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5/13/2018 DEGRAMMATICA-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/de-grammatica 1/25  1 PROCÓPIO; BRASIL SOARES. De grammatica: história e tradição ocidental. In: ARAÚJO; BIASI; DIEB. (Org.). Seminários linguísticos: discurso, análise, linguística, pesquisa e ensino . Natal: EUFRN, 2010, v. 1, p. 237-260.  De Grammatica : história e tradição ocidental I Eliabe dos Santos Procópio Daniel de França Brasil Soares  Universidade Federal do Ceará Resumo Apontando uma necessidade de estudos sobre esse tema, o presente artigo trata da historiografia gramatical da Antigüidade, exemplificada pelos hindus, gregos e romanos, e comenta alguns autores e obras de destaque. Resumen Señalando una necesidad de estudios sobre este tema, el presente artigo trata de la historiografía gramatical de la Antigüedad, ejemplificada por los hindúes, griegos y romanos, y aún comenta algunos autores y obras de relieve. Introdução Voltados para a historiografia gramatical, objetivamos neste texto apresentar uma sintética, porém rica e produtiva, história da gramática tradicional ocidental, partindo de seu berço, a Grécia, até Roma, compreendendo do século 1000 a.C. a 476 d.C. - período clássico da Antigüidade. E, ainda, unindo a essa história da gramática tradicional ocidental uma sucinta historiografia da gramática tradicional oriental hindu na Antiguidade. Ao tratarmos da gramaticidade hindu na Antigüidade (séc. IV-VII a.C.), afirmamos, consoante Weedwood (2002), que não há nenhuma relação direta ou indireta desta gramaticidade com a grega, pois aquela esteve desconhecida até fins do século XVIII e que, embora Alexandre Magno, por volta do ano de 336 a.C., tenha estado no Oriente, isso não veio implicar numa influência no modus operandi intelectual grego com relação ao estudo lingüístico ou gramatical, já que os heládios consideravam como bárbara qualquer língua que não a sua. Revisando a literatura que se ocupa tanto da historiografia lingüística quanto da gramatical, arrolamos alguns autores nos quais nos apoiaremos em nosso escrito: Câmara Jr. (1986), Furlan (1984), Mattos E Silva (1994), Neves (1987 e 2002), Mounin (1968), Pereira (2000) e Weedwood (2002). Desses, alguns tratam da gramática ou de

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PROCÓPIO, E. . De grammatica: história e tradição ocidental. In: ARAÚJO; BIASI; DIEB. (Org.). Seminários linguísticos: discurso, análise, linguística, pesquisa e ensino. 1 ed. Natal: EUFRN, 2010, v. 1, p. 237-260.

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PROCÓPIO; BRASIL SOARES. De grammatica: história e tradição ocidental. In: ARAÚJO; BIASI;DIEB. (Org.). Seminários linguísticos: discurso, análise, linguística, pesquisa e ensino. Natal:EUFRN, 2010, v. 1, p. 237-260. 

De Grammatica : história e tradição ocidental I

Eliabe dos Santos Procópio Daniel de França Brasil Soares  

Universidade Federal do Ceará

Resumo

Apontando uma necessidade de estudos sobre esse tema, o presente artigo trata da

historiografia gramatical da Antigüidade, exemplificada pelos hindus, gregos e romanos,

e comenta alguns autores e obras de destaque.

Resumen

Señalando una necesidad de estudios sobre este tema, el presente artigo trata de la

historiografía gramatical de la Antigüedad, ejemplificada por los hindúes, griegos y

romanos, y aún comenta algunos autores y obras de relieve.

Introdução

Voltados para a historiografia gramatical, objetivamos neste texto apresentar

uma sintética, porém rica e produtiva, história da gramática tradicional ocidental,

partindo de seu berço, a Grécia, até Roma, compreendendo do século 1000 a.C. a 476

d.C. - período clássico da Antigüidade. E, ainda, unindo a essa história da gramática

tradicional ocidental uma sucinta historiografia da gramática tradicional oriental hindu

na Antiguidade.

Ao tratarmos da gramaticidade hindu na Antigüidade (séc. IV-VII a.C.),

afirmamos, consoante Weedwood (2002), que não há nenhuma relação direta ou indireta

desta gramaticidade com a grega, pois aquela esteve desconhecida até fins do século

XVIII e que, embora Alexandre Magno, por volta do ano de 336 a.C., tenha estado no

Oriente, isso não veio implicar numa influência no modus operandi intelectual grego

com relação ao estudo lingüístico ou gramatical, já que os heládios consideravam como

bárbara qualquer língua que não a sua.

Revisando a literatura que se ocupa tanto da historiografia lingüística quanto da

gramatical, arrolamos alguns autores nos quais nos apoiaremos em nosso escrito:

Câmara Jr. (1986), Furlan (1984), Mattos E Silva (1994), Neves (1987 e 2002), Mounin(1968), Pereira (2000) e Weedwood (2002). Desses, alguns tratam da gramática ou de

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forma genérica ou de forma particular, limitando-se a um gramático ou a um período

histórico.

Dessa forma, nosso artigo abrange o período antigo, cita considerável número de

gramáticos e comenta aqueles considerados importantes, bem como as suas obras,

algumas de cunho para-gramatical, outras de cunho gramatical propriamente dito.

O artigo se encontra trisseccionado em tradição gramatical hindu, grega e

romana, e suas subdivisões.

1.  Tradição gramatical hindu

Como já assinalamos, o nosso intuito é discorrer sobre a tradição gramatical no

ocidente, partindo de sua fonte: a Grécia antiga; porém, antes de iniciarmos essa

historiografia gramatical ocidental, consideramos válido apresentar a tradição

gramatical hindu, primeiramente, porque na história da Lingüística há um capítulo

reservado a essa tradição gramatical e, principalmente, porque, encontramos na

Antiguidade hindu um acurado estudo gramatical da língua sânscrita (MOUNIN, 1968,

p. 68).

A tradição gramatical hindu na Antiguidade teve como objetivo principal a

correta pronúncia da língua sânscrita para uma adequada pronúncia dos Vedas, textos da

religião hindu. O mais antigo tratado gramatical hindu tem por nome  Nirukta 

(Explicatio), de Yāska que viveu no século VI a.C. . Também se tem  Astadhyāhyi (Os

oito livros) ou como é conhecida a Gramática de Pānini, formada por quatro mil sūtras,

aforismos, que foram traduzidos pela primeira vez, na Europa, por Böht-Lingk (1815-

1840).

Em sua análise gramatical (Vyākarana), Pānini, que viveu ao norte da Índia

durante o século V ou IV a.C., evoca a tradição gramatical sânscrita, que era oral,

referindo-se a 68 de seus predecessores e a Yāska, seu antecessor imediato (CÂMAR AJR.,1986, p. 33). O estudo gramatical de Pānini se direcionou tanto à primeira

articulação quanto à segunda articulação, visto que descreve os sons da língua sânscrita

do ponto de vista articulatório, lembrando que sua análise não considerava a noção de

fonema, e sim, o de vocábulo que tem como unidade mínima concreta e fundamental o

sopro vocal (svara), que ao longo do aparelho fonador se modifica; e tendo como

últimos elementos da análise fonética (akshara –  aquilo que não se destrói ) segmentos

mínimos pronunciáveis e audíveis: a sílaba.

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Essa aguçada análise fonética se nota claramente na classificação dos caracteres

do alfabeto hindu: é uma classificação baseada na ordem das consoantes e agrupadas

conforme o seu modo e ponto de articulação, de trás para frente. Segue a classificação

em tabela:

velares palatais retroflexas dentais labiais

ka [ka] ca [tša]  ta [ʈa] ta [ta]  pa [pa]

kha [k’a]  cha [tš’a]  tha [ʈ’a]  tha [t’a]   pha [p’a] 

ga [ga]  ja [dža]  da [da] da [da] ba [ba]

gha [g’a]   jha [dž’a]  dha [d’a]  dha [d’a]  bha [b’a] 

na [ŋa]  ña [ña] na [ na] na [na] ma [ma]

 ya [ja] ra [ra] la [la] va [va]

sa [ça] sa [ša]  sa [sa]

Tabela 01 (MOUNIN, 1968, p.71) 1 

E nesta classificação apresentada na gramática de Pānini, nota-se a distinção feita entre

vozeamento e desvozeamento – [ka/ga]; [ta/da]; [pa/ba] - , e aspiração e não-aspiração  –  [k’a/g’a]; [t’a/d’a]; [p’a/b’a] - ;distinguindo ainda as “articulações intrabucal e

extrabucal”. Entende-se que a articulação intrabucal é os sons oclusivos, os vocálicos, os

fricativos e os semivocálicos (respectivamente, articulação obstruída, livre e meio-

obstruída  –  friccionada); e que a articulação extrabucal, sons produzidos na cavidade

nasal ou no canal faringal, é os sons glotais (vozeados e desvozeados), os aspirados e os

nasais; em suma, sons produzidos dentro ou fora da cavidade bucal. E isso se

compararmos à tradição gramatical grega, notamos que esta estudou a fonética do pontoda audição e que aquela estudou a fonética pelo exame da articulação bucal, inclusive na

gramática de Pānini havia ilustrações da boca produzindo sons.

Em relação a segunda articulação,  Astadhyāhyi,  de Pānini, também ressalta a

noção de raiz dentro da palavra, visto que ele “via na raiz reduzida a raiz original”

(CÂMARA JR., 1975, p.34).

1 “[...] (en itálicas, las trancripción habitual de los indianistas; entre los corchetes, la transcripición segúnal alfabeto fonético internacional)” Mounin, 1986, p.71. 

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Assim, com essa breve explicação, constatamos quão importância a gramática de

Pānini teve tanto na sua cultura quanto na cultura ocidental, quando nos fins do século

XVIII, a tradição gramatical hindu veio influenciar a chamada gramática comparativa,

no sentido de usar a noção de raiz, aplicando-se-a às línguas conhecidas e deste modo

comparando-se-as a fim de se chegar à chamada proto-língua (die Ursprache).

  No entanto, mesmo entre os hindus, a gramática de Pānini, por ter uma

emblemática linguagem, precisou de um Mahābhāsya (Grande Comentário), de

Pantañjali, gramático que viveu na segunda metade do século II a.C. . Vale salientar

que Pantañjali, além de comentar a tradição gramatical hindu pela gramática de Pānini,

apresenta a teoria do sphota, distinguindo a seu modo a noção de fonema e as suas

realizações fônicas individuais.

Com suas gramáticas, Pānini e Pantañjali lançaram as bases da gramática

normativa da língua sânscrita e, conseqüentemente, os tratados gramaticais que vieram a

surgir, como Vakyapadiya, de Bhartrhari, no século VII d.C., eram comentários a

respeito das gramáticas dos gramáticos supracitados.

  Na realidade, desde o século III a.C., a gramática de Pānini já havia se

convertido à filologia e à normatividade, porquanto, em virtude do prácrito2, o sânscrito

havia deixado de ser falado.

E o mesmo estudo gramatical realizado com a língua sânscrita veio a ser

aplicado à língua prácrita3, utilizada pelas castas superiores e para fins religiosos e

literários. E esses estudos gramaticais continuavam a enfatizar a correta pronúncia. Em

relação à língua prácrita, citamos Vyākarana( Análise), do gramático pali Kaccāyana que

viveu no século VII a.C..

E para finalizar, evidencia-se-nos, conforme Mounin, que a tradição gramatical

hindu distinguia verbo de nome e preposição de partícula.

2. Tradição gramatical grega

A história da civilização grega é dividida em quatro períodos: o Micênico ou

Homérico (séc. XV-VIII a.C.), o Arcaico (séc. VIII-VI a.C.), o Clássico ou o Helênico

2Encontramos dupla grafia prakrits, em Câmara Jr., e prácrito, em Mounin; preferimos a esta em

consonância à sânscrito.3Referindo-se aos mesmos autores, notamos que o primeiro considera o prácrito como dialeto e o segundocomo língua; aceitamos que seja língua ao confirmar com Weedwood.

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(séc. VI-IV a.C.) e o Helenístico (IV-I a.C.). Destes quatro períodos, discorreremos

sobre o Clássico o Helenístico, neste por encontrar-se o surgimento da disciplina

gramatical da qual se lançaram as bases da gramática tradicional ocidental; e naquele

por encontrarem-se as especulações lingüísticas que culminaram na criação de uma

nomenclatura gramatical.

Antes de discorremos sobre a tradição gramatical grega, mencionaremos o fato

dos gregos haverem aperfeiçoado ou “inventado” o alfabeto, pois apesar de creditar -se

aos fenícios tal invenção, como até mesmo os próprios gregos o creditavam, dá-se os

créditos aos heládios, porquanto, foram eles os primeiros a grafar além dos sons

consonantais, os vocálicos; adaptando, ao grafar, os sons que não tinham

correspondência com a língua fenícia como também grafando os sons que na língua

grega são impronunciáveis isoladamente: χ, γ, π, β e δ (MOUNIN,1968, p. 91-92).

Partindo deste sintético comentário sobre o aperfeiçoamento do alfabeto

(ortografia), nota-se que a gramática ao longo de sua formação não se desenvolveu em

proporções regulares.

2.1.Período Clássico (séc. VI-IV a.C.)

O período Clássico ou Helênico apresenta-nos a consolidação da filosofia, assim

o estudo lingüístico de cunho gramatical foi antecedido pelas discussões filosóficas,

cabendo aqui afirmar, em consonância com os historiadores da lingüística, que todas as

escolas filosóficas gregas tiveram um momento de discussão em torno da linguagem.

Dessa forma, destacamos primeiramente a inicial indagação filosófica no plano

da linguagem, que era: havia uma relação palavra - objeto? , e desta indagação, seus

desdobramentos: se houvesse, tal relação seria natural ou convencional e como ela teria

surgido?

Para as dadas interrogações, encontramos tentativas de resposta inicialmente nas

obras de Platão (429-347 a.C.). Exemplificaremos com o Crátilo, pois nesta obra

encontra-se um debate entre Crátilo, que afirmava que a língua espelhava o mundo,

Hermógenes, que, contrariamente, afirmava que a língua era arbitrária, e Sócrates que,

comentando os pontos positivos e negativos de seus interlocutores, concluiu que as

palavras seriam os instrumentos de construção de sentidos, cujas propriedades não

poderiam ser defeituosas. Construindo com inúmeras etimologias uma argumentação

convincente, Sócrates mostra-nos, por exemplo, uma associação semântica entre as

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palavras: corpo ( sōma) e túmulo ( sēma) e explica-nos que  sōma é assim chamada

porque é o sēma da alma.

Já em uma outra explicação, Sócrates se dedica a provar através do simbolismo

que:

“Se o ‘l’, por exemplo, representa ‘deslizar’ ou”.‘Resvalar’, podemos esperar que as palavras que contêmeste som tenham algum elemento de ‘deslizamento’ emseu significado, e este é o caso de liparón (‘liso’), glyký  (‘doce’), glyskheron (‘viscoso’)”. (WEEDWOOD, 2002,p.26).

Entretanto, como a autora apresenta, esse argumento esbarra em palavras com sklérótés,

que significa dureza. E Platão, ao longo da discussão lingüística, induz o leitor a

estabelecer, numa dialética, os pontos positivos e negativos de cada concepção sobre a

linguagem, concluindo que, embora a língua na origem tenha estado ligada diretamente

à realidade, agora ela passaria a ser um caminho tortuoso para o conhecimento da

realidade.

Dada a afirmação de Platão, encontramos em  Da Interpretação, de Aristóteles

(384-322 a.C.), um processo dividido em três etapas que tenta determinar a natureza

dessa relação. Essas etapas são: “os signos escritos representam os signos falados, ossignos falados representam impressões ( pathemata) na alma, e as impressões na alma

são a aparência das coisas reais”.(idem, p.27). Aristóteles ainda observa que as coisas e

as impressões (estados de alma  –  grifo nosso) são as mesmas para todos os homens,

variando apenas “as palavras ditas” e a escrita. 

Uma outra obra de Aristóteles onde encontramos estudos para-gramaticais é  A

Poética, onde ele trata dos problemas da arte em geral e em especial dos da literatura, de

sorte que já se nota uma preocupação com a literatura como forma de expressão oral(fala) ou escrita (língua).

Mais precisamente, nos capítulos XIX ao XXI, encontramos uma abordagem

lingüística, onde o filósofo discute “da linguagem e das idéias” , como se as colocasse

em um mesmo plano, explanando-as através da retórica.

  No capítulo XX, Aristóteles nos apresenta as partes do discurso: “letra, sílaba,

conetivo, articulação, nome, verbo, flexão, frase”. Segue a definição: 

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“Letra é um som indivisível não qualquer, mas um de que se produznaturalmente uma fala inteligível. Com efeito, também os brutos emitem sonsindivisíveis, a nenhum dos quais chamo letra. Divide-se letra em vogal,semivogal e muda. Letra vogal é aquela que, sem obstáculo, tem som audível;semivogal é aquela que, com obstáculo, tem som audível, por exemplo, o S eo R; muda, aquela que, além de ter obstáculo, por si mesma não tem som

algum, mas acompanhada de alguma das que tem som; se torna audível; porexemplo, o G e o D. Essas letras diferem conforme o arranjo da boca e olugar, aspiração ou ausência desta, segundo sejam longas ou breves e, ainda,agudas, graves ou intermédias; aos tratados de métrica compete o estudo decada uma destas variedades. Sílaba é um som sem significado, composto deletra muda mais uma com som; com efeito, o grupo GR sem o A, tantoquanto com o A, em GRA, é uma sílaba. Compete, porém igualmente àmétrica estudar essas diferenças.” ( A Poética, XX).

Notamos nestas definições de Aristóteles uma atenção dada quanto à segunda

articulação, em que aquelas estavam observadas segundo a audição. Nota-se ainda que a

definição e a classificação de letra aproximam-se da atual noção de fonema.

Não transcreveremos todas as definições por julgarmos desnecessário quanto ao

nosso objetivo neste texto. Todavia, julgamos importante a definição de articulação dada

n’ A Poética, pois está próxima da chamada prosódia, que regula a correta pronúncia,

como também da noção de acento; neste caso, do da definição, aplica-se-a tanto à

palavra quanto à frase, vejamos:

“Articulação é um som sem significado que assinala o início, ou o fim, ou adivisão de uma sentença, cuja posição natural é tanto nos extremos como nomeio” (idem).

Observemos, a seguir, as definições de nome e verbo. Já as comentaremos por

 julgarmo-las importantes:

“Nome é um som composto significativo sem referência de tempo, do qualnenhuma parte é de si significativa, pois nas composições de dois elementosnão os empregamos como tendo cada um seu sentido; por exemplo, -doro, em

Teodoro, nada significa. Verbo é um som composto, com significado,com referência de tempo, do qual nenhuma parte tem sentido próprio, comonos casos dos nomes; com efeito, homem, ou branco, não dão idéia dequando, mas anda ou andou, trazem de acréscimo, um a idéia do tempo presente, o outro, a do passado.” (ibidem)

Apesar dessas definições de Aristóteles parecerem pouco científicas, comparadas

às de hoje, não devemos cair no crasso erro de analisá-las, retirando-as de seu tempo.

Lembremos de que na seção anterior, quando expusemos a tradição gramatical

hindu, frisamos que os indianos já distinguiam nome de verbo, e agora o mesmo

frisaremos quanto aos gregos.

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Julgamos como de grande valia essa distinção, por creditarmos como o primeiro

passo para se chegar a uma constituição básica de gramática: estudo dos elementos

constitutivos de uma língua; estudo este que pode incorporar-se de alguma finalidade. A

normatividade, no caso grego, como mais adiante veremos.

Dessa forma, ao se definir e ao se diferenciar nome de verbo, notamos o

reconhecimento de que há dois eixos básicos na língua (a grega), grosso modo,

nomeação e ação.

Analisando as definições de nome e verbo d’ A Poética, vemos, primeiramente,

que Aristóteles as define como “som composto significativo”, admitindo-nos que nome

e verbo têm partes, que por sua vez, têm significados, porém “nenhuma parte é de si

significativa”. 

Segundo, o filósofo define as categorias diferenciando-as pela referência ou não-

referência ao tempo; pois, ao exemplificar com “anda” e “andou”, reconhece que há

uma variação de sentido (de significado) que se manifesta numa variação estrutural, pelo

“acréscimo”. 

Por fim, Aristóteles, ao definir as sobreditas categorias, é levado a apresentar e

definir flexão (“acidente do nome ou do verbo”) e frase (“composição de sons

significativos”).  

Ainda n’ A Poética, no capítulo XXI, o filósofo segue definindo e classificando

nome e seus subtipos, conforme sua posição (“simples, duplos, triplos, quádruplos e

múltiplos”), uso (“Todo nome ou é corrente, ou raro, ou metafórico, ou ornamental, ou

forjado, ou alongado, ou encurtado, ou modificado”); e, por último, classifica nome

quanto ao gênero, observando as terminações: masculinos, femininos ou neutros.

Deste modo, notamos que as definições de Aristóteles se aproximam das que

farão os primeiros gramáticos, que se apoiaram na arte literária, e que vieram a

constituir a disciplina gramatical.

2.2.Período Helenístico (século IV-I a.C.)

2.2.1.Os Estóicos

No período helenístico ou, filosoficamente, pós-peripatético, tivemos o

surgimento de escolas filosóficas de distintas inspirações, como: os estóicos, os

epicuristas, os cetistas. Destes, os estóicos se destacaram pelo rumo que deram às

discussões peripatéticas em relação à linguagem.

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Fundada por Zenón (século III a.C.) na Grécia e pregando indiferença aos males

físicos e morais, o estoicismo tratou da gramática separadamente em relação à filosofia,

pois, nesse momento, o teor filosófico decrescera, comparado às especulações

lingüísticas que se fizeram anteriormente. No entanto, isso não significa que, de todo, o

espírito filosófico grego se afastou das especulações metalingüísticas que se fizeram.

Ao falarmos de Aristóteles, vimos que ele defendia que as coisas e as impressões

eram as mesmas para todos os homens, variando apenas as palavras ditas e a escrita. A

esse teorema, os estóicos acrescentaram “uma etapa entre a recepção passiva da

impressão e a fala: o conceito, uma noção que pode ser verbalizada (grego lektón; latim:

dicibile)”.(WEEDWOOD, 2002, p.27). 

Então, essa primeira contribuição estóica derivou em uma outra, na distinção

entre lógos e léxis.

Uma vez que se definira o lektón como enunciado significativo que se

manifestava pelo lógos, este foi definido, por Diógenes de Babilonia (século II a.C.),

como, “um enunciado significativo dirigido pelo pensamento” (idem), e para Diógenes,

a massa física do lógos era a voz ( phōné ), que não faz referência a significado. Dessa

forma, se distinguiu do lógos o léxis, como um enunciado que poderia manifestar-se na

escrita, porém não necessariamente haveria de ter significado.

Outra grande contribuição estóica está em alargar as duas   partes orationis  –  

nome e verbo -, feita por Platão, em nove: ónoma (nome – para os próprios), prosēgoría 

( apelativo – para os comuns - ), rhēma (o que é dito sobre alguém, não possuía caso),

sýndesmos (conjunção, ligava as  partes orationes), árthron (artigo, não possuía caso e

servia para fazer a distinção de gênero e números dos nomes), metoché  (particípio,

caracterizado como o nome, recebia artigo e flexionava como verbo), antonomasía 

(pronome), próthesis (preposição, invariável) e epirrhēma (advérbio).

E, por fim, no século II a.C., os estóicos, trazendo a discussão sobre a

convencionalidade da língua, debateram sobre o seu caráter regular ou irregular. E essa

indagação deu um rumo decisivo para o surgimento da gramática.

Aos que defendiam a regularidade chamavam de analogistas e aos que

defendiam a irregularidade, de anomalistas.

Resumiremos o trabalho dos analogistas assim:

“As regularidades que os analogistas procuravam eram as dos paradigmasformais, nos quais as palavras da mesma categoria gramatical tinham

idênticas terminações morfológicas e a mesma estrutura prosódica; buscavamtambém descobrir regularidades de relação entre forma e significado, segundo

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as quais as palavras comparáveis morfologicamente deviam ter significadoscomparáveis (“análogos”) e vice-versa”. (PEREIRA, 2000, p.44). 

E os anomalistas, em sua grande maioria estóica, contrapunham-se aos

analogistas tentando:

“reformular os paradigmas irregulares do grego em proveito da regularidadeanalógica ( processo que de certo modo aconteceu espontaneamente napassagem do ático clássico, através da Koiné e do grego bizantino, para oestado de língua atual). As formas Zeós, Zeí, Zéa, etc. Foram propostos paraos casos oblíquos de Zeús, em lugar das formas reais, porém anômalas,Zenós, etc. Tais atitudes foram atacadas por Sexto Empírico, escritor doséculo II d.C.(...) Empírico desafiou seus contemporâneos, acusando-os defabricar estranhas formas “analógicas”, tais como Kýonos, em vez de Kýon(cachorro).” (ROBINS apud PEREIRA, idem)

Dessas duas posições, foram os analogistas que conseguiram se sobressair,

porém, notamos que os anomalistas deram mais atenção ao uso, observando a línguaembora esta parecesse anômala; e que os analogistas deram mais atenção à forma, à

estrutura. Igualmente, vêem-se os excessos de ambas as partes, ao serem radicais em

defender seus pressupostos.

Entretanto, nosso propósito é ressaltar as suas contribuições, principalmente das

dos analogistas, quanto à formação da gramática.

2.2.2.A escola de Pérgamo e a de Alexandria

Durante o período helenístico, a cultura grega entrou em contato com culturas

diversas devido às conquistas de Alexandre Magno, logo que, como forma de manter

sua identidade cultural, surgiram centros de difusão da cultura helenística nas cidades de

Antioquia, Pérgamo e Alexandria.

A consciência de que a língua grega escrita estava distanciando-se da língua

grega falada pelos povos helenizados fez com que surgissem estudiosos preocupados

com a língua grega, considerada “pura”, em relação àquela falada pelo povo. Assim surge em Pérgamo e Alexandria duas escolas de estudos lingüísticos de

evidente viso gramatical.

Trataremos primeiro da tradição de Pérgamo, em virtude de sua pouca

representatividade na constituição da gramática, em seguida, da tradição alexandrina.

Influenciada pelo estoicismo, a escola de Pérgamo buscava compreender a

filosofia dos poetas (grifo nosso) e, através da linguagem, a lógica; em suas explicações,

faziam uso dos textos de Homero, “examinavam os relatos históricos em sua relação

com a verdade, meditavam de modo lógico sobre as categorias de língua e ainda se

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dedicavam à retórica e à poética”.(NEVES, 1987, p.108). Aos partícipes dessas

escolas, Kritikós chamavam, como a seu líder Crates de Malos.

Ao revisar os estóicos, vemos que suas especulações direcionaram a vários

campos: o da física, o da lógica e o da moral. Destes, o que interessou à formação das

 partes gramaticae foi a lógica, no sentido de ela se dirigir a uma lógica relacional4, isto

é, “a proposição enuncia uma ligação entre acontecimentos particulares, que a

  proposição seja condicional (“se é dia, há luz”), causal (“porque é dia, há luz”) ou

disjuntiva (“ou há luz ou há sombras”)” ( VERGEZ,1988,p.60). 

Se a escola de Pérgamo era de orientação estóica e defendia o fenômeno da

anomalia lingüística, a escola de Alexandria se distanciou mais da filosofia, dando

vazão a um estudo mais vinculado à língua.

Por isso que os Alexandrinos são considerados a transição de o mais filosófico

para o menos filosófico, embora, neste momento, não se tenha a gramática em sua

plenitude, daí, vimos chamando-a de disciplina gramatical para indicar o processo de

formação gramatical.

Mesmo assim, asseveramos que a escola de Alexandria lançou o modelo de

gramática ocidental.

Imbuídos de preservar a vernacularidade da língua grega, os alexandrinos

tiveram uma inquietação literária, onde instituíram textos a fim de que servissem de

material de análise; examinando as formas (“sinais gráficos e flexão”) da língua grega.  

Cabendo aqui salientar que os kritikós pérgamos chamavam aos alexandrinos de

grammatikós,pois os consideravam em um nível inferior ao só se ocuparem da parte

formal da língua.

Porém, a gramática alexandrina foi baseada tanto na filologia quanto na crítica e

interpretação literária, pois:

“Era para facilitar a leitura dos primeiros poetas gregos que os gramáticospublicavam comentários e tratados de gramática, que cumpriam duas tarefas:estabelecer e explicar a língua desses autores (pesquisa) e proteger dacorrupção essa língua 'pura' e 'correta’. (NEVES, 1987, pp.104-105)

4Observando-se que essa Lógica relacional dos estóicos, ao estudar a ordem fraseológica, aproxima-se da

teoria funcional nos conceitos de lista e núcleo-satélite de Mathiessen e Thompson (1988), tratando daorganização retórica do discurso. Lembrando-se que da teoria funcional surgiu a chamada gramática deusos.

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12

e diferentemente dos pérgamos, os alexandrinos davam maior ênfase à estética dos

escritos poéticos. E essa ênfase quanto à estética desembocou no conceito de “correção”

que perdurará até as nossas presentes gramáticas.

Entre os grammatikós alexandrinos, citamos três: Zenódoto de Éfeso,

Aristófanes de Bizâncio e Aristarco da Samotrácia, todos localizados entre os séculos

III e II a.C..

Dados sobre seus trabalhos são fontes indiretas, como: “registros de

historiadores, citações de escritores posteriores, ou do  Léxico grego de Suídas” (idem,

p.109).

Primeiro bibliotecário de Alexandria e primeiro editor crítico ( Diorthotés) de

Homero, Zenódoto (325-234 a.C.) foi autor de um vocabulário de palavras raras

encontradas no texto de Homero. O Trabalho de Zenódoto consistiu em comparar

diversos manuscritos de Homero, com a finalidade de corrigir ou eliminar versos ou

marcá-los como falsos, “mas os deixava, ou transpunha e alterava, introduzindo novas

leituras”.(apud ibidem, p.110). Porém, o que não se consegue, segundo nossa leitura, é

identificar um critério para tal atividade.

Editor de Ilíada, Odisséia e Teogonia e dos poetas Alceu, Anacreonte e Píndaro,

Aristófanes (257-180 a.C.) “reduziu a acentuação e a pontuação a um sistema definido”

(apud ibd .), como: marca de elisão, uso do pequeno sinal (hipodiatolé , tipo de vírgula

que marcava a divisão numa mesma palavra), uso do hífen (hyphén), uso da vírgula

(hypostgmé ), do ponto-e-vírgula (mése stigmé ) e do ponto final (teleía stigmé ); e estes

sinais que seguem são de sua autoria e eram usados nas edições críticas: o asterísco

(asterískos), assinalando trechos de sentido incompleto ou o fim de um cólon métrico; o

ceráunio (keraúnion), tipo de óbelo coletivo; e o antissigma (antísigma), para assinalar

tautologia.

Também se observa nos textos de Aristófanes as indicações de quantidade e os

de acentos agudo, grave e circunflexo, e estes aparecem por razões óbvias: os falantes

do grego no período helenístico já não dominavam a prosódia da língua grega.

Aristófanes, ainda, observou as distinções de gênero, caso e número e “a

existência de modificadores dos radicais na formação de palavras” (ibidem. p.112).

Autor de comentários (hypomnémata), tratados críticos (syngrámmata) e

recensor dos poetas de sua época, Aristarco tentava “restabelecer o texto genuíno de

Homero”, buscando “os fatos de uso lingüístico, mas não chegava às regras” (ibid ).

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13

Aristarco, ao escrever suas resenhas, utilizava símbolos críticos (óbelo, diplê,

diplê pontilhado, asterísco, estigmê e antissigma, tal como os citados gramáticos).

Apesar de lhe considerarem como príncipe dos gramáticos (koryphaíos) ou

gramático por excelência (grammatikótatos), os dados sobre sua obra se encontram nas

obras de seus discípulos, chamados de hoi Aristárcheioi ou hoi ap'Aristárchou (ibid .);

como por exemplo, a divisão das partes do discurso: nome, verbo, particípio, pronome,

artigo, advérbio, preposição e conjunção.

2.2.3. Os gramáticos gregos

Nesta seção, nos basearemos em  A vertente grega da gramática tradicional, da

professora Maria Helena de Moura Neves, obra que apresenta o surgimento da

gramática grega com respeito à filosofia e à lingüística e, em especial, na segunda parte

do livro, apresenta especificamente a Dionísio o trácio e a Apolônio Díscolo, gramáticos

gregos.

Como já assinalamos é no período helenístico que surge a gramática, tendo esses

dois gramáticos como representantes maiores.

Nascido em Alexandria e de origem trácia, Dionísio viveu entre 170 e 90 a.C., e

autor da téchne grammatiké , obra que marca a gramaticidade no estudo lingüístico, o

qual até então era guiado pelo filosofismo.

Sua grammatiké ainda apresentava resquício do método analítico da escola de

Aristarco, como observamos na divisão de sua gramática:

"-leitura praticada segundo as regras da prosódia;- explicação dos poetas segundo os tropos que neles aparecem;- explicação natural dos fatos lingüísticos e históricos;- investigação etimológica;- exposição analógica

- julgamento das obras" (NEVES, 1987, p.116)

E, segundo Neves, esta última parte é a mais importante da obra. Observamos que, ao

lermos o nome dos vinte e quatro parágrafos, que formam a gramática, todos eles estão

ligados ou à morfologia ou à fonologia, não havendo espaço para a sintaxe, a qual,

numa definição mais genérica, seria a manifestação da organização de idéias

conceptuais na estrutura oracional. Assim, já que neste momento se queria separar a

gramática das outras ciências, tratar da gramática sob esse ponto de vista seria manter-

se na mesma confluência científica.

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A téchne grammatiké ou  Arte da Gramática de Dionísio está dividida em 20

parágrafos, segundo a brilhante edição de Uhlig (1883), os quais Neves (2002) agrupa

em três blocos: "I - os elementos (tà stoicheîa)", onde apresenta a doutrina dos sons; "II

- as partes do discurso (tà mére lógou)", onde o gramático avançou em relação aos

estóicos, pois, ao apresentar essas partes (nome, verbo, particípio, artigo, pronome,

preposição, advérbio e conjunção - divisão bem semelhante a das nossas gramáticas),

ele separa o particípio dos verbos, já que aquele exprime ao mesmo tempo uma ação (ou

estado) e uma qualidade, ou seja, "participa" da natureza verbal e adjetival; também

Dionísio separa as conjunções das preposições e os artigos dos pronomes. Embora o

trácio divida os artigos dos pronomes, ele mantém os pronomes relativos na classe dos

artigos, denominando-os de artigo protáticos ( protaktikón) e aos artigos “definidos”, de

hipotáticos (hypotaktikón). E o terceiro e último bloco é “III –  os acessórios (tà

 parepómena), onde Dionísio apresenta sete categorias gramaticais: gênero, número,

caso, tempo, modo, voz e pessoa5.

Dessa sintética esquematização do trácio, observamos o carácter estrutural e

descritivo de sua gramática, onde o autor delimita seu estudo somente aos fatos

lingüísticos, excluindo ao máximo o filosofismo, até então praticado, como observamos

nas definições apresentadas pelo autor para cada conceito gramatical.

Apesar desse descritivismo, notamos, conforme Neves, que os fatos lingüísticos

analisados revelam “uma finalidade normativa”. 

O segundo maior gramático helenístico é Apolônio Díscolo, o qual viveu na

primeira metado do século II d.C., e se destaca por ser o primeiro gramático a tratar

especificamente da sintaxe.

Apesar de vasta produção6, tem-se hoje apenas quatro obras:  Do pronome, Das

conjunções, Dos advérbios e Da sintaxe das partes do discurso.

Apolônio acreditava que sentido e função das palavras na frase determinavam a

sua classe (NEVES, 2002, p.62; e WEEDWOOD, 2005, p. 32); que não havia sinonímia

perfeita; que exceções não serviam para generalizações; e reconhecia a analogia, porém,

via que o uso fazia surgir anomalias (NEVES, idem). Essas e outras afirmações sobre o

trabalho de Apolônio se depreendem de sua obra e das obras dos gramáticos posteriores,

como, Prisciano.

5Maior esclarecimento vide NEVES (1986,pp.121-198).6Maior esclarecimento vide NEVE (idem e 2002,p.61-75).

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“A presente investigação sobre a congruência sintática servirá para corrigir

quaisquer erros no âmbito da oração” (  Da sintaxe,   I 60, apud  NEVES, idem, p.63),

disso depreendemos o intuito de compor um tratado gramatical que servisse de modelo

genérico da língua grega, servindo-se da sintaxe, como se tal fosse o ponto máximo da

estrutura lingüística, uma espécie de terceira articulação da língua.

E justamente o que Neves (2002) apresenta-nos sob o nome de paralelismo,

porquanto Apolônio compara a teoria dos elementos à teoria das partes do discurso

(idem, p.63). Assim, vemos que a gramática é também comparativa sob este prisma,

consideremos:

“[...] Assim como há sons que se bastam a si mesmos (as vogais) e outros que

só podem ser pronunciados com o auxílio de uma vogal (as consoantes), há,também, entre as palavras as que só podem ser empregadas sós (os verbos, osnomes, os pronomes, os advérbios qualitativos) e as que só se empregamcomo acréscimo à significação de outras (as preposições, as conjunções, osartigos) (I 12). Esse paralelismo abrange, ainda: a ordem das letras e dassílabas nas palavras, comparada à ordem das palavras na frase (I 9), apossibilidade de transposição de letras, comparada à possibilidade detransposição de palavras (I 11); a possibilidade de separações e junções depalavras (I 10); a ordem das letras no alfabeto, comparada à ordem em quedevem ser apresentadas as partes do discurso e à ordem em que se apresentamos casos na declinação (I 13)”. (NEVES, 2002, p. 64). 

Neves ainda apresenta-nos outro conceito de Apolônio: “diátese ou disposição

dos corpos em relação à ação” - argumentando que se os nomes designam os corpos, “é

próprio dos corpos o atuar ou o sofrer (tò diatithénai kaì tò diatíthesthai)”, decorrendo

daí as propriedades verbais de atividade ou passividade (actio,-onis /  pasio,-onis).

Enfim, Apolônio analizando obras literárias dá-nos um estudo puramente

gramatical, filológico.

3.  Tradição gramatical romana

“Græcia capta ferum uictorem cepit et artes intulit agresti Latio” (Horácio, Epístolas, II, 1,156)7 

A história da civilização romana é dividida em três períodos: Monarquia (séc.

VII-V a.C.), República (séc. V-I a.C.) e ao contrário do que fizemos com a história

grega, não destacaremos um período específico, entretanto, costuma-se marcar como a

introdução da gramática em Roma o ano de 169 ou 168 a.C., ano em que o sábio grego

7“A Grécia, cativa, cativou o feroz vencedor e introduziu as artes no Agreste Lácio”. 

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Crates de Malos, enquanto convalescia de uma queda, proferiu palestras de diversos

temas, como sobre a  Ars grammatica (tradução de téchne grammatiké ). Esse fato pode

ser observado na obra De grammaticis et rhetoribus, do historiador latino Suetônio (69-

140 d.C.), na qual ele traça um percurso histórico dos gramáticos e dos retores romanos.

Não obstante, a cultura romana, desde seus primeiros contatos com a cultura

grega haver-lhe tomado como estándar, isso não significa que os romanos adaptaram a

cultura intelectual helena à sua, pois, pensar assim seria limitar o legado cultural romano

à mera adequação e transmissão do que receberam dos gregos. A supraescrita citação de

Horácio exemplifica-nos bem o papel grego em relação aos romanos: introduzir, levar

(intro-, duco, -ere) as artes.

Quanto às Letras, sabemos que Roma foi notória, cabendo-nos, como é o nosso

objetivo, pôr em relevo a tradição gramatical romana, que, por didatismo, preferimos

dividí-la entre Ocidente e Oriente.

Antes de adentrarmos em minudências, nós nos balizaremos em dois

  pressupostos: a) a gramaticidade romana se orientou no “estudo do certo e do errado”

(CÂMARA JR. 1975, p.28); pois tal influência gramatical confluiu com o

estabelecimento da Roma urbana sobre a Roma rural.

Como constatação, apresentamos: Appendix Probi8, relação de duzentas e vinte e

sete palavras com a sua forma culta e a sua vulgar (por exemplo: “cálida non calda;

musiuum non musum; oculus non oclus”); apesar dos vários estudos a seu respeito, o

 Appendix está rodeado de interrogações, como, quem é seu autor, quando e onde foi

escrito.

O grande filólogo francês Gaston Paris defende que esta relação foi escrita no

século III a.C. por um gramático cartaginense, lugar onde o escreveu.

Encontrando-se atualmente na Biblioteca de Nápoles, o  Appendix prova a

atuância da normatividade gramatical na educação romana, perfilando a quem desejasse

a uma correta fala.

E o segundo pressuposto b) “consiste na vontade de submeter os fatos latinos às

regras lingüísticas gregas” (MOUNIN, 1968,p 101), pois o que observamos é que os

gramáticos latinos procuraram enquadrar a língua latina nas regras da língua grega, uns

em grande medida, outros em pouca. Como observa Mounin:

8Maior interesse vide SILVA NETO, 1956.

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“Quintiliano trata de buscar, e acaba por encontrar, o dual em latim, omesmo que em grego9; os gramáticos de Roma encontram um optativo emlatim por o haver em grego. Como o latim não tem artigo, só havia 7 partesda oração, no entanto o grego tinha 8; contudo a interjeição passará a ser emlatim uma parte da oração, estabelecendo o equilíbrio” 

Dessa forma, observemos que até hoje em nossas gramáticas há influência dagramática grega, basta que notemos, por exemplo, em sua taxonomia: reto/oblíquo, os

nomes das figuras de linguagem.

3.1 .Tradição gramatical romana do ocidente

Como representantes desta tradição, apresentamos por ordem cronológica:

Varrão, Quintiliano e Donato, dos quais trataremos sinteticamente.Marcus Terentius Varro ou Varrão de Reate (116-27 a. C.). Discípulo do crítico

(kritikós) pérgamo Crates de Malos e do gramático Aelius Stilo10, Varrão é considerado

o principal gramático latino e um dos mais fecundos autores latinos (MOUNIN, 1968,

p.101; PEREIRA, 2000, p.55). Apesar de haver escrito mais de 400 obras, somente duas

chegaram até nós: Rerum rusticarum (Das coisas do campo) e De lingua latina (Sobre a

língua latina), da qual, composta de "25 livros, restaram apenas os de número 5 a 10"

(PEREIRA, idem). De lingua latina trata da língua latina padrão (o latim clássico), dividindo-se numa

"etimologia - relação lógica entre a palavra e coisa-, numa morfologia - apresenta

distinções, como: palavras variáveis e invariáveis; voz e tempo verbais-, e numa sintaxe,

que não chegou até nós" (MATTOS E SILVA, 1989, p.19). Observemos este trecho

transcrito de Furlan (1984):

"Cum unius cuisque uerbi naturæ sunt duæ, a qua re et in qua re uocabulum

sint impositum (...), priorem illam partem, ubi, cur et unde sint uerbascrutantur, Græci uocant etymologian, illam alteram peri semainomenon. Dequibus duabus rebus in his libris promiscue dicam, sed exilius de posteriore[...]" (V, 1, 2)11 

9 Int. Oratória, I, V, 42b; segundo Pereira, o conceito de dual persistirá no latim até Donato (séc. IV d.C.).10Autor de Carmens Saliares (Cântico Sálios – ordem religiosa) (CÂMARA JR, 1975, p.29).11Tradução de Furlan: "As características de cada palavra são duas: de que coisa [origem] e em que coisa

[sentido] o vocábulo foi imposto. Aquela parte anterior, onde são pesquisados o porque e o donde nascem as palavras, os gregos chamam etimologia; aquela outra, semântica. Dessas duas questõestratarei em conjunto nestes livros, mas da segunda mais sucintamente. [...]"

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Segundo nossa leitura sobre Varrão, parece-nos que seu estudo gramatical se centra

na morfologia, fazendo ainda menção à arbitrariedade lingüística (analogia e anomalia);

notemos esta observação sua ao discorrer sobre "aspectividade verbal" ( perfectum e

infectum), conforme transcreve Mounin (1968, p.102-103):

"A analogia, diz-se, não se observa nos tempos de algum verbo, como legi (li), lego (leio) e legam (lerei); o primeiro dos quais pertence ao perfeito( perfectum) e os outros dois ao imperfeito (inchoatum) (incoativo, grifonosso) (IX, §§96)”. 

Por fim, apresentamos a definição de gramática de Varrão: "conhecimento

sistemático do uso lingüístico da maioria dos poetas, historiadores e oradores", que

"segue de perto a de Dionísio trácio", como assevera-nos Pereira (idem - p.56).

Natural de Logroño, Espanha, Marcus Fabius Quintilianus (30-96 d.C.),

discípulo de Domício Afro e de Rêmio Palemão, escreveu   Institutio oratoria, obra

composta de 12 livros e tendo a retórica como tema principal.

"Neque enim artem gramaticam compenere adgressi sumus12" 

(QUINTILIANUS, I, 5, 54; apud  PEREIRA, 2002, p.62), apesar dessa afirmativa,

Quintiliano nos apresenta uma breve gramática no primeiro livro, sendo considerado osegundo maior gramático, depois de Varrão.

Apresentando-nos sua metodologia quanto à educação infantil in usus oratoria e

"as funções do gramaticus", o discípulo de Palemão faz "uma consideração sobre todos

os níveis de análise gramatical, sejam a fonologia e a morfologia, sejam a sintaxe e a

semântica, bem como a pragmática" (idem, p.19), nos capítulos IV a IX. Vale salientar

que tais considerações estão presentes em toda a obra, porém, o gramático as condensou

nestes seis capítulos.

No capítulo IV, Quitiliano comenta sobre fonologia e morfologia, sobre a  partes

orationis e define gramática retomando a Varrão: "recte loquendi scientiam et poetarum

enarrationem”13 (I, IV, 1, apud idem).

Antes de seguirmos comentando sobre os outros capítulos, transcreveremos os

parágrafos 4 e 5 dos capítulos quatro do primeiro livro, em seguida comentaremos:

12"Pois não pretendemos compor um tratado gramatical"13Arte de falar corretamente e de narrar os poetas.

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"4. Nec poetas legisse satis est: excutiendum omne scriptorum genus, nonpropter historias modo, sed uerba, quæ frequenter ius ab autoribus sumunt.Tum neque citra musicem grammatice potest esse perfecta, cum ei de metrisrhythmisque dicendum sit, nec, si rationem siderum ignoret, poetas intellegat,qui, ut alia mittam, totiens ortu occasuque signorum in declarandistemporibus utuntur, nec ignara philosophiæ cum propter plurimos in omnibus

fere carminibus locos ex intima naturalium quæstionum subtilitate repetitostum uel propter Empedoclæ in Græcia, Varronem ac Lucretium in Latinis, qui præcepta sapientiæ uersibus tradiderunt”.14 

observemos que Quintiliano expõe neste parágrafo uma característica indispensável ao

gramaticus: "o conhecimento enciclopédico", o qual preparava o aluno para o retor,

mestre da eloqüência; já que a gramática em si, com suas regras, não bastava para a boa

formação do orador, e sim que junto à Gramática se explorasse as outras ciências, as

chamadas Artes Liberais, a saber: Gramática, Retórica, Dialética, Aritmética, Música,Geometria e Astronomia.

E neste parágrafo, está o que até hoje justifica as regras da gramática tradicional:

as vozes de autoridade literária ("sed uerba, quæ frequenter ius ab autoribus sumunt").

"5. Eloquentia quoque non mediocre est opus, ut unaquaque earum, quasdemostrauimus, rerum dicat proprie et copiose. Quo minus sunt ferendi, quihanc artem ut tenuem atque ieiunam cavillantur. Quæ nisi oratoris futurifundamenta fideliter iecit, quuidquid superstruxeris, corruet: necessaria

pueris, iucunda senibus, dulcis secretorum comes, et quæ uel sola in omnistudiorum genese plus habeat operis quam ostentationis”.15 

No quinto parágrafo, o autor declara a existência de críticos a Gramática, que a

consideravam "tenuem" e “ieiunam" ; considerações que Quintiliano aceitaria:

14 “Mas não basta ler os poetas: todo tipo de escritores deve ser estudado, não apenas pelo conteúdo desuas obras como pelas suas palavras, que amiúde recebem o aval dos que as empregam. Além disso, aGramática não se pode considerar perfeita prescindindo da Música, pois o gramático deve trazer demetros e ritmos, e, se ignorar a Astronomia, não compreenderá os poetas, os quais  – deixando de ladooutras coisas – servem-se tantas vezes do nascimento e do ocaso dos astros para veicular a idéia de tempo.Não pode a Gramática, igualmente, ignorar a Filosofia, tendo em vista que numerosas passagens demuitos poemas se baseiam na mais profunda sutileza da Filosofia Natural. De mais, entre os gregos temos,por exemplo, Empédocles, e entre os latinos Varrão e Lucrécio, que transmitiram preceitos filosóficos emversos” (idem)15  “Não basta ser um pouco eloqüente para, de cada uma das coisas que expusemos, falar de modoapropriado e abundante. Por isso, são menos toleráveis os que zombam da Gramática, considerando-aárida e de pouca importância: se ela não estabelecer alicerces seguros para o futuro orador, tudo o que se

tiver edificado irá por terra, necessária como é aos pequenos, agradável aos velhos, doce companheira dosretiros; a única talvez que, dentre todos os tipos de estudos, prima pelo trabalho mais que pela aparência”(ibidem).

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"Se ela (a gramática) não estabelecer alicerces seguros para o futuro

orador" (idem), pois, segundo ele, a gramática é "a única talvez que, dentre

todos os tipos de estudo (as Artes Liberais), prima pelo trabalho mais que

 pela aparência (grifo nosso)" (ibidem).

No capítulo V, o retórico-gramático trata das figuras e dos vícios de linguagem e

apresenta as virtudes da linguagem: "emendata, dilucida e ornata" 16 (I, V, 1, apud 

ibidem).

No capítulo VI, Quintiliano mostra-nos os fundamentos da linguagem: "ratione,

uetustate, auctoritate, consuetudine"17 (I, VI, 1). O gramático assevera que o uso deve

reger o falar, porém, devemos ter em conta que a noção de uso quintiliana não é a

mesma da que se defende hoje na lingüística. "Consuetudo uero certissima loquendi

magistra" 18 (idem, 3).

No capítulo VII, expõe-nos "as regras que governam a representação gráfica da

linguagem". No capítulo VIII, "temos a leitura e a apreciação dos textos literários”. E no

capítulo IX, retoma os temas já discutidos e dirige seu discurso aos gramatici.

E por fim, Élio Donato, que viveu no século IV d.C., é autor de várias obras,

dentre elas a   Ars Minor , em forma de perguntas e respostas, as quais focalizam as

classes de palavras; e a  Ars Maior , dividida em três livros, o primeiro sobre vox (voz,

som), litteræ (letra), sílaba, pé métrico, acento e pontuação; o segundo sobre as partes

do discurso; e o terceiro sobre os vícios de linguagem e tropos. Notemos que esta

divisão ainda está próxima das gramáticas gregas, inclusive esta abordagem literária.

Devido ao fato de Donato ter tido alunos célebres, como: Jerônimo, Agostinho,

Ambrósio e Gregório Magno, esses lhe propiciaram alcançar ao vasto império romano,

 já tão cristão, perpassando desta era à era medieval, quando viriam surgir gramáticas de

exposição sistemática exaustiva (chamada de Schulgrammatik )19.

Para concluir esta exposição, observemos este trecho transcrito de Furlan (1984,

p.45), no qual Donato apresenta as partes orationis:

16"Correção, clareza elegância"17"Razão, antiguidade, autoridade e tradição”. 18"O uso é o mais seguro mestre do falar”. 19 Maior interesse vide Weedwood (2005, p. 39).

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"Partes orationis sunt octo: nomen, pronomen, verbum, aduerbum,participium, coniunctio, præpositio, interiectio. Ex his duæ sunt principalespartes orationis: nomen et uerbum."20 

3.2 Tradição gramatical romana do oriente

A essa tradição, apresentamos como representante o gramático

constantinopolitano Prisciano, que escreveu durante o século V-VI, o qual juntamente

com Donato exerceu grande influência no estudo e ensino da gramática na Idade Média.

Dentre suas obras, citamos:  Institutio de nomine et pronomine et uerbo (estudo sobre a

flexão da classe de palavras), Partitiones (análise geral sobre Eneida, na forma de

pergunta e resposta), sua principal obra  Institutiones grammaticæ (exaustiva gramática

de referência, chamada de gramática de regras, ou regulæ).

As  Institutiones grammaticæ de Donato está composta de 16 livros que tratam

"da fonética, da morfologia e da formação de palavras" (FURLAN, idem, p.52) e dois

livros que tratam da sintaxe; notemos que justamente por estar numa região onde se

falavam várias línguas, sua gramática enfatiza a primeira e a segunda articulação, como

forma de manter a pronúncia correta do latim.

Furlan apresenta o sumário da gramática de Prisciano, baseado na edição de

Heinrich Keil de Grammatici latini (1855), coletânea das gramáticas latinas.

Antes de finalizarmos esta seção, é válido citar outros gramáticos orientais:

Êutico e Phocas.

Embora tenhamos citado apenas gramáticos do Ocidente e do Oriente, também

na Roma africana se tem conhecimento de gramáticos: "Marciano Capela e Pseudo-

Agostinho" (WEEDWOOD, idem, p.41), acreditamos que haja outros, tendo em vista

que em tal império a educação simbolizava status, ascensão social. E apesar da escassez

de material, que faz com que apenas o citemos, acreditamos que haja uma terceira

tradição gramatical romana: a do norte africano.Finda esta seção, apresentamos em anexo uma tabela cronológica de gramáticos

ou estudiosos que ao tratarem de outros assuntos abordam direta ou indiretamente a

gramática ou algum tema gramatical.

Conclusão

Expusemos sucintamente mais de dez séculos de tradição gramatical e para-

gramatical, ficando aqui uma visão panorâmica desse grande tema, que tem sido

20"As partes da oração são oito: nome, pronome, verbo, advérbio, particípio, conjunção, preposição,interjeição. Dessas duas são as partes principais da oração: o nome e o verbo”.  

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considerada em segundo plano, pretextando-se que a gramática está ultrapassada;

porém, não esqueçamos da máxima de que o novo constrói-se a partir do velho.

Portanto, nosso intuito é basicamente o de trazer à baila esse assunto que se nos mostra

tão rico, basta que atentemos à tão larga relação (tabela anexa) e que quando se estuda

um tema ligado à Antiguidade, tende-se a compará-lo ao que se estuda hoje. E para que

através de estudos como este, possamos formar um conjunto de textos a esse respeito,

observado que é escasso o material desse tema, e mais escasso ainda o é em língua

portuguesa.

Bibliografia

CÂMARA JÚNIOR, J. Mattoso. História da lingüística. 2. ed. Petrópolis: Vozes,

1975.

DESBORDES, Françoise. Concepções sobre a escrita na Roma antiga. Tradução do

francês de Moretto, Fulvia e Machado, Guacira. São Paulo: Ática, 1995.

FURLAN, Oswaldo Antônio. Das letras latinas às luso-brasileiras. Florianópolis: O.

A. Furlan, 1984.

GRANT, Michael. História resumida da civilização clássica. Tradução do inglês por

Luís Alberto Monjardim. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

LALANDE, Andre. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. 2. ed. São Paulo:

Martins Fontes, 1996.

MOUNIN, Georges. Historia de la linguística: desde los orígenes al siglo XX.

Madrid: Gredos, 1968.

NEVES, Maria Helena de Moura.A vertente grega da gramática tradicional. São

Paulo/Brasília: Editora UNESP/HUCITEC, 1984.

____________________________. A Gramática: História, Teoria e Análise, Ensino.

São Paulo: Editora UNESP, 2002.

PEREIRA, Marcos Aurélio. Quintiliano gramático: o papel do mestre de gramática

na Institutio oratia. São Paulo: Humanitas, 2000.

SARAIVA, Francisco R. Dicionário latino português. Rio de Janeiro: Livraria

Garnier, 2000.

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São Paulo: Contexto, 1996. (Repensando a língua portuguesa)

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Acadêmica, 1958.

VERGEZ, Andre; HUISMAN, Denis. Historia dos filosofos. 5. ed. Rio de Janeiro:

Freitas Bastos, 1982.

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Relação cronológica de gramáticos21 

I a.C Asclepíades de Mirléia, Tiranião, Trifônio e Filóxeno (sábios gregos de

Alexandria, dispersos no final do século II a.C.), Varrão, Q. Rhêmio Fanio

Palemão, Sérvio Cláudio (comentarista de Virgílio).I d.C. Macro, Publius Nigidius Figulus (pretor em 59, não era gramático, porém

escreveu  Notas gramaticais  –  Comentarii grammatici), Quintiliano, Pansa,

  Marcus Valerius Probus (de Beirute, ao desistir da patente de centurião,

voltou-se para o estudo e anotações das obras literárias, autor de  A

irregularidade do uso), Verrius Flaccus (preceptor dos netos de Augusto,

autor de   As obscuridades de Catão e   A significação das palavras   –  

dicionário).II d.C. Velius Longus (séc. I e II d.C.;   De usu antiquæ lectionis e  De

orthographia), Flauuis Caper  (  A latinidade), Terentius Scaurus ( Ars

grammatica, comentador de Plauto, Virgílio e Horácio, preceptor de

Adriano), Sextus Pompeius Festus (dicionarista, refez o dicionário  A

singificação da palavra), Aulo-Gélio ( Noites Áticas, 20 livros que tratam de

temas diversos).

III d.C. Censorino, Terentianus Maurus ( Ars grammatica,  De litteris, de sylllabis,

de metris), Æmilius Asper , Atílio Fortunaciano.

IV d.C. Nônio Marcelo, Diomedes, Donato,  Marius Uictorinus ( Ars grammatica),

Aurélio Macróbio Ambrósio Teodósio (séc. IV-V).

V d.C. Cassiodoro (séc. V-VI, polígrafo), Consêncio (  De Barbarimis et 

 Metaplasmis), Marciano Mineu Félix Capela (  Núpcias de Mercúrio e de

Filologia), Agrécio, Papiriano, Pompeio, Sérgio, Mário Honorato Sérvio,

Cledônio.

VI d.C. Prisciano (séc. VI-VII), Fábio Plancíades Fulgêncio, Isidoro de Sevilha

(séc. VI-VII, autor de Etimologias, enciclopédia de 20 livros que tratam de

Gramática, Retórica e Dialética).

21 Tabela elaborada pelos autores, que coletaram essas informações da bibliografia lida. Como se pode veralguns autores são seguidos de duas referências de século, pois, ao consultarmos as obras, encontramos

divergências entre os estudiosos. Seguem outros para os quais não dispomos de referência a fim de que ossituemos: Casselius Vindex ( Leitura dos Antigos), Stalilius Maximus (Casos particulares), Flávio CarísioSosipatro, Rufino e Valério Cato. Lembramos ainda que este quadro está em construção.

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I a.C Asclepíades de Mirléia, Tiranião, Trifônio e Filóxeno (sábios gregos de

Alexandria, dispersos no final do século II a.C.), Varrão, Q. Rhêmio Fanio

Palemão, Sérvio Cláudio (comentarista de Virgílio).

VII d.C. Beda

VIII d.C. Paulo Diácono (monge do Monte Cassino refez e resumiu o dicionário de

Verrius Flaccus do século I).