dias de luta, dias de glória

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LEANDRO JOS SEVERGNINI

DIAS DE LUTA, DIAS DE GLRIAAUTOBIOGRAFIA DE UM VENCEDOR

1 Edio

Ecologia Humana

Crditos

Aline Etges - Arte da Capa Marlene Patel Casarin - Correo Ortogrfica

Dados

Internacionais de Catalogao na Publicao (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)Severgnini, Leandro Jos Dias de luta, dias de glria : autobiografia de um vencedor / Leandro Jos Severgnini. -- 1. ed. -- So Jos do Cedro, SC : Ecologia Humana, 2011. ISBN 978-85-912272-0-4 1. Homens - Autobiografia 2. Severgnini, Leandro Jos I. Ttulo.

(CIP)

11-06631

CDD-920.71 ndices para catlogo sistemtico: 1. Homens : Autobiografia 920.71

AGRADECIMENTOS FEAC - Fraternidade Esprita Amigos da Comunidade; Ecologia Humana; Famlia; Deus, razo maior da nossa existncia; Meu Divino Protetor, chamado por muitos de Anjo da Guarda; Patrocinadores; Em especial ao amigo leitor, ao qual desejo carinhosamente muita paz, sade e despertar espiritual, que tua caminhada seja em direo a Deus e que consigas atingir a transcendncia divina espiritual.

PREFCIO ........................................................................................................................7

SUMRIO

INTRODUO ................................................................................................................10 CAPTULO 1 - COMEANDO A VIDA... .................................................................16 CAPTULO 2 - SAINDO DA TOCA ...........................................................................23 CAPTULO 3 - ENTENDENDO A F.......................................................................30 CAPTULO 4 PRINCPIO DA EVOLUO .........................................................39 CAPTULO 5 ESCOLHAS ERRADAS! ..................................................................48 CAPTULO 6 VIDA SOCIAL FORA DA ESCOLA ..............................................53 CAPTULO 7 MUDANA DE ESCOLA!...............................................................60 CAPTULO 8 RECOMEO DO ENSINO MDIO ..............................................69 CAPTULO 9 MALES QUE VM PARA O BEM................................................78 CAPTULO 10 BRINCANDO COM A VIDA .......................................................87 CAPTULO 11 APOIO FAMILIAR, MAIS UMA VEZ .......................................94 CAPTULO 12 DE VOLTA VIDA ........................................................................100 CAPTULO 13 A DESPEDIDA ...............................................................................105 CAPTULO 14 SEM DIREO ...............................................................................112 CAPTULO 16 A EXPECTATIVA ...........................................................................128 CAPTULO 17 A ADAPTAO ..............................................................................136 CAPTULO 18 REENCONTRANDO O PRAZER EM VIVER ........................144 CAPTULO 19 PESSOAS QUE MUDARAM MINHA VIDA ...........................151 CAPTULO 20 UM LUGAR ESPECIAL ................................................................162 CAPTULO 21 PESSOAS QUE MUDARAM MINHA VIDA (PARTE II) ....173

CAPTULO 22 PARA VARIAR, DIFICULDADES! ............................................180 CAPTULO 23 UM NOVO DESPERTAR .............................................................186 CAPTULO 24 OS VERDADEIROS VALORES ..................................................199 CAPTULO 25 E ATUALMENTE...........................................................................209 ANEXOS ............................................................................................................................218 DEPOIMENTOS .............................................................................................................219 IMAGENS..........................................................................................................................226

PREFCIOLutas; todos ns, meros mortais, temos ou teremos um dia. Glrias; s alcanaremos se partirmos em busca delas. Ningum ser integralmente feliz levando uma vida mansa e sem sofrimentos. Sabe por qu? Porque isso no passa de iluso que no acrescenta nada em nosso carter de evoluo espiritual. O grande problema que levamos tempo demais para descobrirmos isso. A vida nos d diversas oportunidades de sermos grandes e vitoriosos e ao invs de abra-las, passamos e refut-las com dizeres mesquinhos: Poxa vida, se Deus me ajudasse!. Ou ainda: Eu no nasci para ser feliz mesmo e tantas outras sentenas de fraquezas que assinamos de olhos vendados. Alguns me consideram insano por ser to grato s dificuldades que a vida me apresenta. que acabei descobrindo que no existe outra forma de crescermos e evoluirmos sem enfrentar as dificuldades e sem errar, pois essas so as chaves que nos abrem as portas da f e da esperana. Inicialmente a f e a esperana so sentimentos puramente abstratos, mas que com o passar o tempo nos torna seres completos e ntegros. E nessa caminhada da f at a integridade espiritual, desenvolveremos muitos outros atributos sublimes como a caridade e a vontade de auxiliar o prximo emLeandro Jos Severgnini -7-

sua caminhada evolutiva, o desapego material e o amor incondicional a todo ser vivo, seja humano ou no. Mas acima de tudo, voc vai aprender a prestar ateno na importncia da famlia em sua caminhada, e como o respeito e a pacincia podem ser benficos em nossas vidas. Atravs da dedicao e da resignao da minha famlia para com a minha deficincia, aprendi a ver como uma beno aquilo que muitos veem como sofrimento. Certa vez, minha me disse a uma pessoa: Eu no seria to feliz se o Leandro no tivesse essa deficincia. Em seu ntimo, ela conhecia o segredo, ela sabia que essa era uma rica oportunidade de crescer e evoluir; pois ela estava aprendendo e me ensinando ao mesmo tempo a aceitar as pessoas como elas so; a esquecer um pouco de si e se devotar ao bem estar do prximo; a ter f acima de tudo. F. Palavra que determinou as minhas conquistas. F. Atravs dela cheguei a um curso de graduao e a um trabalho; coisas simples e corriqueiras nos dias atuais, mas que revela um sabor muito especial quando as barreiras se apresentam, tentando tirar a esperana que nos resta. Esperana. Sem ela eu teria desistido nos primeiros tropeos. Hoje me sinto confiante em dizer que tanto eu como voc, pode alcanar tudo o que deseja desde que nossas ambies no entrem em conflito com a harmonia universal.Dias de Luta, Dias de Glria -8-

Sofrimentos e dificuldades so todos muito bem vindos. Sem eles, dificilmente eu teria aprendido o verdadeiro sentido da vida.

Leandro Jos Severgnini

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INTRODUODevo dizer inicialmente, que uma enorme alegria, pois finalmente criei coragem para comear a por em prtica esse que um dos meus grandes sonhos. Veja s, logo eu, que dei palavra coragem uma das razes da minha existncia. Para mim essa palavra deveria estar no teto de todos os quartos, para v-la sempre, l no alto, quando nos deitamos. Afinal, a coragem nos leva aos lugares mais altos que possamos imaginar. Grande parte de nossas derrotas acontecem pela falta de coragem. Seguidamente ouo: - Mas Leandro, eu sou corajoso, no tenho medo de nada, nem de ningum! timo, mas coragem no apenas bater o punho no peito e dizer: - Agora eu consigo, muito menos enfrentar com rispidez seus inimigos, bem pelo contrrio, isso covardia. Eu relaciono a verdadeira coragem humildade, dois atributos que tornam um ser digno e tico, pois voc precisa ser muito humilde para ser corajoso e precisa ainda muita coragem para ser humildade. Um exemplo de atitude corajosa olhar nos olhos de uma pessoa e dizer: -Me perdoe, eu errei! Ou aquela coragem que nos leva a evitar uma discusso, pelo simples prazer de sentirDias de Luta, Dias de Glria - 10 -

paz no peito e tentar compreender o que leva a pessoa discutir ou julgar, ou ento, qual o vazio que ela tenta preencher com sensaes de superioridade. Sensaes que nos escravizam ao invs de nos libertar. Ainda mais difcil encontrar na rua um envelope com um volume considervel de dinheiro, que seria a soluo de seus problemas e direcion-lo as autoridades competentes, mesmo sabendo que aquela poderia ser a chance de sanar as suas dvidas. Ter a humildade de imaginar que algum precisa mais do que voc desse dinheiro. Isso burrice? No meu irmo, a coragem de ser honesto. No hesito em dizer que trapaas e desonestidades so atitudes dignas de um covarde. Digo tudo isso, por experincia prpria, experincia de algum que com apenas 24 anos, j conheceu um pouco de tudo nesse mundo. Experincia de um deficiente fsico, portador de Distrofia Muscular, que comeou a vida social numa APAE aos seis anos de idade, e que se dependesse de muitos estaria l at hoje. Bem mais cmodo, no precisaria enfrentar as tribulaes de uma vida na sociedade. Na verdade, nunca sa da APAE, mudei foi de lado, tornandome instrutor das aulas de informtica. Meus antigos colegas, hoje so meus alunos. O mais importante nesse local no meus alunos dominarem o computador, internet ou qualquer outro esquema das parafernlias eletrnicas, mas que recebamLeandro Jos Severgnini - 11 -

de mim todo o amor que porventura outros deixaram de dar. E mais ainda, estar com eles o maior tempo possvel de minha vida, sem me importar com o que as pessoas pensam ou dizem quando estou com eles. Experincia de um filho de agricultor, seu Fiorindo, vendedor de tomates, que acorda s cinco horas da manh para tratar os animais e preparar suas hortalias para vend-las nas casas e comrcio, para que no me faltasse nada. Esse mesmo agricultor que me levou vrios anos a Curitiba na esperana de encontrar uma cura para meu caso, mesmo sabendo que a longa viagem de dez horas de nibus o fazia passar muito mal. Os motoristas da empresa de nibus ficavam em alerta para o caso de precisar ir ao pronto socorro. Isso tudo era unicamente amor unido coragem, atributos que so marcas registradas do meu velho careca de bigode, a quem devo a minha vida. Tambm existe outro ser muito especial a quem devo a mesma gratido. Quem poderia ser? Minha me, lgico. Nascida no campo do interior do Rio Grande do Sul, com uma penca de irmos, dona Lourdes no teve vida menos complicada. Aos cinco ou seis anos j tinha sua enxada. Afinal, numa famlia de mais de uma dezena de irmos, todos tinham que dar sua parcela de contribuio para merecer o po que ia para a mesa. Um grande contraste para os tempos atuais, as crianas hoje, tm como seus maiores problemas ir escola,Dias de Luta, Dias de Glria - 12 -

adquirir jogos eletrnicos ou a vontade de comprar um tnis igual ou melhor que o do seu amigo. Desde cedo ela j aprendeu que sua vida no seria fcil, que anos dolorosos a aguardavam, e que nem sequer podia considerar-se dona de seus prprios filhos, pois perdeu o primeiro filho quando o mesmo ainda estava nos primeiros anos da infncia. Ele se chamava Alssio. Era portador de distrofia muscular progressiva. Uma classe de distrofia muito mais severa que a minha, que no permite o portador sequer alcanar a adolescncia. Depois que esse menino decidiu partir, veio Janete, Edgar e por ltimo eu, exatamente no dia 14 de maio de 1986. No conheci meu irmo mais velho. Mas se ele ainda estivesse entre ns, tenho absoluta certeza que contaria muito mais histrias de amor e f dessa famlia.

Leandro Jos Severgnini

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COISAS QUE ME FAZEM REFLETIR... Msica: Dias de Luta, Dias de Glria Artista: Charlie Brown Jr. Canto minha vida com orgulho Na minha vida tudo acontece Mas quanto mais a gente rala, mais a gente cresce [...] Com a cabea erguida e mantendo a f em Deus O seu dia mais feliz vai ser o mesmo que o meu A vida me ensinou a nunca desistir Nem ganhar, nem perder, mas procurar evoluir Podem me tirar tudo que tenho S no podem me tirar as coisas boas Que eu j fiz pra quem eu amo E eu sou feliz e canto O universo uma cano E eu vou que vou Histrias, nossas histrias Dias de luta, dias de glria Histrias, nossas histrias Dias de luta, dias de glria [...] Por isso eu canto minha vida com orgulhoDias de Luta, Dias de Glria - 14 -

Com melodia, alegria e barulho Eu sou feliz e rodo pelo mundo [...] Mas hoje dou valor de verdade Pra minha sade, pra minha liberdade [...]

Leandro Jos Severgnini

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CAPTULO 1 - COMEANDO A VIDA......Que riqueza no , at entre os pobres, ser filho de um bom pai... Juan Luis Vives

Como dito anteriormente, meus pais nunca se deram por vencidos, e queriam a qualquer custo encontrar a cura para um problema que mais tarde descobriram que era gentico. No conseguiam aceitar que a criana que nasceu com mais de 4 kg e 51 cm, viesse a diminuir os movimentos motores, oito meses aps o nascimento. Era impossvel que nada pudesse ser feito, pois, at ento eu era normal, devia ser s algo passageiro. E nessa f foi que me levaram vrias vezes a Florianpolis, a 700 km da minha graciosa cidade de So Jos do Cedro. Eram grandes as esperanas, pois Floripa era um centro promissor com inmeros recursos na rea da medicina. Lembro-me vagamente do corre-corre dos meus pais, me carregando no colo escada a cima e escada a baixo atrs de documentos com assistentes sociais, na busca da gratuidade dos exames. Alm de ter sido praticamente desenganado pelos mdicos, no tenho boas lembranas de l. Foi l que eu passei por um exame neurolgico muy amigo chamado Eletromiografia1. A eu descobri que ainda tinha algo forte; as cordas vocais. Quem1A Eletromiografia uma tcnica de monitoramento da atividade eltrica das membranas excitveis, representando a medida dos potencias de ao do sarcolema, como efeito de voltagem em funo do tempo. O sinal eletromiogrfico (EMG) o somatrio algbrico de todos os sinais detectados em certa rea, podendo ser afetado por propriedades musculares, anatmicas e fisiolgicas, assim como pelo controle do sistema nervoso perifrico e a instrumentao utilizada para a aquiso dos sinais. [Disponvel em: http://pt.wikipedia.org/ wiki/Eletromiografia, acessado em 20/01/2011]

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passava no corredor pensava que tinha algum sendo torturado at a morte l dentro. Bem, a sensao que eu tinha que era isso mesmo que estava acontecendo. At hoje desconheo o resultado daquele exame. Pudera, depois que tamanha sesso de tortura, mas necessria, diga-se de passagem, eu at tinha medo de tocar no assunto. Pelo que sei hoje em dia esse exame menos doloroso. No sei como so os procedimentos mdicos atuais, mas na minha poca eram, literalmente, choques nos nervos. Sutil, no? S sei que aps isso, veio uma notcia ruim aos meus esperanosos pais: - Aqui em Florianpolis, no podemos fazer nada, leve ele Curitiba. Disse um dos especialistas. Imagino, hoje, que no lugar de meu pai na poca, eu teria desistido. Afinal, se em um grande centro como Florianpolis nada podia ser feito, para que correr o risco de ir a Curitiba para ouvir a mesma resposta. Mas ele, persistente, no quis nem saber, e para l fomos. Por vrios e vrios anos. Como l era um hospital universitrio, eu quase me sentia uma cobaia, onde o mdico ortopedista mais dava aulas aos seus alunos que estagiavam, do que propriamente buscavam uma soluo pro meu caso. At que por volta de 1993 foi decidido que eu passaria por um procedimento cirrgico, da qual os nervos e msculos da parte de baixo do meu joelho seriam esticados. Que beleza, depoisLeandro Jos Severgnini - 17 -

dessa cirurgia vai ficar mais fcil, vou comear a andar; pensava eu em minha inocente ingenuidade. Fui para sala de cirurgia, aquele povo de branco ao meu redor sendo carinhosos e gentis comigo, me deram anestesia, e eu praticamente hibernei, acordei vrias horas depois na sala de recuperao, com as pernas engessadas da virilha at a ponta dos dedos. Mal sabia eu o sofrimento que me esperava. Poucos minutos aps acordar na sala de recuperao, no aguentei e peguei no sono de novo, ou melhor, o sono me pegou. Quando novamente acordei, me dei conta que no havia nenhum conhecido ao meu redor, somente outras pessoas que tambm se recuperavam de procedimentos cirrgicos. Aos sete anos de idade, imobilizado, deitado numa cama com outras pessoas em recuperao ao meu redor, foi puro instinto gritando: - Paaaiii!!!!! A nica coisa que ouvi foi uma voz suave e muito doce: - Calma, seu pai logo vem, estou aqui pra cuidar de voc. Era a voz doce da enfermeira de planto que estava na sala de recuperao. Com suas palavras voltei calma. Os dias que se seguiram foram horrveis, muita dor no local da cirurgia, era analgsico, supositrio (no me orgulho disso, que fique bem claro), tudo para aliviar a dor, mas em vo. Inclusive, se no me falha a memria, foi nesse ambiente queDias de Luta, Dias de Glria - 18 -

comemorei meu aniversrio de sete anos. Aqueles dias foram longos, meus pais j saturados daquele hospital e eu mais ainda. Recebi alta mdica, mas tive que ficar com as pernas engessadas por muitos dias. Voltaria depois de alguns dias para retirar o gesso, mas enquanto isso no acontecia, eu voltei para casa para que houvesse uma cicatrizao no corte, como tambm para que se fixasse a emenda dos nervos. Imagine-se em um nibus, em uma longa viagem noturna. O sono nessa situao j complicado, ainda mais com uma criana recm sada do hospital, berrando de dor, ningum dormia. Virava-me de um jeito, ocupava dois assentos, erguia as pernas para o alto, em um primeiro momento a dor parecia cessar, mas s parecia. Hoje agradeo a Deus por ter posto aquelas pessoas preciosas no mesmo nibus que eu. Como previsto, voltei para Curitiba em aproximadamente vinte dias, para retirar o gesso. Foi mais ou menos como retirar umas algemas, s que maiores. Resultado disso tudo: nada, absolutamente nada. Com o passar do tempo, percebi que o tal alongamento foi mais uma iluso, pois os nervos voltaram a encolher e a curvatura nas pernas se fez novamente. Naquela poca, eu estava matriculado como aluno na APAE da minha cidade, onde desenvolvia algumas atividades, eLeandro Jos Severgnini - 19 -

fazia fisioterapia, porque no havia outro meio. Rodeado por professoras muito capazes e dedicadas ao progresso fsico e mental dos alunos.

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COISAS QUE ME FAZEM REFLETIR... Orao do Desapego De Madre Teresa de Calcut Senhor, quando eu tiver fome, dai-me algum que necessite de comida. Quando tiver sede, dai-me algum que precise de gua. Quando sentir frio, dai-me algum que necessite de calor. Quando tiver um aborrecimento, dai-me algum que necessite de consolo. Quando minha cruz parecer pesada, deixe-me compartilhar a cruz do outro. Quando me achar pobre, ponde a meu lado algum necessitado. Quando no tiver tempo, dai-me algum que precise de alguns dos meus minutos. Quando sofrer humilhao, dai-me ocasio para elogiar algum. Quando estiver desanimada, dai-me algum para lhe dar novo nimo. Quando sentir necessidade da compreenso dos outros, daime algum que necessite da minha. Quando sentir necessidade de que cuidem de mim, dai-me algum que eu tenha de atender. Quando pensar em mim mesma, voltai minha ateno paraLeandro Jos Severgnini - 21 -

outra pessoa. Tornai-nos dignos, senhor, de servir nossos irmos que vivem e morrem pobres e com fome no mundo de hoje. Dai-lhes, atravs de nossas mos, o po de cada dia, e dailhes, graas ao nosso amor compassivo, a paz e a alegria.

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CAPTULO 2 - SAINDO DA TOCA...Quanto mais conhecemos, mais amamos... Leonardo da Vinci

Algo novo estava acontecendo em minha vida, eu saa da APAE e iria comear me instruir em uma escola. Na poca, a Escola Bsica So Jos, que at hoje, oferece ensino a alunos do Jardim 8 srie, ou seja, todo o Ensino Fundamental. Uma das caractersticas dessa escola foi sempre receber pessoas de renda mais baixa, desde alunos at professores e serventes. Falando em servente, teve um que at hoje me emociono s de lembrar. Vamos cham-lo de Seu Jos, prefiro ocultar a identidade dos personagens da histria minha vida. Mas esse senhor, sempre magrinho, franzino, j no est mais entre ns e faz alguns anos. Foi um exemplo de devoo, humildade, abnegao, renncia, e outros traos de personalidade que me fazem ficar eternamente agradecido, mesmo tendo poucos momentos juntos, ou at mesmo sem conhecer detalhes de sua vida particular e familiar. Devo deixar claro, que uma das coisas que eu aprendi; olhar e valorizar sempre o lado bom das pessoas, porque todos ns cometemos erros e falhamos. Isso significa que se por ventura ele tivesse sido um pai ausente, um marido infiel, talvez uma pessoa que negasse contas, nada disso mudaria meu sentimento de gratido e admirao porque esse velhinho foi para mimLeandro Jos Severgnini - 23 -

um modelo, um corao mpar. Nem seria justo de minha parte ter um sentimento diferente. No decorrer do relato vocs entendero o motivo. Esperana e muita alegria, finalmente chegou o primeiro dia de aula, comecei a me envolver com as obrigaes que o mundo externo exige. Na escola era obrigatrio o uso de uma roupa identificadora e prpria para a ocasio, ou seja, o tal uniforme. Com carinho e muito amor minha me vestia-me e colocava a minha mochila com o meu material de trabalho. O que para mim a princpio era s um monte de folhas brancas em que eu podia rabiscar a vontade, na verdade era um instrumento que eu devia registrar os conhecimentos que adquiria. Tudo era novo para mim. Enfim, sa da casca do ovo. Mas me lembro muito bem, eu tinha muito medo de descobrir o que tinha l fora. Terminei de almoar, escovei os dentes, penteei os cabelos e fiquei esperando, nem eu sabia o que, mas segundo meu pai eu precisava ficar pronto, pois algum iria me buscar para me levar escola e no podia me atrasar. Pontualidade era com ele mesmo. Enquanto eu ficava l parado, esperando e curtindo o medo do desconhecido, um ronco alto e feio de motor aumentou ainda mais a angstia. Era a Kombi da Prefeitura Municipal que passava recolhendo os alunos. E minha cabea de sete anosDias de Luta, Dias de Glria - 24 -

fazendo mil e uma fantasia sobre como seriam aquelas horas longe das asas protetoras dos meus pais. Quando o tal transporte estacionou em frente a minha casa, embarquei, sendo levado pelos braos do meu pai. J de cara sentei na frente, no colo de algum, no lembro quem. Afinal, eram muitos alunos para um nico veculo, e o que predominava era a solidariedade, os maiores davam colo aos menores, e eu fazia parte do seleto grupo de menores. Poucos minutos depois chegamos ao destino cidade pequena isso, em poucos minutos d pra atravess-la. Olhei timidamente pela janela e vi uma construo at de tamanho respeitvel, e no ptio uma enorme algazarra, o que me intimidou ainda mais. A porta da Kombi se abriu, e nem deu tempo de pensar o que faria, j apareceu um moo muito simptico que no era ainda o seu Jos (vamos cham-lo de Alberto) e me carregou at a sala que em que eu estudaria. Por ser o primeiro dia, at que tudo correu muito bem, melhor do que eu esperava. Crianas simpticas me receberam muito com carinho e logo fiz amizades. Algumas mantenho com muito carinho at hoje. E olha que eu no era nada simptico, admito. Na questo pedaggica eu tinha at um desempenho muito bom, aprendi a ler e escrever facilmente. Tirava boas notas, e de quebra inspirava meus colegas. Lembro como se fosse hoje dos ditados das aulas de portugus, era nota 10 quase sempre.Leandro Jos Severgnini - 25 -

Nesse primeiro ano eu lembro que tinha uma caracterstica tpica de crianas dessa idade, segurar a vontade de fazer xixi para quando chegasse em casa. Principalmente no meu caso que precisava da ajuda de outras pessoas. A que entravam os coraes solidrios do Seu Alberto e do seu Jos, do segundo ano em diante, ambos serventes da escola. Se formos analisar, eles no tinham obrigao nenhuma de se prestar ao servio de me carregar at o banheiro, mas pessoas generosas e bondosas fazem essas coisas pelo puro prazer de fazer o prximo se sentir bem e em paz. Hoje me causa arrepio e meus olhos brilham ao lembrar-me do Seu Jos, aquele pobre senhor quase idoso, s vezes andando corcunda de dor nas costas, no entanto, usava suas poucas foras para fazer essa caridade para mim. Quantas vezes eu o via largar as enxadas ou qualquer outra ferramenta, largar o que estava fazendo, e ir prontamente atender o pedido feito por colegas, dizendo que eu precisava de sua ajuda. Carregava-me todo desajeitado devido ao seu padro fsico franzino. Nesse seleto grupo de seres realmente humanos, tambm entram as serventes, que faziam o mesmo papel dos homens, quando esses estavam ausentes. *** Na segunda metade daquele ano eu contava as horas para que chegasse logo o outro dia, queria novamente encontrar meusDias de Luta, Dias de Glria - 26 -

amigos. Veja s quanta diferena, eu estava me tornando um ser socivel e amigo. No era nenhum amigo dos sonhos, mas j comeava formar meu carter social. Terminei o primeiro ano do curso primrio, hoje chamado ensino fundamental, sem nenhuma recuperao, porm com um enorme sentimento de tristeza por saber que ficaria mais ou menos dois meses sem ver meus colegas e amigos. Aquelas frias escolares, como todas as seguintes que tive, foram um caos. Nunca entendia porque as pessoas desejavam tanto que terminasse o ano letivo e comeasse logo as frias. Provavelmente por se verem livres das obrigaes escolares. uma caracterstica at triste, mas uma esmagadora maioria das crianas e adolescentes compreende o estudo como uma obrigao desagradvel e um peso em suas vidas. realmente lamentvel que poucos pais conseguem incutir nas crianas a importncia do estudo e o enriquecimento intelectual que o mesmo proporciona. Infelizmente eu tambm fui um desses que s entendeu quando a oportunidade j havia passado e no tinha como recuperar o tempo perdido.

Leandro Jos Severgnini

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COISAS QUE ME FAZEM REFLETIR... Msica: Tocando em frente Artista: Almir Sater Ando devagar Porque j tive pressa E levo esse sorriso Porque j chorei demais Hoje me sinto mais forte, Mais feliz, quem sabe Eu s levo a certeza De que muito pouco sei, Ou nada sei Conhecer as manhas E as manhs O sabor das massas E das mas preciso amor Pra poder pulsar preciso paz pra poder sorrir preciso a chuva para florir Penso que cumprir a vida Seja simplesmente Compreender a marchaDias de Luta, Dias de Glria - 28 -

E ir tocando em frente Como um velho boiadeiro Levando a boiada Eu vou tocando os dias Pela longa estrada, eu vou [...] Todo mundo ama um dia, Todo mundo chora Um dia a gente chega E no outro vai embora Cada um de ns compe a sua historia Cada ser em si Carrega o dom de ser capaz De ser feliz.

Leandro Jos Severgnini

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CAPTULO 3 - ENTENDENDO A F"...A f o complemento aperfeioado da razo..." Manuel Garca Morente

Bem, quase ia me esquecendo de um detalhe importante, eu morava na zona rural, por isso dificilmente via outras pessoas que no fossem meus pais e irmos, somente algumas visitas espordicas e quase nunca saa de casa. S acompanhado do pai ou da me, mas para visitar amigos deles e no os meus, ou seja, pra mim no fazia diferena nenhuma sair. Muitas vezes, para contornar o tdio de ficar em casa, me animava acompanhar meu pai em suas sadas para venda de verduras. Ele saa com seu Ford Pampa com a carroceria baixa por causa do peso. Tinha tomate, em outras pocas couve-flor, repolho, mais tarde milho verde e, assim passava o ano. Durante os meses de frias, dezembro e janeiro, seu Fiorindo acordava muito cedo, alimentava aos animais do seu stio, carregava a camionete de tomates e saa por volta das 06h30min da manh, e no voltava antes vender tudo, no se intimidando com chuva, ventos ou sol de 40C. Literalmente, dava a sua sade em troca do dinheiro. Mas sua inteno no era acumular capital ou bens materiais, mas sim para que no me faltasse nada, remdios, material de higiene, alimentao e vesturio. Suas vendas no eram para estabelecimentos do ramoDias de Luta, Dias de Glria - 30 -

alimentcio, pois o preo pago era pouco, at mesmo porque o volume de compras seria maior. Para ele poderia ser timo, venderia rpido, sem muito sofrimento. Mas o faturamento seria menor. E isso no era ganncia, era a conscincia dele na poca, preferia acumular valores, de modo que nunca nos faltasse o necessrio, e na medida do possvel, at um pouco de conforto a mais. Sem contar que era com esse dinheiro que nos mantnhamos por um perodo de 40 a 60 dias, quando comeava novo ciclo de colheita de outras hortalias. Nenhuma poca era menos sofrida, quando comeava o inverno com aquele frio cortante, tpico do sul, com suas botas, s vezes furadas, entrando barro gelado. L estava ele acordado cedo, no batente, carregando novamente a camionete, saia e no voltava at ter vendido tudo, muitas vezes nem almoava direito. Nesse horrio todos estavam em suas casas e as chances de venda aumentavam. Enquanto esse homem invencvel saa para suas aventuras comerciais, Dona Lourdes desdobrava-se dentro de nossa casa com os afazeres domsticos e os cuidados habituais para que eu fosse escola bem vestido e bem alimentado. Essa mulher ignorou qualquer possibilidade de ter uma vida profissional e uma carreira, para se dedicar profisso mais iluminada e gloriosa de todas, o de ser me. Ainda me falta a capacidade para entender o que leva algumas genitoras a maltratarem e atLeandro Jos Severgnini - 31 -

abandonarem a semente de vida que brotou de seus teros. *** O segundo ano de escola no foi diferente em nenhum aspecto. Tudo bem, alguns colegas mudaram, a professora mudou, o motorista da conduo j era outro, talvez algumas secretrias foram substitudas se no me falha a memria, mas nada que me assustasse. Um ano foi o suficiente para descobrir que o mundo a fora no nenhum bicho de sete cabeas. Pelo menos, para uma criana que via tudo com inocncia, diverso. O compromisso, era algo que no me tirava do srio! Afinal, meu nico compromisso era com a escola, que para mim j era uma segunda famlia. Mas algo mudou, me assustando um pouco, o servente no era mais Seu Afonso, aquele homem jovem que tinha disposio de sobra, daquele ano em diante era Seu Jos, aquele senhor magrinho que no tinha l uma sade de ferro, nem resistncia de um moo de 20 anos. Mas desde o incio eu pude perceber que extraa suas foras de sua bondosa alma, para no me deixar sem ajuda. E ele agentou, hein! Quando terminei o ensino fundamental, tive que trocar de escola, ele ainda continuou l! Depois de me transferir para outro educandrio, s vezes, eu passava na antiga escola, lembrando-me dos momentos felizes, das brincadeiras animadas, mas de repente eu me deparava com Seu Jos andando pelo ptio como quemDias de Luta, Dias de Glria - 32 -

procura algum trabalho para fazer. At hoje sinceramente no sei se ele era viciado em trabalho, hiperativo ou tinha uma vontade extraordinria e assustadora. Foi um segundo ano sem grandes lembranas, provavelmente por no ter acontecido nada de excepcional, nem positiva nem negativamente. Nesse segundo ano eu continuava sendo aquele grande aluno, que tinha mais facilidade de aprendizagem do que dedicao, como muitos de meus colegas. Sentava-me na fila da frente bem prximo a professora. Chegava a ficar triste quando a nota no era 10. De fato, tinha um crebro privilegiado. Muitos dizem que quem tem uma rea do crebro que no usada, no meu caso as funes motoras, acaba usando mais as reas dos outros sentidos fsicos, como audio, intuio, facilidade de aprendizagem, etc.. No meu caso dou graas a Deus, todos os dias, pela minha viso, que tima, pois passo horas e horas consecutivas em frente ao computador e nem sequer sinto necessidade de usar culos de descanso ou lentes de contato. Falando em viso, no poderia deixar escapar a oportunidade de alertar voc sobre isso. Pois a capacidade de enxergar, uma das maiores, seno a maior ddiva que o ser humano pode ter. Voc j se imaginou sem a possibilidade de poder ler essas linhas, de ler outro livro ou revista qualquer, ver as belezas da natureza, as guas, os animais, os bebs, uma partida deLeandro Jos Severgnini - 33 -

futebol com jogadas espetaculares, um filme, uma novela, ou ainda no poder olhar para seu corpo no espelho, s vivendo num escuro absoluto e infinito. No tenha duvida, eu me sinto muito feliz por ter apenas problemas fsicos, e agradeo a Deus sempre. Creio que voc tambm deveria agradecer, no importa se voc ateu ou no cr em nenhuma inteligncia superior, simplesmente seja grato vida, ao universo ou a qualquer outra coisa. Agradea! A gratido um dos sentimentos mais sublimes e prazerosos que devemos acessar. Aproveitando o assunto, quero fugir um pouco dos fatos e me dirigir a toda pessoa que se sentem injustiada pela Divindade, que no entende seus sofrimentos e acaba colocando a culpa em Deus ou no primeiro santo que aparece, e por isso passa a descrer na existncia de uma oniscincia superior. Sabe que at estranho isso, pois tenho alguns amigos que no acreditam na existncia de Deus. E ao perguntar-lhes o porqu de no acreditarem, eles dizem: -seu tolo, olha o mundo ao seu redor, tantas catstrofes, guerras, gente matando gente. Voc quer que eu acredite nesse Deus bonzinho e milagroso? Olha para voc, sua condio fsica, porque o seu Deus no te livrou dessa encrenca?. Pois bem, tudo uma questo de como voc QUER enxergar a vida. No me sinto prejudicado nem castigado por nada. Pelo contrrio, sinto-me um privilegiado, pois essa condio fsica me d muitas oportunidades deDias de Luta, Dias de Glria - 34 -

superao, f e elevao espiritual que eu no teria em outras condies. Mas no a crena que vai fazer voc ser uma pessoa melhor ou pior. O que eu considero uma grande chave para a paz interior o modo como voc v a vida. Uma viso amarga da vida e contrria harmonia no te levar muito longe. Aspereza nunca te far sentir o bem. Tome cuidado com as sensaes ilusrias de superioridade e grandeza que o orgulho te oferece. Ainda sobre as crenas, entendo que cada um de ns enxerga Deus de uma forma diferente. Aquela viso clssica de Deus, inserida na infncia daquele velhinho de barbas brancas que fica l no alto s apontando e julgando nossos erros, ou que vai nos castigar no me serve. O Deus que eu venero, uma inteligncia suprema criadora, que no possui forma, que existe desde o infinito e que est conscientemente em cada clula, cada molcula, cada tomo de tudo o que existe. Na minha viso ele to inteligente e nos ama tanto, que permite que os problemas surjam na vida de seus filhos eternos, no para se divertir s nossas custas, mas para que ns cresamos e evolumos pelos nossos prprios mritos, no nos dando as coisas de mo-beijada. Ele permite que terremotos aconteam no Haiti e no Japo? Permite, para dar mais uma chance, e olha que muitas j foram dadas. Impulsionar a humanidade para que brote em cada corao uma flor chamada caridade que aLeandro Jos Severgnini - 35 -

grande ddiva. Pena que poucos conseguem aceitar! O meu Deus aquela infinita inteligncia que originou cada tomo e molcula do nosso corpo, nossas clulas, rgos, tudo to perfeito que nenhum de ns seria capaz de recriar. Tudo bem, a cincia nega a existncia de Deus dizendo que tudo comeou com uma grande exploso. Mas a eu te pergunto, quem foi que deu incio ou que provocou essa exploso? O acaso? Meu caro, se voc cr que o bam-bam-bam dessa histria o acaso, recomendo amistosamente que reveja seus conceitos e comece a preocupar-se com sua evoluo, pois tudo tem um motivo mais elevado e voc no est aqui simplesmente por estar. No pretendo levantar nenhuma bandeira de nenhuma linha religiosa. Mas se tudo for culpa do acaso, creio que a vida perderia o sentido. No haveria motivos para sermos bons e nem para amarmos. Preste ateno, a Fsica Quntica esta a trazendo novas verdades. Revelando que existe algo alm do puramente material, algo que no enxergamos. Para compreender melhor, recomendo a leitura da obra Fsica Quntica e Espiritualidade Larcio Fonseca.

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COISAS QUE ME FAZEM REFLETIR... Msica: Gruvi Quantico Artista: Forfun [...] Embriagada no egosmo que lhe embaa a viso A humanidade enxerga a vida como competio O concreto toma conta do que era verde Desequilbrio, misria, fome e sede Essa lgica corri os seres humanos [...] Ignora o fato da existncia de outros planos E nos afasta de avanos espirituais Luz, preencha todo o meu ser E mostre o que podemos ver Alm do que material, se encontra a alegria Flui, em tudo uma fora maior Que cria e muda pra melhor Que s quer ver voc danar Em sintonia Crianada na rua brincando [...] O barulho da chuva que te lava a alma Um sorriso, um brinde, um abraoLeandro Jos Severgnini - 37 -

Gratido, peito aberto no espao Quando a me natureza te devolve calma Neoliberalismo, monocultura, padronizao O aquecimento global j no fico Movidos pelo lucro, a vaidade e o poder Homens mortos pelo ego antes de nascer Na nova era chega Terra a nova concepo Respiro fundo, fecho os olhos, de p permaneo Abro ao cosmos as janelas do meu corao Entrego, confio, aceito e agradeo

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CAPTULO 4 PRINCPIO DA EVOLUOO conhecimento o nico bem que se adquire por toda a eternidade. Dilson de Oliveira Nunes

Terceira srie do ensino fundamental, o incio de uma mudana. Por qu? Bom, at ento eu era carregado no colo pelas pessoas, no era l um grande problema, afinal naquela poca eu tinha entre nove e dez anos e no pesava nem 20 kg, no que eu fosse raqutico, mas minha herana gentica com certeza no tinha propenso a me construir um corpo volumoso. Pra mim no era nenhum problema ser carregado no colo, desde meu nascimento minha realidade era essa, nunca me vi de outra forma. Surpresa! Grande surpresa! Certa tarde, Seu Afonso apareceu na porta da sala de aula dizendo que a diretora estava pedindo a minha presena na sua sala. Na hora comearam os murmurinhos dos colegas: ser que ele aprontou?. Quando cheguei l carregado nos braos do Seu Afonso, bastante assustado, ela tratou de tranquilizar-me dizendo que tinha um presente pra mim. Minha mente infantil fantasiava mil e um presentes mirabolantes. Na verdade, o que ela trouxe toda sorridente e com ar de satisfao, era uma cadeira de rodas. Era uma grande conquista para ela e toda a direo, mas pra mim no. No se surpreenda por afirmar que me senti muitoLeandro Jos Severgnini - 39 -

deprimido com aquele presente. Eu no estava entendendo que iria poupar e muito os msculos do Seu Afonso, das serventes, que minha locomoo seria muito mais fcil e sem qualquer esforo, meus prprios colegas poderiam me levar para onde eu quisesse. Talvez, inconscientemente eu tivesse perdido aquela sensao de proteo que eu tinha quando um adulto me carregava, sem contar que em uma cidade pequena, uma cadeira de rodas inevitavelmente chamaria ateno de todos. Sentimentos de d, compaixo e piedade brotariam nas pessoas, tambm vontade de ajudar. Sem muito conhecimento minha mente orgulhosa dizia-me que isso no era bom. Foram inmeras as vezes que eu saia para algum passeio com a turma, ou atividades extraclasse pelo centro da cidade, cruzando com pessoas menos espiritualizadas, eu ouvia o murmurinho: Pobre coitado!, ou ainda, Olha a situao daquele infeliz, que vida triste!, e muitos outros comentrios infelizes de quem tinham o bsico para uma vida tranqila, inclusive pernas saudveis, porm s v desgraas em tudo que est ao seu redor. Ledo engano. Neste estado de incompreenso, acabam atraindo para si provveis dores e sofrimentos que nem eu nunca senti. Lembrar e agradecer a Deus por eu ter uma deficincia saudvel tarefa diria. Simplesmente no posso reclamar, depois daqueles exames doloridos o meu corpo acomodou-se e ao longo desses anos da minha vida eDias de Luta, Dias de Glria - 40 -

at o presente momento, sentindo pouqussimas dores em meu corpo, apesar de toda fragilidade, de estar sempre abaixo do peso, de no ter a mnima defesa e equilbrio muscular, de ter que usar um colete postural para a coluna, extremamente duro e desconfortvel, que a princpio era s para manter a coluna ereta, mas que mais tarde se tornou indispensvel para que eu pudesse me manter sentado. *** Note que eu usava a cadeira de rodas apenas na escola, em casa no. Sei l, no gostava disso. Como comentei anteriormente, me sentia inferiorizado. Ainda no sei ao certo o motivo. Quando estava em casa preferia me arrastar pelo cho, como uma criana. At mais ou menos 12 anos tinha certa desenvoltura para me arrastar pelo cho, muitas vezes at saa de dentro de casa e ia at o galpo onde meu pai tinha suas ferramentas de trabalho, alguns animais tambm eram mantidos por l: galinhas, gatos, cachorros e pombas. Minha me tambm no comungava da ideia que eu usasse cadeira de rodas, pois segundo conselho dado por um mdico ortopedista de Curitiba, eu poderia me tornar dependente da cadeira acomodando-me, no fazendo nenhum tipo de esforo, o que agravaria minha sade. Talvez nem esse mdico conhecesse a gravidade do meu caso em nveis musculares, ou preferia que ns no soubssemos da verdade, que mesmoLeandro Jos Severgnini - 41 -

assim, mais tarde veio tona de forma inevitvel. Inclusive eu fui alertado por minha famlia, de forma exaustiva, para praticar todo tipo de esforo possvel para retardar a perda de movimentos. Mas infelizmente, eu no dava crdito. Ainda hoje me lembro das palavras de uma fisioterapeuta que disse que a distrofia muscular uma doena muito traioeira e ingrata, pois apesar de todo o esforo e tcnicas empregadas, o resultado era nfimo, quase desanimador. Hoje sei que qualquer tipo de exerccio ou tcnica fisioterpica que eu fizer uso no me trar de volta os movimentos perdidos, no mximo faro com que meus rgos internos trabalhem de maneira mais saudvel e a circulao sangunea fique mais harmoniosa. Para minha decepo e da minha famlia, as previses foram se confirmando e aos poucos, os movimentos diminuam ano a ano, chegando a nveis crticos anos depois. *** Voltando ao relato. Dada a noticia da cadeira de rodas, esbocei um falso sorriso de contentamento, fui levado para a sala de aula, j sentado na cadeira estava muito envergonhado. Sei l, mas pela primeira vez eu me senti diferente. Quando meus colegas viram, ficaram todos felizes por mim. Mas eu, sempre desconfiado, acreditava que no estavam sendo sinceros nas suas demonstraes de alegria. Eu estava experimentando aDias de Luta, Dias de Glria - 42 -

sensao de ter sido trado pelo meu prprio orgulho, agora no me via mais como um ser independente e dono de mim, algo que na verdade nunca fui. Eu dependia de um arranjo de ferros para me locomover. E o pior, nem era eu que ficava no comando. Tudo bem, eu podia solicitar que algum me guiasse e me levasse para onde quisesse minha vontade, mas nem sempre isso acontecia. Naquela escola tinha muita gente boa, mas tambm tinha outras crianas que no exerciam uma educao baseada na caridade e respeito ao prximo. Eles viam em mim e na cadeira um brinquedo, um instrumento de diverso muito bom para eles, como se fosse um carro de corrida, como se ningum estive em risco com suas manobras perigosas. Muito divertido para quem assistia, mas no para mim. Levei meses para me acostumar e me sentir beneficiado pela cadeira. Empolgava-me, porm poucos minutos eram necessrios para que eu voltasse a no gostar dela. Imagine voc, sentado numa cadeira de rodas, guiado por algum sem escrpulos que saciava seu ego ao descer em alta velocidade numa rua muito inclinada, onde que gritar pare era o mesmo que dizer continue rpido. Perdi a conta de quantos tombos levei, quantas vezes torci meu p na engrenagem da cadeira, por causa das viradas bruscas, muitas noites mal dormidas com dores agudas nos machucados. E olha que no foram poucas s vezes em que me dirigi direoLeandro Jos Severgnini - 43 -

da escola para solicitar punio aos manobristas, e tudo o que eu ouvi foi: - Mas Leandro, voc tem que dizer a eles que no faam mais isso! Tudo contribua para que aquelas cenas continuassem acontecendo. Mas hoje entendo que isso aconteceu por alguns motivos que ainda so misteriosos, mas que fazem as dores e os medos se tornarem insignificantes, e um desses motivos foi conhecer um senhor de alma nobre, realmente algum muito especial. Vamos identific-lo por Vov T. Era um aposentado residente em uma cidade vizinha, a mais ou menos 20 km da minha pacata So Jos do Cedro. Quem me levou at ele foi meu pai, que por ser o verdureiro que vendia de porta em porta, conhecia de cabo a rabo a nossa cidade e as cidades vizinhas. Vrias vezes me dirigi ao Vov T para que ele, com suas massagens indolores, desse um jeito nos meus nervos e msculos torcidos. Alm de aposentado, era popularmente chamado de arrumador de ossos. Fazia esse trabalho com maestria e nunca me cobrou um centavo sequer. Ele tinha uma mo de anjo, coisa que nunca presenciei com outra pessoa. O que mais me fascinava nele era o sentimento paternal que ele tinha comigo. Logo na segunda ou terceira vez que fui at sua casa e impressionei-me com suas palavras: - Eu vou cuidar bem desse menino, porque gosto dele como se fosse meu filho!Dias de Luta, Dias de Glria - 44 -

Mas como pode? Eu nunca ofereci nada a ele alm de um muito obrigado. Na poca eu no entendia nada, at achava que ele no batia muito bem das ideias. Mas hoje encontrei a resposta e entendo que o Vov T, assim como seu Afonso e tantos outros que cruzaram minha vida tinham! A bondade j impregnada em suas almas. Uma doura adquirida atravs de anos de prtica da caridade. Pessoas como essas se alimentam e se sentem remuneradas simplesmente com um sorriso de agradecimento. baseado nesses preceitos que hoje, venho recebendo muitas provas sobre a veracidade da Doutrina Esprita, e que suas teses trazem um sentido lgico. No caso, o que mais alm da Teoria da Evoluo Espiritual2 poderia explicar o fato dessas pessoas serem to bondosas e especiais contrastando com tantas outras que vemos por a? Pense um pouco sobre as pessoas que cruzaram suas vidas. J no acontece que logo no primeiro encontro com algum, temos uma grande simpatia ou uma grande repugnncia por essa pessoa mesmo antes de conhec-la melhor? - Duvido quem nunca ouviu ou usou essa frase: No sei o porque, mas no fui com a cara dessa pessoa. Ou ainda: Olhe para aquela2Segundo Allan Kardec: Desconhecemos a origem e o modo de criao dos Espritos; apenas sabemos que eles so criados simples e ignorantes, isto , sem cincia e sem conhecimento, porm perfectveis e com igual aptido para tudo adquirirem e tudo conhecerem. Na opinio de alguns filsofos espiritualistas, o princpio inteligente, distinto do princpio material, se individualiza e elabora, passando pelos diversos graus da animalidade. a que a alma se ensaia para a vida e desenvolve, pelo exerccio, suas primeiras faculdades. Esse seria, por assim dizer, o perodo de incubao. Haveria assim filiao espiritual do animal para o homem, como h filiao corporal.

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pessoa, parece que eu a conheo de algum lugar. algo para refletir. Veja bem e tente compreender que meu objetivo neste livro no fazer propaganda ou defender esta ou aquela instituio religiosa, apenas mostrar respostas que encontrei ao longo desta minha existncia, pois no me contentava em ser simples fruto do acaso. Na verdade, entendo que muitos questionamentos feitos pelas pessoas, ficam sem resposta objetiva, por comodismo e falta de coragem para buscarem as respostas.

Dias de Luta, Dias de Glria

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COISAS QUE ME FAZEM REFLETIR... Msica: Hino do Rio Grande do Sul Composio: Francisco Pinto da Fontoura / Joaquim Jos de Mendanha [...] Mostremos valor constncia Nesta mpia e injusta guerra Sirvam nossas faanhas De modelo a toda Terra [...] Mas no basta pra ser livre Ser forte, aguerrido e bravo Povo que no tem virtude Acaba por ser escravo

Leandro Jos Severgnini

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CAPTULO 5 ESCOLHAS ERRADAS!...O conhecimento como a vida: todos tm, mas poucos o valorizam... Otvio Coelho

Nesta minha fase, estava eu no ginsio, que hoje corresponde ao ensino fundamental. Imagine o tamanho da minha ansiedade, quinta srie, com muita expectativa com as disciplinas, quem iria encontrar pela frente e, quantos e quais seriam meus novos amigos. Sabia que encontraria disciplinas novas, como por exemplo ingls, que me causava grande interesse. Boa parte de minha turma eram alunos baixa renda que vinham do trabalho agrcola, filhos de agricultores, e tinham poucas condies de adquirir os materiais escolares necessrios para um estudo mais aprofundado. Eu pelo contrrio, sempre adquiri os melhores materiais graas condio financeira de meu pai, que no era privilegiada, mas era o suficiente para levarmos uma vida com certo conforto. Mas hoje lamento por no ter aproveitado o quanto deveria ou o quanto minha famlia esperava de mim em termos de dedicao escolar. Um dos meus colegas, um destes desprovidos, com precrias condies, era um dos mais interessados. Suas iniciais eram TB. Em tese ele seria um grande exemplo a ser seguido por mim e meus colegas, mas infelizmente ningum percebia aDias de Luta, Dias de Glria - 48 -

lio que ele nos passava. Como eu recebia muito ou tudo que era necessrio sem passar pelas dificuldades que TB passava, eu no valorizava adequadamente o que tinha, inclusive com os materiais de estudo, diferente deste meu colega citado, que sabia o verdadeiro valor do conhecimento, dos estudos e por isso, valorizava-o de forma muito significativa. Para mim, naquele momento era mais interessante e divertido, cabular aula para jogar baralho junto com outros colegas meus que tinham a mesma e lamentvel percepo dos estudos. Ns nos perguntvamos: -Quando que vamos usar a frmula de Bskara ou aquelas outras contas sem fundamento das aulas de fsica e de qumica?. Nesta poca eu gostava muito de jogar baralho com meus colegas, porm era usado por eles como bode expiatrio para as brincadeiras de mau gosto. No fundo, o que mais me motivava a cabular aulas e ignorar os estudos, era a chance de conseguir me socializar, arrumar amigos, estar entre amigos ou ser admirado pelo restante da turma como um dos mais divertidos. Por isso gostava de chamar ateno, acompanhando-os nas suas farras. No me importava com as consequncias. Alm do mais eu no tinha opinio prpria sobre a questo das atitudes dos meus colegas farristas, pois admirava e concordava com tudo o que eles faziam. Eram sempre os mais famosos eLeandro Jos Severgnini - 49 -

comentados na escola. Contrariar as ordens da professora era divertido e dava sensao de poder, como por exemplo, usar bon dentro da sala, ir sem uniforme para a aula, no fazer temas ou deveres de casa, etc... Por causa dessas brincadeiras, muitas vezes meus pais foram chamados para conversar com a direo da escola para estarem cientes das confuses que ocorriam. Meus pais sempre usando de boa ndole, investiam em inmeras tentativas para me disciplinar com conversas e castigos eventuais. Por exemplo, ficar sem vdeo game ou mesmo outras diverses das quais eu gostava. Nunca usaram de castigos fsicos. No momento das conversas, at me arrependia e reconhecia meus erros, mas cada vez que voltava escola e me encontrava com os tais colegas a vontade de aparecer e estar em destaque era maior. Desde a quinta srie at o final do ensino fundamental, sempre fui aprovado com as notas mnimas necessrias para a aprovao, o que causava desgosto famlia, pois sabiam que eu tinha condies para melhores resultados. Sempre mantiveram f nisso e procuraram me trazem noes de comportamento exemplar. Hoje minhas convices e percepes se alteraram drasticamente. Dou valor a todo o tipo de conhecimento. Leio todo o tipo de material. Pesquiso na internet e em revistas digitais sobre tudo o que possa me fortalecer como ser humano. A nica lio daqueles tempos que trago comigoDias de Luta, Dias de Glria - 50 -

do arrependimento pelo conhecimento desperdiado, pelo esforo e amor dos pais que no foram colocados devidamente na balana. Dos funcionrios pblicos escolares que no tinham obrigao nenhuma de investir esforo fsico na minha locomoo e fizeram sem pedir nada em troca. Periodicamente, eu ouvia algumas pessoas mais experientes dizerem que estavam profundamente arrependidos por ter desdenhado das preciosas oportunidades de acumular conhecimentos. Mas eu sempre pensava que era simplesmente papo chato de gente mais velha. Sinto-me obrigado a alert-los para no cometerem o mesmo erro arcaico e desprezvel que eu cometi outrora. Momentos de folia e alegria so importantes, mas existem locais e horas apropriadas para isso, que por sinal no na escola. uma questo de educao, disciplina e respeito ao profissional que l est para nos dar acesso ao bem mais precioso que existe: o conhecimento. E acima de tudo respeito consigo mesmo, pois a troca do conhecimento pela diverso no vai acrescentar nada a si, s vai retardar a sua evoluo.

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COISAS QUE ME FAZEM REFLETIR... Msica: Primeiros Erros Artista: Capital Inicial [...] Se um dia eu pudesse ver Meu passado inteiro E fizesse parar de chover Nos primeiros erros Meu corpo viraria sol Minha mente viraria sol Mas s chove, chove Chove, chove [...]

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CAPTULO 6 VIDA SOCIAL FORA DA ESCOLA...No devemos acreditar na maioria que diz que apenas as pessoas livres podem ser educadas, mas sim acreditar nos filsofos que dizem que s as pessoas educadas so livres... Epteto

Da stima srie em diante, eu j no era mais aquela figura to rebelde. J no procurava chamar a ateno com indisciplinas e comportamentos inadequados. Queria ser bem quisto pelos outros com mritos prprios. Gostava de estar enturmado por ser uma pessoa consciente de meus atos. Muitas vezes, no incio de cada semana, ouvia meus colegas comentando sobre suas aventuras no final de semana. Em seus relatos procuravam sempre destacar, entre os jovens da mesma faixa etria, como era andar com pessoas mais conhecidas, que eram melhor remuneradas, que mais se exibiam com suas posses, seus carros, suas roupas de marca, etc. Puro orgulho. Algumas meninas, colegas minhas, fingiam uma amizade leal e duradoura entre si, quando seus verdadeiros objetivos eram se exibir uma para a outra e aparecer com maior destaque social com os namorados e ficantes mais conhecidos. Aquilo espetava meu orgulho, porque no tinha nada a exibir. A nica forma que eu encontrava de ser incluso no grupo era ouvindoLeandro Jos Severgnini - 53 -

e fingindo acreditar em seus relatos nem sempre verdadeiros. *** Eu continuava morando longe do centro da cidade e minha locomoo para os eventos sociais, praticamente no existia. Tinha alguns amigos que me visitavam com certa frequncia e passvamos horas juntos, mas fora disso, no havia outro contato social alm da escola. Na poca das frias escolares me sentia muito deprimido, mas no por estar ausente dos estudos e sim por estar longe dos colegas de aula e praticamente isolado do convvio social. Mas nesta poca recebi um fantstico presente que mudou radicalmente a minha vida em todos os sentidos e que vem colaborando at hoje para a minha autonomia. Graas a iniciativa de pessoas prximas de mim e da minha famlia, que buscaram ajuda junto a polticos estaduais e conseguiram para minha locomoo uma cadeira de rodas motorizada. Este presente veio na hora certa, pois era o momento em que a musculatura ligada minha coluna comeava a ser afetada e, aos poucos, a flacidez da musculatura local ia aumentando fazendo com que eu fosse gradativamente perdendo o equilbrio. E para piorar, eu estava ganhando peso devido ao meu crescimento e isto dificultava o trabalho das pessoas que carregavam-me, principalmente meus pais que j no eram to jovens.Dias de Luta, Dias de Glria - 54 -

No momento de receber o presente, tive certo desconforto emocional, pois me dei conta de que as pessoas, inclusive de minha prpria famlia, j aceitavam tranquilamente a ideia de que a cura da deficincia e a volta dos meus movimentos jamais aconteceriam, era o fim da linha. E ao mesmo tempo o desconforto se devia ao fato de saber que assim chamaria ainda mais a ateno das pessoas que me vissem. Aos poucos fui percebendo que iria me beneficiar em funo da facilidade que este equipamento proporcionava. Tive oportunidade de sair com alguns amigos para o centro da cidade nos fins de semana e em algumas ocasies quando havia atividades diferentes na escola. Desta forma no me sentiria mais to isolado, pois nenhum dos meus colegas estava preocupado se eu queria estar com eles ou no e, vrias vezes eu acabava ficando sozinho, apenas olhando ao meu redor, sendo um mero expectador da sensao de liberdade que os outros experimentavam. Com certeza minha vontade era que me levassem junto para qualquer lugar que fossem. Mas como isso raramente acontecia, sentia-me muito feliz quando tinha a oportunidade de ir com a cadeira motorizada, que por sinal dependia da disponibilidade de meu pai para lev-la, j que a cadeira no de fcil locomoo, pois pesa aproximadamente 60 kg e no pode ser fechada como as demais. Precisa ser um carro que tenha carroceria, tipo camioneta.Leandro Jos Severgnini - 55 -

O que mais me causava frustrao no era tanto o fato de as pessoas no me levarem ou me convidarem para os seus programas, mas sim a minha vergonha em pedir ajuda para me levarem junto. Ento graas a cadeira motorizada, tinha maior liberdade de seguir meus amigos sem precisar pedir ajuda. Hoje entendo a posio deles, naquela poca, pois caso se preocupassem em estar me locomovendo de um lado para o outro criavam limitaes em suas prprias diverses. Resumindo, eu seria um estraga prazeres! Devido ao fato de que poucas pessoas da escola me davam a ateno que eu desejava e necessitava, acontecia algo que me incomodava e me causava problemas at poucos anos atrs. Poucas meninas amigas me prestavam auxlio e com simples prova de amizade, acabavam preenchendo o vazio que eu sentia e isso me levava a confundir as intenes, me despertando outros sentimentos que no eram recprocos. Via algo alm da realidade. Mas o que pensar? Poucas pessoas me faziam companhia e demonstravam amizade, quando aparecia algum do sexo oposto e que demonstrava sentimentos de carinho e de amizade, estava eu l imaginando coisas. Justamente no ltimo ano do ensino fundamental, este sentimento veio tona com mais intensidade, pois sabia eu que algo negativo tinha grande possibilidade de acontecer. Era a mudana de escola. A mudana de turma e a separaoDias de Luta, Dias de Glria - 56 -

daqueles poucos amigos que levei anos para conquistar. Teria que comear tudo de novo.

Leandro Jos Severgnini

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COISAS QUE ME FAZEM REFLETIR... Msica: Senhor do tempo Artista: Charlie Brown Jr. [...] Eu tenho habilidade de fazer histrias tristes Virarem melodia vou vivendo o dia-a-dia. Na paz, na moral, na humilde busco s sabedoria Aprendendo todo dia [...] O tempo passa e um dia a gente aprende Hoje eu sei realmente o que faz a minha mente Eu vi o tempo passar vi pouca coisa mudar Ento tomei um caminho diferente Tanta gente equivocada faz mal uso da palavra Falam, falam o tempo todo mas no tem nada a dizer [...] O tempo rei, e a vida uma lio E um dia a gente cresce E conhece nossa essncia e ganha experincia E aprende o que raiz ento cria conscincia. Tem gente que reclama da vida o tempo todo Mas a lei da vida quem dita o fim do jogo Eu vi de perto o que neguinho capaz por dinheiroDias de Luta, Dias de Glria - 58 -

Eu conheci o prprio lobo na pele de um cordeiro [...] Vem que o bom astral vai dominar o mundo! Eu j briguei com a vida, hoje eu vivo bem com tudo mundo a [...] Viver pra ser melhor tambm um jeito de levar a vida.

Leandro Jos Severgnini

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CAPTULO 7 MUDANA DE ESCOLA!...O Homo se diz Sapiens, mas o que mais parece lhe faltar sapincia... Forfun

Como eu estudava no perodo vespertino, seria grande a possibilidade de perder alguns colegas, pois muitos deles iriam mudar de turno passando a estudar no perodo matutino, justamente aqueles que eu mais prezava. Com muita dificuldade consegui convencer a famlia a me matricular no perodo matutino, argumentando que a separao dos colegas me traria prejuzo de adaptao e isso acabaria por prejudicar meus estudos. Antes mesmo de comear os estudos no ensino mdio um grande problema estava aparecendo, no poderia levar a cadeira de rodas manual que usava na outra escola. Com a ajuda de meu pai fomos em busca de outra cadeira que pudesse usar na escola permanentemente sem causar prejuzos a outras pessoas ou sem correr o risco de algum us-la e eu ficar sem, pois nesse estgio eu j no me equilibrava adequadamente em cadeiras normais. Com muito custo, conseguimos uma cadeira emprestada por um rgo social, at que fosse necessrio. Se no bastasse o problema da cadeira, tambm tive muita dificuldade de encontrar um meio de transporte que me levasse de casa at a escola. O transporte que eu usava anteriormenteDias de Luta, Dias de Glria - 60 -

era oferecido somente aos alunos do nvel fundamental. Quando a famlia estava praticamente desistindo de buscar transporte e eu estava conformado com a ideia de parar os estudos, conseguimos uma lotao de outra escola, que no tinha nada a ver com a escola que eu iria frequentar. Logo no primeiro dia de aula, fui um dos primeiros a chegar nova escola levado por meu pai com a cadeira motorizado. De cara encontrei um conhecido que me causou alvio. No estava mais perdido. Passei alguns minutos conversando com ele e nem me dei conta de que aquela nova escola era muito mais movimentada que a outra. Muito mais pessoas desconhecidas. Neste primeiro dia no cheguei a me preocupar muito com a minha socializao, pois estava com a cadeira motorizada e desse modo poderia me locomover sem precisar da ajuda de estranhos. Naquele momento estava com certa autonomia, desfrutando de liberdade e sem precisar pisar em meu prprio orgulho pedindo ajuda. No normal que pessoas na minha condio se sentam acanhadas quando precisam pedir ajuda, mas eu sim, e como!? E essa foi uma das maiores barreiras que encontrei em mim, como se j no bastassem s barreiras fsicas, ainda tinha barreiras psicolgicas, certamente acompanhadas de um pouco de orgulho. Momentos antes de cada turma entrar em sua devida sala, aLeandro Jos Severgnini - 61 -

diretora do educandrio convocou todos os alunos a se fazerem presente no ptio da escola, para dar as boas vindas e desejar um ano letivo proveitoso. Aps isso, ento, entramos na sala de aula, e j procurei sentar o mais prximo possvel dos colegas da escola anterior, que por sinal eram pouqussimos, sem contar que havia duas turmas para a mesma srie, o que acabou nos dividindo. Naquele primeiro momento me senti tranquilo. Aos poucos os professores foram se apresentando e dando uma prvia dos assuntos que seriam abordados em suas disciplinas no decorrer do semestre letivo. Por sinal, naquele ano foi implantado um novo sistema de educao que consistia em avaliar os alunos e aprovar ou no, semestralmente, no era mais anualmente. Sistema muito semelhante ao que encontramos hoje nas universidades que so chamados perodos ou fases. Apenas um temperinho a mais para dificultar minha adaptao escolar. Ao longo do semestre me senti perdido e desfocado em vrios sentidos. Mas o que mais me causou prejuzos e muito esforo foi me enturmar com algum dos vrios grupinhos de amigos que havia dentro da turma. E nesse vai-e-vem me desfoquei completamente do objetivo principal, que era estudar. Vocs podem perceber que, como aluno, fui um timo exemplo de como no se comportar na escola. Agindo da mesma forma que em anos anteriores, procuravaDias de Luta, Dias de Glria - 62 -

estar entre os bam-bam-bam da turma. Quando finalmente encontrei um colega que gostava da minha companhia e me aceitava sem exigir nada, porm no dei o valor necessrio a essa amizade. No que eu o tenha tratado mal, mas podia e devia ter feito mais por ele. Mas tudo bem, com o intuito inconsciente de manter sua amizade para no ficar sozinho novamente, o tratei relativamente bem e o ajudava em algumas disciplinas, pois por incrvel que parea, seu desempenho era inferior ao meu. E para piorar, sentvamos no fundo. Logo estvamos entre os que mais recebiam chamados de ateno dos professores. O grau de interesse era baixssimo e as notas eram lastimveis. Volto a repetir o que frisei anteriormente; se pudesse voltar no tempo, tudo seria diferente! Hoje valorizo a informao, o conhecimento e a sabedoria como nunca valorizei antes. Mudei muito minhas atitudes, principalmente quando percebi que as amizades eram passageiras e eu, equivocadamente, valorizava muito mais as companhias do que a absoro de conhecimento. Prezo muito o ato-pensado e o raciocnio analtico das atitudes a serem tomadas. E em consequncia disso, defendo at o fim dos meus dias a pacincia e a tolerncia para com os erros e os equvocos dos outros. Porque eu tambm j cometi erros dos quais me envergonho. Muitos no tiveram pacincia, outros tiveram. Por isso esses ltimos, admiro-os e guardo-os em umLeandro Jos Severgnini - 63 -

lugar especial no meu corao. Mas voltando ao assunto, lembra daquela minha amiga que me tratava muito bem, e eu ingnuo acabei interpretando de forma equivocada seus sentimentos? Ento, ela ocupava 50% dos meus pensamentos e energias, os outros 50% eu ocupava pensando numa maneira de expor meus sentimentos, dizer a ela o que sentia. Nossa relao de amizade, claro estava num ponto muito agradvel, quase irmos. As contas de telefone que o digam. Eram horas e horas de conversas e segredos divididos. At que chegou um momento que decidi que a melhor coisa a fazer era me abrir e contar a verdade, j no suportava carregar aquele sentimento. Pssima deciso. Depois disso, apesar de vrios esforos, nunca mais consegui retomar nossa amizade e confiana. Poderia ter servido de lio, se eu no tivesse cometido o mesmo erro outras vezes, com outras pessoas. E este foi mais um dos fatores que me tirou o pouco de nimo que ainda me restava para o estudo. E chegando aos finalmentes do semestre, o desempenho no podia ser mais desanimador. Um pequeno detalhe, como a avaliao era semestral, no havia a possibilidade de fazer a prova final de recuperao de notas. O aluno era aprovado ou reprovado, simples assim. Como no podia ser de outra forma, no dia do resultado a minha expectativa no era das melhores, pois sabia que no tinha mais como reverter aquela situao. Na noite daqueleDias de Luta, Dias de Glria - 64 -

dia, liguei para uma colega e pedi se ela tinha conhecimento do meu resultado, e fui notificado por telefone mesmo, que eu estava reprovado. Larguei o telefone, fui ao quarto mais escuro da casa e deixei as lgrimas rolarem. No sei ao certo se as lgrimas eram pelo tempo perdido ou pela distncia e falta de contato que teria da colega preferida, talvez ambos! Poucos dias depois, quando meu pai estava envolvido na minha matrcula, tivemos a notcia de que a turma dos repetentes teria aulas somente no perodo noturno, justamente no turno que no havia transporte pblico municipal para minha locomoo at o educandrio. Como consequncia disso, fiquei a segunda metade do ano sem estudar e exercer qualquer outra atividade educativa. Era um dos momentos mais frustrantes que eu enfrentava. Imagine s, se eu mal continha a ansiedade de que acabasse logo as frias que eram apenas dois meses, para voltar as aulas e reencontrar os amigos, o que seria de mim ter de ficar at o ano seguinte entocado em casa, esperando o tempo passar. Eu sempre tive desejos e percepes diferentes das pessoas da minha idade, afinal, todos desejavam que as frias chegassem o mais rpido possvel. Mas eu no, eu queria mais que houvesse aula mesmo. Mas com certeza no era gana de estudar, e sim estar perto de outras pessoas e amigos. Apesar do grande esforo mental que estou fazendo praLeandro Jos Severgnini - 65 -

lembrar-me de como passei aqueles meses, nada me vem lembrana. Provavelmente porque os dias foram montonos e porque no aconteceu nada que valha a pena ser lembrado. Creio que foi durante esses meses que despertei minha paixo por computador. Mexia em tudo o que era possvel at estragar e ter de chamar a assistncia tcnica. Aos poucos fui fuando mais e mais at conseguir dar jeito nos problemas que eu mesmo causava. Posso estar enganado, mas se no me falha a memria, tambm foi dentro desse perodo que fui presenteado pelo governo estadual com uma cadeira de rodas nova, para usar na escola nova, no ano seguinte, feita sob medida, de fcil manuseio para quem me ajuda e muito mais confortvel, e que vem sendo til at os dias atuais. Assim pude devolver a cadeira emprestada. Na poca, no parava para pensar no esforo coletivo que se fazia necessrio para eu fosse escola, e dessa forma ocupei minha mente com assuntos que no me trouxeram resultado algum. E o objetivo principal estava sendo deixado de lado. Afinal, ningum me levava escola para namorar e bagunar, mas sim para estudar. Como diriam os antigos, eu estava sendo muito mal agradecido.

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COISAS QUE ME FAZEM REFLETIR... Msica: Nova Ordem Artista: Chimarruts [...] H uma nova ordem na terra vinda de outro lugar ( s sentir) Que a vida conspira a favor para quem sabe amar Caia, levante Eleve a vibrao A nova ordem agora ajudar o seu irmo Humildade saber viver Pra frente e ser feliz Quem luta do from da vida Que difcil persistir Por isso tente entender Que a vida muito mais No quero ver voc Distante da paz Siga a liga, v se te liga Saiba que o amor o que mais vale nessa vida Sei que o amor traz pazLeandro Jos Severgnini - 67 -

Sei que o amor mais Sei que o amor traz paz Sei que o amor mais

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CAPTULO 8 RECOMEO DO ENSINO MDIO...O melhor livro de moral a nossa conscincia. Temos que consult-lo muito frequentemente... Blaise Pascal

Com o meu lamentvel desempenho escolar no ano anterior, minha famlia estava desolada, porm continuei dedicando-me quilo que no era to importante, as brincadeiras e diverses na escola, alm dos namoricos. No acreditavam que eu pudesse voltar escola com mais interesse e um desempenho mais razovel. Quando consegui identificar neles esses sentimentos me senti um fracassado, no por no ter conseguido a aprovao, mas por no ter nem ao menos tentado algo melhor. Aos poucos, na base da conversa e da insistncia, consegui convenc-los que tomaria conscincia do objetivo real de estar na escola. No posso dizer que da em diante fui um aluno exemplar, mas muita coisa mudou, e fiz isso por minha prpria vontade, porque era o mnimo que deveria fazer como aluno. E para no causar novamente o mesmo desgosto minha famlia. Convencer, convencer e convencer. Vocs ainda vo ler muitas vezes essa palavra ao longo do livro. Muitas pessoas at hoje dizem que isso pura teimosia, que sou teimoso e quero que as coisas sejam todas do meu jeito. No vejo dessa forma.Leandro Jos Severgnini - 69 -

Admito que sou deveras insistente. Mas se no fosse assim, no conseguiria nada do que hoje tenho. s vezes, alguns me dizem que minha famlia acaba cedendo por d de mim. Lamento que me vejam dessa forma. Acabo no dando respostas por perceber que isso tpico de pessoas pouco persistentes, que acabam aceitando a vida como ela , e nem se esforam para fazer o melhor. Ao mesmo tempo, agradeo a Deus por no estar nesse estado de ociosidade mental. Admito que, s vezes, exagero um pouco, mas nada que no possa melhorar com o passar do tempo. *** Mas, enfim, comecei novamente os preparativos para o Ensino Mdio, e como no poderia deixar de ser, dificuldades foram aparecendo. que a instituio educativa que me cedeu o transporte no ano anterior no estava mais disposta a repetir a caridade - at hoje no entendo muito bem o motivo. Mas esse problema no durou muito tempo, pois para a minha sorte estava abrindo uma empresa privada de transporte de alunos, e essa me buscava logo cedo e me deixava em casa aps o trmino da aula. E sem muita cerimnia, o bondoso motorista da Van, sentavame na cadeira de rodas e me deixava no corredor em frente a porta, at que o servente abrisse a sala para a entrada dosDias de Luta, Dias de Glria - 70 -

alunos. Por vezes, alguns colegas espontaneamente me locomoviam para dentro da sala, outras vezes me esqueciam l, e eu esperava at o ultimo aluno entrar, na esperana de que algum se desse conta de que eu precisava de ajuda, mas nada. Me sentia esquecido, ignorado, e com a sensao de que minha presena no fazia diferena alguma. Muitas vezes, passados alguns minutos, algum lembrava de mim; e ia me buscar e ao entrar na sala, a turma toda ria, no sei ao certo se riam de mim ou riam comigo. Sem contar aquelas vezes que eu ficava l fora, e quando algum da diretoria me via e gritava para o colgio inteiro ouvir: Te esqueceram a fora, Leandro!. A o constrangimento era total. A primeira vez que entrei naquela turma percebi que havia apenas dois conhecidos. E como sempre, fui logo sentar no fundo, na esperana de me enturmar e ser bem quisto o mais rpido possvel. Afinal, sentar na frente era para os nerds3. Sinceramente, hoje eu me comportaria da mesma forma que os tais nerds, sem constrangimento algum. Como era de costume, os professores iam se apresentando e dando uma pitadinha de suas disciplinas. Quando chegou a vez3Nerd um termo que descreve, de forma estereotipada, muitas vezes com conotao depreciativa, uma pessoa que exerce intensas actividades intelectuais, que so consideradas inadequadas para a sua idade, em detrimento de outras atividades mais populares. Por essa razo, um nerd muitas vezes no participa de atividades fsicas e considerado um solitrio pelos seus pares. Pode descrever uma pessoa que tenha dificuldades de integrao social e seja atrapalhada, mas que nutre grande fascnio por conhecimento ou tecnologia. Sendo assim, o nerd no em todos os casos o mais inteligente ou esperto, mas aquele que se interessa por assuntos, desde conhecimentos em geral animes e sries de fico cientfica, que so ignorados pela maioria. [Disponvel em: acessado em 23/01/2011]

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da terceira professora se apresentar, logo de cara, ela j apontou para mim e disse em tom rspido: - Leandro venha j sentar aqui na frente. A eu pude perceber que minha moral no era das melhores, e que ela lembrava muito bem do meu desempenho no ano anterior. No tive opo, fui sentar nas carteiras da frente, deixando l para trs meus amigos potenciais. Durante o decorrer desse ano eu comeava a sair em festas e eventos noturnos, mas desde que algum de minha confiana me acompanhasse. Algum que eu tivesse certeza que no sairia do meu lado. Eu no ficava sozinho por nada nesse mundo, talvez me sentisse desprotegido, sei l, simplesmente no gostava. Discretamente, comeava a ganhar a admirao de um ou outro, por tentar tornar a minha vida o mais normal possvel e fazer as mesmas coisas que uma pessoa sem minha limitao fsica faz. No sei de que forma posso expressar isso, mas eu sempre tive essa facilidade de ir mentalmente onde minhas pernas no me levavam. E quando isso acontecia, parecia que o mundo conspirava para que meus anseios se concretizassem. As pessoas da sociedade achavam extremamente anormal uma pessoa deficiente tomar conta de sua prpria vida. Na viso de muitos meu lugar era em casa sob os cuidados de minha famlia, como se eu fosse um objeto delicado. Talvez por acabar aceitando internamente esta idia que eu tinha umDias de Luta, Dias de Glria - 72 -

medo ou uma timidez de me expor na sociedade sem algum ao meu lado. Passei boa parte de minha vida enfrentando este problema, pois eu precisava quebrar os paradigmas, meus e dos demais. Mesmo sem ter esta inteno, eu era uma pessoa visada em qualquer lugar que estivesse, desde a escola at eventos sociais, pois eu era diferente chamava a ateno das pessoas. Ainda bem que poucas vezes tomava conscincia disso, a maior parte do tempo eu estava focado em me divertir e ter uma vida alegre. Pena que eu no tinha controle e levava esta euforia para dentro da sala de aula, lugar absolutamente imprprio para isso. Era muito mais cmodo e prazeroso me virar para trs, conversar e rir com os colegas, do que forar a mente e resolver problemas das disciplinas. Sinceramente, tenho dificuldade em me perdoar por este tipo de atitude, pois hoje valorizo acima de tudo o uso mental para fins produtivos de modo que eu possa apurar meu raciocnio, conhecimento e capacidade de reflexo. Tudo bem, eu disse em pginas anteriores que havia mudado. Mudei, de fato, um pouco menos do que deveria, mas mudei. Lembro-me muito bem de uma professora que certo dia percebendo que eu no estava com a mente longe da sua aula, me disse: - Quem te viu e quem te v, hein Leandro! Logo voc que deveria servir de exemplo para os demais colegas. Na hora reprovei esse comentrio. mas na verdade, ela estavaLeandro Jos Severgnini - 73 -

certssima, ainda bem que percebi isso em hora oportuna. Infelizmente, eu via nos professores a figura de inimigos e no de amigos, instrutores, colaboradores para a minha formao. Hoje me causa preocupao por ver que alguns jovens cultivam a mesma opinio que tive outrora. Hoje estou sentindo na prpria pele o que ser um professor, algo que naquela poca eu jamais desejaria para a minha vida. Trabalho como instrutor de informtica em uma Escola Especial, vinculado APAE de minha cidade de So Jos do Cedro - SC. Gostaria neste momento de dirigir-me aos alunos de modo geral: escola, faculdade ou cursos tcnicos, para dizer-lhes que esta minha passagem como professor me fez perceber que a profisso professor, necessita de maior reconhecimento e respeito. Hoje vejo um professor como sendo um segundo pai, pois alm de nos ensinar os contedos cientficos, tm a preocupao de que nos tornemos seres mais humanos. Esta minha posio pessoal como professor. Conheo alguns que pensam e se portam da mesma forma que eu. Hoje como professor ou instrutor, se preferir reconheo e entendo o ensinamento preconizado pelo mestre Jesus: - No faa ao prximo o que no queres para ti! E mais uma vez, gostaria de poder voltar no tempo e trat-los da forma queDias de Luta, Dias de Glria - 74 -

merecem. Hoje recomendo carinhosamente, como professor da APAE e ao mesmo tempo aluno de uma Universidade, que ns, estudantes precisamos saber diferenciar os momentos de diverso e os momentos que devemos estar comprometidos com o aprendizado ferramenta principal de nossa evoluo. uma questo de respeito, conscincia e disciplina. Creio enfaticamente que sozinhos no poderemos resolver os problemas da sociedade, mas se cada um tiver a conscincia do seu papel na sociedade, das atitudes corretas para cada situao, e agirmos de modo a contribuir com a evoluo do prximo, sutilmente as coisas iro mudando de forma mais ampla e, irreversivelmente a paz e as coisas boas se manifestaro em nossas vidas. Sinto necessidade tambm de dizer que baseado hoje na minha forma de ver e de sentir, devemos colocar acima de qualquer apego s sensaes e prazeres momentneos, o foco na tica e na moral ensinadas por Cristo verdadeiro modelo a ser seguido! *** Mas, voltando a nossa narrativa inicial, o momento mais esperado por mim era sempre as aulas de Educao Fsica. Tudo bem, eu no praticava nenhum exerccio fsico ouLeandro Jos Severgnini - 75 -

atividade desenvolvida nesta disciplina, mas minha mente me colocava no meio da quadra, chutando a bola, como se realmente estivesse l. Algumas vezes procurava participar das atividades como juiz ou tcnico de determinado time, tamanha era a vontade de estar envolvido direta e fisicamente nas atividades. s vezes, em que no tinha esta possibilidade, via minha imagem mental se projetando para dentro da competio e eu sentia a sensao real de estar fisicamente dentro do jogo. Diferentemente do ano anterior, o modo de avaliao voltou a ser anual e tambm as tradicionais sries, como por exemplo, a primeira srie, a segunda srie e assim por diante. Deste modo e tambm com a recordao de fracasso no ano anterior, tive um desempenho um pouco mais prximo do desejvel. Alcancei a condio de ser aprovado, no diretamente, pois tive que fazer vrias provas de recuperao de nota. Conquistei o objetivo, que era passar para a segunda srie do ensino mdio! E de quebra, ainda tinha conquistado alguns amigos e j estava completamente familiarizado com o novo ambiente escolar.

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COISAS QUE ME FAZEM REFLETIR... Msica: Carta aos Missionrios Artista: Biquni Cavado Missionrios de um mundo pago Proliferando dio e destruio Vm dos quatro cantos da terra A morte, a discrdia A ganncia e a guerra E a guerra... Missionrios e misses suicidas Crianas matando Crianas inimigas Generais de todas as naes Fardas bonitas, condecoraes Documentam na nossa histria O seu rastro sujo De sangue e glria... Vindo de todas as partes Mas indo pr lugar algum Assim caminha a raa humana Se devorando um a um Gritei para o horizonte, Ele no me respondeu E ento fechei os olhos, sua voz, Assim me bateu...Leandro Jos Severgnini - 77 -

CAPTULO 9 MALES QUE VM PARA O BEM...A dor possui um grande poder educativo: faz-nos melhores, mais misericordiosos, mais capazes de nos recolhermos em ns mesmos e persuadir-nos de que esta vida no um divertimento, mas um dever... Cesare Cant

E as frias novamente foram longas e sem emoo. Os nicos passatempos eram: televiso, internet e videogame. O lado positivo que eu tinha tempo at mais do que gostaria, para aprender coisas novas sobre o funcionamento e correo de problemas do computador. Algumas vezes at ligava em empresas de assistncia tcnica para dirimir dvidas. Nessa poca eu mesmo j corrigia os problemas de configurao de software; os de hardware peas minha condio fsica no permitia. Quando acontecia de ter que levar o meu computador para conserto, os dias ficavam muito deprimentes, sem meu fiel companheiro, e sem os bate-papos pela internet. Nesses anos era moda os jovens ter um FOTOLOG, que nada mais era do que uma pgina gratuita na internet onde o usurio divulgava fotos suas e de seus amigos. No fundo a inteno era se autopromover, e o pior que funcionava. Era considerado um grande mrito aparecer em fotos nos fotologs mais visitados, e apreciar um momento de fama virtual.Dias de Luta, Dias de Glria - 78 -

Aquela coisa de se conhecer do modo tradicional era coisa do passado. Muitas vezes algumas pessoas se conheciam virtualmente atravs de comentrios do tipo: Oi, te vi no fotolog do fulano, posso tirar uma foto com voc?. Fazer o que! Era o meio de contato social mais eficaz que eu dispunha. E assim passava os dias, aguardando a entrada do ano letivo para encontrar novamente os companheiros, torcia o mximo possvel para que houvesse poucos estranhos na turma, para chegar e j me sentir em casa. Tambm desejava que o transporte fosse o mais breve possvel, para que eu pudesse acompanhar a chegada, um a um, dos colegas que dividiriam a turma comigo, com isso j iria me sentir mais a vontade. Senti um contentamento agradvel quando percebi que muitos eram conhecidos e no teria aquela misso desagradvel de ir conhecendo as pessoas aos poucos, para a ento ter a liberdade de solicitar ajuda quando sentisse necessidade. Mas precisava romper essa barreira emocional o mais rpido possvel, pois notava, que ano aps ano, as dificuldades do meu sistema muscular iam aumentando. Nesse perodo, eu j usava um colete para correo postural. Ainda na segunda metade do ensino fundamental, em uma das frequentes visitas ao Hospital de Clnicas de Curitiba Leandro Jos Severgnini - 79 -

PR, recebi a notcia de que para meu prprio bem, precisaria adquirir um colete que devia ser usado regularmente, o mximo de tempo possvel. Havia ainda a possibilidade de uma cirurgia em que seriam introduzidos metais na minha coluna. Mas por que tudo isso? Simples. que a cada uma dessas visitas peridicas que nos ltimos anos j no eram to frequentes assim chegava e ia direto ao setor de exames fazer radiografias da coluna, antes mesmo de ser visto pelo mdico. Os exames ficavam prontos em poucos minutos, ia ento para a sala de espera, aguardar minha vez de entrar no consultrio. O fluxo de pessoas doentes naquele hospital era to grande, que horas e horas se passavam at sermos enfim atendidos pelos mdicos. Lembro-me das ltimas consultas, minha tenso aumentava no momento em que eu entrava no consultrio, pois trazia a amarga lembrana dos anos anteriores em que era verificado que a curvatura da coluna crescia a cada nova radiografia realizada. Ento, meu ortopedista, que era professor da Universidade local e referncia na rea, chegou concluso de que eu necessitava de um aparato que impedisse que o problema se agravasse to rapidamente. A sugesto era o colete de material rgido que seguraria meu tronco o mais ereto possvel poisDias de Luta, Dias de Glria - 80 -

a musculatura da regio no exercia mais esse trabalho ou ainda, a cirurgia anteriormente citada, que era de grande risco. A nica notcia que tive de uma cirurgia com essa finalidade, foi de um jovem de uma cidade vizinha, tambm portador de distrofia muscular. Suas iniciais eram RC, e sua cirurgia havia sido realizada em Braslia DF. O meu mdico desconversou ao ser interrogado sobre sua experincia nesse tipo de cirurgia. Posso estar exagerando, mas creio que seria mais uma cobaia dele. Mas tudo bem, nada que colocasse em risco sua admirvel experincia e seu riqussimo conhecimento na rea. Eu e meus pais voltamos para casa sem saber o que fazer. O colete seria o indicado por no colocar minha vida e minha sade em risco. Mas a cirurgia caso no houve nenhum problema deixaria minha coluna permanentemente ereta. Por isso, j tnhamos um retorno a Curitiba agendado para realizao de exames que tinham como objetivo verificar minha fora e resistncia pulmonar. Nesse meio tempo, fui fazer uma visita ao meu velho amigo RC, acompanhado de meu pai e minha me. Talvez consegussemos alguma informao que nos ajudasse a decidir se a cirurgia deveria ou no ser feita. Ao terminar a visita, sa de sua casa com um misto de preocupao e de alvio. Preocupao porque a experinciaLeandro Jos Severgnini - 81 -

dele com a cirurgia havia sido deveras dolorosa, e RC no recomendava que eu fizesse o procedimento. E aliviado por ver que minha condio fsica e motora era nitidamente melhor que a de RC. Mal sabia eu o que o futuro me reservava, pouco tempo depois estava eu igualzinho a ele, devido a diminuio progressiva da minha mobilidade e elasticidade muscular. A deciso estava praticamente tomada, mas de qualquer forma fomos novamente a Curitiba para realizar os tais exames. O resultado no foi satisfatrio, e minha famlia colocou de vez um ponto final, uma pedra no assunto, apesar da minha disposio de me submeter ao procedimento. No sei porque, mas eu no tinha medo algum. Desta forma, eu e meu pai fizemos outra viagem a Curitiba, mais uma! Para que fosse feito o molde do colete que sustentaria minha coluna. Chegando l, me surpreendi ao ver que o dono e fundador dessa empresa do ramo ortopdico, tambm eram portador de problemas fsicos e suas duas pernas eram mecnicas. At hoje no sei se suas pernas foram amputadas devido a algum tipo de acidente ou por problemas biolgicos. Mas de qualquer forma, percebi que ele, ao contrrio do que muitos fariam, no desanimou, nem se sentiu um desgraado, ou nem mesmo tentou uma aposentadoria por invalidez. Pelo contrrio, buscou dentro de si, fora e determinao para levar uma vidaDias de Luta, Dias de Glria - 82 -

normal, e ainda contribuir para a melhora e recuperao de outras pessoas que tambm passavam por limitaes. Feito o molde base de gesso, no tempo previsto o colete chegou pelo Correio. Minha famlia abriu a caixa entusiasmada. Logo a primeira vista, percebi que era completamente diferente do que eu imaginava. Mas tudo bem. Comecei a us-lo logo pela manh. Passados 20 minutos comecei a sentir dores e desconforto. Logo comecei imaginar como seria aquele dia de aula. Gradativamente as dores aumentavam, eu ia me sentindo preso e quase imobilizado, ento cogitei a possibilidade de us-lo somente em casa, e no o dia todo como foi recomendado pelo mdico, sob a argumentao de que as dores eram intensas. Mas desta vez no consegui convencer meus pais, pois eles sabiam que a coluna continuaria se curvando, e quanto mais eu usasse, menos prejudicaria meus rgos internos. Enfim, foi um mal que veio para o bem. Com o passar do tempo me vi obrigado a fazer adaptaes com espumas, pois j estavam aparecendo hematomas, e era grande o risco de formar uma escara4. E assim fui descobrindo que viver, requer coragem e que eu devia mostrar o melhor empenho possvel. Como se no4 Ferida de graves propores. Morte do tecido local, sujeitando infeco. Leandro Jos Severgnini - 83 -

bastasse a deficincia fsica, o colete era mais um contribuinte para me prender fisicamente. Mas ainda assim, minha mente continuava voando.

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COISAS QUE ME FAZEM REFLETIR... Msica: Perto de Deus Artista: Cidade Negra Yeah! Me d sua mo agora Sair por a E ver o mundo afora Sonhar, chegar... [...] Dizer tudo que eu sinto E o que eu vivi A vida T sendo boa agora Cantar, chegar... Perto de Deus Yeah! Me d sua mo agora Cantei, senti Que a vida t l fora Cantar, voar... Eu tive as chances Que uma vida Pode dar pra algumLeandro Jos Severgnini - 85 -

Cantei Assim senti Que fui muito mais alm Chegar, ficar... Perto de Deus

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CAPTULO 10 BRINCANDO COM A VIDA...A verdadeira felicidade est na prpria casa, entre as alegrias da famlia... Leon Tolstoi

Naquele primeiro dia de aula, j na segunda srie do Ensino Mdio, me senti em casa. Alguns conhecidos me receberam muito bem, outros nem tanto, mas isso normal. Como era de se esperar, fui logo sentar no fundo, onde eu me sentia mais socializado