descrição da pobreza rural no brasil

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Este trabalho tem por objetivo descrever a pobreza na área rural no Brasil utilizando-se de dados e mapas que subsidiam a análise dos anos de 2003 a 2009. Para tanto, são apresentadas as diversas abordagens e conceitos de pobreza e sua mensuração. Em seguida parte-se para o estudo de caso do Brasil, tendo como principal foco a insuficiência de renda e a insuficiência alimentar. Por fim faz-se uma análise crítica dos dados colocando em pauta os programas assistencialistas que podem ter ajudado na diminuição dapobreza na zona rural. Segundo relatório da ONU, a maioria dos pobres do mundo se situam nessa área.

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  • Descrio Da pobreza rural no brasil: uma anlise De 2003 e 2009

    Thas Damasceno Lima1Stephano Hertal Farias Nunes2

    Resumo

    Este trabalho tem por objetivo descrever a pobreza na rea rural no Brasil utilizando-se de dados e mapas que subsidiam a anlise dos anos de 2003 a 2009. Para tanto, so apresentadas as diversas abordagens e conceitos de pobreza e sua mensurao. Em seguida parte-se para o estudo de caso do Brasil, tendo como principal foco a insuicincia de renda e a insuicincia alimentar. Por im faz-se uma anlise crtica dos dados colocando em pauta os programas assistencialistas que podem ter ajudado na diminuio da pobreza na zona rural. Segundo relatrio da ONU, a maioria dos pobres do mundo se situam nessa rea.

    Palavras-chave: Pobreza Rural; Renda; Brasil.

    Classiicao JEL: I3, I32, I38, O1, O15, O18.

    1. IntRoduoDado o crescimento paulatino da preocupao da pobreza como um

    problema social, h uma necessidade de deini-la. Porm, deve-se considerar que a deinio de pobreza e de uma linha de pobreza envolve amplo debate

    1 Graduada em cincias econmicas pela Universidade Federal de Uberlndia, mestranda do programa de Ps Graduao em Economia da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (PPGE/Unesp). Email: [email protected]

    2 Graduado em economia pela Universidade Estadual de Maring, mestrando do programa de Ps Graduao em Economia da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (PPGE/Unesp) com bolsa de apoio da Capes e professor colaborador do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Ponta Grossa.

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    entre os pesquisadores da denominada rea social no Brasil (RIBEIRO; NEDER , 2009, p. 483). Ao longo do tempo foram cunhadas divergentes percepes de pobreza. Atualmente, h a coexistncia de diversas formas de compreenso desse problema social seja na esfera da observao e estudo do problema, seja no mbito da realizao de intervenes de polticas pblicas.

    Pobreza um termo que remete carncia relativa de algum atributo de um ente, seja um indivduo, uma regio ou pas. No meio cientico necessria uma deinio mais precisa tanto do atributo utilizado para ca-racterizar o estado de pobreza como do nvel de carncia a partir do qual se consideraria uma pessoa, famlia, regio ou pas como pobre. preciso considerar que a pobreza um fenmeno multidimensional que, portanto, no est relacionado apenas a variveis econmicas, mas tambm a vari-veis culturais e polticas. Ainda segundo o relatrio Pobreza Rural 2011, divulgado pela Organizao das Naes Unidas (ONU), mesmo com a sig-niicativa diminuio da pobreza na zona rural, nesta rea que a maioria dos pobres no mundo continua vivendo.

    No meio rural torna-se imprescindvel atentar-se aos rendimentos tanto monetrios, como, principalmente, os no monetrios no estudo da pobreza. Estes rendimentos no monetrios advm das atividades de produo para o autoconsumo e tendem a ser maiores quanto maior for o estado de privao econmica das famlias. Ressalta-se a a diiculdade de mensurao desta parcela da renda. Desta forma, os indicadores de pobreza para as reas rurais baseados estritamente na condio de insuicincia de renda tendem a superestimar a quantidade de pessoas e domiclios pobres.

    Para Sen (2000) a expanso das capacitaes do indivduo trazem como consequncia o aumento da renda deste indivduo, reduzindo, dessa forma, a pobreza. Com base nessa perspectiva, apesar de um possvel aumento do PIB no ser condio nica suiciente para melhorar a vida dos indivduos, ele necessrio para tanto. Como fator de diminuio da pobreza, o cres-cimento do PIB deve ser redistributivo. Para isso, so necessrias polticas pblicas formuladas para atuar sobre a redistribuio da renda na tentativa de reduzir as desigualdades. O autor acredita que as polticas pblicas devem ser voltadas para ampliar as capacidades humanas, e redistribuir os ganhos auferidos de um crescimento econmico.

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    Durante os anos de 2003 a 2009 a pobreza no campo diminuiu cerca de 30 pontos percentuais. Parte da queda atribuda ao xodo da populao campesina para as cidades e s polticas pblicas especicas popolao rural, tais como o PRONAF e apliao ao direito de aposentadoria. Apesar do aumento das polticas pblicas de assistncia social e de ampliao dos benefcios previdencirios, ainda constata-se no Brasil uma situao de persistncia da pobreza rural. Este artigo tem por objetivo retratar aes e fatos relativos questo da pobreza no campo e aprofundar a anlise dos determinantes da reproduo da pobreza rural. Alguns determinantes so clssicos, como os que creditam enfaticamente a persistncia da pobreza devido concentrao da propriedade da terra no Brasil. Ao restringir o acesso da populao rural ao recurso essencial para a superao do estado de pobreza, resulta em uma estrutura de poder poltico dominado pelas oligarquias agrrias que travam o desenvolvimento rural inclusivo.

    O mtodo escolhido para cumprir com o objetivo foi uma anlise de dados como: taxa de pobreza, insuicincia de renda, insuicincia alimentar, ocupao dos indivduos no agupamento agrcola e as trajetrias gricas da renda, pobreza e da desigualdade. Estes indicadores auxiliaram para a formao do retrato da situao da pobreza no campo nos perodos recentes. Alm dessa introduo o artigo conta com mais trs sees e a concluso. Na seo dois e trs so apresentados o conceito de pobreza e suas formas de mensurao. Na seo de nmero quatro a pobreza contextualizada realidade brasileira nos anos recentes, e dados do perodo de aes e poli-ticas pblicas assistenciais so observados e analisados. Por im, tem-se a concluso desse estudo.

    2. As AbordAgEns ConCEituAis dA pobrEzAEm campanhas polticas brasileiras tornou-se cada vez mais comum

    abordar o tema da pobreza dando enfoque nas desigualdades sociais exis-tentes no pas. O Brasil vem se preocupando com a persistncia da pobreza desde o incio da dcada de noventa, e o tema ganhou ainda mais destaque aps a estabilizao da inlao, passando a ser at hoje a principal inquie-tude brasileira (ROCHA, 2003).

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    Assim, torna-se mster uma explanao primria do signiicado de pobreza. Porm importante ressaltar que a deinio da pobreza assim como sua mensurao constitui-se num campo de pesquisa to amplo quanto antigo. Conceitualmente a palavra pobreza refere-se a misria, penria, in-digncia. pobre aquele desprovido ou mal provido do necessrio; pessoa que vive em estado de necessidade. A pobreza tida como um termo que remete carncia relativa de algum atributo de um indivduo, regio ou pas. Porm, deve-se compreend-la como um fenmeno complexo, no qual deve ser levado em conta todo o contexto econmico, poltico e social no determinado tempo em que se tenta dein-lo.

    A pobreza e, portanto, as carncias que os indivduos que nela se en-quadram possuem, acaba se reletindo na dieta alimentar, com ingesto uma alimentao de baixo valor nutricional, como tambm se relete na maneira de vestir, nas condies habitacionais e sanitrias, e at nas oportunidades de emprego. Essas carncias vo alm do campo material. A pobreza tam-bm se relete nas altas taxas de analfabetismo, baixa expectativa de vida, elevada taxa de mortalidade infantil, e a falta de acesso infraestrutura bsica necessria reproduo da vida humana em sociedade.

    Dessa forma, uma abordagem que visa a deinio de pobreza o conceito da no satisfao de necessidades bsicas (SALAMA & DESTRE-MAU, 1999). Considerando essencial o acesso a alguns bens, de forma que sem estes os indivduos estariam impossibilitados de usufruirem uma vida digna. So considerados: o acesso a gua potvel, rede de esgotos, coleta de lixo, acesso educao e ao transporte coletivo bens necessrios insero social do indivduo e manuteno de uma vida saudvel.

    V-se portanto que deve ser buscado no apenas a deinio de pobreza como tambm das necessidades dos indivduos pobres. A privao qual se refere a noo de pobreza pode ser no s material, como tambm social e cultural. Logo, ao incluir alm dos aspectos econmicos, os aspectos po-ltico-sociais e culturais, deve-se considerar a pobreza como uma varivel multidimensional (KAGEYAMA; HOFFMANN, 2006).

    Com base nisso, de acordo com Hagenaars e De Vos (1988) h trs categorias nas quais pode-se enquadrar a pobreza:i) Pobreza absoluta: nesta categoria a pobreza deinida como o fato de

    ter menos do que um mnimo deinido objetivamente.

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    ii) Pobreza relativa: conceituado como se ter menos do que outros na sociedade.

    iii) Pobreza subjetiva: na qual pobreza sentir que no se tem o suiciente para seguir adiante.Entre as formas de medio temos tanto as formas absolutas, como

    tambm as relativas e subjetivas como demostrado por Hagenaars e De Vos (1988) e Kageyama & Hoffmann(2006). No meio cientico exige-se uma deinio mais precisa tanto do atributo utilizado para caracterizar o estado de pobreza como do nvel de carncia a partir do qual se consideraria uma pessoa, famlia ou regio como pobre.3. ALgumAs formAs dE mEnsurAo dA pobrEzA

    No Brasil, as deinies das linhas de pobreza tm sido vrias, indo de salrios mnimos e renda diria at consumo dirio de calorias e protenas necessrias para manter um padro mnimo de nutrio.

    Na tica da renda, denomina-se linha de pobreza um valor estabelecido a priori no qual todos os indivduos que possuem renda igual ou menor do que tal valor pode ser classiicado como pobre. Dentro dessa viso, im-portante ressaltar a linha de pobreza estabelecida pelo Banco Mundial de U$1,00/dia, ou seja, todos aqueles que ganham um dlar por dia ou menos so caracterizados como pobres. H tambm a linha de pobreza utilizada pela CEPAL e por Hoffmann (2001) que de e do salrio mnimo, classi-icando reciprocamente como pobre e pobre extremo. Torna-se importante ressaltar que outra forma de se traar uma linha de pobreza adotando os critrios de elegibilidade das polticas pblicas de combate pobreza como o Fome Zero e o Bolsa Famlia.

    Ainda sobre a renda, o Atlas do Desenvolvimento Humano (2000) e Helfand e Levine (2006) utilizam a ixao do salrio mnimo consideran-do que aqueles que possuem renda abaixo do valor estimado como salrio mnimo pode ser caracterizado como aquele que no possui recursos para adquirir o bsico estimado para suprir as necessidades individuais.

    Seguindo a mesma viso de determinao de uma linha de pobreza pela renda, Graziano da Silva et al. (2000) apresentam como alvitre uma metodologia que se baseia na renda total declarada na Pesquisa Nacional

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    por Amostra de Domiclios do ano de 1999, considerando o valor estimado para o autoconsumo familiar agrcola (somado renda declarada) e o va-lor do aluguel e da prestao da casa prpria pagos (descontado da renda declarada). O valor obtido o que o autor chama de renda mdia familiar desponvel per capita e comparado com a linha de pobreza de U$ 1,08 por dia, adotada para as reas rurais do Nordeste e corrigidas para as demais reas pelos ndices de custo de vida regional do pas.

    Como j mensionado, bastante complexo deinir um signiicado de pobreza, assim como mensurar e traar uma linha que possa dimension-la. Na literatura sobre indicadores sociais de que as deinies de pobreza baseadas unicamente na renda podem ser insuicientes para caracterizar a populao pobre. Isso porque a pobreza no est relacionada apenas a fatores econmicos, mas tambm a fatores polticos, sociais e culturais, identiicando assim uma pobreza de carter multidimensional.

    Com base no enfoque multidimensional da pobreza, Hoffmann e Kageyama(2006) traaram uma classiicao entre pobres e no pobres utilizando uma combinao entre nvel de renda e acesso/disponibilidade de trs tens bsicos de infraestrutura: a presena de gua canalizada em no mnimo um comodo, a existncia de banheiro no domiclio ou na pro-priedade e a presena de luz eltrica no domiclio. Com essa base traou-se dois nveis de renda como linhas de pobreza. Uma correspondente metade do salrio mnimo vigente no ms de maio de 2005, que se refere ao valor de R$ 150,00, e outra correspondente do salrio mnimo da mesma data, o que corresponde ao valor de R$75,00. Foram considerados tambm os rendimentos levantados pela PNAD, utilizando como referncia o ms de setembro de cada ano e inlacionando-os para atualizao dos valores para todo o perodo estudado. Dessa forma, a pobreza deinida combinando a linha de pobreza e a existncia dos itens considerados bsicos de infraes-trutura. Assim classiicou-se como: No pobre: aquele com renda demiciliar per capita acima da linha de

    pobreza e que possui no mnimo dois dos trs itens de infraestrutura considerados na pesquisa.

    Pobre tipo II: aqueles que possuem renda acima da linha de pobreza e que vivem em domiclios com menos de dois dos itens de infraestrutura.

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    Pobre tipo I: o indivduo com renda abaixo da linha de pobreza e com um dos trs tens de infraestrutura considerados.

    Extrema pobreza: o individuo com renda abaixo da linha de pobreza deinida e cujo domiclio no possui nenhum dos trs tens de infraes-trutura considerados como bsicos na pesquisa realizada. Na tentativa de conceituar e dimensionar economicamente a pobreza

    rural, leva-se em considerao que na anlise de Chambers (2006) classiica os critrios desse dimensionamento em quatro diferentes grupos:

    O primeiro renda-pobreza, que deine a pobreza segundo a renda ou consumo, baseada em um valor pr-estabelecido para a renda ou nvel de consumo.

    O segundo vincula-se a carncias materiais e remete dimenso sub-jetiva do desejo. J que alm da renda, a pobreza pode se referir falta ou insuicincia de riqueza, ou de ativos como casa, roupa, meio de transporte pessoal, televiso, e assim por diante.

    O terceiro agrupamento deriva da viso de Amartya Sen, e se expressa como privao de capacidade para realizar projetos pessoais, ou simples-mente desenvolver-se nos padres sociais. Esta categoria vai alm da falta de material ou capacidades humanas, e envolve uma evidente dimenso social e histrica que baliza a importncia da privao e qualiica a prpria capacidade.

    O quarto grupo considera a natureza multidimensional da pobreza, assumindo que o status inluenciado por um ou mais fatores.

    Dessa forma, deve-se escolher as dimenses apropriadas e que se re-lacionam condio de privao das famlias. Estas dimenses devem ser levadas em considerao no clculo dos indicadores de pobreza.

    Apesar da complexidade que deinir a pobreza, o mtodo mais uti-lizado para identiicar e mensurar a dimenso da pobreza o da linha de pobreza/indigncia, deinida em valores monetrios com limite varivel segundo a pesquisa. No Brasil as linhas deinitrias tm sido traadas a partir de vrios critrios, desde salrios-mnimos at linhas baseadas em protenas e calorias necessrias para manter determinado padro de nutrio (Mattos e Waquil, 2006, p. 4). Enquadra-se neste peril a linha de pobreza utilizada pelo Banco Mundial (US$ 1,00/dia) e por Hoffmann (2001) ( e do salrio mnimo).

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    Conforme aponta Diniz & Arraes (s/d), linhas de pobreza baseadas no consumo observado vm sendo utilizadas desde a realizao do Estudo Nacional da Despesa Familiar (ENDEF- 1974/1975), ganhando novo impulso mais recentemente aps a realizao das Pesquisas de Oramentos Familiares (POF) de 1987/1988 e 2002/2003, ambas do IBGE. De fato, as informaes destas pesquisas viabilizam a construo de linhas de indigncia e pobreza que levam em conta as especiicidades das cestas de consumo e alimentares locais.

    Rocha, um dos nomes de maior destaque e que mais tem contribudo para a compreenso e mensurao da pobreza no Brasil, utiliza estes indi-cadores e revela, no trabalho mais recente (2006a), passo a passo de como determinar cinco linhas: 1) Determinao das necessidades nutricionais; 2) Determinao da cesta alimentar; 3) Estimar o consumo no-alimentar; 4) Diferenciar o custo de vida regional; 5) Desenvolvimento das linhas. Para o desenvolvimento das linhas de pobreza regionais Rocha construiu 23 linhas de pobreza e 23 linhas de indigncia diferenciadas, de modo a levar em conta tanto as diferenas de custo de vida e de hbitos de consumo entre as reas urbanas e rurais como entre as regies brasileiras. Com base nesta metodologia, Rocha (2006) estima em 57,7 milhes de pessoas o nmero de pobres no Brasil.

    Seguindo esta mesma matriz metodolgica de dimensionar pobreza pelo nvel de renda, Graziano da Silva et. al. (2001) prope uma metodo-logia baseada na renda total declarada na PNAD de 1999, corrigida pelo valor estimado para o autoconsumo das famlias agrcolas (somado renda declarada) e pelo valor do aluguel e da prestao da casa prpria pagos (descontado da renda declarada). A renda assim obtida comparada com a linha de pobreza de US$ 1,08 por dia.

    Com base em um enfoque multidimensional Buainain, Maletta e Vil-lalobos (1999) deiniram a pobreza de uma forma integrada, combinando a carncia de renda com a carncia de infra-estrutura e servios bsicos nos domiclios. Admitindo cinco tipos de necessidades bsicas (abrigo, privaci-dade, educao das crianas, acesso a sanitrio e capacidade de obter uma renda suiciente), os autores consideraram como pobres os domiclios em que pelo menos uma das cinco necessidades bsicas no fosse satisfeita.

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    importante ressaltar que uma anlise da situao de pobreza rural com enfoque multidimensinal mostra que a pobreza rural persiste devido falta de acesso das populaes pobres a condies de vida apropriadas, o que acaba por criar barreiras para o desenvolvimento social e humano para a superao da pobreza extrema. As citadas dimenses referem-se no somente ao acesso a servios e bens pblicos em geral, como acesso a estudo, que permite uma situao que poder posicionar o indivduo em uma situao favorvel, acesso ao saneamento bsico, acesso ao sistema de sade, etc; como tambm referem-se posse de bens de consumo, acesso terra, condio de moradia, condies favorveis de trabalho, acesso agua tratada, energia eltrica e posse de bens de consumo durveis.

    Numa tentativa de diblar o problema das disparidades existentes entre as diversas regies brasileiras, Silveira et al.(2007) utiliza as informaes bsicas da Pesquisa de Oramento Familiar (POF) do IBGE, pesquisa essa que cobre tanto as regies urbanas, como as metropolitanas e rurais do Brasil, aplicando uma metodolgia que se baseia no parmetro de requerimentos calricos necessrios ao indivduo, evitando assim eventuais distores nas estimativas.

    Seguindo a mesma teoria de pobreza multidimensional, Buainain et al. (1999) buscaram deinir a pobreza baseando-se em mais de um par-metro, integrando carncia de renda e de infraestrutura e servios bsicos nas residncias. Dessa forma, os autores consideraram como necessidades indispensveis: abrigo, acesso a sanitrio, privacidade, educao infantil e capacidade de obteno de uma renda que seja suiciente para a manuten-o familiar. Foram caracterizados como pobres os domiclios nos quais pelo menos uma dessas necessidades no foram atendidas. Tomando como referncia essa classiicao, no ano de 1995, pelos dados da PNAD, 12 milhes de domiclios, o que em termos populacionais signiica 53 mi-lhes de pessoas, no alcanavam o padro de satisfao das necessidades consideradas como indispensveis nessa pesquisa.

    Tambm com enfoque na infraestrutura e na tentativa de se traar uma linha de pobreza, Kageyama (2003) aborda uma linha de pobreza de meio salrio mnimo vigente no ms de setembro de 2001 para uma renda per capita dos domiclios agrcolas. Dessa forma, combinando tambm renda e infraestrutura, o autor considera em sua pesquisa: o material de construo

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    das residncias, o tipo de telhado do domiclio, nmero de indivduos resi-dentes por cmodo do domiclio, a presena de gua encanada, existncia de energia eltrica na residncia, o tipo de instalao sanitria, a existncia de geladeira, televiso e telefone na residncia e a forma de coleta do lixo. O autor denominou este indicador como ndice de Nvel de Vida (INIVI), com ele, cobrem-se as lacunas deixadas pela abordagem unicamente mo-netria e retratam-se as carncias no apenas de renda como tambm de bem-estar da populao.

    Segundo De Haan (1999) o conjunto das diversas formas de privao caracterizam o carter mltiplo e cumulativo das desvantagens sofridas pelos grupos desfavorecidos. Outro autor que defende a viso de carter multi-dimensional da pobreza Mestrum (2002), pois a multidimensionalidade permite que se leve em considerao um nmero ilimitado de problemas, abrangendo suas causas, consequncias e sintomas.

    A multidimensionalidade da pobreza para ser mensurada em seu carter, necessita da construo de um indicador que corresponda abordagem mul-tidimensional e considere a situao de pobreza auto-avaliada, que a forma na qual o indivduo percebe sua prpria situao social. Correspondendo a uma abordagem mais abrangente que apenas as necessidades bsicas, dado que inclui acesso dos indivduos educao, sade, infra-estrutura, alm de compreender a possibilidade dos indivduos exercerem sua representatividade social e sua cidadania. Assim, pode-se deinir a pobreza como a capacidade individual de exercer seus direitos e liberdades, analisando as diversas for-mas de distribuio e acesso aos recursos coletivos e privados. Esta viso conhecida como abordagem das capacidades, e ressalta a importncia de se observar tambm os direitos civis e polticos do indivduo (SEN, 1988).

    Sen (2000), adotando a perspectiva das capacitaes demonstra que:

    Nessa perspectiva, a pobreza deve ser vista como privao de capacidades bsicas em vez de meramente como baixo nvel de renda, que o critrio tradicional de identiicao da pobreza. A perspectiva da pobreza como privao de capacidades no envolve nenhuma negao da idia sensata de que renda baixa claramente uma das causas principais da pobreza, pois a falta de renda pode ser uma razo primordial da privao de capacidades de uma pessoa (SEN, 2000, p. 109).

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    Emerge dessa abordagem a compreenso das liberdades adotada por Sen (2000), a qual refere-se aos processos que do liberdade de aes e decises aos indivduos da mesma forma como suas oportunidades. A carncia da liberdade surge em funo de processos ou oportunidades inadequadas que privam algumas pessoas de realizarem o mnimo do que gostariam.

    Dessa maneira, torna-se imprescindvel que as polticas pblicas to-mem como inalidade a expanso das liberdades. Os principais meios para conquistar esse objetivo no podem, portanto, se restringir um aumento na renda, mas sim buscar uma diminuio das desigualdades entre as pessoas e suprir a carncia de capacitaes, de forma a tornar a educao bsica, os servios de sade e segurana social acessveis aos indivduos, ampliando, assim, a capacitao das pessoas. Dessa maneira, proporciona-se a melhora da qualidade de vida, j que uma expanso das capacitaes humanas leva, consequentemente, ao aumento da renda e ajuda a reduzir a pobreza.

    Percebe-se, portanto, que h um debate sobre as formas de se deinir e mensurar a pobreza. Esse problema social que se mostra cada vez mais em pauta nas discusses no apenas acadmicas, mas tambm polticas, envol-ve distintos e importantes mtodos de abordagens. Cada mtodo com suas justiicativas e peculiaridades, traz uma discusso no apenas do problema em s, mas das possveis causas e solues a ele atribuda.4. pobrEzA no ContExto brAsiLEiro

    O contexto socioeconmico brasileiro teve suas estruturas fortemente alteradas nas duas ltimas dcadas. Essas transformaes incluem mudan-as institucionais de forma geral, na estrutura produtiva, assim como nos padres tecnolgicos, e tambm na dinmica demogrica. Devido a uma maior interao geogrica, econmica e cultural, o conceito de rural sofreu algumas distores. Isso, devido ao dinamismo tecnolgico que permitiu a criao e o desenvolvimento de uma nova infraestrutura do transporte e meios de comunicao, tornando assim os luxos populacionais e de infor-mao mais intensos num panorama inter-regional brasileiro.

    No s as polticas pblicas sociais de garantia de renda, como tam-bm, as polticas de sade, eletriicao e educao impactaram fortemente sobre as condies de vida da populao rural. Alm disso, o crescimento

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    das pequenas cidades e a renovao da populao rural esboa uma apro-ximao entre campo e cidade, bem como das relaes estabelecidas entre essas reas, com importantes consequncias sobre as condies e o modo de vida da populao rural.

    Recentes anlises mostram uma queda da pobreza e a reduo da de-sigualdade econmica no campo. Ao que tudo indica a pobreza rural est sofrendo mudanas estruturais no s na sua caracterizao, mas tambm na sua dinmica. Deve-se ressaltar, portanto, que a importncia social desses movimentos, demonstra uma grande necessidade de maior conhecimento dos processos de transformao no meio rural, estritamente necessrio para uma concretizao das polticas existentes e para a formulao de novas polticas de intuitos de reforo ao movimento positivo e recente de trans-formao socioeconmica nas reas rurais.

    Logo, um estudo detalhado dessas especiicidades ser de suma im-portncia para abrir a possibilidade de que as aes pblicas que visam um enfrentamento da pobreza rural tenham uma focalizao mais adequada e especica, alm de uma diversidade de instrumentos compatveis com as necessidades e as potencialidades scioeconmicas presentes no campo.4.1. Abordagens de mensurao da pobreza a nvel de brasil

    A pobreza, independente de sua caracterizao como absoluta ou multidimensional, possui, no Brasil, a caracterstica de concentrao re-gional. Sabe-se que as desigualdades regionais brasileiras so fortes traos da hitria e do desenvolvimento econmico. H grande discrepncia entre nvel de renda, investimento, poupana, tecnologia, alfabetizao, entre outros indicadores sociais e econmicos entre as distintas regies do pas.

    Segundo Rocha (2010), em pases como o Brasil (que possuem nvel de renda mdio e economia monetizada), para se estabelecer um limite entre pobres e no-pobres, possvel utilizar linhas de pobreza. Ressalta-se que a pobreza no deinida apenas como insuicincia de renda. Mas, para uma melhor anlise e pela disposio dos dados, as linhas de pobreza formuladas por Rocha (2003), se d devido s diferenas locais existentes no Brasil. Com essas especiicidades busca-se considerar as diferenas nas estruturas de consumo das famlias e de preos ao consumidor das diversas

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    regies, sejam elas metropolitanas, urbanas ou rurais. Para deinir as linhas, Rocha (2003) toma como base, de acordo com as pesquisas de oramento familiar, o consumo entre indivduos de baixa renda das reas residenciais das regies estudadas e, para possibilitar uma anlise mais crvel, seus valores so anualmente atualizados tendo como referncia a variao local dos preos de acordo com grupos de produtos. Esses dados so formulados pela autora utilizando-se de dados da Pesquisa de Oramento Familiar.

    A anlise do ano de 2004 torna-se interessante pelo fato de que a partir desse ano h uma evoluo do emprego e da renda no Brasil. No perodo entre 2004 e 2008 (notoriamente um perodo de crescimento econmico) a taxa mdia de aumento do Produto Interno Bruto chegou a 4,8%. Houve tambm um aumento anual do nmero de pessoas ocupadas, de cerca de 2% ao ano durante o quinqunio. Alm disso, a recuperao do valor do salrio mnimo tambm foi um fator relevante para o aumento da demanda. A diminuio da taxa de desemprego entre 2004 e 2008 foi um dos aspectos que interferiu no aumento do consumo de 21,5%. O investimento aumen-tou 44,8% e as exportaes de bens e servios cresceram 21,2% durante o perodo supracitado. A partir de 2004 o crescimento total do montante salarial contribuiu para a retomada do consumo. O sistema inanceiro interno aumentou sua credibilidade e ampliou o volume e os prazos de emprsti-mos para inanciar o consumo de bens durveis. Outros importantes fatores foram os programas de transferncia de renda, os quais sofreram forte expanso, sendo imprescindveis para o aumento do consumo domstico. O aumento da demanda efetiva desencadeou o aumento do PIB, que por sua vez provocou uma ampliao das importaes em cerca de 81,7% no perodo (BALTAR (s/d)).

    Dado o relatrio da Fundao do Desenvolvimento Administrativo (FUNDAP, 2011), a partir do ano de 2004 a populao em idade ativa (PIA) amplia a nveis maiores que a populao economicamente ativa (PEA). A populao ocupada passa a crescer consideravelmente (no total h um crescimento de 15,6% entre 2004 e 2009), h o incio de uma importante trajetria de queda do desemprego. Entre 2003 e 2010 h um aumento de 7% dos empregados com carteira assinada, que chega a 2010 a um nvel de 51% da populao ocupada. Demonstrando assim uma melhoria dos padres do mercado de trabalho.

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    imprescindvel, portanto, a comparao entre 2004 e 2009, dado que o perodo 2004-2008 , notoriamente, um perodo de crescimento econmico. Alm disso, em 2008 o Brasil (e o mundo) comea a sofrer os efeitos da crise norte-americana do subprime, o que reletido no ano de 2009.

    possvel notar um grande avano na distribuio de renda no Brasil de 2003 para 2009. importante lembrar que entre 2004 e 2008, o Brasil viveu um momento de crescimento econmico que foi de grande importncia para essa melhoria na distribuio dos rendimentos. Deve-se ressaltar tambm o crescimeto nesses anos dos benefcios sociais e polticas pbicas de combate a pobreza (ROCHA, 2010). Percebe-se, contudo, que o nordeste ainda em 2009 se encontra como uma rea crtica, possuindo trs estados com cerca de 30% das pessoas com insuicincia de renda, sendo que essa insuicincia se agrava na rea rural.

    Na igura 1, pode-se evidenciar a pobreza por regio mais afetada. Pode-se perceber que a incidncia de pobreza (indivduos com renda per capita entre R$70,00 e R$ 140,00) e indigncia (indivduos com renda at R$ 70,00 per capita) na regio norte e nordeste consideravelmente maior que nas demais regies. Enfatiza-se principalmente a regio nordeste, a qual em 2009 apresenta cerca de 7,2 miles de indigentes e 9,4 milhes de pobres, nmeros considerados alarmantes.

    Figura 1 Percentual e nmero absuluto de indivduos em situao de pobreza e indigncia no Brasil em 2009 por regio

    Fonte: Costa, 2010.

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    Segundo o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrcola (FIDA relatrio de Novembro de 2011), o Nordeste brasileiro a regio com maior ndice de pobreza rural da Amrica Latina. O relatrio ainda ressalta que os agricultores em situaes preocupantes, os quais ainda conseguem manter sua subsistncia, porm com diiculdades, dependem do clima da regio, na qual a perda da lavoura uma situao que ocorre frequentemente. Alm disso, atenta-se para o fato de que uma das principais causas da pobreza no Brasil, e principalmente nessa regio a desigualdade da posse de terras. As terras cultivveis esto concentradas nas mos de poucos proprietrios.

    Outrossim, o FIDA atenta para o fato de que no Nordeste h um cenrio degradante de baixa renda, condies climticas desfavorveis, limitao dos recursos naturais, alm do precrio acesso aos servios pblicos. Salienta-se que o atraso das populaes rurais, em muitas vezes, se d tambm pelo alto ndice de analfabetismo, limitado acesso infraestrutura e acesso a servios bsicos como gua tratada, saneamento bsico, atendimento mdico. No tocante ao acesso gua, grande o nmero de indivduos no Nordeste, principalmente, que carece de acesso a esse bem.

    No grico da igura 2, percebe-se a problemtica nordestina da pobreza no Brasil. Nota-se que esse no um problema recente e que a desigualdade sofreu uma atenuao ao longo do tempo. Porm, como ressalta o relatrio da FIDA, a regio Nordeste continua sendo a regio brasileira com maior incidncia de pobreza e pobreza extrema (indigncia).

    Mesmo com um notrio avano da economia brasileira e uma dimi-nuio considervel da pobreza e pobreza extrema nas regies, o Nordeste ainda a regio, em 2008, com o maior ndice de pobreza. Porm, deve-se considerar uma diminuio de cerca de quase 30 pontos percentuais na di-minuio da pobreza entre 1995 e 2008 e uma reduo em cerca de quase 25 pontos percentuais na taxa de pobreza extrema nordestina entre esses mesmos anos.

    As regies Sul e Sudeste concentram em 2008 os menores ndices de pobreza e pobreza extrema do pas. Sendo que esses ndices em 2008 dimi-nuram para cerca da metade do que eram em 1995. No Norte, assim como no Nordeste, a taxa de pobreza e pobreza extrema ainda so preocupantes, sendo a taxa de pobreza extrema cerca de 5 pontos percentuais abaixo da taxa de pobreza, que por sua vez de 22,8% em 2008.

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    Figura 2 Taxa de pobreza aboluta e de pobreza extrema nas regies bra-sileiras nos anos de 1995 e 2008

    Fonte: IPEA

    Na igura 3, por sua vez, so caracterizados os indivduos que sofrem com a insuicincia alimentar, esses indivduos so, portanto, aqueles que no conseguem sequer, auferir o mnimo necessrio para a sobrevivncia. A insuicincia alimentar caracterizada pela no ingesto da quantidade mnima de nutrientes necessrios para a manuteno da vida humana, de forma a suprir as necessidades energticas do indivduo dado o papel social que ele possui na populao em que vive.

    Assim como na igura 3, na igura 4 a distribuio regional em per-centual das pessoas que se encontram em estado de insuicincia alimentar indicado pelas cores, e o nmero real de pessoas que se encontram nesse em meio a esse problema representado pelos crculos.

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    Figura 3 Distribuio espacial da insuicincia de renda no Brasil nos anos de 2003 e 2009

    Fonte: Maia; Buainain, 2011.

    Figura 4 Distribuio espacial da insuicincia alimentar no Brasil nos anos de 2003 e 2009

    Fonte: MAIA; BUAINAIN, 2011. Acesso em 15 jan. 2013.

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    No tocante insuicincia alimentar, h uma continuidade da tendncia de concentrao do problema. Sendo, portanto, as regies Norte e Nordeste as mais afetadas com essa insuicincia. Os estados do Acre, Amazonas, Paraba e Alagoas so os que apresentam uma maior porcentagem de indi-vduos com insuicincia alimentar em 2003. Em 2009, nota-se uma me-lhora no problema de insuicincia alimentar, entretanto, as regies Norte e Nordeste continua como as mais afetadas pelo problema. Sendo o estado de Alagoas a regio com maior ndice de pessoas com insuicincia alimentar no Brasil no ano de 2009. H tambm uma continuidade da proporo de pessoas com insuicincia alimentar na rea rural.

    Tabela 1- Distribuio da populao (%) segundo indicadores autodeclarados de insuicincia de renda e de alimentos Brasil 2003 e 2009

    indicador de qualidade de vida2003 2009

    urbano Rural urbano Ruraln (1.000) % n (1.000) % n (1.000) % n (1.000) %

    Renda permite que se viva com:Muita Diiculdade 40.491 28 11.271 38 29.065 19 8.037 25Diiculdade 34.682 24 7.676 26 33.972 22 8.435 26Alguma diiculdade 49.447 34 8.258 28 56.776 37 10.577 33Alguma facilidade 12.015 8 1.625 5 20.778 13 3.297 10Facilidade 5.946 4 786 3 13.508 9 1.667 5Muita Facilidade 864 1 146 0 1.323 1 186 1

    Quantidade de alimentos:Normalmente no suiciente 21.720 15 5.881 20 15.306 10 4.474 14s vezes no suiciente 48.406 34 12.544 42 43.230 28 11.663 36 sempre suiciente 73.156 51 11.340 38 96.858 62 16.052 50

    Fonte: MAIA; BUAINAIN, 2011. Acesso em 28 jan. 2013.

    Na tabela 1 pode-se perceber a quantidade de indivduos que possuem grande diiculdade em viver com a renda auferida, tanto na rea urbana quanto na rea rural. Em 2003 mais de 28% da populao urbana enfrentava o problema de insuicincia de renda, enquanto que 38% da populao rural se deparavam com o mesmo problema. Em 2009 h uma melhora signii-

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    cativa nesse percentual, passando para 19% da populao urbana e 25% da populao rural com insuicincia de renda. No que tange insuicincia alimentar, em 2003 15% e 20% da populao urbana e rural, respectiva-mente, enfrentavam a problemtica da insuicincia alimentar, enquanto que em 2009 esse nmero baixou para 10% da populao urbana e 14% da populao rural. Nota-se, assim, uma melhora signiicante nas duas zonas, sendo notrio em 2009 o quanto a rea rural ainda tem uma maior porcenta-gem populacional, quando comparada rea urbana, enfrentando a pobreza tanto no tocante insuicincia de renda quanto da insuicincia alimentar.

    Em relao pobreza rural, faz-se necessria uma anlise do mercado de trabalho agrcola. Dessa forma, a igura 3 evidenca a situao do trabalho no agrupamento agrcola. Nota-se que h quatro categorias distintas no gr-ico, so elas: empregados, trabalhadores por conta-prpria, empregadores e trabalhadores no reunerados. A menor categoria, abrangendo apenas 3% da populao brasileira desse agrupamento a de empregadores. Ainda no agrupamento agrcola, 25% so trrabalhadores por conta-prpria (muitos deles agricultores familiares que podem ser beneiciados pelo PRONAF), 29% so empregados e a grande maioria 43% so trabalhadores no re-munerados (nessa categoria se enquadra os indivduos que trabalham na agricultura familiar sem remunerao, trabalhando para a prpria famlia, ou aqueles indivduos que trabalham apenas para subsistncia).

    Figura 5 Posio na ocupao do indivduo ocupado em empreendimento do agrupamento agrcola

    Fonte: Ipea.

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    A tabela 2 (que segue abaixo) evidenca a porcentagem de indivduos com insuicincia severa de renda (IR) e insuicincia severa alimentar (IA) nos anos de 2003 e 2009 por regies. Compreende-se que em 2003 a insuicincia tanto de renda quanto alimentar so maiores nas reas rurais no Norte, Nordeste e Sudeste. Atenta-se para o fato de que a situao rural ainda mais grave na regio Norte na qual, em 2003, 40,3% dos indivduos enfrentam situao de insuicincia de renda e 24,7% enfrentam insuicincia alimentar. No Nordeste esse nmero na rea rural ainda maior, sendo 26% da populao enfrentando problemas de insuicincia alimentar e 51,7% enfrentando severa insuicincia de renda.

    Em 2009, com uma melhoria da distribuio de renda no pas, os nmeros de indivduos que passam por situaes de privaes diminuem. Nesse ano, no Norte o nmero de pessoas com insuicincia de renda cai para 28,2% e com insuicincia alimentar cai para 15,2% na rea rural. No Nordeste a situao continua mais grave, apesar de uma considervel me-lhora. A porcentagem de indivduos que enfrentam insuicincia de renda no Nordeste cai para 32% enquanto o de pessoas que enfrentam insuicincia alimentar cai para 18,1% na rea rural.

    Tabela 2- Percentual da populao com insuicincia severa de renda (% IR) e insuicincia severa de alimentos (% IA) segundo grandes regies Brasil 2003 e 2009

    regio

    2003 2009urbano Rural urbano Rural

    % ir % iA % ir % iA % ir % iA % ir % iANorte 30.7 16.8 40.3 24.7 20.1 12.0 28.2 15.2Nordeste 40.7 20.4 51.7 26.0 25.8 13.5 32.0 18.1Sudeste 25.0 14.9 25.2 15.9 17.2 9.0 19.0 10.4Sul 17.5 8.9 15.9 5.6 11.8 6.0 11.5 5.7Centro-Oeste 26.8 10.2 23.9 8.5 17.1 8.8 14.1 9.3totAL 28.2 15.2 37.9 19.8 18.7 9.9 25.0 13.9

    Fonte: MAIA; BUAINAIN, 2011. Acesso em 28 jan. 2013.

    Por im, na igura 6 nota-se, principalmente numa anlise mais recente do ano 1999 a 2005, diminuies do ndice de Gini, da pobreza e um au-

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    mento signiicativo da renda. A queda da pobreza e do ndice de Gini no-toriamente acentuada a partir do ano de 2003. De 1999 a 2005 perceptvel uma diminuio da pobreza rural em cerca de 10 pontos percentuais. Nesse mesmo perodo o ndice de Gini teve um decrscimo que deixa evidente a diminuio da desigualdade na zona rural. Para alm, a renda nesses 6 anos cresce em cerca de 9 pontos percentuais. Dessa forma aparente a diminuio da pobreza rural e a melhoria no nvel de vida que os individuos dessas regies levam.

    No total, em 2003, na rea rural, 37,9% dos indivduos enfrentavam situao de insuicincia de renda no Brasil, e 19,8% da populao passava por situao de insuicincia alimentar. H, em 2009, uma queda nesses n-meros de 12,9 pontos percentuais e 5,9 pontos percentuais, respectivamente. Passando assim a 25% a proporo de pessoas que enfrentam situao de insuicincia de renda na rea rural e 13,9% de indivduos que enfrentam insuicincia alimentar na rea rural no Brasil.

    Figura 6- trajetria da renda, pobreza e da desigualdade nas reas rurais (Renda em R$, de setembro de 2006)

    Fonte: Helfand e Del Grossi (2008), apud: Helfand et al.(2009)

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    Na anlise dos dados, pode-se percebe que houve reduo da desi-gualdade e da pobreza na zona rural. Mesmo com uma melhoria da renda e diminuio da insuicincia alimentar, a pobreza que assola a populao rural ainda maior que na zona urbana. inegvel, porm, que programas de redistribuio de renda e combate pobreza como o Bolsa Famlia e o Fome Zero ajudaram na diminuio das ms condies de vida. Alm disso, deve-se ressaltar a possibilidade de aposentadoria no meio rural e o PRONAF que servem como auxlio para melhoria de renda e produo dos indivduos que vivem na rea campesina.5. ConCLuso

    Em geral, possvel notar que a pobreza rural sofreu uma diminuio entre os anos de 1990 a 2010, com uma queda ainda mais persistente a partir de 2004. Com base nos dados do Instituto de Estudos do Trabalho e da Sociedade, houve uma queda na proporo de pobres de 56,8% para 23%. Porm aqueles indivduos que continuaram na situao de pobreza continuam vivendo sem atendimento de suas necesidades bsicas e de forma to precria quanto antes.

    importante salientar que, trantando-se da pobreza de carter mul-tidimensional, h uma grande insuicincia no acesso de bens e polticas pblicas por parte da populao pobre do campo. As famlias que se en-quadram como pobres rurais tm indicadores abaixo da mdia no acesso a bens e polticas pblicas dos ndices gerais. Em 2009, segundo a PNAD, a taxa de analfabetismo na rea rural era de cerca de 22%. E mais de 30% dos indivduos residentes nessas res no possuiam acesso gua tratada.

    Tanto em relao s estimativas multidimensionais como em relao s abordagens absolutas, pode-se perceber que a desigualdade regional brasileira remonta um cenrio de pobreza distinto entre as mesorregies. O Nordeste apresenta-se com maior concentrao de pobres, mostrando assim uma necessidade maior de apoio e polticas pblicas de combate da pobreza como problema social.

    Os pobres rurais da regio nordeste possuem uma taxa de analfabetismo de quase 31% e a taxa de trabalho infantil chega a pouco mais de 13%. A proporo de indigentes sem acesso a gua de cerca de 57% e sem acesso a energia eltrica de 10%.

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    Assim, fato que a ampliao das polticas pblicas e dos programas de proteo social de forma a atingirem a populao mais necessitada tor-na-se indispensvel. A ampliao do Bolsa Famlia, dos inanciamentos do Programa Nacional de Fomento Agricultura Familiar (PRONAF), assim como do Plano Brasil sem Misria surge como necessidade dos pobres e como questo de sobrevivncia para os indigentes. vlido lembrar que essa ampliao precisa considerar a exixtncia de famlias que no existem oicialmente, ou seja, aquelas famlias cujos indivduos no possuem, sequer documentos para poderem participar atualmente desses programas.

    A anlise dos dados desse trabalho leva a compreenso de que a recente queda dos ndices de desigualdade no Brasil, em propores signiicativas para os agentes de menor renda, mais vulnerveis misria, se possibilitou atravs de polticas pblicas de combate pobreza voltadas a transferncia de renda. Com a ampliao do Programa Bolsa Famlia e com a expanso do sistema de benefcios previdencirios. Estes programas, agindo de forma conjunta potencializaram fortemente a melhoria dos indicadores de renda das famlias na condio de indigncia. So, tambm, os principais responsveis por ingressos de recursos inanceiros nos municpios brasileiros, afetando signiicativamente os municpios mais pobres, os quais no possuem uma estrutura econmica eiciente, sendo, desta forma, dependentes das trans-ferncias governamentais dos programas sociais.

    No tocante ocupao dos indivduos em relao ao setor da ativi-dade econmica, h uma diminuio na participao dos indivduos no setor agrcola no valor de 1,12 pontos percentuais entre os anos de 2004 e 2008. Segundo Rocha (2010), isso se deve a um movimento demogrico da populao, principalmente no que que diz respeito incidncia de po-breza. Entre 2004 e 2008 pode-se perceber uma diminuio dos pobres na rea rural, devido a um contnuo xodo do campo para a cidade. H, nesse quinqunio, uma reduo da pobreza dada a valorizao que teve o piso salarial e a expanso dos benefcios de aposentadoria, principalmente na rea rural (Rocha, 2010).

    Outrossim, a interrupo da reproduo da pobreza outro importante aspecto a ser considerado. Impedir que as crianas e jovens de hoje venham a ser as famlias pobres de amanh uma forma de se evitar o ciclo da pobreza. Para tanto deve-se investir na educao para que se haja melhor instruo e

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    perspectivas de futuros a esses indivduos. Alm de ser necessria a amplia-o das oportunidades de insero no mercado de trabalho, investindo na qualiicao desses jovens. Logo, a insero social, a ampliao do campo de aes das polticas pbicas, assim como uma ateno maior s reas de maior concentrao de pobres so pontos imprescindiveis no s para a di-minuio da pobreza como tambm para o impedimento de sua reproduo.

    dEsCription of rurAL povErty in brAziL: An AnALysis from 2003 to 2009AbstractThis paper describes the rural poverty in Brazil, to do this is used data and maps that show the poverty in the rural area. The analysis ranges from 2003 to 2009 and presents both different approaches and concepts of poverty and its measurement. Following, a case study of Brazil, focusing mainly on the lack of income and food insuficiency, is provided. In the end, a critical analysis of the Brazilian governments social program is made, by questioning if it is successful or not to reducing poverty in the rural areas.

    Keywords: Poverty Rural; Income; Brazil.

    JEL Classiication: I3, I32, I38, O1, O15, O18.

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