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DIREITO PROCESSUAL CIVIL PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR ALDO SABINO 1 Curso preparatório para ingresso na magistratura estadual ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA ESTADO DE GOIÁS DIREITO PROCESSUAL CIVIL (Processo de Conhecimento) PROFESSOR ALDO SABINO Atualizada até 12 de fevereiro de 2012. Incluindo, além de vários testes e questões de concursos (nas notas de rodapé), apontamentos às Leis 11.969/2009 (“carga rápida”) e 12.437/2011 (“procuração por simples anuência verbal da parte em audiência”) Abrange também comentários sobre o rito sumaríssimo previsto na Lei 9.099/1995 e cópia integral da Lei 12.153/2009 (criação dos Juizados Especiais da Fazenda Pública Estadual, do Distrito Federal e dos Municípios)

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  • DIREITO PROCESSUAL CIVIL PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR ALDO SABINO

    1

    Curso preparatrio para ingresso na magistratura estadual ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA

    ESTADO DE GOIS

    DIREITO PROCESSUAL CIVIL (Processo de Conhecimento)

    PROFESSOR ALDO SABINO Atualizada at 12 de fevereiro de 2012.

    Incluindo, alm de vrios testes e questes de concursos (nas notas de rodap), apontamentos s Leis 11.969/2009 (carga rpida) e 12.437/2011 (procurao por simples anuncia verbal da parte em audincia)

    Abrange tambm comentrios sobre o rito sumarssimo previsto na Lei 9.099/1995 e cpia integral da Lei 12.153/2009 (criao dos Juizados Especiais da Fazenda Pblica Estadual, do Distrito Federal e dos Municpios)

  • DIREITO PROCESSUAL CIVIL PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR ALDO SABINO

    2

    Currculo do autor

    a) Graduao:

    Bacharel em direito pela Universidade Catlica do Estado de Gois (concluso

    em 1997)

    b) Ps-graduao:

    Especialista em Direito Civil e em Direito Processual Civil pela Faculdade

    Anhanguera.

    c) Atividade Profissional:

    Na rea privada, professor (de Direito Processual Civil e de Direito Eleitoral)

    da Escola Superior da Magistratura do Estado de Gois.

    Ministra mdulos de ps-graduao lato sensu na Universidade Federal de

    Gois (Recursos Cveis), na Universo (Recursos Cveis e Processo de Execuo), na UEG (Juizados

    Especiais Cveis) e na Uni-Evanglica (Anpolis).

    Na rea pblica, aps concurso pblico, exerceu o cargo de Promotor de

    Justia no Estado de Gois de 1997 a 1999, quando logrou aprovao em certame para ingresso na

    magistratura do mesmo Estado.

    Exerceu a funo de Promotor Eleitoral (1997-1999).

    Exerce a funo de Juiz Eleitoral (1999-2006 e 2010-2012).

    Atualmente, Juiz de Direito titular do 2o Juizado Especial Cvel da Comarca

    de Anpolis, Presidente da 2 Turma Recursal Cvel-Criminal da 3 Regio do Estado de Gois.

    d) Obras Jurdicas Publicadas:

    autor das obras jurdicas Manual de Processo Civil (AB Editora, 2 Edio,

    2008) e Direito Processual Penal (IEPC Editora, 2 Edio, 2006).

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    3

    Sumrio breve:

    CAPTULO I INTRODUO AO PROCESSO CIVIL.....................................................................06

    CAPTULO II AO (E A DEFESA)................................................................................................12

    CAPTULO III JURISDIO.............................................................................................................23

    CAPTULO IV PROCESSO................................................................................................................32

    CAPTULO V PRINCPIOS PROCESSUAIS....................................................................................37

    CAPTULO VI COMPETNCIA.......................................................................................................49

    CAPTULO VII PARTES E PROCURADORES...............................................................................69

    SEO I PARTES...................................................................................................... ...............69

    SEO II PROCURADORES...................................................................................................77

    SEO III SUBSTITUIO DE PARTES E DE PROCURADORES....................................79

    CAPTULO VIII LITISCONSRCIO................................................................................................81

    SEO I INTRODUO..........................................................................................................91

    SEO II LITISCONSRCIO FACULTATIVO.....................................................................83

    SEO III LITISCONSRCIO NECESSRIO.......................................................................86

    CAPTULO IX INTERVENO DE TERCEIROS..........................................................................88

    SEO I INTRODUO..........................................................................................................88

    SEO II ASSISTNCIA.........................................................................................................90

    SEO III OPOSIO.............................................................................................................94

    SEO IV NOMEAO AUTORIA...................................................................................98

    SEO V DENUNCIAO DA LIDE..................................................................................101

    SEO VI CHAMAMENTO AO PROCESSO......................................................................106

    CAPTULO X MINISTRIO PBLICO..........................................................................................109

    CAPTULO XI CARTAS, CITAO E INTIMAO...................................................................113

    SEO I CARTAS..................................................................................................................113

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    4

    SEO II CITAO...............................................................................................................115

    SEO III INTIMAO.........................................................................................................122

    CAPTULO XII INSTAURAO, SUSPENSO E EXTINO DO PROCESSO CIVIL.........................124

    SEO I INSTAURAO DO PROCESSO.........................................................................124

    SEO II SUSPENSO DO PROCESSO..............................................................................127

    SEO III EXTINO DO PROCESSO (introduo) .........................................................130

    SEO IV EXTINO DO PROCESSO COM RESOLUO DO MRITO.....................132

    SEO V A RESOLUO DO MRITO..............................................................................135

    CAPTULO XIII PROCESSO E PROCEDIMENTO.......................................................................138

    SEO I INTRODUO........................................................................................................138

    SEO II PROCEDIMENTO COMUM SUMRIO.............................................................140

    SEO III PROCEDIMENTO SUMARSSIMO...................................................................147

    SEO IV PROCEDIMENTO COMUM SUMRIO............................................................152

    CAPTULO XIV REVELIA..............................................................................................................180

    CAPTULO XV PROVIDNCIAS PRELIMINARES.....................................................................184

    CAPTULO XVI JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO............................187

    CAPTULO XVII ANTECIPAO DE TUTELA...........................................................................191

    CAPTULO XVIII PROVAS.............................................................................................................201

    SEO I INTRODUO........................................................................................................201

    SEO II DEPOIMENTO PESSOAL....................................................................................208

    SEO III CONFISSO.........................................................................................................211

    SEO IV EXIBIO DE DOCUMENTO OU COISA.......................................................214

    SEO V PROVA DOCUMENTAL......................................................................................218

    SEO VI INCIDENTE DE FALSIDADE............................................................................223

    SEO VII PROVA TESTEMUNHAL..................................................................................223

    SEO VIII PROVA PERICIAL............................................................................................233

    SEO IX INSPEO JUDICIAL.........................................................................................237

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    5

    CAPTULO XIX AUDINCIA.........................................................................................................238

    CAPTULO XX SENTENA E COISA JULGADA........................................................................242

    SEO I SENTENA.............................................................................................................242

    SEO II COISA JULGADA.................................................................................................254

    SEO III DEVOLUO OBRIGATRIA..........................................................................260

    BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................................................262

    ANEXOS (legislao processual recente).............................................................................................265

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    6

    DIREITO PROCESSUAL CIVIL

    CAPTULO I INTRODUO AO PROCESSO CIVIL

    1. NOES, CONCEITO E ABRANGNCIA:

    Mesmos nos primrdios da humanidade sempre foram previstas regras de

    conduta humana (exs.: cumprir os compromissos assumidos, no lesar o prximo, indenizar por danos

    causados), as quais, bem mais tarde, deram origem aos direitos substanciais (exs.: direito civil, direito

    comercial etc.).

    Mas tambm inerentes sociedade so as divergncias entre as pessoas e os

    descumprimentos contratuais, da porque se tornou tambm necessrio cuidar da resoluo dos

    conflitos intersubjetivos, o que terminou dando ensejo fabricao dos direitos processuais (exs.:

    direito processual civil, direito processual penal etc.).

    nesse contexto que tem nascimento o processo, entendido como o

    instrumento estatal criado para tentar pacificar os conflitos surgidos na vida em sociedade.

    Segundo Theodoro Jnior, o Direito Processual Civil pode ser definido como

    o ramo da cincia jurdica que trata do complexo das normas reguladoras do exerccio da jurisdio

    civil.

    O Processo Civil denominao mais conhecida de nosso ramo de estudo

    se encarrega de regular a aplicao praticamente de todos os ramos materiais extrapenais (direito civil,

    direito comercial, direito administrativo etc.), exceto o Trabalhista e o Eleitoral, que detm codificao

    prpria (refiro-me CLT e ao Cdigo Eleitoral, respectivamente1).

    Assim, um conflito de ordem constitucional (ex.: ao direta de

    inconstitucionalidade), administrativa (ex.: mandado de segurana), tributria (ex.: ao declaratria de

    inexistncia de dbito tributrio) ou comercial (ex.: ao monitria) e no apenas o litgio cvel

    ser instrudo e julgado segundo as normas de nosso Sistema Processual Civil, salvo disposio

    especfica em contrrio.

    2. NATUREZA:

    Abstraindo o ensinamento daqueles que repugnam a classificao dos direitos

    entre pblicos e privados, o Direito Processual Civil tem certamente natureza jurdica de Direito

    Pblico, porquanto disciplina o exerccio de parcela de uma das funes soberanas do Estado, que a

    jurisdio.

    O processo civil , pois, ramo do direito pblico, principalmente porque na

    relao jurdica que regula se encontra o Estado-Juiz (autor-juiz-ru), atuando em situao de

    supremacia no que tange s partes (o juiz est situado inter e super partes), justamente por essa

    caracterstica publicista do processo que a maioria das normas que o regem so cogentes

    (obrigatrias, vinculantes), isto , so normas que no admitem ato de disposio pelas partes (ex.: no

    possvel juridicamente celebrar um contrato prevendo que eventual processo judicial instaurado entre

    1 Mas bom registrar que mesmo o Direito Processual Trabalhista e o Direito Processual Eleitoral se valem

    subsidiariamente (na omisso de suas codificaes prprias) das regras gerais do Cdigo de Processo Civil.

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    as partes no ser regido pelo princpio do contraditrio ou ento que no sero admissveis recursos

    contra a decises).

    3. EVOLUO CIENTFICA:

    A doutrina especializada estabelece que o processo civil brasileiro e mundial

    passou pelo menos por trs fases de estudo bem especificadas, (a) uma primeira denominada de

    Sincretismo (ou imanentismo), em que o processo civil era encarado como mero apndice ou

    captulo do direito civil; no se reconhecia a autonomia da cincia processual, afirmando-se que a ao

    era apenas o direito material armado para a guerra. Nosso Cdigo Civil de 1916 em seu art. 75

    prestigiou expressamente essa fase.

    Num segundo momento (b) ingressamos na chamada fase cientfica do

    processo, o que se iniciou no sculo XIX com a edio da obra Teoria dos pressupostos processuais e

    das excees dilatrias (Oskar Von Bllow).

    Nesta fase consagrou-se a autonomia do processo, ganhando ele foros de

    independncia em relao ao direito substancial que o fundava. Nosso Cdigo de Processo Civil de

    1973 foi editado nessa onda doutrinria.

    Um terceiro e ltimo momento (c) foi o da instrumentalidade ou da

    efetividade do processo, fase em que nos encontramos hoje, especialmente a partir das reformas

    legislativas operadas em 1994, quando se generalizou a permisso do uso da antecipao de tutela (art.

    273), iniciou-se a fabricao do estatuto da tutela especfica (art. 461), criou-se a ao monitria

    (arts. 1102-A a 1102-C), entre vrios outros institutos que demonstraram interesse de tornar o processo

    mais prximo da busca do direito substancial da parte.

    Diramos, assim, que nosso Cdigo de Processo Civil vigente, embora editado

    sob os auspcios do cientificismo, sendo extremamente individualista (resguarda apenas as demandas

    individuais) e formalista, recebeu depois de trs reformas (1994-1995, 2001-2002 e 2005-2007)

    retoques relevantes, que o tornaram mais humano, efetivo e acelerado.

    4.FONTES:

    No caso do direito, fonte deve ser entendida como o lugar de um provm os

    seus institutos jurdicos. Fala-se, na doutrina, em fontes primrias (fontes formais) e em fontes

    secundrias (fontes no formais).

    A (a) fonte primria do direito processual civil a lei, encarada em seu sentido

    amplo, abrangendo a Constituio Federal, a prpria lei federal (leis ordinrias e leis complementares),

    a lei estadual (Cdigos de Organizao Judiciria, por exemplo), os tratados internacionais e os

    regimentos internos de Tribunais.2

    As fontes primrias do processo so vinculantes, isto , so de utilizao

    obrigatria pelos operadores do direito no caso concreto.

    A Constituio Federal trata tanto do chamado Direito Processual

    Constitucional (regulamentao da jurisdio constitucional para o processo da ADI, da ADC, do

    Mandado de Segurana, do Recurso Extraordinrio etc.) quanto do Direito Constitucional Processual

    2 Cmara, Lies de direito processual civil, v. 1, p. 16.

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    (que a tutela constitucional do processo, que abrange a previso de princpios e garantais

    constitucionais ligadas ao direito processual).

    Em princpio, somente Unio incumbe legislar sobre direito processual,

    segundo exsurge do art. 22, inciso I, da Constituio Federal.

    Os Estados-membros apenas podem legislar (1) sobre procedimento em

    matria processual (CF, art. 24, inciso XI), (2) sobre o processo no Juizado de Pequenas Causas (CF,

    art. 24, inciso X) e (3) acerca da Organizao Judiciria (CF, art. 96, inciso II, alnea d).

    As medidas provisrias a partir do advento da Emenda Constitucional 32/2001

    no puderam mais ser editadas sobre matria processual civil (CF, art. 62, 1, inciso I, alnea b),

    mas referida emenda ressalvou a validade e a eficcia das medidas provisrias at ento editadas sobre

    o processo civil (medidas provisrias processuais binicas), como aquela que alterou o teor do art.

    730 do Cdigo de Processo Civil (MP n. 2.180).

    As leis municipais no podem versar sobre regras processuais; e a eventual

    violao desta diretriz gerar uma norma inconstitucional, luz do art. 22, inciso I, da CF.

    A smula vinculante (CF, art. 103-A) vem sendo encarada por alguns autores

    como fonte primria de direito.

    So, por outro lado, consideradas (b) fontes secundrias (no formais) deste

    ramo do direito os costumes, os princpios gerais do direito, a jurisprudncia e a doutrina.

    As fontes secundrias no vinculam os operadores, mas apenas servem, em

    geral, de sugesto para a boa aplicao da ordem jurdica especialmente na falta de normas especfica

    regendo o caso posto (art. 126), a no ser, como se disse, no caso da Smula Vinculante (CF, art.

    103-A), que uma espcie de jurisprudncia dominante que se torna obrigatria mediante a

    observncia dos requisitos previstos na Lei 11.417/2006.

    5.A LEI PROCESSUAL:

    Norma processual aquela que regula a forma, os modos, os termos do

    desenvolvimento da relao processual, bem como tudo que concerne jurisdio civil.

    A lei processual tem por contedo a distribuio de atribuies aos rgos

    jurisdicionais, o horrio de funcionamento dos Fruns, o exerccio do direito de ao, os princpios de

    interpretao, os meios de prova permitidos, os recursos etc.

    Como se viu, a expresso lei processual abarca a Constituio Federal (que

    trata de vrias normas processuais), a lei complementar, a lei ordinria, a lei estadual e at mesmo os

    tratados internacionais.

    5.1. APLICAO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO:

    Quando examinamos o tema aplicao da lei processual no tempo ou a

    eficcia da lei processual no tempo, estamos a indagar o momento a partir do qual a lei processual

    nova ter eficcia nos processos judiciais (A lei processual nova se aplica aos processos pendentes?

    A lei processual nova se aplica aos processos findos?).

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    So trs os sistemas doutrinrios que cuidam da aplicabilidade da lei

    processual nova no tempo, (a) o da unidade processual, (b) o da fase processual e (c) o da aplicao

    imediata (ou do ato processual isolado).

    Vejamos em separado.

    5.1.1. SISTEMA DA UNIDADE PROCESSUAL:

    A lei processual nova no teria aplicao aos processos pendentes, mas

    somente aos iniciados aps a sua vigncia. Como se observa, o processo, de conformidade com este

    sistema, seria um corpo uno, uma unidade,3 regido do comeo ao fim pela lei vigente na data da

    propositura da ao.

    No adotado por ns atualmente.

    5.1.2. SISTEMA DA FASE PROCESSUAL:

    A lei processual nova, entrando em vigor, teria aplicao apenas fase

    processual (exs.: postulatria, saneatria, instrutria, de julgamento, recursal etc.) seguinte a da sua

    vigncia. Nas palavras da melhor doutrina, em curso um processo, sobrevindo uma lei nova, esta no

    disciplinaria a fase ainda no encerrada, que se regeria pela lei anterior. Somente as fases seguintes

    obedeceriam lei nova.4

    No adotado por ns, at mesmo porque as fases processuais no tm uma

    zona limtrofe muito bem definida (exs.: a fase instrutria comea com o ajuizamento da inicial,

    confundindo-se com a prpria fase postulatria; a fase saneatria pode ser exercida liminarmente ou

    por ocasio da audincia do art. 331 do Cdigo de Processo Civil).

    5.1.3. SISTEMA DO ATO PROCESSUAL ISOLADO (ou da aplicao imediata):

    Segundo o sistema do isolamento, a lei processual nova aplica-se ao primeiro

    ato processual posterior a sua entrada em vigor, ressalvado o ato jurdico j consumado (LICC, art. 6o,

    caput), o direito adquirido e naturalmente a coisa julgada (CF, art. 5, inciso XXXVI).

    Trata-se do critrio utilizado pelo legislador brasileiro para regncia do direito

    processual intertemporal (CPC, art. 1211).

    Com efeito, a lei processual nova tem incidncia imediata, apanhando inclusive

    os processos em andamento (aplicar-se- ao ato processual seguinte), sempre respeitado o ato jurdico

    perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

    Assim, advindo lei processual nova no ordenamento jurdico, esta dever ser

    aplicada pelo juiz ao ato processual seguinte sua entrada em vigor (ex.: entrando em vigor hoje uma

    lei processual que extingue uma determinada modalidade de recurso, a deciso proferida e publicada

    amanh j no se submeter a ele).

    5.2. APLICAO DA LEI PROCESSUAL NO ESPAO:

    Aqui, diversamente, estamos a indagar em que local (em que territrio) a lei

    processual brasileira tem aplicabilidade. At onde nossa lei processual tem eficcia, seria possvel

    3 Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, v. 1, p. 31. 4 Amaral Santos, idem, p. 32.

  • DIREITO PROCESSUAL CIVIL PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR ALDO SABINO

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    aplicar a lei processual brasileira em processos que correm na Argentina, no Uruguai, na Frana ou em

    algum outro pas? A lei processual estrangeira seria aplicvel aos processos judiciais que correm na

    Justia Brasileira?

    O princpio regente da norma processual no espao o da territorialidade,

    segundo o qual somente a lei processual civil brasileira se aplica nos limites territoriais do pas, seja

    qual for a nacionalidade das partes.

    Nem mesmo a carta rogatria passiva (aquela que vem do exterior para c)

    cumprida pelas regras processuais estrangeiras, mas sim pelas normas processuais brasileiras (ex.: a

    inquirio de uma testemunha aqui residente de um processo que tramita na Espanha ser feita por

    nossas regras do Cdigo de Processo Civil, e no pelas regras espanholas).

    Por uma questo de soberania o Brasil no admite a aplicao de regras

    processuais estrangeiras nos feitos que correm perante nossa justia, e a nica exceo, para alguns,

    fica por conta da situao prevista no art. 13 da Lei de Introduo ao Cdigo Civil (aplicao da

    norma estrangeira quanto aos meios e nus da prova em causas propostas no Brasil com base em

    litgio estrangeiro), regras que no deixam de ter um carter material, segundo a doutrina

    especializada, tanto que o Cdigo Civil se encarrega tambm de regular o assunto (CC, 212-232).

    Da mesma forma, as regras processuais brasileiras certamente no sero

    utilizadas por pases estrangeiros, que tambm resguardam sua soberania. A doutrina indica trs casos

    de aplicao da lei processual brasileira no exterior, quais sejam, (a) num caso de invaso Brasileira,

    em guerra, a outro pas, (b) num territrio de ningum ou (c) com permisso legislativa expressa do

    pas estrangeiro.

    No se deve olvidar, contudo, que perfeitamente possvel a aplicao de

    regras materiais estrangeiras (apenas as materiais, e nunca as processuais) pelos juzes brasileiros,

    desde que o litgio se origine de fato regido pela norma estrangeira (CPC, art. 337).

    5.3. INTERPRETAO DA LEI PROCESSUAL:

    Da lio doutrinria de Theodoro Junior se extrai que, na interpretao do

    Direito Processual Civil, devem ser atendidas quatro conhecidas diretrizes (ou regras tcnicas),

    vejamos:

    As leis processuais (a) no podem constituir um obstculo que frustre o direito

    material da parte. A matria de fundo (mrito) deve sempre prevalecer sobre as questes processuais,

    salvo se isto for prejudicial ao princpio da ampla defesa ou da segurana jurdica (CPC, arts. 244, 249,

    2, 250 entre outros).

    A (b) tutela jurisdicional dos direitos subjetivos normalmente reservada aos

    rgos do Estado; so, pois, excepcionais as hipteses em que se permite a autotutela privada ou

    unilateral (exs.: art. 935, do Cdigo de Processo Civil e art. 1210, 1o do Cdigo Civil).

    O processo (c) deve conceder parte a mesma utilidade que esta poderia

    conseguir atravs da norma substancial (costuma-se chamar isso de efetividade); excepcionais

    devem ser os casos em que a prestao jurisdicional no coincide com a prestao de direito material

    (exs.: arts. 461, 1, 461-A, 3 etc.).

    O processo de cognio (d) visa a concluso com um pronunciamento de

    mrito, nos termos do art. 269 do Cdigo de Processo Civil; excepcional a hiptese de extinguir-se

  • DIREITO PROCESSUAL CIVIL PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR ALDO SABINO

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    por inobservncia formal de regras procedimentais (CPC, arts. 13, 267, 1 e 284), s mesmo aps a

    aplicao do princpio da cooperao que o juiz deve partir para a extino processual sem resoluo

    do mrito.

    Essas quatro regras tcnicas representam nada mais que a adoo do princpio

    da efetividade, demonstrando que estamos vivendo a fase do instrumentalismo processual, pelo que ao

    juiz se impe no apenas ditar a sentena (isso no basta), mas sim julgar o conflito da forma mais

    prxima possvel do que impe o direito substancial da parte que detm a razo.

    O escopo do juiz no processo civil no apenas jurdico (ditar a soluo para o

    caso concreto), mas tambm social (afastando o temor reverencial das pessoas, sendo transparente nas

    decises), educativo (ensinar aos jurisdicionados aquilo que certo e o que contrrio ao direito) e

    poltico (contribuindo para o fortalecimento do respeito pelas instituies estatais como um todo).

    5.4. HISTRICO LEGISLATIVO DO PROCESSO CIVIL:

    As primeiras disposies processuais que tiveram vigncia em nosso territrio

    eram oriundas da adoo das Ordenaes Filipinas (de 1603 em diante), at que em 1850 foi editado

    o Regulamento 737, que fez as vezes do que seria um Cdigo de Processo Comercial.

    Em 1890 estendeu-se a aplicao do Regulamento 737/1850 tambm para as

    causas cveis, torno-se ele nosso Cdigo de Processo Civil.

    J em 1891 houve permisso constitucional para que cada Estado-membro

    editasse seu prprio Cdigo de Processo (fase dos Cdigos de Processos Estaduais), sendo certo que

    apenas os Estados de Pernambuco, da Bahia e de So Paulo fabricaram cdigos com alguma qualidade

    tcnica.

    Em 1934, o legislador, j arrependido, determinou nova unificao do direito

    processual, aprovando da a alguns anos o Cdigo de Processo Civil de 1939, que teve vigncia at o

    Cdigo atual de 1973.

    Nosso Cdigo de Processo Civil, como visto, seguiu uma diretriz

    individualista, no regulando a tutela coletiva, embora lhe fosse possvel naquela ocasio pelo

    conhecimento adquirido at mesmo com a Lei 4.717/1965.

    Foi ele reformado por trs vezes, uma primeira entre os anos de 1992-1995 (A

    Grande Reforma do Cdigo de Processo Civil), uma segunda entre os anos de 2001-2002 (A reforma

    da Reforma) e uma terceira vez entre os anos de 2005-2007 (A 3 Etapa da Reforma do Cdigo de

    Processo Civil).

    O chamado processo civil coletivo, diversamente, encontra-se regulado fora

    do Cdigo de Processo Civil, precisamente pelo conjunto das Leis 4.717/1965, 7.347/1985 e

    8.078/1990 (Estatuto da tutela coletiva).

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    12

    CAPTULO II AO (E A DEFESA)

    1.CONCEITO:

    De conformidade com a teoria dominante (teoria da ao como direito

    abstrato), a ao pode ser conceituada como o direito pblico, subjetivo, autnomo, instrumental (est

    instrumentalmente conexo a uma pretenso), abstrato de invocar a prestao jurisdicional do Estado-

    Juiz, face a uma pretenso regularmente apresentada.

    O direito de ao, enquanto poder incondicionado de postular junto ao

    Judicirio, encontra-se garantido na Constituio Federal em vrios dispositivos, mas amparado

    diretamente pelo princpio da inafastabilidade do controle jurisdicional (CF, art. 5, inciso XXXV).

    No mbito processual o direito de ao tambm previsto, mas condicionado

    ao preenchimento de certos requisitos (condies da ao), conforme se pode aferir pelo art. 3 do

    Cdigo de Processo Civil.

    2.TEORIAS SOBRE A NATUREZA JURDICA DA AO:

    2.1. TEORIA CIVILISTA OU CLSSICA (Savigny):

    Esta teoria afirma que o direito de ao no tem autonomia em relao ao

    direito material. A ao, nesta viso, seria apenas a reao de um direito material violado, seria o

    direito armado para a guerra.

    Segundo esta teoria, o direito processual seria mero apndice (adendo,

    acessrio) do direito material. Clara adeso a esta diretriz se tinha no art. 75 do antigo Cdigo Civil (de

    1916).

    Para os defensores desta diretriz (a) no h ao sem direito, (b) no h direito

    sem ao e (c) a ao segue a mesma natureza do direito.5

    Basicamente so trs tambm as crticas feitas a esse entendimento doutrinrio

    bastante pertinentes, diga-se de passagem , vejamos: (a) o direito processual civil autnomo (e

    no mero apndice) em relao ao direito civil, tendo objeto, sujeitos e princpios prprios; (b) existe

    direito material sem ao que o resguarde (exs.: cobrana prescrita, cobrana de dvida de jogo etc.) e

    (c) existe ao sem direito material (exs.: processo regularmente instaurado que tem, ao final, uma

    sentena de improcedncia do pedido do autor; ao declaratria negativa, onde o autor busca

    justamente o reconhecimento da inexistncia de um direito material, na forma do art. 4o, inciso I etc).

    2.2. TEORIA DO DIREITO CONCRETO (Wach e Bulow):

    A teoria do direito concreto, apesar de reconhecer a autonomia do direito

    processual no que se divorciava claramente da teoria clssica , sustentava que a ao um direito

    de natureza concreta a um provimento jurisdicional favorvel.

    Havendo sentena de improcedncia, o direito de ao, segundo esta teoria, no

    teria sido exercido. Deste modo que a ao s existia naqueles casos em que o resultado final do

    processo fosse favorvel ao autor.6

    5 Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, v. 1, p. 144 e Grinover, Teoria geral do processo, p. 248. 6 Cmara, Lies de direito processual civil, v. 1, p. 115.

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    13

    A principal crtica a essa teoria consistia na alegao de que o direito de ao

    no condicionado existncia do direito material alegado pelo autor, sendo possvel a este ajuizar

    ao judicial mesmo sem deter o direito argumentado (ex.: ao de cobrana julgada improcedente).

    Mesmo vencido na demanda, ter regularmente exercido seu direito de ao.

    ,

    2.3. TEORIA DO DIREITO ABSTRATO (Rocco, Degenkolb e Plsz):

    Segundo a teoria do direito abstrato, a ao o direito abstrato de invocar a

    tutela jurisdicional, independendo do sucesso ou no do autor. O resultado da demanda no interessa

    identificao da natureza do direito de ao, isto , seja julgado procedente seja julgado improcedente

    o pedido, o autor exerceu o seu direito de ao.7

    Assim, o fato de o autor haver invocado a tutela jurisdicional no representa

    dizer que detentor do direito material. So concluses desta teoria: (a) a ao sempre procedente

    (desde que haja julgamento de mrito), (b) o pedido que pode ser procedente ou improcedente e (c)

    existe direito sem ao, h ao sem direito e o a ao nem sempre segue a mesma natureza do direito.

    Para os que defendem essa teoria, o direito de ao abstrato, amplo,

    genrico e incondicionado, no existindo nenhum requisito que precise ser preenchido para sua

    existncia. Nessa concepo, no existem condies para o exerccio da ao, muito menos quando

    tais condies s podem ser analisadas luz do direito material, que para a teoria abstrata

    absolutamente irrelevante para fins de existncia do direito de ao.8

    concepo adotada por parte da doutrina nacional.

    2.4. TEORIA ECLTICA (Liebman):

    Fala-se tambm na Teoria Ecltica, que no deixa de ser uma teoria da ao

    tambm como direito abstrato, razo pela qual tambm adotada por boa parte da doutrina ptria

    (especialmente por Cssio Scarpinella Bueno, Barbosa Moreira, Hlio Tornaghi e, em parte, por

    Alexandre Freitas Cmara).

    Na verso original desta teoria, o direito de ao, embora abstrato (pois

    desvinculado da existncia do processo e do direito material afirmado pelo autor), estava subordinado

    ao preenchimento das chamadas condies da ao, sendo elas os requisitos de existncia do direito

    de agir; sem as condies da ao, o processo deve ser extinto sem resoluo de mrito (CPC, art. 267,

    inciso VI).

    O direito de ao, portanto, abstrato e desvinculado da vitria, ou no, do

    autor, mas somente pode ser exercido por quem preenche as chamadas condies da ao.

    Desta sorte, a teoria ecltica defende que a existncia do direito de ao no

    depende da existncia do direito material, mas do preenchimento de certos requisitos formais

    chamados condies da ao.9

    Entretanto, para os defensores mais modernos desta vertente a ao constitui-se

    de um poder incondicionado e de um poder condicionado (e no s de um poder condicionado,

    como pensava Liebman).

    7 Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, v. 1, p. 146. 8 Daniel Assumpo, Manual de direito processual civil, p. 89. 9 Idem, p. 90.

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    14

    Para esses, no aspecto constitucional, a ao no se condiciona ao

    preenchimento de qualquer requisito para seu exerccio (ao constitucional); as condies da ao

    so apenas requisitos para que se obtenha o julgamento de mrito (ao processual ou ao

    exercida).

    As condies da ao so requisitos, no de existncia do direito de ao (que

    existe de modo incondicionado, sendo garantido inclusive por nossa Constituio Federal, em seu art.

    5, inciso XXXV), mas de seu legtimo exerccio em concreto (h, por assim dizer, um poder de

    exerccio do direito de ao condicionado existncia das condies da ao).

    Nessa tica, haver ao (no sentido constitucional e incondicionado), ainda

    que o juiz extinga o processo sem resoluo de mrito por falta de alguma das condies da ao

    (CPC, art. 267, inciso VI). corrente predominante na doutrina mais moderna (nesse sentido: Hlio

    Tornaghi, Barbosa Moreira, Fredie Didier Jr e Marcos Vinicius Rios Gonalves).10

    3.CARACTERES DO DIREITO DE AO:

    Diz-se que o direito de ao pblico, subjetivo, autnomo, abstrato e

    instrumental, conforme veremos adiante mais especificamente.

    3.1. PBLICO:

    pblico o direito de ao porque exercido em face do Estado-Juiz, que situa

    em posio de supremacia em relao s partes.

    3.2. SUBJETIVO:

    subjetivo porque decorre da resistncia oposta pelo ru ao exerccio do

    direito do autor. A ao poder jurdico de obter a definio de situaes jurdicas litigiosas (as

    chamadas crises de inadimplemento, de certeza e da situao jurdica em si mesma, conforme

    ensinamento de Cndido Rangel Dinamarco).

    3.3. AUTNOMO (em relao ao direito material):

    Tem natureza diversa do direito material invocado. A ao direito de natureza

    processual e consiste na possibilidade de exigir do Estado uma prestao jurisdicional; j o direito

    material se volta contra o sujeito passivo da relao (devedor).

    3.4. ABSTRATO:

    O direito de ao no est condicionado ao reconhecimento do direito material

    alegado. Costuma-se dizer que a ao no o direito tutela jurisdicional (em seu favor), mas

    simplesmente o direito de invocar ou de postular uma prestao jurisdicional (seja em que sentido for,

    contra ou em favor de seu direito).

    10 (Ministrio Pblico-GO, 2010, questo 36) Das teorias sobre a natureza jurdica a ao correto afirmar: (a) A

    teoria civilista de Savigny considera que o direito de ao tem autonomia em relao ao direito material; (b) A teoria do

    direito concreto (Bullow e Wach) no reconhece a autonomia do direito processual em relao ao direito material, de

    maneira que para a mesma tais direitos se identificam no exercitamento da pretenso; (c) Para Enrico Tulio Liebman (teoria

    ecltica), o direito de ao tem dois aspectos, o direito de demanda ou de acesso ou petio (incondicionado) e o direito de

    ao propriamente dito, que exige o preenchimento de condies a viabilizar o julgamento efetivo da pretenso deduzida;

    (d) A teoria do direito abstrato (Degenkolb e Plsz) preconiza que somente ter havido o exerccio da ao se a tutela

    jurisdicional invocada for concedida (a alternativa c a correta, como se confirma no texto principal).

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    15

    3.5. INSTRUMENTAL:

    No tem um fim em si mesmo, na medida em que se destina a buscar a

    reparao em regra de um direito material violado. Alm disso, existem outras formas de

    composio de litgios, como a transao, a mediao, a arbitragem entre outros.

    4.CONDIES DA AO (arts. 3o; 267, VI e 295, I, II e III):

    Condies da ao os requisitos necessrios para que o autor obtenha do rgo

    jurisdicional a apreciao do mrito de sua pretenso.

    So condies da ao, segundo a doutrina tradicional, a possibilidade jurdica

    (do pedido e da causa de pedir), o interesse processual e a legitimidade.

    A ausncia de qualquer das condies da ao, como se sabe, gera a extino

    do processo sem resoluo de mrito, nos termos do art. 267, inciso VI, do Cdigo de Processo Civil.

    Aprofundando um pouco mais no estudo do tema, saliento que so duas as

    teorias que estabelecem a forma de averiguao da existncia das condies da ao, so elas:

    A (a) teoria da apresentao, sustentada por Liebman, segundo a qual a

    presena das condies da ao deve ser demonstrada, cabendo, inclusive, produzir provas

    para convencer o juiz de que as mesmas esto presentes (entendimento predominante na

    doutrina tradicional) (Dinamarco e Ada Pellegrini), e;

    A (b) teoria da assero (ou da prospettazione), de acordo com a qual a

    verificao da presena das condies da ao se d luz das afirmaes feitas pelo

    demandante em sua petio inicial,11

    presumindo-se, momentaneamente, que aquilo que dela

    consta verdadeiro12

    (esse posicionamento vem crescendo diuturnamente na doutrina e na

    jurisprudncia13

    moderna) (Alexandre Cmara, Barbosa Moreira, Marcos Vinicius Rios

    Gonalves, Luiz Guilherme Marinoni e Didier Jr.).

    Pela a teoria da assero, as condies devem ser aferidas in status

    assertionis, isto , vista das afirmaes do demandante, sem tomar em conta as provas

    produzidas no processo, de modo que se o rgo jurisdicional, levando em considerao as

    provas produzidas no processo, convence-se da ilegitimidade da parte ou da ausncia de

    interesse do autor, h resoluo de mrito.14

    Em aula trataremos dessas teorias com a merecida ateno, mas fica aqui desde

    logo o registro da importncia do tema tanto para a prtica diria do juiz, quanto para os concursos

    pblicos (essa matria j foi objeto de indagao na 2 fase do concurso para ingresso no MPGO).

    4.1. POSSIBILIDADE JURDICA DA DEMANDA:

    11 Cmara, Lies de direito processual civil, v. 1, 129. 12 Marcos Vinicius Rios Gonalves, Novo curso de direito processual civil, v. 1, p. 86-87. 13 Nesse sentido: STJ, REsp n. 470.657-SP, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 16.10.2007 e REsp 595.188-RS, Rel.

    Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 22.11.2011. 14 Marinoni, Cdigo de processo civil comentado artigo por artigo, p. 98.

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    16

    A possibilidade jurdica, tradicionalmente, consiste na formulao de pretenso

    que, em tese, no seja proibida pelo ordenamento jurdico brasileiro; juridicamente impossvel, de

    outro lado, o pedido vedado pelo sistema jurdico.15

    Entende-se modernamente que esta condio da ao abrange no somente a

    possibilidade jurdica do pedido (propriamente dito), mas tambm a possibilidade jurdica da causa de

    pedir (e no apenas aquela).16

    Em sntese, portanto, no basta que o pedido de mrito seja juridicamente

    possvel, sendo mister tambm que a causa, o motivo dessa pretenso tambm seja admissvel

    juridicamente.

    Impossvel juridicamente seria uma demanda versando sobre uma dvida de

    jogo proibido face ao que se contm em nossa lei civil (aqui a causa de pedir juridicamente

    impossvel). O mesmo se poderia dizer de uma ao de cobrana de dvida (no alimentar) em que se

    externasse pedido priso do devedor (neste exemplo o pedido que juridicamente impossvel).

    O ltimo entendimento de Liebman foi no sentido de que a possibilidade

    jurdica da demanda no era uma condio da ao independente (ver CPC, art. 3), mas sim um dos

    aspectos do interesse processual (estudada abaixo); para os concursos pblicos atuais, todavia, sugere-

    se que se observe o ensinamento usual de que a possibilidade jurdica uma das trs condies da

    ao.

    4.2. INTERESSE PROCESSUAL:

    Trata-se da necessidade de recorrer ao Judicirio para a obteno do resultado

    pretendido e, tambm, da obrigao de que o pedido seja til para solucionar a leso ou ameaa de

    leso (soma-se a necessidade com a adequao-utilidade). Para aferir-se, ento, o interesse processual

    mister identificar-se a necessidade do provimento para o autor (interesse-necessidade) e a adequao

    do pedido formulado (interesse-utilidade).

    Afere-se, portanto, o interesse pelo binmio necessidade-utilidade, conforme

    ensina a melhor doutrina.

    Careceria de interesse processual, por exemplo, o credor que, mesmo

    possuindo ttulo executivo lquido, certo e exigvel, propusesse ao de cobrana (e no de execuo),

    at porque a sentena proferida nesta demanda alm da demora que lhe acarretar praticamente

    nada lhe trar de til, j que j poderia ele se valer diretamente da ao de execuo (Livro II do

    Cdigo de Processo Civil), agredindo o patrimnio do devedor; h aqui ntida inadequao

    procedimental e inutilidade do provimento buscado (no h aqui interesse-utilidade).

    Tambm seria carente do direito de ao o credor que ajuizasse sua ao de

    execuo antes do vencimento do ttulo executivo (aqui ainda no h necessidade no provimento); ou

    ento aforasse uma cobrana de dvida j paga pelo devedor (no h aqui interesse-necessidade).

    4.3. LEGITIMIDADE DE PARTE:

    Legitimidade a qualidade da parte, autor (legitimidade ativa) ou ru

    (legitimidade passiva), de estar autorizada pela lei a demandar ou ser demandado sobre o objeto

    submetido apreciao judicial.

    15 Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, v. 1, p. 166. 16 Cmara, Lies de direito processual civil, v. 1, 128.

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    17

    Tradicionalmente, fala-se que a legitimidade a pertinncia subjetiva da

    demanda (expresso de Alfredo Buzaid).

    Para aferir a legitimidade da parte basta simplesmente examinar na exposio

    feita pelo autor se h a narrao da chamada situao legitimante, que atribuio da conduta

    censurvel ao ru; dispensvel a produo de prova pr-constituda sobre a mesma, devendo ela ser

    aferida das afirmaes do autor (Teoria da Assero).

    So conhecidas no direito processual brasileiro duas espcies de legitimidade,

    (a) a ordinria (quem se afirmar ser titular do direito material ajuza a ao), e (b) a extraordinria

    (terceira pessoa ajuza ao em nome prprio, mas em defesa de interesse material alheio, na forma do

    art. 6o do Cdigo de Processo Civil), sendo esta ltima muito comum de se ver na defesa de interesses

    metaindividuais (interesses difusos, coletivos e individuais homogneos). Ambas sero objeto de

    estudo mais adiante.

    5. ELEMENTOS DA DEMANDA (eaden):

    So elementos da demanda ou da ao, tambm conhecidos como eaden, as

    partes, o pedido (objeto) e a causa de pedir.

    Os elementos da ao no se confundem com as condies da ao, j que

    aqueles so utilizados simplesmente para se diferenciar (ou assemelhar) uma ao da outra; estas (as

    condies da ao), de outro lado, so requisitos para que o magistrado possa proferir um julgamento

    de mrito.

    5.1. PARTES (elementos subjetivos):

    Parte aquele que pede e contra quem se pede em juzo; no se confunde com

    a legitimidade de parte, que condio da ao.

    Aqui no se perquire se a parte , ou no, legtima, mas apenas se indaga quais

    so as partes para efeito de confronto com outras aes.

    5.2. PEDIDO (objeto):

    Pedido ou objeto o elemento objetivo da causa. Na verdade, deve-se falar em

    pedidos, pois no mnimo dois pedidos so formulados pelo autor (pedido imediato e pedido mediato).

    Pedido imediato (ou direto) a postulao de uma providncia jurisdicional.

    Dirige-se contra o Estado-juiz (exs.: condenao, declarao ou constituio).

    Pedido mediato (ou indireto) dirigido, de regra, ao ru e versa sobre um bem

    da vida (ex.: pagamento, cumprimento de obrigao de fazer, entrega de coisa etc.).

    Releva observar que nas aes condenatrias bem simples diferenciar o

    pedido imediato do mediato (provimento postulado o pedido imediato; providncia material buscada

    o pedido mediato), mas nas aes declaratrias eles se confundem no caso concreto, conforme lio

    usual da melhor doutrina (ex.: se o juiz declara, a pedido do autor, que a obrigao no existe, de regra,

    o pedido imediato e o mediato esto atendidos, no havendo o que se fazer ou executar

    posteriormente).

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    18

    5.3. CAUSA DE PEDIR (causa petendi):

    o elemento causal. So os motivos aduzidos pelo autor para lograr a

    procedncia de seu pedido. Costuma-se classificar a causa petendi em (a) remota (so os fatos

    alegados como causa para o pedido, como um ato, um acidente, um contrato, a violao do pacto etc)

    (b) prxima (so os fundamentos jurdicos do pedido; trata-se da conseqncia jurdica dos fatos

    expostos).

    H autores de pese que invertem os conceitos acima citados, indicando como

    causa de pedir remota os fundamentos jurdicos e como causa de pedir prxima os fatos articulados

    (pensam assim Nery Junior), razo pela qual recomenda-se muito cuidado no exame do tema nos

    concursos pblicos.

    A corrente amplamente predominante, contudo, prega que a causa de pedir

    remota compe-se dos fatos constitutivos de direito e a causa de pedir prxima, dos fundamentos

    jurdicos do pedido.17

    Registre-se neste ponto que nosso sistema processual civil adotou a teoria da

    substanciao no que tange disciplina da causa de pedir, exigindo-se que o autor exponha com

    absoluta clareza os fatos que fundamentam seu pedido (art. 282, inciso III), e que o juiz no ultrapasse

    esses limites fticos, estando, porm, livre para ditar o direito aplicvel espcie.

    Pela teoria da substanciao o juiz se vincula aos fatos expostos (causa de pedir

    remota) pelo autor (esses que so importantes para o conhecimento da demanda, e no podem ser

    ultrapassados, salvo quanto aos dados meramente secundrios), mas no s conseqncias jurdicas

    indicadas por ele (causa de pedir prxima), podendo o magistrado perfeitamente dar aos fatos

    indicados uma moldura jurdica diferente, posto que jura novit curia (o juiz, presume-se, conhece o

    direito).

    A teoria da substanciao, adotada por ns, se contrape teoria da

    individualizao.18

    A adoo da teoria da substanciao no probe a alterao dos fatos expostos,

    desde isso se d at o saneamento da causa e com o consentimento do ru (CPC, art. 264), ou ento se

    houver prova de que eles ocorreram em momento superveniente ao ajuizamento da ao (CPC, art.

    462). A primeira hiptese citada costuma ser denominada pela doutrina de mutabilidade

    qualitativa e a segunda de alegao de fato superveniente.

    5.4. RELEVNCIA DO TEMA:

    O perfeito conhecimento da matria alusiva aos elementos da ao de

    extrema relevncia para a resoluo de problemas processuais srios como o da litispendncia, da

    17 Foi essa a tese adotada no Concurso para ingresso na magistratura do Estado de Gois, como se pode ver adiante. (2004,

    prova objetiva, Questo 44) Assinale a alternativa incorreta: (a) O pedido imediato consiste na providncia jurisdicional

    invocada, sentena condenatria, declaratria, constitutiva ou mesmo providncia executiva, cautelar ou preventiva; (b) Na

    ao declaratria, o pedido mediato se confunde com o pedido imediato; (c) Entende-se por causa prxima, o fato gerador

    do direito e causa remota os fundamentos, a natureza do direito controvertido; (d) possvel a cumulao de aes, num

    nico processo, contra o mesmo ru, de vrios pedidos, ainda que entre eles no haja conexo (no gabarito oficial,

    assertiva incorreta a letra c, sendo este tambm o entendimento doutrinrio predominante; mas h

    posicionamento divergente, que consideraria a letra c correta, como o caso de Nelson Nery Junior, em seu

    Cdigo de processo civil comentado, 2006, p. 478). 18 Pela teoria da individuao no adotada por ns, como j afirmei , o juiz ficaria vinculado aos fundamentos jurdicos

    materiais indicados pelo autor.

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    19

    coisa julgada (que exigem a trplice identidade, isto , eaden personae, eaden res e eaden causa

    petendi), da conexo, da continncia, da prejudicialidade externa e da perempo.

    Alis, para se conhecer os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada

    essencial que estudemos com profundidade os indicados elementos da demanda.

    Convm registrar que para fins de identificao da litispendncia e da coisa

    julgada h tambm outro critrio que o da investigao do objeto litigioso globalmente (Cmara o

    denomina de critrio da relao jurdica), que deve ser utilizado pelo operador do direito quando

    insuficiente o critrio da trplice identidade (partes, pedido e causa de pedir), como ocorre nas

    situaes de reiterao de demandas na hiptese de legitimao extraordinria (ex.: Ministrio Pblico

    prope ao de investigao de paternidade, e o substitudo ainda na pendncia desta, atravs de

    advogado, ajuza outra ao idntica).

    6. CLASSIFICAO DAS AES (quanto ao provimento):

    Considerando-se o provimento buscado pela parte, conhecem-se

    tradicionalmente as aes de conhecimento (abrangendo as aes declaratrias, as condenatrias e as

    constitutivas), aes de execuo (Livro II do Cdigo de Processo Civil) e aes cautelares (Livro III

    do Cdigo de Processo Civil).

    Analisemos em separado cada uma dessas tutelas.

    6.1. AES DE CONHECIMENTO:

    Essas so aquelas aes em que se postula a prolao de uma sentena que

    resolva uma pretenso contestada.

    As aes de conhecimento podem ser condenatrias (envolvem uma crise de

    inadimplemento), declaratrias (envolvem a crise de certeza) e constitutivas (envolvem uma crise

    na prpria relao jurdica). Esta a chamada classificao trplice das aes de cognio.

    Condenatrias so aes em que se busca a imposio de cumprimento coativo

    de uma obrigao e imposio de uma sano (exs.: indenizao por ato ilcito, cobrana etc.);

    declaratrias (art. 4o), de outro lado, so as aes em que o pedido de reconhecimento de existncia

    ou de inexistncia de uma relao jurdica preexistente; autenticidade ou falsidade de um documento

    (exs.: investigao de paternidade, declaratria de dependncia econmica, declaratria de unio

    estvel, nulidade de ato jurdico etc.); enfim, so constitutivas aquelas em que se busca a criao,

    modificao ou extino de relaes jurdicas (exs.: separao judicial, divrcio, resciso de contrato,

    anulao de ato jurdico etc.).

    Embora essa subdiviso trplice das aes de conhecimento seja a tradicional,

    comum tambm a doutrina referir-se a classificao quinria, originada das lies de Pontes de

    Miranda, que, alm das tutelas condenatria, declaratria e constitutiva, abarca tambm as aes

    mandamentais e a executivas lato sensu, que seriam encaradas como autnomas porque independem

    de um posterior processo de execuo no sentido prprio para o seu cumprimento.

    6.2. AES DE EXECUO:

    Nas aes de execuo se pleiteia a satisfao de uma obrigao contida num

    ttulo executivo.

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    20

    No processo de execuo a pretenso certa (no h dvida sobre o seu

    contedo e sobre quem o dono do direito), lquida (tem valor determinado) e exigvel (j est

    vencida), mas ainda est insatisfeita, da a necessidade da prtica de atos agressivos contra o

    patrimnio do devedor.

    A execuo pode se fundar em ttulo executivo judicial (decises, sentenas ou

    acrdos) ou em ttulo executivo extrajudicial (cheque, nota promissria, duplicata etc.).

    Para exigir o adimplemento das decises que impem obrigao de pagar

    quantia certa, no se fala mais em ao de execuo (autnoma), mas em fase de execuo do ttulo

    judicial ou em fase de cumprimento de sentena (sem autonomia), nos termos dos arts. 475-J e

    seguintes, do Cdigo de Processo Civil (com redao da Lei 11.232/2005), conforme veremos no

    momento oportuno.

    6.3. AES CAUTELARES:

    As aes cautelares so as que buscam providncias provisrias, protetivas de

    bens jurdicos envolvidos no processo (exs.: arresto, seqestro, busca e apreenso etc.).

    Nelas, h uma pretenso de segurana a uma outra pretenso atual ou futura de

    condenao ou de execuo (e at mesmo cautelar).

    6.4. OUTRAS CLASSIFICAES DA AO:

    Convm deixar bem claro que existem vrias outras classificaes das aes,

    alm da que foi enunciada acima.

    Cita-se como exemplo aquela que leva em conta a natureza do direito material

    invocado (aes patrimoniais e aes no-patrimoniais) e a que toma em considerao o objeto

    reclamado (aes mobilirias e aes imobilirias).

    Embora sejam de menor importncia, o conhecimento delas pelo operador do

    direito termina detendo alguma relevncia prtica na escolha do foro competente (arts. 94 e 95), na

    necessidade, ou no, da interveno do Ministrio Pblico (art. 82), na aplicao dos efeitos da revelia

    (art. 320, inciso II) etc.

    7. O DIREITO DE DEFESA (ou direito de exceo):

    7.1. CONCEITO:

    Exceo, em linhas gerais, sinnimo de defesa. A ao o direito do

    autor (ele postula a tutela jurisdicional) e a exceo o direito do ru (ele tenta convencer o juiz de que

    sua resistncia ao pedido do autor justa).

    O direito de exceo ou de defesa o reverso do direito de ao. Tanto o

    direito de ao, quanto o direito de defesa, tem fundamento constitucional em nosso sistema (CF, art.

    5, incisos XXXV e LV, respectivamente).

    A exceo (ou defesa) tem a mesma natureza do direito de ao e pode ser

    conceituado como o direito pblico, subjetivo, autnomo, abstrato e instrumental de alegar, em seu

    favor, defesa baseada em fato ou direito que paralisa ou impede as conseqncias do direito alegado

    pelo autor.

  • DIREITO PROCESSUAL CIVIL PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR ALDO SABINO

    21

    extremamente importante ter-se cautela no exame do tema, pois a expresso

    exceo pode ser entendida em vrios sentidos no processo civil brasileiro, vejamos:

    (a) temos exceo como defesa em sentido amplo, como defesa geral do ru

    (acepo que ser estudada neste tpico),

    (b) temos exceo como defesa que somente interessa parte (que se

    contrape objeo, que a matria que pode ser reconhecida de ofcio pelo juiz, sem

    necessidade de pedido da parte), que no pode ser acolhida de ofcio pelo juiz e

    (c) temos exceo em sentido ritual ou instrumental, que so os meios para

    alegao de suspeio, impedimento de juiz ou incompetncia relativa de juzo (CPC, arts. 304

    e seguintes).

    7.2. ESPCIES:

    Pode a exceo em sentido amplo (encarada como defesa geral) ser substancial

    ou processual.

    Exceo substancial aquela que ataca o mrito da pretenso do autor. Pode

    ser direta ou indireta.

    Direta a defesa em que o ru impugna diretamente os fatos constitutivos do

    alegado direito do autor (ex.: alegao do ru de que no deve a quantia pleiteada pelo autor), obstando

    a causa de pedir remota; indireta a defesa em que o ru, sem negar o fato constitutivo do direito do

    autor, expende novos fatos impeditivos (ex.: novao), extintivos (ex.: prescrio) ou modificativos

    (ex.: adimplemento parcial).

    Exceo processual consiste no ataque ao processo objetivando dilat-lo

    (dilatria) ou tranc-lo (peremptria).

    Trata-se da alegao de vcios de forma, ausncia de condio da ao ou falta

    de pressuposto processual. Pode ser, como se observa, dilatria ou peremptria.

    A exceo processual dilatria apenas atrasa o processo (exs.: incompetncia

    relativa, nulidade de citao etc.) e, se acatada pelo juiz, gera recurso de agravo (arts. 522 e seguintes);

    a peremptria fora a extino do processo sem julgamento de mrito (exs.: falta de condio da ao,

    litispendncia) e, se reconhecida pelo juiz, gera recurso de apelao (arts. 513 e seguintes).

    7.3. AS OBJEES:

    Como j mencionei, no se deve confundir a exceo em sentido estrito com

    a objeo.

    A exceo (em sentido estrito) a defesa que somente pode ser acolhida pelo

    Juiz quando alegada pela parte (exs.: incompetncia relativa, conveno de arbitragem etc.); objeo

    a matria de defesa que pode ser reconhecida pelo magistrado sponte sua, isto , independentemente

    de alegao da parte (exs.: incompetncia absoluta, litispendncia etc.), como prev o 3 do art. 267

    do Cdigo de Processo Civil.

  • DIREITO PROCESSUAL CIVIL PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR ALDO SABINO

    22

    A par disso, convm ressaltar que as objees tambm comportam subdiviso

    nas categorias objees processuais (incompetncia absoluta, coisa julgada, litispendncia, falta de

    condies da ao etc.) e objees substanciais (decadncia e prescrio).

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    23

    CAPTULO III JURISDIO

    1. CONCEITO:

    Jurisdio a funo oriunda da soberania nacional, que consiste no poder do

    Juiz de aplicar, no caso concreto, mediante deciso motivada, o direito objetivo.

    2. CARACTERES:

    2.1.SOBERANIA:

    A jurisdio , a par da legislao e da administrao, uma das funes que

    compe a soberania nacional.

    Diz-se, por outro ngulo, que a jurisdio soberana tanto a nvel interno (j

    que nenhum dos poderes pode interferir na atividade de outro fora dos casos constitucionais CF 52,

    incisos I e II), quanto a nvel externo (em relao aos pases estrangeiros).

    2.2.COMPLEMENTAR (em relao atividade legislativa):

    A jurisdio complementar porque se trata de um prolongamento da atividade

    legislativa, que primria. O legislador formula a norma abstrata e geral (atuao primria) e o

    magistrado a aplica, em ato contnuo, no caso concreto (atuao complementar).

    O juiz, no Brasil, assim, no tem jurisdio constitutiva (criadora) de direito,

    mas meramente declaratria de direitos pr-existentes (o que revela a adoo da teoria dualista,

    defendida por Chiovenda).

    No ordenamento jurdico brasileiro existem, contudo, pelo menos dois casos

    em que o juiz tem funo criadora de direito, um que se encontra no prprio Cdigo de Processo Civil

    (art. 1109) e outro na Lei da Arbitragem (Lei 9.307/1996, art. 11, inciso II), em que o juiz tem

    autorizao legal para julgar por eqidade, afastando-se da legalidade estrita (CPC, art. 127).

    H quem entenda que a smula vinculante criada pela Emenda Constitucional

    n. 45/2004 tambm representa exceo jurisdio como atividade complementar. que o STF, nos

    termos do art. 103-A, da Constituio Federal, ganhou competncia para estabelecer verdadeira norma

    jurdica de carter genrico e abstrato.

    Enfim, no chamado processo objetivo (exs.: ao direta de

    inconstitucionalidade; ao declaratria de constitucionalidade) o Supremo Tribunal Federal no cria

    norma jurdica nova (no h portanto exceo ao carter complementar da jurisdio), mas apenas

    funciona eventualmente como legislador negativo (diz que uma lei federal no deve ser aplicada por

    ser inconstitucional).

    2.3.SUBSTITUTIVIDADE (em relao vontade das partes):

    O rgo jurisdicional exerce sua funo em substituio atividade das partes

    antagnicas, afastando-as e colocando-se entre elas para extinguir o conflito. Atuando, pois, de forma

    substitutiva, o magistrado dita a norma que ir reger a relao jurdica entre as partes.

    Nem sempre, porm, a jurisdio tipicamente substitutiva, bastando lembrar dos casos em que o juiz homologa a transao celebrada entre as partes (art. 269, inciso III); em tal

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    24

    hiptese, o juiz se limita a chancelar oficialmente a vontade das partes (sem substitu-la), resolvendo o

    mrito da causa.

    Em geral, a substituio da vontade das partes pela do juiz facultativa (o

    autor no obrigado a propor uma ao, podendo fazer um acordo com o ru e resolver o conflito);

    existem, contudo, determinadas relaes jurdicas que exigem para sua consumao a interveno do

    Poder Judicirio, de modo tal que a substitutividade nestes casos obrigatria (exs.: ao de

    interdio; ao de anulao de casamento etc.). Aqui falamos em processos necessrios.

    2.4.INRCIA:

    A jurisdio inerte (ne procedat iudex ex officio), somente podendo o

    magistrado posicionar-se aps a verificao de uma provocao oficial (petio inicial) do interessado

    (art. 262), salvo casos excepcionais expressamente indicados em lei.

    Realmente existem casos especficos em que a prpria lei processual admite a

    atuao oficiosa do juiz, como se v nos arts. 989, 1129 e 1142, todos do Cdigo de Processo Civil.

    Tambm ponto pacfico na doutrina nacional que o juiz tem poder de

    instaurar certos incidentes sem provocao de qualquer das partes (exs.: exibio de documentos,

    determinao da correo do valor da causa etc.).

    2.5.DEFINITIVIDADE:

    S a sentena, como ato jurisdicional, tem o condo de produzir a coisa julgada

    material, que o instituto que torna imutveis os efeitos dela decorrentes (art. 467). Trata-se de trao

    de distingue claramente as decises administrativas que nunca so definitivas das jurisdicionais

    (CF, art. 5, inciso XXXV).

    Para a doutrina tradicional, no tm fora de criar a coisa julgada material,

    entretanto, (a) a sentena proferida em processo cautelar (salvo no caso tratado no art. 810), (b) no

    processo de execuo (de ttulo extrajudicial, no embargada) e (c) em procedimentos especiais de

    jurisdio voluntria (CPC, art. 1.111), constituindo, portanto, excees regra da imutabilidade do

    ato jurisdicional transitado em julgado.

    bom sempre lembrar que mesmo nos casos em que a sentena se torna

    tradicionalmente imutvel (CPC, art. 467), possvel o ajuizamento da competente ao rescisria

    para argio de algum vcio (CPC, art. 485), o que pode ser feito em at dois anos contados do

    trnsito em julgado.

    2.6.IMPARCIALIDADE:

    A imparcialidade foi alada tambm a caracterstica ou pressuposto tico da

    jurisdio, na medida em que esta se trata de funo que deve exercida sempre por rgos

    desinteressados da questo posta em juzo e, por isso, imparciais e situados inter e super partes.

    Existindo dvida quanto imparcialidade do magistrado podero ser opostas

    pelas partes, conforme o caso, as excees de suspeio ou impedimento visando afast-lo da direo

    do processo (arts. 134 e seguintes).

    Embora no esteja expressa na Constituio Federal, j pacfico entre ns o

    entendimento de que a imparcialidade princpio constitucional que pode ser inferido do que se

  • DIREITO PROCESSUAL CIVIL PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR ALDO SABINO

    25

    contm nos arts. 95 (garantia dos magistrados) e 96 (auto-governo do Poder Judicirio) da Carta

    Magna, alm se estar contemplado na clusula do juzo natural (CF, art. 5, incisos XXXVII e LIII).

    2.7.RESOLUO DE CASOS CONCRETOS:

    A jurisdio, enfim, somente pode ser exercida diante de um caso concreto

    oficialmente narrado pela parte autora, sendo, pois, vedado s partes, como regra geral, a busca do

    rgo Jurisdicional para a resposta a consultas sobre questes ordem abstrata.

    Caso haja o ajuizamento de demanda para a resoluo de consulta abstrata ou

    acadmica, destituda de concreo, o juiz dever extinguir o processo sem resoluo de mrito por

    falta de interesse processual (CPC, art. 267, inciso VI).

    Aparente exceo a esta regra se tem no art. 23, inciso XII, do Cdigo

    Eleitoral, que autoriza ao Tribunal Superior Eleitoral a resposta s consultas feitas em tese sobre

    matrias de sua competncia.

    Costuma-se dizer que no chamado processo objetivo (Ao Direta de

    Inconstitucionalidade e Ao Declaratria de Constitucionalidade) no se discute um caso concreto,

    mas sim a validade da norma em abstrato, da porque esta sim seria uma real exceo jurisdio com

    caracterstica concreta.

    3. ESCOPOS DA JURISDIO:

    Diz-se que a jurisdio como funo tem vrios objetivos (escopos), mas

    certo que seu escopo primordial jurdico e consiste na aplicao da vontade concreta do direito

    objetivo; pela jurisdio declara-se a norma abstrata aplicvel (teoria dualista de Chiovenda) e

    certifica-se quem o real dono do direito.

    No Brasil, assim como na maioria dos pases democrticos, adota-se a teoria

    dualista entre direito e processo (a sentena no cria uma norma jurdica, e sim a declara no caso

    concreto, pois ela preexiste).19

    Falam-se tambm nos escopos social e poltico da jurisdio.

    O escopo social de jurisdio pacificar o conflito com justia e educar com

    isso a sociedade, nem que seja a mdio ou longo prazo.

    Os escopos polticos da jurisdio situam-se na afirmao do poder estatal e no

    culto s liberdades pblicas (Alexandre Cmara).

    4. ELEMENTOS DA JURISDIO:

    So comumente considerados elementos ou poderes inerentes jurisdio (a) o

    conhecimento (cognitio ou notio), (b) o chamamento (vocatio), (c) a coero (coercitio), (d) o

    julgamento (iudicium) e (e) a execuo (exsecutio).

    A par desse, o Poder Geral de Cautela no deixa de ser tambm uma das

    esferas de poder dos magistrados (CPC, arts. 797 e 798).

    19 Para Carnelutti, diversamente, a jurisdio tinha por escopo jurdico a resoluo da lide, criando a norma aplicvel ao

    caso concreto (teoria unitria); para ele, as leis materiais no eram capazes de gerar por si ss os direitos subjetivos,

    somente criando expectativas de direito (a sentena que teria esse poder criativo de direito).

  • DIREITO PROCESSUAL CIVIL PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR ALDO SABINO

    26

    Diz-se comumente que os juzes detm ainda o atributo da f-pblica

    (Dinamarco), que consiste na presuno relativa de veracidade daquilo que ele declarar que ocorreu em

    sua presena (em audincia, por exemplo), salvo prova cabal em sentido contrrio.

    5. SUBSTITUTIVOS DA JURISDIO:

    Consideram-se tradicionalmente substitutivos da jurisdio ou

    equivalentes jurisdicionais (como ensinava Carnelutti) (a) a autotutela, (b) a transao e (c) a

    arbitragem.

    Modernamente tambm se adiciona (d) a mediao como meio eficaz de

    resoluo alternativa de conflitos.

    Vejamos abaixo.

    5.1.AUTOTUTELA:

    Autotutela o sistema de soluo de conflitos em que a pessoa afirma o seu

    direito e faz valer sua pretenso com as prprias foras, o que no admissvel atualmente, pelo menos

    como regra, j que adotamos o modelo de monoplio da jurisdio pelo Estado.

    A autotutela enseja aplicao da chamada justia com as prprias mos, o

    que inclusive punido como crime em nossa legislao penal (CP, art. 345).

    Excepcionalmente, nossa lei admite esse tipo de conduta agressiva sem a busca

    prvia do Poder Judicirio (ver CC, art. 1210, 1o; CP, art. 23; CPC 935), caso em que a incidncia do

    tipo penal indicado ser afastada.20

    5.2.TRANSAO (autocomposio):

    Trata-se do negcio jurdico pelo qual as partes fazem concesses recprocas

    para afastar a controvrsia estabelecida entre eles.

    A transao feita entre as partes prevista na lei civil (CC, arts. 840-850) e tem

    o potencial de resolver o conflito (sem a interveno do Poder Judicirio), tornando dispensvel e

    intil qualquer processo judicial acerca do assunto (estar caracterizada a falta de interesse processual).

    Caso a transao seja feita em juzo, passa a se denominar conciliao e tem

    o condo de resolver o mrito da causa (CPC, art. 269, inciso III), formando ttulo executivo judicial

    (CPC, art. 475-N, inciso III); mas se a transao for feita antes do ingresso em juzo, o processo

    posterior eventualmente instaurado a pedido de uma das partes para discusso do conflito ser extinto

    sem resoluo de mrito por falta de interesse (CPC, art. 267, inciso VI).

    5.3.JUZO ARBITRAL:

    O juzo arbitral importa renncia via judicial, confiando as partes a soluo

    da lide a pessoas desinteressadas, mas no integrantes do Poder Judicirio, denominadas rbitros.

    20 Fazer justia pelas prprias mos, para satisfazer pretenso, embora legtima, salvo quando a lei o permite: Pena

    deteno, de 15 (quinze) dias a 1 (um) ms, ou multa, alm da pena correspondente violncia (destaque meu).

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    27

    Atualmente o instituto do Juzo Arbitral tem sua completa regulamentao na

    Lei 9.307/1996, que j teve sua constitucionalidade reconhecida vrias vezes pelo STF,21

    reconhecendo a Suprema Corte que a celebrao da conveno de arbitragem no viola os princpios

    da inafastabilidade do controle judicial (CF, art. 5, inciso XXXV) e do juzo natural (CF, art. 5,

    inciso LIII).

    A conveno de arbitragem tem natureza jurdica de causa de excluso da

    atuao do Poder Judicirio, de sorte que uma vez incrustada no contrato feito entre as partes, elas no

    podero submeter seus conflitos a este (ao Poder Judicirio), sendo obrigadas a se sujeitar ao juzo

    arbitral,22

    salvo alegao e reconhecimento da abusividade da clusula, o que ocorre com certa

    freqncia nas causas de consumo (exs.: contratos de consrcio, contratos de planos de sade,

    emprstimos etc.)

    A conveno de arbitragem gnero do qual emanam duas espcies, a clusula

    compromissria (clusula genrica prevista em contrato, vinculando as partes em caso de futuro

    conflito ao juzo arbitral) e o compromisso arbitral (pacto bem mais completo feito aps o surgimento

    do litgio visando a soluo arbitral).

    A sentena proferida pelo rbitro que juiz de fato e de direito (Lei

    9.307/1996, art. 18) tem fora de ttulo executivo judicial (CPC, art. 475-N, inciso IV), no estando

    sujeita a qualquer recurso junto ao Poder Judicirio, mas apenas a uma ao de nulidade com prazo de

    90 (noventa) dias para discusso apenas de to somente de vcios formais (Lei 9.307/1996, art. 33,

    1).

    Caso a parte desrespeite a conveno de arbitragem e ingresse com ao no

    Poder Judicirio para discutir seu conflito, seu processo ser extinto sem resoluo de mrito (CPC,

    art. 267, inciso VII), desde que a questo seja suscitada pelo ru, pois tem caracterstica de exceo

    (CPC, art. 301, 4).

    5.4.MEDIAO:

    Acredita-se atualmente muito na mediao como tcnica de substituio da

    atividade jurisdicional e de pacificao de conflitos; entre ns, no h lei especfica a regulando, mas

    j h Projeto de Lei (n. 94/2002) em que se prev a mediao incidental de carter obrigatrio nos

    processos judiciais, logo que for distribuda a petio inicial.

    Todavia, num sentido puro, mediao consiste na utilizao de um conjunto de

    tcnicas psicolgicas como forma de resoluo de conflitos intersubjetivos, evitando que eles cheguem

    ao crivo do Poder Judicirio.

    A mediao tem como caractersticas o fato de no ser invasiva (o mediador

    no sugere diretamente solues), de ser absolutamente imparcial (o mediador no pode prejulgar o

    fato) e de ser exercida por pessoa sem poder decisrio, a qual se vale de uma srie de tcnicas

    (Tcnica do Silncio, Tcnica do Afago etc.) para convencer as partes de que a soluo pacfica

    (sem a interveno de um terceiro, o juiz) muito mais legtima e satisfatria do ponto de vista social.

    21 Confira, exemplificativamente, o julgamento do Supremo Tribunal Federal operado no Ag. Reg. n. 5.206. 22 Esse assunto j foi objeto de questionamento em Concurso Pblico: (Magistratura do Estado de Gois, 2007, Prova

    Subjetiva, 2 Fase) Considerando o argumento indicativo de que a jurisdio atribuio privativa do Estado

    enquanto nao juridicamente organizada, bem como o princpio do juiz e do promotor natural, explique a

    existncia e a validade das decises proferidas pelas Cortes de Conciliao e Arbitragem (valendo 2,0 pontos).

  • DIREITO PROCESSUAL CIVIL PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR ALDO SABINO

    28

    Embora ligada, no sentido puro, a pessoa sem poder decisrio, recomendvel

    modernamente que o magistrado tambm conhea e se valha dessas tcnicas no invasivas para obter

    uma soluo pacfica, legtima e ligada busca do escopo social da jurisdio, evitando ao mximo

    ditar sua soluo substitutiva quando possvel o encontro de vontades.

    6. A JURISDIO E A ADMINISTRAO:

    No processo administrativo, a mesma autoridade que inicia procede o

    julgamento (a prpria parte interessada julga); no processo jurisdicional, o julgador encontra inter e

    super partes; a administrao julga sobre sua prpria atividade; o magistrado julga atividades alheias.

    No processo administrativo a deciso no se reveste do carter da

    definitividade, o que tpico da deciso jurisdicional (arts. 467 e 468).

    Em outras palavras, somente existe o fenmeno da coisa julgada material (no

    sentido tcnico) no mbito do processo jurisdicional, mas jamais no processo administrativo, que

    sempre pode ser objeto de reviso no Poder Judicirio.

    Nada impede, contudo, que um Juiz inicie, presida e julgue processo disciplinar

    de servidor pblico do Foro. Alis, trata-se de funo administrativa exercida pelos magistrados. Em

    tal caso, o juiz atuar tecnicamente como administrador, e no como julgador.

    7. A JURISDIO E A LEGISLAO:

    Preliminarmente, convm esclarecer que tanto o Poder Legislativo, quanto o

    Poder Judicirio, exercem a atividade jurdica do Estado (um cria a norma e o outro aplica a

    mesma), contudo, no possvel confundir o comportamento oficial de cada um, porquanto a atividade

    legislativa a funo do estado de editar normas gerais de conduta, atribuindo direitos e impondo

    obrigaes.

    A atividade jurisdicional, de outro turno, tem por finalidade aplicar a lei aos

    casos concretos que so adequadamente submetidos ao Poder Judicirio.

    A atividade legislativa, assim, primria (cria a norma jurdica abstrata) e a

    jurisdicional , em geral, complementar (aplica a norma no caso concreto), sendo responsvel pela

    declarao de direitos j existentes (reconhecimento de normas pr-existentes).

    8. A JURISDIO VOLUNTRIA:

    8.1.CONCEITO:

    Jurisdio voluntria ou graciosa a forma de atuao da jurisdio nos casos

    em que a lei, dada a relevncia de certos atos, exige prvia autorizao judicial. tradicionalmente

    definida como a fiscalizao oficial do interesse pblico existente em alguns negcios privados.

    No se trata tecnicamente de jurisdio, mas de atividade administrativa

    desenvolvida excepcionalmente pelos membros do Poder Judicirio.

    Este o conceito tradicional da jurisdio voluntria, sendo oriundo da

    corrente administrativista (defendida por Amaral Santos, por Ernani Fidlis dos Santos, por Frederico

    Marques dentre vrios outros), mas convm ressaltar que h tambm uma outra vertente de

    pensamento, que encara da jurisdio voluntria como verdadeira jurisdio, e no como simples

  • DIREITO PROCESSUAL CIVIL PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR ALDO SABINO

    29

    atividade administrativa;23

    trata-se da teoria revisionista ou jurisdicionalista (recomenda-se aqui a

    leitura do ensinamento de Alexandre Freitas Cmara e de Cndido Rangel Dinamarco, bem como

    ateno aos ensinamentos ministrados em sala de aula).

    Para a corrente administrativista (clssica), a jurisdio voluntria no

    tpica jurisdio ( atividade administrativa) porque no desenvolvida diante de uma lide (geralmente

    h consenso entre os envolvidos); no h partes, mas interessados; inexiste processo, mas mero

    procedimento, e por fim porque no se forma a coisa julgada tradicional nos procedimentos de

    jurisdio voluntria (art. 1111).

    Para a vertente jurisdicionalista (revisionista), a jurisdio voluntria no

    diferente das outras atuaes do juiz, pois existem casos em que h dissenso (ex.: ao de interdio

    em que o interditando contesta); existe, por outro lado, processo contencioso sem lide tpica (ex.: ao

    de anulao de casamento movida pelo Ministrio Pblico contra os cnjuges); o simples fato de no

    se formar a coisa julgada tradicional no a afasta da moldura de jurisdio, at porque no processo

    cautelar tambm no se forma a coisa julgada e ningum sustenta que inexiste jurisdio cautelar.

    8.2.JURISDIO VOLUNTRIA E CONTENCIOSA CONFRONTO:

    Seguindo as diretrizes da teoria administrativista, costuma-se fazer o seguinte

    confronto entre a jurisdio voluntria e a contenciosa.

    Vejamos:

    8.2.1. SUJEITOS:

    Nos procedimentos especiais de jurisdio voluntria no existem partes, mas

    apenas interessados, posto no haver litgio; na jurisdio contenciosa h partes litigantes.

    8.2.2. COISA JULGADA:

    Nos procedimentos de jurisdio voluntria no se forma a denominada coisa

    julgada material tpica, fenmeno que torna imutveis, nos processos contenciosos, os efeitos da

    sentena.

    Em sntese, apenas nos processos de jurisdio contenciosa se forma a coisa

    julgada material tradicional (art. 467); nos feitos de jurisdio voluntria sempre possvel a reviso

    daquilo que foi decidido anteriormente, desde que demonstrada a ocorrncia de fato superveniente (art.

    1111).

    8.3.NATUREZA:

    A jurisdio contenciosa tem cunho repressivo (atua quando o conflito j

    ocorreu e no foi resolvido pelas partes); j a voluntria tem carter preventivo (atua antes, de modo a

    dar cunho de legalidade ao ato ainda no praticado ex.: autorizao para a venda de bem de incapaz).

    8.4.JULGAMENTO POR EQUIDADE:

    23 Marinoni, Cdigo de processo civil comentado artigo por artigo, p. 95.

  • DIREITO PROCESSUAL CIVIL PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR ALDO SABINO

    30

    Segundo o art. 1.109, do Cdigo de Processo Civil, o juiz, nos procedimentos

    de jurisdio voluntria, no obrigado a observar o critrio da legalidade estrita, podendo adotar em

    cada caso a soluo que reputar mais conveniente ou oportuna.

    H, ento, permisso para que o juiz, na jurisdio voluntria, profira

    julgamento por eqidade, afastando-se da legalidade estrita. Esse tipo de sentena integrativa,

    proferida com base na discricionariedade judicial (o juiz estabelece a hiptese de incidncia e tambm

    as conseqncias jurdicas dessa com certa liberdade) costuma ser chamada pela doutrina de sentena

    determinativa.24

    Diversamente, na jurisdio contenciosa o juiz somente pode julgar de

    conformidade com a lei (civil law), sendo inadmissvel o julgamento de acordo com critrios de

    convenincia e oportunidade (art. 127). O juiz, na jurisdio contenciosa, em geral, est bem mais

    vinculado s conseqncias que emanam da lei estrita (mas possvel em alguns casos que o juiz

    profira na jurisdio contenciosa uma sentena determinativa, como ocorre nas aes revisionais de

    contrato excessivamente onerosos ao consumidor).

    8.5.PRODUO DE PROVAS:

    Nos procedimentos de jurisdio voluntria h plena liberdade do juiz para a

    busca das provas (art. 1.107), ao contrrio do que ocorre na jurisdio contenciosa, em que a atuao

    do magistrado bem mais restrita; a atuao oficiosa do juiz nos processos de jurisdio contenciosa

    deve ser excepcional, somente levada a cabo quando se encontre em estado de perplexidade, ou

    quando haja ntida desigualdade entre as partes (CDC, art. 6, inciso VIII, que trata da inverso do

    nus da prova nas causas de consumo).

    9. FORMAS DE TUTELA JURISDICIONAL:

    A exemplo do que j se disse quando do estudo da ao, os atos jurisdicionais

    podem ser classificados quanto ao provimento que contm em seu bojo em decises de conhecimento

    (podendo ser de condenao, de declarao ou de constituio), de execuo e cautelares.

    10. CLASSIFICAES:

    10.1. QUANTO MATRIA:

    Pode ser cvel (trata de matrias extrapenais, tais como as comerciais,

    constitucionais, administrativas, tributrias e at trabalhistas) ou penal (cuida de julgar as causas

    criminais).

    10.2.QUANTO A MANEIRA DE EXERCER:

    10.2.1. JURISDIO LEGAL:

    O magistrado deve julgar de conformidade com as normas elaboradas pelo

    Poder competente, podendo apenas dar a sua interpretao no caso concreto, mas no pode criar regras

    novas. Esta a regra geral no direito processual brasileiro.

    10.2.2. JURISDIO POR EQIDADE:

    24 Didier Jr, Curso de direito processual civil, v. 2, p. 301.

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    31

    Confere ao juiz poderes para inobservar a legalidade restrita e decidir da forma

    que entenda mais conveniente e oportuna, mas somente pode ser exercida quando houver expressa

    permisso legal (art. 127), como nos casos dos procedimentos especiais de jurisdio voluntria (art.

    1.109) e nos juzos arbitrais (cf. Lei 9.307/1996, art. 11, inciso II).

    10.3.QUANTO A NATUREZA DO RGO JUDICANTE:

    Pode ser ordinria, especial ou extraordinria.

    Jurisdio ordinria a exercida pelos rgos da justia comum (estadual e

    federal).

    Jurisdio especial a exercida pelos rgos da justia especial (eleitoral,

    militar e trabalhista).

    Jurisdio extraordinria a exercida, de forma excepcional, por rgos no

    integrados ao Poder Judicirio (CF, arts. 51, I e 52, incisos I e II).

    10.4.QUANTO FORMA:

    10.4.1. JURISDIO CONTENCIOSA:

    Pressupe a existncia de uma parte que pede e de outra contra a qual se pede a

    prestao jurisdicional com ampla possibilidade discusso contraditria. H conflito entre as partes,

    da a necessidade da interveno do rgo jurisdicional para resolver referida lide.

    10.4.2. JURISDIO VOLUNTRIA:

    Trata-se da administrao pblica de interesses privados relevantes, ao menos

    segundo a corrente administrativista; aqui no h, de regra, lide, os envolvidos esto acordes.

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    32

    CAPTULO IV PROCESSO

    1. CONCEITO E NOES:

    Processo, tecnicamente, costuma ser conceituado como o instrumento estatal

    criado para a resoluo de conflitos de interesses, que constitui-se, internamente, de uma relao entre

    autor, juiz e ru e, externamente, de uma seqncia procedimental de atos.25

    Como se percebe, o processo composto de dois elementos, um interno (a

    relao jurdico-processual) e outro externo (o procedimento), no se podendo, portanto, confundi-lo

    com o procedimento (rito); procedimento a forma de exteriorizao do processo.26

    O processo uno,

    mas o rito varivel, segundo a norma reguladora (exs.: processo de conhecimento com rito ordinrio;

    processo de conhecimento com procedimento especial de consignao em pagamento etc.).

    Assim como a jurisdio, diz-se que o processo tem escopos jurdicos (fazer

    atuar a vontade da lei, declarando o direito material preexistente), sociais (pacificar o conflito e

    reeducar a sociedade) e polticos (contribui para a estabilidade das instituies pblicas), como nos

    ensina Cndido Rangel Dinamarco.

    2. PROCEDIMENTO (elemento externo ou objetivo do processo):

    A exemplo do que se obtemperou, o processo uno, mas o seu procedimento

    pode variar segundo a pretenso ou vontade do legislador. imprescindvel notar que o termo

    processo no se confunde com a expresso procedimento, at porque pode existir procedimento

    sem processo, tal como ocorre numa sindicncia para apurao de falta funcional de servidor pblico,

    num inqurito policial, numa licitao, em que h rito, sem processo em seu sentido tcnico.

    Resumidamente, poder-se-ia dizer que os procedimentos cveis na atual

    sistemtica podem ser comuns ou especiais. Os comuns subdividem-se em ordinrio e sumrio; os

    especiais podem ser de jurisdio contenciosa (consignao em pagamento, depsito, inventrio,

    possessrias etc.) ou de jurisdio voluntria (interdio, abertura de testamentos, arrecadao de

    coisas vagas etc.). H ainda os procedimentos especiais que se encontram fora do Cdigo de Processo

    Civil, como o sumarssimo (Lei 9.099/1995), o de mandado de segurana (Lei 1.533/1951) entre

    outros.

    3. RELAO PROCESSUAL (elemento interno ou subjetivo do processo):

    Relao jurdico-processual o vnculo de direito que liga os sujeitos

    processuais entre si e que nasce, desenvolve-se e extingue-se pelas atividades por eles realizadas.

    Trata-se do elemento subjetivo ou intern