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Gláuks v. 12 n. 1 (2012) 169-203 Dos Marcadores Discursivos e Conectores: Conceituação e Teorias Subjacentes About Discourse Markers and Connectors: Concepts and Underlying Theories Daniel Mazzaro Vilar de Almeida 1 Janice Helena Chaves Marinho 2 RESUMO: Este artigo propõe uma revisão de algumas teorias que conceituam e caracterizam os conectores e os marcadores discursivos, elementos linguísticos que sinalizam, explicitam uma relação coesiva entre dois segmentos textuais e guiam, de acordo com suas propriedades morfossintáticas, semânticas e pragmáticas, as inferências que se realizam no momento da comunicação. Essa revisão teórica trará contribuições da Pragmática, da Teoria da Argumentação, da Teoria da Relevância e do Modelo de Análise Modular para que o fenômeno da conexão e os elementos envolvidos nesse mecanismo textual sejam bem entendidos e usados futuramente em pesquisas do campo da Linguística Textual e da Análise do Discurso, por exemplo. PALAVRAS-CHAVE: Marcadores discursivos. Conectores. Conexão. Teorias pragmáticas. Relação coesiva. 1 Doutorando em Análise do Discurso pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 2 Doutora em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora Associada da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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Gláuks v. 12 n. 1 (2012) 169-203

Dos Marcadores Discursivos e Conectores: Conceituação e Teorias Subjacentes

About Discourse Markers and Connectors: Concepts and Underlying Theories

Daniel Mazzaro Vilar de Almeida1

Janice Helena Chaves Marinho2

RESUMO: Este artigo propõe uma revisão de algumas teorias que conceituam e caracterizam os conectores e os marcadores discursivos, elementos linguísticos que sinalizam, explicitam uma relação coesiva entre dois segmentos textuais e guiam, de acordo com suas propriedades morfossintáticas, semânticas e pragmáticas, as inferências que se realizam no momento da comunicação. Essa revisão teórica trará contribuições da Pragmática, da Teoria da Argumentação, da Teoria da Relevância e do Modelo de Análise Modular para que o fenômeno da conexão e os elementos envolvidos nesse mecanismo textual sejam bem entendidos e usados futuramente em pesquisas do campo da Linguística Textual e da Análise do Discurso, por exemplo.

PALAVRAS-CHAVE : Marcadores discursivos. Conectores. Conexão. Teorias pragmáticas. Relação coesiva.

1 Doutorando em Análise do Discurso pelo Programa de Pós-Graduação em

Linguística da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 2 Doutora em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Minas Gerais

(UFMG). Professora Associada da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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1 Introdução

s estudos direcionados a marcadores discursivos (doravante MD) e conectores têm aumentado

bastante na área textual com a mudança de foco da estrutura do texto para seus aspectos discursivos. A partir dos avanços da semântica, da pragmática e da análise do discurso, observa-se uma tendência a ultrapassar o estudo limitado às estruturas gramaticais da oração e a estender ao texto, já que é nele que o estudo gramatical encontra sua atualização e seu “sentido” (VEZ, 2000, p. 149).

Para vários estudiosos, uma das maneiras de alcançar o sucesso de que um texto possa fazer sentido é por meio de conexões entre as palavras, frases, orações e parágrafos (ou, como veremos mais adiante, por meio de conexões de enunciados ou membros discursivos). Segundo Escandell (2006), um dos problemas que mais preocupou, primeiramente os gramáticos e filósofos, e em seguida os pragmaticistas, foi o de descrever o valor dos elementos de conexão entre orações. Enquanto alguns tomaram esses elementos como o ponto central que articula a teoria da razão, como no caso da conclusão que procede às premissas de um silogismo, outros se ocuparam de seu funcionamento e de seu valor nas línguas naturais.

Então, devido à diversidade de critérios adotados e às diferentes proposições metodológicas a partir dos quais se tem abordado o estudo dos MD e dos conectores, não se chegou a um acordo em questões básicas como a denominação e definição de seu conceito. Por isso, é possível encontrar termos como marcadores de relação textual, operadores discursivos, enlaces extraoracionais, conectores discursivos, conectores pragmáticos, partículas pragmáticas, partículas discursivas etc., referindo-se, muitas vezes, aos mesmos elementos

O

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estudados e, além disso, os conceitos atribuídos a esses termos ora se identificam, ora se complementam.

Embora os conectores tenham, atualmente, um tratamento muito destacado, faz já algum tempo que despertaram interesse dos linguistas. Loureiro (2004) aponta que, nos estudos da língua espanhola, Antonio Nebrija, em sua gramática datada de 1492, já destacou a existência do que antes se chamavam partículas invariáveis do discurso. Nesse grupo, o gramático incluiu as classes de palavras já conhecidas desde a tradição da gramática latina, como conjunções, preposições, locuções prepositivas, entre outras, que estão inseridas na sintaxe oracional, mas que, em certos contextos, não se ajustam à função que lhes são atribuídas habitualmente no marco da sintaxe oracional.

Apenas no século XX se identificam certos elementos linguísticos que não se ajustam às classes gramaticais existentes e, pela primeira vez, se analisam as características desses elementos que apresentam usos discursivos, empregos enfatizadores, valores expressivos etc. Gili Gaya parece ser um dos primeiros a dar um nome a esses elementos: os enlaces extraoracionais, e os identifica a partir de certas propriedades, como sua veiculação com noções externas à relação de predicação oracional; seu caráter invariável; a heterogeneidade de sua entidade categorial gramatical (conjunções, frases conjuntivas, interjeições etc.); a versatilidade distribucional de muitos deles (ocupam a posição inicial, média ou final do membro discursivo em que aparecem); sua contribuição ao estabelecimento da coerência e o alcance de uma pluralidade de valores semânticos, em combinação, frequentemente, com as características suprassegmentais adequadas (a entonação, sobretudo); o fato de poderem pertencer a registros diferentes (uns são mais próprios da modalidade escrita e outros da oral); o

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fato de chegarem a constituir meros apoios da elocução na fala coloquial; etc. (MARTÍN ZORRAQUINO; PORTOLÉS, 1999).

Apesar dos dados que oferecem as gramáticas anteriores à década de 1970 para a descrição dos elementos periféricos, o certo é que quase não se dedicou espaço a esse tipo de palavras nos tratados gramaticais. Entretanto, desde aproximadamente quarenta anos atrás, a partir do desenvolvimento da linguística do texto, da gramática do discurso e, sobretudo, dos diversos enfoques da pragmática – e da posterior incorporação dos fatores pragmáticos à gramática –, o estudo dessas unidades tem recebido uma atenção extraordinária, por meio de orientações teóricas muito diferentes e com aplicação a línguas muito díspares.

Traçaremos uma definição mais clara dos elementos que trataremos neste trabalho à luz de duas das nomenclaturas citadas neste item do capítulo: marcadores discursivos (ou marcadores do discurso) e conectores.

2 Marcadores do discurso e conectores

O termo marcadores do discurso (ou marcadores discursivos) foi usado por Labov e Fanshel em um livro de 1977 e, segundo Fraser (1999), talvez seja uma das referências mais antigas em língua inglesa, embora os autores não tenham passado de alguns poucos comentários sobre a palavra well. Dois anos depois, Teun A. Van Dijk publicou um artigo no Journal of Pragmatics, no qual trata de conectores (pragmatic connectives) que possuem função pragmática, isto é, que estabelecem relações entre atos de fala, e não entre fatos denotados como os conectores semânticos. Segundo o holandês, uma descrição dos conectores pragmáticos não pode simplesmente ser dada em termos de certos aspectos do sentido (condições de verdade ou de satisfação das proposições), mas

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requer uma interpretação em termos de funções com respeito a contextos pragmáticos. Ele foi um dos primeiros a observar certas características desses elementos como costumarem iniciar frases, serem seguidos por pausa e serem pronunciados com uma entonação específica.

A estadunidense Deborah Schiffrin talvez tenha sido uma das pioneiras a se dedicar com afinco aos marcadores discursivos com sua obra de 1987, intitulada Discourse markers, na qual os considera como elementos que marcam unidades sequencialmente dependentes do discurso e não cabem facilmente em uma só classe linguística, já que, inclusive, eles incluem recursos paralinguísticos e gestos não-verbais. A pesquisadora também considera, como Van Dijk, que os MD são sintaticamente separados de uma sentença, são comumente usados em posição inicial de um enunciado e têm uma série de contornos prosódicos, e acrescenta que esses elementos são capazes de operar tanto em nível local como global do discurso e em diferentes planos discursivos. Para ela, cada MD tem um “significado nuclear” que lhe dá uma identidade e, em alguns casos, pode relacionar apenas a realidade semântica (os “fatos”) de duas sentenças, ou relacionar sentenças num nível lógico (epistêmico) ou até mesmo no nível do ato de fala (pragmático).

Fraser (1999), a fim de esclarecer o funcionamento dos MD, define-os como uma classe de expressões lexicais extraídas das classes de conjunções, sintagmas adverbiais e preposicionais, que sinalizam uma relação entre o segmento que introduzem (S2) e o segmento anterior (S1). Segundo o autor, os MD impõem à S2 um determinado conjunto de interpretações, considerando-se a interpretação de S1 e o sentido do marcador. Fraser defende a ideia de que essas expressões possuem um sentido nuclear que é procedural, e não conceitual, e sua interpretação mais específica é “negociada” pelo contexto, tanto linguístico como conceitual. Essa ideia está baseada em Blakemore (1992), que afirma que os

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marcadores devem ser compreendidos como expressões que impõem restrições semânticas aos tipos de implicaturas que o interlocutor pode extrair do que o falante diz. A autora propõe que os marcadores devem ser analisados como formas de restrição da interpretação de enunciados.

Um dos estudos mais modernos e mais completos de língua espanhola é o de José Portolés (1998a) (que foi desenvolvido posteriormente em conjunto com Martín Zorraquino em 1999), que, ao considerar as observações feitas aos elementos periféricos e aos enlaces extraoracionais, e também os estudos de MD feitos, principalmente, por Schiffrin, Fraser e Ducrot, assim os definiu:

Os ‘marcadores do discurso’ são unidades linguísticas invariáveis, não exercem função sintática no marco da predicação oracional e possuem uma incumbência coincidente no discurso: o de guiar, de acordo com suas diferentes propriedades morfossintáticas, semânticas e pragmáticas, as inferências que se realizam na comunicação (PORTOLÉS, 1998a, p. 23-24).

Martín e Portolés (1999) complementam que os MD têm certa mobilidade dentro do enunciado e se encontram geralmente entre pausas. Além disso, não podem ser coordenados entre si, não podem ser negados, carecem (a maioria) da possibilidade de receber especificadores e adjacentes complementários e têm uma relação sintática com a totalidade do sintagma nominal.

Portolés apresenta exemplos para distinguir os marcadores discursivos de outros elementos que fazem parte das mesmas categorias gramaticais como, por exemplo, portanto e por esse motivo3:

3 Os exemplos [1] a [11] são traduções nossas a partir dos exemplos dados por

Portolés (1998a). As demais citações de obras cuja língua original é a espanhola também são traduções nossas.

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[1] Chove e, portanto, as pessoas estão usando guarda-chuva.

[2] Chove e, por esse motivo, as pessoas estão usando guarda-chuva.

O investigador afirma que os marcadores que se

gramaticalizaram como advérbios são palavras invariáveis. Dessa forma, portanto é um marcador do discurso, pois se trata de um advérbio que possui forma fixa (não existe, por exemplo, portantos), já por esse motivo conserva sua capacidade de flexão e de receber especificadores e complementos (por exemplo, até por esses pequenos motivos). Além disso, os marcadores do discurso não admitem serem autônomos em um turno de fala, como:

[3] A: Por que você fará isso?

B: Por esse motivo / *Portanto

E é essa mesma autonomia da qual carecem os advérbios marcadores a que não permite construções do tipo [5a]:

[4] a) Portanto, as pessoas estão usando guarda-chuva.

b) Por esse motivo, as pessoas estão usando guarda-chuva.

[5] a) * As pessoas estão usando guarda-chuva e isto acontece portanto.

b) As pessoas estão usando guarda-chuva e isto acontece por esse motivo.

Isso não quer dizer que a maior parte das formas que são utilizadas como advérbios marcadores não possa aparecer com distintas funções linguísticas, isto é, sem ser marcadores, como:

[6] a) Vou fazer isso de qualquer forma.

b) De qualquer forma, vou fazer isso.

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No exemplo [6b], de qualquer forma tem a função discursiva de marcador e, como tal, carece da possibilidade de flexão e combinação que se daria na frase [6a], como, por exemplo,

[7] Vou fazer isso de qualquer uma das formas que combinamos.

Quanto à característica de não poder ser negado, Martín e Portolés (1999) ilustram com o conjunto de exemplos seguinte:

[8] a) Não veio, pois, João à festa, mas sim Antônio.

b) Não veio, pois, João à festa, mas sim que ele ficou em casa.

c) Não veio, pois, João à festa, e sim que ele já estava.

d) Não veio, pois, João à festa, mas sim ao jantar depois.

e) *Não veio, pois, João à festa, mas sim portanto.

Portolés (1998a) também faz outras considerações e as comprova a partir de exemplos de textos atuais e antigos de diferentes gêneros. Para uma apresentação mais completa dos problemas de etiquetagem que ele propõe das unidades suscetíveis de serem consideradas como marcadores do discurso, assim como a obscura fronteira entre a classe dos marcadores e outras categorias limítrofes, como conjunções, advérbios, interjeições, vocativos etc., sugerimos uma leitura atenta de Portolés (1998a) e/ou Martín e Portolés (1999).

Outro termo muito utilizado para referir-se a essas expressões linguísticas é conector, como prefere denominar a pesquisadora suíça Rossari. Aliás, como explica Marinho (2005), Rossari usa, inicialmente, o termo conector pragmático, já que essas unidades têm por função significar uma relação (daí o termo conector), que se estabelece entre unidades linguísticas

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ou contextuais (daí o termo pragmático). Resumidamente, os conectores seriam “expressões linguísticas que, ao poder atuar tanto na estrutura oracional como fora dela, ou seja, no âmbito textual, desempenham importante função na articulação do discurso” (MARINHO, 2005, p. 14) e Rossari, diferente de outros linguistas, inclui os elementos de conexão interfrástica em sua análise, como a conjunção mas, e considera como conexão a relação entre as unidades linguísticas e as unidades contextuais.

Portolés (1998a), ao contrário, considera como conectores um tipo concreto de marcador discursivo que realmente conecta de um modo semântico-pragmático um membro do discurso com outro expressado na maioria de seus usos ou, se não, com uma suposição contextual facilmente acessível, como além disso, portanto e no entanto. Dessa forma, considera-os como uma classe dos marcadores do discurso divididos ainda em grupos: os conectores aditivos, os conectores consecutivos e os conectores contra-argumentativos.

Sua justificativa se baseia no fato de existirem marcadores que realmente relacionam, pelo seu significado de processamento4, dois ou mais membros do discurso, diferente de outros marcadores, cujo significado só afeta um membro do discurso, ou seja, não se pode vislumbrar a capacidade de dêixis discursiva que se pode comprovar ao analisar enunciados como

[9] É rico e, no entanto, economiza muito.

no qual, a partir de economiza muito, se indica é rico com no entanto. Para ilustrar a existência de marcadores diferentes de no entanto, Portolés (1998a) propõe estes dois exemplos:

4 Trataremos dessa definição mais adiante.

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[10] O sono de Lúcia, que na realidade foi como uma embriaguez de cansaço, durou apenas quinze minutos.

[11] Alice não virá conosco, porque, na realidade, não lhe interessa.

Em [10], existe um membro que indica uma aparência: o sono de Lúcia e um membro com na realidade que apresenta o real: foi como uma embriaguez de cansaço. Por outro lado, em [11], não lhe interessa não se opõe a outro membro expresso e, por isso, não há conexão nenhuma.

Devido à dificuldade de encontrar um significado de conexão em certos marcadores, Portolés prefere renunciar ao termo conector para referir-se a toda essa classe de unidades e escolhe o termo marcador. Dentro da instrução de conexão, Martín e Portolés (1999) incluem os marcadores denominados estruturadores da informação, conectores e reformuladores. No outro caso, falam de operadores e marcadores conversacionais, embora neste último haja alguns elementos mais próximos aos operadores e outras unidades que relacionam vários membros do discurso.

De qualquer maneira, entre os cinco subgrupos citados por Martín e Portolés (1999) dentro dos marcadores discursivos, a maior parte compartilha as instruções sobre o significado de conexão. É o que Montolío (2001) considera ao se referir às expressões que estuda. Para a autora, “os conectores têm como valor básico essa função de assinalar de maneira explícita com que sentido vão encadeando-se os diferentes fragmentos oracionais do texto para, dessa maneira, ajudar o receptor de um texto guiando-o no processo de interpretação” (MONTOLÍO, 2001, p. 21). Para Montolío, “os conectores funcionam em um texto como sinais de balizamento que um escritor eficaz vai distribuindo ao longo de seu discurso, a fim de que seu leitor

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siga sem esforços nem dificuldades o caminho interpretativo traçado”.

Em certo ponto, é inegável afirmar que Martín, Portolés, Montolío e Rossari possuem uma interseção: considerar conexão a relação entre as unidades linguísticas e as unidades contextuais.

Rossari (2000 e 1999), em seu tratamento dos conectores, reivindica uma abordagem semântica para que se sobressaiam as características estáveis do potencial semântico dos conectores, suas aptidões para exercer restrições estabelecidas pelo próprio código sobre o ambiente linguístico no qual são usados. Para tanto, Rossari adota uma análise duplamente comparativa, visto que se centra nos contrastes entre enunciados com ou sem conectores ou nos contrastes entre enunciados com conectores que integram uma mesma classe semântica. Segundo a autora, tal análise causa impacto na forma como se concebem as relações discursivas na medida em que o estudo dos conectores oferece um esclarecimento particular a essas relações.

Os conectores são idealizados não apenas como vetores de restrições que limitam suas possibilidades de emprego em configurações adequadas ao tipo de relação que são levados a explicitar, mas também como vetores de relações que não podem manifestar-se independentemente de seu emprego. Para chegar a essa conclusão, Rossari considera dois pontos de vista para a caracterização dos conectores: o ponto de vista conceitual e o ponto de vista lexical.

O primeiro define as relações do discurso fundamentando-se essencialmente sobre a interpretação dos enunciados e considera os conectores como índices dessas relações. Além disso, considera que as relações podem ser apreendidas independentemente das marcas (que são suscetíveis

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de qualificá-las). Isto é, as relações podem ser definidas em termos das relações lógicas e temporais que subsistem entre os acontecimentos evocados nos enunciados; podem ser definidas em função da intenção comunicativa do locutor e da decodificação da intenção do locutor pelo destinatário; e/ou podem ser definidas baseando-se na experimentação psicolinguística para extrair os princípios cognitivos sobre os quais são construídas as relações de coerência. Em todos esses casos, os conectores pragmáticos são concebidos como pistas/vestígios/traços que manifestam a existência das relações. Os conectores são, dessa forma, “reveladores”, marcas explícitas das relações.

O ponto de vista lexical, por outro lado, aborda a questão das relações do discurso pelo âmbito das marcas lexicais que são suscetíveis de assinalá-las. É o estudo do funcionamento semântico-pragmático dos conectores que conduz à questão do sentido das relações do discurso. Os conectores são, portanto, como binóculos através dos quais se tem acesso aos sentidos das relações do discurso. A partir desse ponto de vista, podem-se levar em conta duas opções sobre as relações do discurso. A primeira é a opção forte, que considera que o sentido dos conectores oferece as indicações sobre os sentidos das relações do discurso em geral, então pode haver relações discursivas que só se manifestam pelo emprego de certos conectores. A segunda opção é a fraca, que considera que o sentido dos conectores oferece as indicações unicamente sobre o sentido das relações do discurso com conectores.

Rossari adota o ponto de vista lexical em sua opção fraca para o estudo das relações do discurso, devido à constatação da não-equivalência sistemática entre as relações não marcadas e as relações marcadas com os conectores. Além disso, sua escolha se deve também à existência de relações que somente são manifestáveis pelo uso de um conector. Em [14]:

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[12] Max se esqueceu de comparecer à reunião. O comitê decidiu adiá-la.

pode-se interpretar que os constituintes se conectam em uma relação de consequência:

[13] Max se esqueceu de comparecer à reunião. Portanto, o comitê decidiu adiá-la.

mas não é obrigatória, pois outras relações podem ser consideradas quando essa não está ativada, como em

[14] Max se esqueceu de comparecer à reunião. De qualquer forma, o comitê decidiu adiá-la.

cuja relação não é tão esperada. Nesse caso, ela só pode manifestar-se pela presença do conector.

Tendo em vista a complexidade da definição dos marcadores discursivos e dos conectores, passaremos a uma descrição teórica de alguns estudos que são regidos por princípios pragmáticos e que contribuíram para os estudos das expressões conectivas.

3 Os conectores e a Pragmática

Para a Pragmática, a base da explicação dos conectores está no fato de eles poderem ultrapassar o âmbito oracional e conectarem outros tipos de categoria léxica ou sintagmática, o que justifica termos como “enlaces extraoracionais”. Sendo assim, os conectores alcançam níveis textuais diferentes do nível sintático e entram no rol dos elementos que implicam na comunicação inferencial e contextual.

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A Pragmática é, segundo Escandell Vidal (2006, p. 15-16), “o estudo dos princípios que regulam o uso da linguagem na comunicação, isto é, as condições que determinam tanto o emprego de um enunciado concreto por parte de um falante concreto em uma situação concreta, como sua interpretação por parte do destinatário”. Ou seja, se ocupa da parte interpretativa, da relação entre os signos e seus intérpretes, e se concebe para dar conta da diferença entre o dito e o interpretado.

O modelo de análise pragmática proposto por Escandell (2006) é constituído por duas classes de elementos: (I) de natureza material, “física”, por serem entidades objetivas, descritíveis externamente; e (II) de natureza imaterial, já que se trata dos diferentes tipos de relações que se estabelecem entre os elementos de natureza material. Considera-se que esses componentes relacionais sejam mais significativos que a própria natureza material, pois algumas características constitutivas desses elementos derivam precisamente dos pontos de contato que os enlaçam com outros elementos, de tal maneira que fica estabelecido um conjunto de relações que serve para marcar os limites de um elemento material. As relações que se estabelecem dão lugar a conceitualizações subjetivas que, por sua vez, geram princípios reguladores da conduta que se objetivam em forma de leis empíricas (isto é, de regularidades observáveis de natureza não prescritiva). A existência desses outros fatores se justifica pelos resultados que produz sua funcionalidade.

Dentro dos componentes materiais, os conceitos de emissor, destinatário, enunciado e entorno são importantes para a compreensão e definição da Pragmática. O primeiro conceito refere-se à pessoa que produz intencionalmente uma expressão linguística em um momento dado, seja oralmente ou por escrito. O emissor é, portanto, o falante que está fazendo uso da palavra em um determinado momento. O destinatário, por outro lado, é a pessoa (ou pessoas) à(s) qual(is) o emissor dirige

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seu enunciado e com a(s) qual(is) normalmente costuma intercambiar seu papel na comunicação de tipo dialogante. Assim, o destinatário é a pessoa à qual se dirigiu uma mensagem específica.

Por enunciado entende-se a expressão linguística produzida pelo emissor. Do ponto de vista físico, um enunciado não é mais que um estímulo, uma modificação do entorno, seja auditivo ou visual. O termo enunciado se usa especificamente para fazer referência a uma mensagem construída segundo um código linguístico, marcada por pausas ou delimitada pela mudança de emissor. Dessa forma, podem ser enunciados tanto uma simples interjeição como um livro inteiro, como um sintagma nominal ou um parágrafo. Isso implica que não há limites gramaticais para a noção de enunciado, ou melhor, que não se pode individualizar um enunciado utilizando critérios gramaticais. Os únicos critérios que são válidos são os de natureza discursiva, os que são dados por cada ato comunicativo particular. Em resumo, o enunciado é uma sequência linguística concreta realizada por um emissor em uma situação comunicativa que se define de acordo com critérios discursivos e sua interpretação depende do seu conteúdo semântico e de suas condições de emissão (ESCANDELL, 2006, p. 31).

Já o termo entorno também pode ser designado como contexto ou situação espaço-temporal. Trata-se do suporte físico no qual se realiza a enunciação e inclui como fatores principais as coordenadas de lugar e tempo.

Dentro dos componentes de natureza imaterial, ou relacional, é importante definir a informação pragmática, a intenção e a relação social. Por informação pragmática entendemos o conjunto de conhecimentos, crenças, suposições, opiniões e sentimentos de um indivíduo em um momento qualquer da interação verbal. Enquanto sujeitos, o emissor e o destinatário possuem uma série de experiências anteriores

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relativas ao mundo, aos demais e a tudo que os rodeia. No entanto, não se trata apenas de conhecimento; a informação pragmática compreende tudo o que constitui nosso universo mental, desde o mais objetivo até as manias mais pessoais. Assim, ela consta de três subcomponentes: (a) geral, que compreende o conhecimento do mundo, de suas características naturais, culturais etc.; (b) situacional, que abarca o conhecimento derivado do que os interlocutores percebem durante a interação; e (c) contextual, que inclui o que se deriva das expressões linguísticas intercambiadas no discurso imediatamente precedente.

A intenção é a relação entre o emissor e sua informação pragmática, de um lado, e o destinatário e o entorno, de outro, e se manifesta sempre como uma relação dinâmica. Toda atividade humana consciente e voluntária se concebe sempre como reflexo de uma determinada atitude de um sujeito frente a seu entorno e, por isso, é importante descobrir que atitude está por detrás de um determinado ato, isto é, perguntar-se qual é a intencionalidade dos atos e decisões. Assim, o termo intenção deve ser entendido em sua acepção subjetiva e psicológica, já que funciona como um princípio regulador da conduta no sentido de que conduz o falante a utilizar os meios que considera mais idôneos para alcançar seus fins. Dessa forma, até mesmo o silêncio, enquanto atividade consciente e voluntária, pode ser também um meio indireto para conseguir determinados objetivos.

Quando falamos de relação social, referimo-nos à relação que existe entre os interlocutores pelo mero fato de pertencerem a uma sociedade, isto é, a uma organização humana com uma estrutura social. Seu papel na comunicação é fundamental, já que o emissor constrói seu enunciado na medida do destinatário. Um dos fatores de que se deve dar conta, portanto, é o grau de relação social entre ambos e, desse modo, a

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relação social impõe uma série de seleções que determinam a forma do enunciado.

Vejamos a diferença que uma visão pragmática pode dar a certas enunciações.

Para Saussure, o falante codifica algo recorrendo ao código, uma língua determinada, enquanto que o ouvinte, que conhece esse código, decodifica o enunciado recebido e compreende o que se queria comunicar. Dessa forma, somente o dito é comunicado.

Grice, por outro lado, diz que toda comunicação verbal consta de uma parte codificada e de outra que é produto de inferências, isto é, de certos “processos cognitivos que geram uma informação semântica nova, a partir de uma informação semântica anterior, em um determinado contexto” (DELL’ISOLA, 2001, p. 44). Para que produza o processo inferencial, é preciso, além do que é dito, um contexto, que está formado pelo que Escandell Vidal (1999) chama de contexto extraverbal, que seria o conjunto de circunstâncias não linguísticas que se notam diretamente ou que são conhecidas pelo falante, ou seja, tudo aquilo que, física ou culturalmente, rodeia o ato de enunciação; e o cotexto, as informações contidas linguisticamente no texto ou inferíveis a partir dele.

Vejamos um exemplo. Suponhamos que uma pessoa liga para seu amigo para convidá-lo para ir ao cinema e, como resposta, o amigo diz:

[15] Estou doente.

Para Saussure, o dito é o comunicado, ou seja, o que a pessoa fez foi simplesmente dizer que está doente. Grice, por outro lado, interpreta esse enunciado levando em conta o que está implícito, derivado da percepção do contexto: o amigo recusou o convite.

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Vejamos um exemplo de inferência obtida por meio dos conectores:

[16] Sara é brasileira e, portanto, é extrovertida.

[17] Sara é brasileira e, no entanto, é extrovertida.

As condições de verdade das duas proposições são idênticas, ou seja, será verdadeiro se Sara cumpre o ser extrovertida e o ter nascido no Brasil. No entanto, as inferências obtidas são diferentes: na [16] a razão de Sara ser extrovertida é que os brasileiros o são e na [17] Sara é extrovertida apesar de não serem os brasileiros. Dessa forma, portanto e no entanto contribuem para o processamento das intervenções, e não ao seu significado conceitual.

Entendemos como significado conceitual aquele que contribui para as condições de verdade da proposição semântica que se encerra no enunciado. Unidades como os conectores possuem significado de processamento, pois codificam restrições de processamento às implicaturas.

A pragmática também contribui com dois conceitos importantes para a compreensão dos enunciados: a implicatura conversacional e a implicatura convencional.

A primeira se obtém exclusivamente pelo Princípio da Cooperação proposto por Grice: a compreensão de um enunciado depende da quantidade de informação proporcionada pelo falante, que deve ser toda a necessária; não se deve mentir; deve ser pertinente o que foi dito; e o falante deve ser claro em sua expressão.

Logo, se uma pessoa diz: [18] Tenho frio

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e não nos está mentindo, além de ser pertinente, e observamos que há uma janela aberta e temos a memória de que fechar a janela alivia o frio, concluímos que [18] implica “Feche a janela”.

A implicatura convencional, por outro lado, é uma conclusão inferencial que depende de que conector se usa e da posição dos membros do enunciado. Por exemplo:

[19] As doenças citadas nesta lista não matam, no entanto deixam marcas eternas no paciente.

[20] As doenças citadas nesta lista deixam marcas eternas no paciente, no entanto não matam.

As condições de verdade são idênticas, pois em ambas as doenças não matam e deixam marcas eternas. Entretanto, as implicaturas são diferentes:

[19a] As doenças citadas nesta lista não matam, no entanto deixam marcas eternas no paciente. [Que pena que deixam marcas...]

[20a] As doenças citadas nesta lista deixam marcas eternas no paciente, no entanto não matam. [Que bom que não matam!]

Portanto, a implicatura com no entanto se obtém do membro que o segue, ou seja, “a conclusão à qual se chega será aquela que se obtenha do membro do discurso que o segue e não do que o precede” (PORTOLÉS, 1998a, p. 18).

Martín e Portolés (1999) resumem que serão marcadores discursivos aqueles signos que não contribuem diretamente para o significado conceitual dos enunciados, mas que os orientam e ordenam as inferências que se obtêm a partir deles. Ou seja, o significado dos marcadores contribui para o processamento do

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que se comunica e não para a representação da realidade comunicativa. Por isso, ficam excluídos alguns usos de conjunções como porque e para que, como nos exemplos [21a] e [21b]:

[21a] Ele não vem porque você está triste.

[21b] Ele não vem para que você não esteja triste.

Para os autores, as conjunções marcadas não guiam unicamente as inferências, mas também contribuem para a construção da proposição que subjaz em cada um dos enunciados.

4 Os conectores e a argumentação

Segundo a Teoria da Argumentação na Língua, que se baseia na semântica e estuda a forma como os enunciados condicionam por seu significado a continuação do discurso, qualquer enunciado argumenta, favorece uma série de continuações do discurso e dificulta outras, porque isso é inerente a todo significado linguístico (PORTOLÉS, 1998a).

Se voltarmos aos exemplos das doenças ([19a] e [20a]), observaremos que as conclusões (implicaturas) não podem ser explicadas pela representação da realidade, já que, nas duas intervenções, as doenças “não matam” e “deixam marcas eternas”, mas sim por razões estritamente linguísticas: o significado de no entanto e a oposição dos membros do discurso que conecta. Observe estes outros exemplos:

[22] Ganho quase três mil reais.

[23] Ganho apenas três mil reais.

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O primeiro enunciado poder-se-ia prosseguir com Que ótimo!, mas seria estranho continuar o segundo do mesmo modo. No entanto, a informação que nos apresenta [23] consiste em que meu salário não chega a três mil reais, enquanto que se alcança esta quantidade em [24]. A lógica dos fatos nos encaminharia a que fosse o contrário, que a mais dinheiro correspondesse mais alegria, mas, pelo que vemos, a língua atua de um modo diferente (PORTOLÉS, 1998b).

A sequência de um discurso não se baseia, portanto, nos fatos aparentemente representados, mas sim no dito. Como afirma Portolés (1998b, p. 75), “não se argumenta ‘com’ uns enunciados que representam uns fatos, mas sim ‘na’ mesma forma linguística desses enunciados”. Daí que possam favorecer umas continuações do discurso e impedir outras. Isso se chama orientação argumentativa. Vejamos outros exemplos:

[24] Valéria é inteligente. Encontrará trabalho.

[25] # Valéria é inteligente. Vai ser reprovada.

O enunciado [24] apresenta argumentos co-orientados, ou seja, o primeiro segmento nos leva a concluir que o segundo é possível. No entanto, [25] é estranho porque o que o membro “Valéria é inteligente” favorece, dentre outras possíveis continuações, é que se aprove. Essa conclusão é o que se pode chamar antiorientada, e estaria perfeitamente representada assim:

[26] Valéria é inteligente, entretanto vai ser reprovada.

A contra-argumentação seria, portanto, a vinculação de dois membros do discurso na qual o segundo membro se apresenta como supressor ou atenuador de alguma conclusão que poderia ser obtida do primeiro (PORTOLÉS, 1998a).

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Para essa teoria, os conectores são elementos linguísticos que, com mais facilidade, podem ser desvinculados de uma visão logicista de língua, isto é, já não são concebidos como meros nexos que coordenam ou conectam umas orações ou umas proposições com outras, mas sim como unidades cuja significação está formada por uma série de instruções que faz compreender de um modo determinado a relação semântica entre os membros conectados. Como explica Escandell (2006, p. 98-99), os conectores argumentativos são os elementos linguísticos que servem para marcar a orientação argumentativa de um enunciado quando o enlaçam a outro. Eles são responsáveis “externos” da existência de um ato de argumentação.

Além da orientação argumentativa, a Teoria da Argumentação na Língua traz um importante mecanismo de observação: as escalas argumentativas. Existem diversos argumentos que, tendo a mesma orientação, possuem diferentes forças. Esse fato permitirá propor escalas argumentativas que os ordenam segundo sua força. Assim, para concluir ‘João não pode ser o sócio capitalista nesse negócio’, pode-se partir de diversos argumentos ordenados em uma escala:

+ FORÇA

- João tem dívidas.

- João não tem carro.

- João não tem imóvel em seu nome.

É o conhecimento de mundo em que vivemos o que nos diz que, em nossa sociedade, antes se tem um carro que um imóvel, ou que, em qualquer caso, os devedores não emprestam. De todo modo, a língua possui alguns signos especializados a sua disposição para ordenar as escalas. Assim, em:

[27] João não tem casa própria e nem sequer tem carro.

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nem sequer ordena, pelas instruções semânticas de sua significação, casa própria com respeito a ter carro, mostrando que, para o falante, é mais fácil comprar um automóvel que ter uma casa. Como a significação de nem sequer limita a potencialidade argumentativa do membro do discurso no qual se encontra, trata-se de um operador argumentativo.

Isso explica, por exemplo, a estranheza ao dizer:

[28] # É multimilionário, mais que isso, tem muito dinheiro.

pois é multimilhonário está em uma escala de força superior a tem muito dinheiro. O que faz o conector mais que isso é marcar que o que se situa no membro em que aparece tem mais força argumentativa, o que em [29] não tem lógica. Entretanto, a reestruturação abaixo estaria correta:

[29] Tem muito dinheiro, mais que isso, é multimilionário.

Para essa teoria, conectores são, portanto, unidades cuja significação está formada por uma série de instruções que faz compreender de um modo determinado a relação semântica entre os segmentos vinculados.

5 Os conectores e a relevância

O princípio da Teoria da Relevância baseia-se em uma característica básica da cognição humana: “um indivíduo, em interação com o meio, presta mais atenção a uns fenômenos que a outros. Desde o ponto de vista biológico, psicológico e cultural, a atenção humana é caracteristicamente seletiva.” (MONTOLÍO, 1998, p. 96). Em princípio, trata-se de um mecanismo endógeno, pré-instalado geneticamente e seu funcionamento não se limita unicamente a interessar-se pelos

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sinais sensoriais mais intensos e peculiares, mas também a obedecer ao critério das expectativas geradas internamente pelo próprio sistema de processamento:

os conhecimentos armazenados em nossa memória não apenas nos permitem, por exemplo, reconhecer e identificar a um determinado animal como um rinoceronte, mas também nos indicam que a presença do mesmo em um zoológico é perfeitamente esperável, enquanto que sua aparição na cozinha de nossa casa resulta bastante improvável – e notavelmente perigosa para nossa integridade física. (MONTOLÍO, 1998, p. 97).

Sperber e Wilson, fundadores dessa teoria, sugerem que os sistemas cognitivos eficazes: (a) centram sua atenção no signo ou fragmento de informação mais relevante dentre os disponíveis; (b) constroem as representações mentais mais pertinentes possíveis desse fenômeno; e (c) processam essas representações em um contexto que potencializa ao máximo sua relevância.

Inclusive a releitura do conceito de contexto proposto por essa teoria segue esse pensamento: o contexto desempenha um papel decisivo na interpretação pragmática de todos os enunciados, além de que não está pré-determinado ou dado de antemão na mente do destinatário que deve processar um enunciado, mas se constroi ao mesmo tempo em que se interpreta (MONTOLÍO, 1998). Há uma ampliação da noção de contexto, que ultrapassa o físico e o linguístico para alcançar um conjunto de premissas ou suposições instaladas na memória ou que são acessíveis dedutivamente que também participam na interpretação de um enunciado. Como propõe Portolés (1998a), esse princípio da relevância considera que, em todos os falantes de todas as culturas, pelo fato de que são seres humanos, há um guia de obtenção das inferências.

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Se se considera que os falantes são, desde o ponto de vista cognitivo, mecanismos eficientes de processamento da informação, queremos dizer que eles aspiram a rentabilizar ao máximo os recursos cognitivos de que dispõem no curso de qualquer situação comunicativa de que participam. Todo enunciado comunica a seu destinatário a presunção de sua pertinência ótima, ou seja, “nós buscamos na relação entre o dito e o contexto a pertinência maior; isto é, o efeito cognitivo maior – a maior informação – em relação com o esforço de tratamento menor”. (PORTOLÉS, 1998a, p. 19).

Voltando a nosso tema, a utilização de um conector só é pragmaticamente adequada se o falante pode encontrar, seja no contexto físico, seja no linguístico, seja na memória, alguma premissa, alguma informação que explique o porquê da relação entre as proposições relacionadas.

[30] # É guatemalteco; no entanto, é cientista.

Com o enunciado [30], é custoso ter acesso a um contexto possível (alguma suposição, expectativa, crença etc.) no qual se explique a oposição estabelecida no enunciado entre ser originário de um país latino-americano e a falta de cientificismo. Por outro lado, no enunciado [31], é a correspondência entre o valor “instrucional” (que ideia transmite: causa, oposição, consequência…) do conector e a acessibilidade a um contexto o que explica a perfeita interpretabilidade do enunciado:

[31] Carlos é carioca; no entanto, não conhece o Cristo Redentor.

Essa oração é interpretável para todos aqueles que compartilham um conjunto de suposições culturais – um

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determinado contexto mental –, nesse caso, o da comunidade cultural brasileira, pelo qual incluímos entre nosso conhecimento enciclopédico de mundo (em nossa memória) a localização do Cristo Redentor na capital do Rio de Janeiro. Por essa razão, resulta para nós relevante a relação contra-argumentativa que se estabelece entre as proposições “ser carioca” e “não conhecer o Cristo Redentor”.

Montolío (1998, p. 108) também diz que “parece claro que algum indivíduo que não pertença a nossa comunidade e que a desconheça, um falante chinês, ou saudita, ou hindu, por exemplo, não conseguirá entender a presença nesse enunciado do conector no entanto” e, portanto, seu valor de apresentar a informação “não conhecer o Cristo Redentor” como anulando uma inferência possível de “ser carioca”. Isso se ele conhece os termos carioca e Cristo Redentor.

Por outro lado, os conectores dão “pistas” para a interpretação. O uso de tais mecanismos consiste em guiar o processo de interpretação do interlocutor mediante a especificação de certas propriedades do contexto e dos efeitos contextuais. Dessa forma, por mais que um hindu não saiba que é esperável que os que vivem na cidade do Rio de Janeiro conheçam o Cristo Redentor, consegue ver a relação de oposição entre essas proposições no enunciado [32] e pode inferir, graças ao conector no entanto, que os cariocas costumam conhecer o Cristo Redentor e que Carlos é uma exceção.

6 Os conectores e o modelo de análise modular

O Modelo de Análise Modular (MAM) se apresenta como um modelo pragmático da articulação do discurso e de interseção dos diversos trabalhos de várias correntes de pesquisa, como cita Marinho (2004).

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Nessa teoria, os conectores seriam analisados a partir da organização relacional do discurso, que trata das relações ilocucionárias e interativas que há entre os constituintes do texto definidos na estrutura hierárquica e as informações presentes na memória discursiva que, como define Berrendonner (apud MARINHO, 2004), é um “conjunto de saberes conscientemente partilhados pelos interlocutores”.

As relações ilocucionárias são aquelas que “se dão no nível dos constituintes de uma troca” e as interativas, por outro lado, “no nível dos constituintes das intervenções” (MARINHO, 2003). Estas últimas costumam ser marcadas pelos conectores que, segundo o MAM, dão instruções sobre as informações necessárias para a interpretação do discurso e, assim, são considerados como importantes para essa forma de organização, uma vez que vão permitir que se interpretem as relações de discurso.

Na presença dos conectores, a descrição da organização relacional é constituída a partir da acoplagem entre as informações obtidas com a análise das dimensões hierárquica (relativa à definição dos constituintes textuais), lexical (relativa aos sentidos conceituais e procedurais dos lexemas) e sintática (relativa ao conjunto de regras que determinam as categorias e construções de proposições em uso em determinada língua ou variedade de uma língua).

No entanto, pode acontecer (e não raro acontece), de a relação entre um constituinte e uma informação estocada na memória não estar marcada. Nesse caso, descreve-se a organização relacional a partir da acoplagem entre as informações de natureza hierárquica e as de natureza referencial (relativas aos conhecimentos do universo do discurso estocados na memória discursiva).

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Marinho (2003) ainda ressalta que a descrição relacional pode ser realizada usando-se um pequeno número de relações genéricas que, ainda que encubram as nuances mais finas, são suficientes para descrever todas as formas de discurso. Dessa maneira, utiliza-se a noção de argumento para recobrir as relações interativas denominadas de causa, explicação, justificação, consequência etc.

A descrição das relações genéricas, importantes para a compreensão e análise dos conectores, fornece uma esquematização através da qual se localizam as relações ilocucionárias e interativas entre os constituintes discursivos e as informações estocadas na memória discursiva. Segundo Marinho (2003),

dessa esquematização podem-se extrair informações que poderão ser combinadas com as extraídas das representações de outras formas de organização. Mas, para considerar as diferenças entre essas relações, visando ao tratamento de um enunciado em particular, procede-se, num momento posterior à análise das relações genéricas, à descrição das relações discursivas específicas com a aplicação de um princípio geral de cálculo inferencial, em função das propriedades linguísticas e contextuais desse enunciado.

Com isso, a análise da organização relacional procura, por um lado, (a) identificar as relações ilocucionárias e interativas genéricas entre os constituintes da estrutura hierárquica e as informações estocadas na memória discursiva e, por outro lado, (b) descrever o percurso inferencial que permite determinar a relação específica existente entre um constituinte e uma informação da memória discursiva. A análise da organização relacional resulta, portanto, da descrição das relações genéricas a qual deverá ser completada pela descrição dos percursos inferenciais que conduzem à interpretação de cada uma das sequências estudadas. Como resume Marinho (2003),

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com essa abordagem, numa única forma de organização, focaliza-se a questão das relações discursivas genéricas existentes no texto, ou em determinado enunciado extraído do texto, e em seguida busca-se a explicação, através de um cálculo inferencial, para a determinação da informação estocada na memória discursiva que é ligada a um constituinte discursivo através da relação marcada por um conector ou para a determinação da relação não marcada existente entre os constituintes.

Assim, os conectores são vistos não apenas como elementos em torno dos quais o discurso se articula, mas também como guias para a interpretação, como elementos que podem facilitar a compreensão dos enunciados em que aparecem.

Como afirma Berrendonner (1983 apud MARINHO, 2003), se se quer dar conta de maneira homogênea das relações, é necessário admitir que os conectores se encadeiam sempre sobre as informações em memória discursiva e que eles podem ter sua fonte, seja em um constituinte anterior, seja no ambiente cognitivo imediato, seja nos conhecimentos enciclopédicos dos interactantes, daí a necessidade de Roulet (2001), já supracitado por meio de Marinho (2003), de fundar a descrição da organização relacional sobre uma lista reduzida de categorias genéricas, suficientes para descrever todas as formas de discursos, dialógicos e monológicos, a partir da noção de argumento, utilizada como categoria genérica para recobrir uma das classes de relações interativas.

Tendo em vista a necessidade de fundar a descrição da organização relacional sobre uma lista reduzida de categorias genéricas, Roulet (1999) considera que os conectores podem explicitar as seguintes relações:

a) argumento: porque, pois, visto que, uma vez que, devido a, se, então, portanto, de modo que, assim etc.

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b) contra-argumento: mas, porém, entretanto, no entanto, embora, apesar de, mesmo que, ainda que, somente etc.

c) reformulação5: ou seja, ou melhor, enfim, finalmente, em suma etc.

d) topicalização: quanto a, no que se refere a, com relação a etc., ou o deslocamento à esquerda.

e) sucessão6: em seguida, depois etc.

f) preparação: sem marca específica, quando o constituinte subordinado precede o principal. É mais própria do discurso oral.

g) comentário: sem marca específica, quando o constituinte subordinado sucede o principal (pronome relativo).

h) clarificação: sem marca específica, e mais própria do discurso oral.

Para o autor, os conectores, não só marcam as relações interativas, mas também oferecem indicações quanto à hierarquia dos constituintes por eles articulados, já que é no módulo hierárquico em que se definem os constituintes de base da estrutura do texto, bem como as regras que permitem gerar as estruturas hierárquicas de todos os textos possíveis. Dessa forma, os conectores interativos que expressam uma relação argumentativa do tipo causal, explicativa ou de justificativa introduzem sempre um constituinte subordinado, enquanto que aqueles que expressam uma relação argumentativa do tipo conclusiva ou consecutiva introduzem um constituinte principal. Os conectores contra-argumentativos do tipo mas introduzem um constituinte principal e os do tipo embora, um constituinte subordinado. Os conectores reformulativos introduzem sempre

5 Indicam uma relação de equivalência entre duas formulações ou uma relação de

recapitulação da formulação anterior. 6 Indicam relações consecutivas entre os acontecimentos de uma narrativa.

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constituintes principais, e os de topicalização, constituintes subordinados.

Embora sejam muito importantes, nem todas as relações interativas podem ser expressas por conectores. Para as relações como as de comentário, preparação e clarificação não existem marcadores específicos. Ainda porque a relação referencial entre os conteúdos ou as enunciações de dois atos já é bastante evidente, a presença do marcador se torna a presença do marcador desnecessária, como afirma Marinho (2003) citando Roulet (2001).

Quando as relações discursivas entre os atos e as informações da memória discursiva não são explicitadas por um conector, o analista vai se basear na possibilidade de inserção de marcadores no texto a fim de que possa identificar as relações, bem como determinar o estatuto funcional e hierárquico da unidade discursiva (ROSSARI, 1993).

Enfim, para o Modelo Modular, os conectores são concebidos como elementos que contribuem para a elucidação da articulação dos constituintes textuais, evidenciando as relações dominantes do texto e a forma como ele é construído (MARINHO, 2010).

7 Conclusão

Traçamos, neste trabalho, um panorama sobre os conectores e marcadores discursivos e algumas das teorias que abordam esses elementos. Grosso modo, apesar das diferenças estabelecidas entre os conceitos de conectores e MD, tratamos de uma classe de expressões linguísticas que reagrupa, além de certas conjunções de coordenação (mas, portanto, ora, então), certas conjunções e locuções conjuntivas de subordinação (porque, como, com efeito, em consequência, o que quer que

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seja etc.), grupos nominais ou preposicionais (apesar disso etc.), advérbios e locuções adverbiais (no entanto etc.) e algumas estruturas que possuem um esvaziamento semântico, como parece acontecer com seja como for. Essas expressões linguísticas possuem a função de contribuir para o estabelecimento de uma relação coesiva com, pelo menos, o enunciado que as precede no discurso. Tal relação coesiva pode se referir a mais de um enunciado anterior, inclusive pode afetar toda a porção de discurso precedente, ou seja, pode conectar um enunciado a todo o texto que vem antes do conector. Ao ligar, portanto, unidades de diferentes níveis (palavras, proposições, conjuntos de proposições, grandes porções de texto), os MD guiam, de acordo com suas diferentes propriedades morfossintáticas, semânticas e pragmáticas, as inferências que se realizam no momento da comunicação. Por outro lado, algumas relações só existem entre diferentes segmentos textuais graças à presença desses elementos conectivos explícitos.

Fazer um resgate como este que fizemos pode ser de muita valia para analisar conectores e MD em textos, além de pesquisar expressões que ainda não foram estudadas sob essas nomenclaturas, o que torna a área dos marcadores uma grande promessa de novas investigações linguísticas e discursivas.

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ABSTRACT : This paper proposes a review of some theories that conceptualize and characterize connectors and discourse markers. They are considered linguistic elements that signal a cohesive relationship between two textual segments and guide, according to the morphosyntactic, semantic and pragmatic properties, inferences held at the moment of the communication. This review will provide theoretical contributions from

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Dos Marcadores Discursivos e Conectores: Conceituação e Teorias Subjacentes 203

Pragmatics, Argumentation Theory, Relevance Theory, and Modular Analysis Model for the phenomenon of the connection that may be useful for future research in the field of Textual Linguistic and Discourse Analysis, for example.

KEYWORDS : Discourse markers. Connectors. Connection. Pragmatic theories. Cohesive relationship.

Data de recebimento: 31/05/2011

Data de aprovação: 29/06/2012

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Gláuks 204