declinio do brasil no cenário internacional

19
133 ARTIGO O declínio: inserção internacional do Brasil (2011–2014) The fall: the international insertion of Brazil (2011–2014) http://dx.doi.org/10.1590/0034-7329201400308 AMADO LUIZ CERVO* ANTÔNIO CARLOS LESSA** Rev. Bras. Polít. Int. 57 (2): 133-151 [2014] Introdução As relações internacionais do Brasil atravessam, durante os quatro anos do primeiro governo de Dilma Rousseff, entre 2011 e 2014, um período caracterizado pelo declínio relativamente ao período correspondente aos dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva, entre 2003 e 2010, quando se lidava com o conceito “ascensão”. Neste trabalho serão examinados causas e indicadores como base empírica para elaboração do conceito de declínio. Sobressai, nesse sentido, a dificuldade do Estado em manter o diálogo intenso e confiante com os segmentos dinâmicos da sociedade de que resultara a ascensão brasileira como potência emergente. Outros problemas de pesquisa foram identificados sem dificuldade. Que foi feito do multilateralismo humanitário do país? Em que medida, coalizões, blocos e parcerias bilaterais alimentam a vocação globalista do país? Um passo para a maturidade sistêmica da economia nacional havia-se dado mediante a expansão de empresas brasileiras no exterior: como evolui a tendência da internacionalização econômica? Enfim, a preocupação com a segurança internacional, bem como no entorno geográfico e no Atlântico sul. O declínio do Brasil nas relações internacionais é, pois, eleito nesse texto como hipótese analítica aplicável ao período do primeiro mandato de Dilma Rousseff, entre 2011 e 2014. O fenômeno é perceptível desde a transição do governo de Lula da Silva para a sua sucessora e afeta a inserção internacional da potência emergente. A tendência mantém-se depois por efeito de duas causalidades que correspondem a variáveis explicativas. Em primeiro lugar, a inexistência de ideias força, ou seja, * Instituto de Relações Internacionais, Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil ([email protected]). ** Instituto de Relações Internacionais, Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil ([email protected]).

Upload: brunoezer

Post on 18-Nov-2015

21 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

bom artigo sobre política externa brasileira.

TRANSCRIPT

  • 133

    Artigo

    O declnio: insero internacional do Brasil (20112014)

    The fall: the international insertion of Brazil (20112014)

    http://dx.doi.org/10.1590/0034-7329201400308

    AMADO LUIZ CERVO*ANTNIO CARLOS LESSA**

    Rev. Bras. Polt. Int. 57 (2): 133-151 [2014]

    Introduo

    As relaes internacionais do Brasil atravessam, durante os quatro anos do primeiro governo de Dilma Rousseff, entre 2011 e 2014, um perodo caracterizado pelo declnio relativamente ao perodo correspondente aos dois mandatos de Luiz Incio Lula da Silva, entre 2003 e 2010, quando se lidava com o conceito ascenso.

    Neste trabalho sero examinados causas e indicadores como base emprica para elaborao do conceito de declnio. Sobressai, nesse sentido, a dificuldade do Estado em manter o dilogo intenso e confiante com os segmentos dinmicos da sociedade de que resultara a ascenso brasileira como potncia emergente. Outros problemas de pesquisa foram identificados sem dificuldade. Que foi feito do multilateralismo humanitrio do pas? Em que medida, coalizes, blocos e parcerias bilaterais alimentam a vocao globalista do pas? Um passo para a maturidade sistmica da economia nacional havia-se dado mediante a expanso de empresas brasileiras no exterior: como evolui a tendncia da internacionalizao econmica? Enfim, a preocupao com a segurana internacional, bem como no entorno geogrfico e no Atlntico sul.

    O declnio do Brasil nas relaes internacionais , pois, eleito nesse texto como hiptese analtica aplicvel ao perodo do primeiro mandato de Dilma Rousseff, entre 2011 e 2014. O fenmeno perceptvel desde a transio do governo de Lula da Silva para a sua sucessora e afeta a insero internacional da potncia emergente. A tendncia mantm-se depois por efeito de duas causalidades que correspondem a variveis explicativas. Em primeiro lugar, a inexistncia de ideias fora, ou seja,

    * Instituto de Relaes Internacionais, Universidade de Braslia, Braslia, DF, Brasil ([email protected]).** Instituto de Relaes Internacionais, Universidade de Braslia, Braslia, DF, Brasil ([email protected]).

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

  • AmAdo Luiz Cervo; Antnio CArLos LessA

    134

    de conceitos operacionais com capacidade de movimentar sociedade e Estado em torno de estratgias de ao externa; em segundo lugar, obstculos acumulados pelo Estado com perda de eficincia da funo gestora de carter indutor.

    De potncia emergente ao declnio sistmico

    At 2010, o Brasil nutria autopercepo e exibia no exterior imagem de pas emergente e dinmico, segundo estudos que conferncias internacionais e publicaes divulgavam (Rolland e Lessa 2010; Cervo e Bueno 2011; Cornelet 2014). Percepo interna e imagem externa assentavam-se sobre slidos fundamentos, operacionalizados por ideias fora. Tais pilares correspondiam estabilidade econmica e poltica, incluso de dezenas de milhes de pobres sociedade de bem estar mnimo e, enfim, uma poltica exterior assertiva que reposicionava a nao no mundo, alm de dinmica internacionalizao de empresas brasileiras. O presidente Lula da Silva costumava expressar ideias fora em linguagem simples, porm de impacto sobre a sociedade brasileira, o processo decisrio e a opinio internacional: a) conflito tem dono, soluo no tem, base de iniciativas de mediao de conflitos, at mesmo a questo nuclear iraniana e a longa crise do Oriente Mdio e base de ao em benefcio da paz entre as naes; b) toda pessoa tem direito a trs refeies por dia, base moral de ao em favor da incluso social de cidados e da incluso internacional de naes, de que resultou a multiplicao de projetos de cooperao nas reas da agricultura, alimentao, sade e educao patrocinados pelo mundo tanto por governos quanto por organizaes no governamentais; c) reciprocidade de benefcios entre as naes, lema de todo ordenamento multilateral, orientado especialmente ao tratado global de livre comrcio negociado no seio da Organizao Mundial do Comrcio-OMC; d) bom para o Brasil, ideia que servia ao dilogo intenso e constante com o empresariado brasileiro, motivando-o a fazer investimentos diretos no exterior, de que resultou a internacionalizao econmica.

    Sem novos conceitos e sem dilogo com a sociedade, o primeiro termo de Rousseff no poder tolheu eficincia aos fundamentos internos e falhou em outros dois pontos ao abrir o caminho do declnio internacional: no formulou uma poltica de comrcio exterior, apesar do malogro da fase anterior nesse aspecto, e no programou junto com o empresariado uma estratgia de inovao exigida pela competitividade sistmica de economias internacionalizadas. Apenas dar continuidade lerda e obstruda s estratgias externas da fase anterior.

    A segunda causalidade do declnio internacional do Brasil advm dos entraves que se acumularam no Estado e tolheram eficincia ao paradigma logstico de conduta. Por paradigma logstico entendemos a colaborao entre Estado e agentes no governamentais dinmicos da sociedade, aos quais o dirigente repassa poder e responsabilidade nas reas interna e externa (Cervo 2008).

    BrunoMeloUnderline

    BrunoMeloUnderline

    BrunoMeloUnderline

    BrunoMeloUnderline

    BrunoMeloUnderline

    BrunoMeloUnderline

    BrunoMeloUnderline

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloUnderline

    BrunoMeloUnderline

  • O declniO: inserO internaciOnal dO Brasil (20112014)

    135

    Rev

    ista

    BRa

    sile

    iRa

    de

    Pol

    tica

    inte

    Rna

    cio

    na

    l

    Embora alguns desses entraves fossem preexistentes, como a insuficiente infraestrutura e a elevada carga tributria, o governo de Rousseff no somente falhou ao enfrent-los como ainda agregou novos entraves: inchou a mquina do Estado, em trs nveis federal, estadual e municipal multiplicando licenas requeridas para implantao de projetos de infraestrutura, produtivos, de desenvolvimento, e confiando, ademais, a burocratas subalternos o poder de interromp-los em qualquer etapa de execuo; sustou o dilogo constante e intenso com o empresariado industrial e do agronegcio, bem como com dirigentes, a exemplo do prprio Ministro de Relaes Exteriores; no supriu, enfim, a baixa propenso do empresariado em inovar com poltica de Estado de inovao tecnolgica que envolvesse Universidades, centros de pesquisa e empresas em dinmica harmonizada.

    Os resultados da queda de eficincia do paradigma logstico de aliana Estado-sociedade so concretos e incidem sobre os fundamentos internos da emergncia no cenrio internacional: queda do percentual da indstria no PIB, reprimarizao econmica, queda das exportaes, especialmente de manufaturados, queda do crescimento econmico e, mais grave, quebra da confiana no pas do empresariado nacional e estrangeiro.

    Ao se defender, Rousseff afirmou durante o Frum Econmico Mundial de Davos (22-25 de janeiro de 2014), que seu governo no se posiciona contra a iniciativa privada. Embora medidas amigveis de recuperao dessa confiana na linha da conduta logstica a parceria pblico-privada como reduo de preos e isenes tributrias setoriais, alm de crditos direcionados, a tendncia declinante se constata nos leiles de licitao de projetos de infraestrutura, como modernizao de portos e aeroportos e construo ou manuteno de rodovias e ferrovias. So poucas as licitaes bem sucedidas, sendo iniciativas relevantes para o desenvolvimento obstrudas pela insuficiente capacidade gestora do Estado, como foi o caso da licitao do vasto campo de petrleo de Libra, na zona do Pr-Sal, em novembro de 2013: os burocratas consumiram sete anos na elaborao das regras do edital e lograram atrair depois apenas cinco grupos empresariais para o consrcio, quando quarenta eram esperados1.

    Em suma, as duas causalidades do declnio do Brasil sobre o cenrio inter-nacional localizam-se no mbito interno: baixa inovao e baixa competitividade dos sistemas produtivo e de servios, exceto o agronegcio; sistema poltico de coalizo partidria, que desloca facilmente a governabilidade da eficincia ao proveito pessoal ou do partido. Compromete-se, destarte, a qualidade do

    1 Estatsticas so fornecidas por instituies como Ministrio das Relaes Exteriores, Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior, Banco Central do Brasil, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatsticas. Por outro lado, anlises de conjuntura vm a pblico em boletins peridicos, dentre os quais Mundorama, da Universidade de Braslia, e Meridiano 4, do Instituto Brasileiro de Relaes Internacionais, The Brazilian Economy da Fundao Getlio Vargas, Grupo de Estudos de Defesa e Segurana Internacional (Gedes) da Unesp, Campus de Franca.

    BrunoMeloUnderline

    BrunoMeloUnderline

    BrunoMeloUnderline

    BrunoMeloUnderline

    BrunoMeloUnderline

  • AmAdo Luiz Cervo; Antnio CArLos LessA

    136

    processo decisrio, o qual tende a separar o Estado da sociedade e a refugiar-se no personalismo. Apenas de leve as causalidades internas so agravadas pela circunstncia de crise financeira e econmica internacional vigente no perodo. Alis, o declnio, por ironia, alcana a alta poltica internacional na desconfiana de lderes mundiais, aos quais a Presidente brasileira no incio de seu mandato pontificava solues de como superar os impactos da crise, quando, na realidade, logo depois, trouxe-os para dentro, ao ponto de provocar manifestaes de massa de descontentamento diante de seu governo em junho-julho de 2013.

    Como consolo aos dirigentes brasileiros nesse perodo, observa-se, apesar de tudo, que a consolidao de estratgias internas e externas durante o governo Lula da Silva e sua continuidade, mesmo que frouxa e lerda, pela sucessora, mantm o pas como nica potncia emergente da Amrica Latina no sculo 21, apesar de declinante.

    Atuao em rgos humanitrios multilaterais

    A grande presena brasileira em rgos multilaterais tradicionais, globais ou regionais, mantm-se, sobretudo por meio da mquina diplomtica, o Itamaraty. Essa frente de ao associa-se atuao em rgos recentes criados por efeito da formao de blocos, de coalizes de poder e de cpulas de Chefes de Estado e de governo, nos quais a delegao brasileira costuma agregar representantes de segmentos ativos da sociedade. Observa-se que o multilateralismo brasileiro penetra desse modo, por vontade nacional, o primeiro mundo e o mundo emergente, guiado pelo objetivo de fortalecer o poder e expandi-lo, em sintonia com a vocao globalista do pas. Nesse pargrafo, analisamos a atuao brasileira em rgos humanitrios e deixamos para mais adiante multilateralismo econmico e coalises de poder ao sul.

    O tema da reforma do Conselho de Segurana, to caro a Celso Amorim, Ministro das Relaes Exteriores de Lula da Silva, no esquecido, porm ofuscado na poltica exterior de Rousseff. Em seu discurso na Assembleia Geral das Naes Unidas de 2010, Amorim reiterou pela ltima vez como chanceler sua ideia de reforma do Conselho, cuja composio considerava inadequada nova distribuio do poder. De fato, esta altura, o Brasil alinhava-se com o Brics, cujos dois representantes no Conselho, Rssia e China, eram suficientes para vetar decises contrrias ao pensamento em segurana internacional com que os emergentes confrontavam a Organizao do Tratado do Atlntico Norte-Otan. Alis, os dois no desejam que o poder de veto se dilua em aumento de membros permanentes e, nessas circunstncias, o recuo brasileiro torna-se mais compreensvel.

    A poltica exterior brasileira mantm princpios tradicionais em matria de segurana internacional, especialmente a autodeterminao dos povos e a no interveno, que fustigam os dois mecanismos de violncia, interveno e sano, aplicados como regras de conduta pela Otan, desde a Segunda Guerra Mundial.

    BrunoMeloUnderline

  • O declniO: inserO internaciOnal dO Brasil (20112014)

    137

    Rev

    ista

    BRa

    sile

    iRa

    de

    Pol

    tica

    inte

    Rna

    cio

    na

    l

    Mas o confronto volta-se diretamente para os Estados Unidos, lder da Aliana Atlntica. Basta examinar a oposio da diplomacia brasileira s ideias ou iniciativas dos Estados Unidos diante da questo nuclear iraniana, da Lbia e da Sria, bem como do conflito israelo-palestino, alm da repugnncia pela presena norte-americana na Organizao dos Estados Americanos-OEA, quando esta presena tende a imiscuir-se na soluo de conflitos na Amrica do Sul. Tudo isso lembra a posio brasileira diante das anteriores intervenes no Iraque e no Afeganisto, bem como o sutil apoio ao governo do Paquisto, o qual, desde 2005, no aprecia a presena da Otan que deseja manipul-lo.

    A coerncia da poltica externa brasileira em matria de segurana internacional aplica-se s operaes de paz sob o patrocnio da ONU e, por esta via, vinculam-se aos direitos humanos. Expressando tal raciocnio acerca das operaes de paz, o Ministro brasileiro de relaes exteriores, Antnio de Aguiar Patriota, advogava, em 2012, a favor dessas normas de conduta: solues multilaterais para conflitos, uso da fora apenas em defesa das tropas e do mandato especfico da ONU, no ingerncia em assuntos internos do Estado anfitrio e substituio de funes do Estado dbil como proteo de civis e ao humanitria coletiva, quando necessrio. Em razo de tais princpios e de sua experincia histrica, a ONU escolheu o Brasil para dirigir as foras destinadas Misso de Paz no Haiti, a Minustah. Lembrava Patriota o contingente de cerca de 1900 homens e mulheres brasileiros no Haiti, alm de presena em outras treze misses de paz da ONU.

    Entre 2006 e 2011, o debate amadurece no Conselho de Segurana e na Assembleia Geral, de tal sorte que o consenso multilateral em torno da responsabilidade de proteger ir vincular segurana e direitos humanos. Desconfiada de outras pretenses de grandes potncias em operaes de paz, a diplomacia brasileira toma a iniciativa de agregar ao conceito de responsabilidade de proteger o de responsabilidade ao proteger, disciplinando a aplicabilidade do primeiro ao associar segurana, direitos humanos e desenvolvimento. De todo modo, os casos de violaes dos direitos humanos so difceis de diagnosticar, mesmo que belos conceitos os iluminem. Por isso mesmo, a diplomacia brasileira ir flexibilizar suas posies e aprovar no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em 20012-2013, investigaes e mesmo condenaes especficas em alguns pases, como Coria do Norte, Ir, Mianmar, Sria e Sri Lanka (Kenkel e Moraes 2012; Nasser e Moraes 2014; Battaglino 2012).

    Em anos recentes, outro aspecto das relaes internacionais ocupa governo e sociedade no Brasil: as migraes internacionais. O pensamento brasileiro vincula assuntos migratrios a direitos humanos e, por esta via, mune-se de argumentos para criticar atitudes de pases propensos a violar direitos humanos de imigrantes.

    Em razo das condies de emprego, favorveis no Brasil e deterioradas nos pases avanados por efeito da crise econmica e social, o Ministrio das Relaes Exteriores registra uma queda sensvel do nmero de brasileiros emigrados relativamente aos anos anteriores: de 3,1 milhes, estimativa em 2010, para 2,5

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

  • AmAdo Luiz Cervo; Antnio CArLos LessA

    138

    milhes em 2013. Regressavam do Japo (onde somavam 313 mil em 2007 e 193 mil em 2012), de Espanha e Portugal, Frana, Estados Unidos e Paraguai. Alm da reverso do fluxo, em razo de imagem positiva que os brasileiros da misso da ONU no Haiti difundem, o Brasil torna-se alvo de nova corrente migratria, provinda desde o Haiti e de outras sociedades pobres da frica e do Oriente Mdio. O debate nacional sobre imigrao externa se instala, como ocorreu na Europa e nos Estados Unidos.

    O crescente fluxo migratrio internacional revela a existncia de uma parcela especial, os refugiados. O Comit Nacional para Refugiados (Conare) chega em 2013 soma de 4.500 beneficiados pelo governo brasileiro com o asilo poltico: 64% da frica, 22% da Amrica e 10% da sia. Sendo a outorga do asilo uma operao delicada, estabeleceu-se estreita colaborao entre Conare e Acnur (Alto Comissariado das Naes Unidas para Refugiados) com o fim de enquadrar a poltica brasileira nas normas internacionais de proteo de direitos dos refugiados. Com efeito, a situao em certos pases, especialmente aqueles afetados por guerras de religio, agrava-se como nunca ocorrera aps a Segunda Guerra Mundial. Segundo relatrio do Acnur de 2013, nesse ano os deslocados dentro ou fora de seus pases ultrapassavam a cifra de cinquenta milhes e o Brasil, no mesmo ano, recebia mais de cinco mil pedidos de asilo.

    O direito internacional do meio ambiente, uma varivel do Direito Internacional, vem sendo erigido em conferncias da ONU com objeto e normas prprias, porm em ritmo de sofreguido, desde a conferncia de Estocolmo de 1972. Em 2010, a 16 Conferncia sobre mudanas climticas realizada em Cancun foi precedida de dilogo promovido pela Federao das Indstrias do Estado de So Paulo-Fiesp com o governo e segmentos da sociedade, visto estarem os empresrios preocupados com eventuais prejuzos. O acordo firmado pelas delegaes presentes em Cancun, em 12 de dezembro daquele ano, correspondeu a um pacote de intenes destinado a salvar o malogro da conferncia anterior de Copenhagen. O presidente do Brasil no compareceu, visto no acreditar em compromisso internacional srio. Apesar disso, para efeito pedaggico, a delegao brasileira anunciou na ocasio a poltica ambiental do pas, decidida por decreto que reduziria a emisso de gases de efeito estufa entre 36% e 39% at 2020.

    Em Durban, na frica do Sul, em 2011, a 17 Conferncia prorrogou o Protocolo de Kyoto e discutiu a obrigatoriedade de metas de reduo, postergando a 2020 decises de todos os pases nesse sentido. Como o Brasil j decidira, apenas comprometeu-se a cumprir suas metas. Estados Unidos e China, os maiores poluidores, aceitaram, enfim, o princpio da obrigatoriedade.

    O esforo em normatizar a poltica internacional nesse setor chega Rio+20, a Conferncia sobre Desenvolvimento Sustentvel de junho de 2012. Nela compareceram delegaes de 193 pases, que no incluam os lderes de grandes naes poluidoras. Apesar de prevalecente nos debates, a preocupao com a emisso de gases que afetam o clima, mais uma vez o documento final revelou-se

  • O declniO: inserO internaciOnal dO Brasil (20112014)

    139

    Rev

    ista

    BRa

    sile

    iRa

    de

    Pol

    tica

    inte

    Rna

    cio

    na

    l

    polmico. Para Rousseff, a incluso nele do combate pobreza representou um avano. Contudo, as Organizaes No Governamentais-ONGs o consideraram fraco, seno decepcionante, visto renovar promessas anteriores, consolidando-as em mais uma carta de boas intenes, sem clareza e sem compromisso com a obrigatoriedade.

    A vocao globalista: blocos, coalizes e parcerias bilaterais

    A insero internacional do Brasil mantm o universalismo como parmetro da ao externa desde os anos 1950. A insistncia sobre relaes Sul-Sul no sculo 21 traduz, precisamente, o universalismo: cabe aos emergentes traar a ordem internacional junto com o velho mundo desenvolvido. Atitudes diante de blocos, coalizes, parcerias e prioridades regionais evidenciam, com objetividade, o universalismo, e no correspondem a nenhuma opo exclusivista, mesmo que o exclusivismo seja a preferncia desse ou daquele segmento da sociedade. A identidade nacional composta, bem como o interesse nacional explicam o zelo do Estado em harmonizar com lgica o modelo de insero, longe de teorias malficas como choque de civilizaes, estabilidade hegemnica e mesmo o ocidentalismo, tido por preconceito. O nico requisito inerente ao universalismo consiste na autonomia decisria da ao externa.

    Conforma-se com o universalismo da vocao globalista a percepo acerca da integrao: a rea prxima se amplia na viso brasileira, do Mercado Comum do Sul-Mercosul Unio das Naes Sul-Americanas (Unasul) e Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) para alcanar o mundo. O pressuposto segue sendo o papel sistmico a desempenhar pelo pas nas relaes internacionais e, para tanto, a construo regional de um polo de poder. Por tais razes, Rousseff d continuidade ao governo de Lula da Silva, mantendo como imutvel a insero de impulso universalista.

    Benefcios auferidos pelo Brasil da integrao regional so palpveis, como tambm resultados adversos conquista da maturidade sistmica. A complementariedade econmica regional baixa, os agentes econmicos acompanham a diretriz poltica, porm hesitam entre o regional e o extrazona, o comrcio exterior entre os pases latino-americanos cresce, porm composto de bens de consumo em maior proporo do que de bens de produo, os pases mantm, ademais, maior volume de comrcio extrazona. A integrao vem abrindo, por certo, boas oportunidades de negcios para o Brasil, como exportaes de manufaturados, investimentos e interpenetrao empresarial, porm o desenvolvimento ainda revela baixa vinculao com o mercado regional. Os agentes econmicos brasileiros padecem com a fraqueza das instituies regionais e a falta de consenso estratgico, condicionamentos que conduzem disperso generalizada dos modelos de desenvolvimento interno, das concepes da integrao, das vises de mundo e dos modelos de insero internacional. Ademais, uma diviso do

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

  • AmAdo Luiz Cervo; Antnio CArLos LessA

    140

    pensamento latino-americano confronta liberais com nacionalistas introspectivos. E para coroar a fraqueza da integrao regional, exibe-se a aurola das empfias polticas nacionais. Por efeito de tais condicionamentos, a melhor performance da integrao latino-americana consiste no entendimento poltico regional, responsvel pela mais vasta zona de paz do universo humano.

    O processo de integrao latino-americano como desgnio brasileiro tem o Mercosul por mola propulsora e agrega objetivos polticos, geopolticos, financeiros e sociais que ultrapassam o econmico-comercial, como a superao de assimetrias. Constri-se como experincia especfica sem formatao acabada e deriva, operacionalmente, do paradigma logstico interno. Destarte, iniciativas e instituies surgem em sua evoluo: o Fundo para a Convergncia Estrutural e Fortalecimento Institucional do Mercosul (Focen), a colaborao deste com o CAF Banco de Desenvolvimento da Amrica Latina e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES) para superao de assimetrias; a Iniciativa para a Integrao da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) com sua Agenda de Implementao Consensuada, o Conselho de Infraestrutura e Planejamento da Unasul (Cosiplan) e o BNDES com seus vultosos recursos, para projetos de infraestrutura. Em 2013, de aproximadamente 600 projetos de infraestrutura na carteira do Cosiplan, 14% estavam concludos e 30% em execuo. Quase tudo se fazendo sob parceria brasileira pblico-privada.

    Os tropeos, contudo, escandem o processo: a suspenso do Paraguai do Mercosul em 2012 e a admisso da Venezuela como membro pleno logo depois provocaram comoo e surpresa, revelando a natureza em construo da integrao regional; Alba (Aliana Bolivariana para as Amricas) e Aliana do Pacfico espelham divergncias com outros blocos acerca de integrao e comrcio, por mais que lderes polticos afirmem a convenincia da concertao entre todos os rgos regionais. Em 2014, o rgo de planejamento estratgico da Unasul, o Cosiplan, promove seminrios tcnicos que fazem evoluir o conceito de integrao, da IIRSA integrao integrada, aquela capaz de harmonizar combate pobreza, infraestrutura, integrao produtiva e incluso social. Em suma, o discurso da integrao evolui com perfeio, resta medir a influncia prtica. No fundo, o carter em construo se deve essncia do processo: diferena da Unio Europeia, na Amrica Latina a cultura poltica, inclusive no Brasil, considera legtimo sobrepor o projeto nacional ao regional e no ceder o controle da autonomia decisria a ponto de debilitar a soberania; contudo, todos os pases elegem o entendimento poltico como bem supremo da integrao (Cervo 2013; Baumann 2013; Couto 2013; Resende 2013; Desider Neto 2012; lvarez 2012)2. Poderia a vitria da direita

    2 Dados estatsticos e anlises sobre integrao regional so fornecidos por instituies como: Sistema Econmico Latino-Americano e do Caribe-SELA; Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe-Cepal; Banco Mundial; Instituto para a Integrao da Amrica Latina e do Caribe-Intal do Banco Interamericano de Desenvolvimento; ver Thomas Legler, Post-hegemonic Regionalism and Sovereignty in Latin America: Optimists, Skeptics, and an Emerging Research Agenda, Contexto Internacional, vol. 35, n. 2, 2014.

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

  • O declniO: inserO internaciOnal dO Brasil (20112014)

    141

    Rev

    ista

    BRa

    sile

    iRa

    de

    Pol

    tica

    inte

    Rna

    cio

    na

    l

    nas eleies europeias para o Parlamento em 2014 fazer convergir a rota dos dois processos pela via da valorao do nacional sobre o regional?

    O dilema entre regional e global no machuca a poltica exterior brasileira, comprovam as coalises ao Sul e as parcerias estratgicas.

    O declnio do Brasil como potncia emergente durante o governo de Rousseff desloca o protagonismo do Brics aos outros dois grandes, Rssia e China. Com efeito, a letargia externa de Rousseff contrasta com a projeo geopoltica russa e econmica chinesa, convergindo os dois quanto promoo conjugada de suas presenas sobre o continente asitico. Destarte, o Brics mantm consenso em algumas conferncias internacionais, no Conselho de Segurana para condenao de intervenes unilaterais da Otan, como tambm na cooperao sul-sul e na promoo da incluso social interna e da incluso das naes mais pobres no sistema internacional Mas o Brics anda sem posies consensuais em outras questes, como na OMC e no G20, e sobre o regional. Est longe de alcanar a OCDE quanto cooperao para o desenvolvimento e aos gastos com inovao. Em maio de 2014, Rssia e China firmam relevante acordo comercial e vislumbram a formao de um bloco econmico no mercado euroasitico, de porte a equilibrar no futuro a Unio Europeia, havendo Vladimir Putin avanado nesse caminho no mesmo ms mediante acordo assinado com os presidentes de Bielorrssia e Cazaquisto para criao da Unio Econmica Euroasitica (De Jesus 2014; Thorstensen 2012).

    O Brics continua a impressionar como coalizo. Na V cpula de Durban, em 2013, na frica do Sul, acenou com trs decises: a criao do Banco Brics para financiar o desenvolvimento, do fundo de compensao cambial para fazer face a desequilbrios financeiros de seus membros, enfim, concordou com investigaes sobre violao de direitos humanos na Sria. Ao termo da VI cpula realizada no Brasil, o documento final, Declarao de Fortaleza, assinada em 15 de julho de 2014, alm de reafirmar os princpios da ao internacional da coalizo, anunciou trs acordos anteriormente previstos: foi criado o Banco de Desenvolvimento do Brics, com capital inicial de cem bilhes de dlares, sede em Xangai e direo colegiada dos membros da coalizo; foi institudo o fundo de reservas cambiais, dotado do mesmo montante; foi firmado, enfim, termo de entendimento para cooperao entre as agncias nacionais de crdito s exportaes. Como ocorrera em Durban com os pases africanos, aps a cpula de Fortaleza, os cinco Chefes de Estado do Brics reuniram-se com os onze presidentes sul-americanos com o fim de estender regio a cooperao das novas instituies especialmente para projetos de infraestrutura. Sobre o plano financeiro global, o Brics as considera instituies complementares e alternativas ao FMI e ao Banco Mundial, nas quais os pases avanados detm maior poder que os emergentes3.

    3 O Brics Policy Center da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro acompanha a coalizo com abundantes informaes e anlises.

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

  • AmAdo Luiz Cervo; Antnio CArLos LessA

    142

    A coordenao do Brics, enfim, e sua agenda baseada na cooperao entre os membros e no esforo em transformar a ordem internacional so vistas amide com desdm por intelectuais dos Estados Unidos, da Unio Europeia e por estrategistas da Otan. Estes desejam a manuteno da ordem que lhes convm, porm o Brics deseja transform-la em favor da paz e da multipolaridade, que contemple, enfim, interesses e valores complexos da comunidade internacional. Por vezes decisivo por vezes no em dimenso global, o Brics ofusca o papel de outra coalizo ao Sul, o Ibas, que se refugia na cooperao entre seus membros, ndia, Brasil e frica do Sul. Para fazer face penetrao chinesa e indiana no continente, a poltica africana do Brasil usa o soft power da cooperao em setores de apelo popular, como incluso social, agricultura, educao e sade, havendo, por exemplo, inaugurado em 2012 uma fbrica de medicamentos contra a Aids em Moambique (Bertonha 2013).

    Em outra linha de continuidade, mesmo que lerda, considerados os avanos do Brics, a insero internacional do Brasil preserva no perodo a relevncia das parcerias bilaterais. A crtica globalizao e o retorno do Estado, agora sob a gide do paradigma logstico no Brasil, reforam o bilateral, historicamente usado pelo pas para estender os braos do poder e veicular interesses nacionais. Como tudo no modelo brasileiro de insero internacional, o bilateralismo se conforma com o universalismo.

    As chamadas parcerias estratgicas, laos de intercmbio de fatores com potencial de influir sobre a formao nacional de longo curso do pas em desenvolvimento, so preservadas como bens preciosos da ao externa: parcerias tradicionais, com Estados Unidos, Alemanha, Frana, Itlia, Japo, Inglaterra, Argentina e outras, como novas, com China, Espanha, Portugal e outras. Ousar pr em risco uma parceria estratgica configura-se como temeridade. Da, por exemplo, porque os dirigentes toleram medidas comerciais heterodoxas, at agressivas, de parte da Argentina, da porque a opinio brasileira considerou desmesurada a reao da Presidente Dilma Rousseff espionagem norte-americana da NSA.

    As relaes entre Brasil e Estados Unidos passam por uma fase instvel. A inteligncia norte-americana no confere ao Brasil a ateno que este supe merecer em razo do papel que pretende desempenhar no mundo. Tampouco aprecia certas tendncias de longo prazo, como o universalismo e a autonomia decisria da poltica externa. A Secretria de Estado, Hilary Clinton, ao termo do governo de Lula da Silva, expressara a discordncia, afirmando com clareza que no cabe ao pas envolver-se em assuntos do Oriente Mdio. Com efeito, as vises de mundo, as polticas de segurana e as posies ideolgicas de ambos os pases muito divergem. na esfera bilateral que as relaes adquirem relevncia.

    Barack Obama veio ao Brasil em 2011 e Rousseff foi aos Estados Unidos em 2012. As duas visitas oficiais trataram de assuntos bilaterais em profundidade ao estilo de conduta logstica dos Estados. Uma dezena de acordos foram firmados, descobrindo ou criando oportunidades de movimento para empresrios e entidades, bem como agentes de ambas as sociedades, cujos interesses eram estimulados:

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

  • O declniO: inserO internaciOnal dO Brasil (20112014)

    143

    Rev

    ista

    BRa

    sile

    iRa

    de

    Pol

    tica

    inte

    Rna

    cio

    na

    l

    cooperao entre Universidades, Embraer e Boeing, petrleo, proteo de marcas nacionais de bebidas, facilitaes comerciais, de fluxo de cidados, de negcios para investidores etc.

    A revelao da espionagem da Agncia Nacional de Segurana (NSA) deixou Rousseff injuriada pessoalmente, mesmo porque, alm de ter seu telefone grampeado, comunicaes entre civis foram interceptadas, at mesmo a Petrobras e outras empresas monitoradas. As reaes foram quatro: o rompante da voz de protesto, a suspenso da visita de Estado que Rousseff faria aos Estados Unidos em 2013, um projeto de regime internacional para a Internet apresentado ONU conjuntamente com outra vtima da espionagem, a Alemanha de Angela Merkel, enfim, acelerao do projeto Brics Cable, destinado a uma internet autnoma entre os pases do Brics. A 2 de junho de 2014, em entrevista ao jornal The New York Times, Rousseff declara encerrado este ciclo de desentendimento e retomadas as relaes entre Brasil e Estados Unidos, do ponto onde haviam sido interrompidas no ano anterior, inclusive com a remarcao da cancelada visita. Em Braslia, no mesmo ms, o vice-presidente americano, Joe Biden, confirmou mudanas no sistema de monitoramento e disposio de retomar as relaes na linha da parceria estratgica bilateral.

    Apenas as relaes com a China medem-se com a parceria entre Brasil e Estados Unidos, em termos de fatores envolvidos, negociaes entre dirigentes, comisses de concertao e envolvimento de agentes das duas sociedades. Recentemente, a cooperao em cincia e tecnologia definha, porm afinidades de vises de mundo convergem e facilitam o entendimento. O grande desafio brasileiro, conduzido a termo com xito, repete a histria: assim como os norte-americanos desejavam o mercado brasileiro de manufaturados nos anos 1950 e foram forados a investir na industrializao brasileira, assim desejava a China exportar manufaturados para o Brasil e est sendo convencida a mudar de atitude e facilitar investimentos diretos no pas. Entre 2010 e 2013, os investimentos diretos chineses no Brasil aproximam-se de 30 bilhes de dlares, oitavo mercado de destino no mundo, o que torna o Brasil diferente de seus vizinhos latino-americanos (Bernal-Meza 2013).

    Como cooperao sul-sul, a parceria Brasil-China revela trs eixos em curso: poltico, empresarial e cientfico-tecnolgico. E se descola dos Estados Unidos, exibindo autonomia tanto no bilateral quanto no global. Ademais, em 2012 a China se torna o primeiro parceiro comercial do Brasil, superando a posio histrica ocupada pelo comrcio entre Brasil e Estados Unidos.

    Durante os governos de Dilma Rousseff e Cristina Kirchner, as relaes entre Brasil e Argentina mantm-se relevantes, porm prolongam dificuldades em seu curso. Os vultosos investimentos brasileiros no pas vizinho recuam ante percalos de caminho que desanimam empresrios. Quando da reestatizao da YPF, a companhia petrolfera argentina, em 2012, a Petrobras recusou-se a estabelecer uma parceria solicitada e necessria para consolidar a empresa irm. Grandes grupos empresariais brasileiros reconsideram seus projetos no pas, alguns so desativados

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

  • AmAdo Luiz Cervo; Antnio CArLos LessA

    144

    como o grande projeto de explorao do fosfato em Mendoza. Em frequentes encontros na Argentina, Rousseff se dispe a salvar o entendimento poltico bilateral, porm ela e agentes econmicos lamentam medidas administrativas que emperram os fluxos do comrcio, acentuam o isolamento financeiro argentino e espantam investidores. O tradicional acordo automotivo para comercializao de veculos, renovado em julho de 2014, faz transparecer dificuldades maiores do que no caso do acordo similar que o Brasil mantm com o Mxico. De fato, a industrializao da Argentina, legtima e necessria sob o aspecto econmico e social, conduzida no perodo por decises que denotam exacerbada introspeco econmica e choques entre governo e setores econmicos, enquanto o Brasil mantm sua parceria pblico-privada interna e maior abertura aos mercados externos. Dois modelos de desenvolvimento distintos, seno irreconciliveis.

    A internacionalizao da economia brasileira

    A modernizao do Brasil passou por duas fases, a primeira entre os anos 1930 e 2000, a segunda no sculo 21. Na primeira fase, sob vigncia do paradigma desenvolvimentista at por volta de 1990, a internacionalizao ocorreu de fora para dentro e deu forma industrializao, tocada por capitais, empreendimentos e tecnologias de pases avanados, os parceiros estratgicos. Esse modelo incorreu em duas falhas estruturais: voltados para o mercado de consumo interno, feito reserva em funo de elevado protecionismo alfandegrio, os empresrios da indstria pouca importncia atribuam s exportaes em seu planejamento; como no competiam com produtores externos, pouco ou nada investiam em inovao, comprometendo a competitividade e eventuais exportaes com valor agregado. O neoliberalismo dos anos 1990 com o choque da abertura desestabilizou o modelo de desenvolvimento introspectivo. Somente no sculo 21, contudo, se adentra pela segunda fase da modernizao, quando empresas, capitais e mesmo tecnologias setoriais impulsionam a internacionalizao para fora, com penetrao de empresas brasileiras em mercados externos e crescente envolvimento em cadeias produtivas globais Por volta do ano 2000, com efeito, a sociedade estava preparada para a segunda fase, porm coube ao Presidente Lula da Silva estabelecer deciso poltica clara em dilogo com um empresariado entusiasta (Schenoni 2012).

    As relaes econmicas externas sero examinadas a partir da primeira dcada do sculo 21, nos dois aspectos de comrcio e investimentos, considerando-se os efeitos da crise econmica global que se estende de 2008 ao presente, bem como a atuao brasileira no G20, o grupo criado para conjur-la.

    Segundo dados do Instituto para a Integrao da Amrica Latina e do Carive-Intal, a Amrica do Sul acelerou seu comrcio exterior no sculo 21. Entre 2003 e 2011 as exportaes aumentaram 17%, superando a expanso do comrcio mundial (11,6%). Nesse perodo, o crescimento do comrcio entre os pases sul-americanos, 19%, superou os envios para outros mercados, estes com expanso

    BrunoMeloHighlight

  • O declniO: inserO internaciOnal dO Brasil (20112014)

    145

    Rev

    ista

    BRa

    sile

    iRa

    de

    Pol

    tica

    inte

    Rna

    cio

    na

    l

    de 11,6%. Contudo, a Amrica Latina como um todo enfrenta desafios na segunda dcada desse sculo, em razo da queda dos preos dos produtos primrios, da queda das exportaes e da maior oferta de manufaturados provindos da sia como tambm de pases avanados, cujos excedentes aumentam devido queda do consumo.

    A crise financeira acentua, ademais, mudanas anteriores em curso no comrcio internacional: as tarifas alfandegrias so substitudas por entraves nacionais s importaes, o liberalismo pelo mercantilismo, a OMC pelas negociaes bilaterais. O G20 cuida do imediato, no de estratgias de longo prazo, suas cpulas revelam-se incuas, porque sem entendimento entre desenvolvidos e emergentes, o que tambm ocorre entre os mais de 150 membros da OMC. O regime do comrcio internacional torna-se complexo, porque suas normas advm agora do bilateral ou regional, no do global via OMC. Todos esses desafios suporiam, racionalmente, adaptao de estratgias regionais: para aproveitar o aparecimento de nova classe mdia na Amrica Latina, fruto dos programas de incluso social, uma nova poltica industrial; e para enfrentar presses sobre o mercado, novas polticas de comrcio exterior.

    Durante a primeira dcada do sculo 21, o supervit comercial do Brasil aumentava, atingindo o pico de 46,5 bilhes de dlares em 2006. Caia para 25 em 2008-2009. Os manufaturados correspondiam a 59,1% da pauta exportadora em 2000, 44% em 2009. A importao de produtos de alta tecnologia triplica entre 2004-2010. As cinco commodities mais exportadas representavam 28% sobre o total da pauta em 2005, 47% em 2011. Segundo dados do Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior, em 2013, as exportaes totais alcanam 242,2 bilhes de dlares, queda de 1% relativamente ao ano anterior; as importaes totais alcanam 239,6, isto , aumento de 6,5% relativamente ao ano anterior. Uma deteriorao da balana do comrcio exterior em curso.

    Apesar do grande crescimento das exportaes de produtos primrios com destino China, duas evidncias econmicas se impem: desindustrializao e reprimarizao. Diante de tais circunstncias, o Brasil de Rousseff no reage com estratgia adequada para o comrcio exterior, no negocia acordos do novo modelo, por isso no penetra o novo regime do comrcio internacional, volta-se para o consumo interno com medidas setoriais de incentivo produo e ao crdito e no para exportaes por meio de incentivos inovao. Ora, como a economia nacional alcanara o maior ndice de industrializao da Amrica Latina, o dinamismo do comrcio exterior brasileiro estava ligado ao dinamismo das exportaes de manufaturados. Urgia proceder a uma reestruturao produtiva nesse sentido, para repor a pauta industrial do comrcio exterior. Como no ocorreu, as estatsticas indicam consequncias negativas e mltiplas: queda sensvel do ritmo de crescimento do PIB, particularmente do PIB industrial, queda das exportaes de manufaturados, perda de parcela crescente do prprio mercado interno de manufaturados, queda do emprego industrial, piora das contas externa

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

  • AmAdo Luiz Cervo; Antnio CArLos LessA

    146

    e reprimarizao econmica, mesmo porque o nico setor dinmico que anda por si corresponde ao agronegcio4.

    Em razo de seu dinmico multilateralismo comercial anterior, apesar de conquistar a direo da OMC, uma instituio praticamente falida, o Brasil no influi mais sobre os ordenamentos do comrcio internacional. Segundo a OMC, os acordos de livre comrcio elevaram-se a 25 entre 1958 e 1990, 88 entre 1991 e 2000, 158 entre 2001 e 2012. Em contraste, o primeiro acordo global de livre comrcio, tmido e sem impacto previsvel, foi alcanado pela OMC na reunio de Bali, Indonsia, em dezembro de 2013.

    Uma sorte de unanimidade se faz entre estudiosos em torno da inrcia da poltica de comrcio exterior durante o governo de Rousseff. Quatro carncias fundam tal conceito: de investimentos internos, de inovao, de exportao com valor agregado e de mercados (Cesar e Sato 2012).

    Poderiam os investimentos brasileiros no exterior compensar a inexistncia de poltica de comrcio exterior e elevar a internacionalizao econmica brasileira ao nvel da maturidade sistmica? Sim e no. A segunda fase da modernizao brasileira configura-se, por certo, uma tendncia irreversvel desde o incio do sculo 21, rumo maturidade sistmica da economia de mercado. A expanso para fora de empresas brasileiras insuficiente, contudo, para evitar desequilbrios e carncias estratgicas, como as deficincias acima descritas, cuja superao estaria requerendo o concurso de outras causalidades.

    Capitais e empreendimentos brasileiros deslocam-se para o exterior no sculo 21, a comear pela Amrica do Sul, em razo de estmulos criados pela integrao regional, porm desviando-se depois para outros mercados, Estados Unidos, Canad, frica, China e Europa. Ao lado do comrcio, o movimento corresponde a indicador concreto da vocao globalista, incorporado poltica exterior como desgnio de Estado e acompanhado com entusiasmo pelos segmentos dinmicos da sociedade. Os estoques de investimentos diretos brasileiros no exterior, em bilhes de dlares, aumentam em ritmo acelerado, segundo dados da Confederao Nacional da Indstria-CNI: 51,9 em 2000; 79,2 em 2005; 188,6 em 2010; 202,5 em 2011 e 266,2 em 2012. A CNI indica, contudo, as dificuldades de um movimento que j anda por si, como faz o setor agrcola, porm no amadurece como conviria aos interesses da economia brasileira.

    Com efeito, se Lula da Silva estimulou, Rousseff no avanou na percepo dos investidores brasileiros. A expanso de empresas brasileiras carece de uma poltica de Estado coerente, por isso tais empresas andam espontaneamente. Desde a dcada de 1990, o BNDES usado como instrumento da poltica exterior, provendo recursos para o movimento de expanso de empresas brasileiras no exterior, porm os empresrios consideram que este importante suporte da internacionalizao,

    4 Revista Brasileira de Inovao (Brazilian Journal of Innovation), Campinas, Universidade de Campinas, v. 13, n. 1, jan.-jun. 2014.

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

  • O declniO: inserO internaciOnal dO Brasil (20112014)

    147

    Rev

    ista

    BRa

    sile

    iRa

    de

    Pol

    tica

    inte

    Rna

    cio

    na

    l

    por si s, no corresponde a uma poltica de Estado. Ao invs de avanar, Rousseff cogita na tributao de lucros no exterior e tolhe competitividade s empresas brasileiras. Por isso a expanso ocorre mais com empresas de servio intensivas que de capital intensivas. As bem sucedidas no exterior transferem para filiais funes nobres de inovao, inclusive exportam de l em vez de exportar do Brasil, quando compram plantas ou se associam. Em suma, desejam os investidores brasileiros no exterior mais acordos de no bitributao, menos tributos sobre lucros no exterior e mais institutos de inovao tecnolgica no Brasil (Confederao Nacional da Indstria 2013).

    A criao do Mercosul, em 1991, j previa a insero competitiva impulsionada pela interpenetrao de cadeias produtivas regionais. Os investimentos diretos brasileiros na Amrica do Sul cresceram ao ponto de tornarem-se varivel substantiva dos balanos de pagamentos, estoques de investimentos e estrutura produtiva dos pases da vizinhana. Com o tempo, porm, as reaes dos governos da vizinhana colocaram em perigo essa filosofia poltica da integrao, quando, em sua percepo, concluram que servia diretamente como instrumento do desgnio globalista brasileiro. Obstculos foram sendo erigidos nos pases da Amrica do Sul penetrao de capitais e empreendimentos brasileiros, segundo o paradigma logstico da colaborao Estado-sociedade, obstculos derivados de polticas de explorao estatal de recursos primrios, como na Bolvia e no Equador, pelas medidas protecionistas argentinas de industrializao, pelos princpios ideolgicos da Alba. Da o desvio do movimento para mercados alm da vizinhana, mesmo porque os mercados de Chile, Colmbia e Peru, pases que apreciam a parceria pblico-privada do paradigma logstico, so limitados.

    O ltimo grande mercado de destino de investimentos diretos brasileiros no exterior, a Europa, somava, em 2011, 80 bilhes de dlares, mais do que China, Rssia e ndia juntas nele investiam. Segundo a Fundao Dom Cabral, em 2012, a JBS a empresa brasileira mais internacionalizada, com 72,2% de sua receita realizada no exterior. Em segundo lugar situa-se a Gerdau, com 52,4% (lvarez 2012; Cervo 2013; Resende e Mallmann 2013).

    O Brasil e a segurana

    Apenas em duas ocasies histricas cogitou-se no Brasil em construir capacitao militar: nos meados do sculo 19 e nos anos 1970. Ambos os projetos foram abandonados. Contudo, a preocupao com segurana e defesa agrega-se poltica exterior de modo visceral e poltica interna de modo pragmtico, mesmo que a indstria militar padea da ineficincia do Estado desde 2011, como outros aspectos do desenvolvimento interno e da insero internacional acima descritos.

    Em janeiro de 2014, um balano acerca do equipamento de defesa brasileiro revela forte conexo com a cooperao tecnolgica externa, lentido e certa descoordenao de aes, por outro lado. O acordo com a Frana para construo

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

  • AmAdo Luiz Cervo; Antnio CArLos LessA

    148

    do submarino nuclear de 2009 e o contrato de 2013 para compra dos caas Gripen da Sucia preveem transferncia de tecnologia militar; a Embraer em cooperao com a Boeing conclui a produo de cargueiro militar de grande porte, porm a crise na Ucrnia, com a qual mantinha-se cooperao tecnolgica, pode atrasar por anos o programa espacial brasileiro; enfim, a revelao da espionagem da NSA norte-americana comprova o atraso do equipamento brasileiro destinado defesa ou guerra eletrnicas .

    Trs dimenses da poltica brasileira de segurana so perceptveis: posio tradicional e firme em segurana internacional conjugada com a negociao de conflitos e longe da violncia; promoo do entendimento poltico e construo da zona de paz na Amrica do Sul; cuidado com a defesa do Atlntico Sul, onde se procede prospeco do petrleo.

    As ideias e iniciativas brasileiras em segurana internacional se projetam sobre o Conselho de Segurana da ONU e no esforo em harmonizar as posies do Brics em oposio Otan. O pacifismo do Brasil, ao invs de esmorecer, se refora diante das intervenes da Otan. Estas comportam o uso de tecnologias que desumanizam a guerra, afastam-na de todo direito humanitrio e da moral, provocam a morte de inocentes e so conduzidas por pretextos por vezes fteis, alm de semearem o caos como resultado, em vez de erigiram a ordem e a paz (Monod 2012). O risco que a diplomacia brasileira percebe nas intervenes da Otan a promoo de interesses escusos de quem as conduz, no necessariamente os interesses da paz e da segurana humana. Da porque a diplomacia brasileira confronta a tradio de violncia da Otan com a inovao das operaes de paz: cabe ONU manter a paz, no fora. (Kenkel e Moraes 2012).

    A estratgia de segurana internacional do Brics vem modificando a segurana internacional e levando a Otan a repensar suas aes. Por certo, as estratgias nacionais de segurana dos pases do Brics divergem, porque distintos dos brasileiros so seus desafios internos e no entorno geopoltico. Grosso modo, elas convergem sobre o global: reforar ordenamentos multilaterais com apoio de coalizes que se opem ao mundo unipolar; substituir a fora militar pelo soft power da diplomacia. Contudo, a nova estratgia internacional de segurana do Brics encontra resistncia dos Estados Unidos e aliados europeus, que prosseguem espalhando ameaas e sanes. No interior da coalizo Brics, o Brasil confere menor confiana fora militar, tem menor preocupao com o terrorismo, menor preocupao com a unidade nacional e maior confiana no entendimento com a vizinhana. Apesar dessas resistncias e diferenas, o Brics exerce influncia concreta sobre a segurana internacional, perceptvel nas diferenas conceituais diante da Otan e na mudana da estratgia da Otan, que evita novas intervenes, da questo lbia questo sria. (Bertonha 2013).

    As relaes do Brasil com a frica, especialmente com os pases da frica atlntica, contriburam para agregar novo conceito poltica internacional de segurana do pas: o desenvolvimento. Com efeito, vrios acordos firmados com

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

  • O declniO: inserO internaciOnal dO Brasil (20112014)

    149

    Rev

    ista

    BRa

    sile

    iRa

    de

    Pol

    tica

    inte

    Rna

    cio

    na

    l

    pases africanos da costa atlntica agregam o zelo pela segurana do Atlntico Sul, interesse especfico brasileiro, e a cooperao em desenvolvimento, interesse especfico africano (Aguilar 2013).

    Mais relevante para a poltica de segurana do Brasil e mesmo para sua dimenso internacional o cinturo de paz na Amrica do Sul. A construo desse cinturo envolve foras armadas moderadas e senso de segurana internacional global. Incorpora, por isso, segurana humana e defesa dos direitos humanos, prev afastamento da securitizao norte-americano de agendas regionais aps o 11 de setembro de 2001, afastamento da OEA, incorporao da criminalidade e da violncia transnacional, manuteno da rea livre de armas de destruio em massa e de ameaas externas. O Conselho de Segurana e Defesa da Unasul obtm sucesso na implementao dessa agenda, mesmo durante o governo Rousseff, no sem dificuldades, especialmente ao conectar segurana regional com segurana internacional e tentar erguer a Amrica do Sul como complexo de segurana. O xito brasileiro est mais prximo do cinturo de segurana (Battaglino 2012; Nasser e Moraes 2014).

    Concluso

    Aps uma fase de ascenso do pas como potncia emergente, a insero internacional do Brasil entra em declnio entre 2011 e 2014. As causas que determinam a mudana e a nova tendncia localizam-se no enfraquecimento do dilogo entre Estado e segmentos dinmicos da sociedade; na quebra da confiana de investidores e empresrios nacionais e estrangeiros no governo; no enfraquecimento de estratgias e inexistncia de ideias novas capazes de motivar agentes externos; no emperramento da gesto pblica com perda da capacidade indutora do Estado; enfim, no protagonismo de Rssia e China no seio do Brics. Esses fatores de carter interno conduzem deteriorao de indicadores de medida da presena e da influncia econmica, poltica e geopoltica do Brasil sobre o cenrio internacional.

    O declnio do pas torna-se perceptvel de vrios modos. A escassez de investimentos internos e de progresso tecnolgico e a ausncia de poltica de comrcio exterior conduzem queda do ritmo de crescimento, da competitividade sistmica e das exportaes, bem como ao agravamento das contas externas. O pas no influi mais na produo do ordenamento e dos regimes internacionais na esfera do comrcio internacional, os quais transitam ento do multilateralismo ao bilateralismo.

    O conceito de declnio aplicado insero internacional do Brasil durante o perodo do primeiro governo de Dilma Rousseff h de ser qualificado para bem expressar a realidade. A crise financeira e econmica internacional apenas de leve afeta o declnio, cujas causas so eminentemente internas. As grandes estratgias externas da era Lula da Silva, quando so mantidas, o so de modo lerdo e obstrudo.

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

  • AmAdo Luiz Cervo; Antnio CArLos LessA

    150

    Dois setores apenas andam por si, embora tambm se ressintam da inrcia do Estado: o agronegcio e a expanso para fora de empresas brasileiras, isto , a internacionalizao econmica. Na esfera do multilateralismo humanitrio e da segurana internacional, princpios e conduta se mantm. Em suma, declnio leve do Brasil sobre o plano global.

    Referncias bibliogrficas

    AGUILAR, Srgio Luiz Cruz. South Atlantic: Brazil-Africa relations in the fild of security and defense. Austral: Brazilian Journal of Strategy & International Relations, v. 2, n. 4, Jul-Dec, 2013, p. 47-68.

    LVAREZ, Silvia Teresa (org.). Amrica Latina: integracin e insercin. Baha Blanca, El Autor, 2012.

    BATTAGLINO, Jorge Mario. The coexistence of Peace and conflict in South America: toward a new conceptualization of types of peace. Revista Brasileira de Poltica Internacional, ano 55 (2), p. 131-151, 2012.

    BAUMANN, Renato. Integrao regional: teoria e experincia latino-americana. Rio de Janeiro: LTC, 2013.

    BERNAL-MEZA, Ral. Las relaciones China-Mercosur y Chile. Ciclos en la Historia, la Economa y la Sociedad, ano 21, v. 20, n. 41, 2012-2013, p. 147-173.

    BERTONHA, Joo Fbio. A estratgia nacional de defesa do Brasil e dos outros BRICs em perspectiva comparada. Revisa Brasileira de Poltica Internacional, ano 56, n. 2, 2013, p. 112-130.

    CERVO, Amado Luiz. Relaes internacionais da Amrica Latina: de 1930 a nossos dias. So Paulo: Saraiva, 2013, 3 Edio.

    CERVO, Amado Luiz. Insero internacional: formao dos conceitos brasileiros. So Paulo: Saraiva, 2008.

    CERVO, Amado Luiz e Bueno, Clodoaldo. Histria da poltica exterior do Brasil. Braslia: EdUnB, 2011 (4 Edio).

    CESAR, Susan E. M. & Sato, Eiiti. A Rodada Doha, as mudanas no regime do comrcio internacional e a poltica comercial brasileira. Revista Brasileira de Poltica Internacional, ano 55 (1), 2012, p. 174-193.

    CONFEDERAO Nacional da Indstria, Relatrio dos investimentos brasileiros no exterior 2013. Braslia, CNI, 2013.

    CORNELET, Joo Marcelo Conte. A poltica externa de Dilma Rousseff: conteno na continuidade. Conjuntura Austral, v. 5, n. 24, jun.-jul. 2014.

    COUTO, Leandro Freitas. Desenvolvimento, integrao e assimetrias: caminhos e descaminhos da aproximao regional na Amrica do Sul. Braslia: Fundao Joo Mangabeira, 2013.

    DE JESUS, Diego Santos Vieira. Alm do esprito de Xangai? As polticas externas da Rssia e da China e o balanceamento brando, Conjuntura Austral, vol. 5, n. 24, jun.-jul. 2014.

    BrunoMeloHighlight

    BrunoMeloHighlight

  • O declniO: inserO internaciOnal dO Brasil (20112014)

    151

    Rev

    ista

    BRa

    sile

    iRa

    de

    Pol

    tica

    inte

    Rna

    cio

    na

    l

    DESIDER NETO, W.A. & Teixeira, R. A. (orgs.) Perspectivas para la integracin de Amrica Latina. Braslia: IPEA, 2012.

    KENKEL, K. M. & Moraes, R. F. O Brasil e as Operaes de Paz em um mundo globalizado: entre a tradio e a inovao. Braslia: Ipea, 2012.

    MONOD, Jean-Claude et alii. Masques et figures de la guerre. Marseille: Editions Parenthses, 2012.

    NASSER, Reginaldo M. & Moraes, Rodrigo F. de (orgs.). O Brasil e a segurana no seu entorno estratgico. Braslia: Ipea, 2014.

    RESENDE, Erica S. A. & Mallmann, Maria I. (orgs.) Mercosul 21 anos: maioridade ou imaturidade. Curitiba: Appris, 2013.

    ROLLAND, Denis & Lessa, Antnio Carlos (Eds.). Relations internationales du Brsil: les chemins de la puissance. Paris: LHarmattan , 2010, 2 vol.

    SCHENONI, Luis L. Ascenso y hegemonia: pensando a las potencias emergentes en Amrica del Sur. Revista Brasileira de Poltica Internacional, ano 55 (1), 2012, p. 31-48.

    THORSTENSEN, Vera & Oliveira, Ivan T. M. (orgs.). Os Brics na OMC. Braslia: IPEA, 2012.

    Recebido em 1 de agosto de 2014Aprovado em 15 de novembro de 2014

    Resumo

    No artigo so examinados os fundamentos da insero internacional do Brasil sob o primeiro governo da Presidente Dilma Rousseff (2011-2014). So analisadas as causas da perda de eficincia da estratgia de ao internacional adotada no governo de Lus Incio Lula da Silva (2003-2010), a partir da elaborao de hiptese analtica relacionada com a ideia de declnio relativo.

    Palavras-chave: Governo Dilma Rousseff; insero internacional do Brasil; Poltica Externa Brasileira.

    Abstract

    In the article we examine the foundations of international insertion of Brazil in the first government of President Dilma Rousseff (2011-2014). The causes of the loss of efficiency of the international action taken in the government of Luiz Incio Lula da Silva (2003-2010), is considered under the elaboration of the analytical hypothesis of relative decline.

    Keywords: Dilma Rousseff Administration; Brazils international insertion; Brazilian Foreign Policy.