dicotomias entrelaÇadas em gotham city: o batman...

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI REBECA CAMBAÚVA LEITE DICOTOMIAS ENTRELAÇADAS EM GOTHAM CITY: O Batman de Tim Burton e o Bruce Wayne de Christopher Nolan. SÃO PAULO 2016

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

REBECA CAMBAÚVA LEITE

DICOTOMIAS ENTRELAÇADAS EM GOTHAM CITY:

O Batman de Tim Burton e o Bruce Wayne de Christopher Nolan.

SÃO PAULO 2016

REBECA CAMBAÚVA LEITE

DICOTOMIAS ENTRELAÇADAS EM GOTHAM CITY:

O Batman de Tim Burton e o Bruce Wayne de Christopher Nolan.

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Audiovisual da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr. Gelson Santana.

SÃO PAULO 2016

REBECA CAMBAÚVA LEITE

DICOTOMIAS ENTRELAÇADAS EM GOTHAM CITY:

O Batman de Tim Burton e o Bruce Wayne de Christopher Nolan.

Dissertação de Mestrado apresentado à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Audiovisual da Universidade Anhembi Morumbi, sob orientação do Prof. Dr. Gelson Santana.

Aprovado em ----/-----/-----

Prof. Dr. Gelson Santana

Profª. Drª. Bernadette Lyra

Profª. Drª. Sonia Maria Ribeiro Jaconi

Dedico esta dissertação a todos os fãs da personagem

Batman espalhados pelo mundo, que, assim como eu,

compartilham um sentimento de admiração e amor ao

homem-morcego.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Universidade Anhembi Morumbi, por me proporcionar a experiência

de realizar o curso de Mestrado em Comunicação Audiovisual, concedendo-me bolsa

integral por mérito durante todo o curso.

Agradeço a todos os professores do corpo docente, em especial meu orientador

Gelson Santana, que, com paciência, dedicação e sabedoria me guiou pelos

caminhos acadêmicos.

Agradeço as professoras Bernadette Lyra e Sonia Jaconi, por sua atenção,

contribuição e consideração pela minha pessoa e pelo meu trabalho.

Agradeço meu pai Oscar, pelo auxilio crucial durante todo o processo de

desenvolvimento do estudo. Agradeço minha mãe Adriana e minha avó Marilene pela

compreensão, suporte e carinho. Agradeço meu noivo Rafael pelo apoio, incentivo e

amor depositado a mim, durante toda caminhada. Agradeço a meus familiares e

amigos que estiveram presentes nesta etapa importante.

Agradeço a Deus, por tudo.

Então nós vamos caçá-lo, porque ele aguenta. Porque

ele não é um herói, ele é um guardião silencioso, um

protetor cauteloso, um cavaleiro das trevas.

James Gordon (Batman – O Cavaleiro das Trevas)

RESUMO

O propósito desta pesquisa é observar os traços de uma diferença, aquela que se constrói a partir das adaptações de Batman, dos quadrinhos da editora norte-americana DC COMICS para o cinema, realizadas pelos diretores Tim Burton e Christopher Nolan. A dissertação trata precisamente da dicotomia entre Bruce Wayne-Gotham City e Batman-Gotham City nas adaptações dos dois cineastas. Para isso o trabalho procura modelar o perfil de Batman e Bruce Wayne desenhado pelos realizadores como parte do processo que faz com que cada uma das transposições ponha em primeiro plano um ou outro em suas respectivas narrativas. A consequência imediata desse processo é a predominância de um certo olhar sobre Gotham City – em Tim Burton seria o de Batman, enquanto em Christopher Nolan seria o de Bruce Wayne. A implicação imediata dessa diferença está na maneira como os vilões se apresentam à Gotham City: na cidade de Burton esse olhar recai sobre a figura de Batman primordialmente; enquanto na de Nolan na figura de Bruce Wayne. Nos dois casos, o olhar do estudo define a condição tanto de Batman quanto de Bruce Wayne em relação à Gotham City e, dessa forma, os vilões se apresentam segundo a natureza de um e do outro. Diferentes jogos de entrelaçamento entre Bruce Wayne e Batman determinam essas narrativas conforme o ponto de vista que cada um dos seus realizadores assume. Por isso, o que reverbera nas adaptações é justamente o jogo de encaixe que os diretores instalam ao tentar turvar a identidade de quem realmente é o herói – se Bruce ou se Batman – nas histórias que eles contam nos filmes. Palavras chave: Audiovisual. Cinema. Batman. Super-herói. Cultura midiática.

ABSTRACT

The purpose of this research is to observe the traits of a difference, one that is built from the Batman adaptations of comics of the American publisher DC COMICS for film, made by directors Tim Burton and Christopher Nolan. The dissertation is precisely the dichotomy between Bruce Wayne, Gotham City and Batman-Gotham City in adaptations of the two filmmakers. For this work seeks to shape the profile of Batman and Bruce Wayne designed by filmmakers as part of the process that makes each of transpositions put in the foreground one or the other in their respective narratives. The immediate consequence of this process is the predominance of a certain look of Gotham City - in Tim Burton would be the Batman while in Christopher Nolan would be Bruce Wayne. The immediate implication of this difference lies in the way the villains are presented to Gotham City in the city of Burton that look falls on the Batman figure primarily; while in Nolan in Bruce Wayne Fig. In both cases, the eye defines the condition of both Batman as Bruce Wayne in relation to Gotham City and thus the bosses are presented according to the nature of one and the other. Different interweaving games between Bruce Wayne and Batman determine these narratives as the view that each of its directors assumes. So, what reverberates in adaptations is just the game fit the directors install when trying to blur the identity of who really is the hero - if Bruce or Batman - the stories they tell in the movies Keywords: Audiovisual. Movie theater. Batman. Super hero. Media culture.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.............................................................................................14

1.1 A Evolução de Batman: dos quadrinhos para o audiovisual....................16

1.2 Tim Burton, Christopher Nolan e o Homem – Morcego...........................24

2 O Bruce Wayne de Christopher Nolan e o Batman de Tim Burton.............27

2.1 O Batman de Tim Burton......................................................................37

3 Batman vs. Bruce Wayne: Quem é a máscara?.........................................51

4 Gotham City + Batman + Bruce Wayne......................................................59

4.1 Gotham City + Batman + Bruce Wayne, por Tim Burton……….……...59

4.2 Gotham City + Batman + Bruce Wayne, por Christopher Nolan………72

5 Considerações Finais…………………………………………………………...87

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS …………………………………………........93

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Edição da Revista Detective Comics 1939…………………………........17

Figura 2 Série The Batman ................................................................................18

Figura 3 Cena de Batman & Robin......................................................................19

Figura 4 Cena do filme Batman..........................................................................20

Figura 5 Pôster de lançamento do filme animado...............................................21

Figura 6 Imagem do Jogo Batman Arkham Knight..............................................22

Figura 7 Pôster de lançamento da série Gotham................................................23

Figura 8 Batman e Bruce Wayne em Batman - O Retorno..................................25

Figura 9 Bruce Wayne em Batman – O Cavaleiro das Trevas...........................26

Figura 10 Sequência do filme Batman Begins....................................................28

Figura 11 Sequência do filme Batman Begins....................................................28

Figura 12 Sequência do filme Batman Begins....................................................28

Figura 13 Sequência do filme Batman Begins...................................................28

Figura 14 Sequência do filme Batman Begins....................................................29

Figura 15 Sequência do filma Batman Begins....................................................29

Figura 16 Sequência do filme Batman Begins....................................................29

Figura 17 Sequência do filme Batman Begins....................................................29

Figura 18 Sequência do filme Batman Begins...................................................29

Figura 19 Sequência do filme Batman Begins...................................................29

Figura 20 Sequência do filme Batman Begins...................................................30

Figura 21 Sequência do filme Batman Begins...................................................30

Figura 22 Sequência do filme Batman Begins....................................................30

Figura 23 Sequência do filme Batman Begins...................................................31

Figura 24 Sequência do filme Batman Begins...................................................31

Figura 25 Sequência do filme Batman Begins...................................................31

Figura 26 Sequência do filme Batman Begins...................................................31

Figura 27 Sequência do filme Batman Begins...................................................32

Figura 28 Sequência do filme Batman Begins...................................................32

Figura 29 Sequência do filme Batman Begins...................................................32

Figura 30 Sequência do filme Batman Begins...................................................32

Figura 31 Imagens das Sequências em Batman – O Cavaleiro das Trevas.....34

Figura 32 Imagens das Sequências de Batman – O Cavaleiro das Trevas

Ressurge............................................................................................................35

Figura 33 Imagem da Sequência de Batman.....................................................37

Figura 34 Batman em Batman............................................................................38

Figura 35 Sequência do filme Batman................................................................39

Figura 36 Sequência do filme Batman................................................................39

Figura 37 Sequência do filme Batman................................................................39

Figura 38 Sequência do filme Batman................................................................39

Figura 39 Sequência do filme Batman................................................................40

Figura 40 Sequência do filme Batman................................................................40

Figura 41 Sequência do filme Batman................................................................40

Figura 42 Sequência do filme Batman................................................................40

Figura 43 Sequência do filme Batman................................................................41

Figura 44 Sequência do filme Batman................................................................41

Figura 45 Sequência do filme Batman................................................................41

Figura 46 Sequência do filme Batman...............................................................41

Figura 47 Sequência do filme Batman................................................................41

Figura 48 Sequência do filme Batman................................................................41

Figura 49 Sequência do filme Batman................................................................42

Figura 50 Sequência do filme Batman................................................................42

Figura 51 Sequência do filme Batman................................................................42

Figura 52 Sequência do filme Batman................................................................42

Figura 53 Sequência do filme Batman................................................................42

Figura 54 Sequência do filme Batman................................................................42

Figura 55 Sequência do filme Batman................................................................42

Figura 56 Vilão Coringa em Batman...................................................................44

Figura 57 Sequência do filme Batman................................................................44

Figura 58 Pinguim e Mulher-gato em Batman – O Retorno................................46

Figura 59 Sequência do filme Batman – O Retorno............................................47

Figura 60 Sequência do filme Batman – O Retorno............................................47

Figura 62 Sequência do filme Batman – O Retorno............................................47

Figura 63 Sequência do filme Batman – O Retorno............................................47

Figura 64 Sequência do filme Batman – O Retorno............................................48

Figura 65 Sequência do filme Batman – O Retorno...........................................48

Figura 66 Sequência do filme Batman – O Retorno...........................................48

Figura 67 Sequência do filme Batman – O Retorno...........................................48

Figura 68 Sequência do filme Batman – O Retorno...........................................48

Figura 69 Imagens dos filmes com a temática Batman, dirigidas por Burton.....53

Figura 70 Imagem das obras com a temática Batman, dirigidas por Nolan........55

Figura 71 Sequência do filme Batman o Cavaleiro das Trevas Ressurge..........57

Figura 72 Sequência do filme Batman o Cavaleiro das Trevas Ressurge...........57

Figura 73 Sequência do filme Batman o Cavaleiro das Trevas Ressurge...........57

Figura 74 Sequência do filme Batman o Cavaleiro das Trevas Ressurge...........57

Figura 75 Sequência do filme Batman o Cavaleiro das Trevas Ressurge...........57

Figura 76 Bandidos em Batman.........................................................................60

Figura 77 Imagem do primeiro quadrinho com a temática Batman em 1939.......60

Figura 78 Grupo de Gangsters em Batman........................................................61

Figura 79 Personagem Max Shreck em Batman – O Retorno.............................62

Figura 80 Imagem da parada no filme Batman...................................................64

Figura 81 Imagem do quadrinho e de Batman....................................................65

Figura 82 Imagem do filme Batman – O Retorno................................................67

Figura 83 Imagem dos filmes Batman e Batman – O Retorno.............................71

Figura 84 Imagem do quadrinho e cenas do filme Batman Begins......................72

Figura 85 Imagem do quadrinho e do filme Batman – O Cavaleiro das

Trevas................................................................................................................73

Figura 86 Imagem do quadrinho e do filme Batman – O Cavaleiro das Trevas

Ressurge............................................................................................................74

Figura 87 Personagens do filme Batman Begins................................................75

Figura 88 Imagem do filme Batman Batman – O Cavaleiro das Trevas.............77

Figura 89 Imagem do filme Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge...........78

Figura 90 Personagem Miranda Tate/Talia Al Ghul em Batman o Cavaleiro das

Trevas

Ressurge............................................................................................................80

Figura 91 Imagem das personagens da trilogia Batman de

Nolan..................................................................................................................81

Figura 92 Personagens no filme Batman – O Cavaleiro das Trevas...................82

Figura 93 Imagem do filme Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge...........83

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Porcentagem de ações........................................................................33

Tabela 2 Porcentagem de ações........................................................................50

Tabela 3 Confronto de dados entre as obras de Burton e Nolan........................88

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1. Introdução

Ao longo da última década, foram crescentes as produções

cinematográficas americanas baseadas em heróis criados para o mundo dos

quadrinhos. A personagem Batman, criada por Bob Kane e Bill Finger em 1939

e lançada em revista pela editora norte-americana DC COMICS, é um dos

grandes sucessos da indústria cinematográfica americana. Dois diretores podem

ser destacados pelas adaptações cinematográficas que fizeram do chamado

homem-morcego: Tim Burton e Christopher Nolan. Tim Burton dirigiu dois

longas-metragens com a figura do herói, o primeiro em 1989 com o título de

Batman e o segundo em 1992 intitulado Batman Returns (Batman – O Retorno).

Christopher Nolan iniciou suas produções em 2005 com o primeiro filme da

franquia Batman assinado pelo diretor, Batman Begins, na sequência, em 2008,

ele dirigiu Batman – The Dark Knight (Batman – O Cavaleiro das Trevas) e em

2012, o último filme da trilogia: Batman – The Dark Knight Rises (Batman – O

Cavaleiro das Trevas Ressurge).

É considerada para o estudo, a reverberação da personagem Batman na

indústria audiovisual, que conta com uma trajetória de produções iniciadas na

década de 40. A primeira adaptação foi feita para a televisão, a série The Batman

exibida em 1943. Em 1949, a Columbia Pictures lançou outra série: Batman &

Robin, que retratava estórias do herói em conjunto com seu aliado Robin. Após

resposta positiva do público, o cinema hollywoodiano também demonstrou

interesse no herói, possibilitando a produção de um longa-metragem dedicado

inteiramente ao homem morcego.

Em 1966, Leslie H. Martinson dirigiu a primeira obra cinematográfica da

personagem, que foi assumidamente baseada nas séries de televisão exibidas.

Após 23 anos, Tim Burton reviveu a personagem nas telas do cinema, dirigindo

duas sequências, Batman em 1989 e Batman – O Retorno em 1992, as duas

obras juntas arrecadaram aproximadamente US$ 700 milhões de dólares para a

indústria cinematográfica americana. Em 1995, o diretor Joel Schumacher dirigiu

a sequência Batman Forever (Batman Para Sempre), seguida de Batman &

Robin em 1997, os dois longas arrecadaram juntos aproximadamente US$ 500

milhões de dólares.

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Em 2005, o diretor Christopher Nolan retoma as produções

cinematográficas de Batman, e dirige uma trilogia que veio a se tornar a maior

franquia de filmes da personagem até os dias atuais. As três sequências dirigidas

por Nolan em 2005, 2008 e 2012 arrecadaram em conjunto, aproximadamente

US$ 2 bilhões de dólares, sendo o último filme da trilogia, Batman O Cavaleiro

das Trevas Ressurge (2012), o responsável por aproximadamente US$ 1 bilhão

de dólares. Recentemente a revista americana Empire Magazine, especializada

em entretenimento e cinema, publicou uma lista intitulada The 301 Greatest

Movies Of All Time (“Os 301 Melhores Filmes de Todos os Tempos”), nesta

relação de filmes, a obra “Batman – O Cavaleiro das Trevas” (2008) ficou em 3º

lugar, por votação do público e críticos de cinema. A adaptação cinematográfica

mais recente da personagem, com estréia em março de 2016 foi dirigida por

Zack Snyder e intitulada Batman versus Superman: The Dawn of Justice

(Batman versus Super-homem: A Origem da Justiça), a adaptação trouxe uma

nova proposta que ainda não fora explorada pela indústria cinematográfica até

então: promover um encontro dos personagens da Liga da Justiça1. Apesar da

estória do filme ser uma compilação de diversas estórias da personagem Batman

dos quadrinhos, o filme possui o maior enfoque no encontro de personagens do

universo DC COMICS. Além do cinema, a televisão também passou a adotar

formatos seriados com a temática do universo de Batman: “Gotham”, “The Flash”

e “Arrow” já estão sendo exibidas e produzidas pelo estúdio Warner Brothers.

Considerando os dados levantados, a pesquisadora acredita na relevância do

tema ao campo da comunicação audiovisual, pois as personagens ficcionais são

elementos essenciais nas narrativas midiáticas. Além disso, o tema possibilita

estudar as produções cinematográficas para compreender o impacto econômico,

social e cultural que a indústria audiovisual promove.

1 A Liga da Justiça (Justice League), é um grupo de super-heróis criados pela editora DC COMICS que trabalham em conjunto para combater o mal, dentre esse grupo estão personagens como Batman, Super Homem, Mulher Maravilha, Flash, Lanterna Verde entre outros. Fonte disponível em: http://www.dccomics.com/search?keyword=justice%20league

16

1.1 A Evolução de Batman: dos quadrinhos para o audiovisual

Segundo Mathew K. Manning (2015), a década de 30 foi marcada pela

criação dos super-heróis. As estórias em quadrinhos, mesmo que, inicialmente,

em tirinhas de jornal, estavam conquistando espaço em mídias editoriais.

Em 1935, o Major Malcolm Wheeler-Nicholson notou que os leitores de jornal

estavam de fato interessados por essas estórias e enxergou potencial em um

possível investimento categórico para este tipo do produto: as estórias em

quadrinhos. Sendo assim, o Major fundou a National Allied Publishing, Wheeler-

Nicholson adotou a estratégia de contratar novos desenhistas e roteiristas para

a criação de novos personagens ao invés de comprar os direitos de personagens

já existentes e conhecidos, um formato mais econômico para a nova empresa.

Nesse mesmo período, Nicholson lançou uma nova coletânea de estórias

chamada New Fun Comics, que trazia diversos personagens inéditos. Na

sequência, o Major fundou uma corporação chamada Detective Comics,

contando com a ajuda de um distribuidor chamado Harry Donenfeld. A primeira

revista intitulada Detective Comics 1 teve seu lançamento em março de 1937,

ambos os empreendimentos de Nicholson passariam então a ser conhecidos

como DC COMICS. Na ocasião, a revista apresentou aos leitores uma

personagem chamada Slam Bradley, as estórias eram baseadas em contos de

crime e ficção, com uma narrativa de fácil entendimento e uma pequena

influência da comicidade. Essa série de revistas intitulada Detective Comics,

abriu espaço para uma nova proposta, uma edição que seria intitulada de Action

Comics. Mathew K. Manning (2015) relata que a edição Action Comics 1 foi

lançada em junho de 1938, e traria na capa o astro Superman. O sucesso foi

iminente e o herói manteve-se no topo de consumo dos leitores. Em maio de

1939, um dos editores da empresa chamado Vin Sullivan contratou um artista

chamado Bob Kane para desenvolver uma criação parecida com a de Superman.

17

Kane entregou à DC COMICS sua ideia, que na época chamar-se-ia Bat-man2.

O hífen, logo na sequência, foi considerado desnecessário e o herói já carregava

muitas das características que possui até hoje, como por exemplo o estilo único

de suas diversas adaptações de uniforme.

Figura 13 – Revista Detective Comics (1939)

Fonte:http://vignette1.wikia.nocookie.net/marvel_dc/images/a/a8/Detective_Co

mics_2

2 Bob Kane desenvolveu o Bat-man em conjunto com o artista Bill Finger, que não foi creditado por suas contribuições de criação até o ano de 2014, onde foi reconhecido como um dos criadores da personagem em conjunto com Kane. Fonte: https://omelete.uol.com.br/quadrinhos/noticia/dc-aceita-reconhecer-bill-finger-como-criador-do-batman/ 3 Edição da revista Detective Comics que estreou a personagem Batman em maio de 1939. Disponível em: http://vignette1.wikia.nocookie.net/marvel_dc/images/a/a8/Detective_Comics_27.jpg/revision/latest?cb=20140906210315

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Na primeira aparição de Batman nos quadrinhos, o herói já aparecia com

seu aliado da polícia, o comissário Gordon, e Bruce Wayne tinha uma noiva da

alta sociedade, chamada Julie Madison. Com o tempo, o herói desenvolve um

arsenal de aparatos de tecnologia avançada e enfrenta os primeiros vilões em

suas aventuras. Segundo Mathew K. Manning, a partir de 1939, após seu

lançamento, Batman se tornou o segundo herói mais rentável da editora DC

COMICS, atrás do Superman. As estórias ganharam subtítulos, para direcionar

o leitor de como seria aquela determinada aventura, o herói ganhou edições

especiais que traziam estórias sobre sua origem e com o decorrer do tempo até

seus vilões ganharam edições de origem.

Mais tarde, em 1943, a personagem Batman foi pela primeira vez para o

espaço midiático audiovisual através de uma série de TV4 intitulada The Batman,

segundo o site Batman On Film, a série foi lançada pela Columbia Pictures.

Lewis Wilson interpretava Batman/Bruce Wayne, Douglas Croft interpretava

Robin, o aliado do herói e outros nomes como J. Carrol Naish, Shirley Patterson

e William Austin estavam presentes na série.

Figura 25 – Série The Batman (1943).

Fonte: http://www.needtoconsume.com/wp

A série teve 15 capítulos e foi de extrema importância como contribuição

para a criação da cultura que já circundava o herói, pois além de ter sido a

4 Informações sobre a série disponível em www.batman-on-film.com/historyofthebatman_40sserials.html 5 Cena da série The Batman, estrelando Batman, em 1943. Disponível em: http://www.needtoconsume.com/wpcontent/uploads/2014/07/Batman_1943_Banner-620x300.jpg

19

primeira produção da temática em live-action6, naquele momento as

personagens, ambientações e elementos eram explorados através das

possibilidades que a televisão proporcionava, os detalhes, emoções, figurinos,

aparatos, a cidade de Gotham, local onde habitava o herói e a Batcaverna

(esconderijo de Batman) ganhavam vida através das telas. Vale ressaltar que

em 1943, os Estados Unidos da América estavam em combate na Segunda

Guerra Mundial, durante o período de 1939 a 1945 e o vilão da trama Dr. Daka,

interpretado por J. Carrol Nash era um agente nipônico. O roteiro foi escrito por

Victor McLeod, Leslie Swabacker e Harry L. Fraser, a direção foi de Lambert

Hillyer.

O site Batman On Film afirma que, em 1949 foi lançado o seriado Batman

& Robin7, estrelando Robert Lowery como Batman/Bruce Wayne e Johnny

Duncan como Robin. A série foi composta por 15 episódios e também foi

produzida pela Columbia Pictures. Os roteiros foram escritos por Bob Kane,

George H. Plympton, Joseph F. Poland e Royal K. Cole, a ideia era dar

sequência à série de 1943, The Batman, a direção foi assinada por Spencer

Gordon Bennet.

Figura 38 – Cena de Batman & Robin (1949).

Fonte: http://cinema10.com.br/ _9485_BatmanandRobin1949-008

6 Live – action é um termo americano, técnico e cinematográfico usado para definir um filme com atores reais, diferente de uma animação, desenho animado ou história em quadrinho. 77 Informações da série disponível em http://www.batman-on-film.com/historyofthebatman_40sserials.html 8 Cena da série Batman & Robin, exibida em 1949, à esquerda Batman e à direita Robin. Disponível em: http://cinema10.com.br/upload/filmes/filmes_9485_BatmanandRobin1949-008.jpg

20

Em 1966, a personagem Batman teve sua primeira adaptação para o

cinema, intitulada Batman ou Batman: The Movie9. A personagem Batman/Bruce

Wayne foi interpretada pelo ator Adam West e Burt Ward como Robin, outros

nomes como Cesar Romero, Lee Meriwheter, Burges Meredith e Frank Gorshin

também compunham o elenco. O filme foi produzido e distribuído pela 20ª

Century Fox, o roteiro foi escrito por Lorenzo Semple Jr e a direção foi de Leslie

H. Martinson, que já havia dirigido dois capítulos da série de televisão de 1949,

Batman & Robin.

Figura 410 – Cena do filme Batman

Fonte: http://pop-critica.com/wp-content/uploads/2015/03/batman-1966.jpg

As séries em desenho animado tiveram início em 1968, intitulada de The

Batman/Superman Our, a série foi produzida pela Filmation e exibida pela CBS,

foi composta por uma temporada em 34 episódios e sua direção foi assinada por

Hal Sutherland. Esse formato manteve-se até os dias atuais, passando por

diversas modificações e adaptações, porém, mantendo as origens do herói, suas

aventuras e vilões. Em 1993, o estúdio Warner Brothers lançou o primeiro longa-

metragem de animação com a temática Batman, intitulado Batman: Mask of the

9 Informações disponíveis em http://www.batman-on-film.com/historyofthebatman_batman66.html 10 Cena do filme Batman, lançado em 1966, à esquerda Robin e a direita Batman Disponível em: http://pop-critica.com/wp-content/uploads/2015/03/batman-1966.jpg

21

Phantasm, o estúdio continuou com a proposta até os dias atuais, a última

animação foi produzida em 201511, intitulada Batman versus Robin.

Figura 512 – Poster de lançamento do filme animado (1993).

Fonte:https://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/e/ea/Batman_mask_of_the_phantasm_poster.jpg

Segundo o acervo digital da editora DC COMICS, desde 1986 foram

desenvolvidas diversas versões para plataformas de vídeo game com a temática

do herói, mas foi a partir de 2009, que os jogos da personagem Batman tiveram

destaque por sua qualidade narrativa e por seu visual detalhista e real. Foi

através da franquia Arkham13 que a personagem conquistou grande espaço nas

mídias interativas. A franquia composta por 4 jogos foi produzida pela

Rocksteady Studios e Warner Brothers Games Montreal, os jogos foram

desenvolvidos para todas as plataformas existentes. Os jogadores tiveram

11 Lista de animações disponível em www.dccomics.com 12 Poster de lançamento do filme animado Batman: The Mask of the Phantasm (1993). Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/e/ea/Batman_mask_of_the_phantasm_poster.jpg 13 Informações disponíveis em http://www.dccomics.com/games

22

acesso à experiência de se tornar o herói através dos jogos: Batman Arkham

Asylum (2009), Batman Arkham City (2011), Batman Arkham Origins (2013) e

Batman Arkham Knight (2015).

Figura 614 – Imagem do jogo Batman Arkham Knight (2015).

Fonte:http://torredosgurus.com.br/wp-content/uploads/2015/07/Batman-Arkham-

Knight-e3-6.jpg

Em 2014, a rede de televisão Warner Bros. Television15 produziu a série

Gotham, a proposta da série é levar ao espectador a origem da estória de

Batman, porém com uma abordagem diferenciada, onde Bruce Wayne ainda é

uma criança e os vilões e aliados do herói ganham espaço, sendo explorados

igualmente através de suas origens. A série atualmente conta com duas

temporadas de 22 episódios cada e com um grupo de mais de 10 diretores e

roteiristas. A série é assumidamente baseada no formato narrativo do diretor de

cinema Christopher Nolan, onde em alguns momentos a estória é fiel aos

quadrinhos e em outros é adaptada com um novo desfecho. A série conta com

14 Cena do jogo Batman Arkham Knight, lançado em 2015 Disponível em: http://torredosgurus.com.br/wp-content/uploads/2015/07/Batman-Arkham-Knight-e3-6.jpg 15 Informações disponíveis em www.warnerchannel.com

23

atores como Ben Mackenzie no papel de James Gordon, David Mazouz

interpretando Bruce Wayne e Donal Logue como Harvey Bullock.

Figura 716 – Pôster de lançamento da série Gotham

Fonte: http://www.tvqc.com/wp-content/uploads/2014/10/Gotham-character-poster.jpg

Após a observação dos dados acima, a personagem Batman pode ser

considerada um produto midiático ativo na cultura popular atual. Além das

criações audiovisuais, que englobam produções em TV, cinema e vídeo games,

a personagem também está presente em plataformas disponibilizadas para

celular17, com produtos que vão desde papéis de parede personalizados a jogos

para as mais diversas faixas de idade. Além das mídias, a personagem Batman

16 Pôster de lançamento da série Gotham, produzida pela Warner Bros. Televisão, com estreia em 2014 Disponível em: https://static-secure.guim.co.uk/sys-images/Guardian/Pix/pictures/2015/1/12/1421062739086/d3453569-4df6-4f99-bc26-dc9e79f89e03-2060x1236.jpeg 17 Pesquisa disponível em www.googleplay.com

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também possui uma vasta gama de produtos em linhas de vestuário, objetos

colecionáveis e brinquedos. Portanto, a personagem Batman, após mais de 70

anos de criação, permanece sendo um produto atrativo para todas as mídias,

desde sua origem.

1.2 Tim Burton, Christopher Nolan e o Homem - Morcego

Segundo Jennifer L Macmahon (2014), Timothy William Burton, ou

popularmente falando “Tim Burton”, nasceu em Burbank na Califórnia em 1958.

O diretor iniciou sua carreira cinematográfica ao conseguir uma bolsa de estudos

concedida pelos estúdios Disney, no Instituto das Artes da Califórnia. O curso

era para formar animadores, então, após concluir o curso, Burton iniciou carreira

nos estúdios da própria Walt Disney como aprendiz de animador, participando

de alguns títulos do estúdio produzidos nos anos 80, como por exemplo, O Cão

e a Raposa (1981). Em 1982, Burton produziu seu primeiro curta metragem,

chamado Vincent. Após participação em diversas produções de animação, o

primeiro grande sucesso do diretor foi na obra Beetlejuice (1988), um longa-

metragem sobre fantasmas que assombram a casa em que moravam quando

vivos, com a esperança de expulsarem os novos donos do local.

Em 1989, Burton produziu o primeiro filme adaptado na personagem Batman,

que levou o nome Batman, o ator Michael Keaton interpretava Batman/Bruce

Wayne, Kim Basinger interpretava Vick Vale, uma jornalista e Jack Nicholson

atuava como Coringa, um dos principais vilões do herói nas estórias em

quadrinhos. Em 1992, Burton dirigiu uma sequência a sua produção anterior,

Batman – O Retorno, Michael Keaton aparece novamente como Batman,

Michelle Pfeiffer como Mulher-gato e Danny DeVito que aparece como principal

vilão do filme, Oswald Cobblepot, que é conhecido como Pinguim. Burton leva

ao espectador uma Gotham City sombria, muito semelhante à cidade ilustrada

nos quadrinhos de herói.

25

Figura 818 –Batman e Bruce Wayne, em Batman – O Retorno (1992).

Fonte:http://cdn.smosh.com/sites/default/files/ftpuploads/bloguploads/batman

Segundo Todd Mcgowan (2012), Christopher Jonathan James Nolan

nasceu dia 30 de julho de 1970, em Londres. O primeiro contato do diretor com

o universo cinematográfico foi enquanto estudava literatura britânica na

University College London. Durante o período do curso Nolan fez diversas

experiências audiovisuais no clube de cinema da faculdade. Nolan dirigiu e

escreveu seu primeiro longa-metragem em 1998 intitulado de Following, o filme

foi exibido em alguns festivais de cinema. Dois anos depois, Nolan produziu o

longa Memento, no ano 2000. Através dessa produção, Nolan recebeu sua

primeira indicação ao Oscar e ao Globo de Ouro na categoria “melhor roteiro

original”.

Um tempo depois, em 2005, Nolan decide dialogar com os produtores da

Warner Bros. para um possível recomeço da franquia cinematográfica Batman.

O estúdio aceitou sua proposta e em 2005 Nolan iniciou sua produção como

roteirista e diretor de sua primeira versão cinematográfica com a temática

Batman. Em 2005, Nolan dirigiu e escreveu seu primeiro filme da franquia

Batman, intitulado Batman Begins. A proposta do longa-metragem era retratar

18Batman sem a máscara no filme Batman – O Retorno (1992) Disponível em: http://cdn.smosh.com/sites/default/files/ftpuploads/bloguploads/batman-returns-ripped-hood.jpg

26

uma adaptada versão da origem do herói. A personagem Batman foi interpretada

pelo ator Christian Bale nas 3 versões produzidas, o vilão da estória apresentado

como Ra´s al Ghul, é vivido pelo ator Liam Neeson. O segundo filme da franquia,

Batman O Cavaleiro das Trevas, foi produzido em 2008 e traz como vilão o

Coringa, vivido pelo ator Heath Ledger e a personagem Harvey Dent,

interpretada pelo ator Aaron Eckhart, um promotor de justiça que posteriormente

será representado como vilão secundário na trama. O terceiro e último longa-

metragem dirigido por Nolan, intitulado Batman O Cavaleiro das Trevas

Ressurge, foi lançado em 2012, o vilão do filme é Bane e interpretado pelo ator

Tom Hardy, a até então aliada do herói Miranda Tate, vivida pela atriz Marion

Cotillard se torna a principal vilã da narrativa e é revelada como Talia Al Ghul, e,

ao contrário da maioria das colocações temporais de apresentação dos

personagens, Selina Kyle19, interpretada por Anne Hathaway, aparece

inicialmente como vilã e posteriormente vem a se tornar aliada do herói.

Ambos os diretores possuem abordagens, adaptações e narrativas

divergentes, que serão observadas neste estudo através do processo das obras,

englobando a construção das personagens, as ambientações, os vilões, aliados

e a narrativa das obras de Burton e Nolan com a temática Batman.

Figura 920 – Bruce Wayne em Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008).

Fonte: Imagem tirada do filme.

19 Esta personagem é originalmente (nos quadrinhos) conhecida como Mulher-gato, porém, no filme não há nenhum tipo de menção ao apelido. 20 Bruce Wayne interpretado por Christian Bale, no filme Batman O Cavaleiro das Trevas (2008), Disponível em: https://static-secure.guim.co.uk/sys-images/Guardian

27

2. O Bruce Wayne de Christopher Nolan e o Batman de Tim Burton

Em todas as narrativas adaptadas pelos diretores em questão, a personagem

Batman possui suas características originárias de criação dos quadrinhos. Existe

um acontecimento importante na origem e trajetória do herói que nunca fora

adaptado em nenhum tipo de mídia (quadrinhos, filmes, séries, etc.) e que pode

ser considerado uma grande motivação para que Bruce Wayne se transforme

em Batman: o assassinato de seus pais na infância. Segundo Márcio Vegas e

Fernando Aguiar (2007), as obras de Sigmund Freud começaram a circular no

universo literário em grande demanda por volta do ano de 1937, as obras

exploravam diversos conceitos da psicanálise que eram relacionados aos

comportamentos e motivações humanas.

Em 1939, portanto, ano em que Bob Kane criou Batman, os conceitos de

Freud estavam em alta tanto por sua qualidade e detalhamento, quanto como

uma ferramenta de apoio aos criadores ficcionais. A personagem Batman

carrega algumas características que foram analisadas por Freud através da

psicanálise, e possuem grande destaque no perfil da personagem, a principal

delas está entrelaçada ao sentimento de culpa. Nas narrativas de Nolan, é

possível entrelaçar a motivação de Bruce Wayne em se tornar Batman através

da culpa. Refletindo sobre esse conjunto de culpa/motivação que a personagem

Bruce Wayne transmite a Batman nas narrativas de Nolan, pode-se pensar,

brevemente, em um conceito da psicanálise chamado superego. Segundo

Priscilla Roth (2005), o superego é uma espécie de consciência moral, que habita

todos os seres humanos, permanecendo em maior evidência para alguns do que

para outros. O funcionamento do superego está ligado a um tipo de força que

não permite que o indivíduo pratique atos ilegais, imorais ou desta natureza, e

que, caso isso aconteça, o superego irá lembrar e torturar o indivíduo através do

sentimento de culpa por ter concebido aquele ato, causando uma espécie de

conflito mental. Um elemento construtivo do superego que se encaixa nas

características de Bruce Wayne é estreitamente ligado a culpa:

O reconhecimento de que a consciência tem relação profunda com o sentimento de culpa foi importante. “Culpa”, nesse

28

contexto, não se refere à culpa perante a lei, como quando se diz que alguém foi “declarado culpado” de um crime. Trata-se, antes, de um sentido pessoal de culpa, de sentir-se culpado. E como bem sabemos, sentir-se culpado não é o mesmo que ser

culpado aos olhos dos outros. (ROTH, p. 17,18, 2005)

O superego é observado nas narrativas de Nolan através de diversos

acontecimentos, tanto em relação à conjuntura moral de Batman, quanto à

motivação e culpa de Bruce Wayne. Abaixo seguem algumas sequências que

comprovam essas ligações e teorias, iniciando pela origem do herói, adaptada

por Christopher Nolan.

29

30

Da figura 10 até a figura 16, é possível notar o enfoque do diretor em

evidenciar um trauma de Bruce Wayne na infância, quando ele cai em um poço

e é atacado por morcegos. A partir da figura 12, existe um diálogo entre Thomas

Wayne, pai de Bruce, e Bruce, se referindo ao acontecimento. Thomas explica

ao filho o motivo pelo qual ele foi atacado e Bruce parece entender a situação.

Da figura 17 até a figura 22, a ação da morte dos pais de Bruce ocorre. É

importante ressaltar que o medo do morcego retorna na narrativa, considerando

o fato de que Bruce pede aos pais para saírem do local, pois está assustado com

o espetáculo que o faz lembrar do incidente com os morcegos no poço.

31

A partir da figura 23, após a morte dos pais em diálogo com o mordomo da

família Wayne, Alfred Pennyworth, é possível observar que Bruce se culpa pela

tragédia, acreditando que, mesmo sendo uma criança, não deveria ter tido medo

dos morcegos, evitando a saída prematura do espetáculo e, consecutivamente,

a morte dos pais. Esses trechos do filme Batman Begins (2005), explicam ao

espectador a visão do diretor em relação ao vínculo do herói com a figura do

morcego, e, simultâneamente ressaltam a culpa de Bruce pela morte dos pais,

mesmo que seja explícito que ele (Bruce), não tenha culpa do ocorrido, essa

situação pode ser entrelaçada com o conceito de superego explorado

anteriormente.

Mais adiante, ainda em Batman Begins (2005), anos após a morte de seus

pais, Bruce está se tornando Batman, em conversa com Alfred a personagem

32

(Bruce) fecha o ciclo da justificativa motivacional em adotar a figura do morcego

como característica marcante do herói, segue a sequência a partir da figura 27.

A partir dessa sequência, é identificada a maior motivação do herói em

escolher a figura do morcego. No decorrer da trama nota-se que Bruce Wayne

também adota alguns comportamentos do animal, como o de ser notívago, arisco

e se esconder na escuridão. Nolan produziu uma trilogia de filmes e, com isso,

pôde dar ênfase à origem do herói através do filme Batman Begins (2005). Por

conta deste enfoque de criações e motivações, o espectador pôde compreender

de maneira profunda como Bruce Wayne se tornou Batman. Através da

observação das obras, pôde-se notar a atividade das personagens Batman e

Bruce Wayne nas narrativas de Nolan, percebendo o destaque de ambas as

personagens em cada filme. Levando em consideração o filme como 100% do

todo e considerando apenas as personagens Batman e Bruce Wayne nas

33

narrativas, segue uma tabela que demonstra o enfoque das personagens em

cada obra:

Tabela 121 – Tabela de porcentagem de ações.

Batman Begins (2005)

Batman – O Cavaleiro

das Trevas (2008)

Batman – O Cavaleiro

das Trevas Ressurge

(2012)

Ações Bruce Wayne

70%

Ações Bruce Wayne

25%

Ações Bruce Wayne

55%

Ações Batman

30%

Ações Batman

75%

Ações Batman

45%

Fonte: Observação concluída através das obras em questão.

É possível observar que nas obras Batman Begins (2005) e Batman – O

Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012), a personagem Bruce Wayne é

ativamente22 mais explorada pelo diretor. Na obra Batman – O Cavaleiro das

Trevas (2008), a personagem mais explorada é Batman, a obra compõe um

cenário de conflito extenso, com muitas cenas de ação, perseguição e combate.

A obra possui 3 pontos de virada23, o que reafirma a extensão de fatos

importantes que ocorrem durante a narrativa. O primeiro ponto acontece na

morte da personagem Rachel, o segundo, quando a personagem Coringa

escapa da prisão e o terceiro quando a personagem Harvey Dent se torna um

vilão.

21 A pesquisa foi realizada através da observação das 3 obras, considerando o total de vezes que Bruce Wayne aparece praticando uma ação e igualmente para a personagem Batman. A porcentagem foi criada pois o número total de aparições era muito extenso, o que comprometeria o padrão e a estética do trabalho. Os números da porcentagem são aproximados aos números oficiais. 22 O termo ativamente é utilizado neste contexto referente à uma questão de aparições e ações, levando em consideração o fato de que a aparição física de uma personagem nem sempre predomina decisivamente no desenvolvimento da narrativa da obra. 23 Ponto de virada é um termo técnico utilizado na criação de roteiros, o termo caracteriza uma ou várias ações que mudam o curso dramático da narrativa, trazendo soluções ou obstáculos para o protagonista.

34

Figura 3124 – Imagens das sequencias em Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008).

Fonte: Imagens tiradas do filme.

Christopher Nolan explora a personagem Bruce Wayne no filme Batman

Begins (2005) de forma com que seja possível para o espectador entendê-la ao

decorrer das outras obras. A caracterização da personagem se torna clara e

profunda, proporcionando um amplo contexto do perfil da personagem. No filme

Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008), o enfoque da narrativa é o herói

Batman, que após sua jornada em busca de habilidades físicas e conhecimento,

precisa agora combater o mal em Gotham City, Nolan, nesse momento, cria um

embate entre o bem e o mal de forma trágica e intensa, explorando os fracassos,

medos e vínculos do herói com a sociedade em que vive. Na terceira obra,

Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012), o diretor apresenta um herói

em decadência moral e física. Sua condição aparente no início da obra revela ao

espectador um homem com remorsos, inseguranças e arrependimentos. A trama

é desenvolvida a partir do elemento de superação do herói. Porém, é relevante

ressaltar que apesar do grande elemento da obra ser a superação do herói, é a

personagem Bruce Wayne que transfere o incentivo e a real necessidade de o

herói voltar à ativa. Abaixo seguem algumas imagens das sequências que

caracterizam a decadência e a superação do herói.

24 Primeira sequência encontra-se em 01:28:52; segunda sequência encontra-se em 01:32:24 e terceira sequência encontra-se em 01:54:13. Todas as cenas estão na obra Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008).

35

Figura 3225 – Imagens das sequencias de Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge

(2012).

Fonte: Imagens tiradas do filme.

Na primeira imagem, Bruce Wayne aparece vestido de pijama e roupão,

e se locomove com a ajuda de uma bengala, demonstrando uma dificuldade

física. Na segunda imagem, Batman aparece sendo erguido pelo vilão Bane,

durante um combate corporal entre as duas personagens, neste confronto

Batman sofre diversas lesões e perde o combate, além de ser sequestrado e

exilado para uma prisão subterrânea, mostrada na figura 3. Na figura 4, Bruce

Wayne está escalando um poço, para se libertar da prisão e obtém sucesso na

tentativa. Essas sequências, através da narrativa, demonstram que existe um

ciclo de queda e superação que ocorre quatro vezes, evidenciando o lado

emocional do herói todo o tempo, pois, não necessariamente as superações do

herói estão ligadas a aprimoramentos ou recuperações físicas, e sim, à questões

psicológicas, como o enfrentamento do medo, a autoconfiança, a fé e a

motivação em salvar Gotham.

25 Primeira sequência encontra-se em 00:12:13; segunda sequência encontra-se em 01:15:37, terceira sequência encontra-se em 01:55:33 e quarta sequência encontra-se em 01:56:18, todas as sequencias estão na obra Batman O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012)

36

Através da observação dos processos narrativos das obras do diretor

Christopher Nolan em questão, foi possível notar que desde o início da trama,

onde são exploradas as origens do herói, existe a predominância sentimental,

moral e física da personagem Bruce Wayne em se tornar um símbolo de combate

à injustiça e corrupção. Apesar da questão da morte dos pais de Bruce ser

enfatizada diversamente nas obras, ela não sinaliza que seja a principal

motivação do herói. A partir da observação e reflexão dos filmes, é possível

observar que a motivação de Bruce Wayne é dar continuidade ao legado de seus

pais, que lutavam contra esses flagelos (injustiça e corrupção). A vingança não

aparece como combustível para os caminhos de Batman, a ideia de vingança

surge como um estopim da realidade, momento em que a personagem Bruce

Wayne descobre que a vingança não se equipara à justiça, conforme é explorado

a partir de uma extensa sequência26 em Batman Begins (2005), que constrói o

contexto (com começo, meio e fim) da vingança presente na obra através de

diálogos e ações de Bruce Wayne.

A partir da reflexão das cenas em questão, o elemento de vingança se

torna importante na narrativa, porém, não como motivador e sim como uma

reflexão da personagem Bruce Wayne em relação ao justo e ao injusto, certo ou

errado. Existe uma espécie de transferência de poder e responsabilidade que

circundam as personagens Batman e Bruce Wayne adaptadas por Nolan. O

homem comum, caracterizado por hábitos sociais aceitáveis pela sociedade em

que vive, é o grande motivador da figura do homem transvestido de morcego e

mascarado, ou seja, Bruce Wayne é o responsável pelas ações de Batman, e

essa conclusão é observada através do andamento das narrativas de Nolan, que

encaminham o espectador, desde Batman Begins (2005), para o vínculo e

entendimento ao homem comum (Bruce Wayne), que possui defeitos, não tem

poderes, mas consegue, entre fracassos e vitórias, se tornar um símbolo de

heroísmo para a sociedade em que vive.

26 Sequência disponível a partir de 00:25:27 até 00:32:01 no filme Batman Begins (2005)

37

2.1 O Batman de Tim Burton

Segundo Laura Loguercio Canepa (2002), Tim Burton é um diretor que

explora o imaginário em suas obras cinematográficas, unindo laços entre o

horror, as sombras, o onírico e a fantasia. Esses elementos estão igualmente

presentes na construção das adaptações com a temática Batman dirigidas por

Burton. Na primeira sequência do filme, Batman (1989), Burton apresenta uma

ação semelhante ao acontecimento do assassinato dos pais de Bruce , um casal

com um filho criança, procurando por um local no mapa da Gotham, aparentam

estar perdidos, o casal e o filho entram em um beco para cortar caminho e, nesse

momento, são assaltados por dois bandidos, nada acontece aos personagens

apesar do desespero da mulher, que reage ao assalto a gritos, porém o diretor

faz uma forte referência27 ao assassinato dos pais de Bruce logo na primeira

sequência do longa.

Figura 3328 - Imagens da sequência de Batman (1989).

Fonte – Imagens tiradas do filme.

Neste momento, é possível perceber que a narrativa enriquece a primeira

aparição do herói, ressaltando uma elipse de tempo (imaginária29) da vida de

27 Esta referência só pode ser notada pelos espectadores que já possuem certo conhecimento sobre a estória original dos quadrinhos ou em outras obras com a temática Batman, sejam audiovisuais ou literárias. A sequência é tratada como referência neste estudo, pois a ação da morte dos pais de Bruce Wayne foi explorada no decorrer do trabalho. 28 Sequência disponível a partir de 00:03:29 até 00:04:28, na obra Batman (1989). 29 O conceito de imaginário se enquadra nessa situação pelo fato de Burton fazer referência ao acontecimento da morte dos pais de Bruce, e, na sequência, trazer a personagem Batman em ação, combatendo os bandidos da ocasião.

38

Bruce Wayne, pois na sequência a seguir, Batman é inserido na obra

combatendo e amedrontando os mesmos bandidos que assaltaram aquela

família. A primeira e a segunda sequência em conjunto sugerem que Bruce

Wayne não poderia ser a vítima da primeira ação (por mais que exista uma forte

referência, podendo até confundir o espectador no primeiro momento), pois ele

já é Batman e, portanto, não é mais uma criança indefesa. No momento em que

Batman aparece para os bandidos, é possível notar o preparo e a imponência do

herói, é importante ressaltar que, naquele momento, Batman já possui aparatos

tecnológicos para auxiliá-lo durante o combate, e sua postura séria e

amedrontadora demonstra que o herói está pronto para agir.

Figura 3430 -Batman em Batman (1989).

Fonte: Imagem tirada do filme.

Vale apontar que, apesar de não existir um enfoque em como Bruce

Wayne se torna Batman nas narrativas de Tim Burton, no início da trama existem

diálogos que demonstram que o homem-morcego ainda não passa de um rumor,

e que suas aparições, geralmente narradas por bandidos, são desacreditadas

por todos que as ouvem, portanto, se torna explícito que, apesar de Batman ser

30 Primeira aparição do herói Batman, na obra Batman (1989).

39

apresentado ao espectador como um herói com preparo e maturidade, ele está

iniciando suas atividades em Gotham City, e ainda não é um símbolo crível para

a população. Aproximadamente 10 minutos depois, Bruce Wayne aparece em

uma festa dentro de sua própria mansão. Apesar da motivação de Bruce Wayne

se tornar Batman não ser explorada durante o filme, existem sequências que

entrelaçam o lado sentimental de Bruce com a seriedade do herói, essas

geralmente demonstram certa dicotomia entre a identidade de Batman e Bruce

Wayne. É possível notá-las a partir das ações a seguir.

40

A partir da sequência 35 até a 40, existe um diálogo entre a personagem

Vick Vale e Bruce Wayne, nesse diálogo Bruce é questionado por Vick sobre sua

família. É possível notar que Bruce não fala do assassinato dos pais durante a

conversa, e que, apesar da seriedade do assunto acaba tendo senso de humor

durante o diálogo.

Nas sequências 41 e 42 Vick está dormindo e acorda com o som de um

balanço, neste momento o espectador vê o comportamento de Bruce

semelhante ao de um morcego. É importante ressaltar que esse comportamento

é explorado de forma involuntária para Bruce, transmitindo a sensação de que

ele não conseguiria dormir se não estivesse naquela posição. As características

do morcego são exploradas na narrativa de Tim Burton, criando uma atmosfera

fantasiosa para a personagem Batman, que adota não só as características

físicas em sua transformação, mas também o comportamento do animal durante

41

suas aparições travestido de Batman e igualmente no seu cotidiano como Bruce

Wayne (como é explorado na sequência em que Bruce está no balanço).

A questão da dicotomia entrelaçada em Batman e Bruce Wayne nas

narrativas de Tim Burton, está ligada ao comportamento de ambas as

personagens, como se existisse uma só personagem que fosse dividida ao meio,

com características opostas. A própria personagem Bruce tenta explicar esse

fato, a partir da sequência 43 até 55.

42

43

Um fato importante e explícito na narrativa de Burton em questão à

identidade de Batman é abordado sempre em conjunto com a personagem Vick

Vale, que no primeiro filme está ligada emocionalmente a Bruce Wayne. Os

diálogos existentes entre os dois, geralmente carregam certo mistério em relação

a Bruce Wayne, portanto a personagem Vick Vale pode ser considerada um

instrumento e/ou um motivo para o espectador entender como Bruce lida com

sua identidade secreta de Batman. É importante ressaltar que, Bruce conhece a

personagem Vick logo no começo do filme, portanto, não possuem uma relação

sólida e com históricos de confiança, mesmo assim, Bruce tenta contar para Vick

sobre Batman, esse fato demonstra uma possibilidade: Bruce Wayne pode não

ser capaz de se relacionar com alguém se esse indivíduo não tiver ciência de

Batman, essa possibilidade carrega a grande importância que Batman têm na

vida de Bruce Wayne. Apesar de, a descoberta desse contexto ser apenas uma

suposição levantada através da observação da obra, existem outros elementos

que suportam essa ideia.

Todos os conflitos abordados por Bruce Wayne estão ligados a Batman,

sejam eles amorosos ou de identidade, Tim Burton não posiciona Bruce em

momento algum em sua rotina de trabalho, lembrando que Bruce é dono de uma

das maiores corporações (Wayne Enterprises) dos Estados Unidos e a maior de

Gotham City. Esse fato não é abordado, em momento algum o espectador pôde

ver a torre Wayne, que é considerada um grande símbolo de poder relacionado

a Bruce, tanto nas estórias em quadrinhos quanto nas obras audiovisuais. Outro

elemento a ser considerado, é a falta de diálogo em relação à morte dos pais de

Bruce, esse fato só é lembrando quando Bruce se depara com o vilão Coringa e

o mesmo diz uma frase que Bruce recorda que o assassino de seus pais diz

igualmente após assassina-los.

44

Figura 5631 – Vilão Coringa em Batman (1989).

Fonte: Imagem tirada do filme.

Nas ocasiões, Coringa diz a seguinte frase: “Você já dançou com o diabo

sob a pálida luz da lua? ”, neste momento Bruce se recorda do assassinato dos

pais, e têm a certeza de que Coringa cometeu o crime. Esse é o único momento

em que o assunto vêm à tona e a maior motivação para a lembrança foi

estimulada através do vilão atual. Nas narrativas de Burton, o vilão está presente

em todos os núcleos que circundam tanto a personagem Batman quanto a

personagem Bruce.

Figura 5732 – Sequencias do filme Batman (1989).

Fonte: Imagens tiradas do filme.

31 Sequência da imagem 1 disponível em 01:23:57, sequência da imagem 2 disponível em 01:32:02, ambas estão no filme Batman (1989). 32 Sequência 1 disponível em 01:23:17, sequência 2 disponível em 01:53:34, sequência 3 disponível em 01:56:28 e sequência 4 disponível em 01:36:08, toda estão na obra Batman (1989).

45

A partir da primeira sequência é possível perceber a ligação de Coringa

com Bruce, igualmente com Vick, Batman e Gotham, reafirmando a evidência do

elemento de vilania na trama, destacado por Tim Burton. Bruce Wayne,

entretanto, não resolve nenhum conflito, somente Batman acaba com os planos

maléficos do vilão. Existe um diálogo33 importante entre Batman e Coringa, que

pontua uma das motivações de Bruce Wayne em se tornar Batman, neste

diálogo, Coringa diz a Batman que ele o criou, quando jogou-o no tonel industrial

de ácido, na ação, Batman acusa Coringa de ter matado seus pais, e diz que,

portanto, Coringa o criou primeiro. Neste momento, quase ao fim do filme, é

pontuada uma das motivações de Bruce em se tornar o Batman: o assassinato

de seus pais. Ao fim do filme, Batman obtém sucesso ao derrotar o vilão e ganha

credibilidade e a confiança da cidade de Gotham, se tornando uma espécie de

vigilante justiceiro. Burton não explora como Bruce tornou-se Batman, mas traça

o caminho de Batman em meio a sociedade, em busca da aceitação e confiança

do povo de Gotham City.

Na segunda obra, Batman – O Retorno (1992), a personagem Bruce

Wayne aparece em aproximadamente 10 minutos de filme, sendo chamada para

conter uma situação que saiu fora do controle da polícia, envolvendo uma

gangue circense que ataca a população de Gotham, neste momento o

espectador vislumbra Batman preparado para a ação, tanto fisicamente quanto

munido de todos os aparatos tecnológicos para agir com mais recursos e

segurança. Nesta obra, Burton cria um núcleo de vilania composto por 3

personagens, o que intensifica as ações do herói. É importante ressaltar que,

existe um lado emocional e psicológico referente aos dois principais vilões do

filme, e que, Batman, enquanto herói, tenta compreendê-los. Os vilões em

questão são Oswald Cobblepot (Pinguim) e Selina Kyle (Mulher-gato), ambas as

personagens possuem questões mal resolvidas relacionadas à família e relações

sociais. O vilão secundário Max Schreck, é um poderoso empresário que ajuda

Pinguim a enganar a sociedade, transformando-o em uma falsa vítima, e tenta

assassinar Selina Kyle, apresentada como sua secretária executiva no início do

filme. Batman, entretanto, é explorado como um herói mais amadurecido,

33 Sequencia disponível a partir de 01:54:52 até 01:55:59, no filme Batman (1989).

46

experiente, capaz de refletir em relação às motivações dos malfeitores de

Gotham que compõem a narrativa do filme.

Figura 5834 – Pinguim e Mulher-gato em Batman – O Retorno (1992).

Fonte: Imagens tiradas do filme.

Um importante fato a ser ressaltado na segunda obra de Burton, é o diretor

desenvolver a origem dos vilões, fato que não ocorre em relação ao herói

Batman, portanto, ambas as personagens possuem explicações e estórias que

são ilustradas ao espectador, com motivações que fizeram aqueles indivíduos

se tornarem vilões, atuando pelo mal. Existem duas sequências35 que exploram

essas origens durante a narrativa. Contando com o fato de que a vilania possui

destaque no decorrer de toda obra, Batman, aparece como a única esperança

da cidade de Gotham em ser salva, porém, existem dois fatores que tornam as

ações do herói extremamente problemáticas. O primeiro fator é o

amadurecimento emocional de Bruce, que, procura compreender as ações dos

vilões, considerando suas origens, e o segundo é que Batman acaba se tornando

um falso vilão para a sociedade, quando um dos planos36 do Pinguim de

incriminar Batman, funciona. Apesar de Bruce Wayne demonstrar certa

34 Personagens Pinguim e Mulher-gato na obra Batman – O Retorno (1992) 35 Sequência da origem da Mulher-gato disponível em 00:27:09 até 00:32:31 e sequência da origem de Pinguim disponível em 00:00:00 até 0:05:24, em Batman – O Retorno (1992) 36 Sequencia disponível em 01:16:15 até 01:21:00, em Batman – O Retorno (1992)

47

compreensão com os vilões, ao mesmo tempo o herói Batman demonstra mais

desconfiança e profissionalismo em relação às investigações que circundam,

principalmente a personagem Pinguim, reafirmando a questão da dicotomia que

divide as duas personagens. Abaixo seguem alguns trechos que comprovam

essa teoria.

48

Através da observação das cenas acima, é possível notar que Batman e

Bruce passam por uma espécie de conflito interno, onde Batman quer combater

os bandidos e Bruce Wayne quer, de certa forma, ajudá-los. Esse fato se torna

evidente pois Batman não derrota diretamente os vilões na obra, Pinguim tropeça

e cai de uma alta distância dentro do esgoto, o que causa sua morte e Selina

49

Kyle se suicida, ao dar um beijo no empresário Shreck com uma arma de choque

entre suas bocas, ou seja, a maneira como o diretor explora a derrota dos vilões

não está totalmente relacionada a Batman, ao menos não fisicamente, os vilões

são derrotados por suas próprias decisões. Existe um contexto interessante a

ser abordado, relacionado às aparições de Batman e Bruce Wayne em ambas

as obras. Levando em consideração o filme no todo e considerando apenas as

personagens Batman e Bruce Wayne nas narrativas, segue uma tabela que

demonstra o enfoque das personagens em cada obra:

Tabela 237 – Tabela de porcentagem de ações.

Batman (1989)

Batman – O Retorno (1992)

Ações Bruce Wayne

65%

Ações Batman

35%

Ações Bruce Wayne

45%

Ações Batman

55%

Fonte: Observação concluída através das obras em questão.

A partir da observação das obras, constatou-se que no primeiro filme

Bruce Wayne possui mais aparições, enquanto na segunda obra as ações são

quase divididas. Apesar dos dados acima demonstrarem maiores ações de

Bruce no primeiro filme e praticamente igual no segundo, todas elas estão

ligadas a Batman, todas as decisões ou ações são tomadas por causa de

Batman, sejam elas amorosas, de negócios, sociais, etc. Ou seja, Batman é o

grande motivo das ações de Bruce Wayne. Outro fato que indica essa inversão,

é a forma que o diretor apresenta ambas as personagens, nas narrativas de

37 A pesquisa foi realizada através da observação das 2 obras, considerando o total de vezes que Bruce Wayne aparece praticando uma ação e igualmente para a personagem Batman. A porcentagem foi criada pois o número total de aparições era muito extenso, o que comprometeria o padrão e a estética do trabalho. Os números da porcentagem são aproximados aos números oficiais.

50

Burton o espectador conhece primeiramente Batman, depois os vilões e

posteriormente conhece Bruce Wayne. Essa abordagem ocorre em ambos os

filmes, o que causa uma certa influência no momento de priorizar os núcleos e

personagens presentes. Observando ambas as obras, é possível notar que

Batman transfere ações, decisões e responsabilidades para Bruce, que, por sua

vez, aparenta certa ingenuidade, porém, como Batman, consegue agir da forma

esperada, realmente se transformando em outro ser, dividindo-se ao meio, como

a própria personagem cita. O Batman do diretor Tim Burton é um herói imponente

e predominante, que age em Gotham para minimizar os danos de uma cidade

adoecida.

51

3. Batman vs. Bruce Wayne: Quem é a máscara?

A partir da observação das personagens no capítulo acima, este capítulo

visa desvendar a questão da máscara das narrativas do herói Batman, nas obras

dirigidas por Nolan e Burton. Quando se fala em morcego, é possível pensar em

um animal notívago, arisco e solitário (já que morcegos não fazem ninhos),

também pode-se lembrar de alguns mitos que cercam o animal, como por

exemplo, familiares aos vampiros, insaciável sede de sangue, sua natureza

impiedosa, entre outros. Essas memórias podem causar grande dificuldade em

acreditar em um homem que oculta sua face atrás de uma fantasia de morcego,

para agir como um herói. Batman, assim como a maioria dos heróis ficcionais,

usa uma máscara por motivos presumíveis, como por exemplo, não ser

assediado, não colocar sua vida em risco, proteger seus entes queridos e manter

o mistério em torno de suas ações. Portanto, a máscara pode ser considerada

um símbolo de proteção à intimidade do indivíduo que a usa, mas, além da

proteção, a máscara pode ser um condutor, que possibilite a imersão do

indivíduo de encontro ao seu verdadeiro ser. No texto de Sabino da Costa (2005),

um conceito cênico chamado máscara neutra é explorado e refletindo sobre a

leitura, é possível entrelaçar algumas teorias com a personagem Batman:

A máscara neutra propicia a consciência corporal de forma plena, pois desperta no aluno a necessidade de ele aprofundar determinados aspectos do seu ser, e coloca-o ante os limites e como trabalhá-los, visando uma possível superação. Apreender o estado neutro significa explorá-lo em seu próprio corpo [...] Num primeiro momento, a máscara neutra possibilita ao ator (des) vestir a sua identidade pessoal. Na medida em que ele apõe sobre o seu rosto um outro, imediatamente, deixa de ser ele, enquanto uma identidade fisicamente falando: ao se olhar no espelho, ele não vê o próprio rosto. Eis o paradoxo: o ator esconde-se para se mostrar. (COSTA, p.32, 2005)

O conceito pode ser ligado a personagem Batman, na medida em que o

homem comum, Bruce Wayne, precisa se esconder atrás de uma máscara para

se tornar Batman e, assim, destacar seus desejos, princípios e ações, que são

ocultadas no cotidiano e na rotina diurna de Bruce Wayne. Segundo Costa

(2005), o ator precisa esconder-se atrás da máscara para se mostrar, ou seja,

52

se encontrar. A máscara trabalha como uma espécie de incentivador à verdade,

de forma com que possibilite o nascimento de uma nova identidade, uma

identidade escondida, pessoal e íntima.

Uma outra questão precisa ser levada em consideração quando se trata

da ambiguidade das ações das personagens Batman e Bruce Wayne, a questão

temporal. Bruce Wayne age durante o dia, no cotidiano do homem comum, na

rotina socialmente aceitável e, Batman, age durante a noite, quando se torna um

vigilante fora da lei, combatendo injustiças com as próprias mãos e se

escondendo nas sombras. A autora Marie-Louise von Franz (p.11, 2003) afirma

que “...a sombra é a parte obscura, a parte não vivida e reprimida da estrutura

do ego. ” O filósofo Gaston Bachelard (1985), esclarece a questão do onirismo

contido na vida noturna e diurna, que pode ser entrelaçada aos personagens

Batman e Bruce Wayne:

Se os olhos não participam dessa vontade universal de sono, se os olhos se lembram das claridades do sol e das minuciosas cores das flores, o espaço onírico não conquistou seu centro. Conserva ainda longitudes demais, é o espaço quebrado e turbulento da insônia. Permanece nele a geometria do dia, uma geometria que, sem dúvida, afrouxa seus laços e que, consequentemente, torna-se ridícula, falsa, absurda. (BACHELARD, 1985, p.161)

Essa citação pode ser relacionada às personagens Batman e Bruce

Wayne, observando que Bruce Wayne permanece no espaço quebrado da

insônia, assombrado pela geometria falsa e absurda do dia. Portanto, Bruce

Wayne dá vida a Batman durante a noite, pois não consegue se desvincular de

seus idealismos diurnos, ou seja, o homem comum (Bruce Wayne) precisa se

transformar em algo mais (Batman), precisa emergir das luzes do dia para

mergulhar nas sombras, de encontro à sua identidade oculta.

53

Figura 6938 – Imagens dos filmes com a temática Batman, dirigidas por Burton.

Fonte: Imagens tiradas do filme.

Nas narrativas com a temática Batman de Tim Burton, o elemento onírico

está presente nas obras através da vilania. Todos os vilões possuem

características sobrenaturais e/ou fantasiosas. Apesar do filme ser retratado em

uma cidade americana comum em meados da década de 80, como Nova Iorque

ou Boston, o diretor constrói no grupo de vilania a possiblidade de criar uma

ambientação fantasiosa, em meio a realidade de Gotham City. Batman, apesar

de ser um herói humano, sem características sobrenaturais, precisa lidar com o

desconhecido em ambos os filmes. O elemento onírico contido nos vilões está

completamente ligado à racionalidade das personagens Batman e Bruce Wayne

nas narrativas de Burton. A presença dos vilões fantasiosos na narrativa, faz com

que Batman carregue toda a responsabilidade de resgatar a cidade de Gotham,

por outro lado, faz com que Bruce Wayne fique de mãos atadas, considerando

que o homem comum não teria condições de combater esse tipo de ameaça sem

recursos, estratégias, preparo e coragem. Sendo assim, ambas as personagens

iniciam um processo de simulação e dissimulação. Para maior entendimento,

segue uma citação de Bachelard (1985):

Se o ser mascarado pode entrar de novo na vida, se quer assumir a vida de sua própria máscara, ele se confere facilmente

38 Imagem 1: Bruce Wayne e imagem 2: Batman. Ambas as imagens estão no filme Batman- O Retorno (1992)

54

a habilidade da mistificação. Acaba por acreditar que a outra pessoa toma sua máscara por um rosto. Crê simular ativamente após ter-se dissimulado facilmente. A máscara é, assim, uma síntese ingênua de dois contrários muito próximos: a dissimulação e a simulação. (BACHELARD, 1985, p.164)

Entrelaçando a citação de Bachelard (1985) com a descoberta do capítulo

anterior relacionada às obras de Burton, de que Batman é o principal motivo das

ações de Bruce Wayne, é possível observar que Batman assume a vida de sua

própria máscara, tornando Bruce um ser mistificado, tornando-o, portanto, uma

mentira. Bruce dissimula seus atos como homem comum, enquanto Batman

simula-se como um morcego vigilante em busca de justiça, porém,

permanecendo um homem sem poderes sobrenaturais, escondido atrás de uma

máscara, que ainda assim, passa a se tornar sua realidade. Portanto, é possível

concluir que a verdadeira máscara pertence a Bruce Wayne, que age conforme

as demandas de Batman, abraçando sua identidade secreta como predominante

e decisiva. Bruce Wayne torna-se um ser mistificado, por não poder agir contra

o mal para salvar Gotham (e, por realmente não o fazê-lo em ambas as

narrativas), enquanto Batman se torna um ser racional, controlando todas as

ações, decisões e finalmente afirmando seus princípios e valores.

No caso das narrativas de Nolan é necessário definir, primeiramente,

quais são as personagens que circundam o herói, que neste caso, são 3: Bruce

Wayne para o espectador (real), Bruce Wayne para a sociedade (falso) e

Batman. A exploração da personagem Bruce Wayne para o espectador é

construída com um discurso dramático e vinculativo, ou seja, todos os dramas

envolvidos na trajetória de vida deste personagem se encontram nesta

exploração. Bruce Wayne (falso) retratado para a sociedade é uma personagem

fútil, supérflua e por muitas vezes irresponsável, porém é bastante explorada na

trama. Essa personagem é descoberta pelo espectador como uma criação do

próprio Bruce Wayne, uma forma da personagem se esconder atrás de uma

máscara simbólica, ocultando sua verdadeira natureza, tanto relacionada a

questões morais quanto ao universo escondido que habita o herói dentro de si,

ou seja, essa personagem é criada como forma de distração para evitar

desconfianças relacionadas a identidade de Batman.

55

Figura 7039 – Imagens das obras com a temática Batman, dirigidas por Nolan.

Fonte: Imagens tiradas do filme.

Refletindo sob esses posicionamentos de características, é possível

refletir sobre a personagem mais “supérflua” da trama ser talvez, a mais

importante, pois ela tem a responsabilidade de esconder a verdadeira identidade

de Bruce Wayne e consecutivamente esconder o herói, Batman.

É possível notar que Bruce Wayne é a personalidade predominante nas

obras, conforme descoberto no capítulo anterior, que transfere uma máscara

simbólica a Bruce Wayne (falso), que retorna a máscara a Bruce Wayne

(predominante), possibilitando-o tornar-se Batman, por estar escondido atrás

das facetas de Bruce Wayne (falso). Levando em conta as personalidades

diversificadas na construção do herói, seria possível identificar duas máscaras:

a de Bruce Wayne (falso) e a de Batman, porém existe uma transição simbólica

entre Bruce Wayne e Batman.

O ser sob uma máscara real não se engaja verdadeiramente num processo de dissimulação. A fenomenologia do ser efetivamente mascarado, inteiramente travestido, é então pura negatividade de seu próprio ser. (BACHELARD, 1985, p.166)

A citação acima é pertinente no que diz respeito à interação de Bruce

Wayne com a máscara literal, refletindo sobre suas motivações, Bruce de fato

extrai toda negatividade vivenciada anteriormente à criação do herói e a transfere

para Batman, esse fato não necessariamente é considerado um processo de

39 Imagem 1: falso Bruce Wayne; imagem: 2 Bruce Wayne e imagem 3: Batman. Todas as imagens estão na obra Batman O Cavaleiro das Trevas (2008).

56

dissimulação, levando em consideração que, o Batman retratado por Nolan

existe para fazer justiça na cidade de Gotham e possui como maior motivação o

assassinato dos pais, em uma época de decadência social, moral e política dos

cidadãos e instituições que ali habitam, conforme levantado no capítulo interior.

Portanto, a intenção de Bruce Wayne com Batman não é a dissimulação e sim o

esconderijo e o refúgio de seu real propósito que ao mesmo tempo que habita

adormecido no interior do calmo e sensato Bruce Wayne, é explorado e extraído

através do herói vigilante, Batman.

Bruce Wayne, por ser a figura predominante na trama, é o responsável

pela criação de Batman e do falso Bruce Wayne, como foi retratado acima, logo,

ele é a origem da máscara simbólica (falso Bruce Wayne) e da máscara literal

(Batman), portanto a real máscara pertence a Bruce Wayne, que pratica a

dissimulação através do falso Bruce e a assimilação de seu próprio ser através

de Batman.

O elemento onírico está presente nas narrativas de Nolan através dos

sonhos. Apesar da ilustração da cidade de Gotham e das personagens contidas

na trama serem realistas, a personagem Bruce Wayne sonha em duas situações

com memórias relacionadas a morte dos pais e sua relação com o pai. Na

primeira ocasião, no filme Batman Begins (2005), Bruce Wayne está em uma

prisão chinesa e acorda após sonhar com a morte dos pais, conforme mostrado

na figura 71. Na segunda ocasião, que ocorre no terceiro filme, Batman – O

Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012), Bruce também está em uma prisão, e

sonha com seu pai, no momento em que ele está descendo no poço em que

Bruce caiu quando era criança, para resgatá-lo, no sonho, Bruce ouve seu pai

dizer a seguinte frase enquanto segura sua mão: “Bruce, why do we fall? (Bruce,

porque caímos?) ”, conforme as sequências 72 até 75. Em ambas as situações

a personagem acorda, de certa forma, assustada. É importante ressaltar que,

após Bruce despertar do sonho, a personagem encontra motivação para à

superação necessária para escapar.

57

58

É importante ressaltar que, no sonho de Bruce, seu pai, Thomas Wayne,

estende sua mão de encontro a Bruce para tirá-lo do poço, após Bruce acordar

na prisão, se prepara para escalar um local semelhante a um poço, que

possibilitará sua liberdade, ou seja, Bruce sai do fundo do poço, igualmente

conforme observado no sonho, portanto, o sonho com seu pai pode ser

considerado um fator decisivo nas ações de Bruce, nesse momento. Apesar do

diretor Christopher Nolan não destacar o elemento onírico nas narrativas em

questão, o onirismo está presente nas obras no universo dos sonhos e no núcleo

sentimental e íntimo de Bruce Wayne e demonstram significativa importância em

suas decisões e, consequentemente, de Batman.

59

4. Gotham City +Batman + Bruce Wayne

Gotham, local onde a personagem vive é apresentada ao público desde

sua criação nos quadrinhos, como uma cidade obscura, cheia de conflitos e

vilões, que a todo o momento ensaiam induzir a cidade à queda e ao caos.

Igualmente a essa abordagem contida nos quadrinhos, os diretores Christopher

Nolan e Tim Burton, criam adaptações divergentes para suas versões da cidade

de Gotham. Este capítulo visa identificar os elementos e narrativas que as

compõem e decifrar as relações de Batman e Bruce Wayne com o universo de

Gotham City.

4.1 Gotham City +Batman + Bruce Wayne, por Tim Burton

Nas narrativas de Burton, o diretor explora um universo de gangsters40,

em conjunto com uma ambientação gótica em mescla com a atualidade dos anos

80 (década em que o primeiro filme foi produzido). Traçando um paralelo de

semelhanças, as obras dirigidas por Tim Burton podem ser comparadas aos

primeiros quadrinhos do herói Batman, escritos por Bob Kane, no final da década

de 30. Essas comparações não são, necessariamente, em relação à

ambientação, mas sim ao estilo de estórias e nas ações do herói Batman. Abaixo

seguem imagens que comprovam essa ligação:

40 Gangster é um termo americano, usado para definir um membro de uma quadrilha ou de uma organização criminosa semelhante a máfia.

60

Figura 7641 – Bandidos em Batman (1989).

Fonte: Imagem tirada do filme.

Figura 7742 – Imagem do primeiro quadrinho com a temática Batman em 1939.

Fonte: Imagem tirada do quadrinho.

41 Bandidos contando dinheiro e comemorando um assalto em Batman (1989). 42 Sequência do quadrinho Detective Comics, nº 27, publicada em maio de 1939, primeira estória do herói Batman, escrita por Bob Kane.

61

Na primeira imagem, os bandidos comemoram um assalto, contando o

dinheiro roubado em cima de uma cobertura predial, logo em seguida, Batman

se aproxima, assustando e afugentando os dois bandidos. Na segunda imagem,

a ação é semelhante, os bandidos igualmente comemoram e são surpreendidos

por Batman. A ação de combate também é parecida. É possível observar que,

na sequência dos quadrinhos, os bandidos estão vestidos com terno, gravata e

chapéu, caracterizados como mafiosos, os chamados bandidos engravatados,

que geralmente são poderosos e ricos, podendo dessa forma se esconder atrás

de uma imagem socialmente aceita e usando dinheiro para se tornarem

intocáveis. Burton igualmente explora esse elemento em suas narrativas,

destacando no primeiro filme um grupo de gangsters que comanda a cidade e

age para benefício próprio.

Figura 7843 – Grupo de gangsters em Batman (1989).

Fonte: Imagem tirada do filme.

É importante ressaltar, inclusive, as características físicas. Ao fundo da

imagem estão de pé dois membros da gangue com chapéus, como observado

na imagem do quadrinho, outro membro posicionado a esquerda está com um

terno risca de giz, como observada a personagem do quadrinho de terno amarelo

43 Sequência do filme Batman (1989) onde os gangsters se reúnem para tomarem decisões sobre Gotham City, sequência disponível em 00:15:14.

62

e preto, e à direita, outro membro com um terno lilás, referenciando as cores

vivas dos bandidos do quadrinho. Nessa sequência, o líder da gangue está de

pé, ditando os afazeres para seus comparsas, mas adiante na trama, o líder Carl

Grissom é assassinado por Jack Napier, que vem a se tornar o vilão Coringa e

passa a dominar a cidade de Gotham. No segundo filme, Batman – O Retorno

(1992), Burton igualmente explora a máfia na narrativa, desta vez, o diretor

deposita a responsabilidade dessas ações em um só personagem desde o início

da obra, Max Schreck é, além de um empresário de sucesso, um bandido

manipulador que não possui bom senso algum no que diz respeito à preservação

de Gotham e dos moradores e adota uma postura arrogante e autoritária.

Figura 7944 – Personagem Max Schreck em Batman – O Retorno (1992).

Fonte: Imagem tirada do filme.

Apesar desses grupos de vilania de gangsters estarem presentes em

ambas as obras, podem ser considerados grupos de vilania secundários. Essa

possibilidade é considerada pois, mesmo que as personagens interfiram no

andamento da narrativa, elas não decidem os desfechos relacionados à

44 O vilão mafioso Max Schreck em Batman – O Retorno (1992).

63

interação de Batman com os vilões principais. No primeiro filme, Batman (1989),

Coringa é o vilão principal, incialmente ele faz parte do grupo de gangsters, como

é visto na imagem 80 (a personagem de terno roxo à direita). A personagem em

questão é apresentada na obra como Jack Napier, um mafioso astuto que

trabalha para tomar o lugar do líder Carl Grissom, acreditando ser mais

capacitado e corajoso para assumir o cargo. No decorrer da trama, Carl percebe

que Jack pretende tomar seu lugar e arma uma emboscada para o comparsa,

nesta ocasião Batman aparece para impedir o grupo e Jack cai em um tonel

industrial de químicos diversos, ficando com uma aparência deformada que,

consequentemente, o leva a loucura. A partir dessa ação, Jack assume uma

nova identidade, tornando-se o Coringa.

Após esse acontecimento, Coringa persegue seus antigos comparsas que

compactuaram com a emboscada e assassina todos, inclusive o líder Carl.

Coringa então se torna o novo líder da máfia, com uma nova equipe tão louca

quanto ele, e desprovida de qualquer senso de discrição, remorso ou medo. O

vilão Coringa aparece na trama para amedrontar e corromper a cidade de

Gotham, porém, a sociedade que habita na Gotham adaptada por Tim Burton,

parecer ser facilmente iludida, o que facilita muito o trabalho do vilão e dificulta

o trabalho de Batman.

Após uma série de atendados à população de Gotham encabeçados por

Coringa, o vilão faz um pronunciamento45 para os habitantes da cidade, onde diz

que fará uma parada de aniversário da cidade e distribuirá 1 milhão de dólares.

Mesmo sabendo que o Coringa é um vilão perigoso e assassino, a população

lota as ruas de Gotham, em busca do dinheiro que será distribuído,

desconsiderando o histórico do vilão e agindo em prol de seus interesses.

45 Sequência disponível em 01:27:38, na obra Batman (1989)

64

Figura 8046 – Imagens da parada, no filme Batman (1989).

Fonte: Imagem tirada do filme.

Outra semelhança que pode ser comparada com os quadrinhos do

Batman é a forma que o vilão Coringa mata suas vítimas, ele não precisa se

aproximar delas, o vilão faz uma mistura de produtos químicos que são contidos

em cosméticos, produtos que as pessoas usam no dia-a-dia, dessa forma ele

consegue evitar uma abordagem direta, e aguarda o momento certo em que suas

vítimas serão contaminadas, a mistura química faz com que as vítimas morram

de rir, e, deixa-as com um sorriso assustador. Existe um quadrinho do ano de

1940 que ilustra a morte das vítimas do Coringa da mesma forma, podendo ser

considerado uma referência para o diretor Tim Burton.

46 Imagem da parada distribuída por Coringa, a sequência está disponível em 01:36:06, na obra Batman (1989).

65

Figura 8147 – Imagem do quadrinho e do filme Batman (1989).

Fonte: Imagem 1 tirada do quadrinho e imagem 2 tirada do filme.

O Coringa de Burton acaba criando os mais improváveis aliados: a

sociedade de Gotham. O herói então, precisaria enfrentar a inocência da

população de Gotham para desmascarar o perigoso Coringa. No segundo filme

Batman – O Retorno (1992), os vilões principais são Pinguim, conhecido também

como Oswald Cobblepot e a Mulher-gato, também conhecida como Selina Kyle.

Assim como em Batman (1989), os vilões possuem destaque em suas origens,

inclusive, em Batman – O Retorno (1992), o filme inicia com a estória de origem

do vilão Pinguim, na ocasião, a personagem aparece como um bebê deformado.

Na noite de Natal, o bebê aparece preso em uma jaula, e, seus pais decidem

joga-lo em um lago, o berço do bebê é “resgatado” por um grupo de pinguins que

habitam o esgoto. No decorrer da trama, ainda no início, é relevado como a

secretária de Max Schreck, Selina Kyle torna-se a Mulher-gato. A secretária vai

ao seu local de trabalho fora do horário de funcionamento e começa a procurar

um documento, durante a procura ela acha um projeto de seu chefe que está

irregular, neste momento, ela é surpreendida por Max Schreck, que a ameaça e

a joga pela janela do prédio. Selina aparenta estar morta, porém um grupo de

47 Sequência do quadrinho Batman nº 1, publicada em 1940 e imagem do filme Batman (1992), sequência disponível em 00:56:40.

66

gatos se aproxima, mordendo e lambendo a personagem, neste momento ela

acorda, e a partir daí seu comportamento muda.

É importante ressaltar que, em ambas as estórias de origem48, existe

um fator sentimental, familiar e social muito presente. Ambos os personagens

sofreram preconceito e rejeição da sociedade e/ou família de maneiras tão

brutais que tiveram seus princípios e valores distorcidos, alimentando e

enaltecendo um lado sombrio e maligno sobre si mesmos. Os vilões Pinguim e

Mulher-gato, tentam de alguma forma se destacar na sociedade, e, como não

possuem apelo sentimental para com os habitantes de Gotham, usam meios

maléficos para ascenderem. Batman, portanto, precisa lidar com mentes

distorcidas e amarguradas, que não tem nada a perder, a não ser sua vontade

de aceitação e vingança. O vilão secundário Max Schreck, conhece49 Pinguim

nos esgotos da cidade, neste momento, o empresário indaga a Pinguim a

possibilidade de aparecer para a sociedade de Gotham e ser aceito, usando sua

estória de abandono e desprezo para sensibilizar os habitantes. No decorrer da

narrativa, o empresário vê a possibilidade de Pinguim se tornar prefeito50 da

cidade, para que juntos possam praticar corrupções diversas, sempre

enganando o povo. Os planos correm bem, até Batman notar que há algo de

errado e iniciar suas investigações. Mulher-gato, por outro lado, não é

incentivada por ninguém para agir, mas sua maior motivação é a vingança, com

o propósito de matar seu ex-chefe, Max Schreck, que tentou assassiná-la.

Apesar da Mulher-gato agir sempre sozinha, a personagem possui

uma espécie de dupla personalidade, durante o dia ela mantêm suas atividades

rotineiras, vai ao trabalho, anda pela cidade, etc., (apesar de deixar de ser uma

mulher submissa e recatada, como no início da obra) e durante a noite sai para

as ruas para causar o caos em Gotham, uma característica semelhante a de

Batman, porém, com intenções invertidas, inclusive, em uma sequência51 do

filme, ambos estão sem suas máscaras, agindo como Selina Kyle e Bruce

Wayne, porém são requisitados como Batman e Mulher-gato, ambos tentam

48 Origem da personagem Pinguim disponível em 00:00:00 até 00:06:22, origem da personagem Mulher-gato disponível em 00:26:48 até 00:32:22, ambas na obra Batman – O Retorno (1992). 49 Sequência disponível em 00:16:58 até 00:22:38, na obra Batman – O Retorno (1992). 50 Sequencia disponível em 00:47:38, na obra Batman – O Retorno (1992). 51 Sequência disponível em 01:09:19 até 01:13:14, na obra Batman – O Retorno (1992).

67

arrumar desculpas um para o outro para irem embora do local. Diferente da

Mulher-gato, o Pinguim possui um grupo de aliados, uma trupe circense que

executa os planos do vilão e assusta a população.

Figura 8252 – Imagens do filme Batman – O Retorno (1992).

Fonte: Imagens tiradas do filme.

Conforme foi identificado no capítulo anterior, Burton deposita grande

evidência nos elementos de vilania em ambas as tramas, revelando desde sua

origem até seu desfecho de forma minuciosa. É possível observar que existe um

outro grupo nas obras de Burton que possui grande importância: as personagens

femininas. No primeiro filme, Batman (1989), Vick Vale carrega grande

responsabilidade na obra ao possibilitar que o herói converse sobre seu passado

e demonstre um lado sensível de si mesmo, conforme observado no capítulo

anterior. No decorrer da narrativa, Bruce Wayne revela53 o segredo de sua

52 Mulher-gato na imagem 1, Pinguim e Max Schreck na imagem 2 e a trupe circense na imagem 3, disponíveis na obra Batman – O Retorno (1992). 53 Sequência disponível em 01:32:28 até 01:33:58, na obra Batman (1992).

68

identidade para ela, e, inclusive, permite que ela entre na Batcaverna,

esconderijo do herói. Em Batman – O Retorno (1992), a personagem Selina Kyle

acaba por encantar Bruce Wayne, que desconhece sua identidade secreta de

Mulher-gato. Selina Kyle e Bruce Wayne chegam a ter um breve relacionamento,

porém Batman e Mulher-gato são inimigos, pois Batman age para proteger

Gotham e Selina quer destruir tudo e todos que se colocam em seu caminho.

Quando Batman descobre a verdadeira identidade da Mulher-gato, tenta

convencê-la a partir com ele, para serem um casal feliz, porém, Selina não

aceita, conforme observado no capítulo anterior.

É importante ressaltar que o Batman de Burton não possui um grupo de

aliados em nenhuma das obras, apenas uma personagem em ambos os filmes

se encaixa nessa característica: Alfred Pennyworth, mordomo e amigo do herói,

responsável pelos cuidados de Bruce Wayne desde a morte de seus pais na

infância. A personagem Alfred ajuda Bruce nas investigações e também o

aconselha nos momentos decisivos, colocando sempre à frente o bem-estar de

Bruce Wayne. A polícia de Gotham não é considerada um grupo de aliados pois

está sempre mal preparada para lidar com as ameaças e ações dos vilões, a

instituição, inclusive, requisita54 em vários momentos a ajuda do herói, portanto,

Batman acaba por se tornar aliado da polícia, e não ao contrário. Mesmo que no

início do primeiro filme Batman seja considerado um fora da lei, quando passa a

agir como aliado da polícia passa a ser considerado um herói pela instituição.

Considerando todos os fatores acima, é possível observar que Bruce

Wayne toma a iniciativa de se transformar em Batman para proteger a cidade,

seja de bandidos, da máfia ou de seres sobrenaturais. A iniciativa ocorre quando

a cidade passa por uma onda de violência e medo, porém, é após o surgimento

de Batman que os piores vilões passam a emergir do submundo, com origens

que vão desde acidentes químicos, até esgotos e ressureições inexplicáveis. O

grupo de vilões secundários e vilões principais enxergam a figura do Batman

como uma forma de incentivo para agirem, Batman passa a atrapalhar seus

planos, e o desejo de derrotá-lo passa a se tornar uma prioridade. Batman, por

sua vez, se torna um herói solitário, por ser o único indivíduo que desconfia e

54 Momento em que Batman envia uma carta o promotor da cidade, se colocando à disposição para ajudar, logo após o Batsinal é ligado. Sequencia disponível em 01:59:57 até 02:01:00.

69

investiga tudo a sua volta, com a intenção de desmascarar os mal-intencionados.

Em uma sequência55 do primeiro filme, Bruce explica esse contexto para a

personagem Vick Vale, na ocasião Vick questiona Bruce Wayne do motivo pelo

qual ele é Batman e ele responde: “Isso é algo que eu preciso fazer”, Vick

questiona e pergunta o porquê, ele responde “Porque mais ninguém pode, olhe,

eu tentei evitar tudo isso, mas eu não posso, é assim que é, não é um mundo

perfeito”, observando esse diálogo, é possível perceber que Batman sabe que

não possui aliados ou alguém que possa permanecer em seu lugar, fazendo seu

trabalho e, em nenhum momento de ambos os filmes, nenhuma das

personagens Batman ou Bruce Wayne indagam o desejo de um dia acabar com

as ações de Batman, esse fato demonstra a total solidão do herói em meio a

suas atividades e sua grande responsabilidade para com a cidade de Gotham.

Os vilões principais, desestabilizam Bruce por motivos diferentes em ambos os

filmes.

No primeiro filme, Bruce descobre que o vilão Coringa assassinou seus

pais e esse motivo faz com que derrotá-lo se torne uma conquista pessoal, e não

apenas para salvar Gotham. Existe um laço de origem abordado em relação a

Batman e Coringa, pois Bruce culpa Coringa pela morte dos pais (que

consecutivamente o fez criar Batman) e Coringa culpa Batman por tê-lo jogado

no tonel de químicos, portanto, o embate se torna pessoal para ambas as

personagens, considerando que as origens do vilão e do herói estão

entrelaçadas. Bruce Wayne é igualmente desestabilizado pelo vilão Pinguim ao

saber de sua estória de abandono e crueldade, de sua vida nos esgotos de

Gotham. É importante ressaltar que no segundo filme, Pinguim consegue

incriminar Batman, após a conclusão de um plano que faz com que Batman seja

responsabilizado como assassino e tumultuador, na ocasião, a árvore de Natal

da cidade é acesa e milhares de morcegos saem de dentro dela, amedrontando

os habitantes, que responsabilizam Batman pelo ocorrido, portanto, o herói

passa a ser visto como um vilão para a sociedade. No decorrer da trama, Batman

consegue provar sua inocência e a verdadeira culpa, que recai em Pinguim. Em

relação a Selina Kyle, Bruce considera-a uma mulher cheia de mágoas que

encontrou uma forma maléfica de extrair suas frustrações e tristezas, e por fim,

55 Sequencia disponível em 01:32:30 em Batman (1989).

70

quando descobre sua verdadeira identidade, tenta ajudá-la. Apesar de Bruce

Wayne se envolver de forma positiva ou negativa em relação aos vilões, Batman

não deixa de agir e cumprir seu papel em exterminar os vilões de Gotham, a

personagem Bruce se mostra mais compreensiva, enquanto Batman se torna

cada vez mais focado e desconfiado.

A relação de Bruce Wayne com as figuras femininas de ambas as

obras é interessante pois ambas acabam descobrindo sua identidade secreta,

por iniciativa da própria personagem. Apesar de Bruce demonstrar intenções

amorosas com ambas as personagens Selina Kyle e Vick Vale, Batman se sente

seguro em revelar sua verdadeira identidade para elas. Portanto, todas as vezes

que as personagens femininas foram inseridas na trama, Bruce Wayne e Batman

quebram a postura defensiva e optam por não ocultar nada das personagens,

como se essa ação fosse necessária ou para prosseguir com a relação ou para

mudar o rumo do desfecho. No final das contas, Bruce não permanece com

nenhuma delas, porém, não encontra problemas em relação à exposição de sua

identidade secreta.

A interação de Batman com a cidade de Gotham está ligada às

demandas da cidade. Batman, entretanto, precisa lidar com uma sociedade

imatura e ingênua, que se apega a todos os sinais de solidariedade e

preocupação para com a população, sem desconfiar ou notar estranhezas do

que está por trás das intenções de quem os faz. Esse fato faz com que o herói

seja posicionado para impedir os mal-intencionados, o herói não está lá

necessariamente para mudar a sociedade em que vive, ou ensinar uma lição

positiva a ela, está lá para defendê-la, como se fosse uma fortaleza, que tem

como missão não deixar o mal invadir aquele espaço. Bruce Wayne, por outro

lado, não possui interação com a cidade, não atua como empresário e não possui

uma vida social ativa, sua interação é exclusivamente para agir e trabalhar como

um herói, para que a cidade possa estar sempre protegida dos malfeitores. A

ambientação da cidade de Gotham adaptada por Burton influencia na narrativa

do filme, como um espelho que revela a situação atual da cidade. O estilo gótico

entrelaçado com tecnologias e desigualdade social, demonstra uma cidade

escura, atual e adoecida, abaixo seguem algumas imagens para ilustrar esse

contexto:

71

Figura 8356 – Imagens dos filmes Batman e Batman – O Retorno (1992).

Fonte: Imagens tiradas dos filmes.

A ambientação de Burton, contribui para o entendimento do

funcionamento da cidade, onde é possível ver uma grande desigualdade social

dos habitantes, desespero e violência. Por outro lado, há muitas pessoas nas

ruas, as lojas estão sempre lotadas e o segundo filme se passa na época de

Natal, o que destaca ainda mais a questão do consumo relacionada à sociedade

de Gotham. A ambientação da cidade, em conjunto com a interação de Batman

e Bruce Wayne com a sociedade em questão e todos os elementos que ali

habitam, constroem uma relação de demanda, necessidade e responsabilidade,

todos os fatores estão ligados a Batman, que tem a necessidade de acabar com

a violência e a responsabilidade de atender as demandas de sua cidade,

Gotham. Ao final do primeiro filme, Batman manda uma carta57 ao promotor da

cidade, com os seguintes dizeres: “Por favor informe aos cidadãos de Gotham,

que a cidade mereceu um descanso do crime. Mas se as forças do mal se

levantarem novamente, para rogar sombra no coração da cidade, me chamem”.

56 Imagem 1: Mansão Wayne; imagem 2: Cemitério de Gotham; imagem 3: fachada da prefeitura; imagem 4: prédio da empresa Schreck e imagem 5: um casal com o filho, andando em meio aos mendigos, nas obras Batman (1989) e Batman – O Retorno (1992). 57 Sequência disponível em 02:00:21, no filme Batman (1992).

72

4.2 Gotham City +Batman + Bruce Wayne, por Christopher Nolan

Nas narrativas adaptadas de Christopher Nolan com a temática Batman,

é possível observar semelhanças com alguns quadrinhos das décadas de 80 e

90, Frank Miller e Doug Moench e Alan Moore são os autores dos quadrinhos

em questão. É possível comparar 3 diferentes tipos de estórias em quadrinho,

com as 3 obras dirigidas por Nolan. O diretor constrói uma cidade atual, que pode

ser comparada com a realidade de uma grande metrópole americana, o contexto

sobrenatural não faz parte das narrativas, entretanto, a loucura é um elemento

constante e presente na Gotham City de Nolan. Abaixo seguem imagens de

comparação aos quadrinhos em questão.

Figura 8458 – Imagens do quadrinho e cenas do filme Batman Begins (2005).

Fonte: Imagens tiradas do quadrinho e do filme.

É perceptível a semelhança e referência do quadrinho em questão com a

obra Batman Begins (2005), no contexto da construção do ataque dos morcegos

em ambas as narrativas, Batman provoca o ataque para poder escapar de

determinado local e surpreende os policiais, deixando-os amedrontados. Abaixo

segue a comparação com a obra Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008).

58 Imagem 1 disponível no quadrinho Batman: ano um, escrito por Frank Miller em 1987 e imagens 1 e 2 disponíveis na obra Batman Begins (2005).

73

Figura 8559 – Imagem do quadrinho e do filme Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008).

Fonte: Imagem tirada do quadrinho e do filme.

No quadrinho Batman, a Piada Mortal (1988), existe uma ação em que

Batman tenta dialogar com Coringa dentro de uma prisão, durante essa tentativa

Batman descobre que aquela pessoa não é o Coringa, e que o vilão fugiu da

prisão, deixando alguém para substituí-lo neste encontro com o herói, Batman.

Esse diálogo pode ser considerado esclarecedor referente ao sentimento doentio

do vilão Coringa ao herói Batman. Na narrativa de Nolan, existe igualmente um

diálogo na prisão, que evidencia o mesmo esclarecimento do quadrinho. Abaixo

segue a comparação do quadrinho com o filme Batman – O Cavaleiro das Trevas

Ressurge (2012).

59 Imagem 1 disponível no quadrinho Batman: A Piada Mortal, escrito por Alan Moore em 1988, imagem 2 disponível na obra Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008).

74

Figura 8660 – Imagem do quadrinho e imagem do filme.

Fonte: Imagens tiradas do quadrinho e do filme

No quadrinho de Alan Moore, existe um embate entre Batman e Bane, e,

é importante ressaltar que o nome da saga é A Queda do Morcego, ou seja,

assim como na narrativa de Nolan, Batman passa por um período de queda e

superação. Nas imagens acima é possível notar que o vilão Bane agride o herói

como se estivesse quebrando-o ao meio. Os 3 quadrinhos escritos por Frank

Miller, Doug Moench e Alan Moore, possuem semelhanças tanto narrativas

quanto de ambientação, pois tanto os escritores dos quadrinhos em questão,

quanto Christopher Nolan possuem uma abordagem realista61 em relação a

Gotham City e os elementos que a compõem.

O diretor Christopher Nolan, constrói grupos de personagens nas 3

narrativas adaptadas com a temática Batman e uma característica a ser

observada é que nenhuma classificação de personagens é individual, seja ela

60 Imagem 1 disponível no quadrinho Batman 4ª SÉRIE 1 – A queda do morcego: A vitória de Bane, escrita por Doug Moench em 1995 e imagem 2 disponível na obra Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012). 61 A palavra realista possui o contexto neste estudo com o significado de ser mais próximo da realidade e mais longe da ficção/fantasia.

75

para ajudar o herói ou para prejudicá-lo, ou seja, não existe 1 vilão, ou 1 aliado,

existem vários, por esse motivo são caracterizados em grupos. No primeiro filme,

Batman Begins (2005), o grupo de vilões é composto por 3 personagens: Doutor

Crane, Ra’s Al Ghul e Carmine Falcone, ambos possuem características e

motivações divergentes. Crane é um médico psiquiatra que comanda o Asilo

Arkham, o médico faz experimentos com químicas diversas em seus pacientes

e também comercializa drogas com efeitos alucinógenos para a população de

Gotham. Ra’s Al Ghul possui uma complexa trama em relação à sua identidade.

Primeiramente, Bruce conhece Ra’s Al Ghul como o líder de um grupo de

justiceiros treinados, chamado de Liga das Sombras, em algum lugar remoto da

China. Ra’s Al Ghul é apresentando como uma personagem oriental, com

características físicas que lembram antigos mestres de luta. A personagem que

apresenta Bruce ao líder é Henri Ducard, essa personagem é responsável pelo

treinamento (de 5 anos) de Bruce na Liga das Sombras, no decorrer da trama,

Bruce descobre que o verdadeiro líder é Henri, ou seja, Henri é Ra’s Al Ghul. É

importante ressaltar esse fato, pois, Ra’s Al Ghul aparece primeiramente como

um forte aliado de Bruce, mas no decorrer da trama Ra’s revela a Bruce que seu

plano é exterminar a cidade de Gotham. Portanto, Ra’s Al Ghul passa a se tornar

um vilão. Carmine Falcone é um mafioso que comanda o submundo da cidade

de Gotham, proprietário de bares, bordéis, traficante de drogas, armas, entre

outros diversos serviços ilícitos. O trio age de acordo com seus desejos e

interesses, sempre para prejudicar Gotham e seus habitantes.

Figura 8762 – Personagens do filme Batman Begins (2005).

Fonte: Imagens tiradas do filme.

62 Imagem 1: Doutor Crane, imagem 2: Ra’s Al Ghul e imagem 3: Carmine Falcone, disponíveis na obra Batman Begins (2005).

76

É importante ressaltar que em Batman Begins (2005), Bruce Wayne ainda

não é Batman até aproximadamente 4063 minutos de filme, entretanto, o

confronto64 entre Ra’s e Falcone acontece antes de Bruce ser Batman, tornando-

o mais difícil. Apesar do trio de vilões terem motivações diferentes, os três

contribuem para a destruição da cidade, seja através do incentivo a atitudes

ilícitas e domínio sob os mais necessitados, através de experimentos proibidos

ou através do extermínio total e literal da cidade. Portanto, a primeira missão de

Batman é salvar Gotham da destruição e não permitir que os malfeitores

escapem impunes. O vilão Ra’s Al Ghul pode ser considerado o vilão principal

da narrativa, pois ambos Crane e Falcone estão indiretamente ligados a ele e

respondem a ele, Crane prepara um arsenal de drogas a serem despejadas no

suprimento de água da cidade a mando de Ra’s e Falcone recebe os

carregamentos das drogas no caís de Gotham, portanto o líder de toda operação

é Ra’s Al Ghul. No segundo filme, Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008),

Nolan explora um grupo de vilania secundária composto por novos mafiosos e

um novo vilão em ascensão, o Coringa. O grupo dos mafiosos passa a tomar

certas precauções em suas ações, pois Batman já é uma figura conhecida pelos

habitantes de Gotham, a fama de Batman faz com que desde os bandidos mais

despreparados até os mais poderosos e experientes tenham receio de agir, com

medo de serem pegos por Batman. Esse fato ganha destaque durante a

narrativa, que faz com que o vilão Coringa comece a agir. Coringa rouba todos

os fundos do grupo de mafiosos, e chantageia-os com o dinheiro. A proposta65

de Coringa é ficar com metade do valor total, em troca, ele se propõe a matar

Batman e exterminar o obstáculo do grupo.

63 Disponível em 00:47:00, na obra Batman Begins (2005). 64 Confronto com Carmine Falcone disponível em 00:29:28 até 00:31:24 em Batman Begins (2005) e confronto com Ra’s Al Ghul disponível em 00:38:42 até 00:41:33 em Batman Begins (2005). 65 Sequência disponível em 00:21:48 até 00:25:02, na obra Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008).

77

Figura 8866 – Imagem do filme Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008)

Fonte: Imagem tirada do filme.

Coringa possui duas motivações, a primeira é provar para a sociedade de

Gotham e para Batman que todos possuem um lado obscuro e quando

necessário podem fazer coisas terríveis para autobenefício, inclusive sacrificar

ao próximo, e, a segunda é conceder a Gotham uma outra classe de criminosos,

que não ligam para dinheiro, tendo como objetivo causar o caos e o terror na

sociedade, esse fato é comprovado quando Coringa fica com a sua metade do

dinheiro roubado e põe fogo em tudo67. É interessante notar que, apesar de

Coringa se comprometer em matar o Batman, quando o vilão e o herói dialogam

em uma ocasião, Coringa diz que não quer matá-lo, para melhor entendimento,

segue a transcrição de um trecho do diálogo68: Coringa: “Os idiotas da máfia

querem você morto para tudo voltar a ser como antes. Mas eu sei a verdade,

não há volta. Você mudou as coisas, para sempre”, Batman: “Então por que quer

me matar? ”, Coringa: “Eu não quero matar você, o que eu faria sem você? Voltar

a roubas mafiosos? Não, não...não. Você me completa”. É importante observar

que, no segundo filme, Batman não precisa preservar apenas a cidade de

Gotham, e sim sua própria imagem de símbolo heróico e justiceiro. O vilão

Coringa chantageia Batman: se o herói não mostrar sua verdadeira identidade

para todos, Coringa matará uma pessoa a cada dia que Batman não se revelar.

66 Coringa entrando na reunião dos mafiosos em Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008). 67 Sequencia disponível em 01:39:45 em Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008). 68 Sequencia disponível em 01:25:28 até 01:25:55 em Batman - O Cavaleiro das Trevas (2008)

78

Portanto, Batman, passa por uma grande prova e precisa escolher entre revelar

sua verdadeira identidade, acabar com as ações do herói e ir para a prisão ou

sucumbir as exigências de Coringa para proteger os cidadãos de Gotham. No

terceiro filme da trilogia, Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012),

Batman está a 8 anos sem agir em Gotham, portanto não possui mais o mesmo

preparo que antes e nem a mesma experiência, ainda assim, em uma situação

de perigo, Bruce Wayne decide acordar o herói adormecido e traz Batman de

volta. A maior motivação para a volta de Batman é uma ação do vilão Bane, que

invade a bolsa de valores de Gotham com a ajuda de comparsas, todos

fortemente armados e perigosos, fazendo reféns e usando-os como escudo para

fugir do local. Batman, na ocasião está sendo procurado pela polícia como um

fora-da-lei, mas age mesmo assim. Bane, incialmente aparece como o vilão

principal, o vilão foi excomungado da Liga das Sombras, mesmo grupo que

proporcionou treinamento a Bruce e, que, comandados por Ra’s Al Ghul

tentaram exterminar Gotham em Batman Begins (2005). Bane coloca-se como

um seguidor de Ra’s, que está em Gotham para cumprir o destino do ex-líder e

acabar com a cidade. Bane possui um aliado poderoso em sua missão, o

empresário John Daggett, que proporciona recursos para o vilão, Daggett tem

como motivação se tornar o maior empresário de Gotham, e, para isso, exige

que Bane destrua a liderança e reputação de Bruce nas indústrias Wayne, para

tornar-se presidente em seu lugar, essa personagem pode ser considerada um

vilão secundário.

Figura 8969 – Imagens do filme Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012).

Fonte: Imagens tiradas do filme.

69 Imagem 1: personagem John Daggett e imagem 2: personagem Bane, ambos do filme Batman O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012).

79

No decorrer da trama, o vilão Bane consegue dominar Gotham, durante

um combate com Batman, Bane revela70 ao herói que sempre soube sua

verdadeira identidade, chamando-o de Bruce , mesmo quando está vestido de

Batman, o vilão também revela que está planejando um ataque brutal em

Gotham há muitos anos e que roubou todos o arsenal das empresas Wayne de

aparatos tecnológicos, incluindo, carros e armas, o plano de Bane é destruir

todas as entradas e saídas da cidade, fazendo com que os moradores fiquem

presos e, após o cárcere, explodir Gotham com uma bomba nuclear, que

incialmente era um projeto de energia das empresas Wayne. Na ocasião, o vilão

vence o combate e prende Batman em uma prisão subterrânea em um local

remoto e desconhecido, afastando o herói da cidade e impedindo-o de agir. É

necessário acrescentar mais uma personagem ao grupo de vilões, a empresária

que até então aparece como aliada de Bruce, membro do conselho das

empresas Wayne e investidora do projeto de energia nuclear criado por Bruce,

Miranda Tate acaba sendo revelada como filha de Ra’s Al Ghul, tendo como

nome verdadeiro Talia Al Ghul, a personagem é líder de todo o esquema de

extermínio que acreditava-se ser liderado por Bane. John Daggett acaba sendo

descartado por Bane, que o mata quando seus recursos não são mais

necessários e age em conjunto com Talia para destruir a cidade. É importante

ressaltar que Talia só é revelada aos momentos finais do filme, em todo o

restante do filme a personagem age como aliada de Bruce, porém, mesmo Talia

agindo como aliada na maior parte do filme, não pode ser considerada uma, pois

ela não se tornou má, ela sempre foi, mas em segredo.

70 Sequencia disponível em 01:11:44 até 01:18:00, na obra Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012).

80

Figura 9071 – Personagem Miranda Tate/Talia Al Ghul em Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012).

Fonte: Imagem tirada do filme.

A missão de Batman no terceiro filme, é escapar da prisão em que está

preso, recuperar sua forma física, além dos danos pelo combate com Bane, e,

retornar a Gotham para salvar a cidade da destruição total. Na trilogia de Nolan,

existe um grupo de aliados que acompanha o herói desde o primeiro filme, são

as personagens Alfred Pennyworth, mordomo e amigo de Bruce, que também

auxilia Batman nas missões de dentro da Batcaverna, Lucius Fox, um cientista

empregado nas empresas Wayne e James Gordon, detetive de polícia da cidade

de Gotham.

71 Imagem da personagem Miranda Tate/Talia Al Ghul no filme Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012)

81

Figura 9172 – Imagens das personagens da trilogia Batman de Nolan.

Fonte: Imagens tiradas do filme.

As 3 personagens possuem responsabilidades importantes em relação a

Batman e Bruce Wayne, Alfred, aconselha Bruce e ajuda Batman nas missões,

Lucius é o responsável por criar e desenvolver todos os aparatos do herói e

Gordon trabalha em conjunto com Batman para combater os corruptos da

cidade. É importante ressaltar que Alfred e Lucius conhecem a verdadeira

identidade de Batman desde Batman e Begins (2005), já Gordon, passa a

descobrir ao final de Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012). No

primeiro filme, uma personagem pode ser incluída no grupo de aliados, a

personagem Rachel Dawes, uma advogada que é amiga de Bruce desde a

infância, e trabalha para prender os corruptos da cidade. Essa personagem não

ajuda Batman ou Bruce diretamente, mas trabalha sempre a favor da cidade de

Gotham. No filme Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008), além dessas 4

personagens, o promotor de justiça Harvey Dent também é um aliado de Bruce,

Harvey trabalha com o, agora comissário de polícia, James Gordon, para prender

e desvendar os corruptos. Na maior parte do filme, Harvey não mede esforços

para fazer justiça e se mostra uma personagem corajosa, porém no decorrer da

trama, a personagem Rachel Dawes morre assassinada por Coringa, e, Harvey,

72 Imagem um: Alfred Pennyworth; imagem 2: Lucius Fox e imagem 3: James Gordon, as três personagens estão presentes na trilogia de filmes.

82

que, igualmente sofreu um atentado e tinha um relacionamento amoroso com a

personagem, acaba se tornando73 um vilão em busca de justiça e vingança. Em

uma discussão74 entre Batman, Harvey Dent e Gordon, após Harvey ter se

tornado um vilão, ele diz a Batman: “Você achou que podíamos ser homens

decentes em tempos indecentes, mas enganou-se, o mundo é cruel, e a única

moralidade em um mundo cruel é o acaso. ”

Figura 9275 – Personagens no filme Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008).

Fonte: Imagens tiradas do filme.

No terceiro filme, as personagens Rachel e Harvey não estão presentes,

porém os 3 primeiros aliados apresentados continuam na obra. No filme, mais

dois personagens são acrescentados no grupo de aliados, o policial John Blake

e a ladra Selina Kyle. O personagem Blake é inserido na trama como um policial

que apoia e acredita em Batman. No início da trama, Blake procura Bruce e

revela que tem conhecimento sobre sua identidade secreta, a partir desse

momento, Blake passa a agir em conjunto com Batman e Gordon para salvar a

cidade. Selina Kyle possui elementos divergentes em relação às suas

motivações. Inicialmente a personagem é inserida como uma ladra, que aguarda

73 Sequencia disponível em 01:53:50, na obra Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008). 74 Sequencia disponível em 02:17:26 até 02:17:46, na obra Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008). 75 Imagem 1: Rachel Dawes e imagem 2: Harvey Dent após o atentado, quando já se tornou vilão.

83

a revolução de Bane e que deseja a queda da cidade, porém, no decorrer da

trama, Selina descobre a verdadeira identidade de Batman e passa a ajudá-lo.

Figura 9376 – Imagens do filme Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012).

Fonte: Imagens tiradas do filme.

As personagens femininas nas narrativas de Nolan, sempre estão

relacionadas a Bruce dentro de um contexto amoroso. A relação de Bruce com

a personagem Rachel Dawes existe desde a infância de ambos, durante o

primeiro e o segundo filme, Bruce demonstra um desejo de um dia deixar de ser

Batman e ter uma vida ao lado dela. A personagem Miranda Tate/Talia Al Ghul

se relaciona com Bruce para aproximar-se dele, construindo assim uma breve

relação amorosa, e, ao final do terceiro filme, Bruce está com Selina Kyle, o que

faz com que o espectador entenda que ele ficará com a personagem daquele

momento em diante.

Observando todos os elementos levantados, é possível afirmar que, no

primeiro filme, Batman está em processo de construção através de Bruce

Wayne, ao decorrer de quase metade do filme, a narrativa caminha para o

nascimento do herói, explorando o passado de Bruce, incluindo a morte de seus

pais e sua indignação com as injustiças que ocorrem em Gotham. Os confrontos,

76 Imagem 1: Selina Kyle e imagem 2: John Blake, na obra Batman O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012).

84

sejam eles verbais ou corporais ainda ocorrem de forma improvisada e sem

muita técnica, o que demonstra que, mesmo depois de Bruce ter construído

Batman, o herói ainda é inexperiente. Apesar da dificuldade em enfrentar os

vilões, Batman se coloca a frente de todas as situações, e, com a ajuda dos

aliados, consegue vencê-los. No segundo filme, Batman já demonstra mais

preparo e experiência para agir, porém, nessa obra, diversas ações ocorrem

para desestabilizar o herói. O vilão Coringa, desafia Batman durante todo o filme,

e, além, de ameaçar a população de Gotham, o vilão ameaça igualmente os

valores e princípios do herói. Ao ameaçar matar inocentes caso Batman não

revele sua verdadeira identidade, Batman não se revela, e Coringa cumpre sua

ameaça, por conta disso 5 pessoas morrem e Batman precisa carregar essa

responsabilidade. A partir desse momento, Batman começa a ser questionado77

pela população de Gotham, que entende que o herói precisa se revelar,

acreditando que essa atitude colocará um basta nas ações de Coringa, e, que,

consequentemente a segurança da cidade será preservada. Nesse momento a

personagem Harvey Dent se entrega em seu lugar, fazendo com que a

verdadeira identidade de Batman continue em segredo. O envolvimento de

Harvey Dent e Rachel Dawes no núcleo de aliados faz com que ambos sejam

expostos e perseguidos pelo vilão Coringa, que, consecutivamente causa grande

culpa e confusão para Bruce Wayne, que questiona78 a todo tempo se Batman é

o responsável por tudo que está acontecendo.

Em um diálogo, Bruce pergunta a Alfred: “Eu causei a morte dela? Eu

queria inspirar o bem...não a loucura e a morte”, Alfred: “Inspirou o bem, mas

você cuspiu na cara dos criminosos de Gotham. Não achou que poderia haver

mortes? Tudo sempre piora antes de melhorar”, Bruce: “Mas Rachel, Alfred”,

Alfred: “Rachel acreditava naquilo que você defendia, que nós defendemos.

Gotham precisa de você. ”, Bruce: “Não, Gotham precisa de um herói de

verdade, e eu deixei aquele assassino psicopata quase mata-lo”, Alfred: “É por

isso que, por enquanto, terão que se contentar com você”. Ao final do segundo

filme, a personagem Harvey Dent passa a considerar Batman e Gordon parte

dos responsáveis pela morte de Rachel, e vai atrás de ambos, Harvey tenta ferir

77 Sequência a partir de 01:09:17 até 01:10:45, na obra Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008). 78 Sequencia disponível em 01:32:00 na obra Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008).

85

o filho de Gordon, Batman tenta impedi-lo e, no embate, Harvey morre, porém,

Batman resolve assumir a culpa pela série de assassinatos que foram cometidos

por Harvey durante sua caçada aos culpados pela morte de Rachel, deixando

assim a reputação de Harvey intacta, e assumindo uma responsabilidade

criminosa e, consequentemente sendo odiado pela população de Gotham. A

interação de Batman e Bruce Wayne com a cidade de Gotham, portanto, está

completamente ligada a todas essas ações. A partir do momento que o herói se

torna experiente e começa a agir em Gotham, quase tudo dá errado, suas

intenções não são concluídas e tragédias acontecem, Batman consegue derrotar

o vilão, porém, só após a cidade ter entrando em um ciclo de caos descontrolado.

O segundo filme da trilogia de Nolan, explora um grande laço entre o herói

e a cidade de Gotham, pois, além de nem tudo dar certo, o herói escolhe se

passar por vilão, a atitude de Batman em assumir a culpa de Harvey Dent, tem

como objetivo79 preservar a fé da sociedade de Gotham, afirmando que a

integridade das pessoas que ali habitam é a maior prioridade de Batman. A partir

do terceiro filme, Batman não é mais atuante, e, Bruce Wayne está recluso em

sua casa, pois, após os acontecimentos do segundo filme Bruce passa a evitar

interações pessoais. Ao saber do vilão Bane, Bruce traz Batman de volta à ativa,

porém, seu preparo já não é mais o mesmo, sendo assim Batman é derrotado

facilmente pelo vilão Bane, nesse filme, Bruce passa um longo período na prisão

de Bane, nesse momento é possível perceber a grande interação de Bruce com

a cidade. Sua revolta e desespero em saber que um vilão tornou todos os

habitantes de Gotham em reféns é seu maior incentivo80 em se recuperar e sair

da prisão e a partir dessa motivação, Bruce consegue escapar.

No decorrer do terceiro filme, Harvey Dent é desmascarado81 por Bane, e

a sociedade descobre que ele é o responsável pelas mortes que Batman

assumiu, nesse momento, Bruce ainda está na prisão. Existem dois momentos

no terceiro filme em que Batman é traído, primeiro por Selina Kyle, que entrega

o herói a Bane para preservar a própria vida e segundo por Miranda Tate, que

79 Sequencia disponível em 02:20:15 até 02:23:29, na obra Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008). 80 Sequencia disponível em 01:54:20 até 01:57:58, na obra Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2008). 81 Sequencia disponível em 01:37:26 até 01:38:51, na obra Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2008).

86

vem a se revelar Talia Al Ghul, isso demonstra que, a confiança que Bruce

deposita nas pessoas nem sempre é um acerto, e que, consecutivamente, Bruce

acredita facilmente nos mais próximos. Ao conseguir sair da prisão, Bruce

consegue voltar para Gotham e age na cidade como Batman. O herói consegue

salvar a população, porém, em sacrifício. Os habitantes de Gotham acreditam

que o herói está morto, mas ele está vivo, Batman aproveita a oportunidade para,

de uma certa forma, se aposentar ao lado de Selina Kyle, mas ao fazê-lo, têm a

certeza de que a fé e a união foram preservadas em Gotham. Bruce Wayne,

interage com a cidade durante os 3 filmes, mas possui mais destaque no primeiro

e no terceiro. No primeiro filme, Bruce retorna após 7 anos desaparecido, um de

seus primeiros atos é retornar as empresas Wayne e demonstrar interesse nas

atividades da empresa. Sua vida social, por mais que seja uma farsa, é bastante

explorada. A interação de Batman e Bruce Wayne com a cidade de Gotham é

reflexo de um desejo de Bruce em não deixar a cidade sucumbir em caos, Bruce

quer dar continuidade ao legado de seus pais de alguma forma, e para isso criou

Batman, porém, Bruce não quer ser Batman para sempre, ele luta para mudar

uma sociedade, para compartilhar uma lição de honestidade e bons princípios,

para que um dia Gotham possa caminhar de forma digna.

Em um diálogo com Alfred no filme Batman Begins (2005), esse fato é

evidenciado: “Alfred: Vai ficar muito tempo em Gotham, senhor? ”, Bruce: “O

tempo que for necessário, quero mostrar ao povo de Gotham que a cidade não

pertence aos criminosos e corruptos”, Alfred: “Na depressão, seu pai quase fez

a empresa ir à falência combatendo a pobreza. Achava que os ricos de Gotham

seguiriam seu exemplo e tentariam salva a cidade”, Bruce: “E seguiram? ”,

Alfred: De certa forma. Seu assassinato frio pôs os ricos e poderosos em ação”,

Bruce: “Para sair da apatia, as pessoas precisam de exemplos dramáticos, e eu

não posso fazer isso como Bruce Wayne. Como homem sou de carne e osso

posso ser ignorado e destruído. Mas como símbolo...como símbolo posso ser

incorruptível, posso ser eterno”.

87

5. Considerações Finais

Após o levantamento de todos os dados explorados acima, foi possível

traçar desenvolver uma reflexão de confronto em relação às adaptações dos

diretores Tim Burton e Christopher Nolan, com a temática Batman. No

decorrer do trabalho, levantei dados referentes aos diretores em questão, as

personagens Batman, Bruce Wayne e suas identidades, os personagens

principais das narrativas, às narrativas, à ambientação de Gotham e à

interação das personagens Batman e Bruce com esses elementos. O objetivo

desse estudo é identificar as divergências e convergências nas narrativas dos

diretores em questão. Para melhor entendimento desses dados, segue

abaixo uma tabela, que aponta os elementos presentes ou não nas narrativas

adaptadas pelos diretores:

Tabela 3: Confronto de dados entre as obras de Burton e Nolan

Dados Tim Burton Christopher

Nolan

Origem dos vilões X

Origem de Batman X

Passado de Bruce Wayne X

Motivações de Bruce X X

Relações amorosas X X

Maior número de ações entre

Batman e Bruce Wayne

Bruce Wayne Bruce Wayne

Maior interação com Gotham Batman Bruce Wayne

Identidade predominante Batman Bruce Wayne

Fonte: Dados observados no desenvolvimento do trabalho.

88

A partir da observação desses dados, pude notar o caminho que cada

diretor constrói para suas narrativas. Tim Burton carrega elementos oníricos em

todas suas obras, incluindo as obras com a temática Batman, Burton posiciona

o herói em um universo dominado por vilões, e não ao contrário. Apesar de, o

Coringa, ser o primeiro vilão do herói Batman e possuir características que vão

desde insanidade mental até senso de humor inteligente, esse fato se torna

evidente no filme Batman – O Retorno (1992). Os vilões de Batman possuem

tantas possibilidades e desfechos, que nas narrativas de Burton em questão

conhecemos todas elas. Na construção das personagens Pinguim e Mulher-

gato, percebi que os vilões são caracterizados como injustiçados, seres

esquecidos e amargurados, esse contexto indica uma certa necessidade de

justificativa em relação a suas motivações. Esse fato remete aos quadrinhos do

universo de Batman, que possuem uma edição especial de cada personagem,

incluindo os vilões, que tem como objetivo contar suas estórias de origem.

Burton, em suas narrativas, evidência a origem do mal, inclusive nos heróis. É

prudente relembrar outras narrativas do diretor que são abordadas dessa

maneira. Em “Edward – Mãos de Tesoura” (1990), o protagonista possui

características sobrenaturais, no lugar de mãos, possui tesouras, apesar da

personagem ser inocente e de boa índole, sua aparência é assustadora e

incomum, a sociedade contida na obra igualmente demonstra certa imaturidade

e falta de bom senso na hora de julgar a personagem para bem ou para o mal.

Na animação “O Estranho Mundo de Jack” (2005), o protagonista possui as

mesmas características, um ser inocente que sofre injustiças, com uma

aparência incomum. Ou seja, essa abordagem de destaque as figuras maléficas

de Burton carregam certo paradoxo, pois, os mocinhos são apresentados como

seres injustiçados e mal compreendidos, e os vilões são apresentados como

seres injustiçados e mal compreendidos.

Nas narrativas da temática Batman esse fator não é diferente. No

momento em que Batman descobre que Coringa matou seus pais, é tomado

imediatamente pelo sentimento de vingança, espancando o vilão sem

autocontrole algum, evidenciando assim, seu lado obscuro e vingativo, porém, a

construção da narrativa permite que o herói tenha esse momento de fúria sem

ser culpado. Já o vilão Coringa, que na ocasião tenta se justificar, é colocado na

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ação como um ser frágil, que pode ser facilmente derrotado, um soco de Batman

é o suficiente para derruba-lo no chão. Batman atira o vilão da cobertura de uma

torre, para mata-lo, porém, Coringa sobrevive. Nesse momento, a narrativa

posiciona ambas as personagens no mesmo patamar, ambos são assassinos. A

única coisa que diferencia Batman de Coringa é sua motivação, que é

compreendida pelo espectador. Seguindo a tabela acima e o desenvolvimento

do estudo, notei que Batman é posicionado como a figura predominante das

obras porque apenas ele pode lidar com os vilões. Batman se coloca à

disposição da cidade, mas sua verdadeira missão é minimizar os danos já

causados de uma sociedade imatura, inocente, preconceituosa e esquecida. A

Gotham adaptada por Burton não pode ter paz, Batman inclusive menciona no

primeiro filme que “a cidade mereceu um descanso do crime”, como se ele

soubesse que voltará a acontecer, não existe algo a se fazer a não ser combater

o mal conforme demanda. A cidade adoecida já não pode ser salva, mas os

danos podem ser minimizados. Batman, que foi considerada a personagem

predominante nas narrativas de Burton, é igualmente a personagem que mais

interage com a cidade de Gotham, entretanto, no levantamento de dados

identifiquei que a personagem que possui mais ações é Bruce Wayne. Conforme

apontei no desenvolvimento do estudo, esse fato não sinaliza a importância ou

relevância da personagem, pois todas as ações de Bruce estão sempre, e,

completamente ligadas a Batman. Outro dado apontado na tabela acima, é o

passado de Bruce e a motivação da personagem, apesar do passado da

personagem não ser explorado nas obras, a motivação de Bruce fica clara no

primeiro filme, quando Bruce descobre o verdadeiro assassino de seus pais e

age motivado por essa descoberta.

Por outro lado, nas narrativas de Nolan, o diretor não explora a origem

dos vilões, esse fato faz com que as personagens desse grupo se mantenham

numa atmosfera misteriosa. Batman não sabe exatamente qual a motivação

daqueles indivíduos, e, para enfrentá-los precisa dar um passo na escuridão.

Esse contexto fica tão evidenciado nas obras, que Batman é surpreendido por

todos os vilões principais, nos 3 filmes. No primeiro filme, onde Bruce é

enganado por um indivíduo que era considerado um aliado, no segundo filme

quando o vilão assassina pessoas inocentes e no terceiro filme quando sua

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possível nova companheira é descoberta como líder de um grupo que planeja

exterminar sua cidade. Esses fatores indicam enorme dificuldade nas ações de

Batman, que geralmente age impulsivamente, sem se preocupar com as

consequências de seus atos, mas com uma clara motivação: a preservação da

integridade moral e física dos habitantes de Gotham. A dificuldade de Bruce

Wayne em se tornar Batman é evidenciada tanto em relação a seu preparo físico,

quanto em relação a seu preparo emocional, Bruce é construído na narrativa

como um homem que é dominado por um grande medo: o medo da queda de

sua cidade. Bruce Wayne acredita piamente que os habitantes da cidade

precisam de uma chance para se tornarem pessoas melhores, e, acredita que

um símbolo de justiça fará com que a sociedade se apegue no que é certo e não

sucumba ao mal que tenta de diversas formas penetrar em todos os níveis de

Gotham. O passado e as motivações de Bruce exploradas nas narrativas, são

de extrema importância para a construção de Batman, Nolan desvenda ao

espectador exatamente o que se passa na mente de Bruce, que faz com que se

torne Batman.

Enquanto nas narrativas de Burton, Bruce Wayne não possui interação

com Gotham, Nolan insere a personagem em diversas situações que foram

levantadas no desenvolvimento do trabalho, tornando assim Bruce uma

personagem socialmente ativa, Bruce e Batman trabalham em conjunto para

cumprir a missão de recuperar a boa essência do povo de Gotham, enquanto o

falso Bruce age como um indivíduo fútil, desprovido de preocupações sociais.

Na ilustração da, extremamente realista, cidade de Gotham, construída por

Nolan, o espectador pode criar maiores vínculos, tanto com a narrativa, quanto

com as personagens, nenhuma das personagens possuem características

sobrenaturais e os aparatos tecnológicos incluídos nas obras são considerados

plausíveis. O elemento realista contido nas obras de Nolan pode ser considerado

um padrão da direção e roteiro do diretor. Nas obras “A Origem” (2010) e

“Interestelar” (2014), ambas dirigidas por Nolan, igualmente possuem esse

elemento, uma abordagem realista em conjunto com um trabalho de pesquisa

científica, caracterizam as obras do diretor como filmes para o grande público

com grande apelo tecnológico, na trilogia com a temática Batman esse contexto

é igualmente abordado, através de aparatos high-tech criados para o herói. A

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tecnologia explorada nas narrativas de Nolan constroem uma ambientação que

dialoga com a rápida evolução científica da humanidade atual. Esses fatores,

em conjunto com os equívocos de Bruce e a impulsividade de Batman, fazem

com que o filme tenha uma atmosfera crível. A leitura que faço é que a trilogia

de Nolan não é a trilogia de um herói, e sim de um homem que tenta a qualquer

custo defender sua cidade e que fracassa, erra, mas que sempre encontra o

caminho de volta para a casa, seja emergindo do subterrâneo ou através do auto

sacrifício, sua missão é essa, uma luta incansável em busca de fé e esperança.

Um fator que não pode ser ignorado quando se estuda um herói como o

Batman é como a popularidade do herói avançou após a trilogia de filme de

Nolan, porém, existe uma pergunta a ser feita referente a esse fato: A

popularidade do herói avançou por conta da qualidade dos filmes, ou do vínculo

com o herói? Não posso deixar de ressaltar que, Batman, é um herói sem

poderes, e comete erros, chora, briga, se arrepende, pede desculpas e tudo mais

que nós, meros mortais, também fazemos. Um estudo feito em 2012 pela revista

britânica Comic Heroes82, apontou Batman como o herói mais popular da

atualidade, após 75 anos de derrota para o Super-homem. O que mudou de lá

para cá? A não ser um milhão de fatores que foram evoluídos no decorrer do

tempo, mas, o que o Batman tem que o Super-homem não tem? Na verdade, o

Batman não tem superpoderes e exatamente por esse fator que sua

popularidade está mais em alta do que nunca.

Até o momento não foram localizadas fontes confiáveis que abordam essa

temática, porém, alguns estudiosos acreditam que, tanto a popularidade de

Batman quanto a crescente produção de filmes de heróis na indústria

Hollywoodiana, estão ligadas aos atentados de 11 de setembro, e, a

necessidade da América em ser salva e protegida. Melhor figura que Batman

para proteger a América e que não possua poderes, não há. Um dos fatores mais

interessantes são que os filmes são altamente consumidos e sequenciados,

abriu-se uma porta que não possui pretensão alguma de se fechar tão logo. O

consumo e a procura pela temática heroica é tão grande que encontrei em uma

livraria a “Novelização de Batman Akrkham Knight” (2016), uma estória sobre o

82 Disponível em http://veja.abril.com.br/entretenimento/batman-bate-super-homem-no-ranking-dos-herois-mais-populares/

92

jogo de videogame mais recente de Batman, os quadrinhos vendem mais do que

nunca, e outra geração de personagens e atores inauguram uma nova saga do

universo de Batman nas telas do cinema. Eu acredito que, além dos fatores

históricos, políticos e sociais da sociedade em geral, os diretores Tim Burton e

Christopher Nolan contribuíram para a ascensão do herói no decorrer das últimas

décadas. De um lado, o Batman de Tim Burton, obscuro, sombrio, focado e

amargurado, pronto para defender seu território, salvar o dia e aguardar a

próxima ameaça, aprimorando continuamente sua experiência e sabedoria. Do

outro lado, Bruce Wayne de Nolan, inseguro, imaturo e impulsivo, porém,

determinado a transformar sua cidade, e provar para o mundo e para si mesmo,

que até os mais esquecidos, ignorados e corrompidos podem ser salvos, e que,

para alcançar esse objetivo carece de vestir a pele do morcego, na esperança

que o drama contido no oculto e no mistério de sua criação ajudem-no em sua

missão.

O estudo deste trabalho cria a possibilidade de proporcionar melhor

entendimento sobre a exposição da temática de heróis, tão presente e atuais nas

pautas de cinema Hollywoodiano, os elementos contidos nessas narrativas

permitem que os estudiosos tracem um perfil da construção deste tipo de gênero,

porém, no caso de Burton e Nolan, as narrativas são posicionadas em extremos

divergentes. Ambos os diretores construíram abordagens surpreendentes,

originais e únicas, uma imergindo na fantasia e a outra emergindo da realidade

atual. Ambas possuem um significado claro segundo a minha reflexão: assim

como Bruce tornou-se algo mais para ser Batman, Burton e Nolan transformaram

Batman em algo que vai além de um herói estereotipado, um símbolo de justiça

e, principalmente um símbolo de esperança, de que, o homem comum, pode,

com boas atitudes, mudar sua cidade, seu convívio e sua realidade.

Eu, pessoalmente, depois de refletir sobre essa personagem, tive minha

mente preenchida por essa ideia, que pode ser considerada por muitos uma

utopia. A melhor definição desse sentimento contido em mim, foi interpretada em

seu pleno significado, por uma sábia e querida professora que um dia me disse:

você leva Batman na pele. Reitero, e na alma, levarei para sempre.

93

FILMES

BURTON, Tim & DI NOVI, Denise. SELICK, Henry. (1993). The Nightmare

Before Christimas [DVD]. Estados Unidos. Touchstone Pictures.

DI NOVI, Denise & BURTON, Tim. BURTON, Tim. WALTERS, Daniel. (1992).

Batman Returns [DVD]. Estados Unidos: Warner Bros. Pictures.

DI NOVI, Denise & BURTON, Tim. BURTON, Tim.THOMPSON, Caroline &

BURTON, Tim. (1990). Edward Scissorhans [DVD]. Estados Unidos: Twenty

Century Fox.

FRANCO J, Larry & ROVEN, Charles & THOMAS, Emma. NOLAN,

Christopher. NOLAN, Christopher & GOYER. S, David. (2005). Batman Begins

[DVD]. Estados Unidos: Warner Bros. Pictures.

NOLAN, Christopher & Emma Thomas. NOLAN, Christopher. NOLAN,

Christopher. (2010). Inception [DVD]. Estados Unidos: Warner Bros.

OBST, Lynda & NOLAN, Christopher & THOMAS, Emma. NOLAN, Christopher.

NOLAN, Christopher & NOLAN, Jonathan. (2014). Interstellar [DVD]. Estados

Unidos: Paramount Pictures.

PETER, Jon & GUBER, Peter. BURTON, Tim. HAMM, Sam & SKAAREN,

Warren. (1989). Batman [DVD]. Estados Unidos: Warner Bros. Pictures.

THOMPSON, Caroline. BURTON, Tim.

ROVEN, Charles & NOLAN, Christopher & THOMAS, Emma. NOLAN,

Christopher. NOLAN, Christopher & NOLAN, Jonathan. (2008). The Dark

Knight [DVD]. Estados Unidos: Warner Bros. Pictures.

ROVEN, Charles & NOLAN, Christopher & THOMAS, Emma. NOLAN,

Christopher. NOLAN, Christopher & NOLAN, Jonathan. (2012). The Dark

Knight Rises [DVD]. Estados Unidos: Warner Bros. Pictures.

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