diálogos sociais

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Dilogos SociaisReflexes e Experincias para a Sustentabilidade do Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas GeraisAline Amorim Melgao Guimares ngela C. Porto Breno Gonalves dos Santos Carlos Aberto Dayrell Carlos Eduardo Mazzetto Silva Cid Wildhagen (org.) Claudia Luz de Oliveira Francisco Carvalho Duarte Filho Joo Silveira d'Angelis Filho Joo Valdir Alves de Souza Justine Bueno Marcos Antnio Nunes Miguel Fernandes Felippe Mnica Alves Gonalves Roberto Marinho Alves da Silva Rodrigo Bandeira de Luna

Belo Horizonte Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais 2008

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Governador do Estado de Minas Gerais Acio Neves da Cunha Secretria de Estado Extraordinria para o Desenvolvimento dos Vales do Jequitinhonha, do Mucuri e do Nor te de Minas Elbe Brando Diretora Geral do Idene Rachel Tupynamb de Ulha Vice Diretor Walter Antnio Ado Diretor de Planejamento, Gesto e Finanas Jos Augusto de Oliveira Diretora de Coordenao de Programas e Projetos Simone Maria Alves Pereira Diretor Regional do Norte de Minas Paulo Almeida Filho Diretor Tcnico do Norte de Minas Edson Ferreira do Couto Diretora Regional do Vale do Jequitinhonha Margareth Ftima Dias Dures Diretora Regional do Vale do Mucuri Patrcia Rocha Pinheiro Corra Coordenador Editorial da Srie Dilogos Sociais Cid Dutra Wildhagen Secretria do Projeto Mariana Ferreira Colaboradores Daniella Silva Ribeiro Nahissa Harumi Assessoria de Comunicao Social Andresa Resende Projeto Grfico Tratos Culturais Normalizao Bibliogrfica Fernando Corra Bolognini Reviso Ortogrfica Joana Pinto Wildhagen Projeto Editorial Eficaz Comunicao & Marketing Editora Instituto Mineiro de Gesto Social - IMGS Apoio Institucional Fundao de Auxlio Investigao e ao Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico Sustentado - FUNDECIT Realizao do Sistema SEDVAN/IDENE Rua Rio de Janeiro, 471, 12 andar - Centro. Cep: 30160-040 - Belo Horizonte - MG www.idene.mg.gov.br www.bibliotecaidene.org2

Dilogos Sociais: Reflexes e Experincias para a Sustentabilidade do Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais

1 edio Belo Horizonte 2008

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Organizao:

Cid Dutra WildhagenEditorao Eletrnica: Eficaz Comunicao & Marketing Avenida Francisco Sales, 329 - Salas 207/208 Floresta CEP: 30150-220 Belo Horizonte MG Brasil PABX: (0XX31) 3074-6122 e-mail: [email protected] Capa: Adaptado de: www.idene.mg.gov.br Normalizao Bibliogrfica: Fernando Corra Bolognini Impresso: Sografe Editora e Grfica Ltda. Rua Alcobaa, 745 - So Francisco - Belo Horizonte/MG Tiragem: 1.000 exemplares Edio e Distribuio:Instituto Mineiro de Desenvovimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais Rio de Janeiro, N 471 - 10 andar - Centro - CEP : 30.160-040 Belo Horiznte - Minas Gerais - Brasil Telefone: 51 (31) 3279-8500 / 3279-8510 Todos os direitos reservados

Ficha Catalogrfica:

Obs.: Os textos no refletem necessariamente a posio do Instituto Mineiro de Desenvovimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais.

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PREFCIO

Diminuir a distncia entre o governo e a populao, por meio de um aumento significativo dos investimentos nas reas sociais. Diminuir a distncia entre as diversas regies de Minas, estimulando o desenvolvimento de um Estado mais solidrio. Diminuir as diferenas entre as pessoas, criando e democratizando oportunidades. Foram essas as premissas para a criao da Secretaria de Estado Extraordinria para o Desenvolvimento dos Vales do Jequitinhonha, Mucuri e do Norte de Minas (SEDVAN). Porm, como seria organizar polticas pblicas, que fossem capazes de motivar as pessoas, estimular e motivar os cidados a participar politicamente em um contexto de fragmentao e desigualdade social? Este questionamento conduziu a uma outra reflexo: qual poltica econmica a ser organizada pelo Governo de Minas Gerais, no territrio Norte-Nordeste mineiro, capaz de ampliar a percepo, centrada apenas no aumento da renda, e que fosse capaz de ampliar as oportunidades da populao? A interveno direta do Estado, por meio desse novo ator poltico, a SEDVAN, reconhecendo as privaes existentes na regio, conforme vrios indicadores sociais, representou um passo decisivo, e significou a primeira experincia de um governo estadual em que um rgo pblico est inteiramente voltado para o desenvolvimento territorial. Com base nessas questes, buscando cumprir as prioridades definidas pelo governo estadual, elegemos a governana social, conceito em construo, definido como processo que promove um ambiente social de dilogo e cooperao, com alto nvel de democracia e conectividade, estimulando a constituio de parcerias entre muitos setores da sociedade, por meio do protagonismo do cidado. A democracia, dessa forma, um ideal comunitrio, no uma abstrao, algo distante das pessoas. na comunidade que os indivduos e os grupos podem comunicar-se, interagir e compartilhar suas atividades e conseqncias.5

A partir desse conceito, ficou estabelecido o dilogo social - ferramenta na busca da convergncia de idias e sugestes, em questes estruturais e remoo de entraves para a construo de um projeto de desenvolvimento das regies de abrangncia. So princpios norteadores de uma poltica de justia social que fortemente relacionam-se e, ao se aproximarem, potencializam seus resultados, e compe o eixo principal dos programas e projetos organizados em toda a regio. Inauguramos, com essa publicao, a srie Dilogos Sociais - que tem com objetivo ajudar a construir, na teoria e na prtica, uma slida cultura poltica de gesto participativa e temas contemporneos sobre a regio. Esta ao vem sendo realizada por meio de uma srie de conferncias de pensadores das reas da sociologia rural, economia regional, meio ambiente, gesto social, inovaes tecnolgicas, cultura e educao popular. As conferncias buscam afirmar uma viso do desenvolvimento territorial, indicao de rumos, orientaes e posicionamentos sobre os desafios para a construo de um projeto emancipador. Tudo isso, respeitando a transdisciplinariedade, ultrapassando o domnio da viso nica. A tica transdisciplinar recusa toda a atitude que rejeita o dilogo e a discusso, de qualquer origem, seja de ordem ideolgica, cientfica, religiosa, econmica, poltica ou filosfica. Porque no pode existir uma Secretaria de Governo, que leva o nome de nossa regio, se no se respeitar, com convico, a cultura, as prticas e os sonhos daqueles que do cor e vida aos Vales e ao Norte de Minas. Esta a nossa maior riqueza: a nossa cultura, nossa fora e esperana na vida, a cor que colocamos em tudo que fazemos.Belo Horizonte, dezembro de 2008 Secretaria de Estado Extraordinria para o Desenvolvimento dos V ales do Jequitinhonha, Mucuri e do Norte de Minas (SEDVAN).

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APRESENTAO

Cid Wildhagen*

Com o objetivo de disseminar a difuso do conhecimento gerado por pensadores, intelectuais, pesquisadores e especialistas sobre temas de relevncia para as regies Norte e Nordeste de Minas Gerais, lanamos a srie Dilogos Sociais: Reflexes e Experincias para a Sustentabilidade do Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais. As complexidades desta regio se revelam numa imensa diversidade cultural percebida em tudo de artificial produzido: artesanato, arte popular, msica, literatura e dramaturgia. Sob o ponto de vista social, existe uma enorme teia que envolve comunidades desiguais de acampados e assentados de reforma agrria, assalariados rurais, produtores familiares (parceiros, meeiros, posseiros e arrendatrios), proprietrios rurais minifundistas, populaes tradicionais (ribeirinhas, pescadores artesanais, quilombolas), garimpeiros, povos indgenas, atingidos por barragens, comunidades extrativistas, entre outros, alm de cidades modernas. As desigualdades sociais resultam das relaes contraditrias, refletidas na apropriao e dominao originadas na forma de ocupao e colonizao destas regies. O emaranhado de demandas que ele apresenta, esto a exigir a construo interdisciplinar de saberes que sejam capazes de responder muitas questes. Como conhecer e como agir nessa realidade? Quais os significados e identidades deste territrio? Que debates esto nele contidos? Como perceber as opes para a*Cid Wildhagen historiador e atua como Ar ticulador Territorial no Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas. membro da Cmara Tcnica do Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentvel e do Conselho Estadual de Coordenao Cartogrfica.7

sustentabilidade de seu desenvolvimento? Como escolher caminhos? Um conhecimento que envolva a construo dos saberes por meio de dilogos sociais, certamente! Um conhecimento complexo que lana o desafio do desenvolvimento de novos modos de conhecer: este o caminho que esta publicao, primeira de uma srie, prope. Os textos que compe este primeiro nmero foram originalmente produzidos para o ciclo de conferncias Em busca do desenvolvimento regional: principais desafios e compromissos, coordenado pelo sistema SEDVAN/IDENE. As palestras foram realizadas em Montes Claros, Diamantina, Corinto e Belo Horizonte, com o apoio da Fundao de Auxlio Investigao e ao Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico Sustentado (FUNDECIT), Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Comit de Convivncia com a Seca, Associao dos Municpios da Microrregio do Mdio Rio das Velhas (AMEV) e do Instituto Mineiro de Gesto Social (IMGS). O artigo de Aline Amorim Melgao Guimares, que abre a coletnea se situa no campo analtico do pensamento social brasileiro. Revela a importncia da democracia como uma forma de governo que atue na responsabilidade social para com os diferentes segmentos que possui, pensando a diversidade pautada pela incluso e promoo dos diversos grupos sociais, principalmente aqueles que se encontram sub-representados, especialmente minorias ou grupos atingidos por diferenas estruturais. Destaca a formatao do novo pacto federativo, firmado a partir da Constituio de 1988, e que se refere desconcentrao de poderes do Executivo nacional em prol dos estados e municpios, tendo como perspectiva uma maior abertura e proximidade da sociedade em relao aos gestores locais. A seguir, faz uma reflexo sobre a prtica pblica e seus impasses reais, no que diz respeito aos problemas enfrentados com relao a construo de prticas cotidianas entre os atores polticos. Nesse cenrio, a municipalizao abordada diante do difcil processo de compartilhamento de decises entre representantes do executivo local e sociedade civil, conforme estabelecido constitucionalmente, nos8

espaos construdos para tal Conselhos Gestores Municipais de Polticas Pblicas. Aspectos e experincias, positivas e negativas, so analisados indicando rumos a serem perseguidos na busca de maior envolvimento da sociedade civil neste processo de participao poltica e desenvolvimento social. O pesquisador Rodrigo Bandeira de Luna apresenta o Mapa de Potencialidades Econmicas das Regies Norte e Nordeste de Minas com o propsito de examinar e avaliar as contribuies que pode trazer para o estudo e o entendimento mais aprofundado da realidade da economia dos 188 municpios que compem a regio. A partir dos resultados das pesquisas, que foram elaboradas em diversas bases de dados, este trabalho busca apreciar em que medida as subregies e cada municpio desta regio, sabidamente deprimida, reservam potenciais de crescimento econmico nos diversos setores da sua economia. Esta anlise salienta que, apesar da difcil realidade vivida pelos seus mais de 2,8 milhes de habitantes, o Norte e o Nordeste mineiro guardam um inexplorado potencial de aumento da produtividade econmica baseado no estudo dos indicadores dos municpios limtrofes, da mesma microrregio. Alm disso, observa-se que a maior contribuio que pode advir do presente estudo a disponibilizao destas informaes por meio de um sistema capaz de combin-las, por meio de tabelas, grficos e mapas, para a utilizao de gestores pblicos, empresrios, produtores rurais e agentes sociais com foco no desenvolvimento integral da regio dos Vales do Jequitinhonha, Mucuri, So Mateus e Norte de Minas. O artigo Polticas de Incentivo para o Desenvolvimento Regional, assinado pelos economistas Francisco Duarte Filho e ngela Porto, lana a seguinte indagao: planos e polticas regionais so de fato necessrios e desejveis para orientar o processo de desenvolvimento? A resposta afirmativa: malgrado os resultados obtidos ao longo de vrias dcadas, no caso mineiro e de outras regies brasileiras, uma poltica regional com recursos efetivos e programaticamente direcionados, continua pertinente. Ampliando essa questo, os autores dizem que, no caso de Minas Gerais, apesar de, historicamente, reunir experincias de polticas de desenvolvimento9

regional de considervel importncia, seus efeitos acabaram por privilegiar regies que apresentavam potenciais de competitividade favorveis ao incremento do setor produtivo. Esta situao conduziu concentrao das atividades em alguns centros mais bem equipados em termos de infra-estrutura scio-econmica, agravando o cenrio de pobreza e de desigualdade nas regies desatendidas. No tocante s reas mais carentes do Estado, notadamente, as regies do Jequitinhonha/ Mucuri e do Norte de Minas, desejvel e mesmo exeqvel, na opinio dos economistas, a formulao de propostas de estratgias deliberadas, baseadas em instrumentos de apoio financeiro que, ao lado de objetivos e aes claramente definidos, venham colocar a questo regional de forma efetiva como meta integrante dos planos, estratgias, objetivos e aes para o desenvolvimento econmico do Estado. Assim, ganha relevncia a proposio de constituio de um Fundo de Desenvolvimento Regional. Este instrumento deve ser capaz de conferir por meio de suas polticas e objetivos, condies de atratividade de investimentos produtivos e de infra-estrutura s regies ou municpios menos favorecidos do Estado, prioritariamente aqueles com ndices de IDH abaixo da mdia estadual, em especial nas regies mencionadas anteriormente. O artigo do pesquisador Roberto Marinho Alves da Silva, Polticas Pblicas para Convivncia com o Semi-rido, realiza uma importante prospeco sobre o tema. A partir da reviso da literatura e dos estudos documentais sobre o Semi-rido, recupera a construo dos processos de formulao dos pensamentos sobre esta realidade. Superando a viso do combate seca e aos seus efeitos, que predominou durante quase todo o sculo XX, apresenta os fundamentos da sustentabilidade do desenvolvimento. A proposta da convivncia com o Semi-rido, superando a abordagem anterior, vem se caracterizando como uma perspectiva cultural orientadora de um desenvolvimento cuja finalidade a melhoria das condies de vida e a promoo da cidadania. Embora esteja ainda em processo de formulao, suas propostas procuram a harmonizao entre a justia social, a prudncia ecolgica, a eficincia econmica e a cidadania poltica no Semi-rido. O artigo faz uma leitura dessa reali10

dade, e, principalmente, descreve os avanos relacionados s tecnologias hdricas apropriadas para o Semi-rido, como abastecimento de gua, gesto comunitria de mananciais hdricos, manejo da vegetao nativa, alternativas de silagem e criao de pequenos animais, dentre outras prticas de sustentabilidade. O professor Carlos Eduardo Mazzetto Silva abre um universo de reflexes a respeito do choque da modernidade do desenvolvimento com as tradies dos pequenos lugares, povos e culturas da regio. O seu instigante artigo Envolvimento Local e Territorialidades Sustentveis aponta para os problemas causados pelo iderio desenvolvimentista da dcada de 50, e a inveno do subdesenvolvimento, teoria que, segundo o autor, representa as limitaes impostas ao mundo perifrico rea central da economia mundo (EUA e Europa) pela diviso internacional do trabalho com o desenvolvimento capitalista no ps-guerra. Exemplifica esta noo com a invaso do serto pela monocultura e a perda do controle social-territorial, como tambm as implicaes da identidade sertaneja e geraizeira. Questiona conceitos como a vida de subsistncia, que o rico ocidente interpreta como pobre. Ao contrrio, de acordo com o pesquisador, a economia natural baseada em subsistncia, garante uma alta qualidade de vida, se considerarmos o acesso alimentao, uma consistente identidade cultural e social e um sentido de vida s pessoas. Convidanos a reinventar e criar idias para gerar impulsos que contribuam para que as populaes locais possam manter ou construir a sustentabilidade de seus territrios. Aponta a perspectiva endgena: o envolvimento local e o protagonismo campons para a superao dessas dificuldades, e a produo agroecolgica e o manejo sustentvel como meio de produo adequados. O Coordenador Tcnico do Centro de Agricultura Alternativa (CAA) e Mestre em Agroecologia do Desenvolvimento Sustentvel, Joo S. D'Angelis Filho, juntamente com outros colaboradores, chama a ateno, no artigo Agricultura Familiar: Importncia Econmica e Novos Caminhos para sua Sustentabilidade, para o segmento como vetor para a dinamizao econmica dos municpios.11

Estudos recentes reconhecem uma economia movimentada por complexas redes de relaes e experincias que os autores denominam de economia invisvel. Situa como exemplo a agricultura familiar do Alto Rio Pardo, que abriga a maior rea plantada de cana-deacar da regio (mais de 2.000 hectares), que permite produzir algo em torno de 10 milhes de litros de cachaa. No entanto, o registro de cifras irrisrias na arrecadao de ICMS: de R$500,00 e R$1000,00 reais nos anos 2003 e 2004, respectivamente, sinalizam um imenso campo de atividade econmica que permanece invisvel. Uma interpretao imediata desse fato deve-se a aplicao rigorosa da legislao fiscal e sanitria que no deixa permanecer na regio nenhuma cachaaria. Assim, a sustentao econmica da populao local fica ancorada sobre uma frgil estrutura institucional. De acordo com D'Angelis e equipe, faltam polticas de apoio ao setor para sua dinamizao. O artigo chama a ateno para a busca de referncias para construo de novos cenrios, inspirados nas experincias pblicas e da sociedade, capazes de retirar a agricultura e as economias locais da condio de fornecedoras de mercadorias de primeira gerao, de baixo valor agregado, para inseri-las na economia da informao ou no chamado mercado emergente dos valores de existncia, como fornecedoras de mercadorias de quarta gerao por meio do valor agregado ao conhecimento tradicional. O professor Joo Valdir Alves de Souza apresenta, em seu artigo Pedagogia da Alternncia: Uma Alternativa Consistente de Escolarizao Rural?, a organizao da Escola Famlia Agrcola (EFA) no mbito do territrio mineiro e, em destaque, a experincia da EFA de Turmalina, suas prticas e efeitos para a regio. A partir de uma sntese, demonstra os quatro pilares que caracterizam e sustentam esta experincia didtico-pedaggica: as associaes mantenedoras da EFA, a Pedagogia da Alternncia, a formao integral do aluno e o desenvolvimento local sustentvel. Na EFA surge a reflexo, questionamentos, anlises, snteses, aprofundamentos e generalizaes. A vida do aluno no seu meio, experincias e pesquisas, observaes e questionamentos adquirem relevncia como um eixo do processo ensino-aprendizagem. De acordo com o autor, no h dvida de que se trata de uma experincia que no pode mais ser12

desconsiderada em sua concepo, suas prticas e seus efeitos, sobretudo, quando se busca uma alternativa de escolarizao adequada ao meio rural de regies de baixo desenvolvimento econmico. O livro se conclui por uma anlise minuciosa sobre o Desmatamento na Bacia do Mucuri em Minas Gerais: Histrias e Processos Recentes, competente trabalho organizado pelos gegrafos Miguel Fernandes Fellippe, Marcos Antnio Nunes e a pesquisadora Justine Bueno. Narra a histria de ocupao da bacia do Mucuri, marcada pela exuberante retirada da cobertura vegetal original, os processos ocorridos nos sculos passados e que deixaram cicatrizes na paisagem que ainda hoje podem ser vistas. Alertam para um necessrio esforo coletivo entre o governo, organizaes no-governamentais e populao para que a bacia do Mucuri tenha primazia nos projetos que resultem na recomposio de suas matas nativas, tendo em vista que os recursos florestais e as terras relacionadas com eles devam ser manejados para suprir as necessidades sociais, econmicas, ecolgicas, culturais e espirituais das geraes presentes e futuras.

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BREVE INFORME SOBRE O SISTEMA SEDVAN-IDENECriada em carter extraordinrio pela Lei Delegada n. 49, de dois de janeiro de 2003, e continuada pela Lei Delegada n. 112, de vinte e cinco de janeiro de 2007, a Secretaria Extraordinria para o Desenvolvimento dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri e do Norte de Minas SEDVAN uma ao poltica ousada que visa combater s desigualdades regionais. Em vinculao direta com o Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais IDENE, sua misso est assim definida: articular, coordenar e deliberar junto aos agentes econmicos, institucionais e sociais a implementao e gesto participativa de programas e projetos, que assegurem o processo de desenvolvimento social e econmico dos Vales do Jequitinhonha, do Mucuri, do Rio So Mateus, Regio Central e Norte de Minas, considerando o conhecimento acumulado dos agentes locais, respeitando suas caractersticas e promovendo a transformao das suas potencialidades em riqueza para a regio. A rea de abrangncia do sistema SEDVAN-IDENE um espao equivalente a 37% da rea do Estado de Minas, atuando em 188 municpios, onde habitam 2.828.480 pessoas, ou 16% da populao mineira (IBGE-2000).

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SUMRIO

1. Participao social e polticas pblicas: novos rumos para a construo de polticas emancipatrias.......................................................Aline Amorim Melgao Guimares

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2. Mapa de potencialidades econmicas das regies do Norte e Nordeste de Minas Gerais: onde est escondido o ouro...............................Rodrigo Bandeira de Luna

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3. Polticas de incentivos para o desenvolvimento regional......................ngela C. Porto e Francisco Carvalho Duarte Filho

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4. Polticas pblicas para convivncia com o semi-rido........................... 107Roberto Marinho Alves da Silva

5. Envolvimento local e territorialidades sustentveis: desvelando a desterritorializao do desenvolvimento................................................. 173Carlos Eduardo Mazzetto Silva

6. Agricultura familiar: importncia econmica e novos caminhos para a sustentabilidade........................................................................................ 205Claudia Luz de Oliveira, Breno Gonalves dos Santos, Joo Silveira d'Angelis Filho e Carlos Aberto Dayrell

7. Pedagogia da Alternncia: uma Alternativa Consistente de Escolarizao Rural?.................................................................................. 225Joo Valdir Alves de Souza e Mnica Alves Gonalves

8. Desmatamento na bacia do Mucuri em Minas Gerais: causas histricas e processos recentes........................................................................... 251Miguel Fernandes Felippe, Marcos Antnio Nunes e Justine Bueno

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1 PARTICIPAO SOCIAL E POLTICAS PBLICAS: NOVOS RUMOS PARA A CONSTRUO DE POLTICAS EMANCIPATRIASAline Amorim Melgao Guimares *

1. ApresentaoA presente conferncia faz parte de um ciclo de reflexes que tem como objetivos elaborar propostas de desenvolvimento territorial, indicar rumos, orientaes e posicionamentos sobre os desafios para a construo de polticas emancipatrias capazes de promover desenvolvimento e incluso social. Inicialmente, ela aborda uma importante discusso a respeito de profundas crticas ao modelo democrtico minimalista, o qual teria se tornado hegemnico com o processo da restaurao democrtica na Europa, a partir do sculo XVIII. Em contraposio a este modelo, o sculo XX apresenta outras discusses tericas importantes. Tais discusses, que vm sendo abordadas internacionalmente, ressaltam a importncia de se refletir a respeito da construo democrtica, chamando ateno para aspectos negligenciados pelo modelo minimalista. Atenta, ainda, para a necessidade de se pensar sobre o processo de construo democrtica principalmente em pases que apresentam grandes disparidades sociais, tnicas, culturais e econmicas. Para tanto, necessrio o uso de modelos que sejam, ao mesmo tem*Mestre em Cincias Sociais pela UFRN (2006), graduada em Cincias Sociais pela UFMG (2003), Atualmente professora convidada do Departamento de Cincia Poltica, da Universidade Federal de Minas Gerais, onde leciona no curso de Especializao em Polticas Pblicas, professora titular da Universidade Presidente Antnio Carlos, professora da Universidade Jos do Rosrio Vellano, da Faculdade de Sabar e professora titular do Centro de Ensino Superior de Itabira. Este texto a transcrio de conferncia apresentada na UNIMONTES, Montes Claros, em 19 de agosto de 2008,19

po, realmente representativos destas diversidades e tambm capazes de construir polticas pblicas a partir de um maior envolvimento e participao social neste processo. O objetivo desta abordagem trazer a discusso da teoria democrtica contempornea para o contexto da nova formatao democrtica nacional, que tem incio nos processos de disputa e conflitos que envolveram a construo da Constituio de 1988. Dessa forma, novos formatos de desenvolvimento de polticas pblicas foram configurados, diante do novo pacto federativo assumido, cujo destaque foi o fortalecimento das instncias subnacionais de governo, quais sejam, estados e municpios. A municipalizao abordada, em especial, diante da anlise do processo complexo de compartilhamento de decises entre representantes do executivo local e sociedade civil nos espaos construdos para tal, Conselhos Gestores Municipais de polticas pblicas (obrigatrios): Assistncia Social, criana e adolescente, educao, trabalho e sade. So abordados alguns dos aspectos que mais tm sido observados na difcil tarefa de envolvimento da sociedade no processo de deliberao efetiva a respeito das polticas pblicas, em conjunto com os representantes do executivo local. Alguns dos aspectos e experincias positivas e negativas so analisados, com o intuito de indicar rumos a serem perseguidos nesse processo. Por ltimo, pretendeu-se apontar novos rumos para a construo de polticas democrticas e emancipatrias, assinalando algumas alternativas possveis a serem trabalhadas a partir do envolvimento de diferentes segmentos da sociedade para um maior empoderamento social, a fim de que este se reflita sobre mudanas na cultura poltica local. Para que o embate poltico ocorra a partir do real compartilhamento decisrio entre Estado e Sociedade necessrio que aquele atue na construo de um estoque de capital social, tornando a sociedade mais capaz de se posicionar e apresentar seus interesses frente s propostas e projetos polticos oferecidos pelos representantes do executivo local.20

2. Democracia Incluso e Participao Social: muito alm do minimalismoObserva-se no cenrio internacional do sculo XX, principalmente no perodo que vai do final da Segunda Guerra Mundial e durante todo o perodo da Guerra Fria, a forte ascenso da proposta democrtica. Mais do que isto, trata-se de uma aspirao pela democracia enquanto melhor forma de governo. Por outro lado, tem-se a proposta que se torna hegemnica, um modelo com fortes restries da participao e da ampliao da soberania popular. Tal projeto democrtico tem seus fundamentos em torno da idia de que a democracia seja exclusivamente um procedimento eleitoral com a finalidade de formar governos (Shumpeter, 1983). Tendo em vista a forte ascenso da proposta minimalista de democracia e a perspectiva hegemnica sobre a qual se imps, principalmente, entre as democracias desenvolvidas a partir do perodo ps-segunda guerra, colocou-se o problema da incapacidade deste modelo democrtico refletir sobre a qualidade do governo que promoveria. Isso acontece, mais notadamente, a partir de meados dos anos setenta, quando h um incio do perodo caracterizado como a terceira onda de democratizao.Quanto mais se insiste na frmula clssica da democracia de baixa intensidade, menos se consegue explicar o paradoxo de a extenso da democracia ter trazido consigo uma enorme degradao das prticas democrticas. Alis, a expanso global da democracia liberal coincidiu com uma grave crise desta nos pases centrais onde mais se tinha consolidado uma crise que ficou conhecida como a da dupla patologia: a patologia da participao, sobretudo em vista do aumento dramtico do abstencionismo; e a patologia da representao, o fato de os cidados se considerarem cada vez menos representados por aqueles que elegeram. (Santos, 2001, p.42).

Tambm nesse perodo da terceira onda de democratizao, que a perspectiva de um modelo de democracia participativa comea a ganhar fora. H uma necessidade de discusso a respei21

to da qualidade da democracia, da incluso social nas deliberaes pblicas diante dos problemas que Santos (2001) classifica como a patologia da representao. Tal fenmeno tem propiciado a excluso de diversos grupos sociais, como mulheres, homossexuais, negros, entre outros, da vida poltica, j que eram escassas as polticas de reconhecimento das minorias na sociedade. Diante desta discusso, faz-se importante refletir a respeito do processo de reconstruo da democracia no Brasil, que tm incio a partir da elaborao da Constituio de 1988, a fim de refletir a respeito do modelo democrtico estabelecido institucionalmente, assim como suas implicaes no que se refere s prticas democrticas cotidianas.A Constituio de 1988, trata-se do marco institucional de um processo o qual ainda se apresenta em construo. Neste sentido, trata-se de uma reflexo a qual considera a democracia como sendo um valor, mas no em si mesma. A democracia como uma boa forma de governo, mas que precisa ser problematizada e repensada a fim de proporcionar aos diversos e diferentes grupos e segmentos sociais, melhores condies de vida em sociedade. Prope que o processo inicial de institucionalizao das regras democrticas trata-se apenas de um primeiro passo rumo construo de qualquer governo democrtico. A concepo de democracia minimalista, a qual considera a democracia como sendo um procedimento para a seleo de lideranas atravs de eleies competitivas, pelo povo que governam, no deve ser uma justificativa satisfatria para a escolha desta forma de governo. Trata-se do ponto inicial de construo de um governo democrtico aquele pas em que o lder poltico foi escolhido a partir de eleies peridicas, honestas e imparciais, atravs de votos, aps uma livre concorrncia entre os demais candidatos tendo toda a populao adulta livre direito de participar de tal processo. A partir da, o governo passa a lidar com questes que envolvem prticas anteriores ao momento de institucionalizao das regras democrticas, que iro ser percebidas nas prticas cotidianas, percebidas a partir de uma tenso entre cultura poltica autoritria e regras democrticas. (Avritzer, 1995).22

Entretanto, no se trata de pensar um formato de ruptura com o modelo de representao poltico-eleitoral tradicional, nem so estas as proposies tericas feitas por autores que propem a participao da sociedade no processo de construo da democracia (Avritzer, 1996; Santos, 2001; Young, 2000; Benhabib, 20021). O objetivo apenas propor algo novo ao modelo minimalista de representao, observando-se os limites que este apresenta, diante da sua incapacidade de representao de diversos segmentos e grupos que se encontram excludos da participao poltica e o fato de no se verem, nem se sentirem representados pelos seus representantes legais-formais. No presente trabalho observa-se a importncia de se pensar na democracia no como um simples procedimento que tem como preocupao apenas a observncia das garantias e instituies formais democrticas. Acredita-se, antes, na importncia da mesma como uma forma de governo que tenha como ponto fundamental a preocupao com a qualidade das polticas produzidas, assim como da democracia vivenciada pelos seus cidados. A democracia proposta seria, portanto, uma forma de governo que possua responsabilidade social para com os diferentes segmentos que agrega, pensando na diversidade pautada pela incluso e promoo dos diversos grupos sociais, principalmente aqueles que se encontram sub-representados, especialmente minorias ou grupos atingidos por diferenas estruturais. (Santos, 2001;Young, 2000).

3. A Reconstruo Democrtica Nacional: Descentralizao e Participao SocialO processo de redemocratizao nacional partiu de um longo processo de negociao de poderes, o qual se concretizou na Constituinte de 1986. Diversos setores da sociedade civil organizada, setores da burguesia emergente e os diferentes segmentos da esquerda nacional, representada fortemente na figura do MDB (o qual se fortalecia enquanto oposio parlamentar), se fizeram presentes neste importante momento para a redemocratizao nacional. (Guimares, 2008).Trata-se dos autores em discusso no presente trabalho, embora diversos outros autores trabalhem com esta perspectiva participativa e inclusiva.1

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Tais segmentos sociais foram essenciais no envolvimento com o processo de luta democrtica e tiveram um peso significativo para pressionar os militares e todo o grupo de aliados civis, em prol da garantia de que a consolidao das instituies democrticas fosse pautada por uma perspectiva descentralizante e participativa, tendo em vista a histria poltica nacional ter se caracterizado, mesmo em momentos democrticos, pela centralizao decisria e pela excluso de diversos setores da sociedade da participao poltica. A redemocratizao nacional deve ser analisada enquanto uma lenta transformao, em que instituies democrticas convivem com uma cultura poltica no-democrtica, ou at mesmo enquanto um misto de duas culturas contraditrias. A consolidao democrtica consiste, neste sentido, na consolidao de prticas polticas democrticas entre os atores polticos nos espaos do Estado e da sociedade civil. (Avritzer, 1995). Tal processo um longo caminho a ser percorrido. Faz-se importante perceber, inicialmente, alguns aspectos de mudana no plano institucional, para, em um segundo momento, refletir a respeito da prtica pblica e seus impasses reais, no que diz respeito a alguns dos problemas enfrentados com relao a uma nova forma de construo de prticas cotidianas entre os atores polticos. Trata-se de analisar a forma como o enfrentamento do compartilhamento de decises entre Estado e sociedade vem ocorrendo na prtica cotidiana, no que tange s mudanas na legislao as quais inseriram esta inovao na gesto das polticas pblicas no mbito dos trs nveis da federao. 3.1. Descentraliao Observa-se que a Constituio de 1988, assim como algumas emendas posteriores, tem como aspectos fundamentais a introduo de uma proposta descentralizadora de poderes polticos e econmicos, bem como uma abertura participao poltica, por parte da sociedade civil, na deliberao de polticas pblicas. (Guimares, 2008).24

No que se refere descentralizao, esta pode ter diferentes significados: 1-Deslocamento da capacidade de decidir e implementar polticas para instncias subnacionais; 2- Transferncia para outras esferas de governo da implementao e administrao de polticas definidas no plano federal; 3- Passagem de atribuies da rea governamental para o setor privado. Na presente discusso, faz-se importante dar destaque s duas primeiras possibilidades descentralizadoras, pois elas incidem diretamente na discusso a respeito da formatao do novo pacto federativo firmado a partir da Constituio de 1988, o qual se refere desconcentrao de poderes do Executivo nacional em prol dos estados e municpios, tendo como perspectiva poltica, alm da desconcentrao de poderes polticos e econmicos, uma maior abertura e proximidade da sociedade em relao aos gestores locais. As causas do modelo descentralizador observado no novo quadro federativo nacional tm por fundamento, duras crticas ao passado centralizador sob o qual se fortaleceu o modelo unionistaautoritrio durante os perodos de ditadura vivenciados no pas. No contexto da discusso a respeito da redemocratizao nacional, a descentralizao poltica e fiscal torna-se sinnimo de democracia, tendo em vista a idia de que haveria uma maior possibilidade de controle e participao da sociedade sobre as decises polticas por estas serem tomadas em mbito local. Alm disso, observam-se correlaes entre descentralizao e maior transparncia na gesto das polticas pblicas, alm de crticas em relao ineficincia e ineficcia do modelo centralizador das mesmas. Neste sentido, as teses que se desenvolveram a propsito das dificuldades de um Estado centralizador formular respostas adequadas a determinadas demandas polticas so de base fiscal, poltica e racional.25

O argumento da crise fiscal est assentado na incapacidade financeira do Estado de atender a todas as demandas da sociedade, sendo que estas seriam provenientes de diferentes focos de interesse e, desta forma, inconciliveis. Esta crise seria observvel a partir de vrios problemas enfrentados, tais como: dficits oramentrios, poupana pblica baixa e muitas vezes negativa, deteriorao do crdito do Estado e tambm em dficit de credibilidade do mesmo. (Zauli, 1999). A tese da sobrecarga de demandas prope que o Estado centralizado estaria submetido a uma alta taxa de demandas, somada ao problema da crise fiscal, o que surte efeito na implementao das polticas. Assim, devido a uma suposta sobrecarga de demandas, o Estado teria dificuldades em absorver aquelas da sociedade e, desta forma, no seria capaz de atender s reais necessidades da populao atravs da implementao de polticas sociais. A tese da crise de racionalidade refere-se a todo este processo de crescente dificuldade do Estado em formular respostas adequadas s demandas dos diferentes atores sociais, crise esta que se expressaria na incapacidade governamental de implementao de respostas necessrias, capazes de justificar o sistema enquanto tal. (Zauli, 1999). Este argumento de uma crise de racionalidade culminaria em uma crise de legitimidade do sistema poltico centralizado, gerando, por sua vez, certo consenso sobre a necessidade de descentralizao de polticas do executivo federal em prol dos estados e municpios. Desta forma, desenvolve-se o argumento altamente disseminado, em vista do momento de redemocratizao do pas, de que a formulao e implementao de polticas em bases regionais, locais, por intermdio da sociedade civil organizada, permitiriam uma melhor resposta s demandas sociais dos diferentes setores da sociedade. Este argumento se fundamenta em uma concepo participativa ou deliberativa de democracia, a qual aponta para o direito da sociedade civil de participar das decises que se referem aos tipos de servios e forma como estes sero prestados pelo Estado.26

Faz-se importante destacar a revoluo descentralizadora promovida pela Assemblia Constituinte (87/88): A Constituio de 88 definiu um novo arranjo federativo, com significativa transferncia de capacidade decisria, funes e recursos do governo nacional para os estados e, especialmente, para os municpios.(Almeida, 1995, p.92) No entanto, esse processo de transferncia de funes e recursos no ocorreu instantaneamente; mas vem se desenvolvendo ao longo dos anos. A Constituio no teria sido clara ao estabelecer as competncias dentre os entes federativos. Ao contrrio, teria estipulado aproximadamente trinta funes concorrentes entre os trs entes federativos, Unio, estados e municpios, sendo boa parte delas na rea social. Desse modo, observa-se a importncia, na contemporaneidade, de aes polticas por parte do executivo federal, a fim de que se possam definir as atribuies especficas e as reas de cooperao entre as demais esferas do governo. (Almeida, 1995, p.92). Os problemas enfrentados em relao concretizao das disposies contidas na Constituio, o papel da Unio tem sido de fundamental importncia no desenvolvimento de mecanismos para a promoo de medidas descentralizantes. Alguns estudos realizados sobre a descentralizao de polticas sociais tm demonstrado a importncia que a Unio possui em articular propostas e mecanismos de induo que sejam bem recebidos pelos estados e/ou municpios, tendo em vista a autonomia por estes adquirida a partir da referida Constituio. (Arretche, 1999). A partir da nova Constituio, estados e municpios adquirem status de entes federados, o que significa que possuem autonomia administrativa, poltica e econmica definidas constitucionalmente. Desse modo, necessrio que a Unio, ao pretender realizar a descentralizao de alguma poltica, isto , de coloc-la a cargo dos estados e/ou municpios, crie incentivos para que haja adeso por parte dos referidos nveis subnacionas de governo. Desse modo, na conjuntura atual do Brasil, a adeso dos governos locais transferncia de atribuies por parte do governo27

federal tem revelado uma dependncia de clculo racional entre custos e benefcios fiscais e polticos de assumir a gesto de uma dada poltica pblica e, por outro lado, dos prprios recursos fiscais e administrativos os quais cada uma das administraes, local (is) ou estadual (is) conta para desempenhar de forma eficaz tal tarefa. (Arretche, 1999, p.115). 3.2. Participao Social Com relao participao social, observa-se que a Constituio de 1988 reflete reivindicaes sociais, tanto por parte de movimentos sociais, quanto das esquerdas nacionais, promovendo iniciativas de maior abertura e integrao da sociedade no que se refere s tomadas de decises a respeito das polticas pblicas, assim como outros mecanismos de consulta popular que vo alm da participao pelo voto no perodo de quatro em quatro anos. Observam-se tais aspectos, a partir do Art. 5, Inciso LXXIII, da referida Constituio. Este garante a insero da participao popular atravs da ao popular e do plebiscito. Outra importante conquista, trata-se do direito participao nas decises do governo, em algumas reas de polticas sociais como no planejamento municipal Art.29 Incisos X e XI. No que se refere seguridade social, fica assegurada a descentralizao assim como a participao da sociedade na gesto destas polticas, contidas nos Artigos 194 e 195. Com relao sade e assistncia social, suas perspectivas participacionistas ficam garantidas a partir dos dispositivos contidos nos Artigos 198 e 204. As polticas de educao tambm so inseridas neste contexto descentralizador e participativo, Art. 205 e 206 inciso VI, como tambm as polticas de promoo e defesa das crianas e adolescentes, Art. 227. Diante do exposto, observa-se que a Constituio de 1988 inaugura, de certo modo, um processo de abertura participao da sociedade civil, que ocorre, principalmente, com a criao dos Conselhos Gestores de Polticas Pblicas. Neste sentido, abordaremos alguns aspectos que foram analisados a respeito de como as prticas pblicas tm se estabelecido nos conselhos gestores obrigatrios, seus maiores28

impasses na consolidao democrtica. (Guimares, 2008) Prope-se analisar quais as barreiras que se colocam construo da participao dos diversos grupos da sociedade na deliberao das polticas pblicas, a fim de se pensar a respeito da construo de uma democracia capaz de refletir a respeito de uma representao que v alm da livre escolha de representantes pelos seus cidados e seja capaz de propor a representao e a incluso de setores historicamente excludos da participao poltica frente a frente com importantes decises no mbito da deliberao das polticas pblicas. Mais do que propor um modelo especfico de democracia, apesar de considerar a importncia da participao social, trata-se de refletir sobre o processo que se tem colocado em marcha, apontando alguns dos grandes impasses contemporneos.

4. Experincias Participacionistas: Desafios e ConquistasAntes de abordar a discusso a respeito da participao social propriamente dita, em quaisquer espaos nos quais ela seja abordada, faz-se importante destacar alguns dos aspectos que antecedem a construo da participao social no Brasil. Dentre os vrios aspectos que permeiam a difcil tarefa do desenvolvimento de polticas mais participativas no pas, encontramos trs principais: 1- Desinteresse e desconhecimento da sociedade em relao aos novos formatos polticos que vm se desenvolvendo a partir da Constituio de 1988 e que propem novas formas de participao que esto alm da escolha das representaes partidrias. Apesar de termos observado uma grande mobilizao por parte da sociedade civil organizada, durante os processos de luta em prol da redemocratizao nacional, este intenso movimento no pode ser estendido para a maioria da sociedade brasileira, nem mesmo para a grande parte dos municpios nacionais. Diante do longo percurso histrico de intensa centralizao decisria, conforme mencionado anteriormente, grande parte da sociedade brasileira se viu alijada dos processos polticos durante um longo pero29

do histrico, o que exerce, ainda hoje, um grande reflexo na cultura poltica vigente de desinteresse e desconhecimento em relao s novas possibilidades de participao e envolvimento com as polticas locais. (Guimares, 2008). 2- Falta de vontade poltica por parte dos gestores; tendo em vista a trajetria de excessiva concentrao de poderes nas mos dos gestores, nacionais e regionais observada ao longo da nossa histria poltica, tem-se observado grandes dificuldades nas mais diversas regies do pas (Guimares, 2008), por parte dos gestores locais e regionais, em compartilhar decises e prestar contas a respeito das suas decises polticas para com a sociedade, contribuindo para o ciclo de desconhecimento da sociedade em relao aos novos espaos de compartilhamento de decises no que concerne s polticas pblicas Conselhos Gestores obrigatrios. (Guimares, 2008). 3- Cultura poltica verticalizada. Observam-se, em grande parte dos estados, problemas no que se refere manuteno de uma cultura poltica verticalizada por parte dos representantes polticos, a partir da manuteno de prticas clientelistas, em detrimento do fortalecimento da cidadania. Tal fenmeno somado manuteno de prticas centralizadoras vem contribuindo para a difcil construo da participao e envolvimento social na deliberao a respeito das polticas pblicas locais, pensadas a partir da Constituio de 1988, a partir de uma concepo de ampla participao de envolvimento social. (Guimares, 2008). A fim de refletir a respeito do processo de construo da democracia no pas, considera-se extremamente importante analisar as relaes que vm se desenvolvendo entre Estado e sociedade civil, a partir do estabelecimento de espaos criados com a perspectiva de insero da sociedade na deliberao das polticas pblicas,30

ou seja, espaos que visam o compartilhamento da gesto das polticas pblicas. Considera-se importante analisar como, na prtica, tmse desenvolvido esta nova proposta de relacionamento. A escolha destes espaos enquanto objeto de reflexo foi devido a tratar-se de uma importante inovao do ponto de vista institucional, os quais prevem a descentralizao decisria e a participao da sociedade, representada a partir de diferentes segmentos e grupos, nas decises a respeito das polticas pblicas. Os conselhos gestores obrigatrios so os Conselhos de Assistncia Social, Conselho de Sade, Conselho de Educao, Conselho do Trabalho e Conselho da Criana e do Adolescente. Tais conselhos foram criados no mbito dos trs nveis da federao, tendo, assim, representao federal, estadual e municipal. Foram escolhidos os conselhos obrigatrios pelo seu carter deliberativo, observando-se que outros conselhos existentes, apesar da sua relevncia, apresentam um carter meramente consultivo por parte dos poderes executivos para com a sociedade civil. No se pretende discutir a respeito das peculiaridades institucionais de cada um desses espaos, mas antes propor uma anlise sobre a construo da participao nesses espaos de deliberao compartilhada, para apontar possibilidades e problemas no convvio dos atores polticos envolvidos entre os representantes dos poderes executivos e da sociedade civil, alm de propor sadas e solues em prol do desenvolvimento de um modelo democrtico que seja realmente inclusivo e representativo. A partir das anlises de alguns trabalhos (Andrade, 2002.1, 2002.2, 2002.3; Bonfim, 2002; Crtes, 2002; Dagnino, 2002; Kerbauy, 2002; Avritzer, Pereira, 2005), observa-se nesses espaos de gesto compartilhada com o executivo municipal, no que diz respeito participao da sociedade civil, a importncia de se destacar a existncia de algumas descontinuidades nas anlises realizadas. O que comprova as diversas formas sob as quais as polticas e prticas polticas possam vir a ser implementadas, tendo como origem at um mesmo mecanismo institucional. Tais observaes corroboram as31

inconstncias e diversidades que se podem verificar neste campo, no que se refere participao da sociedade civil nos conselhos e as sucessivas relaes produzidas nestes, entre o poder executivo, nas diferentes regies do pas. (Guimares, 2008). Algumas variveis podem ser destacadas enquanto essenciais para se pensar o problema da participao, assim como da representao nesses espaos. Aquelas que tm se revelado fundamentais na explicao dos sucessos e fracassos vivenciados pelos conselhos atualmente so: 1) Forma de escolha dos conselheiros, 2) Paridade dentro dos Conselhos, 3) Grau de comprometimento com as entidades que representam, 4) Grau de compartilhamento das decises, 5) Grau de transparncia dos governos locais, 6) Dependncia oramentria. (Guimares, 2008). O sucesso ou fracasso dos conselhos vem apresentando uma forte correlao com a posio contrria ou favorvel dos representantes do executivo para com a sociedade em prol de uma gesto compartilhada das polticas pblicas. De forma geral, observa-se com relao primeira varivel que a escolha dos conselheiros no obedece a critrios institucionais rgidos. Pelo contrrio, ela feita a partir da proximidade que possuem com o representante do executivo. O que atenta contra a real capacidade de representao da sociedade por parte destes espaos. Uma representao que, mais do que a existente no interior do Estado, deva preocupar-se em ampliar a representao e a participao de grupos sub-representados, como minorias e grupos atingidos por diferenas estruturais (Young, 2000), os quais vm encontrando, na prtica, graves entraves, o que tem contribudo para a manuteno de falhas na representao, assim como sua a incluso no processo poltico. Com relao paridade, trata-se de uma questo de extrema relevncia para a possibilidade da transformao das relaes historicamente hierarquizadas entre a sociedade civil e os representantes do executivo, que haja uma distribuio numrica e de poderes reais entre os dois segmentos, para que a participao e a deli32

berao ocorram de forma essencialmente compartilhada, sem que haja a imposio de uma das partes sobre a outra. Entretanto, na prtica, apenas a paridade numrica vem sendo observada na composio dos conselhos. H diferenas estruturais entre os participantes, as quais contribuem para uma desigualdade com relao ao nvel de escolaridade e, muitas vezes, para a imposio do saber tcnico, em detrimento de um compartilhamento das decises. Tambm existem outros tipos de diferenas que vm contribuindo para a desigualdade da participao, como a questo de diferenas culturais e de gnero, entre outras. Tal fato extremamente negativo do ponto de vista da afirmao e da construo da democracia. Mais do que a coexistncia dentro dos conselhos, deve-se pensar em um relacionamento pautado pela igualdade entre os grupos, apesar de sua diversidade. (Benhabib, 2002). Com relao ao grau de comprometimento com as entidades que representam, faz-se importante destacar que, muitas vezes, os representantes so escolhidos apenas para compor numericamente os conselhos, tanto por parte dos representantes do executivo, quanto por parte dos representantes da sociedade civil. Neste caso, no se tem uma postura de compromisso e representao dos interesses coletivos que representariam. Trata-se de uma postura de desvalorizao dos conselhos e do seu papel enquanto promotor da democratizao da elaborao e implementao das polticas pblicas. No que se refere ao grau de compartilhamento das decises, grau de transparncia dos governos locais e dependncia oramentria, pode-se dizer que tais variveis encontram-se diretamente relacionadas postura dos respectivos governos em compartilhar decises, preocupar-se em comprovar e publicar os gastos pblicos e valorizar a descentralizao decisria, com o fim de gerar condies favorveis participao popular no que se refere s polticas pblicas. Tal pressuposto, em relao s experincias positivas e bem-sucedidas dos conselhos gestores, aponta para sinaliza a constante contradio entre a convivncia de uma cultura poltica autoritria e centralizadora e com a existncia de espaos institucionais democrticos.33

Tendo em vista o peso da atuao do gestor pblico para a legitimao ou no dos conselhos, observa-se que no se pode permitir o real funcionamento democrtico desses espaos nas mos dos governos locais. Para que estes espaos se tornem independentes e autnomos, preciso pensar uma srie de mecanismos institucionais que garantam e regulem as aes que se desenvolvam no seu interior, a fim de torn-los eficazes do ponto de vista da construo de uma democracia inclusiva, plural e representativa. Para alm desta proposta, considera-se necessrio o fortalecimento e a criao de novas instituies independentes, capazes de regularizar e fiscalizar o funcionamento dos conselhos, para tornlos mais incisivamente vigiados e tenham as suas irregularidades denunciadas. Alm disso, tal proposta garantiria a institucionalizao real das aes participativas por parte dos diferentes grupos da sociedade, no seu interior, de modo horizontal, livre das desigualdades no tratamento das diferenas dos grupos envolvidos.

5. Aspectos que Influenciam Positivamente na Construo da Participao Social nas Poltias LocaisApesar das grandes disparidades encontradas nas diferentes regies do pas, a partir de alguns estudos analisados (Andrade, 2002.1, 2002.2, 2002.3; Avritzer, Pereira, 2005; Bonfim, 2002; Costa, 2003; Crtes, 2002; Cunha, 2004; Dagnino, 2002; Duarte, 2004; Filhos, 2002; Kerbauy, 2002; Rgo, 2002; Silva, 2002; Vilar, 1997), foi possvel destacar alguns dos aspectos que tm sido apresentados como extremamente importantes para a construo da participao social. 1- Fora associativa pr-existente no municpio, antes da criao de projetos e polticas participativas. Observa-se que nos municpios onde tradicionalmente j havia um maior envolvimento da sociedade com questes coletivas, os Conselhos criados desenvolveram-se de forma mais efetiva e vm se apresentando como referncia34

em espaos de envolvimento e participao democrtica. 2- Governo local com caractersticas participativas. Apesar de no se observar esta caracterstica na maioria dos municpios brasileiros, alguns trabalhos mostram a existncia da participao em determinados locais e a importncia para a mudana da cultura participativa de forma hierarquizada para uma proposta mais horizontal, em que o clientelismo cede lugar cidadania. 3- Apoio das diferentes secretarias municipais e estaduais, tendo em vista os diversos projetos pretendidos (de acordo com a poltica especfica). Mesmo aqueles governos que no se mostravam favorveis a uma abertura participao social e ao compartilhamento de decises, quando havia aceitao por parte dos secretrios municipais (ligados aos seus referidos conselhos), existia uma grande positividade da participao poltica nos Conselhos pesquisados. Nesse sentido, por serem as pessoas mais ligadas aos Conselhos, representando os governos locais, eram capazes de promover a participao e a deliberao para a construo das polticas pblicas especficas.

6. Aspectos que Influenciam Negativamente na Construo da Participao Social nas Polticas LocaisAssim como em relao aos aspectos positivos, os estudos j citados tambm caminham na elaborao de aspectos que tm sido destaque como principais obstculos para a participao social na deliberao das polticas pblicas. 1-Governos locais com caractersticas autoritrias e centralizadoras. So caractersticas que se observam na grande parte dos municpios brasileiros diante da herana poltica autoritria35

e centralizadora que tem marcado profundamente as relaes polticas e sociais no pas, contrariando os princpios democrticos definidos institucionalmente, mas que se evidenciam na prtica poltica cotidiana e ganham espao no interior dos Conselhos Gestores, em grande medida pela falta de fiscalizao e forte atrelamento desses espaos aos seus respectivos governos locais. 2- Ausncia de fora associativa no municpio, antes da criao dos projetos e polticas. (Baixo estoque de capital social). A luta pela incluso e participao poltica observada pelos movimentos sociais durante o processo de redemocratizao nacional no pode ser generalizada para grande parte dos municpios do pas. Observa-se que a ausncia de uma fora associativa nos municpios brasileiros tambm uma forte herana do tradicional modelo centralizador decisrio, que marcou grande parte da histria poltica do pas, produzindo um desinteresse pelas questes coletivas. Esta caracterstica, por sua vez, dificulta a construo dos Conselhos Gestores como espaos de maior envolvimento social e participao na construo de polticas pblicas que dizem respeito a toda a comunidade referida. 3- Falta de comprometimento dos representantes com as instituies que representam. Observa-se que grande parte dos representantes participantes dos Conselhos no agem de acordo com os interesses das instituies com as quais esto envolvidos. Muitas vezes operam de acordo com suas vontades e crenas pessoais e dificultam a construo da representao no interior dos Conselhos. Os aspectos abordados acima apresentam alguns dos principais pontos que esto sendo analisados, pois dificultam a promoo democrtica e inclusiva na construo das polticas pblicas em nvel local. Apesar de algumas diferenas, grande parte dos Conselhos de36

diferentes regies do pas tm demonstrado grandes semelhanas no que se refere ao continusmo dos problemas enfrentados. Algumas alternativas contra estes aspectos negativos sero apresentadas ao final do presente trabalho como propostas para uma melhoria da qualidade da construo das polticas pblicas locais e, por sua vez, da prpria democracia nacional, tendo em vista a ampliao da sua capacidade de produzir governos que sejam eficientes, mas, sobretudo, capazes de envolver os cidados na construo da sua prpria cidadania.

7. Novos Rumos para a Construo de Polticas Democrticas e Emancipatrias a partir do Compartilhamento Decisrio entre Estado e SociedadeO presente trabalho no tem como pretenso propor uma anlise rgida a respeito do processo de reconstruo da democracia no pas, nem esgotar a discusso a respeito dos aspectos que vm contribuindo e/ou dificultando a construo da participao social, no que se refere ao compartilhamento decisrio na construo de polticas pblicas emancipatrias. Este processo encontra-se em movimento e em constante transformao diante dos momentos especficos vivenciados nas relaes que se entrecruzam entre sociedade civil e Estado. Entretanto, considera-se importante propor uma breve reflexo a respeito de uma rejeio ao modelo hegemnico de democracia durante os processos de luta social, que culminaram com a Constituio de 1988. Tal rejeio a um modelo minimalista de democracia corrobora a tese da incapacidade e da insuficincia de tal modelo em dar respostas a questes valorativas e substantivas da democracia.Dar uma soluo convincente para duas questes principais: a questo de saber se as eleies esgotam os procedimentos de autorizao por parte dos cidados e a questo de saber se os procedimentos de representao esgotam a questo da representao da diferena. (Santos, 2001, p.46).

Alm disso, observa-se que tal rejeio ao modelo37

minimalista aproxima-se de toda uma discusso que prev a necessidade da participao social na deliberao das polticas pblicas, j que h uma incapacidade do formato tradicional de representar os diferentes grupos da sociedade. (Young, 2000). Grupos estes os quais devem ser portadores dos mesmos direitos, apesar das suas diferenas culturais, sociais, de gnero, raa, entre outras. (Benhabib, 2002). Tal perspectiva inicial foi fundamental para a inaugurao de mecanismos institucionais descentralizantes de poder e inclusivos do ponto de vista da sociedade, embora tenha sido apenas um primeiro passo para a transformao das prticas polticas que envolvem: Estado e sociedade. Trata-se de propor uma reflexo a respeito da difcil construo da democracia. Uma democracia que deve se preocupar em se tornar universal, pautando-se na discusso a respeito da necessidade de uma maior representao e incluso dos diferentes grupos sociais de forma efetiva nos diversos espaos de participao, como por exemplo, nos conselhos gestores. Uma democracia preocupada em compartilhar decises e aprender a cada dia com a diferena e o dilogo, sem, claro, cair em um relativismo despreocupado, mas a partir da luta pelo reconhecimento da garantia dos direitos de todos, sobretudo de grupos socialmente menos privilegiados. No perodo mais recente, observa-se uma srie de discusses em relao ao potencial democrtico do novo formato descentralizado de proviso de polticas sociais. Faz-se importante refletir sobre o formato poltico desenhado pela Constituio de 1988 quanto s suas potencialidades de introduo de maiores nveis de transparncia com relao tomada de decises pelas instncias subnacionais de governo, assim como em relao possibilidade de incluso da sociedade civil no que diz respeito sua capacidade de deliberao, por meio dos Conselhos Municipais obrigatrios nas reas de sade, educao, assistncia social e proteo criana e ao adolescente e trabalho; assim como atravs dos conselhos de oramentos participativos adotados por alguns municpios. Nesse momento, faz-se importante questionarmos a tese38

da positividade da descentralizao como forma de promoo da democracia, principalmente luz da tradio autoritria e pouco competitiva do poder ao nvel das municipalidades no Brasil. Esse questionamento importante por representar a oportunidade de averiguarmos, a partir da anlise de casos concretos, o real alcance democrtico das iniciativas descentralizantes.Alm da atuao dos governos estaduais, das desigualdades econmicas nos municpios, as desigualdades regionais e a enorme heterogeneidade do pas tem se constitudo ao longo do perodo republicano numa varivel explicativa central, na compreenso das diferenas e complexidades sociais estabelecidas territorialmente e das conseqncias polticas resultantes desse processo. (Kerbauy, 2002, p. 13)

Deve-se ainda refletir a respeito da eficcia e eficincia dos governos subnacionais na prestao de servios e do grau de accountability no que diz respeito s aes governamentais. De acordo com Bonfim (2002), existiria uma aposta com relao possibilidade de, atravs da criao desses espaos deliberativos, romper-se com a tradio autoritria e burocrtica do Estado brasileiro; desse modo, as polticas sociais seriam um importante elemento na construo de uma sociedade menos desigual. O novo formato de proviso de benefcios sociais no Brasil deve evoluir no sentido de se buscar novas alternativas institucionais, com o intuito de promover uma maior participao nos atuais conselhos e, assim, desburocratiz-los, tornando-os representativos participao deliberativa na esfera pblica Observa-se em relao s anlises apresentadas neste trabalho, que a construo da participao social nos conselhos gestores deva caminhar no sentido da criao de uma rede de articulaes com outras foras sociais da sua localidade, como movimentos sociais, universidades, igrejas, ONGs, instituies pblicas e privadas; como tambm um envolvimento com setores no organizados. Dessa forma, destaca-se a importncia de desenvolvimento do empoderamento social diante das polticas pblicas.39

Outro aspecto importante com relao ao modelo descentralizado a tentativa de promover uma maior integrao entre a elaborao e desenvolvimento dos diversos projetos existentes, assim como entre a populao beneficiada, a fim de que alcancem uma maior eficcia. Contudo, faz-se necessrio o fortalecimento de instituies que regularizem o funcionamento dos Conselhos, assim como promovam a avaliao e o acompanhamento dos diversos programas que possuem carter participativo. Observa-se que grande parte dos problemas abordados ganham fora atualmente, diante da ausncia de uma intensa fiscalizao em relao ao funcionamento desses espaos e das prticas polticas observadas no cotidiano democrtico.

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2 MAPA DE POTENCIALIDADES ECONMICAS DAS REGIES DO NORTE E NORDESTE DE MINAS GERAIS: ONDE EST ESCONDIDO O OURORodrigo Bandeira de Luna*

1. ResumoEste artigo apresenta o Mapa de Potencialidades Econmicas das Regies Norte e Nordeste de Minas, com o propsito de examinar e avaliar as contribuies que ele pode trazer para o estudo e o entendimento mais aprofundado da realidade da economia dos 188 municpios que compem a regio. A partir dos resultados das pesquisas que foram conduzidas a diversas bases de dados, este trabalho busca apreciar em que medida as subrregies e cada municpio dessa regio mineira, sabidamente deprimida, reservam potenciais de crescimento econmico nos diversos setores da sua economia. Esta anlise salienta que, apesar da difcil realidade vivida pelos seus mais de 2,8 milhes de habitantes, a regio guarda um inexplorado potencial de produtividade econmica (baseado no estudo dos indicadores dos municpios vizinhos, da mesma microrregio). Alm disso, observa-se que a maior contribuio possivelmente advinda do presente trabalho a disponibilizao destas informaes por meio de um sistema capaz de combin-las por meio de tabelas, grficos e mapas para a utilizao de gestores pblicos, empresrios, produtores rurais e agentes sociais, com foco no desenvolvimento integral da regio dos Vales do Jequitinhonha, Mucuri, So Mateus e Norte de Minas.*Mestre em Administrao Pblica e Governo pela FGV Fundao Getlio Var gas (2002) e consultor. Na Universidade de Nova Iorque, especializou-se em Administrao para o Terceiro Setor. Trabalhou na Ashoka Empreendedores Sociais (Washington, DC), fazendo a interlocuo com as organizaes brasileiras.45

2. IntroduoO desenvolvimento do Mapa de Potencialidades Econmicas das Regies Norte e Nordeste de Minas como estratgia para a atrao de investimentos, melhoria dos indicadores de produtividade e dinamizao econmica da regio foi feito a partir de demanda recebida pelo Instituto Publix1 por parte da SEDVAN2 e do IDENE3. A partir disso, partiu-se para o desenvolvimento das atividades que possibilitariam a construo de um sistema de informaes com dados sobre todas as atividades econmicas presentes em pelo menos um dos 188 municpios da regio. Este documento tem o objetivo de fazer uma anlise dos resultados das pesquisas realizadas s bases de dados, cotejando as informaes resultantes com a percepo sobre o que seria razovel almejar no horizonte de aproximadamente dois anos4 .

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Instituto Publix para o Desenvolvimento da Gesto Pblica Secretaria de Estado para o Desenvolvimento dos Vales do Jequitinhonha, Mucuri, So Mateus e do Norte de Minas 3 Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas 4 Agradeo a todos os que colaboraram para que este trabalho fosse possvel. Destaco o apoio dedicado e comprometido de toda a equipe da SEDVAN e do IDENE (em especial a Simone Alves Pereira pelo apoio incondicional a todas as atividades do nosso trabalho e Cid Dutra pelo convite para a elaborao deste documento), o apoio e a confiana da diretoria do IDENE, especialmente a Rachel Tupynamb de Ulha, Walter Antnio Ado e a Secretria Elbe Brando. Agradeo tambm a dedicao alm do limite do colega Beno Reicher e da equipe da Fbrica de Idias, Rodrigo Severo e Fernando Vianna. E, finalmente, a quem, desde o comeo tem oferecido suporte e depositado confiana: os amigos do Instituto PUBLIX, em especial ao Joo Paulo Mota a quem agradeo pela qualidade e dedicao durante todo o processo, ao Salo Coslowsky pela concepo conceitual de todo o projeto e a qualidade do trabalho de acompanhamento da sua construo e ao Caio Marini, Humberto Martins e Alexandre Borges Afonso pela confiana e o apoio de sempre. Agradeo tambm aos demais amigos e colegas que contriburam, leram e revisaram este documento, deram suas opinies e que, de uma forma ou de outra, so tambm co-autores deste trabalho articulador e de carter agregador.46

3. Concepo e Fundamentos MetodolgicosO desafio proposto foi o de calcular e representar graficamente o potencial econmico de uma regio composta por 188 municpios. Os Objetivos Estratgicos do Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado PMDI foram utilizados para a orientao estratgica do trabalho. Assim, partiu-se dos seguintes objetivos especificamente atribudos para o trabalho no mbito da regio analisada: Desenvolver a produo local; Aumentar produtividade no campo; Destaque para o agronegcio. Para isso, trabalhou-se com dois parmetros fundamentais. Em primeiro lugar, a identificao do potencial econmico limitada apenas pela criatividade do analista, ou seja, quase tudo possvel, mas tentar escolher vencedores foi um dos grandes erros da poltica desenvolvimentista pregressa. Em segundo lugar, nenhuma economia transforma-se da noite para o dia, novas atividades nascem de atividades existentes. As estimativas deste trabalho foram baseadas em dados secundrios e as anlises foram to precisas quanto a qualidade dos dados encontrados e que foram utilizados na sua confeco. A partir disso, conduziu-se a anlise dos resultados objetivos que seria possvel almejar no horizonte de aproximadamente dois anos e se desenvolveram as frmulas para o clculo de dois mapas (um com premissas conservadoras e outro com premissas arrojadas), alm do mapa com a situao atual. Os valores de referncia dos ndices de produtividade foram calculados por meio do mtodo da extrapolao, ou seja, foram feitas generalizaes a partir de dados fragmentrios, aplicando as anlises a outro domnio, para ento inferir possibilidades e hipte47

ses. Alm disso, foram utilizados os dados de referncia da prpria regio: se o vizinho faz, possvel fazer! 3.1. Metodologia O detalhamento da metodologia requereu um bom entendimento das atividades da regio e familiaridade com os dados disponveis, tarefas-chave para este detalhamento. A primeira etapa do trabalho, que consistiu nas atividades que levaram ao clculo de aproximadamente 160 mil valores de referncia, foi empreendido por meio de seis atividades consecutivas: Identificao de bases de dados disponveis de atividades desenvolvidas na regio e privilgios de acesso; Segmentar a economia da regio em setores; Definir insumos fixos e ndices de produtividade para cada atividade; Identificar melhores prticas na regio para cada atividade; Desenvolvimento conceitual do sistema de informaes; Construo do sistema de informaes e migrao para o servidor da SEDVAN/ IDENE. O estudo aqui apresentado est limitado em funo de suas caractersticas, das decises tomadas e das disponibilidades e qualidade dos dados obtidos. Assim, algumas premissas tiveram de ser estabelecidas. Premissas O municpio foi a unidade de anlise estabelecida em funo de ser a menor unidade de agregao de valor a que se pode ter acesso por meio da metodologia de pesquisa empreendida.48

No caso das atividades econmicas dos setores agricultura, extrao vegetal, silvicultura e produtos de origem animal o componente fixo utilizado foi a rea plantada ou rea colhida. Neste caso, a premissa de que o uso do territrio de cada municpio (reas de lavoura, pastagens e floresta) fixo, ou seja, no h aumento destas reas ou a alternncia lquida de reas destinadas a cada uma das culturas. A hiptese de converso de parte da rea agricultvel atual para o cultivo de uma cultura de maior lucratividade na regio, portanto, traria um acrscimo lquido de gerao de valor nos territrios abrangidos por esta converso, mas, ao mesmo tempo, impactaria negativamente a produo de valor da cultura de menor lucratividade. Da mesma forma, outras aes que envolvem ganhos oriundos da agregao de valor tambm podero ser empreendidas tendo como suporte as informaes contidas neste Mapa. Assim, possvel que resultados expressivos sejam conseguidos por meio de, por exemplo, a agregao de novas indstrias e atividades para beneficiamento local dos produtos da regio, seguindo a lgica de subir a escada na cadeia de valor, ou seja, obter ganhos oriundos da chegada do prximo elo da cadeia a partir das atividades existentes (e.g. criao de gado frigorficos curtume). Assim, no se admitiu que uma nova atividade fosse iniciada em dado municpio. As projees foram feitas apenas para as atividades que j existiam. Outros componentes tambm so considerados fixos tais como: a populao economicamente ativa da regio, o nmero de plantas industriais e de estabelecimentos comerciais e de servios. Para os demais setores pecuria, pesca e aqicultura, indstria de extrao mineral (indstrias extrativas), servios, construo, comrcio e indstria de transformao, dada a indisponibilidade de ndices de produtividade para estas ativida49

des, o potencial de incremento da produo de valor em cada atividade foi extrapolado a partir das informaes de outros setores econmicos. O seu produto foi calculado proporcional mdia dos acrscimos calculados para o conjunto das atividades dos setores agricultura, extrao vegetal, silvicultura e produtos de origem animal. Sendo assim, pressups-se que no caso destes setores, todas as pessoas podem melhorar sua produtividade e todos os processos podem ter sua produtividade incrementada. Partiu-se da hiptese, tambm, que todas as atividades econmicas tm mercado potencial ilimitado, mas tambm, por outro lado, no seria razovel admitir que qualquer aumento de produtividade maior do que 100% pudesse ser alcanado em um horizonte de tempo curto. Assim, os valores de acrscimo de gerao de valor econmico por atividade superiores a 100% foram reduzidos para este patamar mximo, a fim de se preservar a coerncia interna deste conjunto de regras. Outra premissa importante diz respeito s formas por meio das quais seria possvel aos produtores alcanarem valores de produtividade superiores aos atuais. Com relao a isso, foi considerado que tanto ganhos de produtividade (e.g. toneladas/ hectare), os quais refletem a qualidade da utilizao de tcnicas mais equipamentos, quanto ganhos de lucratividade (e.g. Reais/ tonelada), refletindo a qualidade e o acesso a mercados em que os produtos ou servios pudessem ser vendidos a preos superiores, poderiam causar esta variao na gerao de valor por atividade econmica. Por meio da combinao destes dois indicadores, produziram-se os indicadores de rentabilidade (e.g. Reais/ hectare) que foram utilizados para as projees conservadora e arrojada. Aps a anlise das informaes e o resultado da extrao e integrao de dados, percebeu-se que a variao dos valores dos indicadores municipais de gerao de valor por hectare (R$/ ha) era50

demasiado grande (e.g. o valor mximo para feijo era de 4.050 e o mnimo 60; no caso da laranja, os valores mximo e mnimo eram 11.400 e 330). Contudo, na maioria dos casos, o desvio-padro no apresentava valor to alto, o que indicava que esses valores de mximo e mnimo eram outliers, e, portanto, de pouca confiabilidade. Havia tambm a possibilidade de polarizao dos dados, como aconteceria se, por exemplo, gado de corte e gado de leite fossem agrupados sob um nico ttulo gado. Aprofundou-se as anlises para conferir qualidade s informaes e optou-se por manter estas informaes. Limites Segundo informaes obtidas pela equipe envolvida no projeto, a regio produtora de pinho-manso. Entretanto, a regulamentao da produo desta cultura no pas bastante nova, datando do ano de 2008, motivo pelo qual o IBGE, na pesquisa Produo Agrcola Municipal Cereais, Leguminosas e Oleaginosas 2002-2006 no informa dados relativos cultura. Como a metodologia deste estudo baseada em dados secundrios, cuja fontes mais importantes so os dados fornecidos pelo IBGE, no foi possvel, neste momento, informar os dados relativos a esta cultura. O girassol, outra cultura que, segundo informaes, est presente na regio, tambm no aparece na pesquisa mencionada anteriormente. 3.2. Concepo Como dito anteriormente, a elaborao do Mapa de Potencialidades Econmicas implicou no empreendimento de seis grandes tarefas. A seguir, faremos uma breve explicao sobre cada uma delas.

Identificar os dados disponveisEm primeiro lugar, foi necessrio que a equipe se familiarizasse com as bases de dados federais e estaduais, alm dos dados51

geridos por entidades privadas para a elaborao de um sumrio dos dados disponveis.

Segmentar a economia da regio em setoresEm paralelo, a economia da regio foi segmentada de acordo com os setores econmicos: agricultura, extrao vegetal, silvicultura, produtos de origem animal, pecuria, pesca e aqicultura, indstria de extrao mineral (indstrias extrativas), servios, construo, comrcio e indstria de transformao. A partir destes onze grupos, procurou-se agreg-los em funo da disponibilidade de dados sobre as 292 atividades econmicas identificadas e da confiabilidade deles. O nvel adequado de agregao foi encontrado quando a amostra por segmento foi razovel e os dados eram bons e confiveis. Assim, as seis categorias com que se decidiu prosseguir o trabalho foram: Agricultura; Extrao vegetal + Silvicultura; Produtos de origem animal + Pecuria + Pesca e aqicultura; Indstria de extrao mineral (indstrias extrativas); Servios + Construo + Comrcio; Indstria de transformao.

Definir insumos fixos e ndices de produtividade para cada atividadeUma vez pronta a lista detalhada de atividades econmicas classificadas segundo o setor econmico, associou-se a cada uma delas parmetros fixos e ndices de produtividade. Por exemplo, no caso das atividades agrcolas, o parmetro fixo foi rea colhida e os ndices de produtividade foram toneladas produzi52

das por hectare (ton/ ha) e tambm valor econmico auferido por tonelada (R$/ ton); unindo-se os dois, tem-se o valor econmico auferido por hectare (R$/ ha), que representa a eficincia no uso da terra. Os ndices ideais exigiam informaes que no estavam prontamente disponveis, como foi o caso dos dados de desfrute por municpio. Nesse caso, foi necessrio escolher outro indicador de produtividade (second-best), por exemplo, arrecadao de ICMS por atividade. Para a pecuria, por exemplo, a indisponibilidade de informaes sobre a produtividade das atividades, levou busca e utilizao da base de dados de arrecadao do ICMS a partir do que se calculou a receita por atividade. Foi necessrio tambm o uso de estimativas, extrapolaes e busca de dados complementares. Esse exerccio exigiu um profundo conhecimento dos dados disponveis e das atividades econmicas retratadas, alm de um tanto de engenhosidade e criatividade na definio de insumos e ndices. Essas trs tarefas foram crticas e resultaram nas fundaes do sistema de informaes no qual se baseia o mapa. A anlise tambm indicou que h grande heterogeneidade entre os valores dos indicadores entre as microrregies. No caso da cultura do milho, os valores mdios variam de 0,26, em Capelinha, a 2,13 toneladas/ hectare, na regio de Corinto (vide quadro 1).

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Quadro 1 - Produtividade microrregional da cultura do milho (em ton/ ha)

Fonte: autor

As informaes referentes aos setores agricultura, extrao vegetal, silvicultura e produtos de origem animal, para cada um dos 188 municpios da regio, foram sistematizadas em arquivos eletrnicos incluindo, quando disponveis, os seguintes dados: rea plantada ou destinada colheita (em hectares); rea colhida (em hectares); Quantidade produzida (em toneladas); Rendimento mdio (em quilos/ hectare); Valor (em Reais/ por quilo); Gerao de valor por hectare (em R$ 1000/ hectare); Valor por tonelada (em R$ 1000/ tonelada).54

Neste trabalho tambm foram feitos os levantamentos de: Rendimento mdio (em quilos/ hectare); Gerao de valor por hectare (em R$ 1000/ hectare); Valor por tonelada (em R$ 1000/ tonelada).

Identificar melhores prticas na regio para cada atividadeQuando a base de dados foi finalizada, estando estruturada e preenchida com os dados pertinentes, o prximo passo foi montar a rotina de consulta s melhores prticas. Para isso, optou-se por considerar a melhor prtica microrregional por ser esta a menor unidade de anlise de municpios agregados e por se acreditar que os municpios pertencentes a uma mesma microrregio deveriam ser aqueles em que se encontram as maiores semelhanas em termos de condies edafoclimticas e de indicadores censitrios condicionantes da produtividade das atividades econmicas. Isto , identificou-se que as melhores prticas microrregionais representavam uma meta bastante realista sem que fosse necessrio recorrer a valores de referncia de fora da regio. Esta alternativa pareceu mais enxuta para esta sofisticao do Mapa e as melhores prticas foram estabelecidas, mantendo-se algumas condies constantes. Outra alternativa teria sido fazer as buscas apenas nos municpios com perfis semelhantes de clima, temperatura e pluviometria ou que ficassem mesma distncia de grandes centros consumidores, mas os dados a este respeito precisariam ser tratados para se desenvolver uma cesta de indicadores que dariam os subsdios para a classificao de cada um dos municpios segundo tipos o que pareceu bastante complexo e, ao mesmo tempo, pouco produtivo em termos de estabelecer comparaes entre os municpios55

para as 292 atividades econmicas existentes. Sobre os indicadores de lucratividade, percebeu-se que as variaes entre as regies so menores, ou seja, h maiores desafios (ou, pelo menos, maiores disparidades), no caso da utilizao de tcnicas e equipamentos, do que no acesso a mercados. Isso no significa que no existam aes importantes a serem conduzidas no sentido de reduzir disparidades como a que existe entre o preo conseguido pelos produtores. Retomando o caso da cultura do milho que no estudo da produtividade apresentava variao de at 700% na microrregio de Janaba, o indicador de rentabilidade igual a 280 Reais por tonelada enquanto, na regio de Capelinha, o resultado superior a 97%, atingindo o valor de 550 Reais por tonelada comercializada (vide quadro 2).

Quadro 2 - Lucratividade microrregional da cultura do milho (em R$/ ton)

Fonte: autor

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Desenvolvimento conceitual do sistema de informaesConcludas essas tarefas, o trabalho estava praticamente pronto. O passo seguinte foi decidir os detalhes de quais relatrios o sistema deveria gerar e como representar as extrapolaes em um mapa (agregadas, detalhadas, etc). Alm disso, tambm foi estabelecida a matriz-escopo que deveria ser utilizada para fazer a carga de dados no sistema, foram extrados os dados setoriais, analisadas as informaes e integrados os dados. Com base neste trabalho, foi desenvolvido o desenho da arquitetura de informao (wireframes) e o design do sistema para a construo do piloto. Por fim, a sofisticao inserida neste modelo foi de plugar os dados projetados de cada atividade na frmula de clculo do PIB e projetar um novo PIB-base para cada municpio e cada atividade de acordo com duas perspectivas: uma conservadora e outra arrojada.

Construo do sistema de informaes e migrao para o servidor da SEDVAN/ IDENECom base nas definies acima, foram desenvolvidos o mdulo de relatrios por setor com as tabelas, grficos e o mdulo de territorialidade representado por meio de mapas. Neste momento est em andamento a migrao do sistema para o servidor da SEDVAN/IDENE

4. O Sistema de InformaoO uso de informaes estruturadas elemento fundamental no processo de atuao estratgica das organizaes, sendo elas pblicas ou privadas permite a identificao de questes e tendncias de maior impacto em determinados setores da economia, contribui para a transparncia na tomada de deciso e possibilita a alocao mais eficiente de recursos materiais e humanos,