina) 1,5

Opióides (morfina) 1,4

Anticolinérgicos (utilizados para Parkinson) 1,1

Alucinógenos (chás e LSD) 0,6

Barbitúricos (sedativos) 0,5

Crack 0,4

Merla 0,2

Heroína 0,1

Segundo o relatório da UNOD, em termos de consumo, houve uma tendência de estabilização

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no uso da maconha e da cocaína nos países desenvolvidos e aumento no uso de drogas como anfetaminas e ecstasy nos países em desenvolvimento. Entre os jovens, estima-se que China, Estados Unidos, Federação Russa e Brasil têm a maior população de usuários de drogas injetáveis. Isto reflete outro problema de saúde pública, o aumento de jovens com infecção pelo vírus HIV. A tabela II apresenta um levantamento quanto à porcentagem de prevalência do consumo de drogas de abuso de uso lícito e ilícito na vida entre estudantes adolescentes de diferentes localidades do mundo e no Município de Ribeirão Preto.

Tabela II – Porcentual de consumo de drogas de abuso em algumas cidades e países.

Local EUA Londres Ontário México Brasil Ribeirão Preto

Ano de coleta 1985 1988 1987 1978 1989 1990

Faixa etária 14 – 18 11 –16 14 – 18 14 – 18 13 – 18 13-19

Número de pessoas 17000 3073 4267 3408 12335 1025

Álcool 92,0 63,3 68,1 57,2 80,5 88,9

Tabaco 69,0 18,7 24,0 46,6 29,8 37,7

Maconha 54,0 11,7 15,9 3,0 3,6 6,2

Anfetaminas 26,0 3,2 3,1 3,7 4,1 **

Solventes 18,0 11,0 6,1 4,4 18,6 31,1

Cocaína 17,0 1,9 3,8 - 0,8 2,7

Barbitúricos 12,0 - 3,3 1,5 2,2 **

Tranquilizantes 12,0 2,7 3,0 2,2 7,8 **

Alucinógenos 12,0 1,9 - - 0,7 1,6

Opióides 10,0 - - - 0,5 0,3

Heroína 0,1

** Corresponde ao grupo das drogas anfetaminas, barbitúricos e tranquilizantes, perfazendo um total = 10,5 %. - Não pesquisado.

Verifica-se que o álcool e o tabaco são as drogas de maior consumo entre os jovens. É importante ressaltar que jovens são mais vulneráveis ao uso de drogas de abuso. Neste sentido, as informações sobre leis e os riscos para saúde, incluindo doenças infecciosas como HIV, hepatite e tuberculose, deveriam ter uma inserção nos veículos de comunicação muito mais vigorosa do que a que se verifica atualmente.

Motivação e vias neuroniais

Motivação é um processo pelo qual organismos desempenham e direcionam determinados comportamentos, de acordo com suas necessidades. Um aspecto fundamental deste processo é o aprendizado da relação entre estímulos biologicamente significativos e estímulos neutros que predizem sua ocorrência. De acordo com este processo, organismos se aproximam e contatam estímulos alvos úteis, evitando estímulos nocivos e ignorando aqueles que não têm interesse. A propriedade fundamental do estímulo para eliciar uma resposta é sua valência motivacional. A compulsão pelo consumo de drogas de abuso pode ser determinada por comportamentos

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motivacionais. Pode ser conceituada como um caso especial de comportamento operante, que é sustentado por um reforçamento positivo para uma resposta desejada. O desejo, sensações agradáveis e euforia que as drogas de abuso promovem no indivíduo são consequências de alterações neuroadaptativas no nível celular e molecular. A atividade de neurotransmissores e vias específicas contribui para este processo. De maneira geral, dopamina (DA), glutamato, GABA e serotonina (5-HT) são os principais neurotransmissores envolvidos. A neurobiologia tem focado três estruturas do cérebro associadas com a ativação do comportamento motivacional – córtex pré-frontal, amígdala e núcleo accumbens (NAcc). Porém, estruturas como o hipotálamo, responsável pelo controle entre os sistemas nervoso autônomo e endócrino e que ajusta o organismo a desenvolver várias modalidades de comportamento, bem como o hipocampo, envolvido com a memória associativa, codificando e consolidando informações novas do meio e no aprendizado da informação relacional entre estímulos ambientais, são também importantes. A Figura 1 mostra um esquema simplificado da das vias envolvidas com o comportamento motivacional. O estriado ventral, particularmente o NAcc, recebe projeções glutamatérgicas de todas as áreas corticais. Do NAcc partem projeções GABAérgicas para o pálido ventral que se projeta para o tálamo dorsal. O tálamo dorsal possui projeções recíprocas com o córtex pré-frontal. Esta circuitaria é modulada através de projeções DA que partem da área tegmental ventral (ATV).

Figura 1 - Esquema simplificado de vias envolvidas com a motivação. Estruturas do córtex contribuem para funções executivas como planejamento e tomadas de decisões. O córtex pré-frontal, órbito-frontal e o núcleo basolateral da amígdala interagem no processamento da informação sobre o valor do estímulo e dos reforçadores. O núcleo central da amígdala

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controla uma variedade de respostas do tronco encefálico, incluindo respostas autonômicas. O NAcc participa da interface entre o sistema límbico-motor, modulando a atividade do tálamo. ATV- área tegmental ventral; BLA- núcleo basolateral da amígdala; CeA- núcleo central da amígdala; CCA- córtex cingulado anterior; COF- córtex órbito-frontal; CPF- córtex pré- frontal.

O córtex pré-frontal é uma região heterogênea do cérebro que inclui as áreas pré-límbica, giro do cíngulo anterior, córtex insular e órbito-frontal. Anormalidades no córtex pré-frontal dorsolateral têm um papel importante quanto às alterações cognitivas, visto que há um prejuízo sobre o controle da auto-administração das drogas. Aferências DA ativam o córtex pré-frontal e o estímulo gratificante é fortemente influenciado pela previsibilidade do reforçamento. A hipoativação do giro do cíngulo anterior acontece pelo uso crônico de drogas de abuso e compromete estados da consciência. O córtex pré-límbico está envolvido com a memória operacional e atenção, enquanto que o córtex insular na recuperação da informação mnemônica. O órbito-frontal está relacionado com as representações dos valores de incentivo, instrumental e interage fortemente com a amígdala. Estudos de imagens e traçadores radioativos indicam redução da atividade no córtex órbito-frontal em usuários crônicos de cocaína e metanfetamina. A amígdala é constituída de vários sub-núcleos dos quais o núcleo central e o basolateral estão particularmente implicados no controle do processamento das emoções e aprendizagem. Projeções glutamatérgicas da amígdala basolateral para o córtex pré-frontal e NAcc são necessárias para influenciar associações entre aprendizagem e respostas comportamentais. Embora a amígdala seja fundamental para conferir valência afetiva aos estímulos com conteúdo emocional, os efeitos motivacionais para estímulos emocionalmente significantes são mediados pelo estriado ventral, especificamente o NAcc. O NAcc uma das estruturas do estriado ventral é dividido em core (NAC) e shell (NAS). É sugerido que o NAcc representa a interface entre o sistema límbico-motor. O padrão de inervação destas estruturas possui diferenças. O NAC projeta-se predominantemente com o pálido ventral. O NAS se projeta a estruturas subcorticais, tais como o hipotálamo lateral e a substância cinzenta periaquedutal, estruturas envolvidas com o controle de comportamentos não-aprendidos. A inervação DA tem sido extensivamente estudada, pois ela parece ter um papel crítico no efeito da motivação de reforçadores naturais como água, comida e sexo, como também drogas de abuso. A inervação que parte ATV para o NAS é importante na modulação da saliência motivacional e contribui para a criação de associações aprendidas entre eventos motivacionais e simultaneamente com a percepção ambiental. Eferências glutamatérgicas que partem do córtex pré-frontal e chegam ao NAC parecem ser a chave principal da expressão de comportamentos aprendidos em resposta a estímulos previsíveis de eventos motivacionalmente relevantes. Este cenário sugere que a via mesolímbica está envolvida com os efeitos de reforçamento e respostas condicionadas, relacionados ao desejo intenso e recaída pelas drogas de abuso e a via mesocortical está envolvida com a experiência consciente, o desejo e perda da inibição do comportamento compulsivo, relacionado com a procura e consumo das drogas de abuso.

Características das principais drogas de abuso

Os efeitos prazerosos, vício e abstinência que as drogas de abuso promovem, estão diretamente ou indiretamente relacionados com o sistema DA, mais precisamente com o aumento dos níveis de DA extracelular. Investigações a cerca dos mecanismos responsáveis por este aumento de DA apontam a ocorrência da diminuição da atividade de transportadores e liberação da DA. O transportador de DA pode ser afetado por muitas drogas, incluindo álcool, cocaína, anfetamina e opióides. Como foi visto anteriormente, as drogas de abuso possuem efeito depressor, estimulante e alucinógeno no sistema nervoso central e serão assim abordadas a seguir.

Depressoras – Álcool e Barbitúricos

O álcool (etanol) é um ligante específico do receptor GABAA e sua modulação alostérica positiva aumenta a afinidade do GABA pelo receptor, o que aumenta os efeitos inibitórios do GABA. A ligação do GABA, abre canais de cloro e permite a entrada desse íon para dentro da

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célula. Este efeito causado pelo álcool é depressor no sistema nervoso central. O álcool também possui efeitos no sistema DA sob a influência do sistema GABAérgico. Tem sido demonstrado que o álcool aumenta a liberação e inibe a recaptação de DA. O álcool também aumenta a liberação dos estoques de Ca2+ e diminui a quantidade de íons K+ que favorece a estimulação da liberação da DA. Provavelmente os efeitos do reforço positivo estão relacionados com maior atividade na via mesolímbica, sendo que o aumento da liberação de DA no NAcc pode ser o fator preponderante para o desenvolvimento da dependência. Na retirada do álcool pode ocorrer tremores, transpiração, fraqueza, agitação, cefaléias, náuseas, vômitos, convulsões e delirium tremens. Além disso, alterações cognitivas e estruturais no córtex pré-frontal e diminuição do volume do encéfalo são observadas. Com relação ao déficit cognitivo, estudos recentes apontam que cerca de 80% dos usuários que abusam do álcool apresentam déficits quanto à resolução de problema abstrato, aprendizado espacial e verbal, formação de memória, habilidades motoras e perceptivas e estratégias de resolução de problemas. Além disso, o consumo crônico do álcool pode promover uma série de doenças crônicas, tais como, cirrose hepática e outras. Existem medicamentos para prevenir a recaída quando se faz a retirada do álcool. O disulfiram foi o primeiro medicamento utilizado na farmacoterapia do alcoolismo. Ele age inibindo a enzima aldeído desidrogenase que transforma o acetaldeído, subproduto do metabolismo do álcool, em gás carbônico e água. Esta inibição induz acúmulo de acetaldeído quando o indivíduo consome o álcool, que promove sintomas desagradáveis como palpitações, taquicardia, hipotensão, dores de cabeça, náuseas e vômitos. Existem também os antagonistas não-seletivos de receptores opióides naltrexona e nalmefena que agem bloqueando os efeitos de opióides endógenos, liberados após o consumo do álcool. Estes opióides aumentam o tônus da via DA mesocorticolímbica pela inibição de interneurônios GABAérgicos na ATV, sendo que a inibição destes opióides endógenos, os efeitos reforçadores do álcool são reduzidos, levando à extinção gradual de comportamentos da busca pelo álcool. O acamprosato e benzodiazepínicos (diazepam, lorazepam) também são medicamentos utilizados. Porém, estes medicamentos exercem tolerância no caso do acamprosato e dependência com os benzodiazepínicos. Barbitúricos foram amplamente utilizados como ansiolítico, hipnótico-sedativo no início do século XX. Outra importante ação que confere aos barbitúricos é o efeito anticonvulsivante (fenobarbital) e anestésico (tiopental). Sua aceitação como droga ansiolítica e anticonvulsivante foi diminuída devido o baixo índex terapêutico e alto potencial de abuso. Barbitúricos diminuem a liberação de aminoácidos excitatórios devido ao efeito direto em canais de receptores glutamatérgicos ou indireto em canais de cálcio. Barbitúricos também exercem efeitos no sistema GABAérgico aumentando a ligação do GABA em receptores do tipo GABAA.

Estimulantes – Cocaína, Nicotina, Anfetaminas e Opióides (morfina e heroína)

A cocaína pode ser administrada via oral através do chá ou mascando-se folhas de coca, intravenosamente, ou por via respiratória, fumando ou aspirando o pó de cloridrato de cocaína. Muitos estudos a cerca dos efeitos exercidos pela cocaína sobre a regulação de neurotransmissores, revelam que a cocaína inibe a recaptação pré-sináptica de DA, noradrenalina e 5-HT, o que resulta em maiores concentrações destes neurotransmissores na fenda sináptica. A maior atenção está voltada aos transportadores de DA. O efeito inibitório da cocaína nos transportadores de DA pode ser explicado pela diminuição da internalização do substrato. A recaptação da DA é realizada pela entrada deste neurotransmissor para dentro do terminal pré-sináptico e depende de Na+ e Cl- na ordem de 2/1, respectivamente. O mecanismo da recaptação segue uma ordem aleatória inicial, onde uma molécula de DA ou duas de Na+ se ligam em seus sítios de ligações específicos no transportador e posteriormente a ligação do Cl-. Com este complexo formado, ocorre a internalização do transportador e o substrato (DA) para dentro do terminal pré-sináptico. O mecanismo de inibição do transportador de DA pela cocaína ocorre quando a cocaína se liga no sitio de ligação específico do Na+ e altera a conformação do sítio de ligação do Cl-, impedindo a ligação do Cl-, que em última instância impede a internalização do substrato (Figura 2). Outro efeito que deve ser ressaltado é aumento dos níveis de transportadores de DA na membrana promovido pelo uso da cocaína. Este up-regulation pode persistir por mais de 30 dias em usuários crônicos, quando ocorre a retirada da droga sendo que o declínio da disponibilidade de DA extracelular explica a

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anedonia e o desejo intenso pela busca e consumo da cocaína. Com o uso prolongado, indivíduos apresentam déficits cognitivos, alterações no córtex, insuficiência na função motora e diminuição do tempo de reação.

Figura 2- Efeito da cocaína na regulação do transportador de DA. (A) Finalização da neurotransmissão DA realizada através do transportador de DA (TDA) no neurônio pré-sináptico. O transporte de dopamina ocorre com a ligação de uma molécula de dopamina, dois íons Na+ e um Cl-. Após a formação deste complexo, o transportador é internalizado e a DA estocada em vesículas. (B) A cocaína se liga no sítio específico de Na+, mudando a conformação do sítio de ligação do Cl-. Este efeito impede a internalização do transportador e consequentemente a inibição da recaptação da DA, potencializando a neurotransmissão.

Apesar da prevalência da dependência pela cocaína, até o momento não existe farmacoterapia aprovada para este tipo de dependência. De acordo com a disfunção das neurotransmissões DA e 5-HT quando ocorre a retirada da droga, teoricamente, medicamentos que atuem nestas duas vias podem ser efetivos no tratamento da dependência de cocaína. O tabaco é uma droga lícita por ser considerado menos perigoso que as substâncias ilícitas, o que leva impressões errôneas, principalmente pelos adolescentes. A nicotina, um dos diversos componentes do cigarro é altamente viciante e responsável pela dependência do ato de fumar. Nicotina e seus metabólitos estimulam a liberação e inibição da recaptação de DA. O bloqueio da recaptação ocorre em baixas concentrações, menores do que aquelas necessárias para estimular a liberação. Resultados indicam que a nicotina aumenta a atividade da via DA pela

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estimulação direta de receptores excitatórios nicotínicos, uma interação entre os sistemas colinérgicos e DA. A abstinência promove sintomas do tipo irritabilidade, hostilidade, ansiedade, disforia, depressão, diminuição do ritmo cardíaco e aumento do apetite. O tabaco fumado sob a forma de cigarro pode promover efeitos nocivos como câncer do pulmão, efisema e outras doenças crônicas. A anfetamina e seus derivados metanfetamina, metilenodioxiamfetamina (MDA) e metilenodioximetanfetamina (MDMA – ecstasy) possuem propriedades estimulantes e alucinógenas. São compostos de baixo peso molecular com efeito estimulante central e periférico. Suprimem o apetite e como reforçamento positivo, aumentam a auto-estima, empatia e sentimento de euforia. Estes efeitos são imediatos promovidos pela liberação de 5-HT e DA, como também inibição da recaptação da 5-HT, DA e noradrenalina. A anfetamina pode ser utilizada para o tratamento da narcolepsia em adultos e transtorno do déficit de hiperatividade e atenção em crianças. Estudos têm demonstrado que a anfetamina e seus análogos, incluindo a metanfetamina, MDA e MDMA aumentam os níveis de DA no cérebro. Este aumento pode acontecer pela liberação ou diminuição da recaptação de DA (Figura 3).

Figura 3- Efeito da anfetamina na regulação do transportador de DA. (A) Finalização da neurotransmissão DA realizada através do transportador de DA (TDA) no neurônio pré-sináptico. O transporte de dopamina ocorre com a ligação de uma molécula de dopamina, dois íons Na+ e um Cl-. Após a formação deste complexo, o transportador é internalizado e a DA estocada em vesículas. (B) A anfetamina como substrato se liga no sítio específico da DA e ocorre a internalização do transportador rapidamente. Este efeito diminui a quantidade de TDA

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disponíveis na membrana para a recaptação da DA, o que mantém a DA por mais tempo na fenda sináptica. Consequentemente ocorre a potencialização da neurotransmissão.

Porém, o bloqueio da recaptação somente ocorre em doses próximas daquelas capazes de produzir estereotipia ou toxicidade, sendo que a estimulação da liberação ocorre em doses muito baixas. Estudos neuroquímicos utilizando ensaios com sinaptosomas, microdiálise e técnicas de eletrofisiologia têm demonstrado efeito bifásico exercido pela anfetamina. Inicialmente, ocorre aumento dos transportadores de DA na superfície da membrana seguido da internalização dos transportadores após 15 minutos de exposição ao substrato, neste caso anfetamina. Sugere-se que a anfetamina como substrato induz um aumento da internalização do transportador e este efeito é tempo-dependente. Além disso, a anfetamina aumenta a velocidade de sua recaptação pelo transportador, não alterando a afinidade pela DA. Outras evidências também postulam a ocorrência do transporte reverso pelo transportador de DA, ou seja, o transportador ao invés de recaptar a DA para dentro do terminal pré-sináptico, libera a DA para o meio extracelular. A tolerância desenvolve-se rapidamente e a abstinência caracteriza-se por fadiga, ansiedade, depressão e necessidade imperiosa pela busca da droga. O consumo a longo prazo induz perturbações do sono, perda de apetite, alterações metabólicas, alterações motoras e cognitivas. Os principais efeitos causados pelo uso agudo do êxtase são desidratação, náuseas e desmaios. Em casos raros, pode levar o indivíduo ao coma e morte. Opióides são derivados do ópio. O ópio é extraído a partir do exusudato de sementes da papoula (Papaver somniferum). A morfina, um opiáceo natural, é utilizada como potente analgésico para dor crônica pelo seu efeito agonista em receptores opióides. No sistema nervoso central a morfina e seus derivados se ligam em receptores específicos encontrados no sistema límbico, tálamo, hipotálamo estriado, mesencéfalo e medula espinhal. A heroína, sintetizada a partir da morfina, é a forma mais frequente utilizada como droga de abuso. Quando injetável, a heroína pode causar depressão respiratória e cardíaca, o que pode levar o indivíduo ao coma e morte. Como o uso da heroína se faz por injeção, frequentemente os dependentes partilham de agulhas, sendo assim um vetor importante para a transmissão de agentes infecciosos, tais como o HIV e vírus das hepatites B e C. Opióides têm a capacidade de elevar as concentrações de DA extracelular na ATV e NAcc, considerando que os efeitos locomotores e reforçadores dos opióides podem ocorrer através de vias DA independentes. São consideradas drogas clássicas para o vício (addiction) porque os indivíduos que utilizam os opióides desenvolvem tolerância e abstinência. A tolerância ocorre devido a alterações de curto e longo prazo em receptores específicos µ e adaptações nos mecanismos de sinalização intracelular, necessitando doses cada vez maiores para se manter o mesmo efeito. Na abstinência os sintomas são lacrimejamento, coriza, bocejos, transpiração, inquietação, arrepios, câimbras e dores musculares. Indivíduos que abusam de opióides apresentam pouco ou nenhum prejuízo nas funções cognitivas. Existem duas intervenções para o tratamento do vício dos opióides. A desintoxicação pela retirada, seguida da prevenção da recaída e a terapia de manutenção com opióides. A manutenção com opióides melhora a saúde e o bem-estar do usuário, reduzindo a abstinência, desejo, busca pela droga e o estresse. A metadona, um agonista parcial de receptores µ é o medicamento mais comum indicado. Porém, o derivado da metadona, levo-alfa-acetilmetadol (LAAM) que também é um agonista de receptor µ, possui ação mais eficaz do que a metadona no sentido de reduzir o abuso. Outro medicamento utilizado é a buprenorfina, uma mistura de agonista parcial de receptor µ e antagonista parcial de receptor kappa. A vantagem deste medicamento sobre a metadona e a LAAM é ser um agonista parcial e sua eficiência máxima é inferior aquela exigida para a supressão da consciência e respiração, reduzindo as taxas de morte por overdose e abuso. Seus efeitos como antagonista de receptor kappa pode superar a hiperatividade observada neste sistema seguida do uso continuado agonistas de receptores µ que pode levar o indivíduo a um estado disfórico.

Alucinógenas – Maconha e Ácido Lisérgico (LSD)

A maconha é a forma preferencial do consumo da planta Cannabis sativa L. Comercialmente é cultivada para a produção do cânhamo. Ilegalmente, esta planta é cultivada para o uso de substâncias psicoativas concentradas nas folhas e flores. Dentre estas substâncias os canabinóides constituem o principal composto psicoativo, o ?-9-tetrahidrocanabinol, referido como THC. Os efeitos produzidos pela inalação da fumaça do cigarro ou ingestão são

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sedação, euforia, alucinações e distorção temporal. Age em receptores benzodiazepínicos e opióides, sem um mecanismo específico, pois recentemente identificaram-se receptores canabinóides e seu ligante endógeno a anandamida (ananda – prazer) que possui a mesma atividade farmacodinâmica, porém com menor efeito do que o THC. A facilitação da atividade DA pelo THC pode ser o resultado de múltiplos mecanismos. O THC aumenta o disparo de neurônios DA na via mesolímbica, com elevação dos níveis de DA no estriado. Estes efeitos são dependentes da ativação de receptores canabinóides CB1 em terminais de neurônios GABAérgicos e glutamatérgicos. Outro efeito conferido ao THC é aumento da recaptação de DA verificado em ensaios com sinaptosomas preparados de estriado e hipotálamo. Embora o THC possuir efeito bifásico na recaptação de noradrenalina e aumento da recaptação de 5-HT e GABA o efeito psicoativo está relacionado com a atividade DA. Pessoas que fazem uso da maconha apresentam prejuízo no aprendizado, memória a curto prazo e processos cognitivos. Os sintomas e os riscos para a saúde do consumo da maconha são tonturas, indisposição, pânico, paranóia e perda da concentração. Câncer de pulmão, problemas respiratórios, infertilidade também pode acontecer. O maior fator de risco em adolescentes é o desenvolvimento da esquizofrenia. O ácido lisérgico dietilamida (LSD) é um alcalóide presente em cereais parasitados pelo fungo Claviceps purpúrea. Foi utilizado como adjuvante no tratamento do alcoolismo, dependência de opióides, neuroses e distúrbios sexuais, por volta de 1950. O LSD exerce efeito inibitório, cessando disparos espontâneos em neurônios 5-HT nos núcleos dorsal e medial da rafe, atuando como um antagonista indireto de 5-HT. Entretanto, esta inibição não é suficiente para explicar os efeitos alucinógenos do LSD. Possui efeito nos sistemas simpático, parassimpático e neuromuscular que incluem midríase, lacrimejamento, taquicardia e tremores. O LSD não é considerado uma droga viciante, pois não proporciona ao usuário um comportamento compulsivo de ingerir a droga, como é o caso da cocaína, anfetamina, heroína, álcool e nicotina. Entretanto, muitos usuários vão aumentando as doses progressivamente até o estado de intoxicação. Ocorre um desenvolvimento rápido da tolerância. A abstinência se caracteriza por apresentar sintomas como ansiedade, aumento do estado de vigília, inquietação, insônia, excitabilidade e convulsões. O consumo prolongado induz o surgimento de episódios psicóticos agudos ou crônicos e reaparecimento ou renovação dos efeitos da substância muito depois do seu consumo (flash backs – memória súbita de uma experiência negativa sob o efeito do LSD).

Modelos Animais

Vários estudos epidemiológicos vêm sendo realizados com humanos adictos a drogas de abuso e produzido resultados importantes quanto ao padrão do uso dessas drogas. A neurobiologia do abuso das drogas é estudada através de uma variedade de modelos animais que são utilizados para o estudo dos vários fatores associados como a motivação, dependência, tolerância, abstinência e os efeitos farmacológicos das drogas de abuso.

Preferência condicionada por lugar

A preferência condicionada por lugar é um modelo que tem sido proposto para testar a recompensa relacionada com a busca e o desejo pela droga. Neste modelo, animais são expostos em uma caixa constituída de dois ambientes, inicialmente neutros, que podem variar em uma série de modalidades de estímulo, sendo eles cor, textura, odor e iluminação (Figura 4). No teste, o animal pode receber uma dose de droga e em seguida ser colocado em um ambiente da caixa. No outro ambiente é feito o pareamento sem o tratamento com droga. Após várias sessões de condicionamento é permitido o livre acesso aos dois ambientes pelo animal, privado de droga, e a preferência por um dos dois ambientes é avaliada. De acordo com os princípios do condicionamento clássico, se a droga produz efeitos recompensadores, o animal deve preferir o ambiente anteriormente pareado com ela. Um dos primeiros estudos neste modelo foi conduzido por Spragg (1940) utilizando chimpanzés. Os chimpanzés recebiam doses diárias de morfina e depois de adquirirem dependência à morfina, foram treinados para escolher entre um ambiente branco que continha uma seringa com a dose diária de morfina e um ambiente escuro que continha uma banana. Quando os chimpanzés foram privados de

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morfina, eles escolhiam o ambiente branco e quando pré-tratados com a dose diária de morfina escolhiam o ambiente escuro. Embora metodologias e animais possam variar, as propriedades deste modelo são o pareamento de dois contextos diferentes com o estímulo de interesse.

Figura 4- Preferência condicionada por lugar. Caixa composta por dois ambientes diferentes com paredes listradas em branco e preto na vertical e horizontal e um ambiente neutro entre eles.

Auto-estimulação elétrica

No modelo de auto-estimulação elétrica, eletrodos são implantados em determinadas estruturas do encéfalo do animal, que expressará uma reação ao receber um curto estímulo elétrico. Geralmente o eletrodo é implantado no feixe prosencefálico medial, que contém estruturas envolvidas com motivação e reforçamento. Estudos neste modelo têm demonstrado que a administração aguda de opióides, álcool, cocaína e anfetamina, diminuem o limiar de recompensa da auto-estimulação, o que pode ser considerado como um indicador do efeito gratificante destas drogas. Em contraste, na abstinência destas drogas, ocorre elevação do limiar de recompensa da auto-estimulação, o que pode ser considerado como um indicador do estado motivacional negativo, oposto ao efeito produzido pela administração aguda. Além disso, quanto mais a droga for adictiva, maior a sua capacidade de reduzir os limiares da auto-estimulação, sugerindo que este modelo é validado para avaliar drogas potencialmente de abuso.

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Figura 5- Auto-estimulação elétrica em cérebro de ratos. Um eletrodo é implantado na estrutura de estudo e quando o animal pressiona a barra recebe um estímulo elétrico. Animais implantados com eletrodos no feixe prosencefálico medial são capazes de pressionarem centenas de vezes uma barra conectada a esses eletrodos.

Auto-administração de drogas

Neste modelo, animais são treinados a pressionar uma barra para receber um reforço, no caso uma droga, que geralmente é administrada intravenosamente. Medidas comportamentais são empregadas para avaliar a taxa de resposta, ou seja, pressionar a barra por minuto, frequência de injeções auto-administradas e o número de injeções durante a sessão, juntamente com o total da ingestão de drogas durante a sessão. Animais de laboratório se auto-administram a maioria das drogas de abuso, incluindo opióides, canabinóides, álcool, nicotina, anfetamina e cocaína, semelhante aos humanos. Os animais são treinados a se auto-administrar uma droga por prolongados períodos de tempo. Após a auto-administração crônica, ocorre a extinção, onde a resposta ao pressionar a barra pareada com a droga não resulta no reforçamento. Estudos demonstram que na abstinência, após a auto-administração crônica de cocaína, ocorre diminuição dos níveis de DA no NAcc. A procura pela droga (recaída), ou seja, pressionar a barra para se auto-administrar na abstinência está relacionada com a diminuição dos níveis de DA.

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Figura 6- Auto-administracão de drogas. Uma sonda é implantada, geralmente na artéria carótida do animal, que recebe uma dose de droga do injetor ao pressionar a barra.

Perspectivas

A maioria das teorias a respeito da dependência e motivação relacionadas com as drogas de abuso tem se baseado sobre o papel exercido pela DA. Entretanto, existe a participação de outros sistemas, por exemplo, o glutamatérgico. Terminais DA e glutamatérgicos podem se co-localizar em um mesmo dendrito. Este arranjo pode ser verificado no estriado. A plasticidade celular e expressão de genes pode também ter um envolvimento nestes sistemas. Evidências comprovam que a estimulação de receptores D1 altera a excitabilidade neuronial e modula receptores NMDA e AMPA. Estes receptores por sua vez, quando estimulados ativam cascatas de eventos intracelulares podendo ativar o fator de transcrição CREB e expressão de proteínas (Figura 7).

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Figura 4- Neurotransmissores e controle da expressão de genes. A estimulação de receptores D1 induz a fosforilação de canais iônicos. Esta sinalização induz a produção de segundos mensageiros que irão ativar proteínas kinases do tipo A (PKA), cálcio calmodulina kinase (CaMK), kinase mitogênica ativada (MAPK) e kinase reguladora do sinal extracelular (ERK). Consequentemente, ocorre fosforilação da CREB e a expressão de proteínas como a dinorfina, arc, homer, narp e FosB que estão envolvidas na regulação da função sináptica.

A sinalização intracelular produzida pela ativação de receptores D1 pode causar uma variedade de respostas. Por exemplo, a ativação prolongada de receptores D1 no estriado pode induzir o aumento da expressão do neuropeptídeo dinorfina. A dinorfina ativa receptores opióides ? nos terminais pré-sinápticos DA causando diminuição da liberação de DA e outros neurotransmissores. Assim, alguns efeitos das drogas de abuso na expressão de genes parece ser uma adaptação compensadora sobre a estimulação excessiva de receptores, visto que o aumento da dinorfina devido ao abuso de drogas pode contribuir para tolerância e sintomas da abstinência como a disforia. A fosforilação via proteína kinase mitogênica ativada (MAPK) e kinase reguladora do sinal extracelular (ERK) também são importantes quanto à plasticidade sináptica. A estimulação do córtex leva a ativação de MAPK e ERK em neurônios do estriado e este evento é dependente da estimulação de receptores NMDA e entrada de Ca2+. Consequentemente, a fosforilação da CREB segundo esta via de sinalização induz a expressão de proteínas como homer-1a, narp e arc que estão envolvidas na regulação da

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função sináptica. Outro importante fenômeno quanto à exposição crônica de várias drogas de abuso, incluindo cocaína e anfetamina é a expressão da ?-FosB, que possui efeito parecido com o da dinorfina. Com relação às respostas adaptativas, drogas de abuso podem alterar a expressão de subunidades de receptores glutamatérgicos do tipo AMPA no NAcc. A exposição intermitente e repetida de cocaína eleva a expressão da subunidade GluR1 no NAcc, que favorece a expressão de receptores AMPA permeáveis ao Ca2+. Recentes estudos indicam como alterações da expressão de subunidades de receptores glutamatérgicos através da exposição repetida de drogas de abuso afeta a auto-estimulação intracraniana. Os efeitos quanto a subunidade GluR2 na auto-estimulação intracraniana pelo uso crônico de drogas de abuso reflete aumento no impacto da recompensa na estimulação. Por outro lado, os efeitos na subunidade GluR1 diminui o impacto da recompensa da estimulação. Isto indica que o aumento destas subunidades no NAcc tem diferentes consequências em relação ao comportamento motivacional. De fato, controlar as alterações na expressão de proteínas pode ser a chave para o tratamento ou terapias para usuários de drogas de abuso. A prevenção ainda é o melhor caminho. Enquanto isto, a retirada da droga seguida do apoio psicológico e o tratamento com drogas substitutas são estratégias de intervenção.

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CRÉDITOS

INeC – Instituto de Neurociências e Comportamento DROGAS DE ABUSO Criação e texto: Renato Guizzo Biólogo, Doutor em Ciências pela FFCLRP-USP e bolsista do INeC [email protected] Publicado em 15/06/2010 A utilização ou publicação, parcial ou total deste curso está autorizada sob a condição de que

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sejam incluídas indicações sobre sua fonte e autoria. Para referir: Guizzo, R (2010). DROGAS DE ABUSO. INeC – Instituto de Neurociências e Comportamento, disponível em http://www.inec-usp.org/cursos/cursoVI/cursoVI.htm


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