décima edição, coletivo sÓ

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Resistências com: Canil, Maio, Ocupação Homenagem é festa com: Guto Lacaz, Glauco e Arnaud Rodrigues Marginalidade, poesia e fé menina com: Ivana Arruda e Alice Ruiz Social logia do rock tupiniquim com: Eduardo Araújo Porões do rock sulamericano com: Tiempo de Rock coletivo sÓ 10 Os Baratas Organolóides da Bolha de Rock www.baratasorganoloides.com.br Mamma Gumbo www.myspace.com/mamagumbomusic O Conto (Curitiba – PR) www.myspace.com/oconto Visionários http://www.myspace.com/bandavisionarios Trio do Ó http://www.myspace.com/triodoo Dharma Samu www.myspace.com/dharmasamu Mud Shark www.myspace.com/mudsharky Cosmo Drah www.myspace.com/cosmodrah Soul Barbeccue www.myspace.com/soulbarbeccue SÓ - DÉCIMA EDIÇÃO, ANO 3, MAIO/JUNHO DE 2010 I PREÇO COLABORATIVO R$1,00

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Leia Resistências com: Canil, Maio, Ocupação Homenagem é festa com: Guto Lacaz, Glauco e Arnaud Rodrigues Marginalidade, poesia e fé menina com: Ivana Arruda e Alice Ruiz Social logia do rock tupiniquim com: Eduardo Araújo Porões do rock sulamericano com: Tiempo de Rock coletivo sÓ

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Page 1: Décima Edição, Coletivo sÓ

Resistências com:Canil, Maio, Ocupação Homenagem é festa com:Guto Lacaz, Glauco e Arnaud RodriguesMarginalidade, poesia e fé menina com: Ivana Arruda e Alice Ruiz Social logia do rock tupiniquim com:Eduardo Araújo Porões do rock sulamericano com:Tiempo de Rock coletivo sÓ 10

Os Baratas Organolóides da Bolha de Rockwww.baratasorganoloides.com.brMamma Gumbowww.myspace.com/mamagumbomusicO Conto (Curitiba – PR)www.myspace.com/ocontoVisionárioshttp://www.myspace.com/bandavisionariosTrio do Óhttp://www.myspace.com/triodooDharma Samuwww.myspace.com/dharmasamu Mud Sharkwww.myspace.com/mudsharkyCosmo Drahwww.myspace.com/cosmodrahSoul Barbeccuewww.myspace.com/soulbarbeccue

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Na luz_ : Paulinho in Fluxus_ Fávero: “Essa foi a última coisa que eu vi Los três Marreteiros desenharem juntos. Nesse dia o Glauco falou pra mim que eu precisava levar o meu pai pra conhecer o Preto Velho lá no sítio dele.”

Na luz_ : Paulinho in Fluxus_ Fávero: "Um dia Los Três Marreteros se juntaram para dar a força final que o CANIL _ precisava para derrubar as jaulas e grades que o prendiam. Glau-co, Laerte e Angeli se desenharam com a Marreta na mão para lutarmos pela liberdade de ocupação do espaço. Desenho feito sob uma lona... de circo, uma semana antes do Ritual de Tomada 04 _05 _006. Foi a última vez que eu vi os três juntos. Uma grande perda que a violência nos apresenta com sua brutalidade. Coisa que animal não faz! Auuuuuúúú!"

através de sua família, um pai permitiu, educando como um bom cão pas-tor, que pensássemos a articulação de pessoas como pedra a fundamental de uma instituiçãopolítica canina três marreteiros impressos em uma camiseta vermelha

ExPEDIENTEedição, reportagem e diagramação - Lucas Rodrigues de Campos

reportagem - Elton Amorimilustrações e capa - Chuck Dedo Amarelo

revisão de texto - Tatiane Kleincolaborações - Bruno Procópio, Erich Jones,

Leandro Damasio, Paulo Fávero, Rômulo Alexis , Guto Lacaz e Pietro Ferrari

[email protected]ço - Rua Navarro de Andrade, nº 20, ap. 2205418-020, São Paulo, SPtelefones - (11) 7600-5699 / 2771-7297

3000 cópiasblog http://so0jornal.wordpress.comversão digital http://www.issuu.com/jornalcoletivoso

_o canil completa, nesse 2010, quatro anos de existência, sempre maturando e curtindo em tonéis de carne e osso. a marreta, acima cristalizada pelas mãos de Los Três Ami-gos, simboliza o intento de agir em um ambiente entriste-cido pelo velho discurso do progresso. a marreta coletiva é a marca da derrubada de uma antiga jaula: destruída, ela é transformada em espaço livre_ hoje berçário de revoluções_

o canil localiza-se no bairro do butantã, na chamada cidade universitária

outros dois maios estão marcados nessa edição: esse brotamento da simpática e necessária “imprensa na-nica” [o coletivo sÓ] completa dois anos. o baile popu-lar de maio de 2007, ocorrido na aristocrática reitoria da USP, com apoio do marginal canil, também aniversaria.

por rômulo alexis

Page 3: Décima Edição, Coletivo sÓ

RÉQUIEM:RÉQUIEM:arnaud rodrigues e glauco são bonitos,

por isso, celebremos as ascensões desses profetas e assassinemos a morbidez

Ai, mar marujei!Ai, eu naveguei!E aprendi a nova lei:Se é de terra que fique na areiaO mar bravo só respeita rei!Se é de terra que fique na areiaO mar bravo só respeita rei!

Num apartamento paulistano no litoral de Itanhaém, quatro pessoas usufruem da tecnologia para fazer crítica

musical e sentirem sua paixão distanciada pelo o sertão pernam-bucano. Sem o toca discos, eles ouviam no i-pode - “eu posso ouvir”

- aos baianos e novos caetanos. Eram os sons do Paulinho, músico que fez dupla musical com o humorista Chico Anísio. Ele municiava Chico, cumprindo

função artística muito além da de escada. Após o meio-dia degustando macarrão com salsicha, o grupo concede título de gênio ao

tal Paulinho Cabeça de Profeta, heterônimo musical de Arnaud Rodrigues. Olham o Brasil com os óculos e a compreensão desse que foi conterrâneo de Virgulino, Lampião. Nordestino e brasileiro, es-

sencialmente crítico, Arnaud conseguiu estabilidade na Vênus Platinada [a Rede Globo] construindo, através do humor, conceitos avessos às amarras militares que sublimavam problemas e vidas.

Arnaud fez música de qualidade incorporando Paulinho e acompanhado de Renato Piau, violnista e parceiro de com-posição. Crítico da Tropicália, mas também embebido dela, ele permitiu que o movimento, até então restrito a determinada

elite, encampada pela estética caetaneana - adotada por Chico com o personagem Baiano -, chegasse ao entedimento público e popular. Arnaud conseguiu alavancar o modus operandi do bom brasileiro a níveis globais. Como já dito, foi através da Vênus Platinada

que, junto do humorista Chico Anísio, Arnaud "Paulinho", colocou a Tropicália na boca do povo. Seus trabalhos musicais, contudo, permaneceram no mesmo ostracismo de grandes nomes da contracultura tupiniquim. Isso se deu em

oposição à posição ocupada pelo artista. Arnaud "Paulinho" Rodrigues foi redator do programa de humor de maior audiência do país, o chico citY. Apesar disso, o anúncio de sua despedida lembrou de Arnaud apenas como um coadjuvante de telenovela, triste redução para uma carreira que contribui e acumula

potencial educativo. Arnaud deu explicações sobre e para um Brasil popular, em estado de urgência, tornando-se uma extremidade, estandarte da esquerda.

Ai, andar andei! Ai, como eu andei! E aprendi a nova lei: Alegria em nome da rainha E folia em nome de rei!Alegria em nome da rainha E folia em nome de rei! Ai, voar voei!

Ai, como eu voei! E aprendi a nova lei: Alegria em nome das estrelas E folia em nome de rei!Alegria em nome das estrelas E folia em nome de rei!

Ai, eu partirei! Ai, eu voltarei! Vou confirmar a nova lei: Alegria em nome de Cristo Porque Cristo foi o Rei dos reis!

De braços abertos, Glauco encostou os joelhos na terra e pediu graças; surge Irineu, negro forte - capaz de se tornar zumbi - dois metros de altura, braços enormes, confortantes. Nutridos de fé ab-soluta, partiram em uma caminhada dife-rente daquela dos tiros abstratos. Todos os caminhos evocam o humor, sangue vermelho oferecido em rosa de Maria.

Dentro de três quadrados infinitos, tiri-nhas surgidas na chaga da imaginação, Glauco permitiu ao seu Geraldo deixar cair parte de seus seres em alguma parte

da terra: a marreta interrogação, a mar-reta provocação.

Sempre contraculturais, Glauco, Ger-aldo e a marreta, mesmo estando no céu, causaram grande estrondo terreno com o golpe disferido. Deram ao espaço uma ressonância parecida à dos macacos fun-dadores, aqueles que passaram a cami-nhar sobre paredes valvuladas e circula-res. O que importa no momento é dizer que para isso foram necessárias quatro pernas, patas caninas que desprezaram a assimilação de braços em uma odisséia espacial.A marreta descreve movimento circular na queda, uma circunferência avassala-dora, rica em traços carnais e cores. Ela permite um círculo cruzado de pernas e braços, resultantes de cabeças enebria-das, pulsos energéticos sintetizados em gerador matilha, necessidade de quatro patas geraldo multiplicadas.

[email protected]ço - Rua Navarro de Andrade, nº 20, ap. 2205418-020, São Paulo, SPtelefones - (11) 7600-5699 / 2771-7297

nascido a partir do choque da marreta verniz, o ser diz as-sim perante a verdade trav-estida de injustiça

homenagem de guto lacaz a glauco

réquiem por lucas rodrigues

folia de reis nº1, domínio público, canção presente no lp baiano e os novos caetanos, 1974

Page 4: Décima Edição, Coletivo sÓ

“Este livro é etnografia e alegoria.” Assim se inicia o prefácio de um dos livros de

maior impacto nos sonhos da juventude que percorreu a década de 1970: a erva do diabo, de Carlos Castañeda. Escrito por um antrop-ólogo formado na tradicional Universidade da Califórnia, onde tomou contato com mestres acadêmicos oriundos da “Escola de Chicago”, famosa por inovações metodológicas nas pes-quisas em ciências sociais durante todo o sé-culo passado.

Castañeda inovou e por isso fugiu à regra. O autor foi capaz de levar a pesquisa antrop-ológica a âmbitos em que o ceticismo e a rig-orosidade científica ianque jamais apostaria. “A Erva” é etnografia, pois o escritor-antropólogo utiliza de métodos científicos para estudar o “objeto” em questão: no caso, um índio-brujo mexicano, ou no vulgar, um feiticeiro que lida com plantas medicinais e alucinógenas. O feiti-ceiro acaba por se tornar o “mestre” do jovem pesquisador, atendendo pelo nome de Dom Juan. “A Erva“ é também alegoria pelo fato de a pesquisa extravasar os limites das pesquisas e estudos dessa área acadêmica.

Muito além de ser um trabalho de campo, um diário, um relato de observação participante, a obra acaba por ser um todo-indefinido, onde tudo se mistura, resultando numa narração quase ficcional. Dado o impacto do lançamen-to desse livro, muitos acusaram Castañeda de “picaretagem”, por considerarem que a obra nada tinha de valor cientifico, sendo uma mera ficção mística.

a deformaçãoA obra é dividida em duas partes principais:

Ensinamentos, que ocupa a maior parte das páginas do livro, trata das experiências e ensi-namentos de Dom Juan ao aprendiz entre os anos de 1960 e 1965; Uma Análise Estrutural, onde o autor sistematiza a narração apresen-tada na primeira parte, tentando traduzir o mágico, o inexplicável para o “cientifiquês”.

Em Ensinamentos, a narrativa em forma de diário de campo explana os acontecimentos em ordem cronológica (apesar de o autor proposit-adamente alterar a ordem das datas, “brincan-

do com o tempo”), desde o primeiro encontro com o diablero numa estação de trem no sul do Arizona, em que o futuro aprendiz pede ao índio que lhe conte tudo a respeito do peiote [dizer o que é], até os últimos acontecimentos, já na casa de seu mestre em Sonora, no México, revelando ser o escojido para herdar os conhe-cimentos e sabedoria do velho feiticeiro.

Os ensinamentos consistem numa série de etapas de aprendizado, em que o objetivo principal é conduzir o iniciado a tornar-se um “homem de conhecimento” – ou feiticeiro - nas palavras de Dom Juan. Isso significa ser ca-paz de levar a vida da forma mais equilibrada e sábia possível, buscando sempre seguir o “caminho do coração”. Para vir a sê-lo, é preci-so enfrentar os maiores “inimigos” que surgem no destino de um homem: o medo, a clareza, o poder e a velhice.

enfrentando inimigos, transcorre o textoÉ um processo constante, que como se pode

notar (atentando para os inimigos), dura a vida inteira, sendo praticamente impossível vencer ao último. Para enfrentar tais inimigos, o inicia-do deve buscar um “aliado” que são espécies de entidades de uma dimensão da realidade, a qual Castañeda chama de “realidade não-comum” – que é propriamente o estado de per-cepção causado pelos efeitos de drogas e plan-tas alucinógenas, que possibilitam ao aprendiz por meio de “viagens”, visões e experiências existenciais, descobrir acontecimentos signifi-cativos no plano da “realidade comum” e tan-tos outros fatores sobre sua própria conduta no dia-a-dia corriqueiro.

Dessa forma, auxiliam-no a derrotar cada um desses inimigos, desenvolvendo conhe-cimento, acumulando experiências e percep-ções que gradativamente alteram seu jeito de ser, possibilitando chegar cada vez mais perto do “caminho do coração” que o tornará um homem de conhecimento. No entanto, para

conseguir um aliado, é preciso ser o escojido, ou seja, o aprendiz ideal de um feiticeiro.

No caso, Dom Juan testou-o com os possíveis aliados que conhecera: a yerba-del-diablo (fila-mentos da planta Datura inoxia) e o humito (ou “fuminho”, pó de cogumelos Psylocybe mexi-cana). Antes de introduzi-lo aos aliados, Dom Juan apresentou-o ao Mescalito (Lophosphera williamsii), a entidade contida nos botões de peiote (uma espécie de cacto).

Mescalito é quem protege e cuida do iniciado durante todo o processo. Por meio de sinais e agouros simbolizados nas experiências com os aliados, e posteriormente retratados a Dom Juan, é que se fica sabendo se o iniciado é um possível escojido ou não.Tanto a yerba quanto o humito possuem suas virtudes e característi-cas próprias, sendo quase opostos. O aprendiz ao longo do processo descobre qual será o seu aliado, geralmente o que mais se identifica temperalmente.

Castañeda, ao retratar tais experiências alu-cinógenas da “realidade não-comum”, sur-preende a quem lê, dando significados con-cretos a acontecimentos que muitos poderiam acusar de fantasiosos ou ficcionais, mas que, no entanto, só podem ser atestados por aqueles que se iniciam no aprendizado e presenciam os atos de poder desta estranha realidade.

orgânico todo vegetalImportantes no texto são as lições, con-

clusões e mensagens filosóficas, libertárias, que estabelecem o diálogo da obra com as idéias da época: o ano de 1968. Em meio à con-tracultura, muitos jovens, ao lerem a obra vasta do autor abandonaram seus lares, cidades e amigos para buscar os “seus Don Juans”, seus próprios mestres, que pudessem ensinar out-ras formas de viver e de encontrar liberdade espiritual.

na roda cabroneira, roda das cabrecitas, compadrecitas e companheiros, o único que julga é o terceiro que cristaliza e desmancha algo em um. atrevido, fica o gosto da gosma praqueles que não enxergam idéias e esquecem o valor do rito sa(n)grado, quente, verdesperança e vermelho

o nascimento de um louco é a morte sinestesial do outro como ente. enxuga a mais pura consciência de compaixão, julga e descola das reações, impulsos terminais, ter-renas. aí ganha-se ou perde o que pode ser imaginado como irmãos de idade, irmãos de mediunidade

a morte do um, não é a morte do outro. a vida do outro não é morte do um.um ombro amigo, é amigo de ombro,é vida no ombro do irmão

toda forma de música é uma forma de pensar o movimento das frequências. toda forma de música é uma forma de pensar. toda forma de música é uma forma. toda forma de música é uma. toda forma de música é. toda forma de música. toda forma de. toda forma. é.

por leandro damásio

A Erva-Do-Diabo de Carlos CastañedaCírculo do Livro, 1968

resenha por erich jones

temas por cabron

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É o gosto envelhecendo a luta nos lábios, amargando histórias que o álcool não mata. O chão ainda se esmirilha – ainda prescinde de corpos que lhe preencham o erodido. É noite e não há abrigo: há um útero descolado e sangue demais brota das paredes e entre as gramas desta praia. O menino se enco-lhia num balcão vermelho, acompanhado por cigarros consumidos.

Este silêncio da fumaça cala e fala. Conta uma história sonâmbula, mas viva – que nos perturba os sonhos. Nos escuros dos ébrios, o choro dela faz eco, respira escondido nos vin-cos de suas gargantas até que elas estejam tintas do mesmo vinho.

No escuro, depois de um documentário, ao lado do aquário com livros raros, o menino o-lhava para a chorona, que tinha medo. Sozinho também, ele tinha, como consolo e remédio para a tosse, mais um maço de cigarro.

Ela tremia como ele – seu pigarro, do contrário, não era amaciado pela fumaça. A cabeça encontrava os joelhos, os pés en-costavam nos dele. Lembrava de ter acordado no chão e visto a digitação frenética desse an-sioso fumante.

O deserto da hipocrisia estava habitado. Havia colos amigos, mas também inimigos à espreita. Era uma guerra de meninos. O fres-cor enchia a alma de coragem e, ao mesmo tempo, assustava a cabeça moderada a gritar em um choro velado.

A chorona pensava na mãe, passava pelos portões retorcidos e via a cabeça de um outro

amigo a sangrar em alegria. O cabeludo diz que a revolução: “É juntar a liberdade com a ânsia de não querer morrer sozinho”. Ele não era uma estátua, os olhos castanhos tinham vontade de molhar.

Num aglomerado de duas mil pessoas, uma sempre se destacava em meio à barbárie ins-taurada. Cabia um abraço, cabia consolo, ca-bia temer, de longe e de perto, a sirene das via-turas. Eles não vieram: os bárbaros, liderados por um rei assassino a empunhar sua Serra. Dissolveram-se na fumaça do menino.

O vazio das salas poderosas já havia abrigado quinhentos lutadores, mas foi numa reunião de cinqüenta pessoas que, para o menino, o temor ficou mais claro que a imponência dos soldados da hipocrisia. Acusações de traição, de golpe, de manobra poluíam a boca dos malucos. Companheiros? “Sempre vão achar alguém pra usar de mártir”, dizia a voz do vel-ho – os malucos desejavam sê-lo.

O menino e a chorona gostavam de se en-ganar, iam pra casa juntos, lutando por uma causa conservadora. Queriam sentir-se co-munistas, queriam acabar com a univer-sidade perdida há muito tempo, já soterrada. Perderam. Os bêbados-políticos, abandona-ram o autismo de suas dores ideais e partiram para a luta. Ocuparam espaços e, espalhados no mesmo chão, tremeram juntos o medo do nada, do nunca e do ninguém, para que, depois da tormenta e do sono, possam cantar. O co-munismo ocupando o coração.

Inverno

ocupado

divagação 1 = dois machos, machucados de beleza amiga e, por que não, com dotes sutis e femininos, rumaram para uma trajetória cultural, combinando a poesia marginal do simpósio de literatura com erotismo, seguida pela grade de rauschenberg. a narração: o entrevero de duas mulheres escritoras. como numa brincadeira de pular cela, os moços atravessaram grades para dizer como é ser mul-here. no palco - sesc pinheiros, troca de retóricas.

De um lado, Alice Ruiz, fala mansa, nem tanto, de poesia sutil. De outro lado, o lado es-querdo, nem tanto, Ivana Arruda, fala áspera, de prosa bruta e marcante. Ambas laureadas escritoras no palco do Sesc Pinheiros, cos-turando pontos de erotismo, cada qual à sua maneira.

Ivana diz: “Depois que ele saiu, fiz café, sen-tei-me na sala e acendi um cigarro. Nunca mais fui feliz”.

Alice interrompe: “Era uma vez uma mu-lher que via um futuro grandioso para cada homem que a tocava. ... um dia ela se tocou”.

divagação 2 = pulando do muro: o homem e sua mania de opressão. apertou de mais a pica para se deleitar em seu próprio leite; acostumou-se a simplesmente currar, enquanto a força mental histórico/resis-tente da mulher permitiu a fabulação, a paixão sem falo, a consubstanciação do sangue em porra.

Em meio a tanto ressignificado, a platéia tensa passa a intervir e polemizar. Não há nada de errado por aqui. Importante é explicitar as dife-renças; diferenças entre duas visões de femi-nismo. De um lado, Alice Ruiz encontrando na mulher o valor da poesia sutil. Do outro, o lado esquerdo, Ivana Arruda, ilustrando a mulher forte e sagaz, mas nem tanto. Elas expõem, por assim dizer, dois modelos de poder feminino.

divulgação 3 (espanha) = o entrevero de palavras encurralou o machismo, desmascarado pela alice ruidosa, com almodóvar nas mangas. as críticas da filha, estudante ibérica, por ora lá residente, emprestou à mãe uma tal impressão: o diretor espanhol almodóvar entende de sexo e essa se-ria a única tradução para o verbete ‘mulher’.

Aí vem o momento. Do Sesc da Batata ao Sesc da Pompéia, não sem antes escalar a grade roxa de Raushenberg, exposta no Insti-tuto Tomie Ohtake. Dessa vez quem assume o palco é um desses brotinhos ricos em vitami-nas, germinados no pólen psicodélica pernambu-cana: uma menina contracultura-rock na veia; melhor: Lulina, uma mulher do tipo assim (as-sado) Ivana Arruda. Lulina, em síntese, acredita em “príncipe encantado”; desde que lhe aufira “múltiplos orgasmos”, é claro. E se o coitado for discutir a relação, ele que fique com as cri-anças, enquanto ela encanta com o violão.

divagação 4 = vira homem vira, vira: o homem inventou a grosseria e convenceu a mul-her. até que o conceito de androgenia tor-nou-se a intenção de uma geração que mas-turba a dialética pra transar os paradigmas.

E não é que faz sentido? Os repórteres da sÓ investigaram (cof, cof) a hipótese e descobri-ram, entre um blog e outro clique, o lado ami-gas-íntimas de Lulina e Ivana Arruda. O vinho das horas vagas está lá registrado no blog da Ivana. Uma amizade de influências mútuas, provavelmente. Uma curiosa descoberta de madrugada, após dois eventos feministas, cada um a sua maneira, tanto faz.

doidivana

maravilha

relato por leandro damásio e divagações porlucas rodrigues

por lucas rodrigues de campos e tatiane klein

esse texto faz referência à ocupação da reitoria da usp, ocorrida em maio de 2007

Page 6: Décima Edição, Coletivo sÓ

De pernas abertas e rebolando, Eduardo Araújo in-corporou a rebeldia de James Jean.

Autointitulado caipira e cantor de campo rock,

no fim da década de 50, ele montava cavalos em rodeios e arrepiava com sua gangue quando saia de moto pela cidade. Ídolo pop, superou o estágio de simples cantor que causava furor nas jovens da época pra ser um dos mentores, do que se-gundo ele, a mídia erroneamente chama de Jo-vem Guarda. O que ele fazia era rock brasileiro; o legítimo e talvez primeiro rock brasileiro. Muitas de suas composições caíram na boca de impor-tantes vozes como Wanderlei Cardoso, Vanusa e Erasmo. Todos esses surfaram na onda de Araújo, aproveitando a alta tensão de um artista que car-regava consigo a experiência da administração e o gosto por loucuras zappescas. À época Eduardo era um dos maiores criadores de gado gordo do país e havia entrado em atritos com o parceiro e malandro-mor Carlos Imperial. O litígio foi em decorrência de uma disputa: a autoria de diversas composições de sucesso, tais como “Vem quente que eu estou fervendo”. Foi nessa época, de muita fama, que Eduardo comandou um programa só seu pela TV Excelsior. Ele precisava de escolta da Rádio Patrulha para sair dos estúdios, época que coincidiu com seu início de relacionamento com a jovem de 15 anos Silvinha. O caso foi abafado por cláusulas contratuais presentes nos contratos dos ambos, então agenciados por Carlos Imperi-al. É bom lembrar que Eduardo chegou a ser bar-rado por juizados ao fazer shows no interior, pois seu rock pesado era considerado “sem decoro“. O furor era causado por músicas que, no meio da década de 60, já falavam de sexualidade.

É possível afirmar que Eduardo exerceu a van-guarda do que se convencionou chamar música jovem, utilizando esse termo como sinônimo de inovação, reinvenção de um modelo de rock, que como escrito acima, desembocou numa estética brasileira. Para isso ele contou com o apoio do maestro Peruzzi e sua jovem banda, Os Brasas.

Eduardo experimentou o sucesso estrondoso da Jovem Guarda, saboreando um período em que o rock juvenil passava a crescer e se assemel-har com uma estética mais pop, dirigida a uma turma maliciosa, tal qual os ídolos do rock inglês e americano. As mudanças contraculturais afeta-ram o mercado de discos e o modo de fazer músi-ca - cada vez mais autoral e respeitando o valor de criação proposto pelo artista. Isso desencadeou experiências de fusão de gêneros populares com modelos balizados de música (rock, jazz, erudito).

por lucas rodrigues com colaboração de elton amorim

Page 7: Décima Edição, Coletivo sÓ

PARTE 2EDUARDO ARAÚJO

Nesse momento, Eduardo adotou uma postura de vanguarda "furando pedra, batendo cabeça", ao se debruçar, munido de táticas independentes, sivre o processo de produção de um disco e de uma obra. Os jovens "maliciosos" adotaram, no fim da década de 60, posturas mais autônomas, índices do desacordo com os rumos do modelo falido de produção e consumo. No campo das artes, muitas das experiências materiais em rela-ção ao desenvolvimento e ao estabelecimento de uma indústria cultural no Brasil foram adquiridas entre a emergência da bossa-nova, o rock, a jo-vem guarda e o rock udigrudi (Tropicália). A par-tir do ano de 1970, Eduardo passou a desenvolver uma concepção musical que traduzia as aspira-ções mais enraizadas do rock tradicional. Fez uso do boggie, do gospel e do funk misturados com a valores nacionalistas de resistência. Logo em seus primeiros compactos da década de 70, e no disco da companheira Silvinha, Lanny Gordin é protagonista tocando forró com fuzz guitar.

Um pouco depois de receber Lanny como pupilo, Eduardo se relacinou com um figurão responsá-vel por toda a cultura black que se instituiria em nossa música. Um jovem black power havia sido deportado dos States e chegou à terra brasilis como degredado. Detentor de cacife, Eduardo colocou seu sucesso à prova. O seu interesse era tirar esse polêmico negro detrás das grades. O homem era fascinado pelo soul e não fazia mal a ninguém - conhecia tudo da cultura black norte americana. Eduardo viveu o extâse do rock e op-tou, no começo dos 70, pela música soul, gra-ças à parceria com “esse antigo delinquente”. Nessa entrevista, Eduardo Araújo se emociona ao falar de um jovem quase descamisado, Tim. Um gordinho malandro que pitava uns baurtes, deportado. Aquele das coisinhas miúdas e en-riquecedoras, mas com fluência na língua inglesa e rítmo único - Isaac, Curtis.

Page 8: Décima Edição, Coletivo sÓ

Gil Beltran foi o homem forte da gravadora RCA durante o início dos anos setenta. Em 1972 foi transferido da presidência da su-cursal espanhola da gravadora para a RCA do Brasil. Enfrentou gigantes como a Phillips e a Odeon, e viu artistas de seu cast fazerem sucesso internacional, com destaque para Martinho da Vila.

Você teve problemas com jabá?Problemas sérios. Lançamento do... Sou

Filho, do Pelos Caminhos do Rock foi onde começou o jabá e foi onde minha carreira... O Pelos Caminhos do Rock foi um disco que fiz visando o exterior; só que não visando pelas universidades, visando alto. Chegou no Brasil um cara chamado Gil Beltran, que veio dirigir a gravadora RCA. Ele foi apresentando o elen-co, viu meu nome no elenco e falou Eduardo “Araúrro!”. Ele era meu fã. Esse cara é da ép-

Veio pro Brasil a esposa do presidente da RCA–Victor. O Gil, muito inteligente, como ela era pianista, colocou-a em estúdio e a fez gra-var umas vinte músicas; meteu violino em cima e fez um disco. Mandou pra ela e consquistou a confiança do cara lá, do presidente. A RCA era uma gravadora de terceira, perdia pra ODEON, pra PHILIPS. A RCA subiu e foi pro primeiro lugar com o o Gil Beltran. O prestígio dele cresceu e a RCA tava com problema internacional; o cara levou ele pra ser vice-presidente. Foi quando ele falou: “Preciso de um disco pra estourar no mundo inteiro”. Aí fizemos esse trabalho, que é o Caminhos do Rock. O Gil não tinha muito jeito com as coisas. Ele bateu de frente com o pes-soal do marketing da RCA: derrubaram ele e o presidente. Aí mandaram um tal de Pino aqui pro Brasil. Trabalho todo pronto, uma estrutura internacional de lançamento, plano feito, onde ia tocar, contrato, mas não era ainda plano de mí-dia paga em rádio. Esse tal de Pino vem pra cá e tudo o que era xodó do Gil Beltran... Me pegou de frente: “esse disco não vai sair”. Primeiro fa-lou que não ia sair. “Se não sair eu vou quebrar a cara dele. Vou processar a RCA”. No fim acon-selharam ele e ele lançou o disco, mas cortou todas as verbas de divulgação. Foi o cara que in-ventou o jabá no Brasil: chama-se senhor Pino. O disco saiu aleijado. Nós tinhamos a excursão

PELOS CAMINHOS DO ROCK

GIL BELTRAN E A INDÚSTRIA FONOGRÁFICA

KIZUMBAU E O DISCO TÁTICO

oca em que eu fiz “Meu Limão Meu Limoeiro”. Ele era um simples produtor que vendeu um milhão de cópias. Copiou a música, só con-verteu por castelhano e vendeu “um milhão de cópias na época”. Ele tinha um respeito incrível... (cantarola em espanhol a música “Meu Limão” ); "Esse cara é muito bom, man-da chamar ele”; e fui lá. Foi a vez em que pen-sei: dessa vez vou ser internacional mesmo. "Eduardo, eu quero duas músicas internacio-nais. Duas. O resto você faz o que você quiser". E é por isso que tem o Abracadabra e o San Juan de Porto Rico, em que estou cantando em castelhano. Fiz isso, fiz o Construção, o Deus Lhe Pague, aquela coisa toda. Chamei o Tony, falei: “A responsabilidade é a seguinte: entrar no mercado internacional”; e o Tony falou “Isso é comigo”; argentino e bom, “Va-mos fazer”. Almoçava junto, dormia, acordava junto - porque eu sou assim, quando eu faço, eu faço. Até há pouco tempo fiz um trabalho com o Dr. Sin e eu me isolei, fiquei com o Dr. Sin lá no haras mais de um mês e meio.

Estávamos falando sobre o jabá...O Gil Beltran chega pra mim e diz :“Você é meu

preferido aqui”, assim, abertamente. “Você é o cara pra fazer isso, eu gosto de você, eu col-eciono seu trabalho, tenho tudo!”. Nunca fui tão respeitado. “Agora sou o presidente daqui. O que você quer?”; “Quero fazer o disco da minha vida”; “Eu vou lançar esse disco e lançar no mundo inteiro”. Era quando aquilo lá? 75? Aí eu entro em estúdio pra fazer [o disco]. Comecei a fazer os arranjos, já tinha escrito muita coisa, e comecei a gravar aquela música “Sodade”. Isso eu tô voltando. Quando eu fiz o primeiro trabalho com o Gil, foi o Kizumbau. Tudo o que eu queria, ele falava “bota o que você quer”. Os músicos na capa: “isso não pode”, diziam os caras da grava-dora. “Pode falar com o Gil Beltran. Com Eduar-do pode tudo”. O Kizumbau foi bem, vendeu bem. Aí o Gil chegou e falou: vamos fazer o [disco] in-ternacional. Então eu tava gravando “Sodade” e ele foi no estúdio: “Para tudo! Você não pode gravar um disco internacional num estúdio as-sim, com máquina tudo porcaria”.

Qual era o estúdio?Da RCA mesmo, na rua Veridiana. Ele falou

assim: “Para a gravação! Estou indo pros EUA e vou trazer uns equipamentos”. Parei. Um dia ele volta e liga: “Araúrro, vem cá”. Tava tudo desmontando, equipamentos, uma Nive de 24 canais, tudo o que tinha direito. Esse disco [Ki-zumbau] foi o primeiro gravado no Brasil em 24 canais. Depois teve uma coisa lá [na RCA] que eu tava fugindo muito do pop e eles estavam preo-cupados com isso aí. O Gil Beltran falou: “Vamos ver o que você pode fazer num disco pro Brasil, um disco pra tocar nas rádios, pra vê se a gente

que ia pro Brasil inteirinho, com banda nas capi-tais; e tudo seria pago pela RCA. Era pra estou-rar no mundo. Ia primeiro lançar aquelas duas músicas em castelhano [“Abracadabra” e “San Juan”] e depois ia fazer um disco todo em inglês. Primeiro pegar o público espanhol com essas duas músicas e depois um disco em inglês. Ele era muito maluco esse cara, o Gil. Muito inteli-gente.

Sabe o que aconteceu com ele depois disso?Depois ele foi pra Metro Goldwin Meyer, mexer

com cinema. Ele me ligou e explicou. Tentei falar com ele e não consegui. Então... Eu tive na porta de fazer carreira internacional duas vezes. É um disco que vendeu muito pouco, pouca gente co-nhece. O Kizumbau vendeu bem.

O Chico [Buarque] chegou a comentar sobre a versão de “Construção”?

Chico Buarque tava numa situação muito difícil. A Globo não tocava ele. Esse disco ainda cumpriu os projetos que tínhamos... ainda fiz alguns deles que estavam programados, lançamento no Fantástico. Eu exigi que tocasse “Construção”. Entrou “Construção”, apesar que editaram. Mas eles não queriam. Já era pra fazer San Juan de Puerto Rico, aí quando eu... Olha bixo, eu era tão poderoso naquela época, que eu enfrentei a Globo e falei "Se não fizer ‘Construção’ eu tô fora! Não vou fazer outra coisa"; e falaram "Você grava a ‘Construção’ uma semana e depois grava San Juan". Sabe que “Construção” foi um clipe meia-boca, tem uns andaimes; agora San Juan é incomparável. E eu já tentei achar e não consegui. Tem bailarina, tudo! Uma confusão!

abre as portas pra você não distanciar muito”. Aí pediu pra eu fazer um disco antes do interna-cional. Chamei o Tony Osanah, mais uns amigos meus e falei vamos fazer esse disco. E eu queria fazer com os Prótons, que era o Franklin [Paolil-lo] - eu que lancei ele, 16 anos. Tocou com o Joe-lho e com a Rita Lee - saiu de mim pra tocar com a Rita. Ele era um bom músico na época, mas não tinha essa capacidade de estúdio, então eu chamei o Dorival, baterista atual do Roberto [Carlos]. Eu trouxe um menino que tocava comi-go, era o Sérgio Sá... Tocou nesse disco? Tocou. Sérgio Sá, Dorival... o Tony Osanah, Aristeu, uma faixa ou duas. Eu fiz uma miscelânea assim, porque era um disco que não precisava ter uma cara, era um disco que...

Ele [Pense na verdade] foi feito todo dentro dessa estratégia internacional? É um disco "tático"...

É. Tático pra tocar em rádio. Eu tive que mane-rar um pouco nos arranjos, fazer uma coisa. Tem música que eu fiz meio que progressiva, porque eu não podia sair dessa. Foi um disco feito assim: vamos juntar umas músicas, juntar uns músicos, e vamos fazer. Foi pedido esse dis-co, não foi um disco pensado, ele não teve essa característica. A intenção era tocar na rádio. Eu tinha a banda que me acompanhava em show e parte da banda tocou no disco. O Fernandinho que fez os arranjos, tem os arranjos dele, né? Ele era o menino que escrevia, músico de par-titura e tudo. Era do Prótons, 18 anos na época, bem jovenzinho.

E deu certo o disco?Nenhuma faixa dele se destacou, era outro pú-

blico. O público que eles queriam atingir eu não tinha mais. Ficou assim, no meio, não agradou nem um nem outro; não agradava os caras e não era a minha praia, não era a praia da rádio.Tava difícil. Tinha começado aquela época já, mas o jabá veio com os Caminhos do Rock.

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Através da televisão você chegou no auge, ainda em 67, né?

Na verdade auge foi na época do que chamam Jovem Guarda. Foi meu grande es-touro, né? Apareci pra mídia, né? Considero que, a partir dali, a minha história continuou com esses trabalhos que fiz, fui excursionan-do, trabalhando.

Quando você estourou com a Jovem Guarda você já sabia ou imaginava que ia conseguir se sustentar como artista?

Sempre. Eu só não sabia o quanto ia durar. Não achei que ia durar tanto tempo, até hoje. Achava que ia ser... Aí continuamos, um pro-jeto atrás do outro, furando pedra, batendo cabeça, fazendo show em lugar que não tinha condição de fazer, pagando pra fazer show. Umas vezes você fazia show e o dinheiro não pagava toda a estrutura. Era um Bra-sil começando pro show business e a gente querendo fazer mais do que o Brasil podia. Eu sempre tive... me preocupando com isso, en-quanto os outros se preocupavam em ganhar dinheiro, fazer uma música romântica pra vender tantas milhões de cópias. Eu nunca fiz isso. Eu sempre pensei em fazer minha músi-ca, meu som, e que as pessoas respeitassem esses trabalhos.

Você não teve problemas com o sucesso na época da TV?

Ninguém era tão respeitado como eu. Quando se falava em rock'n'roll, era Eduardo Araújo. É mais em oitenta que surge o Eras-

A ILHA

A JOVEM GUARDA E A TROPICÁLIA, MUDANÇAS POLÍTICAS, FORMAÇÃO DA INDÚSTRIA CULTURAL, RECRUDESCIMENTO DOS INSTRUMENTOS CENSORES

mo, mas ele era mais raiz. Ele não fez rock progressivo, pesado.

Como você acompanhou as transições da música brasileira? Porque você fez parte da entrada da guitarra e essa confusão de MPB que não gostava de guitarrra. E surge a Tropi-cália...

Essa época foi interessante. A preocupa-ção do pessoal da MPB é que a gente to-maria o espaço deles, entendeu? “Porque o rock'n'roll é importado, essa juventude tá ocupando espaço”... e, com o negócio das gui-tarras, iam sumir os acústicos, o violão. Uma preocupação boba, besta. O acústico tá aí até hoje. Meu show é todo acústico. Em vez de se preocupar em continuar fazendo as coisas boas que eles faziam, eles se preocupavam em ir pra rua fazer protesto contra guitarra. Um absurdo bixo! Aquilo eu achava a coisa mais ridícula do mundo.

Você se indignava mesmo?Ahhhh! Pelo amor de deus! Amigos meus

lá bixo! Vandré inclusive, que é muito meu amigo. Os caras queriam separar joio do trigo. Caetano e o Gil. eles perceberam - que não eram nada bobos - que tinham que botar guitarra naquele troço, se não iam ficar vel-hos. Então nasceu a Tropicália; ela nasceu ali. Como houve aqueles protestos, a guitarra to-mando lugar do acústico, do violão, e era uma época de ditadura, uma coisa toda, o tropica-lismo virou como uma... vamos dizer assim... O cara fazia uma música que não tinha nada a ver; aí eles buscavam um subterfúgio pra fa-lar assim: “Referência a verde não pode ter, porque é cor do uniforme militar”. Qualquer coisa o censor ia lá e... porque existiam, dentro da censura, os caras que queriam perseguir os caras da guitarra.

houvesse uma intervenção num momento de anarquia e que fosse devolvido o poder. Depois que teve esse negócio, “nós vamos ficar no poder”, e fizeram aquela coisa de re-pressão.

Quando você pensava na concepção dos álbuns, por exemplo esse que tem muitas referências nacionais....

Eles separavam as pessoas na censura, quem iam censurar. Vou dizer uma coisa pra vocês. Vocês conhecem a “Ilha”, do Taiguara? Foi censurada com ele; eu mandei, ela pas-sou. Quando o Taiguara foi chorando dizer que a principal música do disco dele foi cen-surada, eu falei... O Taiguara era muito emo-tivo: "Eu tô sendo perseguido só porque eu falo a verdade"; "Bixo, não é isso não. Vamo lá, vamo vê a música. Quem sabe posso dar um

jeito nesse trem"; e ouvi a música. Quando eu ouvi, porque ele me levou lá no estúdio, eu fa-lei: "Mas taiguara... essa música bixo, você tá falando da Ilha de Fidel Castro; esse tema aí é muito pesado"; "Mas eu tô falando mesmo"; "Aí bixo. Eu tô falando da ditadura. Pensa do outro lado, se o cara deixa tocar isso na rádio, comem o rabo dele". Mas a música era muito boa bixo, puta... do cacete. "Você me empresta a música"; falei, fui lá... "Quando é que você vai mandar pra mim"; "Já ta pronto, falta pouca coisa". Nós fomos pro estúdio, peguei o ar-ranjo do Taiguara e cantei. Eduardo Araújo a censura dizia: "Esse cara não incomoda".

Você acha que havia um respeito por você ter trabalhado com gente influente como o Carlos Imperial?

Não. Ele foi lá na Ilha das Cobras. Naquela

época, não tinha essa coisa de nome não, bixo! É porque eu não me envolvia, nunca me envolvi com política, nunca critiquei a dita-dura. Se ficar falando bobagem você vai viver as consequências, você tá vivendo um regime de... Eu sou músico, faço música pro soldado e faço música pra guerrilheiro; se o guerril-heiro não gosta de mim, o problema é dele; se o militar não gosta de mim, problema dele. Mas eu não fui pra lá colocar bandeira. Nunca tive isso.

Mas você não chegou a ter problema, ser tachado de alienado ou criticado por outros músicos?

Não, era amigo de tudo... sou amigo do Ge-raldo Vandré, do Jair Rodrigues que eram tidos como outras alas. A Elis Regina. Todos me respeitam musicalmente.

Você chegou a temer a ditadura? A censura intervinha na sua música?

Não, porque eu também nunca fui um cara revolucionário. Da censura eu tinha bronca, quanto ao momento de 68; com o AI-5, aí que eu passei a me incomodar, entendeu? Porque aí a liberdade realmente foi pra cucuia. Mas na época do Castelo Branco não, rapaz. Foi um governo bem tranquilo.

É. A intenção do Castelo não era perpetuar o regime...

Por isso mataram ele. A intenção era que

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uruguai/1972

porões do rock, 1ª edição

Foi um dia da primavera de 1972. Numen, minha primeira banda de composições próprias há pouco havia se separado e eu apresentava-me esporadicamente como solista, com meu violão.

Embora estivesse apenas chegando aos meus 20 anos de idade, eu já era quase um veterano no cenário do rock montevide-ano. Com mais de seis anos de estrada, já tinha tocado – formal ou informalmente - com alguns dos músicos mais conhecidos do ambiente: Sergio de La Peña, o Jimmy Hendrix rioplatense; José Luis Pérez, bat-erista hoje renomado internacionalmente com discos gravados com gente da talha de Jon Anderson (Yes), Yusef Lateef e outros; Alberto “Pocho” Macadar, baixista que en-veredaria mais tarde para o jazz e a música erudita; Alvaro Armesto, flautista e saxofoni-sta, xodó das “groupies” uruguaias e muitos outros dessa prolífica geração. Tive bandas cover de Beatles, Stones, Who, Creedence, Animals, Roberto Carlos [sim... RC!], Small Faces, Cream, Santana, Jefferson Airplane e por aí mais. Havia tocado em uma banda de “jazz” por dinheiro (Sérgio y su Clave Azul) - na realidade uma banda formada por músi-cos profissionais, alguns deles da Sinfônica Del SODRE, mas que tocava de tudo, desde música armênia e judaica, até os sucessos das rádios passando por passodobles espan-hóis, tangos e valsas.

Era muito bom no fim do mês receber meu salário, mas era um trabalho exaustivo e que dava poucas satisfações. Tocava-se duas ou três vezes por semana, com frequên-cia, em dois ou mais lugares numa mesma

noite. Se acrescentarmos que eu tinha minha própria banda – já Numen, nessa época – era uma loucura, passando as noites indo de táxi de um clube a outro, tentando fazer coincidir os horários de apresentação de cada banda e voltando para casa sempre com o sol já bem nascido. Crazy!

Não existiam na época os pubs ou barzinhos com música como hoje. Os mais parecidos eram os Café Concert onde, em geral, tocavam trios de jazz ou bossa nova. As apresentações de rock aconteciam em grandes bailes em clubes de futebol ou basquete, onde compar-tilhavam o palco muitas vezes até mais de dez bandas em dois palcos: um de “Música Beat” – o rock na época – e outro de “Música Tropical” – a salsa de então.

Com certa frequência, bandas mais renomadas davam concertos em teatros como El Galpón, o Teatro Solís, o Millington Drake ou a Sala Verdi; mas existia um cenário alternativo que eram as “Caves” ou cavernas (cuevas). Ali apresentavam-se bandas mais underground, sem o controle da Associação dos Donos de Salas de Baile (ou coisa parecida) que dominavam o mercado e estabele-ciam os valores pagos às bandas.

Senén, o nosso baixista, que era o que hoje chamariam de “empreendedor”, decidiu que nós teríamos a nossa caverna. Conseguiu alugar uma maravilhosa mansão abandonada num dos bairros mais elegantes de Montevi-déu, Punta Gorda, e começamos a organizar

era um dos lugares ‘cult’ do underground capital-ino. Os músicos das bandas mais famosas, após seus shows, iam terminar a noite lá onde muitas vezes davam uma palha e faziam-se grandes jam-

histórias da música sulamericanaSaul e o Tiempo de Rock inauguram a página que dará conta de apresentar o submundo musical de uma América que passou por apuros na década de 70. Nas próximas edições da sÓ mais sobre a cena platina: Dias de Blues, Psiglo, Opus Alfa, Manal, Blilly Bond y La Pesada. Da terra brasilis alguns dos repre-sentantes retratados serão grupos como o carioca Analfabitles e o paulista Fogo de Santelmo. Na próxima edição, Luiz Antônio Domingues, atual baixista do Pedra, conta o Lira Paulistana, a Fábrica do Som e A Chave do Sol.

depoimento de saul garber cedido a elton amorim

É claro que rolava muita droga naquelas noites. Não era raro, quando subíamos as es-cadas em direção ao palco, ter que fazer mala-barismos para não pisar no pessoal deitado nos degraus fazendo sexo na cúmplice escu-ridão. Pela manhã os funcionários da limpeza recolhiam seringas, ampolas, lenços sujos de sangue e sêmen, baganas e todo tipo de lixo de-lator do desenfreio. A situação estava ficando incontrolável para nós que, no fundo, só quería-mos tocar. Senén falou com um empresário que há algum tempo estava nos fazendo pro-postas e “vendeu” o empreendimento por um percentual dos ingressos e mais quatro shows mensais para nossa banda.

A tudo isto, a situação política do país deterio-rava-se a olhos vistos, com frequentes enfrenta-mentos entre militares e os grupos de guerrilha urbana: os famosos Tupamaros, os menos con-hecidos OPR-33 e outros grupos menores.

As ‘razzias’ – ações da polícia em que chega-vam nos carros com um numeroso destaca-mento e vários ônibus para levar detidos os frequentadores – começavam a fazer com que o público pensasse duas vezes antes de ir a ver sua banda preferida, já que o risco de terminar a noite num xadrez de delegacia eram grandes. Nunca tivemos certeza de se isso não era pa-trocinado pelos donos das salas “oficiais” de baile, mas a época das cavernas estava mor-talmente ferida.

shows três vezes por semana com Numen e outras bandas contratadas. Administravamos também o bar e um pool de sinuca, os quais quase em seguida foram terceirizados; era muita coisa pra nós.

O local era incrível: uma mansão em estilo neo-clássico, com pisos e escadarias de mármore, no alto das quais fizemos o palco. Em pouco tempo,

sessions, das quais surgiram algumas das boas bandas da época, entre elas Dias de Blues. Foi assim que conheci Jesus, “Flaco” Barral, Graff e Bertolone de Opus Alfa com os quais participava frequentemente de longas e descompromissa-das improvisações. O público delirava vendo seus ídolos “suando a camisa”, muitas vezes com mais paixão que nas apresentações oficiais.

Page 12: Décima Edição, Coletivo sÓ

QUINTAS com trio do ó 22:00R$9,00 jazz com churrasco de graça

dias 13/5, 3 e 17/6 R$8,00 jazz sem churras

dias 27/5, 10 e 24/6 batuque de fato,

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SÁBADOS, 22:OO, R$10,0022/5 rock, jazz e avant-gard com baratas organolóides, e mama gumbo29/5 hard e prog com Cosmo Drah , o conto (PR) e soul barbeccue

rua inácio pereira da rocha, 177, vila madalena, 9549-4218

DOMINGOS, 18:00, R$10,00 2/5 rock comvisionários e mud sharK9/5 jazz e psicodelia com dharma samu (lançamento do

primeiro disco), e a estréia do grupo a marcenariarua inácio pereira da rocha, 177vila madalena 9549-4218

Coletivo sÓ e Batuque de Fato apresentam maio autoral

para comemorar a décima edição dessa imprensa alternativa