desconcentração urbana e oportunidades de trabalho: um estudo

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Desconcentração Urbana e Oportunidades de Trabalho: um estudo da integração dos imigrantes no mercado de trabalho das cidades médias e regiões metropolitanas brasileiras 1 Rodrigo Valente Serra 2 Introdução Este estudo pretende informar os promotores de políticas públicas sobre a capacidade de absorção da mão-de-obra imigrante nos mercados de trabalho das cidades médias 3 e regiões metropolitanas brasileiras na década de 80. A intenção, portanto, é verificar em que medida houve alguma diferença na forma pela qual o imigrante das cidades médias integrou-se neste mercado vis-à-vis a integração obtida pelo imigrante nas regiões metropolitanas. Se tomarmos o conjunto das 81 cidades médias nacionais verifica-se que estas experimentaram na década de 80 uma taxa anual média de crescimento (3,19%) significativamente superior àquela apresentada pela população metropolitana nacional (1,98%) 4 . Tal dinamismo certamente não pode ser fundamentado apenas no crescimento vegetativo destas cidades, fato que destaca a importância dos fluxos imigratórios como componente do crescimento urbano experimentado por estes centros. Embora não seja possível associar o desempenho econômico e populacional do conjunto de cidades médias com políticas regionais coordenadas à nível federal ou estadual, certo é que o seu ritmo de crescimento atendeu aos objetivos, explicitados na década de 70, de desconcentração espacial da renda e da consolidação de uma rede urbana mais equilibrada 5 . De uma forma genérica, as propostas e políticas para o desenvolvimento urbano que defendiam a premência de investimentos nas cidades médias, vinculavam-se aos seguintes objetivos: 1. O crescimento das cidades médias era visto como positivo – e até certo ponto emergencial - para a desaceleração do ritmo de crescimento das metrópoles nacionais e regionais; 2. Para além das intenções de atenuar o crescimento das regiões metropolitanas, os investimentos nas cidades médias eram vistos como fundamentais para a distribuição espacial da riqueza nacional. Uma distribuição que, calcada em centros urbanos dotados dos fatores necessários ao desenvolvimento eficiente de atividades dinâmicas, possibilitaria 1 Trabalho vencedor (categoria Profissionais e Público em Geral) do Concurso Nacional de Monografias sobre População e Desenvolvimento (1999), da Comissão Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD) e Fundo de População das Nações Unidas (FNUAP). Este estudo foi realizado com apoio do Núcleo de Estudos e Modelos Espaciais Sistêmicos – Nemesis (MCT/Finep – CNPq/Pronex), sob a coordenação do Profº Thompson Almeida Andrade e colaboração da Profa Ângela Moulin (UERJ), contando com a participação dos estagiários Gheisa Roberto Telles Esteves (estudante de economia da UERJ) e Denis Paulo dos Santos (estudante da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE). 2 Mestre em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ), pesquisador associado à Dipes/IPEA, Doutorando em Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente / UNICAMP. 3 Neste estudo Cidades Médias são aquelas 81 cidades, não metropolitanas e não capitais, com população, em 1991, entre 100 mil e 500 mil habitantes. 4 Para uma análise da evolução demográfica das cidades médias nos últimos vinte e cinco anos ver Andrade e Serra (1998a). 5 Um sistema urbano mais equilibrado pode ser entendido como possuindo uma hierarquização da rede de cidades mais próxima ao tipo “rank-size” ou “log normal”.

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Desconcentração Urbana e Oportunidades de Trabalho: um estudo daintegração dos imigrantes no mercado de trabalho das cidades médias e

regiões metropolitanas brasileiras1

Rodrigo Valente Serra2

Introdução

Este estudo pretende informar os promotores de políticas públicas sobre a capacidadede absorção da mão-de-obra imigrante nos mercados de trabalho das cidades médias3 e regiõesmetropolitanas brasileiras na década de 80. A intenção, portanto, é verificar em que medidahouve alguma diferença na forma pela qual o imigrante das cidades médias integrou-se nestemercado vis-à-vis a integração obtida pelo imigrante nas regiões metropolitanas.

Se tomarmos o conjunto das 81 cidades médias nacionais verifica-se que estasexperimentaram na década de 80 uma taxa anual média de crescimento (3,19%)significativamente superior àquela apresentada pela população metropolitana nacional(1,98%)4. Tal dinamismo certamente não pode ser fundamentado apenas no crescimentovegetativo destas cidades, fato que destaca a importância dos fluxos imigratórios comocomponente do crescimento urbano experimentado por estes centros.

Embora não seja possível associar o desempenho econômico e populacional doconjunto de cidades médias com políticas regionais coordenadas à nível federal ou estadual,certo é que o seu ritmo de crescimento atendeu aos objetivos, explicitados na década de 70, dedesconcentração espacial da renda e da consolidação de uma rede urbana mais equilibrada5.

De uma forma genérica, as propostas e políticas para o desenvolvimento urbano quedefendiam a premência de investimentos nas cidades médias, vinculavam-se aos seguintesobjetivos:

1. O crescimento das cidades médias era visto como positivo – e até certo ponto emergencial- para a desaceleração do ritmo de crescimento das metrópoles nacionais e regionais;

2. Para além das intenções de atenuar o crescimento das regiões metropolitanas, osinvestimentos nas cidades médias eram vistos como fundamentais para a distribuiçãoespacial da riqueza nacional. Uma distribuição que, calcada em centros urbanos dotadosdos fatores necessários ao desenvolvimento eficiente de atividades dinâmicas, possibilitaria

1 Trabalho vencedor (categoria Profissionais e Público em Geral) do Concurso Nacional de Monografias sobrePopulação e Desenvolvimento (1999), da Comissão Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD) eFundo de População das Nações Unidas (FNUAP). Este estudo foi realizado com apoio do Núcleo de Estudos eModelos Espaciais Sistêmicos – Nemesis (MCT/Finep – CNPq/Pronex), sob a coordenação do Profº ThompsonAlmeida Andrade e colaboração da Profa Ângela Moulin (UERJ), contando com a participação dos estagiáriosGheisa Roberto Telles Esteves (estudante de economia da UERJ) e Denis Paulo dos Santos (estudante da EscolaNacional de Ciências Estatísticas do IBGE).2 Mestre em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ), pesquisador associado à Dipes/IPEA,Doutorando em Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente / UNICAMP.3 Neste estudo Cidades Médias são aquelas 81 cidades, não metropolitanas e não capitais, com população, em1991, entre 100 mil e 500 mil habitantes.4 Para uma análise da evolução demográfica das cidades médias nos últimos vinte e cinco anos ver Andrade eSerra (1998a).5 Um sistema urbano mais equilibrado pode ser entendido como possuindo uma hierarquização da rede decidades mais próxima ao tipo “rank-size” ou “log normal”.

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convergir os interesses de equidade distributiva e manutenção de um ritmo de crescimentoeconômico acelerado;

3. O crescimento e multiplicação das cidades médias também podem ser lidos como respostasaos objetivos de ocupação territorial. As cidades médias, funcionando como pólosdinamizadores regionais, possibilitariam também a convergência dos interesses em integraro território e ocupar as fronteiras nacionais.

Pode ser argumentado que estes objetivos atrelavam-se a resultados agregados para odesenvolvimento econômico nacional, senão vejamos: freiar o crescimento das metrópoles edinamizar áreas do interior, para além da preocupação com a qualidade de vida dos habitantesmetropolitanos, são objetivos vinculados à busca de maior eficiência produtiva, uma vez quenas cidades médias não se verificariam as deseconomias de aglomeração reinantes nos grandescentros urbanos do país; por outro lado, a ocupação do território é explicitamente umaestratégia de desenvolvimento de âmbito nacional, sobretudo quando se alude à dimensãocontinental do país e os grandes vazios urbanos presentes em seu território.

Neste trabalho propõe-se uma inversão do olhar sobre as cidades médias. Ocrescimento demográfico das cidades médias é interpretado como gerador (ou não) debenefícios (ocupação, renda e amparo legal das relações trabalhistas) para os imigrantes quepara lá se dirigiram, quando confrontados com a situação dos imigrantes que se destinaram asmetrópoles. Em outros termos, procura-se saber até que ponto o crescimento das cidadesmédias foi eficiente – não devido a potencialidade de gerar um maior nível de eficiênciaeconômica agregada – mas sim no sentido de proporcionar vantagens aos imigrantes que paralá se dirigiram.

O estudo utiliza-se de dados do último Censo Demográfico (1991), fato que sugerecuidados especiais quanto à sua validade diante da conjuntura atual, decorridos 8 anos.Contudo, em que pese a defasagem temporal dos seus resultados, este estudo parece oportunodiante de um possível quadro de reconcentração (ou de atenuação do processo dedesconcentração espacial da riqueza nacional) sugerido pela recente literatura pertinente aotema6, e, de certa forma, ratificado pelos resultados da Contagem Populacional de 19967.

Ora, se evidências recentes vierem confirmar este processo de reconcentração espacial,é provável que os investimentos nas cidades médias sejam relembrados pelos pesquisadores eplanejadores públicos como políticas prioritárias para os rumos do desenvolvimento urbanonacional. Sendo este o caso, parece-nos, de extrema importância que estas políticas possam tercomo subsídio – e um argumento adicional – uma análise relativamente recente que mostre ograu de adaptação dos imigrantes nestas cidades em confronto com os imigrantes que sedirigiram às metrópoles. Este estudo pretende anteceder eventuais propostas de dinamização

6 No contexto socioeconômico atual, os imbricados processos de reestruturação produtiva, mundialização dosmercados e diminuição do Estado parecem ter implicações sobre a espacialização das atividades econômicasainda pouco discutidas e/ou evidenciadas. Neste cenário de incertezas, sobre os rumos do desenvolvimentourbano nacional, parece pertinente o conhecimento da experiência recente de crescimento das cidades médias,para permitir uma avaliação quantitativa e qualitativa de sua importância para o processo de desconcentraçãopopulacional e econômica, e balizar o debate acerca da continuidade de seu papel estratégico neste processo.7 A Contagem Populacional de 1996 mostra que o crescimento populacional observado para o conjunto dasregiões metropolitanas do país (excluindo-se Vitória) volta a experimentar um ritmo superior ao ritmo decrescimento nacional.

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das cidades médias procurando responder a seguinte indagação: Foi benéfico para osimigrantes (em termos comparativos) o fato de terem se dirigido às cidades médias ?

O trabalho organiza-se da seguinte forma. Na seção II são apresentados argumentos eevidências que expõe a importância das cidades médias para o processo de desconcentraçãoeconômica e populacional da sociedade brasileira. A seção III dedica-se à apresentação dosprincipais argumentos que permitem compreender os possíveis impactos na organizaçãoespacial da sociedade advindos dos concomitantes processos de reestruturação produtiva,abertura comercial e diminuição da presença do estado na alavancagem da economia brasileira.Na seção IV reporta-se o dimensionamento dos fluxos migratórios nas cidades médias e faz-seuma análise das suas características. A seção V trata do exame da questão da integração dosimigrantes nos mercados de trabalhos destas cidades e das áreas metropolitanas, fazendo umaanálise dos seus rendimentos, da sua taxa de ocupação e da sua inserção no mercado formal. Aseção final faz uma síntese dos resultados obtidos e aponta algumas linhas para estudo futuro epara formulação de políticas.

II. O PAPEL ESTRATÉGICO DAS CIDADES MÉDIAS NO PROCESSO DEDESCONCENTRAÇÃO ESPACIAL DAS ATIVIDADES ECONÔMICAS E DAPOPULAÇÃO BRASILEIRA

Em 1970, quando 44% da população urbana brasileira concentrava-se nos 8 maiorescentros urbanos do país, revelava-se a importância das cidades médias para reversão do quadrode concentração espacial da população e das atividades econômicas. Tal importância, emparte, foi alimentada pela tese da “reversão da polarização”, difundida na década de 70 porRichardson, e consubstanciada pelas evidências empíricas observadas nos paísesdesenvolvidos.

De acordo com a tese da reversão da polarização, a metropolização seria um fenômenocomum ao estágio de consolidação da estrutura produtiva dos países em desenvolvimento.Contudo, o próprio desenvolvimento econômico destes países daria inicio a um mecanismoautomático de desconcentração das atividades econômicas em direção às cidades de portemédio. Este processo automático teria como fundamento os custos - sociais e privados -proibitivos para o desenvolvimento de certas atividades econômicas nas saturadas metrópoles.Tais custos, identificados pela literatura econômica como deseconomias de aglomeração,traduzem os efeitos negativos atrelados a alta concentração de atividades nas metrópoles, entreos quais podem ser lembrados: a poluição atmosférica, o tempo desperdiçado noscongestionamentos, a elevação dos aluguéis e a saturação da infra-estrutura produtiva e dosserviços ligados mais diretamente à saúde dos moradores metropolitanos.

No Brasil, a realização de alguns estudos empíricos8 evidenciaram que, já na década de70, poderia ser percebido o fenômeno da reversão da polarização. Nesta mesma décadaocorria um espraiamento industrial para quase todos os estados brasileiros, valorizando ointerior do Estado de São Paulo como palco de novas localizações industriais. Já na década de80, deve ser dada atenção a um movimento de reconcentração da indústria nacional, na faixaque vai da região central de Minas Gerais ao Nordeste do Rio Grande do Sul, sendo que no

8 O trabalho de Azonni (1986) constitui-se referência básica para aqueles interessados em conhecer a versãobrasileira do processo de reversão da polarização.

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interior desta faixa seria possível perceber um melhor distribuição espacial da indústria. [Diniz(1993)].

Obviamente que a saturação das metrópoles, e o consequente surgimento dasdeseconomias de aglomeração, não são fatores suficientes para engendrar o processo dereversão da polarização. Foi preciso que, para além dos centros metropolitanos, houvesseespaços alternativos à localização das firmas, ou seja, centros urbanos dotados da infra-estrutura necessária para o desenvolvimento de atividades dinâmicas e para o escoamento desua produção em direção aos mercados consumidores.

Como a desconcentração espacial exigia que os centros não metropolitanos fossemprovidos de infra-estrutura produtiva, as cidades médias ganhavam destaque também comopossíveis alvos de políticas públicas, em muitos dos estudos que, na década de 70, vinculavam-se ao problema da concentração espacial da população e das atividades econômicas num paísem processo de industrialização.

Tomando as cidades médias como alvos de políticas de desconcentração espacial, deveser destacado o papel estratégico deste conjunto de cidades diante da clássica oposição entreas políticas de desenvolvimento econômico orientadas pelo princípio da eficiência e aquelasvoltadas para uma maior equidade na repartição espacial da riqueza nacional.

De forma genérica, as políticas orientadas pelo princípio da eficiência econômicatendem a possuir um caráter espacialmente concentrador. Isto explica-se em função dosmaiores níveis de produtividade que ocorrem nos grandes centros urbanos, propiciando maiorcompetitividade aos bens ali produzidos. Esta maior produtividade, dá-se, entre outros fatores,pela maior e melhor oferta de infra-estrutura produtiva, pela existência de mão-de-obraqualificada e pela escala do mercado que ocorre nos centros de maior porte.

Em sentindo inverso, as políticas de desenvolvimento orientadas pelo princípio daequidade são capazes de distribuir espacialmente a riqueza nacional - através dos investimentosdiretos estatais, subsídios e outros incentivos - justamente por desvencilharem-se de resultadosestritamente competitivos9.

O papel estratégico das cidades médias consistia justamente na possibilidade deconvergir ambos objetivos, isto a partir da interpretação de que a elevação da participaçãodestas cidades na distribuição do produto nacional poderia combinar as necessidades dedistribuir espacialmente a riqueza nacional10 e de buscar níveis de produtividade compatíveiscom um ritmo acelerado de crescimento econômico.

Em recente trabalho, Andrade e Serra (1998), advertiram que “um olhar retrospectivopara as quatro últimas décadas, não obstante confirme a distribuição concentrada da populaçãourbana brasileira, aponta para uma tendência bem marcada do papel das cidades médias no

9 Na verdade, sejam em economias capitalistas ou socialistas, dificilmente encontram-se políticas dedesenvolvimento plenamente orientadas por um desses princípios. O que se encontra na prática são açõesgovernamentais híbridas, conjugando, com maior ou menor equilíbrio, ambas as orientações para a política dedesenvolvimento nacional.10 Não se pretende minimizar a importância da distribuição social da renda como requisito para odesenvolvimento nacional. Entretanto, a distribuição social da renda requer a utilização de um instrumentalpolítico que não será abordado neste estudo.

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crescimento demográfico do país. Nesse aspecto, o Gráfico 1 é bem ilustrativo ao demonstraro achatamento crescente das extremidades das barras populacionais. Os centros intermediárias(entre 50 mil e 500 mil habitantes), que em 1970 detinham 19,1% da população urbananacional, passaram em 1991 a agrupar quase 1/3 desta mesma população.” (Andrade e Serra:1998, p.3).

Gráfico 1 Participação no Total da População Urbana, segundo as

Classes de Tamanho dos Centros Urbanos — 1950/91

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

1950 1970 1991

Maior do que 2 milhões hab.

Entre 500 mil e 2 milhões hab.

Entre 250 mil e 500 mil hab.

Entre 100 mil e 250 mil hab.

Entre 50 mil e 100 mil hab.

Entre 20 mil e 50 mil hab.

Menor do que 20 mil hab.

Fonte: Andrade e Serra: 1998, p. 4.

III - REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, ABERTURA COMERCIAL E“DIMINUIÇÃO” DO ESTADO: POSSÍVEIS IMPACTOS TERRITORIAIS

Como vem se reestruturando o sistema urbano nacional na década de 90 ? A carênciade informações econômicas estatisticamente significativas em nível municipal e/ouespacialmente abrangentes torna extremamente difícil uma comprovação empírica dasmudanças recentemente ocorridas no grau de dispersão territorial da população e dasatividades econômicas. Por outro lado é possível encontrar um conjunto satisfatório deinterpretações sobre os rumos da organização espacial da sociedade brasileira advindos dasrecentes mudanças no processo produtivo e organizacional, vinculados à chamadareestruturação produtiva; realizada em um ambiente econômico de maior abertura comercial;e inserida num cenário político de profundas modificações do papel do Estado para aalavancagem do desenvolvimento nacional.

Parte-se da hipótese que os três fenômenos acima citados (reestruturação produtiva,abertura comercial e redimensionamento do Estado) não são neutros no que se refere àcapacidade de provocar alterações na distribuição espacial da riqueza nacional. Entretanto,dado o estágio ainda incipiente destes fenômenos e a carência de estudos empíricos sobre osreflexos destas transformações no sistema urbano nacional, não se pode com segurançaapontar as direções destes impactos territoriais11: i) se é no sentido de intensificar o grau de 11 Um balanço inicial permite especular sobre uma hegemonia das interpretações que apontam a ocorrênciapresente de processos reaglomerativos (no que se refere ao setor industrial) sobre aquelas interpretações queevocam uma continuidade do fenômeno de desconcentração espacial das atividades econômicas no país. Entre

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concentração urbana; ii) se, alternativamente, contribui para um maior equilíbrio espacial darede de cidades nacional; iii) ou ainda, se aciona os dois processos simultaneamente (deconcentração e desconcentração), na medida em que setores/ramos econômicos são afetadosde forma diferenciada, gerando um saldo líquido de sinal desconhecido. O debate sobre assupostas implicações territoriais destes citados fenômenos mostra haver argumentos válidos,tanto para justificar uma tendência de reconcentração espacial, como para permitir umainterpretação de que o processo de reversão da polarização iniciado na década de 70 estejaganhando dinamismo.

Com respeito as mudanças tecnológicas vinculadas à chamada reestruturação produtiva(ou à Terceira Revolução Científica Tecnológica), estas parecem influenciar os modeloslocacionais no sentido da desconcentração urbana, na medida que, ao promoverem odesenvolvimento das tecnologias de comunicação, ocasionam uma barateamento nos custos detransferências (reunião dos insumos + transporte dos produtos). Este efeito sobre os modeloslocacionais tenderia a intensificar-se com o avanço do novo paradigma produtivo (centrado namicroeletrônica e na informação) sobre o conjunto de setores e ramos produtivos daeconomia nacional.

Mas, a mesma ampliação do conteúdo tecnológico nos processos produtivos acaba porrevalorizar a metrópole como espaço privilegiado para o desenvolvimento de atividadeseconômicas modernas. Isto porque é nas metrópoles onde estão concentradas as universidades,centros de pesquisa e os serviços industriais “superiores” (ou de alta qualificação)12. Aproximidade com estes elementos interessa às firmas, pois facilita a transferência de tecnologiados “laboratórios” para o interior do espaço produtivo.

Outro fator que permite associar reestruturação produtiva e reconcentração espacialnos grandes centros urbanos do país parece ser a difusão do processo de desintegraçãovertical. As firmas, ao enxugarem seu escopo produtivo, dedicando-se apenas à realização detarefas/produtos para as quais possuam conhecimento específico (vantagens comparativas),tornam-se cada vez mais dependentes do fornecimento de insumos. E, como é sabido, quantomaior a interdependência entre firmas, maior a tendência de ocorrer aglomeração.

No concernente à abertura comercial, pode-se supor que a eliminação de barreirastarifárias venha a dinamizar as trocas de insumos produtivos e a comercialização de produtosfinais entre pontos no interior do país e o “resto do mundo”. Assim, por exemplo, regiões oucidades produtoras de commodities podem experimentar grande dinamismo a partir de umaintensificação de seu comércio exterior. Da mesma forma, regiões ou cidades, em um contextode maior abertura comercial, podem ser economicamente favorecidas com o barateamento deum insumo essencial à sua base produtiva. No Brasil, este efeito parece estar se concretizandoem alguns pontos do interior da região centro-sul do país, beneficiadas pela consolidação do os primeiros pode-se destacar os trabalhos de Azzoni (1997), Diniz e Lemos (1997), Cano (1995), Haddad(1994), Lavinas (1994) e Negri (1992). Como representativos dos trabalhos que apontam a continuidade doprocesso de desconcentração espacial deve-se ter como referência: Pacheco (1998), Rodrigues (1998) e Castro(1997).12 Não necessariamente a metrópole apresenta-se como locus privilegiado para localização de firmas de plantasindustriais modernas. Estas, a rigor, poderiam, inclusive, se dirigir para centros urbanos pequenos. Entretantoesta possibilidade estaria associada ao surgimento de tecnopólos nestes centros urbanos (veja por exemplo acidade de Santa Rita do Sapucaí - MG), o que não parece ser um fenômeno com presença marcante na redeurbana nacional. Tampouco políticas sistemáticas de apoio e criação destes tecnopólos em cidades pequenasparece elencar as diretrizes nacionais da política de desenvolvimento regional contemporânea.

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Mercosul. Contudo, é preciso ressaltar a possibilidade de uma leitura deste fortalecimento dointerior do centro-sul não como manifestação de uma desconcentração efetiva, mas sim comoum espraiamento limitado à área economicamente mais dinâmica do país.

A abertura comercial, por outro lado, colocando (muitas vezes de forma abrupta)setores e gêneros produtivos sob a concorrência externa, pode ser interpretada comoalimentadora do processo de concentração espacial e, consequentemente, de ampliação dasecular diferenciação regional brasileira. Este efeito fundamenta-se nas enormes diferençasexistentes entre sub-espaços nacionais, tanto no que diz respeito à competitividade vigente,quanto no tocante à capacidade de investimentos, visando melhorias nos níveis de eficiênciaprodutiva13.

Por fim, deve-se comentar os possíveis efeitos da “diminuição” do Estado sobre o graude concentração urbana nacional14. O que pode ser alegado como fator contributivo para adesconcentração urbana é a ampliação da capacidade de investimento em infra-estruturaprodutiva resultante do processo de privatização de setores estratégicos neste aspecto, porexemplo: estradas, ferrovias, energia elétrica e telefonia15. Neste raciocínio, os limitesorçamentários do Estado, pressionados pelo tamanho das dívidas interna e externa (e peloaltíssimo custo de sua “rolagem”), limitariam a capacidade do poder público em conservar eampliar as redes de comunicação internas ao país, o que restringiria a possibilidade dedesenvolvimento de inúmeros pontos do território nacional16.

É bem verdade que a conservação/ampliação das vias de comunicações internas podemter efeitos danosos sobre as regiões periféricas, na medida em que facilita a distribuição peloterritório nacional daqueles bens produzidos com maior eficiência nos grandes centros urbanosnacionais. Tal fato, portanto, relativiza o argumento de que a privatização pode gerar efeitosde desconcentração urbana.

Mas, há outros argumentos que contribuem para se acreditar na existência de vínculosentre uma tendência espacialmente concentradora e uma política orientada para a redução dopapel mais direto do Estado no desenvolvimento econômico nacional. Primeiramente, pode-sefazer referência à própria perda de status dada ao planejamento regional, o qual representa uminstrumento extremamente necessário para ações voltadas para a desconcentração urbana, nomínimo, servindo para implantar políticas governamentais compensatórias aos possíveis efeitosconcentradores acima descritos. 13 Ver Guimarães Neto (1996) sobre possíveis efeitos danosos sobre a economia nordestina advindos da formacomo se processa a inserção do país na economia internacional.14 Rodriguez (1997) fala ainda de efeitos macroeconômicos pós-plano Real que tenderiam a favorecer adesconcentração espacial: “o efeito combinado de ampliação do mercado interno com a melhoria salário real, aestabilidade econômica, a redução de incertezas proporcionadas pelo Plano Real e a retomada dos investimentosem infra-estrutura modificou as condições que favoreciam a reconcentração circunscrita ao Estado de São Pauloe ao grande polígono em torno dele.” (Rodriguez (97), p. 15).15 Diniz e Lemos (1997) mostram que os efeitos da privatização sobre a distribuição espacial das atividadeseconômicas relaciona-se com a destinação dos recursos captados ou poupados pelo governo federal nesteprocesso de desestatização. Na hipótese dos recursos forem utilizados para provimento de infraestrutura nasregiões periféricas, o efeito pode ser benéfico para a desconcentração, na hipótese alternativa, se a privatizaçãoservir para enxugar gastos governamentais (e não ampliar investimentos) a tendência será de ampliação dadensidade econômica na região centro-sul do país.16 Azzoni (1997) defende que “a incapacidade do governo federal em arcar com os investimentos em infra-estrutura, principalmente depois de 1988 (com a reforma fiscal), fez aumentar o diferencial de infra estruturaentre estados e municípios ricos e pobres.”

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Para além do esvaziamento dos órgãos de planejamento, a política de privatizaçõespode ser associada à concentração urbana, na medida em que seja válido interpretá-la (aprivatização) como perda de capacidade de investimento governamental direto. Investimentosestes que potencialmente podem atender ao princípio da equidade na distribuição espacial dariqueza nacional. Como os investimentos privados em infra-estrutura vinculam-seexclusivamente ao princípio da eficiência, pode ser argumentado que as privatizações seconcentrarão no Centro-Sul do país17. Como mostra Azzoni (1997), acreditando-se que aprivatização traz elevação da produtividade, pode-se concluir pelo aumento dos diferenciais deprodutividade inter-regionais.

Diante da validade dos opostos argumentos sucintamente aqui apresentados torna-seextremamente valiosa a construção de indicadores que contribuam para retratar asmodificações mais recentes na distribuição espacial não só da indústria, como do conjunto dossetores econômicos nacionais. Independentemente dos resultados, as cidades médias parecemdeter papel de destaque na distribuição espacial da riqueza nacional. Se a divulgação dosprimeiros resultados do Censo 2000 reunir evidências que comprovem, durante a década de90, um processo de reconcentração urbana nos grandes centros do país, as cidades médiasseriam tomadas como alvos estratégicos para eventuais políticas de desconcentração. No casooposto, havendo evidências de um processo de desconcentração urbana, a posição estratégicadas cidades médias manifesta-se sobre a potencialidade destas contribuírem para acontinuidade deste fenômeno.

Como a compreensão da integração do imigrante no mercado de trabalho dos centrosurbanos nacionais pode contribuir para as políticas de desconcentração? Partindo-se dapremissa que grande parte da mobilidade da população realiza-se em função da distribuiçãoespacial das oportunidades de emprego, torna-se oportuno compreender em que lugares osimigrantes tiveram maior sucesso em sua colocação no mercado de trabalho. Ora, é sabido quea colocação bem sucedida do imigrante em um determinado mercado difundi-se comoinformação (pessoal ou midiática), sustentando movimentos imigratórios futuros paradeterminados centros. Ao contrário, frustrações na integração do imigrante em outros centros,funcionam como mecanismo inibidor de fluxos imigratórios para estes centros. Nestaperspectiva, os rumos da desconcentração espacial pode ser vista como função dos sucessos efrustrações vividos pelo imigrante em sua busca por melhores oportunidades de trabalho.Mesmo que limitado às cidades médias e regiões metropolitanas, a investigação, feita naspróximas seções, sobre a absorção dos imigrantes nestes mercados de trabalho informa aosplanejadores de políticas públicas sobre a consistência (ou não) das cidades médias comocentros dinâmicos, e fundamentais para a desconcentração metropolitana do país, dado que o“insucesso” do imigrante no mercado de trabalho das cidades médias pode torná-lo umpotencial emigrante para as áreas metropolitanas, tornando-o ainda num eventual difusor destaopção metropolitana.

IV – DINÂMICA MIGRATÓRIA NA DÉCADA DE 80: CIDADES MÉDIAS VIS-À-VIS REGIÕES

METROPOLITANAS

17 Diniz e Lemos (97) mostram que especificidades do setor de infra-estrutura, tais como o grau elevado deindivisibilidades, o seu consumo difundido e a baixa relação produto/capital, tornam esta atividade interessantea iniciativa privada somente aonde existe alta densidade econômica. Do contrário, nas áreas de baixa densidadeeconômica, é mister a participação do Estado para complementação da infra-estrutura produtiva necessária àalavancagem econômica destas mesmas áreas.

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O conjunto das 81 cidades médias experimentou na década de 80 uma taxa média decrescimento de 3,2% ao ano, bastante superior portanto àquela verificada para o conjunto dapopulação brasileira, de 1,9% ao ano. Tal dinamismo certamente não pode ser fundamentadoapenas no crescimento vegetativo destas cidades, fato que destaca a importância dos fluxosimigratórios como componente do crescimento urbano experimentado pôr estes centros. Estaconstatação nos levou a elaborar uma análise comparativa dos movimentos imigratórios que sedirigem às cidades médias, em comparação com aquele direcionado para as regiõesmetropolitanas, buscando avaliar se as cidades médias têm sido escolhidas como destino dosfluxos migratórios e, em que medida se justifica esperar que constituam “diques” aocrescimento metropolitano.

Desde logo, cabe esclarecer que, embora o estudo tenha como objeto o espaço urbano,as informações levantadas com referência a dinâmica migratória referem-se ao total domunicípio, incluindo, assim, os fluxos com origem e destino nas áreas rurais destes municípios.Tal fato, a princípio, não traz perturbações à análise, uma vez que, por um lado, constata-se oalto grau de urbanização dos municípios que compõem o universo de análise e, por outro,observa-se que o dinamismo da cidade é também função das atividades primáriasdesenvolvidas em seu entorno.

IV.1 Magnitude e Importância Relativa dos Fluxos Migratórios

Em termos absolutos, durante os anos de 1981 e 1991, as nove regiões metropolitanas(compostas por um conjunto de 164 municípios) atraíram 4,6 milhões de migrantes, valor quesupera o contingente imigratório que se dirigiu para os 81 centros médios, que foi de 3,9milhões. Nas cidades médias, este contingente de imigrantes correspondia a 21,1% de suapopulação, enquanto que nas nove regiões metropolitanas, os imigrantes dos anos 80correspondiam a 10,8% de sua população total.

Se, por um lado, tais valores mostram como ainda são importantes os vetoresmigratórios em direção as áreas metropolitanas nacionais, por outro lado explicita a força deatração dos centros médios nacionais. Vale dizer, apesar de envolver um número menor decidades, bem como um número menor de imigrantes, o contingente de imigrantes que sedirigem às cidades médias representa um percentual próximo a duas vezes mais do que aqueleobservado para o conjunto das cidades que fazem parte das regiões metropolitanasinstitucionalmente constituídas em 1991. Assim, a imigração é um componente maisimportante do crescimento populacional das cidades médias do que das regiões metropolitanas.Este resultado aponta para o papel das cidades médias como “diques “ do crescimentometropolitano.

A comparação dos saldos migratórios das cidades médias e regiões metropolitanassegundo as regiões geo-econômicas apresentam resultados interessantes. Quando observamosas cidades médias, verificamos que é na fronteira amazônica e do Centro-Oeste onde é maior osaldo migratório das cidades médias. Contudo, na única região metropolitana da Região Norte,Belém, foi observado um saldo migratório inferior à metade daquele das cidades médias dointerior do Norte e Centro-Oeste.

A partir dos anos 70, o crescimento da indústria pesada nacional, aliado à posteriorbusca de superávites da balança comercial, contribuiu para o avanço das fronteiras de extraçãomineral do Norte, as quais mesmo com características de enclave, impulsionaram ocrescimento da economia regional, dinamizando cidades como Marabá. Esta cidade, quedobrou sua população durante a década de 80, teve sua dinâmica migratória fortemente

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influenciada pelo garimpo, o qual constitui-se, deve-se lembrar, numa exploração econômicaepisódica.

“O desempenho das cidades médias da região Centro-Oeste tem correspondência com aevolução da distribuição regional na participação do Valor da Transformação Industrial (VTI)nacional, na qual a participação do Centro-Oeste eleva-se, no período 1970/85, de 0,8% para1,4%. Sabe-se ainda que o desempenho dessas cidades relaciona-se diretamente ao avanço daagroindústria brasileira, impulsionada, sobretudo,(Negri: 1992): a) pela política de incentivosàs exportações para fazer frente aos compromissos com a dívida externa brasileira, implicandono aumento da produção de soja; b) pelo avanço tecnológico que permitiu um melhoraproveitamento do cerrado; e c) pela ampliação dos investimentos em infra-estruturaferroviária e rodoviária nesta região. Com o desenvolvimento da agricultura do Centro-Oeste,os centros urbanos regionais são dinamizados, tanto por sua função de base urbana paradistribuição e comercialização de bens e serviços de apoio às atividades primárias, quanto pelademanda de insumos industriais para a agroindústria.” (Andrade e Serra: 1998, p.19).

Tabela 1 – Imigrantes e Saldos MigratóriosDiretos18, Segundo Escalas Espaciais Selecionadas

Escalas Espaciais Imigrantes

Imigrantes(81/91) /

População91 (%)

SaldoMigratório /População

91 (%)

Cidades Médias do NO/CO 495.954 34,5 20,6Cidades Médias do NE 610.279 19,2 2,5Cidades Médias do RJ, MG e ES 814.386 18,4 6,5Cidades Médias de SP 1.265.437 21,8 9,6Cidades Médias do Sul 748.150 19,9 4,0Cidades Médias 3.934.206 21,1 7,4RM Belém 184.044 13,8 5,3RM Fortaleza 348.263 15,1 8,6RM Recife 260.822 9,1 4,7RM Salvador 309.011 12,4 7,1RM Belo Horizonte 432.264 12,6 6,8RM Rio de Janeiro 573.832 5,9 0,3RM São Paulo 1.748.709 11,3 1,7RM Curitiba 340.849 17,1 10,4RM Porto Alegre 404.917 13,3 7,0Regiões Metropolitanas 4.602.711 10,8 3,6Fonte: Tabulação Própria a partir dos dados dos Censos Demográficos de 1991.

No Nordeste, a situação se inverte: suas cidades médias interioranas apresentaramsaldo migratório médio muito menor do que aquele observado nas suas três regiõesmetropolitanas, Salvador, Recife e Fortaleza. Estes resultados são consistentes com aabordagem que credita à Amazônia maior poder de atração de imigrantes pôr sua condição defronteira econômica. Nestas condições, os imigrantes tendem a se espalhar pôr seu território,

18 O saldo migratório direto é calculado simplesmente pela subtração Imigrantes – Emigrantes, não levando emconta os cálculos relativos aos filhos destes migrantes (efeitos indiretos).

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atraídos pela maior possibilidade de acesso à terra, levando, pois, dinamismo à rede urbanainteriorana. Já no Nordeste, a combinação de desestruturação da economia primária, e suaconsequente liberação de trabalhadores rurais, conjuga-se com a perda de atratividade dasmetrópoles sudestinas, levando os fluxos migratórios de origem nordestina a buscarem fixar-senas metrópoles regionais.

Na Região Sul, a mobilidade da população tem favorecido suas duas regiõesmetropolitanas que apresentaram saldos migratórios de cerca duas vezes aquele observadopelas cidades médias interioranas sulistas. Nesta região, a população já estava mais bemdistribuída em função do processo histórico de sua ocupação, muito baseada na pequenapropriedade agrícola associada aos fluxos imigratórios de origem européia. Durante os anos80, como indicam os dados, ocorreu uma reversão desta tendência histórica, acelerando-se oprocesso de polarização espacial em torno das regiões metropolitanas. Este novo cenário édevido ao processo de concentração fundiária na região, com eliminação de culturas agrícolastradicionais como o café, e políticas de atração de investimentos industriais mais agressivas, asquais foram responsáveis pela reconversão da economia paranaense, em particular, de umperfil primário para um outro mais identificado com o setor secundário.

No Sudeste, o quadro apresenta uma certa heterogeneidade entre as suas metrópoles.No Rio de Janeiro, foi muito nítido o processo de perda de capacidade de atração de fluxosmigratórios, o que não ocorreu nem com São Paulo e nem com Belo Horizonte. Nesta última,houve um claro processo de polarização espacial, que se traduz num saldo migratório quaseque o dobro da média do conjunto das regiões metropolitanas brasileiras. São Pauloapresentou um desempenho peculiar pois, apesar de continuar atraindo fluxos migratórios, osaldo migratório observado em sua região metropolitana foi bastante pequeno, ainda que muitomaior do que na RMRJ. Por outro lado, suas cidades médias interioranas tiveram umcrescimento notável, tendo se verificado um expressivo saldo migratório. Cabe, ainda, fazerreferência ao saldo migratório apresentado pelas cidades médias interioranas do Sudeste,exclusive as paulistas. O percentual apresentado, inferior, mas próximo à média do conjuntodas regiões metropolitanas, sofre viés em função de que três cidades médias do Espírito Santoaí incluídas (Vila Velha, Cariacica e Serra), fazem parte hoje da Região Metropolitana deVitória.

O saldo migratório é uma medida cujo valor pode resultar de enormes diferenças entreos fluxos migratórios. Duas cidades podem apresentar saldos migratórios idênticos, porexemplo, de 10.000 habitantes. Porém, uma pode referir-se a diferença entre 310.000imigrantes e 300.000 emigrantes, enquanto que a outra, num cenário de grande estagnação,tenha atraído 15.000 pessoas e expulsado outras 5.000. Para não se trabalhar apenas com osaldo migratório, será interessante fazer uma análise que leve em conta as diferenças nas taxasde imigração e emigração destas cidades. Será possível, daí, falar-se em cidades médias comoaquelas que apresentam “forte atração”, “cidades emissoras”, “cidades estáveis” ou “cidadesde passagem”.

O conhecimento do contingente emigratório, e consequentemente da taxa de emigraçãonos informa sobre as “frustrações” vividas pelos residentes das áreas em estudo, ou ainda, aocorrência de áreas dinâmicas vizinhas que estejam atraindo seus residentes. O lapso temporalexistente entre a dinâmica de crescimento econômico de uma região e os movimentosmigratórios atraídos por oportunidades criadas nesta mesma região pode gerar uma defasagemna resposta dos migrantes ao ponto de haver cessado o dinamismo econômico da região semque tenha diminuído o fluxo de entrada de migrantes. O resultado destes movimentosmigratórios defasados pode ser o de motivar uma posterior etapa migratória, a fim de sanar asfrustrações vividas pelos imigrantes que dirigiram-se para estes centros na esperança de

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oportunidades de emprego, na verdade inexistentes. E é claro, a saída, tanto de naturais comode migrantes rumo a outras regiões, pode tanto expressar uma queda absoluta da economia docentro em análise (fatores de estagnação), como uma perda relativa na dinâmica decrescimento em virtude da concorrência alhures de centros de maior dinamismo (fatores deatração).

Elaborando-se uma matriz que relacione taxas altas, médias e baixas de imigração eemigração das cidades médias e regiões metropolitanas foram separados nove grupos, dosquais quatro são os que despertam maior interesse. A classificação utilizada foi montada apartir dos quartis da distribuição de frequência das taxas de imigração e de emigração nasdécadas de 1980. A classificação baixa aglutina 25% das cidades com as menores taxas, aclassificação média corresponde à 50% das cidades em torno da mediana, e as classificadascomo altas são as 25% cidades de maior taxa (Diagrama 1).

Diagrama 1 – Classificação das Cidades Médias e Regiões Metropolitanassegundo Taxas de Imigração e Emigração para a década de 80.

EmigraçãoBaixa Média Alta

Imigração

Baixa

Recife Belém

Salvador São Paulo

Rio de Janeiro Santarém Sobral - Total

Belo Horizonte Jequié Teófilo Otoni

Porto Alegre Cachoeiro do Itapemirim Jundiaí

Nova Friburgo Taubaté Lages - Total

Petrópolis Barra Mansa/Volta Redonda

Campos Ponta Grossa

Divinópolis Uruguaiana

Pelotas/Rio Grande

Mossoró *

Média

Caruaru

Parnaíba

Campina Grande

Feira de Santana Arapiraca

Juiz de Fora Juazeiro do Norte/Crato

Sete Lagoas Itabuna/Ilheus

Poços de Caldas Vitória da Conquista

Uberaba Governador Valadares

Montes Claros Timóteo/Ipatinga/Coronel Fabriciano

Fortaleza Guarujá Presidente Prudente

Curitiba São Carlos Americana

Franca Rio Claro Santos

Piracicaba Jacareí Londrina

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Mogi Guaçu São José dos Campos Guarapuava

Ribeirão Preto Passo Fundo *

Sorocaba

Araraquara

Limeira

Araçatuba

Marília

Blumenal

Itajaí

Joenville

Caxias do Sul

Santa Maria

Criciúma

Alta

Aparecida de Goiânia Juazeiro/Petrolina Cascavél *

Várzea Grande Anápolis Marabá - Total

Luziânia Cariacica Maringá

Serra Vila Velha Dourados *

Praia Grande Uberlândia Imperatiz - Total

Sumare São Vicente Foz dos Iguaçú - Total

Santa Barbára d'Oeste Bauru Rondonópolis - Total

São José São José do Rio Preto

Fonte: Tabulação Própria a partir dos dados dos Censos Demográficos de 1980 e 1991.

O primeiro grupo de interesse é constituído das localidades cujas taxas tanto deimigração quanto de emigração são baixas: tratam-se de cidades estáveis, de ocupação jáconsolidada. O grupo é formado por 5 regiões metropolitanas e 5 cidades médias. Dentre estasúltimas, destacam-se 3 cidades médias do interior fluminense. Este resultado indica que não foilogrado o objetivo de diminuir o elevado grau de polarização espacial na área metropolitana doEstado do Rio de Janeiro através do crescimento de suas cidades médias. Não se sustentando,portanto, a grande expectativa que pudessem contribuir para a reversão da concentração apósa fusão dos antigos Estados do Rio e Guanabara, em 1975. Quanto as cinco regiõesmetropolitanas deste grupo, sua estabilidade decorre do fato de que, apesar de atraírem grandecontingente de imigrantes, a magnitude de sua população é tal que o impacto da imigração éarrefecida. Por isso, as taxas de imigração e emigração em relação a sua população é baixa,comparando-se com a do conjunto das cidades médias.

As cidades que apresentaram baixa taxa de imigração com alta taxa de emigração estãoincluídas num grupo de cidades médias estagnadas. O grupo é reduzido, composto de apenas 4cidades: Sobral, Teófilo Otoni, Jundiaí e Lages. Como as cidades do primeiro grupo, suaocupação é bastante antiga, típica de uma dinâmica econômica já ultrapassada, o que fez comque sua importância na rede urbana regional diminuísse. Apesar de não terem perdidopopulação absoluta na década, seu saldo migratório foi negativo nos anos 80, dada a altaemigração.

Numa situação contrária, o terceiro grupo inclui as cidades que apresentaram altastaxas de imigração combinadas com baixa emigração, representando o grupo de cidades maisdinâmicas, uma vez que o desempenho econômico está estreitamente relacionado com ocrescimento demográfico. É interessante verificar que as oito cidades médias deste grupo sãolocalizadas no entorno de capitais estaduais ou em regiões metropolitanas (institucionalizadas

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ou não), casos de Campinas e Santos, em São Paulo e de Vitória, no Espírito Santo. Portanto,as “cidades de forte atração” de imigrantes não são localidades interioranas típicas. As cidadespaulistas de maior dinamismo estão contidas na conurbação paulista, reunindo numa enormeárea urbana as regiões metropolitanas de São Paulo, Campinas e Santos. O fato das cidadesestudadas de maior dinamismo pertencerem às referidas áreas metropolitanas significa que areversão da polarização à partir da RMSP tem como uma de suas consequências a formação denovas áreas polarizadoras, sendo, portanto, indefensável a interpretação de que exista umespraiamento territorialmente homogêneo vinculado à perda da participação da metrópolepaulista na renda nacional.

Outro cruzamento de grande interesse é o que combina cidades com altas taxas deimigração e, ao mesmo tempo, de emigração, o que caracteriza uma situação de grandefluidez, com tais cidades desempenhando o papel de etapa intermediária de fluxos migratórios.Como nos ensina da Matta (1973) é possível encontrar certas regularidades nas sequências dasmigrações, dentre as quais a de que as pessoas que nascem no meio rural atingem as cidadesgrandes por etapas, deslocando-se primeiramente para cidades limítrofes às suas áreas deorigem. Desta forma, como as cidades médias cumprem muitas vezes à função de centrosurbanos polarizadores de extensas áreas rurais à sua volta, torna-se provável que entre seusimigrantes exista parcela significativa que estivesse ali apenas provisoriamente, como etapa deum deslocamento rumo aos grandes centros nacionais. Esta situação de “cidades de passagem”é típica de área de ocupação recente, não consolidada. O grupo é formado de 7 cidades, dasquais 4 estão localizadas na área da “fronteira amazônica”. As outras 3 cidades situam-se noParaná, que foi fronteira econômica nas décadas de 20 a 50, com a expansão cafeeira, mas que,nos anos 60 inicia um processo de reconversão produtiva, transformando-se nos anos 80 emregião de grande atividade industrial, tendo ocorrido mesmo a erradicação do café naqueleEstado.

As outras 4 regiões metropolitanas que não se situaram nestes quatro grupos deinteresse foram Belém e São Paulo, cujas taxas de imigração foram baixa e as de emigraçãoforam médias, além de Fortaleza e Curitiba, ambas com taxas médias de imigração e baixa deemigração. Estas duas últimas foram aquelas onde se observou o mais elevado grau de atração,o que já se refletia no seu alto saldo migratório, conforme observa-se na Tabela 1, saldo bemsuperior à média das regiões metropolitanas e do conjunto das cidades médias. Nunca é demaislembrar que, apesar desses indicadores, as regiões metropolitanas não estavam no grupo daslocalidades de “forte atração” devido ao procedimento metodológico que resultou em taxasmédias menores para as regiões metropolitanas devido a magnitude de sua população, o quediminuiu o peso da imigração como componente de sua dinâmica demográfica. Assim, asregiões metropolitanas de Fortaleza e Curitiba, mais as 8 cidades médias de “forte atração” deimigrantes, todas localizadas em áreas metropolitanas ou entorno de capitais estaduais, são osprincipais destinos dos fluxos migratórios, e não as cidades médias tipicamente interioranas.

IV.2 - Perfil dos Fluxos Migratórios na Década de 80: cidades médias vis-à-vis regiõesmetropolitanas

IV.2.1 - Imigração: importância do componente rural-urbano

Dado o já elevado grau de urbanização da população brasileira, as migrações referem-se principalmente a movimentos de tipo urbano-urbano. Contudo, continuam as migrações detipo rural-urbanas devido a combinação de incorporação de novas tecnologias no campo,

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poupadoras de mão de obra com estrutura fundiária baseada na grande propriedade agrícola. Aresultante liberação de trabalhadores agrícolas torna-se componente importante da mobilidadeda população, produzindo fluxos migratórios de origem rural em direção às áreas urbanas.Resta analisar quais os principais destinos destes fluxos: cidades médias ou regiõesmetropolitanas?

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Tabela 2 - Origens dos imigrantes ao longo da década 1981-1991, segundo escalas espaciais selecionadas.

Escalas Espaciais

ImigrantesRurais /

Imigrantestotais(%)

MigraçãoIntra-

Estadual(%)

MigraçãoIntra-

Regional(%)

MigraçãoInter-

Regional(%)

TaxaAnual de

cresc.Urbano

(%)1980/91

Cidades Médias do NO 29,4 50,2 10,4 36,8 5,71Cidades Médias do NE 33,7 67,1 12,9 20,4 3,39Cidades Médias do SE 18,9 69,5 13,8 18,0 2,90Cidades Médias do SU 27,5 70,6 13,5 18,2 2,86Cidades Médias do CO 17,3 53,9 18,8 25,1 6,72Cidades Médias - Total 22,9 67,3 14,1 19,5 3,19RM Belém 37,1 68,4 4,56 25,38 2,65RM Fortaleza 36,3 71,6 12,31 16,39 3,49RM Recife 25,5 57,7 20,87 23,25 1,85RM Salvador 27,1 74,8 10,42 14,41 3,18RM Belo Horizonte 27,2 72,3 14,38 14,00 2,52RM Rio de Janeiro 19,9 29,1 20,04 51,72 1,01RM São Paulo 28,7 24,3 13,56 64,38 1,85RM Curitiba 26,9 62,4 12,98 24,99 3,02RM Porto Alegre 32,1 79,8 11,28 11,07 2,60Regiões Metropolitanas- Total

28,3 47,6 13,9 40,1 1,98

Fonte: Tabulação Própria a partir dos dados dos Censos Demográficos de 1980 e 1991.

Estudos de mobilidade da população de origem rural apontam como as migraçõesrural-urbanas são realizadas de modo gradual, envolvendo mais de uma etapa entre a área deorigem e o destino final, o que exige precauções na análise ora realizada uma vez que estalimita-se apenas ao último deslocamento dos imigrantes. Conforme indicam os dados da Tabela2, foi maior o percentual de imigrantes de origem rural nas regiões metropolitanas do que nascidades médias interioranas.. Nestas últimas, o destaque foram as cidades médias nordestinas,cujo percentual de imigrantes rurais alcançou uma terça parte de todos os imigrantes. Nogrupo das regiões metropolitanas, Belém, Fortaleza e Porto Alegre apresentaram taxas deimigração de pelo menos um terço da imigração total. Nos Estados onde se situam estasregiões metropolitanas, o percentual de população rural ainda é significativo, superior a médianacional, o que ajuda a explicar a maior incidência de migração de tipo rural-urbana. Ou sejam,supõe-se que estes imigrantes rurais sejam originários do próprio Estado, considerando,ademais, o elevado percentual de imigração intra-estadual nestas localidades.

A Região Metropolitana do Rio de Janeiro, no outro extremo, contou com apenas umaquinta parte de imigrantes originários de áreas rurais. Apesar de menor do que nas demaisregiões metropolitanas, este é ainda um índice elevado, considerando tratar-se o Rio de Janeirode um Estado com taxa de urbanização superior a 95%, o que sugere que parte destesimigrantes rurais sejam originários de outros Estados da Federação. Outro dado a sugerir esta

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interpretação é o pequeno índice de imigração intra-estadual na região metropolitanafluminense, inferior a 30% do total dos imigrantes na década de 1980.

IV.2.2 - Área de Alcance das Imigrações

Cabe agora considerar o alcance dos fluxos imigratórios que se dirigiram às cidadesmédias, comparando-o com aquele que fixou-se nas regiões metropolitanas. A suposição quefazemos é a de que as migrações de curta distância, aquelas de âmbito intra-urbana ou intra-estadual, resultam, sobretudo, da reacomodação da população local. Já a imigração de longadistância, refere-se a movimentos inter-regionais, para os quais a atração exercida pela área dedestino é fator fundamental na explicação das decisões de imigrantes se deslocaram para outrasregiões geoeconômicas. As imigrações de média distância são aquelas oriundas de outrosEstados da região geo-econômica onde se situa a localidade considerada. Nestas condições,quanto maior forem os movimentos de longa distância, maior é o poder de atração do destinofinal, revelando tratar-se de cidade média com boas perspectivas de desenvolvimento, oureceptoras de fluxos migratórios motivados por emissão de informação defasadas sobre boasperspectivas de emprego. Por outro lado, a maior importância dos movimentos de curtadistância podem sugerir baixa atratividade da localidade para onde se dirigem os imigrantes.

A distribuição dos imigrantes das cidades médias segundo regiões mostra que onde aocupação está mas consolidada, caso das regiões Nordeste, Sudeste e Sul, a mobilidade dapopulação é menor, com cerca de 2/3 dos imigrantes originários do próprio Estado onde selocaliza a cidade média. No Centro-Oeste e no Norte, dada sua condição de fronteiraeconômica até os anos 60, o alcance espacial dos movimentos é maior.

Quando analisamos esta mesma distribuição de imigrantes pôr regiões metropolitanas,verificamos que a única região metropolitana localizada na Região Norte, Belém, apresentaperto de 70% de seus imigrantes originários do próprio Estado do Pará, percentual semelhanteaquele apresentado pelas cidades médias das regiões Nordeste, Sudeste e Sul. Este resultadosugere que a ocupação nesta metrópole já esteja também com um avançado grau deconsolidação já que quando iniciou-se a expansão da ocupação do país em direção àAmazônia, Belém já era uma importante metrópole regional.

O dado de maior destaque na tabela acima refere-se ao desempenho das regiõesmetropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro no que concerne à área de alcance dos seusfluxos imigratórios. Apenas ¼ dos imigrantes eram originários do próprio Estado e mais dametade vinha de outras regiões geo-econômicas. Este resultado indica que estas duasmetrópoles genuinamente nacionais, e não apenas regionais, continuaram atrair imigrantes quese dispunham a percorrer longas distâncias até alcançar, no Sudeste, as regiões metropolitanasdo Rio de Janeiro ou São Paulo. Portanto, em plena “década perdida”, a década de 80, a criseque deveria ter desestimulado a vinda de imigrantes para os principais centros econômicos dopaís, não foi forte o suficiente para estancar os fluxos imigratórios para aquela região. Ou,pode ter sido menos intensa do que a severidade do quadro socioeconômico apresentado nastradicionais áreas de emigração.

Nesta mesma década, Minas Gerais deixou de ser fonte de emigração, comotradicionalmente fora, junto com os estados nordestinos, passando, inclusive, a contar commigração de retorno. Este novo quadro demográfico se traduz numa reorganização espacial de

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sua população, com os imigrantes concentrando-se na Região Metropolitana de BeloHorizonte.

Nas metrópoles nordestinas de Fortaleza e Salvador, bem como na sulista Porto Alegreocorreu fenômeno parecido. Em todas elas, os imigrantes de origem intra-estadualcorrespondiam a mais de 70% do contingente de imigrantes. Este resultado pode estarassociado à crise econômica que, contribuindo para dificultar a sobrevivência nas áreasinterioranas, conjugada à falta de alternativa nos tradicionais centros receptores dos fluxosimigratórios, redirecionou parte deste contigente para as metrópoles no âmbito do Estado deonde partem estes imigrantes.

As regiões metropolitanas de Recife e Curitiba constituem um caso diferente: nãoatraíram tantos imigrantes de outras regiões como São Paulo e Rio de Janeiro, mas tambémnão apresentaram percentual tão elevado de imigrantes da própria região geo-econômica emque se situam, Nordeste e Sul, respectivamente. Recife apresentou percentual menor deimigrantes pernambucanos do que as cidades médias do próprio Estado de Pernambuco. Omesmo ocorreu com Curitiba e o Paraná. Vale dizer, tratam-se de duas metrópoles regionaisque foram mais dinâmicas do que as cidades médias dos Estados no que respeita à atração deimigrantes de mais longa distância.

O desempenho econômico do Paraná ao longo da década de 80 é consistente com oresultado acima já que os novos empreendimentos industriais que vêm sendo implantados eque vêm mudando o perfil econômico do Estado, muito identificado com a produção primáriaaté a década de 60, estão se localizando na Região Metropolitana de Curitiba.

Em Pernambuco, entretanto, a crise da década de 80 contribuiu para intensificar aperda de participação do Estado na economia brasileira. A atração de fluxos imigratórios delonga distância não pode ser explicada facilmente. Mesmo quando se considera a importânciade Recife no âmbito do Nordeste, poderíamos questionar porque Salvador, a outra metrópolenordestina de importância semelhante a Recife, não atraiu o mesmo percentual de imigrantesde longa distância.

V - A INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO PELOS IMIGRANTES:CIDADES MÉDIAS VIS-À-VIS REGIÕES METROPOLITANAS

Face ao que foi examinado na seção anterior, parece não haver dúvidas sobre aimportância das cidades médias como centros de atração de imigrantes no período em análise ecomo o crescimento populacional destes centros foi afetado pela chegada deste contigente depessoas que buscaram se localizar em seu território. Será importante agora verificar como osmesmos se integraram nos mercados de trabalho destes centros, o que é feito nesta seção.

Obviamente que a presente abordagem enfrenta limites. Em primeiro lugar, o conjuntode informações necessárias a uma ampla compreensão do grau de integração dos imigrantesnão corresponde ao conjunto de informações disponíveis. Neste aspecto, pode serargumentado que fatores subjetivos – tais como a opção de morar em uma cidade menor,mesmo que isto resulte em rendas monetárias inferiores – deixarão de ser incorporados. Emsegundo lugar, devido aos custos (tempo e recursos) implícitos na sistematização do universode informações disponíveis, este estudo se atém a um conjunto limitado de variáveis, as quaissão consideradas de extrema importância para os propósitos da investigação, quais sejam: o

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nível da ocupação, a distribuição dos imigrantes em classes de renda e o grau de coberturalegal das relações de trabalho (posse de carteira de trabalho).

Ao compararmos a situação da totalidade dos imigrante no mercado de trabalho daslocalidades em estudo certamente encontraremos situações bastante heterogêneas. Taisdiscrepâncias podem se originar de diferenças na qualidade (tempo de chegada à cidade,escolaridade, experiência, adaptação prévia à vida urbana, idade) desta mão-de-obra imigrante.Assim, maiores salários numa determinada cidade pode não representar um maior dinamismoeconômico desta, mais sim o fato de que para ela se dirigiu um grupo bastante seleto deimigrantes, como consequência, por exemplo, da dinâmica particular de um determinado setorou ramo da economia local. Diante desta possibilidade, passa-se a interpretar como as cidadesmédias e as regiões metropolitanas acolheram imigrantes com características semelhantes. Doisgrupos relativamente mais vulneráveis de imigrantes foram selecionados para levar adiante oexercício comparativo quanto à sua integração nos mercados de trabalho das cidades médias eregiões metropolitanas:

Grupos de Imigrantes Características (Filtros)De Origem Rural Não Qualificados menos de 5 anos de residência; idade entre 20 a 45 anos; menos de 4

anos de estudo, originário de áreas rurais (último deslocamento)De Origem Urbana Não Qualificados menos de 5 anos de residência; idade entre 20 a 45 anos; menos de 4

anos de estudo, originário de áreas urbanas (último deslocamento)

V.1 – Imigrantes de Origem Rural Não Qualificados

Durante a década de oitenta, o êxodo rural no Brasil alcançou cerca de 13 milhões dehabitantes. A evasão rural durante o primeiro quinquênio dos anos noventa foi estimado porCamarano e Abramovay (1997) em 4,6 milhões de pessoas, representando cerca de 30% detoda população que vivia no campo em 1980. Tais resultados permitiram aos autoresconcluírem pela persistência do processo de desruralização no país.19 A permanência daimportância dos fluxos rurais – urbanos justifica o exercício empírico aqui desenvolvido, poisrealça a potencialidade das cidades médias funcionarem como centros receptores da populaçãorural nacional. Embora, como anteriormente demonstrado, os imigrantes rurais privilegiaram asregiões metropolitanas como destino migratório, quando comparadas com as cidades médias(ver Tabela 2).

Percebe-se que é pequena a variância entre os resultados encontrados para as taxas deocupação. No limite inferior, a região metropolitana de Salvador apresenta a menor taxa deocupação para os imigrantes rurais não qualificados. Estes mesmos imigrantes encontrammaiores oportunidades nas cidades do médias do Norte (Santarém e Marabá) e na RegiãoMetropolitana de Belo Horizonte.

A Tabela 3 indica que a taxa de ocupação (tanto para as cidades médias como para asRM’s) entre os imigrantes rurais não qualificados é superior àquela encontrada para o conjuntodos imigrantes (Tabela 2). Este resultado é bastante plausível na medida em que o referidogrupo de imigrantes é composto por uma população economicamente ativa (PEA) com idadeentre 20 e 45 anos, cuja probabilidade de estarem empregados é superior aquela para oconjunto total dos imigrantes (PEA acima de 10 anos).

19 Ver Camarano e Abramovay (1997), pág. 5.

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Os resultados encontrados através da variável posse de carteira de trabalho vemreforçar os resultados anteriormente alcançados que apontam a existência de “cidades depassagem” nas áreas de fronteira. A elevada taxa de empregados sem cobertura legal nestascidades reflete o grau de instabilidade no mercado de trabalho que deve caracterizar as ditascidades de passagem. Vale lembrar que a ocorrência do garimpo de Serra Pelada contribuifortemente para a baixa cobertura legal do trabalho na cidade de Marabá (23%). Chamaatenção também a falta de cobertura legal dos postos de trabalho das cidades médiaspertencentes aos Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo. As cidades deGovernador Valadares e Teófilo Otoni, ambas pertencentes à região Nordeste de Minas,possuíam uma taxa de cobertura legal dos postos de trabalho para os imigrantes rurais nãoqualificados de respectivamente 35 e 34 por cento. Esta região de Minas Gerais é hojecaracterizada pela presença de setores industriais tradicionais, onde a base econômica é apecuária de corte extensiva [Ferreira (1996, p. 38)] .

O que há de mais interessante nos dados referentes à posse de carteira de trabalho dosimigrantes rurais não qualificados é a notória vantagem ofertada para àqueles que decidiramdeslocar-se para as metrópoles, ao invés de dirigirem-se para as cidades médias. Parece aindaque o efeito informação teve papel relevante para distribuir a população imigrante rural nãoqualificada, uma vez que estes se dirigiram preponderantemente para as áreas metropolitanasonde havia maior cobertura legal do emprego, ou seja nas regiões metropolitanas.

Tabela 3 – Taxa de Ocupação (TO), Posse de Carteira de Trabalho(PCT), e Distribuição de Rendimento em Salários Mínimos (set/91)dos Imigrantes Rurais Não Qualificados, para as Cidades Médias eRegiões Metropolitanas, em 1991.(*)

Cidades Médias eRegiões

MetropolitanasTO PCT (%) até 2 s.m.

(%)2 a 5 s.m

(%)5 a 10

s.m (%)10 ou

mais (%)

CM's do Norte 97,5 23,4 88,6 9,2 0,8 1,4CM's do Nordeste 96,0 36,2 95,9 3,5 0,5 0,1CM's do RJ, MG, ES 96,8 63,5 90,5 8,3 0,9 0,3CM's de SP 96,5 77,0 68,4 29,4 1,8 0,4CM's do Sul 96,3 76,6 76,8 21,7 1,5 0,1CM's do Centro-Oeste 95,6 55,7 79,8 7,4 2,4 0,5Total 96,3 62,3 82,1 16,3 1,3 0,3Região MetropolitanaBelém 96,8 47,1 80,7 17,1 2,3 0Fortaleza 96,5 47,7 94,7 4,7 0,5 0Recife 93,9 55,9 95,2 3,9 0,7 0,1Salvador 93,5 54,3 92,7 7,0 0,2 0,1Belo Horizonte 97,1 75,3 90,9 8,4 0,5 0,3Rio de Janeiro 95,6 71,2 88,2 11,2 0,6 0,1São Paulo 95,3 80,9 59,9 37,1 2,7 0,3Curitiba 95,4 75,9 77,5 21,6 0,5 0,3Porto Alegre 96,6 85,7 82,9 16,4 0,6 0,2Total 96,6 73,4 74,4 23,8 1,6 0,2Fonte dos dados originais: FIBGE, Censos Demográficos; tabulação própria a partir destes dados.(*) A posse de carteira de trabalho foi calculada apenas para o pessoal ocupado naposição de empregado. PCT = Pessoal Ocupado na Posição de Empregado comCarteira / Pessoal Ocupado na Posição de Empregado.

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Em todas as regiões geo-econômicas as áreas metropolitanas lograram ofertar maiorproteção trabalhista aos imigrantes rurais não qualificados do que as cidades médias. NoNordeste, por exemplo, apenas 36 por cento destes imigrantes que chegaram às cidades médiaspossuíam carteira de trabalho, enquanto a posse de carteira de trabalho nas regiõesmetropolitanas nordestinas cobria cerca de 53 por cento dos mesmos imigrantes, embora estataxa seja significativamente inferior àquelas vigentes nas cidades médias da região Sul ou doestado de São Paulo.

No estado de São Paulo novamente pode-se perceber que no conjunto das cidadesmédias a condição de trabalhadores sem carteira foi ligeiramente superior à vigente na regiãometropolitana de São Paulo. Isto significa que mesmo aonde a desconcentração ocorre deforma mais intensa há ainda vantagens para que os imigrantes escolham a metrópole paulistanacomo área de destino. É claro que existe uma significativa variância entre as cidades médiaspaulistas no que diz respeito a taxa de cobertura legal do emprego. Cidades situadas noentorno imediato à região metropolitana de São Paulo, como Limeira, Jundiaí e Sorocabaofertavam à cerca de 85 por cento dos imigrantes rurais não qualificados empregos comcarteira assinada, enquanto nos centros situados mais próximos às fronteiras com o Paraná eMato Grosso do Sul, como Presidente Prudente e São José do Rio Preto, apenas 60 por centodestes imigrantes possuíam a referida cobertura. O grau diferenciado de industrialização entreestes dois grupos de cidades paulistas provavelmente explicam estas diferenças sobre acobertura legal do emprego.

A análise da distribuição de rendimentos dos imigrantes rurais não qualificados mostraem primeiro lugar quão frágil é sua posição no mercado de trabalho dos centros urbanosnacionais de médio e grande porte. No conjunto das cidades médias nacionais cerca de 59 porcento do total dos imigrantes percebiam rendas inferior a dois salários mínimos. Quando seanalisa separadamente o grupo de imigrantes rurais não qualificados identificam-se 82 porcento destes recebendo menos de dois salários. Também nas regiões metropolitanas ocorreeste diferencial, recebendo menos de dois salários mínimos 58 por cento dos imigrantes totais e74 por cento dos imigrantes rurais não qualificados. Tais resultados apontam que para osmovimentos rurais – urbanos a escolha das metrópoles como alvo de migração mostra-sesalarialmente vantajosa.

Até que ponto esta vantagem salarial é puramente nominal dependerá das diferençasentre o custo de vida vigente nas metrópoles e nas cidades médias. De qualquer forma, não háem termos salariais nenhuma evidência de que a opção pela escolha dos centros médios seja amais racional.

Ainda analisando-se a classe de renda dos mais pobres, vê-se que o percentual deimigrantes rurais não qualificados das regiões metropolitanas nordestinas recebendo menos dedois salários é quase idêntico ao das cidades médias regionais, sendo pouco melhor as situaçãona região metropolitana de Salvador. Também entre as cidades médias do Sudeste (exclusiveSão Paulo) e as regiões metropolitanas do RJ e BH, há poucas diferenças no que se refere aorendimento.

V.2 – Imigrantes de Origem Urbana Não Qualificados

Como visto anteriormente, cerca de ¾ dos fluxos migratórios que chegaram às cidadesmédias e regiões metropolitanas do país na década de 80 foram do tipo urbano Ý urbano.Com a desruralização da sociedade brasileira em marcha estes fluxos tendem a ampliar sua

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importância, o que justifica a construção deste novo recorte dedicado a compreender como osimigrantes de origem urbana e de baixa (ou nenhuma) escolaridade foram absorvidos nosmercados de trabalho das cidades médias e regiões metropolitanas.

A princípio, têm-se a expectativa que a experiência, ou cultura, previamente adquiridapelos imigrantes originários de áreas urbanas, funciona como um atributo positivo no mercadode trabalho, valorizando-o frente ao imigrante de origem rural. De outra forma, pode-seargumemtar, que para determinadas ocupações seja indiferente a origem do imigrante, seurbana ou rural. Contudo, mesmo nestes casos, a provável maior desenvoltura do imigranteurbano com os canais de comunicação das cidades pode lhes proporcionar uma melhorcolocação no mercado de trabalho.

Seguindo a análise da Tabela 4 pela ordem de suas colunas, em primeiro lugar épossível perceber que a taxa de ocupação entre os imigrantes urbanos não qualificados é deuma forma geral menor do que aquela experimentada pelos imigrantes de origem rural, o quepode ser observado confrontando-se os resultados da Tabela 3. Tal fato, a princípio estranho,pode resultar dos diferentes limites críticos salariais entre os imigrantes urbanos e rurais,abaixo dos quais o indivíduo prefere continuar na posição de desocupado em busca de umamelhor oportunidade de trabalho. Esta hipótese é em parte sustentada pela diferentedistribuição dos imigrantes urbanos e rurais em classes de renda, em favor dos primeiros.

Ao contrário do observado para os imigrantes rurais não qualificados, nas cidadesmédias a taxa de ocupação entre os imigrantes urbanos é ligeiramente superior daquelaobservada nas regiões metropolitanas do país. Vê-se ainda que a taxa de ocupação assumevalor mínimo nas Regiões Metropolitanas de Recife e Salvador, sendo maior a absorção deimigrantes nas cidades médias nordestinas do que nestas metrópoles regionais. No outroextremo as cidades médias do Sul, de São Paulo e do Centro Oeste apresentaram taxas dedesemprego (1-TO) menores do que 4%.

Quanto à Posse de Carteira de Trabalho – PCT, é notório que de uma forma geral osimigrantes urbanos não qualificados estavam mais protegidos pela legislação trabalhista do queaqueles de origem rural. Tal como para os imigrantes rurais, nas metrópoles o grau deformalidade das relações de trabalho mostrou-se superior ao das cidades médias para osimigrantes urbanos não qualificados.

Fortaleza foi a metrópole que menos cobertura legal ofereceu aos imigrantes urbanosnão qualificados, similar à cobertura ofertada pelas cidades médias nordestinas. No outroextremo as Regiões Metropolitanas de Porto Alegre e São Paulo chegaram a cobrir legalmentemais de 80% dos trabalhadores imigrantes na posição de empregados, o que sugere que estacobertura legal pode estar associada ao grau de industrialização das unidades espaciais emestudo.

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Tabela 4 – Taxa de Ocupação (TO), Posse de Carteira de Trabalho (PCT), eDistribuição de Rendimento em Salários Mínimos (set/91) dos ImigrantesUrbanos Não Qualificados, para as Cidades Médias e Regiões Metropolitanas,em 1991.(*)

Cidades Médias e RegiõesMetropolitanas

TO PCT (%) até 2 s.m.(%)

2 a 5 s.m(%)

5 a 10 s.m(%)

10 oumais (%)

CM's do Norte 94,82 32,72 78,77 18,07 3,15 0,00CM's do Nordeste 94,49 43,12 88,79 9,59 1,42 0,21CM's do RJ, MG, ES 95,43 65,20 81,17 16,15 1,96 0,72CM's de SP 96,30 73,47 59,52 35,15 4,48 0,85CM's do Sul 97,60 70,40 70,82 25,19 3,00 0,99CM's do Centro-Oeste 96,08 65,82 57,40 32,20 7,60 2,80Total 95,95 65,10 66,71 26,97 4,81 1,51

Região MetropolitanaBelém 94,39 59,62 76,22 19,66 3,39 0,73Fortaleza 95,81 42,90 89,20 9,79 0,35 0,65Recife 91,91 54,16 86,02 11,62 1,63 0,73Salvador 92,03 54,63 86,34 11,26 1,88 0,53Belo Horizonte 96,85 72,32 83,29 15,31 0,87 0,53Rio de Janeiro 94,84 73,34 80,47 18,01 1,32 0,20São Paulo 94,77 80,34 56,64 39,34 3,62 0,40Curitiba 95,77 74,18 63,89 33,17 2,44 0,51Porto Alegre 96,15 83,10 75,87 21,40 2,34 0,39Total 94,79 73,77 67,85 29,06 2,66 0,43Fonte dos dados originais: FIBGE, Censos Demográficos; tabulação própria a partir destes dados.

No tocante à distribuição dos imigrantes não qualificados em classes de renda, emprimeiro lugar observa-se que a sua origem (se urbano ou rural) é fundamental nadeterminação de sua remuneração. Embora os imigrantes não qualificados de origem urbanatenham em geral uma baixa remuneração, a situação é significativamente melhor do aquelaapresentada pelos imigrantes de origem rural (Tabela 3), entre os quais menos de 20%, emmédia, recebiam remuneração superior a 2 salários mínimos.

Em termos salariais, os imigrantes não qualificados de origem urbana que se destinaramas cidades médias experimentaram uma ligeira melhor aceitação no mercado de trabalho,quando comparados com aqueles que se dirigiram às metrópoles. E isto é ainda maisverdadeiro quando se reconhece ser o custo de vida nas metrópoles superior ao verificado nascidades médias. Nas cidades médias, destaca-se as oportunidades oferecidas pelas cidadesmédias do Centro-Oeste aos seus imigrantes urbanos não qualificados, garantindo a mais de10% destes rendas superiores a 10 salários mínimos. Nenhuma região metropolitana logrouchegar perto deste resultado, oferecendo, no máximo, a 4% destes imigrantes (São Paulo eBelém) rendas superiores a 10 salários mínimos. A posição de fronteira econômica ocupadapela região Centro-Oeste e o ritmo acelerado de crescimento do Distrito Federalprovavelmente oportunizaram nas suas cidades médias regionais (Anápolis, Dourados,Rondonópolis, Aparecida de Goiânia e Luziânia) ocupações de maior remuneração.

Com relação a situação de pobreza20 entre os imigrantes não qualificados de origemurbana nas regiões metropolitanas vê-se por um lado a distinta posição de São Paulo eCuritiba, garantindo, respectivamente, a 43% e 36% destes imigrantes rendas superiores a dois

20 Os imigrantes tidos como pobres nesta análise são aqueles pertencentes à classe inferior de renda.

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salários. Contudo, vê-se que as duas outras metrópoles sudestinas (Rio de Janeiro e BeloHorizonte) ofereceram rendas inferiores a 2 salários mínimos aos seus imigrantes emproporção similar ao ocorrido nas metrópoles nordestinas. Entre cidades médias, aindaanalisando a proporção de imigrantes não qualificados com rendas inferiores, vê-se que asnordestinas, seguidas das cidades médias do sudeste (exceto São Paulo) remuneram mais de80% destes imigrantes com baixos salários.

VI - CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise feita neste estudo mostra que embora os fluxos imigratórios ocorridos noperíodo 1980/91 ainda tenham tido uma orientação metropolitana, foi bastante significativa aparticipação dos mesmos nas cidades médias não metropolitanas e não capitais de estado,confirmando a possibilidade das mesmas funcionarem como “diques” que contiveram pelomenos parte dos fluxos que, de outra maneira, engrossariam os que se dirigiam para as regiõesmetropolitanas.

As imigrações superaram as emigrações tanto nas cidades médias, quanto nas regiõesmetropolitanas, o que produziu saldos migratórios positivos para ambos os grupos de cidades,saldos estes que foram importantes para aumentar bastante a taxas de crescimentopopulacional nas cidades médias, sendo de notar particularmente o quanto isto foi expressivopara aquelas nas regiões de fronteira no Norte e no Centro-Oeste e no estado de São Paulo.

Deve-se notar ainda que embora a imigração naquele período tenha sidopredominantemente do tipo urbano/urbano, uma parcela significativa delas ainda foi do tiporural/urbano, quer para as cidades médias, quer para as regiões metropolitanas, compreponderância da imigração intra-estadual.

A análise da absorção dos imigrantes nos mercados de trabalho destes centros mostrouque os seus rendimentos eram bastante concentrados na classe inferior da distribuição,caracterizando uma condição de elevado nível de pobreza nas cidades médias e nas regiõesmetropolitanas, embora tenha ficado claro que a experiência urbana pretérita do imigrantefuncionou como um atributo de valorização no mercado de trabalho dos referidos centros.

Uma análise comparativa da quantidade e qualidade da absorção dos imigrantes nosmercados de trabalho das cidades médias e regiões metropolitanas pode ser sistematizadacomo na Tabela abaixo, na qual, para cada indicador e cada grupo de imigrante, é apontadoonde (se nas cidades médias ou regiões metropolitanas) os imigrantes obtiveram maioresbenefícios comparativamente.

Indicadores Rurais Não Qualificados Urbanos Não QualificadoTaxa de Ocupação Regiões Metropolitanas Cidades MédiasPosse de Carteira de Trabalho Regiões Metropolitanas Regiões MetropolitanasMenor Proporção de Pobres (percentual deimigrantes na classe inferior)

Regiões Metropolitanas Cidades Médias

Maiores Oportunidades (percentual deimigrantes nas duas classes superiores)

Regiões Metropolitanas Cidades Médias

Para o grupo dos imigrantes rurais não qualificados foi percebida a existência de“cidades de passagem” nas áreas de fronteira, caracterizadas por um maior grau deinstabilidade no mercado de trabalho, assim como observou-se a maior vantagem de trabalho

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formal nas regiões metropolitanas, as quais apresentam maior cobertura legal para ostrabalhadores. Isto pode ter influenciado os fluxos imigratórios, os quais podem ter sidoatraídos por qualidades extra-salariais dos empregos ofertados. Adicionalmente a estahipótese, a análise dos diferenciais de rendimentos nas cidades médias e nas regiõesmetropolitanas foi conclusiva no sentido de apontar que para os movimentos rurais-urbanos aescolha das metrópoles como destino dos fluxos imigratórios mostrou-se salarialmentevantajosa, o que reforçou a escolha feita pelos imigrantes.

Já para o grupo mais expressivo de imigrantes, aqueles do tipo urbano – urbano, ascidades médias apresentaram uma maior receptitividade, excetuando-se o aspecto da coberturalegal das relações trabalhistas. Para a análise dos resultados relativos à questão salarial deve serconsiderado ainda o fato dos diferenciais de custo de vida entre cidades médias e regiõesmetropolitanas, fato que amplia a situação salarialmente vantajosa dos imigrantes de origemurbana que se destinaram às cidades médias. Tais resultados indicam possuir as cidades médiaspapel estratégico para os rumos da desconcentração urbana nacional. Embora a melhorcolocação do imigrante nas cidades médias tende a se difundir como informação (pessoal oumidiática), sustentando movimentos imigratórios futuros para estes centros, as políticasurbanas pró-desconcentração deveriam sustentar, direta ou indiretamente, este papel exercidopelas cidades médias

Nesta etapa de investigação não se tem ainda elementos teóricos e empíricos suficientespara explicar seguramente os fundamentos que tornam, comparativamente, as cidades médiasmais receptivas ao imigrante de origem urbana, e as regiões metropolitanas mais receptivaàqueles imigrantes de origem rural. Um dado a ser investigado é a participação de imigrantesde origem metropolitana, ou de outros grandes centros, no total de imigrantes que sedestinaram às cidades médias. Uma possibilidade, que requer investigação, é que partesignificativa dos imigrantes urbanos que chegam às cidades médias seja formada por ex-moradores dos grandes centros urbanos nacionais, para os quais a experiência de terem vividonestes centros contribui para valorizar sua posição nos mercados de trabalho das cidadesmédias. Outra possibilidade reside na maior diversidade de atividades nas regiõesmetropolitanas vis-à-vis as cidades médias, o que permitiria nas áreas metropolitanas maioresoportunidades ao grupo extremamente vulnerável de imigrantes não qualificados de origemrural.

Os resultados deste estudo reforçam a importância dos investimentos em qualificaçãoda mão de obra como medida para sanar o nível de pobreza nos centros urbanos nacionais.Sugerindo adicionalmente ser desejável construir políticas diferenciadas de orientação para apopulação imigrante, sejam estas diferenças ditadas pela situação (rural ou urbana) de origem,ou pelo destino (cidades médias ou regiões metropolitanas), priorizando, contudo, o apoio aosimigrantes rurais que chegam às cidades médias brasileiras.

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