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    O FUNCIONAMENTO DISCURSIVO DA DIVULGAO DE OBRAS LITERRIASEM ORELHAS DE LIVROS, CONTRACAPA E SINOPSE

    DE CATLOGOS DE EDITORAS

    Maria Jos Werner SALLES(Universidade do Sul de Santa Catarina)

    ABSTRACT: The discursive function of back-covers, editors synopses and summaries in the marketing ofliterary works. This research is related to a collection of editorial summaries, back-covers, synopses and brief

    descriptions, with relation to the theoretic perspective of French School of Discursive Analysis, established by

    Michel Pcheux (1969, 1975). It analyses the discursive function of these texts, produced by literary editors for

    the publications, and intends to identify characteristics and properties of these published summaries. Through

    determining the properties of these discursive texts, this paper investigates the relationship between this

    language and the actual text, ideology and story. In addition to discussing how these synopses convey and reflectthe published work, and how this artistic discourse can be related to literary theory in effecting the promotion of

    the work.

    KEYWORDS: discourse analysis, book back-cover, editors synopsis, summary, discursive formation.

    1. Introduo

    Essas palavras porosas, carregadas de discursos que elas tm incorporadas e pelosquais elas restituem, no corao do sentido do discurso se fazendo, a carga nutrientee destituinte, essas palavras embutidas, que se cindem, se transmudam em outras,palavras caleidoscpicas nas quais o sentido, multiplicado em suas facetasimprevisveis, afasta-se, ao mesmo tempo, e pode, na vertigem, perder-se, essas

    palavras que faltam, faltam para dizer, faltam por dizer defeituosas ou ausentes aquilo mesmo que lhes permite nomear, essas palavras que separam aquilo mesmoentre o que elas estabelecem o elo de uma comunicao, no real das no-coincidncias fundamentais, irredutveis, permanentes, com que elas afetam o dizer,que se produz o sentido. Assim que, fundamentalmente, as palavras que dizemosno falam por si, mas pelo. Outro. (AUTHIER-REVUZ,2001).

    Tomandopor base as perspectivas tericas da Escola Francesa de Anlise do Discurso,estabelecida por Michel Pcheux (1965, 1975) na Frana e, desenvolvida no Brasil por EniOrlandi (1983, 1990, 1999, 2001), e tendo como corpus determinadas orelhas de livros,contracapas e sinopses de catlogos, que constituem publicaes de editoras, como materiais

    destinados divulgao de livros, pretende-se refletir sobre a relao entre a obra literria e aforma discursiva do texto de divulgao da obra, buscando compreender em que medida aobra literria com seus sentidos estabelecidos, por um lado pelo prprio texto literrio e, poroutro, pelo discurso da teoria literria, pode ser divulgada, ou seja, tomada como objeto deconhecimento de um certo campo do saber. Este trabalho parte da pesquisa que realizeisobre o referido tema em minha dissertao de Mestrado.

    2. O Corpus

    Para a realizao deste trabalho, optou-se por um corpus constitudo por orelhas,contracapa e sinopses de catlogos de editoras de obras literrias, pertencentes ao sculo XIX

    francs, a saber: Madame Bovary, de Gustave Flaubert, Madame Hermet e Outros ContosFantsticos, de Guy de Maupassant e Pequenos Poemas em Prosa, de Charles Baudelaire.

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    3. O tipo de discurso

    Tendo-se como base terica a Anlise do Discurso, pretende-se refletir sobre a relaoentre a obra literria e a forma discursiva do texto de divulgao da obra, o qual constri

    imaginariamente os seus sentidos, objetivando informar, descrever fatos, comunicar-se com opblico. Sendo o corpus justamente destinado divulgao das obras literrias citadas,passou-se, ento, a considerar esta atividade de divulgao como um tipo de discurso, ou seja,como um espao histrico-ideolgico pelo meio do qual emergem significaes, atravs desua materialidade especfica, que a lngua. Ao mesmo tempo, buscou-se refletir sobre ascondies de produo especficas deste tipo de discurso de divulgao. Sabendo-se, portanto,que este tipo de discurso destinado divulgao de obras literrias, observa-se que atravessado por um certo apelo publicitrio evidenciado, sobretudo, pela maneira comocolabora positivamente com a imagem da obra.

    Sendo assim, as anlises propostas partem de uma reflexo a respeito de como estediscurso de divulgao ser atingido pelos sentidos advindos das prprias obras literrias e,

    em que medida, os sentidos das obras literrias e da teoria literria estaro afetando o discursode divulgao.

    4. Metodologia e anlise

    Neste trabalho, procurou-se analisar, numa primeira etapa, o que se denominou comoinstncia lingstico-enunciativa dos textos de divulgao concernentes s obras em questo.Estas anlises objetivaram desvendar a superfcie lingstico-enunciativa de cada texto,buscando-se a compreenso do conjunto de operaes, atravs das quais, cada enunciado seancora na situao de enunciao. Ou seja, o corpusfoi assim analisado, objetivando-se, destaforma, identificar o funcionamento lingstico, que serve como base para a realizao daAnlise do Discurso, a qual pretende descrever o funcionamento do texto, ou seja, explicitarcomo um texto produz sentidos. Cabe, portanto, ao analista mostrar os mecanismos dosprocessos de significao que presidem a textualizao da discursividade, segundo o quepreconiza Orlandi (1999).

    Iniciando-se os gestos de leitura, foram observadas as condies de produo docorpusem questo. Segundo Orlandi (1999), h as condies de produo em sentido estrito,relacionadas enunciao e a um contexto imediato, e h as condies de produo emsentido amplo, que incluem o contexto scio-histrico e ideolgico. No corpus presente, ocontexto imediato remete a textos que foram produzidos para serem inseridos, no caso dasorelhas e da contracapa, no prprio livro, sem constiturem a obra, o texto literrio. No caso

    do texto da contracapa da obra Madame Bovary e dos textos dos catlogos de divulgao daseditoras, incluindo-se a as trs obras, h um sujeito que no os assina, mas responsvelpelos mesmos, em suma, o autor dos textos. Em contrapartida, os textos das orelhas deMadame Hermet e Outros Contos Fantsticos e de Pequenos Poemas em Prosa so assinadospor autores que atuam na rea de Letras. J o contexto amplo o responsvel pelos efeitos desentidos, que trazem elementos originrios de cada sociedade, com suas Instituies, como asUniversidades, entre outras. Desta forma, a obra literria, da qual os textos tratam, tem umsentido produzido a partir desses lugares histricos e sociais.

    Assim, ao se considerar que a memria, tratada na perspectiva da Anlise do Discurso,como interdiscurso, como o que se fala antes e em outro lugar, de uma maneira independente,sendo o saber discursivo que torna possvel todo dizer e que retorna sob a forma do pr-

    construdo, o j-dito que est na base do dizvel, sustentando cada palavra (Orlandi, 1999),pode-se dizer que todos os dizeres, tudo o que j se disse sobre as obras aqui analisadas, sobreoutras obras, bem como sobre a arte literria e sobre a teoria literria esto significando nestes

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    textos. Observa-se que, h sentidos j ditos por outras pessoas, noutros lugares, noutrostempos, que tm efeitos sobre o que os textos dizem, pois os mesmos convocam essessentidos.

    De tal modo, entendendo-se que as palavras recebem seus sentidos de formaes

    discursivas em suas relaes, sendo este o efeito de da determinao do interdiscurso (damemria) (Orlandi, 1999), faz-se necessrio que se identifiquem as Formaes Discursivas(FDs) que os constituem, relaes estas que podem ser de contradio, de dominao, deconfronto, de aliana e/ ou complementao. Desta forma, observando-se a proposta deanlise discursiva dos textos que constituem o corpus deste trabalho e, sabendo-se que estestextos tm caractersticas enunciativas, que os identificam como textos que tm como objetivodivulgar, transmitindo informaes (atravs de resumos), prope-se que o funcionamentodiscursivodos mesmos aproxime-se do que, nos termos de Mariani (1998), se denomina pordiscurso sobre.

    4.1. O discurso sobre segundo Mariani

    Segundo Mariani (1998), o discurso sobre atua como intermedirio, pois fala sobreum outro discurso, o discurso de, ou discurso-origem, situando-se entre este e o interlocutor.Atua, igualmente, na institucionalizao dos sentidos, portanto, no efeito de linearidade ehomogeneidade da memria, representando lugares de autoridade, em que se efetua algumtipo de transmisso do conhecimento, j que o falar sobre transita na co-relao entrenarrar/descrever um acontecimento singular, estabelecendo sua relao com um campo desaberes j reconhecidos pelo interlocutor (Mariani, 1998).

    O discurso sobre apresenta o mundo como objeto, atravs de um trabalho dedesambigao, pois o sujeito-autor fala sobra as coisas, sobre o mundo, de maneira literal eobjetiva, passando esta objetividade pela manipulao da lngua, que o instrumento capaz dereferencializar a realidade dos fatos. As marcas enunciativas dessa objetividade eimparcialidade evidenciam-se no apagamento da relao com a interlocuo, em que oenunciador constri uma imagem de distanciamento, o que lhe permite descrever e avaliarcom objetividade. Conseqentemente, a monologicidade gera a iluso de um discursoimparcial e a manifestao da verdade. Sendo assim, neste funcionamento discursivo, afasta-se o mundo dos leitores, j que estes passam a atribuir sentido sem nenhuma contradio,passam a um j-l, um pr-construdo, que sustenta a possibilidade do dizer na formaodiscursiva em questo.

    A memria relacionada com a FD mediadoraest assim significando nos textos destetrabalho. A obra, que o objeto a ser mediado, transformada em campo do saber do

    interlocutor pelo sujeito enunciador, que trabalha produzindo um efeito de linearidade e dehomogeneidade da memria na sua enunciao que, segundo Mariani (1998) acaba pordesambigisar as coisas a saber. Entretanto, um texto no se constitui apenas por uma FD,pois ele pode ser atravessado por outras, que nele se organizam, em funo de umadominante. Desta forma, mesmo tendo como dominante a FD intermediria, mediadora, ostextos aqui analisados sofrem coeres de outras FDs.

    Levando-se em considerao o j-dito sobre as obras literrias, cujos textos dedivulgao constituem o corpus deste trabalho, observa-se que isso implica em resgatar umamemria, aquela do discurso literrio. Sendo assim, os textos da contracapa, das orelhas edas sinopses de catlogos de editoras das obras em questo se textualizam, determinados porum funcionamento caracterstico de um discurso mediador, sendo que o sentido da obra, que

    se constitui tanto pelo discurso da criao literria, quanto pelo discurso da teoria literria,pode estar afetando em maior ou menor grau estes textos.

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    4.2. Formaes discursivas encontradas nos textos

    A relao entre as FDs pode ser evidenciada ao se relacionar o texto da contracapa daobra Madame Bovary com os textos das orelhas das obras Madame Hermet e Outros Contos

    Fantsticos e Pequenos Poemas em Prosa. Desta forma, observa-se que:- h diferentes memrias que sustentam os textos e, por conseguinte, diferentes FDsque determinam o que pode e o que no pode ser dito;

    - tanto no texto da orelha de Madame Hermet e Outros Contos Fantsticos, quantono texto de Pequenos Poemas em Prosa, os enunciados so atravessados sobretudo por umamemria, um pr-construdo relacionado teoria literria;

    - j no texto da contracapa de Madame Bovary, observa-se que o que determina osseus sentidos, parece originar-se de um discurso mediador, ou seja, de uma memria que,atravs de uma linguagem objetiva e imparcial, descreve e resume, construindo uma imagemdesambigisada da obra literria. Este funcionamento traz, como conseqncia, uma produode sentidos parafrsticos em relao obra. Desta forma, enunciados retirados do texto, tais

    como, literatura sentimental, leu romances de cavalariademais, assim como noutra redede filiao de sentidos, os enunciados campo, provincianos, interiorano, buscamconstruir essa imagem da obra, intermediando a relao entre a obra e o leitor e o fazemreiterando alguns processos de sentidos j cristalizados, ou seja, remetem formaodiscursiva da obra, evidenciada atravs da recuperao histrica de termos como campo,provincianos, interiorano, por exemplo, que remetem o leitor ao sculo XIX, sculo emque se passa o romance, quando os usos, costumes, tradies tinham outras significaes,provocavam outros sentidos, completamente diversos aos provocados num leitor do mundoatual. Desta forma, a descrio da obra feita pelo autor da contracapa tem um carter deestranhamento para um leitor do sculo XXI, causado pelo movimento dos sentidos, ou seja, oautor do texto, ao transformar o discurso de origem em campo de saber do leitor, o fazparafraseando a prpria obra.

    Desta forma, os textos analisados concernentes contracapa da obra Madame Bovarypodem ser considerados como tendo um funcionamento de um discurso intermedirio, poisfalando sobre a obra literria, tem a funo de transmiti-la ao leitor/interlocutor.

    Assim, este funcionamento discursivo que constri o sentido da obra, atravs de umalinguagem objetiva e imparcial, acaba por transformar o sentido da obra num simulacro, oque, segundo Gallo(2003), o resultado

    de um processo de transferncia de um sentido construdo em um determinadodiscurso (que lhe sustenta historicamente, socialmente e ideologicamente) para outrodiscurso que tem outra sustentao histrica, social e ideolgica e que, portanto, vai

    interpretar esse sentido transferido de uma maneira prpria, certamente diferente.

    Dando prosseguimento, no que se refere aos textos das orelhas das obras MadameHermet e Outros Contos Fantsticos e de Pequenos Poemas em Prosa, observa-se o seguinte:

    - a memria, o pr-construdo da FD da teoria literria afeta de maneira maisintensa estes textos, se comparados aos textos destinados divulgao da obra MadameBovary;

    - os processos metafricos que, nesses textos, garantem a transferncia desentidos dodiscurso da obra para um outro, aquele do discurso das orelhas, se confrontadoscom o que se pde observar na anlise do texto da contracapa da obra Madame Bovary,mostram-se menos parafrsticos;

    -

    conseqentemente, eles so mais afetados pela memria da FD da teorialiterria, sendo que as determinaes da FD intermediria so aqui menos preponderantes paradesambigisar a relao entre a obra e o seu leitor;

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    - os enunciados do texto da orelha da obra Madame Hermet e Outros ContosFantsticos, tais como gnero fantstico, mais simblico, naturalistas, Zola, omestre do Realismo, Flaubert, so noes que se sustentam dentro de um discurso da teorialiterria, sendo, portanto, a FD da teoria literria, a predominante. Um outro enunciado,

    extrado do mesmo texto, igualmente, um bom exemplo: A presente coletnea tem um fiocondutor, um tema fulcral na obra do autor: o fantstico. Isso confere unidade ao livro,ligando os contos entre si;

    - no texto da orelha da obra Pequenos Poemas em Prosa, observa-se, igualmente, aFD da teoria literria como predominante, como no exemplo a seguir: O resultado umBaudelaire radical, mas que divide com outros escritores de seu pas e tempo, idias,preferncias estticas e padres estilsticos;

    - ou ainda, no exemplo retirado do mesmo texto: A ironia, que inclui a auto-ironia, eo sarcasmo percorrem todo o texto, onde o desencanto se mistura com certo entusiasmo pelasnovas possibilidades trazidas pela metrpole moderna. Vemos o poeta ora cantar ora lamentare o vemos fustigar incansavelmente a mediocridade e sonhar com a fraternidade ou com a

    evaso a lugares remotos e exticos;- portanto, conforme se pde observar, o pr-construdo da teoria literria afeta esses

    enunciados, produzindo um efeito de sentido em que o contedo dos textos no parece purainformao.

    4.3. A metfora na AD

    Segundo Orlandi (2001), no h equivalncia entre o que dito em uma ordem dodiscurso e o que dito em outra, havendo sim transferncia, ou seja, a produo de um efeitometafrico. A noo de metfora na AD, que se difere da Retrica, definida segundo Lacan(1966), como a tomada de uma palavra por outra. Segundo este ponto de vista, metforasignifica transferncia, e somente deste modo que as palavras significam, o que resulta emdizer que no h sentido sem metfora.

    Desta forma, segundo Pcheux (1975), o sentido existe apenas em relaes de metfora, que podem ser realizadas em efeitos de substituio, parfrases, formao desinnimos, sendo que a formao discursiva o lugar mais ou menos provisrio.

    O efeito metafrico assenta-se na tenso entre processos parafrsticos1e polissmicos,sem traar limites estritos entre o mesmo e o diferente. No que diz respeito aos textos aquianalisados, observa-se que os processos metafricos do texto da contracapa da obra MadameBovary se constituem muito mais estabilizados, garantindo que o que se diz sobre a obrasejam apenas reformulaes de um dizer j sedimentado, isto , h uma reiterao de

    processos j cristalizados que, segundo Orlandi (1999), mantm o sujeito num retornoconstante ao mesmo espao dizvel, produzindo a variedade do mesmo.O funcionamento dos discursos intermedirios caracteriza-se, justamente, por esta

    transferncia dos sentidos. Entretanto, quando esta transferncia elimina qualquer vestgio decontradio, Orlandi (2001) preconiza que o resultado d-se apenas por transporte, (e nopor transferncia) de um sentido do discurso para o outro, trazendo, como conseqncia,perda e caricatura.

    Assim, no texto concernente obra Madame Bovary, funciona um mecanismo dameno (discurso sobre) que, ao colocar em contato o discurso de um possvel leitor da obra,o faz transportando os sentidos de um discurso para o outro, o que pode ser evidenciado,sobretudo, pela predominncia de processos parafrsticos. Conseqentemente, o sentido da

    1 O esquecimento nmero 2, de acordo com Pcheux (1975), que parcial, do nvel do semi-consciente eestabelece uma relao natural entre a palavra e a coisa, permite que o falante produza famlias parafrsticasque so esquecidas, deixando a impresso de que o dizer no poderia ser outro.

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    obra, sendo formulado pelo discurso intermedirio (discurso sobre) transforma-se, atravs deresumos e descries, numa caricatura, num simulacro.

    Desta forma, os termos advindos do discurso literrio presentes no texto da contracapada obra Madame Bovary, como narrativa longa do sculo XIX, o chamado sculo de ouro

    do romance, irretocvel prosa de Madame Bovary, literatura universal, tentam sustentaro sentido da obra para o leitor desse texto, contudo, os sentidos a produzidos, por seremrepeties de situaes discursivas e de sentidos j cristalizados, no produzem nenhumaruptura.

    Partindo-se da, os textos das orelhas das obras Madame Hermet e Outros ContosFantsticos e Pequenos Poemas em Prosa, se comparados ao texto da contracapa de MadameBovary, podem ser entendidos como menos parafrsticos, ou seja, parece haver umdeslocamento, uma certa ruptura dos processos de significao, pois os textos tentamconstruir uma imagem mais singular da obra.

    Neste funcionamento discursivo, a metalinguagem que caracteriza o discurso da teorialiterria que, por sua vez, vai construir o sentido da obra, no desliza para a terminologia.

    Nestes textos, a metalinguagem entendida como um efeito do dizer sobre o dizer, comodiscurso de iniciados, em um campo disciplinar especfico (Orlandi 2001), aparece comoresultado da articulao entre a FD da teoria literria e a FD intermediria, em que os sentidosda FD da teoria literria parecem ser dominantes.

    Observa-se ento que, os autores dos textos das orelhas das obras Madame Hermet eOutros Contos Fantsticos e Pequenos Poemas em Prosa falam sobre literatura, com umdiscurso de iniciados, enquanto estudiosos deste campo disciplinar especfico, o que comprovado pelos seguintes exemplos extrados destes textos:

    [.] em outras palavras, no pretendeu supermodernizar Baudelaire nem adapt-loaos nossos particulares costumes modernistas (enunciado extrado do texto de

    Pequenos Poemas em Prosa);

    Maupassant olhava o mundo com o olhar do artista para quem o mido fato docotidiano se transfigurava em obra de arte. [.] Este tom irnico vai tornar ofantstico, em Maupassant, muito diverso do fantstico de autores anteriores, comoos do Romantismo.

    A presente coletnea tem um fio condutor, um tema fulcral na obra do autor: o fantstico. (Estes dois ltimos enunciados foram extrados do texto da obraMadame Hermet e Outros Contos Fantsticos).

    Como se pode constatar somente iniciados, conhecedores de literatura, podem fazeresta relao entre escolas literrias (Romantismo/Naturalismo/Realismo), identificando-ascom determinados autores (Zola e o Naturalismo, Flaubert e o Realismo), alm de outrasevidncias encontradas nestes exemplos e relativas a este tipo de saber.

    Portanto, a anlise mostrou que o texto da contracapa de Madame Bovary constrisentidos parafrsticos sobre a obra literria que est sendo divulgada, enquanto que os textosconcernentes s obras Madame Hermet e Outros Contos Fantsticos e Pequenos Poemas emProsa, ao contrrio, apresentam um certo nvel de polissemia, devido ao modo como a FD dateoria literria afeta estes textos.

    4.4. O discurso publicitrio

    Os textos que constituem o corpus deste trabalho caracterizam-se por umaargumentao, que busca construir uma imagem positiva das obras literrias que esto sendodivulgadas, refletindo o que se pode denominar de apelo publicitrio.

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    Estes textos falam sobre as obras literrias e visam atingir um pblico especfico,aquele apreciador de literatura clssica. Desta forma, apresentam caractersticas que revelamum atravessamento do discurso publicitrio, com um constante carter avaliativo, que deslizasempre para o lado positivo, elogioso, evidenciado pela modalizao apreciativa.

    Entretanto, o que se sobressai em dois textos e que se constitui estratgia do discursopublicitrio, diz respeito ao uso de ttulos. Assim, enquanto que o texto da orelha da obraMadame Hermet e Outros Contos Fantsticos no traz ttulo, os outros dois so apresentadospor ttulos, que objetivam, certamente, chamar a ateno de um possvel comprador. O textoda contracapa da obra Madame Bovary apresenta o ttulo A obra-prima de Gustave Flaubert eo texto da orelha da obra Pequenos Poemas em Prosa introduzido pelo ttuloParis aqui.

    - O ttulo A obra-prima de Gustave Flaubert, apresentado em corvermelha, faz uma apreciao eloqente da obra, o que constitui um apelo que procurainterpelar o leitor;

    - j o ttulo Paris aqui, apesar de aparentar, num primeiro olhar, noestar relacionado ao ttulo da prpria obra, pretende suscitar no leitor e provvel

    comprador, uma grande curiosidade e uma forte atrao. Observando-se que o autorsilencia, com este ttulo, a respeito do ttulo da obra, e, considerando-se que ofuncionamento do discurso da publicidade busca a construo positiva do objeto,(neste caso, a obra Pequenos Poemas em Prosa), a caracterstica primordial dodiscurso publicitrio, pode ser observada neste enunciado/ttulo, pois o nome dacidade de Paris garante uma valorao para o produto/obra, tornando-a atraente para oleitor/consumidor. No mecanismo de antecipao, que constitui a tentativa do autorem intermediar a relao entre a obra e o leitor, o que se observa que o autor constrium leitor virtual, que um comprador, mas apreciador de literatura.

    Conclui-se, desta forma, que o uso de ttulos produz sentidos neste tipo de textos, queso determinados pela FD da publicidade que, atravs de uma cena enunciativa modalizada(apreciativa/positiva), funciona suprimindo todas as contradies entre oprodutor/produto/obra e o leitor/consumidor. Conseqentemente, o efeito de sentido resultante o de uma obra perfeita e sem falhas.

    Assim, buscando compreender as relaes que se estabelecem entre as FDs queconstituem os sentidos destes textos, pode-se propor que a relao entre a FD da teorialiterriae a que foi denomina de intermediria (discurso sobre) institui-se pelo conflito:

    - no texto da contracapa de Madame Bovary, os sentidos da obra se constituempredominantemente pela FD intermediria, silenciando a memria da teoria literria;- entretanto, nos textos das orelhas das obras Madame Hermet e Outros Contos

    Fantsticos e de Pequenos Poemas em Prosa, a FD da teoria literria apresenta-semenos apagada e os textos produzem um sentido para a obra menos parafrstico.Entretanto, no que concerne ao lugar da FD da publicidade nesta situao, prope-se

    que a relao seja de aliana. Portanto, como o discursopublicitrio se constitui eliminando ascontradies entre a obra literria e o seu leitor, ele funciona, nestes textos, de forma indireta,constituindo o sentido da obra na sua articulao com as FDs intermediria e da teorialiterria.

    4.5. Textos da contracapa e das orelhas vs textos das sinopses dos catlogos daseditoras

    No que diz respeito relao entre os textos da contracapa e das orelhas e os textosdos catlogos das editoras, o que se observa um mero processo de reformulao, em que hum processo contnuo de retorno ao mesmo.

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    Este processo intensamente observado nos textos concernentes obra MadameBovary, segundo os exemplos que seguem:

    Emma uma mulher sonhadora, pequeno-burguesa, criada no campo que aprendeua ver a vida atravs da literatura sentimental (texto da contracapa) Mulher [.]sonhadora (texto do catlogo, 3 linha);

    Madame Bovary, cest moi, disse Gustave Flaubert (texto da contracapa) Madame Bovary cest moi (texto do catlogo, linha 14);

    O criador deste que considerado o pice da narrativa longa do sculo XIX (textoda contracapa) a maior realizao do romance ocidental (texto do catlogo,linhas 1-2)Na sua maior obra (texto do catlogo, linha 14).

    Em suma, segundo Mainguenau (1997:96), fingindo dizer a mesma coisa pararestituir uma equivalncia preexistente, a parfrase abre, na realidade, o bem-estar quepretende absorver, ela define uma rede de desvios cuja figura desenha a identidade de umaformao discursiva, o que permite dizer que no se pode afirmar categoricamente qual,dentre os dois textos relativos obra Madame Bovary, teria sido escrito primeiramente,devido justamente aos processos parafrsticos.

    4.6. Uma nova formao discursiva: orelhas de livros

    Todo discurso relaciona-se com outros, sendo que os sentidos resultam de relaes.Desta forma, um discurso aponta para outros que o sustentam, e para dizeres futuros, nohavendo um futuro determinado, nem um final, pois o processo discursivo amplo e

    contnuo. Em suma, um dizer tem relao com outros dizeres realizados, imaginados oupossveis. Conseqentemente, os diversos discursos que atravessam uma FD no seconstituem independentemente uns dos outros para serem postos em relao, mas se formamde maneira regulada no interior do interdiscurso. Assim, a heterogeneidade entendida comoelemento constitutivo das prticas discursivas, pois todo discurso atravessado pelo discursodo outro ou por outros discursos.

    Authier-Revuz (1982) prope formas de heterogeneidade que acusam a presena dooutro:

    1) a heterogeneidade constitutiva do discurso (que por ser do nvel doinconsciente no capta a presena do outrono um);

    2) e a heterogeneidade mostrada no discurso (que indica a presena do

    outro no discurso do locutor). Este tipo de heterogeneidade acontece em duasmodalidades: a marcada, da ordem da enunciao e visvel na materialidadelingstica; e a no-marcada, identificvel no nvel do pr-consciente, com base naintertextualidade (humor, ironia, pastiches, entre outros).No que concerne s anlises realizadas neste trabalho, a heterogeneidade mostrada

    que interessa, pois constituindo-se por lapsos de conscincia (lembrana), uma forma denegociao com a heterogeneidade constitutiva.

    Sendo assim, e conforme o que foi anteriormente observado, os textos aqui analisados,constituem-se heterogeneamente, atravessados por diferentes FDs. Entretanto, a presena dooutronem sempre pode ser identificada na materialidade lingstica.

    Desta forma, observando-se o texto da contracapa da obra Madame Bovary, na

    seqncia discursiva abaixo reproduzida:

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    Emma Bovary, cest moi, disse Gustave Flaubert (1821-1880), o criador desteque considerado o pice da narrativa longa do sculo XIX o chamado sculo deouro do romance. Flaubert, o esteta, aquele que buscava o mot juste(a palavra exata)e burilava os seus textos por anos a fio, imbuiu-se da conscincia e da sensibilidadeda sua personagem. Atingiu, com a irretocvel prosa de Madame Bovary, o mais

    alto grau de penetrao e anlise psicolgica da literatura universal. Nunca umromancista talhou com tanto esmero a mente as aflies de sua personagem.

    Verifica-se, nesta seqncia discursiva, que o sujeito recorta as palavras do outro e ascita, marcando-as com aspas e itlico: Emma Bovary, cest moi, disse Gustave Flaubert(1821-1880) [.]. O outro, neste caso, identifica-se com a FD da teoria literria, do mesmomodo que a glosa [.] o chamado sculo de ouro do romance, marcada tambm atravs deum sinal grfico.

    H, ainda, o enunciado mot juste (a palavra exata) que se constitui igualmente comoexemplo de heterogeneidade constitutiva marcada. Conclui-se ento, que estes enunciadosremetem FD da teoria literria que, por sua vez, remete construo do sentido da obra pelo

    funcionamento do discurso mediador (discurso sobre).

    No texto da orelha da obra Madame Hermet e Outros Contos Fantsticos, observam-setambm marcas lingsticas que identificam as FDs, que organizam o texto:

    [.] Maupassant escreveu mais de 300 novelas e contos e, dentre esses, a maioria foiconsiderada pela crtica como obras-primas [.]. Sempre ligado aos autoreschamados naturalistas, na esteira de Zola, Maupassant, por esta vertente,diferencia-se muitssimo deles.

    Verifica-se, novamente, no enunciado destacado por aspas, naturalistas, umareferncia FD da teoria literria. E, no enunciado obras-primas, pode-se identificar oatravessamento de um outro discurso, ou seja, a FD da publicidade.

    E, finalmente, no texto da orelha da obra Pequenos Poemas em Prosa, pode-seigualmente verificar a presena de heterogeneidade mostrada marcada:

    A tradutora [.] esteve o tempo todo atenta contra os automatismos todos queimpedem de ver o detalhe inovador, o pequeno desvio e a presena da tradio, forteem tantas passagens. Em outras palavras, no pretendeu supermodernizar Baudelairenem adapt-lo aos nossos costumes modernistas.

    A glosa, em outras palavras, indica que o enunciador negocia apresena do outro.

    A heterogeneidade mostrada, para Authier-Revuz, um tipo de negociao do sujeito com aheterogeneidade constitutiva na forma da denegao, ou seja, no enunciado em outraspalavras, o locutor ao mostrar um sentido diferente que estaria no universo do interlocutor,imaginariamente, garante que o restante todo seu.

    Por outro lado, Gallo (2001) prope um outro nvel de heterogeneidade especialmentediscursivo, que no envolve, necessariamente, uma negociao com a heterogeneidadeconstitutiva. Desta forma segundo esta terica, a heterogeneidade discursiva deve serpermanente na medida em que no denegada pelo sujeito:

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    Se, por um lado, a relao do sujeito com a heterogeneidade constitutiva sempreuma relao de denegao, por outro lado, sua relao com a heterogeneidademostrada sempre fruto de um breve instante de conscincia fantasmagrica emrelao heterogeneidade constitutiva.No entanto, no meu entender, a heterogeneidade no nvel discursivo permanente,

    sem ser denegada pelo sujeito. Ao contrrio, o sujeito conta com ela para fazersentido. Ou seja, o sentido se faz nela. (Gallo, 2001:65).

    Para Gallo, as noes de pr-construdo e de acontecimento discursivo soindispensveis para o entendimento desta proposta. O pr-construdo, para Paul Henry, dconta do outro, que no o outro enunciativo e nem o outro do interdiscurso, mas o outro dointerdiscurso circunscrito em uma regio histrica e ideolgica, delimitada no acontecimentodo discurso (Gallo, 2001:65), e pode ser considerado, segundo a autora, como o elementoque delimita posies de sujeito j cunhadas historicamente, as quais esto l para seremassumidas. O sujeito pode assumir esta posio j pronta:

    Assim, por no se tratar de uma heterogeneidade constitutiva, alienante e catica,o sujeito no precisa circunscrever uma parte de seu discurso e a mostrar como

    sua, o que constituiria a denegao dessa alteridade. Ou seja, ele no a denega,

    porque ele a se identifica e o seu dizer se faz contando, justamente, com os limites e

    a unidade desse discurso.

    No que concerne ao acontecimento discursivo, a terica destaca o momento daconstituio do sujeito, sem priorizar os aspectos enunciativos a envolvidos. Citando Pcheux(1990), disserta sobre o acontecimento de uma nova posio de sujeito, a partir do confrontode duas formaes discursivas. Segundo a autora, a esse efeito de sentido produzido por essanova` posio de sujeito que surge do confronto de ordens diferentes de discurso, chameiefeito-autor.

    E, continuando, faz a seguinte assero:

    Assim caracterizei o efeito-autor, como sendo o efeito do confronto de formaesdiscursivas, cuja resultante uma nova formao dominante.

    Dando continuidade, Gallo (2001) prope que a autoria deve ser observada em doisnveis, nos quais h uma relao com a produo do novo` sentido:

    Primeiramente, em um nvel enunciativo-discursivo, que o caso da funo-autor,que tem relao com a heterogeneidade enunciativa e que condio de todo sujeitoe, portanto, de todo acontecimento discursivo. E, em segundo lugar, em um nveldiscursivo por excelncia, que o caso do efeito-autor, e que diz respeito ao

    confronto de formaes discursivas com nova dominante, verificvel em algunsaconteciemntos discursivos, mas no em todos.(Gallo, 2001:69).

    Sendo assim, concluindo-se as anlises deste trabalho, pde-se observar que os textosse constituem na relao entre diversas formaes discursivas:

    - a FD da obra, que mobiliza os dizeres na forma do objeto do qual se fala;- a FD intermediria (discurso sobre) que, falando sobre este objeto (obra literria)

    formula a sua descrio, buscando, ao resumir a trama da obra, estebelecer uma relao nocontraditria com os campos de saber do interlocutor;

    - a FD da teoria literria que, mesmo sofrendo as coeres da FD intermediria,

    constri sentidos menos parafrsticos para os textos, no reduzindo assim, o sentido da obra auma pura informao, e, por fim,

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    - a FD da publicidade que, ao funcionar tambm suprimindo todas as contradiesentre a obra (produto) e o leitor (consumidor) produz uma obra imaginariamente sem falhas, oque evidenciado tanto pelo carter persuasivo do texto, quanto pela maneira como constripositivamente uma imagem da obra.

    Portanto, prope-se que, do confronto destas formaes discursivas, tem-se uma novaformao dominante, ou seja, aformao discursiva do discurso das orelhas` de livros.Conseqentemente, conclui-se que h um efeito-autor, que representa o efeito de

    sentido produzido por essa nova posio de sujeito, que surge do confronto entre ordens dediscurso, isto , o efeito do confronto de formaes discursivas, cuja resultante uma novaformao discursiva dominante (Gallo, 2001).

    4.7. O discurso do saber sobre o saber: um encaminhamento possvel

    Morello (2001), dissertando a respeito do denominado discurso sobre, aponta trsespaos discursivos interdependentes e habitados por mltiplas formaes discursivas que,

    segundo a terica, so estruturantes do discurso do saber sobre a lngua e dos seus modos designificar historicamente.

    A terica realiza esta classificao da seguinte forma:1 o discurso sobre a lngua relacionado ao aparecimento de um saber lingstico

    qualquer produzido sobre a linguagem humana, segundo Auroux (1989:15);2 o discurso do saber sobre a lngua que, recortando o espao anteriormente descrito,

    se instala por meio de uma ordem investigativa qualquer, organizando a lngua como fato deconhecimento, passvel de generalizaes e investido de uma metalinguagem, alada,portanto, ao estatuto das coisas a saber de que fala Pcheux (1990). Nesses espaos seengendram instrumentos lingsticos como gramticas, dicionrios, manuais impressos eeletrnicos, etc. A ele se articulam as instituies em sua funo produtora, propagadora elegitimadora do saber. Os discursos sobre diz Orlandi (1990:37) so uma das formascruciais de institucionalizao dos sentidos. no discurso sobre` que se trabalha o conceitode polifonia. Ou seja, o discurso sobre` um lugar importante para organizar as diferentesvozes (dos discursos de);

    3 o discurso do saber sobre o saber lingstico: espao da crtica do conhecimento,da historiografia (discurso que historiciza grafando), instncia de promoo e validao desaberes. Espao das maquinaes que imprimem e fazem circular produtos de conhecimento eo prprio conhecimento como produto (o a ser divulgado); que regulam e restringem tambmas condies de sua produo.

    Penso esse espao como aquele de constituio de uma memria discursiva sobre oconhecimento e seus sujeitos que, inseparvel dos outros dois, sobre eles incide, noentanto, sob a forma de refluxo de sentidos que afloram entre o que neles se torna ouno possvel dizer. Ou seja, esse um espao de legitimao dos discursos sobre osaber, de sua forma e temas, e das condies bsicas para sua validao; ao mesmotempo, o espao por meio do qual se representam as relaes de fora e dedominao que caracterizam as prticas polticas institucionalizadas de produo dosaber. Cabe marcar, no domnio do saber lingstico, as mltiplas injunes discursividade de um saber cientfico, objetivo e a-histrico, como forma modelar.

    Sendo assim, na tentativa de aplicar a teoria acima com o presente trabalho, entendoque:

    1 a FD intermediria (discurso sobre) isolada no corpus analisado, e presente,sobretudo, nos textos concernentes obra Madame Bovary, relaciona-se com o discurso sobrea lngua, pois os autores dos textos em questo produzem um saber lingstico. Entretanto,

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    pode-se aqui acrescentar a FD da obra que, segundo o que se observou durante as anlisesdiscursivas, relaciona-se tambm com a FD intermediria;

    2 a FD da teoria literria, presente, principalmente, nos textos das orelhas das obras

    Madame Hermet e Outros Contos Fantsticos e de Pequenos Poemas em Prosa, relaciona-secom o discurso do saber sobre a lngua, pois segundo Morello(2001):

    h nestes textos uma ordem investigativa [.] organizando a lngua como fato deconhecimento; [.] este conhecimento passvel de generalizaes, e investido deuma metalinguagem.

    Conforme se pde observar, durante as anlises discursivas, estes textos foramredigidos por iniciados`, que tomam parte de um campo de saber especfico, numainstituio, dentre outros pontos. Alm disso, a metalinguagem alada ao estatuto de coisasa saber, (neste caso, as informaes dadas pelos autores dos textos sobre o saber literriorelacionado tanto com as obras, quanto com os seus autores. O fato de que, neste espao,encontram-se, dentre outros instrumentos lingsticos, manuais impressos, por exemplo, almde que a ele se articulam as instituies em sua funo produtora, propagadora elegitimadora do saber, relacionando-se, portanto, com a FD dateoria literria, bem como coma FD da publicidade, (pois, segundo o que se observou, h, nestes textos, um tompublicitrio). E, enfim, segundo igualmente a proposio sugerida por Morello, h, nos textosanalisados na presente dissertao, o discurso da crtica sobre o discurso sobre, presente,sobretudo, nas orelhas dos textos concernentes s obras Madame Hermet e Outros ContosFantsticos e Pequenos Poemas em Prosa. Ento, pode-se concluir que:

    - h nestes textos, o que a autora qualifica como espao da crtica do conhecimento,

    [.] instncia de promoo e validao de saberes. Portanto, como se observou, os textos dasobras Madame Hermet e Outros Contos Fantsticos e Pequenos Poemas em Prosa soatravessados, sobretudo, por uma memria, por um pr-construdo que se relaciona com ateoria literria. Alm disso, estes textos so assinados por professores universitrios, fato queos legitima;

    - tambm, segundo Morello, o espao das maquinaes que imprimem e fazemcircularprodutos de conhecimento e o prprio conhecimento do produto (o a ser divulgado);que regulam e restringem tambm as condies de produo. Assim, aps a realizao dasanlises, concorda-se que as afirmaes acima relatadas esto intrinsecamente relacionadascom estas asseres, pois no h nada mais evidente do que considerar que os presentes textos

    so produtos de conhecimento e o prprio conhecimento do produto. Como se sabe, sotextos especialmente redigidos para serem inseridos em orelhas de obras literrias, que aodivulg-las, agem comoprodutos de conhecimento e o prprio conhecimento do produto.

    5. Consideraes finais

    Problematizar as maneiras de ler, levar o sujeito falante ou o leitor a se colocaremquestes sobre o que produzem e o que ouvem nas diferentes manifestaes dalinguagem. Perceber que no podemos no estar sujeitos linguagem, a seusequvocos, sua opacidade. Saber que no h neutralidade nem mesmo no uso maisaparentemente cotidiano dos signos. A entrada no simblico irremedivel epermanente: estamos comprometidos com os sentidos e o poltico. No temos como

    no interpretar. Isso [.] contribuio da anlise do discurso (ORLANDI, 1999:9).

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    Tendo-se partido de um corpus constitudo por textos escritos sobre determinadasobras literrias, especialmente direcionados a serem inseridos na contracapa, em orelhas delivros e em sinopses de catlogos de editoras, buscou-se, num primeiro momento, as suasmarcas lingstico-enunciativas, que garantiram a identificao das caractersticas formais,

    lineares dos mesmos. A identificao do funcionamento lingstico-enunciativo permitiudesvendar a cenografia. A partir dessas pistas lingstico-enunciativas, chega-se spropriedades internas do processo discursivo, a um segundo momento da anlise quepermitiu, ento, mostrar a relao da lngua com a ideologia e a histria. Desta forma, ocorpus, aqui analisado, enquanto material emprico, o primeiro contato com o discurso.Entretanto, mostrava-se apenas como uma superfcie lingstica, que necessitava sercompreendida a partir de suas condies de produo, para que se compreendesse o modocomo este material se textualiza. O que a anlise discursiva mostrou foi que esta cenografia determinada por um funcionamento discursivo heterogneo, em que determinadas FDs estoem relao: a FD denominada mediadora (discurso sobre) que trabalha no sentido deintermediar os sentidos da FD da obra para um certo campo de saber, a FD da teoria literria e

    a FD da publicidade.Refletindo-se a propsito de como as palavras recebem seus sentidos de formaes

    discursivas em suas relaes (Orlandi, 1999, p.46), buscou-se atravs, ento, do dispositivoterico da Anlise do Discurso, estabelecido por Orlandi (1999), compreender as relaes quese estabelecem entre as FDs que constituem os sentidos destes textos. Pode-se propor que arelao entre a FD da teoria literria e aquela que se denomina intermediria (discurso sobre,nos termos de Mariani (1998)), institui-se pelo conflito: no texto da contracapa de MadameBovary, os sentidos da obra se constituem predominantemente pela FD intermediria,silenciando a memria da teoria literria. J nos textos das orelhas de Madame Hermet eOutros Contos Fantsticos e de Pequenos Poemas em Prosa, a FD da teoria literria apresenta-

    se menos apagada e os textos produzem um sentido para a obra menos parafrsticos. Assim,enquanto o autor do texto da contracapa de Madame Bovary unifica seu texto, dando-lhecoerncia, a partir de um lugar institucionalizado com um certo tipo de discurso dedivulgao, os autores dos textos das orelhas de Madame Hermet e de Pequenos Poemas emProsa falam de um lugar igualmente institucionalizado. Entretanto, nestes casos, trata-se deum lugar institucionalizado que, por sua vez, se destaca socialmente, pela sua legitimidadeenquanto instituio acadmica. E se, na escrita j est inscrito o leitor e, na leitura, oleitorinterage com o autor do texto (Orlandi, 1987:180), pode-se fazer distino entre o provvelleitor do texto da obra Madame Bovary e o leitor virtual dos textos das obras Madame Hermete Outros Contos Fantsticos e de Pequenos Poemas em Prosa. Enquanto o primeiro pode serconsiderado como um leitor tbula rasa,o segundo mais proficiente, constituindo-se como

    um conhecedor de literatura.No que concerne ao lugar da FD da publicidade, nesta situao, prope-se que a

    relao agora de aliana, ou seja, a FD da publicidade vai funcionar atravs da suaarticulao com as FDs intermediria e da teoria literria, sendo que os sentidos dessas FDsvo ser afetados pela FD da publicidade, sem que haja uma desestabilizao do domnio desaber, que d coerncia e uniformidade a estas FDs.

    Desta forma, o que se prope que a partir do confronto (relaes de conflito e alianaentre estas FDs), tem-se uma nova formao discursiva dominante, aquela do discurso dasorelhas de livros. Tem-se umefeito-autor, que nos termos de Gallo (2001), representa esseefeito de sentido produzido por essa nova posio de sujeito, que surge do confronto entre

    diferentes ordens de discurso, isto , o efeito do confronto deformaes discursivas, cujaresultante uma nova formao discursiva dominante (GALLO, 2001, p.69). J as sinopses

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    de catlogos de editoras, nesta anlise, mostraram-se como textos parafrsticos em relao aostextos das orelhas, a ponto de serem considerados uma cpia exata de partes destes ltimos.

    Entrementes, este trabalho pode servir como subsdio para anlise de outros materiais,como os que se destinam divulgao de filmes, de msicas, de best-sellers, encontrados emrevistas, jornais e, mesmo, na Internet. Pode, igualmente, servir como tipologia para estudosque envolvam a crtica literria, pois um dos pontos da anlise proposta apresenta um tipo detexto, especificadamente, o das orelhas de livros, que (conforme se observou), constri seussentidos, atravs do atravessamento do discurso da teoria literria.

    Segundo Orlandi (1998, p. 11), o sentido est sempre em curso, em dis-curso. Destaforma, refletindo-se a respeito desta assero e, na tentativa de relacion-la s anlises aquirealizadas, faz-se necessrio tanto evidenciar um certo ineditismo relacionado a este trabalho,pois pelo que se pde observar, h uma carncia de bibliografia destinada ao assunto, quantoapontar como conseqncia deste fato, o carter preliminar desta discusso, sujeita, ento, anovos sentidos, que estaro seguramente em curso, em dis-curso, ad infinitum.

    Conseqentemente, parafraseando Orlandi, o universo da Anlise do Discurso nada tem depermanente, estvel, e, justamente estando sempre sujeito ao sentido, ou aos sentidos, comconstantes mutaes, interpretaes variadas e variveis, espera-se que este tenha sido oprimeiro passo destas anlises, que continuaro sujeitas a outros sentidos.

    Ademais, num mundo sujeito a contradies, mudanas inesperadas, as prticasdiscursivas esto mais e mais sujeitas aos sentidos, condicionadas ao carter efmero da vidamoderna. Portanto, no foi ao acaso que Berman, (1986:16) afirmou que ser moderno fazerparte de um universo no qual, como disse Marx, tudo o que slido desmancha no ar.

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    ANEXOS

    ANEXO A

    Texto da contracapa da obra Madame Bovary

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    ANEXO B

    Texto da sinopse do catlogo da obra Madame Bovary

    ANEXO C

    Texto da orelha da obraMadame Hermet e outros contos fantsticos

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    ANEXO D

    Texto da sinopse do catlogo da obraMadame Hermet e outros contos fantsticos

    ANEXO E

    Texto da orelha da obra pequenos poemas em prosa

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    ANEXO F

    Texto da sinopse do catlogo da obra pequenos poemas em prosa