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Dionísio nos trópicos: festa religiosa e barroquização do mundo Por uma antropologia das efervescências coletivas Léa Freitas Perez Para Helena, a própria festa "O social é impulso e compromisso. Muito antes das infra-estruturas e das supra- estruturas, na base de toda sociedade encontra-se a potência, a dynamis, a movimentação, que contendo todas as formas e estruturas, não se confunde com nenhuma". (Roberto Motta) Nota introdutória A festa é uma presença constante e marcante em nossas vidas. Afinal, não se diz que a vida é uma festa ou que uma festa vale uma vida? Não se diz também, sobretudo num país como o Brasil que se tem por festeiro e disso muito se ufana, que existe excesso de festa ou falta de festa? Afinal, não somos o país do carnaval, do futebol e do samba? Diz-se mesmo que o Brasil não dá certo porque, ao viver fazendo festa, trabalha muito pouco. A festa também se faz presente na literatura antropológica. Dificilmente deixamos de encontrar uma referência a ela, seja de modo direto, seja de modo indireto. Todavia, é uma presença paradoxal: uma espécie de hóspede não convidado que irrompe porta a dentro, trazendo, aliás como é próprio da festa, a des-ordem e a con-fusão , de modo a não se saber muito bem o que fazer com ela, como tratá-la. Mesmo que constantemente referenciada, geralmente não lhe é atribuído o estatuto de objeto analítico, uma vez que ela aparece como uma mera ilustração de certas excentricidades da vida social, ou como elemento descritivo de rituais, esses, sim, tomados como objetos privilegiados. Aparece também — e aqui

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Dionísio nos trópicos: festa religiosa e barroquização do mundo

Por uma antropologia das efervescências coletivas

Léa Freitas Perez

Para Helena, a própria festa

"O social é impulso e compromisso. Muito antes das infra-estruturas e das supra-estruturas, na base de toda sociedade encontra-se a potência, a dynamis, a movimentação, que contendo todas as formas e estruturas, não se confunde com nenhuma". (Roberto Motta)

Nota introdutória

A festa é uma presença constante e marcante em nossas vidas. Afinal, não se diz que a vida é uma festa ou que uma festa vale uma vida? Não se diz também, sobretudo num país como o Brasil que se tem por festeiro e disso muito se ufana, que existe excesso de festa ou falta de festa? Afinal, não somos o país do carnaval, do futebol e do samba? Diz-se mesmo que o Brasil não dá certo porque, ao viver fazendo festa, trabalha muito pouco.

A festa também se faz presente na literatura antropológica. Dificilmente deixamos de encontrar uma referência a ela, seja de modo direto, seja de modo indireto. Todavia, é uma presença paradoxal: uma espécie de hóspede não convidado que irrompe porta a dentro, trazendo, aliás como é próprio da festa, a des-ordem e a con-fusão, de modo a não se saber muito bem o que fazer com ela, como tratá-la. Mesmo que constantemente referenciada, geralmente não lhe é atribuído o estatuto de objeto analítico, uma vez que ela aparece como uma mera ilustração de certas excentricidades da vida social, ou como elemento descritivo de rituais, esses, sim, tomados como objetos privilegiados. Aparece também — e aqui

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existe uma clara confluência entre a literatura antropológica e um certo senso comum — como folclore. Ou seja, a festa é vista como um mero divertimento das ditas classes populares, ou, confundindo-se com esse último, como sobrevivência de certos arcaísmos tradicionais. Desse modo, é congelada no tempo — num tempo findo — e reduzida a uma espécie em extinção, a um objeto eminentemente exótico que pode ser objeto de nobre trabalho de salvamento — em nome da História e da Memória — servindo, assim, a explorações políticas e comercias de toda ordem, bem ao gosto dos sempre vivos colecionadores de borboletas. Felizmente, essa tendência parece estar-se modificando de uns tempos para cá, com a multiplicação de trabalhos que tomam a festa como objeto.

Neste texto proponho-me regastar a idéia de festa, sobretudo da festa à brasileira, tratando-a como forma lúdica de sociação e como um fenômeno gerador de imagens multiformes da vida coletiva, buscando mostrar como o vínculo social pode ser gerado a partir da poetização e da estetização da experiência humana em sociedade. Para tanto, tomo como objeto empírico de reflexão a festa do Divino Espírito Santo e a procissão de Nossa Senhora dos Navegantes na cidade de Porto Alegre (Rio Grande do Sul) no século XIX. Minha intenção não é fazer nenhuma espécie de tipologia da festa, muito menos ater-me a seus aspectos empíricos, i.e., a seu conteúdo manifesto, mas, sim, pensá-la como uma forma, como uma forma de sociação. Aplicando a noção de forma de Simmel e parafraseando Lévi-Strauss, o que intento é mostrar que a festa não é somente boa para dela se participar, é também boa para pensar, pensar os fundamentos do vínculo coletivo, o que faz sociedade.

Segunda nota: distinções necessárias

A festa tem uma realidade e uma dinâmica próprias, o que possibilita tomá-la como objeto autônomo e heuristicamente produtivo para a compreensão das variadas formas de viver a experiência humana em sociedade. Para que se fale apropriadamente da festa, é preciso, então, delimitar sua esfera e sua abrangência. Dito de outro modo, é preciso defini-la em seus elementos constitutivos.

A festa é, antes de mais nada e acima de tudo, um ato coletivo extra-ordinário, extra-temporal e extra-lógico. Significa dizer que a condição da festa é dada pela confluência de três elementos fundamentais, interdependentes um do outro, que se con-fundem uns com os outros, a saber: um grupo em estado de exaltação (leia-se fusão coletiva e efervescência) que consagra sua reunião a alguém ou a uma coisa (toda festa é sacrifício) e, que, assim procedendo, liberta-se das amarras da temporalidade linear e da lógica da utilidade e do cálculo, pois a festa é uma sucessão de instantes fugidios, presididos pela lógica do excesso, do dispêndio, da exacerbação, da dilapidação. Em resumo: a festa instaura e constitui um outro mundo, uma outra forma de experenciar a vida social, marcada pelo lúdico, pela exaltação dos sentidos e das emoções — com um forte acento hedonista e agonístico — e, mesmo, em grande medida, pelo não-social. É pela con-junção dessas três características constitutivas da festa que podemos defini-la como paroxismo, dado que ela é fundamentalmente transgressora e instauradora de uma forma de sociação, na qual o acento é dado pelo estar-junto, pelo fato mesmo da relação. Tal como refere Simmel, a forma lúdica de sociação não tem conteúdo, nem propósitos objetivos, nem resultados exteriores, é uma estrutura sociológica que, em "sua relação com a sociação concreta, determinada

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pelo conteúdo, é semelhante à relação do trabalho de arte com a realidade". Nesse sentido, aproxima-se também do "jogo no qual se 'faz de conta' que são todo iguais e, ao mesmo tempo, se faz de conta que cada um é reverenciado em particular; e 'fazer de conta' não é mentira mais do que o jogo ou a arte são mentiras devido ao seu desvio da realidade". Ou seja, na forma lúdica de sociação, o único alvo é "o sucesso do momento sociável e, quando muito, da lembrança dele". Esse momento sociável é, para Simmel, o da reunião, mais especificamente ainda, o da festa. Diz ele: "num encontro intimamente pessoal e afável com um ou vários homens, uma senhora não pode aparecer com uma roupa sumária que usa sem qualquer embaraço numa festa mais concorrida. A razão é que, na festa, ela não se sente envolvida como um indivíduo na mesma extensão em que se sente numa reunião mais íntima e pode, por isso, dar-se ao luxo de se abandonar à liberdade impessoal de uma máscara: embora sendo apenas ela mesma, não é, entretanto, totalmente ela mesma, mas somente um elemento de um grupo que se conserva formalmente" (SIMMEL, 1983: 169, 170, 171, 173).

Estabelecida a definição inicial, é possível, agora, enunciar certas distinções e enfatizar certas questões.

É a densidade da festa — seu caráter de efervescência coletiva, de exaltação das paixões comuns — e seu caráter extra-temporal e extra-lógico que a distinguem tanto do ritual quanto da simples diversão. Obviamente que toda festa tem um certo aspecto ritual. Afinal, ela é também uma cerimônia, uma solenidade. Toda festa não deixa de ser igualmente divertimento. O divertimento corresponde à função expressiva, recreativa e estética da festa, fato muito bem acentuado por Durkheim. Ao analisar os ritos representativos, que são aqueles onde o aspecto da partilha de um sentimento comum é o mais importante e, mesmo, a única coisa que importa, Durkheim aproxima-os das representacões dramáticas e das recreações coletivas. Todos empregam os mesmos procedimentos, i. e., o drama — a representação teatral. Tais ritos são estranhos a qualquer fim utilitário, "fazem com que os homens se esqueçam do mundo real para transportá-los para outro mundo, onde a sua imaginação fica mais à vontade". Em síntese: distraem. Chegam mesmo a assumir "o aspecto exterior de recreação: vemos os assistentes rirem e se divertirem abertamente" (DURKHEIM, 1985: 534, 453). Segundo Isambert, as festas oscilam entre dois pólos: o da cerimônia (que é o rito propriamente dito) e o da festividade (que é o da efervescência propriamente dita), todavia ressaltando que os pólos não deixam de ter afinidades entre si. Para esse autor, em algumas festas é a amplitude do ritual que as distingue dos ritos quotidianos. Toda festa é ritual nos imperativos que permitem identificá-la, todavia ultrapassa-a pelas invenções de seus elementos livres. Em outras festas, é a densidade da festividade que a distingue de um banal divertimento. Mas também existem festas que se situam entre a cerimônia e o simples divertimento, sendo, assim, um gênero misto (ISAMBERT, 1968: 423). Todavia, é um divertimento e uma cerimônia de gênero particular, no qual estão excessivamente acentuados — et pour cause — os aspectos efervescentes, vale dizer, propriamente festivos. É ao velho e sempre bom Durkheim a quem devemos a idéia de festa como agrupamento massivo, gerador de exaltação, i. e., de efervescência. A efervescência que aqui quero ressaltar é aquela que diz respeito à noção durkheimiana de exaltação geral, aquela dos momentos/situações nos quais as "energias passionais" da coletividade encontram-se em estado de "exaltação geral", nos quais a "influência corroborativa da sociedade se faz sentir com maior rapidez e muitas vezes até

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com maior evidência", pois "as interações sociais tornam-se muito mais freqüentes e mais ativas". Essas circunstâncais, nas quais "a ação reconfortante e vivificante da sociedade é particularmente manifesta", correspondem ao momento da assembléia. Diz ele: "no seio de uma assembléia que esquenta uma paixão comum, tornamo-nos suscetíveis de sentimentos e de atos de que somos incapazes quando estamos reduzidos às nossas forças". Quando os fiéis estão reunidos, observa ele, o estado de efervescência religiosa se traduz por "movimentos exuberantes que não se deixam facilmente sujeitar a fins muito estritamente definidos"; eles escapam, sem objetivo preciso, pelo "simples prazer de se desdobrar", como um jogo. O que o grande ancestral está enfatizando é a produção de vínculos sociais baseados, não em interesses racionais, mas em sentimentos/emoções. Vale dizer que a efervescência diz respeito a uma forma de estabelecimento de vínculo coletivo, no qual o acento é posto na comunhão, na reliança (DURKHEIM, 1985: 300, 301, 542, 545). Como apropriadamente menciona Caillois: "Não existe festa, mesmo triste por definição, que não comporte pelo menos um princípio de excesso e de pândega". Define-se "sempre pela dança, o canto, a ingestão de comida, a bebedeira. É preciso se devertir à grande, até se prostrar, até cair doente. É a lei mesma da festa" (CAILLOIS, 1989: 130).

Festa, cerimônia/ritual e divertimento não são redutíveis uns aos outros. Tal como diz Durkheim, "toda festa, mesmo que seja puramente laica por suas origens, tem certos caracteres da cerimônia religiosa, pois, em todos os casos, ela tem como efeito aproximar os indivíduos, colocar em movimento as massas e suscitar, assim, um estado de efervescência, às vezes até de delírio, que não deixa de ter parentesco com o estado religioso". Tanto na festa como na cerimônia religiosa, o homem é transportado para fora de si, distrai-se de suas preocupações quotidianas. Em ambas observam-se as mesmas manifestações, como, por exemplo, gritos, cantos, música, movimentos violentos, danças, busca de excitantes que aumentem o nível vital. Em resumo: em ambas o excesso e as trangressões se fazem presentes. Todavia, existe uma diferença fundamental: embora ambas sejam formas de atividade pública, combinam em proporção desigual o júbilo e a finalidade grave (DURKHEIM, 1985: 547, 548).

A festa tem um potente elemento diferenciador que é dado pelo seu caráter de ato paradoxal e pela sua dimensão sacrificial. Como bem observa Isambert, parece ser necessário um pretexto, tornado ocasião, para que a festa emane do divertimento: é preciso algo para celebrar; toda festa é um tempo consagrado. No limite, diz ele, tudo é festa durante o tempo da festa. Mas como a festa é paradoxo, embora refira-se a um objeto sagrado ou sacralizado, tem também necessidade de comportamentos profanos. É assim que a festa comporta uma multiplicidade de atividades de naturezas diversas, o que a distingue de uma simples cerimônia (ISAMBERT, 1968: 423, 424).

A festa se opõe ao ritmo regular, rotineiro da vida, sujeito aos sistemas de interdições, "em que a máxima quieta non movere mantém a ordem do mundo". Ela implica "ajuntamentos massivos [que] favorecem eminentemente o nascimento e o contágio de uma exaltação que se prodigaliza em gritos e em gestos, que incita ao abandono sem vigilância aos mais irrefletidos impulsos". Dito de outro modo: "A festa, com efeito, não comporta apenas orgias de consumo, da boca e do sexo, mas também orgias de expressão, do verbo e do gesto. Gritos, zombarias, injúrias, vaivém de gracejos grosseiros, obcenos ou sacrílegos". Os movimentos também são excessivos: "mímicas eróticas, gesticulações violentas, lutas

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simuladas ou reais". Tudo para despertar da letargia e devolver a fecundidade. "Dança-se até o esgotamento, rodopia-se até a vertigem. Rapidamente atingem-se as brutalidades" (CAILLOIS, 1989: 160). Falar em festa é, portanto, falar em excesso: "O esbanjamento, a destruição, as formas de excesso, o frenesi, a orgia fazem parte da essência da festa". Nesse sentido, a festa é um "paroxismo da sociedade", uma vez que, rompendo "de um modo tão violento com as pequenas preocupações da existência quotidiana", surge para quem dela participa como "um outro mundo", onde o indivíduo "se sente amparado e transformado por forças que o ultrapassam". Em resumo: "Em sua forma plena, com efeito, a festa deve ser definida como paroxismo da sociedade, que ela purifica e renova ao mesmo tempo. Ela é o seu ponto culminante não só do ponto de vista religioso, mas também do ponto de vista econômico. É o instante da circulação das riquezas, o dos mercados mais consideráveis, o da distribuição prestigiosa das reservas acumuladas. Ela aparece como o fenômeno total que manifesta a glória da coletividade e a retempera em seu ser" (CAILLOIS, 1989: 130, 131, 166). Na festa, por causa dela, o indivíduo "vive o tempo das emoções intensas e da metamorfose de seu ser". É tal o poder revigorante da festa, que é justo dizer que vivemos "na recordação de uma festa e na expectativa de outra". Vale dizer que a festa é o "reino do sagrado", pois opõe ao mundo individualizado e individualizador da rotina, do trabalho e das preocupações materiais e utilitárias "uma explosão intermitente", "um frenesi exaltante", evidenciado no "corpo poderoso da efervescência comum" (CAILLOIS.1989: p.131).

Esses instantes culminantes da vida coletiva que a festa representa são carregados de uma "atmosfera sacrificial": o sacrifício é "uma espécie de conteúdo privilegiado da festa", é "como o movimento interior que a resume ou que lhe dá seu próprio sentido" (CAILLOIS, 1989: 5). A destruição e o excesso implicados no sacrifício têm um duplo aspecto: o de "gratuidade pueril" e o de dar as costas para as relações reais, exatamente o que a festa faz. Sacrificar é consumir, é despender, é abandonar: a oferenda escapa a qualquer utilidade, por isso o sacrifício é a antítese da produção, é a "consumação incondicional" (BATAILLE, 1973: 37, 38, 72). Em resumo: sacrificar é, ao mesmo tempo, dom e abandono, que se traduzem na festa, em primeiro lugar, pela partilha da paixão comum, criadora de uma comunhão que é vivida através de atos e gestos excessivos: comida, bebida, licenciosidade sexual, frenesi da dança, tudo levando ao aniquilamento, ao esgotamento, ao fundir-se no outro, constituindo um estado de indistinção. Não é à toa, por exemplo, que se diz que uma festa bem sucedida é aquela que possibilita um perder-se no turbilhão da multidão exaltada. Discutindo a exaltação das paixões e os decorrentes excessos no corrobori australiano, Durkheim se pergunta sob o efeito que devem produzir sobre os espíritos de seus participantes. A resposta: os excessos determinam "uma tão violenta superexcitação que não pode ser suportada por muito tempo", os atores acabam esgotados. Assim, "compreende-se facilmente que, chegando a esse estado de exaltação, o homem não se conhece mais. Sentindo-se dominado, arrastado por um espécie de poder exterior que o faz pensar e agir de maneira diferente que em tempo normal, tem naturalmente a impressão de não ser mais ele mesmo. Parece-lhe que se tornou um ser novo". Sente-se transportado para um mundo especial, para um meio povoado de forças excepcionalmente intensas, que o invadem e o transformam. Durkheim lança a hipótese, fundamental para a compreensão dos propósitos deste texto, segundo a qual a idéia mesma do religioso parece ter nascido em meios sociais efervescentes e da própria efervescência. Os "atos inauditos" — leia-se as inversões e os excessos — que a efervescência implica explicam-se pelo fato de que "as

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paixões desencadeadas são de tal impetuosidade que não se deixam conter por nada. Está-se de tal forma fora das condições ordinárias da vida e tem-se tanta consciência disso, que se sente como que a necessidade de colocar fora e acima da moral ordinária" (DURKHEIM, 1985: 309, 312, 313, grifos meus).

Uma distinção importante se impõe: embora a festa seja também um espetáculo, distingue-se dele, pois exige a participação ativa, marcada por esse aniquilamento, por esse abandono de si e na con-fusão com o outro. É impossível ser apenas expectador de uma festa. Ela impõe a participação, leia-se a relação, o estar-junto.

Uma terceira distinção importante a ser feita, e mais relativa a um certo senso comum ambiente, mas que também se relaciona com a anterior, é o fato de a festa não ser sinônimo de alegria, de pura bonomia, muito menos de pura e simples desordem, de tumulto, de violência irracional. Existem tanto festas alegres, quanto festas tristes. Esse mundo de exceção/mundo ao inverso, que é o da festa, mistura alegria e angústia, rejogizo e violência, prazer e dor. Os atos e gestos excessivos da festa, sua atmosfera sacrificial são geradores de desordem, sim, de tumulto, sim, de violência, sim, mas de uma natureza particular, aquela que gera a comunhão pelo aniquilamento, pelo esgotamento, pela efervescência das paixões. A desordem festiva, o tumulto festivo, a violência festiva são criadores, são fundadores. Criadores da própria humanidade do homem. É Bataille quem melhor analisa a violência constitutiva da festa e sua relação com o sagrado e com o sacrifício. Em sua instigante pena, "o sagrado é essa pródiga ebulição da vida que, para durar, a ordem das coisas encadeia e que tal encadeamento transforma em desencadeamento", i. e., em violência. Violência, pois o sagrado opõe "à atividade produtiva o movimento precipitado e contagioso de um consumo de pura glória", ameaçando — sem trégua — "romper os diques", ou seja, a ordem estabelecida das coisas (leia-se utilitarismo). Violência e também sacrifício (leia-se destruição, consumo incondicional), pois o sagrado é "comparável à chama que destrói a madeira ao consumi-la", sendo assim, "o incêndio ilimitado, que se propaga, irradia o calor e a luz, inflama e cega, e aquilo que ele inflama e cega, por sua vez, subitamente, inflama e cega". Essa destruição, esse consumo incondicional, enquanto negação da ordem produtiva (da ordem das coisas), são sacrifício também, pois, exatamente como incêndio abrasador do sol, "que lentamente morre da pródiga irradiação cujo brilho nossos olhos não podem suportar" não está, contudo, nunca isolado "e, num mundo de indivíduos, convida à negação geral dos indivíduos como tais". E aqui irrompe, para Bataille, a festa: "o movimento inicial da festa está dado na humanidade fundamental, mas ele só atinge a plenitude de um jorro se a concentração angustiada do sacrifício o desencadeia" (BATAILLE, 1973: 71, 72).

Antes da explosão final, da festa propriamente dita, as interdições habituais podem ser reforçadas e outras novas criadas. Afinal, a festa é o reino do sagrado, e não se entra em contato com esse mundo sem que precauções sejam tomadas. O sagrado da festa é de tipo particular: é sagrado de transgressão. Para Caillois, a festa resulta do sagrado de transgressão e manifesta a sacralidade das normas da vida social através de sua violação ritual. Vale dizer que a festa é necessariamente desordem, no sentido de transgresssão das interdições e das barreiras sociais usuais. Ela promove uma imensa fusão comunial, por oposição à vida ordinária, que classifica e separa, que desgasta as energias da sociedade. A sociedade e a natureza, no transcurso de sua existência, segundo as proposições de Caillois,

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envelhecem, se desgastam. A ordem é essencialemente usurária, o tempo é dilapidador. As interdições, que têm por função prevenir a desordem, não evitam, no entanto, "sua ruína inevitável", sua "decrepitude", elas somente "impedem seu fim acidental". É preciso, assim, "recriar o mundo, rejuvenescer o sistema", ou seja, "chega o momento em que é necessária uma refundição. Importa que um ato positivo garanta uma estabilidade nova à ordem. É preciso que um simulacro de criação restaure a natureza e a sociedade". Assim e aqui, para Caillois, surge a festa (CAILLOIS, 1989:125).

A des-ordem que a festa instaura é produzida pela transgressão das normas vigentes, o que não significa, no entanto, ausência de ordem. Pelo contrário, a festa tem toda uma etiqueta própria que deve ser seguida, seu elemento diferenciador é o princípio da inversão, do excesso. Todavia, não se deve incorrer no erro de hipostasiar a inversão e o excesso, tomando-os como plenos de significado, o que esvaziaria sua potencialidade criativa, sua função — se função existe — de significante flutuante. Como argutamente observa Durkheim, expomo-nos a erros se, para explicar os ritos, achamos ser necessário "atribuir a cada gesto um objetivo preciso e uma razão de ser determinada". Existem gestos que não servem para nada; simplesmente respondem à necessidade de agir, de se mover, de gesticular que sentem os fiéis. Vemo-los saltar, virar, dançar, gritar, sem que seja sempre possível dar sentido a essa agitação". Em resumo: o simplesmente lúdico, o puramente estético, enfim, a arte são elementos fundamentais do culto, e não apenas seu "ornamento exterior". Dito de outro modo, e isso é central em meu argumento, para Durkheim, "há uma poesia inerente a toda religião". O elemento imaginário e irreal aparece também no "sentimento de reconforto" que o fiel experimenta após a realização do culto: "uma vez cumpridos nossos deveres rituais, retornamos à vida profana com mais coragem e ardor, não somente porque nos colocamos em relação com uma fonte superior de energia, mas também porque nossas forças foram retemperadas ao vivo, durante alguns instantes, de uma vida menos tensa, mais fácil e mais livre. Por aí, a religião tem um fascínio que não é dos seus menores atrativos" (DURKHEIM, 1985: 545, 546). Para uma melhor compreensão do que quero aqui dizer, basta uma troca de expressão: onde Durkheim fala em culto e religião, leia-se festa. Aliás, ele mesmo estabelece essa relação quando diz que a idéia mesma de uma cerimônia religiosa desperta naturalmente a idéia de festa (DURKHEIM, 1985: 547).

As distinções operadas nos possibilitaram ver a complexidade da festa, seu caráter ambíguo, em suma, paradoxal. Vejamos agora um pouco da festa à brasileira.

Festa à brasileira

Diversidade e multiplicidade de formas de organização estão na base da formação histórica brasileira, marcada e modelada por uma pluralidade de registros e de códigos. Entre nós, co-existem, em simultaneidade, diferentes formas de civilização, diferentes tipos de economias, diferentes formas de crença e de exercício do sagrado, uma complexa constelação de paisagens e de personagens, como agudamente percebeu Martins, ao afirmar que o Brasil "é menos uma estratificação de classes que uma justaposição de momentos históricos", enquanto certas regiões vivem uma duração mais lenta, outras vivem um tempo precipitado, de modo que "as estruturas sociais repetem-se em simetrias simbólicas e em sutis reações recíprocas" (Martins, 1977:433). Trata-se de um universo, talvez fosse mais

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apropriado dizer multiverso, caracterizado por uma pluralidade de vozes, de paisagens e de formas de organização que compõe estruturalmente a sociedade brasileira, moldando o seu perfil. Vale dizer que a multiplicidade está na sociedade, no interior de seu tecido. Ela é um estado da sociedade, pois denota a existência de uma estrutura social irredutível a uma unidade global fixa e imutável, fato claramente observado por Duvignaud, quando diz que o Brasil "é uma nação e que seus habitantes se afirmam brasileiros, mas a multiplicidade de grupos e de solidariedades originais não se funda numa imagem global que seria abstrata e vaga", porque "o vivido coletivo resiste à redução", pois uma " superabundância afetiva, sensual, passional acompanha o comércio dos homens [eu acrescentaria, igualmente o comércio com os deuses], da violência à ternura — freqüentemente desafiando estatísticas ou classificações" (DUVIGNAUD, 1992: 7, 8). A mestiçagem/hibridação de códigos, vetor do movimento, da constante mobilidade, da plasticidade e da composição é o principal mecanismo de orientação social no Brasil.

Num tal multiverso, a festa configura-se como um potente mecanismo de operação de ligações. Pouco importa se é festa religiosa ou profana, o que vale é que ela é o espaço privilegiado de reunião das diferenças, isto é, o espaço de figurações sociais, de assembléia coletiva e de socialidade. A festa é, portanto, o elemento de re-ligação. Como bem observa Mauss: "As festas não são coletivas apenas porque uma pluralidade de indivíduos reunidos delas participa, mas porque são atividades do grupo e porque é o grupo que elas exprimem" (MAUSS, 1974: 295). Todavia, não nos enganemos, "longe de ilustrar uma cultura, a festa contesta seus elementos e dela se separa", pois "o encontro em um mesmo meio de homens vivos e ativos constitui por si só uma solicitação estética" (DUVIGNAUD, 1984: 14, 29). Vale dizer que, no agrupamento festivo, cada um dos participantes "se sente o mais próximo possível uns dos outros, alguma coisa é dividida; experiência estética a mais de um título, ela constitui um momento de grande coesão do grupo. Todavia, as encenações têm uma outra conseqüência não negligenciável: graças à adesão do público que suscitam são capazes tanto de fazer proliferar as imagens quanto de potencializá-las. Numa explosão de reproduções ou de formas novas, as imagens engendradas por este meio são decompostas, desmultiplicadas, diversificadas e disseminadas na massa" (COELHO DOS SANTOS, 1994:178).

Obviamente que, ao propor a festa como via de acesso à compreensão do multiverso brasileiro, não se trata de hipostasiar sua importância, de dizer que tudo no Brasil é festa. Tomo a festa como um ângulo possível, entre outros. O privilégio concedido à festa se deve ao fato de que, como forma lúdica de sociação e como um fenômeno gerador de imagens multiformes da vida coletiva, portanto como modo privilegiado de expressão dos sentimentos coletivos, ela possibilita uma outra aproximação do ato mesmo de produção da vida, da experiência humana em sociedade, ou seja, do vínculo social. Outrossim, creio que já é passado o tempo de uma certa antropologia ingênua, para a qual a sociedade era um todo organizado de modo único e coerente. Como observa Duvignaud, "a idéia segundo a qual o objetivo de todas as sociedades humanas é o trabalho, e que a função principal das coletividades é a produção, talvez não seja mais do que uma crença, ao mesmo título que a crença melanésia que admite, por exemplo, que a morte não existe ... " Ou seja, temos dificuldade de admitir que a vida coletiva seja tecida mais de imprevisível do que de inelutável (DUVIGNAUD, 1984: 133, 141).

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As procissões e as festas religiosas são as atividades urbanas mais antigas do Brasil. Até o século XIX foram os acontecimentos culminantes da vida social de nossas cidades. As Ordenações, lei maior do Reino, legislavam a esse respeito, fixando em quatro o número de processões anuais, às quais era obrigatório comparecer: a de São Sebastião (janeiro), a de Corpus-Christi (maio ou junho), a da Visitação (2 de julho) e a do Anjo da Guarda (terceiro domingo de julho). Em 1757, uma procissão foi acrescentada: a de São Francisco de Bórgia, protetor do Reino. Era incumbência da municipalidade o controle da participação nas procissões, sobretudo o das autoridades locais. A presença das confrarias e das irmandades, com seus emblemas e bandeiras, era obrigatória. Era obrigatória igualmente a presença dos moradores "a menos de uma légua da vila ou cidade em que se fizesse uma procissão, sob pena de pagar 'da cadeia mil-réis, a metade para o Conselho e a outra metade para quem acusar'" (ARAÚJO, 1993:131). Festas e santos muito populares eram, dentre outros, Santo Antônio, São Pedro, São Gonçalo do Amarante, a Imaculada Conceição, todos protetores da fecundidade e dos casamentos, São Jorge (o guerreiro a cavalo, a espada na mão), São Sebastião (o matador dos mouros), São João (cuja festa celebrava o amor e a agricultura).

Viajantes europeus, como Spix e Martius, admiravam-se com o fato, já em plena época imperial, mais precisamente ainda, em finais da década de 1810, com a quantidade de dias santos e feriados civis que havia no Brasil: 35 dias santos e 18 feriados civis. "Acrescentem-se a esses dias de folga — e de folguedos — os domingos, naturalmente santificados, o do padroeiro do lugar e os de comemorações especiais (que ninguém era de ferro), como a translação de qualquer imagem de uma igreja para outra, a chegada de um bispo, o falecimento do soberano, o casamento do soberano, a coroação do soberano, o nascimento do futuro soberano e, claro, mais um ou dois (ou vários) dias de festa justificavam de sobra a bajulação coletiva de celebrar o aniversário do soberano, da mulher do soberano, dos filhos do soberano ou até o do supremo representante do soberano na Colônia. Assim, tem-se a forte impressão de que entre um festejo e outro se trabalhava. E trabalhava-se cansado da festa passada, mas poupando-se, está visto, para a próxima" (ARAÚJO, 1993:130). É importante observar que raramente uma festa realizava-se em um só dia. O mais freqüente era sua realização ao longo de vários dias, às vezes, mesmo, durante semanas inteiras.

A obrigatoriedade das festas não era um fardo para a população. Não somente "eram cumpridas com enorme prazer", como sua convocação pública era um momento solene e exuberante: "Nas vésperas da festa apregoava-se oficialmente, em determinados pontos da cidade, a convocação pública. Saía então da Câmara um meirinho 'vestido de gorgorão preto, bandada a capa de glacê de ouro, chapéu de plumas levantadas, meias recamadas de ouro, e com ele o porteiro da Câmara vistosamente trajado, com maça de prata, e com eles o pregoeiro do Conselho vestido de crepe, bandada a capa de primavera carmesim. Montaram a cavalo com seis trombeteiros de librés encarnadas e um terno de charameleiros a pé. Desta sorte discorreram por toda a cidade, fazendo saber a seus moradores a pública demonstração de alegria, o fim dela, e anunciando o dia 25 do presente mês para dar princípio a esta celebridade'" (ARAÚJO, 1993: 131).

As festas e as procissões reuniam um grande contigente populacional, tanto o dos habitantes da cidade, como os das cidades próximas e até mesmo das distantes. Gente de

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longe se deslocava para delas participar. Dia de procissão e de festa era um dia de entusiasmo na cidade. Multidões invadiam as ruas e as praças nas proximidades da igreja. A cidade inteira era agitação e movimento.

Tomemos como exemplo a festa do Divino Espírito Santo, uma de nossas mais antigas comemorações religiosas, que foi, até a década de 1920, uma de nossas festas mais populares. Diz-se que a popularidade do Divino era tamanha que José Bonifácio, o patriarca da independência, teria sugerido a D. Pedro que ele usasse o título de imperador, pois o povo já estava bastante familiarizado com o título, por causa da festa.

As celebrações ao Divino Espírito Santo remontam ao Portugal do século XIII e teriam sido instituídas por Dona Isabel em pagamento a uma promessa atendida. No começo, festa da nobreza, logo se popularizou, difundindo-se em todas as colônias lusitanas. É comemorada quarenta dias depois da Páscoa, fazendo parte das celebrações relativas ao ciclo da Ressurreição. O aparato de pompa e luxo e a magnificência real do espetáculo da procissão, com o imperador do Divino e sua corte, as cavalhadas, as danças e os cantos — as chamadas Folias do Divino —, a bandeira e o mastro com a pomba branca de asas abertas são os principais elementos cênicos do Império do Divino. Organizada pelas irmandades de mesmo nome, a festa era minuciosamente preparada meses antes de sua realização. As bandeiras do Divino percorriam as cidades e seus arredores em busca de fundos para a festa. Todo mundo aguardava com impaciência a visita da bandeira, para beijá-la e dar sua contribuição para a festa. Multidões de peregrinos, solitários ou famílias inteiras chegavam de todos os cantos para participar do Império. As novenas, a procissão e a festa propriamente dita constituíam os momentos centrais. A igreja e as tribunas erigidas na praça ornadas de bandeirolas, as feiras, a música das bandas, os fogos de artifício, os sinos tocando sem parar, em resumo, um espetáculo extra-ordinário, grandioso, a que as pessoas assistiam maravilhadas, extasiadas.

A importância da festa do Divino Espírito Santo em Porto Alegre é assim atestada por um dos cronistas da cidade: "O povo tinha fé. Sobrava-lhe fé. Mas aquela cerimônia [a procissão da Transladação, no Domingo da Paixão] engasgava-o, estrangulava-o — ele gostava mais da fé com alegria, com foguetes espocando no alto, com charangas esfuziantes de pratos, bumbos e trombones. Para essa natureza de fé, havia solenidades de arromba. Havia a festa dos Navegantes, depois da Procissão da Nossa Senhora dos Marujos, com iluminação na praça fronteira à Capela, barracões de melancias por todos os cantos e muita gente assanhada. E havia, sobretudo, a festa do Divino Espírito Santo — a mais gostosa de todas. [...] Esta festa enfeitiçava Porto Alegre" (FERREIRA, 1940:151, 152).

Durante muito tempo ela foi comemorada na praça da Matriz, onde se localizava a primeira capela da devoção, exatamente ao lado da igreja matriz, no centro da cidade. A praça era transformada para receber a festa: quiosques em seus quatro cantos, onde se alojavam as orquestras, bancos de madeira para os poucos momentos de descanso — afinal ninguém é de ferro —, bandeirolas e lâmpadas de múltiplas cores enlaçando o cenário, barracas para a feira, etc. A festa começava depois do meio-dia: às quinze horas, o espoucar dos sinos da capela anunciava o começo dos festejos. Ao som dos fogos, o cortejo partia da igreja e descia em direção à praça, parando de porta em porta para recolher as oferendas. Na praça e

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ao longo do trajeto do cortejo, a massa aplaudia, maravilhada, o espetáculo; famílias inteiras ou pessoas sozinhas, a pé ou em charretes.

Festa de congraçamento, as folias do Divino não somente alteravam a vida social como modificavam a paisagem urbana de Porto Alegre. Durante a festa, a população da cidade aumentava sensivelmente: rara era a família que não recebia um grande número de parentes vindos do interior para ver a folia. À noite, os fogos, a música, o movimento da feira, os leilões das oferendas recolhidas pelo peditório e os bailes davam uma ambiência febril ao porto alegre, mais alegre do que nunca. A folia em ato. Arsène Isabelle participou de uma festa do Divino em Porto Alegre e assim a descreve: "As festas do Espírito Santo (Pentecostes) celebram-se com pompa [...] As sacadas são guarnecidas de ricos tapetes de seda bordada [...]. Cada uma leva relicários de santos, suntuosamente ornados e depois, durante três dias, vendem-se publicamente, ao lado da igreja, rosários, escapulários, galinhas assadas, pastéis, licores, etc ... — Viva Roma !!" (ISABELLE, 1983: 64, 65).

O mesmo podemos dizer a propósito da devoção à santa padroeira dos marinheiros. Bastante antiga no Brasil, ela chegou com as primeiras caravelas portuguesas sob a forma de culto a Nossa Senhora da Boa Viagem. Em Porto Alegre, a festa de Nossa Senhora dos Navegantes, que a população denomina festa de Navegantes ou festa Da Santa, ocorre no dia 2 de fevereiro e representa o máximo da fé e do divertimento festivo. Ela é também a festa da santa padroeira da cidade, sendo, ainda hoje, a comemoração religiosa mais seguida e, ao lado do carnaval, a festa popular por excelência.

Para festejar a protetora dos marinheiros e da cidade e para agradecer-lhe as graças atendidas, os fiéis, outrora e hoje, seguem as procissões com os pés nus, as crianças vestidas de anjos e carregando velas de sua altura, as moçoilas casadouras vestidas de noiva, as senhoras com ramos de flores nas mãos, os senhores com lenços brancos nos bolsos dos casacos. Inúmeros navios de outras cidades do Rio Grande do Sul, de outros estados do Brasil e mesmo de outros países, entre os quais Argentina e Portugal, chegam ao porto para participar da procissão fluvial, rivalizando na decoração. A praça da igreja é decorada com bandeirolas multicolores e com guirlandas luminosas. Muita música e, sobretudo, muita melancia.

Se os brancos foram os criadores a título oficial da festa, os negros foram os responsáveis por sua difusão e popularização. No candomblé, sabemos todos nós, Nossa Senhora dos Navegantes é associada a Iemanjá, a senhora dos mares. Ainda que haja nos batuques — nome dado em Porto Alegre ao candomblé — comemorações próprias para Iemanjá, os batuqueiros participam das procissões católicas, principalmente da procissão fluvial, e suas oferendas à senhora dos mares misturam-se às católicas. As celebrações em honra da padroeira dos marinheiros e da cidade e da senhora dos mares misturam-se umas às outras, sem distinção. Dito de outro modo: elas formam, para o fiel, uma única e mesma coisa.

As festas e as procissões à brasileira revelam uma sociedade que, desde o seu começo, vive do espetáculo, das mudanças e da fusão de vários códigos e registros intermutáveis, que ri de si mesma, que poetiza as relações dos homens consigo mesmos e com os mundos nos quais vivem, ou seja, o profano e o sagrado. O testemunho do francês Lavollée, que assistiu, no Rio de Janeiro, em plena época imperial, a uma festa de quarta-feira de cinzas,

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aponta para isto. Uma grande procissão desfilava à noite pelas ruas da cidade. Irmandades carregavam imagens de santos, dentre elas a de um santo negro; crianças vestidas de anjos, uma tropa militar. Nas janelas, senhoras vestidas em grande luxo assistiam ao cortejo. A procissão transformava a religião em espetáculo, nos diz ele (apud. FREYRE, 1984: 273, 274). Seguem essa mesma linha as observações de Queiroz: "O 'super-espetáculo' que o Brasil oferece ao mundo durante o carnaval corresponde a esta preferência pelo aparato, por tudo o que é feito de luxo e brilho, que se manifestou no país desde os tempos antigos da colonização e se expressou no qualificativo 'teatral', que implicavam ações de aspectos extraordinários, animados, movimentados. Isto é visível no gosto pelos espetáculos, religiosos ou laicos, que pontuam a vida brasileira e que tiveram sempre lugar, nos primeiros tempos da colônia, nas praças e nas ruas" (QUEIROZ, 1992: 231). Enfim, Dionísio nos trópicos.

Carnal, sensual e festiva, a religiosidade que herdamos dos colonizadores fica ainda mais exarcebada aqui do lado de baixo do Equador: plena de cultura dos sentidos, envolta pelo emocional. Idolatria da criatura, da carne, avessa à ortodoxia e ao ascetismo. Uma religiosidade menos atenta ao sentido íntimo das cerimônias que às cores e à pompa exterior, ou seja, voltada mais para o concreto do que para o abstrato, sempre pronta a fazer acordos e conciliações. Como argutamente observa Freyre: "verificou-se entre nós uma profunda confraternização de valores e de sentimentos. Predominantemente coletivistas, os vindos das senzalas; puxando para o individualismo e para o privatismo, os das casas-grandes. Confraternização que dificilmente se teria realizado se outro tipo de cristianismo tivesse dominado a formação social do Brasil; um tipo mais clerical, mais ascético, mais ortodoxo; calvinista ou rigidamente católico; diverso da religião doce, doméstica, de relações quase de família entre os santos e os homens, que das capelas patriarcais das casas-grandes, das igrejas sempre em festas — batizados, casamentos, 'festas de bandeira' de santos, crismas, novenas — presidiu o desenvolvimento social brasileiro". Cristianismo "doméstico, lírico, festivo, de santos compadres, de santas comadres dos homens, de Nossas Senhoras madrinhas dos meninos". Feito de festas e de procissões alegres, coloridas, um pouco profanas, "com as figuras de Baco, da Virgem fugindo para o Egito, Mercúrio, Apolo, o Menino Jesus, os doze Apóstolos, sátiros, ninfas, anjos, patriarcas, reis e imperadores dos ofícios; e só no fim o Santíssimo Sacramento". Era uma "liturgia antes social que religiosa", na qual se encontravam lado a lado o lírico, o passional, o carnal, na composição de uma religiosidade dionisíaca: "aos santos e anjos só faltando tornar-se carne e descer dos altares nos dias de festa para se divertirem com o povo; os bois entrando pelas igrejas para ser benzidos pelos padres; as mães ninando os filhinhos com as mesmas cantigas de louvar o Menino-Deus; as mulheres estéreis indo esfregar-se, de saia levantada, nas pernas de São Gonçalo do Amarante; os maridos cismados de infidelidade conjugal indo interrogar os 'rochedos dos cornudos' e as moças casadouras aos 'rochedos do casamento'; Nossa Senhora do Ó adorada na imagem de uma mulher prenhe". Os santos não eram entidades frias, distantes. Exatamente ao contrário, eram tratados com a intimidade de membros da família, ornados de jóias, recebiam atributos humanos e familiares e participavam da vida doméstica e íntima. Em suma, uma ordem religiosa que se confundia com a ordem familiar (leia-se social) (FREYRE, 1984: 22, 249, 355).

Uma tal forma de viver o religioso não é feita para impor uma moral rígida e códigos fixos. A religiosidade brasileira parece ter retido da religião, antes de mais nada, sua dimensão

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estética e de recreação. Seu ponto forte e pedestal são a efervescência da assembléia. O depoimento do francês La Barbinais a propósito da festa de São Gonçalo do Amarante, a que ele assistiu na Bahia, no começo do século XVIII, e resumido por Freyre, é paradigmático. Danças desenfreadas em redor da imagem do santo, das quais participava o vice-rei em pessoa, "homem já de idade, cercado de frades, fidalgos e negros" e "de todas as marafonas da Bahia. Uma promiscuidade ainda hoje característica das nossas festas de igreja". E ainda: violas tocando, gente cantando, barracas, muita comida, exaltação sexual. De quando em vez hinos sacros. "Uma imagem do santo tirada do altar andou de mão em mão, jogada como uma peteca" (apud. FREYRE, 1984: 249). Estamos, pois, diante de uma religiosidade dionisíaca e carnavalesca, vivida mais teatralmente, publica e coletivamente, do que sentida na solidão do foro interior, no fundo de si mesmo. Uma religiosidade que tem a gaucherie intrínseca a sua sociedade. Não diz o ditado popular que todo brasileiro acende, simultaneamente, uma vela para deus e outra para o diabo?

As procissões e festas religiosas, expressões urbanas e formas de espetáculo por excelência, mostram uma maneira singular de viver a sociedade e de perceber o mundo e de com ele se relacionar. Elas são vias analíticas privilegiadas para se penetrar no coração da sociedade brasileira. E se penetra pela porta da cidade, a praça, o lugar central onde a festa acontece, o símbolo da coisa pública e o domínio do espetáculo.

A cidade é, por suas origens, o espaço próprio da mestiçagem das pessoas e das coisas. É certo que a cidade moderna, segundo a caracterização de Simmel, é "o lugar de máscaras, dos papéis sociais vividos como representação teatral" (Vieillard-Baron, 1989: 47). Mas a cidade brasileira, este fantástico híbrido sociológico, funciona de uma maneira singular. Se ela divide de um lado, une de outro. Não é somente o lugar do faire-semblant frio e interessado. É também o lugar de fazer festa, momento onde as máscaras e a teatralidade dos papéis sociais adquirem uma outra dimensão, a do movimento, da alegria e, sobretudo, da mistura dos códigos e das pessoas, criando um mundo virtual, onde o gasto suntuoso e o consumo agonístico próprios ao dom e à troca generalizada são as palavras de ordem. Em uma palavra: a festa promove uma "mística do dom", "um dom que provoca sua resposta e um outro dom, uma troca que se intensifica num espaço delimitado e concentrado", provocando em seus participantes um conjunto de emoções, de vivências que favorecem o desenvolvimento do sentimento de participar de um corpo coletivo (DUVIGNAUD, 1984: 147, 148) .

Festa é, portanto, consumação, dispêndio, sacrifício, troca-dom, reciprocidade, ou seja, o ato mesmo de produção da vida. A festa "integra o homem na circulação geral dos seres", faz parte dos "atos sem finalidade, que não se reduzem ao jogo, que ocupam um lugar imenso no tempo da vida dos homens, que envelopa o que chamamos de 'história' de uma trama sem a qual a história seria um jogo de marionetes ..." Essa virtualidade que é a festa, essa experimentação do campo do possível coloca em ação "solicitações que animam os sentidos que a vida cotidiana não utiliza jamais. Aí começa a festa". E começa como libertação do social, como troca-dom, como um outro nós. Como argutamente menciona Duvignaud: "Será preciso lembrar que o virtual é, na vida social, tão intensamente ativo quanto o real?" (DUVIGNAUD: 1984:48, 52). A festa é o espaço da novidade, do encantamento, da alucinação. Ela nega a carência, a precariedade, sem negar a realidade;

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justamente ao contrário, a realidade é transfigurada e exacerbada por um realismo cômico que, mesmo reafirmando-a, dela ri. Ela mostra a relatividade da realidade, este pequeno nada, a partir do qual a tragédia se transforma em comédia, e vice-versa, sem solução de continuidade, pois a festa "coloca, por algum tempo, o homem e os homens diante de uma realidade transobjetiva e transubjetiva, arranca o social do não-social e tira, na descoberta de instâncias assim percebidas, uma capacidade infinita de criação e inovação". Inovação que, por sua vez, "agindo sobre a trama da existência coletiva, a transforma e modifica, sugerindo formas novas que, por sua vez, porque são cristalizadas, pesarão sobre os membros da comunidade ou da civilização" (DUVIGNAUD, 1984: 258).

Imaginemos, não é difícil fazê-lo, o impacto, o deslumbramento que o espetáculo desta força múltipla que é a festa produz(ia) nas pessoas. Vindas do interior, da vida monótona, triste, sem variedade, dos engenhos e das fazendas, elas vinham — como continuam a vir — à cidade participar da fiesta e romper com a uniformidade fatigante da vida ordinária. Encontrar a diversidade de pessoas e a variedade das coisas. Mesmo para os citadinos, extenuados com o rotina do trabalho, a festa traz(ia) a possibilidade outra de viver a cidade — de cabeça para baixo —, tomando posse de seus espaços, unindo seus corpos a eles. A vida invertida, carnavalizada!

A festa à brasileira nos faz encontrar o barroco, não em sua dimensão estritamente artística, mas de estilo de vida ou, dizendo de modo mais preciso, de atitude, de estético-ética. No Brasil, na instigante abordagem de Bastide, o barroco "se destaca dos muros das igrejas, das fachadas dos palácios, desce as majestosas escadas para se espalhar nas praças, em suas grandes avenidas que terminam em horizontes de azul, para tomar posse do corpo humano, complicando-o com suas perucas e fitas; ele invade a rua com suas procissões, carros alegóricos, sua pompa de um momento, atingindo as almas através do ritual de polidez e do subjetivismo de seus sentimentos" (Bastide, 1978: 35). A atitude barroca "procura transformar em festa o mundo visível, isto é, coloca a atividade produtiva a serviço do divertimento" através de uma "dramatização fantástica" que "sugere uma festa fantástica e perpetuamente inacabada" (DUVIGNAUD, 1984: 130, 138). Ora, é exatamente isso a carnavalização da vida no Brasil, onde tudo começa e tudo termina por um carnaval/festa, o que equivale a dizer que nada começa efetivamente, do mesmo modo, que nada termina definitivamente. Vivemos sempre em movimento, no trânsito, na abundância, no excesso carnavalesco.

Na festa à brasileira o que importa, antes de tudo, é a ação, a participação, a vontade de ligar. O que prevalece é a assembléia, a exaltação geral, o carnavalesco próprio à natureza da festa. Tal como refere Maffessoli, festas populares, carnaval e outros momentos de efervescência são espaços de invenção, no sentido de "fazer vir, encontrar (in-venire) aquilo que existe", seu caráter de espetáculo assegurando "uma função de comunhão" (MAFFESOLI, 1987: 109). Bakhtine amplia ainda mais o quadro de referência da carnavalização e de sua intrínseca relação com a festa. Ele define o carnaval como "uma forma concreta (embora provisória) da própria vida" que não é somente representada, mas, pelo contrário, vivida enquanto dura o carnaval. Vale dizer que o carnaval é "um modo particular de existência", mais especificamente ainda, é "a segunda vida do povo, baseada no princípio do riso", "sua vida festiva". Para Bakthine, com o que concordo integralmente, as festas (quaisquer que elas sejam) correspondem a "uma forma primordial, marcante, da

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civilização humana", uma vez que emanam "não do mundo dos meios e condições indispensáveis, mas daquele dos fins superiores da existência humana, ou seja, do mundo dos ideais". A festa expressa uma concepção do mundo, na qual a "forma efetiva da vida é ao mesmo tempo sua forma ideal ressuscitada". O princípio do riso e a sensação carnavalesca do mundo "destroem toda seriedade unilateral e todas as pretensões a uma significação e a uma incondicionalidade situadas fora do tempo e libertam a consciência, o pensamento e a imaginação humanas que ficam assim disponíveis para novas possibilidades. É a razão pela qual uma certa 'carnavalização' da consciência precede e prepara sempre as grandes transformações, mesmo no domínio da ciência" (BAKHTINE, 1990: 16, 17, 58).

A festa à brasileira, carnal e orgiástica, é uma das melhores evidências do caráter híbrido de nossa sociedade e de sua maneira de operar através do entrecruzamento de códigos e de registros. A festa, coisa pública e domínio da rua, favorece a mestiçagem à medida que provoca uma quebra no encadeamento dos determinismos. O povo na rua, a rua em festa: folia, orgia, fantasia, sedução, violência, transgressões de toda ordem combinam-se a um clima geral de afetividade, de familiaridade, de encontro, compondo uma maneira singular de estar coletivamente que age pela via da carnavalização ou, dizendo de modo ainda mais claro, da barroquização.

Pequena conclusão

Certo, a festa é transitória, efêmera, todavia, como diz tão bem Duvignaud, ela "deixa sementes que, mais ou menos tardiamente, agitam os espíritos e perturbam a sonolência da vida comum" (DUVIGNAUD, 1984: 8). É por isso que mais do que descrever a festa, como usualmente se faz, ou mesmo explicá-la, tal como já disse em outro lugar e repito aqui, parece-me que o melhor caminho é compreendê-la, talvez mais ainda apreendê-la (PEREZ, 1999). Como nos ensinou Mauss: "nas sociedades, mais do que idéias ou regras, apreendem-se homens, grupos e seus comportamentos. Vemo-los moverem-se assim como, em mecânica, vemos massas e sistemas, ou como, no mar, vemos pedras e anêmonas. Percebemos multidões de homens, de forças móveis, flutuando em seu meio e em seus sentimentos" (MAUSS, 1974: 180, 181). E esses homens de que nos fala Mauss precisam da festa, pois, se ela "provoca fantasia, máscaras, deformações burlescas ou paródias", é porque ela "procura, ela também, através destas deformações variadas, sondar […] 'o campo do possível'" (DUVIGNAUD, 1984: 9, 10).

Como afirma com propriedade Sanchis, a festa constitui um campo fecundo para se pensar a sociedade, sobretudo em suas instâncias de transição, de osmose, de vaivém, de ruptura, de continuidade, de "apreensão pelo social das energias que lhe vêm de outros lados e, constantemente, o alimentam e o minam" (Sanchis, 1983: 36). O estudo da festa permite que transitemos por territórios da vida coletiva que, dado seu caráter extra-ordinário, extra-lógico e extra-temporal, revelam toda a complexidade do fato societal, uma vez que a festa "faz entrar a sociedade em uma relação consigo própria diferente daquela de 'todos os dias'. Para a infirmar ou para a confirmar, para a fazer existir num duplo que poderá ser ela própria ou outra, ela própria e outra" (SANCHIS, 1983: 36). A festa possibilita, assim, que visualizemos, sob um outro ângulo, o espetáculo plurívoco do elo societal, sobretudo no que tange à acentuação do afetivo e do sensível. O estudo da festa permite redimensionar

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essa discussão na medida em que, sendo um "fenômeno vindo do fundo da tradição", e que, em relação à contemporaneidade mais imediata, possa parecer alguma forma de arcaísmo, de sobrevivência, de nostalgia, ou até mesmo de atraso, é, no entanto, vivida, por aqueles que dela participam, como explosão de vida, como revigoramento e, portanto, como uma espécie de renascimento, pleno de atualidade, de inovação, de ruptura. Para quem participa dela, a festa não tem idade, é sempre atual.

Uma antropologia da festa é, tal como a entendo, uma antropologia das efervescências coletivas, não necessariamente sociais, das formas de sociação e de troca não necessariamente cristalizadas. A festa não é um mero produto da vida social, muito menos um simples fator de reprodução da ordem estabelecida pela via da inversão. Tal como o princípio de reciprocidade, não custa repetir mais uma vez, a festa é o ato mesmo de produção da vida. E viva a festa! Honni soit qui mal y pense!

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